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http://malomil.blogspot.pt/2014/01/adireitaportuguesacontemporanea.html Malomil (Blogue) sexta-feira, 17 de Janeiro de 2014 A cultura de direita em Portugal. A direita portuguesa contemporânea: itinerários socioculturais (1)

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Malomil (Blogue) sexta-feira, 17 de Janeiro de 2014 A cultura de direita em Portugal.

A direita portuguesa contemporânea:

itinerários socioculturais (1)

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Em 1983 foi criado o jornal Semanário por Marcelo Rebelo de Sousa,

Daniel Proença de Carvalho, José Miguel Júdice, João Lencastre, Vítor Cunha

Rego, João Amaral, entre outros (2). Nos outdoors da campanha publicitária de

lançamento surgiam, o que é significativo, os rostos dos fundadores desse

jornal. Mais tarde, em 1988, O Independente usaria Winston Churchill nos seus

outdoors promocionais, um outro sinal de que Portugal mudara – e muito –

desde os tempos do PREC (3). O Semanário teria como repórter, que

entrevistava em Paris figuras da «grande direita» europeia, sobretudo francesa (e

não anglo-saxónica, note-se), um jovem chamado Paulo Sacadura Cabral

Portas. Não era uma estreia: com uma notável precocidade, Paulo Portas já

tinha trabalhado no jornal A Tarde, dirigido por Vítor Cunha Rego, ao lado de

personalidades como Vasco Pulido Valente, António Barreto, Manuel de

Lucena ou Francisco Saarsfield Cabral. Regressemos ao Semanário. Além da

política, num tempo em que o jornalismo económico era muito incipiente – até

por efeito colateral da incipiência da actividade privada nos sectores-chave da

economia – o Semanário, a dada altura, a altura das privatizações e das Ofertas

Públicas de Venda (OPV’s) (4), teria um papel importante na informação

económica ou na orientação dos compradores de acções.

Mas, por muito descabido que pareça, o aspecto que aqui quero focar foi

o surgimento, creio que logo no primeiro número do Semanário, de uma rubrica

intitulada «Meia Desfeita», uma coluna social com fotografias, originalmente a

preto e branco, de festas ou eventos mundanos em discotecas que renasciam

das cinzas, como o Van Gogo, de Cascais, ou o Stone’s, de Lisboa, ou outras

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que viam a luz do dia – ou da noite… – nessa época, como o Banana Power,

criado em 1981 por um conjunto de sócios liderados por Manecas Mocelek,

boémio e empresário da vida nocturna que em 1975 partira para Angola e,

depois, para o Brasil. Sendo uma discoteca com restaurante e clube privado de

acesso restrito, o Bananas, como era vulgarmente conhecido, com senhas de

entrada a 150$00 para o comum dos mortais e cartão gold para os sócios,

correspondia a um padrão cultural – e mental – que teria sido impensável no

período revolucionário (5). A sua festa de inauguração foi, por assim dizer, o

«Baile Patiño da democracia» ou o «25 de Novembro social» de certas elites e

até de uma certa Weltanschauung, mais mundana e frívola. Assumir pública e

abertamente, sem traumas nem complexos, a mundanidade e a frivolidade

representava uma viragem muito sintomática relativamente aos tempos mais

inflamados da revolução.

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aqui

A par disso, a «Meia Desfeita» publicitava acontecimentos como corridas

de touros ou raids hípicos, dando visibilidade a redes de sociabilidades desde

sempre conotadas com a direita tradicionalista, marialva e ultramontana, ou aos

exclusivos bailes de debutantes no Clube Portuense, estudados por Clara Maria

Ferraz no âmbito de um trabalho académico sobre as estratégias endogâmicas

das classes superiores (6). Para o público feminino, e não só, a rubrica «Meia

Desfeita» era um dos principais atractivos do novo periódico, a ponto de,

seguindo uma ideia de Marcelo Rebelo de Sousa, Vítor Cunha Rego e José

Miguel Júdice, se ter transformado mais tarde numa revista autónoma, a cores,

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vendida com o próprio jornal, a Olá!, numa tentativa óbvia, porventura

demasiado óbvia, de mimetização da sua congénere espanhola, a ¡Hola!. A dada

altura, de algum declínio, muitas pessoas compravam o jornal por causa da

revista Olá! e não o contrário. Na sua fase de agonia, que terminaria com o

encerramento em 2009, o Semanário viria a ser comprado por uma

personalidade hoje relativamente esquecida, Rui Teixeira Santos, um yuppie

meteórico que também adquirira os armazéns Braz & Braz.

Olá! Semanário

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Poder-se-ia falar do papel que o Semanário, sobretudo a sua coluna «Mão

Invisível», também teve – e lembremos que tudo isto coincide com o emergir

do reaganismo e com o thatcherismo – na difusão do pensamento económico

liberal ou neoliberal de uma geração que, de Jorge Braga de Macedo a Diogo

Lucena, passando por António Borges ou pelos irmãos Pinto Barbosa, possuía

ligações académicas aos Estados Unidos ou ao INSEAD de Fontainebleau e

que começou um processo de internacionalização universitária «em rede» que

era relativamente inédito na academia portuguesa.

Quero concentrar-me no aspecto mundano do jornal e não o faço por

um desejo de originalidade ou para fazer uma deambulação nostálgica por

curiosidades esquecidas dos anos oitenta (7). Mas creio que, de facto, se não

cairmos em exageros, a revista Olá!, pelo que significou historicamente, tem

relevo cultural, sociológico e até ideológico.

Sempre existiram revistas sociais em Portugal e, desde 1976, Jacques

Rodrigues publicava com grande êxito a Nova Gente. Simplesmente, a Nova

Gente falava de actores da moda, muitos vindos do teatro de revista, de cantores

populares e futebolistas, mas não tinha, creio que até deliberadamente, qualquer

glamour. Na linha do que sempre seria a marca do Grupo Impala, era uma

revista vocacionada para a classe média e para a classe média-baixa, de grande

tiragem, tendo chegado aos 150.000 exemplares em finais dos anos oitenta.

No entanto, o facto de um jornal como o Semanário, que veiculava um

projecto claramente de direita ou de centro-direita, protagonizado pelos

principais ou mais influentes intelectuais da direita possível da altura, que davam a

cara em outdoors, possuir uma rubrica em que apareciam eventos sociais das

classes altas era uma novidade cujo efeito não quero sobrevalorizar, mas que

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merece ser realçado. É que o habitus, para usar um conhecido conceito que

Bourdieu desenvolveu em várias obras, como La Distinction (1979), havia sido

bruscamente interrompido quando as elites do salazarismo e do marcelismo

debandaram para o Brasil ou para Espanha. Numa altura em que a estrutura de

classes se reconfigurava e necessitava de alguma pavimentação simbólica, havia

que renovar a exposição dos mecanismos de desigualdade social, expondo o

«sistema de disposições reguladas» que fundam o habitus. Ora, a «Meia Desfeita»

e a Olá! serviram esse propósito na perfeição e o seu sucesso mostrou que, para

além da exposição pública da desigualdade, por parte dos emissores da

mensagem, existia, por parte dos receptores ou destinatários da mesma, um

«público» que aceitava a existência dessa estrutura de classes, que convivia bem

com ela e que pretendia observar e acompanhar os movimentos dos seus

protagonistas. A criação de uma «esfera social», de que o Semanário fazia eco,

era indício da recomposição da estrutura de classes no início da década de

oitenta, feita naturalmente à base de uma mescla, nem sempre fácil, entre velhas

e novas elites, que convergiam em eventos e negócios mas raramente se

cruzavam em termos, por assim dizer, «endogâmicos» ou familiares.

Não quero, obviamente, exagerar a importância de uma coluna social de

um semanário, até porque outros exemplos se poderiam fornecer, como a

campanha presidencial de Diogo Freitas do Amaral, em 1986, que teve alguns

traços distintivos de cariz classista. Popularizou a moda dos sobretudos verdes

de loden, de inspiração austríaca (o candidato usava um), e foi uma campanha «à

americana», de grande espectacularidade, com chapéus de palhinha feitos em…

plástico. Mas, mesmo no plano das publicações, poderíamos igualmente falar,

até porque também tinha uma coluna social para consumo das elites, com

amplas reportagens das recepções nas embaixadas, da revista Casa e Jardim,

fundada em 1977 por Eduardo Fortunato de Almeida (8), e que possuía o

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mesmo nome de uma revista brasileira, a qual, por sua vez, mimetizava uma

famosa publicação norte-americana, a House and Garden, remontando esta a

1901. Simplesmente, a Casa & Jardim era uma publicação de decoração de

interiores, não-ideológica, e que se esgotava no seu próprio objecto, enquanto a

coluna «Meia Desfeita» e a revista Olá! estavam associadas a um projecto

jornalístico/político que procurava ser uma alternativa ao Expresso e, mais

ainda, uma alternativa que era assumidamente situada «à direita» do Expresso (9).

De algum modo, era um sinal, um sinal muitíssimo expressivo, de que, na

ressaca do 25 de Abril, os ricos «saíam do armário», faziam aos poucos o seu

outing e deixaram de ter vergonha em ser ricos – uma tendência que se irá

aprofundar de forma algo feérica e exuberante no período do chamado

«cavaquismo».

Ao mesmo tempo, começou na altura a emergir um fenómeno que, à

falta de melhor, poder-se-ia chamar neoconservadorismo do gosto ou

neoconservadorismo do imaginário, um fenómeno estético, imagético e social, mas

que remetia para um universo de representações que possuíam um indiscutível

sentido ideológico.

Na lógica de recomposição das elites no pós-25 de Abril ou, mais

precisamente, nos alvores dos anos oitenta, havia que reafirmar (diríamos, em

termos weberianos) o valor do status, por oposição à noção de classe. Para usar

um conceito de Thorstein Veblen, a emulação, a luta, fazia-se não em torno do

material mas do imaterial. Isto devido a uma série de razões, entre as quais se

pode apontar o facto de as velhas elites, depapuperadas pela revolução, não

poderem competir no terreno do consumismo conspícuo, outro conceito de Veblen,

e de o consumo de luxo não estar ainda difundido entre nós com a dimensão

que hoje possui, uma dimensão de luxo que, paradoxalmente, é massificada,

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algo que certamente teria confundido Werner Sombart quando estudou a

importância do luxo nos alvores do capitalismo (10). A recomposição da

estrutura de classes, que se irá aprofundar com o crescimento económico

verificado no tempo dos governos de Cavaco Silva, implicava uma

revalorização do capital social imaterial por parte daqueles que não dispunham

de capital material, ou não dispunham dele na mesma medida do que os

«emergentes», para usar uma expressão do Brasil, ou, se preferirmos a

terminologia de Vance Packard, daqueles que, naquela ambiência, se

configuravam como os status seekers. Foi neste contexto que se desenvolveu o

«neoconservadorismo do gosto», que é, como se referiu, estético e simbólico

mas que possui conotações ideológicas em termos de representações e valores

que são sustentados de uma forma aberta, assumida e até, por assim dizer,

«militante». Em termos muito simplificados: à arquitectura provocatória de

Tomás Taveira, um absoluto self-made man que exibia o seu Rolls Royce pelas

avenidas de Lisboa e pontificava no Bananas, sendo o expoente mais

triunfalista e barroco das novas vias de ascensão social, haveria que opor os

solares e casas de família que, graças a fundos vocacionados para o

denominado «turismo de habitação» (11), começaram a ser recuperados num

processo muito interessante de invenção da tradição, para usarmos o conhecido

conceito de Eric Hobsbawm (12). Mas mesmo uma personalidade amante da

controvérsia como Tomás Taveira via-se na contingência de explicar, em

entrevistas, que a sua arquitectura correspondia, de uma forma pós-moderna

muito peculiar, a uma «reinvenção da tradição», convocando arquétipos

ancestrais da portugalidade: o edifício-sede do Banco Nacional Ultramarino

(1989) a representar a guitarra portuguesa ou as Torres das Amoreiras (1985) a

assumirem a forma de capacetes de guerreiros medievais, evocando castelos de

reis e princesas. Trata-se de um discurso que é justificativo e, claro, também ele

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provocatório, mas que arquitectos como Siza Vieira ou Souto de Moura nunca

seriam obrigados a usar (13).

É em todos este movimento que se inscreve também, por exemplo, um

renascer da valorização social da aristocracia, com o Anuário da Nobreza a

retomar a sua publicação em 1985. A par disso, assiste-se ao aprofundamento

de uma noção de exclusivismo do imaterial, construída em torno de topoi como a

posse de propriedades de família, o gosto herdado mais do que aprendido, a

«educação de berço», a pertença a uma linhagem não transaccionável. A própria

onomástica dos nomes próprios começou a sofrer este influxo neoconservador,

com o retomar de nomes tradicionais portugueses, simples e lhanos, ou o

recurso a nomes com uma ressonância deliberadamente «antiga», como

Salvador, Lopo, Martim, Constança, Caetana, Tomás, Lourenço, Sebastião,

Piedade (14). E tudo isto foi passando para a esfera pública, com uma

reconstrução das redes de sociabilidades em torno de clubes, de bailes de

debutantes, de irmandades, de confrarias religiosas, de associações que se

formam mais ou menos na altura, como a Associação Portuguesa de Casas

Antigas (1978) ou a Turihab (1983), para fins comerciais de exploração do

turismo de habitação, a par da marca «social» que é conferida a iniciativas como

as procissões em Lisboa ou festividades em Ponte de Lima (as Feiras Novas),

em São Martinho do Porto (o Baile da Chita), na Golegã (a Feira da Golegã) ou

em Évora.

O ponto que me interessa explorar é que o emergir desta tendência foi

mais do que uma «moda» fugaz, como o demonstra o seu enraizamento até aos

dias de hoje, bastando ver os fenómenos contemporâneos do upcycling, da

propagação do artesanato urbano ou a releitura da simbologia lusitana feita por

Joana Vasconcelos. De resto, a «nostalgia como indústria» (15), que percorre

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vários segmentos e campos, corresponde a um fenómeno muito visível na

cultura popular de massas, particularmente na cultura musical, em constante

retromania, para usar uma expressão de Simon Reynolds (16). Talvez seja

necessário, como é evidente, distinguir vários tipos de revivalismo e

compreender que cada qual possui um sentido específico, não podendo

sobrepor-se a tentativa de recuperação ou reinvenção da tradição aristocrática e

conservadora com a retromania da música pop. De igual modo, é necessário

entender que existem diversos ciclos e ritmos na revisitação do passado, não

devendo confundir-se, por exemplo, a actual vaga de redescoberta – académica

e popular – do período do Estado Novo com o ideário de uma direita

nacionalista ultraminoritária (17).

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Heróis do Mar

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No Portugal dos anos oitenta, o revivalismo tinha um significado

político intenso, já que surgia na sequência de uma ruptura, de uma ruptura

revolucionária. Em face dela, qualquer redescoberta do passado era, por

natureza, «contra-revolucionária» e, nessa medida, possuía um sentido

ideológico preciso e profundo. Tal revivalismo confluiu com outros

fenómenos, os quais não eram necessariamente convergentes mas que,

trilhando caminhos paralelos, partilhavam algumas afinidades electivas. Darei

dois ou três exemplos. Desde logo, o surgimento, na cena musical, de bandas

como os Heróis do Mar (1981), tendo por vocalista Rui Pregal da Cunha, onde

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se encontram personalidades como Pedro Ayres Magalhães ou Carlos Maria

Trindade que mais tarde, em 1987, fundam o projecto dos Madredeus, ou os

Sétima Legião (1982), onde pontificava Rodrigo Leão – que, mais tarde, estará

também nos Madredeus (18) – e cujas músicas tinham letra de Francisco

Ribeiro de Menezes, que também fazia as vozes do coro e é actualmente

diplomata, exercendo funções como chefe de gabinete do Primeiro-Ministro

(19). Relativamente aos Heróis do Mar, devido à iconografia de que se

rodeavam, chegou a surgir na altura a suspeita, ou até a acusação, de que se

tratava de um grupo nacionalista de vanguarda, ligado à extrema-direita. Os

Sétima Legião foram menos questionados quanto a esse ponto, mas, em

qualquer caso, eram bandas que se inseriam claramente numa linha «anos 80»,

que, na esteira de um movimento de «rock português» inaugurado em 1980 por

Rui Veloso e Carlos Tê com o álbum Ar de Rock, rompe por completo com os

baladeiros e «cantautores» dos anos sessenta e do imediato pós-25 de Abril.

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MEC, candidato ao PE nas listas do PPM (1987), aqui

Um outro exemplo prende-se com uma personalidade que emergiu

justamente a partir da crítica musical, Miguel Esteves Cardoso (ou «MEC»),

cuja notoriedade se deveu ao seu talento ímpar, como é evidente, e ao facto de

tirar partido do bilinguismo e da proximidade ao Reino Unido para, nas suas

crónicas no jornal Se7e, em O Jornal ou na Música & Som, e reunidas no livro

Escrítica Pop (1982), dar conta das bandas que se afirmavam na «cena» britânica,

designadamente as que se editavam com a chancela Factory e se inscreviam na

new wave pós-punk: Joy Division, New Order, The Durutti Column, etc. Era um

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tipo de informação que, numa altura em que não existia Internet, os jovens

buscavam com avidez, sendo transversal a ideologias ou famílias políticas.

Em 1982, Miguel Esteves Cardoso criou, com Pedro Ayres Magalhães,

Ricardo Camacho e Francisco Sande e Castro, entre outros, a Fundação

Atlântica (Companhia de Discos de Portugal), a primeira editora portuguesa

independente, que produziu discos de Anamar (Baile Final/Lágrimas, 1983), dos

Sétima Legião (Glória/Partida, 1983; A Um Deus Desconhecido, 1984), ou de um

grupo então desconhecido, os Delfins (O Vento Mudou, 1984; A Casa da Praia,

1985), bem como o álbum Amigos em Portugal (1983), dos The Durutti Column.

O nome Fundação Atlântica é significativo, como é significativo o facto de

Miguel Esteves Cardoso, com o seu emblemático laço ao pescoço e o seu

Volkswagen «carocha» preto, que estudara a saudade, o sebastianismo e o

Integralismo Lusitano (20) e se afirmava como monárquico, o que era

totalmente desconcertante, além de alimentar polémicas com Fernando

Namora ou Eduardo Prado Coelho, se ter tornado um autor de culto devido às

crónicas semanais que publicava no Expresso, e que seriam reunidas em livro em

1986, com o nome A Causa das Coisas, objecto de várias edições e ainda hoje

um livro de sucesso (21). No ano seguinte, em 1987, Miguel Esteves Cardoso

será candidato independente pelo Partido Popular Monárquico às eleições para

o Parlamento Europeu, numa campanha com uma marca anti-europeísta que

surpreendia pela inventividade e pela frescura moderadamente subversivas, e

que seduziu certas franjas intelectuais urbanas e jovens, e em cujos tempos de

antena surgiam Pedro Ayres Magalhães e, note-se, Paulo Portas, o antigo

repórter do Semanário com quem dois anos mais tarde Miguel Esteves Cardoso

fundará O Independente, tendo, logo na altura da fundação, sido combinado que

Portas ficaria como nº 2 para mais tarde passar a director, quando «MEC»

saísse, como saiu, para fundar a revista Kapa (22). Recordemos que as

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originalíssimas crónicas de «MEC», transformadas em leitura de culto numa

época em que não existia Internet nem muitos meios de fruição intelectual

«leve», eram acompanhadas semanalmente da reprodução de um anúncio

antigo a um produto comercial do quotidiano do Estado Novo, numa

reapropriação que explorava o nonsense, é certo, mas também alguma nostalgia e

um certo revivalismo. Só por tal via, a via do humor suave e cândido, ainda que

por vezes mortífero, de Miguel Esteves Cardoso, é que essa imagética

salazarista poderia ser recuperada sem suscitar o clamor indignado de uma certa

esquerda que, de tão reactiva, se arriscava com o tempo a tornar-se

reaccionária. Mas o facto é que a pasta medicinal Couto ou a cera Encerite, que

mostrava uma criada fardada, de avental e crista, a encerar um soalho de

joelhos – e a Encerite só tinha interesse, humor e graça se mantivesse essa

imagem –, puderam aparecer e ser toleradas devido a um dispositivo

«braudillardiano» de simulacro, envolvendo o kitsch e o humor ou, talvez

melhor, devido a uma reelaboração da sensibilidade camp, tal como recortada

por Susan Sontag no seu célebre ensaio de 1964.

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aqui

Este revivalismo corresponde, aliás, a uma tendência que persiste e é

hoje muito difundida, sendo comercialmente explorada por Catarina Portas, em

quiosques rétro e sobretudo na loja/marca A Vida Portuguesa (2004), que cito

apenas por ser o exemplo mais conhecido e com maior simpatia junto dos

media (23). Na loja da irmã de Paulo Portas, uma mulher assumidamente de

esquerda, encontramos caixas de lápis Viarco com rapazes vestindo a farda da

Mocidade Portuguesa, mas também reproduções dos cartazes de João Abel

Manta figurando a Aliança Povo/MFA. Há um esvaziamento político dos

objectos de consumo mas também, sem dúvida, alguma «ideologia» neste

processo de «des-ideologização» (24). Curiosamente, objectos com a farda da

Mocidade são vendidos a poucos metros da antiga sede da PIDE/DGS, cuja

reconversão em condomínio de luxo suscitou a indignação de movimentos

como «Não Apaguem a Memória». A isso, Catarina Portas poderia retorquir

que é justamente a «memória» que constitui o seu core business, mas não vou

entrar na complexa questão da «guerra das memórias». Em todo o caso, trata-se

de um sinal, de um sinal muito interessante, a circunstância de, na mesma loja,

se venderem – e a preços elevados, aliás – produtos que eram usados pelas

criadas de servir do Estado Novo e cartazes da aliança Povo/MFA, como é

interessante a retórica de consumo do «tradicional» e do «português» que lhe

está subjacente – e que está a ser induzida, de outras formas, na actual

conjuntura de alguma revivescência nacionalista. O intensíssimo movimento

das confrarias e das academias gastronómicas – por exemplo, as academias de

bacalhau, estudadas por José Sobral (25) –, a par do culto dos produtos

biológicos e absolutamente «naturais», de origem portuguesa, não importados, é

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um outro tema que se inscreve nesta lógica comportamental e social de que

estou a dar apenas alguns exemplos.

Como referi, nos alvores da década de oitenta tudo isto coincidiu com

aquilo a que poderemos designar como «neo-romantismo», o qual converge

com a redescoberta e a hipervalorização do «rural», dos solares e das casas de

família, da arquitectura com materiais naturais, mais tarde levando a uma

reedição, de gosto duvidoso, do estilo «português suave» (26) em muitos

condomínios privados, de actividades como o hipismo, a caça (27), as touradas,

o turismo de habitação, e, nos nossos dias, os «lugares de charme». Refiro estes

aspectos porque uma história cultural da direita portuguesa pode tender a

concentrar-se nos exemplos publicamente mais ostensivos, mais extremados,

como os desfiles de cariz nacionalista do 1º de Dezembro liderados por Vera

Lagoa ou o ideário de Jaime Nogueira Pinto e dos seus próximos,

desvalorizando estas correntes que objectivamente foram muito mais influentes

e abrangeram segmentos muito amplos da nossa sociedade, alguns deles nunca

conotados com a direita.

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A revista Kapa seria fundada em 1990 com capitais da Valentim de

Carvalho e da SOCI do advogado Luís Nobre Guedes, personalidade próxima

de Paulo Portas (28). A Kapa, onde «MEC» tem um papel preponderante (a

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revista era o seu sonho desde a fundação de O Independente), publicava inúmeros

artigos de cunho revivalista, por exemplo, no domínio da arquitectura,

assinados por um purista absoluto, Alberto Castro Nunes, tinha um grafismo e

uma imagem rétro, publicava, por exemplo, um famoso ensaio de Vasco Pulido

Valente que procedia a uma revisitação do consulado de Marcelo Caetano em

tonalidades trágicas (29). O título de capa, porém, não correspondia ao sentido

do escrito de Pulido Valente. Assim, enquanto o ensaio tinha por subtítulo,

sintomaticamente, «As desventuras da razão», a capa da revista ostentava os

dizeres: «Marcello, o Maior». O nº 1 da revista ostentava na capa uma fotografia

a preto e branco de rapazes da Casa do Gaiato, da autoria de Inês Gonçalves,

que poderia perfeitamente ter sido captada na década de 40 ou 50, e abria, logo

nas primeiríssimas páginas, com uma fotografia do general António de Spínola,

acompanhada de uma legenda encomiástica: «Um herói esquecido sempre pelas

razões erradas. O 28 de Setembro nada significou na carreira de um homem

que queria descolonizar e democratizar pacificamente. Hoje é um símbolo

tranquilo de patriotismo, discrição e comedimento» (30). Na página a seguir, a

actriz Maria de Medeiros e, logo depois, uma fotografia do edifício

estadonovista do Instituto da Vinha e do Vinho. A Kapa era inclassificável.

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Noutro número da revista, Maria Filomena Mónica atacava

violentamente Aníbal Cavaco Silva, uma personalidade com a qual, quer a

direita neoconservadora tradicional, quer sobretudo a direita e a esquerda

intelectuais sempre mantiveram uma relação que se resume numa palavra: ódio.

É que Cavaco Silva e a sua entrada fulgurante na vida política portuguesa

vinham subverter por completo os dispositivos de regulação do status. Aníbal

Cavaco Silva afirmava as suas origens sociais humildes mas, ao mesmo tempo,

não era um completo parvenu: fora bolseiro e investigador da Fundação

Gulbenkian desde 1965, doutorara-se na Universidade de York em 1971, ao

mesmo tempo ou até antes do que alguns vultos da intelligentzia nacional, ainda

que, ao contrário destes, nunca tenha convertido esse capital universitário em

capital social (em capital político talvez sim, mas em capital social

decididamente não). Note-se que em 1970 doutoraram-se apenas 61 pessoas

em Portugal, incluindo o reconhecimento de doutoramentos feitos no

estrangeiro, especialmente no Reino Unido (31). Além disso, Cavaco Silva era

técnico do Banco de Portugal e Sá Carneiro escolhera-o para um lugar tão

importante como ministro das Finanças, preterindo diversos «gurus» da

Economia, com muito maior projecção mediática. Portanto, Cavaco Silva era

demasiado distante das redes de sociabilidades das elites mas, em simultâneo,

suficientemente próximo delas para causar perturbação, pelo que haveria que

estabelecer um cordon sanitaire em seu redor. E era essa suficiente proximidade,

porque lembrava aos críticos as suas próprias fragilidades (desde logo, no

quadro das suas representações mentais, a fragilidade de terem nascido

portugueses…), que suscitava e suscita sentimentos tão extremados. A acrescer

a tudo isto, Cavaco Silva conquistaria duas maiorias absolutas, um facto inédito

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na história da nossa democracia. Daí adensar-se a animosidade de uma certa

intelectualidade cosmopolita e bem-pensante contra a sua pessoa, sendo que o

ponto de ataque, como não poderia deixar de ser, se centrava justamente na sua

alegada incultura, na «falta de mundo», na não-pertença a um universo social e

mental que, à esquerda e à direita, muitos foram educados desde o berço a

considerar como «seu». Daí a insuportabilidade visceral que despertava em

personalidades como Vasco Pulido Valente (32) ou Maria Filomena Mónica

(33), ou na redacção de O Independente, onde, como diz Paulo Portas, «a

humildade não era propriamente o género dominante» (34). Cavaco Silva era

um «intruso» que já estava «cá dentro», o que o tornava particularmente

incómodo. Quando, mais recentemente, Maria Filomena Mónica se referiu a

Cavaco Silva como se tendo doutorado numa «instituição que, por ser recente,

não tinha prestígio, mas que lhe pareceu adequada aos seus fins» (35) é

justamente esse dispositivo inigualitário que pretende explorar: não podendo

negar que se doutorara no estrangeiro, no mítico estrangeiro, há que encontrar

nuances que apoiem a sua desvalorização que, mais do intelectual, é social (36). É

sintomático que, nas páginas de O Independente, Paulo Portas haja acentuado o

«indisfarçável arrivismo» de Maria Cavaco Silva, recomendando-lhe «volte a ser

discreta» e classificando-a de «PMI (Pequena e Média Intelectual)». Não

podendo negar por inteiro o estatuto de intelectual à mulher do então

Primeiro-Ministro, Portas procurava depreciá-la no plano social e do gosto,

falando, evidentemente, do seu «mau gosto poético». Quanto ao marido, era

considerado «ambicioso», «paroquial», «ordinário» e «um homem de esquerda»

que «não gosta da direita». Em contrapartida, Freitas do Amaral era descrito

por Paulo Portas como «um senhor» e «um homem de bem» (37). Paulo Portas,

aliás, não hesitava em adoptar um registo de clara segregação social, atacando, a

propósito dos governos de Cavaco Silva, «o bando possidónio que tomou

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conta da cidade, sem respeito nem continência, e que vê na política uma espécie

de promoção social». O cavaquismo, para Portas, «fez uma revolução na classe

dirigente», povoando-a de «homens sem história». Contra um sentimento

difundido entre algumas elites da altura – o da exaltação das origens humildes

como prova de qualidades pessoais –, Portas insurgia-se fazendo o discurso

oposto: «é bem ter nascido mal e vale a pena fazer gala disso. (…) A

democracia que temos exibe o brasão ao contrário. A nova oligarquia é a dos

self-made men, criaturas que se acham mais capazes e de maior direito». Aludia

mesmo a «um ódio de classe e a uma psicopatia de má inserção social», não

hesitando em criticar-se, como outrora se tinha feito com Carlos Mota Pinto, a

forma de vestir de Aníbal Cavaco Silva.

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Aníbal Cavaco Silva e Francisco Sá Carneiro

Em paralelo, num domínio mais profundo, o dos valores, das

representações e das crenças sociais, começa a fazer-se um «ajuste de contas»

com os pretensos excessos do PREC. A pedagogia, porque recebe o influxo de

alguma obsessão da parentalidade e da preocupação colectiva com as «gerações

que estamos a formar», é um dos barómetros mais precisos destas tendências

sociais algo larvares ou subterrâneas. Em 1997, Maria Filomena Mónica publica

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Os Filhos de Rousseau (38). Gabriel Mithá Ribeiro dará à estampa A Pedagogia da

Avestruz em 2003. Mais tarde, em 2006, Nuno Crato irá atacar o «eduquês» e a

pedagogia romântica. Santana Castilho lançara em 1999 o Manifesto para a

Educação em Portugal, Rui Baptista publicará em 2005 o livro O Leito de Procusta:

Crónicas sobre o Sistema Educativo e, nesse mesmo ano, David Justino publica No

Silêncio somos todos Iguais. A editora Gradiva, de Guilherme Valente (ele próprio,

autor de uma obra recente intitulada Os Anos Devastadores do Eduquês, 2012), que

publicou os títulos de Nuno Crato e David Justino, deu um importante

contributo para um repensar crítico da Educação que ia, de alguma forma, num

sentido «correctivo» dos excessos do PREC. É a David Justino que, enquanto

Ministro da Educação (2002-2004), se deve a publicitação dos rankings dos

estabelecimentos de ensino, os quais geraram polémica em alguns sectores

docentes, que os consideraram «elitistas», mas foram acompanhados

obsessivamente pelos pais e encarregados de educação, por vezes de forma

acrítica, passional e imediatista. Nesse tempo, com os rankings a apontarem o

ensino particular como via mais segura de acesso ao superior, há uma afluência

em massa aos colégios, alguns deles religiosos. No Colégio Sagrado Coração de

Maria, em Lisboa, que ficara bem colocado no ranking, os pais chegaram a

passar a noite na rua para inscreverem os filhos. E, em simultâneo, criam-se

colégios com «marcas de distinção» nos domínios da onomástica e da heráldica.

Se virmos, por exemplo, a página na Internet do Real Colégio de Portugal (39),

que foi criado em 1999 mas descreve com minúcia os pergaminhos antigos da

quinta onde está sediado (Quinta do Conde do Paço, no Lumiar), teremos um

bom exemplo de «invenção da tradição». O uso de fardas, os brasões dos

emblemas dos colégios, as divisas e máximas grandiloquentes, a separação de

sexos em alguns estabelecimentos e até a aprendizagem precoce de línguas

como o latim são hoje encarados com tranquilidade (40). Se aquele é o

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panorama dos colégios privados, no sistema educativo em geral as palavras de

ordem são «excelência», «autoridade aos professores», «rigor» e «exigência» no

ensino dos alunos, o que acabaria por ter tradução legal no Estatuto do Aluno,

aprovado em 2002 e revisto em 2008 e 2010, tendo, em 2012, sido aprovado

um novo Estatuto do Aluno e da Ética Escolar (Lei nº 51/2012, de 5 de

Setembro). Entretanto, em 2008 o país assistia chocado a imagens de alunos a

atirarem ao chão uma professora no meio de uma sala de aula, por causa de

uma disputa sobre a posse de um telemóvel. Fenómenos como este, isolados

ou não, provocam sempre sentimentos reactivos de tipo neoconservador, como

é evidente. Isto também se passa na abordagem da criminalidade, ainda que

Portugal não tenha sofrido o influxo do «populismo penal» (41) que marca, por

vezes de forma brutal, os Estados Unidos e, em menor grau, a França ou a

Inglaterra, sendo curioso notar que, neste último país, a abordagem «dura» da

criminalidade foi teorizada à esquerda, pelo New Left Realism, de Derek Cornish

e outros (The Reasoning Criminal, 1986). Tony Blair percebeu o capital político

desse movimento e, naturalmente, o New Labour apropriou-se dele. Em

Portugal, os vestígios mais evidentes desta tendência situam-se nos projectos

para criação de um registo ou de uma base de dados de condenados por abusos

sexuais a menores.

Quer no neoconservadorismo estético, quer na direita urbana há uma

relativa quebra com a direita tradicional, salazarista [e até anti-marcelista (42)],

nacionalista, católica, mas também com a chamada «nova direita» que surgira

um pouco antes pela mão de nomes como Jaime Nogueira Pinto, António

Marques Bessa, José Adelino Maltez, Miguel Freitas da Costa, Nuno Rogeiro,

Eurico de Barros, cada um naturalmente com o seu percurso e características

singulares. A revista Kapa nada tem a ver com a Futuro Presente, fundada em

1980 por Jaime Nogueira Pinto, José Miguel Júdice, António Marques Bessa,

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entre outros, tendo esta um conteúdo político-ideológico mais marcado e

militante, ainda que fazendo incursões culturalistas por domínios caros àquela

corrente da direita nacionalista, domínios como a ficção científica, a

sociobiologia, a banda desenhada, e até a chamada «filosofia portuguesa». Mas,

paradoxalmente, ou talvez não, acabou por ser muito maior a influência cultural

e ideológica de uma «não-esquerda» assumidamente aggiornata – preocupação

que não existia na Futuro Presente, em O Diabo de Vera Lagoa ou em O Dia de

Silva Resende. Num ensaio publicado em 1987, Jaime Nogueira Pinto

pressentia já que a ideologia e a estratégia dominantes na direita eram

«possibilistas», e não poderiam ser mais do que isso, mas entreviu na adesão à

CEE um espaço de afirmação possível desta corrente ideológica. O

nacionalismo português, segundo ele, poderia assentar na «questão da

conservação da identidade nacional no contexto das Comunidades Europeias».

Será esse o tópico que servirá de leit-motiv à candidatura de Miguel Esteves

Cardoso ao Parlamento Europeu, sendo a direita tradicional, uma vez mais,

relegada para segundo plano. Outro eixo em que Jaime Nogueira Pinto via

alguma possibilidade de combate ao «esquerdismo dominante» era, como

sempre, África. Segundo Nogueira Pinto, esta era uma questão tão ou mais

importante quanto, a partir de meados da década de oitenta, os «governos

marxistas de Angola e Moçambique» estavam a constituir um «lóbi de interesses

em Lisboa, apoiado em círculos de negócios e no próprio PSD» (43). Tudo

indicia que o projecto político de Nogueira Pinto não logrou o seu objectivo de

vencer os lóbis angolano e moçambicano. Pelo contrário: o apoio à UNITA,

proclamado nesse texto como a solução mais consonante com a crítica à

descolonização, esfumar-se-á com a morte do seu líder histórico, Jonas

Savimbi. O «fenómeno cavaquista», na expressão de Nogueira Pinto, emergia

do facto de Cavaco Silva adoptar um discurso nacional e populista, tendo

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Freitas do Amaral e, depois, Adriano Moreira, sido incapazes de contestarem o

domínio daquele economista pragmático. Na perspectiva de Nogueira Pinto,

Freitas do Amaral seria um representante da «direita orleanista» − parlamentar,

liberal, gradualista e consensual. Esse espaço político esfumara-se com o

advento do «cavaquismo», que o absorvera. Ainda assim, existia em alguns

sectores e personalidades (v.g., Paulo Portas, Pedro Santana Lopes) uma

persistente nostalgia pelo legado de Sá Carneiro, ele sim considerado o

representante do espírito liberal entre nós (44), o que não sucederia com

Cavaco Silva.

O ponto que, neste passo, interessa salientar é tão-só o seguinte: a direita

urbana dos anos oitenta percebeu que estaria condenada se estivesse ligada à

direita ultramontana e tradicionalista, nostálgica do salazarismo. Falava de

nação, de pátria, de tradição, participava na campanha contra o Tratado de

Maastricht (1992), mas estava muito mais próxima de alguma esquerda, até nas

sociabilidades que construía [por exemplo, em bares míticos como o Frágil,

inaugurado em 1982 (45)], do que dessa direita mais «antiga», que cultivava

pontes com alguns meios castrenses, ou mesmo de uma direita que, quando

queria ser «moderna», tinha um corpus de referências completamente distinto: a

banda desenhada de Corto Maltese, as obras de ficção científica de Phillip K.

Dick ou a música de inspiração céltica.

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De alguma forma, naquela direita urbana e sofisticada pode ter havido

como que um prenúncio da formação de uma espécie de «bloco de direita», em

confronto com o que mais tarde será o Bloco de Esquerda (Francisco Louçã

terá afirmado, o que é sintomático, que O Independente era o «Correio da Manhã

dos intelectuais»). Não se pretende afirmar, obviamente, que esteve em

gestação um projecto partidário, pois isso nunca existiu, ainda que O

Independente tivesse trilhado um caminho político e o seu director acabasse por

entrar na política activa, assumindo inclusivamente funções governativas. Por

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«bloco de direita» refiro-me a uma abordagem iconoclasta, narcísica, com um

sentido de superioridade intelectual, urbana, relativista nos costumes, liberal na

economia, conservadora em política, diletante, hedonista, cosmopolita,

terrivelmente snobe. «Éramos libertários na estética e conservadores na

substância», diz Paulo Portas, procurando explicar as óbvias contradições do

projecto ideológico subjacente ao jornal que fundou (46). De facto, esta era

uma direita attrape tout, uma irreverência sem margens que tinha uma capacidade

notável de absorver e largar tudo, sem distinções ou sectarismos, mas também

sem inquietações de coerência. Todos se recordam que, a dado passo, já no

final da vida, Agostinho da Silva é subitamente «descoberto» e converte-se

numa figura nacional, com a sua imagem de místico ou profeta, o seu percurso

de vida singular, a imagem iconoclasta do homem de espírito franciscano que

sonhava com um Quinto Império e que nem sequer tinha bilhete de identidade.

O fascínio que exerceu durou praticamente até à sua morte e foi, de certo

modo, transversal a muitos credos políticos (47).

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Em resumo, existe uma convergência, que é menos epidérmica do que

parece, entre o movimento que levou à criação de uma direita urbana e

sofisticada e uma tendência social para valorizar o «autêntico», o «antigo», o

«nacional». É essa direita – e só poderia ser ela a fazê-lo – que, no fundo, realiza

a síntese entre duas realidades à primeira vista contraditórias: vanguardismo

cosmopolita e saudosismo nacionalista. Desde logo, porque conquistara espaço

público para este empreendimento, através da abertura de circuitos próprios e

redes de sociabilidades muito amplas e eficazes. Na movida portuguesa dos anos

oitenta, essa direita urbana e sofisticada convivia com a esquerda na moda, na

noite, no hedonismo e numa visão libertária em matéria de costumes. De certa

forma, era uma «direita que era de esquerda» e isso foi um contributo

muitíssimo importante para combater algo extremamente enraizado entre nós:

a estanquicidade da divisória esquerda/direita, o esquema dicotómico e

maniqueísta que, no final, dava prevalência à esquerda. Agora, com este approach

desconcertante, «MEC» e outros vinham reequilibrar a agenda cultural e,

sobretudo, mostrar, pela primeira vez desde há muitos anos, que se podia ser

culto não sendo de esquerda e vice-versa. Na sua abordagem desarmante, esta

direita – ou, talvez melhor, esta «não-esquerda» – foi a primeira corrente no

pós-25 de Abril a questionar, com popularidade (48), a hegemonia cultural da

esquerda, mostrando que se podia ser fashion e «culto» sendo de direita ou, pelo

menos, não sendo de esquerda.

Julgando-se «independente» (49), uma independência que se exibia

através de sucessivas manchetes contra os poderes instituídos [dos ministros de

Cavaco Silva ao governador de Macau nomeado pelo Presidente Soares,

passando pela UGT de Torres Couto (50)], a direita urbana dos anos oitenta,

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aparentemente contestatária do establishment assente no duopólio PS/PSD e no

seu rotativismo da mediocridade, acabou, de certo modo, por servir o «sistema». À

semelhança do que ocorre com a «novíssima direita dos blogues», de que falarei

a seguir, é possível que esta direita dos anos oitenta tenha desempenhado, em

alguma medida, o papel de «idiota útil», semelhante ao dos compagnons de route

que enalteceram as maravilhas da União Soviética. Sem dúvida, a «direita anos

80/90» causou danos quando passou para a esfera política – ou político-judicial

– da denúncia de «casos» nas manchetes de O Independente (51), mas, no estrito

âmbito cultural, serviu naquelas décadas para mostrar que em Portugal também

havia uma modernização, uma movida festiva − e isso era útil ao poder

instituído, como é óbvio.

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Vasco Pulido Valente

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O homo cavaquensis, para usar uma expressão de Vasco Pulido Valente

(52), não era apenas o que apoiava e votava no PSD, mas todos aqueles que,

directa ou indirectamente, beneficiaram do melhor período de crescimento

económico de toda a história da democracia portuguesa, com taxas entre 5% a

8% entre 1986 e 1990 (53).

Ora, a nova direita, sofisticada e urbana, só pôde emergir graças a esta

conjuntura expansionista, ainda que contestasse aquilo que lhe permitia ver a

luz do dia: a adesão à CEE, por um lado, e a governação de Cavaco Silva, por

outro. O Independente e a Kapa alimentavam-se da expansão acelerada do

consumo, da sofisticação da visualidade, da massificação dos hábitos culturais,

da pós-modernidade teorizada em França por Lyotard e entre nós absorvida

em versão Eduardo Prado Coelho e Manuel Maria Carrilho e aplicada na

arquitectura de Tomás Taveira e em diversos movimentos artísticos,

assumidamente «a-políticos» ou, pelo menos, já não apostados ou empenhados

na transformação do mundo e na construção de grandes utopias (54). Sem o

crescimento económico daqueles tempos, sem a adesão à CEE, não teria

havido espaço para a afirmação de uma elite que reforçava o seu estatuto de

superioridade devido à «informação privilegiada» que detinha pelos seus canais

próprios de acesso ao estrangeiro. Ao saber, primeiro do que os outros, o que

se passava lá fora, há um inside trading cultural no trabalho desta elite, que,

informando o «povo» e cultivando-lhe o gosto, contribuía para um consenso

que sedimentou o «cavaquismo» e favoreceu as suas maiorias absolutas. Assim,

neste trade-off todos ficavam a ganhar. Aliás, é curioso recordar que uma das

Grandes Opções do Plano do governo minoritário de Cavaco Silva foi redigida

por Miguel Esteves Cardoso. Uma entrevista que «MEC» concedeu em 2008 à

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revista Ler faz adivinhar o conteúdo do documento: «A primeira coisa que

publiquei na revista do Colégio Inglês foi poesia. Escrevi as Grandes Opções

do Plano, a tese de doutoramento, os bilhetes à empregada, cartas de amor». Se

quisermos, num balanço muito simplista, pode dizer-se que O Independente,

sobretudo a partir de certa altura, contribuiu decisivamente para o desgaste

político do «cavaquismo», mas também, do mesmo passo, alimentou o espírito

lúdico e o imaginário de segmentos muito diferenciados da sociedade – das

classes médias e médias-altas até à juventude das mais variadas origens sociais –

, impregnando-a de um sentimento difuso de bem-estar, material e imaterial,

que foi relevantíssimo para os triunfos políticos de Cavaco Silva, materializados

na obtenção de duas maiorias absolutas monopartidárias no quadro de um

sistema eleitoral proporcional.

Nas palavras de Maria Filomena Mónica, «A manutenção de Cavaco

Silva no poder não se compreende se não tivermos em conta a situação

económica que se viveu, no triénio que se seguiu à adesão à CEE. Melhor do

que ninguém, Cavaco Silva soube materializar as aspirações das classes médias

nascidas com a Revolução de Abril. O sucesso do cavaquismo radicou no facto

de muitos portugueses estarem ainda suficientemente perto da miséria para não

tolerarem brincadeiras com a economia, e suficientemente longe das velhas

famílias para não acalentarem visões nostálgicas sobre o regresso dos senhores»

(55).

Indiscutivelmente, o aumento do poder aquisitivo das classes médias foi

essencial para as maiorias absolutas de Cavaco Silva, as quais coincidem, não

por acaso, com um aumento dos níveis de bem-estar e de aumento de

consumo. Basta recordar a euforia vivida aquando da abertura dos primeiros

hipermercados. No dia 10 de Dezembro de 1985, na inauguração do primeiro

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hipermercado português – o Continente, de Matosinhos –, as prateleiras

ficaram literalmente vazias. Em 1987, o grupo Pão de Açúcar abriu uma grande

superfície na Amadora, logo seguido pelo Continente (56). Num expressivo

sinal dos tempos, o Continente de Matosinhos foi implantado num terreno

comprado à diocese do Porto: o avanço do consumismo correspondia a um

retrocesso da influência da Igreja na sociedade portuguesa.

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Ora, se o bem-estar material se reflectiu nas maiorias absolutas de

Cavaco Silva, a mensagem festiva e hedonista de O Independente e, mais

vincadamente ainda, da Kapa remetiam para uma noção de «mudança», de

movida, que também serviria os sucessos eleitorais do PSD. Noutro contexto,

interessaria citar ainda a abertura das televisões privadas, fenómeno ocorrido

um pouco mais tarde e que consigo trouxe um sentimento de novidade,

pluralismo e diversidade na oferta cultural vocacionada para as massas, além,

naturalmente, de novos canais de difusão da publicidade e de padrões

comportamentais e estilos de vida. A 6 de Outubro de 1992, a SIC (Sociedade

Independente de Comunicação) iniciava as suas emissões e, três anos depois,

em Maio de 1995, ultrapassava, pela primeira vez, as audiências do canal

público (57). Curiosamente – e à semelhança do semanário de Esteves Cardoso

e Paulo Portas –, a SIC ostentava no nome a palavra «independente»,

reforçando a mensagem de distanciamento face ao poder político. Também a

TVI, cujas emissões começam a 20 de Fevereiro de 1993, se denominava

Televisão Independente. O triunfo de audiências da SIC sobre a RTP equivalia, no

plano simbólico e não só, a uma vitória da iniciativa privada sobre o sector

público. E, aos poucos, o broadcasting foi dando lugar ao narrowcasting, com a

sucessiva abertura de canais temáticos para públicos específicos. No entanto, o

ponto essencial a salientar é o seguinte: a marca da novidade e diversidade

contribuiu, de forma decisiva, para fomentar um difuso sentimento de bem-

estar imaterial, muito importante para o sucesso de Cavaco Silva, especialmente

a sua primeira maioria absoluta. Não houve, em todo o caso, uma relação

directa entre a abertura de canais privados e os dois grandes triunfos eleitorais

do PSD, já que estes ocorreram antes – em 1987 e em 1991, respectivamente –

do início das emissões televisivas da SIC e da TVI. Neste particular, aliás,

existiu um acontecimento que provocou um profundo desgaste na maioria

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governativa – o chamado «buzinão» na Ponte 25 de Abril, transmitido em

directo, em emissões ininterruptas, pelas televisões privadas, naquele que foi o

seu primeiro grande «evento» jornalísticos e também o primeiro grande teste à

sua autoproclamada «independência». Se é frequente atribuir às manchetes de O

Independente um efeito corrosivo sobre a governação social-democrata, importa

não descurar este episódio, até pelas repercussões que teve, naturalmente muito

mais amplificadas devido ao uso de um canal de comunicação de massas como

a televisão. Esta, justamente pelas mesmas razões, precisamente devido à escala

do impacto das suas mensagens, foi também decisiva no plano das

mentalidades e dos costumes. Talvez não tanto como causa de transformações,

mas como eco e amplificador das mesmas, já que tudo indicia que as grandes

mudanças de atitudes e comportamentos começaram a ter lugar um pouco

antes das primeiras emissões televisivas privadas, em meados e finais da década

de oitenta.

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Casa dos Segredos - 4

É elucidativo que, segundo alguns observadores, haja sido nessa década

que a sexualidade se começou a revelar cada vez mais central na formação e

expressão da identidade dos jovens (58). A este respeito, há um ponto

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importantíssimo: a ideia de um sentido de gratificação pessoal, muito veiculada pelo

jornal O Independente, pela Kapa, pelos meios culturais que se moviam, em

Lisboa, na zona do Bairro Alto. A ideia de um sentido de gratificação pessoal foi

decisiva para que a sociedade portuguesa estivesse apta a receber as

privatizações, a economia de mercado, a adesão à CEE, os governos de Cavaco

Silva. Se não existisse esse sentido de autonomia e de gratificação pessoal,

incutido em cada um, não poderia fazer-se a transição pós-revolucionária. Não

haveria espaço mental para tanto, para que o hedonismo triunfasse em absoluto

sobre o colectivismo no universo das representações de muitos cidadãos,

nomeadamente os jovens.

Como é evidente, isso teve – e tem – consequências que incomodam os

mais conservadores, como o aumento exponencial da taxa de divórcio, a

hipersexualização da sociedade, o consumismo, mas quero apenas sublinhar

que o sentido de gratificação pessoal foi importantíssimo na viragem cultural da

década de oitenta, espelhando, muito provavelmente, o recuo da influência da

Igreja nas atitudes e mentalidades.

Esta questão é também relevante porque desvenda, à pequena escala

lusitana, uma das contradições culturais do capitalismo, de que falava Daniel

Bell num famoso livro de 1976 (The Cultural Contradictions of Capitalism): o

capitalismo vive à base de princípios de acção que tendem a destruir a ética

«protestante» que alimenta o seu espírito. Num sentido próximo, ainda que não

convergente, emerge também neste movimento uma tensão que, entre outros,

Anthony Giddens detectou no discurso ideológico da direita (59). Trata-se da

tensão entre conservadorismo e liberalismo, entre Edmund Burke e Milton

Friedman. Como pode a direita ser liberal na economia e conservadora nos

costumes, ou vice-versa? A direita festiva dos anos oitenta e noventa e, mais

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recentemente, a novíssima direita dos blogues não resolvem o problema,

adoptam uma atitude de fuga para a frente e, verdadeiramente, não colocam a si

próprios estas questões, que são dilacerantes para a sua coerência – e para a sua

consciência. De facto, é difícil conciliar a proclamação da «liberdade de

escolher» (na actividade profissional, no sistema de ensino, na vida empresarial)

e a preservação de um conjunto de princípios e valores que, à partida, são

considerados axiologicamente «superiores» enquanto linhas de orientação de

padrões comportamentais e estilos de vida. O fracasso do projecto original da

«televisão da Igreja», a TVI, espelha bem a dificuldade de conciliar, por um

lado, uma lógica agressiva de mercado e de captação de audiências numa

sociedade marcada pelo sentido de gratificação pessoal e, por outro, a

salvaguarda de uma constelação de valores alheia – e até adversa – àquela

lógica. Já O Independente, em contrapartida, convivia melhor com essa dupla

exigência. Sob um grafismo arrojado, inspirado no Libération, podia,

inclusivamente, adoptar uma retórica nacionalista que, se acaso tivesse sido

utilizada por outros protagonistas, com menos «redes» e «pontes» à esquerda,

seria de imediato apodada de retrógrada e obsoleta. O Estatuto Editorial dizia

que o jornal tinha «valores», acrescentando: «Para O Independente o primeiro

valor é Portugal. Será defendido o conceito de Pátria, no sentido mais amplo de

unidade essencial de território e cultura» (60). Mas, do mesmo passo,

autodefinindo-se como «democrata e conservador», dizia tomar «partido por

quem tiver razão e não será cúmplice de qualquer abuso de poder». Instaurava,

por conseguinte, um projecto que se caracterizava como patriótico e

conservador e, em simultâneo, como anti-institucionalista e até libertário. Uma

das crónicas de Miguel Esteves Cardoso, escrita a propósito de uma entrevista

televisiva de Cavaco Silva, debruçava-se sobre o «cuspo nos cantos da boca do

senhor primeiro-ministro». Uma das edições do Caderno 3 mostrava Cavaco

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Silva metamorfoseado de galã de Hollywood e ostentava o título «Na cama

com Cavaco». Anunciava-se: «Fita de qualidade. 208ª semana. Ameaça

reposição». O enredo era assim resumido: «Ele veio de Boliqueime. Ele subiu a

pulso. Ele arrastou multidões. Intriga. Sucesso. Sedução» (61).

Manchete de O Independente: «Cidadãos Soviéticos Raptados em Lisboa»

Se ideologicamente parecia seguir uma matriz «conservadora» e

«nacionalista», o ponto de vista económico, O Independente afigurava-se, em

contrapartida, como «liberal». Um folheto publicitário distribuído com o jornal,

nos seus números iniciais, intitulava-se, expressivamente, «A Paixão de Saber

Escolher» e o Estatuto Editorial proclamava «o mercado como princípio da

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vida económica», sendo «preciso devolver à iniciativa privada os direitos que o

Estado português lhe nega». Em suma, escrevia-se, «um bom jornal é uma

nação a falar consigo mesma [e] O Independente quer tomar parte nessa conversa»

(62). Haveria, naturalmente, uma tensão, porventura insanável, entre princípios

conflituantes, mas nada disso era relevante em face do seu estilo provocador e

iconoclasta, à luz do qual tudo se justificava: «O que nos interessava, afinal, não

era o conteúdo mas o estilo, e estilo foi coisa que jamais faltou ao Indy – entre

um bom título e a verdade, geralmente sacrificava-se a verdade. Heresia? Qual

heresia. Em tempos cinzentos – como aquele e como estes –, a provocação faz

tanta falta quanto a verdade e o rigor», escreve João Miguel Tavares (63). A

irreverência do jornal levá-lo-ia, por exemplo, a fazer um inquérito a diversas

personalidades públicas, interrogando-as sobre que roupa interior usavam:

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A tensão entre liberalismo e conservadorismo torna-se mais evidente na

geração seguinte da intelectualidade portuguesa de direita, talvez até mais

«libertária» em matéria de costumes do que a sua antecessora. Para o

nascimento desta «novíssima direita», a fractura decisiva foi a Internet, e a

velocidade da sua disseminação. A Internet e, sobretudo, a blogosfera e as

redes sociais, constituíram um ponto de viragem absolutamente radical cujas

proporções dificilmente podem ser exageradas. Doravante, não era preciso um

jornal ou uma revista, não era necessário pertencer a uma classe determinada

ou conhecer as «pessoas certas» para publicar crónicas e difundir opinião. E,

num espaço de segundos, acedia-se a informação estrangeira que, nos tempos

das encomendas de livros na Buchholz ou na Férin, demoravam semanas ou

meses a chegar. A Internet permitia a democratização dos talentos e o

cosmopolitismo sem sair de casa – do quarto na casa dos pais… –, sem ter

necessidade de uma bolsa da Fundação Gulbenkian, sem ter que esperar pela

crónica semanal de «MEC» para saber o que se fazia «lá fora».

Sintomaticamente, ensaístas como Alain Minc sustentam que Sartre foi o

último dos «intelectuais»: o surgimento da Internet, um fenómeno

avassaladoramente democratizador, fez desaparecer hierarquias e circuitos

privilegiados de acesso e difusão das ideias (64). Em contrapartida, a quantidade

de informação acabou por implicar maior esforço intelectual: desde então, não

bastaria proclamar «o que existe» ou «saiu um livro A ou um disco B» pois isso

em poucos segundos se sabe e, de uma forma niveladoramente «democrática»,

todos o sabem. Tornou-se necessário, cada vez mais, um contributo adicional,

próprio, para resgatar o auditório do seu alegado provincianismo. Nos tempos

da Internet, uma publicação com o perfil de O Independente, designadamente o

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seu famoso Caderno 3 (dirigido por Esteves Cardoso), teria muita dificuldade

de se afirmar na esfera pública.

A produção na Internet tem também efeitos nos conteúdos: a luta

ideológica, transferida para o universo digital, cede ao imediatismo e até aos

insultos e ataques pessoais (particularmente visível nas caixas de comentários),

tem um espaço limitado para o desenvolvimento de um pensamento, obriga a

um esforço de síntese que não se compagina com uma análise mais profunda,

premeia o estilo contundente, polemizante, com soundbytes provocatórios e vive

em excesso no presente, no dia-a-dia e na espuma do efémero, desvalorizando

a importância da memória e a percepção de que toda a realidade tem uma

genealogia; por vezes uma genealogia mais prosaica e mais «mundana» do que

aquela que se apresenta.

___

Pedro Mexia

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Pedro Lomba

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João Pereira Coutinho

Em todo o caso, a Internet foi extraordinariamente importante para a

afirmação de uma nova geração, e hoje existem tantos blogues influentes de

direita quanto de esquerda. A blogosfera e as redes sociais, com destaque para o

Facebook, são muito mais plurais e equilibradas em termos de

representatividade das diversas correntes de opinião do que, por exemplo, as

televisões e, sobretudo, a imprensa escrita. Mas também é certo que foi através

da imprensa escrita que muitos dos nomes cimeiros da direita intelectual

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contemporânea se começaram a projectar, como aconteceu com Pedro Mexia e

Pedro Lomba, no suplemento cultural do Diário de Notícias, o DNa, sendo

igualmente na imprensa escrita que, após a passagem pela blogosfera, fazem

actualmente ouvir a sua voz. Ao contrário do que por vezes se diz, Pedro

Mexia e Pedro Lomba não «nasceram nos blogues»; participaram, isso sim, em

projectos combativos de afirmação de ideias que utilizavam a Internet como

veículo (sem terem a noção exacta da dimensão que esta viria a ter) e que não

coincidiam com o estilo snob de O Independente, nem com o discurso místico-

patriótico que este propalava nem com a mundanidade nocturna que constituiu

o principal eixo de apoio da rede de sociabilidades que alicerçava o programa

cultural e estético de «MEC». Pela sua qualidade e originalidade, merece

destaque o blogue «Coluna Infame», projecto de 2002-2003 de Pedro Mexia,

Pedro Lomba e João Pereira Coutinho, muito influenciado na sua génese pelos

acontecimentos do 11 de Setembro, que haviam dado lugar a uma obra

marcante para a intelectualidade de direita, o livro de Fernando Gil e Paulo

Tunhas, Impasses. Seguido de coisas vistas, coisas ouvidas (2003). Todos eles, até por

razões que precederam ou acompanharam a sua presença no «A Coluna

Infame», conquistaram um lugar de destaque na esfera pública, ainda que

percorrendo caminhos diversos. Pedro Lomba escreveria no Público, Pedro

Mexia no Expresso, João Pereira Coutinho no Correio da Manhã e, com grande

êxito, na Folha de S. Paulo. Todos tiveram presença marcante na blogosfera, mas

afirmam agora as suas posições noutros lugares, como a imprensa escrita ou a

televisão. E todos eles tinham e têm, a par da componente estritamente política,

uma marcadíssima aproximação de natureza cultural, sendo patente a sua

reverência por Nelson Rodrigues, Philip Larkin, Evelyn Waugh, a pop inglesa

ou o cinema independente. A partir desse encontro, cada qual seguiu o seu

caminho: Pedro Lomba e João Pereira Coutinho mais ligados às universidades,

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Pedro Mexia mais próximo dos meios literários do que académicos, todos

rejeitaram a atracção do tribalismo e, ao invés, cultivaram um estrito

individualismo, pessoal e intelectual.

É certo que existem muitas outras personalidades na intelectualidade de

direita – até mais marcadamente de direita – e que a direita não se circunscreve

ao âmbito cultural; em todo o caso, estas são especialmente representativas e

particularmente decisivas, ou influentes, na formação da opinião, devendo

notar-se que, de algum modo, se situam numa linha de continuidade com a

geração fundadora de O Independente, em especial na preferência pela

intervenção no campo cultural e pela abertura ao diálogo com outros

quadrantes – características muito visíveis em Pedro Mexia – e, bem assim, pela

repulsa pela direita mais ultramontana e inflamada, a qual também encontrou

na blogosfera um novo território de expressão e propaganda.

Nos actuais blogues de intervenção político-ideológica, que já pouco têm

a ver com a linha de «A Coluna Infame», agrupam-se personalidades («A ou B

escreve no 31 da Armada…») e formam-se novas redes. Há também a

tendência para um extremar de posições, a qual possui em pano de fundo

acontecimentos marcantes no plano internacional, como o 11 de Setembro ou a

guerra no Iraque, ou no plano nacional, como a nomeação de Pedro Santana

Lopes como Primeiro-Ministro e a queda do seu governo, o consulado de José

Sócrates ou a crise económica e o programa de austeridade adoptado na

sequência do pedido de ajuda financeira externa. Dificilmente se encontram

blogues plurais, cada blogue é «de esquerda» ou «de direita», «pró» ou «contra»,

sendo a realidade objecto de uma simplificação selvagem e totalmente

maniqueísta. Aliás, este fenómeno paradoxal de afunilamento de perspectivas

devido à «tribalização digital» tem sido estudado por observadores da Net. E já

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há personalidades que se afirmam na esfera pública sobretudo devido

à popularidade dos seus blogues, como acontece com João Gonçalves, do

«Portugal dos Pequeninos», ou, noutro quadrante, com Paulo Guinote, de «A

Educação do meu Umbigo». Com esta afirmação não se está, note-se, a emitir

qualquer juízo de valor. Pelo contrário, a fazer um juízo ele só terá de ser

positivo, pois num meio tão ferozmente competitivo e frenético como a

blogosfera, é necessário um grande talento para se destacar. Constata-se apenas

que há uma mudança muito interessante, que consiste no facto de a blogosfera

ser um canal de acesso ao poder e um instrumento de influência cultural e

social que está aberto a todos, ou quase todos.

A «novíssima direita dos blogues» (termo redutor, aqui usado por

comodidade de expressão) desenvolve a sua acção em múltiplas direcções e

seria muito injusto simplificar uma realidade onde até intervêm idiossincrasias

pessoais: uns são mais cultos do que outros, há os mais belicosos e os mais

complacentes, e existem mesmo lutas internas, dentro da facção a que se

pertence, com acusações de falta de coragem, conformismo, adesão ao

«sistema» ou, ao invés, de ambição de protagonismo e de carreirismo. O que

interessa notar é que esta novíssima direita, tendo emergido num ambiente pós-

secular, é liberal nos valores e, em regra, não toma posição nas «questões

fracturantes». Tem pavor de ser conotada com a direita tradicional, ou

tradicionalista, considerada acéfala, intolerante, ultramontana. Tem horror ao

carreirismo político feito nas juventudes dos partidos. É culta, informada,

cosmopolita, não tem um projecto político agregador, é individualista e, por

isso, consegue perceber muito bem, quase que por reacção instintiva, que seria

fatal para ela confundir-se com a direita dita «caceteira» do antigamente (65).

Se o fizesse, seria liquidada em segundos pelos seus adversários. Esta direita é

também, sobretudo em alguns casos, muito mais «combativa» e «adversarial» do

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que a direita dos anos oitenta, até porque a Internet favorece, promove e

proporciona, muito mais do que os jornais e a imprensa escrita, um estilo

imediatista de acção e resposta (66).

Esta corrente convive, sem se confundir, com aquilo que é, isso sim,

claramente uma «moda» e creio que, ao contrário do «neoconservadorismo

estético», será efémera. Refiro-me a uma difusa e até inclassificável revisitação

pop do salazarismo. António de Oliveira Salazar tornou-se um produto de

consumo de massas. Não apenas pelo facto de ter sido eleito «o maior

português na História» num concurso televisivo de 2007 (em que foi

«defendido» por Jaime Nogueira Pinto), mas pela abundância, em seu redor, de

publicações e de livros, de filmes (por ex., Salazar: A Vida Privada, de Jorge

Queiroga, com Diogo Morgado e Soraia Chaves, 2009), e até de um certo

revivalismo da imagética estadonovista. Cobrindo um espectro mais amplo do

que o salazarismo, esta rememoração iconográfica abarca desde álbuns sobre a

«Lisboa desaparecida», de Marina Tavares Dias, à reedição dos antigos manuais

das escolas primárias (67) ou ao levantamento, em vários volumes, das imagens

marcantes do século XX português, realizado por Joaquim Vieira, bem como

uma resenha do quotidiano lisboeta na década de 60, de Joana Stichini Vilela e

Nick Mrozowski. Seria impensável, aqui há uns anos, publicar livros sobre a

Mocidade Portuguesa e a Mocidade Portuguesa Feminina onde o lado estético

assume lugar central, como agora acontece, sem que isso provocasse uma onda

de clamor e indignação. Em larga medida, tal deve-se ao facto de esta

«indústria» não ser alimentada apenas por autores ou protagonistas situados à

direita do espectro político-ideológico. Na revisitação do legado salazarista

emergem personalidades como Joaquim Vieira ou Irene Flunser Pimentel,

autores das duas obras, atrás citadas, que recuperam a iconografia e a imagética

da Mocidade Portuguesa e da Mocidade Portuguesa Feminina (68). Académicos

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e jornalistas têm publicado uma infinidade de obras sobre o salazarismo,

cobrindo os mais variados temas: o amor e a sexualidade no Estado Novo; o

futebol e o cinema; as ligações com os grandes empresários; o cinema; o

relacionamento de Salazar com organizações como a Maçonaria ou a Opus Dei;

a vida privada do ditador ou dos seus próximos, incluindo a sua influente

governanta. Esta vaga avassaladora de publicações não possui necessariamente

uma carga ideológica, sendo algumas delas, aliás, bastante críticas do Estado

Novo. Em todo o caso, de um ponto de vista mais estritamente mercantil ou

comercial, a lógica global que está subjacente a esta vaga evidencia que existe

um público interessado – ou, pelo menos, predisposto a consumir obras

históricas ou ficcionais – num período da História contemporânea que, por

representar um dos principais lieux de mémoire da esquerda oposicionista ou «de

resistência», era por esta considerado como seu património ou território

exclusivo de intervenção intelectual. É sintomático que, como se referiu, a

revisitação do passado salazarista se faça actualmente com grande

despojamento ideológico por parte de amplos sectores da sociedade, como é

sintomática a reacção instintiva daquela esquerda a todas as tentativas de leitura

do Estado Novo que não se enquadrem nos seus modelos interpretativos e

estereótipos, tais como a necessária caracterização do salazarismo como

«fascismo» ou a aplicação do labéu de «revisionismo» (69) a todas as vozes

dissonantes de uma visão historiográfica que, no fundo, se pretende configurar

como hegemónica e até inquestionável.

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Os ressaibos nostálgicos ou revivalistas são mais evidentes num movimento

paralelo, de recuperação da memória ultramarina, com a publicação de álbuns

de postais [por ex., de João Loureiro, Postais Antigos de Macau, 1995; Memórias de

Moçambique, 1997; Postais Antigos do Estado da Índia, 1998; Memórias de Cabo Verde,

1998; Postais Antigos e Outras Memórias de Timor, 1999; Postais Antigos de S. Tomé e

Príncipe, 1999; Memórias de Angola, 2000; Memórias da Guiné, 2000; Postais Antigos

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da Ilha de Moçambique, 2001; Postais Antigos e Outras Memórias da Zambézia, 2001;

Memórias de Lourenço Marques, 2003; Memórias de Benguela e Lobito, 2004; Memórias

da Beira, 2005; Memórias de Cabinda, 2008 (70)] ou de relatos da vida em Angola

apresentada como uma beautiful life tropical (Ana Sofia Fonseca, Angola Terra

Prometida, de 2009). Atente-se como a questão da descolonização e dos

«espoliados do Ultramar» era tratada, inclusive em processos-crime, em tons

ainda muito «aguerridos» pela direita nacionalista, que acusava alguns de traição

à Pátria (71). E compare-se essa abordagem com o modo muito distinto e

muito mais distendido – talvez mesmo soft ou light – como essa problemática é

tratada agora, de uma forma não-ideológica. Não referindo os livros Caderno de

Memórias Coloniais (2009), de Isabela Figueiredo, e O Retorno (2011), de Dulce

Cardoso, objectos literários e memorialísticos à parte, pode citar-se, por

exemplo, as incursões romanescas de Júlio Magalhães (Os Retornados, 2008), de

Leonel Acácio (A Balada do Ultramar, 2009), de Tiago Rebelo (O Último Ano em

Luanda, 2008), de Manuel Arouca (Deixei o Meu Coração em África, 2005; Exilados,

2010), de Carlos Vale Ferraz (Fala-me de África, 2007), de Júlio Borges Pereira (O

Último Retornado, 2012), ou as aproximações historiográficas/jornalísticas de

Isabel Valadão com testemunhos da vida colonial (A Sombra do Imbondeiro.

Estórias e memórias de África, 2012), de Rita Garcia sobre a ponte aérea Luanda-

Lisboa de 1975 (SOS Angola, 2011) e os retornados (Os Que Vieram de África,

2012), tema também tratado por Sarah Adamopoulos (Voltar. Memória do

colonialismo e da descolonização, 2012) e Fernando Dacosta (Os Retornados Estão a

Mudar Portugal, 1984; Os Retornados Mudaram Portugal, 2013). Num registo

diferente, em 2009 foi publicado Alvorada Desfeita, de Diogo de Andrade

(pseudónimo), incursão romanesca próxima da História virtual ou

contrafactual, em que a acção decorre com a derrota do Movimento dos

Capitães a 25 de Abril de 1974. Mais recentemente, Jaime Nogueira Pinto deu à

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estampa Novembro, o seu primeiro livro de ficção, onde é patente a marca da

memória autobiográfica.

A par disso, existe um «memorialismo de guerra» que, pela pena de

antigos combatentes, começou a surgir em editoras como A Tribuna da

História ou a Prefácio e está presente semanalmente em depoimentos

publicados no Correio da Manhã. De algum modo, o passado agora é mais

objectivado e menos erigido em território de polémica. Uma evocação recente

da Lisboa da década de sessenta é praticamente «apolítica», dando total

prevalência aos aspectos vivenciais ou visuais desse decénio, mas sem que daí

decorra qualquer acusação – de resto, descabida – de «revisionismo» (72). A

emissão da série documental «A Guerra» (2007-2012), de Joaquim Furtado,

também graças ao seu rigor, não suscitou especial controvérsia. O mesmo

ocorreu, aliás, com a série de ficção «Conta-me Como Foi» (adaptada da sua

congénere espanhola «Cuéntame cómo pasó»), produzida e apresentada pela

RTP entre 2007 e 2011, de que foi consultora histórica Helena Matos, antiga

directora da revista Atlântico e autora de uma obra fundamental sobre o

quotidiano do marcelismo, Os Filhos do Zip Zip (2013). De igual modo, a série

«Depois do Adeus», que, por assim dizer, prolonga «Conta-me Como Foi»,

centrando-se agora no pós 25-Abril, não suscitou reacções significativas,

excepção feita à previsível crítica nas páginas do Avante! (73). Deve reconhecer-

se que existem, em todo o caso, dimensões nostálgicas e até saudosistas numa

tendência cultural de massas que tem diversas e heterogéneas concretizações.

No entanto, nenhuma delas foi até agora capaz de produzir – e esse ponto é

muito curioso – efeitos imediatos na esfera política.

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Conta-me Como Foi

Quais os caminhos que a novíssima direita, a direita nascida nos blogues,

irá tomar? É difícil fazer previsões e, mais ainda, generalizações, sempre

abusivas. Em todo o caso, parece certo que não existe uma sociedade civil e um

empresariado que estejam dispostos a alimentar esta geração através de think

thanks, editoras ou publicações como, no passado, ocorreu com O Independente

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ou com a revista Kapa. Por seu turno, a universidade portuguesa não tem

dimensão suficiente para ser o ponto de apoio para um movimento ideológico

de vulto e de larga projecção, para o que muito contribui um outro problema: o

da escala. E a «irreverência», o grande trunfo quer de O Independente, quer da

Kapa, desde há muito que abandonou o universo do papel impresso, tendo-se

transferido em definitivo para a esfera da Internet.

A ausência de escala e dimensão dificulta, desde logo do ponto de vista

comercial, projectos editoriais abertamente conotados com uma área ideológica

de direita ou produzidos em exclusivo pela intelectualidade de direita. Para

conseguirem alguma sedimentação e acolhimento, parecem carecer de «pontes»

com outros quadrantes, fórmula que ditou o sucesso da revista Kapa. Em todo

o caso, existem exemplos de projectos que puderam servir de veículos para a

afirmação de vozes alternativas ao establishment dominado pela esquerda, num

tempo muito marcado por uma intensa polarização ideológica sobre a

intervenção militar norte-americana no Iraque. A este respeito, destaca-se a

revista Atlântico (2005-2008), publicação que ficou conhecida pelo desassombro

com que, mais até que O Independente, adoptou uma posição assumidamente

liberal-democrática e, como o próprio título indicava, uma postura pró-

atlantista, pró-americana e, em termos menos visíveis, pró-israelita. Com

direcção executiva de Helena Matos e, depois, de Paulo Pinto Mascarenhas,

nela surgiam nomes como Rui Ramos, Vítor Bento, Joaquim Aguiar, Maria

Filomena Mónica, Maria de Fátima Bonifácio, Vasco Pulido Valente, João

Marques de Almeida, Nuno Garoupa, Pedro Lomba, João Pereira Coutinho ou

Pedro Mexia. Este projecto, cuja importância histórica ainda permanece por

analisar, culminaria na formação de um blogue, encerrado em 2009, e

integrado, entre outros, por Alexandre Homem Cristo, André Azevedo Alves,

Bernardo Pires de Lima, Francisco Proença de Carvalho, Henrique Burnay,

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Henrique Raposo, Lucy Pepper, Miguel Morgado, Paulo Pinto Mascarenhas,

Paulo Tunhas, Pedro Boucherie Mendes, Pedro Marques Lopes, Rodrigo Adão

da Fonseca, Rui Ramos, Tiago Moreira de Sá, Vasco Campilho ou Vitor Cunha

(74). A par de nomes consagrados, foi a Atlântico que lançou e projectou uma

vaga de autores de centro-direita com grande impacto público, alguns dos quais

se destacam hoje como colunistas ou publicistas de referência numa certa área

política, possivelmente mais liberal do que conservadora. Trata-se de um legado

que, de certo modo, O Independente não deixou. Talvez porque se tratava de um

jornal, enquanto a Atlântico, sendo uma revista, concedia mais espaço a

comentadores e analistas, muitos vindos do meio académico, do que aos

profissionais da comunicação social. Ou, talvez mais decisivamente, porque,

sem prejuízo da heterogeneidade de visões dos seus colaboradores, possuía

uma matriz editorial mais coerente e não se encontrava vinculada a um projecto

de intervenção na «política de todos os dias», designadamente nos jogos de

alianças e de conflitos intra- e interpartidários.

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Atlântico. Revista Mensal de Ideias e Debates

_

Importa salientar que na «nova geração» há um apreciável

individualismo, sendo qualquer alinhamento com um «grupo» visto como uma

«cedência», como uma «perda de independência». E, quanto maior notoriedade

adquirem, menos dispostos estão os novos intelectuais a abdicar do seu

estatuto. Querem ser, acima de tudo, «intelectuais» e sentem e ressentem-se da

pequenez da terra onde tiveram a desventura de nascer. A escassa dimensão

cultural do país faz com que, na melhor das hipóteses, sejam «intelectuais

portugueses», o que é pouco. Não se trata de ironizar com a sua ambição, mas

de reconhecer um facto dramático: o cosmopolitismo, induzido até pela

internacionalização dos percursos académicos ou profissionais, transfere a

emulação para um patamar superior ou mais vasto. A concorrência ou o

diálogo, bem como a auto-representação dos intelectuais portugueses são agora

feitos num outro plano, sobretudo à medida que verificam que triunfaram e

alcançaram um lugar seguro no mercado nacional das ideias. O «estrangeiramento»,

que devia ser um pretexto de abertura de horizontes, pode converter-se numa

advertência de paroquialismo, fonte de infelicidade e revolta interior. Poder-se-

ia classificar tudo isto como o «psicodrama Vasco Pulido Valente», que esta

nova geração sente com muita intensidade.

Na verdade, a geração anterior era cosmopolita nas universidades em

que se doutorava mas profundamente provinciana, pois a ida para o

estrangeiro, ao invés de abrir horizontes, encerrou-a numa visão diletante e

snobe da realidade portuguesa. Essa geração, aliás, teve o extremo da

presunção: achava que, por nascimento ou por talento possuía uma espécie de

direito natural a um estatuto privilegiado, academicamente, socialmente,

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mediaticamente, financeiramente. Se não tivessem esse estatuto, Portugal não

os merecia – e isso seria mais outro sintoma do atraso nacional. Sendo tão

clarividentes nas suas crónicas de análise do país, não perceberam o que estava

a acontecer em seu redor e, esse é o seu maior «crime». Limitaram-se à crítica

puramente intelectual e especulativa, totalmente maldizente, nada fazendo em

concreto para evitar os rumos que criticavam. No fundo, era a crítica, a pura

crítica, que os animava e mantinha. O balanço final, como é evidente, não

podia correr bem. Não admira, pois, o «vencidismo» dessa geração, patente na

acidez desgastada das crónicas de Vasco Pulido Valente, lidas muito mais pela

inquestionável elegância formal do seu estilo do que pela substância das

opiniões nelas expendidas.

Contudo, esse «vencidismo» já se começa a projectar em alguns jovens

intelectuais de direita que, sendo novos, envelheceram rápida e interiormente,

devido a Portugal, o «da vidinha» de O’Neill, o Portugal «questão que tenho

comigo mesmo». São muito mais cosmopolitas do que a geração precedente (já

nem encomendam livros na Amazon, lêem-nos directamente no Kindle), falam

e escrevem à vontade em inglês, a língua franca universal, têm redes de

sociabilidades à escala mundial, tiveram experiências de estudo mais ou menos

prolongadas na Europa «civilizada» ou nos Estados Unidos. Mas, à semelhança

de todos os intelectuais do passado, é uma fatalidade serem incapazes de se

libertarem de Portugal, feira cabisbaixa, mesmo quando se fixam no

estrangeiro. Assim, como o horizonte que olham é sempre o da pátria, pátria

onde não se revêem mas de que não escapam, o seu destino será idêntico, ou

pior, do que o da geração precedente. É que esta última ainda tinha empregos

seguros no Estado e, agora, pensões de reforma, talvez não tão seguras. Agora,

a pulsão da raiva geracional será muito forte. Portanto, é provável que estes

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jovens tenham a mesma sorte de um Miguel Esteves Cardoso ou de um Paulo

Portas. Na melhor das hipóteses, vão acabar a escrever colunas em jornais ou

irão tornar-se ministros de Estado. Entre um e outro destino, não sabemos

qual será o melhor – ou o pior.

António Araújo

http://www.gophoto.it/view.php?i=http://2.bp.blogspot.com/-­‐9-­‐3xLWEWzxs/Uth42zOsQcI/AAAAAAAAhww/4sPfm0Dz2TI/s1600/220100912144

707.jpg __

(1) Texto que serviu de base à intervenção oral no colóquio «O estado das direitas na democracia portuguesa» (Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Lisboa, Fevereiro de 2012). O presente artigo não pretende ser um estudo de natureza académica, mas uma aproximação ensaística que mantém o estilo coloquial da exposição atrás citada. Agradeço a Riccardo Marcchi o convite para participar nesse encontro, bem como a autorização para publicar este texto no Malomil. (2) Note-se que, no percurso de algumas destas personalidades, a génese do Semanário esteve ligada – ou, pelo menos, coincidiu temporalmente – com o lançamento de novos projectos políticos, como a «Nova Esperança» de Marcelo Rebelo de Sousa, Pedro Santana Lopes e José Miguel Júdice: cf. Vítor Matos, Marcelo Rebelo de Sousa, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2012, pp. 407ss. (3) É curioso observar que, no mesmo ano em que é lançado O Independente, inicia a sua publicação a revista Máxima, dirigida por Madalena Fragoso, a qual provinha justamente da direcção da secção feminina do Semanário. A trajectória biográfica de Madalena Fragoso (1940-2013) é muito elucidativa: nascida no seio de uma família tradicional, filha do director do Diário de Notícias no tempo do marcelismo, desloca-se para Londres a seguir ao 25 de Abril. Regressa a Portugal com a chegada ao poder da Aliança Democrática, tendo sido assessora de imagem de Sá Carneiro e, mais tarde, como se disse, fundadora e directora da revista feminina Máxima.: cf. o seu obituário, da autoria de Pedro d’Anunciação, in Sol, de 1-III-2013. (4) Para um relato breve sobre o processo de privatizações, cf. Abílio Ferreira, «Privatizações. Regresso ao passado», Expresso/Revista, de 2-II-2013. Sobre as privatizações e

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a cultura política das elites, cf. José Manuel Leite Viegas, Nacionalizações e privatizações. Elites e cultura política na história recente de Portugal, Oeiras, Celta, 1996, em esp. pp. 169ss. (5) Cf. a reportagem de Rita Roby Gonçalves, «Banana Power fenómeno dos anos 80», Diário de Notícias, de 7-II-2009. (6) Cf. Clara Maria Ferraz, «As Estratégias Endogâmicas das Classes Superiores» (comunicação ao III Congresso Português de Sociologia, 1996) [disponível na Internet e consultado em 8-II-2013]. (7) Ao contrário do que sucede noutros países, não existe, segundo creio, uma obra dedicada ex professo à história política, económica, social e cultural dos anos oitenta. Além de «anuários» meramente descritivos, foi publicada, para consumo de massas, a curiosa Bíblia dos Anos 80, da autoria de João Pedro Bandeira (s.l., Prime Books, 2010). Existiu ainda uma recensão com propósitos humorísticos, que incidia em particular nos objectos de consumo infanto-juvenis dessa época, feita por Nuno Markl na Rádio Comercial e posteriormente publicada em dois livros (Caderneta de Cromos, Carnaxide, Editora Objectiva, 2010; Caderneta de Cromos Contra-Ataca, Canaxide, Editora Objectiva, 2012). Ainda que reportada ao final da década de setenta, é interessante a colecção de fotografias publicada por José Paulo Ferro, Roll Over. Adeus Anos 70, Lisboa, Documenta, 2012. Num registo distinto, assinale-se, pela sua expressividade, os Diários do poeta Al Berto, publicados pela Assírio & Alvim em 2012, com referências a várias pessoas (Manuel Reis, Eduardo Prado Coelho, Pedro Cabrita Reis, Pedro Costa, Pedro Hestnes, Paulo Nozolino, Alexandre Melo, Hermínio Monteiro, Bernardo Sassetti, Daniel Blaufuks, Sofia Areal, Zé da Guiné, Rui Chafes, Inês Pedrosa, António Mega Ferreira, Mário Cesariny, António Guerreiro, Luís Miguel Nava, Pedro Paixão, Rui Chafes, Tereza Coelho, Margarida Martins, Clara Ferreira Alves, Ana Salazar, Fernanda Fragateiro) e lugares (os restaurantes Pap’Açorda, Fidalgo e Sansão e Dalila, os bares Frágil e Majong, a pastelaria Cister, o Gay House, a Brasileira do Chiado, o Centro Cultural de Belém, a discoteca Kremlin). A evocação desses nomes e lugares é feita, de uma forma mais desenvolvida ainda, por Eduardo Pitta,Um Rapaz a Arder. Memórias, 1975-2001, Lisboa, Quetzal, 2013, com referências à vida nocturna no Bairro Alto, particularmente no Frágil, e ao «alto teor de elitismo» deste bar (pp. 109ss), bem como à revista Olá!, a qual «cumpriu a função pedagógica de mostrar a um país faminto (…) que o 25 de Abril não tocou num cabelo das sessenta famílias que Cunhal toda a vida vituperou» (pp. 129-130). O ponto que se pretende sublinhar no texto é referido por Joaquim Vieira, nos seguintes termos: «O triunfo de uma tecnocracia urbana pós-industrial, em grande parte formada por mulheres, fornece o caldo cultura ideal para o retorno ao aprumo de gravata e fato e para a prática de uma requintada elegância feminina, em contraste com o estilo descontraído e na aparência desleixado que vingou nos rebeldes anos 70. O contexto expansionista internacional, com a emergência dos yuppies – jovens especuladores bolsistas associados às grandes praças financeiras –, estimula o novo chique»: cf. Joaquim Vieira, Portugal, Século XX. Crónica em Imagens, 1980-1990, s.l., Círculo de Leitores, 2000, p. 24, com referência à Olá!/Semanário a pp. 107ss. (8) Cf. Fernando Correia de Oliveira, «Revista “Casa e Jardim” comemora 25 anos», Público, de 22-IV-2002. (9) «O Expresso foi, em certo sentido, a principal marca de contraste que explica o nascimento de uma alternativa», escreve Paulo Portas, a propósito de O Independente. O raciocínio aplica-se, todavia, também ao Semanário, já que a génese de O Independente é indissociável de uma certa «cristalização» do Semanário justamente nos aspectos «sociais» ou mundanos, como refere Paulo Portas: «Quando, na Buchholz, o Miguel e eu tivemos a conversa distraída que está na origem de “O Independente”, cruzaram-se dois

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desprendimentos. O meu era uma incomodidade melancólica com o caminho que o “Semanário” estava a trilhar, capturado pelo êxito da “Olá”. Eu achava que a direita “inteligente” tinha feito um esforço para se organizar editorialmente mas corria o risco de se ver esse esforço consumido por uma euforia “social”, com queda para uma ostentação pouco cristã e, de resto, nada conservadora» (in Expresso, de 5-I-2013). (10) Cf. Werner Sombart, Amor, luxo e capitalismo [1913], trad. port., Venda Nova, Bertrand, 1990. (11) O enquadramento jurídico do turismo de habitação, do turismo rural e do agro-turismo surgiu, não por acaso, nessa altura, através do Decreto-Lei nº 256/86, de 27 de Agosto. (12) Cf. Eric Hobsbawm, «Introduction: Inventing Traditions», in AA.VV., The Invention of Tradition, dir. de Eric Hobsbawm e Terence Ranger, Cambridge, Cambridge University Press, 1983, pp. 1ss. (13) Cf. o elucidativo texto de Alexandra Prado Coelho, «Passaram trinta anos. Já digerimos Tomás Taveira e as Amoreiras?», Público, de 25-IV-2012. Sobre a arquitectura de Tomás Taveira, cf. José Bártolo e Maria João Baltazar, Tomás Taveira, Vila do Conde, Quidnovi, 2011. (14) Entre 2000 e 2012, segundo os elementos do Instituto Nacional de Estatística e do Instituto de Registos e Notariado, os nomes próprios masculinos mais frequentemente utilizados foram, por esta ordem: Rodrigo, Martim, João, Afonso, Tiago, Gonçalo, Tomás, Diogo, Francisco e Miguel. Entre 1970 e 1980, haviam sido: João, Pedro, Bruno, Ricardo, José, Luís, Nuno, Carlos, Tiago e Rui. Nos nomes femininos, entre 2000 e 2012: Maria, Matilde, Leonor, Beatriz, Mariana, Inês, Ana, Lara, Carolina e Margarida; entre 1970 e 1980: Ana, Maria, Joana, Carla, Andreia, Sandra, Susana, Tânia, Patrícia e Cátia: cf. Kátia Catulo e Carlos Monteiro, «Nomes portugueses. Manuel é passado e Maria será sempre Maria», i, de 1-XII-2012. Em 2012, os nomes mais populares foram: para raparigas, Maria, Matilde, Leonor, Mariana e Beatriz; para rapazes, Rodrigo, Martim, João, Afonso e Gonçalo (cf. Joana Capucho, «A luta de classes existe na hora de escolher o nome dos filhos», Diário de Notícias, de 5-VIII-2013). (15) A expressão é de Vítor Belanciano, «Viciados no passado», Público/Ípsilon, de 13-IV-2012, num «dossiê» em que vários jornalistas debatem o revivalismo no consumo (Inês Nadais sobre Catarina Portas e A Vida Portuguesa), no cinema (Tarantino, por Jorge Mourinha), na televisão (a série «Mad Men» analisada por Jorge Mourinha), na música (as raízes soul de Amy Winehouse, por João Bonifácio) ou na fotografia (Sérgio Gomes sobre o Instagram). (16) Cf. Simon Reynolds, Retromania. Pop culture’s addiction to its own past, Londres, Faber and Faber, 2011. (17) Ainda que, por vezes, existam zonas de sobreposição, algo que é patente no texto de Duarte Branquinho, «Salazar está na moda», O Diabo, de 20-III-2012, onde se recorda a escolha de Salazar como «o maior português da História», num concurso televisivo transmitido pela RTP em 2007, sendo de salientar que o antigo Presidente do Conselho teve, como «defensor», Jaime Nogueira Pinto, o qual daria à estampa o livro António de Oliveira Salazar. O outro retrato, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2007, tendo anteriormente organizado a obra Salazar visto pelos seus próximos (1946-68), Venda Nova, Bertrand Editora, 1993. Recentemente, o Presidente da Câmara de Santa Comba Dão, João Lourenço, manifestou a intenção de registar a marca de vinhos «Memórias de Salazar», tendo a mesma sido rejeitada pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial: cf. Graça Barbosa Ribeiro, «Santa Comba Dão queria lançar vinho “Memórias de Salazar” mas marca foi chumbada», Público/Fugas, de 28-XI-2012.

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(18) Sobre os Madredeus, cf. Jorge Pires, Madredeus. Um futuro maior, Lisboa, Temas e Debates, 1995. Entre outras intervenções, é particularmente interessante a entrevista de Pedro Ayres Magalhães a Inês Pedrosa, Anos Luz. Trinta conversas para celebrar o 25 de Abril, Lisboa, 2004, pp. 148ss. (19) Cf., sobre este grupo musical, as reportagens realizadas por ocasião do seu trigésimo aniversário, por ex: Nuno Miguel Guedes,«Melancólica revolução da amizade», Visão, de 26-IV-2012. João Moço, «30 anos da Sétima legião. Os meninos de Alvalade», Notícias Magazine, s.d. Note-se que Francisco Ribeiro de Menezes, filho do embaixador Pedro Ribeiro de Menezes, é irmão de Filipe Ribeiro de Menezes, historiador e autor de uma biografia de Salazar que obteve grande sucesso (cf. Maria João Avillez, «Ribeiro de Menezes. Retrato de família», Público/P2, de 22-XI-2011), a qual foi criticada por alguns historiadores de esquerda, como Manuel Loff (in Análise Social, vol. XLVI, 2011, pp. 350ss). (20) Cf. Miguel Esteves Cardoso, «Misticismo e ideologia no contexto cultural português: a saudade, o sebastianismo e o integralismo lusitano», Análise Social, vol. XVIII, 1982, pp. 1399-1408. (21) Sintomaticamente, A Causa das Coisas é uma das obras de Miguel Esteves Cardoso recentemente reeditadas pela Porto Editora, juntamente com Os Meus Problemas (orig. 1988), O Amor é Fodido (orig., 1994) e Explicações de Português (orig. 2001). A Porto Editora lançou ainda, com grande sucesso editorial e amplíssima cobertura mediática, um conjunto de crónicas mais recentes do autor, reunidas sob o título Como É Linda a Puta da Vida (2013). (22) Em entrevista a Pedro Mexia, Miguel Esteves Cardoso afirma que existiu uma continuidade, «até física», entre a sua candidatura ao Parlamento Europeu e o lançamento de O Independente: a percentagem de votantes na sua candidatura era um teste à viabilidade de um projecto jornalístico daquela natureza (cf. Expresso/Revista, de 24-III-2012). (23) Cf., por ex., a reportagem «Produtos da época do Estado Novo regressam às lojas», Diário de Notícias, de 22-IV-2009. (24) Cf. o ilustrativo «Manifesto» de A Vida Portuguesa, que afirma: «A Vida Portuguesa nasceu com a vontade de inventariar as marcas sobreviventes ao tempo, a intenção de revalorizar a qualidade da produção portuguesa manufacturada e o desejo de revelar Portugal de forma surpreendente. Ao longo dos últimos anos pesquisámos, do Norte ao Sul de Portugal, produtos de criação e fabricação portuguesa. Que produtos são esses? São produtos que atravessaram gerações e nos tocam o coração. Fabricados desde há muito, mantiveram até aos dias de hoje as mesmas embalagens originais, bonitas, pueris. Devem a longevidade à sua qualidade, excelentíssima nalguns casos (e reconhecida no estrangeiro também). Com o tempo, o génio e o labor tornaram-nos perfeitos e essenciais. São marcas registadas na memória e comercializam uma forma de viver. Relembram o quotidiano de uma época e revelam a alma de um país. Estes produtos são nossos. Estes produtos somos nós» (in http://www.avidaportuguesa.com/). A este propósito, é particularmente interessante a entrevista de Catarina Portas à revista recursos Humanos Magazine, de Julho-Agosto de 2010. Importaria determinar em que medida este revivalismo imagético não contribui para alimentar aquilo que já se designou por «mobilização reemergente do complexo identitário português»: cf. André Barata, «A mobilização reemergente do complexo identitário português», in AA.VV., Representações da Portugalidade, dir. de André Barata, António Santos Pereira e José Ricardo Carvalheiro, Alfragide, Editorial Caminho, 2011, pp. 93ss. (25) Cf. José Sobral, «Alimentação, comensalidade e cultura: o bacalhau e os portugueses» (comunicação ao XI Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais, 2011) [disponível na Internet e consultado em 9-II-2013]. (26) Sobre este estilo, cf., por todos, José Manuel Fernandes, Português Suave. Arquitecturas do Estado Novo, Lisboa, Instituto Português do Património Arquitectónico, 2003.

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(27) Sobre a caça, é muito interessante o trabalho de Mário Pereira Bastos, O Problema Venatório no Alentejo – Caça, costumes e tensões sociais, dissertação de doutoramento em História Contemporânea, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2005, policop. (28) Sobre a Kapa, com selecção de textos de Carlos Quevedo (alguns em co-autoria com Miguel Esteves Cardoso ou Rui Zink), cf. Carlos Quevedo, Os delírios da Kapa e outros textos, Lisboa, Oficina do Livro, s.d. Alguns textos publicados na revista encontram-se disponíveis in http://kapa.blogspot.pt/ (29) Cf. Vasco Pulido Valente, «Marcello Caetano. As desventuras da razão», Capa. K, nº 2, Novembro de 1990, pp. 41ss. Este marcante ensaio seria republicado em livro, em diversas ocasiões: cf., por ex., Vasco Pulido Valente, Marcello Caetano. As desventuras da razão, Lisboa, Gótica, 2003. (30) Cf. Capa. K, nº 1, Outubro de 1990, s/p. (31) Cf. Maria João Valente Rosa e Paulo Chitas, Portugal: os números, Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2010, p. 39. (32) Veja-se, por ex., os textos saídos originalmente na imprensa com os títulos «O Mistério de Cavaco», «Drama Cavaquiano» ou «O Grande Mundo do Dr. Cavaco», todos publicados in Vasco Pulido Valente, Às Avessas, Lisboa, Assírio & Alvim, 1990, passim. No primeiro desses textos, Vasco Pulido Valente enquadra Cavaco Silva numa linha de políticos de origens humildes (Costa Cabral, João Franco, Salazar, Ramalho Eanes, Cunha Leal, Marcelo Caetano), afirmando que todos nasceram da «notória incapacidade que tem a classe dominante portuguesa de gerar os seus próprios dirigentes». Acrescentava, sobre as novas gerações de políticos: «Mas evitemos ser reaccionários. “Subir na vida” é um direito que constitucionalmente lhes assiste e não é coisa má para o país. A sociedade fluida do pós-25 de Abril tinha de os trazer à tona: e admitamos, sem excessiva repugnância, que o merecem» (ob. cit., p. 219, itálico acrescentado). Cf. ainda as diversas crónicas reunidas no livro Esta Ditosa Pátria, Lisboa, Relógio D’Água, 1997. (33) Cf., por ex., o capítulo «O Chefe», da obra de Maria Filomena Mónica, Visitas ao Poder, Lisboa, Quetzal Editores, 1993, pp. 129ss. (34) Cf. Expresso, de 3-I-2013. (35) Este texto, originalmente saído na revista GQ, seria republicado in Maria Filomena Mónica, Vidas. Biografias, perfis e encontros, Lisboa, Alethêia Editores, 2010, pp. 314ss. (36) Curiosamente, em entrevista a Pedro Mexia, Miguel Esteves Cardoso reconhece, manifestando arrependimento, que existia algum elitismo ou snobismo, até social, nas críticas feitas a algumas elites do «cavaquismo», como Fernando Nogueira: «Fomos muito pirosos nisso. Ao princípio, achávamos graça à meia branca, era uma espécie de bulliyng armado em snobe, de que me arrependo. É muito foleiro, mas éramos novos. Era desagradável o que fazíamos, sobretudo eu, o Paulo [Portas] não era assim. Hoje arrependo-me imenso. E gozar com a condição social da pessoa, com o gosto da pessoa, não é nada conservador (…) O Cavaco nunca pôs um processo, nunca chateou, nunca mandou uma carta, mesmo quando foi muito maltratado, foi impecável. (…) Essas pessoas com que gozávamos, como o Macário [Correia], acabavam sempre por ganhar, porque eram superiores»: cf. Expresso/Revista, de 24-III-2012. (37) Cf. Filipe Santos Costa, «Quando Portas escrevia que Cavaco “merecia levar um estalo”», Expresso/Revista, de 18-V-2013. De si próprio, Paulo Portas escrevia: «Se há uma certeza pessoal que eu posso divulgar é a de que não tenho a menor intenção de me submeter a votos». (38) Para um período posterior, mas no mesmo registo, cf. Maria Filomena Mónica, Confissões de uma liberal, s.l., Edições Quasi, 2007, pp. 97ss.

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(39) http://www.realcolegio.pt/ (40) Sem abordar esta realidade, mas de grande interesse numa perspectiva mais vasta, cf. Maria Manuel Vieira da Fonseca, Educar Herdeiros. Práticas educativas da classe dominante lisboeta nas últimas décadas, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003. (41) Cf. António Araújo, «O Populismo Penal: algumas notas», in AA.VV., Liber Amicorum de José de Sousa e Brito, em comemoração do seu 70º aniversário, Coimbra, Edições Almedina, 2009, pp. 763ss. (42) A crítica a Marcelo Caetano resultava ainda do facto de, em larga medida, esta direita ser o prolongamento, inclusivamente no que se refere aos seus protagonistas, da direita nacionalista radical surgida no final do Estado Novo: cf. Riccardo Marchi, Império, Nação, Revolução. As direitas radicais portuguesas no fim do Estado Novo (1959-1974), Lisboa, Texto Editores, 2009; cf. tb. José Miguel Júdice, «Oposição de direita a Marcello Caetano», in António Barreto e Maria Filomena Mónica (coord.), Dicionário de História de Portugal. Suplemento, Vol. F/O, Porto, Figueirinhas, 1999-2000, pp. 643ss. A aversão a Marcelo Caetano adensar-se-ia após o 25 de Abril, sendo aquele culpabilizado pelo fim do regime (cf., por ex., Eduardo Freitas da Costa, Acuso Marcelo Caetano, Lisboa, Liber, 1975), o que criou uma acesa controvérsia no seio das antigas elites do Estado Novo ou de personalidades próximas do legado do salazarismo. Sobre a estratégia da extrema-direita até aos anos 80, cf. Riccardo Marchi, «A extrema-direita portuguesa na “Rua”: da transição à democracia» (1976-1980)», Locus. Revista de História, vol. 18, nº 1, 2012, pp. 167ss. (43) Cf. Jaime Nogueira Pinto, «A direita e o 25 de Abril: ideologia, estratégia e evolução política», in AA.VV., Portugal. O sistema político e constitucional, 1974-1987, dir. de Mário Baptista Coelho, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, s.d., pp. 193ss. (44) Cf., sobre este ponto, Rui Ramos, «Um projecto de liberdade (sobre Francisco Sá Carneiro)», in Outra Opinião. Ensaios de História, Lisboa, O Independente, 2004, pp. 154ss. (45) Cf., por ex., Raquel Carrilho, «Uma utopia chamada Frágil», Sol, de 22-I-2012. É interessante o depoimento de Rodrigo Leão no Diário de Notícias, de 15-VI-2012. (46) Cf. Expresso, de 5-I-2013. (47) Cf., para uma primeira aproximação, com abundantes indicações bibliográficas, Miguel Real, O Pensamento Português Contemporâneo, 1890-1910. O labirinto da razão e a fome de Deus, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2011, pp. 526ss. (48) Existiram, é certo, tentativas anteriores de instauração de um pensamento de direita, empreendimento que passou, por exemplo, pela tradução da obra Nova Direita, Nova Cultura. Antologia das Ideias Contemporâneas, traduzida em 1980 por Diogo Pacheco de Amorim e publicada esse ano pelas Edições Afrodite. Há também um «anticomunismo militante», que passou pela denúncia da realidade sombria do estalinismo e da União Soviética. Em 1976, a Bertrand publicara, com tradução de Francisco Ferreira («Chico da CUF»), Maria Llistó e José-Augusto Seabra, Arquipélago de Gulag, de Soljenitsine. Dois anos mais tarde, a Afrontamento daria à estampa a obra A Cozinheira e o Devorador de Homens. Ensaio sobre o Estado, o Marxismo e os Campos de Concentração, de André Glucksmann, autor que viria a Portugal participar nos ciclos de conferências que, na sequência da derrota presidencial de Freitas do Amaral, foram organizados pela então criada Fundação Portugal Século XXI (cf., a este propósito, e sobre as dificuldades desta instituição, Richard A. H. Robinson, «Do CDS ao CDS-PP: o Partido do Centro Democrático Social e o seu papel na política portuguesa», Análise Social, vol. XXXI, 1996, pp. 951ss). O combate ao comunismo e a afirmação de um espaço de direita eram tributários de uma acção desenvolvida desde o «Verão Quente» de 1975, aquilo a que já se chamou a «fase popular» do anticomunismo: cf. Miguel Reale, «Anticomunismo», in AA.VV., Dança dos Demónios. Intolerância em Portugal, dir. de José

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Eduardo Franco, Lisboa, Círculo de Leitores-Temas e Debates, 2009, pp. 575ss. A divulgação de relatos memorialísticos de antigos comunistas, como «Chico da CUF», Silva Marques ou Cândida Ventura, a par do trabalho de análise e crítica levado a cabo por personalidades como José Miguel Júdice (autor do influente Portugal à Deriva, 1978), tiveram significativa repercussão pública e inegável importância histórica. Sintomaticamente, O Independente não assumiu o combate ao comunismo como uma das suas prioridades e, se exceptuarmos algumas abordagens (a de Pulido Valente, por ex.), evidenciou mesmo algum «fascínio» pela figura de Álvaro Cunhal. (49) Sobre este traço de O Independente e a sua genealogia, cf. Maria Filomena da Silva Barradas, Uma Nação a Falar Consigo Mesma: O Independente (1988-1995), dissertação de doutoramento em Estudos de Literatura e Cultura, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2012, policop., pp. 32ss. (50) Num balanço à distância, muitos reconhecem os excessos de «populismo justicialista» patentes nas sucessivas manchetes de O Independente. Para Nobre Guedes, o jornal foi «claramente longe demais»; para José Adelino Maltez, a marca classista, patente nas críticas impiedosas às origens humildes de Macário Correia, denunciava que se estava perante «um jornal de queques da Linha». Graça Rosendo reconhece que o jornal onde trabalhava «generalizou o off e as fontes anónimas», chegando a publicar documentos antes de estarem aprovados: cf. os depoimentos recolhidos por Catarina Falcão, «O Independente. O jornal que marcou os anos 90 e a direita portuguesa», i, de 20-X-2012. Na verdade, a dada altura o jornal ficou aprisionado na sua própria lógica sensacionalista – todas as semanas tinha de publicar uma manchete com um escândalo político. Dessa forma, se contribuiu para um novo tipo de relacionamento da classe política com os media, não é menos certo que acabou por resvalar numa espiral que se revelou fatal para a sua credibilidade e continuidade. É sintomático que a última directora de O Independente, e filha do proprietário do jornal, Inês Serra Lopes, tenha sido condenada pelo Tribunal da Relação de Lisboa por crime de favorecimento pessoal na forma tentada no caso de um alegado sósia de Carlos Cruz, arguido no processo Casa Pia, no âmbito do qual António Serra Lopes intervinha como advogado daquele apresentador de televisão (cf. Público, de 6-I-2009). Esta condenação coincidiu, de certo modo, com o fim do jornal e acaba por constituir um expressivo e irónico epílogo da sua vertigem populista. De acordo com Pedro Rolo Duarte, O Independente teve baixos níveis de vendas ao princípio (20 a 30 mil exemplares), encontrando-se na iminência de encerrar, o que só não aconteceu quando publicitou o «caso Cadilhe» («e nunca mais parou», refere Rolo Duarte in Maria Ramos Silva, «Quando a insolência cozinhada na noite era o prato do dia», i, de 20-X-2012). (51) Curiosamente, existem versões contraditórias a este propósito. Entrevistado por Pedro Mexia, o então director de O Independente, Miguel Esteves Cardoso, nega que existisse um projecto político por parte de Paulo Portas (cf. Expresso/Revista, de 24-III-2012). Já o fundador e presidente do conselho de administração da SOCI, Luís Nobre Guedes, considera: «Acredito que a linha do jornal foi para o desgaste de um partido, de um líder e de um governo. Tudo dentro do projecto político do director-adjunto» (cf. Catarina Falcão, «O Independente. O jornal que marcou os anos 90 e a direita portuguesa», i, de 20-X-2012). À distância, parece poder afirmar-se que O Independente, sobretudo a dada altura, se inscreveu numa estratégia de afirmação política – e até pessoal – de Paulo Portas, facto que, a prazo, o colocaria perante uma questão dramática. Consistiu ela na circunstância de, enquanto jornalista, ter assumido um discurso de crítica ao poder, num estilo assertivo e peremptório que tinha subjacente uma convicção de superioridade ética, moral, intelectual e até social. Nas suas crónicas, Portas assumia um registo epigramático, utilizando frases curtas, sem

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dúvidas nem nuances: «Haja pudor e decência», disse em 2004 aquando da visita do Presidente angolano José Eduardo dos Santos. Ou «Somos todos dinamarqueses», título de uma célebre crónica em que Portas se colocava ao lado dos que haviam, em referendo, reprovado o Tratado de Maastricht. Ou ainda uma crónica anti-germânica («um monstro de proporções e perigos incalculáveis»), publicada em O Independente, em 27-XI-1991. Ora, ao assumir pastas de importância estratégica, como a Defesa (2002-2004) e, mais tarde, os Negócios Estrangeiros (2011-), viria naturalmente a ser confrontado com as suas afirmações pretéritas (cf., por ex., Sara Capelo, «As várias faces de Paulo Portas», Sábado, de 21-II-2013). Mais ainda, a marca «justicialista» que criou escola no jornalismo português, com frequentes trials by newaspaper de onde estava ausente o respeito por princípios como a presunção de inocência ou do segredo de justiça, acabaria por se voltar contra ele próprio (v.g., nos chamados «caso Moderna» e «caso dos submarinos») ou personalidades que lhe eram próximas (v.g., Nobre Guedes ou Abel Pinheiro). Sobre a contestação de O Independente aos governos de Cavaco Silva, cf. Maria Filomena da Silva Barradas, Uma Nação a Falar Consigo Mesma…, cit., pp. 130ss, e, em particular sobre o «caso Cadilhe», pp. 85ss. Na sua autobiografia, Aníbal Cavaco Silva refere-se a este caso, com algum pormenor: cf. Aníbal Cavaco Silva, Autobiografia Política, Vol. 2 – Os anos de governo em maioria, Lisboa, Temas e Debates, 2004, pp. 90ss. O tema é amplamente tratado na obra de Miguel Cadilhe, Factos e Enredos, s.l., Edições Asa, 1990, e no relato memorialístico do então assessor de imprensa de Cavaco Silva: cf. Fernando Lima, O Meu Tempo com Cavaco Silva, Lisboa, Bertrand Editora, 2004, pp. 116ss. (52) Cf. Vasco Pulido Valente, Esta Ditosa Pátria, cit., pp. 98ss. Noutro texto, analisava o «homem novo lusitano» que, supostamente, Cavaco Silva julgava ter concebido: cf. Vasco Pulido Valente, Retratos e Auto-Retratos (Ensaios e Memórias), Lisboa, Assírio & Alvim, 1992, pp. 175ss, obra que reúne artigos de opinião e ensaios, alguns dos quais extremamente críticos da governação de Cavaco Silva («Cavaco: retrato de um português muito conhecido» − pp. 159ss; «Cavaco: a culpa é minha?» − pp. 173ss). Num desses textos, escreve-se, por ex., que Cavaco Silva «defende pessoalmente criaturas indefensáveis como Leonor Beleza» (p. 167), dizendo ainda que existia uma «obtusidade, congénita ou adquirida» no modo de governação, a qual «atingiu o cume com Leonor Beleza» (p. 168). Curiosamente, neste volume é publicado um escrito autobiográfico, «Eu sempre fui assim: auto-retrato aos 50 anos» (pp. 15ss), em que a dramatis personæ de Vasco Pulido Valente, num registo melancólico e autocrítico, afirma: «Eu não quero persistir nesta guerra pública e privada comigo e com toda a gente. Lamento do coração os meus irreflectidos ataques ao amor próprio dos portugueses, que tinham, e têm, o seu lado bom» (p. 19). (53) Cf. Luciano Amaral, Economia Portuguesa. As últimas décadas, Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2010, p. 35. (54) Cf. Isabel Nogueira, Artes plásticas e crítica em Portugal nos anos 70 e 80: vanguarda e pós-modernismo, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2013, pp. 213ss. (55) Cf. Maria Filomena Mónica, Visitas ao Poder, cit., pp. 148-149. (56) Cf. Luís Villalobos e Raquel Martins, «Primeira catedral do consumo nasceu há 25 anos em terrenos da igreja», Público, de 10-XII-2010. (57) Cf., por ex., Rogério Santos, Indústrias Culturais. Imagens, valores e consumos, Lisboa, Edições 70, 2007, pp. 87ss. (58) Cf. Vera Policarpo, «Sexualidades em construção, entre o privado e o público», in AA.VV., História da Vida Privada em Portugal – Os Nossos Dias, dir. de Ana Nunes de Almeida, Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2011, p. 63.

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(59) Cf. Anthony Giddens, Beyond Left and Right. The future of radical politics, Cambridge, Polity Press, 1994, em esp. pp. 22ss. (60) Apud Maria Filomena da Silva Barradas, Uma Nação a Falar Consigo Mesma…, cit., p. 19. (61) Apud Maria Filomena da Silva Barradas, Uma Nação a Falar Consigo Mesma…, cit., p. 138 e p. 140. (62) Apud Maria Filomena da Silva Barradas, Uma Nação a Falar Consigo Mesma…, cit., p. 26. (63) Cf. João Miguel Tavares, «O Independente (1988-2006)», Diário de Notícias, de 2-IX-2006. Por sua vez, e num sentido idêntico, Miguel Carvalho observa que «o Indy era sentimentalão, divertido, alcoólico, noctívago, fumador, apaixonado, certeiro, implacável, injusto. Às vezes monárquico, às vezes esquerdista, conservador no estatuto editorial, muitas vezes livre, anárquico e descontrolado. Para o bem e para o mal. Era a vida em excesso, nas fraquezas e nas forças, nas intrigas e nas causas, nos combates e nas paixões» («O Independente», Visão, de 31-VIII-2006). (64) Cf. Alain Minc, Une histoire politique des intellectuels, Paris, Grasset, 2010. (65) Um dos exemplos mais expressivos é o de António José de Brito, que publicou, inclusivamente, textos que procuraram relativizar o nazismo, num registo muito próximo do negacionismo, destacando-se a esse propósito «A legenda negra antinazista», publicado no seu livro Destino do Nacionalismo Português, Lisboa, Verbo, 1962. Ora, a direita liberal contemporânea move-se visceralmente contra este tipo de aproximações quer por razões pragmáticas e de estratégia de afirmação pública, quer por não se rever minimamente, do ponto de vista ideológico, com os diversos totalitarismos e autoritarismos, designadamente com o Estado Novo. Daí a razão pela qual a sua atitude suscita particular incómodo em alguns meios de esquerda, os quais persistem na tentativa de rotular de «salazaristas» ou «negacionistas» os intelectuais públicos da direita liberal. (66) Alguns blogues, pela sua popularidade, acabaram por ter os seus textos publicados em livro. Um caso paradigmático é a obra de André Belo, Celso Martins, Daniel Oliveira, Pedro Oliveira e Rui Tavares, Barnabé. O que é que tem o Barnabé que é diferente dos outros?, Lisboa, Oficina do Livro, 2004, correspondendo, como se refere nos agradecimentos («a primeira pessoa a imaginar este livro e pegar num telefone para convencer os barnabés a deitarem mãos à obra»), a um projecto editorial de Bárbara Bulhosa, que mais tarde será fundadora e proprietária da editora Tinta da China. A capa ostenta os seguintes dizeres: «O blogue que a direita detesta» e «O mais lido. 1 milhão de visitas na Net». O livro é bem elucidativo do estilo combativo que, à esquerda e à direita, marca a blogosfera de intervenção política e nele é bastante visível a marca das fracturas abertas pela intervenção militar norte-americana no Iraque e no Afeganistão. A esmagadora maioria dos textos (praticamente, a totalidade) tem por alvo personalidades, e as afirmações que proferiram, só implicitamente se questionando ideias ou projectos políticos em abstracto. Resta saber em que medida esta «personalização da crítica», ademais selectiva e puramente «destrutiva», não conduz, de forma paradoxal, a um esvaziamento – a um esvaziamento ideológico, note-se – do debate público, na linha de uma tendência nacional para a «fulanização da política» que já Unamuno detectou entre nós. É sintomático que, a dada altura, os textos do Barnabé façam uma defesa da blogosfera contra os seus detractores (v.g., Pacheco Pereira) (op. cit., pp. 260ss). Como é sintomático que, num desses textos, se afirme que «com a morte da Coluna [Infame] e o nascimento de vários blogues de esquerda, o domínio da direita na blogosfera acabou» (p. 261), o que atesta bem a importância que, naquela altura, a Coluna Infame deteve enquanto lugar de afirmação e expressão da direita cultural de matriz liberal. Por outro lado, não pode deixar de suscitar reflexão o facto de autores que buscam alternativas ao «sistema» (entendido este como a democracia liberal e a economia de mercado) recorrerem aos veículos de comunicação e

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difusão do pensamento que esse «sistema» cria e promove, como a blogosfera, as redes sociais na Internet, a imprensa e a televisão ou mesmo as universidades, públicas e privadas, dos Estados Unidos ou da Europa ocidental, ou centros como o Instituto Universitário de Florença, ligado à União Europeia. «O que torna o capitalismo extraordinariamente resistente é a sua capacidade de tudo integrar», escreveu Daniel Oliveira no Expresso (de 2-III-2013), afirmação que, sendo proferida nas páginas de um semanário fundado por Francisco Pinto Balsemão e propriedade de um grande grupo de comunicação social (Impresa), pode ser interpretada como interessante confissão de derrota de um projecto «alternativo» ao sistema liberal. Não se esqueça, ademais, que Daniel Oliveira é um dos mais destacados intervenientes no programa «O Eixo do Mal», transmitido pela SIC-Notícias, igualmente propriedade do grupo Impresa. (67) Existe, a este propósito, uma interessantíssima «desconstrução» humorística, feita por Pedro Monteiro e Rodrigo Monteiro, com ilustrações de Tiago Albuquerque, Novíssimo Livro de Leitura. 1ª à 4ª Classes e Classe Operária, s.l., Lápis de Memórias, 2011. (68) Cf. Joaquim Vieira, Mocidade Portuguesa. Homens para um Estado Novo, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2008; Irene Flunser Pimentel, Mocidade Portuguesa Feminina, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2007. (69) Destaca-se, a este propósito, o trabalho de Luciana de Castro Soutelo, A memória do 25 de Abril nos anos do cavaquismo: o desenvolvimento do revisionismo histórico através da imprensa (1985-1995), dissertação de mestrado em História Contemporânea, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2012, policop. [disponível online e consultada em 12-II-2013]. Esta autora considera, inclusivamente, que intervenções do Presidente Mário Soares em sessões comemorativas do 25 de Abril acusavam a marca do revisionismo histórico: cf. Luciana Soutelo, «Visões da Revolução dos Cravos: combates pela memória através da imprensa (1985-1995)», in Raquel Varela (coord.), Revolução ou Transição? História e memória da Revolução dos Cravos, Lisboa, 2012, p. 241. No Verão de 2012, um historiador da Universidade do Porto, Manuel Loff, nas páginas do jornal Público, atacou a obra História de Portugal, da autoria de Rui Ramos, Bernardo Vasconcelos e Sousa e Nuno Monteiro, acusando-a de negar o carácter ditatorial do Estado Novo, facto que gerou acesa controvérsia, com uma mobilização mais intensa, articulada e sistemática dos meios intelectuais conotados com a esquerda, que até então não tinham questionado a obra coordenada por Rui Ramos e publicada anos antes, mas de imediato alinharam, aprofundando-a, com a pretensa crítica de Manuel Loff, sem avaliarem em que medida tal crítica possuía correspondência com a verdade do texto questionado: cf. a síntese de Filipe Ribeiro de Meneses, «Slander, Ideological Differences, or Academic Debate? The “Verão Quente” of 2012 and the State of Portuguese Historiography», e-Journal of Portuguese History, vol. 10, nº 1, Verão de 2012 [disponível online e consultada em 12-II-2013]. A crítica à obra dirigida por Rui Ramos, bem como outras que anteriormente visaram a biografia de Salazar da autoria de Ribeiro de Menezes, não impediram – pelo contrário – que ambos os livros tivessem um assinalável êxito, com vendas na ordem das dezenas de milhares de exemplares, sucesso que não ocorre, em contrapartida, com os textos da generalidade dos seus críticos. Nesse sentido, ou se considera que o público leitor não tem capacidade para discernir a qualidade das obras em causa e nelas detectar sinais de «revisionismo» ou se conclui que os argumentos esgrimidos contra os livros de Ribeiro de Menezes e de Rui Ramos não foram suficientes para abalar o interesse que os mesmos despertaram junto da sociedade portuguesa. Nas livrarias, a História de Portugal coordenada por Rui Ramos vendeu cerca de 25.000 exemplares e, juntamente com o Expresso, foram distribuídos entre 100.000 a 120.000 exemplares. (70) Cf. http://www.postaisultramar.com.pt/

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(71) Cf. Silvino Silvério Marques, Luís Aguiar e Gilberto Santos e Castro, Os descolonizadores e o crime de traição à pátria, Lisboa, Editora Ulisseia, 1983. Cf. ainda Luís Aguiar, Livro Negro da Descolonização, Lisboa, Intervenção, 1977; Id., A chamada «descolonização». Julgamento dos Responsáveis, Lisboa, Intervenção, 1978. (72) Cf. Joana Stichini Vilela e Nick Mrozowski, Lx 60, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2012. (73) Cf. Avante!, de 20-XII-2012 e de 31-III-2012. (74) Cf. http://atlantico.blogs.sapo.pt/

Publicada por Malomil à(s) 17.1.14 Enviar a mensagem por e-mailDê a sua opinião!Partilhar no TwitterPartilhar no Facebook Etiquetas: António Araújo, Ciências sociais, Classes sociais, Cultura, Filosofia Política, Intelectuais, Internet, Lisboa, Pensamento Político, Política, Portugal, Vida 25 comentários:

1. Justiniano17 de Janeiro de 2014 às 10:22 Caríssimo António Araújo, excelente, belíssimo trabalho!! Uma ou outra discordância fenomenológica não desmerecem em nada a sua análise e o ponto fenomenal de onde parte!! Um bem haja para si Responder Respostas

1. Tomas17 de Janeiro de 2014 às 13:20 Idem, parabéns. Responder

2. ana faria17 de Janeiro de 2014 às 10:37 "Quem tem Kapa, sempre eskapa" Adorei o artigo. Muito bom! Parabéns. Responder

3. Anónimo17 de Janeiro de 2014 às 12:45 Obrigado por partilhar o "A cultura de direita em Portugal". Nascido em ’79 no estrangeiro, só cá cheguei em ’88, pelo que este texto é uma verdadeira aula de história contemporânea de Portugal, que me permite entender a passagem da sociedade do antes e durante 25 Abril e 25 Novembro (que nada me dizem estas datas), para a sociedade da CEE, SONAE e SIC (a que eu conheço). A origem dos politicos e personalidades destacadas portuguesas actuais é interessante, e ver a sua posição nos principais acontecimentos da historia contemporânea permite entender a evolução que vamos ter: ainda muita gente vive no 25 Abril (ou até ainda nem lá chegou), mas a tendência é esquecer e seguir em frente! Só assim Portugal irá evoluir e melhorar! Daniel Responder

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4. Anónimo17 de Janeiro de 2014 às 14:04 Para além de ser o melhor post (ensaio) de sempre da internet da lusitânia, é ao mesmo tempo uma granda merda, em derivado ao facto de o professor antónio araújo não se ter dado ao trabalho de arranjar um lugarinho, mesmo que modesto, para as palavras "herman" e "josé". Obrigado. Responder

5. Anónimo17 de Janeiro de 2014 às 14:36 Muito interessante! Agora, este percurso não é exclusivamente português, pois não? (ex: lojas retro como a Vida Portuguesa existem de Paris a Berlim - que são as que conheço). Não quer prolongar num outro artigo, alargando ao contexto europeu? :) Responder

6. Vitor Cabeça17 de Janeiro de 2014 às 14:37 Um colosso de trabalho! Verdadeiramente impressionante, mesmo comparativamente ao melhor que encontro no meu "info-mining" na blogosfera. Obrigado por me ter ajudado a enquadrar o meu próprio trajecto como leitor do Independente, admirador dos Heróis do Mar e leitor assiduo da Atlântico. Responder

7. Anónimo17 de Janeiro de 2014 às 15:17 Obrigado, muito obrigado! Renato Responder Respostas

1. São Canhões? Sabem mesmo a manteiga...17 de Janeiro de 2014 às 15:42 obrigado pelo quê....bolas isto é uma sopa de ideais pá ou é de i-dei-as ideais? além disso duvido que alguém tenha lido isto o formato torna a leitura parcial e difícil de obter uma imagem de con junto Responder

8. Em Soares eu Creio os ministros que Abril nos deu são piores que Hitler e Mussolini ou agente leu mal?17 de Janeiro de 2014 às 18:53 bolas pá deves ser filho único sem netos que te aturem né

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ponto que se pretende sublinhar no texto é referido, nos seguintes termos: «O triunfo de uma tecnocracia urbana pós-industrial, em grande parte formada por mulheres? este GAJO SNIFA O QUÊ GRANDE PARTE DEVE SER PARA ELE MAIS QUE MEIA DÚZIA AI O CRATO PRECISA DE DAR ESTATÍSTICA PARA ADULTOS ADÚLTEROS fornece o caldo cultura ideal para o retorno ao aprumo de gravata e fato e para a prática de uma requintada elegância feminina, «o Indy era sentimentalão, divertido, alcoólico, noctívago, fumador, apaixonado, certeiro, implacável, injusto. Às vezes monárquico, às vezes esquerdista, conservador no estatuto editorial, muitas vezes livre, anárquico e descontrolado. Para o bem e para o mal. Era a vida em excesso, nas fraquezas e nas forças, nas intrigas e nas causas, nos combates e nas paixões» («O Independente», Visão, de 31-VIII-2006). «O blogue que a direita detesta» e «O mais lido. 1 milhão de visitas na Net». O livro é bem elucidativo do estilo combativo que, à esquerda e à direita, marca a blogosfera de intervenção política e nele é bastante visível a marca das fracturas abertas pela intervenção militar norte-americana no Iraque e no Afeganistão. A esmagadora maioria dos textos (praticamente, a totalidade) tem por alvo ? quem é masoquista? «O que torna o capitalismo extraordinariamente resistente é a falta de armamento pesado à venda nas drogarias Posted by São velhões? Labels: A INTERNET É MESMO UMA ESFERA DE VAZIO QUE NOS ESPERA... Responder

9. Anónimo17 de Janeiro de 2014 às 19:09 Um trabalho ciclópico. Li-o de fio a pavio. Obrigado, muito obrigado por me ter feito recordar de tanta, tanta coisa de que há muito não me vinha à memória. Belíssimo trabalho! Responder

10. JOPP17 de Janeiro de 2014 às 20:10 Parabéns por este trabalho - que no entanto contém, a espaços, algumas imprecisões. Por exemplo, além de co-autor de um filme centrado na história dos Heróis do Mar, também fui um dos 13 jornalistas fundadores do «O Independente», e um dos primeiros a abandonar o projecto. Creio que alguns aspectos beneficiariam com a leitura do livro do falecido Gilles Châtelet, que traduzi em 2000 e foi publicado em 2003 pela Temas e Debates com o título «Pensarmos e Vivermos como Porcos - Sobre o Incitamento à Inveja e ao Tédio nas Democracias-Mercado», onde a confluência entre a cultura e a direita financeira nos anos 1980 é analisado do ponto de vista de um parisiense: Lisboa tinha o seu Frágil, Paris tinha o seu Palace. Também ocorreu noutros locais, durante o período Reagan/Thatcher. Além disso (e ao correr da pena), recordo que a sexualidade dos anos 1980 assinala uma forte regressão em relação à sexualidade dos anos 1970 - especialmente devido à eclosão da SIDA. Cumps. JPP Responder

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11. Guilherme Antonio Morgado17 de Janeiro de 2014 às 21:02 Óptimo trabalho. Dos melhores posts que leio na esfera bloguista. Assisti a muitos destes testemunhos que aqui descreve. Parabéns. Responder

12. Anónimo17 de Janeiro de 2014 às 21:45 Muito bom. Isto desenvolvido, merecia um livro. Deixo aqui uma apreciação pessoal, num aspecto que não foi tocado pelo António Araújo. O que é que ficou daquilo tudo, como se lê e vê agora aquilo tudo. Para mim, envelheceu muito mal tudo aquilo, ler agora o Indy e a Kapa tornou-se

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insuportável. Eu, como muitos da minha geração, fui consumidor ávido. Os maneirismos, a moda dos celtas, o quinto império, etc. Voltei a ler mais tarde e... ri-me. Lembro-me em particular de um texto na Kapa sobre o imperador do Japão, julgo que do João Miguel Fernandes Jorge, que me faz agora rir às gargalhadas. E expressões como "gente de bem", usadas a torto e a direito. Mas continua por ai. O MEC foi um assombro quando surgiu. As suas crónicas musicais de Manchester, a descoberta da factory, aquela forma de escrever, tudo o que veio depois a sr compilado no "Bolas para o Pinhal", nada se fez de igual depois disso. Depois veio o Indy e o MEC das coisitas, das saudadezitas das coisitas do passado, do melhor pastel de nata e do senhor nãoseiquantos que lhe vende couves maravilhosas, do ai o meu amorzinho, até agora. A última parte da sua cronica faz-me lembrar uma história de vez em quando contada pelo VPV. Estava ele em Oxford e diz-lhe um professor que não vale a pena perder tempo a escrever história de um país tão insignificante como Portugal. Ficou-lhe sempre essa mágoa de ter nascido nesta piolheira. I rest my case. Pedro Responder

13. Anónimo17 de Janeiro de 2014 às 23:08 Um excelente e vertiginoso encadeado de ideias, imagens e opiniões. Uma tarefa ciclópica em que falta enquadrar o malomil... Responder

14. Luís Gomes Costa18 de Janeiro de 2014 às 01:52 Excelente ensaio, mas um que me parece, de certa forma, criar uma narrativa a partir do fim, ou seja procura-se na história recente a direita cosmopolita que mais se possa assemelhar à direita bloguista de hoje, logo ficou muito por explicar, nomeadamente as novas representações culturais das direitas regionalistas de pendor rural, das direitas religiosas, das direitas nostálgico-militares ou ainda das direitas que eu chamaria de suburbanas, patriótico-futebolisticas e de revolta contra a crescente miscigenação das grandes malhas urbanas, todas elas dotadas de cultura, de um conjunto de valores e de referências (por mais discutíveis que o sejam, como o são). Por outro lado, uma nota para dizer que não podemos esquecer que o interesse pela memória está também relacionado com o ritmo da transformação social em Portugal em que muita gente procura no passado algum conforto para estes tempos de difícil definição e orientação. E ironicamente a mesma tendência é visível em comunistas e em conservadores, como se dissesem uns para os outros: quantas saudades tenho de odiar o teu Salazar/Cunhal. Esses sim eram tempos! Responder

15. AJC18 de Janeiro de 2014 às 07:15 Excelente. Noto, no entanto, um tom demasiado académico (na moda portuguesa dos últimos anos) e um execesso de citações irrelevantes para provar o lastro cultural do autor, talvez a velha insegurança do não reconhecimento massificado. Ainda assim excelente. Responder

16. Francisco Seixas da Costa18 de Janeiro de 2014 às 18:12 Um excelente trabalho, um magnífico texto e um manancial para reflexão, dado que conferiu " ordem" a algumas "impressões" que todos vamos cultivando. Gostava de ver a direita reagir a isto.

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17. Mutante S.2119 de Janeiro de 2014 às 01:28 Magnífico ensaio, uma bela forma de passar uma madrugada, deixe-me que lhe diga. Como antigo jornalista/repórter do "Semanário" (na sua fase final, de Dezembro de 2008 a Janeiro de 2010), felicito-o pelo destaque lhe deu, ainda que, devo dizer, as coisas estavam já muito diferentes quando lá cheguei - para mais que dificilmente escreveria para tal jornal na década de oitenta, dadas as divergências políticas entre mim e alguns dos fundadores e colaboradores daquele jornal, não obstante ter sido aluno de alguns deles. Que muito me ensinaram, diga-se. Para além da minha humilde opinião sobre o seu ensaio e desta pequena nota biográfica, tenho a comentar o seguinte excerto: "[...] A emissão da série documental «A Guerra» (2007-2012), de Joaquim Furtado, também graças ao seu rigor, não suscitou especial controvérsia. [...]" Devo discordar. Desde acusações de antigos combatentes (casos do meu pai e tios, todos de esquerda, diga-se) em relação ao modo como certos episódios foram montados até a uma polémica sobre as declarações do general Almeida Bruno num dos episódios, controvérsia foi algo a que a dita série não foi alheia. Não se ter insistido - ou não se ter incluído - em obter declarações de intervenientes de relevo na guerra do Ultramar, como o general Bettencourt Rodrigues, foi um erro clamoroso que manchou aquele trabalho. Tirou-lhe rigor, isenção e objectividade. Ainda sobre as declarações de Almeida Bruno, a dita polémica consubstanciou-se, entre outros, neste blogue, passe-se a publicidade: http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/; é procurar nas "tags" o nome daquele militar. Lá porque a polémica não chegou aos grandes meios de comunicação social não quer dizer que não tenha existido. Por fim e ao contrário do que alguns comentaram, acho lindamente que o texto tenha referências académicas; são um precioso auxiliar para enquadrar certas questões, denotam que o autor sabe do que fala (que não é mais um demagogo da Internet) e que procura uma simbiose muitas vezes inatingível: rigor académico e linguagem acessível a quem seja minimamente alfabetizado ou que esteja habituado a ler, pelo menos. Para mais que as notas de rodapé são um fantástico novelo para desenrolar em visitas a bibliotecas, livrarias, alfarrabistas, com amigos e por aí fora. Os meus parabéns, que este é um texto para ler, guardar, reler quando for apropriado, para recomendar e para utilizar como bússola nestas questões da direita Portuguesa e seu "habitat" político, económico e cultural. Responder Respostas

1. F.A.19 de Janeiro de 2014 às 21:52 O post é avassalador em informação e nostalgia, apreciei ambas. Um verdadeiro serviço público. Vivi em Moçambique, pertenci à Companhia de Transmissões e tinha acesso ao SITREP e PERINTREP da RMM. Posto isto basta dizer que Joaquim Furtado é um jornalista de "esquerda" e a referida série cheia de meias verdades e baseada em depoimentos que roçam o absurdo (i.e. Guilherme José de Melo) cumpriu plenamente o fim para que foi feita. Muito obrigado por sendo uma voz importante dizer aquilo que ainda hoje não pode (deve) ser dito.

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18. Carlos Serra19 de Janeiro de 2014 às 14:57 http://www.oficinadesociologia.blogspot.com/2014/01/a-cultura-de-direita-em-portugal.html Responder

19. João José Horta Nobre19 de Janeiro de 2014 às 15:05 Publiquei: http://historiamaximus.blogspot.pt/2014/01/a-cultura-de-direita-em-portugal.html Cumpts, João José Horta Nobre Contacto: [email protected] Responder

20. Malomil19 de Janeiro de 2014 às 21:06 Agradeço todos os comentários, críticas e sugestões. Muito obrigado. António Araújo Responder

21. Anónimo19 de Janeiro de 2014 às 21:57 Excelente... ;) Obrigado a si, António! :) Só faltou a palavra que resume o texto... ( Propaganda )... Estou certo que lá chegaremos... ;) Ganhou um leitôr assíduo pode crêr! ;) Responder

22. Flávio Gonçalves20 de Janeiro de 2014 às 02:59 Sobre A Cultura de Direita em Portugal de António Araújo tenho apenas duas coisas a apontar: primeira, desconhecia que O Independente fosse um semanário de inspiração nacionalista e patriótica; segunda, lamento a ausência da revista Magazine Grande Informação na sua análise, esperemos que por lapso. Responder