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Av. Afonso Pena, 1.901 – Edifício Séculos - Funcionários – Belo Horizonte – MG - CEP 30130-004 1 ESTADO DE MINAS GERAIS ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO O Advogado-Geral do Estado, Dr. Marco Antônio Rebelo Romanelli, proferiu no Parecer abaixo o seguinte Despacho: “Aprovo. Em 21/08/2012” Procedência: OUVIDORIA GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS Interessado: JUÍZO DA COMARCA DE BOM SUCESSO Parecer n.: 15.204 Data: 21 de agosto de 2012 Ementa: OUVIDORIA GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS – SOLICITAÇÃO DO JUÍZO DA COMARCA DE BOM SUCESSO DE REVELAÇÃO DE IDENTIDADE DE CIDADÃO QUE FEZ MANIFESTAÇÃO PERANTE A OUVIDORIA GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS PARA INSTRUIR INQUÉRITO POLICIAL QUE INVESTIGA POSSÍVEL COMETIMENTO DE DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA CONTRA AGENTE PÚBLICO MANIFESTAÇÕES ANÔNIMAS E MANIFESTAÇÃO FEITA COM SOLICITAÇÃO DE SIGILO – INVIABILIDADE FÁTICA DE REVELAÇÃO DA IDENTIDADE EM CASO DE MANIFESTAÇÃO ANÔNIMA INVIABILIDADE JURÍDICA DE REVELAÇÃO DA IDENTIDADE EM CASO DE MANIFESTAÇÃO COM SOLICITAÇÃO DE SIGILO EM FACE DA LEGISLAÇÃO MINEIRA APLICÁVEL (PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 4.º DA LEI ESTADUAL N. 15.298) DEVER DAS AUTORIDADES DE VERIFICAR QUAISQUER NOTÍCIAS DE IRREGULARIDADE APENAS INSTAURANDO PROCESSOS ADMINISTRATIVOS DISCIPLINARES DIANTE DA PLAUSIBILIDADE DAS INFORMAÇÕES – PERMANENTE SUBMISSÃO DOS AGENTES PÚBLICOS AOS PODERES DISCIPLINARES AUSÊNCIA DE QUALQUER PREJUÍZO NO CASO CONCRETO PARA O AGENTE PÚBLICO MENCIONADO NAS MANIFESTAÇÕES INVIABILIDADE DE CONFIGURAÇÃO DE DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO PARA A REVELAÇÃO DA IDENTIDADE DO MANIFESTANTE.

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O Advogado-Geral do Estado, Dr. Marco Antônio Rebelo Romanelli, proferiu no Parecer abaixo o seguinte Despacho: “Aprovo. Em 21/08/2012” Procedência: OUVIDORIA GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS Interessado: JUÍZO DA COMARCA DE BOM SUCESSO Parecer n.: 15.204 Data: 21 de agosto de 2012 Ementa:

OUVIDORIA GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS – SOLICITAÇÃO DO JUÍZO DA COMARCA DE BOM SUCESSO DE REVELAÇÃO DE IDENTIDADE DE CIDADÃO QUE FEZ MANIFESTAÇÃO PERANTE A OUVIDORIA GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS PARA INSTRUIR INQUÉRITO POLICIAL QUE INVESTIGA POSSÍVEL COMETIMENTO DE DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA CONTRA AGENTE PÚBLICO – MANIFESTAÇÕES ANÔNIMAS E MANIFESTAÇÃO FEITA COM SOLICITAÇÃO DE SIGILO – INVIABILIDADE FÁTICA DE REVELAÇÃO DA IDENTIDADE EM CASO DE MANIFESTAÇÃO ANÔNIMA – INVIABILIDADE JURÍDICA DE REVELAÇÃO DA IDENTIDADE EM CASO DE MANIFESTAÇÃO COM SOLICITAÇÃO DE SIGILO EM FACE DA LEGISLAÇÃO MINEIRA APLICÁVEL (PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 4.º DA LEI ESTADUAL N. 15.298) – DEVER DAS AUTORIDADES DE VERIFICAR QUAISQUER NOTÍCIAS DE IRREGULARIDADE APENAS INSTAURANDO PROCESSOS ADMINISTRATIVOS DISCIPLINARES DIANTE DA PLAUSIBILIDADE DAS INFORMAÇÕES – PERMANENTE SUBMISSÃO DOS AGENTES PÚBLICOS AOS PODERES DISCIPLINARES – AUSÊNCIA DE QUALQUER PREJUÍZO NO CASO CONCRETO PARA O AGENTE PÚBLICO MENCIONADO NAS MANIFESTAÇÕES – INVIABILIDADE DE CONFIGURAÇÃO DE DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA – AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO PARA A REVELAÇÃO DA IDENTIDADE DO MANIFESTANTE.

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RELATÓRIO Trata-se de consulta encaminhada a esta Consultoria Jurídica da Advocacia Geral do Estado (CJ-AGE) pela Senhora Ouvidora Geral do Estado de Minas Gerais, visando à análise de questão relativa à preservação do sigilo da identidade daqueles que se manifestam perante este órgão. A consulta foi instruída com o Parecer n. 50/2012/OGE/AJU, no qual, em suma, destacou-se que: - a questão foi suscitada em virtude da solicitação da prestação de informações pelo juízo da comarca de Bom Sucesso acerca da identidade do autor das manifestações n. 31.201, de 06/02/2011, n. 31.483, de 17/02/2011, e n. 32.802, de 10.04.2011, e da senha de acesso desta última, tudo para instruir o inquérito policial n. 08012001338-0; - a Lei estadual n. 15.298/04, alterada pela Lei Delegada n. 180/11, criadora da Ouvidoria Geral do Estado de Minas Gerais, assegura o sigilo sobre a identidade do denunciante ou reclamante, quando solicitado, comunicando os órgãos responsáveis pela apuração dos fatos noticiados; - esta política de privacidade é enfatizada pelo Decreto estadual n. 45.743/11; - mesmo diante desta disciplina normativa, o Supremo Tribunal Federal admite a relativização do sigilo de dados, previsto no art. 5.º, inciso XII, da Constituição Federal, se tal relativização for imprescindível para o atendimento do interesse público; - a mesma orientação é seguida pelo Superior Tribunal de Justiça. Diante destas considerações, a Assessoria Jurídica da Ouvidoria Geral do Estado de Minas Gerais concluiu seu parecer sem opinar, nos seguintes termos:

“Assim sendo, face à complexidade do caso concreto sob análise, visto que envolve a garantia constitucional do sigilo de dados, deixamos de opinar e sugerimos submeter o expediente à douta Advocacia Geral do Estado.” (destaques acrescidos)

Com o expediente veio cópia do Ofício n. 532/12, do MM. Juiz de Direito da Vara Única da Comarca de Bom Sucesso, outrora distinto integrante dos quadros desta Advocacia Geral do Estado de Minas Gerais, Dr. Murilo Sílvio de Abreu. Neste ofício, solicitou-se, para o fim de instruir os autos n. 08012001338-0, a identificação do denunciante que fez as manifestações protocolizadas junto à Ouvidoria Geral do Estado como solicitado pela autoridade policial ... devendo ser observado o sigilo em relação às informações. Encontra-se igualmente acostada ao expediente cópia do Ofício n. 067/2012, do Delegado de Polícia de Bom Sucesso, dirigido ao juízo da comarca, expondo a existência de inquérito policial visando a apurar o crime de

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denunciação caluniosa supostamente praticado por Ariadna Magalhães Zenith contra o investigador de polícia Thiago Augusto Câncio. Neste ofício, o Delegado requereu ao juízo fosse requisitado à Google Brasil Internet Ltda a faixa de internet protocol usada para criar os emails que refere, requisitado à Ouvidoria Geral do Estado a identificação do denunciante das manifestações que refere, requisitado à Ouvidoria Geral do Estado a confirmação da senha da manifestação que refere. Diante das manifestações referidas anteriormente, o Ouvidor de Polícia, solicitou parecer da Assessoria Técnica, que foi exarado e cuja cópia encontra-se juntada com a presente consulta. Neste parecer, não numerado, relatou-se a situação em tela, destacando-se:

“Considerando o pedido de identificação dos manifestantes que propuseram as manifestações 31.201 e 31.483, importante destacar que as referidas manifestações foram apresentadas de forma anônima, o que torna impossível a esta Ouvidoria identificar os proponentes. Quanto ao pedido de identificação do reclamante relativo à manifestação 32.802, façamos a seguinte análise: A manifestação de n. 32.802 foi feita sob a garantia, assegurada por esta Ouvidoria, de sigilo dos dados do denunciante. Não obstante, os fatos nela narrados não ocasionaram a instauração por parte da Corregedoria Geral de Polícia Civil de investigação policial, processo judicial, investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa, motivo pelo qual não se afigura razoável determinação de quebra de sigilo. … Dessa forma, pode-se concluir que a proteção ao sigilo sobre a identidade do manifestante não é uma faculdade da Ouvidoria Geral do Estado, mas sim uma obrigação legal que deve ser cumprida sempre que solicitada por este. … Caso o Estado de Minas Gerais, por meio da Ouvidoria Geral do Estado, permita a quebra de sigilo da identificação do manifestante, estará agindo de forma contraditória, pois, em um primeiro momento permitiu que este apresentasse a manifestação de forma sigilosa, sob a garantia dos preceitos legais impostos pelo parágrafo único do artigo 4.º da Lei estadual n. 15.298/2004, já em um segundo momento o próprio Estado estaria revelando a identidade do manifestante. Tal ação estatal configuraria o comportamento previsto na expressão ‘venire contra factum proprium’, o qual é verificado em situações em que

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uma pessoa, por um certo período de tempo, comporta-se de determinada maneira, gerando expectativas em outra pessoa de que seu comportamento permanecerá inalterado. … A Ouvidoria Geral do Estado de Minas Gerais foi criada com a finalidade de auxiliar o Poder Executivo na fiscalização e no aperfeiçoamento de serviços e atividades públicas, sendo um importante órgão de promoção da democracia e de garantia do interesse público. Dessa forma, entendemos, salvo melhor juízo, que a proteção ao sigilo de identificação do manifestante deve ser garantia, visto que incentiva o cidadão a apontar os possíveis erros praticados pelos agentes públicos, de forma a permitir que a Administração Estatal corrija as possíveis irregularidades e atenda plenamente ao interesse público. Ressalta-se, ainda, que a proteção ao sigilo de identificação do manifestante é conduta adotada por diversos órgãos que se destinam ao controle e fiscalização de agentes públicos, entre eles citamos as Ouvidorias de Polícia dos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, além da Ouvidoria do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, conforme dispõe a Resolução n. 27, de 05 de abril de 2008, da Procuradoria Geral de Justiça. … Existem, também, sistemas como o Disque Denúncia 181 que sequer permite a identificação do manifestante, como forma de incentivar a propositura das demandas e coibir possíveis retaliações contra os indivíduos que apresentaram as denúncias. Quanto à confirmação da senha do manifestante, importante esclarecer que esta é disponibilizada ao manifestante no momento da propositura da demanda, devendo ser de conhecimento restrito deste. Assim, pelos motivos elencados neste parecer, consideramos que ela dever de exclusivo conhecimento da pessoa que propôs a manifestação, sendo utilizada como instrumento destinado a garantir a privacidade e a própria segurança do manifestante.”

Concluiu-se o parecer no sentido de manutenção do sigilo, opinando-se, no entanto pela provocação da AGE. Esta a questão trazida à análise da Consultoria Jurídica da Advocacia Geral do Estado (CJ-AGE).

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PARECER Em primeiro lugar, deve ser registrado que a atuação desta Consultoria Jurídica da Advocacia Geral do Estado de Minas Gerais volta-se permanentemente para o atendimento expedito e consistente das demandas jurídicas que lhe são apresentadas, no obrigatório desempenho de suas competências legais. Não obstante e com este mesmo objetivo, inafastável a verificação de que, consoante a Constituição e legislação estadual, cabe à Advocacia Geral do Estado de Minas Gerais a representação judicial e extrajudicial do Estado e, na sua estrutura, incumbe à Consultoria Jurídica o assessoramento e a advocacia consultiva relativamente aos órgãos da Administração Direta. Regulamentando esta legislação, o Decreto estadual n. 45.771, de 10 de novembro de 2011, em seus arts. 26 e seguintes, trata especificamente da atuação desta CJ-AGE e da sua relação com as demais Assessorias Jurídicas dos órgãos da Administração Direta do Estado de Minas Gerais. Veja-se o que dispõem as previsões deste Decreto pertinentes ao caso:

“Art. 26. Compete à Consultoria Jurídica: I – prestar consultoria e assessoramento aos órgãos da Administração Direta e Indireta; II – emitir parecer em consulta dirigida à AGE; III – supervisionar, coordenar e orientar as atividades de consultoria e assessoramento jurídico nas Secretarias de Estado, órgãos autônomos e entidades; e IV – coordenar as atividades relacionadas ao Centro de Estudos Celso Barbi Filho. Art. 27. As Assessorias Jurídicas são unidades setoriais de execução da AGE, à qual se subordinam tecnicamente, competindo-lhes, na forma da Lei Complementar nº 75, de 13 de janeiro de 2004, cumprir e fazer cumprir, no âmbito dos órgãos a que se subordinam administrativamente, as orientações do Advogado- Geral do Estado no tocante a: I – prestação de assessoria e consultoria jurídicas ao titular do órgão; II – coordenação das atividades de natureza jurídica; III – interpretação dos atos normativos a serem cumpridos pelo órgão ou entidade a ele vinculada; IV – elaboração de estudos e preparação de informações por solicitação do titular do órgão; V – assessoramento ao titular do órgão no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem praticados pelo órgão ou por entidade a ele vinculada; VI – exame prévio de:

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a) edital de licitação, convênio, contrato ou instrumentos congêneres, a serem celebrados e publicados; e b) ato pelo qual se reconhece a inexigibilidade ou se decide pela dispensa ou retardamento de processo de licitação; VII – fornecimento à AGE de subsídios e elementos que possibilitem a representação do Estado em juízo, inclusive no processo de defesa dos atos do titular e de outras autoridades do órgão; VIII – acompanhamento da tramitação de projetos de lei de interesse da AGE na Assembléia Legislativa; e IX – elaboração de resumos dos atos obrigacionais, convênios, instrumentos congêneres e atos normativos, para fins de publicação no Órgão Oficial dos poderes do Estado.”

Tomando por base a moldura normativa referida, observa-se que à CJ-AGE cabe manifestar-se em questões como a presente. Não obstante, reputa-se conveniente externar algumas observações a respeito da atuação da CJ. Segundo o art. 27 do mencionado Decreto, é às Assessorias Jurídicas dos órgãos da Administração Direta que compete, em primeira linha, a prestação de assessoria e consultoria jurídica, bem como a interpretação dos atos normativos a serem cumpridos pelo órgão e o assessoramento ao titular do órgão no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem praticados. De fato, a existência de Assessorias Jurídicas nos diversos órgãos da Administração Direta estadual apenas faz sentido se a elas competir o assessoramento jurídico cotidiano, a resolução das questões jurídicas rotineiras do órgão. A não ser assim, cria-se uma duplicidade de estruturas funcionais e engessa-se a atuação administrativa, com custos desnecessários de diversas ordens. Em se tratando de uma questão jurídica complexa, neste quadro, estaria assim de todo justificada a provocação da AGE, por meio de sua CJ, para responder consulta, formulando o pertinente parecer ou nota jurídica. Esta circunstância, no entanto, não significa que, diante qualquer questão jurídica que apresente uma nota de complexidade e para a qual se julgue cabível a manifestação da CJ-AGE, a Assessoria Jurídica do órgão envolvido esteja eximida de exarar manifestação prévia, efetivamente se posicionando sobre a questão e fornecendo dados para a atuação da AGE. O que se quer dizer é que, mesmo havendo consulta formulada à AGE, a assessoria jurídica do órgão deve não apenas relatar o caso, mas emitir o seu entendimento jurídico fundamentado sobre a questão, ainda que

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preliminar. Nisto consiste a sua manifestação prévia esperada no âmbito do órgão consulente. Não resta dúvida que é necessário e salutar para a boa administração que as Assessorias Jurídicas de cada órgão, inseridas na intimidade do órgão, conhecedoras específicas das competências, do cotidiano, do funcionamento, das dificuldades e potencialidades do seu órgão, efetivamente opinem sobre as questões jurídicas, mesmo que complexas, que decorram da atuação daquele. A proximidade e a especificidade da Assessoria Jurídica do próprio órgão a coloca em posição ímpar para opinar e indicar soluções para os seus problemas jurídicos, explicitando de forma privilegiada dados e peculiaridades a serem considerados em uma segunda opinião jurídica. Por outro lado, urge colocar em destaque a importância de as Assessorias Jurídicas dos diversos órgãos da Administração estadual irem construindo, a pouco e pouco, repositórios de dados pertinentes para o deslinde das questões jurídicas que podem vir à tona na atuação destes órgãos. Explique-se o que se vem de dizer. As Assessorias Jurídicas devem paulatinamente recolher e organizar informações advindas da doutrina e da jurisprudência, para além da legislação aplicável, que possam servir para fundamentar soluções jurídicas reclamadas, coletando-se subsídios para o bom cumprimento do art. 27 do Decreto estadual n. 45.771. Assim, a cada nova demanda, têm-se já dados a embasar a sua atuação. Transpondo as considerações desta breve digressão para o caso, observa-se que o que se almeja com a presente consulta é que esta CJ-AGE proceda à análise da solicitação apresentada pelo Juízo da Comarca de Bom Sucesso à Ouvidoria Geral do Estado de Minas Gerais. Como se disse, a Assessoria Jurídica daquele órgão relatou o caso, citou julgados referentes a sigilos fiscais, bancários e de comunicações e deixou de opinar. Não informou, por exemplo, se outras solicitações análogas já foram feitas e se e como foram atendidas; não explicitou, também por exemplo, como atuam as ouvidorias de outros entes federativos, com as quais deve haver contato (art. 6.º, inciso II, Lei estadual n. 15.298/04), e assim por diante. Não explicou, por outro lado, o que seria de todo oportuno, como funciona a atuação da Ouvidoria com base em manifestações anônimas ou “sigilosas”, nem tampouco se efetivamente há como identificar a pessoa que fez as manifestações mencionadas na solicitação judicial. Observa-se, desse modo, que ainda que a questão seja complexa, teria sido de todo pertinente e útil que a Assessoria Jurídica do órgão consulente houvesse efetivamente se manifestado, explicitando, como o olhar ‘de dentro do órgão’, os “prós e os contras” de atender a solicitação ou não, bem como a sua possibilidade fática (se há como saber quem fez as manifestações).

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Impende, lado outro, anotar que a Assessoria Técnica da Ouvidoria de Polícia, por meio de gestores governamentais, manifestou-se motivada e fundamentadamente, opinando pela manutenção do sigilo da identidade do ‘manifestante’. Ultrapassado este primeiro ponto e assentadas estas observações tidas por convenientes, passa-se propriamente à análise da solicitação do Juízo da Comarca de Bom Sucesso. Deve salientar-se, de início, que esta é uma primeira consideração da questão, que se faz na ausência de posicionamento da Assessoria Jurídica do órgão consulente e à luz da necessidade de deslinde expedito da questão, em face da solicitação judicial. Sendo assim, não se afasta a possibilidade de nova análise da questão diante de novos dados e circunstâncias. Salienta-se, ainda, que a análise expendida é feita diante do caso concreto relatado. O que se tem é a solicitação do Juízo da Comarca de Bom Sucesso, dirigida à Ouvidoria Geral do Estado de Minas Gerais (OGE), da identificação do denunciante das manifestações n. 31.201, 31.483 e 32.802, a confirmação de que a manifestação n. 32.802 tem como senha ‘iyndl514’. Esta informação é solicitada para instruir os autos n. 08012001338-0, de inquérito policial em que é investigada Ariadna Magalhães Zenith, figurando como vítima Thiago Augusto Câncio, policial civil. Analise-se esta situação.

(A) Distinção entre as situações tradicionais de sigilo e o anonimato ou a preservação da identidade de manifestantes perante a Ouvidoria

Para enfrentar a questão, entende-se necessário fazer uma distinção de partida, sutil, mas essencial para a solução que se reputa adequada ao caso sob análise. Trata-se da distinção entre sigilo e anonimato, em outras palavras, entre dados sigilosos ou protegidos por alguma forma de sigilo e o anonimato ou a preservação da identidade de um manifestante, ou seja, a não identificação de uma pessoa que se manifesta perante a Ouvidoria. O que se encontra facilmente em pesquisa doutrinária e jurisprudencial refere-se, no nosso entender, ao sigilo de dados e não propriamente ao anonimato ou à preservação da identidade daqueles que se utilizam de canais de comunicação com o Poder Público como são as ouvidorias, o disque denúncia e congêneres. É de assentar que alguns destes canais inclusive não admitem que haja a identificação do manifestante.

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A proteção constitucional e legal de dados que se encontra vigente na legislação brasileira diz respeito, em regra, ao sigilo de dados. A situação não se confunde com o anonimato. O sigilo se refere a dados, informações da vida pessoal, profissional, comercial de pessoas. Trata-se de dados que são conhecidos pela própria pessoa a que se referem e por vezes também por outras (por exemplo no caso das comunicações telefônicas), não sendo necessariamente desconhecidos do Poder Público, pense-se, por exemplo, no sigilo fiscal. A regra é o sigilo, podendo, em situações específicas e fundamentadas, segundo a moldura normativa aplicável, ser mitigado o sigilo. Coisa diversa, segundo modestamente entendemos, é o anonimato ou a não revelação da identidade que encobre a própria identidade de alguém que leva uma informação ao Poder Público, quer tal manifestação seja feita efetivamente de forma anônima, quer seja feita com a solicitação de “sigilo” da identidade (ainda que aqui se use a mesma expressão, sigilo). Aquele a que se referem os dados protegidos pelo sigilo sabe, desde já, que este pode ser mitigado segundo as normas aplicáveis. Veja-se, por exemplo, que a própria Constituição Federal, ao prever a garantia fundamental de inviolabilidade do sigilo da correspondência, das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, o faz admitindo sua mitigação, nos seguintes termos:

“Art. 5.º. (…) XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;”

Não é assim com aquele que leva uma informação ao Poder Público de forma anônima ou solicitando que sua identidade não seja revelada – aqui o chamaremos manifestante. Fia-se em que a sua identidade não será descortinada. Não há aqui, nos parece, à primeira vista, meio-termo. Uma vez revelada a identidade do manifestante não há volta e não mais se atende à finalidade para a qual a possibilidade de manifestação sem revelação da identidade foi criada. O sigilo pode ser ‘quebrado’ e ainda assim cumprir-se a finalidade para a qual foi instituído, pois a sua quebra se dá de forma fundamentada e não implica a publicização generalizada dos dados. No caso do sigilo fiscal, por exemplo, autoridades públicas poderão vir a ter acesso a dados protegidos pelo sigilo, mas os concorrentes comerciais não.

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No caso do anonimato é preciso pensar que o manifestante provoca o Poder Público informando-lhe de algo que diz respeito ao próprio Poder Público e que, do seu ponto de vista, não está funcionando como devido. Se algo não está funcionando como devido na atuação do Poder Público, certamente afeta os particulares que com o Poder Público se relacionam. O anonimato (ou a manifestação com a preservação da identidade) serve para possibilitar que mesmo aqueles que tenham receio de manifestar-se perante o Poder Público o façam, na certeza de que sua identidade não será conhecida. Não há como, neste contexto, mitigar o anonimato, como se faz com o sigilo de dados. Esta a primeira razão pela qual se entende, em tese, que não se pode revelar a identidade daquele que se manifesta perante o Poder Público optando inequivocamente pelo anonimato. Ainda que não faça sem informar sua identidade de todo, mas valendo-se da preservação desta, ofertada pelo Poder Público, o manifestante apenas leva a informação ao Poder Público porque sua identidade não será revelada. Esta situação não se confunde, como aqui se entende, com as situações do tradicional sigilo de dados. Outras razões serão aduzidas, como se verá, com destaque para as previsões da legislação estadual aplicável à Ouvidoria e para a inidoneidade, no presente caso, da manifestação perante a Ouvidoria para configurar crime de denunciação caluniosa, redundando na inadequação da revelação da identidade de manifestante em inquérito policial.

(B) Tratamento de manifestações anônimas perante Ouvidorias no cenário brasileiro

Ainda que se entenda que não há fundamento normativo para atender à solicitação do Juízo da Comarca de Bom Sucesso, por um lado, e real impossibilidade do outro, tem-se que explicitar que a abordagem geral da questão não é pacífica e ainda carece de desenvolvimento no cenário brasileiro. A celeuma instaura-se porque se questiona acerca da possibilidade de o Poder Público proceder em face de seus agentes em virtude de manifestação anônima. A celeuma surge em virtude haver limitações constitucionais e legais de anonimato que, segundo se entende, em nada se relacionam com a manifestação de cidadão perante Ouvidorias e órgãos congêneres. De fato, é preciso ter cuidado, quando se fala em denúncia perante Ouvidoria trata-se uma acepção ampla do termo; os condicionamentos existentes em relação às denúncias anônimas não podem, sem mais, ser levantados diante das manifestações anônimas feitas por cidadãos perante ouvidorias.

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Igualmente entende-se não ser possível relacionar a manifestação perante uma Ouvidora com a liberdade de manifestação do pensamento, que constitui direito fundamental, mas condicionado à vedação de anonimato. Trata-se essencialmente de coisas distintas. A manifestação do pensamento como exercício de direito fundamental de liberdade concretiza-se com a externalização, publicização do pensamento, ou seja, a manifestação pública de opiniões, convicções, pensamentos, apta a levá-los daquele que os manifesta ao conhecimento dos demais membros da sociedade, mesmo que a manifestação se possa fazer diante de auditórios diferenciados quanto à extensão. Ainda assim a diferença relativamente à manifestação perante a Ouvidoria é cristalina; não se trata aqui de publicizar um pensamento, uma convicção, mas de levar ao conhecimento do Poder Público, de forma restrita, informação sobre possível irregularidade a ser averiguada com as cautelas e discrições legais. Percebe-se que a questão está a requerer enfrentamento no cenário brasileiro para seu adequado esclarecimento. A confusão que se tentou desfazer acima é comumente encontrada. O Ouvidor-Geral da Advocacia Geral da União teve oportunidade de se manifestar sobre as manifestações anônimas, no artigo O papel de uma ouvidoria no âmbito da Administração Pública federal: a experiência da ouvidoria-geral da AGU, asseverando:

“A problemática do recebimento e encaminhamento de denúncias anônimas por órgãos públicos e, em especial, por ouvidorias foi e ainda é objeto de intenso debate, tanto internamente como externamente. Essa preocupação se intensificou com a edição do Despacho do Excelentíssimo Senhor Advogado-Geral da União, de 26 de novembro de 2007, que aprova o Despacho n. 396/2007, do Excelentíssimo Senhor Consultor-Geral da União, que versa sobre o recebimento de denúncia anônima no âmbito da administração pública federal. Na esfera institucional, o diálogo entabulado entre a Ouvidoria-Geral da AGU e a Corregedoria-Geral da Advocacia da União deu ensejo à ordem de serviço n. 002, de 30 de abril de 2008, de lavra da Corregedoria-Geral da Advocacia da União e que também pauta a atuação da Ouvidoria-Geral. Após a publicização e debate, entre as ouvidorias públicas federais, do já mencionado Despacho, as denúncias anônimas e apócrifas passaram a receber o seguinte

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disciplinamento, conforme orientação expressa por meio do ofício-circular n. 52/2008/OGU/CGU-PR, da Ouvidoria-Geral da União: Nenhuma manifestação anônima pode justificar, isoladamente, a abertura de processo ou procedimento formal na unidade de Ouvidoria. Poderá ser adotada medida sumária informal de verificação da ocorrência do(s) fato(s) alegado(s). Encontrando elemento de verossimilhança poderá a unidade de Ouvidoria abrir o processo ou procedimento cabível. A manifestação anônima não deverá ser conhecida no processo ou procedimento formal da Unidade de Ouvidoria (não deve ser juntada aos autos), sendo este baseado tão somente nos fatos efetivamente verificados na ação sumária realizada previamente. Manifestação anônima que apenas veicula conteúdo calunioso, difamatório ou injurioso contra agente público deverá ser arquivada de ofício. Assim como a Ouvidoria-Geral da AGU não se constitui em um órgão correicional, ela também não se investe de um caráter investigativo. Assim, sua função, ao receber uma denúncia, é identificar o órgão competente para tratar a questão – interna ou externamente - e acompanhar o andamento da demanda até a sua conclusão, zelando para que o Interessado seja informado sobre o seu andamento, sempre que possível.” (SOUZA, Gabriel Felipe de) (destaques acrescidos)

É interessante observar que o anonimato tem sido, em maior ou menor medida, admitido nas Ouvidorias que vão sendo criadas em nosso país, não como forma de incentivar a proliferação de “denúncias” infundadas e eivadas de má-fé, mas como necessário instrumento deste importante canal de concretização do controle social da ação estatal e de defesa dos direitos e interesses dos cidadãos. Neste sentido e com cunho ilustrativo, é de citar texto – A ouvidoria e o tratamento de denúncias anônimas – extraído do sítio eletrônico da Ouvidoria Geral da Petrobrás, que retrata, inclusive, que o sigilo, admitido em certas situações, é exigência e prática internacional. Senão vejamos:

“A Ouvidoria Geral e o tratamento de denúncias anônimas A Ouvidoria Geral aceita e trata denúncias anônimas?

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Esta pergunta freqüentemente é feita à equipe da Ouvidoria e também a mim. E ela revela dois aspectos: o temor de quem pretende relatar algo à Ouvidoria e receia pela revelação de sua identidade e por quem se preocupa com a questão de o anonimato poder sustentar possíveis atos de vingança ou perseguição. Antes de considerar tais aspectos, é preciso que se faça o seguinte esclarecimento: sim, a Ouvidoria Geral aceita denúncias anônimas. Mas, por que a Ouvidoria Geral procede desta forma com relação às denúncias anônimas? Esta é a pergunta que invariavelmente se sucede àquele esclarecimento. E não há uma única razão: A Ouvidoria Geral trata as denúncias anônimas dos integrantes da força de trabalho que sejam referentes a questões de natureza contábil, de controles internos ou de auditoria interna e externa porque há exigência da legislação americana (Lei Sarbanes Oxley - SOx). De fato, exige a lei mencionada que todas as empresas que - como a Petrobras - negociam seus papéis no mercado de valores norte americano sejam dotadas de canal exclusivo e que possibilite envio de denúncias anônimas sobre fatos que encerre algum daqueles temas. Ser o canal receptor de tais denúncias é uma das funções da Ouvidoria Geral e o público interno conta com ferramenta exclusiva para dar azo a este intento, que é o Canal Denúncia. A Ouvidoria Geral recebe denúncias anônimas do público interno e externo, por outros canais (email, formulário, carta), porque desta forma amplia a possibilidade de receber a comunicação de situações supostamente irregulares, muitas vezes silenciadas pelo temor daquele que denuncia. Sabe-se, pela prática tanto de Ouvidoria como das experiências nos ambientes externos à empresa, que o manto do anonimato se afigura protetor e dá conforto àquele que denuncia fatos muitas vezes graves. Mas, ao mesmo tempo, pode suscitar dúvidas quanto à boa-fé e gerar um movimento “denuncista” que é extremamente prejudicial às pessoas que agem com lisura e que podem ser alvos de falsas acusações. Por esta razão, não é qualquer denúncia anônima que pode ser recebida pela Ouvidoria Geral. Se não consta da

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previsão da SOx, as únicas outras hipóteses que a Ouvidoria Geral legitima como válidas para o início de algum tipo de apuração são aquelas que relatem fatos capazes de gerar danos ao patrimônio e que contenham dados e informações mínimas que lhes dê materialidade e possibilite algum tipo de verificação interna, conforme, inclusive, validou o Comitê de Auditoria da Petrobras. Especulações e suposições não são recebidos pela Ouvidoria Geral de forma anônima. Denúncias que relatem condutas pessoais, situações de assédio e de conflitos interpessoais, entre outros exemplos, também não são aceitas se não houver a identificação válida do demandante. Assim, a Ouvidoria Geral está alinhada com a Ouvidoria Geral da União, que também aceita denúncias anônimas. Diz o Ofício Circular 52/2008/OGU/CGU-PR, que denúncias anônimas, isoladamente, não justificam a formalização de uma "apuração na Ouvidoria”, mas pode ensejar "medida sumária informal de verificação da ocorrência do fato alegado" e "encontrando elemento de verossimilhança poderá a unidade de Ouvidoria abrir o processo ou procedimento cabível". Ao receber a comunicação de uma situação supostamente irregular, ainda que externada sem identificação, a Ouvidoria Geral permite que as áreas da companhia e os gestores, cientes do ocorrido, não se mantenham inertes e possam apurar os fatos narrados. Vale, neste sentido, citar trecho de texto produzido pela Controladoria Geral da União: “Se a autoridade se mantivesse inerte, por conta unicamente do anonimato, afrontaria princípios e normas que tratam como dever apurar suposta irregularidade de que se tem conhecimento na administração pública federal. Uma vez que a previsão constitucional da livre manifestação do pensamento (art. 5º, IV da CF) em nada se confunde com o oferecimento de denúncia ou representação em virtude de se ter ciência de suposta irregularidade, a estes institutos não se aplica a vedação do anonimato” (http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/Apostila%20de%20Texto%20CGU.htm#_Toc227375483) Ao receber notícias de fatos de forma anônima e por outros canais, que não somente o Canal Denúncia, a

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Petrobras permite o exercício do controle social - muitas vezes inibido pelo temor de uma denúncia transformar-se em razão para retaliações - e atende a um de seus princípios éticos, que é o de dar máximo cumprimento à lei, às normas e aos procedimentos internos (XII do Código de Ética), pois, não raro, notícias de descumprimento à lei, normas e procedimentos internos têm origem a partir de relatos anônimos. Para finalizar, voltando ao início deste artigo, a Ouvidoria Geral trata das denúncias anônimas com a ponderação, o zelo e diligência necessários, evitando que denúncias vazias e fantasiosas prossigam e que a empresa seja instada a dar explicações sobre especulações e não sobre fatos. Com o mesmo rigor trata das denúncias em que é imprescindível a identificação do denunciante, sendo garantido o sigilo de seus dados pessoais, que não são repassados para nenhuma área da Petrobras (nas denúncias em que há necessidade de revelação do nome do demandante, sempre é solicitada autorização prévia) Assim, somente em hipóteses excepcionais, denúncias anônimas são recebidas e encaminhadas às áreas da companhia, sendo a regra a identificação de todo o demandante que recorre à Ouvidoria Geral.” (texto extraído de http://ouvidoria.petrobras.com.br/portal/ouvidoria/pt_br/coluna-do-ouvidor/a-ouvidoria-geral-e-o-tratamento-de-denuncias-anonimas.htm, consultado em 10.08.2012).” (destaques acrescidos)

O raciocínio provocado por este breve trecho informativo permite traçar algumas diretrizes gerais importantes para a adequada compreensão da questão do anonimato ou da preservação da identidade e a conduta das Ouvidorias, algumas já externadas anteriormente, quais sejam: (a) o anonimato ou a preservação da identidade do manifestante é extremamente importante para fomentar que pessoas receosas de ter a sua identidade revelada, mas sabedoras de fatos relevantes, os comuniquem à Ouvidoria; (b) se em algumas hipóteses efetivamente se exige a identificação do manifestante, estas hipóteses têm que ser claramente indicadas quando do oferecimento da manifestação; (c) nas hipóteses em que se aceitam manifestações com preservação de identidade mas não totalmente anônimas, tem que se garantir que a identidade não será revelada a qualquer órgão público; (d) nas hipóteses em que houver necessidade de revelação da identidade de cidadão que se manifestou com solicitação de preservação de identidade, tem-se que garantir que esta só será

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revelada com a autorização do manifestante; (e) no caso de manifestações anônimas, os órgãos públicos competentes não podem iniciar, somente com base nestas manifestações, processos administrativo-disciplinares contra os agentes públicos eventualmente mencionados, devem proceder a cuidadosa averiguação prévia e, havendo fundamento para tanto, instaurar os necessários processos. Como se verá, entende-se que estas diretrizes se amoldam à legislação aplicável à atuação da OGE mineira, sendo apenas de se registrar que esta se ressenta da falta de estipulação das situações em que seria possível a revelação da identidade, desde que com autorização do manifestante. Voltar-se-á à questão. Em resumo, reputa-se que a questão do anonimato ou da preservação da identidade do manifestante tem que ser tratada considerando, por um lado, a necessidade de fomentar a revelação ao Poder Público, por canais como as Ouvidorias, de fatos relevantes para a sua atuação segundo as normas aplicáveis, e, por outro lado, a necessidade de não se transformarem estes canais em palco para manifestações sabidamente despidas de correspondência com a verdade e com propósitos de prejudicar infundadamente agentes públicos. A atuação das Ouvidorias deve, assim, permitir que aqueles temerosos de represálias não deixem de fazer as suas manifestações e, ao mesmo tempo, garantir que não se instaure um cenário de “denuncismo”, assegurando-se que os órgãos competentes averiguem as situações supostamente irregulares de forma responsável, sem punir seus agentes apenas com base em manifestações anônimas. Do que se pesquisou no angustiado lapso de resposta da presente consulta, verificou-se que a questão tem sido debatida, não havendo, ainda, no entanto, construção doutrinária ou posicionamento jurisprudencial que permita encontrar resposta firme para a questão. Há que destacar, ademais, que a cultura da participação e da transparência, criando-se canais de comunicação efetiva entre o Poder Público e os cidadãos tem vindo a se implantar aos poucos entre nós, sendo necessário um longo caminho para sua construção, consolidação e aprimoramento. O que se pode desde já afirmar é que se têm em geral admitido manifestações anônimas perante as múltiplas Ouvidorias que se têm vindo a criar. Não parece desarrazoado assentar que a admissão de manifestações anônimas perante as Ouvidorias reforça o que se disse acima acerca da distinção entre sigilo e anonimato ou preservação da identidade. Aquele que se manifesta perante o Poder Público anonimamente ou sob a preservação da identidade não o faz considerando que sua identidade é relativamente protegida, o faz na crença de que sua identidade não será revelada.

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O que se vem de dizer não invalida a necessidade de as manifestações anônimas virem a ser objeto de averiguação cautelosa pelos órgãos responsáveis quando se tratar de instaurar processo administrativo disciplinar. Outra não é a orientação encontrada em publicação da Controladoria-Geral da União (apostila de Treinamento em processo administrativo disciplinar (PAD) – formação de membros de comissões), que suscita, ademais, a aplicação de normativo internacional recepcionado na ordem jurídica pátria:

“Embora a princípio, pela própria natureza da representação e por previsão legal para a denúncia (art. 144 da Lei nº 8.112, de 11/12/90), se exija a formalidade da identificação do representante ou denunciante, tem-se que o anonimato, por si só, não é motivo para liminarmente se excluir uma denúncia sobre irregularidade cometida na administração pública e não impede a realização do juízo de admissibilidade e, se for o caso, a conseqüente instauração do rito disciplinar. Diante do poder-dever conferido no art. 143 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, em sede da máxima do in dubio pro societate, deve a autoridade competente verificar a existência de mínimos critérios de plausibilidade. Não cabe aqui a adoção de uma leitura restritiva do mencionado art. 144 do Estatuto, como se ele delimitasse todo o universo de possibilidades de se levar ao conhecimento da administração o cometimento de irregularidades. Ao contrário, diante dos diversos meios de se levar o conhecimento à administração, tem-se que aquele dispositivo deve ser visto apenas como forma específica regulada em norma, mas não a únicas licitamente aceitável para provocar a sede disciplinar. Se a autoridade se mantivesse inerte, por conta unicamente do anonimato, afrontaria princípios e normas que tratam como dever apurar suposta irregularidade de que se tem conhecimento na administração pública federal. Uma vez que a previsão constitucional da livre manifestação do pensamento (art. 5º, IV da CF) em nada se confunde com o oferecimento de denúncia ou representação em virtude de se ter ciência de suposta irregularidade, a estes institutos não se aplica a vedação do anonimato. Ademais, conforme se abordará em 4.4.14.1, o interesse público deve prevalecer sobre o interesse particular.

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Mencione-se, ademais, que a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, de 31/10/03, foi promulgada no Brasil pelo Decreto nº 5.687, de 31/01/06 - sendo, portanto, admitida no ordenamento nacional com força de lei - e reconhece a denúncia anônima. Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção - Promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31/01/06 - Art. 13. 2. Cada Estado-Parte adotará medidas apropriadas para garantir que o público tenha conhecimento dos órgãos pertinentes de luta contra a corrupção mencionados na presente Convenção, e facilitará o acesso a tais órgãos, quando proceder, para a denúncia, inclusive anônima, de quaisquer incidentes que possam ser considerados constitutivos de um delito qualificado de acordo com a presente Convenção. (Nota: O Supremo Tribunal Federal vaticinou, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.480, que tratados, acordos ou convenções internacionais, após promulgados por decreto presidencial, “situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias”.) Mas é claro que a autoridade não se precipitará a instaurar a sede disciplinar, com todos os ônus a ela inerentes, à vista tão-somente de uma denúncia anônima. Nesses casos, deve-se proceder com maior cautela antes de se decidir pela instauração do processo, para evitar precipitada e injusta ofensa à honra do servidor, promovendo investigação preliminar e inquisitorial (não contraditória, pois não há a figura de acusado), acerca do fato constante da peça anônima. STF, Mandado de Segurança nº 24.369: “Ementa: delação anônima. Comunicação de fatos graves que teriam sido praticados no âmbito da administração pública. Situações que se revestem, em tese, de ilicitude (procedimentos licitatórios supostamente direcionados e alegado pagamento de diárias exorbitantes). A questão da vedação constitucional do anonimato (CF, art. 5º, IV, ‘in fine’), em face da necessidade ético-jurídica de investigação de condutas funcionais desviantes. Obrigação estatal, que, imposta pelo dever de observância dos postulados da legalidade, da impessoalidade e da moralidade administrativa (CF, art. 37, ‘caput’), torna inderrogável o encargo de apurar comportamentos eventualmente lesivos

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ao interesse público. Razões de interesse social em possível conflito com a exigência de proteção à incolumidade moral das pessoas (CF, art. 5º, X). O direito público subjetivo do cidadão ao fiel desempenho, pelos agentes estatais, do dever de probidade constituiria uma limitação externa aos direitos da personalidade? Liberdades em antagonismo. Situação de tensão dialética entre princípios estruturantes da ordem constitucional. Colisão de direitos que se resolve, em cada caso ocorrente, mediante ponderação dos valores e interesses em conflito. Considerações doutrinárias. Liminar indeferida.” Idem: STJ, Recursos Ordinários em Mandado de Segurança nº 1.278 e 4.435 e Recursos em ´Habeas Corpus´ nº 7.329 e 7.363. “(...) Em outras palavras, o fato de a Constituição Federal vedar o anonimato não autoriza a Administração Pública a desconsiderar as situações irregulares de que tenha conhecimento, por ausência de identificação da fonte informativa.” Francisco Xavier da Silva Guimarães, “Regime Disciplinar do Servidor Público Civil da União”, pg. 104, Editora Forense, 2ª edição, 2006. Se essa investigação confirmar ao menos a plausibilidade, ainda que por meio de indícios, do objeto da denúncia anônima, convalidando-a, ela passa a suprir a lacuna do anonimato. Daí, pode-se dizer que o juízo de admissibilidade se ordena não pela formalidade de o denunciante ter se identificado ou ter se mantido anônimo, pois não mais será com base na peça anônima em si mas sim no resultado da investigação preliminar, sob ótica disciplinar, que ratificou os fatos nela descritos, promovida e relatada por algum servidor, dotado de fé pública, que o processo será instaurado, com o fim de comprovar o fato e a sua autoria (ou concorrência), garantindo-se ao servidor a ampla defesa e o contraditório.” (consultado em 10.08.2012 http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/Apostila%20de%20Texto%20CGU.htm#_Toc227375483) (destaques acrescidos)

Também na jurisprudência se encontram decisões em que se verifica a admissibilidade de denúncia anônima perante o Poder Público, podendo este agir em face de seus agentes públicos com base em tal denúncia, desde que proceda à verificação da plausibilidade das informações e colete provas para tanto. Neste sentido, citando-se precedentes:

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MANDADO DE SEGURANÇA Nº 15.517 - DF (2010/0131058-6) RELATOR : MINISTRO BENEDITO GONÇALVES IMPETRANTE : CELIA CANDOZIN DE OLIVEIRA RODRIGUES ADVOGADO : ADELVO BERNARTT E OUTRO(S) IMPETRADO : MINISTRO DE ESTADO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL INTERES. : UNIÃO EMENTA PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. CONDUTAS DESCRITAS NO ARTIGO 117, IX E XI, DA LEI 8.112/90. INTERMEDIAÇÃO DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. VIOLAÇÃO À DIGNIDADE DA FUNÇÃO PÚBLICA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO. DILAÇÃO PROBATÓRIA. DENÚNCIA ANÔNIMA. POSSIBILIDADE. PROVA ILÍCITA. COMPROVAÇÃO DAS CONDUTAS POR OUTROS MEIOS DE PROVA. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. ATO VINCULADO. 1. O mandado de segurança foi impetrado com o objetivo de anular a Portaria n. 202/2010 editada pelo Ministro de Estado da Previdência Social que cassou a aposentadoria da impetrante com fundamento nos artigos 117, IX e XI, 132, XIII e134, com os efeitos previstos no artigo 137, todos da Lei 8.112/90 (atuar como procurador ou intermediário junto a repartições públicas e valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública). O ato de cassação se deu ante a apuração das seguintes faltas funcionais: (1ª) no exercício de suas funções no cargo de Técnico do INSS a impetrante formatou pelo menos 3 (três) benefícios de pessoas domiciliadas em São Paulo/SP cuja documentação foi a ela apresentada por estagiário do escritório de sua irmã na Agência da Previdência Social de Bauru/SP, tendo fornecido o próprio endereço para as correspondências a serem emitidas pelo INSS aos segurados, o que caracteriza a intermediação; (2ª) concessão irregular do benefício a

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segurado domiciliado em São Paulo e assessorado pelo escritório de advocacia da irmã, ante o não cumprimento da carência prevista no artigo 182 do Decreto 3.048/99 à época do exame dos documentos pela impetrante. 2. O manejo do writ requer a demonstração do direito líquido e certo por meio de prova pré-constituída, o que não ocorreu na hipótese dos autos no pertinente à prescrição da pretensão punitiva. 3. A investigação preliminar para averiguar a materialidade dos fatos e sua veracidade, desde que não exponha a imagem do denunciado e não sirva de motivo para perseguições, deve ser feita e é inerente ao poder-dever de autotutela da Administração Pública, admitindo-se o anonimato do denunciante com certa cautela e razoabilidade, pois a sua vedação, de forma absoluta, serviria de escudo para condutas deletérias contra o erário. Precedentes: MS 12.385/DF, Rel. Ministro PAULO GALLOTTI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 14/05/2008, DJe 05/09/2008; MS 13.348/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO julgado em 27/05/2009, DJe 16/09/2009; REsp 867.666/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 27/04/2009, DJe 25/05/2009; RMS 30.510/RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/12/2009, DJe 10/02/2010. 4. Não ocorreu cerceamento de defesa ou ofensa ao contraditório pela dilação do prazo referente às investigações preliminares, máxime porque esse procedimento pré-processual não foi destinado à aplicação de penalidade. Ademais, o writ não demonstra o efetivo prejuízo da impetrante capaz de ensejar a anulação do ato de cassação da aposentadoria. 5. Não há nos autos qualquer indício de que a Comissão Processante obstruiu o direito da impetrante à produção das provas. Ao revés, instaurado o PAD, seguiu-se sua notificação e depoimento pessoal à Comissão Processante. Foi assistida pela irmã, advogada, na audiência de oitiva das testemunhas em São Paulo/SP, acompanhou pessoalmente os depoimentos colhidos no município em que reside, e, após ter sido indiciada e citada, apresentou defesa escrita por procuradora habilitada, tudo devidamente analisado, conforme consta do Relatório Final.

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6. O fato de a denúncia anônima ter sido acompanhada de cópia de e-mail enviado pela impetrante à sua irmã (advogada dos beneficiários) não vicia a apuração dos fatos, notadamente porque o poder-dever da Administração Pública teria sido exercido independentemente desse documento. Entretanto, o Processo Administrativo Disciplinar contém outras provas dos fatos que não são ilícitas nem derivam da ilícita, ou seja, são autônomas, não guardam relação com o e-mail capturado pelo denunciante anônimo, tampouco sofreram a repercussão deste documento, razão pela qual o ato impugnado não deve ser anulado. 7. O Relatório Final da Comissão Processante e o Parecer/CONJUR/MPS n. 143/2010 demonstraram a ocorrência das condutas, notadamente pela análise dos benefícios concedidos, declarações da impetrante, depoimentos dos demais servidores que atuam na mesma Agência da Previdência e dos segurados que haviam procurado inicialmente o escritório da irmã da impetrante. As condutas discriminadas são ilegais e se enquadram nos tipos dos incisos IX e XI do artigo 117 da Lei 8.112/90, o que afasta o erro escusável. O prejuízo à Administração Pública é inerente, sendo prescindível a demonstração do enriquecimento ilícito da ex-servidora. 8. Quanto à pretensão de análise do pedido de reconsideração, não obstante a Administração tenha consignado pelo seu não conhecimento, por intempestividade, acabou, também, por enfrentar o próprio mérito da insurgência. Isso porque foi acolhida concomitantemente a parte da manifestação da Consultoria Jurídica consubstanciada no Parecer/CONJUR/MPS/N 325/2010, que analisou o pedido e entendeu pela ausência de qualquer nulidade no Processo Administrativo Disciplinar. Desse modo, afastado está o alegado prejuízo, o que conduz à aplicação do princípio pas de nullité sans grief. 9. A Administração Pública, quando se depara com situações em que a conduta do investigado se amolda nas hipóteses de demissão ou cassação de aposentadoria, não dispõe de discricionariedade para aplicar pena menos gravosa por tratar-se de ato vinculado. Nesse sentido, confira-se: [...] o administrador não tem qualquer margem de discricionariedade na aplicação da pena, tratando-se de

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ato plenamente vinculado. Configurada a infração do art. 117, XI, da Lei 8.112/90, deverá ser aplicada a pena de demissão, nos termos do art. 132, XIII, da Lei 8.112/90, sob pena de responsabilização criminal e administrativa do superior hierárquico desidioso (MS 15.437/DF, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 26/11/2010). 10. Ordem denegada. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, denegar a segurança, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Hamilton Carvalhido, Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Herman Benjamin e Mauro Campbell Marques votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Luiz Fux. Brasília (DF), 09 de fevereiro de 2011(Data do Julgamento) MINISTRO BENEDITO GONÇALVES Relator.” (destaques acrescidos)

Observa-se que, tomadas estas cautelas em relação aos agentes públicos mencionados nas manifestações ofertadas a Ouvidorias ou a outros órgãos públicos, aceitam-se as manifestações anônimas. Sendo assim, cumpre enfatizar: não faria sentido admiti-las e depois revelar a identidade do manifestante; não faria sentido toda esta preocupação com o anonimato e os procedimentos decorrentes da manifestação se fosse possível descaracterizar a manifestação anônima pela revelação da identidade do manifestante. Ainda no âmbito federal, como citado acima, foi expedido, em 2008, o Ofício-circular n. 52/2007/OGU/CGU-PR, tratando do assunto nos seguintes termos:

“Assunto: Orienta as unidades de Ouvidoria do Poder Executivo Federal sobre os procedimentos a serem adotados quando do recebimento de manifestação anônima. Senhor(a) Ouvidor(a), Cumprimentando-o(a), informo a Vossa Senhoria que esta Ouvidoria-Geral da União no uso das competências que lhe confere o art 14, inciso I, do Anexo I do Decreto Nº 5.683, de 24 de janeiro de 2006, resolve orientar as unidades de Ouvidoria do Poder Executivo Federal sobre os

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procedimentos a serem adotados quando do recebimento de manifestação anônima. 2. Nenhuma manifestação anômima pode justificar, isoladamente, a abertura de processo ou procedimento formal na unidade de Ouvidoria. 3. Poderá ser adotada medida sumária informal de verificação da ocorrência do(s)fato(s) alegado(s). Encontrado elemento de verossimilhança poderá a unidade de Ouvidoria abrir o processo ou procedimento cabível. 4. A manifestação anômima não deverá ser conhecida no processo ou procedimento formal da unidade de Ouvidoria (não deve ser juntada aos autos), sendo este baseado tão somente nos fatos efetivamente verificados na ação sumária realizada previamente. 5. Manifestação anônima que apenas veicula conteúdo calunioso, difamatório ou injurioso contra agente público deverá ser arquivada de ofício. Atenciosamente, ELIANA PINTO Ouvidora-Geral da União.” (destaques acrescidos)

Apenas para corroborar o que se vem de dizer, devem ser citados outros exemplos, mostrando que em diversas Ouvidorias do país se adota a possibilidade de manifestação acobertada pelo anonimato. Senão vejamos:

“A Ouvidoria é um canal de comunicação através do qual os usuários externos e internos podem se manifestar, garantindo um relacionamento democrático e transparente entre a Secretaria da Fazenda e esses usuários. Informamos que todos os dados pessoais fornecidos pelo manifestante (nome, endereço, telefone) serão mantidos em sigilo pela Ouvidoria que tem o dever ético e legal de resguardá-los. Porém, se o manifestante optar pelo anonimato, é importante esclarecer que a manifestação deve ser um relato completo do assunto, com o maior número de informações possíveis (data, hora, local, pessoas envolvidas) para que se possa viabilizar o seu correto encaminhamento. Ao receber a sua manifestação a Ouvidoria irá encaminhá-la ao setor competente, cobrará soluções do setor, acompanhará as providências, dará o devido retorno ao interessado de forma ágil, e quando necessário, sugerirá

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mudanças nos procedimentos SEFAZ. Pode ter certeza de que enquanto não houver resposta, a ouvidoria não abandonará seu caso.” (http://www.sefaz.go.gov.br/NETACCESS/ouvidoria/default.asp, consultado em 10.08.2012)_(destaques acrescidos) “ANTES DE REGISTRAR A MANIFESTAÇÃO NA OUVIDORIA DO SUS: É preciso tentar solucionar a questão junto aos responsáveis diretos pela demanda ou questionamento, em âmbito federal, estadual, ou municipal de gestão do Sistema Único de Saúde (SUS). Essa iniciativa é muito importante para assegurar a efetividade da estratégia de descentralização do Sistema, e para reforçar os mecanismos de participação popular nos processos de implementação de políticas públicas em Saúde. Se essa tentativa já foi realizada sem sucesso, entre em contato com a Ouvidoria. IMPORTANTE: Caso necessite de atendimento – medicamentos, consultas, exames, ou outros – cadastre sua manifestação como uma SOLICITAÇÃO, sem sigilo ou anonimato. Sua manifestação poderá ser adequada aos conceitos adotados pela Ouvidoria-Geral do SUS, tendo em vista a uniformização necessária à geração de dados. IDENTIFICAÇÃO PARA REGISTRO DE MANIFESTAÇÕES: Para que a manifestação seja acolhida, é necessário informar corretamente os dados indicados no Formulário (nome e endereço completo, telefone, e-mail, município e UF). Procure fornecer o maior número possível de informações, relatando adequadamente os serviços e profissionais de saúde envolvidos, os procedimentos ou medicamentos pertinentes à manifestação, além de outros dados que julgar necessário. A manifestação realizada poderá gerar mais de um protocolo. - Manifestações Sigilosas e Anônimas - Sigilosa é aquela em que constam os dados pessoais do cidadão, com solicitação de que ela seja resguardada. Nesse caso a Ouvidoria se compromete a mantê-la em sigilo, não a revelando a co-responsáveis pela resposta à manifestação. - Anônima é aquela em que não constam dados pessoais

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do cidadão capazes de identificá-lo. Manifestações sigilosas ou anônimas serão acolhidas. Contudo, a falta de informações suficientes ao seu processamento, pode impossibilitar a apuração pelo órgão responsável.” (http://portal.saude.gov.br/portal/saude/area.cfm?id_area=1624, consultado em 10.08.2012) (destaques acrescidos) “OUVIDORIA ANVISA Orientações sobre denúncias: sigilo e anonimato A Ouvidoria dá prioridade para denúncias e reclamações, mas também recebe e acompanha pedidos de informação, sugestões, solicitações e elogios. Para a Ouvidoria da Anvisa, as denúncias sem a identificação do denunciante são consideradas anônimas. Essas denúncias só serão aceitas após a análise preliminar da Ouvidoria e a confirmação de indícios de veracidade, o que é condição fundamental para iniciar o processo de investigação. No entanto, a falta de dados do denunciante impossibilita uma resposta final da Ouvidoria e pode dificultar ou inviabilizar a conclusão desse processo. Diferente das anônimas, as denúncias sigilosas são aquelas em que os dados de identificação do denunciante são mantidos em sigilo. Para que a Ouvidoria garanta esse direito, é preciso que o denunciante solicite ou marque a opção de confidencialidade ao preencher o formulário do Anvis@tende ou do Folder Postal. Todas as denúncias sigilosas são aceitas e investigadas. Para isso, informe o máximo de dados possível ao cadastrar sua manifestação e se identifique corretamente. Desta forma, sua demanda poderá ser analisada com mais eficiência, além de garantir uma resposta no final do processo.” ((http://www.anvisa.gov.br/ouvidoria/denuncia_reclama.htm, consultado em 10.08.2012)(destaques acrescidos)

(C) Admissibilidade de manifestação anônima ou com solicitação de

“sigilo” perante a Ouvidoria Geral do Estado de Minas Gerais Não é diversa a situação da Ouvidoria Geral do Estado de Minas Gerais, com as especificidades que serão aduzidas.

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Em primeiro lugar, é de anotar que são aceitas manifestações anônimas e manifestações com solicitação de sigilo. Em segundo lugar, observa-se que o cidadão que se vale deste importante canal de comunicação com a Administração Pública estadual, se o fizer de forma anônima ou solicitando “sigilo”, o faz na crença de que a sua identidade não será revelada, visto que em nenhum momento tal possibilidade é aventada. Veja-se o teor do que se encontra no site oficial da Ouvidoria Geral do Estado de Minas Gerais:

“Dúvidas frequentes * A Ouvidoria resolve qualquer assunto? - A Ouvidoria procura ajudá-lo a encontrar caminhos para resolver problemas que você tenha tido com qualquer agente, órgão ou entidade da Administração Pública direta e indireta do Poder Executivo do Estado de Minas Gerais, bem como concessionário e permissionário de serviço público estadual. Caso suas questões sejam da competência de outros órgãos da administração pública, a Ouvidoria irá orientá-lo quanto à maneira mais adequada para seu atendimento. * Posso solicitar sigilo de minha manifestação? - Sim, a Ouvidoria Geral do Estado manterá sigilo de sua manifestação, quando solicitado. * Ao fazer uma manifestação é necessário que me identifique? - Não. A Ouvidoria Geral do Estado acatará sua manifestação anônima. No entanto, é importante observar e fornecer o maior número de dados para que seja possível averiguá-la, como por exemplo: nome e sobrenome do denunciado, quando e onde ocorreu o fato, como ocorreu a situação irregular. Portanto, a denúncia deve trazer o mínimo de indícios que geram a suspeita de irregularidade. * Se o anonimato é vedado pela Constituição Federal, por que cabe denúncia anônima na Administração Pública? - O veto constitucional do anonimato busca impedir a consumação de abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento. Todavia, é obrigação do Estado apurar comportamentos eventualmente lesivos ao interesse público. Por isso a necessidade de investigação de condutas funcionais.1

1 Como se disse acima, considera-se que não se confundem a liberdade fundamental de manifestação de

pensamento, para a qual se veda o anonimato, e a manifestação perante a Ouvidoria.

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* Como fazer uma manifestação? - Tenha em mãos o maior número de dados possíveis, como: data, hora e local do ocorrido e nome dos envolvidos. Quanto mais dados forem fornecidos, mais rápida e eficiente será a apuração da manifestação.” (http://www.ouvidoriageral.mg.gov.br/duvidas-frequentes, consultado em 10.08.2012) (destaques acrescidos)

Vê-se que se aceitam, diante da Ouvidoria Geral do Estado de Minas Gerais, manifestações anônimas e manifestações com preservação da identidade do manifestante. Por um lado, assegura-se a eficácia deste importante instrumento de comunicação, transparência, controle da legalidade e legitimidade da atuação do Poder Público. Por outro, cuida-se de garantir uma atuação responsável perante os agentes públicos, uma vez que certamente a instauração de processos disciplinares, se originada a partir de manifestações sem identificação do manifestante, é precedida de cautelosa averiguação dos fatos pelos órgãos competentes. É de observar que a OGE mineira distingue as manifestações anônimas daquelas em que o manifestante requer a não revelação de sua identidade. No caso do anonimato, a identidade não é de todo revelada quando o cidadão faz a sua manifestação; não é revelada nem mesmo para a Ouvidoria, ou seja, o cidadão se manifesta sem dizer quem é. No caso da manifestação com solicitação de não revelação da identidade do manifestante, este o faz confiando no que encontra explícito do sítio oficial do órgão, isto é: a Ouvidoria Geral do Estado manterá sigilo de sua identidade, quando solicitado. É interessante registrar que não há aqui, como por exemplo se encontrou no texto da Ouvidoria da Petrobrás, a indicação de que pode haver relativização deste “sigilo” da identidade com a autorização do manifestante. O que o cidadão encontra no sítio oficial da OGE mineira é a informação de que sua identidade, se solicitado o “sigilo”, não será revelada. Não se indicam quaisquer situações de relativização do “sigilo”, fazendo com que o cidadão se manifeste na crença da não revelação da sua identidade. Esta é a previsão das normas aplicáveis. O art. 4.º, parágrafo único da Lei estadual n. 15.298/04, assim dispõe:

“A Ouvidoria-Geral assegurará o sigilo sobre a identidade do denunciante ou reclamante, quando solicitado, comunicando os órgãos responsáveis pela apuração dos fatos noticiados.”

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Observa-se que a previsão não comporta relativizações, sendo clara ao dispor que o sigilo, se solicitado pelo manifestante, será assegurado pela OGE. A comunicação que se deve fazer não diz respeito à identidade do manifestante, mas sim aos fatos relatados pelo manifestante para que os órgãos responsáveis façam a apuração devida. Entende-se que, diante desta moldura legal, não há fundamento jurídico para que a OGE mineira revele a identidade de manifestante se este tiver feito sua manifestação com solicitação de sigilo. As normas aplicáveis não prevêm esta possibilidade. Ao revés, obrigam a OGE a assegurar o “sigilo” da identidade do denunciante.

(D) Ausência de fundamento normativo na legislação mineira e ausência de justificativa para a relativização do “sigilo” da identidade do manifestante

Outra até poderia ser a situação se houvesse previsão legal no sentido de ser possível a revelação da identidade com a autorização do manifestante ou mesmo se se disciplinassem as situações em que seria possível esta revelação. Neste caso, o cidadão, ao fazer a sua manifestação solicitando “sigilo” saberia da possibilidade de revelação de sua identidade em certas hipóteses e poderia, com segurança, optar entre fazer uma manifestação realmente anônima ou com solicitação de “sigilo” da sua identidade. Não sendo esta a moldura legal que se tem, como dito, entende-se que as normas aplicáveis não oferecem fundamento para que a OGE revele a identidade de manifestante que solicitou sigilo. Veja-se, a título de ilustração, o que se tem no âmbito do Distrito Federal:

“Política de Segurança dos Denunciantes 27/06/2012 09:05:43 Em conformidade com o art. 79. do Decreto nº 24.582/2004, ficam resguardados os direitos e garantias individuais dos denunciantes ou informantes: Art. 79 - No resguardo dos direitos e garantias individuais, a Corregedoria-Geral e os órgãos e entidades por onde tramitarem diligências, darão tratamento sigiloso às informações, denúncias e representações formuladas, até decisão final sobre a matéria. § 1o Salvo determinação judicial, não se divulgará, em hipótese alguma, a autoria de informação ou denúncia.

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§ 2o Quando a realização de diligências exigir a identificação de interessado, serlhe-á solicitada manifestação expressa quanto à renúncia ao sigilo da identidade. § 3o O informante ou denunciante não se sujeitará a qualquer sanção administrativa, cível ou penal, em decorrência das informações prestadas ou fatos denunciados, salvo em caso de comprovada má-fé ou em se tratando de configurada denunciação caluniosa.”. (http://www.stc.df.gov.br/ouvidoria/pol%C3%ADtica-de-seguran%C3%A7a-dos-denunciantes.aspx, consultado em 20.08.2012) (destaques acrescidos)

A boa-fé e a confiança devem reger as relações entre os cidadãos e o Poder Público. Não se pode admitir que o cidadão leve uma informação ao Poder Público na crença de que sua identidade não será revelada e, posteriormente, o Poder Público revele esta identidade. E não se diga que apenas se protege o cidadão que faz manifestação informando fatos verídicos ou que crê verídicos. A boa-fé e a proteção da confiança regem toda a atuação do Poder Público, não se podendo distinguir, sob pena de se desvirtuar, a atuação da Ouvidoria. Neste ponto, é preciso registrar que a posição sustentada não significa que se erija uma situação como absoluta, diante das normas aplicáveis, construindo-se uma argumentação na contra-mão das atuais concepções jurídicas que apregoam que as normas não têm caráter absoluto, podendo, segundo sua natureza e em situações específicas, ser objeto de contemperamento diante de outras normas. Se tantos direitos fundamentais, que são o que de mais importante há no patrimônio jurídico dos cidadãos, podem ser restringidos, em certas situações, como o “sigilo” de identidade em uma manifestação perante a Ouvidoria não poderia ser relativizado? Nesta senda, poder-se-ia advogar que o “sigilo” (e aqui se fala em “sigilo” por ter sido esta a expressão usada na legislação mineira, mas sem esquecer a distinção que se fez inicialmente) não pode ser absoluto; a OGE não pode revelar a identidade do manifestante, mas a autoridade judicial pode ordenar a sua revelação. Esta questão precisa ser melhor enfrentada. A princípio, por tudo o que restou dito acima e diante da legislação mineira atual, entende-se que o “sigilo” da identidade do cidadão autor de manifestação com solicitação de “sigilo” perante a OGE não admite relativização. Assim estabelecem as normas aplicáveis.

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Além disso, a preservação absoluta desta identidade não é apta a ferir outras normas e valores do sistema normativo; os direitos e interesses dos agentes públicos eventualmente envolvidos não são vulnerados com a preservação deste “sigilo”, pois o Poder Público não deve agir contra eles com base apenas nesta manifestação. Não há justificativa para a revelação da identidade do manifestante, segundo aqui se entende, como se verá. Se, apenas para argumentar, se admitir a relativização deste “sigilo”, algumas precisões deverão ser explicitadas. Em primeiro lugar, certamente esta relativização não cabe para as manifestações efetivamente anônimas, pois nestas nem mesmo a Ouvidoria conhece a identidade do manifestante. Em segundo lugar, a revelação da identidade de cidadão que fez manifestação com solicitação de “sigilo” teria que ser justificada e fundamentada, apta a atingir o fim pretendido e, principalmente, feita à autoridade judicial. Explique-se o que se vem de dizer. A revelação da identidade do manifestante, para ser admitida, teria que ser fundamentada e justificada, apta a atingir o fim para o qual se pretende conhecê-la. Não basta que um agente público argumente que entende necessária a sua revelação, provocando assim a autoridade judicial a solicitá-la. É preciso que haja fundamentos sólidos a justificar tal revelação; deve explicitar-se por que razão se pretende conhecer a identidade do manifestante, mostrando que o seu conhecimento é idôneo para gerar algum resultado juridicamente aceitável e necessário, que não pode ser atingido sem esta revelação. No caso concreto sob exame, a alegação que se tem por detrás da solicitação judicial vem da autoridade policial, que argumenta ser necessário conhecer a identidade do manifestante para instruir inquérito policial em que figura como vítima de possível crime de denunciação caluniosa um policial civil. Não se encontra aqui, no nosso entender, justificação bastante para a revelação da identidade do manifestante. Muito ao contrário. Cogitando do cometimento de crime por meio de manifestação perante a Ouvidoria, é de afirmar que não se entende, de partida que tal manifestação é conduta apta a configurar os tipos penais dos crimes contra a honra. Na mesma esteira, a princípio, não seria apta, no caso concreto, a configurar o crime de denunciação caluniosa. Para a sua configuração, ter-se-ia que ter imputado à vítima a prática de crime, sabendo-se da sua inocência, e teria que ter ocorrido a instauração de investigação policial, processo judicial ou investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade contra a vítima, o que não ocorreu. Sendo assim, a manifestação perante a Ouvidoria, se não é apta a configurar crime, não guarda relação com um eventual crime, não podendo ser usada como elemento na comprovação de eventual crime.

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Por hipótese e para ilustrar a questão, pode-se mesmo pensar em uma situação em que efetivamente um cidadão cometa crime contra a honra de um agente público e, agindo com esta mesma intenção, ofereça manifestação perante a Ouvidoria solicitando “sigilo”. Esta manifestação isolada e considerada em si, no nosso entender, não é conduta apta a integrar a conduta tipificada como crime. O crime deve configurar-se com outras condutas de cidadão que se enquadrem na tipificação legal. O mesmo se dá com a denunciação caluniosa, pois as autoridades competentes apenas devem proceder contra o agente público citado pelo cidadão, partindo da manifestação sigilosa, após averiguar a plausibilidade dos fatos. Não sendo plausíveis os fatos informados na manifestação contra o agente público, nenhuma consequência gerará para ele. Sendo assim, em regra, a manifestação em si nenhuma contribuição pode trazer para uma a configuração de conduta criminosa contra um agente público, uma vez que inapta a gerar qualquer consequência indevida para este. É sabido que a calúnia e a difamação são crimes formais, para os quais basta que o meio seja idôneo, não se exigindo a efetivação da lesão. Ocorre que os fatos imputados têm que vir ao conhecimento público, têm que ser propalados, divulgados. Isto não ocorre no caso de manifestação feita por cidadão perante a OGE. E não se diga que aqui a ciência dos fatos imputados a um agente público passam a ser conhecidos por um terceiro, aquele agente que atua na Ouvidoria, havendo assim a consumação da eventual calúnia ou difamação. A ciência que aqui se tem é uma ciência interna ao órgão, cercada de cuidados, restrita e necessária para a verificação de possíveis irregularidades na atuação pública. As informações veiculadas em manifestação perante a Ouvidoria são tratadas de forma restrita e cuidadosa perante este e os demais órgãos públicos envolvidos, em nada se confundindo o tratamento desta informação com a sua veiculação, por exemplo, em ambientes digitais efetivamente abertos ao público. A ciência de um fato imputado a um agente público no âmbito de Ouvidoria, no nosso entender, não se confunde com ciência por terceiro no sentido de configurar eventual calúnia ou difamação. Desse modo, quem faz manifestação perante a Ouvidoria não pode, com a manifestação apenas, cometer crime de calúnia ou difamação contra agente público. Neste mesmo sentido entende-se, com contemperamentos, ocorrer com a denunciação caluniosa, vez que ela tem que gerar a instauração de instauração de investigação policial, processo judicial ou investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade, ou seja, tem que gerar uma consequência prejudicial indevida na esfera do agente público, o que não

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ocorre com a simples manifestação perante a Ouvidoria, uma vez que os superiores hierárquicos têm do dever de verificar a plausibilidade das alegações antes de proceder contra o agente público “denunciado”. Seguindo este raciocínio, afirma-se não haver fundamento jurídico nem justificativa para a revelação de identidade daquele que fez, perante a OGE, manifestação com solicitação de “sigilo” para instruir inquérito policial em que se investiga possível cometimento de crime de denunciação caluniosa contra agente público. Há informação da Assessoria Técnica da Ouvidoria de Polícia que não deixa dúvida: não foi instaurado qualquer procedimento em face do agente público envolvido. É de juntar a isso que uma tal revelação não se justificaria em termos de sopesamento dos bens envolvidos. A revelação da identidade do manifestante não é idônea a possibilitar, em um sopesamento, a proteção de um bem que suplante o peso relativo dos bens protegidos pela preservação do “sigilo” da identidade do manifestante: fomentar a informação de irregularidades na atuação do Poder Público e proteger os manifestantes de uma eventual represália por parte dos envolvidos. Pense-se que o agente público não deve sofrer qualquer consequência não permitida legalmente. Pense-se, por outro lado, nos cidadãos que deixarão de fazer suas manifestações com receio de represálias. Pense-se, ainda, nas represálias que efetivamente poderiam ocorrer com a revelação da identidade do manifestante. O Poder Público tem como neutralizar tais riscos, tem como compensar este desequilíbrio? Para fomentar a reflexão é de questionar, tendo em vista o caso concreto, que consequência, dentre outras, se poderia gerar com a revelação da identidade do manifestante para instruir inquérito não sendo o manifestante aquele que figura como investigado? Que consequência fática se poderia gerar para o manifestante, sendo ou não o investigado, com a revelação de sua identidade para instruir inquérito policial, considerando que a manifestação versa, exatamente, sobre conduta de agentes públicos policiais?

(E) Da submissão do agente público a permanente controle e fiscalização de sua atuação funcional

Neste contexto, importa assentar que se entende que não há um direito ou um interesse protegido daquele que é agente público que lhe assegure isenção de averiguação de sua conduta funcional. Pelo contrário, todo agente público está sempre sujeito à verificação constante de suas condutas no exercício de sua função. A situação do agente público é essencialmente diversa da situação dos cidadãos em geral, o agente público insere-se em uma relação jurídico-administrativa com o Poder Público, regida por um estatuto legal que,

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para além de prever seus direitos, traça uma série de submissões e condicionamentos a que este se sujeita em prol do cumprimento das atribuições públicas e da prossecução do interesse público. Se, por um lado, é inafastável o asseguramento dos direitos dos agentes públicos. Por outro, é inegável que estes se colocam sob uma disciplina legal que traz diversas sujeições relativas à sua situação funcional e às suas condutas funcionais. Não há fundamento que possa ser invocado pelo agente público para eximir-se da verificação e do controle permanentes de sua atuação funcional. O regime disciplinar a que se sujeita o agente público e a hierarquia em que se encarta submetem-no a permanente controle, o que certamente justifica que seus superiores hierárquicos possam e devam a qualquer tempo averiguar sua atuação funcional. Nesse passo, pertinentes as explicações de Paulo Otero:

“Consequência da posição proeminente do superior no âmbito da relação hierárquica e funcionando como pressuposto de exercício dos demais poderes, o poder de inspeção confere ao superior hierárquico a faculdade conjunta de: - fiscalizar o cumprimento da legalidade em geral, a conveniência e oportunidade da atividade desenvolvida pelos subalternos; - verificar a obediência e o cumprimento perfeito dos comandos hierárquicos por parte dos serviços e órgãos dependentes; - conhecer na globalidade os fatos respeitantes ao funcionamento dos serviços colocados sob a sua direção e o comportamento dos seus subordinados.” (OTERO, Paulo. Conceito e fundamento da hierarquia administrativa. Coimbra: Coimbra, 1992, p. 135-136)

E, mais adiante:

“Pode suceder que inspecionando o superior a atividade dos seus subalternos, verifique a existência de irregularidades que determinem não só uma ação repressiva sobre os atos praticados (: poder de supervisão), como a aplicação de uma sanção ao seu autor. Deste modo, surge o poder disciplinar dos superiores hierárquicos sobre os respectivos subalternos. (…) Apesar de afastados os pressupostos da concepção tradicional, o poder disciplinar continua a funcionar como

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garantia especial de cumprimento do dever de obediência dos subalternos aos comandos do superior. Neste sentido, o poder disciplinas surge como corolário lógico do poder de direção. Todavia, o poder disciplinar não pode ser visto como mera garantia de cumprimento dos comandos hierárquicos do superior. Na realidade, tal poder, ao ser suscetível de incidir diretamente sobre a esfera jurídica do subalterno, determina da parte deste uma maior preocupação no cumprimento da legalidade em geral e na concretização do dever de boa administração. Por tudo isto, o poder disciplinar consiste numa faculdade inerente à hierarquia administrativa.” (OTERO, Paulo. Conceito e fundamento da hierarquia administrativa. Coimbra: Coimbra, 1992, p. 139-140)

Uma vez agente público, uma vez sujeito aos poderes administrativos, mormente o poder disciplinar. O que se vem de dizer, é bom que se esclareça, não se confunde com um tratamento dos agentes públicos desconforme com o Estado de Direito Democrático e Social, não se confunde com uma relação de submissão fática dos agentes públicos sem peias jurídicas a colocá-los sob o alvitre de um poder desmedido e autoritário. Não é isso. Trata-se de uma relação jurídica disciplinada pelo Direito, com poderes e deveres limitados juridicamente. Não resta dúvida, no entanto, que, em tal relação jurídica, há submissões impostas ao agente público em prol da prossecução do interesse público. Vêm a calhar as lições de Cármen Lúcia Antunes Rocha:

“O próprio título de trabalhador público – servidor – denota bem que ele exerce um trabalho vocacionado a servir o interesse público, o qual é o fator determinante de sua condição jurídica. A sua condição de voz do Estado acaba por revestir a sua situação jurídica e a determinar que submirja a sua condição de trabalhador, ainda que regido por normas específicas em razão dos fins públicos que contornam o cargo no qual a atividade é desenvolvida. (…) De resto, antes mesmo de ser considerado na organização estatal (e, nessa condição, como tema de tratamento normativo nas Constituições), o agente público teve a sua responsabilidade lembrada na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789 …

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Tanto se deveu à consideração de que o Estado é estruturado em órgãos, compostos por cargos que são titularizados pelos agentes públicos. E a pessoa jurídica estatal atua exatamente por meio desses agentes. São eles que constituem os nervos e as veias que fazem com que a criação humana, que é a pessoa de direito, aja, adote comportamentos e seja responsabilizada nos limites da lei; enfim, é o agente público que dá vida à pessoa jurídica pública. Logo, a sociedade assegura-se de sua condição e de seus membros, dos direitos dos indivíduos e dos cidadãos, mediante a contenção de competências, de sua clara definição e de seu controle, o que significa fiscalizar o exercício das atividades da própria pessoa jurídica e dos seus agentes.” (ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais dos servidores públicos. São Paul: Saraiva, 1999, p. 57) (destaques acrescidos)

Se o agente público não pode se eximir, no seio da organização administrativa, de ter sua conduta funcional controlada e averiguada segundo os padrões de legalidade que se lhe impõem, desde que respeitadas as normas aplicáveis e os procedimentos legalmente previstos, se é assim, nada pode ser oposto à verificação decorrente de manifestação de cidadão perante a Ouvidoria, ainda que anônima ou com feita com solicitação de “sigilo”. Se os órgãos competentes verificam a plausibilidade das informações veiculadas na manifestação e consideram que deve ser instaurado processo disciplinar contra agente público ou se verificam que não há plausibilidade a ensejar tal instauração, em nada se interfere na esfera juridicamente protegida do agente público. Ou ele deve responder a processo administrativo, com as garantias a ele inerentes, ou não. No primeiro caso, há fundamento para a averiguação em processo administrativo. No segundo caso, mesmo não havendo fundamento para a instauração de processo administrativo, o agente público nada tem a opor à simples verificação preliminar levada a cabo pela Administração. Como se disse, não há um direito ou um interesse legalmente protegido do agente público no sentido de não ter as suas condutas funcionais fiscalizadas de forma permanente, muito pelo contrário. Estas ponderações endossam a afirmação de que a manifestação perante a Ouvidoria não é apta a configurar os crimes de calúnia e difamação contra agentes públicos. Mesmo quanto à denunciação caluniosa, considerando que a instauração de processo administrativo disciplinar não se pode fundar na manifestação anônima, mas sempre em dados averiguados pelas

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autoridades competentes, de forma responsável, entende-se não configurável, em regra, pela mera manifestação perante a Ouvidoria. Lembre-se que a Ouvidoria não é órgão investigativo. Tendo por inviável a configuração destes crimes, em regra, pela manifestação perante a Ouvidoria, corrobora-se a afirmação de que não há fundamento nem justificativa para ser revelada a identidade de manifestante em inquérito policial, no presente caso. Além de se entender que não há fundamento legal que possibilite tal revelação – pelo contrário, a lei determina que a OGE assegure o sigilo, quando solicitado – esta revelação não cumpre qualquer finalidade uma vez que a manifestação em si não pode ser considerada conduta configuradora da denunciação caluniosa (nenhum processo foi instaurado em face do agente público citado). Por fim, corroborando tudo o que se vem de dizer, é de verificar que, segundo informado pela Assessoria Técnica da Ouvidoria de Polícia, as manifestações em tela não geraram qualquer consequência ilegal ou infundada na para o agente público citado.

(F) Das cautelas necessárias na comunicação com o Juízo solicitante Considera-se, desta forma, não haver fundamento jurídico para o atendimento à solicitação do Juízo da Comarca de Bom Sucesso no que tange à manifestação n. 32.802. No que tange às manifestações n. 31.201 e 31.483, não há viabilidade fática, para a OGE, de informar a identidade do manifestante, uma vez que tais manifestações foram feitas de forma anônima e não apenas com solicitação de sigilo. A solicitação da confirmação de senha de manifestação segue o mesmo destino. Considerando-se, por outro lado, que se trata de solicitação judicial, necessário se faz explicitar a situação com clareza para que não se configure, simplesmente, desatenção à solicitação judicial; a OGE deve, assim, formular resposta fundamentada justificando por que razões não fornece os dados solicitados. Não se deve descuidar, ademais, da possibilidade de ser necessária a atuação conjunta desta AGE e da OGE no sentido de propor eventuais medidas judiciais preventivas para, se assim se entender, assegurar o “sigilo” da identidade dos manifestantes, se solicitado, acautelando a atuação da OGE.

CONCLUSÃO

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Diante das ponderações acima expendidas, é possível chegar-se a algumas conclusões. Quanto às manifestações n. 31.201 e 31.483, segundo informação da Assessoria Técnica da Ouvidoria de Polícia, não há como revelar a identidade do manifestante, uma vez que este se manteve anônimo. Quanto à manifestação n. 32.802, foi feita com solicitação de “sigilo”, cabendo à OGE, nos termos do art. 4.º, parágrafo único da Lei estadual n. 15.298/04, assegurar o “sigilo”. Cabe à OGE informar, fundamentadamente, ao respeitável Juízo da Comarca de Bom Sucesso da impossibilidade fática, quanto às manifestações n. n. 31.201 e 31.483, e da impossibilidade jurídica e inconveniência quanto à manifestação n. 32.802 de revelar a identidade do manifestante. É o que me parece, salvo melhor juízo. Belo Horizonte, 20 de agosto de 2012.

Luísa Cristina Pinto e Netto Procuradora do Estado

OAB/MG 82.789 – MASP 661.414-3

“APROVADO EM: 21/08/12” SÉRGIO PESSOA DE PAULA CASTRO Procurador Chefe da Consultoria Jurídica

Masp 598.222-8 - OAB/MG 62.597