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“O Turismo sobre o ponto de vista urbanístico”: A passagem de Alfred Agache em Petrópolis no início dos anos 1940 1 André Barcelos Damasceno Daibert 2 , Universidade Federal de Juiz de Fora, [email protected] 1 Este trabalho é uma compilação de parte da tese de doutorado intitulada “Planejamento Urbano e Turismo no Estado Novo (1937-1945): Reflexões a partir da cidade de Petrópolis (RJ)” defendida em setembro de 2016 junto ao Programa de Pós- Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob orientação da Profa. Dra. Fania Fridman (DAIBERT, 2016). 2 Docente do Departamento de Turismo da UFJF; Doutor em Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR/UFRJ.

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“OTurismosobreopontodevistaurbanístico”:ApassagemdeAlfredAgacheemPetrópolisnoiníciodosanos19401

AndréBarcelosDamascenoDaibert2,UniversidadeFederaldeJuizdeFora,[email protected]

1Este trabalhoéumacompilaçãodeparteda tesededoutorado intitulada“PlanejamentoUrbanoeTurismonoEstadoNovo(1937-1945):ReflexõesapartirdacidadedePetrópolis(RJ)”defendidaemsetembrode2016juntoaoProgramadePós-GraduaçãoemPlanejamentoUrbanoeRegionaldaUniversidadeFederaldoRiodeJaneiro,soborientaçãodaProfa.Dra.FaniaFridman(DAIBERT,2016).2DocentedoDepartamentodeTurismodaUFJF;DoutoremPlanejamentoUrbanoeRegionalpeloIPPUR/UFRJ.

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SESSÕES TEMÁT ICA 7 : C IDADEE H ISTÓRIA

DESENVOLVIMENTO,CRISEERESISTÊNCIA:QUAISOSCAMINHOSDOPLANEJAMENTOURBANOEREGIONAL? 2

RESUMO

OpresenteartigopretendeelucidarapoucoestudadapassagemdourbanistaAlfredAgachepelointerior fluminenseno iníciodadécadade1940.Alémdisso,este trabalhoespera compreendercomo os temas Turismo e Planejamento Urbano se aproximam nesse período. Para tal, foramexaminadososdiscursosproferidospelourbanistafrancêssobreotema,atravésdasproposiçõesque ele e sua equipe elaboraram para a urbanização da cidade de Petrópolis (RJ). Tallevantamento foi realizado através de pesquisa documental em fontes produzidas no períododelimitado (1937-1945). Independentemente de ter existido ou não um “Plano Agache” ou um“PlanoCoimbraBueno”paraPetrópolisénotórioqueumconjuntodeideiasdebatidasparaasuaelaboraçãoatravésdeprojetos,croquisedeconferências,tomoucorpoe,pelomenosemparte,foram implementadas através dos anos, Percebi que este conjunto de propostas e concepçõesalinhadascomoutrasaçõesempreendidasnoperíodo,ressaltaramaatividadeturísticadacidadeque se tornou vigorosa como passar dos anos. Por fim, acredito que o impasse ocorrido entreAgache e o CREA pode ser a resposta sobre os imprecisos dados sobre a atuação do urbanistafrancêsnoBrasilapartirdeentão,poisaparentementeeleesteveproibido,pelomenosporalgumperíodo, de assinar projetos no país. É possível que tal evento tenha silenciado a verdadeiraatuaçãodourbanistanoBrasilnasdécadasposteriores.

PalavrasChave:PlanejamentoUrbano.Turismo.Petrópolis.EstadoNovo.AlfredAgache

RESUMEN

Esteartículo tienecomoobjetivodilucidarelpasajepocoestudiadadelurbanistaAlfredAgachepara en el interior de Río de Janeiro a principios del 1940. Además, este estudio pretendecomprendercómoel turismoy lascuestionesdeplanificaciónurbanaseacercanaesteperíodo.Con este fin, los discursos del urbanista francés fueron examinados en el tema a través de lasproposicionesqueélysuequipopreparadopara laurbanizaciónde laciudaddePetrópolis (RJ).Esta encuesta se realizó a través de la investigación documental en fuentes producidas en elperíododelimitado(1937-1945).Independientementedesiexistíaonoun"PlanAgache"o"PlanCoimbra Bueno" de Petrópolis es bien sabido que un conjunto de ideas discutidas para sudesarrolloatravésdeproyectos,bocetosyconferencias,tomóformay,almenosenparte,sehanimplementadoenlosúltimosaños,medicuentadequeesteconjuntodepropuestasyconceptosalineados con otras acciones adoptadas en el período, destacó el turismo de la ciudad que seconvirtió vigorosa en los últimos años. Por último, creo que se ha producido el impasse entreAgacheyCREApuedeser larespuestaen losdatos inexactossobreel rendimientodelurbanistafrancésenBrasilapartirdeesemomento,porquealparecerestabaprohibido,almenosporuntiempo, la firma de proyectos país. Es posible que tal evento ha silenciado el verdaderorendimientodelurbanistaenBrasilendécadasposteriores.

PalabrasClave:Planificaciónurbana.Turismo.Petrópolis.EstadoNovo.AlfredAgache

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INTRODUÇÃO

lfredHubertDonatAgache3foraautor, consultorou colaboradorde váriosplanoseprojetosdeurbanização em diferentes países. Na França, ele foi responsável por planos em cidades comoParis, Dunquerque, Tours, Dieppe, Orleans e Reims. Em outros países elaborou planos paraCamberra (Austrália), Guayaquil (Equador), Lisboa (Portugal), Casablanca (Marrocos), Istambul eAncara(Turquia).ElefoiprofessortitularnoCollègeLibredesSciencesSocialesemParis,alémdefundador e secretário geral da Sociedade Francesa de Urbanistas (SFU). Sua contribuiçãoacadêmicasedeutambémpelaautoriadeumasériedeartigoselivrossobreurbanismo-termonoqualeleseconsideravaprecursor–oqualdefiniadaseguintemaneira:

O Urbanismo é uma Ciência e uma Arte, e sobretudo uma Filosofia social.Entende-seporUrbanismoo conjuntode regrasaplicadasaomelhoramentoda edificação, do arruamento, da circulação e do descongestionamento dasartérias públicas. É a remodelação, a extensão e o embelezamento de umacidadelevadosaefeitomedianteumestudometódicodageografiahumanaedatopografiaurbanasemdescurarassoluçõesfinanceiras.(AGACHE,1930,p.04)

NoBrasil,Agachesenotabilizouporcoordenaraelaboraçãodeumplanourbanísticoparaaentãocapital federalRiode Janeiro, que ficou conhecido como“PlanoAgache” (AGACHE, 1930).Mas,umoutro aspecto pouco conhecido da biografia do urbanista, é queAgache teria retornado aoBrasilapartirdofinaldadécadade1930eestabeleceuresidêncianacidadedoRioatéoanodesua morte em 1959. Afinal: o que Agache teria desenvolvido nessas duas décadas no Brasil?Partindo dessa indagação, o presente artigo pretende elucidar a pouco estudada passagem dourbanistaAlfredAgachepelointeriorfluminensenoiníciodadécadade1940.

Alémdisso,estetrabalhoesperacompreendercomoostemasTurismoePlanejamentoUrbanoseaproximam nesse período. Para tal, foram examinados os discursos proferidos pelo urbanistafrancês sobre o tema, através das proposições que ele e sua equipe elaboraram para aurbanização da cidade de Petrópolis (RJ). Complementarmente, foram analisados outrosdocumentos como as deliberações do Primeiro Congresso de Urbanismo (ocorrido em 1941) ealgunsdocumentosgovernamentaisqueassimilamtaltemática.

Tallevantamentofoirealizadoatravésdepesquisadocumentalemfontesproduzidasnoperíododelimitado(1937-1945),taiscomoosplanosemsi,aslegislaçõeseatospúblicossobreoassunto,processos, mapas e imagens, assim como periódicos especializados, periódicos de variedades(jornaisdegrandecirculação),livroseoutraspublicaçõesavulsas.Eminvestigaçãoquerealizeiemarquivos,bibliotecaspúblicasecentrosdepesquisasespecializados4entreosanosde2013e2015

3AbrevebiografiadeAgacheaquiapresentadasebaseounacompilaçãodeinformaçõesdisponíveisemdiferentesfontescomoAzevedo e Costa (2013), Silva (1996), Coimbra Bueno (1941), alémde outros dados complementares contidas noverbete “AGACHE, Alfred Hubert Donat” da seção “autores” do site mantido pela Rede de Pesquisa “Urbanismobr”,disponívelnolink:<http://www.urbanismobr.org/bd/autores.php?id=12>.Acessoem27/04/2016às12h36m.4Os principais espaços visitados para este fim foram: a) Cidade de Petrópolis - Biblioteca Central Municipal GabrielaMistral,ArquivoPúblicodePetrópolis,BibliotecaeArquivoHistóricodoMuseuImperialdePetrópolis;b)CidadedoRiodeJaneiro:BibliotecaNacional (sessãode livros,periódicos,cartografiaehemerotecadigital),ArquivoPúblicodoEstadodoRiodeJaneiro(APERJ),BibliotecadaAssembléiaLegislativadoEstadodoRiodeJaneiro(ALERJ),BibliotecasPauloSantos(PaçoImperial),BibliotecadaFaculdadedeArquiteturaeUrbanismodaUniversidadeFederaldoRiodeJaneiro(FAU/UFRJ),BibliotecadoClubedeEngenhariadoRiodeJaneiro,BibliotecadoMuseuNacionaldeBelasArtes(MNBA)eArquivoAlziraVargas do Amaral Peixoto do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da FundaçãoGetulioVargas(CPDOC/FGV);c)CidadedeNiterói:BibliotecadaImprensaOficialdoEstadodoRiodeJaneiroeArquivodolaboratório“LevantamentoDocumentaldoUrbanismonoBrasil”daUniversidadeFederalFluminense(LDUB/UFF).

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encontreiuma infinidadededocumentos, catálogos, fotografias, imagens, reportagensecroquisquesugeremaconfecçãodeumplanodeurbanizaçãoparaPetrópolis.Noentanto,odocumentofinal que sistematizaria oplanonão foi encontrado, oque inclusive confirmaria seomesmodefatoexistiu.Apesardissoépossívelafirmarqueprincipalmenteentreosanosde1941e1942foielaboradoepublicizadoumconjuntoconsolidadodediretrizesparaaurbanizaçãodePetrópolis.Sistematizarei tal perspectiva em duas partes: 1) apresentação cronológica dos eventos e seusrespectivosdocumentos;2)apresentaçãoeanálisedaspropostaselaboradas.

OPLANOAGACHEDORIODEJANEIROEOTURISMO:BREVECONTEXTUALIZAÇÃO

Em agosto de 1927, o então prefeito do Rio de Janeiro Prado Júnior solicitava autorização doConselhoMunicipalparaabriroscréditosnecessáriosparaaelaboraçãodeumplanourbanísticoparaacapital.Naocasião,foicontratadoumgrupodetécnicoscoordenadospelopróprioAgache.Estaequipetrabalhouentreosanosde1927e1930eproduziuumdocumentointitulado“CidadedoRiodeJaneiro,extensão,remodelação,embelezamento”,ochamado“PlanoAgache”(AGACHE,1930).

AcaracterísticaquevaidiferiroPlanoAgachedasdemais intervençõesrealizadasanteriormentenoRiodeJaneiro,équepelaprimeiravezacidadeétratadaemsuatotalidade,incluindoaindaosentidometropolitano(regional)queaCapitalexerciacomoseuentorno.OPlanoDiretorsoboaspecto metodológico possuía uma perspectiva de longo prazo com a duração estimada emcinquentaanos,ouseja,paraalémdos temposdosgovernos.Apresentavaaindao zoneamento(zoning)comoinstrumentocentraldeordenamentoecontroleurbano,complementadoporumaampla legislação para dar suporte jurídico, alémde sugerir a criação de órgãos voltados para oacompanhamentoeexecuçãodoplano.

OutroaspectorelevantetratadopeloPlanoAgache,emuitopoucoanalisadopelospesquisadoresqueoestudaram,éoderecomendaroturismocomoatividadechaveparaodesenvolvimentodacidade.SegundoMachado(2005),umdospoucosautoresqueanalisaramesseaspecto,

AlfredAgachefoioprimeiroaindicaroturismocomoumfenômenoalmejadoemtodosos lugaresequenãoseriadiferenteemrelaçãoaoRiode Janeiro,que teria condições de ser um importante centro de turismo receptivointernacional, mas para isso seria necessária uma série de obras deembelezamento e estrutura, indicadas no Primeiro Plano que abordou oturismo na cidade do Rio de Janeiro, o Plano Agache, jamais plenamenteimplementado(MACHADO,2005,p.76).

Alémdetodososembelezamentoseestruturaspropostas,apreocupaçãocomoaspectoturísticoapareceráemprojetoscomoa“EntradadoBrasil”5quealémdeatenderumafunçãocívica,esseconjuntomonumental serviria tambémcomoum“portal deentrada”para receberos visitantesque chegassemaopaís.Alémdisso, ospalácios contidosnesse complexo funcionariam tambémcomocentrodearteseeventos,conformesugereAgache(op.cit.,213):

Ospaláciosqueemoldurama“EntradadoBrasil”foramestudadosdemodoaequilibraroconjuntodessapraçadehonra.OPaláciodeBelasArtesàdireita,o da Indústria à esquerda, permitem a instalação, em grandes galeriaslargamenteiluminadaseventiladas,demuseuspermanentesedeexposições

5Agache(1930,p.214-215).

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temporárias. Além de que, cada um possuirá uma grande sala paraconferências,festasecongressosdesociedadesprofissionaiseartísticas.

Observa-senos trechosabaixoque,aoseutilizar-se largamentedehipérboles,Agache (1930,p.82-4)maximiza as características estéticas da cidadedoRio, contribuindo assimpara reforçar aconstrução metafórica de “cidade maravilhosa” que se construirá como um estereótipohegemôniconaqueleiníciodeséculo.

É a interpenetração entre a natureza, mais ou menos bravia, e a cidadeedificada e ordeira que dá a capital do Brasil o seu cachet e a sua graçaespecial.Éaconjunçãoíntimaqueexisteentreacidade,amata,amontanhaeomar,queadistinguedeoutrascapitaisedeoutrascidadesde importânciasimilarefazdelaa“cidademaravilhosa”,exaltadapelosturistas,emotivodeorgulho para os seus habitantes. (...) Diante dos atrativos do Rio, a obra dohomemé,aliás,deumaimportânciarelativa.(...)depoisdoembelezamentoedo saneamento das ruas, a cidade ficou sendo, entre todas as regiõestropicais,aquelaemqueohomembrancopodemaisfacilmenteaclimar-se,eondeéacolhidoporumpovoamávelehospitaleiroentretodos,compreende-se que esse adorável jardim, que e a capital do Brasil, o Rio, esplendidocenário de sonho, se torna cada vez mais um grande centro de turismomundial, a melhor estação de inverno para os que desejam escapar abanalidade das termas ou das praias em voga e abandonar-se, ao mesmotempo, a esse repouso único que oferecem os dias de travessia sobre ascalmasondasdoOceano.

Comrelaçãoaoturismo,éválidodestacaravisãodeAgachesobreocaráterordeiro,civilizatórioeelitista almejado por essa atividade dirigida ao estrangeiro - que ele denomina de “homembranco” - restando ao habitante local apenas o submisso e subalterno papel de “amável ehospitaleiro”.

Apartirdaanálisedediversosestudos6consultadossobreoPlanoemquestão,épossívelafirmarqueelenãofoiimplementadoemseusentidoestético,massimemsuaessência,ouseja,quesuarelevânciaencontra-senasorientaçõesparaodesenvolvimento futurodacidade,assumidasempartepelasadministraçõespúblicasqueseseguiram.Alémdisso,talplanopodeserconsideradoum importante marco na institucionalização do urbanismo e do planejamento urbano comoinstrumentosdegestãonascidadesbrasileiras.Seuordenamento jurídicoemetodológicoserviudebasenão sópara inúmeras intervençõesurbanaspraticadasnopaísnosanos seguintes,mastambém como referencia na consolidação de políticas públicas. Na opinião do urbanista JoséOliveiraReis(apudFARIA,2007,p.90).

O Plano Agache teve o mérito de alertar os engenheiros municipais edespertar o interesse nos meios profissionais sobre os problemas deurbanismo. Os problemas de ordem local foram substituídos por outros deâmbito mais largos, visando a áreas maiores, interessando cada vez mais omaior númerodemunícipes.Ospequenos grupos confinados, que a políticaestreita restringia a questões meramente locais, foram sendo ampliados econsideradoscomopartedeumconjunto,tendoacidadeporumtodo.Dessepontodevistaourbanismofuncionoucomorevolucionadordementalidade.Quem provocou essa alteração em nosso meio foi, sem dúvida, o PlanoAgache.

6Rezende(1982,2012b),Underwood(1991),Silva(1996),Berdoulay(2003),Moreira(2007),Faria(2007),Pinheiro(2009)eAzevedoeCosta(2013).

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Porisso,épossívelcompreenderapolíticaurbanabrasileiraantesedepoisdoPlanoAgacheparaacidadedoRio.Nãosóoplano,masasensibilização,odebateeascríticasgeradasabremcaminhopara a profissionalização e o reconhecimento do urbanismo e do planejamento urbano não sócomoprática,mastambémcomocampodeconhecimento.Alémdisso,jáindicaoturismocomoumtemarelevantenoâmbitodaspolíticasurbanas.

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL A PARTIR DADÉCADADE1930

Operíodoposterioraoanode1930caracteriza-sepelaintervençãoestatalemdiversossetoresdaeconomiaenavidasocialqueevoluirádeformagradativaatéseconsolidarcomadeflagraçãodoEstadoNovo.SobreocenáriodesencadeadoapartirdaRevoluçãode1930, Ianni (2009)mostraque independente de seu sentido original, ela criou instituições, valores e padrões sociaisburgueses tendo como elementos centrais o intervencionismo estatal sobre a economia e aregulação das relações de trabalho. Deu-se expressivo crescimento industrial e a consolidaçãotantodeumaburguesiaquantodeumproletariadourbanos,culminandonodesenvolvimentodeum capitalismomais avançado noBrasil. Este período também foimarcado pela transformaçãodas cidades com o acelerado processo de urbanização. Este processo deveu-se a fatoressocioeconômicos - comoa jámencionada industrialização,amelhoriadascondiçõesdevidaeaconsequentemigraçãodocampoparaascidades-eaopapelinterventordoEstadopormeiodaspolíticaspúblicasedareorganizaçãodaadministraçãosegundoumaperspectivaracional.

É neste cenário que se dará os primeiros passos para a institucionalização do urbanismo e doplanejamentourbanocomopolíticasdeEstado,concretizadosnaformadeleis,planos,comissões,etodoumaparatoburocráticovoltadoparaestefim.Feldman(2010,p.3)caracterizaoperíodocomo

um momento em que as mudanças profundas no âmbito da economia, dapolítica,daorganizaçãosocial,daadministraçãopública,dodesenvolvimentourbano,noBrasil,forçama“reconstrução”desaberesepráticasurbanísticas.

Vale lembrar que este período também é marcado pela ascensão do urbanismo como campoprofissional e acadêmico, destacando-se alguns eventos relevantes como a proposição de LúcioCosta - em suabrevepassagempeladireçãodaEscolaNacionaldeBelasArtes (ENBA)entreosanosde1930e1931-secriaçãoascadeirasdeurbanismoepaisagismojuntoaEscola(CORDEIRO,2012,p.953),ainstituiçãodoConselhoRegionaldeEngenharia,ArquiteturaeAgronomia(CREA)earegulamentaçãodeambasasprofissõesem1934,alémdeumasériedeinstituições,entidadesdeclasse,eventosepublicaçõesespecializadasquevãoseconsolidarnaquelemomento.ÉnessepanoramaqueFernandes(2012,p.52)argumentaráque

Entre 1930 e 1945, estruturam-se institucionalidades, ações e quadrosjurídicosqueserãobasilaresparaoprocessoefetivodeconstituiçãodeumapolíticanacionalparaascidades,muitosdosquaisvigentesaindahojeequeauxiliama enfrentar a questãourbanaem termosde controle, proposiçãoegestão.Sãoassimconstruídasformasdeatuaçãonoperíodoquecontemplamumprogramavariadoecomplexoquevaidesdeaesferadahabitação-umadas mais agudas e presentes no período - à criação de novas cidades, aodesenvolvimento de planos diretores até a estruturação de um sistematécnicodeadministração,entreoutros.

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Enfim, importantes urbanistas - e seus respectivos escritórios especializados em elaboração deplanos–sedestacamcomoatores fundamentaistantonaspráticascomonosdebatesemtornodourbanismoedoplanejamentourbanonopaíscomoAtílioCorreaLima,os irmãosAbelardoeJerônimoCoimbraBueno,SaboyaRibeiro,NestordeFigueiredo,JosédeOliveiraReis,SaturninodeBrito Filho, Armando de Godoy e Baptista de Oliveira. No ano de 1941 esses profissionaisorganizaram o 1º Congresso Brasileiro de Urbanismo. Nessa perspectiva, Feldman (2010, p. 1)entendeoICongressoBrasileirodeUrbanismocomo“manifestopelalegitimaçãodoprofissionalurbanista portador de uma nova concepção de urbanismo – o urbanismo que a nova realidadeurbano-industrialexige”.Aautoraaindacompletaque

(...) Essa intensa mobilização no momento em que os urbanistas seconfrontam com mudanças estruturais da realidade urbana dá início àconstrução e à difusão da pauta urbanística que, pelas quatro décadasseguintes, seráperseguida,atualizadaenãonecessariamenteconsumadanoâmbitodaadministraçãopública.(Op.Cit.,2010,p.5)

Nestecongressoforamabordadasdiversastemáticasrelativasaourbanismo.Alémdetratarsobreaprópriaconceituaçãodotermoemsieseusinstrumentosdeação(zoneamento,planodiretor,dentre outros) discutiu-se também uma série de questões envolvendo a consolidação dourbanismocomocampo,assimcomoosentravesaseudesenvolvimentonopaís.

É importante salientar que o congresso também se notabilizou por abrir espaço para aapresentação de teses sobre o campo do urbanismo. Tais teses trataram de uma série detemáticas como a habitação popular, o “problema das favelas”, as discussões em torno dosaneamento,otráfegoecomunicação,anecessidadedeseaprimorarumalegislaçãourbanística,assim como outros temas transversais menos comuns a este campo naquela época, como “AProteçãodosMonumentosHistóricoseArtísticos”eporfim,oTurismo.

[astesesdo]ICongressoBrasileirodeUrbanismoexpressamummomentodesintoniadosurbanistascomasmudançasemcursonascidadesbrasileiras,eque o Congresso é parte da intensa mobilização que ocorre ao longo dadécada de 1930 no campo do urbanismo e em outros campos disciplinares[grifo meu] que atuam na formação de conhecimento sobre a realidadeurbana(FELDMAN,2010,p.5).

Dentre os campos disciplinares que estavam atuando na formação de conhecimento sobre arealidadeurbana,noâmbitodo ICongressodeUrbanismoo turismoestava inseridoentreeles.Issoficanotórioemduascircunstâncias:1)atravésdeumacomissãotemáticaintitulada“Turismoe Coordenação” e 2) na tese apresentada, no âmbito dessa comissão, pelo engenheiro AracySoares7intitulada“Oturismosobreopontodevistaurbanístico”quereproduzoaseguir:

Urbanismoéaciênciadaconstruçãodecidade,cabendo,pois,aourbanista,prepará-la sob o ponto de vista higiênico, de habitação, de tráfego,comunicações e muitos outros problemas. Sem urbanismo não pode haverturismo.Como fazer turismo seuma cidadenão for salubre? Senãopossuirhotéis que ofereçam conforto? Se não tiveram tráfego rápido e cômodo?Enfim, sem os meios necessários para proporcionar o bem-estar ao turista.Turismoeurbanismo,pois,completam-se.Ourbanismopreparaoambiente,cria-o.Oturismoaproveita-oexplorandoparaogozoebem-estarhumanos.Ourbanismo constrói as cidades, prepara-as, para que possam ser vistas,

7Durante a pesquisa não localizei informações biográficas e/ou profissionais relevantes sobre Aracy Soares. Apenasidentifiqueiqueeramembroerepresentantedo“CentroCarioca”, instituiçãoformalmenteresponsávelpelaorganizaçãodoICongressoBrasileirodeUrbanismo.

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gozadas;querpeloseupitoresco,querpeloquetemdeculto.Quersejaumaestânciabalneária,climática,ouqualqueroutrooatrativo,cabeaourbanismoprepará-la saneando, cultivando todos os recursos que possam prender aatenção do turista, a fim de torná-la mais atraente, mais saudável. Daí anecessidade da criação de um órgão nacional, independente, o“DEPARTAMENTO NACIONAL DE TURISMO”, o qual deverá funcionar emperfeita comunhão de vistas com o “DEPARTAMENTO NACIONAL DEURBANISMO”, que julgamos também deva ser criado. O DepartamentoNacional de Turismo, como órgão diretor, centralizará asmedidas e normaspara o turismo brasileiro, cabendo aos Departamentos Regionais (em cadaestado ou grupo de estados) proporcionar osmeios se tornem necessários.NosmunicípioshaveráComissõesdeIniciativas,asquais,sobapresidênciadoprefeito local, organizarão programas e outras medidas, a fim de atrair oturista,principalmentenasemquehouverestânciasbalneárias,climáticasouderepouso.

Nareferidatese,Soares(1941)propõequesejamcriadosórgãosepolíticaspúblicasparaosdoissetoresquedevemcaminharladoalado.Comisso,oautorsugerequeturismoeurbanismosãoáreasquetemqueserpensadasdeformaarticuladanoâmbitodaspolíticaspúblicasterritoriais.Mostrareiadiantequedefatoaspolíticasdirecionadasparaosdoissetorescaminharamjuntasemalgunscasos,comonoEstadodoRiodeJaneiroenacidadedePetrópolisquenessemomentojáapresentavaminstitucionalidadessemelhantesaopropostopeloautor.

OESTADONOVONORIODEJANEIRO:OTURISMONO“PLANOAMARALPEIXOTODEURBANIZAÇÃODASCIDADESFLUMINENSES”

Apósum tortuosoperíodode crises econômicas e instabilidadepolítica vivenciadaspelo estadofluminense,emnovembrode1937ErnanidoAmaralPeixotofoinomeadoInterventorFederaldoEstado concomitantemente à instauração do Estado Novo. Desde que assumiu a interventoria,Amaral Peixoto adotou a direção de reorganização fazendária e de rigidez financeira,regularizandoassimaarrecadaçãoeascontaspúblicas.Aomesmotempo foicriadooConselhoEconômicoeFinanceirodoEstado–aosmoldesdoConselhoFederaldeComércioExterior–quegradualmentefoielaborandoumaagendagovernamentalqueaospoucosseriaimplementada.Namedida em que a reforma financeira se consolidava, o estado conseguiu conceder incentivos eisenções para empreendimentos considerados estratégicos, mas também para que seviabilizassem empréstimos para obras entendidas como prioritárias ao desenvolvimento(MOREIRA,2012).Énestecenárioquesetorescomoaagricultura,indústriaeserviçoscomeçamareceber importante apoio do governo estadual com o qual puderam apresentar melhorias nodecorrer dos anos. Foram marcantes os incentivos concedidos para a implantação de grandesindústriascomoaFábricaNacionaldeMotores,aCompanhiaNacionaldeÁlcaliseaCompanhiaSiderúrgicaNacional.

Oturismofoiumdessessetoresquecontoucomrelevanteaparatodopoderestadual.AtravésdoDecreto-lei n. 429 de 24 demaio de 1938, Amaral Peixoto cria o Departamento de Turismo ePropaganda. Nomesmo ano, a Interventoria Estadual constitui as Comissões de Iniciativas nosmunicípios-atravésdoDecreton.569de29desetembrode1938-queteriamcomoincumbênciapromover,estudaresugerirmedidasqueredundassemnaexpansãodaatividadeturística.

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Aindaem1940,ointerventorlançaráoPlanodeUrbanizaçãodasCidadesFluminenses8.SegundoAzevedo(2012),esteplanodeiniciativadaSecretariadeViaçãoeObrasPúblicasdividiuoEstadofluminenseemduasgrandesáreasdeatuaçãourbanística:cidadesindustriaisnasproximidadesdoVale do Paraíba fluminense e cidades de interesse turístico nas regiões Serrana, do NorteFluminenseedos Lagos.Osplanos relativosàs cidadesde interesse turístico foram inicialmenteregulamentadospeloDecreto-leiestadualn.125de03deAgostode1940,quenoseupreâmbuloeemseusartigos1°e4ºenfatizaque:

Considerando que está o governo empenhado em promover o turismo emdeterminadas regiões do Estado, cuidando do embelezamento dasmesmas;ConsiderandoquemuitaslocalidadesdoEstadosedesenvolvemrapidamentenopresentemomento,semumplanopreviamentedefinido,nãopodendoasrespectivasPrefeiturasarcar comosencargos consequentesdos seusplanosurbanísticos e da sua fiscalização, pelo que é aconselhável a assistência doEstado. Decreta: Art. 1º: Fica a Secretaria de Viação e Obras Públicasautorizada a entrar em entendimento com as Prefeituras de Maricá,Saquarema,Araruama,SãoPedrodeAldeia,CaboFrio,AngradosReiseSãoJoão da Barra, por intermédio do Departamento de Municipalidades, paraorganizar os planos de urbanização de suas sedes e vilas. (...) Art. 4°: Asdespesasrelativasaoprojetodeurbanizaçãoesuademarcaçãocorrerãoporconta do Governo do Estado. Art. 5º: Outras prefeituras poderão gozar dasvantagens desta lei, desde que o Governo o determine por decreto (grifonosso).

Naverdade,estePlanoEstadualconstituiu-seemumconjuntodeplanosmunicipais financiadospeloGovernodoEstadoque,atravésdoDepartamentodeMunicipalidades,contratouescritóriosdeurbanismoparasuaelaboraçãoemparceriacomasprefeituraslocais.SegundoAzevedo(2012)as cidades do Vale do Paraíba ficaram a cargo do Escritório Atílio Correa Lima e as cidades deinteresseturísticonaregiãodosLagosenaregiãoSerranaficaramporcontadoescritórioCoimbraBueno e Cia. Ltda. A autoramostra também que a contratação dos escritórios não se deu emconjunto,poisrealizou-seumcontratoparacadamunicípiocomdistinçõesnotempodeexecução,nos conteúdos e nos valores. Certamente devido às particularidades e às negociaçõesempreendidascomcadalocalidade.

“PETRÓPOLIS VAI ‘AGACHAR-SE’”: A PASSAGEM DE ALFRED AGACHE EMPETRÓPOLISNOINÍCIODOSANOS1940

Emjaneirode1941,diferentesjornaisnoticiaramqueoentãoprefeitoCardosodeMiranda,haviaconvidado o urbanista francês Alfred Agache, para elaborar um plano de urbanização para acidadedePetrópolis.ApesardeosjornaisdaremmaiordestaqueafiguradeAgache,valeressaltarqueourbanistafrancêsatuavanoBrasilcomoconsultortécnicojuntoaoescritóriodeengenhariaCoimbraBueno&Cia.Ltda.depropriedadedosirmãosJerônimoeAbelardoCoimbraBueno.Esteúltimo, inclusive, acompanhava Agache nos trabalhos, negociações, entrevistas e conferências.Percebe-se que o convite do prefeito Cardoso de Miranda foi extensivo ao Escritório CoimbraBueno,mesmo escritório que fora contratado pelo governo estadual para elaborar planos paradiversas cidades fluminenses nesse mesmo período. Tal consideração me leva a crer que a

8Conhecido tambémcomo “PlanoAmaral PeixotodeUrbanizaçãodasCidades Fluminenses”. Localizei dois importantesdocumentosestaduaisqueregulamentamoreferidoPlano:1)Decreto-leinº125,de3deAgostode1940quedispõesobreaorganizaçãodeplanosdeurbanizaçãoparamunicípiosdeinteresseturísticoe2)Decreton°1024,de18deAbrilde1941queampliaaatuaçãodoPlano,propondotambémaurbanizaçãodealgunsmunicípiosdoValedoParaíbafluminenseparafinsindustriais.

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iniciativadeCardosodeMirandaestavaarticuladaàsproposiçõesdopoderestadual,apesardasnotícias não evidenciarem isso. Vale ainda ressaltar ainda que poucosmeses antes Cardoso deMiranda foraSecretáriode Interiore JustiçadogovernodoEstado.O JornalCorreiodaManhã9trouxeaseguintenotícia:

Petrópolis,23(A.N.)-OprofessorAgache,técnicofrancêsemurbanismo,quefoi convidado pelo prefeito Cardoso de Miranda, para elaborar o plano deurbanização local, esteve, com esse fim, nesta cidade, tendo percorridodemoradamenteosseuspontosprincipais,emcompanhiadoseucolaborador,engenheiro Guilherme Eppinghauss 10 . Falando à imprensa daqui, aqueleurbanista declarou que, em toda sua carreira não havia encontrado uma sócidade com tão valiosas possibilidades para um trabalho perfeito deremodelação e urbanismo. Disse ainda que Petrópolis, era para si, nesseterreno, a única até hoje, e, por isso, após ser urbanizada e remodelada,poderiasecolocarentreasmaisbelascidadesdoBrasil,quiçádomundo(p.05).

É provável que esta visita de Alfred Agache a Petrópolis deveu-se às primeiras tratativas eentendimentosentreaprefeitura local e aequipe responsávelpelo futuroplano, assimcomoàrealizaçãodediagnósticosiniciais.OjornalOGlobo,aonoticiartalevento,acrescentariaaindaque

OprofessorAgache,depoisde terpercorridoa cidadeemcompanhiadoSr.Eppinghauss, diretor de Engenharia da Prefeitura, exprimiu uma impressãogeral favorável do que pode observar e solicitou que lhe fossem fornecidasplantasdacidadeedocumentosdescritivosda fundaçãodePetrópolise suaevolução para servirem de base no tocante às tradições locais. O urbanistafrancêsinteressou-separticularmenteemconhecerosvaleseoutrosdetalhestopográficoscomoobjetivodeorientar-seacercadaquestãodasentradasdacidade;umadoRioeoutradointerior,equantoaosproblemasdecirculação.Depois de ter em mãos os dados solicitados, o professor Agache subiránovamenteafimdeaquipassaralgunsdiasematividade.(...)[Agache:]“(...)acidadeofereceproblemas importantesa resolver,antesdemaisnada,e sãoeles os criados pela sua topografia toda especial.” O prof. Agache veio emcompanhia do engenheiro Abelardo Coimbra Bueno, um de seuscolaboradores11.

OJornalDiáriodeNotícias12,aomesmotempoemqueproclamaumtomenaltecedoràiniciativa,dá destaque a uma advertência de que o plano elaborado por Agache para a cidade do Rio deJaneironãohaviasidoplenamenteexecutado.

A urbanização de Petrópolis pode adaptá-la a um dos mais vantajososfinalismos da sua existência: o turismo. Uma sumidade como o Sr. Agachefacilmentecompreenderáqueénecessáriotirarumpartidoturísticodoplanodeurbanismoqueseprojeta.(...)Maséprecisoqueoplanoseexecute.Queoexemplodanossaplaníciepoupedoseuinfelizcontagioarainhadaserra...(p.04).

9Fonte:AURBANIZAÇÃOdePetrópolis.CorreiodaManhã,RiodeJaneiro,24janeirode1941.p.5.10Naépocareferida,oengenheiroGuilhermePedroEppinghausseraDiretordoDepartamentodeEngenhariadaPrefeituraMunicipaldePetrópolis,nomeadoatravésdoAton.30,de02deAbrilde1940.11REMODELAÇÃOimediatadePetrópolis.OGlobo,22deJaneirode1941,matutino,geral,p.02.12URBANIZAÇÃOdePetrópolis.DiáriodeNotícias,21deJaneirode1941.p.04.

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No dia 20 de fevereiro - menos de um mês após as notícias destacadas - foi protocolado umrequerimento na Prefeitura intitulado “Proposta para Elaboração do Plano de Urbanização daCidadedePetrópolis,apresentadaaoPrefeitoMunicipalDr.MarioCardosoMiranda”13.Trata-sedeumanteprojetoredigidopeloEscritórioCoimbraBuenoeCia.Ltda.afimdeprepararumPlanode Urbanização para Petrópolis. O referido documento apresenta em sua primeira parte ummemorialdescritivodaequipeenvolvida,os trabalhos já realizados tantopeloescritórioquantoporseuconsultorAlfredAgache.Estedocumentomostra, inclusive,queAgacheeraconsultordareferidafirmaenãoocontrário,comosugeriaajádestacadanotíciadojornalDiáriodeNotícias14,quetratouAbelardoCoimbraBuenocomoumdos“colaboradores”deAgache.

Na sua segunda parte o documento traz umaproposta para a elaborar o plano de urbanizaçãopara a cidade. Ali já adiantava alguns diagnósticos preliminares, as linhas mestras para seudesenvolvimento, a especificação dos serviços a serem realizados pelo escritório, os dados quedeveriamserfornecidospelaprefeituraeoorçamentopelosserviços.Alémdisso,orequerimentotambémpossuiumacartaassinadaporAgachesolicitandoaoprefeitoCardosodeMirandaumasériededadosedocumentossobreomunicípio,afimdesubsidiaraelaboraçãodoplano.

Umdespachoanexadoaoprópriorequerimentomostraqueaprefeituranegoupreliminarmenteaproposta apresentada por dois motivos: 1) o valor proposto para a elaboração do plano,965:000$000 (novecentos e sessenta e cinco contos de réis), estava acima da disponibilidadeorçamentáriadomunicípio;2)parapagarovalororçado,queestavaacimadolimitelegalexigidopara dispensa de concorrência, a prefeitura deveria abrir um processo de licitação pública. Oreferidodespachotrazaseguinteredação:

(...)oDecreto-LeiEstadualnº10,de12deSetembrode1939,estabeleceuquetodas as obras e serviços públicosmunicipais cujos valores excedamde 100contos,paraasPrefeiturasdereceitaorçamentáriasuperiora800contos,sópoderãoserobjetodecontratodeconcessãomedianteconcorrênciapúblicaqueterálugarnoedifíciodoDepartamentodeMunicipalidadesemNiterói.

Em12desetembro,oescritórioCoimbraBuenorealizaumacontrapropostaparaaPrefeitura15.Em linhas gerais, a firma propõe que tanto a elaboração do plano de urbanização e das obrasesboçadasbemcomoasdesapropriaçõesprevistassejamfinanciadospelopróprioescritório.Talfinanciamento seria coberto pela valorização dos terrenos após a realização das melhoriasprevistasnoplano.Acontrapropostatrazoseguintetexto:

1º:APrefeiturapromoveráadesapropriaçãodosterrenosaserementreguesà firma, a fim de serem retalhados, beneficiados, e vendidos por ela, paracobertura das despesas; 2º: A firma promoverá o financiamento: a) daelaboraçãodoplano,b)dasdesapropriações,c)daexecuçãodasobras;3º:Afirma fará por sua conta, os estudos necessários incluindo o anteprojeto doplanodeurbanizaçãodacidade,compreendendoas linhasmestrasdoplano,com a localização das áreas a serem desapropriadas, etc. (...). Planos assimideados,játemsidopraticadosnoestrangeiro(como,porexemplo,emParis,para a execução do Boulevard Haussmann), articulando-se as iniciativas

13COIMBRA BUENO Ltda. Proposta para Elaboração do Plano de Urbanização da Cidade de Petrópolis, apresentada aoPrefeitoMunicipalDr.MarioCardosoMiranda.Requerimenton°1904/41.Petrópolis,20/02/1941.Fonte:ArquivoHistóricodePetrópolis.14URBANIZAÇÃOdePetrópolis.DiáriodeNotícias,21deJaneirode1941.p.04.15COIMBRABUENOLtda.CartaendereçadaaoPrefeitoMunicipalDr.MarioCardosoMiranda.Requerimenton°9087-41.Petrópolis,12/09/1941.Fonte:ArquivoHistóricodePetrópolis.

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privadas com os poderes públicos na execução dos benefícios de utilidadecoletiva. No Brasil entretanto, tais iniciativas são ainda novidades. A nossalegislação só nos últimos anos vem sendo orientada para este desideratum,estandojádefinida,nassuas linhasmestras,masfaltando,ainda,umarotinaadministrativa, já fixada, que possa servir de norma a todos os processos eatos administrativos necessários, circunstâncias essas que irão certamentedificultarotrabalhodeV.Excia.nessatarefa.

Aindaemdezembrode1941,oprefeitoCardosodeMirandabaixaumaPortaria16recomendandoque os processos relativos à construção de edificações demaior porte sejam encaminhados aoexame dos organizadores do plano de urbanização antes de serem apreciados pelos setorestécnicosdaprefeitura.EsseéoprimeiroatomunicipalqueatribuiresponsabilidadesaoescritórioCoimbraBueno. Em janeirode 1942 a firmaCoimbraBuenoprotocola umaminutade contratojunto a Prefeitura de Petrópolis17. Tal documento detalha como seria a elaboração do plano, aconstituiçãodeumaempresa concessionáriaparaadministraros terrenosdesapropriados, alémde especificar como seria o financiamento das obras e as contrapartidas oferecidas pelo poderpúblico. Tal requerimento tramita nos setores técnicos da Prefeitura e do Departamento deMunicipalidadesdoGovernodoEstado. Issodeixa claroque,pelomenosatéo finaldeabril de1942,aprefeituraeoescritórionãotinhamaindafirmadoumcontratoformal,masapesardisso,oEscritóriojáestavatrabalhandoefetivamentenapreparaçãodoplano.

Nesse meio tempo, no dia 28 de fevereiro de 1942, Alfred Agache proferiu uma conferênciaintitulada “Petrópolis: CidadedeVerão”no SalãoNobredoPaçoMunicipal.AcompanhadopeloEngenheiro Abelardo Coimbra Bueno, Agache teria apresentado um esboço geral do Plano deUrbanizaçãoqueestava sendoelaboradoparaa cidade.Este certame foi amplamentenoticiadopela imprensa local e da capital federal18. Quatro dias depois, o jornal “A Noite”19entrevistouAgachenasededoEscritórioCoimbraBuenonacidadedoRiodeJaneiro.Nessaocasião,Agachedetalhou o que falou na conferência, ou seja, as propostas para o plano de urbanização dePetrópolis. Estaentrevistaéumdosprincipaisdocumentosque localizei sobreo referidoplano,poisexpõeaconcretudedaspropostas.

Namesma edição, o jornal noticiaria a visita de Agache ao escritório que estava elaborando oPlanodeUrbanizaçãoparaobairroQuitandinha20.Naocasião,Agachemencionaraqueoplanodocomplexo Quitandinha “se conjuga admiravelmente com o plano de urbanismo que estouprojetandoparaPetrópolis”21.Ajámencionadaediçãodojornal“ANoite”tambémteriaumpreçoalto para Agache. Em 05 demaio domesmo ano, o então Conselho Regional de Engenharia e

16PrefeituradePetrópolis.Portarian.150de4deDezembrode1941.17COIMBRABUENOLtda.MinutadeContratoaserfirmadoentreafirmaCoimbraBuenoCia.Ltda.,aPrefeituraMunicipaldePetrópoliseoGovernodoEstadodoRiodeJaneiroparaElaboraçãodoPlanodeUrbanizaçãodaCidadedePetrópolis.Requerimenton°391/42.Petrópolis,13/01/1942.Fonte:ArquivoHistóricodePetrópolis.18Alguns dosmeios de comunicação que noticiaram a conferência: Revista Pequena Ilustração (08 demarço de 1942);TribunadePetrópolis(01demarçode1942)eJornaldePetrópolis(01demarçode1942).19AFISIONOMIAURBANÍSTICADEPETRÓPOLIS:oplanoqueoprofessorAgacheelaborouparaa“CidadedasHortências”–os diferentes bairros –Novas avenidas, parques e jardins – Tornando o belomais bonito ainda. JornalA Noite. Rio deJaneiro,04deMarçode1942,p.1-2.20CONJUGA-SE ADMIRAVELMENTE! A valiosa opinião do Prof. Alfredo Agache sobre o novo Hotel em construção emPetrópolis. JornalANoite.Riode Janeiro,04deMarçode1942,p.4.Apesardanotícianãomencionar, acreditoqueoescritóriovisitadoéodoEngenheiroSaboyaRibeiro.MostrareimaisafrentequeoPlanodeUrbanizaçãodonovobairroQuitandinhafoiassinadoporesteescritório.21Ibid.

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Arquitetura daQuinta Região (CREADistrito Federal, Rio de Janeiro e Espírito Santo) emitiria oseguinteAutodeInfraçãoparaAgache:

Autodeconstataçãodeinfraçãon.857:AlfredoAgache(...)tendoinfringidoasdisposições do art. 1.° do decreto n. 23.569 de 11 de dezembro de 1933,conformefoiverificadopelafiscalizaçãodesteConselho,terelaboradooplanodeurbanizaçãoda cidadedePetrópolis, EstadodoRiode Janeiro, conformedeclaraçõesfeitasaojornal"ANoite"epublicadaemsuaediçãofinalde4demarço do corrente ano, sem se achar habilitado ao exercício da profissãoperante este Conselho Regional, infringindo assim, a citada disposição dodecreton.23.569,ficaintimadoa,dentrodoprazode30(trinta)dias,acontarda publicaçãodopresente autode constataçãode infraçãonoDiárioOficialdos Estados Unidos do Brasil, apresentar a defesa que tiver, sob pena derevelia bem como a efetuar, dentro do mesmo prazo acima concedido, naTesourariadesteConselho, (...)opagamentodamultade500$0(quinhentosmilréis),deconformidadecomoart.38,letraa,dodecretoacimareferidoeem virtude do fato supra mencionado, sob pena de, não o fazendo, serenviadoocompetenteautodemulta,independentementedenovaintimação,àautoridadejudiciária.22

O Decreto nº 23.569 de 11 de dezembro de 1933, que regulava o exercício das profissões deengenheiro,arquitetoedeagrimensornoBrasilapartirdaqueleano,previaqueosprofissionaisestrangeirosdeveriamterseustítulosrevalidadosnopaíseaindapossuirregistronoCREAda(s)região(ões)quefossematuarprofissionalmente.Omesmodecretotambémdisponhaque:

Art.4ºAosdiplomadosporescolasestrangeiras(...)que,àdatadapublicaçãodestedecreto,exerciamaprofissãonoBrasil,eregistraremosseusdiplomasdentrodoprazodeseismeses,contadosdadatadareferidapublicação,serápermitido o exercício dasprofissões respectivas. Art. 5º Só poderão sersubmetidos ao julgamento das autoridades competentes e só terão valorjurídicoosestudos,plantas,projetos, laudosequaisqueroutrostrabalhosdeengenharia, arquitetura e agrimensura, quer públicos, quer particulares, dequeforemautoresprofissionaishabilitados,deacordocomestedecreto,easobrasdecorrentesdesses trabalhos, tambémsópoderão serexecutadosporprofissionaishabilitados,naformadestedecreto.

Aoque tudo indica23,Agachenãohavia realizadoatéentãoessesprocedimentos, ficandoassimimpedidodeatuarprofissionalmentenopaís.Aimprensadaépocarepercutiuareferidainfraçãonos dias posteriores24. O jornal O Globo em sua edição vespertina no dia 16 do mesmo mês,realizouumaentrevistacomAlfredAgachenoescritórioCoimbraBuenonoRio.Emtalentrevista,intitulada “Não é de Agache o plano de urbanização de Petrópolis”, o urbanista se defendeafirmandoque:

Se realmenteexisteoplanodeurbanizaçãoda cidadedePetrópolis, não foicriadopormim.E,alémdetudo,nãohánenhumcontratofirmadoentremim

22Fonte:DiárioOficialdaUnião.(SeçãoI).ImprensaNacional.RiodeJaneiro,07deMaiode1942.p.7556.23Nãoencontrei, juntoaoatualCREA/RJ,oprocessoorigináriodoAutodeInfração857doanode1942.Aservidoraquemerecebeunainstituiçãonodia28julhode2014informouquetodaaparterelativaàmemóriadoCREA/RJ(CentrodeCulturaeMemória,BibliotecaeArquivo)estavapassandoporumaamplareformulaçãoeoarquivoeabibliotecaestariamfechados para consulta. Esta servidora indicou o e-mail do responsável pelo arquivo. Tentei contato com esta segundapessoaparatentaragendarumavisita,masnãoobtiveretorno.24MultadooSr.Agache!Jornal“OGlobo”.13/05/1942(vespertino),p.3.

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e a Prefeitura da bela cidade serrana, no que diz respeito à elaboração doplanodeurbanização.Porissomesmo,nãovejocomomecaberapenalidadequeme é imposta. Certamente, a celeuma foi suscitada pela entrevista queconcediaumvespertino.Quaseaomesmotempo,convidadoespecialmentepelo então prefeito da cidade, Sr. Cardoso de Miranda, levei a efeito umaconferênciasobreaquelamatéria.Fiznessaminhapalestra,éverdade,certonúmero de sugestões visando o futuro urbanístico de Petrópolis. Foi o querealmenteaconteceu.(...)Comovê,nãosetratadenenhumplanoouprojeto,nem de direção ou fiscalização de serviços de que não fui encarregado porninguémedosquais, também,pormeu turno,nãoencarregueininguémdeexecutar.Mas, deuma coisa fique certo. Se realmente eu tivesse elaboradoum plano para a urbanização de Petrópolis, pagaria de bom grado a multareferida.

Comopodeserobservado,AgachenãosónegouaautoriadopossívelplanodePetrópolis,mastambémdosoutrosplanosnoBrasilque lheeramatribuídosapartirdeseuretornoaopaísem1939atéadatadaentrevista.SobresuasatribuiçõesjuntoaoescritórioCoimbraBueno,Agacheprossegue:

Minha função se resume tão somente em ser conselheiro auxiliar junto aosescritórios técnicos dos irmãos Coimbra Bueno. Não me preocupam asconfecções técnicas de planos e projetos. Estes são elaborados pelosengenheirosearquitetosquecompõemocorpotécnicodoescritório.Minhasatribuiçõesseresumemàpropaganda,àfeituradecomentários,conferênciase artigos para a divulgação do urbanismo, bem como às relações com asMunicipalidades e os jornais. De resto, nenhum dos planos e projetoselaboradospelosescritóriostécnicosdos irmãosCoimbraBuenoéexecutadopor mim. Mas, se não pedi minha inscrição junto ao Conselho Nacional deEngenharia, o que deveria ter feito em 1933, foi unicamente devido àcircunstância de não estar no Rio de Janeiro no lapso de tempo concedidoparaessainscrição.

Nos diferentes documentos consultados, uma contradição aparece de forma notória. NosrequerimentosdirecionadosàPrefeitura,ouseja,nosdocumentosoficiaisdecunhomais formalcomo propostas técnicas eminutas de contrato, fica evidente a apresentação de Agache como“consultor”dafirmaCoimbraBueno,apesardenãotransparecerquaisseriamsuasatribuiçõesnosprojetos. Tais requerimentos vêm timbrados pelo escritório e aparecem assinados por um dosirmãos Coimbra Bueno25. Além disso, o próprio texto dos requerimentos deixa claro que oconjunto do trabalho seria executado pelo Escritório e sua equipe, na qual Agache tambémparticipava.

Apesardisso,éválidonotarqueemdiferentessituaçõesopróprioAgacheseapresentavacomoautor principal dos planos. Um exemplo pode ser observado numa carta assinada por ele eendereçadaaoprefeitoCardosodeMiranda–quealiásestáanexadaemumdosrequerimentos-dandoaentenderqueeleestavaafrentenãoapenasdosestudos,mastambémdasnegociaçõesdosupostoplano:

ExcelentíssimoSenhor;ConformeoentendimentoquetiveahonrademantercomV. Excia., sobre os estudos preliminares para a elaboração do Plano deUrbanização dessa cidade, volto a presença de V. Excia. para enaltecer ospontosqueseseguem:1ºUmavezqueoPlanodeveráestarelaboradopelaocasiãodoCentenáriodacidade,nãohátempoaperderparaosestudos;2º

25Vários dos documentos localizados constam uma assinatura onde é possível ler os dizeres “Coimbra Bueno”, mas oprimeironomenãoaparece,oquemelevaacrerquepodeserdequalquerumdosdoisirmãos,JeronymoouAbelardo.

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Preciso,assim,desdelogo,prepararadocumentaçãopreliminar,antesmesmode processado o contrato respectivo, demaneira a poder iniciar os estudospropriamenteditos,tãologotalcontratosejafirmado;(...)26

AsafirmativasdeAgachenaprimeirapessoadosingularserepetirãoemalgumasentrevistasqueeleconcedeusobreoplanopetropolitano,comonojácitadotrecho:“seconjugaadmiravelmentecomoplanodeurbanismoqueestouprojetandoparaPetrópolis”27.Conformejádemonstrado,osjornais–pelomenososdatadosatémarçode1942-apresentamAgachecomooprincipalautordos planos. Quanto aos irmãos Coimbra Bueno, quando erammencionados, era-lhes reservadoapenasopapelde“colaboradores”dourbanistafrancês.

É possível, ainda, que a repercussão negativa do auto de constatação de infração tenhaatrapalhadooandamentodasnegociaçõesentreaprefeituradePetrópoliseoEscritórioCoimbraBueno.Apesardenãoter localizadodocumentosoficiaisqueendossemestahipótese,énotávelpelosjornaisdaépocaaelevadaadmiraçãoqueafiguradeAgachecausavaemdiferentesmeios.Eramquase hegemônicos os elogios endereçados a suas ações e tambéma sua pessoa. Após aconferênciaqueeleproferiunacidadeemfevereirode1942,tantoaimprensalocalquantoadoDistritoFederal foramunânimesnoselogios.Quandoacríticaaparecia,eradirecionadaaosquenãocumpriramostraçadosqueAgacheestabelecia,comonocasodoPlanodaCidadedoRiodeJaneiro que foi arquivado numprimeiromomento. A coluna da Revista “Pequena Illustração” éemblemáticanessalinha:

Petrópolisvai"agachar-se",querodizer,vaiserremodeladaemsuafisionomiapelofamosourbanistafrancêsprofessorAlfredoAgache,omesmoquenoRioe outras cidades realizou coisas do arco da velha. Vão desaparecer as ruastortuosasemalcalçadas;osparquesejardinstraçadossemomenorsentidode arte e estética e os prédios do centro da "urbs" obedecerão a um estilouniforme. Surgirão assim esplendidas avenidas e belos jardins; o que já ébonitomaisbeloficará.

A "Cidade dasHortênsias" (e por falar nisso, onde estão elas?) preferida do"grand mond" (sic) que nela passa os meses de estio, vai transformar-sedentroempoucotemponaverdadeira"Rainhadetodasasserras".

Por fim, em sessão ordinária realizada no dia 09 de novembro de 1942, o CREA resolveu pelocancelamentodoautodeconstataçãodeinfraçãon.857impostoaAgache28.Nãoconseguidadossuficientes para mensurar se, a partir disso, Agache passou a ter sua situação profissionalregulamentada ou se o CREA apenas cancelou este auto de infração específico, continuando ourbanistacomrestriçõeslegaisdeatuaçãonopaís.

Em vista de todos esses fatos e contradições, acredito que três hipóteses não podem serdescartadas: 1) Agache e os irmãos Coimbra Bueno trabalharam em parceria nos planos doperíodo; 2) estaria Agache utilizando o nome dos engenheiros Coimbra Bueno para assinar osprojetos que ele próprio elaborava no país, na medida em que estava legalmente proibido derealizá-los;ou3)seriaAgacheapenasum“relaçõespúblicas”doEscritório,conformeelepróprioafirmara,eosCoimbraBuenoosreaisautoresdostrabalhos.Comonãofoipossívelcomprovare

26CARTADEALFREDAGACHEendereçadaaoPrefeitoMarioCardosodeMiranda.In:COIMBRABUENOLtda.PropostaparaElaboração do Plano de Urbanização da Cidade de Petrópolis, apresentada ao Prefeito Municipal Dr. Mario CardosoMiranda.Requerimenton°1904/41.Petrópolis,20/02/1941.Fonte:ArquivoHistóricodePetrópolis.27Ibid.28Fonte:DiárioOficialdaUnião.(SeçãoI).ImprensaNacional.RiodeJaneiro,11deDezembrode1942.p.18003.

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nemdescartarnenhumadashipótesesindicadas,opteipormencionaro“plano”ouas“propostas”comodeautoriadapessoajurídica“EscritórioCoimbraBuenoeCia.LTDA”,poistaldenominaçãoabrangeria tantoos irmãosengenheirosCoimbraBueno,AlfredAgache -quecomprovadamenteprestouserviçosparaesseescritório,mesmoqueanaturezadestesserviçosnãofiqueevidente-,alémdetodaaequipetécnicaenvolvidanasações.

Oquedefatosepercebeéquedesdeapublicaçãodoautodeinfraçãoemmaio,aimprensapassaa dar mais destaque à figura de Abelardo Coimbra Bueno, enquanto Agache aparecerá maisdiscretamente.IssoénotórionasentrevistaseapresentaçõesqueAbelardocomeçaarealizaremnome do Escritório a partir de então. Foi assim em junho de 1942 quando o jornal Correio daManhã estampou na reportagem intitulada “Petrópolis e seu grandioso plano de urbanização,extensãoeembelezamento”29,aslinhasgeraisdoplanoeatribuindoaelaboraçãodomesmoaosirmãos Coimbra Bueno, semmencionar o nome de Agache. Vale lembrar que ainda nomês deabril,CardosodeMirandapediraexoneraçãodocargodeprefeitoeoengenheiroMárciodeMeloFranco Alves é nomeado em seu lugar. Na prática, as duas figuras centrais envolvidas nanegociaçãodoplanopetropolitano,AgacheeCardosoMiranda,foramgradualmentesubstituídaspor Abelardo Bueno e Márcio Alves. Em uma das entrevistas de Abelardo Bueno, o urbanistadestacaque:

Em Petrópolis, cujos estudos vêm sendo feitos há quase dois anos, oengenheiro Márcio Alves, tão logo assumiu a Prefeitura se interessou daslinhasmestrasda remodelação.Enenhumaprovidência toma sem tê-lasemmente30.

Entreosmesesdeagostoe setembrode1942,ocorreunos salõesdoMuseuNacionaldeBelasArtes(MNBA)aexposição“UrbanismonoEstadodoRiodeJaneiro”.Talexposiçãovisavadivulgaros planos e estudos de urbanismo que se encontravam em elaboração ou implementação nosdiferentesmunicípiosfluminenses.SegundoojornalCorreiodaManhã31:

Nessa Exposição, que ocupa todos os salões e galerias do museu, éapresentada,emprimeirolugar,acidadedeNiterói,seguindo-seasdemaisnaseguinte ordem: Barra do Piraí, Campos, Cabo Frio, Araruama, Atafona,Maricá, Petrópolis e o seu novo bairro, Quitandinha. Os estudos relativos àremodelaçãodeNiteróisãoexpostospelaCia.MelhoramentosdeNiterói.Osde Barra do Piraí são de autoria do professor Lincoln Continentino. Os deMaricá foramfeitospelostécnicosdoDepartamentodasMunicipalidadesdoEstado do Rio.Os demais, compreendendo todas as cidades, são de autoriadosengenheirosCoimbraBueno, inclusiveapartegeraldePetrópolis.OsdonovobairrodoQuitandinhaforamelaboradospeloprofessorSaboiaRibeiro.

Nesta Exposição, Abelardo Bueno despontará como porta-voz quando proferiu discursos econcedeuentrevistasaosjornaisemnomedoEscritório,papelantesdesempenhadoporAgache.

29PETRÓPOLISeseugrandiosoPlanodeUrbanização,ExtensãoeEmbelezamento.CorreiodaManhã.RiodeJaneiro,19deJunhode1942,p.15.30CORREIODAMANHÃ. “UMPIONEIRODOURBANISMO - Como o engenheiro Abelardo Coimbra Bueno ‘construtor dacidadeGoiânia’consideraosproblemasdeurbanismoeasiniciativasdaadministraçãoAmaralPeixoto”.RiodeJaneiro,13deagostode1942,p.3.31CORREIODAMANHÃ. “A inauguraçãodaexposiçãodeurbanismodoEstadodoRio”.Riode Janeiro,09deagostode1942,p.21.

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Curiosamente, as últimas notícias encontradas que fazem menção direta à elaboração de umplanodeurbanizaçãoparaPetrópolisadvémdareferidaexposiçãoocorridanoMNBA.

OutroeventoquenãopodeserignoradoequeinfluenciarádecisivamentenasaçõespolíticasnoperíodoéaparticipaçãodoBrasilnaSegundaGuerraMundial.ApesardeoBrasilsóterdeclaradooficialmente guerra às potências do Eixo em 22 de Agosto de 1942, os reflexos econômicosperante o conflito internacional já se acirravam no país algunsmeses antes. Ainda emmaio, ogoverno brasileiro havia decretado um primeiro racionamento de petróleo e seus derivados(Decreto-lei nº 4.292, de 7 demaio de 1942). Com a declaração de guerra, o racionamento seagrava.Afetaprimeiramenteosetordetransportes,produzindoumefeitoemcascatanasáreasde abastecimento, indústria e agricultura. Um dos setores afetados nessa conjuntura é o deconstrução civil eobraspúblicas.Nesse cenário, é criadaaComissãodeMobilizaçãoEconômicaqueirádirecionarossetoresquedevemreceberos investimentosprioritáriosnaquelemomentodeexceção.Umanotóriaconsequêncialocalfoiarestriçãoimpostanaagendadegastosprevistospelos governos. É possível que a elaboração e execução do plano de urbanização tenha sidoreduzida ou adiada. Enfim, até o dia 16 de março de 1943, o plano de urbanização não foielaborado, sequer implementado.Apesardonotório apoiodonovoprefeitoem levar adianteainiciativa, tal empreendimento não chegou a fazer parte das comemorações do Centenário dacidade,conformeeraideiainicialdoprefeitoCardosodeMiranda.Apesardisso,amesmaediçãocomemorativade“ANoiteIlustrada”,trazaseguintenota:

Cadastro de Petrópolis: Engenheiro, uma das primeiras preocupações do Sr.Márcio Alves, ao assumir o governo municipal, foi concretizar o CadastroPredial e Imobiliário de Petrópolis. Esse serviço era indispensável à obra deurbanizaçãodametrópoleserrana,sabendo-sequeocadastroéabasetécnicade qualquer intento urbanístico, sem o qual a urbanização defronta-se comdificuldades irremovíveis.O serviço doCadastro já vai bemadiantado e, atéagora, mais de 2.000 prédios e outros imóveis foram cadastrados,prosseguindo-seosrespectivostrabalhos32.

AsnotíciasindicamquenadatacomemorativadoCentenáriooEscritórioCoimbraBuenoestariatrabalhandonapreparaçãodaplantacadastraledocadastroimobiliáriodomunicípio.Comotaisserviçoseramtidoscomoetapaspreliminaresdeumplanodeurbanização,anotíciaacimadáaentender que o plano estava começando a ser elaborado, apesar de não oferecer maioresdetalhes. Mas, a partir de março de 1943, raros foram as notícias e documentos encontradossobre uma possível continuidade do plano ou sobre uma formalização definitiva entre o poderpúblicoeoEscritórioCoimbraBueno.Encontreiapenasduaspequenasnotasnoperiódico local“Pequena Illustração” (1943 e 1944),33mencionando a necessidade da Prefeitura realizar umempréstimoparapagarosserviçosdeelaboraçãodaplantacadastraledocadastroimobiliário,oquemelevaacrerquetalserviçoaindanãohaviasidoconcluídoemmaiode1944.Eainda,nãoesclarece se de fato já existia um contrato firmado entre a Prefeitura e o Escritório CoimbraBueno.

ApesardessaimprecisãoquantoacontrataçãoounãodoEscritório,assimcomoaincertezasedefato existiu um documento final que sistematizasse tal plano, algumas imagens atribuídas aomesmo foram localizadasemdiferentesmeios.Umadelas,denominadasde“PraçaD.Pedro II -

32PETRÓPOLIS e sua administração atual. In: REVISTA A NOITE ILUSTRADA. (Edição Comemorativa do Centenário dePetrópolis);N.739;RiodeJaneiro,4demaiode1943,p.37.33REVISTA PEQUENA ILLUSTRAÇÃO. Ano XIII; N. 634. Petrópolis, 14 de novembro de 1943, p. 3 e REVISTA PEQUENAILLUSTRAÇÃO.AnoXIII;N.661.Petrópolis,21demaiode1944,p.3.

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Estudo”assinadapeloEscritórioCoimbraBuenoeamplamentereproduzidaspordiferentesmeiosde comunicação durante o ano de 1942, sugerem uma abrangente proposta de remodelaçãoviária,paisagística,arquitetônicaeurbanísticadaregiãodapraçacentraldacidade-denominadaaindahojedePraçaD.PedroII,conformerepresentadasabaixo:

Figura1:PraçaD.PedroII–Estudo(CoimbraBuenoCia.Ltda.)

Fonte:ArquivoLDUB/UFF

Observado o levantamento documental, não fica evidente a contratação do escritório CoimbraBuenopelopoderpúblicoparaelaboraroplanopetropolitano,diferentementedoqueAzevedo(2012)apresentaparaoutrosmunicípiosfluminensescomoAraruamaeSãoJoãodaBarracomsuaestaçãobalneáriadeAtafona,ondeaautoralocalizouoscontratosfirmadosentreoescritórioeoGoverno do Estado. Neste sentido, a própria existência de um plano de urbanização paraPetrópolisnoperíodoaindaéquestionável.

Oquechamoatençãoaquiéque,independentedeumplanotersidopublicizadoounão,algumasdessaspropostasserviramcomodiretrizesparaodesenvolvimentourbanopetropolitanonosanosposteriores, quando parte delas se concretizaram. Procurarei, a partir dos documentosapresentados, sistematizarasprincipais ideiasepropostasapresentadaspeloEscritórioCoimbraBueno,paraemseguidaenfatizaroaspectoturísticoqueelatraz.

Apresentaçãoeanálisedaspropostas

Deantemão,percebiumaprofundasemelhançaecomplementaridadeentreoPlanoqueAgacheelaborouparaacidadedoRiodeJaneiroeaspropostasdafirmaCoimbraBuenoparaPetrópolis,mesmoqueembrionárias,dispersasepoucodetalhadassecomparadasàs426páginaspublicadasdeestudos,diagnósticos,proposições,mapasemodelosdoplanocarioca.Asemelhançaprimeiraquesepercebeentreambosésobreopontodevistateóricoemetodológico.Osdoisestudossãomarcadospeloaspectofuncionalexpressonosdiscursosenasações,ondeoplanodiretorcomométodo e o zoneamento como instrumento são norteadores em ambas as propostas. Oordenamento proposto para Petrópolis utilizará tanto do zoneamento (zoning) como de outrosinstrumentos legais. Os principais documentos localizados demonstram a intenção de dividir a

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cidade em zonas especializadas, cada uma com um regulamento próprio, estabelecendo assimumadisciplinafuncionalsobreaordemurbanística.AfaladeAgacheilustrabemessaideia:

(...) remodelaçãoetransformaçãodoscentrosespecializados–docomercial,com o seu mercado e suas estações férreas e rodoviárias; dos sociais erecreativoscomassuassedeseclubs,docentrocívicoquedevecompreenderosedifíciospúblicos,paláciosdoGoverno,daPrefeituraeoutrosdestinadosàsdiferentes secretarias de Estado e, finalmente, dos centros residencial earistocrático,bemcomodoquarteirãodestinadoà localizaçãodas indústrias.(...)Paraaperfeitaexecuçãodoplano(...)torna-sedecapitalimportânciaporempráticaemcadaumdessescentrosoubairrosumadisciplinaarquitetônicadiferente,demodoacorresponderàestéticaeaosfinsdecadaum34.

Assim como o Plano Agache para a cidade do Rio de Janeiro, as propostas para Petrópolis seresumem em três dimensões básicas que seriam: remodelação, extensão e embelezamento,conformeAgachesintetizará:

Essaalteração,paramelhor,dafisionomiaurbanísticadePetrópolis,podeserdivididaemtrêspartesessenciais,cujaexecuçãorequerharmoniaedisciplinapara amaior beleza do conjunto. Resumindo, essas partes são as seguintes:remodelação do centro comercial, orientação prévia para o seudesenvolvimento futuro horizontal e vertical e, finalmente, embelezamentogeralcomacriaçãodenovosparques,jardinseavenidascomdivisãoprópriaparaveículos,cavaleirosepedestres35.

DuranteadescriçãodaspropostasparaPetrópolis,Agachedeixa claroa sua intençãode inserirPetrópolis como subúrbio “elegante” da Capital Federal em moldes próximos que VersalhesrepresentavaparaParis.Apassagemaseguiréemblemáticanesseaspecto:

Petrópolis pela sua situação e pelos seus aspectos característicos, estádestinadaarepresentarparaoRioomesmopapelqueVersalhesdesempenhaparaa vidaparisiense.Cidadeeleganteedispondode climae ambientedosmais convidativos para confirmar sua fama de centro preferido e de fácilacesso dos que fogem do calor e da agitação da metrópole, Petrópolis,analisadadentrodosentidodamodernatécnicaurbanística,tem“charme”etemdefeitos.Podesercomparadaaumacriançabembonita,mas impedidade crescer para impedir os efeitos da própria beleza. Para acompanhar oprogressoepor-seemnívelcomasexigênciasdonotáveldesenvolvimentodacapitalbrasileira,quelheficapróxima,alindacidadeserranareclama,agora,algunsretoquesnasuafisionomiatradicionalehistórica.

EstapassagemtambémelucidaumacaracterísticamarcantenosprojetosdeAgache:avalorizaçãodeaspectoshistóricos.Comojámencionadonoiníciodocapítulo,aideiadecontemplarPetrópoliscom um plano de urbanização estaria inserida no âmbito das comemorações do centenário domunicípio.No epicentro dos preparativos das festividades, organizadas por um grupo de traçosconservadores,estavaaretomadaeavalorizaçãodasmemóriastradicionaislocais.Certamenteoplano a ser elaborado deveria estar em sintonia com esse aspecto. Tanto Agache em suasentrevistas como os documentos emitidos pelo escritório Coimbra Bueno evidenciam estapreocupação.Issoéobservado,porexemplo,ementrevistaconcedidanoanode1941-aindano34AFISIONOMIAURBANÍSTICADEPETRÓPOLIS:oplanoqueoprofessorAgacheelaborouparaa“CidadedasHortências”–Os diferentes bairros –Novas avenidas, parques e jardins – Tornandoo belomais bonito ainda. JornalANoite. Rio deJaneiro,04deMarçode1942,p.2.35Ibid,p.2.

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iníciodostrabalhos-ondeAgachesolicitaaopoderpúblicomunicipal“documentosdescritivosdafundaçãodePetrópolisesuaevoluçãoparaserviremdebasenotocanteastradiçõeslocais”36ouao final da citação que demonstrei no parágrafo anterior, onde o urbanista cautelosamentemenciona a necessidade de se realizar em Petrópolis “alguns retoques na sua fisionomiatradicionalehistórica”, subentendendoapreocupaçãocomoordenamentourbanopassado,doseu conjunto arquitetônico e paisagístico, ou mesmo do culto e da valorização das chamadas“tradições”locais,aomesmotempoemquesugereadaptaçõesaosnovostempos.

Comisso,aspropostasnãoapresentamumarupturabruscanafisionomiaurbanapetropolitana.Aprópriasugestãoquantoaozoneamentotrazaseguintefrase:“tendoemvistaozoneamento jáexistente” (COIMBRA BUENO, 1941), o que me leva a crer que o escritório pretende seguir, epossivelmenteatualizar,osinstrumentosjáemvigornomunicípio,emvezdeproporumarupturaaosmesmos.

Outra característica marcante exposta nos documentos é o contraste das atividades funcionaisexistentesemPetrópolis, colocandoemxequeadicotomiaentrea industrializaçãoeo turismo.Estacaracterísticaficaaindamaisclaranoprimeiroitemdo“DiagnósticodacidadedePetrópolis”apresentadonapropostapreliminardefinindoasseguintes“funçõesprincipaisdacidade”:

a) Descanso e veraneio (cidade jardim); b) Parque industrial; c) CapitalProvisóriadaRepública;d)Turismo(COIMBRABUENO,1941,p.06).

Emseguida,osurbanistasproclamamoseguintediagnóstico:

As funções de cidade de descanso e parque industrial são antagônicas. Issodeve ser objeto de cuidadosos estudos (zoneamento, regulamentação,tráfego)(Ibid.)

VáriosaspectospodemseranalisadosapartirdestadefiniçãodadapeloescritórioCoimbraBueno.O primeiro é a clara inserção de Petrópolis no cenário regional, com uma nítida relação deinfluênciaedeinterdependênciacomacapitalfederal.Osegundoéquedentreasquatrofunçõespreviamentedefinidas,trêsdelasestãointerligadascomoaspectoturístico-descansoeveraneio,capital provisória da república e turismo - enquanto a funçãodeparque industrial apresenta-semais deslocada e até mesmo negativa nesse cenário. Neste momento o zoneamento aparececomoalternativapossívelparadisciplinartalantagonismo:

São duas funções cuja vizinhança é antagônica e que poderão se tornarincompatíveis e comprometer o futuro da cidade, se não houver umplanejamento racional. Só o zoneamento poderá resolver esse graveproblema, com o melhor aproveitamento das áreas. Embora já um poucotarde,éaindatempodeestabelecer-seumadisciplinaentreessasatividadesfuncionais contrastantes, provendo e prevendo o crescimento de cada umadelas37.

Apesardadicotomiaedaimportânciadaindustrializaçãoparaacidade,osdiscursosdemonstrammaiorênfasenosaspectosquedinamizariamaatividadeturística,enquantoa industrialização jáaparececomumtomde“problema”,maspassíveldeserdisciplinado,afastadoecontrolado.Issoseráobservadonoelevadodestaquedadotantoaosmelhoramentoseembelezamentosestéticos

36REMODELAÇÃOimediatadePetrópolis.OGlobo,22deJaneirode1941,matutino,geral,p.02.37Textoextraídodareportagem:PETRÓPOLISeseugrandiosoPlanodeUrbanização,ExtensãoeEmbelezamento.CorreiodaManhã.RiodeJaneiro,19deJunhode1942,p.15.

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assim como aos aspectos ligados à circulação e tráfego. É interessante perceber que questõesestéticas e de tráfego aparecem lado a lado, numa clara referência de complementaridade.Ouseja, funcionalidade e embelezamento aparecem aliados nas propostas. Entre os seis principaismelhoramentos apresentados para a cidade, quase todos estão ligados a estas duas áreas.ConformeAgache:

1º: melhorar e embelezar os trechos de saída e entrada da cidade; 2º: aabertura de uma avenida de contorno, de modo a evitar a travessia pelocentrourbanodosônibus,caminhõeseoutrosveículosdestinadosnotráfegorodoviário que passam por Petrópolis; 3º: abertura de várias estradaspanorâmicas, ligando entre si os “talwegs” de serventia individual; 4º:retificação e alargamento, quando necessário, do leito dos rios para evitarinundaçõessemprepossíveis;5º:criarjardins,parquesepraçasdesportsparacriançaseadultosedemarcarzonasflorestaisparaamanutençãodebosquesezonasderetiro;6º:remodelaçãoetransformaçãodoscentrosespecializados–docomercial,comoseumercadoesuasestaçõesférreaserodoviárias;dossociais e recreativos com as suas sedes e clubs, do centro cívico que devecompreenderosedifíciospúblicos,paláciosdoGoverno,daPrefeituraeoutrosdestinados às diferentes secretarias de Estado e, finalmente, dos centrosresidencial e aristocrático, bem como do quarteirão destinado à localizaçãodasindústrias38.

Taispropostasdemelhoramentoseembelezamentosestão intimamente ligadosao interessede“turistificar” o espaço petropolitano. A primeira proposta, relacionada às entradas e saídas dacidade, possui uma grande similaridade com a “Porta de Entrada do Brasil”, um dos principaisprojetosdeAgacheparaoplanodoDistrito Federal eque tinhaumobjetivo tanto cívico comoturístico, pois serviria para melhorar a primeira impressão dos visitantes estrangeiros quechegassem tanto à cidade quanto ao país. A diferença é que na cidade do Rio se daria por viamarítimaeemPetrópolisporviaterrestre.

Os segundo e terceiro melhoramentos propostos, se referem às questões viárias. Taismelhoramentos possuíam múltiplas funções como melhorar a circulação, desafogar o fluxo deveículose aomesmo tempo,proporcionar a aberturadenovas vias compostasdeumaestéticapaisagística que também teria fins turísticos. Nesse período, os veículos que se deslocavam dacidadedoRiodeJaneiroemdireçãoàJuizdeForatinhamnecessariamentequepassarpordentrodacidadedePetrópolis,poisnãoexistiaumaligaçãodiretaentreasrodoviasRio-PetrópoliseaUniãoIndústria(Petrópolis-JuizdeFora),oquegeravaumelevadofluxodeveículosrodoviáriosnasviascentraisdacidade.A“avenidadecontorno”propostavisavafazerestaligaçãodiretaentreambasrodoviasporforadoperímetrourbano,diminuindoassimofluxodeveículosnocentrodacidade.Alémdisso,aprogressivademandaporautomóveisqueojámencionado“rodoviarismo”incentivava, acompanhada do encerramento da concessão dos bondes que tornou exclusivo omodalrodoviáriocoletivo,exigiriamaaberturadenovosespaçosdentrodasviasdecirculaçãodacidade,oqueacentuaramanecessidadedereestruturaçãoviária.OprojetopropostonaFigura1sugereoalargamentodealgumasviasexistentes,aaberturadenovoslogradouros,aconstruçãode novas pontes e canalizações parcial de rios, alémde uma completa reestruturação viária docruzamento central da cidade. Isso tudo acompanhadodeumaampla reconfiguraçãoestética epaisagística das praças, jardins e até mesmo a redefinição arquitetônica das edificações doentorno.

38AFISIONOMIAURBANÍSTICADEPETRÓPOLIS:oplanoqueoprofessorAgacheelaborouparaa“CidadedasHortências”–os diferentes bairros –Novas avenidas, parques e jardins – Tornando o belomais bonito ainda. JornalA Noite. Rio deJaneiro,04deMarçode1942,p.2.

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Com o quinto melhoramento, de demarcação de áreas recreativas assim como de criação dejardinseparques,AgacheatribuigrandepartedessepapelaonovocomplexoqueestavasendoconstruídonaregiãodobairroQuitandinha,queelechamariade“centrorecreativo”.Namesmaentrevista,Agacherealizariaaseguintedescriçãodocomplexo:

Quitandinha, centro recreativo:Numadasúltimasvisitasque fizaPetrópolistiveaoportunidadedepercorrera importanteobraqueestásendofeitaemQuitandinha.Onotávelcentrorecreativoquealiestásendoultimadosegundoos projetos do extenso programa de valorização turística elaborado pelogovernodoEstadodoRio,representaumainiciativadegrandevultoequeeu,comoespecializadoemtrabalhosdessegênero,considerorealmenteousada,considerando os detalhes monumentais do magnífico conjunto. Analisandoessa obra dentro dos planos urbanísticos reclamados pela linda cidadepetropolitana, não tenho dúvida em considerá-la digna de apreciação comofatordebelezae importânciapara acentuar adequadamente a futura feiçãometropolitana de Petrópolis, bem como motivo precioso para que sejalocalizada em Quitandinha a zona recreativa de preferência, não só dospetropolitanos, comodosmilharesdeveranistas,procedentesdoBrasiledoexterior,queconcentrarão,ali,naqueleslindosrecantosdeserra,tudoquantoprecisamparaalegriadosolhos,docorpoedoespírito.(AGACHE,1942,p.2)

Essa afirmativademonstraqueambas as iniciativas, oplanodeurbanizaçãoparaPetrópolis eoplano para o Complexo Quitandinha aparentavam um estreito diálogo naquele instante.Mas éválido lembrar que, num primeiro momento, a construção e urbanização do ComplexoQuitandinha e a elaboração do Plano de Urbanização para Petrópolis apresentaram-se comoiniciativas independentesequeseaproximaramao longodoanode1942. Issopodesernotadoem vários documentos que localizei. Em um parecer emitido pelo Departamento deMunicipalidadesdoGovernodoEstadosobreasnegociaçõesenvolvendoacontrataçãodafirmaCoimbraBuenoparaaelaboraçãodoPlanoparaPetrópolis,encontreiaseguinteindicação:

Éinteressante,anossover,paraaMunicipalidadedePetrópolis,apropostade“Coimbra Bueno & Cia.” para o plano e execução dos melhoramentos dacidade. Lembramosque seránecessário, noplanoa ser elaborado, levar emconsideração, na parte relativa ao novo bairro da Quitandinha e suasadjacências,quefoiobjetodeemestudoespecial,oprojetodeurbanização,de autoria do professor Saboya Ribeiro, já aprovado pelo ExcelentíssimoSenhor Interventor Federal, devendo haver perfeito entrosamento entre osdoisprojetos39.

O sexto e último melhoramento sintetiza que a cidade deveria ser ordenada através de umdetalhado zoneamento. Como este aspecto já foi discutido, destacarei o elevado apelo cívicoexpressonasreformulaçõespropostas.Alémdosalargamentosdeavenidascentrais,queàépocaeram também concebidos para receber eventos cívicos e desfiles militares, a reformulação daPraçaD.Pedro IIparece ter sidopensadacomoumconjuntopaisagísticoquecomplementavaatransformaçãoemcursodaantigaresidênciadoimperadoremMuseuImperial.ApesardeAgachenãodetalharonde seria localizadoo “centro cívicoquedevecompreenderosedifíciospúblicos,palácios do Governo, da Prefeitura e outros destinados às diferentes secretarias de Estado” épossívelqueosmesmosestivessemlocalizadosnosedifíciosprojetadosnoentornodaquelaPraça.

39Fonte:ArquivoHistóricodePetrópolis.ESTADODORIODEJANEIRO.DepartamentodeMunicipalidades.ParecersobreapropostadafirmaCoimbraBuenoeCia.paraelaboraçãodoPlanodeUrbanizaçãodaCidadedePetrópolis.Processon°391/42.Niterói,10/03/1942.

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CONSIDERAÇÕESFINAIS

Independentemente de ter existido ou não um “Plano Agache” ou um “Plano Coimbra Bueno”paraPetrópolisénotórioqueumconjuntode ideiasdebatidasparaasuaelaboraçãoatravésdeprojetos,croquisedeconferências,tomoucorpoe,pelomenosemparte,foramimplementadasatravésdosanos, como:a)o zoneamentocomo instrumentocentraldeordenamento territorialdomunicípio;b)osmelhoramentos,embelezamentosereestruturaçãoviáriadaregiãocentraldacidade;c)aaberturadaavenidadecontorno;d)amelhoriaeoembelezamentodos trechosdeentrada e saída da cidade; e) a criação e a requalificação de jardins, parques e praças, e adelimitaçãodeáreasdepreservaçãoambiental.

Percebiqueesteconjuntodepropostaseconcepçõesalinhadascomoutrasaçõesempreendidasno período, como a construção do ComplexoQuitandinha e a inauguração doMuseu Imperial,ressaltaramaatividadeturísticadacidadequesetornouvigorosacomopassardosanos.

CorroborandocomoraciocíniodeCruz(2006,p.339)deque“aatratividadeturísticadoslugareséuma construção cultural e histórica” acredito que a atratividade turística de Petrópolis pode seconsolidarapartirdoEstadoNovofavorecidapelaconjunturaeconômicaepolíticavigente.Estaconstruçãosedeuporgruposdeinteressesespecíficosque“planejaram”esta“atratividade”paraacidade.Ouseja:nãofoifeitaporacasooudeformadesordenada.

Por fim, acredito que o impasse ocorrido entre Agache e o CREA pode ser a resposta sobre osimprecisos dados sobre a atuação do urbanista francês no Brasil a partir de então, poisaparentementeeleesteveproibido,pelomenosporalgumperíodo,deassinarprojetosnopaís.Épossívelque tal evento tenha silenciadoa verdadeiraatuaçãodourbanistanopaísnasdécadasposteriores.

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