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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 29/08/2016 CJUD MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO PROJETO HORIZONTES DO CONHECIMENTO – 36ª PALESTRA TRABALHANDO COM UMA NOVA LÓGICA: A Ascensão dos Precedentes no Direito Brasileiro CERIMONIAL – Boa-tarde, senhoras e senhores. Nas presenças dos Excelentíssimos Senhores Presidente do Tribunal de Justiça do Estado, Desembargador Luiz Felipe Silveira Difini, e do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, damos início à palestra Trabalhando com a Nova Lógica: a Ascensão dos Precedentes no Direito Brasileiro. 1

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ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 29/08/2016

CJUD

MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO

PROJETO HORIZONTES DO CONHECIMENTO – 36ª

PALESTRA

TRABALHANDO COM UMA NOVA LÓGICA:

A Ascensão dos Precedentes no Direito Brasileiro

CERIMONIAL – Boa-tarde, senhoras e senhores. Nas

presenças dos Excelentíssimos Senhores Presidente do Tribunal de Justiça

do Estado, Desembargador Luiz Felipe Silveira Difini, e do Ministro do

Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, damos início à palestra

Trabalhando com a Nova Lógica: a Ascensão dos Precedentes no Direito

Brasileiro.

Compõem a mesa Suas Excelências os Senhores Procurador-

Geral do Estado, Dr. Euzébio Ruschel, neste ato representando o

Excelentíssimo Senhor Governador do Estado, José Ivo Sartori;

Subprocurador-Geral de Justiça, Dr. Paulo Emílio Barbosa; Subdefensor

Público-Geral do Estado, Dr. Tiago Rodrigo dos Santos; Presidente da

Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, Dr. João Ricardo dos Santos

Costa; Coordenador do Centro de Estudos do Tribunal de Justiça, Des. Ney

Wiedmann Neto; Representante da Presidência da OAB/RS, Dr. Júlio Cesar

Caspani; e Des. Ingo Wolfgang Sarlet.

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CJUD

MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO

Também prestigiam este ato os Excelentíssimos Senhores

Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior; Presidente do Tribunal Regional

Eleitoral, Desa. Liselena Schifino Robles Ribeiro; representando a

Procuradoria Regional Federal da 4ª Região, Dr. Fabiano Haselof Valcanover;

representando a Presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região,

Des. Wilson Carvalho Dias; Presidente do Tribunal de Justiça Militar, Juiz

Doutor Fernando Guerreiro Lemos; Vice-Diretora do Foro da Justiça Federal

do Rio Grande do Sul, Juíza Federal Marciane Bonzanini; Presidente da

Associação dos Juízes do Estado do Rio Grande do Sul – AJURIS, Dr.

Gilberto Schaffer; Diretor da Escola Superior da Magistratura, Des. Cláudio

Luís Martinewski; senhores magistrados; servidores do Poder Judiciário;

representantes da imprensa; senhoras e senhores.

Neste momento, convidamos para fazer sua saudação o

Excelentíssimo Senhor Presidente do Tribunal de Justiça do Estado, Des. Luiz

Felipe Silveira Difini.

DES. LUIZ FELIPE SILVEIRA DIFINI (PRESIDENTE) –

Ministro Luís Roberto Barroso, Colegas aqui presentes, convido a fazer a

saudação ao nosso ilustre conferencista, Ministro Luís Roberto Barroso, em

nome do Tribunal de Justiça, o Des. Ingo Sarlet, a quem passo a palavra.

DES. INGO WOLFGANG SARLET – Muito boa-tarde a todos.

Em nome do Excelentíssimo Senhor Desembargador Luiz Felipe Difini, nosso

Excelentíssimo convidado especial, Ministro Luís Roberto Barroso, saúdo

todas as autoridades que compõem esta mesa, os demais integrantes de

Órgão Pleno do nosso Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, demais

autoridades e público presente.

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MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO

É uma honra, Senhor Presidente Luiz Felipe Difini, poder fazer

a saudação ao Ministro Luís Roberto Barroso e pretendo fazer de uma forma

muito informal, como já o fiz hoje pela manhã, destacando três aspectos da

trajetória do nosso convidado especial.

Em primeiro lugar, até por ordem cronológica, a sua atuação

acadêmica, desde o início, comprometida com a doutrina da efetividade da

Constituição, momento em que a Constituição de 1988 havia sido

recentemente promulgada e que realmente faltava ao Brasil uma doutrina forte

e serena de colocar essa Constituição em prática, que pudesse cumprir as

promessas constitucionais. Ao longo desse tempo, também na produção

acadêmica, o Ministro Luís Roberto Barroso notabilizou-se pela criação de

uma Escola Jurídica altamente qualificada, influente, destacando-se aqui os

nomes de Daniel Sarmento, Ana Paula Barcellos, Rodrigo Brandão, Gustavo

Binenbojm, Jane Reis Gonçalves Pereira, todos autores consagrados,

professores ilustres, uma escola altamente influente no Direito Constitucional

brasileiro. Sua obra bibliográfica não é apenas restrita ao ambiente

acadêmico, mas uma obra altamente influente não só na formação de mais

uma geração de juristas, mas especialmente também na jurisprudência do

nosso Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e demais

instâncias da Justiça ordinária.

Como advogado, Luís Roberto Barroso também teve uma

trajetória notável, especialmente como defensor de grandes causas, causas

polêmicas, causas representando os interesses de minorias e que, por sua

vez, levaram a uma mudança significativa e para melhor, mais progressista do

próprio Supremo Tribunal Federal. Cito aqui o caso das pesquisas com

células-tronco; o caso da ADPF 54, da anencefalia e o caso da união

homoafetiva, que são todos exemplos de causas em que o Ministro atuou,

comprometido com as causas das minorias e com o papel que tem cumprido

hoje no Supremo Tribunal Federal.

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No STF, o Ministro também tem se notabilizado por decisões

serenas, comprometidas com a sociedade, com uma interpretação focada

realmente nos resultados sociais das decisões, com uma visão de

gerenciamento da Justiça inteligente e efetiva. Diria que uma posição liberal,

socialmente sensível, especialmente prudencial. No momento em que

estamos vivendo – falávamos antes isso no gabinete –, uma fase de

maniqueísmos, de polarizações, de sectarismos de toda ordem, uma voz

serena, prudencial realmente se faz necessária, especialmente no nosso

Pretório Excelso, para que tenhamos precedentes também nessa linha que

possam ser por nós aplicados.

Muito obrigado, mais uma vez, pela possibilidade de estar aqui

fazendo uso da palavra.

CERIMONIAL – Neste momento, convidamos o

Excelentíssimo Senhor Ministro Luís Roberto Barroso para proferir a sua

palestra, que abordará o tema Trabalhando com a Nova Lógica: a Ascensão

dos Precedentes no Direito Brasileiro.

MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO – Prezado Presidente do

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Des. Luiz Felipe Silveira

Difini, eminentes autoridades presentes, representantes do Governador, do

Ministério Público, da Defensoria, saúdo o eminente Ministro Ruy Rosado, que

avisto daqui, tenho muito prazer e muita honra de estar aqui, de compartilhar

algumas ideias e algumas reflexões sobre este tema que propus: Trabalhando

com uma Nova Lógica: o Papel dos Precedentes no Direito Brasileiro.

Fui advogado por muitos anos e tinha certa alegria quando os

casos que me contratavam ou me convidavam para trabalhar eram na Justiça

do Estado do Rio Grande do Sul, e naquela tribuna, que agora não está ali,

mais de uma vez já estive sustentando.

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O nosso tema envolve a questão dos precedentes. Antes de

ingressar nele propriamente dito, penso que seja de relevo destacar uma

singularidade do momento contemporâneo brasileiro, que envolve certa

judicialização da vida e certa juridicização do discurso em geral, e acho que

essa é uma característica que merece ser assinalada.

Na verdade, a judicialização não é um fenômeno brasileiro, ela

é, em ampla medida, um fenômeno mundial, que identifica certa ascensão do

Poder Judiciário e certa transferência de poder, que faz com que algumas das

grandes questões nacionais terminem sendo decididas no âmbito do Poder

Judiciário.

Essa judicialização é mundial e tem algumas causas gerais. A

primeira delas é que depois da Segunda Guerra Mundial o mundo se deu

conta de que um Judiciário forte e independente era um componente essencial

das democracias para a proteção dos direitos fundamentais e para o

resguardo das regras do jogo democrático. Portanto, o Judiciário, de certa

forma, deixou de ser um departamento técnico especializado para

progressivamente se tornar um poder político que ocupa um espaço relevante

no cenário nacional em diferentes partes do mundo.

A segunda causa dessa ascensão do Poder Judiciário, tal

como vejo, é que o mundo inteiro experimentou certo desencanto com a

política majoritária, com a política que se realiza basicamente voltada para

representantes eleitos e para as circunstâncias das votações majoritárias, e

muitas dessas questões acabaram não sendo enfrentadas adequadamente

pelas disfuncionalidades próprias da política e do Parlamento.

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Em terceiro e último lugar, há matérias em relação às quais a

política majoritária não consegue produzir consenso, portanto não consegue

legislar, vazios nos quais o Judiciário tem que atuar, que vão desde união de

pessoas do mesmo sexo até eutanásia, passando por outras circunstâncias

complexas da vida. Este é um fenômeno mundial, portanto: a ascensão do

Judiciário, certa disfuncionalidade da política e dificuldade de consenso.

No Brasil, essa judicialização é potencializada por uma

Constituição extremamente abrangente, que cuida de muitos temas e o faz de

uma maneira detalhada. Levar uma matéria para a Constituição, em última

análise, é retirá-la, ao menos em parte, da política e trazê-la para o Direito. Na

medida em que a Constituição cuida do sistema tributário, do sistema

previdenciário, do meio ambiente, dos idosos, da criança e do adolescente, da

demarcação de terras indígenas, isso oferece um potencial de judicialização,

porque essas normas servem como fundamento para pretensões

judicializadas. Portanto, nesse universo, não é surpreendente que o Judiciário

decida de reforma da Previdência à importação de pneus, de pesquisas com

células-tronco até uma fascinante decisão do Superior Tribunal de Justiça de

que o colarinho do chope faz parte da bebida. É provavelmente o único país

do mundo em que há um acórdão de tribunal superior assim definindo.

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E até a linguagem da vida trivial incorporou categorias do

Direito. Fui falar, há duas semanas, em São Paulo, na Fundação Educar, e

quando eu estava chegando àquele Hotel Renascença, havia uma placa num

poste que dizia assim: “Madame Gabriela. Amarração garantida. Pagamento

após o resultado”. Vejam a preocupação com o Código do Consumidor! Quer

dizer, as pessoas já se preocupam em não fazer propaganda enganosa. Eu

contava isso para a Secretária da 1ª Turma outro dia, e ela disse: “Puxa, perto

da minha casa tem um que diz assim: “Trago a pessoa amada em três dias.

Devolvo melhor do que era antes”. Eu disse: “Marca uma consulta com essa

mulher, pelo amor de Deus!” Portanto, há certa incorporação da terminologia

jurídica à vida de uma maneira geral.

E este nosso tema dos precedentes se torna, a meu ver,

especialmente importante, precisamente dentro desse ambiente que o

Judiciário ocupa, um espaço maior e mais relevante, porque, além dessas

mudanças filosóficas e estruturais a que me referi, o Brasil dos últimos anos

assistiu a um conjunto de transformações que incluem o surgimento de novas

ações, tanto ações objetivas como ações subjetivas; o surgimento de novos

direitos em áreas como consumidor e meio ambiente; a multiplicidade das

questões envolvendo o direito à saúde. Portanto, a jurisdição no Brasil se

expandiu e se massificou de uma maneira muito significativa.

Assim, aquele Juiz de antigamente, aquele Juiz que

trabalhava como um artesão, que tecia fio a fio cada uma das proposições da

sua decisão, para bem e para mal, esse Juiz já não existe mais. É claro que

todos nós temos as questões que merecem o estudo apartado, o estudo

analítico e o estudo detalhado, mas a vida hoje na prestação da jurisdição é

uma vida que envolve reprodução de decisões já tomadas, delegações a

assessores, benefício de pesquisas e avanços já feitos em outras partes, ou

seja, a vida contemporânea passou a exigir do Juiz a adoção de algumas

técnicas mais objetivas e fórmulas mais pragmáticas de atuar.

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E não é assim por uma escolha filosófica ou ideológica, é

assim por uma inevitabilidade. Na medida em que as coisas se massificam, é

preciso encontrar mecanismos que permitam uma prestação jurisdicional a

tempo e à hora, sem sacrifício da qualidade mínima, mas capaz de atender às

demandas de massa, às demandas desses grandes volumes. Portanto, é

nesse universo que se situam os precedentes.

Os precedentes, como sabem, em um papel mais relevante da

jurisprudência, têm a sua origem mais típica no sistema do Common Law, no

sistema dos países anglo-saxões. Na verdade, há um fenômeno ocorrendo no

mundo de uma maneira geral, que é certa reaproximação ou certa

aproximação entre os dois grandes sistemas jurídicos do mundo: o sistema

romano-germânico, do Direito continental ou de Direito Civil; e do sistema do

Common Law, de Direito costumeiro ou do Direito anglo-saxão.

Como todos bem sabemos, a característica do sistema

romano-germânico é a existência de uma lei escrita, votada pelo Parlamento,

frequentemente inserida em códigos, e um modelo em que os precedentes

não são vinculantes, embora os operadores jurídicos sempre tentem dar uma

compreensão sistemática do todo; ao passo que nos sistemas do Common

Law as decisões judiciais é que são a principal fonte. Diz-se que o Direito é

costumeiro – mas é costumeiro tal como pronunciado pelas decisões judiciais

–, é um sistema de não codificação e de não sistematização de decisões mais

fragmentadas, e a grande característica do sistema do Common Law é

precisamente a vinculação aos precedentes, ao chamado stare decisis, as

decisões dos tribunais superiores vinculam os tribunais inferiores e assim

sucessivamente.

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Mas dizia eu nos últimos anos, nas últimas décadas talvez,

que esses dois modelos se reaproximam e, consequentemente, nos países do

Common Law há cada vez mais a edição de legislação pelo Parlamento, de

legislação pelo Congresso, como no Reino Unido, por exemplo, leis

importantes, recentes, como a Human Rights Act, de 1998, a Reforma

Constitucional, de 2005, e, mais recentemente, uma ampla modernização na

Câmara dos Lordes, tudo trazido por ato do Parlamento, por decisão

normativa.

Nos Estados Unidos, uma das principais peças de legislação

nos últimos anos foi o grande plano de saúde conhecido como Obama Care,

que teve seu último capítulo na Suprema Corte, mas que também foi um ato

de criação legislativa.

Portanto, os países da tradição do Common Law já vêm

legislando amplamente, porém – e isso é o que mais nos interessa – os países

da tradição continental da qual somos herdeiros, países como Alemanha, Itália

e mesmo a França, vêm cada vez mais atribuindo um papel central aos

precedentes, à jurisprudência. E nessa matéria o Brasil vem sendo uma das

lideranças de atribuição progressiva de um papel mais relevante a

jurisprudências, aos precedentes judiciais, e é essa um pouco a trajetória que

vamos reconstituir hoje aqui.

Começo com essa evolução do papel dos precedentes do

Direito brasileiro. Essa evolução inicia, em primeiro lugar, pela expansão do

controle concentrado de constitucionalidade, pela expansão das ações diretas

de inconstitucionalidade. Quem observar a Constituição de 1988 verá que no

art. 103 ela contempla um largo elenco de órgãos, de entidades e de pessoas

com direito de propositura de ações diretas, com legitimação ativa para a

propositura de ações diretas. São nove incisos, mas, na verdade, são

centenas de legitimados na medida em que ali está prevista a legitimação para

as entidades de classe de âmbito nacional e para as confederações sindicais.

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Portanto, isso também contribui para a judicialização, é

preciso que o interesse seja muito irrelevante, muito chinfrim, para que pelo

menos uma daquelas entidades ou órgãos não se disponha a levar a matéria

em ação direta para o Supremo Tribunal Federal, o que muitas vezes produz

um fenômeno de judicialização, que é muito típico no Brasil.

Em outros países, a judicialização se dá de baixo para cima,

mas, como o acesso ao Supremo Tribunal Federal no Brasil, por ação direta, é

relativamente singelo em razão dos legitimados do art. 103, no Brasil muitas

vezes a judicialização já começa no Supremo Tribunal Federal, e dali é que

ela se irradia para baixo, o que é uma singularidade brasileira.

Mas dizia eu que o controle concentrado se expande por força

dos legitimados ativos, por força da criação de novas ações constitucionais,

como ação declaratória de constitucionalidade e arguição de descumprimento

de preceitos fundamentais, até que em 1998, pela Lei nº 9.868, se atribui

efeito vinculante às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em

ações diretas de inconstitucionalidade. Portanto, este é o primeiro marco do

reconhecimento de precedente vinculante no Direito brasileiro: decisões da

Suprema Corte em controle concentrado.

Bem mais à frente, em 2004, vem a Emenda Constitucional nº

45, que cria uma nova categoria de precedente vinculante ou de vinculação,

que são as súmulas vinculantes criadas pela Emenda Constitucional nº 45.

Portanto, a vinculação a precedentes começa via controle concentrado de

constitucionalidade.

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Em seguida, vem um conjunto de modificações introduzidas

no próprio Código de Processo Civil, o anterior, o de 73, com a valorização da

jurisprudência. E aí vem uma primeira lei, também de 1998, que passa a

permitir que o Relator do recurso possa negar provimento monocraticamente

ou dar provimento monocraticamente ao recurso de acordo com estar ele ou

não alinhado com a jurisprudência daquele Tribunal. Portanto, a jurisprudência

passa a ter um papel especial e diferenciado, que é o de permitir que decisões

não sejam sequer levadas ao colegiado, mas sejam tomadas

monocraticamente para alinhar a decisão inferior com a jurisprudência

dominante.

Depois vem o novo entendimento de que não é preciso levar

ao Órgão Especial ou ao Tribunal Pleno a questão de constitucionalidade se já

houver prévia manifestação sobre aquela matéria feita pelo colegiado. E

depois, também por lei, se previu que não haveria duplo grau obrigatório se a

decisão do 1º Grau estivesse alinhada com a jurisprudência. Posteriormente,

veio a ser introduzido o sistema de repercussão geral no Supremo e o sistema

de recursos repetitivos no STJ.

Assim foi caminhando a ascensão do papel da jurisprudência

no Direito brasileiro: começa com o controle concentrado, depois passa pelas

modificações no Código de Processo Civil, como essas que acabo de enunciar

aqui.

E aí vem o Novo Código de Processo Civil, esse de 2015.

Sabemos que estamos ficando velhos quando começamos a nos referir ao

Novo Código. Lembro-me de quando entrei para a faculdade, em 76, e o meu

pai, que era do Ministério Público do Estado do Rio, referia-se ao Código de

73, que era o único de que eu havia ouvido falar, como o Novo Código, e eu

pensava: “Esse sujeito é velho, é ultrapassado”. Hoje em dia quase tudo é

novo: o Novo Código Civil, o Novo Código de Processo, a Nova Constituição,

embora novo seja sempre um conceito relativo.

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Há muitos anos, quando eu, o Prof. Dalmo Dallari e o Ministro

Carlos Mário Velloso participávamos de uma mesa, no Rio, o Prof. Dalmo

Dallari defendia que o Supremo Tribunal Federal devia sair de Brasília e

mudar para o Rio ou para Petrópolis. Ele dizia: “Tem que sair, tem que ficar

longe da política. Hoje em dia os parlamentares atravessam a Praça dos Três

Poderes, vão pedir o que não devem. Tem que sair e vir aqui para o Rio ou

para Petrópolis”, propunha o Professor Dalmo Dallari. Em seguida, falou o

Ministro Carlos Mário Velloso, com aquele senso de humor mineiro dele:

“Achei tão boa a proposta do Prof. Dallari, tão boa, mudar para o Rio”. Ele já

estava às vésperas da aposentadoria. Aí ele fala assim: “Apenas está me

lembrando da história de um Cônego que havia lá em Minas, onde eu

estudava. O Cônego já era nonagenário, e um dia veio um seminarista, muito

esbaforido, e falou: “Cônego, o Papa vai acabar com o celibato na Igreja”. E o

Cônego falou: “Mas agora?”” Então, a ideia de novo ou velho é sempre

relativa.

Pois bem, o Código de Processo Civil de 2015 irradicaliza um

pouco essa importante transformação, que, a meu ver, ocorre no Brasil na

direção da consolidação dos precedentes como uma fonte formal de direito

necessária para a boa aplicação das normas jurídicas em geral.

Pelo Novo Código de Processo Civil, art. 927, estabeleceu-se

que serão obrigatoriamente observadas pelas demais instâncias: 1. As

súmulas vinculantes. Portanto, as súmulas vinculantes configuram

precedentes ou proposições que devem necessariamente ser seguidas pelos

tribunais.

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Em segundo lugar, o Novo Código de Processo Civil atribui a

força de precedente vinculante às decisões proferidas em controle

concentrado de constitucionalidade, tanto em ação direta de

inconstitucionalidade, declaratória de constitucionalidade ou arguição de

descumprimento de preceito fundamental. Depois atribui também o caráter de

precedente vinculante aos julgamentos em repercussão geral pelo Supremo e

dos recursos repetitivos pelo Superior Tribunal de Justiça. E também atribui

eficácia vinculante aos julgados dos tribunais proferidos em incidentes de

resolução de demanda repetitiva, figura nova criada pelo Código de Processo

Civil, e em incidentes de assunção de competência, sendo que nesses dois

últimos casos – incidente de demanda repetitiva e assunção de competência

–, atribuiu-se o caráter de precedente vinculante à atuação dos tribunais de 2º

Grau, e não necessariamente dos tribunais superiores.

A grande característica, do ponto de vista prático e do ponto

de vista processual, dos precedentes vinculantes é o fato de que, se

inobservados pelo tribunal ou juízo que esteja apreciando a demanda, desta

decisão que profiro, caberá reclamação per saltum e diretamente para o

Supremo Tribunal Federal. Portanto, a possibilidade de se remediar a não

observância do precedente de uma forma expedita, indo diretamente ao

Supremo ou ao Tribunal Superior, é uma grande característica do sistema.

Portanto – isso era o que eu queria assentar até aqui –, há

uma constante na evolução do sistema processual brasileiro rumo à

valorização dos precedentes, e essa história evolutiva tem o seu ponto

culminante no Código de Processo Civil de 2015. A verdade é que trabalhar

com precedentes é diferente do que trabalhar com a nossa lógica tradicional,

que opera a partir da lei dedutivamente, porque o precedente normalmente

opera a partir dos fatos relevantes e da tese jurídica indutivamente. Portanto

há, de certa forma, uma mudança na lógica pela qual nós vamos operar.

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MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO

Fiz essa breve trajetória histórica e gostaria de fazer um breve

capítulo conceitual sobre as três modalidades de precedentes. Gosto sempre

de assentar um pouco os conceitos e ter certeza de que estamos todos

trabalhando na mesma página e sobre as mesmas bases teóricas.

Lembro-me sempre de uma história que era contada por um

grande Desembargador do Rio de Janeiro, que era professor de Direito

Constitucional, Nagib Slaibi, que ele dizia que havia uma Câmara de um

tribunal em que um Desembargador, toda vez que havia uma votação

importante – era daqueles Tribunais mais antigos, com aquelas mesas de

jacarandá com uma gavetinha –, abria a gavetinha, olhava um papelucho,

guardava o papelucho e trancava a gavetinha. Havia outro julgamento

importante, ele abria a gavetinha, olhava o papelucho, botava o papelucho de

volta e trancava a gavetinha. Assim ele fez seguidamente, ao longo dos anos.

Esse pobre homem, no entanto, faleceu ainda no exercício da judicatura, e os

seus Colegas, ínclitos e probos como eram todos, não resistiram, todavia, à

tentação, voaram na gavetinha, arrombaram a gavetinha e puxaram o

papelucho para saber o que dizia. E no papelucho dizia assim: “ex nunc, para

frente; ex tunc, para trás”. Cada um na vida sabe as dificuldades que carrega!

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MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO

Existem três tipos de eficácia dos precedentes no Direito

brasileiro. A primeira eficácia, que é a menos relevante e é a que nós, de certa

forma, estamos acostumados, é denominada eficácia persuasiva, como era

desde quando eu saí da faculdade. Os precedentes eram invocados, e eles

tinham certa autoridade, certa autoridade moral, certa autoridade no sentido

de que alguém já pensou isso, mas não ia além de uma força puramente

persuasiva, puramente intelectual. Em seguida, com o controle concentrado,

vem o extremo oposto, que é o precedente vinculante, que é o precedente que

tem o caráter normativo, cuja observância é obrigatória e cuja inobservância

permite o ajuizamento de reclamação. Em terceiro lugar, vêm os precedentes

que se dizem intermediários, que são precedentes que não são propriamente

vinculantes, mas têm uma eficácia que vai além da eficácia persuasiva.

No Código de Processo Civil de 2015, são exemplos de

eficácia puramente persuasiva as decisões de 1º Grau e as decisões

ordinárias dos tribunais de 2º Grau, de uma maneira geral, quando não

proferidas em demandas repetitivas ou incidentes de assunção de

competência. Têm eficácia vinculante e, portanto, de observância obrigatória,

sob pena de reclamação, aqueles de que já falei: súmula vinculante, decisão

em controle concentrado, decisões em repercussão geral ou recursos

repetitivos, demandas repetitivas e assunção de competência. Por fim, têm

eficácia intermediária as súmulas simples de jurisprudência e as orientações

pacificadas dos tribunais. Por que digo que é intermediária? Porque elas não

são, em rigor, vinculantes, porque não permitem a reclamação, mas têm o

papel importante de permitir que o Relator, monocraticamente, faça valer

aquelas orientações diante do recurso que esteja apreciando. Portanto, estas

são as três modalidades de eficácia: persuasiva, vinculativa e intermediária.

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MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO

Antes de chegar talvez à parte mais importante, quero dizer

por qual razão sou totalmente convencido, e de longa data – devo dizer que

há alguns anos, uns seis anos talvez, a convite do meu querido amigo Prof.

Ingo Sarlet, estivemos aqui no Ministério Público, lembro que foi um debate

com o Prof. Mark Tushnet, e eu já defendia a ideia –, de que deveríamos

trazer o conceito de precedente vinculante para dar certa racionalidade à

Justiça. Acho que há três razões que justificam e legitimam a adoção dos

precedentes vinculantes.

A primeira delas – e muito evidente – é a de segurança

jurídica. A observância dos precedentes vinculantes facilita a compreensão do

que seja o Direito. Quer dizer, as pessoas, as partes, as empresas, os

advogados e os Juízes têm mais convicção de qual é a lei que vai vigorar

naquela matéria se ele estiver vinculado a uma interpretação que já tenha sido

previamente fixada. Portanto, há um ganho para a segurança jurídica.

Há um segundo ganho, que me parece importante, que é um

ganho para a isonomia. Poucas coisas são piores num estado democrático de

direito do que pessoas que estejam diante da mesmíssima situação terem

soluções diferentes para o seu caso. Portanto, o respeito ao precedente, a

vinculação aos precedentes, acaba ou diminui o risco de tratamento não

isonômico entre partes e pessoas que estejam na mesma situação.

Em terceiro e último lugar, o precedente facilita o exercício da

jurisdição, torna a jurisdição mais eficiente, mais expedita: vale para mim, vale

para os senhores, vale para todos. Se já há um precedente, basta eu dizer

que a matéria tal já foi objeto de pronunciamento do tribunal, que assim

decidiu, e sigo a orientação. Com isso, você otimiza o tempo do tribunal. Um

pouco naquela linha do que falara inicialmente, que, em uma sociedade de

massas, o Juiz tem de encontrar fórmulas simplificadas para resolver

problemas que já aconteceram para ele não precisar produzir duas vezes uma

decisão de mesmo teor e ter um retrabalho.

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Só para fazer um parêntese antes de encerrar esse tópico.

Uma das minhas maiores aflições no Supremo – e tento insistentemente

mudar esse sistema com conversas internas e em debates externos – é que o

Supremo vive uma incongruência, que é a seguinte: o recurso extraordinário

ou o recurso com agravo chega ao Supremo.

Como nós trabalhamos? Hoje em dia, para que um recurso

seja apreciado pelo Plenário, é preciso dar repercussão geral, é preciso que

ele seja um caso fora do bolo. O Supremo tem uma capacidade máxima de

julgar repercussões gerais, porque, como sustam os processos, você dá

repercussão geral demais, você vai atravancar a Justiça do País. Portanto,

cada Ministro olha no seu acervo o que entrou naquele semestre, o que ele vai

dar repercussão geral. Tenho proposto internamente – tenho feito assim – dar

duas por semestre, porque há um estoque de trezentos e vinte. Enquanto

você não julgar o estoque, não pode aumentar, senão você começa a

atravancar a Justiça. Pois bem, todo o mais, o Ministro faz uma de duas

coisas: ou ele vai modificar a decisão, porque ela não está alinhada com a

jurisprudência do Supremo, o que não é muito comum; ou ele vai

simplesmente manter a decisão. Mas ele já decidiu que ele não vai reapreciar

aquele processo, porque ele não separou para repercussão geral. Não

obstante isso, eu preciso produzir uma decisão artesanal em cada um dos

processos que eu não vou julgar. Se os senhores me entendem, todos os

processos em que vou manter a decisão de origem, tenho que produzir uma

decisão. Metade do meu gabinete está trabalhando nos casos em que vou

manter a decisão, o que é um absoluto contrassenso. Portanto, os casos não

selecionados para repercussão geral deveriam simplesmente transitar em

julgado sem a necessidade de se produzir uma decisão para cada um deles.

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No fundo, no fundo, o que se faz é uma repercussão geral

oculta, uma negativa de repercussão geral oculta: tudo aquilo que não foi

selecionado, vai ser rejeitado. Só que, em vez de dizer que não foi

selecionado para repercussão geral porque não estava entre os mais

importantes daquela safra, temos que dizer que a matéria é infraconstitucional,

a matéria é de fato, a matéria não foi prequestionada. Dá um trabalhão para

não fazer transparentemente aquilo que se faz, que é dizer: “Este caso não

está entre os mais importantes desta safra e, portanto, não foi selecionado

para repercussão geral”, que é o que acontece.

Então, deveríamos criar um sistema mais transparente em que

se pudesse dizer: “O Tribunal tem uma capacidade máxima de trabalho,

portanto nós vamos dar repercussão geral a quarenta, cinquenta, sessenta,

cem – quantos se convencionar –, e tudo o que não for selecionado, transita

em julgado e ponto”. Às vezes o processo fica lá três, quatro, cinco anos.

Decidi 12 mil processos no ano passado. Fui recordista no

Supremo, mas não tenho nenhum orgulho – sou o único recordista que não

tem orgulho nesses períodos olímpicos –, porque ninguém pode ter orgulho de

decidir 12 mil processos pois evidentemente significa que alguma coisa não

está funcionando bem. Mas é que são os 12 mil para nos livrarmos daquilo

que já sei que não vou julgar.

Então, tínhamos que ter uma fórmula transparente de dizer:

“Não foi selecionado”. E veja, sem nenhuma consequência, porque, quando

dou repercussão geral, susta tudo, e a decisão que o Supremo produzir vai ter

efeitos vinculantes. Quando eu nego repercussão geral, também no Plenário

virtual, aquela matéria nunca mais vai subir. Estou propondo a criação de um

terceiro – “não selecionado para repercussão geral” –, que não produz

nenhum efeito além de transitar em julgado aquele processo das partes. Se a

mesma matéria chegar no ano que vem e tiver espaço para dar repercussão

geral, você pode dar repercussão geral.

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Temos um sistema em que a maior parte do tempo dos

gabinetes é gasta com os processos que não serão apreciados – isso

provavelmente é válido para o Superior Tribunal de Justiça também, embora

eu não tenha a mesma experiência –, de modo que vivemos um pouco essa

ficção de que tudo é apreciado quando, na verdade, o que vai ser apreciado já

foi selecionado. Acho que era só uma questão de explicitar e demonstrar à

sociedade que é assim que funciona, convencer a sociedade de que os

processos devem acabar no 2° Grau de jurisdição. É assim no mundo inteiro.

Jurisdição extraordinária não é direito subjetivo da parte, o processo tem que

acabar no 2° Grau.

O problema é que, embora mais de 95% dos processos no

Supremo tenham uma decisão de origem mantida, até eu conseguir chegar a

eles, já se passaram dois, três, quatro, cinco anos. Outro dia, lá no meu

gabinete, houve uma pequena comemoração porque decidimos o último

processo do Ministro Moreira Alves. Ele se aposentou em 2003 e ainda havia

processo do Ministro Moreira Alves no meu gabinete porque eu herdei 9 mil

quando entrei. Portanto, acho que precisamos – e é um fenômeno cultural

brasileiro – reconhecer o que é possível, reconhecer o que não é possível e

administrar com absoluta transparência e franqueza o que não dá para fazer,

porque não dá para produzir 12 mil decisões, nenhum tribunal constitucional

do mundo opera assim.

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A minha solução, se os senhores quiserem considerar e

guardar no fundo da cabeça e talvez ajudar a pensar, é um mecanismo pelo

qual o que não tenha sido selecionado para repercussão geral transite em

julgado, a decisão de origem transita em julgado sem nenhuma outra

consequência que não seja para as partes. Pode ser por decurso de prazo, se

não for selecionado em seis meses, ou pode ser por uma decisão simples,

não selecionado para repercussão geral, ponto. Acho que mudaríamos a vida

da jurisdição no País, pelo menos da jurisdição em nível superior. Depois

teríamos que enfrentar o grande congestionamento que está no 1° Grau. Ali

vamos ter que ter uma cultura de menos litigiosidade e de certa

desjudicialização da vida, mas esse seria outro capítulo.

Agora passo para o penúltimo tópico dessa minha exposição

para, em seguida, encerrar, que são categorias fundamentais para a operação

com precedentes, porque trabalhar com precedentes é diferente de trabalhar

com uma norma jurídica.

Quando se está trabalhando em um universo de precedentes,

a primeira ideia importante é a que se chama, em latim, ratio decidendi, que os

americanos chamam de holding e que acho que pode ser traduzida para o

português como tese jurídica do julgado. A primeira coisa a saber é a tese de

direito que foi formulada para resolver aquele caso concreto. Isso é mais difícil

do que parece, na prática.

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Quem tem acompanhado ou teve a chance de acompanhar

alguma sessão do Supremo, deve ter percebido que eu, desde que entrei,

tenho defendido essa ideia, que tem prevalecido nos últimos tempos, de que

ao final de todo o julgamento o Tribunal anuncia qual foi a tese jurídica que

embasou aquela decisão. Muitas vezes é dificílimo identificar qual foi a tese

jurídica, porque as pessoas, às vezes, têm motivações diferentes para

chegarem ao mesmo resultado. Mas a pior coisa que havia no Supremo, pelo

menos no tempo em que eu advogava, era quando você pegava um acórdão,

às vezes um calhamaço de cento e cinquenta páginas, e o acórdão parecia

um filme do Monte Python, em que havia uma corrida de 100 metros rasos,

dava-se o tiro da largada, e corria cada um para um lado; você nunca vai

saber quem ganhou. E ali acontecia, você não sabia qual tinha sido o

argumento comum que aglutinava as pessoas que produziram aquela decisão.

Portanto, o dispositivo tinha tido maioria, julgado procedente

ou julgado improcedente, mas a tese jurídica... Basta pegar a ADPF 130, que

é da liberdade de imprensa, para olhar um julgado em que ninguém sabe o

que foi decidido exatamente. O que se decidiu é que a Lei de Imprensa não foi

recepcionada, agora, por que, cada um tinha o seu fundamento. Portanto,

assentar a tese jurídica, em certos casos – e vou dar um exemplo logo adiante

–, pode ser mais difícil do que parece, porém a ideia de teses jurídicas é coisa

do tipo “pessoa jurídica tem direito a dano moral”. Essa é uma tese jurídica.

Outra de um caso recentemente decidido pelo Supremo: não é

possível abrir novo concurso durante o prazo de validade do concurso

anterior. Essa é uma tese jurídica.

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Então, o que é vinculante é a tese jurídica, e o tribunal inferior

ou o Juiz de 1° Grau tem que saber a que ele está vinculado: ou ele vai ter

que extrair do julgado qual é a tese vinculante, sem ninguém ter anunciado, o

que pode ser muito problemático; ou o julgado vai ter que explicitar qual foi a

tese, o que acho que é muito melhor, embora possa ser difícil. Se é difícil, com

11 Ministros, imagino como poderá ser difícil com 140 Desembargadores

firmar uma tese no Tribunal do Pleno, mas acho que, em última análise, isso

acaba sendo indispensável e necessário. Sem tese, não há precedente

vinculante, porque o que vincula é a tese.

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Um conceito distinto desse de tese jurídica ou de ratio

decidendi é o de obiter dictum. Juízes com frequência dizem nos seus

julgados mais do que a decisão puramente dita. Há a fundamentação e um

comentário puramente lateral que ele faz. Evidentemente o que é obiter dictum

não faz parte do precedente vinculante. Para dar um exemplo concreto, ao

julgar o caso de uniões homoafetivas, há uns anos, um dos Ministros do

Supremo disse: “Todas as modalidades de família previstas na Constituição

têm o mesmo valor, não há hierarquia entre elas”. Essa foi uma frase dita

incidentalmente no julgamento. Agora, nesta semana, na quarta-feira, por

acaso, o Supremo vai decidir um caso em que eu mesmo sou o Relator – os

senhores já devem ter decidido isso aqui – que é para saber se é legítimo ou

não o Código Civil desequiparar entre a esposa e a companheira em união

estável para fins de sucessão hereditária, que é uma discussão importante e

relevante. Evidentemente esta frase “não há hierarquia entre famílias” dita

incidentalmente nas uniões homoafetivas não controla o julgamento deste

caso, porque não era isso que estava sendo decidido. Foi um comentário

puramente lateral, porque, se controlasse, já estava resolvido. Não pode

hierarquizar. Então, muitas coisas que são ditas incidentalmente

evidentemente não integram a tese jurídica vinculante. Portanto, tem-se a ratio

decidendi, ou tese jurídica; e tem-se o tradicional, a expressão latina obiter

dictum, no singular, ou obiter dicta, no plural, que são comentários incidentais.

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A terceira e penúltima categoria importante é a da distinção

entre casos, distinguishing do inglês, porque a lógica do precedente significa

identificar qual foi o caso anteriormente julgado cujos fatos são semelhantes o

suficiente e cuja tese jurídica é semelhante o suficiente para que eu

transplante a mesma solução para este caso. A distinção ou o distinguishing é

basicamente o trabalho do advogado, e eventualmente do Juiz, de demonstrar

que o caso dele não se amolda ao precedente A, mas, sim, ao precedente B,

portanto governado não por essa lógica, mas por aquela. A capacidade de

fazer a distinção passa a ser muito importante e libertadora para o Juiz,

porque, se eu achar que a tese do precedente vinculante não faz a Justiça no

meu caso concreto, eu preciso ser capaz de demonstrar por qual aspecto

relevante o meu caso se distingue a legitimar a não aplicação daquela tese.

Por fim, o último conceito dos que eu selecionei para

conversarmos é o da superação do precedente ou, no inglês, overruling, que é

quando o tribunal decide mudar a orientação que ele próprio firmou. Só o

próprio tribunal pode mudar a sua orientação. É uma mudança que vem de

cima para baixo, mas o tribunal pode entender que mudou a realidade fática, o

tribunal pode entender que mudou a percepção do direito em relação a uma

determinada matéria.

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Foi precisamente o que o Supremo fez – e vai reapreciar

possivelmente ainda esta semana – na questão da possibilidade de execução

penal depois da decisão em 2º Grau. Como os senhores terão conhecimento,

depois do início de vigência da Constituição de 88 prevaleceu a jurisprudência

anterior de que recurso especial e recurso extraordinário não tinham efeito

suspensivo e que consequentemente era possível dar execução provisória à

condenação. Em 2009, num acórdão da relatoria do Ministro Eros Grau, o

Supremo muda esse entendimento para afirmar que só é possível a execução

da pena depois do trânsito em julgado. As consequências desse novo

entendimento – não é este o tema aqui – foram devastadoras para o sistema

de Justiça e estava simplesmente desmoralizando a Justiça Criminal do País.

Portanto, o Supremo recentemente mudou essa orientação para voltar ao

entendimento de que é possível executar, sim, a decisão condenatória depois

do 2ª Grau.

Então, a realidade demonstrou que aquela nova solução não

funcionava bem, e a sociedade mudou a sua percepção em relação ao que

era justo e desejável em matéria de execução penal. Quando isso acontece,

muda-se a jurisprudência. Acho que ela ainda não se firmou. Na próxima

quinta-feira, é o primeiro da pauta, não tenho certeza se deve ser julgado,

julga-se uma ação declaratória de constitucionalidade de um dispositivo do

Código de Processo Penal que cuida disso, e aí a maioria que venha a se

formar terá efeito vinculante.

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Ainda há uma convicção dos Juízes brasileiros em geral, e no

Supremo, inclusive, contra a minha posição de que decisão em processo

individual ou em processo subjetivo não produz efeitos vinculantes. Em

qualquer tribunal constitucional do mundo uma decisão do Plenário, uma que

seja, já criou a jurisprudência, mas, nesse caso concreto, como terão

acompanhado, alguns Ministros que não concordaram com a jurisprudência e

ainda movidos pela lógica tradicional de que cada Juiz faz o que acha que

deve fazer no processo, não seguiram o precedente do Plenário. Porém, se

ele for firmado em ação direta de inconstitucionalidade, penso que segui-lo é

um imperativo do sistema jurídico.

E a verdade vale para o Supremo, vale para o STJ, vale para

todos os tribunais. Para que a jurisprudência seja valorizada e prestigiada, é

preciso que os tribunais valorizem e prestigiem a sua própria jurisprudência. A

jurisprudência, como regra geral, mantém com um mínimo de estabilidade e

com um mínimo de oscilação possível. A verdade é que incorporamos essa

novidade dos precedentes no Brasil nos últimos anos, e a cultura brasileira

ainda é de um certo individualismo judicial. Evidentemente que temos que

operar com paciência e persistência na mudança de valores culturais e

respeitar o prazo razoável de adaptação que as pessoas precisam, mas dando

um incentivo certo, que pode ser o cabimento da reclamação, um certo tipo de

inconformismo social.

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Somos, na vida, movidos por incentivos. Gosto de dar um

exemplo real, não é jurídico. Tenho um amigo cujo sogro mora no Interior,

ficou doente e precisava ser removido para a Capital, mas ele não tinha

condições de ser removido de ambulância, pois ele estava inconsciente, e a

situação era grave. Esse meu amigo era Diretor de uma caixa de assistência

de advogados, então ele conseguiu uma UTI aérea para ir buscar o sogro. Foi

lá o avião, pegaram o sogro, botaram o sogro na maca, o sogro, inconsciente,

mal abria os olhos, levaram o pobre homem para dentro da aeronave, mas,

quando ele entrou na aeronave, ele teve uma intuição de que alguma coisa

estranha estava acontecendo. Então, ele abriu os olhos, viu que estava dentro

de um avião particular e falou assim: “Quem é que está pagando por isso?”

Com o estímulo certo, o homem quase ressuscitou. Assim funciona a vida,

temos que ter um estímulo certo. Acho que vamos ter que criar uma cultura de

estímulos, de respeitar os precedentes.

Há dois pontos para encerrar.

O primeiro. Há um conceito que terá que voltar à discussão. O

Supremo já discutiu, já decidiu – nem penso que tenha decidido com muita

felicidade – e vai voltar à questão dos efeitos transcendentes das decisões ou

dos motivos determinantes das decisões.

O Supremo considera tradicionalmente que o que vincula é o

dispositivo e não a tese jurídica. Portanto, se alguém disser: “É

inconstitucional a cobrança de IPTU progressivo sem lei específica”. No caso

do Município de Porto Alegre, se viesse uma nova ação cuidando da matéria

em Fortaleza, o Supremo admitiria a ação, processaria a ação e discutiria tudo

de novo quando, no entanto, já havia uma tese fixada aqui. Mas o

entendimento era de que os motivos determinantes à tese não vinculavam, só

o dispositivo, e o dispositivo era: “Declara inconstitucional a lei número tal do

Município de Porto Alegre”. Portanto, isso não vale para o de Fortaleza. Não

tem muita lógica isso.

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E agora o Novo Código de Processo Civil diz que cabe

reclamação pela inobservância da tese jurídica. Por isso acho que a teoria dos

motivos determinantes vai voltar, e agora vai voltar com o suporte de um

dispositivo normativo expresso.

A outra e última questão, para não amolá-los além do

razoável, é uma questão envolvendo a extensão da tese jurídica. Falamos um

pouco antes da dificuldade de extrair a tese jurídica, e agora gostaria de

compartilhar, para encerrar, a extensão da tese jurídica.

Vejam os senhores um caso concreto julgado pelo Supremo

recentemente. Um caminhão de uma empresa particular bateu em um veículo

de titularidade da União Federal e causou grave dano. Anos depois, por

razões burocráticas X, Y ou Z, a União entra com uma ação de reparação de

dano contra a empresa proprietária do caminhão para ser indenizada pelo

dano que foi causado. A empresa argúi, em sua defesa, prescrição; já se

passaram mais de cinco anos. Há um dispositivo na Constituição que permite

uma inteligência de que os danos causados ao Erário são imprescritíveis,

portanto essa era a discussão.

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O Relator era o meu querido amigo, grande Juiz, fez sua

carreira aqui, o Ministro Teori Zavascki. Era uma ação de reparação de danos

causados em acidente de veículo. A primeira tese possível era ação de

reparação de dano por acidente de veículo integrante, pertencente ao Erário,

prescreve em cinco anos. A tese era: uma ação por acidente de veículo é

prescritível. Mas Teori achou que era próprio fazer uma tese um pouco maior

e disse: “A ação por ato ilícito causado contra bem da União é prescritível,

salvo caso de improbidade”. E esse foi o debate no julgamento. Digo eu:

“Concordo com a primeira parte. A ação de reparação de danos contra a

União por ato ilícito prescreve em cinco anos”. Teori pergunta: “Mas, no caso

de improbidade, você acha que é prescritível?” Eu disse: “Não sei, mas eu não

discuti isso neste caso. Não teve contraditório, não teve debate, não é o caso

que está em discussão. Pode ser que a tese esteja correta, mas não tenho

certeza, tenho sérias dúvidas de considerar qualquer coisa imprescritível, mas,

sobretudo, tenho sérias dúvidas de afirmar uma tese fora da situação concreta

que foi trazida a julgamento e objeto efetivamente de debate, de modo que

proponho uma tese menor: em vez de dizer que é prescritível, salvo

improbidade, vou só dizer que é prescritível. Em um próximo caso, vamos

discutir improbidade, e aí eu vou estudar improbidade, porque eu não estudei

improbidade para discutir acidente de veículo, não estou nem preparado para

assentar uma posição sobre isso agora”. Foi esse o meu entendimento que

prevaleceu, e a tese ficou menor, o que não quer dizer que a tese dele

estivesse imprecisa, apenas era uma tese mais larga do que o que havia sido

discutido.

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Às vezes, se você fizer a tese estreita demais, você também

resolve problema de menos. Se eu tivesse dito que era só acidente de veículo,

não; qualquer ato ilícito, em princípio. Só para dizer que a extensão da tese

também vai passar a fazer parte importante das nossas vidas. Em algum

casopi já propus uma tese mais larga, mas Marco Aurélio sempre resistia a

isso, e acho que ele tinha razão, acho que ele tem razão. A tese deve ser o

mais parecida possível com o caso concreto que foi debatido, porque aquilo é

o que foi objeto de contraditório, portanto aquilo é o que você tem certeza que

você está decidindo. O mais pode ser ou pode não ser, é preciso esperar

acontecer um caso real e um caso concreto para efetivamente permitir um

juízo adequado.

Acho que essas ideias vão ajudar a criar uma cultura de uma

Justiça um pouco mais ágil. Quem vive no meio em que vivemos sempre vive

certa frustração de a Justiça não tem a velocidade que gostaríamos. Justiça

rápida mesmo houve em um caso que meu amigo me contou que ocorreu na

Índia. Ele disse que ele estava num táxi, o sujeito avançou o sinal e ficou

parado embaixo do sinal. Aí veio o guarda de trânsito, mandou ele abaixar a

janela e deu um cascudo, deu uma biaba no motorista e falou assim: “Agora

pode ir”. Ele autuou, julgou, condenou e executou. Em 30 segundos estava

tudo resolvido, mas a vida civilizada exige um pouco mais.

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Tenho um sonho de consumo, uma fantasia que eu gostaria

de compartilhar com os senhores. É um tipo de processo – acho que um dia

vamos conseguir – em que o Juiz, ao receber a inicial, seja um processo cível

ou criminal, manda para a defesa ou para contestação. Quando ele receber a

contestação ou a defesa, ele terá uma ideia da complexidade do processo

com que ele está lidando. Aí ele vai despachar assim: “Este processo irá

concluso para sentença no dia...” – e ele vai marcar daqui a três meses, daqui

a seis meses ou, se muito complexo, daqui a nove meses. “Produzam as

partes as provas que desejarem até então”. No dia aprazado, ele levará o

processo e produzirá uma decisão.

Acho que isso ajudará a enfrentar uma cultura procrastinatória

que se apoderou do Judiciário no Brasil. O Judiciário hoje, no cível e no crime

– no crime nem se fala, mas no cível também –, passou a ser um espaço da

procrastinação, o Judiciário passou a ser um espaço bom pra quem não tem

razão, porque você consegue prolongar aquilo indefinidamente. E nós

estamos aceitando, por circunstâncias da nossa vida – mas vamos superar –,

que os processos levem três, cinco, oito, dez anos. Isso é um absurdo, isso é

uma negação de justiça. Um processo tem que levar seis meses, nove meses,

um ano, se for muito complexo tem que levar um ano e meio. Mais do que

isso, é justiça mal prestada.

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Sei que é difícil, mas acho que esta passa a ser a nossa nova

meta: uma Justiça que seja capaz de derrotar essas processualidades que

nos acostumamos. Sou Relator da Ação Penal 470, quando veio o caso de um

réu que se evadiu para a Itália e aí se requereu a extradição. Aí eu vi lá na

Itália: julgou a primeira vez, indeferiu; depois julgou a segunda, deferiu; depois

a terceira, indeferiu. Quando estava na quinta instância, eu disse: “Meu Deus,

é daí que herdamos esse sistema!” É feito para não funcionar. A vida tem que

ser mais simples, mais rápida, mais barata, mais eficiente. É bom para todo o

mundo, e acho que esses talvez sejam os compromissos que temos que

encampar.

Evidentemente essas são as minhas ideias. Sei que isso não

é um debate, e estou longe de ser uma pessoa que fala de cátedra ou que

viaja pela vida com uma mochila de certezas ou de verdades. Essas são

algumas ideias que trago para reflexão com os senhores que atuam em um

Tribunal pelo qual tenho especial admiração, desde o meu tempo de

advocacia – é muito sincero –, mas são ideias, ideias para amadurecermos e

tentarmos criar um sistema de Justiça um pouco melhor.

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Page 33: APELAÇÃO CÍVEL Nº - Home | Tribunal de Justiça do … · Web viewÉ uma honra, Senhor Presidente Luiz Felipe Difini, poder fazer a saudação ao Ministro Luís Roberto Barroso

ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 29/08/2016

CJUD

MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO

Às vezes, quando temos um tempo determinado, acabamos

falando de uma forma muito axiomática e propositiva, mas não sou uma

dessas pessoas cheias de certezas não, gosto de ouvir também a opinião dos

outros, ninguém é o centro do Universo, embora, às vezes, demos uma

derrapada na vida. Esses dias eu vinha de Florianópolis, de um evento, e o

avião pousou no Rio – estava com a minha Chefe de Gabinete como

testemunha. Estava pegando a minha mala, e veio uma jovem na minha

direção com uma camiseta, e a camiseta dizia assim: “Meu coração é do

Senhor”. E eu, quando olhei aquilo, me deu uma alegria e disse: “Puxa, eu

nem conheço essa moça”. Mas, uma fração de segundo depois, dei-me conta

de que evidentemente não era comigo! Portanto, ninguém é o centro do

Universo, estamos em um projeto coletivo de tentar criar um País melhor e

uma Justiça que funcione melhor. Muito obrigado.

CERIMONIAL – Agradecemos pela presença de todos e

damos por encerrado este ato. Tenham todos uma boa-tarde.

(TRANSCRIÇÃO E REVISÃO REALIZADAS PELO DEPARTAMENTO DE

TAQUIGRAFIA E ESTENOTIPIA DO TJRS.)

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