“roland corbisier e a campanha civilista por jk – uma luta ... · agosto, o presidente getúlio...

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“Roland Corbisier e a campanha civilista por JK – uma luta política” Fabrício Augusto Souza Gomes 1 Em 1954 o cenário político brasileiro encontrava-se num momento bastante conturbado. Em agosto, o presidente Getúlio Vargas suicidara-se com um tiro no peito, e seu vice-presidente, João Café Filho, assumira a Presidência com um discurso de conciliação, congregando em seu governo, as principais forças de oposição a Vargas e ao trabalhismo. As eleições presidenciais estavam marcadas para outubro do ano seguinte e caberia a Café Filho conduzir o processo político, de transição, rumo ao pleito eleitoral que definiria o novo presidente da República. Naquele malfadado mês, Roland Cavalcanti de Albuquerque Corbisier, um professor de filosofia, também formado em Direito pela Faculdade Nacional, no Largo de São Francisco, e ligado nos anos 1930 à Ação Integralista Brasileira, trabalhava como secretário-geral e coordenador da Assistência Técnica de Educação e Cultura (ATEC) – órgão ligado ao Ministério da Educação e Cultura 2 . Em 1954, Corbisier deixara o cargo de diretor da Divisão de Ação Social da Reitoria da Universidade de São Paulo, transferindo-se para o Rio de Janeiro, onde acabara de fixar residência, rompendo não só laços profissionais, mas também familiares. Na ocasião, ele não desempenhava nenhum envolvimento político-partidário. Conhecera Juscelino Kubitschek, político mineiro e governador de Minas Gerais pelo Partido Social Democrático (PSD) através do poeta Augusto Frederico Schmidt, amigo em comum de ambos, na casa do engenheiro Israel Klabin. O objetivo da reunião era apresentar Juscelino a um grupo de intelectuais – paulistas e cariocas - que vinha se reunindo periodicamente na cidade fluminense de Itatiaia para discutir as principais questões nacionais e que haviam 1 Centro de Pesquisa e Documentação em História Contemporânea do Brasil (CPDOC/FGV). Doutorando em História, Política e Bens Culturais. 2 A ATEC era formada por um grupo de pensadores reunidos para analisar a situação da educação e cultura no Brasil, sugerindo ações a serem implementadas nessas áreas, fiscalizar a atuação e os projetos do Ministério da Educação e Cultura, além de servir como órgão consultivo para o ministro titular da pasta e o Congresso.

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Page 1: “Roland Corbisier e a campanha civilista por JK – uma luta ... · agosto, o presidente Getúlio Vargas suicidara-se com um tiro no peito, e seu vice-presidente, João Café Filho,

“Roland Corbisier e a campanha civilista por JK – uma luta política”

Fabrício Augusto Souza Gomes1

Em 1954 o cenário político brasileiro encontrava-se num momento bastante conturbado. Em

agosto, o presidente Getúlio Vargas suicidara-se com um tiro no peito, e seu vice-presidente,

João Café Filho, assumira a Presidência com um discurso de conciliação, congregando em seu

governo, as principais forças de oposição a Vargas e ao trabalhismo. As eleições presidenciais

estavam marcadas para outubro do ano seguinte e caberia a Café Filho conduzir o processo

político, de transição, rumo ao pleito eleitoral que definiria o novo presidente da República.

Naquele malfadado mês, Roland Cavalcanti de Albuquerque Corbisier, um professor de

filosofia, também formado em Direito pela Faculdade Nacional, no Largo de São Francisco, e

ligado nos anos 1930 à Ação Integralista Brasileira, trabalhava como secretário-geral e

coordenador da Assistência Técnica de Educação e Cultura (ATEC) – órgão ligado ao

Ministério da Educação e Cultura2. Em 1954, Corbisier deixara o cargo de diretor da Divisão

de Ação Social da Reitoria da Universidade de São Paulo, transferindo-se para o Rio de

Janeiro, onde acabara de fixar residência, rompendo não só laços profissionais, mas também

familiares.

Na ocasião, ele não desempenhava nenhum envolvimento político-partidário. Conhecera

Juscelino Kubitschek, político mineiro e governador de Minas Gerais pelo Partido Social

Democrático (PSD) através do poeta Augusto Frederico Schmidt, amigo em comum de

ambos, na casa do engenheiro Israel Klabin. O objetivo da reunião era apresentar Juscelino a

um grupo de intelectuais – paulistas e cariocas - que vinha se reunindo periodicamente na

cidade fluminense de Itatiaia para discutir as principais questões nacionais e que haviam

1 Centro de Pesquisa e Documentação em História Contemporânea do Brasil (CPDOC/FGV). Doutorando em História, Política e Bens Culturais.

2 A ATEC era formada por um grupo de pensadores reunidos para analisar a situação da educação e cultura no

Brasil, sugerindo ações a serem implementadas nessas áreas, fiscalizar a atuação e os projetos do Ministério da Educação e Cultura, além de servir como órgão consultivo para o ministro titular da pasta e o Congresso.

Page 2: “Roland Corbisier e a campanha civilista por JK – uma luta ... · agosto, o presidente Getúlio Vargas suicidara-se com um tiro no peito, e seu vice-presidente, João Café Filho,

fundado o Instituto Brasileiro de Sociologia e Política (IBESP), no Rio de Janeiro. Aquele

grupo de intelectuais deveria assessorar “JK” durante - e depois – de sua campanha eleitoral,

rumo à Presidência da República. Corbisier conhecia vagamente o candidato mineiro, mas

simpatizara com suas propostas.

Em dezembro daquele mesmo ano, Roland Corbisier comandaria um programa radiofônico

diário, na Rádio Mayrink Veiga, no Distrito Federal. O programa, que teve início em 20 de

dezembro de 1954, ficou no ar até o dia 02 de junho de 1955, e tinha como objetivo discutir o

cenário político brasileiro naquele momento, comentar o dia a dia dos (potenciais) candidatos

à Presidência da República, além de avaliar suas propostas e contradições no período que

antecedia as eleições presidenciais em 1955. Os programas assumiam uma posição

notadamente legalista e principalmente de defesa à candidatura de Juscelino Kubitschek –

candidato da legalidade e da ordem constitucional - nas eleições daquele ano. A série de

programas fora iniciada em meio a um clima carregado de ameaças, intimidações e boatos.

Corbisier vivenciara de perto os acontecimentos que antecederam a morte de Vargas. Estivera

na casa de Café Filho na madrugada de 24 de agosto de 1954, levado por seu amigo Mário

Pedrosa. Observara políticos e militares opositores ao governo. Seu engajamento na luta

sucessória se dera, portanto, diante do suicídio do presidente e à mudança no cenário político

do país. Para ele, a luta contra Vargas seria a mesma luta que se travaria contra JK. Em suas

memórias, décadas depois, seriam as mesmas forças que golpeariam a democracia em 1964.

Juscelino fora indicado, pelo diretório regional do PSD, à Convenção Nacional do partido.

Era, portanto, candidato a candidato. Mas essa simples indicação já mobilizava adversários

políticos – os mesmos, segundo Corbisier, que tramaram a renúncia e impeachment de

Vargas, naquele ano.

Em seu primeiro programa de rádio, apresentou aos ouvintes qual seria a linha de conduta dos

programas, defendendo o sentido da campanha de JK à Presidência da República. Discutiu o

lançamento de sua candidatura, que ia de encontro ao desejo de determinadas forças políticas,

que defendiam uma candidatura única, de conciliação, de união nacional – desejo

compartilhado também pelo presidente Café Filho.

“O candidato único, assim como o programa ou partido único, contrariam a

essência do regime democrático, que postula a variedade , a multiplicidade de

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opiniões. A gravidade da situação nacional não justificaria a imposição ao

eleitorado, de um só candidato, pois semelhante imposição implicaria no confisco

de sua liberdade de escolha. O que assegura essa liberdade, e a possibilidade de

exercê-la concretamente, é a pluralidade das candidaturas. Os partidos políticos

existem para drenar e organizar a opinião pública, apresentando ao eleitorado os

nomes que consideram mais representativos e mais aptos para o exercício das

funções públicas.” (CORBISIER, 1976: 25-26)

Finalizava, com um aviso àqueles que desejassem tumultuar o ambiente político e eleitoral:

“Queremos deixar bem claro o seguinte: estamos dispostos a repelir com maior

energia qualquer tentativa de intimidação, qualquer ameaça, venha de onde vier.

Não suportamos mais essa atmosfera de terrorismo que vem se criando na capital

do país. Queremos a luta, que, normal em regime democrático, é salutar, porque

estimula e galvaniza. Evitaremos o debate no campo pessoal, procurando mantê-lo

no plano dos princípios, das idéias, dos programas. Mas não recusaremos a luta,

onde quer que ela se nos apresente. A sorte está lançada e, se não depende de nós

forçar a vitória, de nós depende lutar até o fim”. (CORBISIER, 1976: 26-27)

Ao longo dos programas, Roland Corbisier centrava comentários e análises em cima de

alguns nomes: Odilon Braga - deputado federal da União Democrática Nacional (UDN) no

Distrito Federal e presidente do partido entre 1950 e 1952, sendo um de seus fundadores3;

Etelvino Lins, que fora governador de Pernambuco e era ministro do Tribunal de Contas da

União, indicado pelo presidente Café Filho; Carlos Lacerda – jornalista, diretor do jornal

Tribuna da Imprensa, pertencente à UDN e fundador do Clube da Lanterna; e o general Juarez

Távora, que integrara a Coluna Prestes e apoiara a Revolução de 1930, sendo apelidado de

Vice-Rei do Norte, por causa da sua influência nas forças nordestinas que apoiaram Getúlio

Vargas naquela ocasião. Anos depois, o general romperia com Vargas, conspirando a favor da

queda do presidente, em 1954.

O deputado estivera presente numa reunião do Clube da Lanterna, realizada na sede da

Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e fizera o discurso de encerramento, abordando o

problema da sucessão presidencial, desenvolvendo a tese de que as forças democráticas não

3 Odilon Braga havia concorrido, nas eleições presidenciais de 1950, na chapa do brigadeiro Eduardo Gomes,

como vice-presidente.

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deveriam se deixar envolver pelos golpes políticos daqueles que mantiveram relações estreitas

com a oligarquia que deixara o poder em 24 de agosto.4 Naquela reunião, a Comissão Diretora

Nacional do Clube da Lanterna, representada por seu presidente, Amaral Neto, e seus

dirigentes Raimundo Padilha e Odilon Braga, aprovara um telegrama, que seria enviado a

Carlos Lacerda – fundador do Clube da Lanterna – que encontrava-se na Europa. A seguinte

nota foi distribuída para a imprensa e publicada no Diário de Notícias, em 28 de novembro de

1954:

“A Comissão Diretora Nacional do Clube da Lanterna, com a aprovação dos

diretórios de São Paulo, Pernambuco e Bahia, com o referendo do Conselho

Nacional, resolveu tornar pública a sua repulsa formal à candidatura do sr.

Juscelino Kubitschek para a Presidência da República. Essa deliberação foi tomada

tendo em vista as origens da tal candidatura. Considera o Clube da Lanterna como

um acinte e uma audácia dos que exploram e roubam este país há quase vinte e

cinco anos, a apresentação do nome do governador de Minas. A partir desta data, o

clube realizará em todo o país sistemática campanha contra a candidatura em

apreço.

(...) A candidatura Juscelino nasceu de um conluio de gregorios, viúvas,

dilapidadores dos dinheiros públicos e agentes da corrupção que arrasou este país,

forçando a derrota dos bravos, honestos e leais representantes do PSD de alguns

Estados que, por certo, não permanecerão por muito tempo ombro a ombro com

dirigentes inteiramente desqualificados para representar qualquer parcela, por

mínima que seja, da opinião pública.

A candidatura Juscelino Kubitschek é a suprema tentativa dos restos da oligarquia

Vargas para conseguirem com a eleição do governador de Minas, não só a

impunidade para os crimes que praticaram, como também um passe livre para o

retorno deste país ao regime de negociatas e favoritismos.

O lema do Clube da Lanterna nesta campanha será: “Basta de gregórios e

Juscelinos”.5

Roland Corbisier dedicara o programa do dia 21 de dezembro a comentar a entrevista de

Odilon Braga ao Diário de Notícias, quando o deputado afirmara categoricamente que a

4 Diário de Notícias. 25/11/1954.

5 Diário de Notícias. 28/11/1954. p.4.

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eleição de Juscelino significaria a vitória das mesmas forças ocultas e dos mesmos homens e

processos que arruinaram o governo de Getúlio Vargas, e deixaram a nação no desespero, sem

moeda, sem câmbio, sem repouso e entregue aos círculos infernais da inflação.6 Odilon

terminava a entrevista com a seguinte declaração: “O problema não é propriamente o de

eleger um ótimo candidato e sim o de evitar, seja como for, a eleição de Juscelino e a volta da

turma do golpe e da corrupção. Recebemos de pé atrás a candidatura de Juscelino,

precisamente porque surgiu das maquinações do getulismo perigoso, isto é, dos getulistas que

muito depressa se esqueceram do chefe morto para alegremente se dedicarem a um novo

chefe.”7

Para Corbisier, Odilon Braga era dotado de falta de imaginação e de coerência, ao insistir no

impedimento da candidatura de Juscelino. O fato de pertencer ao Clube da Lanterna colocava

em dúvidas a sua credibilidade.

Em 27 de dezembro, Corbisier chamava a atenção para o clima de intranquilidade,

preocupação e alarme, e boatos sobre a sucessão e um possível golpe:

“Sabemos, de fonte segura afirma que certos grupos militares, representados pelos

coronéis, estariam propensos a interferir nos acontecimentos, impedindo a

realização das eleições e desfechando o golpe contra o regime. Somos da opinião

que o problema político deve ser posto em termos eleitorais e não em termos de

violência e de pronunciamento militar” (CORBISIER, 1976: 34)

No mesmo programa, questionava José Américo de Almeida, que fora ministro da Viação e

Obras Públicas de Vargas. José Américo compartilhava a idéia de que, se Juscelino

renunciasse à candidatura, haveria uma conciliação favorável a uma candidatura de união

nacional. Corbisier discordava dessa idéia, pois achava que a conciliação se daria em torno de

um candidato imposto pela UDN ou então oriundo da órbita militar. Afinal, o PSD era o

partido majoritário e quando seu diretório regional indicou o governador de Minas Gerais à

Convenção Nacional, a legenda exercera apenas seu direito, num regime democrático.

Portanto, qualquer proposta fora do “jogo jogado” da democracia, seria um diagnóstico de

desespero da UDN. 6 Diário de Notícias. 20/12/1954. p.4.

7 Idem.

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Corbisier deixava transparecer, no programa de 29 de dezembro, que os boatos de golpe

militar eram cada vez mais frequentes na capital da República. Ele temia um novo 24 de

agosto:

“Se querem a ditadura, o salazarismo ou o naguibismo, deverão vencer

previamente a nossa resistência, a resistência de todos aqueles que não querem a

ditadura. Se querem a democracia, devem transferir a decisão para o povo e

resignar-se ao pronunciamento das urnas. Pois seria contraditório e absurdo

querer salvar a democracia instaurando uma ditadura” (CORBISIER, 1976:

37)

Em 29 de dezembro, o general Canrobert Pereira da Costa, chefe do Estado-Maior das Forças

Armadas (EMFA), dera uma declaração a O Jornal, afirmando que não haveria candidatura

militar à sucessão presidencial. “Sou um simples eleitor, interessado em que se chegue a uma

solução honesta, capaz de atender, pela polarização das forças vivas nacionais, à gravidade do

momento”8. Para Corbisier, o episódio era tranquilizador. Ele anteriormente já cobrara de

outras importantes lideranças militares, como o brigadeiro Eduardo Gomes, ministro da

Aeronáutica, e o general Juarez Távora, chefe do Gabinete Militar, a cooperação na solução

da profunda e grave crise econômica e financeira pela qual o país passava. Pela lógica de

Corbisier, se os dois militares ocupavam posições de destaque na alta hierarquia do poder,

ambos não precisariam se candidatar à Presidência para resolver os problemas nacionais. Se já

estavam no governo e frequentavam as reuniões no Palácio do Catete, seria mais fácil que

contribuíssem diretamente, no governo.

Em 05 de janeiro de 1955, o brigadeiro Eduardo Gomes recebera no Ministério da

Aeronáutica a visita da bancada da UDN na Câmara e no Senado, e também dos vereadores

eleitos no Distrito Federal, que foram até lá desejar um bom ano novo. O brigadeiro

aproveitou então para fazer um discurso de agradecimento, que seguiu a mesma linha do

general Canrobert:

“Árbitros várias vezes das crises profundas que têm afetado a existência nacional, os

militares jamais pretenderam para si as responsabilidades do governo, que deve ser

oriundo do voto popular legítimo. A nossa missão tem consistido em velar para que

8 O Jornal. 29/12/1954.

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não desapareçam as liberdades do povo, e para que o nosso progresso democrático

não se revele somente na letra das leis e sim na prática efetiva da legalidade.

(...) É preciso que seja insuspeitada a base onde repousa o sistema representativo,

com inscrições eleitorais expurgadas de vícios e com formas ou métodos de escolha

indenes à violência, à corrupção ou à fraude. E, para que se cumpra o mandamento

de que todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido, faz-se necessário que

a eleição dos governantes tenha a consagrá-la a maioria absoluta dos cidadãos a cujo

critério se confiam os destinos da pátria.”9

A certa altura de seu pronunciamento, porém, o brigadeiro disse:

(...) Se o fim do Estado é promover o bem-estar dos indivíduos, através da justiça

social e da conciliação das classes, a política deve ter presente que a própria ética

reclama, no dizer de Bertrand Russell, se produzam instituições sob cuja égide os

interesses de indivíduos ou de grupos diferentes entrem o menos possível em

conflito”.10

O editorial do Correio da Manhã, na mesma edição em que o discurso do brigadeiro fora

publicado, não deixava dúvidas que este desarticulara de vez os boatos golpistas. Mas para

Corbisier, o brigadeiro não fora muito claro nas palavras. O trecho em que cita Bertrand

Russell, segundo Corbisier, seria o mais controverso, em que Eduardo Gomes parecia

desaconselhar a competição no jogo democrático. Para ele, o Exército não deveria ser uma

instituição amorfa, ausente, ou indiferente às questões nacionais. Era necessário, sim, chegar a

um entendimento com as Forças Armadas, estreitando contato com essa instituição. Não

combinaria com democracia excluir as Forças Armadas da vida política do país. Mas seria um

equívoco transferir para os quartéis a soberania nacional, já que esta não deveria ser

reivindicada com exclusividade por nenhuma classe ou grupo civil ou militar, em nome do

povo.

A possibilidade de haver um golpe era grande e continuava a ganhar as páginas dos jornais.

No dia 11 de janeiro, o jornal Última Hora publicou uma entrevista com Ernani do Amaral

Peixoto, presidente do diretório nacional do PSD, com a seguinte manchete em primeira

9 Correio da Manhã. 06/01/1955.

10 Correio da Manhã. 06/01/1955.

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página: “Amaral Peixoto desmascara os pregoeiros da desordem e do golpe”. Amaral Peixoto

falou sobre a posição política do partido e da candidatura de Juscelino Kubitschek à

Presidência da República. Mas aproveitou também para questionar os métodos oposicionistas:

“Se aquilo que se quer chamar de união nacional é apenas um pretexto de

subversão das instituições em benefício de facções desesperadas pela própria falta

de ressonância no favor popular, nenhum nome mais apto a promovê-la do que

Juscelino Kubitschek.

(...) O grupo adversário, divorciado do povo, quer impor uma nova escravatura

pela injúria e difamação. Agora, na verdade, a nação está felizmente dividida: de

um lado o povo, aguardando oportunidade de dizer o que pensa e o que sente, sem

coações nem violências, ao lado dos partidos, no desempenho normal de suas

atividades, e do outro, o grupo – sempre esse grupo fatal – pondo a serviço de seus

complexos a inquietação, a maledicência, a agitação e o escândalo”.11

Corbisier concordava com Amaral Peixoto. Segundo ele, os udenistas “só defendem a

democracia quando têm a esperança de vencer, e passavam a sabotá-la quando se convencem

de que serão derrotados nas urnas”. (CORBISIER, 1976: 56)

A “união nacional” também foi tema do editorial do jornal O Globo, de 14 de janeiro de 1955:

“Desde o primeiro dia O Globo tem sido inflexível em bater-se por uma solução

nacional, sem exclusivismos personalistas, sem reabilitações dos “gregorios”, não

só os indivíduos que boiavam no “mar de lama”. 12

Um dos pontos principais que o editorial abordava era a entrevista concedida pelo marechal

Eurico Gaspar Dutra, ex-presidente da República, na véspera. O marechal desmentira boatos

de que fosse o responsável pela candidatura de Juscelino à Presidência, sendo favorável ao

exame e debate de vários nomes pela convenção pessedista:

11 Última Hora. 11/01/1955.

12 O Globo. 14/01/1944. p.1.

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“Não me considero autor, nem responsável pela eventual candidatura do

governador Juscelino Kubitschek, nem no seu lançamento, nem na sua manutenção.

O PSD ainda não tem candidato”13

Corbisier mostrou-se surpreso com as declarações do ex-presidente. Disse concordar, pelo

menos nesse ponto, com o rival Carlos Lacerda: que os responsáveis pelo governo do país

fossem mais claros e explícitos em seus discursos e pronunciamentos. As declarações do

marechal foram inesperadas e desconcertantes. “Não podemos concordar com o Sr. Dutra

quando afirma que o PSD ainda não tem candidato, simplesmente porque essa afirmação não

é verdadeira”. (CORBISIER, 1976: 59)

O principal argumento de resistência à candidatura de JK, utilizado por seus adversários, era o

de que ele estaria associado ao governo Vargas, um de seus herdeiros políticos e restaurador

de um passado que eles desejavam esquecer. O alvo das críticas, porém, continuava sendo os

políticos da UDN. No programa do dia 12 de janeiro, Corbisier dizia que eles eram carentes

de senso histórico e de formação sociológica. Segundo ele, devia passar pela cabeça de um

udenista que as derrotas políticas seriam, no fundo, um atestado de sua idoneidade. Ou seja:

sua impopularidade seria diagnosticada como incapacidade do povo, não suficientemente

educado e esclarecido para reconhecer o real valor do partido. Para Corbisier, um grande

fosso separava a UDN do povo, pois este partido não teria identidade própria, exercendo um

comportamento imutável, incapaz de reconhecer e tirar lições de suas derrotas. A UDN

desconhecia o eleitorado, permanecendo longe da realidade, como marginais aristocráticos e

conservadores reacionários. Seus políticos seriam “fariseus da democracia”. Por não ter

personalidade própria, só restaria à UDN depender das Forças Armadas e, com isso, optar

pelo constante incitamento ao golpe.

No programa do dia 19 de janeiro, Corbisier associava a imprensa golpista à figura de Carlos

Lacerda, diretor do jornal Tribuna da Imprensa. Tratava-se, para ele, de uma corrente que

espalhava boatos, segundo os quais,

1) A situação no país é absolutamente anormal e, devido à sua excepcional

gravidade, seria arriscado submeter a Nação a uma luta eleitoral em grande

escala, como será a luta pela sucessão presidencial da República;

13 Idem

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2) A candidatura de Juscelino Kubitschek significa uma ameaça de retorno ao

passado, à situação anterior ao golpe de 24 de agosto;

3) Levando-se em conta a gravidade da situação nacional e a ameaça representada

pela candidatura mineira, os militares deveriam interferir, a fim de vetar essa

candidatura e impor um nome em torno do qual se pudesse realizar a chamada

união nacional. Ou então dar o golpe no regime e instaurar uma ditadura militar.

(CORBISIER, 1976: 60-61)

Corbisier concordava que a situação no país era grave, mas a anormalidade absoluta era

fantasiosa, principalmente do ponto de vista eleitoral, já que apenas dois meses após a morte

de Vargas já eram realizadas eleições, em quase todo o Brasil, inclusive no Distrito Federal.14

O tom dos adversários seria de provocação, a fim de justificar a tese de que a situação seria

anormal e não comportaria eleições.

Ele falava de um comício promovido pelo Clube da Lanterna em Juiz de Fora (MG), em 15 de

janeiro – um sábado. No dia 18 de janeiro, o jornal Última Hora estampava a seguinte

manchete: “Lacerda queria que a Polícia espancasse o povo que o vaiou”. O deputado federal

Hildebrando Bisaglia, do PTB, nascido na própria cidade, deu seu depoimento à equipe de

reportagem da Última Hora:

“Cheguei a Juiz de Fora no sábado e tive conhecimento, pelos jornais locais, que o

sr. Carlos Lacerda e comitiva estavam sendo esperados para realizar um comício da

sacada do Palace Hotel, instalando a sucursal do Clube da Lanterna. Com sua

chegada pude ouvir perfeitamente vaias ensurdecedoras que me atraíram às

proximidades do local. Assisti, então, o povo em massa compacta, diante dos

oradores visitantes, manifestando-se em vaias e assobios, cada vez que os oradores

iniciavam em linguagem violenta os seus discursos. O espetáculo era realmente

impressionante. Milhares de pessoas gritavam, impedindo que os oradores, mesmo

auxiliados por possantes microfones e alto-falantes da emissora local, prosseguissem

insultando o governo e o povo mineiro. Como o sr. Lacerda tentasse continuar o seu

discurso, a reação do povo se fez ainda mais forte. Houve então uma chuva de

tomates e ovos sobre o palanque onde se encontravam os oradores udenistas.

14

Em 3 de outubro de 1954 foram realizadas eleições gerais no Brasil. Foram renovados onze governos estaduais, dois terços do Senado Federal e toda a Câmara dos Deputados e as Assembléias Legislativas.

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Impossibilitados de continuar a onda de impropérios que lançava contra, para

achincalhar a honra do governo mineiro, tornaram os membros da comitiva ao

interior do Palace Hotel, onde permaneceram até uma hora da madrugada de

domingo, quando se retiraram cercados por tropas do Exército e da Polícia, fato que

impediu que novas vaias e assobios atingissem os visitantes.”15

O deputado, testemunha ocular dos fatos, finalizava assim seu relato ao jornal:

“Ausente completamente o governador mineiro da participação das ocorrências,

frisamos, entretanto, que a violência de linguagem dos membros do Clube da

Lanterna criará no Brasil um clima de hostilidade e desagregação social e política,

capaz de perturbar a marcha normal de nossa evolução moral e política. A violência

gera violência. Os membros do Clube da Lanterna receberam o que procuraram.”16

Juiz de Fora era justamente um dos redutos políticos de Juscelino Kubitschek, que no mesmo

dia e horário do comício do Clube da Lanterna estava em Manaus, cumprindo sua agenda de

candidato. Era uma cidade industrial, um centro fabril e com grande contingente operário. O

PSD era o partido majoritário na cidade.17 Para Corbisier, diante das declarações do deputado

mineiro, os “udeno-lacerdistas” não tinham como objetivo promover um comício com fins

propositivos ou de alavancar uma plataforma política. Lacerda e seu Clube da Lanterna foram,

sim, fazer um comício contrário à candidatura de JK.

“Imaginem o que aconteceria se nós promovêssemos, na rua Toneleros, um comício contra o

sr. Carlos Lacerda e o Major Vaz, ou no Galeão, um comício contra os brigadeiros?”

(CORBISIER, 1976: 62)

Corbisier não poupava adjetivos para Lacerda:

“Os rádio-ouvintes conhecem bem o sr. Carlos Lacerda, e sabem que se trata de um

homem sem nenhum senso de humor, um temperamento melodramático, quem sabe

uma vocação teatral extraviada na política e no jornalismo. Acontece que o Sr.

Lacerda, cuja suposta inteligência sofre às vezes curiosos eclipses, foi agredir o

candidato mineiro numa cidade mineira, pessedista e petebista. Que esperava o 15 Última Hora. 18/01/1955

16 Idem.

17 Composição da Cãmara Municipal de Juiz de Fora: o PSD tinha cinco vereadores; o PTB quatro vereadores e

a UDN apenas um vereador. (Fonte: TRE-MG)

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führer dos lanterneiros, que o carregassem em triunfo e o cobrissem de flores?”

(CORBISIER, 1976: 63-64)

Para Corbisier, Carlos Lacerda, o “agitador da rua do Lavradio”, o “ditador dos lanterneiros”,

o “diretor da Tribuna das Empresas”18, “era um homem possuído pela fúria do anátema, da

denúncia e da provocação”.19. “O Sr. Lacerda começa a apresentar sintomas de desgaste, de

descontrole, de desequilíbrio e, em pleno desespero, agita-se freneticamente e faz movimentos

espasmódicos, desconexos, como as rãs eletrizadas”. (CORBISIER, 1976: 69) Ele achava que

com a morte de Vargas, Lacerda ficou sem ter o que dizer, ficando no vazio.

Em 20 de janeiro se dera finalmente o aguardado encontro entre o presidente Café Filho e o

candidato Juscelino Kubitschek. O presidente expôs a JK a situação geral do país,

principalmente os aspectos econômicos e financeiros. Café Filho desejava que a disputa

eleitoral acontecesse num ambiente de paz e tranquilidade, e por isso defendia a união

nacional em torno de uma candidatura única, com entendimento entre os partidos. O encontro

fora a pauta central do programa de Roland Corbisier na Rádio Mayrink Veiga. Ele,

entretanto, questionava o presidente quanto a um suposto “memorial dos generais”, assinado

pelos chefes das Forças Armada, em que aconselhavam o presidente da República a união

nacional, assumindo em troca o compromisso de não candidatarem-se. O memorial seria uma

advertência a Juscelino, para que este retirasse a sua candidatura. Entre os signatários do

documento – que ainda permanecia inédito - estariam os generais Juarez Távora, Henrique

Lott, Canrobert Pereira, Cordeiro de Farias e o brigadeiro Eduardo Gomes:

“(...) continua-se a falar no documento secreto de cujo conteúdo o presidente Café

Filho só teria dado conhecimento a alguns de seus amigos mais íntimos. Parece-nos

estranho que, dada a sua importância, permaneça inédito, sonegado pelo presidente

ao conhecimento e à justa curiosidade do público. O destino da Nação, o futuro do

país, não podem estar sendo decididos em conciliábulos secretos, em

confabulações, em conversas a portas fechadas, de que o povo não participa e nas

quais não interfere.” (CORBISIER, 1976: 67)

18

Programa. 16/05/1955. Rádio Mayrink Veiga.

19 Programa. 25/11/1954. Rádio Mayrink Veiga.

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Em 27 de janeiro, o presidente Café Filho dera um pronunciamento ao programa A Voz do

Brasil. Seu discurso fora compreendido por Roland Corbisier como sendo panfletário pela

causa a favor do golpe e da ditadura militar20. O jornal Última Hora trazia a seguinte

manchete: “Violenta reação na Câmara contra o discurso de Café Filho”. Segundo o jornal,

“Durante todo o dia de ontem, através de três sessões consecutivas, repercutiram no

plenário da Câmara dos Deputados os últimos acontecimentos políticos que estão

emocionando a Nação, provocados pelo discurso do presidente da República

pregando a união nacional sob a ameaça de um golpe contra o regime e a revelação

do anunciado memorial firmado pelos chefes militares no Catete”.21

Em seu pronunciamento à Voz do Brasil, o presidente finalmente falava sobre o documento

recebido dos chefes das Forças Armadas:

“(...) Recebi recentemente um apelo dos chefes das Forças Armadas responsáveis pelos altos

setores de comando militar do país. Simultaneamente com um nobre e exemplar gesto de

renúncia em que demonstram a unânime disposição de evitar que seus nomes sirvam de

obstáculo à solução do problema político do momento, eles me fizeram sentir juntamente,

com o firme e sincero desejo de um desenlace harmonioso, tranquilo, a sua viva preocupação

com a defesa do regime, ora sob a ação de poderosas forças dissociadoras no campo interno e

externo.”22

E seguida, o presidente narraria, na íntegra, o manifesto, que a certa altura do texto, assim

dizia:

“Profundamente preocupados com os perigos que certamente advirão, em meio à

grave crise econômica e social que atravessa o país, de uma campanha eleitoral

violenta, os Chefes militares das três Forças Armadas sentem-se no dever moral de

encarecer, junto a Vossa Excelência a necessidade de um apelo do governo da

República a todas as forças políticas nacionais em favor de um movimento

altruístico de recomposição patriótica que permita a solução do problema da

sucessão presidencial em nível de compreensão e espírito de colaboração

20

Última Hora. 29/01/1955.

21 Idem.

22 Discurso do presidente Café Filho. A Voz do Brasil. 27/01/1955.

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interpartidária, sem o acirramento de ódios e dissenções que vêm de abalar

seriamente a vida nacional.”23

O documento era assinado pelos seguintes Chefes das Forças Armadas: Almirante Edmundo

Jordão Amorim do Vale, Ministro da Marinha; General Teixeira Lott, Ministro da Guerra;

Brigadeiro Eduardo Gomes, Ministro da Aeronáutica; Marechal Mascarenhas de Morais;

General Canrobert Pereira da Costa, Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas; General

Álvaro Fiúza de Castro, Chefe do Estado-Maior do Exército; Almirante Saialino Coelho,

Chefe do Estado-Maior da Armada; Brigadeiro Gervásio Duncan de Lima Rodrigues, Chefe

do Estado-Maior da Aeronáutica; e General Juarez Távora, Chefe da Casa Militar da

Presidência da República.

Após terminar de ler, na íntegra, o manifesto dos militares, o presidente Café Filho destacou a

honradez dos signatários, desprovidos de quaisquer ambições políticas, mas preocupados com

os rumos da nação. E completava, com sua interpretação sobre o documento que acabara de

ler:

“Os prenúncios de uma sucessão convulsionada surgiram desde que foi indicada

uma candidatura, sem maiores entendimentos com as outras políticas.

Simultaneamente irromperam sintomas em cujo mérito não me cabe entrar, mas a

que muitos atribuem um propósito de restaurar a ordem das coisas encerradas

tragicamente a 24 de agosto de 1954. São assim evidentes os sinais de uma perigosa

fermentação, diante da qual o governo tem mantido uma linha de rigorosa

serenidade, abstendo-se de revolver o passado e empenha-se em abrir margem a um

período de paz e recuperação.”24

Para Corbisier, o presidente fora bem claro: com o propósito de defender a tranquilidade

nacional e o regime democrático, ele aceitava a declaração (memorial) confiado a ele pelas

Forças Armadas. O discurso de Café Filho, notadamente defendia o golpe e a ditadura em

nome da democracia. E isso era inaceitável. As palavras do presidente eram uma tentativa de

intimidação a Juscelino Kubitschek.25

23

Discurso do presidente Café Filho. A Voz do Brasil. 27/01/1955.

24 Idem.

25 Programa. 31.01.1955. Rádio Mayrink Veiga.

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A candidatura do governador de Minas enfrentava dificuldades não apenas junto ao Palácio

do Catete e nos meios militares, mas também no seio do próprio PSD. Juscelino não era

unanimidade. Os diretórios regionais pessedistas do Rio Grande do Sul, Pernambuco e Santa

Catarina eram contrários ao lançamento de sua candidatura. Até mesmo havia uma dissidência

no PSD mineiro, sob a liderança de Carlos Luz. Nereu Ramos chegara a ser cogitado para a

Presidência. E surgiram outras candidaturas de “união nacional”, como Milton Campos (pela

UDN), Juarez Távora (com o Partido Democrata Cristão) e Etelvino Lins – dissidência do

partido em Pernambuco.26 Entretanto, na Convenção Nacional do partido, em 10 de fevereiro

de 1955, 84% do PSD era favorável à homologação de sua candidatura à Presidência.

Conquistara também apoio da maioria na Câmara Federal e no Senado. Dispunha, portanto,

de base eleitoral e apoio parlamentar.

Em 4 de fevereiro, Roland Corbisier comentava a derrota de Ranieri Mazzilli na luta pela

Presidência da Câmara Federal – Carlos Luz, deputado federal pelo PSD. Corbisier

denunciava a “imprensa golpista”27, que associava essa derrota a um revés também de

Juscelino, já que este teria negociado a indicação de Mazzili à Presidência da Câmara, em

troca do apoio do PSD paulista à sua indicação na Convenção Nacional.

Mazzilli, para Corbisier, era um candidato comprometido e envolvido em inquéritos no Banco

do Brasil, sem ressonância na Câmara Federal e alçado pelo diretório regional do PSD

paulista como um candidato da conciliação, após o empate entre Horácio Lafer e Ulysses

Guimarães. Portanto, para ele, a derrota de Mazzilli acabara sendo positiva para o PSD, pois

mostrava que o partido encarava de forma saudável a derrota eleitoral. Seria, portanto, uma

derrota tática.

Em 18 de fevereiro, Roland Corbisier destacaria o surgimento de uma força – um partido

político que, pela composição e alcance eleitoral, seria o fiel da balança decisório para o pleito

26

Depoimento de Juscelino Kubitschek a Maria Victoria Benevides em 1974. Entrevista realizada no contexto da pesquisa “Trajetória e desempenho das elites políticas brasileiras”. Programa de História Oral do CPDOC.

27 Programa. 04/02/1955. Rádio Mayrink Veiga.

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que se aproximava: o Partido Trabalhista Brasileiro – PTB. O partido – terceira força no

quadro eleitoral -, ao apoiar o PSD, estaria credenciado a indicar o vice-presidente.28

Alguns dias depois, Cândido Motta Filho, ministro da Educação e Cultura, fizera uma

conferência na Escola Superior de Guerra (ESG), sobre o papel das Forças Armadas na vida

nacional. Roland Corbisier abrira um debate sobre a função dos militares na vida interna do

país. Segundo ele, a conferência do ministro contribuía para o esclarecimento dessa questão:

“A conferência do ilustre titular da Pasta da Educação constitui uma apreciável

contribuição, ao lembrar que, nas democracias, as classes armadas são, em tese, o

povo em armas, o próprio povo que se arma para garantir as instituições e o

regime. Nessa perspectiva, a educação se apresenta como o meio insubstituível de

incorporar o grupo militar à comunhão dos interesses e das aspirações nacionais”.

(CORBISIER, 1976: 85)

Em 3 de maio, a Convenção Nacional da UDN merecera comentários no programa de rádio.

Segundo palavras de Corbisier, “um deprimente e melancólico espetáculo”29. A UDN era, na

sua opinião, “o partido da eterna vigilância”.

Os jornais noticiavam que Etelvino Lins, candidato à Presidência da República pela UDN,

estaria disposto a propor a Juscelino a retirada da candidatura de ambos, visando o

lançamento de uma candidatura alternativa, de conciliação e união nacional. O slogan de

Etelvino era “Pão e vergonha”. Para Corbisier, os udenistas não tinham, “nem inteligência,

nem imaginação”. O partido estaria divorciado do eleitorado brasileiro30. A UDN não

conseguira entender as necessidades e tendências deste eleitorado:

“Não entendem, os homens da UDN, que a política é uma coisa e a moral é outra, embora,

para fazer política não seja indispensável contrariar as regras morais”. (CORBISIER, 1976:

94)

28

Programa. 18/02/1955. Rádio Mayrink Veiga.

29 Programa. 03/05/1955. Rádio Mayrink Veiga.

30 Programa. 05/05/1955. Rádio Mayrink Veiga.

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Corbisier achava que, ao escolher o slogan “Pão e vergonha”, Etelvino traía suas origens de

“pequeno-burguês, reacionário, moralista e farisaico”.31

O candidato da UDN contrastava com Juscelino Kubitschek, que seria “um homem comum,

feito da mesma argila que o povo”32. Para ele, era bastante oportuna a apresentação que o

governador de Minas Gerais vinha fazendo em suas entrevistas e declarações aos jornais, pois

“o Brasil era composto de vários sertões: o das regiões agrestes do nordeste, e o

sertão psicológico, nas cidades e grandes centros industriais, correspondendo ao

hiato entre o grau de inteligência e cultura das pessoas e as posições e cargos que

conseguiam alcançar. O parque industrial, construído pela ciência e pela técnica,

continua a ser, psicologicamente, um sertão, onde as massas são tangidas não por

líderes revolucionários autênticos, mas pelos taumaturgos, pelos profetas de

subúrbio, pelos messias de quarteirão.” (CORBISIER, 1976: 96)

Portanto, para Corbisier, o slogan de Etelvino Lins era vazio, demagógico.33

Já Carlos Lacerda ironizava o binômio “Energia e transporte” de Juscelino. Para o diretor da

Tribuna da Imprensa, o binômio não seria um programa de governo, mas o nome de uma

autarquia. Corbisier discordava, pois “Energia e transporte” eram as mais urgentes

necessidades de desenvolvimento da economia brasileira. Surgiram, por parte de alguns

adversários políticos, críticas de que Juscelino se esquecera de colocar o ensino como

prioridade para seu governo. Para Roland Corbisier, não seria possível um governo enfrentar e

resolver todos os problemas em apenas quatro anos. A solução dos demais problemas

dependeria da solução do binômio apresentado. As prioridades do candidato seriam

apresentadas com base no critério de urgência. O problema da produção, por exemplo, estava

vinculado ao do transporte, que se achava na dependência do problema da energia. O binômio

seria então uma ordem de urgência, uma tomada de consciência de importantes questões de

base.34

31

Programa. 05/05/1955. Rádio Mayrink Veiga.

32 Programa. 06/05/1955. Rádio Mayrink Veiga.

33 Programa. 09/05/1955. Rádio Mayrink Veiga.

34 Idem.

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A defesa do binômio “Energia e transporte”, lema da candidatura de Juscelino Kubitschek,

tomou parte de alguns programas de Corbisier na Rádio Mayrink Veiga. E buscava

argumentos para ressaltar a importância do binômio. Tomou como referência, por exemplo, o

livro “Os dois Brasis”, do sociólogo francês Jacques Lambert.35 No livro, o Brasil é estudado

do ponto de vista demográfico, econômico e político. O autor já prenunciava que o Brasil

deveria superar os obstáculos que provém da dificuldade dos transportes, da insuficiência dos

recursos energéticos, da baixa produtividade agrícola e também da excessiva fecundidade da

população. Portanto, para o francês, os problemas brasileiros de maior urgência seriam:

transporte, energia, alimentação e saúde, além de educação e cultura.

O Brasil dispunha de quatro fontes de energia: madeira, carvão, petróleo e hidrelétrica.

Segundo Lambert, naquele momento, mais de 80% da energia consumida no Brasil vinha da

madeira da floresta amazônica. Seriam beneficiadas as indústrias metalúrgicas, as estradas de

ferro e as centrais térmicas das pequenas cidades do interior, entre outras. As florestas, no

entanto, se esgotam, e o Brasil não poderia depender disso. Era necessário substituir a

madeira, a lenha e o carvão como principais combustíveis, explorando outras fontes de

energia, como o petróleo e a hidrelétrica.36

O país também apresentava um quadro desfavorável para o carvão, dispondo apenas de duas

bacias carboníferas importantes, no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Faltava mão-de-

obra especializada em maior número e de boa qualidade. Oo carvão representava menos de

10% do consumo total.

Portanto, para emancipar-se economicamente e industrializar-se, Corbisier defendia em seus

programas a idéia de que o Brasil deveria explorar o petróleo e a energia hidrelétrica.37

Roland Corbisier dedicou três programas para comentar o lançamento da candidatura do

general Juarez Távora, pelo PDC, à sucessão presidencial. A questão que desafiava Corbisier

era a de que a candidatura do militar se dera sob pressão, de camadas da opinião pública

35

LAMBERT, Jacques. Os dois Brasis, Col. Brasiliana n° 335, Companhia Editora Nacional, São Paulo, 5a. ed., 1969. Em seus programas, Corbisier comentava sobre a versão do livro em francês, publicada antes.

36 Idem.

37 Programa. 10/05/1955. Rádio Mayrink Veiga.

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insatisfeitas com a candidatura de Etelvino Lins pela UDN. Para ele, era incoerente a posição

das forças que desejavam impedir a candidatura, sob alegação de imporem uma candidatura

única e que naquele momento, as mesmas forças não chegavam a uma conclusão sobre o

candidato a ser lançado e que os representassem.38

Corbisier dizia não ter nada contra Juarez Távora. Achava que ele era um militar respeitável,

sendo até saudável a multiplicidade de candidaturas. A candidatura única, com partido único e

ideologia única, como defendia o presidente Café Filho e os militares signatários do

documento lido pelo presidente no programa A Voz do Brasil, esta sim, estaria de acordo com

os regimes totalitários. Para ele, partidos políticos existiam para drenar e organizar a opinião

pública, com disciplina e educação, através da participação no debate político.39 Entretanto, a

candidatura do general não fazia sentido, já que as forças que o apoiavam eram as mesmas

que se propunham a impugnar a candidatura de Juscelino, “sob a alegação de que o candidato

mineiro não conseguiria base eleitoral que lhe assegurasse a eleição e o apoio parlamentar

suficiente para permitir a realização das reformas de base, indispensáveis à recuperação do

país.” (CORBISIER, 1976: 107)

O jornal O Globo, no editorial de sua edição vespertina de 16 de maio de 1955 também

comentava sobre o lançamento da candidatura do general à Presidência:

“Se o general acreditou que, com a sua decisão, o povo saísse para a rua dando vivas e

batendo palmas, que se cantasse o Te-Deum nas igrejas e se acendessem luminárias nas

janelas, deve estar profundamente apreensivo acerca da sua popularidade.”40

A candidatura de Juarez Távora, para ele, era incoerente, pois só poderia contar com o apoio

de partidos eleitoralmente inexistentes, como o PDC, o PL e o PST. Além disso, o general

entraria na disputa eleitoral para dividir, não os eleitores de Juscelino, mas aqueles que

estivessem inclinados a votar em Etelvino Lins.41 Corbisier não tinha dúvidas quanto à

38

Programa. 13/05/1955. Rádio Mayrink Veiga.

39 Programa. 14/05/1955. Rádio Mayrink Veiga.

40 O Globo. 16/05/1955. p.1.

41 Idem.

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honradez e patriotismo do general. Mas quando o assunto era a capacidade administrativa do

militar para funções executivas de maior relevância – como exercer a Presidência da

República – realmente seria um problema.

Etelvino Lins, candidato da UDN, discursara em 16 de maio, na inauguração do escritório

central de sua campanha. Seu pronunciamento merecera elogios de Corbisier. Etelvino

dissera, entre outras palavras, que uma democracia sem partidos seria inadmissível. O

candidato udenista reconhecia que existia no Brasil um movimento no sentido de provocar no

povo o desprezo pelos partidos políticos, o que corresponderia a uma forma de totalitarismo.

Para ele, o descrédito nos partidos levaria à elevação de personalidades carismáticas. Seu

discurso deixava transparecer, portanto, a preocupação com a estrutura partidária brasileira,

contra a demagogia. Mas Corbisier não era só elogios a Etelvino, principalmente por causa

desse trecho de seu discurso:

“Sou popular porque sou do povo. Sinto como o povo, vivo como o povo, penso

como o povo, reajo como o povo, tenho dignidade de povo, firmeza de povo,

esperança de povo. Senti que não podia nem silenciar, nem me poupar, nem evitar

de fazer inimigos quando vi o povo triste, o povo desesperançado, o povo

cabisbaixo, o povo enganado, o povo empobrecido, o povo a ver que a sua pátria

afundava em águas tão rasas”42

Segundo o periódico, a inauguração do candidato fora bastante concorrida, contando inclusive

com a presença de vários trabalhadores, como João Batista Leitão, que tinha 17 filhos e 27

netos, que cumprimentara o candidato e lhe dissera que este poderia contar com os 64 votos

de sua numerosa família.43

Como então, Etelvino Lins seria contra a demagogia se, suas palavras no discurso soavam

como pura demagogia? O candidato seria tudo, menos povo, já que vivia como um pequeno-

burguês, pertencendo à elite econômica do país. Corbisier terminava o programa lançando um

desafio a Etelvino:

42

O Globo. 17/05/1955. p.8.

43 Idem.

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“Apenas perguntaremos ao Sr. Lins, que tantas vezes insistiu com Juscelino para que retirasse

sua candidatura a fim de tornar possível a união nacional, por que razão não aproveita a

ocasião que agora se apresenta e, num gesto de desprendimento e patriotismo, renuncia à

própria candidatura para tornar possível, não a união nacional, mas essa união mais modesta e

viável, dos anti-juscelinistas, com eles mesmos?”44

Etelvino Lins, teria “honestidade, obstinação, capacidade de luta e a dureza pernambucana”.

Mas era um candidato medíocre, dotado de discursos insignificantes, segundo Corbisier.45

No dia 18 de maio fora a vez do general Juarez Távora, candidato pelo PDC, falar à imprensa.

Na coletiva, realizada na sede da Associação Brasileira de Imprensa, o candidato justificara

sua candidatura pelo fato de que não sentira força política de Etelvino Lins em São Paulo. Sua

candidatura iria captar eleitores independentes e insatisfeitos. 46

Para Corbisier, a entrevista do general fora “abaixo da crítica”, incoerente e sem brilho. Ele

questionava o fato do candidato ter declarado que sua candidatura fora lançada pelo PDC

numa atitude contra tudo e contra todos, consultando apenas a sua consciência. Se era

candidato de um partido considerado pequeno e de centenas de grupos e núcleos – como

afirmara -, como poderia ser, então, “contra tudo e contra todos”?47

A campanha eleitoral fervia. Dois dias depois, era a vez de Juscelino Kubitschek fazer seu

pronunciamento. A comparação da entrevista do governador de Minas com o a do general

Juarez Távora era inevitável, segundo Corbisier. O discurso de Juscelino mereceu elogios:

“Uma pessoa normal, equilibrada, lúcida, com excelente memória e experiência

administrativa, e amplo e profundo conhecimento”48. Já o general, “falara com violência, dera

murros na mesa enquanto falava, numa atmosfera de exaltação.”

44

Programa. 17/05/1955. Rádio Mayrink Veiga.

45 Programa. 24/05/1955. Rádio Mayrink Veiga.

46 O Globo. 18/05/1955. p.6.

47 Programa. 19/05/1955. Rádio Mayrink Veiga.

48 Programa. 20/05/1955. Rádio Mayrink Veiga.

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A adesão do PTB à candidatura de Juscelino à Presidência, com João Goulart, ex-ministro do

Trabalho de Vargas, lançando-se à vice-presidente na chapa, levou o jornal O Correio da

Manhã a romper com o candidato do PSD. O jornal havia lutado contra a interferência das

Forças Armadas na vida política do país, contra o golpe. Tal atitude era questionada por

Corbisier: “Mas então, se não poderiam as Forças Armadas interferir na vida política, por que

poderia fazer isso a imprensa, vetando a candidatura?”49

A candidatura de Juarez Távora ganhara a antipatia de Carlos Lacerda. Corbisier continuava

tentando decifrar o motivo do general não ter se candidatado à Presidência pela UDN, e sim

pelo PDC. Pensara na hipótese de que, possivelmente, o general chegara a conclusão de que a

candidatura pela UDN representaria uma “condenação à morte”50, podendo se tornar “um

segundo Eduardo Gomes”.51

Num programa, Corbisier comentava que o lançamento da candidatura de João Goulart à

vice-presidente, na mesma chapa de Juscelino, causara repulsa em alguns setores do PSD.52 E

que o mesmo acontecera no próprio PTB, sendo a composição PSD-PTB bastante contestada.

Havia boatos de dissidências: Alberto Pasqualini poderia ser o vice de Juarez Távora e até

mesmo Oswaldo Aranha poderia surgir como candidato de conciliação.53 Para Corbisier, essas

insatisfações seriam atos de indisciplina e traição, que deveriam ser repelidos e punidos pela

direção do PTB. Afinal, descontentes deveriam sair do partido.54

Antonio de Novais Filho, senador do PSD pelo estado de Pernambuco – e um dos fundadores

do partido -, fizera uma emenda propondo a reforma eleitoral: a eleição pelo Congresso, do

presidente da República, caso nenhum candidato alcançasse maioria absoluta dos votos.

Corbisier dedicara três programas de rádio para analisar a proposta do senador. Para ele55, o

49

Programa. 21/05/1955. Rádio Mayrink Veiga.

50 Programa. 23/05/1955.

51 Idem.

52 Programa. 25/05/1955. Rádio Mayrink Veiga.

53 Idem.

54 Idem.

55 Programa. 28/05/1955. Rádio Mayrink Veiga.

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político pernambucano, ao adotar essa proposta, mostrava inclinações udenistas. Tratava-se,

para ele, de um “golpe legal”, uma clara amostra de desespero político de pessoas que

desejavam permanecer no poder.56

A candidatura do general Juarez Távora refletia nele a idéia de que a possibilidade de golpe

militar estava afastada. Sinalizava-se o desejo dos militares em participar do jogo

democrático. Entretanto ele suspeitava das movimentações, nos bastidores, de grupos

políticos claramente conspiradores, ligados à UDN e ao Clube da Lanterna. As regras do jogo

não podiam ser alteradas faltando apenas quatro meses para as eleições, com os três maiores

partidos nacionais – PSD, PTB e UDN -, já com seus candidatos lançados e com

compromissos assumidos.57

A emenda do senador Novais Filho, do ponto de vista jurídico, invocaria a Constituição de

1891. Ao exigir a maioria absoluta, garantiria ao candidato eleito a base parlamentar

necessária para que o presidente governasse de fato. Para Corbisier, não havia sentido resgatar

naquele momento a Constituição de 1891, identificada com um “velho Brasil”, agrícola e

patriarcal, anterior à industrialização e urbanização do país. O aspecto político seria o ponto

mais grave da proposta. Ele achava que por trás do argumento reformista das leis eleitorais,

tramava-se uma agressão às instituições, proibindo os eleitores do direito de voto. Era uma

proposta claramente com objetivos contrários à candidatura de Juscelino.58

Adauto Lúcio Cardoso fora outro personagem citado no programa de rádio de Corbisier. O

deputado federal da UDN estava à frente da proposta de se criar uma Comissão Parlamentar

de Inquérito (CPI) para investigar os bens dos candidatos à Presidência. Para Corbisier,

Adauto, assim como Carlos Lacerda, deveriam ser investigadores de Polícia, já que tinham a

mania de denunciar, acusar, julgar e condenar, sendo nocivos à formação política e moral do

país, criando uma atmosfera de terror e sobressalto. Afinal, escândalos não atingiriam apenas

as pessoas. Mais do que isso: atingiriam as instituições, abalando a confiança do povo.

Corbisier rechaçava a proposta de CPI. Os candidatos não deveriam se submeter a esse tipo de

56

Idem.

57 Programa. 28/05/1955. Rádio Mayrink Veiga.

58 Idem.

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manobra. E caso a proposta fosse realmente levada adiante, a CPI funcionaria como um

tribunal, não para fazer justiça, para desmoralizar candidaturas.

No último programa de rádio59, Corbisier comentava a entrevista concedida por Juscelino

Kubitschek ao jornal Última Hora, ressaltando o entusiasmo, a capacidade de crer, o gosto

pela realização e o empreendimento, além de sua esperança nas eleições daquele ano. Na

entrevista, Juscelino dissera que

“Não há abismo algum capaz de conter o Brasil. O país é maior do que o abismo em

que há tanto tempo o pretendem lançar. Um país jovem e com vitalidade do Brasil

só precisa que lhe deem os instrumentos para a sua construção. A conclusão que

trago dessa peregrinação extensa é de que os governos precisam andar depressa para

não serem superados pelas forças espontâneas da terra e da gente do interior”.60

Roland Corbisier fechava, assim, um ciclo iniciado em 20 de dezembro do ano anterior. Os

programas de rádio, mais do que constituírem uma plataforma que ecoasse sua voz, em defesa

da legalidade do processo eleitoral, deixam transparecer a participação de um intelectual na

política. Decerto que Corbisier tivera contato anteriormente com a política, quando

brevemente pertencera às hostes integralistas, mas a vivência com a política partidária, que os

programas de rádio proporcionaram, era até então fato inédito em sua vida. Nos anos 1950,

germinava uma consciência nacionalista em Roland Corbisier, que o acompanharia nos

próximos anos, à frente do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) e depois como

parlamentar do PTB.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

CORBISIER, Roland. JK e a luta pela presidência. São Paulo, Duas Cidades: 1976.

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Programa. 02/06/1955. Rádio Mayrink Veiga.

60 Última Hora. 01/06/1955.