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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 14/07/2011 Centro de Estudos 22º Encontro Projeto Mesa-Redonda Nova Lei sobre as Medidas Cautelares 14-07-2011 DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI – Bom-dia a todos. Inicialmente eu cumprimento os componentes da Mesa: Des. José Aquino Flôres De Camargo, 1º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça; Des. Voltaire de Lima Moraes, 2º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça; os painelistas Des. Ivan Leomar Bruxel, Dr. Aury Lopes Júnior e Dr. Gilberto Thums. Apresentarei já na abertura o currículo dos nossos painelistas, eis que este evento está sendo transmitido pela radioweb da Associação dos Juízes do Estado do Rio Grande do Sul a todos os Colegas que não tiveram condições de comparecer aqui no dia de hoje. 1

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ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 14/07/2011

Centro de Estudos

22º Encontro Projeto Mesa-RedondaNova Lei sobre as Medidas Cautelares

14-07-2011

DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI – Bom-dia a todos.

Inicialmente eu cumprimento os componentes da Mesa: Des. José Aquino

Flôres De Camargo, 1º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça; Des. Voltaire

de Lima Moraes, 2º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça; os painelistas Des.

Ivan Leomar Bruxel, Dr. Aury Lopes Júnior e Dr. Gilberto Thums.

Apresentarei já na abertura o currículo dos nossos painelistas,

eis que este evento está sendo transmitido pela radioweb da Associação dos

Juízes do Estado do Rio Grande do Sul a todos os Colegas que não tiveram

condições de comparecer aqui no dia de hoje.

O Dr. Aury é professor da Pontifícia Universidade Católica do

Rio Grande do Sul, na Graduação, na Especialização, no Mestrado e

Doutorado em Ciências Criminais. Possui Doutorado pela Universidad

Complutense de Madrid. Tem vários livros e artigos escritos, e dentre os livros

destacam-se O Processo Penal e Sua Conformidade Constitucional e

recentemente O Novo Regime Jurídico da Prisão Processual, Liberdades

Provisórias e Medidas Cautelares Diversas, este último disponível na entrada

do plenário. Também possui outros livros importantes como O Prazo no

Processo Penal.

O Des. Ivan Bruxel, nosso Colega da 3ª Câmara Criminal, é

também professor da Escola Superior da Magistratura, já foi coordenador da

área criminal do Centro de Estudos e sempre tem contribuído com a

Administração e com o Centro de Estudos na discussão das novas leis que

têm surgido nesta área.

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Centro de Estudos

O Dr. Gilberto Thums, Procurador de Justiça, possui Mestrado

em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Estado do Rio

Grande do Sul; também é professor da Fundação Escola Superior do

Ministério Público; possui vários livros e artigos escritos, entre eles A Nova Lei

de Armas e também sobre a Lei de Drogas.

Agradeço a presença dos painelistas, a disponibilidade em

comparecerem neste dia para debatermos a Lei nº 12.413/2011, que introduz

no nosso sistema jurídico uma nova sistemática das medidas cautelares

pessoais no processo penal.

O nosso trabalho contará com uma exposição inicial do Dr.

Gilberto Thums, em seguida, o Dr. Aury trará a sua contribuição, e, no final,

haverá a intervenção do Des. Bruxel. Após, os painelistas estarão à

disposição para responder às perguntas dos senhores.

Assim, passo a palavra ao Des. José Aquino, 1º Vice-

Presidente do Tribunal de Justiça.

DES. JOSÉ AQUINO FLÔRES DE CAMARGO – Saudação

especial aos integrantes da Mesa, já nominados pelo nosso ilustre Des.

Nereu.

A minha presença aqui se deve à satisfação de registrar que o

nosso Centro de Estudos do Tribunal de Justiça vem desempenhando

fielmente o papel que se espera dele, e imagino que a presença do Des.

Nereu nesta Corte não será muito longa, pois, por sua trajetória, certamente

chegará aos tribunais superiores.

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Centro de Estudos

Considero que o tema que foi escolhido para os debates não

poderia ser mais oportuno, a nova lei sobre as medidas cautelares no

processo penal, e digo isso porque presido a Comissão de Direitos Humanos

do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e, embora não atue na

área criminal, tenho participado de diversos debates e encontros reunindo

todos os segmentos que integram a cena judiciária, e não apenas isso, mas

que envolvem também os Poderes de Estado - Secretários de Segurança

Pública e organismos que atuam nesta área por parte da Assembléia

Legislativa, e vejo que hoje há uma preocupação que precisa ser aculturada

por nós todos com relação ao nosso sistema penal.

A realidade atual das casas carcerárias do Estado é realmente

dramática, e nós temos nos preocupado em compartilhar com todos os

Colegas o que ocorre hoje especialmente no Presídio Central da Capital e no

Presídio de Alta Segurança de Charqueadas, como forma de dividir essa

preocupação com todos aqueles que exercem a jurisdição ou que, de alguma

forma, integram a cena judiciária. É inegável que algumas premissas são

verdadeiras, entre elas que essas grandes casas carcerárias nada mais são

do que reprodução do crime e forma de organização do crime.

Não sou autoridade abalizada para falar sobre o assunto, mas

imagino que esse tema tenha muito a ver com a situação carcerária, porque

se trata de discutir sobre medidas cautelares que digam respeito

especialmente à questão das penas privativas de liberdade ou alternativas que

o sistema possa produzir no sentido de ser eficaz. Não esqueçamos que o

Direito Penal não tem apenas o objetivo de punir, mas, sobretudo, o objetivo,

que muitas vezes não é alcançado, de reeducar e produzir a reinserção social.

Eu fico muito feliz de ver que, em termos de painelistas, nós

temos aqui o que talvez haja de melhor entre nós na área da advocacia

criminal e também um legítimo representante da jurisdição do 2º Grau, Des.

Bruxel, a quem eu tenho um especial apreço, companheiro de jornada. Eu

tenho certeza de que esse debate irá produzir muitos frutos.

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Centro de Estudos

Portanto, Des. Nereu, a escolha do tema foi muito feliz por sua

atualidade, e acredito que todos iremos tirar proveito disso.

Aproveito o ensejo para fazer uma saudação especial ao meu

amigo Des. Voltaire que hoje está completando mais um ano de vida.

Lembro das nossas jornadas, Des. Voltaire. Iniciei minha

carreira como Juiz Substituto em Cerro Largo, e o Des. Voltaire era Promotor

de Justiça lá e conseguiu algo inédito, anular uma sentença minha. Havia

recém ocorrido uma reforma legislativa em que o Ministério Público adquiriu

status diferenciado, e o Des. Voltaire, daqueles entusiastas da função que

exercia, começou a recorrer de todas as decisões em audiências nas quais o

Ministério Público, mesmo que intimado, não estivesse presente. E,

infelizmente, ele ganhou uma delas que ficou para o meu currículo.

Posteriormente, a jurisprudência mostrou que eu estava certo, uma vez

intimado o Ministério Público, mesmo não comparecendo, o Juiz tinha que

realizar a audiência.

Entretanto, o Des. Voltaire foi daqueles Promotores que

dignificou a instituição que integrava e sustentou galhardamente essa posição

que, embora tenha sido vencida ao longo dos anos, talvez tenha sido a

responsável pela definição do Ministério Público como instituição que é hoje.

Felizmente, o Des. Voltaire veio para o Tribunal de Justiça e

hoje é um magistrado de escol, nosso Vice-Presidente responsável pelas

comissões e que coordena essa área criminal toda, recursos especiais e

recursos extraordinários da área criminal.

De sorte que eu quero aproveitar esse ensejo, Des. Voltaire,

para dizer do meu apreço especial por Vossa Excelência, não só como

magistrado, como ex-integrante do Ministério Público, mas como homem,

daquelas figuras de que a sociedade não pode prescindir e com as quais o

Judiciário felizmente pode contar em suas fileiras.

Com essas breves considerações, Des. Nereu, me despeço

de todos.

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Centro de Estudos

DES. VOLTAIRE DE LIMA MORAES – Eu gostaria de,

inicialmente, saudar a iniciativa do Centro de Estudos do Tribunal de Justiça,

na pessoa do seu Coordenador-Geral, Des. Nereu José Giacomolli, por mais

essa iniciativa que já se afigura vitoriosa.

Ao longo dos meses em que está à testa do Centro de

Estudos, o Des. Nereu Giacomolli tem demonstrado, de forma muito eloquente

e expressiva, a sua capacidade em estabelecer eventos dessa magnitude e

importância, ele que tem também um vínculo com a área acadêmica muito

significativo.

Quero saudar os demais integrantes da Mesa, o Des. Ivan

Bruxel, o Prof. Aury e o Dr. Gilberto Thums, dizendo que este triunvirato que

está aqui hoje é extremamente qualificado. Basta olhar o currículo de cada um

e conferir que são estudiosos nesses assuntos, lidadores, no dia a dia, com

essas temáticas extremamente relevantes.

Então, gostaria de dizer, Colega Nereu Giacomolli, que a

minha Vice-Presidência, que trata das comissões e da área criminal do

Tribunal de Justiça, se sente extremamente lisonjeada em ver que um evento

desta importância se realiza hoje na sua expressão máxima.

Gostaria de agradecer as palavras do Des. Aquino, lembrando

o Des. Francisco Moesch: “Essa anulação ocorreu com suavidade”.

Quero saudar também o Des. Bráulio Marques aqui presente,

prestigiando este evento, e os demais Juízes, os servidores do Poder

Judiciário e os estudantes que são nossos estagiários.

Sem maiores delongas, Des. Nereu Giacomolli, mais uma vez

enaltecendo esta iniciativa, eu lhe passo a palavra e desejo um bom dia a

todos.

DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI – Obrigado,

Desembargadores Aquino e Voltaire.

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Centro de Estudos

Quero lembrar que, na base desta nova lei, está também o

que foi mencionado pelo Des. Aquino com relação à superlotação carcerária, e

não só isso, mas também o fato de que, nesta superlotação, mais de 30% da

população carcerária - no Brasil o percentual chega a quase 40% - são presos

provisórios, presos com prisão preventiva, presos sem nenhuma condenação.

Não há estatísticas oficiais, mas seguramente, pelas informações de quem

trabalha nos órgãos penitenciários, esse grande número de quase 40% de

presos provisórios deve-se a presos vinculados à Lei de Tóxicos.

Hoje, temos uma realidade em que, se a pessoa é detida com

uma pequena porção de droga em sua própria casa e se ela tiver na

proximidade um celular, um pires e uma tesoura, ela é tida como traficante e é

encarcerada para conveniência da ordem pública. Como vimos na última

sessão de julgamento da 3ª Câmara Criminal, uma pessoa ficou presa por

quase três anos por tráfico e pela garantia da ordem pública, porque foi presa

em casa, com 0.02g de cocaína e com laudos dizendo que a pessoa era

dependente e com comprovação de que havia feito tratamento, internada em

instituições para dependentes.

Vejam que não são casos isolados. Nós tivemos em torno de

20% dos processos analisados na última sessão referentes a tráfico, com

desclassificação para uso de pequena quantidade apreendida na própria

residência, e não na rua. Se no Rio Grande do Sul é assim, imaginem no resto

do Brasil, onde esse percentual chega a quase 40%, enquanto que no Rio

Grande do Sul esse percentual está entre 20% e 25% de presos provisórios.

Então, esta lei também é uma das estratégias para colocar

nas mãos do Juiz uma alternativa ao recolhimento ao cárcere.

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Centro de Estudos

A concepção que temos é que essa pessoa que vai ser

recolhida ao cárcere não vai mais sair de lá e, de lá, não vai praticar nenhum

crime. Observamos, no nosso sistema carcerário, que essas pessoas que

cometem um crime - mesmo não pertencendo à criminalidade mais violenta, à

criminalidade mais grave - são cooptadas pelas organizações criminosas,

pelas facções dentro do presídio, e não só elas, mas toda a sua família passa

a trabalhar para a facção e a organização.

Então, esta lei vem também na base desta problemática, mas,

pelo que se tem visto, haverá uma grande dificuldade na sua aplicação pela

concepção que temos de que a prisão resolve todos os problemas e que a

pessoa que cometeu qualquer espécie de delito deve ser presa

imediatamente.

Feitas essas breves considerações iniciais passo a palavra ao

Dr. Gilberto Thums.

DR. GILBERTO THUMS – Bom-dia a todos. Saúdo os

componentes da Mesa e especialmente quem veio aqui para ouvir. Acho que

este encontro serve mais para um debate, trata-se de uma lei que provocou

uma mudança profunda no nosso sistema processual, e vai demorar um

tempo até que isso seja sedimentado.

Quem é da área do Direito sabe que a imprensa fez um alarde

gigantesco quando essa lei entrou em vigor no dia quatro de julho, dizendo

que 7.500 presos seriam soltos e que voltariam para a convivência social e

que o Estado mergulharia no caos. Nada disso aconteceu. A mídia é sempre

um problema, e o Judiciário está sempre na mira, como se diz, da imprensa.

Toda vez que acontece um crime, ele tem uma repercussão social maior do

que a gravidade do crime em si. Então, temos de ter muito cuidado nesse

tratamento.

Não quero alongar o meu pronunciamento, para permitir que

haja mais debate, mais questionamentos sobre casos concretos.

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Centro de Estudos

Achei interessante, Des. Nereu, essa formatação de painel,

porque está falando primeiro o Ministério Público, suponho que depois seja a

defesa - falará o Dr. Aury - e, por fim, o Des. Bruxel. É o princípio acusatório.

Só que eu não falo aqui em nome do Ministério Público, quero deixar bem

claro isso, porque eu represento 6% do pensamento do Ministério Público.

Temos uma instituição que tem nos seus genes uma visão

radical do sistema que é a doença, a obsessão pela cadeia, pela prisão; todo

mundo preso, responde preso todo mundo. É mais ou menos como o povo

gostaria que fosse: para o povo a pessoa acusada de um crime já vai para a

cadeia desde o primeiro minuto do crime, depois, vamos ver se ele é inocente

ou não, aí é outro problema, aí ninguém mais fala. Então, estou falando em

meu nome, até para conseguir responder por tudo.

A questão é interessante, porque estamos numa mudança de

mentalidade, e quem é magistrado sabe disso, porque temos uma posição

doutrinária vigente há muitos anos. Falei isso também na AJURIS, que é uma

instituição formadora de opinião, muitos magistrados passaram pela Escola da

AJURIS, tivemos professores nesta escola que sustentavam que o flagrante

prendia por si só. Nunca prendeu por si só, o flagrante só prendia até a

homologação, sempre foi assim, mas aí surge toda uma história de

inquisitorialismo que é da tradição do nosso sistema processual.

Até hoje temos o nosso Código de Processo Penal

impregnado de disposições autoritárias, em que o Juiz faz o trabalho do

Ministério Público, e gostei de ouvir essa exposição relacionada com os

Desembargadores Voltaire e Aquino, sobre a questão do Ministério Público.

Acontece que continuo entendendo que, hoje, o Juiz não pode

realizar audiência sem Promotor, mesmo intimado, porque isso quebra o

princípio acusatório; o Juiz assume as funções de Ministério Público no

momento em que ele passa a fazer o papel do Promotor. O Juiz não faz

audiência se não tem advogado, como ele vai fazer audiência se não tem

Promotor?

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Centro de Estudos

Então, parece-me que agora chegamos num ponto em que o

magistrado teria de acertar a pauta com o Promotor quando ele não é titular,

quando é substituto, por exemplo. Logo, se o Promotor vai numa Comarca

apenas nas quintas-feiras, o Juiz terá de fazer as audiências criminais nas

quintas-feiras, porque é o dia em que o substituto aparece, ou adiar para a

próxima sessão. Vejam bem, se o Juiz fizer as vezes do Promotor, inquirindo a

testemunha em contrariedade ao art. 212, parece-me que o Juiz assume a

função de acusar, e esse papel é de quem acusa e tem de produzir a prova.

Então, imagino assim: o Juiz abre a audiência, não tem

Ministério Público para ouvir uma testemunha, portanto, o Juiz passa a palavra

imediatamente para a defesa, a defesa vai dizer que também não tem

perguntas e aí ficamos como? O Juiz fica tentando espremer a testemunha, e

não tem ponto controvertido.

Temos de admitir que estamos vivendo um novo momento no

sistema processual que é o do sistema acusatório. A Constituição, a partir de

88, não expressamente, consagrou o modelo acusatório, mas aos pouquinhos

estamos vendo que o sistema vai tentar se consolidar. Eu cito isso em função

de que, se o Ministério Público requerer a absolvição do réu ao Juiz, o Juiz

pode condená-lo. Fico imaginando no sistema americano, por exemplo, onde

o Promotor retira a acusação, e o Juiz diz: “Não, mas eu vou condenar igual”.

Está no art. 385 do CPP que o Juiz pode condenar contra o pedido do

Ministério Público, ainda é um ranço de um sistema inquisitorial, e esse

sistema ainda está permeando o nosso processo.

Então, inicialmente, eu queria colocar essa questão da

chamada mudança de mentalidade. Já escutei de alguns magistrados: “Eu

não sou uma samambaia pendurada num espaço”, que o Juiz também é

agente, o Juiz não é cego. Eu concordo com isso, o Juiz não é uma

samambaia dentro de uma sala, mas quanto menos ele se envolver com o

papel do Ministério Público, melhor.

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Centro de Estudos

Vemos que isso vai ser difícil, porque é realmente uma

mudança de mentalidade. Quem tem de fazer esse papel é o Ministério

Público, que é uma instituição que deixou muito a desejar, lutou muito para

conseguir os espaços, para conseguir as atribuições, mas hoje o Ministério

Público deixa a desejar no seu papel; os Promotores não assumem as suas

funções na sua plenitude e deixam ao Juiz. Sei de Comarcas em que o

Promotor deixa uma lista de perguntas ao magistrado para fazer à

testemunha. Acho ridículo que o Juiz faça as perguntas que o Promotor deixou

para ele, porque ele não vai estar presente na audiência.

Isso é um problema que as instituições têm que resolver com

essa questão da vigência do art. 212 do CPP. Eu não tenho muito apego ao

formalismo - se o Juiz começa a fazer as perguntas ou se pergunta ao final,

isso para mim não interessa muito -, mas acho que a ausência física do órgão

acusador inviabiliza a audiência. Espero que isso chegue ao STJ e que

tenhamos uma posição, mas eu já fico imaginando que o sistema acusatório

não tenha chegado lá ainda. O Aury vai ter que vender muito livro ainda. Já

comprou a Editora Lumen Juris e é um homem que está semeando muito, e,

com certeza, isso é uma mudança de mentalidade.

Nós temos que reconhecer que estamos passando por esse

processo, mas também não posso deixar de considerar o que foi dito por

quem me antecedeu que o caos do sistema penitenciário hoje é uma questão

proposital, porque construir presídio não dá voto, e o PT não constrói presídio.

Por quê? Porque construir presídio significa encarcerar pobre. Não é isso?

Esse é o discurso.

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Centro de Estudos

Aliás, esse é o discurso que permeia as universidades hoje.

Em todas as universidades, federais e particulares, o discurso é o da extrema

esquerda, não há mais trabalho científico que não esteja alinhado com a

esquerda. E isso tem que ser dito, o pensamento mais central, chamado

dominante, não tem nada a ver com a direita, está solapado. Hoje o que é

bonito é só falar sobre os direitos humanos e o das minorias, dos gays, enfim,

das pessoas que estão excluídas, e ninguém consegue falar nada sobre

ordem jurídica, sobre o que é interessante para o País.

Portanto, não tenho nenhuma esperança em relação a

construção de presídios, e nós temos que ter mais presídios. O Poder Público

tem que desapropriar áreas e construir presídios, e não ficar fazendo

plebiscito para ver se a comunidade aceita um presídio. O poder de império do

Estado permite que ele desaproprie uma área para construir um presídio

porque geograficamente é importante. Se fizer enquete, se fizer pesquisa, a

maioria das pessoas não quer presídio no seu município, e isso é um

problema, é o chamado excesso de democracia. Esse excesso vai nos levar a

caminhos bastante perigosos, e essa situação que está acontecendo é

intencional, porque há muito tempo não se dá atenção ao problema da

população carcerária.

Nós temos que reconhecer que os presídios são uma

academia para o crime, facções criminosas dominam os presídios, todo

mundo sabe disso. E, se uma pessoa cai no sistema penitenciário, para poder

sobreviver, ela tem que se filiar a uma facção para ter a proteção. E, no

momento em que sair do presídio, ela terá uma dívida com essa facção, e

provavelmente essa dívida será assalto, tráfico, enfim, alguma coisa em

retribuição pela proteção que teve durante o encarceramento. Isso é uma

falência absoluta do Estado no sistema penitenciário. Sinceramente, nós não

podemos nos chamar de país democrático, porque essa situação é

simplesmente desumana, e, realmente, o pessoal dos direitos humanos tem

toda a razão, é indigna.

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Centro de Estudos

Há pouco, uma Juíza da VEC limitou o número de presos a

serem recolhidos ao Central em 4.650, se não me engano. É o teto de presos

para o Central, e não se pode recolher mais, porque é mesmo desumano isso.

Só que vão recolher para onde? Essa situação gera, na população, uma

sensação de impunidade, fica a sensação de que se pode cometer crime

porque não se vai preso. É um sentimento desconfortável para a coletividade

em geral.

A questão é bastante séria, e não vejo - eu sou muito

pessimista -, nem a longo nem a médio prazo, uma solução para ela. Quando

dizem que estamos no fundo do poço, não é verdade, não estamos nem no

meio do poço ainda. A sociedade vai mergulhar num caos por causa dessas

políticas públicas. E a responsabilidade disso, sabemos, é de partidos que

governaram o País e que ainda estão governando. Eu não só falo do PT, falo

do PSDB também, de partidos que simplesmente largaram esta questão. Está

todo mundo só fazendo políticas públicas que dão voto, pensando sempre na

reeleição ou na manutenção do poder.

Isso é grave no País, porque não interessa o bem social, a

questão é mais pessoal, basta olhar o que está acontecendo em nível federal.

A insensibilidade que o País tem com relação à corrupção, em que

presidentes blindam ministros notoriamente corruptos. O Procurador-Geral

etiqueta o Palocci como líder de uma quadrilha, de uma facção criminosa, e

um ex-presidente quer blindar este ministro, que agora é ex-ministro, para que

ele não seja submetido a um processo. Então, se o exemplo de cima está

assim, se no andar de cima a coisa está assim, no andar debaixo vai

acontecer o quê?

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Centro de Estudos

Às vezes, eu fico pensando que para um Juiz deve ser uma

tarefa muito difícil decretar a prisão preventiva do chamado chinelão, o sujeito

que cometeu um pequeno assalto com uma faca, uma coisa assim. Trago aqui

o exemplo daquele ladrãozinho do Mercado Público que foi objeto da RBS por

30 programas, retratando uma situação grave porque a Polícia prende, e o

Judiciário solta. O crime dele qual foi? Furto de telefone celular de pessoas

descuidadas, aliás, tentativas, porque, em todas as vezes, ele foi preso. É um

imbecil, ele subtrai e é preso. Então, ele é um cara perigoso, um meliante

terrível, e uma medida cautelar para dizer para ele se afastar do Mercado

Público seria conveniente, mudar o local do assalto dele, deixar as vítimas do

Mercado Público que são os aposentados, aqueles que vão comprar coisas de

alimentação ali. A questão é bastante séria para o magistrado hoje.

Essa lei que veio não foi feliz ao sistematizar as medidas

cautelares. Eu vejo essa dificuldade e quero depois ouvir o Aury, porque a

fiança é um instituto que perdeu a credibilidade já há muitas décadas para

nós. Em outros países, a fiança é algo que funciona muito bem e na Justiça

Federal também funciona muito bem, mas por quê? Nós nos acostumamos ao

fato de o Juiz homologar o flagrante por estar perfeito e depois conceder

liberdade provisória sem fiança, mediante termo de compromisso, se não

existirem os motivos da preventiva. Isso está correto, só que agora não pode

mais ser assim, porque hoje existem novas medidas cautelares, e a fiança

passou a ser uma medida cautelar.

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Por um lado, o legislador trata a fiança como medida cautelar,

depois ele a trata com outra nomenclatura. Não consegui entender o que o

legislador quis ao tratar da fiança. Tem três tipos de fiança, e a fiança que eu

acho que realmente funciona é a da Polícia quando a pessoa é presa em

flagrante, e o crime tem uma pena máxima de até 4 anos, como é o caso do

furto simples, do estelionato, da apropriação indébita, crimes sem violência à

pessoa e, às vezes, até com violência, mas em que a pena máxima não

extrapole a 4 anos. Se a pena máxima prevista não passar de 4 anos, o

Delegado lavra o flagrante desde que não seja crime do JECrim, porque, se

for crime de menor potencial ofensivo, lavra um termo circunstanciado e libera.

Contudo, se for crime mais grave, com pena máxima de até 4 anos, o

Delegado lavra o flagrante independente de ser reclusão - antes só podia com

detenção e agora até com reclusão -, arbitra a fiança e solta.

Mas e se for pobre, se o Delegado fixou a fiança em cinco mil,

e o sujeito não tem onde cair morto? Passa para o Juiz o problema, e o Juiz

vai substituir a fiança por outra medida cautelar.

Houve uma mudança significativa, pois agora o Juiz não dá

vista do flagrante ao Ministério Público. Antes o Juiz dava vista, e todos os

Promotores já tinham o chavão pronto e faziam um pedido de preventiva para

todos, inclusive para crime de menor potencial ofensivo. Se pudessem,

prendiam. A idéia hoje é diferente, o Delegado que faz o flagrante tem que

comunicar o fato a um familiar do preso, avisa que ele tem direito a um

advogado, se ele não tiver advogado, avisa a Defensoria Pública, comunica o

Juiz e comunica o Ministério Público.

Por que comunica o Ministério Público? Promotores não

podem mais deixar lá o Secretário de Diligência de plantão no fim de semana

e saírem da Comarca. Na verdade, o Ministério Público é comunicado do

flagrante para os efeitos do pedido de prisão preventiva, quer dizer, isso

obriga a aproximação do Ministério Público com a Polícia.

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O Juiz recebe o flagrante, homologa se este estiver perfeito,

ou, se estiver em desacordo com as normas legais, ele não homologa e relaxa

a prisão. Entretanto, depois de homologado o flagrante é que o Juiz está com

o que se chama de pepino, e por quê? Ele vai ter que seguir as regras que

estão no Código. A lei prevê os princípios fundamentais que são a

necessidade e a adequação. Então, a primeira coisa é ver o tipo de crime.

Existem crimes em que havia um exagero nas prisões cautelares. Eu cito um

exemplo que é muito comum que são os crimes contra a Administração

Pública.

Agora, houve essa Operação Cartola, e felizmente o Juiz teve

serenidade e não decretou a prisão desses funcionários públicos que foram

objeto da investigação. Mas qual seria a medida para esses funcionários?

Afastá-los da função. Se o funcionário é corrupto porque ele trabalha num

setor de licitações, qual é a medida cautelar adequada? Tirá-lo do serviço

público, não só daquela função, ele sai do serviço público cautelarmente. É

como se ele estivesse preso, mas não precisa segregar numa cadeia, porque

o crime dele é um crime sem violência, mas é um crime contra Administração

Pública, ou seja, é contra o povo em geral, é um crime contra a coletividade. O

crime é grave, sim, mas não é grave a ponto de significar a segregação do

agente. Se ele comete esse crime no exercício da função, como é que eu

resolvo? Tiro ele da função e não preciso decretar a preventiva, porque,

senão, vou entupindo os presídios com pessoas que não precisavam estar

presos lá.

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Podemos pegar inúmeros exemplos. O caso do Ricardo Neis,

o falado matador das bicicletas, foi motivo de imensas reportagens, pedidos

de prisão preventiva, prisão perpétua, pena de morte se fosse possível. Eu

não o estou defendendo, acho que ele é um psicopata, um sujeito

problemático. Quem toca um veículo em cima de ciclistas, à traição, pelas

costas, apresenta uma situação bastante grave, mas qual seria a medida para

proteger a sociedade desse indivíduo? Suspender seu direito de dirigir, tirar a

carteira dele, proibi-lo de dirigir como medida cautelar, e o descumprimento de

uma medida cautelar justifica a prisão preventiva.

Então, acho que a comunidade, aos poucos, vai conseguir

assimilar isso. O Juiz pode ser tolerante, vai aplicar uma medida mais suave

que é uma cautelar, mas vai advertir que, se o réu infringir aquela medida,

será preso.

Assim, falando do ponto de vista mais civilizado, o Ricardo

Neis pode ser um desequilibrado, mas ele é um sujeito que trabalha num

órgão público, não tem um histórico na vida de crime de violência nenhum, foi

um momento azarado na vida dele, e penso que receber uma medida cautelar

sob ameaça de ser preso preventivamente seria eficaz e suficiente num caso

como esse.

Considero um grande desafio para o Juiz escolher a medida

adequada, e isso está lá no art. 282. Para decretar, hoje, uma prisão

preventiva, o Juiz tem que conjugar 3 artigos, ou seja, ver a adequação, a

necessidade e o cabimento, porque a prisão preventiva só é cabível em

crimes que têm pena de reclusão acima de 4 anos. A pena de prisão tem que

estar prevista no tipo penal acima de 4 anos, mas isso também não é

suficiente, isso é apenas para se admitir a prisão dele. Ele tem que preencher

os demais requisitos. Vai-se utilizar da prisão preventiva por quê? O réu

ameaça testemunhas? Ele tem perigo de fuga?

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Ninguém precisa olhar novela aqui, mas vou dar o exemplo

daquele banqueiro que está preso – é só na Rede Globo que banqueiro fica

preso. O sujeito está preso porque havia um risco de fuga, o Horácio Cortez

foi preso no aeroporto. O crime dele é contra o sistema financeiro. Se formos

olhar, o crime é gravíssimo, mas, se formos ver qual é a pena, ela é ridícula.

Então, ao longo dos anos, o legislador tratou de fazer isto, os chamados

crimes do colarinho branco são criminalizados, mas a peninha é bem

pequena, então, quando o pessoal refere que o rico não vai para a cadeia, a

questão não é essa. É que rico não comete latrocínio, rico não comete

extorsão mediante sequestro. O rico comete sonegação fiscal, crime contra o

sistema financeiro, eventualmente estelionato, crime de falência fraudulenta

que são crimes, se observarmos, que requerem outras medidas, e, até

porque, se condenado for esse rico, caberá a chamada pena alternativa, a

PRD. O Juiz, na hora do flagrante, ao verificar que, se essa pessoa for

condenada, a pena será inferior a 4 anos, pode-se perguntar por que decretar

a preventiva.

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Tenho um caso que é emblemático e preciso citar para os

Colegas aqui. Aconteceu em Vacaria, quando entrou em vigor o Estatuto do

Desarmamento. O primeiro cidadão preso pelo Estatuto do Desarmamento foi

um empresário, dono de um posto de gasolina em Vacaria. O posto dele

sofreu um assalto, e o assaltante foi desapossar o frentista que estava com os

cheques e com o dinheiro da venda de gasolina. O dono do posto estava no

escritório e estava assistindo ao assalto. Num descuido do assaltante que

abaixou a arma para tirar os cheques do frentista, o proprietário do posto

disparou a arma de dentro do escritório para atingir o assaltante e o acertou

no ombro. O assaltante, por reflexo, soltou a arma e empreendeu fuga.

Chamaram a Brigada que recolheu a arma do assaltante, colocando-a num

plástico para perícia, e um brigadiano pediu para ver a arma do empresário

que atingiu o meliante. Quando o empresário mostra a arma para o

brigadiano, este viu que a arma não tinha numeração e deu voz de prisão ao

empresário. Aquele cidadão foi preso em flagrante porque possuía uma arma

com numeração suprimida. A pena é de 3 a 6 anos de reclusão. A prisão foi

homologada pelo Juiz com aquele despacho tradicional: “Homologo o

flagrante, mantenho a prisão”. Por que o Juiz manteve a prisão, por qual

fundamento? O Juiz diz que não precisa dar fundamento. O flagrante prende

por si só, não é isso? Foi interposto um habeas no Tribunal, que foi negado. Aí

surge o pior: em 25 dias, o empresário estava condenado a 3 anos de

reclusão, pena mínima. Aí, o Juiz mandou-o para casa depois de condenado,

porque deu uma pena alternativa para ele substituir os 3 anos de reclusão por

pena restritiva de direitos. O advogado perguntou ao Juiz: “Doutor, diga-me só

uma coisa para eu poder entender, sou advogado há tantos anos e eu queria

só entender. Durante o processo meu cliente ficou preso preventivamente.

Agora ele está condenado definitivamente e vai para casa”. O Juiz respondeu:

“É a lei, é a lei, Doutor”. Mas por que é a lei? A lei tem um dispositivo que

determina que os crimes do art. 16 são inafiançáveis. São inafiançáveis, mas

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não significa que não caiba a liberdade provisória sem fiança. Não é isso? Se

praticar um homicídio, não posso responder em liberdade?

Acho que temos que refletir sobre isso. Temos que evitar o

encarceramento de pessoas que, na verdade, não representam uma ameaça

social. Hoje se pode concluir, de uma forma bem rasa, que o encarceramento

provisório está restrito aos crimes violentos em que há necessidade de

segregação, porque não basta só o crime ser violento. Essa é uma questão.

Eu era Promotor em Canoas e fui um dos primeiros a receber

uma crítica feroz da instituição, porque uma pessoa foi presa por homicídio

qualificado em Canoas, e eu me manifestei pela concessão de liberdade

provisória sem fiança, embora o crime fosse rotulado como hediondo. Foi uma

avalanche de críticas no sentido de que eu ser radical, alternativo. As pessoas

que falavam não sabiam do fato. Era uma mulher que matou o seu

companheiro, com o qual convivia há mais de 20 anos, e ela havia sido

agredida ao longo da vida, por umas 50 vezes, por esse indivíduo que era um

sujeito alcoolista e que, quando bebia, a agredia. Essa senhora era provedora

da família, ela sustentava dois adolescentes, e o sujeito era um parasita. Aí,

um dia, ele chegou bêbado em casa, deu um soco na esposa dele,

ocasionando um hematoma gigantesco no olho dela que tapou a sua visão, e

ela decidiu que naquela noite acabaria o seu sofrimento. Ela pegou uma

marreta, enquanto ele dormia, e afundou a cabeça dele com a marreta.

Alguém diria assim: “Matou bem”. Ela chamou a Brigada Militar para se

entregar. Foi algemada, autuada em flagrante e recolhida ao presídio. O Juiz

está com o flagrante na mão. É um homicídio qualificado, porque a pessoa

não tinha chance de se defender. Então vão dizer que tinha de haver prisão

preventiva, que o crime foi grave. Sim, o crime é grave, mas existe

necessidade de segregar? Não.

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Essa é a grande questão. Por isso o Ministério Público é

intimado para justificar os pedidos de prisão preventiva, pois, se o Juiz não

tiver elementos, vai soltar. É claro que os Juízes não vão soltar assim à toa,

como diz a imprensa, os Juízes são cautelosos, porque vivem também na

sociedade e sabem que em crimes com violência como assaltos, sequestros,

enfim, crimes de extrema gravidade, o sujeito não pode ser colocado na rua.

Quanto às questões de traficantes, tenho as minhas reservas,

mas entendo que isso é um problema muito mais grave e que poderíamos

discutir durante uma semana a questão sobre a violência que gravita em torno

do tráfico, porque o número de homicídios hoje está vinculado à questão de

traficância. Por exemplo, um usuário que devia a um traficante e foi

executado, penso que esse que matou deverá ficar preso, porque ele vai

matar mais gente que está devendo. Esse sujeito, além de o crime ser grave,

representa a chamada necessidade da segregação.

Então se usarmos estes dois pilares, o crime grave e

necessidade de prender, já há meio caminho andado. Aí, temos que verificar

se está dentro dos parâmetros de admissibilidade da prisão preventiva. Se

estiver, podemos decretá-la. Só que isto tem que ficar claro, a prisão

preventiva é o último recurso para o Juiz. Temos hoje a prisão domiciliar que é

uma prisão em que o sujeito não pode sair de casa, porque ele está preso,

mas é para as hipóteses específicas. Depois, temos o recolhimento domiciliar,

em que a pessoa também fica presa, é uma espécie de prisão. Nesse

recolhimento domiciliar, a pessoa só se afasta de casa para trabalhar; no fim

de semana e à noite ela está recolhida. É uma espécie de prisão domiciliar, a

única diferença é que o indivíduo pode sair para trabalhar. E lembro muito do

DSK de Nova York, o aparato montado, porque lá, se a pessoa sai mediante

fiança, tem que custear toda uma equipe, porque, onde ela pisar, terá as

pessoas no seu encalço. Na verdade, aquilo não é uma fiança, aquilo ali é

uma prisão domiciliar.

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Portanto, vamos passar por um processo lento de mudanças.

Não é do dia para a noite que inclusive magistrados que se acostumaram ao

longo de décadas, muitas vezes, a um determinado proceder vão mudar,

porque o Juiz também é assaltado, temos Desembargador aqui que já foi

sequestrado. A violência está na porta de todas as pessoas, e nos crimes com

muita gravidade, em que a segregação é imperiosa, acho que não há muito o

que pensar.

Existem outros casos em que questionamos a necessidade da

decretação da preventiva, como, por exemplo, nos acidentes de trânsito,

quando a imprensa dá muito destaque, e o Juiz logo tenta evitar o desgaste

decreta a prisão. Tem que fazer o contrário, tem que enfrentar a imprensa,

tem que dizer: “Qual é o problema? Está na lei, e eu tenho que cumprir a lei”.

A imprensa é muito sensacionalista, porque isso dá manchete, atrai a atenção,

dá IBOPE, como se diz. A imprensa fatura em cima disso, e nós não podemos

fazer o jogo da imprensa.

Sempre lembro do Des. Voltaire, como Procurador-Geral do

Ministério Público, e de sua habilidade ao lidar com questões extremamente

delicadas, evitando essa exposição demasiada. A exposição demasiada

provoca um desgaste por mais que se tente justificar que o proceder foi

correto.

Gostaria que pudéssemos fixar a idéia de que a prisão

preventiva é a última alternativa. Há nove medidas cautelares, o Juiz,

inclusive, pode soltar a pessoa sem nenhuma medida cautelar, e aí a fiança

não adquire esse caráter. Pergunto: É possível uma pessoa ser solta sem

nenhuma medida cautelar? Claro, é perfeitamente possível, porque não há

nenhuma necessidade de aplicá-las.

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As medidas cautelares têm esses dois pressupostos: a

necessidade e a adequação. Muitas vezes a pessoa pode ser solta sem

nenhuma providência. Vamos pegar como exemplo um atropelamento com

morte, crime culposo e fuga do local. O agente é preso preventivamente.

Poderia ser aplicada a medida cautelar que substitui a prisão, que seria

confiscar o documento do culpado e proibi-lo de dirigir, sob a ameaça de ele

ser preso se encontrado dirigindo veículo. Essa medida me parece suficiente.

Já posso adiantar que o Ministério Público vai continuar

insistindo com a prisão preventiva para tudo. Há os despachos já prontos, e

existem vários fundamentos. O Juiz hoje tem um desafio na hora do

homologar o flagrante. Ele não pode mais resumir um despacho, dizendo que

decreta a prisão preventiva para a garantia da ordem pública. Isso não pode

mais ser dito, tem que haver uma fundamentação concreta, referindo por que

não se aplica nenhuma outra medida cautelar.

A preventiva tem um caráter de subsidiariedade, ou seja, se

nenhuma outra cautelar for cabível, o Juiz lançará mão da prisão preventiva.

Essa me parece ser a grande linha que demarca hoje a questão do chamado

preso provisório.

Há outro aspecto. Todos os presos com prisão preventiva sem

fundamentação adequada teriam, em tese, o direito de rever suas prisões.

Penso que o Juiz teria que rever as prisões preventivas decretadas em que a

fundamentação ficou só na garantia da ordem pública, e esse é um dos piores

fundamentos. A garantia da ordem pública é um termo muito vago, a não ser

que a pessoa seja multirreincidente, e aí se pode dizer que a pessoa solta vai

continuar a delinquir, pois há como se verificar na sua ficha se existem

passagens pela Polícia e por prisões, se tem condenação, se é reincidente.

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Entretanto, se é o primeiro crime dele, como será

fundamentada a garantia da ordem pública? Não se pode presumir. Aí há um

grande problema, tem Juiz que presume muito: ”Presumo que ele continuará a

delinquir”. Mas por que ele vai continuar a delinquir? Ele não fez nenhum

exame psicológico, nem criminológico, tem profissão.

Quanto ao problema do tráfico, o indivíduo é traficante por 10

anos e nunca foi preso. Não possui emprego, não tem nada, e, na hora em

que é interrogado, o Juiz pergunta: “Qual é a tua forma de ganhar a vida”? Ele

responde: “Eu trabalho como encanador”. Pergunta se ele tem carteira

profissional assinada ou se tem empresa, e ele responde que não, que

trabalha como freelancer. Quando perguntado como justifica a aquisição de

22 kg de cocaína que custam R$ 250.000,00.

O pequeno traficante tem direito, inclusive, à redução de pena

de 2/3. A pena pode ficar em dois anos, por exemplo. Como vamos manter

preventivamente presa uma pessoa se a pena imposta a ela será de dois

anos, e o STJ está admitindo a substituição por PRD? Isso é um negócio

complicado.

Por isso, digo aos magistrados que estão aqui: o Juiz tem um

grande desafio. Essa questão de pegar o flagrante, homologar e dizer

“mantenho a prisão e decreto a preventiva com base no art. tal” não dá mais

para fazer. Vai dar problemas com os habeas corpus. Vão surgir tantos que

daqui a pouco vão autorizar o porteiro a dar liminar. Felizmente, homologar e

manter a prisão acabou no passado. Os autores diziam que isso não era

possível, mas tínhamos um conservadorismo aqui, dizendo que podia. Agora

está claro na lei que não pode mais. Ao homologar o flagrante, o Juiz ou solta,

ou decreta a preventiva, mas, para decretar a preventiva, há um ritual.

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Então me parece que dá um trabalho muito grande para o

Juiz, mas não há interferência do Ministério Público. O Ministério Público só irá

interferir se, na Polícia, ele já fez um canal de comunicação com o Delegado

e, por fora, entra com um pedido ao Juiz. Caso contrário, o Juiz não tomará

conhecimento. Ele recebe o flagrante e não tem nada que dar vista ao MP. O

MP vem com o documento pronto, é só trocar o nome e assinar. É o que

muitas vezes acontece. Não há nenhuma fundamentação, é um requerimento-

padrão.

Parece-me que hoje esse processo kafkiano não é mais

possível. Temos de analisar cada processo, analisar o preso na sua

peculiaridade, o que aconteceu com ele e qual a necessidade de mantê-lo

preso. Penso que, nesse aspecto, a lei teve um avanço significativo, mas

também posso dizer que tenho muito medo da questão da impunidade, que é

decorrente de uma política pública de partidos.

Estamos passando por um processo de nivelamento por

baixo. Se não podemos prender o político corrupto, por que vamos prender o

ladrão? Isso traz uma distorção completa da ordem jurídica. Estamos

atravessando essa crise, que é muito séria, e o emburrecimento é intencional.

Em relação àquele livro em que consta “os menino pega os peixe”, isso foi

encomendado, porque há uma ideia de que a linguagem culta tem de acabar,

e nós todos temos que falar como fala o Lula, “nóis”. Isso é intencional, como

o pobre não consegue entender a linguagem culta, eles fazem de propósito:

“Vamos botar que pode escrever qualquer coisa como o povo fala na rua”. A

pessoa lê um despacho do Juiz e não consegue entender, porque é uma

linguagem técnica, como a de médico, é uma linguagem conforme a lei.

A política está se encarregando de baixar o nível. Daqui a

pouco, nos concursos jurídicos, vai haver matéria que não é jurídica. Pelas

cotas, para aprovar pessoal que não tem qualificação, vão colocar, porque

temos que ter magistrados que representem as minorias: os sem-teto, os sem-

isso, os sem-aquilo, os homossexuais.

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Penso que essa é uma situação bastante complicada em

razão do que está por trás disso tudo, que é uma ideologia que, em termos de

manobra de massa, me deixa bastante apreensivo, porque é algo orquestrado.

Todas as universidades federais estão alinhadas com uma ideologia de

esquerda muito forte. Todas as universidades particulares também estão

assim, porque precisam do Poder Público para conseguir recursos e

benesses.

Assusta-me muito, porque hoje é inaceitável qualquer trabalho

que não tenha um alinhamento ideológico de esquerda, conheço vários casos.

Sou tachado como radical – só por quem não me conhece. Em algumas

coisas realmente sou radical, mas essa questão de não permitir ouvir a

opinião do outro, de prevalecer o posicionamento da esquerda, da minoria, do

discurso inclusivo... É para onde estamos caminhando.

A perspectiva é esta. Não vai haver presídio, não adianta fazer

projeções, ninguém vai construir presídio. Vamos ter uma massa criminógena

cada vez maior, porque a desigualdade social gera uma grande gama de

violência.

O tráfico de drogas, por sua vez, hoje é assustador, conforme

estatísticas que temos. Se formos a uma penitenciária e verificarmos quantos

crimes estão vinculados à questão da droga, assustamo-nos. Aí vem uma

contrapartida, que é o Quebrando o Tabu, do FHC, que não é de liberar, mas

de estabelecer, de regulamentar, de fazer um controle. Penso que seria

pertinente, até no Centro de Estudos do Tribunal, discutir a Lei de Drogas.

Coloco-me à disposição para questionamentos depois.

Obrigado pela atenção

DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI – Obrigado, Dr. Gilberto

Thums, realmente é desafiador o debate sobre a Lei de Drogas.

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Recordo-me que estava no IBCCRIM, há uns dois anos,

justamente falando sobre esse assunto, houve uma pesquisa bastante

intensa. Não só nos meios acadêmicos, mas na área médica, vinculada à

psicologia e à psiquiatria, há uma discussão sobre as espécies de drogas e as

formas de liberação parcial ou total, ou em determinados locais.

Em alguns países, como na Espanha, o problema é tratado

como de saúde pública. Lá existem narcossalas mantidas pelo estado aonde

as pessoas vão para se drogar e onde recebem toda a assistência médica. É

claro que vivemos em outra realidade, mas, em termos de política pública e de

investimento, foi a forma mais econômica de o estado enfrentar o problema.

O problema maior das drogas está na proteção que certos

governos dão às grandes plantações e aos laboratórios de refino. O negócio

envolvendo droga é tão rentável que se aproxima, nos Estados Unidos, a 5%

do seu PIB. Há todo um interesse econômico em manter a situação em

relação às drogas como está atualmente, mas não vamos nos alongar nesse

assunto.

Passo a palavra ao Professor e Doutor Aury Lopes Júnior.

DR. AURY LOPES JÚNIOR – Inicialmente, gostaria de

agradecer o convite e de saudar os meus amigos da Mesa.

É claro que essa lei gerou um discurso de pânico muito

preocupante. A mídia fez um horror, mas ela é uma lei nova, que tem suas

vantagens e seus inconvenientes. Talvez um erro seja querer rotulá-la de

melhor ou pior. Se tivesse que usar uma palavra para dar conta da cadeia de

significantes ali, eu diria que é uma lei mais inteligente, porque rompe com

uma estrutura binária muito burra e reducionista, que era termos ou prisão ou

liberdade. Isso realmente não satisfazia a ninguém. O Juiz não tinha opções:

ou alguém ficava preso – e isso poderia ser desproporcional, injusto –, ou

ficava solto, e o reclame pela impunidade era imenso. Não havia muito jogo.

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Agora temos nove medidas alternativas que vão dar opções

ao Juiz. Penso que é muito importante dar opções ao Juiz para que ele possa

tomar a melhor decisão no caso concreto. O perigo é quando você engessa e

não dá opção, aí as coisas complicam. É claro que nós temos - não vou falar,

porque é por todos conhecido - o caos do sistema carcerário.

É importante dar-se conta de que essa lei é um projeto de

2000 que foi apresentado em 2001: é o Projeto de Lei nº 4.208/2001.

Participei do debate, na época, no Rio de Janeiro, quando recém tinha sido

apresentado. A partir daí, esqueceu-se desse projeto de lei.

Em 2008 se fez uma reforma pontual muito grande no CPP, e,

no mesmo mês de agosto, quando entraram em vigor as três leis que

mudaram o CPP, nomeou-se uma comissão para fazer um código

inteiramente novo. Fizeram o PLS nº 156, e, quando todos estavam focados

no seu estudo, na virada do ano, ressuscitam um projeto de lei de 2001, das

cautelares, e o aprovam.

Alguns questionamentos surgiram: por que pegar um projeto

de 2001 e não pegar a parte de cautelares que estava no PLS nº 156, que

estava pronto? As respostas são várias, e isso é sintoma de que não teremos

Código de Processo Penal novo nos próximos cinco, seis, oito anos talvez.

Não vislumbro, em médio prazo, nenhuma possibilidade de ter um código

novo. Isso foi um sinal de que esse código tem muita resistência. Há uma

resistência política, que talvez vocês não saibam: dizem que qualquer

iniciativa legislativa de relevância que nasça no Senado, quando chega à

Câmara dos Deputados, para por ciúmes legislativos. Quem tem de ter

iniciativa legislativa é a Câmara dos Deputados, e não o Senado.

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Esse projeto nasceu no Senado pela mão de um Senador que

também goza de muita resistência. Eu participei, fui nomeado pelo Ministro

Cezar Peluso para uma comissão no CNJ que revisou o Código. Algumas

vezes tentamos discutir com o Senador, dizendo que aquilo não poderia ser

assim. Nunca conseguia falar com ele, falava com os Assessores. Houve um

dia em que me estressei com um Assessor, mostrando um furo, e eu disse:

“Estou falando em AM, parece que o Senador está ouvindo em FM, não

entende”. O Assessor me puxou e disse: “Ele não entende, porque é

veterinário. O Senador é veterinário”. Eu pensei: “Pode ser a pessoa mais

honesta do mundo, não está em discussão isso, mas ele é veterinário”.

Quando o meu cachorro está doente, não chamo um jurista, porque, se eu

chamar um jurista, vão ficar discutindo qual é a teoria e qual é a natureza

jurídica da doença, e o cachorro vai morrer. Então, não me chama um

veterinário para fazer lei penal.

É claro que essas coisas se refletem, é difícil. O labirinto

legislativo brasileiro é muito complicado, mas rompemos o ano batendo a casa

dos 500 mil presos. Isso gerou um reclame imenso da mídia, quase 200 mil

cautelares. O detalhe é que, desses 200 mil, muitos estavam presos

ilegalmente.

O CNJ fez uma análise rápida da situação. É importante

reconhecer quando as pessoas trabalham bem: há dois Juízes do Rio Grande

do Sul que estão fazendo um trabalho excepcional lá, o Dr. Losekann e o Dr.

Márcio Fraga. Eles têm trabalhado muito e muito bem. Quando eu estava lá,

acompanhei o trabalho deles. Num mutirão muito rápido, apuraram 17 mil

presos ilegais no sistema carcerário. Nós não estamos falando de mil, 2 mil,

são 17 mil prisões escancaradamente ilegais. Isso realmente é muito

preocupante.

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Aí ressuscitam uma lei de 2001. Detalhe: não podemos dizer

que fomos pegos de surpresa, porque o projeto é de 2001. Não podemos dizer

que é um projeto imaturo, porque é de 2001. Se não discutimos, se não

estudamos, o problema é nosso. Realmente aqui eles foram muito habilidosos

politicamente, porque, para não pegarem o PLS nº 156, que ia ser criticado de

imaturo, pouco discutido, puxaram o de 2001. O detalhe é que o que havia de

bom no PL nº 4.208/2001 foi vetado na última hora.

Uma particularidade: ela é uma lei mais inteligente, claramente

descarcerizadora, na ideia de que, em crimes até quatro anos, não temos

cárcere. Mas um detalhe importante: ela amplia o controle penal e vai ser

sinônimo de expansão penal, porque, na dimensão das cautelares diversas,

vai-se ter a ampliação do controle.

A questão é qual o preço que estamos dispostos a pagar por

isso. Cada vez mais estamos abrindo mão, diariamente, de liberdades, desde

as pequenas liberdades do dia a dia até a macroliberdade, como são essas

cautelares aqui. E estamos pagando um preço muito caro por isso sem nos

darmos conta.

Esses dias, debatendo com Rui Cunha, de Portugal, ele disse:

“O.k., precisamos ter interceptação telefônica”. Precisamos, mas será que

estamos dispostos a pagar o preço caríssimo, que é a banalização das

interceptações? Será que estamos dispostos a pagar o preço de ter uma

interceptação telefônica discutida no Jornal Nacional pelo William Bonner e a

Fátima Bernardes? Será que isso não é um preço caro demais? Será que

estamos dispostos a abrir mão de tanta liberdade? Não se faz mais nada hoje,

ou seja, o limite do gozo do Direito Penal chegou a um extremo que não se

goza mais. Na realidade, não temos mais gozo nenhum. Então, precisamos

começar a pensar nisso.

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Outro problema sério é que essa é uma reforma pontual, ou

seja, se pega um código com 700 artigos e se mexe em meia dúzia, gerando

inconsistência sistêmica, incoerência e conflito. Falta força para ter o

rompimento cultural necessário.

O que o Dr. Thums falou, em última análise, foi o seguinte: “A

lei está aí, ela muda muita coisa. Vamos ver quanto tempo vai levar para

romper a cultura encarcerizadora”.

Quando se tem um Código inteiramente novo, força-se o

choque; no caso de reforma pontual, não. Por exemplo, o art. 212 está

pegando devagar, porque não teve força para romper com a cultura

inquisitória ainda vigente no sistema brasileiro. Reforma pontual é um

problema sério. Precisamos de um Código todo novo e não temos ainda.

Em uma palestra aqui em Porto Alegre, um Juiz levantou a

mão e disse: “Doutor, como é que fica aquela preventiva do art. 366? Procuro,

não encontro, cito por edital, e a pessoa não aparece. Essa prisão preventiva,

do art. 366 está limitada pelo 313, I - o limite de pena de até 4 anos -, ou

não?” Para mim, sim, porque, dentro do sistema cautelar, não se pode romper

com a sua lógica, mas aí foram ponderados argumentos de que criminoso

profissional em crimes de pequena gravidade vai ficar delinquindo e nunca vai

ser pego.

Posso até não concordar, mas tive que concordar com o Juiz

naquele momento sobre o seguinte: uma reforma pontual gera inconsistência

sistêmica como essa. Ou pior, em 2008, foram mudados todos os

procedimentos do Código, e não tocaram no capítulo das nulidades. Isso é um

absurdo! Não existe país no mundo que mude todos os procedimentos e não

tenha um capítulo novo para nulidades.

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Então, temos lá: “Nulidade por ausência de libelo”. Tem que

explicar em aula para o aluno o que é libelo e depois dizer que não existe

mais. Ele pergunta: “Mas por que é nulo se não existe?” Aí não se consegue

explicar. É absolutamente esquizofrênica esse tipo de situação. O importante

aqui é nos darmos conta de que vamos ter que aprender a lidar com isso.

E algumas coisas não mudaram nada em pontos relevantes.

Por exemplo, o art. 312 tinha uma redação completamente diferente e que

pode até ser criticada, mas era a seguinte: “A prisão preventiva pode ser

decretada quando verificada a existência do crime, indícios suficientes,

fundadas razões de que venha a criar obstáculo à instrução ou à execução na

sentença ou venha a praticar infrações penais relativas ao crime organizado, à

probidade administrativa ou à ordem econômica ou financeira, consideradas

graves, ou mediante violência ou grave ameaça à pessoa.” Essa era a

redação do PL nº 4.208. Pode até ser objeto de crítica, mas, com certeza, era

muito melhor do que o art. 312 de 1940.

O Senador Demóstenes Torres interveio: “Não, não vamos

mexer nisso aqui, vamos manter o art. 312 desde 1940”. Era um ponto-chave.

Todos nós sabemos da crítica à ordem pública e à ordem econômica. Era o

momento de mudar e melhorar. Perdeu-se uma grande chance, e as coisas

mudaram para continuar como sempre estiveram.

Outra coisa: “Não vamos ter prazo máximo de duração das

prisões cautelares”. Isso é um absurdo! É um reclame mundial. Prisão tem que

ter prazo máximo de duração. Tem-se que ter prazo máximo de duração das

medidas cautelares diversas.

O Dr. Thums falou: “Vamos afastar o servidor público”.

Primeira pergunta: é com salário ou é sem salário? Porque afastar com salário

não dá; afastar sem salário, sumariamente, penso que é ilegal. Como é que

vai ficar? Não sei. “Vais afastar por quanto tempo o servidor?” Não sei. “Como

que tu não sabes?” Sim, não sei por quanto tempo tu vais ficar preso

preventivamente.

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No Brasil, um país de dimensões continentais, a coisa mais

comum do mundo é gente presa cautelarmente há três, quatro, cinco, seis,

sete anos, sem sentença. Há muitos casos assim. Vamos continuar com esse

problema. Precisávamos ter prazo máximo com sanção. No projeto, havia

prazo máximo, foi vetado na última hora, entre outros, pelo Senador

Demóstenes Torres. E o prazo máximo era de 180 dias por grau de jurisdição

– 180 dias para o 1º Grau e 180 dias para o 2º Grau.

Podem até discutir para ampliar um pouquinho o prazo. A

discussão é válida, mas tem que haver prazo com sanção. O que não dá é

ficar como está, sem duração máxima. Volto a dizer: não é só a prisão que

não tem duração; as cautelares diversas também não têm duração máxima, e

elas podem, sim, ser muito graves e muito onerosas.

Uma das críticas mais infundadas que vi e que tem sido muito

severa é em relação ao art. 313, I, que estabelece este binário: para crimes

cuja pena máxima é igual ou inferior a quatro anos, não cabe preventiva, mas

cabe cautelar diversa; para crimes cuja pena máxima é superior a quatro

anos, cabe cautelar diversa, aplicada de forma isolada ou cumulativa, ou a

preventiva como última ratio.

Muito tem sido criticada essa questão dos quatro anos. O

detalhe é que o que se fez aqui foi uma questão de coerência, de harmonia do

sistema. Até num programa eu disse: “Se tu queres brigar, não briga com a

nova Lei nº 12.403, mas com a Lei nº 9.714/98, porque essa história dos

quatro anos nasce com a mudança do art. 44 do Código Penal, e o que se fez

agora foi harmonizar o sistema”.

O grande paradoxo era ter alguém preso hoje por um crime

pelo qual, amanhã, se condenado, não iria preso. Isso era um absurdo, e o

que se tentou fazer foi evitar essa situação. Então, se amanhã tu não vais ser

preso, não podes ser preso hoje. Alinhou-se com o art. 44 do Código Penal, a

lógica é a mesma. Então, não há nada de inovador, foi uma questão de

coerência – e penso que aqui foi um ponto importante.

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Outra coisa: essa lei nasce com uma carta de princípios. O art.

282 é uma carta de princípios para as medidas cautelares - todas elas -, não é

só para a preventiva. E aqui um detalhe: coloca a preventiva como última ratio.

Por esses dias, um senhor de certa idade estava reclamando -

acho que até era um Juiz: “É, mas agora prisão preventiva é a última ratio”.

Perguntei: “Quando o senhor estudou?” “Ah, meu filho, vão 50 anos.” “Há 50

anos, com certeza, o senhor ouviu na sala de aula que a preventiva era a

última ratio do sistema, era o último instrumento a ser usado. É ou não é

verdade?” “É, mas...” “É. Então, faz mais de 50 anos que o senhor vem

ouvindo isso. Qual é a diferença? É porque agora está na lei?” Ou seja, o que

toda a doutrina e toda a jurisprudência diziam não tinha nenhum sentido,

precisávamos de uma lei. Isso aqui é um déficit complicado de compreensão.

Não há nada de novo nisso aqui.

E aí vem um detalhe: o art. 282 consagra a proporcionalidade,

consagra a necessidade de suficiência – o Juiz terá que analisar isso – e

consagra o contraditório, o que gerou alguma perplexidade. Contraditório?

Sim. Há muito tempo escrevi sobre contraditório em medidas cautelares, e

disseram: “Mas que ridículo! Tu queres, então, que eu intime alguém para se

defender, antes de prender? Isso é um absurdo!” Agora está na lei, e vão ter

que aprender a lidar com isso. Está no art. 282, § 3º, o seguinte: “Ressalvados

os casos de urgência ou de perigo, de ineficácia da medida,” – o risco de fuga

entra aqui – “o Juiz, ao receber o pedido de cautelar, determinará a intimação

da parte contrária”.

Quem é a parte contrária? O MP pede a prisão de alguém, o

Juiz decide: quem é a parte contrária? Fiquei pensando: não vamos prender o

Juiz, não vamos prender o Ministério Público - mas aqui no Sul estão

prendendo. Já há a possibilidade de prender em júri, esse tipo de coisa.

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Mas, a rigor, aqui estamos trabalhando com a intimação do

imputado, intimação do suspeito. Então, vamos deixar claro: parte contrária

aqui, para não haver discussão, como houve na AJURIS. “Parte é só no

processo”. “Não. Então, vamos discutir sério: o que tu entendes por processo

penal, qual é a teoria a que tu te filias lá na natureza jurídica, para discutirmos

se existe parte no processo. Aí o papo é bem mais sério.” Aqui, se for feita

uma discussão séria de parte, acaba o projeto todo, acaba a lei, porque não

há parte em processo penal. Então, não é essa a ideia. Aqui é realmente o

sujeito passivo.

E aí se intima para quê? Aqui a lei foi burra de novo, porque

diz: “Juiz, tu tens que intimar”. O Juiz vai olhar e vai dizer: “O.k., eu intimo para

quê?” Não diz. A sugestão que dou, como regra: vamos privilegiar a oralidade.

Há uma medida cautelar aplicada, por exemplo, a proibição de se aproximar

de alguém, e sabemos que o descumprimento dessa medida pode gerar

preventiva. Aí a vítima liga e avisa: “Olha, ele está se aproximando”. Antes de

o Juiz tomar uma medida drástica de determinar a prisão, ele pode

perfeitamente marcar uma audiência no outro dia, sentar e dizer: “Bom, meu

senhor, eu lhe dei essa medida cautelar diversa, estão dizendo aqui que o

senhor se aproximou. O que aconteceu?” E o cidadão diz: “Não, eu não me

aproximei, isso é papo dela, eu estava viajando, está aqui a passagem aérea”.

Faz o contraditório. Se tu te convenceres, mantém; se tu não te convenceres,

amplia o controle com outra medida ou diz: “Não, eu vou te prender”. É

perfeitamente possível o contraditório numa audiência com oralidade.

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E como é que se dá o contraditório num pedido de prisão

preventiva por risco de fuga? Prende primeiro, marca a audiência para o outro

dia. Qual é o problema? Senta lá e diz: “Olha, eu decretei a sua preventiva,

porque o Ministério Público fundamentou isso, isso e aquilo. O que o senhor

tem para me dizer?” E a pessoa se defende. Se convencer, tu aplicas uma

medida cautelar diversa ou soltas sem nada; se tu não te convenceres,

mantém a prisão. Não vejo nenhum problema. Tu fazes um contraditório num

segundo momento.

Aqui o rompimento cultural vai ser bem complicado, e quem

trabalha no Tribunal vai se deparar com muitos habeas corpus dizendo: “Não

foi feito o contraditório, nem prévio, nem posterior” – e vai haver muitos casos

assim. Vai haver Juiz intimando para apresentar uma resposta escrita ou

apresentar uma fundamentação em cinco dias. Penso que temos de parar

com essa cultura do papel, do vai e vem. Dentro do possível - conheço as

restrições de pauta -, vamos fazer audiências para discutir isso de forma

rápida, o problema é muito mais cultural.

Outra questão: não vou perder o meu tempo sobre a aplicação

da lei no tempo. É óbvio que a Lei nº 12.403 entra em vigor e vai se aplicar a

quem já estava preso – isso é elementar. O art. 2º do CPP, que fala do

princípio da imediatidade, tem que ser objeto de uma leitura conforme a

Constituição, conforme o art. 5º, XL.

Então, a sugestão é estudar um pouco mais, com uma leitura

conforme a Constituição, para ver que o princípio da imediatidade não é bem

assim no processo penal. É obvio que a lei processual mais benigna vai

retroagir sempre que amplia a esfera de proteção constitucional e não

retroage quando restringe a esfera de proteção constitucional. Essa é uma

leitura conforme a Constituição. As de conteúdo neutro têm aplicação imediata

– esse é o princípio da imediatidade do art. 2º.

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As cautelares são situacionais. É óbvio que, se alterou a

situação fática, pode-se prender quem foi solto. Posso prender hoje, soltar

amanhã e voltar a prender. Posso perfeitamente decretar uma cautelar

diversa, ampliar a esfera de controle, diminuir a esfera de controle, porque

elas são situacionais.

Se posso fazer isso perfeitamente, é claro que, diante de

alguém que está preso, vou poder reexaminar o caso. Tínhamos no PL nº

4.208 o dever de o Juiz revisar periodicamente as prisões. Isso é um

instrumento já usado na Itália e na Alemanha e foi vetado na última hora.

Perdeu-se uma grande chance.

Quanto ao flagrante, o Dr. Thums falou bastante a respeito, e

eu vou ser breve. Considero interessante essa história de que o flagrante não

prende por si só. Aqui no Estado se resistiu muito a isso. Há dez anos

falávamos para olhar o art. 310. O art. 310 velho já dizia que flagrante é pré-

cautelar, não é cautelar, ou seja, não tem suficiência para manter preso por si

só. É um prelúdio subcautelar, conforme dizem os italianos. Hoje está

expresso.

Para falar a verdade, o próprio CNJ emitiu uma resolução, se

não me engano, a 66, mais ou menos dando a dica de que o flagrante tem

dois momentos - isso que o Dr. Thums falou -, e agora isso está consagrado

na lei. Recebeu o flagrante – aspecto formal – homologa ou relaxa se ilegal.

Se relaxou, acabou. Se homologou, no segundo momento, será feita a análise

do periculum libertatis, necessidade.

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Aqui vem a minha grande preocupação. Na necessidade, a

pessoa está presa em flagrante, o primeiro critério é pena inferior a quatro

anos ou superior a quatro anos. No caso de inferior a quatro anos, vou discutir

o seguinte: cautelar diversa ou não. Aqui há um ponto para o qual queria

chamar a atenção: medida cautelar não é automática, não existe prisão

automática obrigatória e não existe medida cautelar obrigatória. Toda e

qualquer medida cautelar está submetida à demonstração do periculum

libertatis.

O meu medo é que se banalize o controle, e os Juízes

passem a fazer o seguinte: quando a pena for inferior a quatro anos,

automaticamente aplicariam uma cautelar diversa, só seria feita a discussão

sobre periculum libertatis, ordem pública, econômica, fuga e tutela da prova se

fosse para prender. Está errado esse raciocínio. Em medida cautelar, tem

sempre que analisar periculum libertatis. Para se aplicar a cautelar diversa,

pode ser até uma fiança, vou ter que dizer qual é o periculum dos quatro que

tenho ali, e já estou vendo gente atropelando a discussão.

Vou ser bem claro: vocês têm que mostrar que primeiro existe

risco por ordem pública, ordem econômica ou de fuga. Presente isso, aí é que

vocês vão ter que discutir. Se for suficiente e adequada a cautelar diversa,

aplica-se. Se não é, se a pena for inferior a quatro anos, não há periculum, é

liberdade plena. Se a pena for superior a quatro anos e houver periculum, que

é a primeira pergunta, pode-se aplicar a cautelar diversa, uma ou mais. Se

nenhuma delas for suficiente, então a preventiva é possível. Isso realmente

tem que ser considerado, não é cautelar automática.

Trabalho muito com crime econômico na Justiça Federal. Por

exemplo, as medidas securatórias são cautelares. A jurisprudência no Brasil é

pacífica de que não precisa fazer nenhuma discussão sobre periculum in

mora. Como que não? Para decretares indisponibilidade do patrimônio, é

preciso demonstrar qual é o perigo que representa a liberdade patrimonial.

Não, basta mostrar a fumaça da origem ilícita - isso é um erro. Já lá mataram

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o periculum, e vão matar aqui. Esse é o meu medo, Des. Bruxel, penso que

isso vai dar muita discussão.

O que o Juiz pode fazer diante do flagrante? Ele pode

conceder liberdade provisória com fiança; pode conceder liberdade provisória

com fiança e outra cautelar, pois a fiança tem uma dupla natureza.

Vejo a fiança em duas perspectivas: primeira, art. 310,

liberdade provisória, fiança ou não. O art. 319 consagra outra fiança, que pode

ser aplicada em qualquer fase do processo e até para recorrer. Vamos

começar a assistir o seguinte: quer recorrer, fiança, porque vislumbro um

periculum de fuga aqui. Por exemplo: posso aplicar a fiança só para recorrer.

Ela é autônoma neste momento. Então vejo duas fianças diferentes.

Posso conceder liberdade provisória com fiança e outra

cautelar, ou sem fiança. Por exemplo, se o réu for pobre, o art. 350 segue

valendo, e com cautelar diversa, ou liberdade provisória sem fiança e sem

cautelar diversa, quando não houver periculum libertatis, por exemplo. Posso,

ainda, por último, se for o caso, decretar a preventiva e fundamentar.

Vai continuar um grande erro. O Dr. Thums falou sobre um

detalhe importante, que é a intervenção do Ministério Público na prisão em

flagrante. Realmente mudou, e o Delegado comunica ao MP. O que vejo ali é

uma nova cultura, o Ministério Público vai ter que começar a acompanhar

desde já. Qual é a relevância para mim? Não consigo admitir Juiz prendendo

de ofício. Para mim, isso é um absurdo, é absolutamente inconstitucional, viola

o sistema acusatório, viola tudo. Juiz não tem que prender de ofício. O

Ministério Público pede, fundamenta, eu analiso e, se for o caso, prendo. Qual

é o problema? A lei permite que essa conversão seja de ofício, o não é salutar

para o sistema acusatório.

O Juiz analisa o auto de prisão em flagrante e pode sim, sem

que ninguém peça, decretar a preventiva - converter em preventiva, que é o

que fala a lei, o que não é uma boa nomenclatura. Eu gostaria muito que o MP

estivesse presente, que o MP acompanhasse o flagrante. Se eu fosse Juiz, eu

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adoraria que houvesse o pedido do MP. Pode ser até um pedido-formulário,

mas prefiro prender com pedido a prender sem pedido. Esse é o problema.

Aqui penso a intervenção do MP é importante, e mais: nada impede o

contraditório, 24 horas para o MP se manifestar, 12 horas se tu quiseres. Se

quiseres preventiva, pede, mas penso que o Juiz não deveria atuar de ofício

no que se refere à prisão, prendendo sem pedido.

Outro grave erro do Brasil é continuar com essa categoria de

crimes inafiançáveis. Isso é um tiro no pé, porque não existe prisão cautelar

obrigatória, e nós no Brasil fazemos muita confusão, inclusive nos tribunais

superiores, entre liberdade provisória, que é um instituto, e fiança, que é outro

instituto. Quando se diz que um crime é inafiançável, diz-se apenas que não

cabe fiança, mas não significa que não possa caber liberdade provisória.

Foi feita muita confusão por culpa da Lei dos Crimes

Hediondos. Felizmente essa confusão era para ter terminado com o art. 2º da

Lei nº 8.072. A Lei nº 11.464 - bem lida, porque ela foi pouco lida - mudou a

Lei dos Crimes Hediondos. A Lei dos Crimes Hediondos dizia: “Fica vedada a

fiança e a liberdade provisória”. Até pela inconstitucionalidade disso, a lei foi

mudada, e ficou apenas a vedação à fiança. Aqui está expresso que fiança e

liberdade provisória são institutos distintos.

Portanto, o que quero deixar bem claro é que o fato de um

crime ser inafiançável não significa prisão obrigatória, porque não existe prisão

cautelar obrigatória. Aqui é uma questão de coerência – se a lei prevê que um

crime é inafiançável, é porque o juízo de desvalor é maior. Se a própria

Constituição consagra essa categoria de crime inafiançável, é porque o juízo

de censura é maior, porque é mais grave. No crime afiançável, existe uma

liberdade, pois se paga e se sai. No crime inafiançável, é um paradoxo

absurdo, mas se sai sem pagar, e se aplicam as cautelares diversas mais

graves. Para mim, parece que seria uma leitura mais razoável.

Em suma, são institutos diferentes, não vamos entender as

coisas de forma equivocada. O fato de ser inafiançável apenas veda a fiança,

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obviamente isso não significa não haver liberdade provisória. A prisão

temporária não foi diretamente afetada pela lei. Já estão dizendo que, para a

prisão temporária, não muda nada, mas muda, porque a prisão temporária é

cautelar. Portanto, os princípios das cautelares se aplicam às temporárias,

entre eles o do contraditório e o da curta duração, da provisionalidade, e,

principalmente, o da última ratio, o da prisão.

Por esses dias, fui consultado a respeito de um caso no STJ

em que o réu estava preso há 30 dias por crime hediondo, temporária de 30

dias, e o Juiz prorrogou por mais 30. Penso que isso não é mais coerente com

a nova lógica das cautelares, porque, para prorrogar por mais 30 dias a

temporária, o Juiz vai ter que fundamentar muito bem a insuficiência e a

inadequação das cautelares diversas, porque, do contrário, não há como

manter a prisão.

Quanto à preventiva, perdeu-se um grande momento no que

diz respeito à ordem pública. Ordem pública é uma cláusula genérica, de

conteúdo vago, impreciso e indeterminado, sem o referencial semântico. Ela

sofre de anemia semântica. Para quem não sabe, essa prisão para garantia

da ordem pública nasceu em 1933, foi a primeira consagração bem clara em

texto legal. Hitler, subindo ao poder, encomenda-a da corja de nazistas e

fascistas - porque também houve a mão de Vincenzo Manzini ali. Essa prisão,

em que é necessária uma cláusula genérica para se prender, nasceu ali, e nós

seguimos até hoje prendendo nessa mesma lógica, sem saber o que é, o que

é um grave problema.

Quero chamar a atenção para o art. 313. O art. 313, inc. I, fala

do quanto de pena. No inc. II, acabou a história da prisão do vadio, que, no

fundo, era uma grande inveja que todos temos da vadiagem: vadiar é muito

bom, então por que prender o vadio? Ele merece um prêmio. Eles se deram

conta disso e não vão prender o vadio, mas vão prender o reincidente.

Primeiro, isso é bis in idem. O problema é que não se pode ler o art. 313

desconectado da lógica dele, da estrutura sistêmica, e desconectá-lo do art.

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312. O simples fato de ser reincidente por si só não justifica a preventiva, é

preciso ter coerência e proporcionalidade. Até se pode ter um reincidente por

crime cuja pena máxima é inferior a quatro anos, do inc. I, e ter a preventiva,

mas será necessário fundamentar muito bem: proporcionalidade, necessidade

e adequação.

Chamo a atenção para a questão do inc. III, que é o da

violência doméstica, que não é apenas a doméstica, porque ampliaram, entra

o idoso, etc. O detalhe é que não é uma nova modalidade preventiva - está

errado esse raciocínio -, não é uma quinta espécie, os quatro periculum são os

do art. 312. A questão da violência doméstica não é um quinto periculum

libertatis, ela tem que ser analisada no contexto todo. Por exemplo: posso

prender com base no inc. III, mas é preciso ter coerência, proporcionalidade,

suficiência e adequação. O ideal é que se conjugasse o inc. I.

Por exemplo, será que posso prender preventivamente num

caso de violência doméstica em que é crime contra a honra? A mulher se

sentiu injuriada e humilhada dentro da sua casa, é violência doméstica, mas

cabe a preventiva só pelo art. 313? Numa exegese rasteira caberia, mas não,

isso é substancialmente desproporcional, então isso vai dar muito problema.

Temos uma nova cautelar muito perigosa e pouco falada, que

é o parágrafo único do art. 313, que é a prisão para identificação. Fico

preocupado com o que se pode fazer com isso. O parágrafo único diz o

seguinte: “Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida

sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos

suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente

em liberdade após a identificação”. Tu vais prender preventivamente para

identificar. Como trabalhar com essa prisão para identificação? Bati muito a

minha cabeça por causa disso.

Em um debate esses dias me deram uma ideia, e eu reescrevi

essa parte no meu novo livro. Para a mim, a melhor leitura foi a seguinte:

conjuguem essa prisão para identificação com a Lei nº 12.037, que é a lei que

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disciplina a identificação criminal. Ela não pode ser desconectada, porque é

uma prisão para identificação criminal, portanto tem que ler em conjunto.

Como regra, o civilmente identificado não é submetido à identificação criminal,

e os casos em que ele pode ser submetido estão previstos ali. Vai entrar o

caso do estelionatário preso com cinco identidades, que é um caso previsto na

Lei nº 12.037. Então, trabalhem junto com essa lógica.

Por fim, o art. 319 tem um rol inteiro de medidas novas. A

primeira delas é o comparecimento periódico em juízo. O Juiz tem um amplo

espaço para trabalhar, pode ser até mesmo o comparecimento diário em juízo.

Alguns dizem que é igual à suspensão condicional do processo, mas não tem

nada a ver. Lá é comparecimento mensal a cada dois meses, aqui pode ser

quanto se quiser, pode ser de dois em dois dias e pode ser diário, só peço

coerência. Se o Juiz vai lá e diz que não vai prender, mas exige o

comparecimento diário, tem que haver pelo menos condições de possibilidade

para que ele cumpra isso. A pessoa mora em uma zona periférica da cidade e

é pobre, não tem dinheiro nem para o transporte. Se tu exigires que ele pegue

três ou quatro ônibus todos os dias para ir lá, ele vai descumprir, e daí tu vais

querer prendê-lo preventivamente, mas não dá. Por que não pode fazer uma

apresentação periódica, não em juízo, mas na Polícia, na Delegacia mais

perto? Não vejo problema nisso.

Proibição de acesso ou frequência a lugares e a proibição de

manter contato com pessoa determinada, isso vai ter um campo de aplicação

interessante: descumpriu, prende. Aí toda hora me criticam: “Mas como é que

nós vamos controlar?” Ora, meu amigo, quando tu proíbes de manter contato

com pessoa determinada, o maior controller disso aqui é a pessoa, é a vítima,

é a testemunha.

Depois vem o inc. IV, que é a proibição de ausentar-se da

comarca. Um detalhe: não existe poder geral de cautela no processo penal,

vamos parar de pensar em Teoria Geral do Processo. O poder é condicionado

ao princípio da legalidade. Era errado quando os Juízes, com a melhor das

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intenções, criavam medidas alternativas que não estavam na lei, isso era

absolutamente ilegal. O que quero dizer é que o art. 319 é taxativo: sim. São

nove medidas, se resolvermos criar outra medida, iremos esbarrar no limite da

lei, no princípio da legalidade, então não há poder geral de cautela, todo poder

é condicionado.

Aqui vem a proibição de ausentar-se da comarca e apreensão

de passaporte. Quero chamar a atenção para duas coisas que não são muito

faladas, mas são perigosíssimas: suspensão do exercício de função pública,

que o Dr. Thums falou, ou de atividade de natureza econômica. Dependendo

da natureza econômica, quebras o empresário e quebras dezenas de famílias

de empregados que dependem dele. Como trabalhamos com crime

econômico, isso é motivo de muita preocupação, pois vai ser banalizado e vai

ser criado um problemão.

Outra questão: cuidado com a internação provisória do

acusado, inimputável ou semi-imputável. Estou apavorado com isso. Tu

prendes alguém por um crime com violência ou grave ameaça. O sujeito é

aparentemente louco. Vamos parar com essa bobagem, porque, de perto,

ninguém é normal. Eles, os loucos; nós, os bons. De perto, todo mundo é

louco também. Tenho dúvidas se resistiríamos a um exame de observação

criminológica.

Vais fazer agora um laudo de constatação provisória de

loucura, porque precisas prender o cara logo. Então, na Polícia, vão nomear

um perito. Senta ali, tem cara de louco, parece louco, aparentemente é louco.

Consequência: internas o sujeito no Instituto Psiquiátrico Forense, ou em

alguma casa manicomial Brasil afora. Manténs quanto tempo a pessoa

internada lá? Não sei. Aí ele fica um, dois anos. Vais fazer o laudo de

constatação definitiva da loucura no processo. O sujeito chega lá, dois anos

depois, tremendo, abanando mosca imaginária. Aí ele senta na frente de

psiquiatras e diz: “Doutor, eu sou normal”. E eles vão dizer: “Todo mundo que

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é louco diz isso. Volta”. Passam seis meses, volta: “Doutor, eu sou louco, mas

eu quero sair”. “Está começando a tomar consciência da loucura. Volta.”

Amigo, isso é perigosíssimo, tem que abrir o olho. E mais, a

fiança, que também é outro instituto sobre o qual se tem falado bastante,

estava desacreditada. A fiança agora pode chegar a duzentos mil salários

mínimos, isso dá cem milhões de reais, o que, pelo menos para mim, é muito

dinheiro. Vamos começar a ver fiança na casa de um milhão, dois milhões.

Volto a dizer: em crime econômico, vai ser muito comum. Entretanto, como

tudo na vida, tem que ter muita calma e olhar os dois lados da moeda: há

vantagens e há inconvenientes. Vai ser uma fiança efetiva, o sujeito vai suar

para pagar. Só que há um detalhe: se é um criminoso “profissional”, que faz

do crime a sua atividade diária, e tu aplicas uma fiança alta, ele vai arrumar

esse dinheiro à custa de alguém, ou seja, ele vai dizer: “Doutor, me dá uma

semaninha que vou arrumar esse dinheiro”. E vai aparecer esse dinheiro.

Cuidado, a fiança elevadíssima tem vantagens e inconvenientes.

Detalhe: já estão fazendo coisas, a meu ver, erradas, por

exemplo, a pessoa vem dirigindo um carro caro, correndo, bate, mata alguém,

é uma tragédia, como no caso agora de São Paulo, em que o Porsche dobrou

uma Tucson ao meio. Também penso que é crime grave, matou alguém, é

gravíssimo. O sujeito também não tem que andar a cento e tantos por hora no

perímetro urbano, concordo. Para mim, foi uma tragédia, um acidente. Eu,

particularmente, tenho muita resistência a essa virada discursiva do dolo

eventual para tudo. Culpa consciente, dolo eventual é um fio bastante

perigoso. Nesse caso, pergunto: o sujeito é um empresário estabelecido,

fiança 300 mil reais. Ele pode pagar? Pode. Onde está o periculum libertatis,

demonstraram? Fizeram uma discussão ali se havia risco? Nem se falou no

risco, foi uma fiança automática. Paga para soltar. Voltamos ao caso. Não

estão trabalhando na lógica cautelar, banalização, e a fiança vai subir e vão

ser sistemáticos valores bem elevados.

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Até o Dr. Alexandre Rosa, que é um Juiz e uma pessoa

fantástica, me ligou esses dias: “Vou abandonar a Magistratura e quero fazer

uma sociedade contigo”. Eu disse: “Esquece, estou morrendo de fome,

advogar está muito difícil”. Aí o que ele falou: “Que bobagem, que advogar,

isso é coisa de chinelo. Vamos abrir uma agência 24 horas de fiança, modelo

americano. Eu já arrumei até uns três ou quatro leões de chácara, que é para

recuperar o sujeito depois. Vamos ter lá 24 horas por dia alguns milhões

guardados”. Aí fiquei pensando, se tiver um milhão guardado em casa, é

lavagem de dinheiro, aí já vou ter um celular, uma sacolinha plástica, já é

tráfico também. Não dá, mas vai começar a surgir isso, gente encarregada de

gerar fiança, valores elevados. Assim, a coisa é complicada, mexes aqui,

estoura lá, mas encerro dizendo o seguinte: prisão especial continua. Enfim,

teria n outras coisas para falar, mas não temos mais tempo.

Quero dizer que o meu grande medo aqui é uma reforma

pontual. Há coisas muito boas se for bem usado. Se o Juiz resolver pensar,

ele tem opções, e penso que temos que dar opções para que o Juiz analise

caso a caso. Agora, tenho minhas dúvidas se vai ter força para ter o choque

cultural e realmente mudar. O meu medo é que as coisas mudem para que

nada mude, ou que mude para pior no sentido de banalização, por exemplo,

das cautelares diversas. É descarcerizador, mas não podemos pactuar com

uma expansão irracional de controle. Pensem no que estou falando:

diariamente estamos abrindo mão de toda e qualquer liberdade. Chegou ao

ponto de estarmos abrindo mão de tudo sem discutir nada.

Muito obrigado.

DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI – Obrigado, Prof. Aury.

Não sei se, segundo os laudos, nós passaremos, porque, para progredir de

regime ou ir para livramento condicional, primeiro temos que nos arrepender,

depois aceitar que cometemos algum crime, depois ter laços familiares fortes

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e depois ter uma boa perspectiva de trabalho. Tudo isso adquirido durante o

tempo de prisão.

DR. AURY LOPES JÚNIOR - A mulher não vai me abandonar,

família unida.

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DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI – Fica difícil a pessoa

conseguir. Então, Professor e Colega, Des. Bruxel.

DES. IVAN LEOMAR BRUXEL – Bom-dia a todos. Vou

procurar manter o mesmo ritmo iniciado pelo Desembargador, pelo Dr. Thums

e também pelo advogado Aury.

Provavelmente, eu vá pular algumas partes do que havia

preparado aqui, porque temos vantagens e desvantagens de falar por último.

Enquanto outros vão falando, fazemos algumas anotações e depois

aproveitamos para criticar ou concordar.

Registro a satisfação por estar aqui, cumprimentando o

Colega Nereu pelo dinamismo que implantou no Centro de Estudos. A

saudação também a todos aqueles que vieram aqui demonstrando interesse

pelo assunto, porque, se queremos falar em capacitação dos servidores,

capacitação dos Juízes, capacitação de todos os operadores do processo,

temos de fazer alguma coisa. Não adianta só o discurso, temos de participar.

Por isso é que atendi ao pedido do Colega Nereu, embora sabendo que ele já

havia convidado dois lights. O Dr. Thums, eu fiquei na dúvida, então precisava

alguém do outro lado, representante das minorias. Então, venho aqui quase

nessa condição, embora às vezes surjam alguns enganos.

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Muita gente está falando a respeito dessa lei nova, e

rapidamente vou referir o que disse o Juremir Machado da Silva, no Correio do

Povo, no dia 06 de julho. Lá pelas tantas, na coluna diária dele, ele diz:

“Criatividade é o que não falta em Palomas”. Palomas é o país imaginário

dele. “As prisões estão explodindo de tanta gente, a população ainda assim

tem a impressão de que a impunidade grassa. Os parlamentares resolveram o

problema, aprovaram um novo Código de Processo Penal que, segundo os

mais aflitos, vai esvaziar os presídios.” Primeiro, não foi um novo Código e não

vai esvaziar tanto assim os presídios. Prossegue ele: “O ponto mais

revolucionário da nova lei estranhamente não foi aprovado: o fim das prisões

especiais para autoridades e pessoas com diploma de curso superior. Seria

certamente um avanço extraordinário no tratamento igualitário a todos os

cidadãos”.

Quem der uma olhada na nova lei, vai ver que esqueceram o

Ministério Público ali com prisão especial, mas provavelmente, como agora

está equiparado, hoje ainda vi que o juiz tem auxílio-alimentação, estou

procurando auxilio-alimentação, porque dizem que os Promotores já têm, e

agora o CNJ diz que os Juízes têm. E hoje o representante da associação dos

servidores do MP disse que como é que não tem dinheiro para dar aumento

para os servidores se tem dinheiro para dar auxílio-alimentação para os

Juízes. Então, estou procurando, o Des. Voltaire talvez saiba, mas penso que

não.

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Temos de ter cuidado quando lemos essas notícias. Aliás,

para quem está impressionado com essa reforma pontual do Código, como já

referido, essa esquizofrenia, essa falta de sintonia, tivemos a mudança dos

procedimentos, agora tivemos a mudança das cautelares, não mudaram os

recursos, mas há um projeto para mudança dos recursos. Então, alguns hoje

recorrem, e alguns outros dizem: “Não, mas o 581 não contempla essa

possibilidade, então recurso em sentido estrito não é, apelação não é, porque

também não cabe, não cabe nada”. Então, chove correição parcial ou habeas

corpus para tudo.

Prossegue o Juremir. Lá pelas tantas, ele fala alguma coisa

do novo Código de Processo Penal, que aprovou alguma coisa para o júri, o

que, para mim, foi novidade. Penso que foi um engano dele. Por fim, diz ele,

referindo Guevara, que “hay que endurecer, pero sin perder la ternura jamás”

se tornou um slogan da gurizada dos barrancos. “O novo Código de Processo

Penal palomense parece ter se inspirado nessa filosofia, endurecimento é

tamanho que só se vê a ternura, do açúcar e do BNDES. Os reacionários

dizem que liberou geral. Por crimes com até quatro anos de pena, ninguém irá

mais em cana”.

Então, temos uma esquizofrenia dentro do sistema. Agora

começo uns apontamentos que fui fazendo. O Delegado pode fixar fiança para

crimes até quatro anos, mas a Lei Maria da Penha diz que não se podem

impor penas de natureza pecuniária. Então, vamos chegar o contrário. Ele

poderá talvez ter fiança na violência doméstica e depois, quando for

condenado, não pode mais.

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Aliás, tenho uma pequena divergência, já há trinta anos, com

relação à fiança. O que é a fiança? Isso eu aprendi no CPP velho, com a

redação antiga, o sexagenário. Vamos dar uma olhadinha lá: há quebramento

da fiança, há perda da fiança. Se o sujeito não perde a fiança, se o sujeito não

quebra a fiança, se ele é absolvido, o que acontece com a fiança? A fiança é a

ele restituída integralmente, e faz trinta anos, desde que ingressei na

Magistratura, que vejo, lamentavelmente, recolhimento da fiança como se

tributo fosse. Ainda ontem vi um caso, “fixada a fiança, recolhimento, taxas

diversas”. Então, a recomendação é que não pague os 350 mil, dê um

patrimônio, que está liberado depois, dê hipoteca, dê joias, tudo menos

dinheiro, porque senão depois vai entrar na fila dos precatórios para receber a

fiança de volta.

E a lei agora repete isso, dizendo: “A fiança será recolhida à

repartição pública...” Depois diz que tem que devolver. Como vai devolver, eu

não sei. Normalmente, essa fiança em dinheiro deve ser recolhida à

disposição do Juiz em depósito com rendimento, como os depósitos das

execuções comuns. É uma coisa elementar, mas continua na lei. Como é que

vai resolver, não sei, provavelmente vai ter que entrar na fila dos precatórios.

Então, temos umas coisas muito interessantes. Fiz algumas

anotações aqui e vou desviar um pouquinho do assunto. Parece mesmo que o

Promotor de Justiça precisa estar nas audiências agora, e eu confesso que

voltei um pouquinho atrás e estou me sentindo um juiz-marisco, porque não

sou eu que estou dizendo, estou utilizando as palavras do Dr. Thums: os

Promotores de Justiça querem prender todo mundo. Daí o Dr. Aury diz aqui

que não tem que prender todo mundo.

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Antes prendia ou soltava, agora temos nove opções. Então

vamos nos preparar, porque vamos ter provavelmente um aumento

significativo do número de recursos. Aliás, já estamos tendo. Aqueles habeas

em que havíamos denegado a ordem agora estão voltando. “Quem sabe

agora não é mais caso de preventiva”. Vamos dispor de outras opções, e

assim vamos avançando, quem sabe, progredindo. Mas não se preocupem

aqueles que estão achando esta liberalidade, digamos assim, ou esse

garantismo da nova lei algo muito fantasioso, muito leve. Este, como o Dr.

Aury já referiu, foi um projeto de lei das reformas pontuais do CPP.

Na realidade, tenta-se resolver algumas coisas, na falta de

encontro de soluções, criando JECrim: “Nós não temos condições de

examinar todos os projetos, vamos cuidar só dos violentos. Vamos, então,

criar o JECrim”. Claro que o meu estudo não é científico, mas eu tenho a

impressão de que, a partir de 1995, é que a coisa começou a melhorar para

alguns e piorar para outros. Por quê? Porque o sentimento da impunidade

começou a surgir ali. “Não acontece nada, vai lá e paga uma cesta básica e

está resolvido.” Está escrito lá: “A transação penal não gerará reincidência e

servirá exclusivamente para impedir nova transação penal nos próximos cinco

anos”. E daí abro um processo e abro a certidão de antecedentes do Fulano,

que ele fez uma transação hoje, amanhã faz outra, daqui trinta dias mais

outra, depois de mais um mês, faz outra, e daí se vai fazendo transação penal

aqui, transação penal ali.

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Então, a opção do legislador por dar uma primeira

oportunidade, uma segunda oportunidade virou dez oportunidades, porque o

Fulano não vai ser processado. Por que isso acontece? Bom, isso eu não sei,

talvez por falta de conversa entre o sistema. Quantos processos nós

encontramos em que o sujeito está preso aqui e vem na certidão “réu

suspenso”. Não é o processo que fica suspenso. É o réu que está suspenso.

Ele está com um gancho lá pendurado e tal, réu suspenso 366. Então, o

sujeito está preso aqui respondendo aqui, foi condenado aqui e, nas outras

comarcas, ele tem processo em andamento.

Será que não seria o caso de o sistema acender uma luzinha:

“Olha, o Fulano de Tal tem alguma coisa”. Ou, então, que o Juiz que

determina ou mantém a prisão, ou converte a prisão em flagrante em

preventiva, no dizer novo da lei, dê uma olhada na certidão e determine, entre

as providências determinadas ao cartório, que se comunique aos juízes dos

processos tais e tais que o Fulano já está preso, etc. Caso contrário, ele vai

ficar fazendo transação em todos os lugares.

Esta lei cria o Cadastro de Mandados de Prisão. Deveria ter

aproveitado a oportunidade para criar o Cadastro Geral de Antecedentes, para

todos terem acesso aos antecedentes, porque os sistemas não conversam. É

só o RENAVAM que funciona nacionalmente. Emplacar um veículo tem que

ser assim. As outras situações não têm tanta importância.

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Voltando, então, ao assunto e às leituras jornalísticas. Na

Zero Hora, 13 de julho, na página de opinião, fl. 13, Jorge Carlos Mastroberte,

advogado e contador, diz: “A situação é esta. Como não tem cadeia para

todos, o jeito é soltar aqueles considerados de menor periculosidade antes

que se tornem casos perdidos em definitivo”. E, no fim: “Fumar maconha,

cheirar cocaína, dirigir bêbado, sabemos que é proibido, entretanto esses

deslizes estão rotineiramente nas páginas dos noticiários, não raro envolvendo

cidadãos que deveriam servir de exemplo para os demais. Convenhamos, isto

é hipocrisia da nossa parte. Confundir liberdade democrática com

permissividade excessiva é erro gravíssimo, e custa muito caro fazer o

conserto. A conta já está doendo no bolso, mas, infelizmente, será dividida

entre todos. É o caos, talvez anunciado pelo Dr. Thums”.

Outro dia eu recortei, mas não vou ler aqui, um texto em que

um Procurador de Justiça Mário Cavalheiro Lisbôa (Zero Hora, 5 de julho, fl.

14) diz basicamente assim: “Pau que nasce torto morre torto. Cachorro

comedor de ovelha, só matando. Não tem conserto”. Menos mal que o Doutor

Procurador de Justiça jubilado Milton Medran Moreira, no dia 6 de julho, na

Zero Hora, disse: “Não, não é bem assim e tal, têm alguns que tem salvação.

Precisamos apenas investir neles”.

No fim de semana passado, alguém que me trouxe a situação

de um processo. Essa pessoa não sabia que eu conhecia o processo e que o

recurso havia passado por mim e primeiro disse: “Mas, como, a Fulana não é

traficante. Ela é só usuária. Tá certo que esta usuária guardou cinco quilos de

maconha em casa para a fornecedora dela. Ela prestou um favor

provavelmente. Bom, então, ela não era traficante. Ela só estava guardando a

droga”.

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Claro que eu não vou explicar o tipo penal múltiplo do art. 33

da Lei de Tóxicos. Mas a mãe desta menina, e por isso gerou a ação penal,

quase foi presa também, porque ela encontrou aqueles cinco quilos de

maconha. Obviamente, imaginava o que era ou sabia o que era. Colocou

numa sacolinha de supermercado - se tivesse uma tesoura junto, poderia dizer

que ela estava cortando para fazer as buchinhas de maconha -, tomou o

ônibus e foi para a delegacia entregar a droga. Sorte dela ter conseguido

chegar lá, porque, senão, ela estaria condenada muito provavelmente

também, ou dando explicação ao juiz até hoje, porque era no ônibus. Mas esta

filha está presa, cumprindo pena em Torres.

Então, a mãe diz que toma um táxi e vai lá visitá-la. Até outro

dia, a filha tinha uma televisão. Além disso, tem banho, comida, roupa quase

lavada, chuveiro quente. Então, a mãe está muito satisfeita com a prisão da

filha, porque espera que, enquanto ela esteja lá, tome consciência e abandone

aquelas noitadas, porque ela largava os três filhos com a mãe à noite em casa

e voltava às sete da manhã.

Por isso, quando se fala nesse caos dos presídios, não é bem

assim. Eu posso mostrar o Presídio Central e posso ir até a favela atrás do

BIG, e daí vamos ver qual é o melhor. Por que há tantas pessoas que, mesmo

sabendo de tanta propaganda que falam dos males do presídio, quer ir para

lá. E, depois que vai, quer sair. São situações que não se entendem.

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Quando jurisdicionei na Comarca de Quaraí, atuei no Júri da

Branca Flor. Aliás, atuei em dois Júris dela. O Promotor Humberto Setembrino,

na época Promotor em Livramento, que ofereceu a denúncia, suscitou desde

logo o incidente de insanidade mental, porque, do jeito que ela havia cortado

aquele marido dela, ela só podia estar possuída pelo demônio. Ela disse que

não aguentava mais o marido, que apanhava. Assim, numa manhã, ela o

esperou voltar de uma noitada e passou o facão do leste para o oeste, de

norte a sul. O Júri absolveu, e o Tribunal disse que era uma decisão

manifestamente contrária à prova dos autos. Então, eu fiz o segundo Júri da

Branca Flor, e ela foi absolvida de novo, sem fazer o incidente de insanidade

mental que o Dr. Setembrino queria.

O Ministério Público visa à defesa da sociedade. O réu tem o

defensor dele, os interesses são do réu. Por isso ao defensor é lícito

argumentar tudo em favor dele, mas, quando nós vamos examinar esses

pedidos, nós temos um compromisso diferente: nós temos um compromisso

social. Por isso, em algumas situações, evidentemente temos de deixar o

sujeito guardado. Guardado onde? É melhor ou pior?

Eu até penso que, quando se cogita de tantos presídios, há

uma questão orçamentária envolvida. É melhor presídio grande ou presídio

pequeno? Presídio pequeno precisa muito diretor, mas, nos presídios grandes

é que acontecem essas coisas grandes. Aliás, o Presídio Central - e essa é

uma das preocupações dos colegas da Execução Criminal - originariamente

era estabelecimento de passagem, apenas presos provisórios.

Então, esta contaminação que se diz existente entre os presos

definitivos e os presos provisórios será evitada, talvez, quem sabe, com a

construção ou a destinação específica dos estabelecimentos. Com isso,

parece que a decisão do Juiz da Execução Criminal da Capital em limitar o

número de presos e voltar à origem o presídio central é salutar por causa

desta questão. Mas onde colocar estes outros?

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Precisamos criar presídios, mas não há recursos ou não há

políticos interessados nisso. Mas penso que a prisão preventiva, em alguns

casos, tem uma eficácia, e esta eficácia devemos tentar encontrar nas novas

medidas.

Lembro de dois outros episódios, situações que me marcaram:

quando cheguei à Comarca de Santa Cruz do Sul, estava lá o pedido de

prisão preventiva de um sujeito - não vou dizer o nome em respeito à

privacidade dele, porque parece que, hoje, é um bom rapaz – porque ele

chegava a um posto de gasolina, mandava abastecer e ia embora. Certa vez

um Juiz também fez isso, mas ele estava no estágio probatório, e dizia:

“Manda a conta para o Fórum”. Então, provavelmente, esse rapaz ouviu essa

história e também abastecia e mandava cobrar do pai dele.

Ele chegava numa loja de motocicletas, mostrava-se

interessado em comprar uma motocicleta e esquecia de devolver a

motocicleta. Ele ia numa loja e dizia: “Olha vim aqui fazer uma compra, o

Fulano me mandou aqui”, mas não era nada daquilo, e aplicava um

estelionato. Um dia, como não acontecia coisa alguma, ele fez-se de Policia e

atacou um ônibus, mandou todas as pessoas descerem e fez uma baderna.

Mas, quando eu cheguei, havia um pedido de prisão preventiva em relação a

ele, e eu decretei a sua prisão preventiva. Depois, foi ao Ministério Público, e o

Promotor pediu o arquivamento do processo. Com isso, eu fiquei com o réu

preso, sem denúncia.

Aliás, abrindo um parêntese, o art. 313 refere-se à Lei Maria

da Penha. Eu tenho uma predileção por esta lei e pergunto aos demais

integrantes da Banca sobre o que acham de algumas circunstâncias que estão

ali. Certa vez, no primeiro aniversário da Lei Maria da Penha, convidaram-nos

para palestrar num seminário na PUC, e eu disse para o então Presidente da

AJURIS: “Eu não posso ir, eu não sou recomendado para falar sobre este

assunto”, mas disseram que eu deveria ir.

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Cheguei lá, falei alguma coisa e, no próximo boletim da

AJURIS, foi noticiado que a AJURIS e escolas participaram de seminário

sobre Lei Maria da Penha: no primeiro bloco, participaram Fulano, Beltrano e

Sicrano; no segundo bloco, participaram Fulano, Beltrano e Sicrano, e pularam

para o quarto bloco: Fulano, Fulano e Fulano. O meu bloco não foi publicado,

pularam. Acabei prejudicando os outros dois palestrantes, porque não

gostaram do que eu havia falado.

Foi falado aqui em prisão perpétua com relação ao tempo de

prisão cautelar. A Lei Maria da Penha diz que a prisão preventiva poderá ser

decretada em qualquer fase do processo, e nós já tivemos, na Câmara, um

sujeito preso há seis meses em que fiquei vencido, concedendo a ordem.

Quando perguntei qual o crime que ele tinha praticado, responderam: “Não

sei, não tem denúncia ainda”.

Então, são coisas assim: temos uma prisão preventiva ou uma

medida cautelar aparentemente perpétua. Na Constituição, parece, não temos

mais certeza de nada, que a prisão civil somente será permitida em tais casos.

E pode ser que não tenha o outro bloco, então vou dizer que a Lei Maria da

Penha pode prender até os eternamente apaixonados, porque o sujeito

telefona e diz: “Meu amor, eu não posso mais ficar distante de ti”. Telefona de

novo e manda e-mail para ela - tem que ser para ela, se ela manda para ele

daí é outra coisa -, e diz: “Eu vou te esperar na saída do serviço, porque eu

não posso ficar sem te ver”. Ela não aguenta mais e o que faz?

Pelo art. 5º da lei, é violência contra a mulher incomodar. Daí

ela vai à Delegacia, pede uma medida protetiva, o Juiz concede a medida,

dizendo que não deve chegar perto e não pode mais mandar e-mail. Daí ele

manda um, dois e três, a vítima vai lá e reclama: “Ele está me incomodando,

ele está se aproximando”. O Juiz daí prende. Qual o crime que ele cometeu?

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Mas a Constituição não diz que ninguém será preso a não ser

em flagrante? Mas há a prisão preventiva, e agora inovou nessa parte, a lei

colocou sentença penal condenatória. Assim, nessas histórias de prende e

solta, prende e solta, temos de conciliar os dispositivos da lei, porque o sujeito

faz uma lei aqui, e ele não pensa o que tem lá adiante. Temos um sistema que

deve ser coerente. Então, podemos amenizar as medidas cautelares?

Podemos.

Nessa semana eu li, numa revista, um artigo cujo autor, que é

daqui, disse que aos poucos nós vamos merecendo guardiães e refere que os

principais são da ANVISA. Somos cada vez mais tutelados, nossa liberdade

está sendo tolhida, e ele refere especificamente a ANVISA: “Não pode usar

sibrutamina, não pode usar antibiótico sem receita, não pode fumar cigarro,

tem que colocar propaganda no cigarro”, eu não posso mais fazer o que bem

entender.

Qual a razão dessas proibições enquanto eu estiver causando

um prejuízo para mim? Que sentido têm? Até onde é possível essa invasão da

minha privacidade?

“Não pode dirigir sem cinto”, com relação a isso quase todo

mundo já se reciclou; “não pode dirigir bêbado”, em 2014, veículo só com

ABS, e quem mora lá na cidadezinha do interior, anda bem devagarinho, sem

maior problema, vai ter de pagar o ABS do carro dele, porque o ABS é muito

bom. Claro que para alguns é muito bom, mas para a grande maioria não é

necessário; também será obrigatório airbag, por quê? Segurança de quem

nesses casos? É o mesmo que não usar antibiótico, não usar sibrutamina, não

fumar e não usar droga. É proteção do sujeito.

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Centro de Estudos

Por que existe isso? Será que já paramos para pensar? Por

que não podemos entrar no banco com telefone? Por que não se pode ter

telefone no presídio? Por que não podemos entrar no banco com um

chaveiro? Não se pode entrar no banco, não se pode usar o elevador dos

magistrados, não se pode fazer sexo sem camisinha, não se pode ter arma

em casa, não se pode chamar de gay ou veado, mas de machão pode. E a

liberdade de imprensa, ou a liberdade de opinião, como é que fica?

Então, posso fazer a marcha da maconha; depois, vamos

fazer a marcha do aborto, acho até que já teve, teve a do antiaborto, tem a

parada gay. Por que eu não posso fazer a anti? Não que eu queira fazer

evidentemente! Não pode chamar de gordo, pode ser bullying, mas magrão

pode.

Estamos abrindo mão das nossas liberdades sem maior

discussão. Por que não posso entrar no avião com uma garrafinha de água?

Eu não posso passar na esteira, mas, se eu comprar uma garrafinha ali

dentro, que custa mais caro, daí eu posso. Com tudo isso, dizemos que a

resposta é a proteção da sociedade. Por um ou outro motivo, protege-se o

banco dos assaltos, protege-se o avião das explosões, protege-se isso e

aquilo.

Então, com relação aos roubos, aos estupros ou aos furtos,

não há possibilidade de proteção? Evidentemente que temos que ter algumas

formas de proteção. Antes tínhamos só duas possibilidades, agora temos

essas nove. Vai demorar? Vai demorar, pois a efetividade das medidas é a

grande questão.

Volto ao jornal. Zero Hora, terça-feira, doze de julho, pág.28:

“Pregão das tornozeleiras para presos é suspenso”. Há quanto tempo estão

tentando fazer o pregão, a licitação ou o que seja para a aquisição das

tornozeleiras? Onde fica o monitoramento eletrônico previsto na lei como uma

das medidas cautelares?

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O Des. Aquino disse, aqui, que impediu o sujeito de ir ao jogo

de futebol. Com cinquenta mil torcedores que compram ingressos, como vou

saber se ele foi ou não foi? Só se ele perturbar o ambiente lá de novo. O jornal

publicou que o Juiz proibiu o sujeito de ir a uma casa noturna, mas quem vai

saber se ele está lá? E isso traz a sensação de impunidade por eventual

ineficácia das medidas cautelares.

Vemos isso na Lei Maria da Penha: não pode chegar perto, e

chega perto. E por quanto tempo não pode chegar perto? Voltamos à mesma

situação.

É claro que precisamos de medidas de proteção. Essas

medidas são boas ou não são? O tempo vai dizer se elas deram certo ou não,

mas, enquanto isso, temos de mudar a cultura. Então, precisamos para essa

proteção da nossa sociedade encontrar a adequação.

Em algumas situações concretas vamos identificar umas que

se adaptam, dispensando a prisão. Então, o Juiz, no primeiro momento do

flagrante, homologa, porque formalmente perfeito; no segundo momento,

mantém ou não mantém a prisão, concede ou não concede medidas

alternativas novas e, depois, há a possibilidade de revogação daquela e

substituição por prisão preventiva.

Passa a ser, então, agora a última e talvez a medida mais

eficaz, porque, por mais que se relute em concordar com o Dr. Lisbôa, que diz

que não há conserto, não vai querer alguém me convencer de que o

assaltante de banco, acostumado a assaltar banco, vá costurar bola no

presídio e concordar em ganhar alguns míseros trocados. Mas aí já passamos

para a execução da pena.

E o sujeito que efetivamente vende droga, o vendedor mesmo,

não aquele traficantezinho pequenininho? Como não pode mais prender por

porte, uma das maneiras é dizer que é traficante. Está acontecendo bastante.

Então, temos que examinar um pouquinho melhor a situação fática.

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Outro dia, entrou um habeas na Câmara em que o sujeito

estava empurrando a moto, porque não tinha combustível. Aí a Brigada

chegou e disse: “Fulano, o que tu tá fazendo?” “Eu tô empurrando a minha

moto, eu tô sem combustível”. “Não, mas tu tá numa atitude suspeita”. Atitude

suspeita e ordem pública é qualquer coisa. “Tu tá em atitude suspeita. Pra não

perder a viagem, nós vamos te revistar”. Encontraram com ele duas buchinhas

de maconha, e aí disseram: “Tu tá traficando”. Levaram para a delegacia, foi

feito um flagrante pelo art. 33, o Juiz disse que não cabia a liberdade

provisória por causa do art. 44, e ele ficou preso. O que o sujeito estava

fazendo? Talvez até fosse vender, mas não havia, até ali, indicativo de que

aquilo se destinasse à venda.

Então, o nosso marisco do começo da história vai ter que ficar

agora entre essas onze possibilidades: solto, preso e as nove que estão no

meio, tentando identificar aquela que corresponda à necessidade, mas que

fique dentro do razoável, respeitando a questão da razoabilidade, sem tirar de

vista qual será a pena e o regime de cumprimento desta pena. Embora se diga

que não é pena antecipada, parece óbvio que devemos fazer esse exame. Se

o sujeito for condenado, a pena dele será de 6 (seis) meses de detenção, e

esse sujeito, se for a Lei Maria da Penha, vai ficar preso lá sei eu quanto

tempo, às vezes sem processo.

Com isso, voltamos ao que era antes o art. 310, com essas

novas possibilidades, examinando sempre, evidentemente, até que ponto é

razoável uma ou outra medida e até que ponto se faz necessária e

indispensável a prisão preventiva.

Muito agradecido pela atenção.

DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI – Alguns Colegas

mandaram perguntas, e uma delas é solicitando que os painelistas se

manifestem acerca do art. 212 e acerca da busca da verdade material no

processo penal. Então, passo a palavra ao Colega Gilberto.

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Centro de Estudos

DR. GILBERTO THUMS – A questão do Des. José Conrado é

sobre o problema da verdade real. Nós estamos, no meio acadêmico, como se

diz, carecas de saber que a verdade real é um mito criado pelos nossos

processualistas do século passado. É um mito como é a fé, enfim, essa coisa

de transcendência e tal, porque a verdade seria uma só.

Se eu tenho que dizer que a verdade é real, isso é uma

redundância, é como subir para cima. Se é verdade, a verdade seria única.

Então, se existisse verdade real, não precisava ter recurso, porque ninguém

poderia mudar a sentença do Juiz, porque a verdade só pode ser uma. Como

é que o Juiz pode chegar a uma verdade, e o Tribunal chegar a uma outra

verdade? Então, chegamos à conclusão de que verdade não existe.

Essa questão perpassa por um aspecto filosófico,

evidentemente, e por uma questão jurídica. Para resumir, eu poderia dizer que

existe um juízo de probabilidade, ou seja, é possível, é provável que Fulano

seja o autor do crime. Eu nunca posso afirmar com certeza absoluta, mas, por

uma questão de simbologia no processo penal, não podemos admitir que o

Juiz, em uma sentença, diga: “Olha, é possível que tenha sido o Fulano”. Não,

o Juiz tem que afirmar com certeza absoluta. Então, o Juiz afirma. Aí chega o

Tribunal e diz que a prova que está nos autos não permite essa conclusão.

Então, qual é a conclusão a que chegamos? Que a verdade está na cabeça

de cada um, e isso é um problema. O processo penal sofre com essa crise há

décadas, há séculos. Carnelutti tem uma frase sobre isso: “Doze mil

espectadores num estádio. É derrubado um atacante na pequena área. É

pênalti ou não é?” Vai depender de quem? De quem está olhando, de quem é

torcedor fanático daquele time. Um diz: “Ah, não é”. O outro vai dizer: “Claro

que foi. O Juiz tá roubando, foi comprado”. Isso aí é a verdade, é como nós

enxergamos.

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O processo penal não é diferente. O Boaventura de Souza

Santos fala que no processo penal se recorta um fragmento da história e se

tenta reconstituí-lo. Reconstituí-lo a partir do quê? De testemunhas. Mas as

testemunhas mentem, as testemunhas enxergam de forma diferente. Está

provado cientificamente que os nossos olhos registram imagens no cérebro de

forma diferente daquilo que pensamos. Então, quando reconstrói um fato,

muitas vezes, por um bloqueio psicológico, a testemunha mente, e mente de

forma consciente, e outras testemunhas mentem de forma inconsciente.

Então, de muito tempo não falo sobre verdade, mas sobre

probabilidade.

Com isso, vou dizer para o Des. José Conrado que

trabalhamos sobre um mito, que é essa questão da verdade, e eu entendi a

questão dele sobre o art. 212.

O Ministério Público, com as prerrogativas que conseguiu na

Constituição Federal, tem que fazer mais. O Ministério Publico tem que

assumir o seu papel de protagonista no processo penal e não se resumir a

oferecer a denúncia em cima do inquérito policial, deixando o resto correr,

porque o Juiz vai fazer a instrução, o Juiz vai fazer tudo, e ele não precisa ir às

audiências. Esse tempo acabou.

Não é que o Juiz seja uma samambaia – eu concordo com o

Des. Bruxel –, mas a questão é que existe uma instituição encarregada de

fazer a acusação e de fazer a prova. Do outro lado, o réu se defende, e o Juiz

vai fazer essa análise. Quem é que produziu a melhor prova? A melhor prova

é a tal. Então, é nesse sentido que vai ser a decisão. Agora, se o Juiz vai dizer

assim: “Mas isto é a verdade real? Será que eu vou dormir?”. Não, é a

verdade que está no processo. Mas isso é a verdade? Isso pode ser a

probabilidade.

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DR. AURY LOPES JÚNIOR – É importante que as pessoas

tenham bem claro que essa ambição da verdade no processo – e agora é uma

questão mais profunda, vocês têm que ter conhecimento disso –, que é algo

que remonta a 1376, com "Directorium Inquisitorum", de Nicholas Eymerich,

fez com que se encaminhasse e se fundasse uma estrutura processual

inquisitória.

Isso cobra um preço muito caro. Podemos até pular essa

questão da ambição da verdade, mostrar que isso fundou um processo

inquisitório para se chegar à conclusão de que hoje se tem plena consciência

de que a verdade é o todo, e o todo é inapreensível. O que vocês estão vendo

aqui não é o que está acontecendo, mas um fragmento do que está

acontecendo. Isso é patético. Quem fala em verdade real não sabe o que é

verdade, nem o que é realidade e confunde o real com o imaginário.

O processo sempre é a reconstrução de um fato passado, e o

crime sempre é passado e, se é passado, não é real, é mito, é memória, é

fantasia, é imaginação. O real é o presente, o ser é o presente. Então, quem

fala em verdade real desconsidera que o crime é passado. Se é passado, não

é real, é imaginário. Aí vêm as divisões. Verdade processual. Aí Carnelutti

mostra que o problema não está na verdade, a verdade é o todo. O problema

está no adjetivo: real e substancial não nos diz nada também. Aí a coisa vai

complicando.

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Só que, nessa questão entre o Juiz samambaia e o ativismo,

há uma distância milenar. E é aqui que não estamos sabendo lidar muitas

vezes. Não quero ter um Juiz samambaia, como se diz, mas entre o Juiz ator

e o Juiz espectador há uma distância milenar. O problema do art. 212 é que,

em nome de uma certa verdade, ele se vê compelido a ir atrás da prova e

produzir a prova de ofício, talvez até com a melhor das boas intenções, mas

deve-se ter consciência de que não é este o papel do Juiz, e de que, quando

ele faz isso, ele mata a estrutura dialética, desequilibra o contraditório. O

tribunal europeu e os direitos humanos vêm dizendo isso há mais de trinta

anos, ou seja, dependendo do nível, o Juiz que vai atrás da prova e produz a

prova está contaminado e não pode julgar, porque viola a imparcialidade e,

principalmente, viola a imparcialidade objetiva no sentido de estética de

afastamento.

Então, a questão do Promotor na audiência é muito

complicada, porque, se o Promotor não vai à audiência, o que o Juiz faz?

“Com a palavra, a Defesa”. A Defesa faz as perguntas que tiver que fazer ou

não faz nada, e fica encerrado. A rigor, no sistema acusatório é isso. Aí tu

colocas o Juiz em uma situação difícil. Não tem ninguém ali, e a Defesa não

quer perguntas. Aí ele começa a perguntar. Aí você pode, sim, cair em uma

dimensão de ativismo patológico, problemático. Assim como eu tenho que

estar na audiência, porque, se eu me atrasar, gera um problema enorme, eu

não consigo admitir que o Promotor não esteja na audiência. Não entendo

isso, sinceramente. “Ah, mas eu sou o substituto”. Não interessa, deve estar

presente.

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Um detalhe só para encerrar. Goldschmidt fala muito bem que

quanto mais parciais forem as partes – porque parte é parcial, vamos parar

com essa bobagem de Ministério Público imparcial, porque isso é

desconhecer a origem, desconhecer o que é o Ministério Público na estrutura

dialética de (...) –, mais imparcial é o Juiz, que é quem deve ser realmente

imparcial. O problema é que, quando você não tem isso, o Juiz desce, mata a

estrutura dialética, e aí dá problema.

A questão é simples: “MP traz a tua prova, Defesa traz a tua

alegação”. Tem prova, condena; não tem, absolve. Aí, tu não te conformas

com isso. O que tu fazes? Tu desces e vais atrás da prova. Quando tu desces

e vais atrás da prova, tu vais atrás de que prova? Não precisa nem responder.

Não é para absolver, porque, se é para absolver, eu parava aqui e, in dubio

pro reo, absolvia. Não, eu não me conformo com isso, eu desço e vou atrás da

prova que não foi feita. Aí eu transformo o que era in dubio pro reo em “in

dubio pau no réu”. Elementar.

E outra. Não estamos falando que o acusador é como no

processo civil, que às vezes é um particular demandando uma multinacional, e

o particular que demanda é hipossuficiente. Não, o acusador no Brasil é uma

instituição extremamente forte, com pessoal muito bem preparado e muito

competente. Se ele, com toda essa estrutura, não é capaz de fazer a sua

prova, não é o Juiz que tem que fazer.

Esse é o ponto chave que vocês às vezes não conseguem

entender. Isso aqui é um negócio muito sério: tu mexes aqui e estoura lá na

frente. O Ministério Público não é hipossuficiente, não é um coitado, ele tem

toda a estrutura estatal e toda a Polícia por trás. Se mesmo assim ele não é

capaz de fazer a prova, vai ser o Juiz que vai fazer? Isso é ridículo.

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DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI – Após a Reforma de

2008, nós temos uma situação além do art. 212, que é a questão da audiência

também. Em regra, não há memoriais, seriam debates orais. Como vamos

propiciar um debate ou apresentação de alegações orais com ausência do

Ministério Público na audiência? Realmente, é uma questão bem delicada.

DR. AURY LOPES JÚNIOR – Esses dias, numa precatória,

num processo imenso, a testemunha abonatória de um réu não era nossa, e

não fomos, por acharmos que não valia a pena. O Juiz disse: “A Defesa está

ausente. Multa”. Dez salários mínimos ou vinte salários mínimos, não me

lembro, cinco salários mínimos por advogado na procuração. Levamos creio

que uns 30, 40 mil de multa. Aí eu disse: “Fantástico. Eu quero simetria com o

Ministério Público. O Ministério Público ausente, quero multa também”. Vai

dizer que isso aí é abandono da causa? Claro, se entrou com uma correição

parcial, o Tribunal diz: “Não, para lá, é bobagem”. Mas olha o absurdo: eu levo

multa.

DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI – É que fomos forjados,

estudamos e trabalhamos, dentro de uma realidade de 1940. Depois disso,

temos mais a Constituição de 1988, uma Reforma de 2008, e agora uma nova

Lei das Medidas Cautelares. É difícil romper com essa cultura e com essa

estrutura na qual muitas pessoas estão há dez, quinze ou ainda há vinte, trinta

anos trabalhando. Mas, se nós não mudarmos e aceitarmos pelo menos a

literalidade da lei, os princípios constitucionais e os novos princípios que se

extraem da própria lei, vamos continuar aplicando o Código de 1940, que se

baseou no Código italiano da década de 30, que, por sua vez, copia o Código

Napoleônico, de 1800. Então, em muitas formas de pensar, ainda estamos na

época de Napoleão Bonaparte. Infelizmente essa é a nossa realidade.

Algum dos senhores quer fazer alguma pergunta?

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DES. IVAN LEOMAR BRUXEL – Vou responder à pergunta

que o Des. Nereu fez para mim, se eu vou acompanhá-lo, depois desse

colóquio a respeito do art. 212, na declaração de nulidade total do processo

quando o Juiz começa a fazer perguntas. O Colega Thums disse que é um

absurdo o Promotor deixar as perguntas. Maior absurdo é o Juiz fazer as

perguntas que o Promotor deixou.

Costumo recortar muito alguns artigos de jornais e revistas.

Então, no dia 21 de setembro de 2010, pág. 45 da Zero Hora, embora nem

todos gostem dela, a Min. Eliana Calmon, do STJ, assumiu como Corregedora

no Conselho Nacional de Justiça. A Zero Hora colocou algumas coisas aqui

entre aspas extraídas da entrevista que ela deu. Disse: “Afirmou que é preciso

abandonar ‘o modelo de ser uma Justiça artesanal’. Segundo a mesma

matéria, a Ministra ainda disse: “Temos que mudar de ritmo, e o ritmo deve ser

de uma operação de guerra”. E mais. Teria ainda criticado o modelo de

julgamentos longos “com discussões intermináveis sobre decisões que já

estão pacificadas com jurisprudências ou súmulas vinculantes”. Isso aí nós

temos todos os dias.

“Ah, o Estatuto do Desarmamento é inconstitucional”. O

Supremo já disse, logo depois que sancionado o Estatuto do Desarmamento,

numa ação proposta por dois partidos políticos que aprovaram o Estatuto do

Desarmamento, que não é e extirpou alguns artigos e parágrafos. Então, salvo

mudança de orientação do STF, que pode evidentemente acontecer, a matéria

está discutida, mas todas as vezes temos que repetir nos acórdãos, isso aqui,

ad nauseam, já se disse que não é inconstitucional.

Assim, em termos de infraestrutura, o atraso do Judiciário, diz

ela, é de 50 anos. Todas as vezes em que a Justiça fez mutirões, não foram

poucas as vezes em que se tentou fazer com que os gabinetes ficassem com

menos processos, o que aconteceu foi um enxugamento de gelo, pois em

pouco tempo o número de processos voltou a crescer.

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Na realidade, então, é uma mudança de paradigma, que é

mais ou menos difícil de aceitar. O Juiz não é mais o perseguidor, o algoz; o

algoz é o Ministério Público. Mas o CPP, o novíssimo CPP, lá na exposição de

motivos, diz o porquê de algumas reformas. O Ministério Público hoje tem

estrutura. Antes do CPP não tinha. Quando fui para a minha primeira

Comarca, em Tenente Portela, no dia 13-02-81, uma sexta-feira, uma das

primeiras pessoas que me apresentaram foi o vizinho da frente do Fórum,

agricultor aposentado, com seus qualificativos: Promotor de Justiça ad hoc.

Hoje não há mais, sabemos disso.

Então, se a Defesa é indispensável, é indispensável também o

Ministério Público. Estamos passando, queiramos ou não, gostemos ou não,

no Processo Penal para o sistema dispositivo do Processo Civil. Discutiu,

discutiu; não discutiu, não discutiu, apesar – e aqui o Colega Nereu já ouviu

também várias vezes eu dizer isso – da crítica que faço à exposição de

motivos do novíssimo CPP, que diz que o Juiz se tornou assistente da

acusação. Só estou admirado que não veio rebelião dos primeiros alternativos,

que passaram a cuidar da defesa dos réus, porque há Colega que diz: “Mas

Fulano, você não examinou a pena”. “Mas o réu não recorreu da pena, ele só

quer ser absolvido. A pena eu não examino”. Isso também talvez seja um

pouco perigoso, porque, se examinarmos os recursos, especialmente da

Defesa, nos limites em que colocadas as razões, com certeza vai ficar muito

mais fácil. Então, é um dispositivo, digamos, por metade. O Promotor provou,

a Defesa provou, e o Juiz decide, o Juiz não faz prova alguma. Conforme o

caso, para favorecer, penso que sempre haverá esse entendimento, o Juiz

poderá se tornar assistente, o que ele já é, da Defesa, ao contrário de

assistente do Ministério Público.

Penso que temos que começar a repensar - como a Reforma

foi em 2008, já estamos completando dois anos da publicação da lei - com o

cuidado daqueles processos que se instruíram antes da lei nova, pois parece

que já houve um período suficiente de adaptação às novas regras.

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DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI – Está bem. Infelizmente

não temos muito tempo, por isso passamos às perguntas.

INTERVENÇÃO DA PLATEIA – Especificamente quanto à lei

mesmo, qual a aplicabilidade, no caso, no Tribunal via habeas corpus, das

cautelares.

DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI – Se as novas medidas

podem ser aplicadas no 2º Grau em habeas corpus.

DR. AURY LOPES JÚNIOR – Penso que podemos fazer o

controle dessas medidas, de quem está preso, pelas novas medidas

cautelares pela via do habeas corpus.

Como o Des. Bruxel falou – ele foi até econômico –, isso tem

um efeito rebote: vamos ter uma enxurrada de habeas corpus. O Tribunal vai

ter que fazer uma força-tarefa, e não sei se se deram conta do que pode

acontecer. Hoje um Ministro do STJ recebe entre 50 e 70 habeas por dia, sem

falar em recurso especial, extraordinário, mandado de segurança. Vai ser o

caos.

E temos o problema que o Desembargador falou – também foi

muito rápido nisso –, que é uma questão interessante. Não se mexeu no

sistema recursal, e já começaram as perguntas: Como é que vai ficar agora?

Cabe RSE fora dos casos ou não cabe? Outra pergunta: Como é que vai ficar

a detração? Eu não consegui chegar a um conceito ainda. Como é que

vamos detrair as medidas cautelares diversas? Há pessoas dizendo: “Não, a

proibição de ausentar-se da Comarca ou a proibição de se aproximar também

tem que abater da pena”. Mas como?

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INTERVENÇÃO DA PLATEIA – Porque, se o Tribunal

conseguir determinar a aplicação “É tal medida”, como fica o recurso, a

supressão do duplo grau de jurisdição? Vai recorrer para quem?

DES. IVAN LEOMAR BRUXEL – Já tivemos, na semana

passada, dois precedentes, Relator o Des. Nereu, em que, imposta a pena de

prisão, foi concedida parcialmente a ordem para que o Juiz reexaminasse a

possibilidade de substituir por uma das novas medidas, evitando o saldo(?).

DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI – A preocupação foi

justamente a de substituir no 2º Grau a prisão, revogar a prisão, impor outra

medida cautelar, suprimindo um grau de jurisdição.

Discutimos isso na Câmara e ficamos em dúvida em uns,

depois acabamos soltando. Mas em outro, como era um caso em que não

caberia liberdade provisória, e era agressão de pais à criança, então um caso

muito delicado em que não se sabia qual seria a medida cautelar mais

adequada. O problema é que no habeas corpus não vem toda a informação,

mas só uma parte do caso. Assim, muitas vezes se aplica uma medida

cautelar em habeas corpus, e não é a medida cautelar mais indicada. Naquele

caso este foi o problema verificado. Agora, se possuirmos todos os elementos,

acredito que se possa no 2º Grau aplicar, desde que, por exemplo, venha

cópia integral do que se tem lá.

DR. AURY LOPES JÚNIOR – Uma questão é a seguinte: tu

estás preso, parece inexorável, pede para o Juiz, o Juiz nega o habeas

corpus, porque direto não dá.

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Segunda situação: tu já tens o teu habeas pendente de

julgamento no Tribunal e agora tu entras com uma petição dizendo que temos

novas medidas alternativas. Aí vai dar, talvez, problema, porque aí vai ser o

Tribunal julgando um aumento do pedido, mas são questões que vão se

acomodar.

Inclusive já houve Juízes, como em Santa Catarina, aplicando

a lei no vacatio legis, dizendo que, quando ela entrasse em vigor, ela iria

retroagir, então, já começaria a aplicar. Foi uma postura interessante,

perfeitamente viável. Já que vai retroagir, aplica no vacatio.

DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI – Na semana passada,

quando eu estava de plantão, entrou um habeas – um caso bem interessante

–, sobre uma prisão civil, pedindo a aplicação de medida cautelar. Tratava-se

de devedor de alimentos. Aí o plantonista do Cível se deu por impedido às

quatro da manhã, dizendo que, como envolvia prisão, era uma questão do

plantão criminal. Tratava-se de um pedido de antecipação de tutela num

agravo de instrumento para aplicar uma medida cautelar substitutiva. Então,

parece-me que, em medidas cautelares voltadas para o Crime, não se aplica a

prisão civil.

Sei que o assunto é interessante, e já conversamos de, ainda

neste ano, fazer mais um painel sobre essas medidas cautelares, em que

certamente outros problemas surgirão com a aplicação da lei.

Agradeço a presença de todos os senhores. Obrigado a todos.

(DEGRAVADO PELO DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA E

ESTENOTIPIA DO TJ/RS.)

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