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APLICAÇÃO DO SISTEMA TOYOTA DE PRODUÇÃO NA INDÚSTRIA TÊXTIL: UMA SISTEMATIZAÇÃO DOS BENEFÍCIOS E FERRAMENTAS ENXUTAS NO CONTEXTO GLOBAL Samira Yusef Araujo de Falani (PEP/UFRN) [email protected] Mariana Rodrigues de Almeida (PEP/UFRN) [email protected] O mercado, atualmente, está cada vez mais exigente e as empresas estão se esforçando na busca da vantagem competitiva. O Sistema Toyota de Produção (STP) apresenta uma filosofia composta por um conjunto de princípios e ferramentas capazes dde tornar as empresas estavelmente ágeis e enxutas, totalmente voltada para as necessidades do mercado. Este trabalho tem como objetivo principal demonstrar como as ferramentas enxutas podem ajudar a eliminar os desperdícios no processo de beneficiamento de tecidos, mantendo um melhor controle de estoque, melhorando a qualidade dos produtos e obtendo um planejamento e controle operacional mais eficiente em uma grande empresa do segmento têxtil do Rio Grande do Norte. Para implantar os princípios e técnicas da manufatura enxuta, foi utilizado o método de análise do Mapeamento do Fluxo de Valor (MFV), que objetiva a criação de um mapa do estado futuro por meio da aplicação de ferramentas e técnicas do STP. A análise foi conduzida por meio de um estudo de caso, com observações diretas para a coleta de dados referentes ao fluxo estudado. A partir disso, foi possível analisar o fluxo de valor, identificar as perdas, selecionar as ferramentas para melhorias e discutir sobre os benefícios esperados no sistema produtivo estudado. Finalmente, a aplicação das ferramentas enxutas resultou em benefícios que permitiram ser sistematizados e comparados com os resultados já dispostos na literatura, o que proporcionou a apresentação da importância dessas ferramentas para o contexto global das organizações de todo o mundo. Palavras-chaves: Sistema Toyota de Produção, ferramentas enxutas, Mapeamento do Fluxo de Valor. XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

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APLICAÇÃO DO SISTEMA TOYOTA DE

PRODUÇÃO NA INDÚSTRIA TÊXTIL:

UMA SISTEMATIZAÇÃO DOS

BENEFÍCIOS E FERRAMENTAS

ENXUTAS NO CONTEXTO GLOBAL

Samira Yusef Araujo de Falani (PEP/UFRN)

[email protected]

Mariana Rodrigues de Almeida (PEP/UFRN)

[email protected]

O mercado, atualmente, está cada vez mais exigente e as empresas

estão se esforçando na busca da vantagem competitiva. O Sistema

Toyota de Produção (STP) apresenta uma filosofia composta por um

conjunto de princípios e ferramentas capazes dde tornar as empresas

estavelmente ágeis e enxutas, totalmente voltada para as necessidades

do mercado. Este trabalho tem como objetivo principal demonstrar

como as ferramentas enxutas podem ajudar a eliminar os desperdícios

no processo de beneficiamento de tecidos, mantendo um melhor

controle de estoque, melhorando a qualidade dos produtos e obtendo

um planejamento e controle operacional mais eficiente em uma grande

empresa do segmento têxtil do Rio Grande do Norte. Para implantar os

princípios e técnicas da manufatura enxuta, foi utilizado o método de

análise do Mapeamento do Fluxo de Valor (MFV), que objetiva a

criação de um mapa do estado futuro por meio da aplicação de

ferramentas e técnicas do STP. A análise foi conduzida por meio de um

estudo de caso, com observações diretas para a coleta de dados

referentes ao fluxo estudado. A partir disso, foi possível analisar o

fluxo de valor, identificar as perdas, selecionar as ferramentas para

melhorias e discutir sobre os benefícios esperados no sistema

produtivo estudado. Finalmente, a aplicação das ferramentas enxutas

resultou em benefícios que permitiram ser sistematizados e

comparados com os resultados já dispostos na literatura, o que

proporcionou a apresentação da importância dessas ferramentas para

o contexto global das organizações de todo o mundo.

Palavras-chaves: Sistema Toyota de Produção, ferramentas enxutas,

Mapeamento do Fluxo de Valor.

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

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1.Introdução

O nível de competitividade do setor têxtil tem aumentado ao longo dos anos devido ao

mercado internacional contemplar diferentes infraestruturas tecnológicas no processo

produtivo. Os países com economia em fase de desenvolvimento (China, Coreia e Índia)

apresentam características peculiares por obter vantagens competitivas nos aspectos de mão

de obra e o menor custo de produção da matéria-prima. Nessa perspectiva, o setor têxtil se

caracteriza por uma forte heterogeneidade estrutural expressa pelas possibilidades de

operações e de plantas industriais com distintos níveis tecnológicos, bem como da natureza no

processo produtivo.

A busca por melhoria nas empresas do setor têxtil faz com que as industrias e organizações

sintam a necessidade de procurar na literatura ferramentas de gestão capazes de reduzir os

desperdícios gerados internamente e melhor utilizar os recursos no sentido de promover a

melhoria contínua do processo de manufatura, assim garantindo uma sólida posição no seu

mercado.

Segundo Corrêa & Gianesi (1996), no mundo Ocidental tem se verificado um movimento de

reconhecimento do papel estratégico da manufatura na otimização do processo produtivo e

redução de seus custos. Dessa forma, grande parte das empresas ocidentais tem se empenhado

na implementação de processos de transformação baseada nas ferramentas da filosofia de

produção enxuta (Lean Production), motivando iniciativas no sentido de sistematizar e

adaptar tais técnicas Japonesas de Produção às empresas Ocidentais. Ao encadear essas

melhorias, lança luzes para investigar: “Como as ferramentas de manufatura enxuta podem

melhorar o processo produtivo no setor têxtil?”.

Nesse sentido, a temática do presente trabalho recorre as técnicas japonesas de produção

enxuta para otimizar o processo de beneficiamento de tecido, bem como identificar os

gargalos e perdas deste sistema produtivo por meio do mapeamento do fluxo de valor, em

seguida, propor um mapa futuro, adequando as técnicas japonesas à realidade dos recursos

disponíveis na empresa e identificando os benefícios gerados com a aplicação. Visando

responder essa questão central, o objetivo deste trabalho é demonstrar como as ferramentas

enxutas podem ajudar a eliminar os desperdícios no processo estudado, mantendo um melhor

controle de estoque, melhorando a qualidade dos produtos e obtendo um planejamento e

controle operacional mais eficiente.

2.O sistema Toyota de Produção (STP) e Princípios fundamentais do STP

Womack et al (1992) propuseram a expressão produção enxuta (lean production), que

consiste em produzir com o máximo de economia de recursos, para representar a forma de

produção desenvolvida na Toyota. Logo, ampliaram a abordagem e incorporam o conceito de

mentalidade enxuta (lean thinking), que, mais do que uma técnica, significa uma filosofia que

requer menores “lead times” para entregar produtos e serviços com elevada qualidade e baixo

custos, através da melhoria do fluxo produtivo, por meio da eliminação dos desperdícios no

fluxo de valor.

Para Shingo (1996), todo trabalho realizado que não agregue valor é considerado desperdício,

de maneira que todo esforço deve ser feito para eliminá-lo, reduzindo assim os custos da

empresa. A partir dos princípios foram desenvolvidas ferramentas como citadas na Tabela 2.

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Sendo necessário conhecê-las bem para que uma análise do nível de sua contribuição para as

metas da empresa possa ser feita.

Técnicas do STP Conceitos

Círculos de Controle

da Qualidade (CCQ)

Segundo Monden (1984), o processo de melhoria de atividades, movido pela ação

de todos os funcionários (grupos), através dos círculos de controle da qualidade

(CCQ), e do sistema de sugestões, são capazes de permitir a melhoria contínua da

qualidade.

5 "S" A técnica dos 5 “S”, Seiri, Seiton, Seiso, Seiketsu, Shitsuke; propiciam um

ambiente para melhorias, organização e execução das tarefas.

Kanban

É um sistema de informação visual que permite o STP fluir suavemente, sem ser

necessária a manutenção de estoque extra, pois indica o que, e quanto é preciso

da fase anterior, assim como transmitir a informação sobre a ordem de produção.

Shojinka

Shojinka é a capacidade do sistema em responder às variações de demanda

através da flexibilização da mão-de-obra. Três pré-requisitos são necessários para

a realização do Shojinka: layout de máquinas adequado; Operadores

multifuncionais; Operações padronizadas.

Benchmarking

É definido como sendo o padrão de referência, o termo benchmarking representa

o processo de comparação. O sucesso do benchmarking como modelo para

alcançar uma vantagem competitiva depende da capacidade da empresa de

adaptar criativamente as melhores práticas existentes no mercado.

Funcionários com

multifunção

Planeja treinar formalmente funcionários em várias máquinas diferentes e em

diferentes funções. Mazany (1995) afirma que a multifuncionalidade é uma etapa

obrigatória na transição da manufatura tradicional para a enxuta.

JIT

Método de organização da produção. A expressão just-in-time significa “no

momento certo”. Na prática, o sistema JIT parte do princípio de que as partes

corretas e necessárias para a manufatura de um determinado produto devem

alcançar a linha de fabricação no exato momento em que são necessárias e

somente na quantidade necessária (SUGIMORI et al, 1977)

Jidoka

A autonomação (“jidoka”) consiste em facultar ao operador ou à máquina a

autonomia de parar o processamento sempre que for detectada qualquer

anormalidade no processamento

Heijunka

Heijunka é a criação de uma programação nivelada através do sequenciamento de

pedidos em um padrão repetitivo e do nivelamento das variações diárias de todos

os pedidos para corresponder à demanda no longo prazo.

Kaizen

Foco na melhoria contínua, com destaque na maneira como as coisas são feitas,

isto é, o sistema ou processo, sendo o resultado uma consequência natural da

maneira com que se melhora o processo, agregando mais valor ao

produto/serviço com um mínimo de investimento.

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Tabela 1 - Conceitos de algumas ferramentas do STP

As perdas em um sistema produtivo podem ser classificadas como sendo: perdas por

superprodução, transporte, no processamento, fabricação de produtos defeituosos,

movimentação, espera e estoque (OHNO, 1997; SHINGO, 1996).

A eliminação de desperdícios representa um potencial em termos de melhorias na produção,

como: identificação dos desperdícios e do valor; base de gestão do conhecimento; e

implantação de uma cultura de contínua melhoria.

3. Sistematização dos Benefícios do STP

O Lean pode ser aplicado a toda a extensão da cadeia de suprimentos de forma a atingir o

máximo de benefícios dentro da organização, sendo realizado de maneira sustentável. Há

muitos benefícios tangíveis associados ao STP. Melton (2005) destaca seis benefícios típicos

resultantes da implantação de ferramentas: redução de estoques e lead time, menos

desperdícios, menos retrabalhos e maior compreensão do processo.

A literatura destaca alguns outros benefícios do STP, conforme a Tabela 3. Essa

sistematização tem como analise um panorama em um intervalo de pesquisa entre 1977 a

2011 com diferentes aplicações em diferentes países desenvolvidos e em fase de

desenvolvimento. Observou-se, ao longo desse espectro de analise temporal, diferentes

características peculiares nas abordagens.

A Tabela 3 demonstra os autores, o detalhamento das ferramentas lean utilizadas, bem como

seus benefícios com a aplicação, local da aplicação e o ano. Essa sistematização contempla

oito pesquisas em países desenvolvidos, dos quais 5 (Nova Zelândia, Alemanha, Austrália,

Espanha e Japão) apresentou como benefício para a empresa o aumento da motivação dos

funcionários, citados por Mazany (1995) e Johansen et al (2007). O aumento da produtividade

(Inglaterra, Nova Zelândia, Austrália e Japão) e a redução de estoque (Inglaterra, Holanda,

Nova Zelândia e Espanha) são expostos também como um dos principais benefícios do STP,

sendo apresentados em 4 resultados de pesquisas.

A ferramenta mais utilizada pelos países desenvolvidos são as técnicas do JIT (Alemanha,

Austrália, Espanha e Japão) citadas por Johansen et al (2007); Sohal (1996); Sanchez et al

(2001) e funcionários multifuncionais (Inglaterra, Nova Zelândia, Austrália e Espanha)

citadas por Johansen et al (2007); Sanchez et al (2001), sendo aplicadas nas empresas de 4

países da amostra. A ferramenta shojinka (flexibilidade) tem destaque na analise, sendo

apresentados como resultados de 3 países (Inglaterra, Austrália e Espanha).

Nos países em desenvolvimento, o benefício mais ocorrido foi o aumento da qualidade

apresentado nos resultados de 4 países da amostra (Índia, Sri Lanka, Bangladesh e Brasil),

demonstrados respectivamente por Dangayach et al (2001) e Hornburg et al (2008). O

segundo benefício mais encontrados foi o melhor relacionamento com os fornecedores

apresentado em 3 países (Sri Lanka, Bangladesh e Turquia), apresentados pelos autores

Kapuge et al (2007) e Farhana et al (2009).

As ferramentas mais utilizadas na analise foram: o TQC e o JIT, sendo apresentadas em 4

países cada (TQC – Índia, Sri Lanka, Bangladesh e Turquia citado por Dangayach et al (2001)

e Ulusoy (2003); JIT – Índia, Bangladesh, Turquia e Brasil citado por Dangayach et al (2001);

e Hornburg et al (2008)). O fornecimento JIT e shojinka foram as segundas ferramentas mais

aplicada nos países em desenvolvimento.

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Os 5 países em desenvolvimento (Índia, Sri-Lanka, Bangladesh, Turquia e Brasil)

apresentaram 12 benefícios dos 14 citados, a partir da aplicação de 11 técnicas das 19 listadas.

Os 8 países desenvolvidos (Inglaterra, Holanda, Suíça, Nova Zelandia, Alemanha, Austrália,

Espanha e Japão) apresentaram 13 benefícios, com a aplicação de 16 técnicas diferentes.

Autores 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 B

enef

ício

s

Redução de estoques x x x x

x x

Menos desperdícios no processo x

x

Menores lead times x

x x

x

Necessidades dos clientes

x x

Eficiência no planejamento

x

x

x x

Gestão do conhecimento

x x

Aumento da qualidade

x x x X x

x

Aumento da produtividade x

x x x

x

Motivação dos funcionários

x x x x x x

x

Melhor comunicação interna

x x

Relacionamento com fornecedores

x x x x

Fer

ram

enta

s u

tili

zad

as

Controle da Qualidade (CCQ)

x

Zero-defeitos (CQZD)

x

5 "S"

x

x

Manutenção Produtiva (TPM)

x

Kanban

x x

x

Controle de Qualidade (TQC)

x x X x x

Shojinka (flexibilidade) x

x x X

x

Funcionários multifuncionais x

x x x x

Kaizen (melhoria contínua)

x x

x

Heijunka (nivelamento)

x

JIT

x x x x x X x x x

Benchmarking

x

x

Gestão visual

x

Tabela 2 - Sistematização das ferramentas e benefícios do STP ao longo do tempo e na perspectiva mundial

Elaborada a partir de: Piercy et al (2009); (2) Pool et al (2011); (3) Mazany (1995); (4) Johansen et al. (2007);

(5) Sohal (1996); (6) Sanchez et al.(2001); (7) Sugimori et al (1977); (8) Farhana et al. (2009); (9) Dangayac et

al.(2001); (10) Kapuge et al (2007); (11) Ulusoy (2003); (12) Hornburg et al (2008)

Apesar dos países desenvolvidos estarem em maior número, essa sistematização tem como

objetivo refletir a realidade para esse universo pesquisado, os países desenvolvidos e em

desenvolvimento apresentaram em média 2,2 e 2,0 técnicas do STP/país respectivamente.

Quanto aos benefícios encontrados, os países em desenvolvimento e em desenvolvimento

apresentam uma taxa média de 2,8 e 1,6 benefícios/país, respectivamente.

Estabelecendo a relação de benefícios por técnicas aplicadas, tem-se que os países em

desenvolvimento extraem mais benefícios (1,09 benefícios/técnica aplicada) das técnicas

aplicadas que os países desenvolvidos (0,81 benefícios/técnica aplicada).

4. Mapeamento do Fluxo de Valor

O Mapeamento do Fluxo de valor é baseado no princípio fundamental de Lean

Manufacturing. Este princípio diz: qualquer atividade ou ação que não adiciona valor ao

produto é uma forma de desperdício e deve ser eliminada.

O Mapeamento do Fluxo de Valor (MFV), desenvolvida por Rother e Shook (1998), fornece

uma visão global de todas as etapas pelas quais o produto passa dentro da empresa até chegar

ao cliente, em termos de fluxos físicos e de informação.

O MFV cria uma base comum para o processo produtivo, facilitando assim as decisões de

forma a melhorar o fluxo de valor. O MFV pode ser uma ferramenta de comunicação,

planejamento de negócios e uma ferramenta para gerenciar o processo de mudança. A técnica

segue as etapas de escolha da família de produtos, desenho do estado atual, desenho do estado

futuro e escrever o plano de trabalho. A meta é projetar e introduzir um fluxo enxuto de valor,

por isso uma situação atual sem um estado futuro não é útil, sendo o mapa futuro o mais

importante.

5. Método de pesquisa

A pesquisa está direcionada para a identificação e eliminação das perdas no processo

estudado, como também a proposta de um plano de melhorias baseado nas ferramentas da

produção enxuta, com o objetivo de otimizar os processos. Utilizou-se a metodologia do MFV

para investigar e ajudar na adequação da aplicação das ferramentas enxutas.

Para isso, o método utilizado é de pesquisa quantitativa e qualitativa, quanto à natureza da

pesquisa, trata-se de um estudo de caso, o estudo envolve tanto de uma pesquisa exploratória

como descritiva e para a construção da pesquisa e coleta de dados no estudo aplicado foram

realizadas observações diretas.

A presente pesquisa foi aplicada em uma empresa de grande porte, durante o período de um

ano, por meio de observação direta. Para realizar essa pesquisa, observou-se os setores de uma

empresa do setor têxtil e, em seguida, formulou-se um diagnóstico sobre os setores produtivos

e cenário futuro do processo estudado com a aplicação das ferramentas, conforme Rother e

Shook (1998).

6.Aplicação do MFV

O beneficiamento é responsável pela agregação do valor ao tecido vindo da tecelagem. O

tecido é preparado para ser tingido e/ou estampado, quando definido em pedido, e acabado,

para fixar e ajustar as características do tecido, como a Figura 1.

A família escolhida é composta pelo fluxo: preparação ao beneficiamento, tingimento e

acabamento. Todos os departamentos possuem operações com máquinas automatizadas,

havendo apenas a introdução dos lotes manualmente.

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Figura 1. Fluxo produtivo do beneficiamento

Os dados coletados para construção do mapa atual estão dispostos na Tabela 4 em sequência

do processo. Vale ressaltar que os dados em vermelho, na mesma tabela, demonstram as

etapas com maior tempo de ciclo (TC) no processo de beneficiamento, ou seja, apresentam

um alto tempo para a execução de uma peça em cada máquina, sendo as etapas gargalo.

Máquinas TC (seg) TR (seg) Disponibilidade Eficiência Estoque (dias)

CEO 2000 0 0,40 80% 11,1 (antes)

PA 2000 0 0,40 80% 1,3

ME 2000 0 0,40 80% 1,6

PB 2400 3600 1,00 80% -

Repouso 36000 0 1,00 100% -

PS 2000 1200 1,00 80% 1,3

RTA 4800 0 1,00 80% 3,8

Tabela 4 - Informações do processo

O mapa atual, apresentado na Figura 2, objetiva retratar a realidade de todas as operações,

visto que identifica os principais entraves ocasionados pelos gargalos. Com base nisso, esse

mapa possibilita identificar e mensurar as principais perdas por meio do gerenciamento da

capacidade entre as operações do fluxo analisado.

A falta de confiabilidade dos equipamentos pode ser traduzida em justificativas para o alto

nível de estoque apresentado no mapa. Essa perda por estoque pode ser motivada ainda pela

deficiente gestão da produção, que “empurra” produtos no processo sem a preocupação do

consumo dos mesmos, o que resulta em um alto lead time do processo. Os efeitos das

melhorias foram desencadeados em novos parâmetros ao longo do processo produtivo como:

1. Formação de um fluxo contínuo (CEO, PA e ME)

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A formação da célula de manufatura resultou em diminuição de 1,3 dias do lead time total do

processo. Esse benefício também foi identificado pelos autores Piercy et al (2009) e Hornburg

(2008).

2. Implantação do quadro kanban

Um sistema de informação visual que permite o sistema fluir suavemente, sem ser necessária

a manutenção de estoque extra. Como discutido anteriormente, o PCP prevê uma reserva entre

a preparação e o tingimento a fim de reduzir o tempo de processamento sentido pelo cliente.

Dessa forma, o kanban proporcionará um limite e uma redução desse estoque, além da

diminuição do lead time do processo de 20,4 dias para 16,1 dias. Esses resultados de

benefícios estão de acordo com os resultados de Mazany (1995) e Hornburg et al (2008), que

além desses.

3. Aplicação do pitch para nivelamento do mix

O nivelamento da produção por meio do heijunka trouxe benefícios à empresa no sentido de

melhor eficiência na programação, nas operações de PB e PS; redução dos estoques, quando

nivelado o volume de produção de acordo com o gargalo e takt time, principalmente entre as

ultimas operações; diminuição de tempos de setup que são traduzidos em diminuição do

tempo de não agregação do valor, redução de perdas de insumos provocadas pelas trocas de

cores no tingimento, promovendo uma economia.

4. Sugestões de kaizens para adequação do ritmo de produção ao takt time

Observou-se que o tempo de ciclo da Rama supera o takt time. Ao buscar uma maneira de

reduzir esse tempo, identificou-se que ao aumentar a velocidade da máquina em 10% do seu

valor resultaria em um tempo de ciclo de 2400 segundos, o que torna inferior ao takt time e

uma redução no tempo de 267 segundos.

Ao alinhar os resultados dos países desenvolvidos e em desenvolvimento com os resultados

obtidos na pesquisa, tem-se que no panorama dos países desenvolvidos, os resultados

alcançados relacionados à redução de estoques foram citados pelos autores Piercy et al (2009)

e Pool et al (2011). Os ganhos com menores lead times, na visão dos países desenvolvidos

foram citados pelos pesquisadores Piercy et al (2009) e Sanchez et al (2001). No panorama

dos países em desenvolvimento, esse benefício foi citado por Hornburg et al (2008).

Outra atuação do kaizen poderia ocorrer na diminuição do tempo do repouso, a fim de reduzir

o tempo total de processamento de um lote. Para isso, propõem-se experiências no processo

com outros tipos de insumos, ou até métodos de repouso capazes de reduzir ou eliminar esse

tempo de operação, sem afetar características de qualidade.

Como discutido, os tempos de setup reduzidos são indispensáveis para uma produção sob

encomenda. Um kaizen com a aplicação de práticas da Troca Rápida de Ferramentas pode

trazer ganhos à empresa relacionados à diminuição do tempo de não agregação de valor ao

produto. Justifica-se, devido aos clientes desse tipo de mercado buscarem a alta diversidade

de tecidos e o baixo volume nas compras.

Figura 2. Mapa do Fluxo de Valor do estado atual

Figura 3. Mapa do Fluxo de Valor do estado futuro

A Tabela 5 sistematiza os ganhos globais obtidos com a melhoria do atual.

Ferramentas Resultados Resultado Global

Fluxo contínuo (célula

de manufatura)

Eliminação do estoque de 46 lotes entre a

PA e ME.

Redução de 88% dos lotes de

estoque intermediário;

Redução de 21% no lead time

total do processo; e

Redução de 267 segundos no

tempo de processamento de um

lote.

Kanban Redução de 41 lotes de estoque entre ME

e PB.

Heijunka Eliminação de 48 lotes de estoque entre

Rama e Sanfor e Sanfor e RTA

Kaizen (TPM, CCQ,

TRF)

Redução de 10% do tempo de ciclo na

Rama

Redução de 99% do estoque entre PS e

Rama

Redução do tempo de setup da PB e PS.

Tabela 3 - Resumo dos benefícios alcançados com a construção do mapa futuro

Em uma perspectiva quantitativa, o estudo obteve 0,6 benefícios/técnica aplicada. Esse

resultado foi calculado a partir dos benefícios gerados por meio das técnicas aplicadas que

apresentaram benefícios quantificáveis no desenho futuro. Ao comparar esse resultado com os

dos países desenvolvidos e subdesenvolvidos, tem-se que o resultado obtido pela empresa

estudada possui menos benefícios por técnicas aplicadas. O indicador da empresa pode ser

melhorado consideravelmente a partir da quantificação dos benefícios ainda não mensurados

no desenho do estado futuro, como os resultados das técnicas TRF, TPM e CCQ, sobretudo

redução dos tempos de setup.

7.Conclusões

A análise do fluxo de valor do processo estudado permitiu uma visão macro acerca das

operações que agregam valor ao produto, bem como identificação dos 7 desperdícios no

processo, análise da capacidade, dos tempos de ciclo e takt time. Foi necessária uma coleta de

dados inerentes ao processo estudado, que resultou na apresentação das características do

fluxo, identificação das perdas e dos pontos chave de melhorias.

As ferramentas aplicadas diante do contexto do estado atual no processo estudado revelaram

novos conceitos relacionados à cultura da organização. Essa nova mentalidade possuiu o

objetivo de aumentar a confiabilidade e a estabilidade. A análise do fluxo de informação

possibilitou ainda ganhos quanto à agilidade do processamento de informações e controle.

Face ao exposto, é perceptível o alcance do objetivo listado durante a apresentação do

trabalho. A pesquisa demonstrou como as ferramentas podem ajudar a eliminar os

desperdícios no processo de beneficiamento, mantendo um melhor controle de estoque e

obtendo um planejamento e controle operacional mais eficiente.

Ao fundamentar as lacunas existentes da literatura contemporânea, o panorama de pesquisas

possibilitou carências de pesquisas com a utilização das ferramentas nagara e TRF. A pouca

utilização das ferramentas foi jidoka e a utilização de ferramentas visuais. Esse diagnóstico

pode ser analisado em dois aspectos: (1) os pesquisadores não tem maturidade suficiente para

utilizar essas ferramentas no chão de fabrica, apesar da fácil implementação; (2) construção

do panorama limitou-se com pesquisas que descreviam o maior detalhamento, visto que a

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localização seria um critério para subdivisão da amostra entre os países desenvolvidos e em

fase de desenvolvimento e, assim, poucas pesquisas sinalizavam aonde foram aplicadas.

O foco principal deste trabalho foi a obtenção de benefícios no fluxo de valor de uma empresa

por meio da análise do MFV e aplicação de técnicas do STP. Dessa forma, pode-se afirmar

que novas pesquisas podem ser desenvolvidas: (a) Implementação das ferramentas sugeridas

pelo kaizen e medição dos benefícios resultantes, permitindo uma nova comparação do

indicador benefícios/técnica e (b) investigação das possíveis explicações para os resultados da

análise, ferramentas aplicadas e benefícios identificados nos países.

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