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Não serei o poeta de um mundo caduco. Carlos Drummond de Andrade A educação, quando relacionada ao tema trânsito, suscita idéias que variam desde o repasse formal de conhecimentos referentes a leis, convenções, técnicas de condução segura até a internalização de preceitos de civilidade, próximos a uma “etiqueta” viária. Essas idéias, por sua vez, remetem, quase que automaticamente, ao uso de carti- lhas - algumas ensejando alguma reflexão, outras, nos velhos moldes de adestramento do público alvo. Educar para o trânsito é também comumente associado a campanhas, na forma de propaganda, uso de mídia diversa ou eventos como promoções de palestras. Os trabalhos dedicados à educação de trânsito no Brasil variaram muito, desde os anos 40, tanto no que tange a forma de abordagem do tema quanto aos setores ligados às instituições gestoras do trân- sito e aos recursos humanos e financeiros neles disponíveis. Vale des- tacar, entretanto, a predominância, guardando-se exceções honrosas, de abordagens tendendo a certo moralismo e o caráter manualesco de boa parte do material produzido. Essa visão foi consonante com a natureza dos setores a que a administração do trânsito esteve tradi- cionalmente ligada, notadamente nas décadas de 60-70 - período pouco propício a uma perspectiva crítica e participativa, onde a ênfa- se na obediência aos ditames da política de segurança nacional pau- tava a ordem vigente. Traços dessas abordagens ainda se fazem pre- sentes, em maior ou menor escala, na atualidade. Alguns programas tendem a reproduzir os valores dos dirigentes departamentais da vez. Outros emprestam linguagem técnica ou fortemente legalista. Faria & Braga (2000, p. 14) citam, por exemplo, um programa de educação 59 Proposições decorrentes das teorias da segurança no trânsito e alternativas possíveis Roberto Victor Pavarino Filho Sociólogo, mestrado em Transporte Urbano E-mail: [email protected] EDUCAÇÃO DE TRÂNSITO A NP que considera importante que crianças de 6ª série saibam classificar um veículo quanto a sua espécie e categoria (oficial, particular, diplo- mático etc.). 1 Entre as diferentes iniciativas de educação de trânsito, vale destacar também ações pontuais realizadas por programas criados no âmbito da indústria automotiva e de setores públicos e privados não neces- sariamente ligados às áreas de trânsito/transporte, como o da saúde. A partir dos anos 90, principalmente, recursos pedagógicos mais sofisticados foram produzidos. Contudo, apesar de uma nova roupa- gem, o tom de cartilha, centrando-se na questão do comportamento e na visão do público alvo como potenciais condutores de veículos, predomina. Essa perspectiva é flagrante, particularmente, em progra- mas voltados a crianças e jovens, no empenho em formar “os moto- ristas de amanhã” - um discurso que ignora uma imensa parcela da população brasileira, que jamais terá acesso à condução de automó- veis. 2 Outro aspecto, que se poderia dizer generalizável, é certa des- conexão entre as abordagens das várias instituições ligadas ao trân- sito e a quase sempre descontinuidade dos trabalhos, sujeitos às prioridades políticas do momento. A tentativa de definir o campo da ação educativa no trânsito, assim, não está a salvo de incorrer em arbitrariedades, além de implicar em delimitação - o que nem sempre é positivo. No entanto, mais impor- tante que um improvável consenso quanto ao que é, afinal, educação de trânsito - o que pode incluir todas as idéias mencionadas - é saber o que se quer com essa educação, em que se fundamenta, a que inte- resses atende, qual o seu sentido e possibilidades. EDUCAÇÃO DE TRÂNSITO, AS RAZÕES A ELA ATRIBUÍDAS E SEUS OBJETIVOS A formulação do Código de Trânsito vigente foi, como outras discus- sões ocorridas durante a redemocratização do país, fortemente influenciada por um espírito que via na educação o caminho para a solução das várias mazelas e iniqüidades que caracterizam o país. 3 Revista dos Transportes Públicos - ANTP - Ano 26 - 2004 - 3º trimestre 60 1. Leiss (in Rothe,1990, p. 157) refere-se a estudos onde o uso de jargão e linguagem complexa foram mais notados quando engenheiros conversavam com o público leigo do que quando con- versavam com outros engenheiros. Segundo assevera o autor, a linguagem técnica opera como um mecanismo de defesa do expert. 2. Cerca de 70% dos deslocamentos (“viagens”) realizados na Região Metropolitana de São Paulo, por exemplo, são realizadas a pé ou por transporte coletivo. Os deslocamentos a pé são particu- larmente expressivos nas camadas menos favorecidas (Botelho e Sá Fortes, 1994). 3. A promulgação da Constituição brasileira e o início dos trabalhos que resultaram no Código de Trânsito Brasileiro, deram-se, aliás, em períodos bastante próximos. O CTB foi, em certa medida, influenciado pelo clima de “refundação da nação” instaurado por aquela que ficou conhecida por “Constituição cidadã”.

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Não serei o poeta de um mundo caduco.Carlos Drummond de Andrade

A educação, quando relacionada ao tema trânsito, suscita idéias quevariam desde o repasse formal de conhecimentos referentes a leis,convenções, técnicas de condução segura até a internalização depreceitos de civilidade, próximos a uma “etiqueta” viária. Essas idéias,por sua vez, remetem, quase que automaticamente, ao uso de carti-lhas - algumas ensejando alguma reflexão, outras, nos velhos moldesde adestramento do público alvo. Educar para o trânsito é tambémcomumente associado a campanhas, na forma de propaganda, usode mídia diversa ou eventos como promoções de palestras.

Os trabalhos dedicados à educação de trânsito no Brasil variarammuito, desde os anos 40, tanto no que tange a forma de abordagemdo tema quanto aos setores ligados às instituições gestoras do trân-sito e aos recursos humanos e financeiros neles disponíveis. Vale des-tacar, entretanto, a predominância, guardando-se exceções honrosas,de abordagens tendendo a certo moralismo e o caráter manualescode boa parte do material produzido. Essa visão foi consonante com anatureza dos setores a que a administração do trânsito esteve tradi-cionalmente ligada, notadamente nas décadas de 60-70 - períodopouco propício a uma perspectiva crítica e participativa, onde a ênfa-se na obediência aos ditames da política de segurança nacional pau-tava a ordem vigente. Traços dessas abordagens ainda se fazem pre-sentes, em maior ou menor escala, na atualidade. Alguns programastendem a reproduzir os valores dos dirigentes departamentais da vez.Outros emprestam linguagem técnica ou fortemente legalista. Faria &Braga (2000, p. 14) citam, por exemplo, um programa de educação

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Proposições decorrentes dasteorias da segurança notrânsito e alternativas possíveis

Roberto Victor Pavarino FilhoSociólogo, mestrado em Transporte UrbanoE-mail: [email protected]

EDUCAÇÃO DE TRÂNSITO

AN P

que considera importante que crianças de 6ª série saibam classificarum veículo quanto a sua espécie e categoria (oficial, particular, diplo-mático etc.).1

Entre as diferentes iniciativas de educação de trânsito, vale destacartambém ações pontuais realizadas por programas criados no âmbitoda indústria automotiva e de setores públicos e privados não neces-sariamente ligados às áreas de trânsito/transporte, como o da saúde.

A partir dos anos 90, principalmente, recursos pedagógicos maissofisticados foram produzidos. Contudo, apesar de uma nova roupa-gem, o tom de cartilha, centrando-se na questão do comportamentoe na visão do público alvo como potenciais condutores de veículos,predomina. Essa perspectiva é flagrante, particularmente, em progra-mas voltados a crianças e jovens, no empenho em formar “os moto-ristas de amanhã” - um discurso que ignora uma imensa parcela dapopulação brasileira, que jamais terá acesso à condução de automó-veis.2 Outro aspecto, que se poderia dizer generalizável, é certa des-conexão entre as abordagens das várias instituições ligadas ao trân-sito e a quase sempre descontinuidade dos trabalhos, sujeitos àsprioridades políticas do momento.

A tentativa de definir o campo da ação educativa no trânsito, assim,não está a salvo de incorrer em arbitrariedades, além de implicar emdelimitação - o que nem sempre é positivo. No entanto, mais impor-tante que um improvável consenso quanto ao que é, afinal, educaçãode trânsito - o que pode incluir todas as idéias mencionadas - é sabero que se quer com essa educação, em que se fundamenta, a que inte-resses atende, qual o seu sentido e possibilidades.

EDUCAÇÃO DE TRÂNSITO, AS RAZÕES A ELA ATRIBUÍDAS ESEUS OBJETIVOS

A formulação do Código de Trânsito vigente foi, como outras discus-sões ocorridas durante a redemocratização do país, fortementeinfluenciada por um espírito que via na educação o caminho para asolução das várias mazelas e iniqüidades que caracterizam o país.3

Revista dos Transportes Públicos - ANTP - Ano 26 - 2004 - 3º trimestre

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1. Leiss (in Rothe,1990, p. 157) refere-se a estudos onde o uso de jargão e linguagem complexaforam mais notados quando engenheiros conversavam com o público leigo do que quando con-versavam com outros engenheiros. Segundo assevera o autor, a linguagem técnica opera comoum mecanismo de defesa do expert.

2. Cerca de 70% dos deslocamentos (“viagens”) realizados na Região Metropolitana de São Paulo,por exemplo, são realizadas a pé ou por transporte coletivo. Os deslocamentos a pé são particu-larmente expressivos nas camadas menos favorecidas (Botelho e Sá Fortes, 1994).

3. A promulgação da Constituição brasileira e o início dos trabalhos que resultaram no Código deTrânsito Brasileiro, deram-se, aliás, em períodos bastante próximos. O CTB foi, em certa medida,influenciado pelo clima de “refundação da nação” instaurado por aquela que ficou conhecida por“Constituição cidadã”.

Nesse sentido, a ênfase na educação foi tida, juntamente com tópicoscomo a municipalização do controle do trânsito, como um dos mar-cos diferenciais do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), instituído pelaLei 9.503 de 9/97 (Motta, 2000, pp. 8-12).

O atual código dedicou um capítulo voltado especialmente à educaçãopara o trânsito. Nele, a freqüência dos termos campanha, segurança notrânsito, redução de acidentes e prevenção dá o tom da preocupaçãoprecípua do legislador quando lidou com o tema e para ele previurecursos. Nessa perspectiva, a educação de trânsito parece ter tidoentre suas principais finalidades - se não a principal - a busca da redu-ção dos acidentes, caracterizados como um grave problema da vidaurbana moderna, notadamente nos países em desenvolvimento. Nes-tes, as mortes no trânsito têm superado o número de óbitos por malescomo a desnutrição e doenças relacionadas ao saneamento básico.No Brasil, com efeito, os acidentes de trânsito que aumentaramexpressivamente até meados da década de 80 (OPAS/OMS, 1998, pp.46-7), permaneciam ainda preocupantes no ano 2000, como o segun-do lugar no mapa da violência urbana, atrás apenas os homicídios(Waiselfisz, 2002, p. 27) e primeira causa de internações hospitalarespor causas externas em 1998 (base disponível), segundo o Datasus.4

As estimativas oficiais quanto ao verdadeiro número de mortos notrânsito no país são severamente questionadas, seja pelas deficiên-cias na coleta dos dados, seja pela não uniformização de critériosadotados pelos responsáveis pelo processamento e repasse dasinformações. Com efeito, diferentes órgãos e institutos (Denatran,Geipot, ABNT, Ministério da Saúde, IST, entre outros) divergem quan-to aos totais que se apresentam. A Associação Brasileira de NormasTécnicas (ABNT), que computa entre as mortes no trânsito os óbitosocorridos após os registros hospitalares, estimou, no início dos anos90, um número superior a 85.000 mortes anuais no trânsito. Nomesmo período, o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran)apresentava números inferiores a 25.000 óbitos por ano (ProgramaVolvo de Segurança no Trânsito, 1994). Importante lembrar que,mesmo considerando cifras oficiais (sabidamente subestimadas)como a de 20.000 mortos no ano de 2000, o índice de mortalidade por10 mil veículos seria da ordem de 6,8 - bastante superior ao de paísescomo os Japão (1,32); EUA (1,93); França (2,35) e Alemanha (1,46).5

Atualmente, acredita-se que o total de mortes no trânsito dificilmenteseria inferior a 30.000 por ano e que os segmentos mais particular-

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Proposições decorrentes das teorias da segurança no trânsito e alternativas possíveis

4. Projeto de redução de morbimortalidade por acidente de trânsito. 2ª ed. Revisada. Min. da Saúde.2002. apud Ministério dos Transportes - Programa Pare (2002).

5. Dados do International Road Traffic and Accident Database - Irtad http://www.bast.de/htdocs/fachthemen/irtad/index.htm (captura em 27/12/2002).

mente atingidos (os chamados jovens e adultos jovens) representamos grupos de pessoas em fase potencialmente produtiva - o que geraperdas irreparáveis para o país. As estimativas dos custos diretosdestas baixas chegam, segundo atestam estudos que se propõem atal desafio, a US$ 9,6 bilhões (Gold, 1998, p. 2).6

Se estimar os custos socioeconômicos de uma vida já se configuraalgo polêmico (Sheley in Chapman, Foot e Wade, 1982, p. 227), igual-mente complexo é tangenciar os efeitos indiretos da perda de umfamiliar, ou da convivência com as graves incapacitações físicasadvindas das lesões adquiridas. Nesse sentido, cabe lembrar que atendência em ver na morte das vítimas a pior ou única conseqüênciaperversa dos conflitos no trânsito costuma subestimar os efeitos nosque sobrevivem aos acidentes - em número de 13 a 15 vezes maiorque o dos que morrem7 - e os efeitos em cascata nos segmentos maisou menos próximos a essas vítimas que, em inúmeras vezes, não sóperdem um provedor da família, mas assumem, além disso, os ônusrelacionados a estas debilitações.

Um trânsito inseguro, por outro lado, causa também “lesões” em umadimensão nem sempre considerada nos cálculos. Estas se dão, coti-dianamente, quando a travessia de uma via configura-se uma deses-perada e humilhante aventura. O aviltamento da dignidade de umcidadão, cerceado em seu direito rudimentar de passar de um lado aoutro da rua, se faz sentir em outros âmbitos da vida pública. Damesma forma que problemas que não são “de trânsito” eclodem notrânsito, questões relacionadas às condições de circulação são tam-bém transpostas para outras esferas.

Assim, sendo a promoção da segurança um dos focos centrais daeducação de trânsito, fazem-se aqui necessárias algumas considera-ções sobre a natureza e os elementos caracterizadores das teorias dasegurança no trânsito predominantes, uma vez que suas diagnosesprovêem as premissas das ações educativas.

AS ORIENTAÇÕES DA SEGURANÇA NO TRÂNSITO

Por mais que se demandem respostas “simples” - confundindo-sesimplicidade com objetividade - conflitos como os acidentes de trân-sito são fenômenos multifacetados, cujas causas não se restringemaos fatores mais imediatamente perceptíveis. Apesar desses fenôme-

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6. A esse respeito, o estudo Impacto social e econômico dos acidentes de trânsito nas aglomera-ções urbanas brasileiras (em desenvolvimento), sob coordenação do Ipea e execução da ANTP,deverá propor números a partir de metodologias mais abrangentes e apreciações mais detalhadado que as ocorridas em trabalhos que antecederam a iniciativa.

7. Essa proporção pode chegar a 27 feridos para cada morto no caso dos atropelamentos, e umarelação de sete incapacitados para cada pedestre que morre (NHTSA; 2000).

nos não se darem em um vácuo político e social, a maior parte dasanálises dos acidentes limitam-se aos âmbitos técnicos. Algumas dasrazões dessa limitação merecem menção.

Não obstante recorrer ao instrumental de algumas das ciências sociais,a segurança no trânsito e as legislações decorrentes têm sido “filhas”mais diretas dos estudos nas áreas e sub-áreas da engenharia, dasciências biomédicas e da psicologia. Destas áreas de conhecimento,as teorias da segurança no trânsito herdaram a orientação predomi-nantemente positivista, no que concerne ao pendor por quantificaçõese na tentativa do estabelecimento de variáveis independentes (Varela,1996). Este aspecto é particularmente notável nas engenharias que,por sinal, representam, entre os setores mencionados, a mais significa-tiva influência nas decisões que concernem à segurança.

O estudo do tráfego de veículos e pedestres tem tido seu assento,principalmente, nas faculdades de Engenharia Civil, nos núcleos ecentros ligados aos estudos de transportes. Tal fato se dá, seja pelaincumbência histórica dos engenheiros na produção do espaço de cir-culação, seja pelo desenvolvimento de técnicas que otimizam o des-locamento veicular ou pela própria analogia da circulação viária a fun-damentos como os da hidráulica.8 Do ponto de vista político, por outrolado, a produção do espaço e a gerência da circulação sob controledas áreas técnicas, representam um poderoso canal para a viabiliza-ção dos interesses dos setores mais influentes.

No Brasil, o setor de planejamento de transportes com o qual a enge-nharia de tráfego está associada foi fortemente marcado pelos mode-los vigentes nos EUA nas décadas de 50-60. A metodologia dessesmodelos foi difundida pela tecnocracia estatal, principalmente duran-te o ciclo militar. No entanto, até mesmo pelas características do con-texto político, os institutos de transportes não importaram, igualmen-te, as críticas, feitas já nos anos 70, às limitações e pertinênciadaquelas abordagens. Um exemplo dessas críticas é o fato do tecno-crata alçar preceitos da economia neoclássica (como oferta e procu-ra) à condição de axiomas irrefutáveis, sem considerar, por exemplo,as distorções de mercado e os condicionantes dos países em desen-volvimento. Tais preceitos adquirem, nas modelagens dos transpor-tes, um sabor apolítico de objetividade e legitimam-se socialmente,abrigando-se sob um manto de neutralidade científica.

Nas questões referentes ao trânsito, por seu turno, é comum que asanálises venham quase que invariavelmente precedidas por um des-tes consagrados axiomas, como na clássica fundamentação do temana fórmula “homem-via-veículo” onde, na proposição imposta, a ação

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8. Não é sem propósito o recurso a termos como fluxo, fluidez, retenção etc.

do usuário da via assume a condição de “fator humano”, não obstan-te a obliqüidade desta lógica.9

Os representantes dos setores técnicos chamados a explicar as causasdos acidentes, pelo próprio vício de formação e até mesmo pela pres-são por encontrarem responsáveis imediatos, tendem a trabalhar nosentido de isolar uma variável, determinante e supostamente indepen-dente, para nela centrar fogo. Uma série de conveniências - longe dematemáticas - contribuem para que este “x” acabe, na imensa maioriadas vezes, sendo identificado nos setores menos prováveis de esboça-rem reação contrária à inteligentzia. Em outras palavras, toda uma fun-damentação teórica é usada de modo a culpar a vítima pelos acidentes.Isto não se dá sem um estofo pretensamente científico, para respaldardiscursos reproduzidos, historicamente, de maneira irrefletida.

O MITO DO FATOR “HUMANO”

Suponha-se o exemplo de um motorista que, tendo tido uma má noitede sono, toma a direção do seu automóvel. Este indivíduo, conduzin-do seu veículo de recursos limitados, em estado de manutenção irre-gular, transita por uma via mal iluminada, de precária concepção, geo-metria condenável e manutenção negligenciada e vem a colidir comoutro veículo, conduzido por um idoso, cuja licença para dirigir foirenovada por critérios irregulares. A que, a quem e em que medidaatribuir a “causa” do acidente? O que do humano se refere exatamen-te aos condutores em questão?

No trânsito, o expediente mais corriqueiro consiste em acusar o erroou negligência do usuário do espaço de circulação, o que proporcio-na responsáveis imediatos e palpáveis (mais objetivamente identificá-veis do que os “sistemas” ou outras abstrações), facilitando as res-postas demandadas pela sociedade10 e o tratamento da questãodentro das urgências de um sistema policial/legal (Retting, 1991, p. 8;Hauer in Rothe, 1990, p. 46).

A imputação da causa dos acidentes à responsabilidade das pessoasdiretamente envolvidas tem em suas bases um moralismo funcional,comumente invocado por autoridades de trânsito. Um exemplo ondetal abordagem se manifesta é o caso em que, tendo um automóvelcaído em um buraco na pista, culpa-se o motorista por não ter elesabido se livrar do perigo. Rothe (1994, p. 172) remete a ênfase à

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9. Como constata o engenheiro Ezra Hauer (The engineering of safety and the safety of engineering)in Rothe (1994, pp. 46 e 56), “Vias e veículos são produtos feitos por homens (grifo nosso) [...]”“[...] da mesma forma que as vias são objetos feitos pelo homem, também o é o controle do trá-fego sobre elas.”

10. Na teoria durkheimiana (Aron, 1987, p. 303), a sanção não teria função de amedrontar ou dissua-dir mas, com efeito, satisfazer a consciência comum, ferida pelo ato infracional.

culpa do usuário da via a estudos que remontam aos anos 30, quan-do Myers11 reportou às causas “humanas” a responsabilidade por80% a 90% dos acidentes em rodovias.

A atribuição de culpas aos usuários é, desde então, reproduzida emuma considerável coletânea de outros estudos na literatura dedicadaà segurança no trânsito. Dois destes, realizados simultaneamente nosEUA e Inglaterra nos anos 70, são particularmente ressaltados porEvans (1991, pp. 92-3), pela similaridade dos resultados encontradospor diferentes pesquisadores.12 A coincidência da avassaladora impu-tação da responsabilidade ao usuário da via (94-95% da culpabilida-de pelos acidentes), no entanto, não deve ser surpreendente se os cri-térios e parâmetros que embasam os conceitos dos pesquisadoresforem similares. As inferências, concluindo que um certo acidenteocorreu ou teria deixado de ocorrer diante da ausência ou presençade determinado fator (ou combinação de fatores), merecem cautela eesbarram em inevitáveis questionamentos. Um acidente, precedidopor uma ultrapassagem mal calculada, teria ocorrido caso a via dispu-sesse, no trecho crítico, de uma faixa adicional? Teria o mesmo even-to um desfecho similar se os automóveis dos motoristas envolvidoscontassem com recursos de segurança diferentes do que dispu-nham? Ezra Hauer (in Rothe, 1990, p. 41), por sua vez, ensina queuma interseção em “T” possui nove pontos de possíveis conflitos vei-culares, enquanto uma interseção de quatro aproximações terá 32,demonstrando que, na simples opção por um tipo ou outro de inter-seção, o engenheiro afeta o número de probabilidades de acidentes.

Evans reconhece que a identificação da mixórdia de fatores nãoprovê, por outro lado, a diretriz das medidas a serem adotadas. Paraisto recorre ao exemplo de Haddon,13 que considera o exemplo docaso da remessa de pacotes frágeis pelo correio. Se no processo pos-tal ocorrem avarias aos produtos acondicionados, pesquisas multidis-ciplinares irão, certamente, apontar para o manuseio inapropriado damercadoria por parte dos funcionários do correio. De tais conclusões,por seu turno, não deve-se inferir que investir na ação dos funcioná-rios configura-se a resolução mais lógica e eficaz. Voltar as atençõespara a característica dos pacotes usados pode lograr, naturalmente,melhores benefícios, a custos menores. Também Hauer (in Rothe,1994, p. 41) entende ser a “causa próxima” de um acidente raramen-te a melhor oportunidade de se intervir. Mas o fato é que, em existin-

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11. Myers, C. S. The psychological approach to the problem of road accidents. Nature, (86), 740-42in Rothe (1994, p. 172).

12. Os estudos são descritos em Treat, J. R. (1980); Sabey, B. E. e Taylor, H. (1980) e Sabey e Staugh-ton (1975) apud Evans (1991, pp. 92-5).

13. Haddon, W. Jr. A logical framework for categorizing highway safety phenomena and activity. Jour-nal of Trauma: 12; 193-207; 1972 in Evans (1991, p. 94).

do uma predisposição em condenar motoristas por caírem em bura-cos, dificilmente serão encontrados fatores que não os “humanos”para atribuírem-se as condenações.

O trinômio “homem-via-veículo” proporciona uma verdadeira armadi-lha semântica, conveniente às conclusões que fazem recair sobre ousuário da via a culpa pelos acidentes. Sendo o fator “humano” iden-tificado etimologicamente no homem da fórmula, tal racionalidaderemete, por decorrência lógica, a engenharia do veículo e da via a umaesfera “a-humana”, a salvo da subjetividade. Ademais, “errar...”, diz osenso comum, “...é humano”. Assim o discurso da “falha humana”, jáalicerçada na chancela científica, recebe como arremate o respaldolegitimador das representações sociais. Temos, neste contexto, osingredientes necessários para a mídia, já propensa a banalizações,contribuir para a disseminação dos mitos que passam, ironicamente,a ser reproduzidos pelas próprias vítimas.

Beneficiam-se desta perspectiva os encarregados de explicar osdesastres, livres da incumbência de pensarem de maneira menos rasaa origem dos acidentes de trânsito. Beneficia-se a indústria automo-bilística, eximida de mais investimentos na segurança veicular, queelevam custos de produção. Beneficiam-se - e aplaudem - do discur-so da falha humana, engenheiros de tráfego e planejadores urbanosque se vêem eximidos de inúmeras deficiências e omissões na con-cepção, construção e adaptação do ambiente de circulação - errosque levariam engenheiros das áreas de estrutura às barras da justiça(Vasconcellos, 1996, p. 134).

As demais áreas encarregadas pela segurança no trânsito, notada-mente as agências responsáveis pelo policiamento, fiscalização eprevenção de acidentes, encampam, oportunamente, o discursotécnico, levando consigo os vícios e distorções nele inerentes. Cha-mados a responderem sobre as causas dos acidentes, sacam dis-cursos prontos, versando sobre a “negligência, imprudência eimperícia” dos usuários do trânsito. Não raro, filosofam sobre “obrasileiro” e sua propensão à infração, e terminam imputando o fra-casso das campanhas à falta de cooperação do público. A mídia,conhecedora desse discurso, usa desta previsibilidade, pautandoclichês clássicos.

A partir da diagnose que identifica as causas dos acidentes nos indi-víduos que transitam nas vias, as estratégias de ação preventiva pas-sam a centrar-se, assim, nos comportamentos. E daí deriva a maiorparte das estratégias de educação de trânsito.

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FATORES POLÍTICOS E SOCIAIS

Não obstante a importância de elementos comportamentais, os aci-dentes de trânsito, em vários países em desenvolvimento, estão rela-cionados principalmente às características e condições do ambientede circulação.

Ações educativas voltadas exclusivamente ao comportamentoterão resultados limitados, mesmo em nações que há muito resol-veram questões ainda incipientes nos países em desenvolvimento.Não obstante reconhecerem o valor intrínseco desse tipo de educa-ção, algumas análises, notadamente a de especialistas norte-ame-ricanos (Evans, 1991; Iihs, 2001; Lonero e Clinton, 1998, pp. 42-3;Jones e Jocelyn in Graham, 1987, p. 175) não conseguem deixartransparecer certo ceticismo em relação à sua eficácia na preven-ção de acidentes. No que concerne às campanhas educativas,Howland (in Graham, 1987, p. 178) avalia que a idéia de que o com-portamento pode mudar de maneira lenta e gradual, ao longo dasgerações, é um verdadeiro anátema aos métodos científicos quedemandam respostas discretas e imediatas a um estímulo imedia-to. De fato, segundo estes parâmetros, quanto maior o períodoentre o estímulo e a resposta, tanto mais difícil é atribuir algumamudança a uma determinada medida.

Entretanto, se na dimensão técnica e psicológica é possível importarreferências a estudos, com algumas restrições e adaptações neces-sárias,14 no âmbito político e social as análises têm que ser feitas emestreita observação às características estruturais dos contextos ondeos acidentes ocorrem, sendo a referência a estudos de países de rea-lidades diversas, merecedoras de uma cautela ainda maior.

No Brasil, a partir dos anos 50, adotou-se o padrão norte-americanode transporte urbano, baseado no consumo de petróleo, em substitui-ção às redes de transportes implantadas pelos ingleses, na primeirametade do século XX (Melo, 2000, p. 11). Esta opção, vinda em favorde um modelo de desenvolvimento alicerçado na indústria automobi-lística (notadamente sob JK), representou um marco decisivo nas polí-ticas de transportes e trânsito no país.15 As duas décadas seguintes(60 e 70) seriam determinantes na consolidação do modelo automobi-lístico. Vasconcellos (1996, pp. 104-26) entende que a conjunturasocioeconômica do Brasil do “milagre” econômico operou o que cha-

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14. Como, por exemplo, categorias de engenharia de tráfego ou considerações sobre o desenvolvi-mento psicomotor de crianças pedestres.

15. Sob Juscelino Kubitscheck, a meta de 10 mil km de rodovias construídas foi superada no dobrodo previsto. A produção de petróleo saltou de 2 milhões de barris/ano, em 1955 para 30 milhõesem 1960. Dos 100 mil veículos previstos para serem fabricados em 1960, as multinacionais ins-taladas no país mais que triplicaram a cifra (MENDONÇA: 1995:57-8).

mou de verdadeira simbiose entre a classe média e o automóvel, ondea primeira precisa do carro para “ser” classe média e dar conta darede de atividades que a caracteriza como tal, assim como a indústriaautomobilística não poderia ter sido bem-sucedida sem uma deman-da significativa por carros. Tendo sido esta classe média fiadora domodelo desenvolvimentista do regime militar, teve ela prerrogativasquanto ao atendimento básico de suas necessidades e aspirações.Entre estas, a reprodução da classe média contou com incentivo fun-damental do Estado: investimentos pesados na transformação doespaço urbano em um “habitat do automóvel” (figuras 1 e 2).

Figura 1São Paulo, SP.

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Figura 2Brasília, DF.

Figura 3Pedestre aguardando brecha para travessia.

Eduardo Vasconcellos vê nesse contexto os elementos mais significa-tivos da periculosidade iminente do ambiente de circulação. Segundoo autor, a necessidade de atender os deslocamentos da classe médiados anos 60-70, com sua rede de atividades ampliada e diversifica-da,16 implicou na construção e adaptação de vias de modo a permiti-rem uma movimentação maior e mais veloz dos veículos automotores- o que também se obtém por técnicas de engenharia de tráfego. Istoresultou em um espaço de circulação perigoso para todos os usuáriosdo trânsito, mas principalmente para aqueles cujas características físi-cas e dinâmicas os tornam mais vulneráveis (figura 3).17

Os investimentos em resposta à demanda por cada vez mais mobili-dade, não vieram, no entanto, acompanhados das respectivas preo-cupações com a segurança e eqüidade que ocorreram, de maneirageral, nos países centrais. É sabida, na experiência brasileira, a ten-dência em privilegiar a fluidez sobre a segurança (Ministério dosTransportes - Programa Pare, 2002, p. 12). E esta talvez seja a facemais perversa da introdução abrupta da tecnologia de transporteautomóvel nos países periféricos.

A sociedade brasileira traz, em seu ranço escravocrata ainda recente,marcas de relações autoritárias, profundas desigualdades e injustiçassociais. A produção do espaço de circulação e as interações nele exis-tentes não teriam como deixar de reproduzir, obviamente, a naturezadesse universo relacional. Com efeito, o ambiente de circulação apenasmaterializa os abismos sociais que caracterizam o país. As adaptaçõesdo meio urbano para atender a eficiência dos carros foram feitas às cus-tas da apropriação de espaços antes usados para outros fins, pelosmais diversos meios e modos de transporte. A rua, de fato social emetáfora genuína do que é “público”, passa a ser mera via de passa-gem.18 Isto tem conseqüências particularmente graves nas regiões maiscarentes, onde os meios de locomoção não motorizados, interagindocom os carros, são mais numerosos e a presença do Estado (seja nopoliciamento, sinalização e provisão de infra-estrutura) é tímida.

Outro aspecto reflete a realidade sócio-histórica do país: a forma vio-lenta e autoritária com que o condutor de veículo motorizado se per-mite ocupar o espaço público. Esta apropriação, nesses moldes, é

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Proposições decorrentes das teorias da segurança no trânsito e alternativas possíveis

16. Notadamente em atividades relacionadas ao lazer, compras e educação especializada. 17. Em um choque a 60 km/h - velocidade corriqueira em muitas cidades - um pedestre tem menos

de 20% de chance de sobrevivência (TAU in NHTSA, 2000).18. A esse respeito, Sennet (1998, p. 28), aludindo a um “desejo de eliminar coerções da geografia”

propiciado pela atual tecnologia de movimentação, diz ter sido o espaço público moderno umaderivação de um movimento que corresponde precisamente às relações entre o espaço e osdeslocamentos do automóvel particular. Sennet ressalta ainda: (...) assim como alguém pode seisolar em um automóvel particular para ter liberdade de movimento, também deixa de acreditarque o que circunda tenha qualquer significado além de ser um meio para chegar à finalidade daprópria locomoção.” (op. cit., p. 29).

respaldada por um espaço construído que reforça a condição supe-rior do motorista em relação aos demais usuários, como os pedestres.Em Brasília, em 1995, um jornal local ilustrava exemplarmente essasituação. Sob o título Hora do rush inferniza a vida do brasiliense, qua-tro de um total de seis textos que compunham a reportagem referi-ram-se ao pedestre como “causa” dos engarrafamentos. Em doisdeles, sob as chamadas Pedestres causam mais lentidão e Pedestrespioram o trânsito na L2, registram-se a irritação dos motoristas, atra-sados para o almoço. Respondendo às reclamações, o gerente deengenharia do órgão gestor do trânsito assinalava que os semáforosde pedestres eram um “mal necessário” e, sendo controlados manual-mente, “não há nada que possamos fazer”.

Os pedestres que, não sem razão, estão super-representados nasestatísticas de acidentes fatais,19 assimilam sua condição de cidadãos“menores” no trânsito. Sendo vistos - e o pior - se vendo mais comoum “estorvo” à fluidez do tráfego do que como cidadãos com direitos,sentem-se desobrigados de cumprir regras de um sistema feito paracarros. Isto também se dá, em certa medida, com o ciclista e o carro-ceiro no leito viário, para quem os semáforos, por exemplo, não lhesparecem dizer respeito.

A mencionada situação é, de certa forma, emblemática. A mensagemde sua condição de “cidadão de segunda classe” do pedestre se con-firma na percepção dos investimentos que não lhe contemplam, peladisposição desfavorável ou mesmo inexistência de equipamentos efacilidades para travessias ou pela invasão generalizada do seu espa-ço por carros, ambulantes, lixos etc. (Daros, 1998, pp. 97, 102; Godim,Azevedo Filho e Porto Jr., 2000, p. 8). Por mais que se queira reduzira questão dos atropelamentos à imprudência, a freqüência dessesdesastres grita uma informação inequívoca, só não ouvida por queminsiste em ignorá-la: o sistema não funciona. Nestes casos, o investi-mento monocórdio no fator “humano” para prevenir atropelamentos éanálogo à racionalidade que culpa quem é assaltado por insistir emsair de casa à noite. A lógica que induz à ação isolada no comporta-mento das potenciais vítimas tende a tomar como pressuposto natu-ral o estado de coisas que impede um cidadão de ir e vir sem quesofra violência. Nesse sentido, a questão do comportamento dosusuários do trânsito traduz mais sua natureza “classista” do que umdesvio de condutas de indivíduos, como muitos preferem simplificar.

A negligência da dimensão social leva a conclusões pobres e ações con-seqüentemente ineficazes, mesmo quando as infrações no trânsito nãodizem respeito a conflitos entre papéis mais ou menos privilegiados.

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19. Susan Baker (1975, p. 3) refere-se aos pedestres que fracassamos em proteger. E fracassar, frisaa autora, não é exagero semântico: eles estão mortos.

Rothe (1994, pp. 23-35) chama a atenção para um conceito de respon-sabilidade social no trânsito que não se relaciona necessariamente àconsideração do direito dos demais. A concepção referida diria respeitoa ações e atitudes que as pessoas esperam umas das outras como, porexemplo, responderem adequadamente ao que o grupo/classe a que sepertence (ou que se deseja pertencer) determina. Essas ações não estãoem necessária consonância com a responsabilidade legal (advinda docontrato estabelecido entre as pessoas e o Estado). Um exemplo, noâmbito do trânsito, é o de nos permitirmos transportar no carro umnúmero de pessoas maior do que legalmente estabelecido para o veícu-lo, em nome de não deixarmos um amigo de fora. A recusa em atendera essa exigência social poderia acarretar sanções dos pares (antipatia,segregação, danos às relações) cujas conseqüências podem ser consi-deradas mais graves do que as prescritas em uma multa.

No trânsito, outras exigências socialmente contraditórias podem ser per-cebidas em questões como a da velocidade, comumente eleita, ao ladoda condução após consumo de bebidas alcoólicas, como alvos favoritosde campanhas educativas. O limite da velocidade a 8 km/h estabelecidopelo Locomotive Act nas cidades da Inglaterra de 1861 refletia, em certamedida, o ritmo social da vida daquele momento.20 Hoje, em um mundoonde a velocidade das comunicações assume uma condição vertiginosa,o cidadão moderno, socializado em uma cultura que identifica eficiênciaà rapidez, se depara com limites de velocidade no trânsito que lhes pare-cem inconcebíveis. Tal percepção é corroborada por um espaço de cir-culação que, mais do que permite, convida à alta velocidade. Por outrolado, o Estado de Direito, que limita a velocidade nas vias à x km/h, é omesmo que permite a fabricação, comércio e exploração publicitáriaexplícita da condição dos carros que desenvolvem até 3x km/h.

Valores surgem a partir das necessidades e circunstâncias, e asdemandas do mundo moderno ordenam e premiam a rapidez. Assim,não é de se estranhar que condenar a direção em alta velocidade cos-tuma redundar em um discurso de difícil assimilação. Essa contradi-ção torna-se ainda mais patente quando o ethos da velocidade é refe-rendado por um espaço de circulação propício. Na prática, a respostaa esse dilema se materializa na violenta reação dos segmentos maisinfluentes às tentativas de limitar a mobilidade irrestrita dos carros(radares, lombadas etc.). A questão da direção sob efeito de bebidaalcoólica enfrenta dilemas semelhantes: as advertências formais sedeparam com um padrão de socialização e diversão que inclui a bebi-da e impõem o automóvel como único meio de transporte aceitável.

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20. Quatro anos mais tarde, com o intuito de diminuírem-se os acidentes, os limites foram reduzidospara 6 km/h nas estradas inglesas e a 3 km/h no interior das cidades. (British Motors Manufactu-rers - London to Brighton Emancipation Run).

Não obstante as boas intenções - e elas existem -, o simples repas-se de informações sobre assuntos referentes à segurança no trânsi-to não resultam, por si só, em mudanças de atitudes por parte dosusuários do trânsito (Reed, 1981 in Graham, 1987, p. 175). Asmudança de atitudes decorrentes do acesso a informações preven-tivas, por sua vez, não são garantia de uma mudança efetiva nocomportamento do público alvo (Lonero e Clinton, 1998, pp. 42-3;Singh in Chapman, Foot e Wade, 1982, pp. 72-103). Considerando-se o mencionado exemplo dos pedestres, temos que estes, por suavez, dificilmente se submeterão às soluções decididas nas pranche-tas ou recomendadas nas cartilhas, quando estas não se lhes apre-sentam razoáveis. As alternativas para os que caminham (quandoexistentes - o que não costuma ser a regra) implicam, muitas vezes,em longas esperas e desvios de trajetórias (figuras 4 a 6) que mui-tos usuários julgam inaceitáveis (Baker, 1975, p. 2). Por outro lado,um olhar mais amplo sobre o problema não deixará de reconhecerque, mesmo nos casos em que a infração do pedestre se dá próxi-ma a equipamentos que lhe proporcionariam segurança, sua atitudenão se pauta, via de regra, a partir desta ou naquela ilha de confor-to. Em um oceano de adversidades, suas ações são determinadas apartir da idéia que tem de sua inserção no contexto geral do trânsi-to. Forçar as pessoas a obedecerem estas condições de forma acrí-tica é reforçar um modelo excludente.

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Figura 4Via W3 Norte, altura da 506/7,cruzando a “rua do Ceub” emBrasília, DF.

Figura 5Esquema de travessia no espaçoretratado na figura 4. Em azul, opadrão de travessia esperado. Em vermelho, o trajeto verificado.

CAMINHOS POSSÍVEIS

Tudo isto considerado, temos que a proposição de uma educação detrânsito nos remete a verdadeiras encruzilhadas que não deixam, con-tudo, de ter seu lado positivo. Esses dilemas, mais do que respostas,nos exigem tomadas de posição quanto a qual o tipo de trânsito esociedade que, de fato, queremos. O investimento no que prescreveboa parte dos modelos clássicos de educação não é apenas inócuo,por não trazer mudanças efetivas - é também perverso, na medida emque concita à conformação a uma realidade injusta.

Mas, longe de renunciar às possibilidades da educação, os dilemasapontados não excluem saídas, tampouco fecham os olhos para asingularidade do momento. É interessante reparar como a profusão decartilhas, manuais e assemelhados que sucederam a promulgação donovo código de trânsito trazem, em meio à tentativa de explicar asnovas leis, um irresistível apelo por “um trânsito mais humano” ou“uma sociedade mais justa e solidária”. Tais clamores, ainda quesoem ingenuamente voluntariosos e tomem por base o indivíduo,revelam, em um inconsciente projeto de nação, uma percepção deque o sucesso de uma nova ordem deve extrapolar os esforços noâmbito técnico. Ademais, se uma perspectiva mais cética não vê pos-

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Figura 6Padrão de travessias verificado na via W3 Sul, à altura do Hospital Sarah eSetor Comercial Sul, em Brasília, DF, e detalhe da perspectiva do pedestre.As travessias “corretas” demandam uma cognição do esquema planejado - oque não é facilmente assimilado por todos. O conhecimento do esquema,por outro lado, não é garantia de que ele será respeitado, dados os grandesdesvios de trajetória e dispêndio de tempo que acarretam (travessias emvárias etapas, aguardando ciclos semafóricos).

sibilidades de mudança no comportamento no trânsito sem que hajauma mudança na cultura, eis que as proposições do novo códigoensejam mudança da cultura a partir das práticas no trânsito. O casodo respeito à faixa de pedestres em Brasília-DF é, nesse sentido, umexemplo emblemático.

Não se pode partir da premissa ingênua de que os problemas detrânsito são frutos de mera falta de informação - e que o repasse deum conjunto de regras e advertências por parte de especialistas éo que proporcionará mudanças. Uma educação de trânsito trans-formadora não poderá abrir mão de uma atitude questionadora ecrítica. Mais do que concordar com as normas, é preciso que sediscuta a sua razão de ser - condição para o respeito genuíno. Éfundamental que se considere o trânsito em sua condição de uni-verso de relacionamento social, diretamente associado ao convivodas pessoas no espaço público.

Essa oportunidade de se interferir nos rumos da educação de trân-sito não prescinde, no entanto, de eixos norteadores. No âmbitoescolar, considerando o que preconiza o artigo 76 do CTB,21 os pre-ceitos existentes na proposta dos Temas transversais, dentro dosParâmetros Curriculares Nacionais (PCN), fornecem valiosas pistasquanto à orientação, possibilidades e métodos de trabalho. Elabo-rados na década de 90, para servirem de apoio ao projeto pedagó-gico das escolas, os Parâmetros, balizados pela preocupação coma dignidade da pessoa humana, com a igualdade de direitos, com aparticipação (cidadania ativa) e com a co-responsabilidade pelavida social, demonstram afiada sintonia com uma idéia de educa-ção de trânsito transformadora.

A resistência dos setores mais diretamente relacionados às áreas deeducação em ceder espaço a mais um tema não constitui uma ele-mento novo, tampouco original da realidade brasileira. Acaloradasdiscussões no apêndice de Chalenging the old order (Rothe, 1990, pp.265-6) revelam, quando se discorre da situação canadense, intrigan-tes semelhanças com o nosso contexto. Naquele país, os represen-tantes da instituição equivalente a um Ministério da Educação argu-mentam que, além dos grupos que advogam a importância datemática trânsito, setores ligados à questão ambiental, à educaçãosexual, entre outros, também reivindicam seu lugar ao sol. E perantea contra-argumentação de que o tempo dos alunos é um “bem escas-so”, o lobby da educação de trânsito não recrudesce. A saída propos-

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21. Art. 76 - A educação para o trânsito será promovida na pré-escola e nas escolas de 1º, 2º e 3ºgraus, por meio de planejamento e ações coordenadas entre os órgãos e entidades do SistemaNacional de Trânsito e de Educação, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municí-pios, nas respectivas áreas de atuação.

ta naquela discussão segue também a tendência adotada no casobrasileiro: o recurso à transversalização - ou seja, a integração dotema trânsito dentro das áreas de conhecimento (matérias ou discipli-nas) convencionais, sem implicar em carga horária extra.

A transversalização, em consonância com a perspectiva da inter-disciplinaridade, se apresenta assim como uma saudável alternati-va de ação pois, ainda que os PCN não tenham incluído o trânsitocomo tema transversal,22 seus formuladores (Brasil,1998, p. 25)admitem que muitas questões sociais podem ser tratadas como tal.Outros elementos reforçam a sintonia de valores da educação detrânsito em foco: os PCN foram elaborados procurando respeitar asdiversidades regionais, culturais e políticas existentes, compreen-dendo a cidadania como participação social e política, repudiandoinjustiças, respeitando os demais e exigindo para si o mesmo res-peito. Os Parâmetros fazem ainda menção direta ao posicionamen-to crítico, responsável e construtivo das pessoas nas diferentessituações sociais (Brasil,1998, p. 7).

A inserção do tema trânsito, nesses moldes, pressupõe uma visãomais abrangente do seu significado, o que implica em entender trân-sito para além de mero tráfego de veículos automotores em centrosurbanos e da análise de acidentes. Isto não se dá sem certo conflito,pois desconstruir conceitos arraigados não constitui empresa fácil.Um esforço deve ser empreendido, entretanto, para que o entendi-mento de trânsito não desconsidere as mais diversas formas das pes-soas se locomoverem: a pé, em lombos de burro, por meio de embar-cações, bicicletas e tantas outras possibilidades características darealidade brasileira - plural e contraditória (figuras 7, 8 e 9).

As questões relacionadas ao trânsito, por outro lado, dizem respeito amuito mais que o desfile enfadonho de procedimentos esperados.Diante das contradições como as relacionadas à questão da velocida-de, direção sob efeito de bebidas, uso do cinto de segurança, entreoutras, a ética, como reflexão crítica a respeito do conjunto de regrasexistentes, busca o suporte, a consistência, as finalidades e coerên-cia entre princípios e práticas. O repasse ou imposição pura e simplesde regras só logram obter comportamentos “adequados” quando sobrígido controle externo, o que, por sua vez, depara-se com limitaçõesde ordem prática. Evans (1991, p. 211) relata que, nos EUA, a proba-bilidade de alguém que dirige embriagado ser detido é cerca de 1 em1.000. Mesmo em se dobrando o efetivo policial, esta probabilidade

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22. Pelos critérios assumidos nos PCN os temas eleitos foram ética, saúde, meio ambiente, orientaçãosexual, pluralidade cultural, trabalho e consumo. Vê-se que, em uma perspectiva ampla do trânsi-to, a maior parte dos temas está diretamente relacionada à locomoção no espaço público.

aumentaria para apenas 1 em 500, o que, avalia o autor, torna as san-ções anunciadas pouco acreditadas, em face de tão minúsculosníveis de ameaça. Os alicerces fornecidos pela reflexão ética visamsustentações mais robustas: mais do que respeito, as normas do con-vívio no trânsito se fazem verdadeiramente legítimas quando, mesmosem a percepção da possibilidade de sanção, um motorista pára emfrente à faixa para a travessia de um pedestre.

Discutir o trânsito pode tornar-se também um exercício de riquezaímpar quando se considera sua dimensão histórica e conflitiva, suacondição de universo relacional e os aspectos da interação entre aspessoas e o espaço. Esta orientação abre o caminho para a viabilizaroutros preceitos dos Parâmetros: a percepção do aluno como sujeito

Figura 7:“Taxiclistas” em Abaetetuba, PA.

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Figura 8: Passageiros de ônibus em Curitiba,PR.

Figura 9:Barca levando crianças para aescola em Manaus, AM.

transformador de sua realidade, mesmo em séries iniciais do ensinofundamental. Como exemplo, os PCN sugerem a discussão a partir demateriais como artigos de jornais e revistas, livros, imagens, propa-gandas e programas de TV. Desnecessário dizer da quantidade dematerial que o tema trânsito propicia para essas ocasiões. E as refle-xões não precisam ficar no campo da abstração. O 6º capítulo do CTBdedicado à educação de trânsito é, por uma simbólica coincidência,precedido por um outro intitulado “Do cidadão”. Neste, o artigo 72 dáuma pista quanto a possibilidades de ações concretas:

Art. 72 - Todo cidadão ou entidade civil tem o direito de solicitar, porescrito, aos órgãos ou entidades do Sistema Nacional de Trânsito,sinalização, fiscalização e implantação de equipamentos de segu-rança, bem como sugerir alterações em normas, legislação e outrosassuntos pertinentes a este Código.

O 3º parágrafo do artigo 1º do capítulo 1 (Das disposições prelimina-res) concitando a ação cidadã, não faz por menos:

§ 3º Os órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional deTrânsito respondem, no âmbito das respectivas competências, obje-tivamente, por danos causados aos cidadãos em virtude de ação,omissão ou erro na execução e manutenção de programas, projetose serviços que garantam o exercício do direito do trânsito seguro.

Enquanto o Código Nacional de Trânsito (Lei 5.128, de 21 setembrode 1966) afirmava, lacônico, que o trânsito seria regido por aquelecódigo, a lei atual inova, enfatizando, no mesmo artigo, que o trânsitoem condições segura é direito de todos (Rodrigues, 1999, p. 11).Como qualquer outra lei, o código vigente, sabemos, não estabelecea felicidade por decreto. O conjunto da legislação brasileira - comotudo mais nessa sociedade - não está a salvo de inconsistências, oque talvez dê lugar a alguma frustração, nas primeiras incursõesnesse âmbito. É importante, entretanto, que se entenda que estascontradições não devem ser ocultadas e que os confrontos de idéiase os conflitos não sejam percebidos como algo negativo, que deva serevitado. A cidadania preconizada na lei remete à natureza da demo-cracia, como instância permeada de impasses - o que não exclui apossibilidade de suas superações, em avanços que os momentos econjunturas permitam. Cidadania é, antes de mais nada, exercício. Eé nessa condição permanente de construção conjunta que talvez resi-da o que de mais desafiador e instigante exista nessa proposta.

Não se desconhecem aqui as dificuldades estruturais da escola bra-sileira, os problemas relacionados à formação dos professores ououtros tantos entraves - particularmente no que respeita às institui-ções públicas. Mas não se pode dizer que as limitações existentesinviabilizam todo e qualquer projeto e que, dentro das limitações men-

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cionadas, avanços proporcionais ao raio de ação possível não sejamexeqüíveis. A própria condição de processo da educação, por outrolado, indica estar ela sujeita a ganhos e revezes, períodos de euforia,decepções e revisão de rumos. A escola, por fim, não “resolve” osproblemas, mas pode compartilhar como poucos o projeto de cidada-nia em questão.

As vias aqui mencionadas centraram-se no ensino escolar, pormotivos além da associação óbvia educação-escola. Além darepresentatividade do segmento etário jovem nos conflitos, é este ogrupo onde as maiores esperanças de mudanças costumam serdepositadas. Os demais setores a que se associa a educação detrânsito - centros de formação de condutores; setores de educaçãode órgão gestores de trânsito, trabalhos nas diversas associaçõescomunitárias etc. não deixam, entretanto, de ser beneficiáriosdesse eixo orientador.

As campanhas na mídia diversa não podem abrir mão do amparo deprofissionais, comprometidos com a visão de cidadania ativa e proje-tos consistentes. A redução de campanhas a mera produção de slo-gans e trocadilhos espirituosos há muito demonstrou sua ineficiência.Nesse âmbito, as ações educativas não podem prescindir, por suavez, da contraparte de um Estado presente, fazendo valer os precei-tos que prega em outras esferas, como a engenharia e a fiscalização,pois há uma grande diferença entre educação ser algo fundamental -e não temos dúvidas que o seja - e de ser panacéia. Ademais, a edu-cação não pode ser vista como algo em necessária oposição à san-ção, ou excluindo-a, como se subentende no mote “é preciso educar‘ao invés’ de punir...”. Esta argumentação - apropriada de modo sor-rateiro por infratores contumazes - desconsidera que uma educaçãocidadã implica na garantia ao direito à vida, na premissa de que aspessoas não podem ocupar o espaço público da maneira que bementendem e que os que se vêem ameaçados terão o amparo do poderpúblico, fazendo valer a lei. Caso contrário as campanhas, mais doque inócuas, serão contraproducentes, pois caem no descrédito e najustificável desconfiança das pessoas.

A GUISA DE CONCLUSÕES

As idéias aqui propostas foram uma reflexão sobre a gênese e efeitosdos paradigmas existentes e a busca de outras maneiras de se pen-sar as questões do trânsito. A preocupação primeira com a seguran-ça no trânsito não pode estar restrita aos fatores mais imediatamentevisíveis nos conflitos, mas considerar todo o contexto que gera oestado de coisas que se deseja transformar. Agindo na dimensãosocial da questão, reconhecendo os elementos que, de fato, estão

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“por trás” dos conflitos, tem-se uma valiosa oportunidade de se inter-ferir de forma efetiva na realidade do trânsito. E não é pretensiosopensar que assim, de certa maneira, se está trabalhando um proces-so paulatino do projeto da sociedade que de fato desejamos.

É obviamente difícil o desapego a procedimentos consagrados. Noentanto, Eric Heller23 narra uma oportuna história, para a conclusãodesta reflexão. Nela, Karl Vallentin, um comediante alemão dos anos50, encontra-se sobre um palco escuro e caminha em volta de um cír-culo de luz, formado pela lâmpada de um poste próximo. Olhandopara o círculo ele procura por algo, ansiosamente. “O que você per-deu?”, pergunta um policial que entra em cena. “Minhas chaves decasa”, responde Vallentin. O policial junta-se então a Vallentin nessabusca e, após algum tempo, sem nada ter encontrado, questiona:“Você tem certeza que perdeu as chaves aqui?”. “Não”, diz o come-diante. E apontando para um canto escuro do palco, continua: “Foipor ali que as perdi”. “Então, por que diabos você procura pelas cha-ves aqui?!”. “Porque ali não tem luz...” conclui Vallentin.

Não estaríamos, por temor em explorar áreas sob as quais a seguran-ça no trânsito não tem jogado luz, incorrendo no mesmo procedimen-to? E o mais importante: teremos resolvido o problema?

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Proposições decorrentes das teorias da segurança no trânsito e alternativas possíveis