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Page 1: António Emiliano – Dissertações e publicações, 2012 · António Henrique de Albuquerque Emiliano LATIM E ROMANCE EM DOCUMENTAÇÃO NOTARIAL DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XI

AntónioEmiliano–Dissertaçõesepublicações,2012

[06] 1995a LatimeRomanceemDocumentaçãoNotarialdaSegunda

MetadedoSéculoXI.,VolumeI:AnáliseScripto‐Linguísticade

TextosProvenientesdoTerritoriumBracarense(LiberFidei,

1050‐1110),VolumeII:AnexosDocumentaiseConcordâncias,

Lisboa:FaculdadedeCiênciasSociaiseHumanasda

UniversidadeNovadeLisboa,dissertaçãodedoutoramento,

410páginas(volI)+290páginas(vol.II)+Errata.(publicadaem

Lisboa,FundaçãoCalousteGulbenkian,2003).[dissertação]

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António Henrique de Albuquerque Emiliano

LATIM E ROMANCE

EM DOCUMENTAÇÃO NOTARIAL DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XI

VOLUME I

ANÁLISE SCRIPTO-LINGUÍSTICA DE TEXTOS

PROVENIENTES DO ‘TERRITORIUM BRACARENSE’

(LIBER FIDEI, 1050-1110)

Dissertação para a obtenção do grau de Doutor em Linguística

Faculdade de Ciências Sociais e Humanas

UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA

1995

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IN MEMORIAM Nina Alexandrovna Petuhoff Emiliano, minha avó saudosa, que me contou as primeiras histórias, me deu os primeiros livros, me ensinou as primeiras notas de música e as primeiras letras (latinas e cirílicas), e me incutiu o interesse por outras línguas, outras culturas e outros mundos. DEDICATIO Dedico este trabalho aos meus Pais amantíssimos, Jorge e Maria da Graça Emiliano, a quem devo praticamente tudo, e à Sra. D. Palmira Jorge (cuja presença amiga e constante toca já quatro gerações da minha família) como penhor de uma dívida de profunda gratidão.

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AGRADECIMENTOS Esta dissertação foi elaborada com a orientação do Doutor Roger Wright (Department of Hispanic Studies, Universidade de Liverpool) e da Prof.ª Doutora Maria Francisca Xavier (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa), a quem agradeço muito a disponibilidade e o apoio que me prestaram em todas as ocasiões. Sem o seu encorajamento e confiança este trabalho não teria sido, de facto, possível. A elaboração desta dissertação beneficiou também do apoio científico, académico e pessoal de várias pessoas. Quero assim agradecer ao Prof. Doutor Maurilio Pérez González (Universidade de León), ao Prof. Doutor Aires do Nascimento (Faculdade de Letras de Lisboa), ao Doutor John Charles ‘J.C.’ Smith (Universidade de Manchester), à Doutora María del Pilar Álvarez Maurín (Universidade de León), ao Doutor Stephen Parkinson (Universidade de Oxford), ao Doutor Robert Blake (Universidade da Califórnia, Davis), à Dra Maria da Assunção Vasconcelos, directora do Arquivo Distrital de Braga, ao Sr. Afonso Ferreira, técnico do Arquivo Distrital de Braga, à Dra Olinda Santana (Universidade de Vila Real), ao Dr. Carlos Rocha (Universidade de Oxford), às minhas colegas de Departamento Prof. Doutora Maria Teresa Brocardo, Dra Ana Maria Monção e Dra Graça Vicente, e à nossa secretária emérita Laura Martins. Quero ainda agradecer a Maria da Conceição de Albuquerque Emiliano Onofre Castel-Branco (minha irmã e colega), José Alexandre Conefrey, Carlos de Pontes Leça, Pedro Paixão, Ana Cristina Velês e, muito especialmente, a Maria José Fazenda. Quero também testemunhar a minha admiração e reconhecimento aos Srs. Profs. Doutores Ernesto d’Andrade e Eduardo Paiva Raposo que me ensinaram Linguística, à Sra. Doutora Margarida Corrêa de Lacerda, mestra e amiga, que me ensinou Sânscrito e muito mais, e ao Sr. Doutor João Carlos Trincão. Quero por fim referir com estima e reconhecimento o Sr. Prof. Doutor José de Azevedo Ferreira, a quem esta dissertação esteve inicialmente ligada, e cujo desaparecimento recente deixa uma lacuna irreparável na sua área de estudos, na sua Universidade, e na sua família.

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ÍNDICE DAS MATÉRIAS

Capítulo 1

Introdução: considerações gerais sobre o estudo da documentação

notaria l latino-portuguesa

Pressupostos e aspectos introdutórios ................................................................................ 8

Polimorfismo gráfico da escrita notarial .......................................................................... 14

Funcionalidade contemporânea dos textos notariais:

aceitabilidade e interpretabilidade .................................................................................... 26

Latinidade notarial e tradição discursiva.......................................................................... 33

Tradicionalidade na escrita notarial e inovação ortográfica ........................................... 40

Mudança cumulativa e tendência homeostática da escrita notarial ................................ 44

Modelos representacionais vs. modelos operacionais ..................................................... 47

Algumas formulações gerais............................................................................................. 50

A reforma cluniacense no território português ................................................................ 52

Capítulo 2.

O Corpus de Textos Notariais do Liber Fidei (‘Liber Testamentorum

I’, 1050-1110): apresentação e descrição

2.1 O Liber Fidei

Constituição e organização do Liber Fidei ...................................................................... 65

Os dois ‘libri testamentorum’ do Liber Fidei .................................................................. 69

Núcleos documentais antigos do Liber Fidei................................................................... 75

Datação do Liber Fidei ...................................................................................................... 78

2.2 A edição crítica de Avelino de Jesus da Costa

Critérios da edição crítica.................................................................................................. 82

Transcrição paleográfica de uma amostra do Liber Fidei ............................................... 84

Problemas de edição: divergências entre a transcrição diplomática e a edição crítica do

Liber Fidei........................................................................................................................ 114

2.3 Descrição e critérios de organização do Corpus

Constituição do Corpus ................................................................................................... 134

Ordenação cronológica e numeração dos documentos ................................................. 137

Divisão dos documentos em parágrafos: critérios ......................................................... 138

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2.4 Tipologia documental

Documentos públicos vs. documentos privados............................................................ 150

Tipologia dos documentos privados do ‘Liber Testamentorum I’ do Liber Fidei

(1050-1110)...................................................................................................................... 154

Capítulo 3.

Originais vs. cópias: variância linguíst ica intra-textual na tradição dos

documentos notaria is do Liber Fidei

3.1 Levantamento de variantes linguísticas entre documentos originais e cópias do Liber

Fidei (‘Liber Testamentorum I’)

Formas tradicionais vs. formas desviantes: a hipótese logográfica.............................. 180

Valor heurístico das formas gráficas desviantes: análise de dois exemplos ................ 186

Variantes linguísticas vs. variantes textuais................................................................... 200

Tipologia de variantes linguísticas ................................................................................. 203

Lista de variantes linguísticas ......................................................................................... 207

1. Variantes grafo-fonémicas ...................................................................................... 207

2. Variantes morfémicas.............................................................................................. 220

3. Variantes morfo-sintácticas .................................................................................... 226

4. Variantes lexémicas................................................................................................. 245

5. Erros de cópia .......................................................................................................... 258

3.2 Comentários e conclusões sobre a variância linguística

na tradição dos documentos do Liber Fidei .............................................................. 263

Capítulo 4.

Aspectos de variação e mudança scripto-l inguística na documentação

notaria l do Liber Fidei, 1050-1110

4.1 Objectivos gerais .................................................................................................................... 275

4.2 Propostas para uma tipologia contrastiva latim-romance .............................................. 279

• Herman 1975, Le Latin Vulgaire ................................................................................. 281

• Vincent 1988, ‘Latin’.................................................................................................... 283

• Banniard 1992, Viva Voce ........................................................................................... 291

• Ineichen 1993, ‘L’apparition du roman dans des contextes latins’............................ 294

• Pérez González 1993, ‘El diploma del rey Silo y sus romanismos’ .......................... 297

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4.3 Critérios de análise de variantes inter-textuais................................................................. 320

4.4 Levantamento e quantificação de variantes

Variável 1: demonstrativos adjuntos (artigo definido e pronomes

fórico-determinativos ) ................................................................................................... 326

Variável 2: possessivos adjuntos (anteposição vs. posposição em relação ao nome) . 346

Variável 3: verbos modais (ordem e alternância) .......................................................... 358

4.5 Algumas conclusões ............................................................................................................... 385

Referências ........................................................................................................................................ 398

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« … en estos documentos todo es posible.» (Bastardas Parera 1960:276) «Sin embargo, muy poco o nada hay arbitrario, aunque, evidentemente, no es siempre fácil dar una explicación plausible o una recta interpretación de los hechos.» (ibid.) «What existed was Romance; if written it looks “Latin” to us, but that is only because we have projected an anachronism needlessly back. […] Late Latin is Early Romance and the true novelty of twelfth-century Spain is the arrival of medieval Latin as a distinct concept.» (Wright 1982:186-7) «Iudex bene causam agnoscat: primum testes interroget, deinde scripturas requirat, ut ueritas possit cercius inuenire, ne ad sacramentum facile ueniatur. » (Carta de agnição de 1025, Arq. Distrital de Braga, Gav. de Braga, n.º67, ll.32-33)

Capítulo 1

Introdução: considerações gerais sobre o estudo da documentação notarial latino-portuguesa

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Capítulo 1.

estudo das relações complexas entre escrituralidade e

oralidade nas comunidades romano-falantes medievais é

um aspecto fundamental da história antiga das línguas

românicas, mas a que tem faltado o necessário enquadramento

antropológico e cultural, e até linguístico e grafemático (no sentido

correcto do termo). Esse enquadramento é fundamental para uma

correcta interpretação dos fenómenos lecto-escriturais medievais,

porque escrita e leitura não são categorias universais, mas

manifestações culturalmente condicionadas de um saber local.

A validade de um texto, literário ou legal, depende de critérios locais

de aceitabilidade vigentes na época e na comunidade em que o texto

se inscreve. No caso concreto dos documentos notariais, enquanto

corpus scripto-linguístico de características específicas a

aceitabilidade textual (1) pressupunha diacronicamente uma tradição

discursiva que fundamentava e legitimava as práticas escribais

contemporâneas, e (2) reflectia sincronicamente as expectativas da

comunidade textual acerca dos actos de comunicação escrita quanto à

forma ou modos de produção textual, e quanto a mecanismos e

contextos de recepção.

Um julgamento ou avaliação dos textos notariais latino-portugueses

feito com base em critérios extemporâneos de correcção ou de

textualidade é no mínimo desprovido de sentido.

A existência de padrões de variação com tendências evolutivas

observáveis e quantificáveis, mostra que mesmo as zonas mais

O

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formulísticas dos documentos apresentam uma ‘latinidade’ não menos

permeável à influência da língua falada que as chamadas ‘partes

livres’ dos textos. O estudo do formulismo e dos formulários

alto-medievais latino-portugueses está por fazer 1 , e este trabalho

pretende ser um pequeno contributo para a análise de aspectos

linguísticos dos mesmos.

Assim, esta dissertação pretende cumprir dois propósitos:

(1) apresentar uma proposta de tratamento, formatação e

processamento de dados textuais extraídos de documentos notariais

medievais; (2) aplicar a metodologia proposta a um conjunto

específico de textos.

Trata-se portanto de propôr uma metodologia e ao mesmo tempo

testá-la, tarefas que passam por diversas questões: a constituição e

organização de um corpus de dimensões razoáveis (i.e. superior a

50.000 palavras), implicando selecção e transcrição dos textos,

recolha e formatação dos mesmos de forma a serem processados

informaticamente, indexação tendo em vista objectivos específicos, e

finalmente extracção, apresentação e interpretação dos dados.

Quer a formatação, quer a apresentação, quer ainda a interpretação

dos dados pressupõem um quadro teórico ou conceptual no seio do

qual os mesmos dados sejam significantes e esclarecedores. No caso

concreto, o ponto de partida é o modelo geral de relações entre língua

1 As obras de referência nesta área continuam a ser os tratados de João Pedro Ribeiro (Ribeiro 1798 e 1810-36), a que se devem acrescentar as observações de Pedro de Azevedo e Rui de Azevedo apensas à publicação de documentos e núcleos documentais medievais (na sua maior parte na 1ª metade deste século).

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escrita e língua oral proposto por Roger Wright para a Península

Ibérica anterior ao séc. XIII.

Os textos em questão, extraídos do importante cartulário bracarense

conhecido por ‘Liber Fidei’, fazem parte do vasto e rico corpus da

documentação notarial latino-portuguesa, que infelizmente não tem

recebido a devida atenção entre nós 2 (carecendo na maior parte de

edições actualizadas e fiáveis), e cujo estudo se reveste de importância

capital para o conhecimento dos estádios mais antigos da história da

língua portuguesa.

Nesta introdução apresento algumas considerações e formulações

gerais que permitem não só enquadrar a análise dos dados textuais,

como determinam toda uma atitude filológica e linguística perante os

textos enquanto instâncias de língua, e enunciados válidos em si

mesmos (i.e. adequados ao quadro específico de comunicação escrita

em que eram produzidos e recebidos).

2 Os únicos estudos de conjunto sobre a documentação latino-portuguesa continuam a ser Sacks 1941 e Sletsjø 1959, baseados nas edições dos PMH. Registem-se também, sobre o latim tardio e medieval português, os estudos de Vasconcellos 1911 e 1923, Pereira 1955, Piel 1976, Nascimento 1977 e Freire 1982. Para o domínio latino-galego deve registar-se o relativamente recente livro de Amable Veiga (Veiga Arias 1983), e os artigos também recentes José Antonio Puentes (Puentes Romay 1986a, 1086b e 1995), que não têm infelizmente correspondente para a documentação portuguesa.

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Pressupostos e aspectos introdutórios

No corpus latino medieval hispânico, tal como noutras áreas da România

medieval, a documentação notarial constitui um domínio textual e comunicativo

com traços próprios, cuja importância para o conhecimento dos períodos antigos

das línguas ibero-românicas não se pode fazer notar em excesso.

Uma abordagem grafemática adequada da língua notarial hispânica, na qual a

língua notarial latino-portuguesa se enquadra, partilhando muitas características

com outras áreas ibero-românicas, deve tentar estabelecer e documentar a relação

filogenética que existe entre as tendências romanizadoras presentes na

documentação dos sécs. IX-XII e o desenvolvimento autónomo da escrita

romance a partir do séc. XIII. A documentação notarial latino-medieval é, pode

dizer-se, um verdadeiro “laboratório scripto-linguístico” onde se ensaiam durante

séculos as soluções que irão desembocar no surgimento de ortografias romances

um pouco por toda a Península no início do séc. XIII.

Uma abordagem deste tipo deve obrigatoriamente ter em conta a relação que

existia entre os vários tipos e modos de comunicação presentes na sociedade

medieval, nomeadamente a relação complexa entre a tradição escritural latina não

reformada (herdada da Antiguidade tardia com a mediação da latinidade

visigótica) e as línguas romances medievais resultantes da fragmentação

linguística da România tanto quanto é possível conhecê-los a partir dos textos e da

reconstrução linguística.

Alguns pressupostos fundamentais, e em certo sentido axiológicos, subjazem a

estas considerações:

1. Antes do final do séc. XI não há razão para postular a existência nas

comunidades ibero-românicas de uma distinção conceptual

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generalizada e operante entre latim e romance como realidades

linguísticas distintas.

Este é um aspecto central do controverso livro Late Latin and Early

Romance in Spain and Carolingian France (Wright 1982) do

hispanista britânico Roger Wright.

As teses de Wright sobre a ‘invenção do latim medieval’ postulam o

surgimento da distinção conceptual entre latim e romance, como

línguas distintas na România, em França a partir da reforma

carolíngia, e na Península a partir da importação desse latim medieval

reformado com a introdução da liturgia romana no contexto da

chamada ‘reforma gregoriana’ (ou ‘cluniacense’) a partir do Concílio

de Burgos de 1080:

La fin du XIe siècle vit une quantité de changements dans la

sociolinguistique hispanique. […] La décision léonaise prise à Burgos (en

1080) d’adopter la liturgie qui était d’usage général ailleurs en Europe eut

des conséquences sociolinguistiques inattendues, puisqu’on fut dans

l’obligation d’importer des clercs de France pour enseigner la nouvelle

prononciation du latin médiéval, requise par leur liturgie. Ce latin, qui

n’était plus vernaculaire, et cette manière de parler importée et clairement

distincte conduisirent finalement le reste de la péninsule à la même

diglossie latin-roman que celle qui existait déjà en Catalogne. Au XIIe

siècle, l’écriture aussi s’européanisa.» 3

Wright 1982 argumentou e mostrou convincentemente, através da

análise de vários tipos de textos e testemunhos, que a oposição entre

3 Wright 1993a:69

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latim e romance se estabeleceu definitiva e duradouramente na

Península só cerca de dois séculos depois 4 , em consequência de um

processo dilatado de mudança meta-linguística que resultou no

surgimento dos primeiros textos claramente redigidos numa ortografia

romance autónoma.

Na documentação do Liber Fidei de Braga a primeira referência

explícita, i.e. de carácter meta-linguístico, que se pode plausivelmente

atribuir à existência de distinção conceptual entre latim e romance

data de 1136. Cito o passo relevante:

Dedit illis unum coopertorium lecti quod romane alifaf dicitur 5

➧ A latinidade reformada introduzida e difundida nas Espanhas pelos monges de

Cluny, era já por sua vez o resultado da chamada reforma carolíngia, implementada

no séc. IX pelo nortumbriano Alcuíno de York. Essa reforma cultural e educacional

teve como consequência linguística o surgimento pela primeira vez na România de

uma clivagem notória e profunda entre língua escrita e a língua romance falada,

através do fenómeno de ‘ruptura da comunicação vertical’, estudado exaustivamente

pelo francês Michel Banniard no seu monumental Viva Voce (Banniard 1992).6

➧ As teses centrais de Wright, que são de certa maneira o ponto de partida para estas

considerações, podem ser resumidas nos seguintes pontos:

4 Wright 1992 propõe até pelo menos à 1ª metade do séc. XII a inexistência da distinção. A análise do “latim foral” permite, em minha opinião, estender a inexistência dessa distinção até o final séc. XII (q.v. Emiliano 1986 e 1991). Mesmo uma análise superficial da documentação notarial e foral latino-portuguesa do séc. XII (o seu estudo sistemático está por fazer) permite detectar secções profundamente romanceadas nesses textos para além das formas e estruturas ocasionais e recorrentes que evidenciam um processo de vernacularização da scripta latina até o séc. XIII apesar das reformas do final do séc. XI.

5 LF doc. 729. Não deixa de ser curioso o facto de o vocábulo referido como romance, ‘alifaf’, ser um arabismo.

6 As conclusões de Banniard, baseadas no exame sistemático e exaustivo de testemunhos confirmam, apesar de algumas divergências conceptuais (menos, apesar de tudo, que o próprio Banniard estima), as teses de Wright sobre a indistinção entre latim e romance até uma data tardia, quer em França quer na Ibéria.

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• a distinção que se faz actualmente entre latim e as línguas romances não surgiu

senão depois da reforma carolíngia de ca. 800 d.C.; antes desta reforma só havia

uma língua, chamada então latinus , mas que é costume actualmente chamar

‘romance primitivo (Early Romance) ou proto-romance;

• os textos eram escritos na única maneira que se conhecia, e que é costume

actualmente chamar ‘latim tardio; aprendia-se, nos manuais (as Grammaticae ), a

escrever a língua (proto- ) romance que se falava, mas não se escrevia uma língua

diferente, da mesma forma que o francês escrito e falado de hoje são diferentes sem

deixarem no entanto de ser dois aspectos da mesma língua;

• a evolução retardada das palavras denominadas “cultas” (ou “semicultas”) pode

explicar-se sem necessidade de a atribuir a um estrato de fala totalmente arcaico;

• esta única língua abarcava obviamente grande variação — variação geográfica,

estilística e sociolinguística — tal como acontece nos grandes idiomas actuais. 7

2. A língua notarial é o resultado da adaptação da tradição latina a

necessidades comunicativas específicas, o que Francesco Sabatini

chama ‘esigenze di realismo’. 8

➧ O desenvolvimento multi-secular da língua notarial — o aspecto temporal é

importante, porque não se trata, como os textos mostram bem, de um tipo de escrita

efémero ou de transição — fez-se a partir de uma relação dialógica entre

tradicionalidade e exigências comunicativas, que não pressupõe nem revela, em

minha opinião, uma ruptura conceptual entre latim e romance. O exame e a análise

dos textos revelam que as formas e estruturas próprias da língua notarial se integram

perfeitamente no quadro de ‘monolinguismo complexo’ proposto e

convincentemente defendido por Wright. 9

3. A romanidade dos documentos notariais não pode ser dissociada da

sua latinidade, pois a consciência do vulgar (expressão anacrónica

para a época) só tinha expressão possível, até ao surgimento das

7 Wright 1988:257-8, e Wright 1982 passim .

8 Sabatini 1965.

9 Cf. Wright 1993b.

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ortografias romances, num contexto escritural de base latina: ou seja, a

língua notarial latino-portuguesa, tradicional e impropriamente

designada por “latim bárbaro” por filólogos e historiadores, constitui

até aos sécs. XII-XIII o único meio (por um lado disponível, por outro

lado adequado) de comunicação contemporânea escrita entre falantes

do português antigo. Se as grafias inovadoras dos documentos

alatinados indicam uma pressão no sentido de uma maior consciência

do vulgar, o contexto latino em que ocorrem mostra claramente que

essa consciência não é ainda consciência da romanidade, tal como se

instaurou no séc. XIII, gráfica, linguística e conceptualmente oposta à

latinidade. As formas e grafias latinas e romances dos documentos

notariais anteriores ao séc. XIII alternam numa situação cristalizada de

polimorfismo gráfico.

4. A coexistência de latinidade e romanidade — i.e., de formas e padrões

gráficos tradicionais ao lado de formas e padrões desviantes

resultantes de processos de vernacularização — no mesmo texto, ou

num grupo de textos, deve ser enquadrada numa perspectiva

variacionista sobre a escrituralidade latino-portuguesa: não só o

fenómeno de variação deve ser considerado como inerente ao uso da

própria escrita, como as formas variantes devem ser consideradas

como realização de variáveis scripto-linguísticas que constituiam parte

integrante da competência escribal de notários e copistas, que

utilizavam como língua funcional o galego-português.

➧ A variância ao nível gráfico não pode à partida ser tomada como índice ou reflexo

de variação linguística sincrónica ao nível dos registos coloquiais da língua.

A variação scriptográfica não reflecte necessariamente a variação sincrónica da

língua funcional do escriba: não há uma correlação necessária entre os dois tipos de

variação, que são regidos por princípios diferentes, visto que a escrita e a fala são

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meios autónomos, substantivamente diferentes de realização de um sistema

linguístico. Como nota Suzanne Romaine a este propósito:

«although there are obvious connections between spoken and written language and

one may influence the other, something does not have to be spoken before it can be

written.»

E mais adiante:

«Studies of the written language will reveal not only patterning which is

characteristic of the language itself, regardless of medium, but also that which may

be peculiar to the medium itself; the findings may require us to revise certain views

we have of present descriptive categories.» 10

*

A língua notarial hispânica documenta de facto uma cadeia ininterrupta de

romanização gráfica que vai desde os documentos mais antigos conhecidos 11 até

aos primeiros textos verdadeiramente romances 12. O surgimento de ortografias

romances autónomas e diferenciadas para as diversas línguas ibero-românicas

medievais, numa época de mudanças culturais e políticas significativas em toda a

Península, é sob o ponto de vista diacrónico e genético, o resultado de uma

tendência antiga de mudança scripto-linguística que resultou na deslatinização e

progressiva vulgarização da tradição escrita.

Não obstante a sua aparência peculiar, marcada pelo polimorfismo gráfico e por

desvios constantes às normas ortográficas e gramaticais da latinidade polida dos

gramáticos e da literatura antiga, os textos notariais anteriores ao séc. XIII devem

em primeiro lugar ser considerados como actos de língua escrita válidos em si

10 Romaine 1982: 14 e 18.

11 Para o território português trata-se da dotação da Igreja da Lordosa de 882 (cf. Azevedo 1932).

12 Para o português trata-se do Testamento de D. Afonso II de 1214 e da Notícia de Torto de ca. 1214 (cf. Costa 1979 e 1992, e Cintra 1990).

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mesmos, e inscritos numa tradição discursiva 13 que lhes atribuia validade

funcional e legitimidade sincrónica. Constituem, em segundo lugar, actos

discursivos adequados pragmática e estilisticamente às circunstâncias

socio-culturais em que foram redigidos, e às necessidades e intenções

comunicativas de quem os produziu ou mandou produzir.

Polimorfismo gráfico da escrita notarial

O aspecto mais saliente dos textos notariais latino-romances, em geral, e

latino-portugueses em particular, é a aparente falta de uniformidade ortográfica e

ortolinguística. Esta falta de uniformidade, que se reflecte no fenómeno da

variação gráfica, tem sido frequentemente atribuída a ignorância ou insegurança

lecto-escritural dos escribas. Os casos de variação são referidos comummente

pelos filólogos tradicionais (latinistas e romanistas) como oscilações, hesitações,

vulgarismos, erros: ou seja, acidentes no processo de escrita, causados pela

suposta inépcia dos escribas, que os teria impedido de escrever “bom latim” com

correcção e polimento, apesar de todos os esforços nesse sentido.

Este tipo de variação scriptográfica 14 pode definir-se como a co-existência, no

mesmo texto ou enunciado (ou em textos pertencentes a um mesmo núcleo ou a

uma mesma tradição de produção textual) de elementos grafémicos formalmente

distintos que possuem o mesmo conteúdo representacional (fonémico, morfémico,

13 Cf. Koch 1993.

14 A ausência na Idade Média de uma ortografia fixa e codificada como as ortografias modernas, apesar da existência de tratados antigos e medievais sobre a forma correcta de grafar as palavras, justifica e torna preferível a utilização do termo ‘scriptografia’ em vez de ‘ortografia’. De qualquer modo, o termo ‘ortografia’ pode ser informalmente utilizado no mesmo contexto, com as devidas provisões e ressalvas.

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15

lexémico ou semântico) 15 ; essas formas ou grafias iso-representacionais são

variantes alografémicas de variáveis scriptográficas, ou seja, são a actualização e

representação em determinado contexto, por via de factores ou tendências internas

do sistema de escrita, de determinado item linguístico. Isto era feito no acto de

escrita através de um processo de escolha múltipla entre alternativas gráficas

presentes na competência escritural activa dos escribas.

A variação explica-se internamente pela existência de princípios scriptográficos

alternativos em competição, e externamente pelas características culturais e

linguísticas da época na qual os textos foram produzidos. O polimorfismo das

práticas notariais em vez de ser considerado como o resultado de factores

estranhos à escrita (como ignorância e inépcia dos escribas, ou baixo nível

cultural da época) deve perspectivar-se como uma propriedade intrínseca da

língua escrita, e examinar-se à luz da estrutura e história da própria escrita, e do

quadro de expectativas culturalmente determinado, que condicionava não apenas

as condições de produção textual mas igualmente as condições e modos de

recepção vigentes na sociedade medieval. 16

De facto, a variação manifesta-se através de padrões reconhecíveis e detectáveis, e

portanto analisáveis e quantificáveis, e não aleatórios, como a análise cuidada de

corpora de dados textuais suficientementes grandes, e adequadamente formatados

pode mostrar.

15 A distinção que Nina Catach faz entre três tipos de grafemas — fonogramas, morfogramas e logogramas — na análise da ortografia moderna do francês (Catach 1973), é particularmente adequada ao latim notarial não reformado, que apresenta alguns aspectos de complexidade grafémica semelhantes ao do francês escrito de hoje.

16 V. Emiliano 1988, onde discuto detalhadamente a variação grafemática na representação da vocal tónica de formas derivadas do perfeito leonês, e onde mostro que as grafias variantes resultam da história da língua e da scripta leonesa, não devendo ser atribuídos a variação fonológica sincrónica do leonês medieval.

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16

Gostaria neste contexto de reiterar as conclusões que apresentei num estudo sobre

as glosas riojanas 17 :

1. Algumas partes formulaicas dos documentos, que a priori levantariam

maiores problemas de comprensão por causa da sua linguagem técnica

e arcaizante, evidenciam elementos de vernacularização 18 , facto que

testemunha a possibilidade de uma leitura oral compreensível para

todos os ouvintes, letrados ou não.

2. A variação na língua notarial, com a suas alternâncias e substituições,

indica equivalência lexémica e semântica, e portanto, equivalência

representacional entre formas latinas e formas romances co-

alternantes.

3. As correspondências lexémicas das glosas riojanas têm o mesmo valor

scripto-linguístico que as alternâncias e substituições da língua

notarial, facto que confirma a ideia de que essas correspondências não

são exemplos de tradução mas sim de transposição ortográfica.

O ponto 3 tem particular importância para a compreensão de alguns aspectos

complexos da estrutura grafémica da língua notarial, que, recorde-se, até pelo

menos o séc. XII na Península, era utilizada num quadro de comunicação escrita e

oral monolingue.

17 Emiliano 1993.

18 «It does seem that the practice of reading aloud documents to witnesses in a form that they could understand (clearly not the Latin in which they were actually drafted), made this vernacularized legal phraseology generally available and usually quite intelligible» (Dutton 1980:26)

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Os actos notariais, consignando na maior parte dos casos transferências de bens

(por compra e venda, doação, testamento ou permuta) tinham um impacto

imediato ou quotidiano na vida comunitária: a fixação por escrito da intenção do

autor do acto em termos claros, explícitos e não ambíguos era fundamental para

que o texto notarial cumprisse a sua função comunicativa específica perante as

partes envolvidas no acto. Assim, o que estava em jogo nos processos de ‘ler um

texto’ e ‘escrever um texto’ era a mediação de uma mensagem, de uma

intencionalidade comunicativa que devia ser crucialmente transmitida e recebida:

neste sentido a ‘leitura’ (tendo de qualquer forma em atenção que o conceito de

leitura pode implicar processos e actividades distintas em culturas e épocas

distintas) ultrapassava o simples processamento oral de símbolos gráficos pelo

‘lector’, ou seja, o simples reconhecimento das correspondências entre grafemas e

unidades fónicas no contexto de uma escrita de base alfabética.

A admissão não qualificada das ‘correspondências de Wright’ 19 , ou seja, a

oralização dos textos a partir de simples regras de conversão grafo-fonémica

levaria, como já tive ocasião de fazer notar 20 , à produção de sequências sem

significado contemporâneo, virtualmente incompreensíveis para os ouvintes

romanófonos iletrados. 21

A investigação experimental no processamento da ortografia 22 parece indicar que

as ‘correspondências grafo-fonémicas’ pertencem à estrutura interna do sistema

19 Implicitamente propostas nas várias transcrições fonéticas de Wright 1982.

20 Emiliano 1993 e 1994.

21 Este problema foi detectado por Thomas Walsh, que o aproveitou sabiamente para contestar as teses de Wright (cf. Walsh 1986).

22 Vejam-se sobretudo os estudos coligidos em Goodman (Ed.) 1968, Goodman & Flemming (Eds.) 1969, Kavanagh & Mattingly (Eds.) 1972, Frith (Ed.) 1980, Coltheart, Robertson &

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ortográfico e não necessariamente aos processos mentais envolvidos na leitura de

palavras ou de um texto por indivíduos fluentes: ou seja, as correspondências

grafo-fonémicas não parecem ter necessariamente realidade psicológica no acesso

lexical, que é normalmente feito sem recurso a um interface grafo-fonémico 23 .

Regras de correspondência grafo-fonémica podem ser utilizadas como ‘estratégias

subsidiárias’ pelo aprendiz da escrita, ou por um leitor/escrevente pouco fluente

ou deficiente 24 ; mas o leitor fluente ignora-as no acesso lexical, reconhecendo

holisticamente as palavras 25, ou mesmo sequências inteiras de palavras. 26

O neurologista argentino J. Azcoaga, baseado em dados experimentais de tipo

psico- e neuro-linguístico sobre a ortografia castelhana, define a leitura como

fundamentalmente um processo de ‘descodificação gráfico-semântica’, e descreve

do seguinte modo a leitura ‘corrente’ ou ‘compreensiva’, característica do adulto

alfabetizado:

Marshall (Eds.) 1980 e 1985, Augst (Ed.) 1986, Luelsdorff (Ed.) 1987, Ardila & Ostrosky (Eds.)1988.

23 «it is not at all clear at which stage in the process of transforming perceived print into articulated sound phonology comes in, and it is also unknown how it comes in.» (Günther 1987:160)

24 «It might be well that letter-by-letter readers simply develop a strategy to overcome their reading disability which is definitely never used by adult skilled readers.» (Günther 1987:161).

25 Geert E. Booij propõe como uma das conclusões da sua análise da ortografia neerlandesa (habitualmente tida como “regular”) que “the skilled reader does not read with some phonological form as intermediary between graphemic form and meaning: skilled readers read like Chinese.” (Booij 1987:223)

26 Palavras novas (neologismos ou palavras pouco frequentes, ou mesmo as pseudo-palavras dos testes de psico-linguística) podem ser lidas (i.e. reconhecidas e interpretadas) e eventualmente pronunciadas com base em analogias lexicais ou estereótipos grafémicos, que podem por seu lado levar, se o sistema não fôr altamente codificado ou standardizado, à criação de formas hiper-correctas. As formas hiper-correctas resultam da abdução de correspondências grafo-fonémicas gerais (estereótipos), para utilização em novos contextos onde essas correspondências entram em conflito com convenções pré-estabelecidas do sistema de escrita. Vejam-se por exemplo os casos frequentes de “trocas” entre ‘P, T e C’ e ‘B, D e G’ nos textos notariais latino-romances.

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19

El adulto lee extrayendo directamente el significado de lo leído. Por

consiguiente, su lectura no se hace grafema por grafema sino de modo más

generalizado. […]

La lectura comprensiva del adulto se hace a expensas de los significados del

texto. Conforme el sujeto va decodificando semánticamente lo que lee, prepara y

anticipa, por la misma informción semántica, el reconocimiento de las palabras

que siguen.» 27

Na leitura compreensiva Arzoaga distingue claramente entre o processo de

transcodificação grafemático-fonética e o processo de transcodificação

gráfico-semântica:

la lectura comprensiva es una transcodificación gráfico-semántica, en la cual las

características del texto escrito no son más captadas como grafemas (de ahí que

en este proceso preferimos utilizar la palabra “gráfico” y no “grafemático”), sino

como complejos gráficos que son inmediatamente transferidos a información

semántica, la que a su vez prepara el reconocimiento de los complejos gráficos

que siguen.

Esta transcodificación gráfico-semántica se ha hecho posible gracias a que no

sólo se ha automatizado el reconocimiento de los grafemas por separado, sino

que ha habido un proceso de “minimización” que ha conservado las señales más

destacadas en el reconocimiento.» 28

O abandono da transcodificação grafo-fonémica (enquanto processo de

descodificação de um texto), substituída por uma “captação global” da palavra no

27 Arzoaga 1988:240 e 246.

28 id., p.248.

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texto, dá-se nas fases avançadas de aprendizagem da lecto-escrita como assinala

Arzoaga:

una vez avanzado el proceso de la lectura, ésta se hace de manera “ideográfica”,

por captación “global” apoyada en las características de longitud, grafemas

destacados y relaciones semánticas en el texto. […] El reconocimiento semántico

en la lectura, se alcanza en el periodo de lectura “corriente” o “comprensiva”, en

la que ya no intervienen la articulación ni el desciframiento de los grafemas. Se

logra en las últimas etapas del ciclo escolar. Se conserva como un subsistema

semántico-gráfico que depende, fundamentalmente, del reconocimiento

ideográfico.» 29

No estudo do latim notarial não reformado estes factos — i.e., automatização da

transcodificação grafo-fonémica (e fonémico-grafémica) como condição

necessária para a aquisição de uma competência lecto-escritural adulta ou plena,

subsidariedade da conversão grafo-fonémica em relação à transcodificação

grafo-semântica, e leitura como processo de captação ideográfica das formas

gráficas no contexto de uma proposição textual — assumem particular

importância; de facto, para além das formas cuja transcodificação grafo-fonémica

e grafo-morfémica não levantaria problemas de maior, existem padrões

consistentes de variação envolvendo palavras obsoletas, i.e. palavras latinas sem

correspondência directa em romance, que alternam com formas latinas

equivalentes mas com correspondência em romance, ou com formas “desviantes”

claramente romanceadas.

Do ponto de vista do estatuto representacional das grafias a variação mostra que,

se formas latinas e formas romanceadas heterógrafas são representacionalmente

29 id.,p.257.

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equivalentes, então as formas latinas podiam ser facilmente convertidas oral e

grafemicamente em formas romances (fonemica, morfemica e lexemicamente) se

fosse necessário, por exemplo, numa sessão de leitura pública em voz alta, que

exigisse crucialmente a compreensão do texto lido por parte de um público

genericamente iletrado ou pouco cultivado.

Em alguns casos a convertibilidade das formas latinas não poria grandes

problemas, sobretudo em lexemas e morfemas da língua escrita que

correspondiam directamente a elementos do vernáculo. Noutros casos, nos quais

morfemas e lexemas escritos não tinham correspondente directo na fala, a

conversão tornava-se um processo algo complexo e eventualmente arcano.

Banniard refere no seu livro, com pertinência, que a principal barreira na

manutenção da comunicação vertical entre letrados e iletrados seria sobretudo

uma questão de léxico.

O problema da conversão e oralização de formas obsoletas que ocorriam em

textos que se destinavam a ser lidos em voz alta, para um público

maioritariamente iletrado, é um problema fundamental na análise do latim

medieval, que necessita de estudos aturados do léxico dos textos, sobretudo das

tendências de mudança apresentadas pelos textos, e dos padrões de paráfrase e

para-sinonímia presentes na tradição.

A explicação em termos da competência passiva ou receptiva dos falantes

romances, como propõe recentemente Wright, que parece não aceitar uma

interpretação logográfica para estes casos 30 , postulando a manutenção de muitas

palavras obsoletas durante séculos numa espécie de “estado crepuscular de

existência” não resolve todos os problemas. Há vocábulos nos textos notariais (já

30 Cf. Wright 1993c:89-90.

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para não falar doutro tipo de textos de leitura pública corrente, como a liturgia, os

sermões e as Escrituras Sagradas) que no séc. XI não faziam já certamente parte

da competência activa ou passiva dos falantes, e teriam eventualmente de ser

mediados por ‘lectores’ com formação escolar própria para esse tipo de actividade

de conversão lexical.

Penso que é nesse sentido que os textos notariais apontam, e de uma forma clara:

se as formas latinas obsoletas eram inteiramente compreensíveis para a maioria

dos falantes romanófonos, por fazerem parte da competência passiva tanto de

letrados como de iletrados, então para quê criar grafias vulgarizantes, para quê

utilizar formas latinas equivalentes mas com significado romance, para quê redigir

glosas como as de Silos ou de S. Millán, para quê enfim vernacularizar

extensivamente a tradição latina herdada?

Em minha opinião, na produção dos textos (codificação semântico-gráfica) o

problema do léxico obsoleto resolvia-se em muitos casos com o recurso a formas

gráficas inovadoras, fonograficamente mais transparentes, que podiam substituir

ou co-existir com as formas tradicionais. Na oralização dos textos (descodificação

gráfico-semântica), o léxico obsoleto podia ser convertido oralmente pelo ‘lector’,

em léxico romance, num processo complexo de conversão grafo-lexémica,

semelhante a uma tradução, mas executada num quadro comunicativo monolingue

e mono-escritural 31 . Mesmo a sintaxe podia ser alterada na leitura em voz alta,

sem que houvesse a noção de tradução de uma língua para outra, mas de

transposição de um registo para outro registo mais coloquial, concepcionalmente

31 Alguns estudos de Robert Blake também apontam neste sentido: cf. Blake 1991a e 1991b e Blake 1995.

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mais próximo da oralidade, como o importante estudo de Birte Stengaard sobre as

glosas emilianenses veio decisivamente mostrar. 32

Esta ‘hipótese logográfica’ não é impossível, e não é improvável, como mostram

os estudos sobre o alfabetismo e sistemas de escrita de outras épocas e outras

culturas 33 . Embora do ponto de vista da eficácia não seja possível classificar um

tipo de escrita como melhor, o princípio logográfico parece de facto ser

intrinsecamente mais simples que o princípio fonográfico, pelo menos para as

fases iniciais de aquisição da escrita. Parece ser este o sentido da asserção de

Barton de que «a logographic system is probably the easiest to master at the very

early stages of learning to read, and a child recognizing whole words in English is

effectively treating English words as logographs.» 34

Gerhard Augst reconhece a existência de um ‘efeito de superioridade lexical’ que

pode explicar o carácter conservador, ou melhor, conservacionista, dos sistemas

32 Stengaard 1991.

33 Veja-se por exemplo os estudos de Fabian (sobre uma variedade zairense do swahili) e Horton (sobre o japonês e a escrita japonesa), incluídos em Boyarin 1993, que descrevem modos de processamento da escrita semelhantes ao aqui delineado para o latim notarial.

34 Barton 1994:100. Wright 1994, num trabalho sobre o princípio logográfico no latim medieval hispânico, refere-se também às fases iniciais da aprendizagem da ortografia inglesa: «One method used in teaching reading in British schools, for example, involves the use of what are known as flashcards; the teacher says, for example, ‘this word is [najt]’, holding up a card with the written word night, and with this technique the pupil is encouraged to learn the word’s written form as a whole. Pupils still need to be able to recognize the individual letters, of course, but there is no intermediate stage of mentally allotting particular sounds to each individual letter […]. For those who are learning only to read, in any language, such correspondences [sound-letter correspondences] are only secondary; reading has to be based on a logographic recognition of the words and morphemes when (as in Modern English) the fit between the traditionally correctorthography and the speech sound is so often awkward and indirect.» (Wright 1994:131-2, 133)

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de escrita em geral 35 . De facto, mesmo os sistemas de base alfabética, baseados

em princípios mais ou menos transparentes de fonografia, tendem com o tempo a

adquirir características logográficas. Na prática todos os sistemas de escrita

conhecidos utilizam em maior ou menor proporção o princípio logográfico e o

princípio fonográfico. Sampson nota em relação à ortografia latina que «the fact

that the Roman letters originally stood for segmental sounds would not in

principle be any bar to constructing a purely logographic script with them.» 36

Basta aliás considerar os casos contemporâneos das ortografias inglesa, francesa

ou irlandesa, e alguns aspectos da presente ortografia portuguesa. O caso do latim

medieval não reformado era semelhante, embora com complexidades adicionais, a

que acrescia a ausência de um ‘standard’ rigidamente codificado.

Mas talvez mais importante que os aspectos representacionais (estruturais) da

escrita, é o facto, referido acima, de o processamento lexical da língua escrita se

fazer de forma holística, de os leitores fluentes de uma ortografia reconhecerem a

forma global da palavra sem necessidade de análise interna, independentemente

do tipo de ortografia. Soletrar, ou seja, analisar internamente as formas gráficas, é

característico de quem não domina fluentemente a escrita. Soletrar não é ler, se se

admite uma definição genérica que associe leitura à descodificação de um

conteúdo semântico. Estes factos devem ser aplicados ao exame dos textos

notariais, e dos padrões ortográficos complexos que aí estão documentados.

35 «The most striking observation replicated again and again with language participants is the word superiority effect. […] The development of spelling and pronunciation during the course of time clearly shows the conservative character of writing systems, often conserving patterns despite a change in pronunciation. This has led to the complicated orthography of contemporary English, for example, and has resulted in a different morphology for written and spoken French (“visible morphemes”). […] The historical development of orthography is a clear proof of the word superiority effect, which I myself would rather call a morpheme superiority effect.» (Augst 1986:32-3)

36 Sampson 1985:203.

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O ‘princípio de conversão grafo-lexémica’, proposto e defendido por mim num

trabalho anterior 37, e designado nesta dissertação como a ‘hipótese

logográfica’ 38, tem a vantagem de explicar a possibilidade da compreensão dos

textos por parte de ouvintes iletrados, através da mediação de um ‘lector’

especialmente preparado, e ao mesmo tempo de explicar a co-existência das

formas latinas opacas na tradição notarial com formas alternativas mais

transparentes.

A possibilidade de conversão lexémica directa de certas representações

grafémicas de aspecto latino explica (1) como é que um texto graficamente

alatinado poderia ser lido (mediado) com léxico romance sem ser

verdadeiramente traduzido, (2) porque é que na redacção não era necessário

substituir (sempre) as formas gráficas tradicionais por formas mais transparentes,

(3) e por último esclarece o estatuto linguístico e ortográfico das correspondências

lexicais que tanto as glosas romances (explicitamente) como os textos notariais

(implicitamente) oferecem.

Este princípio também explica em parte a razão da longevidade através de tantos

séculos das formas tradicionais latinas, apesar das mudanças que iam

continuamente ocorrendo na língua falada e que contribuiam para o seu

afastamento gradual da estrutura arcaica da escrita. 39

37 Emiliano 1993.

38 No capítulo 3, e a propósito do exame de algumas variantes intra-textuais, proponho uma versão “fraca” da ‘hipótese logográfica’.

39 «both linguistics and psychology are asked to explain, in my opinion, why later generations so tenaciously conserve traditional spelling patterns and would rather reinterpret a sequence of letters for pronunciation than change the spelling. It is possible that writing in its material manifestation, transcending the limitations of time and space, impresses itself more deeply on the brain than the transiently, often consciously produced phonic structures. [...] If we analyse maps of the functional areas of the brain, we find that large areas of the

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No estudo supra-citado sobre escrita logográfica Wright também adoptou uma

posição semelhante, parecendo restrigir no entanto a sua perspectiva logográfica a

sequências de letras dentro da palavra, ou a palavras com forma gráfica latina mas

correspodendo directamente a formas romances, do tipo IPSA → [ésa], SUPER →

[sóßre], PETRUS → [péDro]. Na sua formulação Wright admite que muitas

formas ortográficas poderiam ter sido aprendidas pelos escribas sem análise

interna, ou seja, como sequências de letras não analisáveis foneticamente 40 . Para

o restante vocabulário a posição de Wright neste artigo não é clara: por uma lado,

parece manter a sua análise fonética proposta no livro de 1982, nas “famosas”

transcrições fonéticas, por outro lado, parece inclinar-se para uma interpretação

logográfica das palavras frequentemente usadas em expressões formulaicas 41 ,

que como se sabe incluiam muito léxico obsoleto.

Funcionalidade contemporânea dos textos notariais: aceitabilidade e

interpretabilidade

A validação dos actos jurídicos só se efectuava com a sua leitura em voz alta no

contexto de uma determinada configuração, isto é, com a presença de testemunhas

e confirmantes, para além do autor nominal do acto e do ‘lector’ que efectuava a

leitura pública do texto. Quer isto dizer que a simples redacção dos textos não lhes

dava validade jurídica; numa fase posterior serviriam de registo da transmissão de

um determinado bem, e por isso eram cuidadosamente guardados e conservados

através de gerações, quer nos originais quer em cópias, mas do ponto de vista da

neocortex are devoted to the precessing of visual information, in fact these regions are far greater than those processing acoustic information.» (Augst 1986:33-4).

40 Wright 1994:132.

41 id., p.134.

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sua funcionalidade mais imediata, ou pelo menos inicial, os textos notariais eram

escritos para transmitirem um determinado conteúdo comunicativo inscrito num

determinado contexto comunicacional.

Este aspecto é fundamental para se entenderem correctamente tanto os modos

específicos de produção textual subjacentes à redacção dum texto médio-latino,

como os modos de recepção (situação talvez mais decisiva na manutenção e

preservação da tradição discursiva, pelo simples — mas não único — facto de

afectar um número maior de indivíduos).

A aceitabilidade contemporânea de um texto depende da conjugação de factores

intra-textuais, inter-textuais e extra-textuais:

For text and discourse linguistics, classic questions involving meaningfulness are

those bearing with textuality or textual well-formedness. It seems obvious to

require meaning of a text: a text must mean in order to function, and its form

must enable a receptor to derive meaning from it. In this sense my ostensibly

structural approach in fact contains a functional criterion: to have meaning, a text

must work in a certain authentic situation. And such a functional criterion can be

reformulated in processual terms: to have meaning and to succeed, a text must

trigger off a process of interpretation which satisfies certain criteria of

success.» 42

Este critério funcional explicitado por Enkvist tem como consequência importante

a deslocação do ‘locus’ da interpretabilidade da configuração estrutural

(linguística) do texto para o processo interpretativo do texto; o mesmo é dizer que

42 Enkvist 1989:371.

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a interpretabilidade do texto se deve procurar nos juízos e expectativas de que um

receptor concreto depende para atribuir sentido ao texto.

Como refere, a propósito, Monção «caso se privilegie, na noção de Texto, a sua

dimensão comunicativa, então o seu sentido textual dependerá de como o texto

funciona numa situação autêntica de comunicação (mesmo que possa ser

“desviante” linguisticamente).» 43

A abordagem dos textos notariais a partir de uma perspectiva comunicativa

parece-me fundamental e, sobretudo urgente, para afastar de vez os juízos

anacrónicos de correcção e validade textual que frequentemente filólogos

(romanistas e latinistas) e historiadores emitem. É necessário afastar da discussão

qualquer perspectiva — linguística, estilística ou cultural — de tipo disfuncional

ou deficitário sobre a textualidade notarial medio-latina.

Quer isto dizer que a simples descrição de aspectos ou características linguísticas

— “normais” ou “desviantes” — não é suficiente para compreender a

funcionalidade dos textos medievais no seio das comunidades concretas em que e

para as quais foram produzidos. Uma vez que nos capítulos 3 e 4 faço referência a

alguns dados de tipo intra-textual gostaria nesta secção de abordar alguns aspectos

gerais de carácter inter- e extra-textual.

Os textos notariais inseriam-se não apenas numa determinada tradição discursiva

de contornos bem definidos, mas constituiam um ‘tipo de texto’ reconhecido e

recebido sincronicamente pela comunidade dos seus utilizadores (activos e

passivos): ora, a estrutura e tipologia dos modos ortográficos e linguísticos

43 Monção 1991:105.

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empregues na redacção desses textos estava estreitamente relacionada com as

intenções comunicativas específicas e funcionalidade própria dos textos.

O ‘tipo de texto’, na medida em que fornece um contexto inter-textual no seio do

qual um texto concreto é localizado e reconhecido, é um factor importante de

interpretabilidade e aceitabilidade contemporâneas dos textos pelos utentes:

Enkvist argumenta, no estudo supra-citado, que o sentido textual e a

interpretabilidade podem depender da forma como o texto preenche os parâmetros

pertinentes para ser representativo (aos olhos do receptor) de um determinado tipo

de texto. 44

O latinista Harm Pinkster nota, a propósito de textos latinos literários, que «la

frequenza di determinati fenomeni grammaticali è correlata al tipo di testo in cui

tali fenomeni occorrono.» 45 Também os dados apresentados no capítulo 4 desta

dissertação mostram diferentes frequências para certos aspectos gramaticais em

função dos vários sub-tipos dentro da categoria geral de ‘acto notarial’.

44 Enkvist 1989:378. Uma hipótese sedutora para a descontinuidade da utilização de uma ortografia portuguesa no reinado de D. Afonso II, do qual provêm, recorde-se, os dois textos portugueses mais antigos, pode ser exactamente a inadequação do testamento português de 1214 aos parâmetros tipológicos vigentes, o que teria “obrigado” o monarca a redigir os dois testamentos subsequentes (de 1218 e 1221) no latim notarial habitual. A mesma hipótese se poderia formular acerca da Notícia de Torto (ca. 1214) que apresenta indícios claros de não ser um documento definitivo, mas antes um rascunho, como mostram a ausência de protocolo e escatocolo (por isso não está datado), o facto de estar redigido sobre um suporte material deficiente (uma sobra de pergaminho defeituosa), ou ainda uma disposição irregular e pouco perfeita da mancha do texto sobre o suporte. O facto de não se tratar de um documento jurídico definitivo permitiu o uso de grafias não habituais neste tipo de textos (confronte-se com a ‘Mentio de malefactoria’ de ca.1210, do mesmo autor e provavelmente do mesmo notário — cf. Costa 1979 — em latim notarial). O texto definitivo deveria obrigar, por razões tipológicas ligadas à sua aceitabilidade, ao uso de grafias e formas alatinadas.

45 Pinkster 1992:646.

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Interpretabilidade e coerência são dois aspectos do processo interpretativo, cujo

fundamento parece hoje, no âmbito dos estudos de teoria do texto, decisivamente

deslocado da “realidade objectiva” dos textos para o processamento subjectivo e

aceitação inter-subjectiva dos textos pelos leitores/receptores. 46

Ou seja, a coerência, que em modelos anteriores dependia estritamente de

aspectos da organização textual e da presença de certos items e estruturas

linguísticas no interior do texto, tende hoje a ser encarada já não como uma

categoria imanente ou propriedade intrínseca dos textos, como um estado, mas

sim como um processo, uma actividade, cujo ónus cai não tanto sobre o produtor

do texto mas sobre o receptor, que é necessariamente um sujeito cultural, historica

e localmente circunscrito. De facto as noções de ‘coerência como processo

cognitivo’ 47, de ‘construção da coerência’ por parte do intérprete 48 , ou de

‘coerência como um fenómeno pragmático’ 49 , são bases da actual discussão

sobre estrutura textual, que abrem perspectivas interessantes ao estudo dos textos

medievais.

Como refere Monção, a coerência (que a autora descreve como ‘resultado de

operações cognitivas’) deve ser entendida como «uma propriedade das

elaborações interpretativas, ou seja, designa um resultado interpretativo completo

e bem sucedido. […] Tomado nesta acepção de resultado interpretativo “completo

46 Vejam-se a este respeito os vários estudos coligidos em Sözer (Ed.) 1985, Petöfi (Ed.) 1988, Heydrich et al. (Eds.)1989, Allen (Ed.) 1989,

47 Cf. Lunquist 1985.

48 Cf. De Velde 1985.

49 Cf. Viehweger 1989a e 1989b.

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e bem sucedido”, o conceito de coerência aproxima-se (ou coincide) de um outro,

o conceito de interpretabilidade.» 50

Esta aproximação da ‘coerência’ à ‘interpretabilidade’, constitui um avanço

teórico importante, na medida em que institui o receptor do texto como uma

instância fundamental na atribuição das propriedades que definem um texto como

objecto comunicativo. É este facto que subjaz à asserção de Enkvist de que

«interpretability is not an absolute, unchangeable and permanent quality of a text

but is affected by the relation of the text to a specific reader or category of

readers.» 51

Este tipo de discussão obriga de facto a um olhar antropológico, na medida em

que exige a indagação das condições, modos, circunstâncias e práticas em que se

inscreve o processo interpretativo nas várias culturas e nas várias épocas.

Infelizmente os textos medievais, nomedamente os textos latino-notariais, não têm

sido objecto (sobretudo entre nós) de estudos oriundos da teoria do texto. E no

entanto só uma ‘teoria do texto medieval’ poderá ambicionar a um carácter

explicativo dos modos linguísticos associados à textualidade medieval. É nesse

sentido que transcrevo a síntese apresentada por Ana Monção dos factores de

interpretabilidade de um texto, por me parecer esta síntese particularmente

adequada ao estudo da documentação notarial “em contexto”:

Tanto a coerência como a interpretabilidade constituem juízos afectados por

vários factores. Numa tentativa de síntese poderei afirmar que um texto será

considerado interpretável com base 1) no juízo do intérprete sobre a coesão e a

coerência (local e global) do texto (factores intratextuais que incluem

50 Monção 1991:96-7.

51 Enkvist 1989:294.

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manipulação, no texto, de estruturas morfológicas, sintácticas, semânticas e

temáticas, 2) na observação do modo como esse texto preenche os padrões

macro-estruturais esperados para ser representativo de um determinado tipo de

texto, 3) na possibilidade do receptor em construir um universo referencial

(mundo textual) e de o inserir num Mundo possível, 4) no julgamento quanto à

sua adequação ou relevância situacional, 5) no modo como é reconhecido o texto

dentro da instituição (sociedade) em que circula e é produzido (factores

extratextuais ou pragmáticos). 52

O estudo dos textos notariais não pode portanto ser feito à margem do

conhecimento dos factores extra-textuais, i.e., das instituições, e sobretudo das

convenções textuais e escriturais da época, e o seu exame não se pode limitar

portanto à simples descrição de formas e grafias: o estudo global da língua

notarial deve enquadrar-se no estudo da textualidade medieval.

Os elementos de discussão aqui esboçados em torno da natureza, ou melhor do

lugar do processo interpretativo, estão em sintonia com a perspectiva geral dos

chamados modelos não autónomos de ‘literacia’, que se desenvolveram sobretudo

no quadro da antropologia, e um pouco à margem dos estudos linguísticos, e que

se podem sumariar nas considerações de Scribner e Cole que, propondo um

modelo performativo, enquadram a actividade lecto-escritural num conjunto de

‘práticas locais’:

Instead of focusing exclusively on the technology of a writing system and its

reputed consequences […] we approach literacy as a set of socially organized

practices which make use of a symbol system and a techonology fo producing

and disseminating it. Literacy is not simply knowing how to read and write a

52 Monção 1991:99.

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particular script but applying this knowledge for specific purposes in specific

contexts of use. The nature of these practices, including, of course, their

technological aspects, will determine the kinds of skills (‘consequences’)

associated with literacy. 53

Latinidade notarial e tradição discursiva

Não surpreende que certas grafias da língua latino-notarial reflictam a pressão da

oralidade no processo de escrita, não somente nas partes livres dos documentos,

mas também no trechos mais formulísticos. A constatação da possibilidade de

variação mesmo em zonas mais tipicamente dependentes de modelos textuais

pré-existentes como eram as fórmulas ou expressões formulaicas próprias da

língua jurídica, é extremamente importante: tendo em conta que a variação pode

ser um índice de ‘vernacularização em curso’ da escrita tradicional, este facto

revela que muitas fórmulas, longe de serem apenas sequências cristalizadas e

repetidas mecanicamente na redacção dos documentos dependiam em certa

medida das exigências comunicativas subjacentes ao texto notarial no seu todo, e

que certos elementos formulísticos eram susceptíveis de análise e interpretação

sincrónicas, por parte quer de redactores, quer de leitores e de ouvintes (letrados

ou não).

Os textos notariais destinavam-se a ser lidos publicamente em voz alta: a leitura

em voz alta outorgava ao documento a sua validade pública enquanto acto

jurídico. Mais ainda, a compreensão por todas as partes não só era esperada 54

53 Scribner & Cole 1981:236.

54 «Despite the fact that all documents were composed in Latin in the earlier period, we find constant references to them being read aloud to the witnesses and parties. [...] Obviously, if

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como necessária para a implementação do dispositivo, pelo que a escrita devia

garantir uma transmissão clara e perceptível por todos do conteúdo do documento.

Aliás os textos apresentam repetidas vezes expressões que indicam a necessidade

da leitura em voz alta perante testemunhas para a validação dos actos. Indico os

seguintes exemplos extraídos de documentos do Liber Fidei de 1050 a 1110:

all parties were to understand what was read out to them, the documents must have been recited in some form of romance, even though they were written in Latin.» Dutton 1980:16.

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¶10. ego comitissa domna gontrode hanc cartam donationis quam fieri elegi et legendo cognoui

manu mea confirmo (Nº106/1072)

¶12. et qui uiderunt et audierunt et presentes fuerunt [seguem-se nomes de testemunhas]

(Nº110C/1072)

¶11. et qui hoc uiderunt et audierunt [seguem-se nomes de testemunhas] (Nº157/1086)

¶08. pro testes quos uiderunt et audierunt [seguem-se nomes de testemunhas] (Nº165/1087, não

incl. no Corpus)

¶09. qui uiderunt et audierunt id sunt [seguem-se nomes de testemunhas] (Nº166B/1087)

¶10. qui uiderunt et audierunt [seguem-se nomes de testemunhas] (Nº203/1100)

¶04. damus uobis illas hereditates excausatas et deliberatas de totas actios et de totas alimas et

per p(er)soltas de totas! nostros heredes et in facies eorum et sunt inde auditores et

confirmatores (Nº230B/1102)

¶08. qui audit [seguem-se nomes de testemunhas] (Nº264/1106)

¶10. et qui uiderunt et audierunt et presentes fuerunt hi sunt pro testes [seguem-se nomes de

testemunhas] (Nº265C/1106)

¶15. uidentibus et audientibus [seguem-se nomes de testemunhas] (Nº269/1107, não incl. no

Corpus)

¶11. uidentibus et audientibus [sem testemunhas] (Nº282/1109, não incl. no Corpus)

quadro 1

A leitura fazia-se numa variedade linguística entendida e aceite por todos os

participantes (letrados e iletrados) como um registo formal, talvez algo peculiar,

da língua falada, como demonstrou ‘a bastanza’ o livro de Wright. 55

Não é hoje um facto controverso entre os estudiosos (qualquer que seja a sua

persuação teórica, ou qualquer que seja o seu posicionamento no ‘debate

latim-romance’, avivado e renovado decisivamente pelo livro de Wright) que a

língua escrita (chame-se-lhe ‘latim’ ou outra coisa qualquer) utilizada, passiva ou

activamente, nas comunidades alto-medievais de língua romance era lida e

55 Wright 1982:171.

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pronunciada de acordo com a fonologia e fonética do ‘sermo cotidianus’ local.

Este facto é aliás tão pacífico que a interferência da oralidade na escrita é

frequentemente considerada como causa da corrupção do latim medieval, e o

desaparecimento de fenómenos de vulgarismo é associado a uma restauração e

melhoria da latinidade na sequência das reformas eclesiásticas e educacionais da

segunda metade do séc. XI. O trabalho de Roger Wright contribuiu decisivamente

para mostrar que o ‘latim medieval’, entenda-se a língua escrita medieval das

comunidades romano-falantes, não era considerado como mais que um registo

especial no continuum sociolinguístico, sendo encarada como uma variedade da

língua funcional. O já referido livro de Banniard com uma exaustiva análise de

fontes sobre a situação linguística na România Ocidental vai no mesmo sentido,

ao verificar e traçar a gradual ruptura entre os registos da língua escrita e os

registos coloquiais, ruptura que Banniard situa sobretudo a nível da morfo-sintaxe

e do léxico.

Nas culturas tradicionais, com alfabetismo e textualidade restritos, a leitura é um

acto público e comunitário, um evento comunicativo e um facto de fala ritualizado

que tem pouco a ver com o modelo do leitor solitário e silencioso que emerge e se

generaliza na época moderna no Ocidente.

Assim também o acto de ler um texto notarial, acto público e comunal, constitui

um evento comunicativo que implica uma certa configuração, ou conjunto de

relações, entre participantes, texto e canais 56 , no seio daquilo que Stock refere

como uma ‘comunidade textual’ 57 e Swales 58 e Barton 59 designam (talvez

56 Boyarin 1993:32.

57 Cf. Stock 1983 e 1990, onde se discute extensamente, e a partir de casos concretos, as implicações do conceito para a Idade Média.

58 Swales 1990, passim.

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mais adequadamente, pelo menos para o tipo de problemática aqui em discussão)

como ‘comunidade discursiva’. David Barton, num dos poucos estudos de síntese

sobre ‘literacia’ elaborados por um linguista e para um público de linguistas,

define ‘comunidade discursiva’ da seguinte maneira:

A discourse community is a group of people who have texts and practices in

common […]. More generally, discourse communities are defined by having a

set of common interests, values and purposes. Centrally, members have agreed

common knowledge — what you can take for granted. Members of a discourse

community by definition have a common discourse, in the narrow sense of

common ways of using language, and in the broader sense of common ways of

acting in relation to language. […] The term is important in that it makes it clear

that much written language is for relatively small groups of people. The phrase is

also useful to us in that it emphasizes the ways language, including written

language, can bind groups together. 60

A comunidade discursiva não só pressupõe, mas também se pode dizer que cria

(actualizando em cada evento comunicativo os parâmetros vigentes de

aceitabilidade textual), um acordo geral sobre a forma e o significado de um texto.

Esse acordo inter-subjectivamente estabelecido e partilhado pelos participantes

dos actos de comunicação escrita pressupõe uma ordem cultural legitimada por

convenções herdadas do passado: os membros de uma qualquer ordem social e

cultural pressupõem uma memória partilhada, bem como um conjunto de regras

inter-subjectivamente aceites que determinam tacitamente o funcionamento do

mundo social e cultural em que os indivíduos se integram.

59 Barton 1994:57.

60 ibid.

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O valor e legitimidade escritural dos textos notariais deve por isso procurar-se no

quadro das expectativas sobre escrituralidade e oralidade (e suas relações mútuas)

vigentes na comunidade onde os textos foram escritos, e não em modelos e juízos

culturais posteriores e ‘cronocêntricos’: quero com isto afirmar claramente que os

modelos de latinidade descritos hoje como ‘língua latina’, seja a latinidade da

Antiguidade clássica ou tardia, seja a latinidade renascentista, ou mesmo a

latinidade escolástica medieval, não podem ser super-impostos à realidade

específica da latinidade medieval não reformada, sob pena de total distorção da

funcionalidade contemporânea dessa latinidade, bem como dos princípios em que

assentava e a partir dos quais os textos notariais eram produzidos e recebidos.

Por outro lado, é fundamental integrar nos estudos filológicos e linguísticos

medievalistas, algo que é hoje um dado adquirido em antropologia e nos estudos

sobre ‘literacia’ em geral, que é não haver um conceito de ‘literacia’ único, e não

haver também um conceito de ‘literacia’ autónomo 61 : a leitura, e naturalmente

também a escrita, não existe isoladamente das estruturas sociais, culturais e

ideológicas da comunidade. A lecto-escrita, deve ser integrada num conjunto de

saberes e práticas, e de comportamentos sociais, cuja legitimidade advém do

reconhecimento comunitário através dos padrões vigentes em cada momento —

tacita ou manifestamente — da história da comunidade.

É este basicamente o sentido do ‘modelo comunicativo’ proposto por Stubbs

1980:

[…] we need to recognise that any writing system is deeply imbedded in

attitudinal, cultural, economic and technological contraints […]. Reading and

61 Sobre esta noção fundamental vejam-se em especial Stubbs 1980, Scribner & Cole 1981, Street 1984, Levine 1985 e Cook-Gumperz 1986.

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writing are therefore also sociolinguistic activities. People speak, listen, read and

write in different social situations for different purposes […]. If a coherent theory

of literacy is to be developed, it will have to account for the place of written

language, both in relation to the forms of spoken language and also in relation to

the communicative functions served by different types of language in different

social settings. 62

Barton, que propõe uma visão ecológica (no sentido de dependência interactiva

com o meio envolvente) da ‘literacia’, insiste na noção de contexto, hoje crucial

para os estudos antropológicos, e cada vez mais importante para várias áreas da

linguística, da teoria do texto à análise do discurso, ou da sociolinguística à

pragmática:

It is central to the notion of an ecological view of literacy that it is always

contextualized; human activity always takes place within a context. With a text,

the shared knowledge, which all human understanding depends upon, is part of

the context. This is knowledge concerned with the content of the text; it is also

knowledge of the genre, the conventions of the discourse. 63

De facto, tanto o filólogo medievalista como o linguista medievalista devem em

primeiro lugar tentar capturar e entender as ‘convenções discursivas’ em vigor na

sociedade medieval, que dependiam das crenças, valores e expectativas dos

membros das comunidades: só depois poderão interrogar e interpretar

convenientemente os textos produzidos em determinado contexto cultural e

histórico, e daí extrair dados e conclusões sobre a funcionalidade contemporânea

dos textos, e sobre a língua escrita que neles se manifesta.

62 Stubbs 1980:15-6.

63 Barton 1994:91-2.

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É neste sentido que vai basicamente o ‘modelo ideológico’ de Brian Street, e a

formulação que abaixo cito é particularmente adequada ao exame das práticas

escribais medievais:

The various functions that different language modes serve are closely integrated

with the institutions, structure and conventions of the society in question. The

sociolinguist and the anthropologist, then, in studying the various functions of

spoken and written language, begin from the social data of conventions in which

they are acted out and through which members of that culture are socialised into

their use. 64

Tradicionalidade na escrita notarial e inovação ortográfica

Se as tendências de vulgaridade na língua notarial são o resultado de factores

internos do desenvolvimento da tradição latina em domínios culturais e

comunicativos determinados, a constituição das ortografias ibero-românicas, ao

contrário, não foi um processo natural ou inevitável (no sentido de previsível), ou

um acontecimento isolado na história. Como escreve Sabatini:

l’origine della tradizione scritta dei nostri volgari non possa ridursi a un evento

puntuale e ontogenetico. L’aspetto filogenetico (si vogliamo conservare la

metafora) si ripropone continuamente. 65

Tão pouco foi uma verdadeira invenção, pois os princípios fonográficos da nova

tradição já existiam, quer em muitas formas latinas tradicionais, quer nas formas

64 Street 1984:88.

65 Sabatini 1968:350.

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romanceadas da língua notarial. Não se trata apenas do facto que «normalement,

l’interprétation d’un système graphique repose sur des effects de projection à

partir de l’usage traditionel connu», como nota Ineichen 66 a propósito dos

primeiros testemunhos do romance, mas da possibilidade de a inovação não ser

necessariamente “visível”, não assumir imediatamente aspectos morfológicos

(novas formas, novos padrões), mas poder revestir-se de aspectos estruturais

profundos (novas regras, novos princípios representacionais).

É esta possibilidade de mudança da tradição “por dentro”, de reinterpretação (por

vezes abductiva) do que era pré-existente, com concomitante atribuição de uma

nova funcionalidade, lado a lado com a inovação estrutural, que Bastardas Parera

nota algo paradoxalmente (tendo em conta a sua formação e postura tradicionais),

mas com particular acutilância, nos documentos notariais hispânicos:

En general, según ya hemos indicado, en los documentos de redacción latina no

aparecen las nuevas estructuras propias del romance; en cambio, quedan bien

documentadas las funciones nuevas de las antiguas estructuras; así, en los

documentos occidentales es frecuente el uso de ‘sedeat’ y ‘sedere’ en lugar de

‘sit’ y ‘esse’. No obstante, se hallan tambiém algunas innovaciones estructurales.

67

Na realidade todos os começos ou inovações contêm um elemento de memória. Se

não intervierem reformas, a memória — entendida aqui social e colectivamente —

tem um efeito cumulativo e só depois selectivo.

66 Ineichen 1993:84.

67 Bastardas Parera 1960:288.

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O passado, processado e interpretado pela memória social não é simplesmente

suspenso ou obliterado quando um novo estado de coisas emerge. Não é isso que

ocorre quando um grupo social faz um esforço deliberado e consciente para

modificar a sua tradição e começar algo novo, como ocorreu no processo de

criação de ortografias romances autonómas, com o surgimento da romanidade

como categoria conceptual distinta da latinidade reformada, facto que no contexto

histórico em que ocorreu constituiu uma verdadeira invenção 68 (ainda que com

laços claros e inevitáveis com a realidade precedente).

O absolutamente novo é impossível porque inconcebível. Demasiadas

adstringências e hábitos velhos, modos de conceptualização entranhados e

mecanizados inibem a renovação e a remoção completa de um estado de coisas

antigo e estabelecido, e impedem uma nova conceptualização do passado como

coisa distinta e estranha ao novo presente que se tenta criar.

Mais importante é o facto de que em todos os modos de experiência e percepção

os indivíduos baseiam a suas experiências particulares num contexto pré-existente

que assegura que essas experiências sejam inteligíveis: antes de qualquer

experiência a mente está já predisposta por um quadro de referências e formas

típicas (ou tipificadas) de objectos percebidos anteriormente.

Perceber um objecto, um texto por exemplo, ou agir em relação ou função dele, é

localizá-lo dentro desse sistema de referências e expectativas. O mundo do

68 Cf. Wright 1991. Em particular: «it still seems more likely that the conceptual distinction between Latin and the contemporary Romance languages of the Early Middle Ages can only have been the result of an innovation made on purpose in a particular historical context, that of the Carolingian renewal of Christian intellectual life, rather than the inevitable result of a gradual evolution.» p.104

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percipiente, definido como experiência temporal, é um corpo organizado de

expectativas baseado na memória. 69

Disto resulta que um texto só pode ser recebido num quadro de confluência entre

as tradições discursivas vigentes e as exigências reais e concretas de comunicação

70 existentes na comunidade na qual e para a qual o texto foi produzido.

Os escribas notariais não podiam sair desse quadro. Fugir às condições existentes

e reconhecidas por todos seria pôr em causa a própria comunicação textual, ao

expôr-se à não aceitação dos textos produzidos.

Parece ser isto o que aconteceu com o mais antigo texto português datado, o

testamento de 1214 do rei D. Afonso II de Portugal. Além de ter tentado

introduzir uma nova ortografia, este rei empreendedor tentou o estabelecimento

nacional de um notariado oficial. Nenhuma destas medidas teve sucesso

duradouro 71 . Apesar do carácter normalizado das grafias das duas versões

existentes do testamento, os outros dois testamentos que o rei escreveu, em 1218 e

1221, estão no latim notarial corrente da cúria régia. Foi necessário esperar mais

quase cinquenta anos para a adopção definitiva de uma ortografia portuguesa no

reinado do seu filho D. Afonso III, e alguns anos mais ainda para o surgimento do

notariado profissional no reinado do seu neto D. Dinis.

69 Connerton 1989:6.

70 Cf. Sabatini 1978:449.

71 Cf. Mattoso (Ed.) 1993 vol.II, pp.112-2.

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Mudança cumulativa e tendência homeostática da escrita notarial

A língua escrita das comunidades romano-falantes medievais desenvolveu-se a

partir da tradição latina sem descontinuidade. Não houve uma ruptura com o

passado linguístico, seja no escrito ou no oral.

O afastamento súbito de uma norma, escrita ou oral, linguística ou jurídica, só

pode ocorrer como efeito de uma reforma ou catástrofe, em todo o caso eventos

exteriores ao ‘natural’ desenvolvimento das estruturas sociais e culturais.

As formas romanceadas que ocorrem nos documentos alatinados, baseadas em

princípios mais transparentes de fonografia, ou os padrões morfo-sintácticos e

sintácticos mais próximos da língua romance subjacente, não se podem explicar

como o resultado de reformas ortográficas explícitas. Resultam ao contrário de

um esforço mais ou menos inconsciente de adaptar homeostaticamente a tradição

herdada às necessidades comunicativas e expressivas do presente.

Não houve uma mudança radical ou selectiva mas sim cumulativa, pois que foram

criadas e integradas formas novas sem rejeição das formas tradicionais. O

elemento tradicional permaneceu funcional lado a lado com as inovações, num

mesmo quadro de comunicação escrita.

Pode compreender-se melhor a maneira através da qual a tradição latina escrita foi

gradualmente alterada pelos escribas notariais para servir melhor os seus

propósitos, se se aplica a este processo de mudança e reestruturação gráfica o

conceito de tendência homeostática 72, utilizado por Goody & Watt 1963 no

72 A homeóstase, é importante recordá-lo, é um conceito biológico, referente ao estado de equilíbrio que se mantém, no interior de um organismo ou grupo de organismos, entre factores inter-dependentes que mudam sem cessar. É concretamente a conservação fisiológica de condições relativamente constantes (por exemplo, a temperatura interna) dentro do corpo de um organismo frente a condições externas em mutação.

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exame das mudanças culturais em sociedades tradicionais iletradas e pré-letradas,

e que se refere ao abandono ou modificação de aspectos do passado que deixaram

de ser funcionais para o presente.

Este tipo de equilíbrio dinâmico do latim medieval em geral, notado já por

Christine Mohrmann, que empregou a expressão ‘normativisme évolutif’ 73 , tem

como expressão mais notável na língua notarial hispânica (tal como na língua

notarial merovíngia) os fenómenos de vulgarização e variação gráfica.

Uma das consequências mais importantes da tendência homeostática da língua

notarial é que o escrevente individual tem pouca percepção do passado linguístico

excepto em função do presente. Os elementos grafémicos da herança escribal que

deixam de ter relevância contemporânea tendem a ser esquecidos, transformados,

ou reinterpretados, a menos que haja um esforço consciente e deliberado para

preservar ou ressuscitar elementos obsoletos, por razões históricas e culturais

específicas, como é o caso de reformas educacionais ou litúrgicas.

O conteúdo da tradição escribal cresce continuada e cumulativamente, tornando-

se um verdadeiro palimpsesto composto de camadas de elementos e convenções

gráficas que pertencem a fases distintas da história da ‘scripta’, convivendo numa

mesma sincronia textual de aparência homogénea. O limite para a acumulação

palimpséstica de elementos é determinado pelas necessidades contemporâneas de

comunicação e pelo vigor de certas estruturas ideológicas e culturais.

Esses estratos escriturais diacrónicos da língua notarial, observados por Menéndez

Pidal no estudo de documentação dos sécs. X e XI no seu Orígenes (e aí

73 Mohrmann 1958:189 et passim.

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interpretados como testemunho de variedades linguísticas distintas em conflito 74

), e por Michel Banniard no seu Viva Voce ( utilizando a expressão «couches

successives» 75 ), são estruturas funcionais na sua inter-relação sincrónica, ainda

que a raíz da sua “validade” representacional se deva buscar na sua relação

histórica com diversas etapas de mudança do sistema linguístico 76 . É esta

complexidade ortográfica que Banniard avisadamente nota, advertindo para a

necessidade de análise «sous le double aspect du rapport entretenu, à travers le

temps, par la structure considérée en elle-même d’une part avec ses différentes

formes successives d’évolution individuelle, et par la structure considérée avec

l’ensemble du système linguistique d’autre part.» 77

74 Ao comentar a disparidade de formas gráficas contendo /e/ leonês proveniente de /ai8/ tardo-latino, o grande filólogo espanhol confunde explicitamente variação linguística com variação ortográfica, e comunicação escrita com comunicação oral, porque estabelece equivalência entre os estratos ortográficos que os textos efectivamente documentam e estratos linguísticos sincrónicos: «Sea lo que quiera, el hecho es que un estrato de formas latinas y tres de formas romances se sobreponían en la lengua escrita en León durante el siglo X. Un individuo en un mismo documento podía mezclar voces pertenecientes a cualquiera de estas cuatro capas cronológicamente diversas.» (Menéndez Pidal 1950/19809:518) Esta equivalência absoluta de factos grafémicos com factos linguísticos, fonémicos e outros, não é aceitável, sendo necessário procurar alhures as causas da variação grafémica, nomeadamente na história, evolução e estrutura do próprio sistema de escrita.

75 «les monuments écrits offrent l’aspect d’un massif homogène dans lequel il nous appartient de discerner des couches successives au moyen de repères philologiques précis.» (Banniard 1992:522)

76 Lindley Cintra, em desacordo com Pidal, considera ser improvável que a língua dos diplomas leoneses do séc. X não seja outra coisa que uma língua escrita e portanto “artificial” (Cintra 1978:464), no sentido em que não representa isomorficamente a língua falada. Na opinião de Cintra, e no que constitui uma formulação particularmente interessante e aguda, “cette scripta ne fait que refléter et au dedans de certaines limites le roman de l’époque wisigothique continué par le roman mozarabe.” (ibid.) Cintra considera que os diplomas leoneses estudados por Pidal revelam “l’existence d’une tradition graphique consolidée, sûrement trés ancienne (elle doit, pour ses traits fondamentaux, remonter à l’époque wisigothique), à l’intérieur de laquelle se mêlent des formes latines classiques, ou propres au latin tardif, des formes que l’on peut supposer romanes, mais d’une époque trés antérieure á celle des chartes” (ibid.).

77 Banniard 1992:522-3.

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Modelos representacionais vs. modelos operacionais

O latim da documentação notarial e foral é manifestamente distinto do latim

polido, descrito e prescrito pelos gramáticos e puristas. Se é verdade que o

número dos que sabiam ler e escrever diminuiu desde a Antiguidade até à Alta

Idade Média, também é verdade que a gramática, as ‘litterae’, não cessaram nunca

de ser estudadas. Se os modelos de correcção escrita pouco mudaram desde a

época clássica, pode-se perguntar legitimamente porque escreviam os notários

medievais (e porque os deixavam escrever) um latim tão “corrupto”.

A resposta tradicional tem sido sempre no sentido de uma ignorância geral dos

medievais com a consequente corrupção ou barbarização do latim. Esta

perspectiva tradicional de uma latinidade barbarizada e decadente não consegue

no entanto responder adequadamente às questões complexas que este tipo de

textos levanta:

• como conseguiu a tradição notarial, deficiente e corrompida, manter-

se através de tantos séculos apresentando sistematicamente os mesmos

tipos de “erros” ?

• porque não existiu nenhuma forma de censura scripto-linguística

contra o “latim bárbaro” dos notários, sobretudo em actos muito

formais celebrados com a presença de altos dignitários e

personalidades, e sobretudo também quando o ‘latino-romance’ dos

documentos podia ser confrontado com os omnipresentes modelos de

língua das Escrituras, da liturgia, dos sermões, da hagiografia, etc.?

• porque os desvios dos escribas em relação à norma latina não são

aleatórios na sua forma e se integram em padrões bem definidos de

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variância, revelando princípios de escrita distintos, mas coincidentes

(e.g. opacidade vs. transparência fonográfica, morfo-sintaxe latina vs.

morfo-sintaxe romance) ?

A disparidade entre os modelos de correcção herdados da Antiguidade e as

práticas dos escribas notariais hispânicos até ao séc. XIII, não só não deve causar

confusão ou perplexidade, como não pode levar a concluir pelo desconhecimento

e não assimilação de esses modelos.

Este tipo de disparidade entre modelos e práticas corresponde grosso modo à

distinção que se faz em antropologia social entre ‘modelos representacionais’ e

‘modelos operacionais’ de uma cultura. Ou seja, aquilo que uma cultura diz ou

pensa fazer e aquilo que faz na realidade podem ser objectivamente, ou do ponto

de vista do observador externo, coisas distintas.

O que uma cultura diz ou pensa fazer deriva de um modelo representacional do

seu mundo, algo que se pode mais ou menos articular, e que está enquadrado por

uma determinada visão do passado. Ao contrário, aquilo que com efeito se faz

baseia-se em modelos que guiam o comportamento em situações determinadas,

mas tendem a fugir à consciência. 78

O facto de que as práticas escribais dos notários medievais se afastavam dos

modelos de correcção que eram conhecidos e estudados, não deve causar surpresa,

pois esses modelos de correcção inscreviam-se sincronicamente num nível

representacional da sua cultura, tinham uma dimensão ideológica, enquanto a

prática concreta derivava do nível operacional, o qual, dadas as exigências de

78 Holland & Quinn 1987:5-6.

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realismo comunicativo dos actos jurídicos, não correspondia isomorficamente às

normas herdadas.

A mudança para um latim mais correcto que Menéndez Pidal detectou em

documentos da época subsequente à reforma cluniacense 79 , e que se pode

claramente assinalar também nas outras áreas ibero-românicas, constitui o início

de uma mudança meta-linguística, uma alteração incipiente dos modelos

operacionais, não tanto no sentido da “restauração da latinidade” 80 , mas no

sentido de um isomorfismo maior entre modelos de correcção e práticas escribais,

sobretudo na área da ortografia.

As diferenças entre a língua escrita antiga e as práticas contemporâneas

simplesmente não eram percebidas, ou não eram consideradas como importantes

(o que neste caso é o mesmo) ou notáveis (excepto possivelmente por um grupo

restrito de puristas), porque havia uma continuidade conceptual implícita e

operativa entre os modelos do passado e as práticas do presente. 81

As ortografias romances emergentes na Península no séc. XIII pressupõem um

modelo diferente da relação entre oralidade e escrituralidade, uma nova

consciência linguística e cultural: a distinção conceptual entre latim e romance foi

num primeiro momento um contraste concepcional 82 entre língua escrita e língua

oral, e só depois uma ruptura entre dois sistemas linguísticos autónomos. 83

79 Menéndez Pidal 1950/19809:viij.

80 ibid.

81 De facto, o passado linguístico latino forneceu os modelos de uso e correcção da língua escrita medieval. Os modelos do passado estavam sempre presentes no estudo da ‘grammatica’ e das ‘auctoritates’, o que garantia a sobrevivência e permanência conceptual da tradição, cada vez mais arcaica.

82 A distinção entre escrito e oral pode equacionar-se não apenas de forma ‘medial’, mas também, e talvez mais pertinentemente, de forma ‘concepcional’: neste último caso

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A ruptura entre latim e romance situou-se no nível representacional. Pelo

contrário, os fenómenos antigos de romanização, aspectos de mudança interna da

‘scripta’ — nos quais se devem incluir as formas romances das glosas riojanas —

ocorriam no nível operacional. Não podem por isso constituir exemplos de uma

distinção conceptual antiga entre latim e romance.

Algumas formulações gerais

Para tentar extrair algumas formulações gerais, o estudo da língua notarial como

corpus escritural e linguístico, na sua relação com a língua falada, deve considerar

os factos seguintes:

• A tradicionalidade do corpus notarial, associada a uma tendência cumulativa

de mudança que explica o aspecto palimpséstico da ‘scripta’, garantia a

validade escritural e a aceitabilidade contemporânea dos textos, e

determinava os parâmetros de interpretabilidade dos mesmos no seio da

comunidade discursiva.

• A análise dos textos forais e notariais alatinados anteriores ao séc. XIII

mostra a equivalência representacional entre grafias latinas e romances que

co-existem em variação. A existência da variação gráfica, que é uma das

características mais marcantes dos documentos notariais e forais permite

concluir que as formas gráficas latinas eram transpostas sem grandes

‘escrituralidade’ e ‘oralidade’ são ‘modos’ (já não apenas ‘media’) de actualização de um sistema linguístico distinguindo-se pelos parâmetros de ‘imediato comunicativo’ (= ‘oralidade concepcional’) e ‘ distância comunicativa’ (= ‘escrituralidade concepcional’). Cf. a este respeito Koch 1993:42ss.

83 V. a este respeito Wright 1976, Banniard 1992:484ss, Banniard 1993a e Banniard 1993b.

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problemas para romance 84 . O polimorfismo da língua notarial, manifesto

em padrões bem definidos de variação grafo-fonémica, grafo-morfémica,

grafo-lexémica e grafo-sintáctica, é uma resposta à tensão existente entre o

crescente anisomorfismo da tradição escrita na sua relação com a fala, e as

exigências de realismo na comunicação escrita.

• A não coincidência entre modelos representacionais e operacionais explica a

invisibilidade concepcional e linguística dos fenómenos de romanização em

confronto com os modelos de correcção vigentes. Os desvios ao ‘standard’

ortográfico e ortolinguístico da ‘ars grammaticae’ não eram (não podiam

ser) percebidos como mais que aspectos estilísticos ou pragmáticos próprios

da linguagem jurídica, e não como indícios de ruptura conceptual entre

latinidade e romanidade.

• O processamento da língua escrita na Idade Média fazia-se num quadro de

relações sociais e culturais distinto das sociedades modernas (altamente

textualizadas e com alfabetismo generalizado, apesar dos indícios de

regressão das sociedades industrializadas ocidentais contemporâneas). Na

leitura em voz alta intervinham actividades de conversão semântica não

incluídas no conceito ocidental moderno de leitura, como a interpretação, a

glosação, o comentário e a paráfrase. Os limites da textualidade e da

oralidade, e da sua interpenetração mútua não estavam ainda definidos e

rigidamente fixados como hoje. Por isso, em muitos casos a leitura estava

84 Este facto é amplamente confirmado pelos foros romances da segunda metade do séc. XIII em cuja redacção houve literalmente uma depuração do elemento latino presente nas versões anteriores em “latim bárbaro”, conservando-se somente o elemento romance já existente nessas versões mais antigas: as formas romances e os princípios scriptográficos dos foros romanceados não foram criados ou inventados ‘ex nihilo’ no séc. XIII expressamente para traduzir as formas arcaicas dos foros latinos; o facto é que as formas e princípios scriptográficos romances existiam já em alternância com as formas latinas nos textos dos séculos anteriores (Cf. Emiliano 1991 para uma discussão mais pormenorizada).

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estreitamente associada à interpretação, com o resultado provável de que a

leitura de certos textos não resultaria sempre igual em todas as

circunstâncias, dadas as evidentes dificuldades de descodificação da língua

escrita tradicional. A escrita notarial tinha em grande parte o carácter

mnemónico de auxiliar da oralização, a qual, além do mais, não se limitava

necessariamente à descodificação dos símbolos escritos.

Como nota o antropólogo Paul Connerton no seu estudo sobre a memória das

sociedades:

Concerning memory as such, we may note that our experience of the present very

largely depends upon our knowledge of the past. We experience our present

world in a context which is causally connected with past events and objects, and

hence with reference to events and objects which we are not experiencing when

we are experiencing the present. And we will experience our present differently

in accordance with the different pasts to which we are able to connect that

present. Hence the difficulty of extracting our past from our present: not simply

because present factors tend to influence — some might want to say distort —

our recollections of the past, but also because past factors tend to influence, or

distort, our experience of the present. This process, it should be stressed, reaches

into the most minute and everyday details of our lives. 85

A reforma cluniacense no território português

A segunda metade do séc. XI trouxe mudanças culturais profundas às

comunidades romano-falantes do Norte da Península Ibérica. O aspecto mais

85 Connerton 1989:2.

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marcante é sem dúvida a reforma eclesiástica que, iniciando-se em meados do séc.

XI no reinado de Fernando Magno de Leão, culmina com a adopção oficial da

liturgia romana e abandono da liturgia hispânica no Concílio de Burgos, com o

apoio do rei Afonso VI de Leão. 86

Inicia-se assim oficialmente um período de intensa influência francesa, com a

difusão e implementação da chamada reforma gregoriana a cargo dos monges de

Cluny, muitos dos quais irão ocupar os mais altos cargos na hierarquia eclesiástica

hispânica 87 . E emprego o termo ‘oficialmente’ porque a presença ou influência

cluniacense, sobretudo nos meios monásticos 88 , é, como se sabe, anterior às

constituições de Burgos.

José Mattoso, num artigo sobre a introdução da liturgia romana em Braga

(Mattoso 1963), apresentou provas documentais da adopção da nova liturgia antes

de 1085, nomeadamente a existência de dois documentos, um de 1081 do cartório

de Pendorada, outro de 1085 do Liber Fidei, que apresentam citações textuais

86 Para o processo de clunização da Península e em especial do território português vejam-se em geral: Ferreira 1928, David 1947, Costa 1947-8, Bishko 1965, 1968-9, 1970, Almeida 19672, Oliveira 1950 e 19684, Cowdrey 1970, Linage Conde 1973. Para a diocese de Braga o monumental trabalho do Cónego Prof. Avelino de Jesus da Costa sobre o episcopado de D. Pedro e a restauração da Sé de Braga na 2ª metade do séc. XI (Costa 1959) é fundamental e imprescindível. Costa 1990, com o mesmo título, apresenta alguns aditamentos ao livro de 1959. Os numerosos trabalhos de J. Mattoso sobre a questão — Mattoso 1963, 1968a, 1968b, 1969, 1976, 1982a, 1982b e 1983 — baseados numa análise minuciosa das fontes, constituem uma perspectiva interpretativa renovadora sobre as mudanças culturais dos sécs. XI e XII. Para a influência da reformas carolíngia e gregoriana nas relações entre comunicação escrita e oral vejam-se sobretudo Wright 1982 e Banniard 1992.

87 «un medio eficaz de introducir la reforma gregoriana fue el cambio en el cuadro de los abades y obispos ibéricos que tiende a sustituir las personas autóctonas por otras venidas de Francia.» (García y García 1990:767).

88 «O movimento parece ter atingido os meios monásticos antes de penetrar no clero secular, e não vir de cima, dos bispos, mas ser propagado por monges e clérigos antes de atingir a hierarquia eclesiástica.» (Mattoso 1963:102).

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litúrgicas. Num trabalho posterior, o historiador sintetiza os factos que apontam

para a introdução do rito romano no condado portucalense antes de 1085:

… há indícios de que chegou até nós ainda antes [da vinda de S. Geraldo], por

volta de 1085. […] Estes indícios não estão isolados. Situam-se num contexto

mais vasto de transformações por influência de além-Pirinéus, e a sua

convergência cronológica, desde Braga até Coimbra, mostra como o movimento

era vasto e generalizado. Citemos: os primeiros vestígios da adopção da liturgia

romana, ou melhor de contactos com meios que a adoptavam, desde 1081, a

influência da escrita carolina sobre os calígrafos de Coimbra, a partir de 1086, a

citação do processo canónico da admonitio, próprio do direito carolíngio em

1087, a menção de arcediagos rurais em 1082. Uma coisa parece certa: nada

indica que se tivesse esperado a vinda de prelados e príncipes estangeiros, para

receber a liturgia e o direito canónico impostos por Roma. 89

Um dos indícios materiais da influência gregoriana, como refere Mattoso, e que

tem uma relação próxima com a escrita, é exactamente a introdução da letra

carolina que iria substituir, gradualmente, e através de formas mistas de transição,

a letra visigótica. De facto, a introdução da letra carolina em território português

remonta a um período anterior a 1080. O primeiro documento português

conhecido em letra visigótica de transição para a carolina é proveniente do

cartório do mosteiro de Pendorada, e é datado de 1054 90, ou seja, um ano antes

do concílio de Coyança, promovido por Fernando Magno 91 . Apesar do

89 Mattoso 1968b:68-9.

90 Santos 1988:115-6 e 133, e Santos 1990:568.

91 O mosteiro beneditino de Pendorada foi fundado em 1059, e como escreve Mattoso, a carta de fundação menciona expressamente uma frase das actas do concílio de Coyança (Mattoso 1962:27 e 1968:60).

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conservadorismo caligráfico do Bispo D. Pedro (a avaliar pelas suas assinaturas e

sinais autógrafos redigidos invariavelmente em visigótica cursiva 92, nos poucos

documentos originais de Braga que sobrevivem) os primeiros documentos

bracarenses que assinalam influência da carolina, nomeadamente no emprego de

certos sinais braquigráficos, são da primeira década do seu episcopado. 93

Outro aspecto material que denuncia uma influência gregoriana anterior a 1080

em Braga, e associa mais directamente o Bispo D. Pedro à difusão da reforma,

tem a ver com a organização administrativa da diocese, nomeadamente a divisão

desta em arcediagados, característica associada à influência gregoriana. O Prof.

Cónego Avelino de Jesus da Costa mostra concludentemente, através da análise

do censual de Braga (cuja datação situa entre 1085 e 1089, ou 1091, o mais tardar)

e de documentação notarial do Liber Fidei, que a diocese de Braga estava já

dividida em arcediagados em 1082 94 , o que lhe permite concluir que «isto vem

provar que a influência da reforma gregoriana se fez sentir entre nós mais cedo do

que se julgava.» 95 Estes factos são extremamente importantes, porque tanto a

organização do censual como a divisão da diocese em arcediagados correspondem

a iniciativas administrativas do Bispo D. Pedro em profunda consonância com as

tendências da reforma gregoriana. O mesmo tipo de conclusões se podem tomar

92 Santos 1990:571. O documento mais antigo mencionado é de 1074, e está transcrito no capítulo 3 desta dissertação, com a referência de Original #03, e é o original do doc. Nº122 do Corpus documental descrito no capítulo 2.

93 id., pp.569ss.

94 Costa 1990:430-2.

95 id., p.432.

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relativamente a Compostela, onde a influência gregoriana na organização da

diocese se pode fazer remontar ao concílio compostelano de 1063. 96

No contexto da reforma eclesiática da segunda metade do séc. XI, o evento mais

significativo em território português foi talvez a restauração da diocese de Braga,

com a eleição do bispo D. Pedro em 1070 97 . Este prelado notável desenvolveu

uma intensa actividade pastoral e administrativa na reorganização da diocese,

sendo de realçar a fundação da escola capitular e a construção da Sé.

Significativamente o rito romano foi introduzido na diocese durante o seu

episcopado, não havendo testemunhos documentais que provem, como foi

sugerido por Pierre David 98 , a resistência de D. Pedro à nova liturgia. José

Mattoso, no artigo supra-citado sobre a introdução da liturgia romana em Braga,

não só contesta decisivamente a tese da resistência, como mostra, através da

análise de documentos, o apoio explícito de D. Pedro à implementação das

reformas. Nas suas palavras «o novo rito não foi apenas acolhido isoladamente,

num ou noutro ponto da diocese, mas adoptado, expressamente, pelo próprio

prelado.» 99 No mesmo estudo Mattoso apresenta a conclusão (suportada pela

documentação) de que «o que parece fora de dúvida é que o movimento

cluniacense e o movimento gregoriano chegaram até nós mais cedo do que até

agora se julgava, e não foram os bispos Crescónio de Coimbra e S. Geraldo de

96 ibid.

97 Sobre este assunto vejam-se sobretudo Erdmann 1935 e Costa 1956, 1959, e 1990.

98 David 1947:426ss.

99 Mattoso 1963/1982:101.

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Braga nem os condes D. Raimundo e D. Henrique os seus introdutores no

condado portucalense.» 100

Em Braga, a cuja Sé D. Afonso Henriques chamou «matrem meam spiritualem»

numa doação de 1135 101 , a influência francesa torna-se particularmente notória

e visível a partir do arcebispo cluniacense S. Geraldo (1099-1108) e da sua acção

pastoral e pedagógica, continuada em Braga e noutros locais pelos seus

discípulos.

Mas se a influência francesa em Portugal a partir dos sécs. XI e XII tem sido

objecto de investigação nas suas vertentes histórica, cultural, artística e até

paleográfica, a avaliação global das consequências linguísticas no quadro da

comunicação escrita está ainda por fazer.

Um dos objectivos desta dissertação é, sobretudo no capítulo 4, reflectir sobre o

impacto do aspecto linguisticamente mais relevante da influência francesa, a

introdução do latim medieval reformado, nas práticas escribais vigentes no Norte

de Portugal na segunda metade do séc. XI, a partir de dados linguísticos e

estatísticos extraídos de documentos do cartulário proveniente da Sé de Braga

conhecido como ‘Liber Fidei’.

Em vários textos J. Mattoso refere-se explicitamente à influência cluniacense nas

práticas escribais latino-portuguesas (que designa por ‘melhoria relativa do Latim

empregado nos actos jurídicos’ 102 ), algo raro em estudos historiográficos, pelo

que vale a pena citá-lo com alguma extensão. No artigo referido sobre a

100 id., p.102.

101 Liber Fidei doc.733.

102 Mattoso 1968b:72.

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introdução do rito romano em Braga, Mattoso descreve assim a sintaxe de um dos

documentos que serve de suporte à sua análise:

É verdade que o documento revela também a sintaxe característica das fontes

diplomáticas dessa época: emprego do caso universal (acusativo) e de

preposições com o mesmo caso universal, desaparecimento da noção de

acusativo, dativo e ablativo. Mas estas formas encontram-se ao lado de frases

correctas. Dir-se-ia que o escriba hispânico transcrevia um texto “ditado” por um

notário de cultura franca, ou redigia ele próprio este texto mas com dificuldade

de se libertar de hábitos de redacção da Hispânia. 103

Noutro artigo Mattoso considera a influência cluniacense na língua notarial:

Além de copiarem livros, os monges tinham também de redigir documentos para

o próprio mosteiro, para os respectivos patronos ou mesmo para o rei e os bispos.

[…] Examinando estes textos do ponto de vista literário ou gramatical,

encontram-se frequentemente sinais de barbarismos e incorrecções de vária

ordem. Todavia, não se pode provar que sejam devidos à ignorância. Antes da

introdução dos cânones estilísticos importados sobretudo pelos cluniacenses

franceses a partir de 1080-1085, o padrão a atingir fôra muito diferente, ainda

que resultante, sem dúvida, de um isolamento cultural da região em relação com

meios mais evoluídos. Não pode ter outra explicação o facto de os actos notariais

de Leça assinados por Randulfo, o prior que redigiu a versão oficial dos cânones

de Coyança, estarem repletos de incorrecções. Isto não quer dizer que não se

tenham, por vezes, conservado nos mosteiros processos redaccionais bastante

elaborados, e reveladores de uma aprendizagem cuidadosa da “gramática”, pois

são utilizados em documentos aparentemente caóticos, mesmo das épocas mais

103 Mattoso 1963:96.

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recuadas […]. E até o estudo das fórmulas diplomáticas mais repetidas revela

conhecimentos, leituras e cultura aparentemente insuspeitas. 104

Num artigo posterior as observações são de carácter mais explícito, reportando-se

àquilo que o historiador descreve como ‘maior cuidado posto na utilização da

língua latina, mesmo nos actos jurídicos’:

Com efeito, a partir dos anos 80 do século XI, diminui consideravelmente o uso

das preposições com o caso universal (acusativo), melhora o emprego das

declinações, abandona-se mais frequentemente a utilização de vocábulos da

língua vulgar. O latim afasta-se, assim, das contaminações do sermo vulgaris. O

fenómeno está, sem dúvida, relacionado com a melhor formação escolar dos

monges e clérigos, mas esta, por sua vez, é sobretudo imposta pela necessidade

de utilizar os novos livros litúrgicos, redigidos num latim mais clássico. 105

O quadro esboçado por Mattoso tem alguns aspectos contestáveis, quer no

detalhe, quer (mais importante) na asserção geral do atraso e isolamento culturais

da Península, que a reforma teria vindo colmatar 106 . É de realçar, de qualquer

forma, a não atribuição das peculiaridades da língua notarial latino-portuguesa à

insciência dos notários, mas antes à existência de uma tradição hispânica.

104 Mattoso 1969:391-2.

105 Mattoso 1983:379.

106 A teoria do isolamento e atraso culturais hispânicos não é hoje defensável. Limito-me a remeter para Wright 1982 para uma discussão desta questão, com as referências pertinentes. A identidade entre “melhor formação escolar” e “melhor latim” não é confirmada pelos dados, como se pode ver no capítulo 4. A questão que se deve pôr é: como explicar então a continuidade geral das práticas escribais autóctones apesar da presença em Braga de homens letrados e eruditos, como os cluniacenses franceses Arcebispo S. Geraldo e ‘magister’ Bernardo, arcediago e futuro bispo de Coimbra? No final do capítulo 4 volto a abordar este aspecto.

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60

As observações de Mattoso ecoam a formulação de Pidal sobre a restauração da

latinidade no final do séc. XI. De facto, no seu estudo fundamental Orígenes del

Español, Ramón Menéndez Pidal constatou a existência de tendências de

mudança da língua notarial, nomeadamente um acentuado decréscimo de formas

romances a partir do fim do séc. XI 107 . Na sua teoria das ‘duas correntes de

vulgaridade na língua notarial’ Menéndez Pidal postulou um retrocesso no

processo de romanceamento da língua escrita notarial, em consequência da

introdução da reforma cluniacense na Península Ibérica, reforma que nas suas

palavras «restauró la latinidad.» 108

Subjacente à perspectiva de Menéndez Pidal estava uma concepção bilingue, e no

fundo diglóssica ‘avant la lettre’, das comunidades ibero-românicas, em que latim

e romance teriam existido sempre lado a lado como realidades distintas, ainda que

em conflito e influenciando-se mutuamente. A reforma cluniacense teria assim

tido o efeito de depurar definitiva ou consideravelmente o latim escrito dos

elementos vulgares ou vulgarizantes, diminuindo, por assim dizer, a visibilidade

escritural do vernáculo. Ter-se-ia assim acentuado e extremado uma distinção

sempre existente, através da restauração dos preceitos de correcção latina

prescritos pelas gramáticas e pelos puristas. Esta visão tradicionalmente aceite

pela comunidade romanista, ainda que empiricamente pouco fundamentada, e

cientificamente frágil, foi posta em causa de forma definitiva por Wright 1982.

Se é certo que a reforma cluniacense teve um papel decisivo no surgimento da

consciência de que latim (a língua escrita) e romance (a língua oral) eram

realidades linguísticas distintas, também é certo, pelo que mostram os textos, que

107 Menéndez Pidal 1950/19809:viij.

108 ibid.

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61

essa distinção levou algum tempo a implantar-se de forma duradoura. Os dados

que examino no capítulo 4 não apontam para uma ‘restauração da latinidade’,

mostrando antes o surgimento de diferenças subtis, e com graus diferentes de

mudança relativamente a aspectos linguísticos diferentes.

Assim, se é certo e evidente que a reforma cluniacense levou a uma menor

visibilidade do vulgar ou de certos aspectos do vulgar, essa menor visibilidade,

que é necessário descrever, quantificar e analisar, não deve ser automaticamente

equacionada como maior ou melhor consciência da latinidade enquanto categoria

formal e conceptualmente distinta da romanidade, pelo menos para o período

imediatamente a seguir às reformas.

Não é de facto possível estabelecer em qualquer momento um ponto de ruptura

nítido e indiscutível nas práticas escribais dos notários de Braga no sentido da

‘restauração da latinidade’. Os dados apresentados e discutidos no capítulo 4, bem

como as variantes intra-textuais levantadas no capítulo 3, confirmam este ponto

de vista. As práticas tradicionais mantiveram-se surpreendentemente até muito

tempo depois da introdução das reformas: as alterações meta-scripto-linguísticas

(perdoe-se-me o termo) ocorreram paulatinamente, e só estudos de âmbito

estatístico envolvendo grandes quantidades de textos permitirão observar com

alguma exactidão e caracterizar globalmente o processo geral da mudança. «Ambiguum quidem esse non potest sed plerisque cognitum manet eo quod fuit sedem bragalensem magna et metropolensis in partib(us) spanie dum multis temporibus stante et permanente in ordine suo.» (Carta de agnição de 1025, Arq. Distrital de Braga, Gav. de Braga, n.º67, ll.1-2)

Capítulo 2

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62

O Corpus de Textos Notariais do Liber Fidei (‘Liber Testamentorum I’, 1050-1110): apresentação e descrição

Conteúdos:

• O Liber Fidei

• A edição crítica de Avelino de Jesus da Costa

• Descrição e critérios de organização do Corpus

• Tipologia documental do Corpus

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Capítulo 2.

Corpus de textos notariais médio-latinos elaborado

previamente à elaboração desta dissertação é constituído

por documentos notariais do Norte de Portugal

compreendidos entre 900 a.D. e 1130 a.D.

A selecção de textos que constitui o suporte documental desta

dissertação contém documentos notariais da segunda metade do

séc. XI (mais precisamente de 1050 a 1110) provenientes do antigo

‘territorium bracarense’.

Esses documentos registam diversos tipos de actos jurídicos

transcritos no cartulário bracarense do séc. XIII conhecido como

‘Liber Fidei’.

Neste capítulo dá-se conta do conteúdo textual do cartulário e de

alguns aspectos da sua constituição, e da organização e conteúdo do

Corpus de Textos Notariais do Liber Fidei, explicitando os critérios de

selecção, formatação e classificação tipológica dos documentos

incluídos.

Quanto ao Corpus propriamente dito, a secção relevante para esta

dissertação, que contém 210 documentos bracarenses datados entre

1050 e 1110, é transcrita com anotações no anexo documental do

volume II desta dissertação.

O

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64

2.1 O Liber Fidei

O Liber Fidei é um cartulário que transcreve 954 documentos de vários tipos,

proveniências e períodos, respeitantes ao património, administração e delimitação

territorial e jurisdicional da diocese de Braga na Idade Média.

Nas palavras do Prof. Cónego Avelino de Jesus da Costa, historiador emérito e

responsável pela edição crítica do cartulário (que adiante se comenta), «o ‘Liber

Fidei’, pelo número, antiguidade e valor dos documentos transcritos, é o maior e o

mais importante cartulário português e um dos mais notáveis da Europa.» 109

Originariamente propriedade do Cabido da Sé de Braga, o cartulário conserva-se

hoje no Arquivo Distrital de Braga, adstrito à Universidade do Minho.

A designação tradicional do códice provém da rubrica inicial do códice:

incipit cronica eorum que per magna parte spectant uel spectare debent ad

ecclesiam bracharensem et eius diocesim siue prouinciam et uocatur liber fidei id

est cui fides debet adhiberi uocatur etiam liber testamentorum

A designação ‘liber fidei’ refere-se à fidedignidade que deveria ser atribuída («cui

fides debet adhiberi») aos documentos transcritos no cartulário, para resolução de

109 Costa (Ed.) 1965-1990:vol.I:xi. Obs.: sigo, nestas linhas, de muito perto o texto da introdução de Avelino de Jesus da Costa à sua edição crítica, texto ao qual tenho aliás pouco a acrescentar, e o qual não pretendo obviamente substituir ou mesmo reproduzir. Pretendo referir-me nesta secção a aspectos gerais do conteúdo textual, organização interna e datação do Liber Fidei, sem pretender fazer uma exposição de carácter argumentativo. Sobre tudo o que diz respeito a questões de âmbito paleográfico e codicológico, à datação crítica do códice e de alguns documentos, à organização original do cartulário e à interpolação de documentos, bem como à falsidade de alguns documentos, remeto aqui e nesta dissertação em geral para a referida introdução à edição crítica, e para as notas críticas de Avelino de Jesus da Costa a diversos documentos, aceitando à partida como fiáveis os seus juízos.

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pleitos ou litígios jurisdicionais, tais como os que a Sé de Braga se viu com efeito

envolvida em finais do séc. XIII com a Sé de Santiago de Compostela 110.

Por outro lado, a edição crítica adopta no seu título a designação de ‘Liber Fidei

Sanctæ Bracarensis Ecclesiæ’ (mantendo informalmente — e universalmente — a

designação ‘Liber Fidei’ no interior) que resulta, como o editor explica no seu

prefácio 111 , de um uso seiscentista.

Nesta dissertação a designação mais tradicional ‘Liber Fidei’ (abreviado ‘LF’) é a

única utilizada.

Constituição e organização do Liber Fidei

O Liber Fidei, como é característico dos cartulários medievais, sobretudo dos que

transcrevem documentação muito antiga, não é uma colecção homogénea,

sistematicamente organizada, de textos: contém textos de diversos tipos e de

diversas proveniências, e fundamentalmente não foi organizado num único

momento, sendo o resultado de sucessivas reelaborações, e tendo ao longo do

tempo sofrido acrescentamentos e rasuras 112 .

110 «Também deve ter influído na escolha deste título o facto de o nosso cartulário reproduzir, em boa parte, o ‘Liber testamentorum’ que a Igreja de Braga apresentou, em 1187 e 1199, nas alegações contra Compostela, considerando-o autêntico e digno de fé, …» (Costa (Ed.) 1965-1990: vol.I: xi).

111 «O título que adoptamos ‘LIBER FIDEI SANCTÆ BRACARENSIS ECCLESIÆ’ foi usado, já em 1610, por Dom Frei Prudêncio de Sandoval.» (Costa (Ed.) 1965-1990: vol.1: viij; indica em rodapé (nt. 3) a obra referida: Antigüedad de la Ciudad y Iglesia Cathedral de Tuy, Braga, 1610, fls.110, 114 v. e 129v.).

112 «Este primitivo cartulário, foi-se, portanto, organizando lentamente e sofreu profundas alterações, porque, se aumentava o número dos seus cadernos para registar novos títulos de propriedade, sofria, por outro lado, cortes, quando a alienação de bens obrigava a Igreja de Braga a rasurar nele os respectivo títulos de posse […]» (Costa (Ed.) 1965-1990:vol.I:xij).

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Os textos são de diversos tipos em termos diplomático-jurídicos, dentro dos quais

predominam os textos de tipo notarial ou tabeliónico referentes à transmissão de

bens patrimoniais, sobretudo de carácter fundiário. Porque a elaboração do

‘Corpus de Textos Notariais do Liber Fidei (1050-1110)’ é feita, para além de

outros critérios, com base numa tipologia textual, e como o ‘tipo de texto’ tem

implicações quer a nível da organização interna dos textos quer a nível da

ocorrência de certas estruturas linguísticas nos textos, apresento mais adiante

neste capítulo um levantamento exaustivo do vários tipos de textos incluídos na

vasta alínea de ‘documentos notariais’.

Do ponto de vista da datação, e restringindo-me à documentação notarial, os

textos do Liber Fidei abarcam um intervalo temporal dilatado, desde o final do

séc. X até à segunda metade do séc. XIII. 113

A incorporação dos documentos no cartulário não foi cronologicamente

homogénea, porque alguns dos documentos mais tardios resultam de interpolação

ou acrescentamento: ou seja, a sua inclusão no Liber Fidei foi posterior à

elaboração e redacção original do cartulário.

É de notar também a existência de rasuras de documentos inteiros, em

consequência da alienação dos bens da Sé de Braga a que os documentos

respeitavam. O espaço em branco deixado pelas rasuras foi nalguns casos

expeditamente reaproveitado para a transcrição de outros documentos, em geral

tardios.

113 O Liber Fidei inclui documentos mais antigos, como o ‘Provincial de Wamba’ (ou ‘Divisio Wambae’ ou ‘Wambani’) ’ da segunda metade do séc. VII (Liber Fidei, documento 9, s.d.) , ou o ‘Paroquial Suevo’ (ou ‘Divisio Theodemiri’ ou ‘Concílio de Lugo’) da segunda metade do séc. VI (Liber Fidei, documentos 10 e 11, de 569). Estes documentos, e outros similares, não são incluídos no tipo notarial.

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67

Do ponto de vista diplomático-crítico os textos do Liber Fidei, são de valor

desigual: há documentos falsos, documentos reformulados ou acrescentados no

acto de cópia, documentos incompletos ou truncados por intervenção de copista,

outros ainda não datados ou com a data incompleta.

Mas são os aspectos relativos à disposição ou ordenação geral do textos no

cartulário que mais marcam, em minha opinião, o conteúdo e organização

heterogéneos do Liber Fidei.

Deste ponto de vista, o códice bracarense apresenta assimetrias notórias: se é

discernível uma intenção geral de produzir uma colecção cronologicamente

organizada de documentos (ou uma ‘colecção organizada de documentos’, tout

court), também é claro que o respeito pela cronologia é bastante desigual ao longo

do cartulário. A organização cronológica foi melhor conseguida em certas zonas

do cartulário do que em outras, e em certas partes parece estar completamente

ausente, ou pelo menos parece entrar em conflito com outros princípios de

organização.

São discerníveis, e em alguns casos patentes e explícitos (nas rubricas e nos

índices parciais que precedem alguns grupos de documentos), dois critérios gerais

de ordenação dos documentos notariais no Liber Fidei, critérios que terão

presidido ao esquema original de elaboração do cartulário: (1) por episcopado —

agrupando os documentos respeitantes directa ou indirectamente a cada bispo ou

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arcebispo 114 ; (2) por data — transcrevendo por ordem cronológica os

documentos respeitantes a cada prelado. 115

Para além da existência de documentos interpolados, devida quer aos redactores

originais, quer a redactores posteriores (utilizando espaços deixados em branco no

fim dos cadernos aquando da elaboração original do códice, ou espaços de

documentos rasurados), dois factores contribuiram para que a organização

sistemática do conteúdo do cartulário, baseada nos dois critérios referidos, a

arrumação por episcopado e a ordenação cronológica, não fosse conseguida:

1. em primeiro lugar, o Liber Fidei é constituído por duas partes

distintas; resulta da junção de duas compilações documentais

pré-existentes. Estas compilações constituem dois ‘libri

testamentorum’ independentes, elaborados autonomamente, e

talvez em épocas distintas, e que foram transcritas num único

códice, sem qualquer tentativa de as coligir ou interligar: as duas

partes do cartulário, apesar de coincidirem em relação a alguns

dos textos que contêm, são de facto duas colecções documentais

independentes e desiguais, como refiro mais abaixo; nenhuma

das duas colecções originais de documentos sobreviveu

separadamente, se de facto existiram alguma vez as duas em

forma de códice;

114 Utilizo a partir daqui as forma ‘bispo’ e ‘bispos’ para me referir na generalidade aos prelados da Sé Primacial de Braga. S. Geraldo foi o primeiro a receber o título de Arcebispo, já no decurso do seu governo, título que os seus sucessores conservam até hoje.

115 A ordem cronológica não é absoluta, e diz respeito sobretudo ao ano: documentos redigidos em meses diferentes do mesmo ano encontram-se por vezes fora de ordem. Também sucede que documentos escritos em anos próximos se encontram ocasionalmente fora de ordem em relação ao ano, havendo por isso flutuações pontuais na ordenação cronológica, que parece funcionar como uma tendência e não como um princípio absoluto.

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2. em segundo lugar, o Liber Fidei, sobretudo na primeira parte,

que contém os documentos mais antigos, incorpora núcleos ou

fundos de textos previamente organizados: isto sucede porque

juntamente com os documentos que registavam ou consignavam

a aquisição de uma determinada propriedade pela Sé de Braga,

foram transcritos grupos de documentos de diferente

antiguidade, e independentemente da data de redacção original,

que comprovavam a posse dessa propriedade pelos sucessivos

proprietários, nalguns casos ao longo de várias gerações.

Estes dois pontos que condicionam decisivamente a organização interna do Liber

Fidei merecem uma atenção especial. Passo a examiná-los e discuti-los

separadamente.

Os dois ‘libri testamentorum’ do Liber Fidei

Como disse acima o Liber Fidei na sua forma actual resulta da junção num único

códice de duas compilações de documentos, dois ‘libri testamentorum’. Estas

duas compilações (designadas a partir de aqui como ‘Liber Testamentorum I’ e

‘Liber Testamentorum II’ — de acordo com a ordem que ocupam no cartulário)

pelas diferenças e divergências que apresentam entre si, constituem duas partes

bem distintas do Liber Fidei: diferem muito no conteúdo, na coerência da

organização interna e em extensão. Diferem também provavelmente na data de

elaboração e no propósito que obedeceu à sua composição.

Recorde-se que os documentos de carácter legal ou administrativo de grandes

centros políticos (eclesiásisticos e seculares) medievais como a Sé de Braga, eram

habitualmente conservados no original (nalguns casos em originais múltiplos) e

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em cópias, sendo prática corrente o registo e cópia em tombos ou cartulários 116 .

Era também possível a elaboração de colecções documentais com vista a um

determinado fim em época posterior ao depósito e registo dos originais, e

contendo apenas uma selecção (de acordo com os critérios que presidiam à

elaboração da compilação) dos textos disponíveis no cartório.

O Liber Fidei parece ser o resultado ao mesmo tempo destes dois tipos de

actividade arquivística medieval: o ‘Liber Testamentorum I’ parece ser sobretudo

uma colecção do primeiro tipo (registo e cópia de documentos de vária ordem

considerados importantes e relevantes para a vida administrativa da Diocese de

Braga), enquanto o ‘Liber Testamentorum II’ parece ser do segundo tipo

(colecção de documentos notariais elaborada com o propósito de documentar a

actividade dos prelados bracarenses no aumento do património da diocese).

De acordo com Avelino de Jesus da Costa «a primeira parte reproduz,

substancialmente, o ‘Liber testamentorum’ existente no tempo do arcebispo D.

João Peculiar (1138-1175), como se conclui do doc. 419, em que este prelado,

entre as usurpações feitas à Sé de Braga por Pedro Fernandes, menciona duas

partes da igreja de Bornes — ‘sicuti continetur in testamento huius libri’.» 117 ; os

documentos com data posterior à morte de D. João Peculiar (o mais tardio é de

116 Lê-se por exemplo no documento 498 de 1202 do Liber Fidei: «hec cartula fuit reposita in thesauro bracarensis ecclesie et scripta in libro testamentorum ut ualeat in perpetuum amen». Dos 954 textos do Liber Fidei apenas um número ínfimo sobrevive no original. Também um pequeníssino número de textos do Liber Fidei sobrevive em outras cópias anteriores ou coevas da elaboração do cartulário. Por outro lado, devido ao facto de o Liber Fidei conter duas colecções documentais parcialmente coincidentes, um número razoável de textos (algumas dezenas) sobrevive em cópias múltiplas transcritas no próprio cartulário. A relação entre os originais e as versões do Liber Fidei são objecto de análise (de um ponto de vista linguístico) no capítulo seguinte.

117 Costa (Ed.) 1965-1990:vol.I:xi.

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1221) foram interpolados, em substituição de documentos rasurados, «o que

lançou a desordem no plano original desse primitivo cartulário.» 118

Quanto à segunda parte do Liber Fidei escreve A. J. Costa: «em contraste com a

primeira parte deste cartulário, a segunda parte forma um ‘Liber testamentorum’

original com os documentos sistemàticamente distribuídos pelos prelados

bracarenses, desde D. Pedro a D. João Egas, como dizem as respectivas rubricas

[…] .» 119

De acordo com o mesmo historiador o ‘Liber Testamentorum I’ devia obedecer ao

esquema seguinte, com os documentos agrupados em 6 grandes grupos:

• Liber Testamentorum I 120

#1. n.os 1 - 23 documentos diversos (na maioria anteriores à restauração da Diocese em

1070)

#2. n.os 24 - 144 documentos do tempo de D. Pedro (1070-1091)

#3. n.os 146 - 380 documentos do tempo de S. Geraldo (1099-1108)

#4. n.os 381 - 401 documentos do tempo de D. Maurício Burdino (1109-1118)

#5. n.os 402 - 477 documentos do tempo de D. Paio Mendes (1118-1137)

#6. n.os 478 - 546 documentos do tempo de D. João Peculiar (1138-1175)

quadro 1

118 Costa (Ed.) 1965-1990:vol.I:xiij.

119 Costa (Ed.) 1965-1990:vol.I:xiv.

120 Adaptado de Costa (Ed.) 1965-1990:vol.I:xiij.

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72

No caso do ‘Liber Testamentorum II’, em que as interpolações são em pequeno

número, o esquema de organização em 9 grupos está bem patente nas rubricas que

precedem os documentos referentes a cada prelado, e por isso incluídas no

esquema seguinte:

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• Liber Testamentorum II

#1. n.os 600-630 documentos do tempo de D. Pedro (1070-1091) rubrica: ‘karte domni petri archiepiscopi primi’

#2. n.os 631-685 documentos do tempo de S. Geraldo (1099-1108) rubrica: ‘isti tres caterni continui sunt archiepiscopi sancti geraldi’

#3. n.os 688-711 documentos do tempo de D. Maurício Burdino (1109-1118) rubrica: ‘karte archiepiscopi domni mauricii’

#4. n.os 715-765 documentos do tempo de D. Paio Mendes (1118-1137) rubrica: ‘karte archiepiscopi domni pelagii’

#5. n.os 767-824, 826 e 827 documentos do tempo de D. João Peculiar (1138-1175) rubrica: ‘iste sunt karte bracarensis archiepiscopi domni iohannis’

#6. n.os 828-840 documentos do tempo de D. Godinho (1175-1188) rubrica: ‘in isto caterno continentur carte godini archiepiscopi bracarensis’

#7. n.os 846-872 documentos do tempo de D. Martinho Pires (1189-1209) rubrica: ‘iste sunt carte bracarensis ecclesie que facte sunt tempore domini 121 martini bracarensis archiepiscopi’

#8. n.os 873-877 documentos do tempo de D. Pedro Mendes, bispo eleito (1209-1212) n.os 878-893, e 898-900 documentos do tempo de D. Estêvão Soares da Silva (1212-1228) rubrica: ‘iste sunt karte tempore domni petri bracarensis electi et in caterno incipiunt karte domni stephani bracarensis archiepiscopi ’

#9. n.os 901-953 documentos do tempo de D. João Egas (1245-1255) rubrica: ‘iste sunt carte bracarensis ecclesie de emptis et adquisitis tempore domni iohannis secundi archiepiscopi bracarensis’

quadro 2

A organização dos dois ‘libri testamentorum’ obedeceu assim originariamente a

um mesmo esquema geral de ordenação cronológica dos documentos por

episcopado. Mas os resultados são desiguais.

121 Sic, por ‘domni’.

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O ‘Liber Testamentorum II’ é bastante sistemático neste propósito, havendo a

registar algumas interpolações em fólios deixados em branco no fim do espaço

dedicado a cada bispo. Quanto ao ‘Liber Testamentorum I’ a situação é bastante

diversa: há rasuras, interpolações e acrescentamentos. No entanto, o principal

elemento disruptor da ordenação cronológica do documentos, examinado na

secção seguinte deste capítulo, é a transcrição de núcleos documentais relativos a

uma determinada propriedade em bloco, contendo documentos anteriores ao

episcopado a que estão associados no Liber Fidei.

Para além de divergirem quanto à sua organização interna, as duas partes do Liber

Fidei divergem também quanto à sua extensão, ou seja, quanto ao número de

textos que contêm.

O ‘Liber Testamentorum I’, significativamente mais extenso, vai até o fólio 157

do códice (documento 599), o ‘Liber Testamentorum II’ vai do fólio 158

(documento 600), até o fim do códice no fólio 216 (documento 954).

Por outro lado, o ‘Liber Testamentorum I’ transcreve muitos documentos

anteriores à restauração da Diocese de Braga, sendo o mais antigo o ‘Paroquial

Suevo’ de 569 (documentos 10 e 11), alguns textos do séc. X, e uma quantidade

apreciável — muitas dezenas — de textos de todo o séc. XI.

Ao contrário, o documento mais antigo do ‘Liber Testamentorum II’ é de 1072,

ou seja, posterior à restauração da Diocese de Braga, o que é compreensível se se

tiver em conta que o fim que presidiu à elaboração desta colecção foi documentar

as aquisições patrimoniais da diocese após a restauração.

Isto explica também que, ao contrário do ‘Liber Testamentorum I’, o ‘Liber

Testamentorum II’ apresente um número reduzidíssimo de documentos notariais

referentes a actos jurídicos entre particulares, sendo os textos, na sua esmagadora

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maioria, actos jurídicos através dos quais particulares transmitem à Sé de Braga,

em grande parte por doação, bens patrimoniais.

No que toca ao período que importa para esta dissertação — a segunda metade do

séc. XI — o ‘Liber Testamentorum I’ apresenta 210 documentos (de 1050 a

1110), contra 92 documentos do ‘Liber Testamentorum II’ (de 1072 a 1110).

Destes apenas 24 (ou seja 27%) não estão incluídos também no ‘Liber

Testamentorum I’. Quer isto dizer que 68 dos 92 documentos do ‘Liber

Testamentorum II’ datados entre 1072 e 1110 são versões diferentes de textos

transcritos na primeira parte do Liber Fidei.

Núcleos documentais antigos do Liber Fidei

A ordenação dos documentos do ‘Liber Testamentorum I’ é bastante menos

sistemática que a do ‘Liber Testamentorum II’, parecendo nalguns casos algo

caótica.

A partir do documento 21 122 (datado de 1078) a ordenação cronológica parece

ser constantemente violada pela transcrição de documentos muito anteriores ao

início do episcopado em que são inseridos: os documentos foram transcritos de

acordo com o episcopado durante o qual deram entrada na Sé, independentemente

da sua data de redacção.

Isto explica-se porque a esmagadora maioria da documentação do Liber Fidei

respeita ao património fundiário da Sé de Braga e respeita à transmissão de

122 Os documentos a partir do doc. nº 21 são na sua maioria textos notariais que transcrevem actos jurídicos referentes à transmissão de propriedades. Os documentos anteriores são de tipo heterogéneo.

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propriedades (por compra-e-venda, por doação, por permuta ou por testamento)

para as mãos da mesma Sé. Ora, era habitual que a transmissão das propriedades

fosse acompanhada (como aliás referem explicitamente alguns documentos 123 )

da entrega das escrituras comprovativas da posse e da delimitação topográfica ao

novo proprietário.

A transcrição de um documento referente à transmissão de uma propriedade para

a Sé implicava a transcrição das escrituras mais antigas existentes relativas a essa

propriedade: isto levou a que dentro do espaço reservado a cada episcopado se

transcrevessem documentos muito anteriores à data da eleição do prelado. 124

Por este motivo a primeira parte do Liber Fidei transcreve grupos de documentos

de proveniência diversa (dentro do extenso território outrora sob influência da Sé

bracarense) que formam como que núcleos documentais autónomos de dimensões

variáveis 125 — alguns encabeçados por índices — e tendencialmente

organizados de forma cronológica.

123 Veja-se a título de exemplo: «et ipsa larea de tanoy et de sua muliere teudili quam uobis uendo in ipso pumare de concagadi meam rationem et de meo germano uiliulphu et facit se inde de illo marco in illo uallo IIIa integra cum mea ratione de ipso plantado et dabo uobis illam cartam per quam illam ganaui» (Nº076/1056, LF doc. 192).

124 «Não se estranhe que os números correspondentes a cada prelado abranjam documentos muito anteriores, porque era vulgar os bens serem acompanhados das escrituras justificativas da posse, durante várias gerações. Assim, os documentos respeitantes aos bens de D. Aragunte Mides (n.os 24-62) vão de 974 a 1073; os de D. Toda ‘Eitaz’ (n.os 173-204), de 900 a 1103; os do mosteiro de Santo Antonino de Barbudo (n.os 231-315), de 1039 a 1102.» (Costa (Ed.) 1965-1990: vol.1: xiij).

125 Estes núcleos podem ter um número reduzido de documentos, como é o caso do núcleo de documentos relativos aos bens de Pelagius Tolquidiz (LF docs. 222 a 225), ou um número considerável, como é o caso do núcleo de documentos do Mosteiro de Santo Antonino de Barbudo (LF docs. 231 a 315) com 84 documentos.

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Veja-se o caso paradigmático, e apenas a título de ilustração, do núcleo

documental relativo aos bens do casal Petrus Louesendiz e Aragunti Mitiz. 126

Está incluído entre os documentos do episcopado de D. Pedro (1070-1091). É

constituído por 39 documentos (Liber Fidei docs. 24 a 62), e vai precedido por um

índice que os numera de 1 a 39, indicando o tipo de acto jurídico a que se referem

e a data em que foram lavrados.

O primeiro documento transcrito deste núcleo data de 1073 e constitui doação

‘pro anima’ à Sé de Braga de uma propriedade (‘uilla mea propria que abemus

quos uocitant fontes de aliste’). O doador é Aragunti Mitiz (‘aragunti prolix

mitiz’), proprietária abastada, viúva de Petrus Louesendiz. O donatário é a Sé na

pessoa do Bispo (‘ad uobis domnus petrus episcopus sedis bracarensis’, e mais

adiante ‘abeatis illa firmiter et omnibus sucessoribus uestris’). Entre os

confirmantes está o próprio Bispo D. Pedro. A forma da sua subscrição mostra

que o documento original devia conter ‘signum’ autógrafo do prelado, porque

inclui caracteristicamente a seguir ao nome e título a expressão ‘nec mutetur’, que

constituia como que uma marca pessoal 127, o que atesta a importância social não

só da doação como do doador.

Seguem-se 38 documentos ordenados cronologicamente (por ano 128 ) datados de

974 a 1071. Os primeiros 36 são cartas de compra-e-venda que documentam a

126 Parece-me preferível manter a grafia original dos antropónimos, em vez de dar uma versão modernizada, uma vez que há nomes e patronímicos que não sobreviveram na língua moderna, e outros cuja pronúncia medieval é duvidosa.

127 «Com esta expressão, raramente utilizada nas nossas cartas, pretendia-se, sem dúvida, conceder uma certa segurança jurídica aos actos escritos. No caso de D. Pedro […] o seu uso pode comparar-se ao de uma divisa pessoal.» (Santos 1990:571, nt.20).

128 Dentro de cada ano a ordem cronológica por mês e dia não é sempre respeitada na transcrição, como observa A. J. da Costa: «Os documentos 2 a 39 (= 25 a 62 do ‘L.F.’) estão dispostos cronologicamente. Devemos, todavia, observar que a ordem cronológica diz

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constituição de parte do património do casal, conservadas pelos proprietários, e

entregues à Sé juntamente com a propriedade doada. Os dois últimos documentos

(docs. n.º 61 e 62) são dois ‘plazos’ referentes a um pacto entre o presbístero

Manualdus (‘presbiter de sancto mamete de aliste’) e o Bispo, a propósito de parte

do património de Aragunti Mitiz de que o referido Manualdus se tinha apropriado

indevidamente. O documento n.º 63 de 1072, que se segue ao documento n.º 62

sem qualquer indicação de que se trata de outra matéria, diz respeito já a outra

doação de outras propriedades em local diferente e por outro doador.

Nos documentos do episcopado seguinte, de S. Geraldo (1099-1108), a situação é

idêntica, ou seja, transcrevem-se documentos muito anteriores à data da eleição do

prelado. E assim sucessivamente para os prelados posteriores. O mesmo sucede

no ‘Liber Testamentorum II’ embora com documentos não anteriores a 1072.

Como se vê a ordenação cronológica é um critério que os compiladores do ‘Liber

Testamentorum I’ não seguiram absolutamente, adaptando-a a outros factores e

critérios como a da transcrição em bloco de documentos referentes a um conjunto

patrimonial determinado, agrupados dentro do governo de um bispo, a quem o

património foi doado ou vendido.

Datação do Liber Fidei

Embora não seja possível determinar com exactidão a data de redacção do códice,

na forma em que ele chegou até nós, há alguns elementos que permitem situar

respeito apenas ao ano, porque os docs. 14 a 19 (= 37 a 42 do ‘L.F.’) são todos de 1032, mas o n.º 14 é de 17 de Abril; o n.º 15, de 12 de Janeiro; o n.º 16, de 5 de Novembro; o n.º 17, de 17 de Abril; o n.º 18, sem mês nem dia, e o n.º 19, de 9 de Abril.» (Costa (Ed.) 1965|1990:vol.I:56:nt.1).

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com segurança a sua composição em época não mais tardia que a segunda metade

do séc. XIII.

Por um lado, os últimos documentos transcritos são do início da segunda metade

do séc. XIII 129 , sendo o mais tardio de 1254, o que corresponde ao fim do

episcopado de D. João Egas (1245-1255, 12º bispo depois da restauração da Sé ).

Por outro lado, o facto de a letra empregue — por mãos diversas — no códice ser

carolina, com notória influência da gótica librária 130 , situa paleograficamente o

códice no séc. XIII, e exclui o séc. XIV.

Tendo em consideração que os documentos do ‘Liber Testamentorum I’

posteriores a D.João Peculiar (1138-1175) foram interpolados ou acrescentados

(sendo o mais tardio de 1221), e que os documentos mais tardios do ‘Liber

Testamentorum II’ são o resultado de interpolações e acrescentamentos já no

códice do Liber Fidei, e ainda que as fontes da época não referem a existência de

dois ‘libri testamentorum’, mas apenas de um, é plausível que no final do séc. XII

os dois ‘libri’ já tivessem sido coligidos num único volume, posteriormente

copiado e acrescentado.

Pode-se assim admitir a 1ª metade do séc. XIII (com o ano de 1221 como

‘terminus ante quem non’ e o ano de 1254 como ‘terminus post quem non’) como

época da redacção do Liber Fidei na forma com que chegou até os nossos dias.

129 Os documentos 952 e 953 são de Novembro de 1253, o documento 951 é de Março de 1254. O documento 954, de facto o último documento transcrito no Liber Fidei, data de Julho de 1712, e é um acrescentamento do séc. XVIII.

130 Avelino de Jesus da Costa refere «letra carolina com acentuada influência da gótica» (Costa (Ed.) 1965-1990: vol.1: xix).

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Quanto à datação individual dos dois ‘libri testamentorum’, se em relação ao

segundo não é possível fazer conjecturas bem fundamentadas, pode afirmar-se

com segurança a existência do primeiro ‘liber’ no tempo de D. João Peculiar,

como já foi referido acima, e como provável a sua elaboração antes do governo

deste prelado. 131

131 «É provável que este ‘Liber testamentorum’ começasse a organizar-se antes de D. João Peculiar, mas depois de D. Pedro (1070-1091) e de S. Geraldo (1096-1108), se dele faziam parte os actuais documentos 20 e 145 do ‘Liber Fidei’, que se referem à eleição e actividade destes dois prelados. [acresc. em nt. os passos relevantes do docs. referidos] » (Costa (Ed.) 1965-1990:vol I:xij); obs.: A. J. da Costa refere neste trecho a data da eleição de S. Geraldo como 1096, data que viria a alterar para 1099, em função de investigação posterior (Costa 1991).

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81

2.2 A edição crítica de Avelino de Jesus da Costa

Tal como o Liber Fidei, fruto de sucessivas reelaborações, redigido e acrescentado

ao longo do tempo, também a edição crítica do Rev.º Prof. Doutor Cónego

Avelino de Jesus da Costa sofreu diversas vicissitudes, entre as quais se contam 4

ou 5 mudanças de tipografia, até ser dada completa à estampa em três volumes,

espaçados ao longo de duas décadas e meia.

A publicação da edição crítica do Liber Fidei inicou-se mais exactamente em

1961, em fascículos, nas páginas da revista O Distrito de Braga — Boletim

Cultural de Etnografia e História, órgão da Junta Distrital de Braga, e só em 1990,

depois de sucessivas interrupções e mudanças de tipografia, ficou completa com a

publicação do volume III. Parecem assim plenamente justificadas as palavras do

editor no post-fácio que abre o volume III:

Post tot tantosque labores, hoc tandem opus finitum est, non tamen sine magnis

diuturnisque difficultatibus ac molestiis. 132

A presente dissertação baseia-se num corpus textual recolhido a partir da edição

crítica. Torna-se assim necessário, antes de explicitar os critérios de organização

do corpus, discutir, ainda que sumariamente, os critérios que orientaram a

elaboração da edição crítica. Não se trata propriamente de fazer a crítica da edição

crítica (apesar de algumas divergências quanto a soluções nela adoptadas) mas tão

só de fundamentar a validade do material textual que se pretende aqui analisar.

A edição crítica tal como foi publicada está dividida em três volumes que contêm

uma breve introdução do editor (no vol. I), a transcrição integral dos textos do

132 Costa (Ed.) 1965-1990:vol III:vij.

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Liber Fidei, a transcrição de alguns dos documentos originais sobreviventes, notas

críticas aos textos, e algumas reproduções fotográficas, quer de fólios do Liber

Fidei quer de manuscritos que conservam o original ou cópia antiga de

documentos do cartulário. O projectado e anunciado volume IV que conteria o

estudo paleográfico, diplomático e histórico do Liber Fidei, juntamente com

índices 133 cronológico, antroponímico, toponímico e ideográfico, e um glossário,

não chegou a ser iniciado. 134

Critérios da edição crítica

Passo a referir em síntese as características e critérios da edição crítica.

Os documentos do Liber Fidei são transcritos na íntegra, e numerados de 1 a 954,

pela ordem em que ocorrem no códice. Cada texto é precedido de um cabeçalho

que contém a numeração, a data de redacção do documento, um breve sumário do

conteúdo. Depois do sumário indicam-se os originais e apógrafos dos

documentos, se existirem. Os originais são indicados por [A]. As cópias do

mesmo documento são indicadas por [B], [C], [D] etc., de acordo com a ordem

em que ocorrem no cartulário. São em seguidas indicadas obras onde os

documentos já tenham sido publicados.

Alguns dos originais são transcritos a seguir à cópia do Liber Fidei, para evitar um

aparato crítico sobrecarregado. Em relação aos documentos de cópia múltipla no

133 Está presentemente a ser elaborado um volume de índices, não se prevendo ainda uma data de publicação (comunicação pessoal do Rev.º Prof. Cónego Avelino de Jesus da Costa em Braga em Setembro de 1994).

134 «[…] nunca podíamos imaginar que a edição levaria trinta anos! Passados estes, a nossa idade e deficiente saúde já não nos permitem fazer o prometido estudo.» (Costa (Ed.) 1965-1990:vol. III:vi).

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Liber Fidei, o editor optou (não aparentemente sem alguma hesitação, como refere

na introdução 135 ) por transcrever, não apenas o documento que se lhe afigurasse

como o mais correcto, mas todas as cópias. Esta solução, é evidentemente a

melhor, e do ponto de vista filológico a única justificável já que se tratava de dar à

estampa um cartulário inédito: permite-se assim aos investigadores uma visão de

conjunto da estrutura do Liber Fidei, e das partes que o compõem. As notas de

rodapé contêm, para além de correcções ou observações sobre as lições duvidosas

ou incorrectas dos textos, informação de carácter crítico-diplomático.

Os critérios de transcrição são os utilizados pelo editor noutras publicações, e

estão explicitados detalhadamente e publicados em Costa 1982.

Indico resumidamente os aspectos mais relevantes (quiçá mais controversos)

remetendo a explicitação das divergências dos critérios do Corpus para local

próprio.

As abreviaturas são desdobradas sem qualquer indicação sobre as letras

abreviadas. As únicas excepções são ‘conf.’ e ‘ts.’ O uso de maiúsculas e

minúsculas é, para utilizar o termo do editor, “actualizado”. A letra ‘u’ é

substituída por ‘v’ quando se lhe atribui valor consonântico. Paradoxalmente o ‘i’

não é substituído por ‘j’ nas mesmas condições. A pontuação do manuscrito não é

conservada por ser considerada caótica; é introduzida pontuação (forte e fraca) de

acordo com os critérios da actual ortografia do português, com o intuito expresso

135 «Como há muitos documentos repetidos, tencionávamos publicar só o mais correcto e indicar as variantes das outras cópias, como fizeram os ‘Documentos Medievais Portugueses’. A Direcção da revista O DISTRITO DE BRAGA discordou, porém, em virtude de desejar reproduzir o ‘Liber Fidei’ tal como se encontra. Conformando-nos com este critério e para, na medida do possível, manter a distribuição material do cartulário bracarense, os documentos serão publicados pela ordem em que nele se encontram, única maneira de completar e corrigir diversas datas e de identificar muitos topónimos.» (Costa (Ed.) 1965-1990:vol.I:xx-xxi).

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de facilitar a compreensão dos documentos. Formas consideradas linguisticamente

incorrectas (“erros manifestos” 136 ) são substituídas no texto por formas

“correctas”, sendo a lição do texto indicada em nota. Formas “erradas” mas «mas

próprias do latim tabeliónico» 137 , são conservadas e anotadas com ‘sic’ «quando

possam induzir em erro» 138 . A restituição de letras omissas ou a reconstituição

de formas textuais incompletas ou ausentes é feita entre parênteses rectos.

Transcrição paleográfica de uma amostra do Liber Fidei

Para permitir uma perspectiva mais clara do tipo de manipulações que a edição

crítica efectuou sobre o manuscrito, e também para fornecer a possibilidade ao

leitor de um confronto directo com a realidade do texto no seu suporte material

original, transcrevo paleograficamente os 9 documentos anteriores a 1110 que

Avelino de Jesus da Costa reproduz fotograficamente na íntegra na edição. 139

Pretendo com esta transcrição chamar a atenção, não apenas para as limitações

eventuais da edição crítica, mas para as limitações de qualquer tipo de edição.

Pretendo em última análise justificar os próprios critérios adoptados e as opções

feitas na transposição da edição crítica para o Corpus.

136 Costa (Ed.) 1965-1990:vol.I:xxij.

137 ibid.

138 Costa (Ed.) 1965-1990:vol.I:xxiij.

139 A transcrição foi verificada com o cotejo de fotocópias de um dos dois micro-filmes do Liber Fidei depositados no cofre do Arquivo Distrital de Braga.

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A transcrição que segue constitui assim uma amostragem paleográfica do Liber

Fidei, e permite conferir o grau de fiabilidade quer da edição crítica quer do

Corpus.

Critérios de transcrição

1. Separação de palavras

As palavras são separadas quando a sua contiguidade gráfica não possa ser atribuída a um

fenómeno de relexificação.

2. Mudança de linha e translineação

As linhas do corpo do texto dos documentos são numeradas individualmente com

algarismos árabes precedidos de ‘L’; as linhas das rubricas do Liber Fidei não são

numeradas. A separação das linhas nas rubricas é indicada por um traço oblíquo ‘/’.

A translineação original é mantida.

3. Pontuação

A pontuação original é mantida, bem como outros sinais acessórios como plicas sobre

algumas letras, ou sinais de translineação.

4. Maiúsculas

A distinção entre maiúsculas e minúsculas no ms. é mantida.

5. Abreviaturas

As listagens seguintes de abreviaturas contêm apenas as abreviaturas que ocorrem na

amostra do Liber Fidei considerada; do mesmo modo, o desenvolvimento das abreviaturas

representa apenas as soluções da edição crítica que correspondem à amostra.

5.1 São desenvolvidas (entre parênteses) as abreviaturas de:

• letras individuais ou grupos de duas letras representadas por sinais braquigráficos

específicos, quer em posição medial quer em posição final (terminações);

• palavras monossilábicas muito frequentes abreviadas de forma específica, ou por suspensão

de uma única letra:

e.g. p(er) , p(os)t , p(ro) ,q(ue) , u(e)l

• o grupo ‘con’ abreviado pelo símbolo ‘9’ : < 9a > → < (con)tra >; < 9f . > → < (con)f. >; < 9. > → < (con). > = confirmo/confirmat

5.2 Não são desenvolvidas as abreviaturas de:

• conjunção coordenada copulativa ‘et’ representada pela nota tironiana, transliterada pela

letra grega tau ‘ τ ’; • conf. ‘confirmo/confirmat’

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• palavras curtas abreviadas por conservação da 1ª letra e suspensão das restantes por meio

de um único sinal braquigráfico genérico:

e est

h hoc, hec

K karta

n non

s sed

u ut

• letras individuais cuja suspensão não é indicada por um sinal específico, mas pela

superscrição de uma letra contígua. Os únicos casos frequentes são ‘u’ precedido de ‘q’, e

‘r’ (esta última geralmente em fim de grupo consonântico).

suspensão de <r>

apilis Aprilis

bacareη Bracarensis, Bracarensi

bacaren Bracarensis, Bracarensi

bandilaz Brandilaz

cicuitu circuitu

(con)secandas consecrandas

ea Era

exta extra

extaneis extraneis

extaneus extraneus

extaniaret extraniaret

intega integra

integam integram

intego integro

nouenbis Novembris

p(ro)pia propria

patis patris

peti Petri

petiz Petriz

peto Petro

pimit(er) primiter

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pior prior

scibant(ur) scribantur

sciptura scriptura

scipturam scripturam

scipture scripture

supa supra

tadita tradita

tibu(er)e tribuere

tinitate Trinitate

uiginis Virginis

uio uiro

suspensão de <u>

adqiram adquiram

aliqando aliquando

aliqid aliquid

antiqis antiquis

antiqos antiquos

enneqiz Ennequiz

loueriqiz Loveriquiz

p(ro)pinqis propinquis

qa(m) quam

qa(n)tu(m) quantum

qadruplatas quadruplatas

qadruplo quadruplo

qadruplu quadruplu

qai quasi

qam quam

qant(m) quantum

qanto quanto

qantum quantum

qap(ro)pt(er)ea quapropterea

qi qui

qid quid

qidem quidem

qingentos quingentos

qintanela quintanela

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qipe quipe

qis quis

qisqis quisquis

reliqie reliquie

• palavras abreviadas por contracção (conservação da primeira e última letras, ou

conservação da primeira letra e de outra(s) letra(s) não contígua(s) à primeira, com

suspensão das restantes — 2 ou mais 140 ) por meio de um sinal braquigráfico genérico, ou

por manutenção da primeira letra e superscrição da última; estas palavras são transcritas

com um traço horizontal superscrito ao longo de toda a forma.

aie anime

aplo(rum) Apostolorum

archidcns archidiaconus

archiepi archiepiscopi

arcidcno archidiacono

arcidcns archidiaconus

arciepo archiepiscopo

bacareη Bracarensi, Bracarensis, Bracarensibus

bacaren Bracarensi, Bracarensis, Bracarensibus

bn bene

bracareη Bracarenses, Bracarensi, Bracarensis, Bracarensibus

bracaren Bracarensi, Bracarensis, Bracarensibus

brc Bracarense, Bracarensi, Bracarensis

di Dei

dm Deum

dni Domini

dno Domino

dns Dominus

do Deo

ds Deus

140 Incluo nesta alínea elementos constitutivos de palavra como ‘ibi-’ em ‘ibidem’, ou ‘archi-’ em ‘archidiaconus’.

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eccla ecclesia

eccle ecclesie

eclas eclesias

ee esse

epo episcopo

eps episcopus

fca facta

fcm factum

fmla famula

fmlas famulas

fmls famulus

fre fratre

frib(us) fratribus

frs fratres

glose gloriose

hbtis habeatis

ho homo

hois hominis

ii ibi

iidem ibidem ihu Ihesu

ipm ipsum

kl Kalendas

klds Kalendas

lbr Liber

ma mea

me Marie mds modios

mdz Menendiz

mi mihi mia misericordia

mm meum

Mnd(us) Menendus

mribus Martiribus

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nb nobis

nbr Novembris

nc nec

ni nisi

mi mihi

nl nihil nnati nominati

nne nomine

not notuit

nra nostra

nras nostras

nri nostri

nrm nostrum

nt notuit

oi omni

pbr presbiter

pccor peccator

Pl Pelagius

pla Pelagius, Pelaiz

plc placitum

Pli(us) Pelagius

plz plazo, plazum

Pt Petrus

qd quod

qomo quomodo sca Sancta

scam Sanctam

scdm secundum

sce Sancte

sci Sancti

scis Sanctis

sclaria secularia

sco(rum) Sanctorum

sct sicut

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sl solidos

sldos solidos

smliter similiter

spu Spiritu

sr super

srz Suariz

tn tamen

tp(or)e tempore

tpe tempore

ts testis

ub vobis

ul vel

ura vestra

ure vestre

uris vestris

uro vestro

xi Christi

Xo Christo

Transcrição dos documentos

➧ a numeração (indicada no cabeçalho que precede cada documento) é de 1 a 9, de acordo

com a ordenação cronológica dos documentos facsimilados;

a numeração por texto refere-se à ordenação cronológica dos documentos no Corpus

de Textos Notariais do Liber Fidei (exposta mais adiante);

as notas que acompanham a transcrição paleográfica são numeradas em referência

ao conjunto dos 9 documentos transcritos, e não em relação a cada documento

individualmente, como é habitual na edição de manuscritos;

nas notas de rodapé ‘AJC’ (de Avelino de Jesus da Costa) refere-se às leituras da

edição crítica.

Note-se ainda que esta transcrição não pretende constituir uma edição de carácter

filológico, ou sequer substituir-se à edição crítica.

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#01. TEXTO Nº001 DATA: 0900 Junho 28 REFERÊNCIA: Liber Fidei fl.60r, doc. 174

(AJC, tomo I estampa XI p.205)

Karta Uenditionis quam fecit Ui- / disclus in uilla uiciscli que iacet

ad radicen sancte marthe. L01 In di nne . Ego uidisclus ub astramund(us). τ Agnitrudie. Placuit mi

atq(ue) conuenit L02 asto animo. τ n effecta memoria. τ uindo ub portione in uilla

qe dicent uiciscli qi

L03 iacet ad radice de sca marta qi diuidet cu(m) uilla eigani. τ uilla

nugaria. t(er)ritorio baca

L04 ren . 141 de ip(s)a uilla media habent m(e)i filij. τ ego media.

τ de ip(s)a media qarta portione ub uindo

L05 id est .VIIIa. parte de ip(s)a uilla parietes cu(m) qantu(m) in se obtinet τ ad p(re)stitu(m) hois e . de h 142 om(n)ia

L06 .VIIIa. portione ub uindo exta portione. pomare τ uinea. τ uindo

pomicelu(m) mediu(m) qi L07 iacet int(er) ambas aqas. τ cellario qe ub monstraui. τ accepi de ub

p(re)cio id e cauallo dosno

L08 de .IIIIor. sldos gallicanos. τ .IIos. sldos in alio p(re)cio. sub uno

VIes. sl . gallicanos qe uos mi de-

141 bacaren ] AJC ‘Bracarensi’, em nt.: «Emílio Sáez e A. C. Floriano leram ‘Sanctaren’, o

que não é admissível, porque a abreviatura que se encontra no ‘Liber Fidei’ é ‘bacaren � ’. (com o ‘b’ e o ‘c’ encrostados = ‘Bracarensi’. Vid. Est. XI).»

142 h ] AJC ‘hoc’.

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94

L09 distis τ ego accepi τ de p(re)cio ap(u)d uos nl remansit. Ita tn

ab hodierno die u(e)l temp(or)e 143 ip(s)a L10 portione de ip(s)a uilla de iure m(e)o abrasa. τ in uro tadita habeatis

uos firmit(er) τ om(n)is p(os)t(er)i-

L11 tas ura . Si qis sane qd fieri n credo aliqis ho uen(er)it (ue)l

uen(er)im(us) (con)a 144 hanc carta(m) ad inru(m)- L12 pendu(m). τ ego in iudicio n potu(er)o deuindicare p(os)t parte ura

tunc inferant 145 uel infera(n)t L13 pars ma partiq(ue) ure ip(s)a om(n)ia duplata u(e)l qantu(m) ub

fu(er)it meliorata. τ uos p(er)petim habi-

L14 tura fca sciptura uenditionis .IIIIo. kl . iulij. ea. .DCCCCa. XXXa.

VIIIa. Uidisclus hanc car

L15 ta(m) manu m(e)a roboraui. Guntildi (con). Gundisaluus (con). ali(us) Gundisaluus (con). Adileoba ts .

L16 Sindeleoba ts . Aeirig(us) 146 ts . Atanagildus not .

143 AJC acresc. [sit].

144 (con)a] no ms. < 9a >, AJC ‘contra’.

145 inferant] AJC ‘inferamus’.

146 Aeirig(us)] AJC ‘Aeirgus’.

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#02. TEXTO Nº086 DATA: 1056 Maio 02 REFERÊNCIA: Liber Fidei fl.25v, doc. 060

(AJC, tomo I estampa III p.81)

Karta uendicionis qam fac(it) Ste / phan(us) cum uxore sua do(m)ne

147 Aragunti de lareis in uilla aliste. — L01 In di nne ego stephano t uxor m(e)a troili placuit nb p(er) bone

pacis τ uolun

L02 tas ut uenderem(us) ub aragunti sicuti τ uendim(us) lareas nras

p(ro)prias qe L03 habem(us) in uilla aliste t(er)ritorio bracareη 148 τ habet iacentia hic

in aliste L04 subt(us) monte spino riuulu(m) aliste de casal de saul qomo e concluso

p(er) suos L05 t(er)minos nra ratione integra τ de ille rego de platanito de susu τ de lu

L06 su 149 p(er) fontano τ de testa p(er) carrale τ de alio cubo p(er) riu de ipso

concluso

L07 m(e)a ratione intega. τ in casal de stephano mandiniz qomo se leua de car

L08 ral antiqua τ p(er)git in illo lagar τ uadit p(er) sucu de gonza τ torna

un(de)

L09 pimit(er) incoauim(us) τ in pumar grande de succo de gonza τ figit se

in illo

147 do(m)ne] no ms. < do� ne >, AJC ‘domne’.

148 bracareη ] no ms. < bracareη � >, AJC ‘Bracarensi’.

149 lusu] por ‘iusu’, AJC id., em nt: « ‘Sic’, por ‘iusu’ (Vid. nota 6 do doc.53)» [transcrevo o passo relevante da nota referida: « ... devido a confudir com ‘l’ o ‘i’ alto da escrita visgótica» AJC, tomo I, p.78, nt. 6 ao doc.53].

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L10 linar τ p(er)git p(er) succo de martino ipso concluso integro ub

uendimus L11 cum omni sua p(re)tium .XIIim. mds in pane τ in biu(er)e que nb

conpla

L12 cuit 150 [ ] 151 stant. p(ro)pt(er) accepim(us) de uos p(re)tium .XIIim. mds in pane τ in

L13 biuere que nobis conplacuit. Et si aliqis homo uenerit uel uenerimus L14 contra hunc fcm nrm τ inrump(er)e uolu(er)it que nos in concilio

deuen L15 dicare non potu(er)im(us) p(os)t parte ura pariem(us) ub om(n)ia que

in carta reso

L16 nat in duplo uel tripo 152 τ uos p(er)petim habitura. Facta carta uendicio

L17 nis .V. klds iuni !j !. ea. Ma. LXˇa IIIIa. Stephano τ troili man(us)

nras roboramus Arias pbr . Fagildu ts . Paulo ts . Argemiru ts .

Eita ts . Teudila ts . Ma -

L18 nualdo ts . Eyta notauit.

150 p(re)tium … conplacuit ] palavras sublinhadas no ms., indicando rasura; AJC não refere sublinhado do ms.

151 espaço em branco (de extensão equivalente à palavra seguinte - 5 letras normais), AJC em nt.: «Espaço em branco.»

152 tripo] AJC ‘trip[l]o’; não há qualquer razão para corrigir a lição do ms., pois a “omissão” do <l> não resulta de acidente de redacção ou cópia. A forma ‘tripo’, e as formas relacionadas ‘tripata, tripatam, tripatum’ muito frequentes na língua notarial latino-portuguesa (havendo numerosos exemplos no Liber Fidei), reflectem, pela ausência do <l>, de maneira mais transparente a estrutura fonémica da pronúncia antigo-portuguesa: [t|e!bo], [t|eba!da], [t|eba!do]. Tal como em <duplo> port. ant. [do!b|o], a sequência ‘-pl-’ teria em <triplo> originariamente o mesmo valor [b|]. Por dissimilação com [|] da primeira sílaba o [|] da sílaba seguinte foi eliminado, possibilitando a lenição do [p] intervocálico para [b], que fricatizou em [v] posteriormente, mudando finalmente, por betacismo, para [b], como em lat. POËPULU- > lat. tardio [po!bulu] > gal.-port. [póvoo] > [po!boo] (a vogal tónica [o!] em vez de [O!] deve-se a metafonia). A forma <tripo> resulta portanto de romanaceamento gráfico, e não de erro ou lapso de notário ou de copista em relação ao original (cf. tb. Sletsjø 1958).

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#03. TEXTO Nº101 DATA: 1071 Fevereiro 19 REFERÊNCIA: Liber Fidei fl.26v, doc. 062

(AJC, tomo I estampa IV p.87)

Pactu(m) qd fac(it) Manualdus / pbr cu(m) suis h(er)edib(us).

Peto epo τ om(n)ib(us) bracareη 153 canonicis τ pena(m)

canon(um) sr / addit.

L01 Manualdus pbr τ m(e)os eredes riue 154 monachis siue laici pactum

L02 sim(u)l τ plc 155 facio ub petr(us) eps om(n)ib(us) canonicis

bracareη 156 sedis p(er) scip

L03 ture firmitatis in die qo e XIim. klds marcij… 157 ea. Ma. Ca. XXXIa.

p(ro) parte de ipsa h(er)e-

L04 ditate cum suo pumare qe inuenistis sup(er) nos furtiue τ fecistis sup(er)

nos L05 mia p(ro) illa u n parire scdm canonu(m) biber 158 iudicum

dic(it) u teneam(us) ipsa

L06 h(er)editate cum suo pumare τ qanta in(de) alia habem(us) τ teneam(us)

illa de ura

153 bracareη ] no ms. <braca reη >, AJC ‘BRACARENSIBUS’.

154 riue] por ‘siue’, AJC ‘rive’, em nt.: «Sic, por ‘sive’, devido a confusão do ‘s’ visigótico com o ‘r’. A troca de ‘a’ por ‘u’ e vice-versa e de ‘s’ por ‘r’ mostra que o copista de ‘Liber Fidei’ utilizou um texto em redonda visigótica (talvez o próprio original), ao transcrever os documentos 61 e 62. Não se trata, portanto, de “resumir hechos conservados por tradición no escrita”, como supôs Ruíz-Zorrilla (obra cit.,. p. 433).»

155 plc ] AJC ‘placitum’.

156 bracareη ] no ms. <bracar eη >, AJC ‘Bracarensis’.

157 marcij… ] AJC ‘Martii’.

158 biber] por ‘liber’, AJC id., em nt.:« ‘Sic’, por ‘Liber’.»

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L07 manu τ faciam(us) in(de) ub seruitio in(de) 159 fide τ u(er)itate

τ si alit(er) fecerim τ hunc

L08 plc 160 excesserim pariete 161 p(os)t parte ura sct lbr canon

τ iudicu(m) dic(it). Ma-

L09 nualdus pbr τ m(e)os heredes man(us) nras roboram(us). Uiliamondo

ts . Suei-

L10 ro ts . Odario ts . Eirigu ts . Aluitu ts . pbr nt . Petr(us)

eps bracaren 162 conf.

159 in(de)] por ‘in’, AJC ‘inde’, em nt.: « ‘Sic’, por ‘in’.»

160 plc ] AJC ‘placitum’.

161 pariete] por ‘pariem’, AJC id., em nt.: « ‘Sic’, por ‘pariem’.»

162 bracaren ] no ms. < bracaren— >, AJC ‘Bracarensis’.

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#04. TEXTO Nº102 DATA: 1071 Março 27 REFERÊNCIA: Liber Fidei fls.25v-26r, doc. 061

(AJC, tomo I estampa III p.81 — rubrica e ll.1-9,

e estampa IV p.87 — ll.10-12))

[fl.25v.] Pactum qd faciunt petr(us) eps τ canonici / bracareη 163 cum

manualdo p(re)sbit(er)o sup(er) h(er)editate de aliste. L01 MAnualdo pbr de sco mamete de aliste que ganauit de aragunti

L02 mittit eps . τ inuenim(us) ea sup(er) te manualdo furtiue petr(us)

eps bra

L03 caren 164 τ om(ne)s sui cnocj . 165 Ego manualdo ub petr(us)

eps τ om(ne)s cnoci bra

L04 care pactum simul ee 166 plc 167 facimus ub pro h(er)editate qe

tenem(us) de uras

L05 man(us) τ de illu 168 sede p(er) illa ura carta qantum in ea resonat

p(er) passos τ

L06 cubitos in uilla aliste ut teneas τ edifices τ plantes p(os)t partem braca

L07 re non sobrini nc nepti nc nulla p(ro)sapie ni p(er) manu ipsi(us) sedis

τ ego ma

163 bracareη ] no ms. <bracar eη >, AJC ‘BRACARENSES’.

164 bracaren ] no ms. <bracar en >, AJC ‘Bracarensis’.

165 AJC acresc. ‘Ego Manualdo vobis Petrus episcopus et omnes sui canonici.’

166 ee] por ‘et’, AJC id., em nt.: « ‘Sic’, por ‘et’.»; a sequência gráfiac <et> na letra visigótica pode facilmente ser tomada como <ee>, devido à semelhança gráfica entre as duas letras.

167 plc ] AJC ‘placitum’.

168 illu] por ‘illa’, AJC id., em nt.: «Sic, por ‘illa’, devido a confundir o ‘a’ visigótico caligráfico com o ‘u’.»

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L08 nualdu pbr si minime fec(er)im τ plc 169 excessero qomo paria(m)

ip(s)a 170 heredita L09 te que mi dedistis de uras man(us) in quadruplo τ ad potestate(m) regis

[fl.26r.] L10 similit(er). ea. Ma.Ca.VIIIIa.VIo. klds apilis. Aderigus co(n)f . Odario

conf .

L11 Andulfa 171 conf . Gontado conf . Ego manualdo manu m(e)a

Roboro. L12 Petr(us) eps conf . Menendus pbr notauit.

169 plc ] AJC ‘placitum’.

170 ip(s)a ] no ms. < ipa% >, AJC ‘ipsam’; o sinal de abreviação está de facto sobre o <a> e não sobre o <p>, mas facto semelhante ocorre com alguma frequência noutras formas, em o braquigrafema é grafado sobre o grafema seguinte à posição ao grafema abreviado, e não sobre o grafema precedente. A leitura de AJC é assim duplamente errónea, pois ao interpretar o sinal braquigráfico como abreviatura de <m> final deveria indicar a omissão de <s> na sua leitura, ou seja, deveria transcrever ‘ip[s]am’. No entanto o aspecto mais grave desta leitura errónea, e o que justifica de facto esta nota extensa, é o facto de o lapso de leitura do editor resultar na transcrição de um elemento morfémico-flexional que o ms. não indica. A forma ‘ipsa’ que determina (provavelmente com valor articulóide) o substantivo ‘hereditate’ depende sintacticamente do verbo precedente ‘paria(m)’ que subcategorzia objecto directo. Ora o contexto textual e sintáctico que envolve a forma ‘ipsa’ mostra a ausência de marcação gráfica de certos aspectos morfémico-flexionais relacionados com a regência do complemento directo: ‘pariam ipsa hereditate que mihi dedistis’, em vez de ‘pariam ipsam hereditatem quam mihi dedistis’. A omissão desta marcas é deliberada e constitui uma característica importante da língua notarial latino-portuguesa. A leitura ‘ipsa’ é por estas razões preferível a ‘ipsam’ ou mesmo ‘ip[s]am’.

171 andulfa] por ‘andulfu’, AJC id., em nt.: «Por ‘Andulfu’, pelo motivo indicado na nota anterior.»; erro de cópia devido a confusão de <u> da letra visigótica com <a>.

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#05. TEXTO Nº149 DATA: 1083 Abril 14 REFERÊNCIA: Liber Fidei fl.40r, doc. 114

(AJC, tomo I estampa VII p.133)

Testamentum de Eldebredo in uilla de lectones L01 In nne patis τ filíj! τ spu sci qi e in tinitate un(us) τ uer(us) ds .

L02 in honore sce marie semp(er) uiginis cui(us) basilica fundata e

in sede braccara sec(us) L03 fluuiu(m) alist(er) siue sco(rum) . ego clientul(us) ac pusillus omniu(m)

seruus seruo(rum) di licet

L04 indign(us) fmls di eldebredus pccor qi testam(en)tu(m) fac(er)e

decreui de uilla m(e)a p(ro)pia qam

L05 habeo in lectones in uillas de qua(n)to ibi habet sesnando honoriguiz. τ qd nos

L06 comp(ar)am(us) dam(us) in(de) medietate(m) integam. τ e VIa. intega

de qanto in se obtinet p(er) suos

L07 t(er)minos τ locos antiquos. τ in uillar iuxta ip(sa)m de migaríj!

h(er)editate(m) qam gana-

L08 ui de onega u(er)mudiz. τ de suis co(n)g(er)manis τ de mene(n)do

loueriqiz. τ do(m)na 172 sidi.

L09 τ de godino τ de sua g(er)mana. τ illa de aragunti eldreuediz. τ de sua

g(er)mana ad

L10 osinda τ illa de paulo. τ extrema(n)t se ip(s)e h(er)editates int(er)

t(er)minu(m) de nogaria. τ t(er)mi

172 do(m)na] no ms. <do � na>, AJC ‘domna’.

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L11 nu(m) de uelasco enneqiz. τ adicim(us) ibide(m) larea(m) de lica baldoiz.

τ de emisu. Rogo tn uniu(er)su(m) cetum τ p(er) ip(su)m in cui(us)

amore ex m(e)a deuotio(n)e exorat(us) su(m) u iste uille

L12 a loco sco supa nnato n aufferant(ur). Si qis tn quelibet potestas

aut aliqis ho eas

L13 a p(re)d(i)cto loco auferre uolu(er)it auferat dns memoria(m) ei(us)

de libro uite τ cu(m) iustis

L14 n scibant(ur). s(ed) cu(m) iuda p(ro)ditore pare(m) patiatur pena(m)

τ pariat ip(s)as uillas qadru

L15 platas τ insup(er) duo auri talenta. Fca series testam(en)ti die.

XoVIIIIo. kl maíj !.

L16 ea. Ma. Ca. XXa. Ia. eldrebedus pccor . hu(n)c 173 scipturam

testam(en)ti manu m(e)a roboraui.

L17 Ee 174 ego menendo anagildiz adicio ad ip(su)m testam(en)tu(m) de ip(s)is lareis qd cum

L18 dns eldreuedus cu(m) matre m(e)a sortiauit nne spanili: τ ego

eldreuedo L19 qantum ganaui in sca maria de ferrarios.

173 hu(n)c] por ‘hanc’, AJC id.; erro de cópia devido a confusão entre <a> visigótico aberto e <u>.

174 Ee] por ‘Et’, AJC ‘Et’, em nt.: «No texto: ‘Ee’.»

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#06. TEXTO Nº172C DATA: 1088 REFERÊNCIA: Liber Fidei fl.158r, doc. 600

(AJC, tomo III estampa XXI p.24)

Karte dni Petri Archiepi pimi. τ h 175 carta e de pa(n)noníj!s

de Uilla que dicit(ur) quintanela. — L01 Domnis inuictissimis hac triu[m]phatorib(us) 176 scis q(ue)

mrib(us) luce glose p(er)fus(us) cui(us) baselica 177

L02 fundata ee dignoscit(ur) sedis bacareη 178 metropolitane eccle .

Ego gontote co(n)mitissa 179 p(ro)lis

L03 nunici τ ilduara men(en)diz. Annuit en(im) mi uolu(n)tas u 180

p(ro)remedio aie méé facio textu(m) scipture firmitatis ad illa sede que

e misera τ orbata τ ub petro epo τ os clerici kanonici ecce de

L04 h(er)editate m(e)a p(ro)pia qam habeo in t(er)ritorio pa(n)nonias uilla

qam uocita(n)t qintanela s(u)bt(us) mo(n)s ce-

175 h ] AJC ‘HEC’.

176 triu[m]phatorib(us)] no ms. < triuphatorib; >, AJC ‘triu[m]phatoribus’.

177 baselica] com o <i> entrelinhado, AJC ‘baselica’; o entrelinhamento do <i>, não indicado por AJC, pode indicar aqui um lapso na redacção da forma <baselica> significativo, resultante da interferência de padrões e estrtututas do ptg. ant. na escrita tradicional alatinada. A forma sem <i>, que o redactor ou copista escreveu num primeiro momento como <baselca>, sendo o<i> inserido posteriormente na entrelinha, correponde à forma gráfica antigo-portuguesa <baselga>; tanto uma como a outra seriam oralizadas [ba� e!lga] ou [ba� E!lga]. A forma <baselga > sobrevive ainda hoje na toponímia, como refere o DELP, que fornece outras formas de textos “latino-bárbaros”: ‘baselica’, ‘uaseliga’ e ‘baseliga’ (DELP ‘basílica1 ’ pp.399-400).

178 bacareη ] no ms. < bacareη � >, AJC ‘Bracarensis’.

179 co(n)mitissa] no ms. < co � miti∫∫a >, AJC ‘commitissa’.

180 u(t)] entrelinhado, AJC ‘ut’.

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L05 llarelios τ ribolum corrago t(er)ritorio brc 181 . Obinde ego comitissa

do(m)na 182 gontrote ut de hodie die L06 τ tp(or)e sit de iuri m(e)o abrasa τ in uro de illa sede sit co(n)firmata

semp(er) habit(ur)a. Ut si qis ex gen(er)is m(e)i

L07 euen(er)it tam de p(ro)pinqis qam de extraneis u(e)l ext(er) sit extaneus ad scam cetu de eccle . τ insup(er) illa

L08 h(er)editate in qadruplo τ duo auri talenta τ ad ille rex qi illa t(er)ra

imp(er)ab(er)it suo iudicato τ illa

L09 sede p(er)petim habit(ur)a. Ego co(n)mitissa 183 domna gontrote p(ro)lix

nuniz τ ilduare manu m(e)a coN

L10 firmo de illa h(er)editate p(er) suis t(er)minis τ locis antiqis cum om(n)i

sua aprestantia 184 ubi ea potu(er)itis

L11 inuenire τ ganaui ea cu(m) uiro m(e)o co(n)mite 185 do(m)no 186

uelas[c]o 187 adicio etia(m) hic uno frontal grecisco L12 de octo cubitos in longo τ sct illa eccla in amplo τ uno fugazario

nne galindo τ 188 ille liber

181 brc ] AJC ‘Bracarensi’.

182 do(m)na] no ms. < do � na >, AJC ‘domna’.

183 co(n)mitissa] no ms. < co � miti∫∫a >, AJC ‘commitissa’.

184 ap(re)stantia] AJC ‘apresentantia’.

185 co(n)mite] no ms. < co � mite >, AJC ‘commite’.

186 do(m)no] no ms. < do � no >, AJC ‘domno’; v. supra nt.7.

187 uelas[c]o] AJC ‘Velas[c]o’.

188 τ ] AJC ‘e’.

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L13 passionario ip(su)m mi bn co(m)placuit. τ ip(s)a p(ro)fessione fec(it)

ea in monast(er)io de argintym i(n) m(e)a salu

L14 te τ sana m(en)te ablata ubi fuer(unt) multi filíj! bono(rum) hominu(m).

Facta series testam(en)ti. Era .Ma.Ca.

L15 .XXa.VIa. manu m(e)a R—O,— —o 189. qi p(re)sentes fuer(unt) de argentim aloit(us) abbas. Mit(us) ts . pb . frogia pbr

L16 ts . petr(us) pb ts . argelo d(e)ouota ts . & de illa sede.

Eldrebreo 190 arcidcno de illa sede (con)f . mene(n)d(us) bandi-

L17 laz (con)f . Galind(us) arcidcns (con)f . baltarius

arcidcns (con)f . Gu(n)disalb(us) mitici (con)f . Meni(n)d(us)

meni(n)diz (con)f . pla 191

L18 arias (con)f . Petr(us) bacareη 192 eps (con)f . [sinal] PETRUS

p(e)lagi(us) pbr notuit.

189 R—O—o] AJC ‘r—o[bor]—o’.

190 Eldrebreo] com o segundo ‘r’ entrelinhado, AJC ‘Eldrebeo’.

191 pla ] AJC ‘Pelagius’.

192 bacareη ] no ms. < bacareη � >, AJC ‘Bracarensis’.

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#07. TEXTO Nº166C DATA: 1087 Outubro 19 REFERÊNCIA: Liber Fidei fl.158r, doc. 601

(AJC, tomo III estampa XXI p.24)

Karta de Uarzena de ripa de Tamega. L01 In nne dni nri ihu xi. ego fmls di godesteu eizoniz. τ godesteu

froilaz. τ godesteu miriz. &

L02 ero eriz. τ uimara mauraniz: τ gundisaluo p(e)laiz. & furtunio pla

193. & fmlas di . Geluira mi-

L03 riz. τ geluira lopiz. & auria eizoniz. In dno do et(er)na saltm

am(en). Annuis 194 nb uolu(n)tas u fac(er)em(us)

L04 ub petro brc 195 epo dotem baselice uocabulo sci saluatoris:

τ sci michaelis. τ sci iuliani i(n) uilla

L05 quam uocita(n)t uarcena t(er)ritorio flauias discurre(n)te ribulo tameca.

quociens ab alico fide L06 liu(m) (con)secandas eclas eps euitat(ur) 196 p(er) donatione(m)

(con)firmatu(m) accipiat: τ n sic 197 sine lu-

L07 minaríj!s u(e)l sine suste(m)ptatio(n)e clerico(rum) qi iide(m) seruit(ur)i s s[ed] 198 i(n) oi cicuitu ecce .LXXXa.IIIIor. dextros

193 pla ] AJC ‘Pelaiz’.

194 Annuis] AJC ‘Annuit’, em nt.: «No texto: ‘annuis’.»; em A e B ‘annuis’.

195 brc ] AJC ‘Bracarensi’.

196 euitat(ur)] AJC ‘invitatur’, em nt.: «No texto: ‘evitatur’.»; em A e B ‘euitatur’.

197 sic] AJC ‘sit’, em nt.: «No texto: ‘sic’.»; em A e B ‘sic’.

198 s[ed] no ms. < ∫ >, AJC ‘sed’.

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L08 t(er)minet(ur). p(er) man(us) gutino pbr du(m) uita uix(er)it τ n aueat

licitu(m) ad nulla forma ominis extra- L09 niare u(e)l seruire ni ad ille eps sct τ alias eclas τ illos h(er)edes qi

n facia(n)t ii nulla dist(ur)batio(n)e

L10 qi lex uetat τ illos cl(e)ricos qi facia(n)t s(er)uitiu(m) ad illos eredes

sic(ut) 199 canuu(m) 200 docet τ se 201 extaniaret

L11 au(er)s(us) eps u(e)l eredes qinge(n)tos sl pari(en)t 202 τ illos

h(er)edes smlit(er) . nos sup(er)i(us) nnati i(n) ha(n)c dote(m)

man(us) L12 nras roborauim(us). τ qi exin(de) alit(er) fec(er)it anatema sit. τ in sr

pariat ad ille eps bracareη 203 illa ecla

L13 i(n) qadruplu 204. Regna(n)te adefonsus rex fili(us) ferdena(n)di. Facta K τ scipt(ur)a sub die qd erit XIIII kds

199 AJC acresc. ‘[Liber]’; Em A e B ‘sicut canuum docet’.

200 canuu(m)] AJC ‘canonum’ , em nt.: «No texto: ‘canuum’.»; em A e B ‘canuum’; a forma ‘canuum’ indica provavelmente a pronúncia antigo-portuguesa [ka!no)o]. A omissão de ‘liber’ em ‘liber canonum’ é também frequente, indicando que <canonum> (originariamente gen pl.) foi relexificado como designação genérica.

201 se] AJC ‘si’, em nt.: «No texto: ‘se’.»

202 pari(en)t] no ms. < parit¯ >, AJC ‘pariat’, em nt.: «No texto: ‘pariter’.»; em A e B ‘parient’. Do ponto de vista paleográfico, a leitura ‘pari(en)t’ (idêntica à lição do original) é a mais plausível, apesar de o sinal braquigráfico estar sobre o ‘t’. V. g. os casos semelhantes de <ipa � > ‘ip(s)a’ (doc. LF061/L08, comentado em nota) <deuotioe � > ‘deuotio(n)e’ (doc. LF114/L11), e <omi� b;> ‘om(n)ib(us)’ (doc. LF685/L06), com o sinal de ‘n’ sobre a letra seguinte. Do ponto de vista linguístico, também a leitura ‘parient’ é preferível a ‘pariat/pariet’, já que o sujeito da frase está no plural: ‘illos clericos’. A forma verbal precedente ‘extraniaret’ de singular (‘extraniarent’ no original) pode explicar-se por um simples lapso de copista, por omissão do sinal de abreviação de <n> sobre o <e> da terminação. Em A e B ‘et illos clericos que [em B ‘qui’] faciant seruitium ad illos eredes [em B ‘heredes’] sicut canuum docet et si extraniarent auersus episcopus uel eredes quinientos [em B ‘D’] solidos parient … ’

203 bracareη ] no ms. < bracareη � >, AJC ‘Bracarensis’.

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L14 nbr .ea.Ma.Ca.XXa Va. Qi uider(unt) τ audier(unt) id s . Men(en)d(us)

ts . Mitu ts . alio men(en)d(us) ts . P(e)lagio ts .

L15 Didac(us) (con)f . Godesteu (con)f . P(e)lagio qai pbr qi nt .

Petr(us) bracareη 205 eps (con)f . Petr(us)

204 qadruplu] AJC ‘quadruplum’.

205 bracareη ] no ms. < bracareη � >, AJC ‘Bracarensis’.

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#08. TEXTO Nº200 DATA: 1099 Outubro 21 REFERÊNCIA: Liber Fidei fl.71v, doc. 219

(AJC, tomo I estampa XIII p.252)

Pactum τ plazum qd fecer(unt). P(e)lagi(us) cresconiz / τ uxor sua

fram(u)la d(e) IIIIa. d(e) sauariz. L01 Duodecimo kl nouenbis .ea.Ma.Ca.XXXa.VIIa.

L02 Pelagi(us) cresconiz τ uxor ma. Flamula 206 τ frs m(e)i didacus

alfonsus. τ menendus

L03 PActu(m) simul τ placidu(m) facim(us) ub Geraldo epo de sede

bracara. τ cl(er)icis. τ successorib(us)

L04 uris p(ro) ipsa uilla sauariz. τ sci michaelis qa(m) 207 testauit

fr ms froila cresconiz ad scam

L05 mariam de bracara. τ epo d(o)mno peto. τ p(os)t morte(m) froile

p(re)sit illa(m) pelagi(us) Gutierriz

L06 τ baralauim(us) illa(m) cu(m) pelagio petiz. τ suario menendiz.

τ gunsaluo mdz . τ fecer(unt)

L07 int(er) se diuisione(m). τ deder(unt) in(de) medietate(m) ad rege(m)

τ IIIIa. ad uarzena(m). τ alia(m) IIIIa(m). tenui

L08 ego pelagi(us) cresconiz in uoce de fre m(e)o froila τ cognouim(us)

in u(er)itate. τ tornauim(us)

L09 illam in manus de epo d(o)mno Geraldo ad sedem bracara(m)

p(er) suos t(er)minos τ locos an

206 Flamula] com o primeiro ‘l’ corrigido de um ‘r’, AJC ‘Flamula’, em nt.: «Corrigido de ‘Framula’.»

207 qam] no ms. < q 2a >, AJC ‘quam’ .

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L10 tiqos cu(m) domib(us) τ edificijs qa(n)tu(m) 208 in se obtinet

τ ad p(re)stitu(m) hois e . ip(s)a(m) IIIIa. ab integro

L11 ub (con) firmam(us) τ cora(m) testib(us) adsignam(us) sct in illa carta

resonat p(er) ipm codu(m). τ eRa.

L12 hbtis illa(m) de ma parte absolutam. τ n calumniem(us) ub neq(ue)

sanguinei nri ad int(er)ces

L13 sorib(us) uris p(er) nulla(m) actione(m) τ si minime fec(er)im(us). τ

istu(m) plz 209 exierim(us) pariem(us) p(os)t ura(m)

L14 parte(m) u(e)l illi qi istu(m) plz 210 obseruau(er)it qantu(m)

petierim(us) in duplo. τ in sr duo bine mille

L15 auri tale(n)ta τ iudicatu(m). ad XII dies post plz 211 exelsum pagatu(m)

τ sct tenderim qd

L16 duple(n)t sententia de illo plz 212 . Nos sup(er)i(us) nnati h 213

placitu(m) manib(us) nris roborauim(us).

L17 Fredenand(us) ts . Pt ts . Egica ts . Pl ts . Gugit(us) abbas

(con). Mnd(us) ordoniz (con). Pli(us) petiz (con).

L18 Arias abbas (con). Midus archidcn(us) (con) . Mene(n)do tructiz (con).

ERo srz (con) . Pt not .

208 qa(n)tu(m)] no ms. < q 2atu � >, AJC ‘quantum’.

209 plz ] AJC ‘plazum’.

210 plz ] AJC ‘plazum’.

211 plz ] AJC ‘plazum’.

212 plz ] AJC ‘plazo’.

213 h ] AJC ‘hoc’.

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#09. TEXTO Nº212C DATA: 1101 Maio 08 REFERÊNCIA: Liber Fidei fl.183, doc. 685

(AJC, tomo III estampa XXIII p.120)

Carta de h(er)editate de Auellaneda L01 In nne dni τ píí. Ego fmla di adib(er)go cognom(en)to bona

in dno do semp(er) sal(u)t(e)m. Mos qipe extat

L02 felicium seruie(n)tib(us) deo aliqid tibu(er)e unde sibi comoda celestia

conquira(n)t. qap(ro)pt(er)ea concedo L03 ub do(m)no 214 geraldo arciepo brc 215 sedis Pl 216 om(ne)s

clerici qi tecu(m) in seruitio di p(er)manent. τ sce marie

L04 uiginis τ sco(rum) aplo(rum) peti 217 τ pauli. τ alíj! sci qo(rum)

reliqie hic c[on]tine(n)t(ur) 218 .Io. casale de h(er)editate

L05 m(e)a qam conpar[a]ui 219 cum uio m(e)o p(e)lagio dauit de gundisaluo

lucidi in uilla uoci- L06 tata auelaneta subt(us) mo(n)s lompata τ ribolum aliste t(er)ritorio brc

220. do ub ipm casale(m)

214 do(m)no] no ms. <do � no>, AJC ‘domno’.

215 brc ] AJC ‘Bracarensis’.

216 Pl ] no ms. < P: >, AJC ‘et’, em nt.: «No texto: ‘ pl’ ’.»; erro de cópia provavelmente devido a salto para a linha seguinte em que ocorre o nome ‘Pelagio Dauit’ (< p:agio dauit>).

217 peti] por ‘peti’, AJC ‘Pet[r]i’; o copista por lapso não sobrescreveu o <i> final em relação ao <t>; a correcção do editor não é assim necessária.

218 c[on]tine(n)t(ur) ] no ms. < ctine � t ] >, AJC ‘continentur’.

219 conpar[a]ui] AJC ‘conparaui’.

220 brc ] AJC ‘Bracarense’.

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L07 ab intego cum om(n)ib(us) edificíj!s τ t(er)ris de foris τ cum suis aqis qe

eam inrigare solent. exta de L08 medietate septima qi e de gotierre p(e)laiz do atq(ue) dono ip(s)am

h(er)editate(m) ut habea(n)t inde L09 semp(er) serui di stipendiu(m) τ ego ante dm inconuulsu(m)

p(re)miu(m). nemine(m) qidem ordino extaneis L10 u(e)l p(ro)pinqis qi ibibem 221 ub aliqando in tpe disturbatione(m) nc

in modico faciat. hec feci unde mi L11 copia mercis ueniat. u(e)l id qd obto desup(er) adqiram. Ip(s)o dno

iubente merear. qd 222 hoc fcm

L12 mm exiguu(m) uiolare temptau(er)it aut de iure di τ sce me

toll(er)e p[ro]bab(er)it 223 qd do Xo a toth

L13 demonu(m) legiones arripiat(ur). τ in euo cum eisdem legionib(us)

arsur(us) in tarta(rum). ubi iu- L14 das piceas portat incendíj ! penas: qisqis ille es qd mm frang(er)e

tenore(m) lege. aut pauid(us) L15 a tua uoluntate te ipm 224 c(on)pesce 225 aut uiolator p(re)dict(us)

demonu(m) turbis si uellis amisce. & L16 p(ro) damna sclaria parias p(os)t p(ar)tem imp(er)atoris auri tale(n)ta

una τ illa h(er)editate i(n) qadrupl � 226

221 ibibem] por ‘ibidem’, AJC ‘ibidem’, em nt.: «No texto: ‘ibidem’ [sic]. »

222 qd ] AJC ‘qui’, em nt.: «No texto: ‘quod’.»

223 p[ro]bab(er)it] no ms. < pbab � it >, AJC ‘probaberit’.

224 te ipm ] AJC ‘teipsum’.

225 c(on)pesce] no ms. < c� pe∫ce > com o ‘s’ entrelinhado, AJC ‘compesce’.

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L17 p(os)t p(ar)te(m) pulsantis uoce(m) ip(s)i(us) testam(en)ti. VIIIo. id(us)

magíj !. Era .Ma.Ca.XXXa.IIIIa. Facta series testa

L18 menti. Ego adib(er)go cognom(en)to bona manib(us) m(e)is roboro.

p(ro) testib(us) petr(us) ts . p(e)lagi(us) ts .

L19 aluito ts . men(en)d(us) ts . p(e)lagi(us) u(er)muiz τ filíj!s m(e)is

(con)f . godin(us) p(e)laiz (con)f . Godin(us) alfonso &

L20 frib(us) hac sororib(us) m(e)is (con)f . Godino pla 227 (con)f .

honega pla 228 (con)f . madreona (con)f . abbas sese-

L21 ric(us) qi uidi. Magist(er) b(er)nard(us) qi uidi. p(e)lagi(us) peti qd

uidi. Suerius gundisalui qi uidi. petr(us)

L22 ermigiz 229 qi uidi. p(e)lagi(us) men(en)diz qid 230 uidit. honoric(us) pior

qi uidit. mid(us) uiliamondiz qi

L23 uidi. petr(us) uiliamondiz qi uidi. p(e)lagi(us) gutierriz 231 qi uidi. frogiani archidcns qi uidi.

L24 Uimara arcidcns qi uidi. alio uimara moniz qi uidi. Monio diacon(us)

qi uidi. pelagius

L25 aroniz notuit.

226 qadrupl� ] no ms. < qadrup: >, AJC ‘quadruplum’.

227 pla ] AJC ‘Pelaiz’.

228 pla ] AJC ‘Pelaiz’.

229 ermigiz] com o ‘r’ entrelinhado, AJC ‘Ermigiz’.

230 qid] AJC ‘quod’.

231 gutierriz] com um <e> supontado entre o segundo <r> e o <i> seguinte, AJC ‘Gutierriz’.

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Problemas de edição: divergências entre a transcrição diplomática e a edição

crítica do Liber Fidei

A edição de um manuscrito é sempre uma manipulação que extrai o texto do seu

“habitat natural” e o transfere para outro tipo de ambiente ou ‘medium’ 232 ,

despojando o texto da sua materialidade grafémica, paleográfica e codicológica

original. A edição resulta de uma intencionalidade de mediação (melhor, de

transmediação) do texto que depende sempre, explícita ou implicitamente, de uma

perspectiva sobre o texto: a edição pressupõe sempre um modelo e um programa.

Cerquiglini explicita esta problemática de forma lapidar:

L’édition est un choix: il faut trancher, et savoir les raisons du geste qui récuse.

[…] L’éditeur choisit de donner à entendre ce qu’il juge la spécificité de l’œuvre,

ce qui est pour lui sa vérité; on comprend dés lors que toute édition se fonde sur

une théorie, souvent implicite, de l´œuvre. […] la philologie médiéviste, fondée

dans la pensée textuaire, a opté pour une réduction maximale du manuscrit à

l’objet textuel contemporain et á l’idée des lettres dont il s’accompagne. 233

A função do editor é, adoptando critérios bem fundamentados, claros e

consistentes, proceder a essa “transplantação” infligindo o mínimo de distorções à

realidade textual original, ou inflingindo as estritamente necessárias para

preencher o seu objectivo editorial específico. O objectivo último de uma edição é

sempre, convém recordá-lo, seja qual for o tipo de edição em vista, o de fixar e

232 Não incluo aqui as chamadas “edições facsimiladas”. Na realidade a reprodução fotográfica de um manuscrito não é uma edição de texto, tal como a fotocópia de um impresso não constitui uma nova edição do texto fotocopiado.

233 Cerquiglini 1989:43-4.

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preservar um texto ou um testemunho de um texto, pondo-o à disposição de um

determinado conjunto de leitores.

A edição de um manuscrito medieval faz sempre violência ao texto na sua

materialidade paleográfica e ortográfica original: o desenvolvimento de

abreviaturas (ainda que feito de forma conservadora), a substituição de caracteres,

a alteração da pontuação original, são processos de transliteração, que resultam

inevitável e efectivamente na transferência de um código de escrita para outro,

baseado em regras, convenções e expectativas distintas; é um processo de cujas

implicações conceptuais e formais poucos editores se parecem aperceber

explicitamente, mesmo os mais filologicamente sensíveis.

Estes comentários de âmbito geral, referentes no fundo a questões de princípio ou

de estratégia de transcrição/edição, justificam-se em ordem a clarificar o tipo de

problemas levantados pela elaboração do corpus textual desta dissertação a partir

da edição crítica, sobretudo no que concerne a sua validade face à realidade

material dos textos tal como o Liber Fidei no-la conserva.

Assim, os comentários que seguem, e como já referi acima, não constituem a

crítica da edição crítica. Pretendem explicitar, face a uma amostra textual

concreta, o tipo de problemas que a transcrição e edição de textos medievais

irremediavelmente concita, sendo a sua complexidade de maior ou menor grau de

acordo com os critérios à partida definidos. No caso concreto, os critérios

adoptados na edição crítica do Liber Fidei, e seguidos em parte, na elaboração do

Corpus de Textos Notariais do Liber Fidei (1050-1110), levantam de facto muitos

problemas, e limitam efectivamente o tipo de análises textuais e linguísticas

realizáveis sobre os textos assim editados ou transcritos.

A amostragem do Liber Fidei acima transcrita de forma deliberadamente

conservadora (e cuja transcrição pode ser facilmente confrontada com as

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reproduções fotográficas incluídas na edição crítica) revela a existência de alguns

problema de transcrição, que passo a discriminar e a comentar.

É possível distinguir quatro tipos de problemas:

1. resolução da indeterminância grafémica de algumas

abreviaturas;

2. leituras erróneas do editor;

3. lições do manuscrito consideradas “incorrectas” e alteradas

deliberadamente pelo editor;

4. lapsos do editor ou de composição tipográfica (i. e. ‘gralhas’ da

edição).

*

O ponto 1., que tem a ver com a incontornável indeterminância de certas formas

abreviadas, é provavelmente o mais complexo: o próprio conceito de “resolução

das abreviaturas” frequentemente empregue por editores de texto ou por

medievalistas em geral mostra como a natureza específica das grafias medievais

escapa realmente aos estudiosos modernos, que aí não vêem mais que um

“problema” que deve ser “solucionado” na edição.

Se de facto as abreviaturas são um “puzzle”, são-no apenas no sentido em que

remetem para um tipo de escrituralidade baseado em princípios diferentes dos das

ortografias modernas. Essa escrituralidade deve ser apreendida no contexto em

que se manifestou e desenvolveu, e não avaliada, e muito menos julgada em

função de critérios que a descontextualizam cultural e cronologicamente, e que

irremediavelmente a distorcem.

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Quando se trata de transliterar todas as formas de um manuscrito utilizando

convenções ortográficas baseadas na sequência linear das ‘letras’, a transliteração

de algumas formas abreviadas torna-se evidentemente problemática: refiro-me

sobretudo às formas cuja indeterminância grafémica envolve a suspensão de

elementos com conteúdo representacional lexémico e morfémico, de actualização

dependente do contexto.

A amostra do Liber Fidei acima considerada e transcrita apresenta alguns casos

deste tipo: o adjectivo atributivo ‘bracarensis’, os substantivos ‘placitum/plazum’,

o antropónimo e patronímico correspondente ‘pelagius/pelaiz’, os pronomes

demonstrativos ‘hec/hoc’, e em menor número o substantivo plural ‘solidos’, o

nome próprio ‘petrus’ e o substantivo ‘karta’.

Na lista seguinte de formas e ocorrências contraponho as formas da edição crítica

às formas abreviadas, correspondendo o número entre parênteses (aposto à forma

abreviada) ao número de ocorrências na amostra acima transcrita.

Formas abrevidas da amostra com elevado grau de indeterminância lexémica

ou morfémico-flexional

• ‘bracarensis’

ms. AJC

< brc > (4) ‘subtus mons Cellarelios et ribolum Corrago territorio Bracarensi ’ Nº172C/L05 (LF600)

‘ut faceremus vobis Petro Bracarensi episcopo ’ Nº166C/L04 (LF601)

‘concedo vobis domno Geraldo archiepiscopo Bracarensis sedis’ Nº212C/L03 (LF685)

‘in villa vocitata Avelaneta subtus mons Lompata et ribolum Aliste territorio Bracarense ’ Nº212C/L06 (LF685)

< bacareη > (2) ‘cuius baselica fundata esse dignoscitur sedis Bracarensis metropolitane ecclesie’ Nº172C/L02 (LF600)

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‘Petrus Bracarensis episcopus conf.’ Nº172C/L48 (LF600)

< bacaren > (1) ‘ad radice de Sancta Marta qui dividet cum villa Eigani et villa Nugaria territorio Bracarensi ’ Nº001/L03-04 (LF174)

< bracareη > (6) ‘in villa Aliste territorio Bracarensi ’ Nº086/L03 (LF060)

‘PACTUM QUOD FACIT MANUALDUS PRESBITER CUM SUIS HEREDIBUS PETRO EPISCOPO ET OMNIBUS BRACARENSIBUS CANONICIS ’ Nº101/Rubrica (LF062)

‘PACTUM QUOD FACIUNT PETRUS EPISCOPUS ET CANONICI BRACARENSES ’ Nº102/Rubrica (LF061)

‘et placitum facio vobis Petrus episcopus omnibus canonicis Bracarensis sedis ’ Nº101/L02 (LF062)

‘pariat ad ille episcopus Bracarensis ’LF601/Nº166C/L12

‘Petrus Bracarensis episcopus conf.’ Nº166C/L15 (LF601)

< bracaren > (2) ‘et invenimus ea super te Manualdo furtive Petrus episcopus Bracarensis ’ Nº102/L02-03 (LF061)

‘Petrus episcopus Bracarensis conf.’ Nº101/L10 (LF062)

• ‘placitum/plazum’

ms. AJC

< plc > (4) ‘pactum simul et placitum facio vobis Petrus episcopus’ Nº101/L02 (LF062)

‘et si aliter fecerim et hunc placitum excesserim’ Nº101/L08 (LF062)

‘pactum simul ee placitum facimus vobis’ Nº102/L04 (LF061)

‘si minime fecerim et placitum excessero’ Nº102/L08 (LF061)

< plz > (4) ‘et si minime fecerimus et istum plazum exierimus’ Nº200/L13 (LF219)

‘vel illi qui istum plazum observaverit’ Nº200/L14 (LF219)

‘ad XII dies post plazum exelsum’ Nº200/L15 (LF219)

‘quod duplent sententia de illo plazo.’ Nº200/L16 (LF219)

< placidum > (1) ‘Pactum simul et placidum facimus vobis Geraldo episcopo de sede Bracara’ Nº200/L03 (LF219)

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< placitum > (1) ‘Nos superius nominati hoc placitum manibus nostris roboravimus’ Nº200/L18 (LF219)

< plazum > (1) ‘PACTUM ET PLAZUM QUOD FECERUNT PELAGIUS CRESCONIZ ET UXOR SUA …’ Nº200/Rubrica (LF219)

• ‘pelagius/pelaiz’

ms. AJC

< pla > (4) ‘Pelagius Arias conf.’ Nº272C/L17 (LF600)

‘et Gundisalvo Pelaiz et Furtunio Pelaiz’ Nº166C/L02 (LF601)

‘Godino Pelaiz conf.’ Nº212C/L20 (LF685)

‘Honega Pelaiz conf.’ Nº212C/L20 (LF685)

< Plius > (1) ‘Pelagius Petriz conf.’ Nº200/L17 (LF219)

<p(e)lagi(us)> (6) ‘Pelagius presbiter notuit’ Nº272C/L18 (LF600)

‘PACTUM ET PLAZUM QUOD FECERUNT PELAGIUS CRESCONIZ ET UXOR SUA …’ Nº200/Rubrica (LF219)

‘Pelagius ts.’ Nº212C/L18 (LF685)

‘Pelagius Vermuiz et filiis meis conf.’ Nº212C/L19 (LF685)

‘Pelagius Petri quod vidi’ Nº212C/L21 (LF685)

‘Pelagius Menendiz quid vidit’ Nº212C/L22 (LF685)

<pelagi(us)> (3) ‘Pelagius Cresconiz et uxor mea Flamula’ Nº200/L02 (LF219)

‘presit illam Pelagius Gutierriz’ Nº200/L05 (LF219)

‘tenui ego Pelagius Cresconiz’ Nº200/L08 (LF219)

<p(e)lagio> (2) ‘Pelagio ts.’ Nº166C/L14 (LF601)

‘cum viro meo Pelagio Petri’ Nº212C/L05 (LF685)

<pelagius> (1) ‘Pelagius Aroniz notuit’ Nº212C/L22 (LF685)

<pelagio> (2) ‘et baralavimus illam cum Pelagio Petriz’ Nº200/L06 (LF219)

‘Pelagio quasi presbiter qui notuit’ Nº166C/L15 (LF601)

<p(e)laiz> (3) ‘et Gundisalvo Pelaiz et Furtunio Pelaiz’ Nº166C/L02 (LF601)

‘extra de medietate septima qui est de Gotierre Pelaiz’ Nº212C/L08 (LF685)

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120

‘Godinus Pelaiz conf.’ Nº212C/L19 (LF685)

• ‘hec/hoc’

ms. AJC

< h > (3) ‘et de hoc omnia VIII.ª portione vobis vindo’ Nº001/L05 (LF174)

‘ET HEC CARTA EST DE PANNONIIS’ Nº172C/Rubrica (LF600)

‘Nos superius nominati hoc placitum manibus nostris roboravimus’ Nº200/L18 (LF219)

<hec> (1) ‘Hec feci unde mihi copia mercis veniat’ Nº212C/L10 (LF685)

<hoc> (1) ‘Qui hoc factum meum exiguum violare temptaverit’ Nº212C/L11 (LF685)

• formas diversas: ‘solidos’, ‘petrus’ , ‘karta’

ms. AJC

< sl > (2) ‘id est cauallo dosno de IIII.or solidos gallicanos et II.os solidos in alio

precio sub uno VI.es solidos gallicanos que uos mihi dedistis’. Nº001/L08 (LF174)

‘qinge(n)tos solidos parient’ Nº166C/L11 (LF601)

< sldos > (2) ‘id est cauallo dosno de IIII.or solidos gallicanos et II.os solidos in alio

precio sub uno VI.es solidos gallicanos que uos mihi dedistis’. Nº001/L08 (LF174)

< Pt > (1) ‘Fredenandus ts., Petrus ts., Egica ts.’ Nº200/L17 (LF219)

< K > (1) ‘Facta karta et scripta’ Nº116C/L13 (LF601)

O adjectivo atributivo ‘bracarensis’ tem, como seria de esperar, uma ocorrência

muito elevada nos textos do Liber Fidei. Nos 9 textos da amostra ocorre 15 vezes,

sempre em forma abreviada: ou seja, nenhuma das formas dá qualquer indicação

sobre a representação grafémica da terminação flexional adequada ao contexto

sintáctico.

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121

O editor restitui as terminações, como se pode observar na lista acima, de acordo

com o contexto (v. o substantivo, também a negro na lista, com que o adjectivo

concorda).

As soluções do editor não são sempre consistentes, como se vê no desenvolvimento de < brc >, num caso ‘Bracarensi’ noutro ‘Bracarense’ apesar

de o contexto textual e sintáctico ser o mesmo.

As formas gráficas dos nomes próprios ‘pelagius/pelaiz’ são de natureza um

pouco diferente, porque predominam forma extensas ou semi-extensas, em que o

grau de abreviação não levanta problemas sérios de desenvolvimento literal. O

antropónimo ‘pelagius’ (port. mod. ‘Paio’) e o seu patronímico correspondente

‘pelagiz’ ou ‘pelaiz’ (port. mod. ‘Pais’) são dos nomes próprios mais frequentes

na Idade Média, o que está perfeitamente traduzido pela quantidade significativa de ocorrências na amostra considerada. A abreviatura < pla >, pelos contextos

em que ocorre na amostra, e pela existência de formas extensas ou ligeiramente

abreviadas equivalentes não comporta um elevado grau de indeterminância, e a

sua transliteração de acordo com o contexto não é, por isso, controversa nos casos

desta amostra.

Os casos de ‘placitum/plazum’ e ‘hec/hoc’ são semelhantes, ainda que com um

número inferior de ocorrências. Nos dois para além da forma abreviada há

também ocorrências da forma plena.

Note-se que as formas gráficas extensas ‘placitum, placidum, plazum’ (e ‘placito,

plazo’ que não ocorrem na amostra) são formas representacionalmente

equivalentes, i. e. eram oralizadas em português antigo através da mesma

representação fonética [pla!d•zo] ou [p|a!d•zo].

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122

Em relação às formas pronominais é de notar que no latim notarial hispânico

(não-reformado) não há diferença funcional entre ‘hoc’ e ‘hec’ (latim clássico

‘haec’) enquanto pronomes absolutos, ou adjuntos de ‘omnia’. As expressões ‘hoc

omnia’ e ‘hec omnia’ são absolutamente equivalentes 234 . A escolha de <hoc> ou <hec> como desenvolvimento de < h >, em casos como o do primeiro exemplo

acima transcrito, é perfeitamente arbitrária.

O substantivo ‘solidos’ ocorre na amostra apenas 4 vezes sempre em forma

abreviada. A segunda forma indicada acima, ao contrário da primeira indica

claramente a terminação flexional. Mas ambas omitem a letra <i>. Isto deve ser

tido em conta já que a oralização das formas seria em port. ant. [ßo!ldoß], como

aliás mostra mais claramente a forma extensa ‘soldos’ frequente em documentos

latino-portugueses, inclusivamente no Liber Fidei.

O nome próprio ‘petrus’ ocorre 14 vezes no total na amostra: em 12 casos apenas

a terminação de nominativo singular ‘-us’ é abreviada, num caso ocorre uma

forma extensa capitalizada <PETRVS>, por estar associada à transcrição do

‘signum’ do bispo D. Pedro; também num único caso ocorre uma forma abreviada

logograficamente, a acima indicada, cujo desenvolvimento em ‘petrus’ seria

completamente pacífico, não fora o caso de nas subscrições (e não só), a

terminação de nominativo ‘-us’ nos nome próprios masculinos ser frequentemente substituída pela do “caso universal” ‘-o’. Ou seja, < Pt > tanto pode ser

234 «Esta gran afinidad conceptual entre el singular y el plural neutro de pronombres y adjectivos pronominles determina en el último período del bajo latín el uso de ‘omnia’ como forma neutra única y el de ‘hoc’ y ‘quod’ por ‘haec’ y ‘quae’ y viceversa. […] El uso de ‘omnia’ como neutro singular aparece muy frecuentmente en las cartas catalanas del siglo X. Asimismo ‘haec’, especialmente cuando acompaña a ‘omnia’, invade la esfera reservada a ‘hoc’. […] En las cartas del dominio leonés y castellano esta contrucción no es tan frecuente. Con todo, no faltan numerosos ejemplos.» (Bastardas Parera 1953:3-4)

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desenvolvido literalmente (nas subscrições) como ‘petrus’ ou ‘petro’, formas

homófonas.

‘karta’ ocorre 3 vezes em forma extensa, e apenas uma vez em forma abreviada,

acima indicada, cujo desenvolvimento literal, pelo contexto sintáctico em que

ocorre (que exige uma forma de nominativo) não levanta grandes problemas.

Seria outro o caso se se tratasse de um contexto sintáctico a exigir caso-regime ou

oblíquo.

Seria ainda pertinente aqui referir o caso dos numerais cardeais, ordinais e

partitivos, embora eu não dê aqui qualquer lista. Com efeito, a opção de manter ou

não a forma abreviada sobretudo no caso do ordinais e dos partitivos, é

exactamente da mesma ordem dos casos lexicais acima referidos, apesar de não

haver grande hesitação por parte dos editores em manter a distinção entre formas

extensas e formas com numerais romanos.

*

Mais importante que a inconsistência, arbitrariedade, ou simples dependência do

contexto de algumas das “soluções” editoriais referidas, é o facto de essas

soluções resultarem da imposição aos textos de príncipios de ordem gramatical,

que remetem para um tipo de língua que não é certamente a dos textos notariais

do séc. XI (ainda que copiados no séc. XII). As formas abreviadas do tipo acima

descrito são funcionalmente logográficas (em maior ou menor grau, i.e. umas

mais que outras) e é apenas o contexto que determina o seu estatuto

morfo-sintáctico.

Parece-me útil e até pertinente tecer, a partir dos dados muitos concretos que

tenho vindo a apresentar nesta secção, considerações mais gerais sobre a

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problemática dos critérios e objectivos de transcrição e/ou edição de textos médio-

latinos.

Assim, regressando a uma perspectiva mais geral deste tipo de questões, que são

no fundo o dia-a-dia de quem se dedica ao estudo e divulgação de textos

medievais, em especial médio-latinos, a transliteração de formas do tipo acima

apontado (ou seja, a sua conversão em sequências de grafemas, representando

linearmente lexemas e morfemas) altera radicalmente a fisionomia gráfica dos

textos. Isto acarreta opções ortográficas e normalizadoras por parte do editor que

os próprios escribas medievais se abstiveram de fazer.

O problema é irresolúvel a partir do momento em que o editor com o intuito de

facilitar a tarefa do leitor, não necessariamente familiarizado com a braquigrafia

medieval, normaliza a ortografia do texto e resolve as abreviaturas em sequências

literais. Convém no entanto frisar que, do ponto de vista conceptual, a conversão

literal e linear das abreviaturas, ao resolver a indeterminância, afasta radical e

irremediavelmente da realidade material do texto o linguista que o pretenda

analisar a partir da edição: certos estudos grafemáticos e linguísticos estão de

facto vedados a partir de certo tipo de edições, sobretudo as chamadas “edições de

historiadores”.

A única opção editorial paleografica e filologicamente consistente com o

propósito de preservar a configuração estrutural específica da escrituralidade

medieval é não desenvolver as abreviaturas dependentes do contexto, respeitando

o seu carácter logográfico: esta opção conservadora, e que não pretende

obviamente constituir um “facsimile tipográfico” do texto (de pouca utilidade,

aliás, mesmo para o especialista), é a única maneira de possibilitar o acesso por

parte dos estudiosos ao sistema gráfico na sua integridade. É óbvio que esta opção

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acarreta custos e dificuldades, e não parece praticável, ou mesmo desejável em

edições destinadas a um público de não especialistas.

As opções crítico-editoriais do editor de textos medievais devem estar

subordinadas efectivamente a uma estratégia de transcrição e edição 235, que deve

ter em conta quer o público-alvo da edição quer o campo bibliográfico 236 do

texto em questão. Neste sentido, e para concluir estas considerações de ordem

geral, as edições normalizadoras de historiadores, deixam de facto o campo

bibliográfico dos textos medievais aberto a edições mais conservadoras de

linguistas e filólogos. É o caso do Liber Fidei e da sua edição crítica (pese muito

embora a eminência do emérito editor nas áreas da Diplomática e da História) que

em minha opinião, não esgota o campo bibliográfico do cartulário e da sua

documentação. 237

*

235 «Em qualquer das eventualidades, as normas de transcrição não são mais que a aplicação consequente de uma opção estratégica inicial e serão boas se essa opção for boa. Em que consiste a bondade da opção estratégica ? Ou: quais as condições para que o editor escolha correctamente entre conservação e modernização ? A resposta que propomos introduz um termo novo: só é boa a estratégia que decorre da interpretação correcta do campo bibliográfico do texto». [sublinhado do autores] (Castro & Ramos 1986:112)

236 «Campo bibliográfico é a designação que propomos para um conjunto estruturado de unidades bibliográficas (livros impressos) organizadas em torno de um determinado texto: o campo de um texto é o grupo formado pelas edições existentes desse texto. Distingue-se de tradição manuscrita por excluir os testemunhos manuscritos que desse texto existam; o campo é uma estrutura funcional, cujos elementos são valorizados de acordo com a sua capacidade para a difusão pública do texto; […] o valor de um manuscrito é, neste sentido, praticamente nulo, excluído que se acha da galáxia de Gutenberg, precisamente por esta razão, entre outras. O campo bibliográfico distingue-se também da tradição impressa, apesar de esta ser uma estrutura igualmente bibliográfica, por não integrar as edições que, sem exemplares sobreviventes, têm um valor difusório igual a zero. O campo bibliográfico ideal é aquele em que, de um texto, existem no mercado, ou são facilmente acessíveis, exemplares de todos os tipos de edição capazes de satisfazer as necessidades de todos os tipos de leitor potencial.» [sublinhado do autores] (Castro & Ramos 1986:112)

237 Trata-se de uma campo aberto que a presente dissertação não pretende suprir, porque não é uma dissertação de carácter primordialmente filológico, baseada na edição de texto(s).

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126

Outros casos de indeterminância que a amostra contém respeitam já não a formas

abreviadas mas a ‘letras’ abreviadas: mais precisamente, a grafemas distintos

substituídos na cadeia da escrita por um mesmo braquigrafema. A

indeterminância é aqui de tipo grafo-fonémico.

É o caso de ‘m’ e ‘n’ abreviados (e nalguns casos omitidos) em posição final ou

pré-consonântica. A sua restituição por parte do editor está condicionada pela

ocorrência de formas extensas correspondentes, ou pela estrutura da ortografia

latina clássica. Incluo na lista que segue apenas os casos potencialmente

ambíguos.

• abreviação de <m> e <n>

ms. AJC

<do � ne> (1) ‘domne’ Nº086/Rubrica (LF060)

<do � na> (2) ‘domna’ Nº149/L08 (LF114), Nº172C/L05 (LF600)

<do � no> (2) ‘domno’ Nº172C/L11 (LF600), Nº212C/L03 (LF685)

<dmn � o> (2) ‘domno’ Nº200/L05 (LF219), Nº200/L09 (LF219)

<domna> (1) ‘domna’ Nº172C/L09 (LF600)

<Domnis> (1) ‘Domnis’ Nº172C/L01 (LF600)

<co � mitissa> (2) ‘commitissa’ Nº172C/L02 (LF600), Nº172C/L09 (LF600)

<comitissa> (1) ‘comitissa’ Nº172C/L05 (LF600)

<co � mite> (1) ‘commite’ Nº172C/L11 (LF600)

<c � pesce> (1) ‘compesce’ Nº212C/L15 (LF685)

<q 2a> (1) ‘quam’ Nº200/L04 (LF219)

<q 2atu � > (1) ‘quantum’ Nº200/L10 (LF219)

As formas ‘domno, domna’ não levantam grandes problemas, embora seja de

notar que formas extensas <donno, donna> ocorrem em documentação latino-

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portuguesa (e hispânica, em geral) inclusivamente noutros documentos do Liber

Fidei. Os dígrafos <mn> e <nn> têm o mesmo valor fonémico /n/.

A ocorrência de formas extensas com <mn> justifica o desenvolvimento habitual

das formas abreviadas.

Quanto a certas formas inicidas por ‘con-’ ou ‘com-’ a sua transcrição já não é tão

linear. Nos casos de ‘comes/comite’ e ‘comitissa’ a transliteração do

braquigrafema superscrito ao <o> parece-me mais correcta e justificada como

<n>: ‘conmite’ e ‘conmitissa’. As grafias com ‘con-’ explicam-se pelo fenómeno

de recomposição muito frequente no latim medieval, aplicado hipercorrectamente

a estas formas: i. e. as formas <comite> e <comitissa> são re-analisadas como

<con+mite> e <con+mitissa>.

Caso diferente é o de ‘con+pesce’, que contém etimologicamente o prefixo latino

‘com-/con-’ (de ‘cum’). O desenvolvimento com <n> parece-me mais adequado,

tendo em conta a predominância na língua notarial de ‘con-’ em relação a ‘com-’

mesmo quando seguido de <p> ou<b>, e a ocorrência frequente de <n> antes de

<p/b> também noutros tipos de formas (e.g. <nouenbis> Nº200/L01 (LF219)).

No mesmo texto ocorre aliás ‘con+paraui’ (Nº212C/L05 (LF685)), que o editor

não altera. Noutro texto da amostra ocorre 2 vezes ‘con+placuit’ (Nº086/L11-12

(LF060), Nº086/L13 (LF060)). Também no mesmo texto de ‘conpesce’ ocorre

‘con+tinentur’ (Nº212C/L05 (LF685)), grafado no manuscrito <ctine� t(ur)>, ou

seja com a mesma combinação braquigráfica <c� > de ‘conpesce’, só que com

omissão do sinal de abreviação por lapso do copista. O editor transcreve

‘continentur’: a consistência dos seu critérios deveria levá-lo a uma transcrição

semelhante para a forma <c� pesce>.

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Em toda a amostra há um único caso do prefixo ‘com-’ por extenso:

<comp(ar)am(us)> (Nº149/L06 (LF114)).

Registam-se na amostra apenas dois casos de omissão de <m> que o editor trata

de forma diversa: <triuphatorib(us)> (Nº172C/L01 (LF600)) e <qadruplu>

(Nº166C/L13 (LF601)) transcritos na edição crítica respectivamente como

‘triu[m]phatoribus’ e ‘quadruplum’ . Não há casos nesta amostra de omissão de

<n>, muito frequente na língua notarial e nos documentos do Liber Fidei. 238

Em relação a ‘qua(m)’ e ‘qua(n)tum’, a transcrição da edição crítica não é

problemática: as duas formas, se não na amostra, no resto do cartulário ocorrem

em forma extensa. Limito a apontá-las como mais um exemplo de

indeterminância gráfica que o contexto permite resolver. Do ponto de vista da

oralização a escrita de <m> e <n> é indiferente pois representariam “apenas” a

nasalidade da vogal precedente.

*

Com respeito ao ponto 2., leituras erróneas do editor, encontram-se alguns casos

na amostra. Indico-os pela ordem de ocorrência:

238 Não está estudada a relação que possa haver entre a omissão de <n> e <m> em posição pré-consonântica e a nasalidade da vogal precedente. Ou seja, a frequente omissão destas letras, que, se representam etimologicamente consoantes nasais pré-consonânticas, na escrita portuguesa e latino-portuguesa medieval apenas podem ser indicadores da nasalidade da vogal precedente, poderá ter a ver com o facto de se associar a nasalidade à vogal como uma propriedade intrínseca da mesma, tornando-se a letra consonântica nasal algo redundante. Algo de semelhante ocorre em textos do séc. XIII já em ortografia romance, em que por vezes a nasalidade de uma vogal nasal não é, pura e simplesmente, representada na escrita. A omissão de <m> e <n> pré-consonânticos em textos notariais latino-portugueses como índice ou reflexo da nasalidade de uma vogal precedente é obviamente uma conjectura, que deixo aqui como não mais que um “wild guess”, a ser comprovado ou desmentido pelos dados.

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• Leituras erróneas da edição crítica

ms. AJC

<inferant> ‘inferamus’ Nº001/L12 (LF174)

<Aeirigus> ‘Aeirgus’ Nº001/L12 (LF174)

<marci!j!> ‘Martii’ Nº101/L03 (LF062)

<ip(s)a> ‘ipsam’ Nº102/L08 (LF061)

<ap(re)stantia> ‘apresentantia’ Nº172C/L10 (LF600)

<τ> ‘e’ Nº172C/L12 (LF600)

<pari(en)t> ‘pariter’ Nº166C/L11 (LF601) em nota; no corpo do texto AJC corrige para ‘pariat’.

<qid> ‘quod’ Nº212C/L22 (LF685)

Como nas notas à transcrição já tive ocasião de comentar algumas destas formas,

limito-me a transcrevê-las.

*

Quanto ao ponto 3., lições do manuscrito alteradas pelo editor, encontram-se na

amostra alguns casos de intervenção do editor no sentido de corrigir formas que

são entendidas como “incorrectas”, quer gramaticalmente (por suposta ignorância

do notário) quer textualmente (por erro de cópia). Limito-me a indicá-las, uma

vez que já estão comentadas nas notas à transcrição.

• Correcções do editor

ms. AJC

<tripo> ‘trip[l]o’ Nº086/L16 (LF060)

<Ee> ‘Et’ /Nº149/L17 (LF114), ‘Ee’ em nota.

<uelaso> ‘Velas[c]o’ Nº172C/L11 (LF600)

<Annuis> ‘Annuit’ Nº166C/L03 (LF601), ‘annuis’ em nota.

<euitat(ur)> ‘invitatur’ Nº166C/L06 (LF601), ‘evitatur’ em nota.

<sic> ‘sit’ Nº166C/L06 (LF601), ‘sic’ em nota.

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<canuu(m)> ‘[Liber] canonum’ Nº166C/L10 (LF601) ‘canuum’ em nota.

<se> ‘si’ Nº166C/L10 (LF601) ‘se’ em nota.

< qd > ‘qui’ Nº212C/L11 (LF685) ‘quod’ em nota.

As correcções apontadas não têm todas a mesma importância.

<Ee> <uelaso> e < qd > são sem dúvida formas desviantes “erradas”, devidas a

erro a lapso de escriba ou de copista, mas as outras são de outro grau: não são, é

certo, as formas esperadas de acordo com os preceitos de correcção da ‘ars

grammaticae’, mas o seu carácter desviante não é acidental. Não se trata de facto

de erros, no sentido de acidentes do processo de escrita (redacção ou cópia); ao

contrário representam características recorrentes da língua notarial. Umas

correspondem a reinterpretações de formas tradicionais, outras são já formas

romanceadas; ou seja, formas gráficas mais transparentes do ponto de vista

grafo-fonémico que as formas da ortografia tradicional (v. notas à transcrição).

*

Finalmente restam os casos de lapsos do editor ou de composição tipográfica (i. e.

‘gralhas’ da edição) do ponto 4. Embora nesta amostra se encontrem algumas, no

cômputo geral não são muito numerosas tendo em conta a extensão global vasta

do texto da edição crítica.

• Lapsos do editor

ms. AJC

sublinhado 12 formas sublinhadas no ms., indicando engano de cópia rasurado; AJC não menciona no rodapé as formas sublinhadas Nº086/L11-12 (LF060).

— AJC repete formas, o que corresponde a um acrescentamento de 9 formas, dificultando substancialmente a compreensão do texto Nº102/L03 (LF061), v. supra nota à transcrição.

<baselica> ‘baselica’ sem indicação em nota do <i> na entrelinha 172C/L01 (LF600).

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<s[ed]> ‘sed’ sem indicar em nota a omissão das 2 últimas letras ou de sinal braquigráfico correspondente /Nº166C/L07 (LF601).

<peti> ‘Pet[r]i’ Nº212C/L04 (LF685)

<c[on]tine(n)t(ur)> ‘continentur’ sem indicar em nota a omissão do sinal braquigráfico sobre o <c> que corresponde a omissão grafémica de <on> Nº212C/L04 (LF685).

<ibibem> ‘ibidem’ em nt. ‘ibidem’ Nº212C/L10 (LF685).

<p[ro]bab(er)it> ‘probaberit’ sem indicar em nota a omissão do sinal braquigráfico sobre o <p> que corresponde a omissão grafémica de <ro> Nº212C/L12 (LF685).

Fazendo um balanço geral dos problemas ou leituras questionáveis detectadas na

amostra da edição crítica, e tentando projectar esses problemas para a questão

geral dos limites da fiabilidade da edição, pelo menos para certo tipo de estudos,

parece-me que a conclusão mais óbvia, e que os próprios critérios de edição

impunham já à partida, é a da falta de segurança que a edição oferece para certos

estudos de ordem grafemática e fonético-fonológica.

No que respeita à morfologia flexional, há um número restrito de formas como

‘bracarensis’ ou ‘placitum/plazum’ que não são utilizáveis, por ser impossível

aferir o grau de indeterminância das formas abreviadas do manuscrito. Mas o

pequeno número de formas problemáticas, e o carácter consistente na resolução

de abreviaturas de terminações flexionais, não põem em causa o valor e

fiabilidade gerais da edição crítica para a análise morfológica e morfo-sintáctica.

Do ponto de vista da análise do discurso, mais precisamente da estruturação

interna dos textos, a eliminação da pontuação original, e a separação das palavras,

impossibilita certo tipo de estudos obrigando à consulta directa do manuscrito, ou

facsimile.

Outro tipos de estudos textológicos, incidindo sobre conectividade, coesão ou

coerência, são de todo viáveis, bem como estudos de tipo sintáctico, semântico e

lexical.

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132

O surgimento de casos duvidosos obrigará no entanto, e sempre, à consulta do

manuscrito ou facsimile, como foi aliás o caso (e em várias ocasiões) na

preparação do Corpus que adiante se apresenta e descreve.

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133

2.3 Descrição e critérios de organização do Corpus

O Corpus de Textos Notariais do Liber Fidei (1050-1110) baseia-se na edição

crítica de Avelino de Jesus da Costa.

Sublinho o termo ‘baseia-se’ porque não há absoluta coincidência entre os dados

textuais do Corpus e da edição crítica, que teve de ser sujeita a uma série de

revisões e adaptações.

A inclusão dos textos no Corpus não resulta de facto de uma simples incorporação

dos textos da edição: não só os critérios de edição são ligeiramente diferentes,

como houve necessidade de proceder a diversas operações de formatação e

organização do material textual “bruto” da edição. Talvez a intervenção mais

notória seja a divisão em ‘parágrafos’ dos textos, e a consequente introdução de

referências internas aos textos (para efeitos do seu processamento).

Nesta secção dou conta dos princípios e critérios que subjazem à constituição e

organização do Corpus, da formatação dos textos para processamento, e do

conteúdo documental do Corpus.

A constituição, organização e formatação do corpus procuraram basear-se em

critérios objectivos bem fundamentados e consistentemente aplicados; todavia, e

em certos casos bem localizados, não puderam deixar de ser o resultado de

escolhas pontuais, que resultaram em última análise de uma avaliação subjectiva

dos dados.

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134

Constituição do Corpus

A constituição do Corpus resulta, numa primeira fase, da leitura óptica do texto da

edição crítica com um ‘scanner’, e reconhecimento óptico de caracteres 239

através de um programa de OCR. Foram assim recolhidos em bruto todos os

textos notariais do Liber Fidei até 1130. A má qualidade do papel utilizado na

generalidade da edição, e má qualidade da impressão obrigaram a uma correcção

exaustiva (manual) e prolongada de todo o material ‘scanizado’, que ultrapassava

em muito o milhão de caracteres, e correspondia a mais de 500 textos (527

exactamente).

Feita a correcção manual dos textos procedeu-se à sua organização e formatação

para constituição do Corpus.

A única selecção prévia consistiu em excluir os documentos de carácter não

notarial (como bulas papais, profissões de obediência de bispos, actas conciliares,

etc.) e não ultrapassar o ano de 1130, época que do ponto de vista cultural e

histórico se reveste de grande importância na história política e cultural de

Portugal medieval, e marca de facto um novo ciclo no processo de afirmação e

emancipação da nacionalidade.

Após exame prévio dos textos e das suas características, foi restringido ainda mais

o limite temporal da documentação a estudar, limitando-o à segunda metade do

séc. XI, período crucial para o conjunto das diversas regiões hispânicas nortenhas,

de mudanças de ordem cultural, cujas implicações scripto-linguísticas não estão

ainda muito estudadas entre nós.

239 OCR, i.e. ‘optical character recognition’. A aplicação utilizada foi ‘OmniPage™ 3.0’.

Page 140: António Emiliano – Dissertações e publicações, 2012 · António Henrique de Albuquerque Emiliano LATIM E ROMANCE EM DOCUMENTAÇÃO NOTARIAL DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XI

135

Foi para além disso decidido incluir apenas os documentos do ‘Liber

Testamentorum I’ para evitar distorções nos dados devidas à repetição de alguns

textos.

Desta selecção resulta um corpus considerável de 210 textos, com cerca de

450.000 caracteres, cerca de 60.000 palavras, anotado com mais de 500 notas que

ultrapassam as 8000 palavras.

Do ponto de vista temporal, a inclusão no Corpus de textos datados explicita ou

criticamente entre 1050 e 1110, tendo em vista o estudo de aspectos

scripto-linguísticos da documentação latino-bracarense da segunda metade do séc.

XI, justifica-se plenamente pelos seguintes pontos:

a. inclui-se um número considerável de textos anteriores à

restauração da diocese de Braga, textos que remetem para uma

tradição textual notarial antiga;

b. incluem-se os documentos do longo episcopado de D. Pedro

(1070-1091), episcopado que constitui um ponto de charneira

entre a tradição cultural hispânica nativa e as novas tendências

introduzidas pelos cluniacenses;

c. incluem-se os documentos do episcopado do arcebispo francês e

cluniacense S. Geraldo (1099-1108) representante

paradigmático das novas tendências culturais, eclesiais e

litúrgicas, e do início do episcopado do seu colaborador e

continuador o arcebispo, também francês e cluniacense,

D. Maurício (1109-1118);

d. constitui-se um conjunto de documentos relativamente

homogéneo em relação à sua proveniência e tipologia, que

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136

abarcam um período de seis décadas centrado na data crucial de

1080, data do Concílio de Burgos que introduziu oficialmente,

sob os auspícios do Rei-Imperador Afonso VI de Leão, a

reforma gregoriana (ou cluniacense) na Península Ibérica.

O Corpus contém assim os textos de carácter notarial do Liber Fidei,

compreendidos entre 1050 e 1110, e relativos ao património da Sé de Braga,

transcritos na primeira parte do cartulário, o ‘Liber Testamentorum I’, que, como

já foi referido, constituia uma compilação independente e antiga de documentos

diversos.

São excluídos do Corpus os 92 documentos do ‘Liber testamentorum II’ datados

enter 1072 e 1110, mesmo os de cópia simples (i.e. os que não têm testemunho no

‘Liber testamentorum I’), os documentos falsos, os documentos não datados e não

criticamente datáveis com segurança.

Excluem-se também os documentos transcritos no ‘Liber Testamentorum I’

provenientes do ‘scriptorium’ do mosteiro de Santo Antonino de Barbudo (conc.

de Vila Verde), dependente da Sé de Braga, e doado em 1101 pelos Condes de

Portugal à mesma Sé (v. doc. Nº213/1101 (LF232)). A observação mostrou que se

trata de um núcleo documental diferenciado; por conter um número elevado de

textos, optou-se por excluí-los, retendo apenas os documentos referentes à sua

doação à Sé de Braga. Foram assim excluídos deste núcleo monástico um total de

81 documentos (LF nº. 233 a 313): formam um núcleo documental autónomo e

extenso (quer pela quantidade de textos, quer pelo período de tempo que abarcam

- desde a fundação em 1039) incorporado no Liber Fidei em 1101 com a doação

do mosteiro à Sé. A exclusão destes documentos do Corpus, em número não

despiciendo, justifica-se pelo eventual desiquilíbrio nos dados que a inclusão de

um núcleo documental destas características poderia introduzir.

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137

Foram também excluídos alguns documentos por se tratarem de variantes do

mesmo texto transcritas no ‘Liber testamentorum I’, optando-se por incluir apenas

um testemunho, procurando que fosse aquele que à partida parecesse melhor

reflectir as características da língua notarial do séc. XI. Estão nestas condições

quatro textos de cópia múltipla: Nº109/1072 (3 testemunhos), Nº110/1072 (2

testemunhos), Nº265/1106 (2 testemunhos) e Nº267/1107 (2 testemunhos), tendo

sido excluídos 5 documentos, os testemunhos Nº109B/LF360, Nº109D/LF401,

Nº110B/LF359, Nº265B/LF358 e Nº267C/LF524.

Ordenação cronológica e numeração dos documentos

Para a constituição do Corpus os documentos notariais do Liber Fidei foram

ordenados cronologicamente desde o mais antigo, de 900, até 1130,

independentemente do ‘Liber Testamentorum’ em que se encontravam transcritos.

Com a exclusão dos documentos atrás referidos isto corresponde a um total de

353 textos diferentes transcritos em 446 documentos.

Os textos foram numerados de acordo com a ordem cronológica, de Texto Nº001

a Texto Nº353. Os diversos testemunhos de um mesmo texto foram referencidos

adicionalmente por letras, de acordo com os critérios da edição crítica. Assim, por

exemplo, os 3 documentos do Liber Fidei 360, 398 e 401 de 1072, que são cópias

de um mesmo texto (de que não sobrevive original ou cópia independente), foram

numerados respectivamente como Textos Nº 109B, 109C e 109D.

A numeração do corpus respeita, como se vê, a textos e não a documentos do

cartulário: isto é, as diferentes versões de um mesmo texto recebem a mesma

numeração, exactamente para permitir o confronto e comparação dos diferentes

testemunhos de um mesmo texto, a partir de uma mesma referência textual.

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Nos casos em que sobreviveu uma cópia antiga, não transcrita pelo Liber Fidei,

esta recebe, e de acordo com os critérios da edição crítica a referência B,

destinando-se a referência A aos originais conhecidos.

Após exclusão dos documentos anteriores a 1050 e posteriores a 1110, os

documentos do Corpus foram numerados (adicionalmente) de #001 a #210,

apenas para efeitos de consulta.

Divisão dos documentos em parágrafos: critérios

Após a ordenação e numeração dos documentos, fez-se a sua divisão em

‘parágrafos’.

O conceito de parágrafo como constituinte textual é um conceito importante na

análise textual. A perspectiva aqui adoptada de parágrafo é a de blocos ou

unidades constitutivas do texto, textual e linguisticamente bem definidas,

dispondo de uma autonomia relativa, e correspondendo superficialmente à

realização de uma macro-proposição.

A proposta de Bessonat de que a segmentação em parágrafos é induzida de

maneira privilegiada por certos tipos de textos (destacando aqueles que designa

como prescritivos ou explicativos) mais centrados no destinatário, parece-me

extremamente adequada à estrutura recorrente dos vários tipos de textos jurídicos

medievais. A caracterização de parágrafo enquanto unidade pragmática pelo

mesmo autor é particularmente importante, pelo que cito:

Au total, le paragraphe apparaît donc comme une unité pragmatique du discours

qui se caractérise tout à la fois — et c’est là tout le paradoxe — par une extrême

variabilité et un extrême prévisibilité. Autant peut-être le linguiste serait tenté de

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privilégier la premiére caractéristique, au point de renoncer le plus souvent à

considérer le paragraphe comme un échelon pertinent d’analyse, autant le

psychologue serait tenté d’attester la deuxième caractéristique. De fait, quand on

teste l’aptitude de sujets à segmenter un texte présenté en continu et que l’on

compare leurs propositions à la segmentation initiale de l’auteur, on s’aperçoit

que le taux de corrélation est très fort […] . Il y a donc isomorphisme à supposer

entre les structures cognitives du locuteur mises en jeu dans l’écriture et celles du

récepteur mises en jeu dans la lecture. Le découpage en paragraphes se situe dans

l’horizon d’attente du lecteur. 240

A divisão dos textos do Corpus em parágrafos afigura-se-me deste modo como

uma operação fundamental com pelo menos três objectivos: por um lado,

explicitar aspectos da estruturação interna dos documentos (recorrente na maior

parte dos casos), por outro lado, permitir a comparação de textos com estruturas

semelhantes, por lado ainda, e numa dimensão muito prática de processamento e

observação dos textos, possibilitar a fácil referenciação e localização das formas a

partir de concordâncias, listagens ou ‘indices verborum’.

Na divisão dos textos que Avelino de Jesus da Costa propõe, modernizando a

pontuação dos textos, em parágrafos e períodos, parece haver um compromisso

tácito entre a pontuação forte do manuscrito, o carácter mais ou menos autónomo

da unidade textual delimitada (período/parágrafo) considerada, e a interpretação

do texto por parte do editor.

Como ponto de partida para a divisão em blocos ou ‘parágrafos’, teve-se em conta

os esquemas tradicionais da diplomática dos textos notariais (do tipo ‘protocolo

— texto/dispositivo — escatocolo’), o tipo de fórmulas ou blocos formulaicos

240 Bessonat 1988:104.

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associados a essas divisões, e os elementos linguísticos associados à organização

linear do texto, especialmente conectores.

Daí que a divisão proposta no Corpus não coincida absolutamente com a divisão

em parágrafos e períodos da edição crítica. Esta é por vezes inconsistente ou

aleatória, separando em períodos diferentes elementos textuais/formulaicos que

noutros casos são unidos, independentemente do seu significado próprio (dou

alguns exemplos mais adiante). Não é clara a este respeito a influência da

pontuação do manuscrito nas decisões do editor quanto à pontuação forte da

edição. Pode-se no entanto generalizar (após consulta de um número elevado de

textos a partir de fotocópia do cartulário) que no que respeita às fórmulas iniciais

(que se seguem à ‘inuocatio’) e ao dispositivo, e à relação textual e linguística

entre as duas zonas dos textos, ser a pontuação da edição crítica da inteira

responsabilidade do editor, uma vez que no manuscrito, a pontuação forte,

separando cláusulas ou proposições, é nessas zonas em geral omissa.

A divisão interna dos textos em parágrafos numerados, baseada em critérios

uniformes e consistentes (aspecto em que a transcrição dos documentos no Corpus

se afasta crucialmente da edição crítica), constitui uma operação fundamental para

o tratamento informático e estudo scripto-linguístico dos textos medievais seja

qual for a sua natureza tipológica, e para o estudo comparado, quer de textos

tipologicamente afins, quer dos diversos testemunhos dos textos de tradição

múltipla.

A divisão que proponho não se baseia na divisão em unidades que os próprios

textos apresentam no manuscrito através da pontuação original, apesar de algumas

das divisões propostas por mim corresponderem sistematicamente a áreas de texto

separadas por sinais de pontuação no manuscrito. A divisão em parágrafos foi

feita de acordo com critérios textuais, linguísticos e formulaicos.

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A pontuação original, refira-se, eliminada quase totalmente na edição crítica, não

de é modo algum caótica 241 , ao contrário do que o editor opina, como já o

mostraram suficientemente os trabalhos de investigadores como Jean Roudil sobre

textos hispânicos 242 . Em muitos casos a pontuação original delimita blocos

textuais ou constituintes linguísticos que a pontuação moderna não reconhece ou

não separa.

Dada a inconsistência (ou, melhor falta de clareza) da pontuação original, em

termos da delimitação de grandes unidades textuais, e dada a sintaxe complexa em

que longas sequências paratácticas são por vezes entrecortadas por sequências

intercaladas, a delimitação de alguns blocos é de facto difícil. Este facto é

sobretudo notório em documentos de compra-e-venda entre particulares, de

origem local, não emanados do ‘scriptorium’ episcopal bracarense (uma

verdadeira proto-chancelaria), ou em documentos de carácter processual (que

transcrevem a resolução de pleitos) que contêm longas secções de carácter

narrativo.

Verifica-se curiosamente que nas partes finais dos documentos (as fórmulas finais

— que se seguem ao dispositivo — e o escatocolo) a divisão em parágrafos que

proponho coincide com a pontuação forte do manuscrito: separação da fórmula de

confirmação, do tipo ‘habeatis uos firmiter et omnis posteritas uestra’, separação

da ‘sanctio’, separação da data de redacção do texto, separação da roboração final

do acto jurídico por parte do(s) autor(es), separação das subscrições, separação da

assinatura do notário.

241 «Não reproduzimos a pontuação por ser muito desordenada e com funções diferentes das de hoje …» Costa (Ed.) 1965-1990:volI:pxxij).

242 Cf. Roudil 1986.

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Pelo contrário, nas partes iniciais dos documentos, exceptuando a ‘inuocatio’,

sempre separada por pontuação, há flutuações e variação na separação entre o

protocolo e o dispositivo. Dentro do dispositivo também não há uniformidade na

delimitação de blocos, isto apesar da repetição mais ou menos invariável nos

diferentes textos de fórmulas ou blocos formulaicos idênticos ou equivalentes.

Passo a referir e a comentar alguns exemplos de problemas emergentes da divisão

sistemática dos textos em parágrafos, apontando sobretudo casos de oscilação da

edição crítica na separação dos blocos do início do dispositivo, onde é mais

notória.

Circunscrevendo-me a documentos de compra-e-venda, alguns dos casos mais

típicos de flutuação da edição crítica na divisão em blocos afectam as seguintes

unidades textuais, que passo a comentar:

• separação entre a localização genérica (‘iacentia’) de uma propriedade

— no final do protocolo — e a delimitação

Considerem-se os seguintes exemplos da edição crítica (estes retirados de textos

não incluídos na versão final do Corpus): ‘… et vendimus hereditate mea propria que habeo de patre meo Senta et fuit de avio meo

Ermegildu et est subtus monte Spino rivulo Aliste territorio Bracarensi et habet ipsa villa

iacentia in loco predicto in villa Parietes.

Levat se ipsa villa de vallo de linar de Gudino exinde in festo et fere in …’ (Nº030/1032,

LF037)

‘… et vendimus hereditate nostra propria que habemus in villa Aliste subtus monte Spino et

rivulum Aliste territorio Bracarensi.

Et habet iacentia ipsa hereditate in loco predicto. (Nº028/1032, LF038)

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‘… ut facerem uobis … carta vendicionis de hereditate mea propria que abeo in villa Aliste

subtus monte Spino et rivulum Aliste civitas Bracara.

Habet iacentia ubi dicent Geloy leva se de sucu de Donno et vadit per succo de Traseiro

et fere in …’ (Nº031/1032, LF/040)

‘… ut venderemus uobis … hereditate mea propria que habemus in villa Aliste subtus

monte Spino rivulum Aliste territorio Bracarensi et habet ipsa hereditate iacencia in loco

predicto in pumare de Toderigo.

Levat se de testa de illo talio de ecclesia et vadit per suco de Stephano Mandiniz et fere in

…’ (Nº044/1036, LF047)

Verifica-se que a fórmula de localização da propriedade vendida (que contém ou

o verbo ‘iacet’ ou a locução equivalente (e mais frequente) ‘habet iacentia/ -am’)

é num casos ligada às fórmulas iniciais, noutros à delimitação da propriedade

(introduzida geralmente por ‘leuat se de …’), independentemente da presença ou

ausência do conector ‘et’.

Na organização do Corpus estas discrepâncias são eliminadas, juntando sempre a

fórmula de ‘jacência’ às fórmulas iniciais do texto, e separando-a assim das

fórmulas de delimitação.

• separação entre a delimitação e a transmissão da propriedade vendida

(ou parcela da mesma)

Considerem-se os seguintes exemplos da edição crítica:

‘… levat se de succo de Fredenando et ferit in comaro de auteiro et inde per succum de

comitessa et ferit in larea Donega et inde unde primiter incoavimus.

Ipsum quomodo est conclusum in omni giro vendimus inde vobis IIII.a propter quod

accepimus de uobis pretium …’ (Nº034/1032, LF179)

‘… levat se de pomar Sisverti et fere in carraria antiqua de arrugio que discurret de Adulfu

et fere in illo saxo de ipso quomodo est conclusum in omnique giro.

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Concedimus vobis inde IIII.a integra cum plantatos et quanto in illa inveneritis et

quantun ad prestitum hominis est …’ (Nº041/1034, LF046)

‘Levas set per illa karrale antiqua inter illo casal de ipso Salamiro et Entroveu et vadit per

… et ar torna set pro ad illa carraria antiqua unde primiter incoavimus.

De ipso que conclusimus vendimus illa ab integro et …’ (Nº042/1034, LF077)

‘Levat se de termino de Mexominus et feret in … et inde unde primiter incoavimus de ipso

quod conclusimus.

Damus vobis inde de VIII.a III.a integra pro quo accepimus de vobis pretium uno cavallo

apreciato in C.m solidos tantum nobis bene complacuit et …’ (Nº170/1088, LF123)

‘Levat se de illo termino civitatis Bracare et fer in … et inde per terminum de Columnas et

inde per terminum de Maxeminos et inde unde primiter incoavimus.

De ipso quod conclusimus damus vobis de VIII.a integram propter quod accepimus de

vobis pretium unum cavallum adpretiatum in C.m solidos tantum nobis bene conplacuit et

…’ (Nº171/1088, LF124)

Este último caso é exemplar da oscilação do editor (e quem sabe, do copista, pois

não temos acesso à pontuação original) já que, como este aponta em nota, se trata

de aparentemente de documentos que resultam de duas redacções diversas —

feitas num intervalo de três dias — de um mesmo acto jurídico (vejam-se as notas

de AJC aos docs. LF123 e 124).

O aspecto a salientar aqui é de ordem linguística e textual: os verbos de

transmissão ‘dare’ ‘uendere’ ‘concedere’ (verbos transitivos directos e indirectos)

são utilizados com construções partitivas introduzidas geralmente pela partícula

‘de’. Na ausência de ‘de’ a relação entre o todo da propriedade mencionada e a

parte efectivamente vendida, é feita através de um processo anafórico: é o caso do

1º exemplo acima, com ‘inde’ (‘uendimus inde uobis IIIIa ’).

Do ponto de vista textual, a sequência com o verbo ‘concludere’ deve considerar-

se que introduz um novo bloco referente à transacção propriamente dita,

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separando-a da delimitação da propriedade. Esta delimitação é frequentemente

terminada por expressão do tipo ‘inde unde (primiter) incoauimus’.

Situação distinta parece ser a representada pelo exemplo seguinte: ‘… levat se de casal de Stephano et feret in larea de Osoredo per sucu de Astrairu et deinde

in illo vallo unde primiter inquoavimus quomodo est conclusum in carta.

Vendimus vobis integra …’ (Nº057/LF053/1047)

O verbo ‘uendere’ não está associado neste exemplo a ‘inde’, seguindo-se-lhe

apenas o objecto directo, enquanto o verbo ‘concludere’ ocorre numa frase

subordinada introduzida por ‘quomodo’, conjunção que parece depender de

‘inquoauimus’. Não pareceria assim haver qualquer motivo para integrar a

expressão ‘quomodo est conclusum in carta’ no parágrafo seguinte. No entanto o

confronto com exemplos como o seguinte mostra claramente que a ordem de

ocorrência de blocos formulaicos é variável, e que mesmo no caso anterior a

expressão ‘quomodo est conclusum in carta’ depende do verbo ‘uendimus’ e deve

ser incluída no mesmo bloco:

‘… leva se illa devesa per illo arrugio qui discurrit ad illum molinum et vadit … et inde

unde primiter inquoavimus.

Damus et vendimus ad vobis de illa devesa quomodo est conclusa in ista karta VIII.a

integra …’ (Nº205/LF676/1108)

Em conclusão, as expressões com ‘concludere’ parecem depender textualmente

das fórmulas de transmissão, e não das de delimitação, quando estas são

finalizadas por expressão do tipo ‘inde unde incoauimus’.

Um possível contra-exemplo, com um verbo da mesma raiz de ‘concludere’ é o

seguinte:

‘Levat se de scuriscata et inde per larea de Idilo et … figit se unde primiter inquoavimus

terra intecra quomodo iacet inclusam.

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Propter quod accepimus de vos pretio III.es lenzos I.o porco de VIII.o dinarios et una vaca

cum sua bezerra que nobis bene conplacuit ita ut de hodie die et tempore sit ipsa hereditate

de nostro iure abrasa et in vestro tradita uel confirmata.’ (Nº007/999, LF028)

Trata-se no entanto de um caso atípico. Do ponto de vista textual parece ter

havido ou lapso de copista ou uma lacuna no original. A fórmula de transmissão

está ausente (a cláusula que se segue — ‘propterquod accepimus’ — é a aceitação

do preço e confirmação da transacção, cláusula que se segue habitualmente à

transmissão da propriedade), e a expressão ‘terra intecra’ parece ser um vestígio

truncado da fórmula que falta. De facto não é muito claro o significado de ‘terra

intecra’ como objecto de ‘inquoauimus’. A ser assim estar-se-ia em presença de

uma fórmula (truncada) do tipo ‘[damus uobis] terra intecra quomodo iacet

inclusa’ independente da cláusula de delimitação e portanto do verbo

‘inquoauimus’.

Para concluir, na ausência do verbo ‘incoauimus’ a divisão poderá e deverá fazer-

se (já que, recorde-se, a pontuação do manuscrito é omissa neste ponto) de outra

maneira. Veja-se o exemplo seguinte:

‘de ipsa hereditate do vobis meam rationem integram … et damus illa per sucu de

Argemiru … et vadit in prono proad alio suco de Argemiru quomodo iacet conclusa et

mea ratione de illo linare et de illo pumare de tiu Igu et in testa de casale de Salamiro alia

larea et fere in illo casale damus atque concedimus. (Nº075/LF088/1056)

Há aqui duas cláusulas que o editor não separa. A expressão típica de transmissão

‘damus atque concedimus’ está excepcionalmente em posição final de frase: o

objecto aqui é ‘mea ratione de illo linare et de illo pumare …’. Ou seja, o verbo

‘concludere’, aqui invulgarmente associado ao verbo ‘iacere’ remata a cláusula de

delimitação. Note-se que o verbo ‘incoauimus’ está ausente, e que esta não é uma

cláusula de delimitação típica, dada a presença dos verbos ‘do’ e ‘damus’. No

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Corpus este parágrafo da edição crítica seria dividido em dois de acordo com as

cláusulas contidas.

No Corpus a opção tomada é a de separação do elemento formulaico com

‘concludere’ (flexionado ou não) da delimitação da propriedade do parágrafo,

integrando-o na cláusula em que se efectua a transmissão do património

delimitado, tal como aliás o editor procedeu no caso do texto Nº171/1088 (LF124)

acima citado, não tendo inexplicavelmente procedido da mesma forma para o

texto anterior e muito semelhante (Nº170/LF123/1088), também citado acima.

• separação entre a transmissão da propriedade e a aceitação do

pagamento respectivo

Observem-se os exemplos extraídos da edição crítica, que evidenciam o mesmo

tipo de contexto textual, e que revelam uma disparidade de critérios na pontuação

dos textos:

‘Concedo vobis de ipsa villa VIII.a integram … ubi illam potueritis invenire in monte, in

fonte cum exitum montium vel regressum cum quantum in se obtinet et ad prestitum

hominis est et accepimus de vos in precio C.m L.a solidos in argento in palio et loberno

ipsum nobis bene complacuit et de pretio apud vos nihil remansit.’ (Nº144/1081, LF109)

‘Damus vobis de ipsa hereditate medietate integra ubi illam potueritis invenire per suos

terminos et locos antiquos cum quantum in se obtinet et ad prestitum hominis est.

Et accepimus de vobis vestras donas et vestras alfagias tantum nobis bene complacuit et

de pretio nihil remansit in debito.’ (Nº158/1086, LF118)

No Corpus a fórmula de aceitação do pagamento da propriedade é separada da

fórmula de transmissão que a precede. É assim associada na mesma unidade

textual às fórmula do tipo ‘tantum nobis bene complacuit’ e ‘de pretio nihil

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remansit in debito’ que dependem obviamente (reiterando-o) do recebimento do

pagamento por parte do vendedor.

A separação destas duas fórmulas não se justifica no entanto num caso como

Nº095/1058 (LF095) abaixo, em que a fórmula de transmissão faz referência,

através de uma locução pronominal, ao objecto da transação. A relação entre as

duas cláusulas tem assim fundamento linguístico. A divisão do corpus coincide

neste caso com a da edição crítica.

‘damus vobis ipsum quod diximus proque accepimus de vobis pretio IIIIor modios

tantum nobis bene complacuit et vos dedistis et nos hac accepimus …’ (Nº095/1058,

LF095)

O exemplo de um texto transcrito na íntegra, confrontando a versão da edição

crítica com a versão formatada do Corpus, apresentado em anexo às normas de

transcrição no Volume II (pp.7-8), permitirá uma visão mais global e completa

das decisões envolvidas na divisão dos documentos do Liber Fidei em parágrafos

numerados.

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149

2.4 Tipologia documental

Os documentos do Corpus de Textos Notariais aqui descrito incluem-se na

categoria de documentos notariais, isto é, textos não-literários, referentes a

aspectos da vida administrativa ou jurídica de uma comunidade, ou de um centro

político ou eclesiástico, preparados ou redigidos por notários (escribas

especializados em assuntos de carácter legal ou administrativo), de acordo com

normas ou modelos pré-estabelecidos. Os documentos notariais incluídos no

Corpus pertencem à categoria de ‘actos jurídicos’ (com excepção de um), e dentro

dos ‘actos jurídicos’ pertencem à categoria de documentos privados ou

particulares (com excepção de um).

Os actos jurídicos podem ser definidos, pelo menos para o que interessa ao

estabelecimento de uma tipologia dos textos notariais, como «testemunhos

escritos de assuntos ou processos de natureza jurídica» 243 , produzidos ou

redigidos de acordo com determinados modelos pré-estabelecidos, e validados de

maneira determinada e em circunstâncias determinadas. 244

A tipologia dos documentos que apresento seguidamente respeita ao plano do

conteúdo textual, reflectindo o tipo de acto que se pretende validar, tendo em

243 DHP II, ‘DIPLOMÁTICA’ (= Marques 1989), p.309.

244 É de recordar (do capítulo 1) que a validação do acto jurídico não equivale à sua redacção, à sua redução a uma escritura, ou à subscrição de um escrito pelas partes envolvidas. Nem é condição suficiente a presença de testemunhas e confirmantes no momento e acto de subscrição para a validação do acto. A condição ‘sine qua non’, é de facto a leitura em voz alta, produzida de determinada forma, e no contexto de uma determinada configuração (que exige a presença das partes envolvidas, das testemunhas e dos confirmantes , numa determinada data e num determinado local). O conteúdo do acto jurídico, consignado num texto, só é válido, depois desse texto ter sido oralizado, recebido (i.e. compreendido) por um determinado público e em determinadas circunstâncias, e confirmado pelos presentes após a leitura. A oralidade é portanto um elemento fundamental para a validação dos actos jurídicos. A definição de acto jurídico não se pode portanto confinar à sua forma escrita.

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conta, sobretudo no caso dos documentos de índole processual, certos aspectos

textológico-linguísticos que dependem do tipo de acto jurídico.

Documentos públicos vs. documentos privados

Os actos jurídicos podem ser classificados de vários modos, de acordo com o tipo

de situação ou acção ou processo a que se reportam.

A classificação mais geral, ou distinção mais básica que sói fazer-se, é a

tradicional distinção entre documentos públicos e documentos privados, ou

particulares. Como se lê no DHP:

Os ‘actos jurídicos’ podem ainda classificar-se de acordo com vários critérios.

Assim, atendendo à sua forma, distinguem-se duas grandes classes: ‘actos

públicos’, se dimanam de uma autoridade pública (diplomas pròpriamente ditos,

como sejam cartas régias, cartas senhoriais, cartas concelhias, etc.); ‘actos

privados’, se dimanam de uma particular ou de uma instituição pública a que seja

aplicado o direito privado (um contrato de compra e venda, p. ex.). 245

Esta classificação geral entre ‘público’ e ‘privado’, se se aplica sem dificuldades à

maioria da documentação medieval, necessita no entanto de ser mais detalhada

quando confrontada com certos documentos que, não se enquadram lineramente

em nenhum dos dois tipos considerados: é sobretudo o caso dos documentos de

carácter processual referidos com detalhe mais adiante.

Sigo nestas considerações de muito perto as excelentes introduções de Emilio

Sáez (1987) e Marta Herrero de la Fuente (1988) aos volumes I da Colección

245 Marques 1989:310.

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Documental del Archivo de la Catedral de León (= CDACL I), e volume II da

Colección Diplomática del Monasterio de Sahagún (= CDMS II),

respectivamente, textos de síntese de grande interesse, e que constituem

descrições modelares — apesar de não conterem estudos linguísticos — de

colecções documentais a analisar e publicar. 246

No que diz respeito à distinção entre ‘públicos’ e ‘privados’ é necessário fazer as

ressalvas que transcrevo directamente da introdução de Sáez (Ed.) 1987 (=

CDALC I):

Para nuestro análisis distinguimos entre documentos privados y documentos

reales, aunque incluimos entre los primeros los documentos referentes al proceso

en que figura la intervención de los monarcas; y entre los segundos, los

otorgados por miembros de la familia real. 247

A posição de Herrero de la Fuente (Ed.) 1988 (= CDMS II) sobre os documentos

de carácter processual (documentos que abordo mais abaixo) é ligeiramente

diversa, situando-os entre os públicos e os privados 248 , o que mostra de facto a

dificuldade de enquadrar este tipo de textos na tradicional divisão entre ‘públicos’

e ‘privados’.

*

246 A grande virtude destes dois ensaios, é o seu carácter quase monográfico, e a sua clareza, por, perante uma colecção documental concreta, apresentarem, discutirem e realçarem os aspectos mais relevantes ou mais significativos da documentação em presença. De realçar também o caractér recente destes textos, face a outros já clássicos, mas que por vezes não permitem uma visão de conjunto dos dados documentais estudados.

247 CDALC I, p. xxxv.

248 CDMS II, p. xxxvij.

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Tendo em conta estas premissas gerais passo a discutir a classificação dos

documentos do Corpus.

Assim, a primeira distinção a estabelecer é entre ‘actos jurídicos’ e ‘documentos

diversos’.

A quase totalidade dos textos notariais incluídos no Corpus corresponde ao tipo

de ‘actos jurídicos’. Apenas um documento se pode incluir na categoria genérica

de ‘documentos diversos’:

• actos jurídicos: 209 documentos

• documentos diversos: 1 documento 249 (Tipo: notícia 250 )

A caracterização tipológica dos documentos notariais que transcrevem actos

jurídicos deve ser feita em função do acto jurídico do qual são a expressão escrita,

sendo necessário ter atenção conjuntamente à natureza objectiva do acto em si e

às expressões linguísticas que no próprio documento designam o acto. A

coincidência nem sempre é absoluta.

249 Nº231B/1102.

250 Notícia da fundação e inventário patrimonial do Mosteiro de Sto Antonino de Barbudo, como o próprio texto indica: «et noticia fatio de ipsas hereditates tam quas comparaui quam etiam de ganantia et testamentorum et de auolenga ut notum fiat in cunctis diebus ad episcopis et ad seruos dei qui habitantes fuerint in sede braccare» (Nº231B ¶04). Este documento (redigido pelo próprio abade — «ego suarius abbas qui moratus fui Xˇa annis in sancto antonino de baruudo» ¶02) é uma lista ou inventário das propriedades que constituiam o património fundiário do mosteiro ao tempo da sua doação à Sé de Braga em 1101; o abade Soeiro como que dá contas da situação patrimonial do mosteiro ao seu novo senhor o arcebispo de Braga S. Geraldo. É de facto um documento de carácter jurídico, mas não se refere a nenhum tipo de ‘acto’ ou ‘processo’. Integra-se no tipo ‘Notícia’ de que há alguns exemplos na documentação latino-portuguesa (e não só: recordem-se os casos do início séc. XIII da ‘Mentio de malefactoria’ e da célebre ‘Notícia de torto’). Um outro doc. do Corpus pareceria à partida dever incluir-se nesta categoria, o doc. Nº110C/1072, cujo parágrafo inicial diz: «notitia uel inuentario de uillas uel hereditates que sunt de fratre martinus que habet de auiorum et parentum siue et de comparatura uel de gan[an]tia». Trata-se na realidade de uma doação como se vê pela estrutura do documento e pela menção explícita do acto de transmissão no parágrafo ¶08: «ego martinus frater do tibi suprino ipsas hereditates pernominatas sicut iam superius resonamus».

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Do ponto de vista da distinção básica e tradicional ‘documento público’ vs.

‘documento privado’ o Corpus é muito homogéneo já que, e excluindo para já a

discussão dos chamados documentos processuais ou relativos ao processo, apenas

se encontra um documento que pode ser classificado como público.

Trata-se do doc. Nº213/1101 em que os Condes Portucalenses D. Henrique de

Borgonha, e esposa Infanta D. Teresa, filha de Afonso VI de Leão e Castela,

doam o Mosteiro de Sto. Antonino de Barbudo à Sé de Braga. Tratando-se do

único acto público do Corpus convém precisar as razões para a sua classificação.

Não sendo um acto dimanado do rei, os seus autores são no entanto o

representante do Rei de Leão em Portucale, o Conde seu genro, e a filha do

monarca, esposa do conde. Ambos invocam os seu títulos e/ou ascendência real

fazendo a doação no exercício da sua qualidade de potestade régia:

¶02. ego comes henricus una cum uxor mea infante tarasia adefonsi regis filia in

christo salutem amen

E mais adiante na cláusula de confirmação:

¶12. ego comes henricus et infans domna tarasia hoc testamentum manibus

nostris roboramus

Por outro lado, esta doação vem estranhamente sobrepôr-se a uma doação

anterior de 1100 do mesmo mosteiro à Sé, por parte de Nuno Soares 251 . A

251 «O mosteiro de Santo Antonino de Barbudo já tinha sido doado à sé de Braga por Nuno Soares, a 24 de Abril [de 1100] …» (Costa (Ed.) 1965-1990:vol.I:273 nt.1 ao doc. LF232 (Nº213/1100); «…o conde D. Henrique e D. Teresa, a 8 de Junho de 1101, fazem doação à sé de Braga do mesmo mosteiro com suas herdades […].» (Costa (Ed.) 1965-1990:vol.I:273 nt.12 ao doc. LF231 (Nº207B/1100).

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doação é justificada no diploma pela autoridade do Rei de Leão que teria

concedido (‘ex datu’) o mesmo mosteiro aos Condes:

¶05. damus ad illam sedem bracare et ripa catauo de uila palmeira et pitanes

omnem hereditatem quantam ibi habuit nunnus suariz et habuimus hoc

monasterium et has hereditates ex datu domini nostri et patri adefonsi regis qui

eas ganauit de nuno suariz

Estes elementos justificam a classificação deste documento como ‘público’, ou

como também é corrente, ‘régio’.

Os restantes 208 documentos (99% do total do Corpus considerado) são

documentos notariais privados ou particulares, i.e. o seu autor (a pessoa em nome

da qual o documento é redigido e por quem é reborado) é uma personalidade

particular (nobres locais, proprietários, clérigos — na qualidade de proprietários),

agindo particularmente (i.e. em função de interesses particulares e pessoais) e não

investido de funções ou cargos de natureza política ou eclesiástica.

Tipologia dos documentos privados do ‘Liber Testamentorum I’ do Liber

Fidei (1050-1110)

Sendo a quase totalidade da documentação do Corpus de carácter particular, julgo

no entanto importante ter em conta a distinção entre actos celebrados entre

particulares, i.e. em que tanto o autor como o destinatário são particulares, e os

actos celebrados entre particulares e instituições religiosas, em que o autor é um

particular e o destinatário uma instituição religiosa (ainda que na pessoa do seu

representante, e.g. um prelado ou um abade). Estou-me a refirir obviamente a

actos jurídicos que consagram a transmissão de bens.

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Na esmagadora maioria dos casos em que o destinatário do acto é uma instituição

religiosa, essa instituição é a Sé Metropolitana e Primacial de Braga, representada

pela pessoa individual do prelado, ou pelo colectivo do prelado e cónegos.

*

Os documentos privados do Corpus podem assim classificar-se de acordo com

dois critérios, (1) quanto ao acto jurídico transcrito, e (2) quanto à natureza da

segunda parte interveniente no acto (o destinatário, donatário, benificiário,

comprador, ou 2º litigante - em documentos processuais).

Encontram-se os seguintes tipos de documentos notariais de acordo com a

natureza do acto jurídico:

1. documentos de compra-e-venda

O acto jurídico de ‘compra-e-venda’ está representado no Corpus com 92

documentos, o que corresponde a 43.8% do total do Corpus.

Incluem-se neste tipo (referido no Corpus como ‘venda’) os documentos de

transferência da plena propriedade de bens mediante a entrega de um preço em

moeda ou em géneros, e excluem-se os documentos de carácter misto, em que

uma propriedade pode ser transmitida em parte por venda e em parte por permuta

ou doação.

Os documentos de compra-e-venda do Corpus distribuem-se do modo seguinte:

• compra-e-venda entre particulares: 70 documentos = 76.1% dos docs. de compra-e-venda do Corpus = 33.3% do total de docs. do Corpus

Nº058/1050, Nº059/1050, Nº060/1052, Nº061/1052, Nº062/1054, Nº063/1054,

Nº064/1054, Nº065/1054, Nº066/1054, Nº067/1054, Nº068/1054, Nº069/1054,

Nº070/1054, Nº071/1054, Nº072/1054, Nº074/1056, Nº075/1056, Nº076/1056,

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Nº077/1056, Nº078/1056, Nº079/1056, Nº080/1056, Nº081/1056, Nº082/1056,

Nº084/1056, Nº085/1056, Nº086/1056, Nº087/1056, Nº088/1056, Nº089/1056,

Nº090/1057, Nº092/1057, Nº093/1058, Nº094/1058, Nº095/1058, Nº096/1060,

Nº097/1062, Nº099/1065, Nº100/1069, Nº103/1071, Nº124/1075, Nº125/1075,

Nº126/1076, Nº128/1076, Nº131/1078, Nº135/1078, Nº143/1081, Nº152/1085,

Nº170/1088, Nº171/1088, Nº178/1090, Nº182/1092, Nº184/1095, Nº185/1095,

Nº186/1095, Nº188/1096, Nº189/1097, Nº190/1097, Nº191/1097, Nº192/1097,

Nº194/1098, Nº195/1098, Nº222/1101, Nº223/1102, Nº224/1102, Nº232/1103,

Nº237/1103, Nº241/1104, Nº245/1104, Nº266/1107.

• vendas à Sé de Braga 252 : 22 documentos = 23.9% dos docs. de compra-e-venda do Corpus = 10.5% do total de docs. do Corpus

Nº113/1073, Nº139/1079, Nº144/1081, Nº146B/1082, Nº151B/1084, Nº168B/1088,

Nº169/1088, Nº176/1090, Nº187B/1095, Nº204/1100, Nº208B/1100, Nº214B/1101,

Nº216B/1101, Nº242B/1104, Nº255B/1106, Nº258B/1106, Nº260B/1106, Nº268/1107,

Nº270/1107, Nº274B/1108, Nº279/1108, Nº287/1110.

2. doações

O acto jurídico da doação está representado no Corpus de forma equiparada á da

compra-e-venda (contrastando neste ponto com outras colecções documentais

hispânicas publicadas), para o que contribui o elevado número de doações à Sé de

Braga (sobretudo durante o episcopado de S. Geraldo).

A doação apresenta um número de documentos ligeiramente inferior à

compra-e-venda: 90 documentos, ou seja 42.9% do total do Corpus, agrupadas

genericamente da seguinte forma, de acordo com o donatário:

252 Não faço distinção nesta rubrica entre as vendas ao Bispo, sem menção do Cabido ou da Sé, e as vendas à Sé, na pessoa do Bispo e dos cónegos.

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• doações a particulares: 12 documentos = 13.3% das doações do Corpus = 5.7% do total de docs. do Corpus

Nº106/1072, Nº110C/1072, Nº117/1074, Nº118/1074, Nº123/1075, Nº130/1077,

Nº157/1086, Nº158/1086, Nº193/1097, Nº196/1099, Nº203/1100, Nº226/1102.

• doações à Sé de Braga: 73 documentos = 81.1% das doações do Corpus = 34.8% do total de docs. do Corpus

Nº104/1072, Nº105/1072, Nº108/1072, Nº111B/1073, Nº114/1073, Nº120C/1074,

Nº121/1074, Nº129B/1077, Nº132/1078, Nº133B/1078, Nº134B/1078, Nº138/1079,

Nº140B/1079, Nº142/1080, Nº145B/1082, Nº147/1082, Nº148B/1082, Nº149/1083,

Nº153/1085, Nº159/1086, Nº160C/1086, Nº161B/1086, Nº163B/1086, Nº172B/1088,

Nº175/1089, Nº177/1090, Nº179/1091, Nº181/1091, Nº198B/1099, Nº199/1099,

Nº201/1099, Nº206B/1100, Nº207B/1100, Nº210/1100, Nº211B/1101, Nº212B/1101,

Nº215C/1101, Nº219B/1101, Nº220B/1101, Nº227/1102, Nº228/1102, Nº229B/1102,

Nº233/1103, Nº234/1103, Nº235/1103, Nº236/1103, Nº239B/1103, Nº240B/1104,

Nº246B/1104, Nº247/1105, Nº249/1105, Nº250/1105, Nº251B/1105, Nº253/1105,

Nº254B/1106, Nº257B/1106, Nº259B/1106, Nº261B/1106, Nº263B/1106, Nº264/1106,

Nº265C/1106, Nº267B/1107, Nº271B/1107, Nº272B/1107, Nº273B/1108, Nº277B/1108,

Nº278/1108, Nº280B/1108, Nº283B/1109, Nº284B/1109, Nº285C/1109, Nº286B/1110,

Nº288B/1110.

• doações a outras instituições religiosas: 5 documentos = 5.6% das doações do Corpus = 2.4% do total de docs. do Corpus

Nº109C/1072, Nº112/1073 e Nº150/1084 (doações ao Mosteiro de Sto. Estêvão de Faiões),

Nº155/1085 (dotação da Igreja de S. Mateus de Soalhães), Nº166B/1087 (dotação da Igreja

da Várzea, Chaves).

Entre as doações podem estabelecer-se várias categorias 253 : doações simples,

doações ‘sub modo’, e dotações de igrejas (categorias de que se encontram

exemplos no Corpus). Outros tipos de doações, como doações de carácter

testamentário (‘post obitum’), ‘perfiliationes’, e doações realizadas mediante

253 Sigo na tipologia das doações, de forma quase ‘verbatim’, a exposição de E. Sáez na sua introdução ao volume CDACL I, p.xxxix ss.

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executores testamentários não ocorrem no Corpus 254 . Não apresento, no entanto,

o inventário dos vários tipos de doação que ocorrem, por não me parecer

absolutamente necessário para os objectivos gerais da dissertação. 255

3. permutas (ou escambos)

As permutas, ou escambos, estão representadas apenas com 8 documentos, que

correspodem a 3.8% dos documentos do Corpus, e estão distribuídas da seguinte

forma, de acordo com o donatário:

• permutas com particulares: 3 documentos = 1.4% do total de docs. do Corpus

Nº073/1055, Nº083/1056, Nº183/1092.

• permutas com a Sé de Braga: 5 documentos = 2.4% do total de docs. do Corpus

Nº173B/1089, Nº197B/1099, Nº230B/1102, Nº244B/1104, Nº252B/1105

Como comenta Sáez, a propósito do pouco número de permutas também

publicadas no volume I da CDACL, «La permuta, poco representada aquí, se

empleaba por monasterios y particulares para agrupar sus propiedades, cediendo

las más alejadas de su órbita territorial.» 256

254 O que não quer dizer que não ocorram no Liber Fidei, em geral, ou no ‘Liber Testamentorum II’, em particular.

255 Por esta dissertação ter como objectivo primordial o estudo grafémico e linguístico (e não diplomático) de um conjunto de dados textuais medievais, não me parece pertinente nem exequível proceder a uma classificação mais detalhada deste tipos de documentos: os diversos tipos de doações envolvem, em casos restritos, a utilização de expressões linguísticas ou fórmulas específicas, embora a designação do acto jurídico no texto não difira em geral das outras doações. Caso diferente é, por ex., o dos documentos processuais, que, por conterem longas passagens de carácter argumentativo e narrativo, envolvem o recurso a estruturas linguísticas e expressões formulaicas diferenciadas, merecendo por isso outro tipo de atenção.

256 CDACL I, p.xlv.

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4. actos mistos

Encontra-se apenas um acto misto no Corpus, o que corresponde 0.5% dos

documentos do Corpus:

• venda-e-permuta: 1 documento

Nº180/1091

5. documentos processuais: plácitos

Os documentos processuais, ou relativos aos processo judicial, são documentos de

características muito definidas no conjunto da documentação jurídica medieval

hispânica dos sécs. X-XI, e apresentam aspectos linguísticos e textológicos

interessantes 257 , por conterem longas passagens de carácter argumentativo e

narrativo. Envolvem o recurso a estruturas linguísticas e expressões formulaicas

específicas e diferenciadas, que escapam ao “espartilho” do esquema formulístico

habitual das vendas e doações. São textos que, para além do interesse justificado

que suscitam nas áreas da história das instituições jurídicas, da história da cultura

e até da história das mentalidades 258 , merecem também um tipo especial de

atenção por parte de filólogos e linguistas, sendo particularmente interessantes do

ponto de vista da organização textual e da sintaxe; note-se que incluem

257 Para além do seu valor documental único, para o conhecimento de aspectos culturais, sociais e jurídicos das comunidades hispânicas da Reconquista. Vejam-se a este respeito as interessantes reconstituições históricas de processos judiciais no reino de Leão (escrupulosamente baseadas em fontes documentais) de Claudio Sánchez-Albornoz (Sánchez-Albornoz 1984) e de Alfonso Prieto Prieto (Prieto Prieto 1993).

258 «Tengo conciencia de lo sesgado de los documentos que hasta nosotros han llegado: documentos referentes a la propiedad inmueble y conservados por instituciones eclesiásticas. A pesar de ello, una parte de estos documentos — los de carácter procesal — nos permiten acercarnos a una realidad viva y palpitante. » (Prieto Prieto 1993:12)

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frequentemente passagens em discurso indirecto (facto raro noutros tipos de

documentação), que pretendem transcrever de forma fiel enunciados proferidos

pelos vários intervenientes no processo. São também, devido ao seu carácter

expositivo e narrativo, mais ricos lexicalmente, que os documentos de compra-e-

venda ou as doações.

Sobre a classificação dos documentos processuais como ‘públicos’ ou ‘privados’,

perfilho a posição de Herrero de la Fuente (Ed.) 1988 (= CDMS II) , diversa da de

Sáez (Ed.) 1987:

[…] a partir del ya clásico desdoblamiento de la documentación, agrupándola en

pública y privada, nos permitimos situar entre ambos bloques el de los “plácitos”,

puesto que algunos de éstos parecen tener el carácter de públicos, en tanto que

otros (la mayoría) son claramente privados. 259

Esta ambiguidade tipológica resulta da circunstância de em alguns documentos

deste tipo ser referida a comparência do subscritor principal do acto (no caso de

pactos), ou dos litigantes (no caso de pleitos), perante um monarca, ou um

magnate — como um conde ou prelado — e um conjunto de juízes, no âmbito de

um ‘concilium’ convocado para ditar as condições de um pacto ou composição,

ou para derimir um litígio. Este tipo de configuração, associado ao acto jurídico

que os documentos processuais relatam ou consignam, parece de facto justificar a

atribuição de carácter público a esta classe de textos. 260

259 CDMS II, p. xxxvij.

260 «Incluso en el caso de aquellos en los que se menciona al rey, estimamos que debe matizarse su presencia y, en consecuencia, no adjudicarles de inmediato el carácter de públicos por la mera alusión al monarca. En líneas generales y a tenor de lo que se desprende de los documentos que estudiamos puede decirse que la intervención del rey se limita a ordenar a alguien que se encargue de la investigación o que actúe de juez en el conflicto; otra veces pide que se designen y juren los testigos o se dirima mediante bastoneros.» (CDMS II, p.xlv)

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De qualquer forma, o protagonista principal dos actos judiciais é o

autor/subscritor do acto, ou em caso de pleito, os ligitantes, ficando o papel

efectivo do rei bastante reduzido: apesar do monarca presidir formalmente ao

processo, parece confinar a sua actuação à nomeação de juízes ou convocação de

testemunhas, e à confirmação do documento. 261

No que diz respeito à designação dos documentos, não parece também haver

acordo entre o estudiosos. Marta Herrero de la Fuente refere-se genericamente à

documentação processual como ‘plácitos’:

Hemos venido hablando hasta ahora únicamente de plácito, palabra que puede

ser evocadora de pactos y/o conflictos. En general, lo que nos refleja la

documentación que nos ocupa podría ser englobado bajo el denominador común

de pleitos; teniendo lugar algunos de ellos a nivel exclusivamente familiar. 262

Refere mais adiante que se poderia diferenciar dentro dos ‘plácitos’ alguns

documentos, aplicando-lhes o sub-título de ‘pactos’ «para matizar así la

denominación más fuerte y dura de pleitos» 263 , o que parece uma sugestão a

seguir.

261 «Si bien es cierto que la intervención real pudo ir más allá de lo recogido en los documentos, aunque no siempre, como puede apreciarse por lo expuesto, parece, de todas formas, bastante limitada. Por otra parte, si veremos que los auténticos protagonistas de los mismos, como es lógico, son las partes litigantes; que, por decirlo de alguna manera, son las que los intitulan y, por supuesto, las que los subscriben; sobre todo cuando, como consecuencia de la sentencia y su aceptación, se inicia, dentro del propio documento, una donación de bienes o derechos en litigio que hace la parte vencida a la ganadora.» (CDMS II, p.xlvi)

262 CDMS II, p.xlvij.

263 ibid.

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162

Emilio Sáez, utilizando outro tipo de terminologia 264 , cita Sánchez-Albornoz

para tentar fixar a designação deste tipo de actos:

El expresado maestro dice “que de la misma manera que se llamaba ‘intentio’ al

pleito, se aplicaba la palabra ‘agnitio’ para designar la escritura en que se hacía

constar el acuerdo de las partes con que después de la prueba terminaba el litigio

en el procedimiento germánico y en el asturleonés.” 265

Sánchez-Albornoz faz além disso remontar o proceso judicial ásture-leonês às

duas tradições processuais romana e germânica:

Bastan los textos reunidos para mostrar cómo perduraron en el reino asturleonés

durante el siglo X, las dos tradiciones procesales romana y germánica; la primera

muy vivaz aún en la legislación hispanogoda y la segunda sin duda conservada

en los campos Góticos donde los godos habían colonizado en masas cerradas. No

podía el procedimiento judicial liberarse de esa dicotomía. 266

Mas mais interessante que este tipo de profissão de fé no “sangue godo”

caracterítisca de alguma historiografia espanhola, é o facto de Sánchez-Albornoz

apontar alguns aspectos presentes (e patentes) na documentação que, para além de

poderem substanciar a origem germânica do processo judicial ásture-leonês,

permitem sobretudo caracterizá-lo e descrevê-lo; alguns destes aspectos

encontram-se nos documentos de tipo processual do Liber Fidei:

264 Que se caracteriza exactamente pela ausência de terminologia, pois usa apenas o termo genérico ‘documentos relativos al proceso’.

265 CDACL I, p.lij, citando Sánchez-Albornoz 1984:85, nt.127 (refiro a 10ª ed.; Sáez cita a 3º ed de 1934, em que o nº da pág. é 74).

266 Sánchez-Albornoz 1975:1741-1742.

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163

Más de una vez el litigio se resuelve mediante la presentación de testigos que

juran la realidad de los hechos, a veces se vincula la alegación documental con la

prueba testifical jurada y no dejan de asomar las ordalías … 267

E sobretudo:

… el procedimiento es verbal, conforme a la tradición germánica, […] la prueba

suele ocorrer a cargo del acusado o demandado y […] no se termina el proceso

mediante una sentencia, sino por una ‘agnitio in veritate’, todas formas

características del proceso en los pueblos germánicos. 268

Avelino de Jesus da Costa, que não dá na edição crítica do Liber Fidei uma

classificação diplomática dos documentos, apresenta uma terminologia algo

flutuante, nalguns casos utilizando o termo tradicional ‘carta de agnição’, noutros

dando apenas um breve sumário do conteúdo do documento sem no entanto tentar

caracterizá-lo tipologicamente. O mesmo sucede nos dois volumes de

Documentos Particulares III e IV da Academia Portuguesa da história (que

incluem alguns documentos do Liber Fidei), e noutras colecções documentais

medievais publicadas em Portugal.

Estes vários aspectos tornam difícil diferenciar tipologicamente estes documentos,

que não formam de facto um grupo homogéneo, apresentando diferenças muito

nítidas, como aliás aponta a citação acima de Herrero de la Fuente.

Do ponto de vista da sua estrutura, alguns destes documentos obedecem a um

esquema estrutural próximo das doações, contendo um dispositivo semelhante aos

destas. Envolvem basicamente uma deliberação por parte de um magnate (nos

267 id., 1742.

268 ibid.

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164

documentos do Corpus trata-se do Bispo de Braga), em relação a uma

determinada questão, e a aceitação da deliberação, através de um ‘pacto’, por

parte do autor do documento, que robora e subscreve.

Outros, as chamadas ‘cartas de agnição’, documentam com detalhe o desenrolar

de um processo, em muitos casos um pleito, com a convocação dos litigantes ou

do demandado, das testemunhas, a recolha dos vários depoimentos, e o resultado

processo, i.e., a deliberação dos juízes e a sua aceitação (‘agnitio’) e renúncia ao

prosseguimento da ‘intentio’ pelo autor, seguida da sua rebora e subscrição, e de

subscrições de variadas personalidades presentes no ‘concilium’.

Se o termo ‘carta de agnição’ tem algum arraigo na tradição crítico-diplomática

portuguesa, o termo ‘agnição’ parece-me no entanto referir-se não tanto ao acto

jurídico e ao documento respectivo, como a um elemento do processo judicial, na

realidade o culminar de um processo litigioso. Parece-me assim mais prudente, e

consentâneo com as avisadas considerações de Marta Herrero de la Fuente,

utilizar um termo neutro para a generalidade da documentação processual, como

‘plácito’ ou ‘plazo’, distinguindo aí dois grandes tipos quanto ao conteúdo ou tipo

de processo, ‘pleitos’ e ‘pactos’, e reservando a ‘agnição’ como termo jurídico

para a análise historico-jurisprudencial do processo medieval. 269

Quanto ao termo ‘plazo’, ainda que obsoleto na língua moderna, parece-me

preferível a ‘prazo’ (que na língua moderna não tem já o mesmo significado do

port. med., significado esse que também evoluiu no período medieval), e

corresponde às formas ‘plazum/plazo’ da documentação.

269 Ou quando muito fazer equivaler os termos ‘carta de agnição’ e ‘pleito’ nos casos estritos em que o pleito se concluiu de facto pela ‘agnitio in veritate’ da parte vencida.

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‘Plácito’, utilizado nalguns estudos de diplomática espanhóis, deriva directamente

da forma gráfica latina ‘placitum/placito’ que ocorre na documentação.

No Eluc. ‘prazo’ é definido como «obrigação, qualquer escritura, concerto,

ajuste.» 270 , remetendo para ‘PLAZO2’, onde se lê «Escrito ou obrigação de

dívida» 271 . Esta definição parece ser uma restrição do significado mais alargado

referido antes para ‘prazo’. No entanto, no Eluc. encontra-se outra definição para

‘plazo’, «Escritura de doação ou contrato, com certas condições, à satisfação,

prazer e agrado d’ambas as partes» 272 , mais de acordo com o conteúdo dos

documentos processuais em discussão. O mesmo sucede com a 1ª e 3ª definições

de ‘plácito’: «Prazo e qualquer outro género de contrato ou instrumento público»

273 e «Pacto, condição e promessa» 274 .

O GDLP também regista ‘plácito’com as acepções «Pacto. | Promessa.» 275 , para

além de outras.

Veja-se também a este propósito o exposto na entrada ‘Prazo’ do DELP:

creio, porém, que a forma ‘plazo’, dada por um documento de 999, já

corresponde à então vulgar: “… et de suos germanos uel heredes sicut in ‘plazo’

resonat …”, em ‘Dipl.’, doc, N.º 183, p.112; de resto, tal palavra continuava em

uso no séc. XIII e, então, mesmo em textos redigidos em português [segue-se cit.

270 Eluc. II PRAZO2 ’, p.491b.

271 Eluc. II ‘PLAZO2 ’, p.479b.

272 Eluc. II ‘PLAZO1 ’, p.479a.

273 Eluc. II ‘PLACITO1 ’, p.479a.

274 Eluc. II ‘PLACITO3 ’, p.479a.

275 GDLP V ‘Plácito’, p.91a.

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166

de doc.]

(DELP IV ‘Prazo’, p.415b).

Outra designação geral possível seria ‘pleito’ (também derivado historicamente do

lat. ‘placitu-’, através do francês antigo, tal como a variante ‘preito’). Embora

alguns dos documentos a que me refiro transcrevam de facto a resolução de

pleitos, há outros que, sendo de carácter processual, têm outro tipo de conteúdo.

O GDLP define ‘pleito’ como «Demanda, litígio, questão judicial. | Questão,

discussão. | ‘Ant.’ Acordo, combinação» 276 . Esta última definição (hoje

obsoleta) pode ser complementada pela definição do termo em castelhano do

BDELC:

Del fr. ant. ‘plait’ íd., procedente del lat. tardío PLACITUM ‘voluntad regia’ (de

PLACERE ‘agradar’, parecer bién’), de donde ‘decreto’, ‘acuerdo’, convenio’,

‘discusión’ y de ahí ‘proceso’. 277

A designação ‘pleito’ não me parece, de qualquer modo, satisfatória enquanto

termo genérico, por se proporcionar a equívocos devido á acepção moderna. Em

port. ant. o termo (pronunciado [ple!i8to] ou [p|e!i8to]) parece referir-se a uma

situação jurídica, ou aos eventos a ela conducentes, enquanto ‘plazo/prazo’ se

refere ao acto jurídico e ao documento que o regista e transcreve.

Perante o exposto, penso que a escolha dos termos se restringe com propriedade a

‘plazo’ e ‘plácito’, preferindo eu o segundo, por não se prestar a equívocos na

língua moderna, pela proximidade com o étimo latino, e por conformidade com

alguns autores hispânicos. Recorde-se no entanto que ‘placitum, placito, plazum,

276 GDLP V ‘Pleito’ p.105c.

277 BDELC ‘PLEITO. 1054.’ p.464a.

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plazo e prazo’ são na documentação formas equivalentes do “latim notarial” para

o port. ant. [pla!d•zo] ou [p|a!d•zo]. Trata-se portanto de uma escolha entre grafias, e

não de conceitos (em termos da língua medieval, é claro).

O Corpus contém 17 plácitos, ou documentos de carácter processual, o que

correponde 8.1% do total de documentos, apesar de a extensão de alguns ser

superior à extensão média dos outros tipos de documentos.

Distribuem-se do seguinte modo entre ‘pleitos’ e ‘pactos’ 278 :

• pleitos entre particulares: 2 documentos = 11.8% dos plácitos do Corpus = 1.0% do total de docs. do Corpus

Nº091/1057 (‘carta agnicionis uel confirnationis et uendicionis’), Nº116/1074 (‘pactum

simul et plazum’);

• pleitos entre particular(es) e a Sé de Braga: 6 documentos = 35.3% dos plácitos do Corpus = 2.9% do total de docs. do Corpus

Nº098/1062 (‘placitum agnitionis uel deliberationis et scriptura firmitatis/scriptura

firmitatis et placitum agnitionis’), Nº136B/1078 (‘pactum simul et placitum/agnitio

placiti’), Nº200/1099 (‘pactum simul et placidum/plazum/placitum’), Nº238/1103 (‘pactum

simul et plazum/ plazum et agnitionem/plazum’), Nº262B/1106 (‘pautum simul et

placitum/placitum’), Nº291/1110 (‘pactum simul et plazum/plazo’).

• pactos com a Sé de Braga: 9 documentos = 52.9% dos plácitos do Corpus = 4.3% do total de docs. do Corpus

Nº101/1071 (‘pactum simul et placitum’), Nº102/1071 (‘pactum simul et placitum’),

Nº119/1074 (‘placitum’), Nº141/1080 (‘placitum/plazum’), Nº154/1085 (‘plazum’)

Nº162B/1086 (‘pactum simul et placitum ligale/plazum’), Nº217B/1101

(‘plazum/placitum/placito firmitatis’), Nº218B/1101 (‘plazum’), Nº221B/1101

(‘placitum/placitum firmitatis’).

278 No campo ‘TIPO’ incluído no cabeçalho que precede cada documento do Corpus, acrescento a ‘pleito’, e por conformidade com a tradição, o termo ‘carta de agnição’ quando o texto internamente o justificar.

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168

Os pleitos são facilmente identificáveis (apesar da indecisão terminológica que os

próprios textos apresentam) pela existência de vários elementos textuais ou

formulaicos, ou simples vocábulos, que fazem referência à existência de um

litígio, à comparência perante as autoridades (rei, conde ou outro representante da

autoridade régia, prelado, e juízes), à condução formal de um processo, e ao

resultado do processo e/ou à resolução do pleito.

Haveria ainda que distinguir entre documentos referentes a pleitos resolvidos

processualmente, que mencionam explicitamente a existência de um processo

judicial, e documentos referentes a pleitos resolvidos mais localmente pela

autoridade do Bispo de Braga, e que não fazem referência a juízes, mas apenas à

decisão do prelado acatada pelo subscritor do documento.

Tendo, no entanto, em conta a já longa extensão dedicada a este assunto neste

capítulo, e tendo em conta os objectivos prioritariamente filológicos e linguísticos

da dissertação limito-me a apontar este ponto sem o desenvolver.

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«L’écriture médiévale ne produit pas des variantes, elle est variance.» (Cerquiglini 1989:111)

Capítulo 3

Originais vs. cópias: variância linguística intra-textual na tradição dos documentos notariais do Liber Fidei

Conteúdos:

• Levantamento de variantes linguísticas entre documentos originais e

cópias do Liber Fidei (‘Liber Testamentorum I’)

• Comentários e conclusões sobre a variância linguística na tradição dos

documentos do Liber Fidei

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Capítulo 3.

Liber Fidei transcreve documentos que se conservavam no

cartório (o ‘thesaurus’) da Sé de Braga. Os documentos que

se conhecem desse outrora opulento cartório sobrevivem

hoje na quase totalidade apenas no cartulário.

Os escassos originais que se conservam permitem, no entanto, fazer

algumas observações bem fundamentadas sobre algumas

características da língua notarial latino-bracarense, e sobre o processo

de cópia que levou à constituição do Liber Fidei; ou seja, esses

originais sobreviventes permitem verificar a fidedignidade e cuidado

com que os textos foram transcritos para o cartulário, e o grau de

fiabilidade que as cópias do Liber Fidei apresentam, enquanto

testemunhos de textos do séc. XI e anteriores. Conhecem-se ao todo

os originais de treze textos notariais do Liber Fidei datados do séc. XI 279 . A transcrição diplomática desses originais é apresentada em

anexo.

Neste capítulo, para além de se abordar a questão da validade ou

fidedignidade das cópias perante os originais, sobretudo para certo

tipo de estudos linguísticos, dar-se-á atenção ao problema da variância

linguística no processo da cópia e transmissão dos textos. É nesse

279 Existem também cópias independentes dos sécs. XII-XIII de quatro documentos do Liber Fidei (‘Liber Testamentorum I’), devidamente assinaladas na tradição dos documentos do Corpus (v. anexo 1 - listagens) de que essas cópias são testemunho. Essas cópias não são aqui consideradas.

O

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171

sentido que apresento a colação de 11 documentos originais do séc. XI

com as cópias respectivas do Liber Fidei/Liber Testamentorum I (em

anexo), e o levantamento e classificação de variantes linguísticas.

Pretendo assim caracterizar a actividade dos copistas (avaliando o

grau de fidelidade das cópias do Liber Fidei em relação às

características da língua do séc. XI), e sobretudo explicitar e discutir

os padrões de variância inerentes à transmissão do texto notarial

medieval.

Não se trata em caso algum de fazer crítica textual numa perspectiva

arqueológica tradicional, em que se pretende descobrir ou estabelecer

a melhor lição: trata-se mais propriamente de inscrever a descrição

das variantes e dos padrões de variância na perspectiva mais geral

(linguisticamente mais interessante) do estudo da ‘actividade

parafrástica’ (para utilizar terminologia cara a Jean Roudil) na Idade

Média, enquanto fenómeno revelador de variância e polimorfismo

linguísticos.

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172

3.1 Levantamento de variantes linguísticas entre documentos

originais e cópias do Liber Fidei (‘Liber Testamentorum I’)

Dado que os dados linguísticos do cartulário sobre a língua notarial do séc. XI

são, por assim dizer, em segunda mão, achei necessário recolher essa

documentação original, transcrevê-la de forma conservadora, confrontá-la com as

edições porventura existentes, e cotejá-la com as cópias do Liber Fidei, para

verificar qual o grau de alteração a que os textos foram sujeitos ao serem

transcritos para o ‘Liber Testamentorum I’ e depois para o Liber Fidei. A

transcrição diplomática dos originais, e a sua colação com as cópias do Liber

Fidei são apresentadas em anexo (Volume II - Anexos 2 e 3).

Os resultado são um pouco surpreendentes, na medida em que as alterações não

são profundas, como se verá adiante, o que em minha opinião relativiza e

sobretudo desdramatiza, a questão do valor linguístico das cópias medievais de

textos latino-notariais. 280

Esta secção apresenta o levantamento de variantes de tipo linguístico assinaladas

nas colações de testemunhos apresentadas nas secções anteriores. Este

levantamento e classificação de variantes tem objectivos bem delimitados, não

pretendendo ser nem uma análise exaustiva do problema da variância na

transmissão de textos notariais do séc. XI (questão que por si só, e pelo facto de

não existirem entre nós estudos desse tipo, justificaria uma dissertação a ela

280 V. a este propósito o artigo de Maurilio Pérez (Pérez González 1989) sobre originais e cópias em que o valor linguístico das cópias é taxativamente afirmado. Considerem-se também os estudos fundamentais sobre documentação notarial hispânica de Jennings 1940 e Bastardas Parera 1953, ambos baseados em documentos transcritos em cartulários medievais.

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173

inteiramente dedicada), nem sequer um inventário exaustivo das variantes

concretas em presença.

Um dos objectivos fundamentais desta dissertação, como ficou referido no

prólogo do capítulo 1, é a apresentação de uma proposta de preparação,

formatação e tratamento de um corpus de textos notariais latino-portugueses

enquanto objecto pertinente de análise linguística e textual: é nesse sentido que é

implementada e testada uma metodologia para abordagem e interpretação dos

dados textuais.

Ora, dadas as características específicas dos textos notariais, a abordagem da

questão da variância e do polimorfismo grafémico, não só é incontornável na

prossecução das tarefas referidas, como constitui um aspecto interessante e

importante de estudo.

Por essa razão, dada a enorme importância dos fenómenos de variação no estudo

de qualquer corpus medieval, torna-se necessário pôr em causa claramente a

concepção tradicional da relação entre “língua da época” (leia-se ‘língua

funcional oral’) e “escrita” (leia-se ‘língua funcional escrita’) geralmente

assumida pela tradição filológica hispânica medieval (nomeadamente nos estudos

linguísticos que habitualmente acompanham as edições filológicas de textos

medievais): não é aceitável o pressuposto, raramente demonstrado pelos

estudiosos que o adoptam, de que a ortografia — ou, melhor, a escrita de base

grafo-fonémica — é uma espécie de transcrição da língua oral. Foi exactamente o

pressuposto do isomorfismo entre representações grafémicas e representações

fonémicas, por um lado, e a falta de uma perspectiva variacionista (adquirida

pelos estudos linguísticos nas últimas três décadas), por outro lado, que levou

Ramón Menéndez Pidal a postular a existência de pelo menos três variedades

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174

linguísticas em conflito na comunidade leonesa dos sécs. X-XI 281 , entre as quais

o célebre ‘latim vulgar ou popular leonês’.

Mas mais que delinear tipos de correspondência entre formas escritas e formas

orais, ou mais que abandonar uma visão uniformista, tem faltado um modelo da

relação entre ‘escrita’ e ‘fala’ que, enquadrado numa teoria geral dos actos

discursivos e comunicativos, perspective a ‘escrituralidade’ e ‘oralidade’ como

categorias concepcionais (regidas por princípios e padrões não necessariamente

coincidentes) no uso e realização de um sistema linguístico em situações

comunicacionais específicas.

O estudo das ‘scriptae’ medievais não pode também alhear-se do facto suportado

pela investigação abundante sobre ortografia e aprendizagem e processamento da

escrita, de que as representações grafémicas são também representações mentais,

i.e. representações linguísticas de outro tipo que obedecem a regras e princípios

específicos, e que não devem confundir-se com as representações mentais de tipo

fonémico ou fonológico.

281 «La corte y la región leonesa es interesante en especial, porque hallamos en ella tres tipos de lengua. Dos de ellos son como en todas partes; de un lado ese romance corriente que hemos caracterizado ya, hablado por todos en su conversación diaria, y de otra parte un bajo latín o latín escolástico, escrito por los cronistas, los legisladores, los hagiógrafos y demás gente erudita. Pero hallamos además un tercer tipo, un latín vulgar, ese latín popular que no se solía escribir ya en otras partes y que en el reino asturleonés fué mucho más usado, a juzgar por sus frecuentes manifestaciones, entre los notarios del reino durante los siglos X y XI.» (Menéndez Pidal 1950/19809:454-5). Mais adiante, ao comentar a disparidade de formas gráficas contendo /e/ leonês proveniente de /ai8/ tardo-latino, o grande filólogo espanhol confunde explicitamente variação linguística com variação ortográfica, e comunicação escrita com comunicação oral: «Sea lo que quiera, el hecho es que un estrato de formas latinas y tres de formas romances se sobreponían en la lengua escrita en León durante el siglo X. Un individuo en un mismo documento podía mezclar voces pertenecientes a cualquiera de estas cuatro capas cronológiacmente diversas» (ibid., 518) Esta equivalência absoluta de factos grafémicos com factos linguísticos, fonémicos e outros, não é hoje aceitável, sendo necessário procurar alhures as causas da variação grafémica, nomeadamente na história, evolução e estrutura do próprio sistema de escrita.

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175

Resulta disto que o significado e valor das grafias medievais, nomeadamente da

escrita notarial latina não reformada, não está no seu “face value” enquanto

representações isomórficas de elementos do nível fónico: o seu valor encontra-se

no todo das tensões e tendências internas do sistema de escrita herdado, re-

aprendido e adaptado por gerações sucessivas de utilizadores, com graus

divergentes de cultura livresca ou escritural. A ortografia, não pode em caso

algum, e muito menos na Idade Média latina, confundir-se com um sistema de

transcrição fonética/fonémica de tipo isomórfico, como por exemplo o “alfabeto

fonético” da International Phonetic Association.

Consequentemente, a variação grafémica não tem necessariamente implicações

relativamente à representação da variação sincrónica de carácter fonémico na

‘língua da época’. As formas alógrafas devem ser à partida encaradas como

modos representacionais alternativos, alicerçados em princípios grafo-fonémicos

divergentes mas co-existentes, no contexto de uma escrita tradicional não

standardizada e sujeita a uma forte pressão da oralidade.

*

Mais concretamente, a divergência entre testemunhos múltiplos de um mesmo

texto deve em primeiro lugar — de um ponto de vista diacrónico que tenha em

conta a diferente época de redacção dos vários testemunhos em presença — ser

considerada como reflexo de tendências de variação e mudança no seio da

tradição escrita: o valor diacrónico mais imediato das variantes textuais parece-me

ser o de reflectir potencialmente mudanças no enquadramento linguístico

sincrónico da língua escrita.

Isto é particularmente importante para o estudo da língua escrita hispânica

anterior ao séc. XIII: as importantes mudanças culturais da 2ª metade do séc. XI

vieram alterar aspectos da consciência linguística das comunidades romano-

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176

falantes da Península, ao provocarem uma ruptura insanável entre comunicação

escrita latina e comunicação oral romance, que se traduziu na oposição entre

Latim e Romance como línguas distintas. Essa ruptura conceptual e

meta-linguística resultou em última análise da alteração do estatuto da escrita

tradicional em relação à oralidade das comunidades linguísticas romanófonas, no

contexto da chamada reforma cluniacense, pela modificação dos cânones de uso e

correcção e dos métodos de ensino.

Assim sendo, pretendo com o levantamento de variantes linguísticas de originais

do séc. XI e cópias do Liber Fidei proceder a uma taxinomia de aspectos

scripto-linguísticos que não constituam apenas características da língua notarial

latino-portuguesa, mas que se revelem também significativos do ponto de vista da

diacronia, ao longo de um período de tempo bem definido, delimitado e

segmentado de forma fundamentada. Este segundo aspecto, que concerne as

tendências de mudança da língua notarial (tendo em conta o contexto cultural da

segunda metade do séc. XI), é particularmente importante: trata-se, em minha

opinião, de um aspecto crucial para a compreensão de fenómenos linguísticos,

escriturais e culturais que constituem o pano de fundo para a criação e

desenvolvimento de uma ortografia romance autónoma para o português no séc.

XIII. É nesse sentido que o capítulo seguinte é inteiramente dedicado à análise de

variáveis (formas e estruturas linguísticas) que possam ser descritas através de

variantes inter-textuais pertinentes, e cujas tendências de mudança sejam

reveladoras de padrões gerais de mudança na escrituralidade latino-portuguesa da

segunda metade do séc. XI e princípios do séc. XII.

Um aspecto subsidiário do confronto de variantes intra-textuais, mas não

irrelevante, é obviamente o da comparação entre originais e cópias no sentido de

fazer uma avaliação geral do Liber Fidei enquanto retrato do estado

scripto-linguístico do território bracarense no período anterior aos sécs. XII-XIII.

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177

Antecipando algumas das conclusões gerais que o exame das variantes permite a

este respeito, verifica-se que as variantes de tipo linguístico levantadas, sobretudo

as que dizem respeito a morfologia, morfo-sintaxe e léxico, mostram que as

cópias do cartulário bracarense, mesmo partindo da data mais tardia de redacção

(finais da 1ª metade do séc. XIII, recorde-se), reflectem de forma razoavelmente

fidedigna a língua notarial do período anterior à reforma cluniacense e os padrões

de mudança da língua notarial associados à ocorrência da dita reforma. Por essa

razão o Liber Fidei é uma fonte importante e interessante para o estudo da

comunicação escrita latino-portuguesa anterior à criação de uma ortografia

portuguesa.

*

Tal como no capítulo seguinte, em que são abordados alguns aspectos da

variância inter-textual em documentos do Liber Fidei (‘Liber Testamentorum I’),

as variantes recolhidas e classificadas nesta secção (no contexto de um capítulo

em que predomina deliberadamente a apresentação, organização e formatação de

dados textuais) respeitam a aspectos ou categorias linguísticas bem definidas, e

pretendem ser representativas de aspectos característicos da língua notarial.

Recapitulando, e desenvolvendo um pouco o referido na introdução geral deste

capítulo, o levantamento de variantes, resultante da colação e comparação de

testemunhos textuais divergentes apresentada em anexo (Volume II), não resulta

de uma perpectiva de crítica textual tradicional que se poderia designar como

“arqueológica”: no que respeita às variantes entre originais e cópias, a perspectiva

aqui adoptada é estritamente descritiva e comparativa. Ou seja, não passa pela

avaliação das variantes enquanto sintomas de “deterioração” ou “corrupção” dos

textos no processo de transmissão manuscrita.

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178

Os padrões de variância detectados e levantados são encarados como índice ou

reflexo do polimorfismo inerente ao uso de uma língua: é nessa acepção que a

descrição das variantes pode e deve ser enquadrada numa perspectiva de análise

parafrástica comparativa.

*

Um dos problemas inerentes a qualquer estudo sobre variação, sobretudo um

estudo baseado num corpus textual, é o de que a observação dos dados, e a

detecção dos padrões ou tendências de variação e mudança, se faz sempre ‘a

posteriori’: i. e. os limites da variação são aqueles que os documentos fixaram, as

variantes são aquelas a que os escribas “quiseram” dar permanência pela sua

‘mise en écrit’.

Isto não é uma observação trivial. Corresponde a algo que o estudioso deve

atender e ter sempre presente: o que não é atestado pela escrita, ou pela tradição

manuscrita não é necessariamente não existente ou impossível na sincronia

linguística a que os textos se reportam. Por outro lado, tudo o que é atestado é, à

partida, relevante: cabe ao estudioso, nomeadamente o filólogo ou linguista,

explicitar a significância ou insignificância, filológica ou linguística, das formas

efectivamente atestadas, independentemente do valor estatístico absoluto ou

distribucional. Ou seja, o facto de uma possibilidade linguística, cuja existência se

presume com fundamento, não ser atestada num texto ou conjunto de textos de

uma determinada época não significa necessariamente que não era uma

possibilidade de realização existente e viva nesse período. Quando muito, a

ausência de atestação escrita directa de elementos cuja existência se pressupõe e

postula para um certo período pode reflectir o tipo de relação entre o oral e o

escrito nesse período, no seio da qual relação certos elementos podiam ser

filtrados ou substituídos na passagem à escrita. Isto para não referir as inevitáveis

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limitações, no que concerne a significância estatística e distribucional, inerentes à

constituição de um corpus de dados enquanto amostra de um determinado

universo.

Por outro lado, a simples ocorrência de uma ou duas variantes, relativas a

determinado fenómeno, no seio de um corpus razoavelmente vasto, não pode ser

estatisticamente avaliada como pouco significativa, e não pode, portanto, ser

ignorada. Numa perspectiva interpretativa, toda e qualquer ocorrência é, à partida,

significativa, ou pelo menos significante: a significância das formas gráficas

desviantes isoladas deve ser explicitada e tendencialmente enquadrada numa

perspectiva geral e, tanto quanto possível, englobante, nem que seja numa

tipologia do erro de cópia.

A história da literatura, e mais genericamente a história da escrita no Ocidente

está cheia de textos perdidos, ou conhecidos fragmentaria ou indirectamente. Os

corpora textuais, seja qual for a sua extensão, não são mais que amostras de um

universo cujas dimensões ou contornos reais apenas se podem entrever ou

reconstruir hipoteticamente. De forma semelhante, a Linguística Românica está

cheia de formas ou étimos de formas romances não atestados (e por isso

reconstruídos hipoteticamente) que apenas esperam a descoberta ou publicação de

mais um texto para serem confirmados como atestações: neste sentido, parece-me

óbvio que qualquer ocorrência tem significado. Importa é discernir o seu

significado sincrónico, diacrónico e diatópico no seio de, e em confronto com, o

conjunto de dados no qual a forma em questão ocorre.

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180

Formas tradicionais vs. formas desviantes: a hipótese logográfica

A tradição ortográfica latina baseava-se originariamente numa análise grafémica

da língua falada hoje designada por ‘pronúncia restaurada’. 282

As mudanças profundas que o Latim sofreu durante o período imperial, a nível

fonológico, morfológico, sintáctico e lexical, não foram bi-univocamente

acompanhadas por mudanças equivalentes nas formas e estrutura da tradição

escrita, dado o natural conservadorismo da norma clássica; este facto, como é hoje

sabido e indisputado, levou a uma clivagem cada vez mais acentuada entre formas

e estruturas da língua latina falada e a representação escrita dessas formas e

estruturas no seio da tradição ortográfica e escritural herdada. Foi essa clivagem,

que Banniard 1992 (passim) descreve como a ‘ruptura na comunicação vertical’,

que levou à necessidade de adaptação ou reforma da escrita latina na Idade Média

(de forma distinta em épocas e áreas linguísticas distintas).

Se alguns aspectos da análise grafémica subjacente à organização primitiva da

ortografia latina clássica puderam manter a sua transparência representacional nas

variedades latinas tardo-antigas e nas línguas românicas medievais, e puderam por

isso ser sem grandes problemas re-interpretados (continuando em utilização

inclusivamente até aos nossos dias), outros aspectos (quer da fonologia, da

morfologia, da morfo-sintaxe ou do léxico) tornaram-se opacos, contribuindo para

um crescente grau de logografia, e originando assim zonas de complexidade

representacional da escrita, potencialmente geradoras de variação e polimorfismo.

É nestas zonas de complexidade grafémica que príncipios de escrita supletivos de

ordem grafo-fonémica, de escrita mais “transparente”, podem entrar em “colisão”

282 Sobre a estrutura e princípios da ortografia clássica vejam-se por exemplo Allen 1970 e Almeida 1987.

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181

(traduzindo-se em variantes) com os princípios, convenções e padrões

ortográficos tradicionais, de elevada opacidade fonémica em alguns casos.

Assim, se a tradição escrita latina pode “revelar” ou “reflectir” alguns aspectos

dos vernáculos romances medievais, também “oculta” ou “distorce” devido ao seu

arcaísmo e natural resistência à reforma (resultante do seu prestígio institucional e

cultural), como nota Wright num artigo sobre o carácter opaco da escrita latina

tradicional:

Aunque parece que los textos del siglo II antes de Jesucristo usaban el mismo

sistema ortográfico que los del VII después, sólo aquellos, los más antiguos,

representan de una manera más o menos fiel la fonética de los autores; éstos, los

textos más tardíos, representan en cambio la corrección tradicional que querían

conseguir, una tradición definitivamente fijada a finales del imperio romano y

que para el siglo VII tenía la función efectiva de disfrazar su fonética más bien

que representarla. 283

E mais adiante:

La gran mayoría de los textos producidos en la Península Ibérica, por

consecuencia, no se han preparado durante una época en que se estuviera

renovando el sistema ortográfico. Casi todos los escritores, pues, han ansiado, de

manera consciente, alcanzar la corrección escrita; ésta se basaba en el habla de

una época pasada, y sentían que era un deber moral disfrazar su habla si ésta no

coincidía con la ortografía que se llamaba correcta. 284

283 Wright 1993d:228.

284 id., p.230.

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Neste sentido, qualquer ocorrência de uma forma gráfica desviante num texto

médio-latino, independentemente do seu peso estatístico, tem à partida um

significado que não deve ser descurado, mas deve ser devidamente considerado e

aferido, não apenas em relação ao conjunto dos dados escriturais concretos, mas

também (e talvez sobretudo) em relação àquilo que se pressupõe como funcional

na sincronia comunicacional de que o texto é reflexo.

Uma única forma desviante, atribuível a princípios transparentes de escrita

grafo-fonémica, e interpretável à luz de dados históricos bem fundamentados,

pode ser um indicador importante sobre a oralização das formas maioritárias,

correctas do ponto de vista da tradição, mas complexas ou opacas do ponto de

vista da oralidade coloquial: uma única forma desviante romanceada, pode

auxiliar o estudioso a compreender o princípio de “ocultação do vernáculo”

subjacente a determinado padrão ortográfico latino. Esta posição é

veementemente defendida por Thomas Cravens, num estudo em que põe em

relevo o valor de formas gráficas desviantes esporádicas:

Used with appropriate caution, the count method can work well for discovering

features of lexicon or syntax, but is ill-suited for examination of orthographic

deviation, for a number of reasons. First, there is no principled way to decide

what percentage of deviations might constitute grounds for declaring that a

change has taken place. […] Any threshold is arbitrary. Second, and more

crucially, complete lack of mis-spelling cannot stand as secure evidence that no

change has developed. […] The result of a statistical count, applied in the

situation of an archaizing conventional writing system, is essentially an index of

literacy. Errors can, indeed, offer clues to sound change, but nothing more than

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mastery of spelling at the source can be adduced from texts in which no errors

are found. 285

*

Uma das questões centrais — no fundo, a questão — do debate latim/romance é a

da relação entre ‘língua escrita’ e ‘língua falada’ nas comunidades romano-

falantes medievais.

Nesse contexto a análise e interpretação do estatuto representacional das formas

gráficas tradicionais latinas em relação à estrutura das línguas romances

medievais é fundamental, nomeadamente quando essas formas gráficas

tradicionais se reportam a fonemas (ou sequências de fonemas), morfemas ou

lexemas que desapareceram, no curso da evolução e fragmentação dialectal do

latim, da competência activa dos falantes. Em Wright 1982 o modelo proposto era

basicamente ‘fonético’, que, como referi no capítulo 1, não resolve todos os

problemas que a tradicionalidade da escrita latina medieval não reformada

levanta.

A adopção de uma perspectiva logográfica vis-a-vis certos aspectos da escrita

latina medieval permite explicar a permanência longa de elementos grafémicos

opacos, como também referi acima no capítulo introdutório. Na leitura de muitas

formas o acesso lexical exigiria o reconhecimento holístico da forma gráfica sem

acesso a uma decomposição prévia em segmentos grafémicos de base fonémica

(v. supra capítulo 1). Isto sucederia quer ao nível de unidades morfémicas (como

acontece, por exemplo, ainda hoje na ortografia do francês) quer ao nível das

unidades lexémicas.

285 Cravens 1991:58.

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No contexto de uma ‘hipótese logográfica forte’ ou ‘generalizada’ todo o léxico

latino obsoleto, isto é, não funcional ao nível da competência linguística da

generalidade dos falantes, poderia e seria tendencialmente convertido, na leitura

em voz alta para uma audiência de romano-falantes monolingues e iletrados, em

léxico romance através do ‘princípio de conversão grafo-lexémica’, também

referido acima. Esta hipótese apresenta a grande vantagem de explicar toda uma

série de fenómenos de variação gráfica sem recorrer à dualidade Latim -

Romance, por situar os fenómenos de conversão lexical no quadro da utilização

de uma ortografia complexa num contexto de ‘monolinguismo complexo’.

Apresenta no entanto o óbice de não ter em conta aspectos como: (1) existência de

textos notariais de graus desiguais de alatinamento, e, inversamente, de

romanceamento; (2) possibilidade ou necessidade de oralização grafo-fonémica

de formas latinas obsoletas em situações específicas (como o ensino da língua

escrita ou a leitura de textos litúrgicos); (3) possibilidade de oralização alatinada

de textos em situações restritas que envolviam ‘ruptura da comunicação vertical’,

a saber, leitura em voz alta para um público letrado e culturalmente homogéneo,

actos cerimoniais de carácter litúrgico ou para-litúrgico e de grande solenidade,

etc.

Como mostram os padrões de variação grafémica em textos hispânicos do séc.

VIII ao XII a permanência de elementos lexémicos obsoletos (por vezes

re-grafados — o que é bastante significativo — de forma mais transparente do

ponto de vista da fonologia romance contemporânea), a adopção de uma ‘hipótese

logográfica fraca’ ou ‘mitigada’ parece mais concomitante com os dados textuais,

à falta de documentação directa sobre as circunstâncias do ensino e aprendizagem

da língua escrita na Alta Idade Média latina.

Uma hipótese ‘fraca’ sobre logografia na escrita latina medieval tem em conta um

aspecto fundamental que é a distinção clara entre a esfera mais restrita da

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competência activa de um falante e a esfera mais alargada (não centrada de forma

coincidente) da competência comunicativa, que pode incluir elementos arcaicos

ou obsoletos que, não sendo activamente usados na actividade linguística ‘normal’

e quotidiana, podem ser, no entanto, passivamente recebidos e entendidos, e até

esperados (o que envolve aspectos de competência pragmática também) em

determinados contextos comunicacionais.

A própria noção de arcaísmo ou obsolescência lexical não é um conceito absoluto

mas relativo, pois a morte lexical não é súbita: não afecta todos os falantes da

comunidade ao mesmo tempo, e ao mesmo ritmo. O desaparecimento de formas

lexicais da competência activa é gradual, e pode não ser total, podendo essas

formas sobreviver na competência ‘passiva’ ou ‘receptiva’. Ainda que não me

pareça plausível a perpetuação dessa “existência crepuscular” ao longo de vários

séculos, pode-se admitir que para certos itens recorrentes em textos de utilização

quotidiana ou frequente esse estado possa ter sido prolongado por factores

internos, como a existência de formas cognatas na língua vernácula, ou factores

externos, como a existência de vocabulários restritos prestigiados, associados a

aspectos relevantes da vida comunitária como a religião e o direito.

A ‘hipótese logográfica fraca’ prediz, ou melhor prevê, que um elemento lexical

obsoleto poderia (e aqui o modal é fundamental) ser oralizado em determinadas

circunstâncias comunicacionais através de conversão grafo-lexémica (como por

exemplo na leitura em voz alta de um texto notarial perante testemunhas aquando

da sua roboração, validação e confirmação rituais), algo semelhante mas não

idêntico em natureza a tradução em tempo real; noutras circunstâncias o mesmo

elemento poderia ser oralizado através de regras de correspondência

grafo-fonémica, sendo então revestido de uma roupagem fonética romance. Aliás,

dentro do mesmo texto, o contexto formulaico poderia condicionar a forma

específica de oralização dos itens lexicais. Também o ‘penchant’ mais livresco do

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leitor poderia, de acordo com a configuração discursiva em que se procedia à

leitura do texto, determinar a forma de oralização de certos elementos lexicais

obsoletos, da mesma forma que a maior ou menor erudição do notário

condicionava o uso escrito de grafias, formas e estruturas mais arcaicas ou mesmo

obsoletas.

Por outro lado, uma ‘hipótese fraca’ permite intuir aspectos do ensino e

aprendizagem do ‘latim’ (entenda-se, da língua escrita), ao reconhecer a

possibilidade de conversão grafo-fonémica de formas latinas não existentes na

fala vernácula romance no contexto das aulas, quer em situações de meta-

linguagem, quer em situações de ditado ou de discurso mnemónico. As formas

fonéticas romanceadas desse ‘latino-romance’ poderiam dar facilmente origem a

formas gráficas desviantes, baseadas em princípios de escrita fonograficamente

mais transparentes, por ocasião da redacção quer de um original quer duma cópia.

Valor heurístico das formas gráficas desviantes: análise de dois exemplos

Esta hipótese, e para retomar a questão da significância de formas desviantes

isoladas ou de baixa frequência, é confirmada em minha opinião por exemplos

concretos extraídos do Corpus como <aio> 286 (com uma única ocorrência no

Corpus, em vez de ‘alio’), e <siamus> 287 (também com uma única ocorrência,

em vez de <sedeamus> ou <simus>), e que considero bastante significativos:

<aio> ocorre em alternância com formas “correctas” não sincopadas como

286 Nº166B/1087 (LF401). Tanto o original (Nº166A, ORIGINAL #06) como a outra cópia do ‘Liber Testamentorum II’ (Nº166C, LF601) apresentam a forma “correcta” ‘alio’, o que mostra bem o carácter desviante da forma do Corpus.

287 Nº155/1087 (LF137).

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<alius>, <alio>, facto a que se deve também associar a alternância lexémica

ALIUS/ALTER; a forma <siamus> deve ser considerada em relação com formas

de conjuntivo do tipo <sedeat>, e no contexto da alternâcia SIT/SEDEAT.

• <aio> por <alio>

É necessário na interpretação do significado grafémico da forma desviante <aio>

distinguir duas questões: a realidade fonémica em português antigo das formas do

pronome indefinido latino ALIUS; e o valor scripto-linguístico da alternância

lexémica ALIUS/ALTER.

O facto de <aio> ocorrer numa cópia em divergência com a lição original em nada

retira valor à forma, antes lhe atribui maior significado, já que a elaboração do

‘Liber Testamentorum I’ se fez posteriormente à introdução da reforma

cluniacense em Braga; por outro lado, a cópia medieval de um texto é uma re-

criação, que não se pode dissociar da realidade linguística vigente à data da

redacção. Quero com isto dizer que a permanência pós-reforma de formas

desviantes ou romanceadas deve ser interpretada à luz do impacto cultural da

reforma cluniacense, que supostamente ‘restaurou a latinidade’ segundo Pidal e

Mattoso, ou pelo menos elevou o grau de correcção (leia-se aqui ‘normativismo’)

da latinidade medieval. A permanência de formas desviantes apesar da reforma

não pode ser ignorada e deve ser devidamente ponderada como índice do impacto

relativo da reforma nos hábitos e práticas escribais dos escribas hispânicos em

geral, e bracarenses em particular, dos sécs. XI (fins) -XII.

Para melhor situar a importância da forma desviante <aio> no âmbito da análise

grafémica do Latim Notarial Bracarense convém considerar a alternância

ALIUS/ALTER em primeiro lugar.

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Em latim ALIUS e ALTER eram originariamente distintos: o primeiro significava

‘outro entre muitos’, o segundo ‘outro entre dois’. A indistinção semântica entre

os dois é antiga, pois pode já observar-se em Plauto 288 . Assim, do ponto de vista

da evolução do latim a fusão dos dois pronomes indefinidos, pela sua antiguidade,

não é um fenómeno românico, mas sim latino, um “vulgarismo” (um aspecto da

língua vernácula funcional, filtrado pela escrita). No entanto, como a forma que

sobrevive nas línguas românicas é ALTER 289 (lat. ALTERU- [a!:t“e‘|o] >

gal.-port. ‘outro’ [o!u8t|o]) pode por conveniência descritiva considerar-se como

romanismo ou fenómeno de romanceamento a inter-comutabilidade das duas

formas latinas na língua escrita, sendo particularmente significativo o emprego de

ALTER em contextos que em latim escrito exigiriam ALIUS.

A extracção da diversas formas de ALIUS e de ALTER (com respectiva

quantidade de ocorrências) que o Corpus contém mostram os seguintes valores de

ocorrências:

ALIUS aio (1) alia (135) aliam (17) aliarum (2) alias (38) alie (2) alii (7) aliis (5) alio (40) aliorum (7) alios (13) aliud (6) alium (6) alius (14) total: 292 ocorrências

ALTER

288 «alius y alter , en el lenguaje común, se confundían: en Plauto, alius filius. Esta confusión es más frecuente en el latín tardío; así en San Jerónimo: nemo judicat alterum .» (Grandgent 1907/1970:73)

289 O antigo neutro ‘ALID’, substituído na língua clássica por ‘ALIUD’, sobrevive no português antigo na forma ‘al’, estando atestado na literatura latina da época republicana (cf. Grandgent 1907/1970:73, e principalmente DELP ‘Al, pron. e s.’, vol.I, pp.164-5).

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alter (2) altera (3) alteri (1) total: 6 ocorrências

Do ponto de vista do ‘sermo cotidianus’ romance da região de Braga nos

sécs.XI-XII seria de esperar o predomínio das formas de ALTER, correspondendo

mais directamente à forma galego-portuguesa [o!u8t|o]. No entanto, uma

expectativa deste tipo é anacrónica pois baseia-se num iso-morfismo grafémico

entre ‘escrita’ e ‘fala’ que não se verificava na época. De facto, há no Corpus

apenas 6 ocorrências de ALTER sendo as formas de ALIUS esmagadoramente

dominantes. Ressalvando a possibilidade de algumas formas corresponderem a

gal.-port. ‘al’, o emprego das formas de ALIUS corresponde distribucionalmente

ao emprego da galego-portuguesa ‘outro’, não se distiguindo, como seria de

esperar, de ALTER. Aliás o facto de em alguns casos ALIUS parecer

corresponder a gal.-port. ‘outrossi’ 290 acentua a coincidência distribucional de

ALIUS com a forma romance. A baixissíma ocorrência de formas gráficas mais

próximas da forma romance deve ser entendida como um índice de

conservadorismo da escrita, o que também explica que entre 293 ocorrências de

ALIUS haja uma única forma gráfica desviante com supressão de ‘-L-’.

Estes dados, que devem ser obviamente confrontados com outros dados da mesma

ordem e natureza e integrados numa perspectiva geral sobre a língua notarial,

exigem a formulação de hipóteses interpretativas sobre, por uma lado, o valor

linguístico e textual de alternâncias lexémicas do tipo ALIUS/ALTER (e, mais

abaixo, SIT/SEDEAT) e, por outro lado, sobre a origem e valor grafo-fonémico

das formas desviantes, como a forma sem ‘-L-’: é necessário reflectir sobre a

potencial informação que uma forma isolada como <aio> (ou <siamus> mais

290 A locução ‘aliud, -um, -o tantum, -o’ ocorre em contextos formulaicos e textuais semelhantes ou equivalentes àqueles em que ‘outrossi’ ocorre em textos notariais medievais galegos e portugueses.

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abaixo), devidamente considerada, oferece sobre a pronúncia romance das formas

latinas dos textos notariais quando lidos em voz alta. 291

Em minha opinião, e como consequência do acima exposto, ALIUS poderia ser

convertido grafo-lexemicamente como gal.-port. [o!u8t|o] (idêntico à realização de

ALTER), ou grafo-fonemicamente como ‘latino-romance’ (de base

galaico-bracarense) [a!¥o] ou [a!i8o], algo que convém fundamentar melhor.

A ocorrência de um caso de variância intra-textual (entre original e cópia)

ALIUS/ALTER parece reflectir a equivalência dos dois tipos: A: pro ts ts menindo ts alius menindo ts B: — — menendus ts alter menendus ts (Nº153/1085)

Esta caso de variância é absolutamente equivalente à alternância ‘alio/aio’

(também entre original e cópia): A: id sunt meindo ts mitu ts alio meindo ts B: id sunt menendus ts mitu ts aio menendo ts C: id sunt menendus ts mitu ts alio menendus ts (Nº166/1087)

Passo assim a abordar a questão da interpretação do valor grafo-fonémico da

forma gráfica <aio> .

A realização potencial de ALIUS como [a!¥o] não é controversa, pois estaria

perfeitamente fundamentada pela analogia lexical (do ponto de vista ortográfico)

com formas como FILIUS (port. ant. [fi!¥o]) ou TALIUS (port. ant. [ta!¥o]). Ora é

exactamente aqui que a forma <aio> ganha a sua importância como possível

291 A questão da oralização, como já afirmei acima, não é de somenos importância, uma vez os textos tinham que ser lidos em voz alta perante uma audiência para serem validados como actos jurídicos.

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atestação de outro modo de realização fonética, nomeadamente [a!i8o] com síncope

de /l/.

*

Uma das características fonetico-fonológicas que distinguem o complexo

galego-português do complexo castelhano-leonês é a queda antiga de / l / em

posição intervocálica. No entanto, quando a líquida estava seguida de iode (em

formas como MULI8ERE , OLE8U) o português antigo e o galego antigo

apresentam soluções divergentes. 292

Ao referir que «a diferença entre o português antigo e o galego antigo parece

restringir-se às seguintes particularidades» Joseph Huber apresenta

significativamente em primeiro lugar a oposição “-y- / -lh ”:

-li8- > gal.y (i ) , em oposição ao port. lh : gal. ant. moyer, muier < muliere —

port. molher, molier (1214); oleu > gal. ant. oyo; Julianu > gal. ant. Juyão,

Juihão (CM).; cf. a este respeito gal. mod. (Riodonor, Guadramil) ureya

(ouvido), ao lado do port. orelha. Mas, no galego moderno […] também é regra -

li- > lh (esp. ll). A fronteira geográfica entre y (i ) e lh ainda está por determinar.

293

292 Herculano de Carvalho, comentando a «teoria de uma articulação vocálica ‘arcaizante’ do /i/ latino na sequência -LI- intervocálica, defendida por Lüdtke» (Carvalho 1973:150-154), não atribui (pelo menos explicitamente), da mesma maneira que José Joaquim Nunes (cf. Nunes 1919/19758:143) dimensão diferenciadora dialectal ao fenómeno, considerando-o uma evolução pontual e inesperada de ‘-li8-’ em português antigo em certas palavras, devido a “influência erudita” (op. cit. 153). Carvalho refere que «a palatalização de -L- seguido de iode é mais antiga que a síncope daquela consoante intervocálica» (ibid., nt.1), não esclarecendo no entanto a cronologia relativa entre palatalização e síncope de ‘-L-’ seguido de iode. O facto é que formas com grupo ‘-GL-’ não parecem alimentar a regra de supressão de /l/ no contexto /-li8-/ (mas veja-se mais abaixo os comentários à forma ‘tedeiras’ do Liber Fidei’).

293 Huber 1933/1986:41, §44.

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Mais adiante, a propósito dos grupos ‘LI’, ‘NI’, faz a seguinte nota:

No galego e no asturiano […] o lat. -li8- deu y, ao contrário do aragonês e do

português, em li8 > ll = lh : soleo > gal. ant. soyo, muli8ere > moyer, muier, oleu >

oyo. 294

No seu estudo comparativo de documentos medievais do Noroeste de Portugal e

Galiza (estudo que acompanha a edição crítica dos documentos) Clarinda Maia

assinala o mesmo fenómeno, ainda que lhe atribua uma menor importância e

incidência que Huber:

É grande a regularidade apresentada pela evolução do grupo -li8- . De maneira

quase uniforme encontra-se como resultado a lateral palatal [l3] que pode ser

representada por diversos grafemas. […]

À semelhança do que afirmei atrás relativamente à evolução do grupo -ni8- ,

também o grupo -li8- pode apresentar outro tratamento. Em vez da palatalização

do grupo, ocorreu a síncope de -l- como acontece em posição intervocálica. Esse

resultado encontrei-o apenas nas formas toponímicas San Juyaão (1313 DL 143;

1313 DL 144), San Giaão dos Gafos (1401 M 163; 1401 M 164), San Juyaão de

Kale)dayro (1334 M 158; 1334 M 159), San Juyao do Valle e San Juyao do Vallj

(1287 P 103). Este tratamento peculiar do grupo referido explica-se pela

influência erudita a que esteve sujeita a forma etimológica JULIANUS, quer

como nome próprio, quer como hagiotopónimo. 295

Estes elementos permitem supor que na zona nortenha do futuro território

português, a evolução “galega”, ou uma evolução comum ao galego, de /-li8- /

294 id., p.133, §231.1, nt. 2.

295 Maia 1986:626.

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podia de facto constituir uma possibilidade fonética na oralização de formas

gráficas como ALIUS.

O interesse da forma <aio> é o de se poder integrar de maneira fundamentada

num quadro mais geral que explica e justifica a sua ocorrência: ou documenta

plausivelmente uma possibilidade fonética [a!i8o] do dialecto bracarense dos sécs.

XI-XII, comum ao galego e que o português não conservou, ou é uma forma

hiper-correcta, o que de todas as maneiras pode revelar uma influência galega

razoável, ao revelar equivalência representacional entre ‘-LI-’ e ‘-I-’ na mente do

copista, por via da equivalência fonémica entre /-¥-/ português e /-i8-/ galego em

certas palavras. A interpretação desta ocorrência não se esgota em todo o caso

com a etiqueta de forma fortuita, ou simples lapso de copista.

Outras formas revelam factos semelhantes. Limito-me a apontar as alternâncias

referentes aos dois topónimos ‘tedeiras/teleiras/telarias’ 296 e ‘pelelio/pedio’

(alternância entre original e cópia). 297

Relativamente ao primeiro, a forma moderna ‘Teeiras’ (topónimo hoje existente

na área a que o texto se refere 298 ) não correponde exactamente à forma medieval

[te¥e!i8|aß] que as grafias ‘teleiras/telarias’ parecem pressupôr: o topónimo

‘Telheiras’ (também ‘Telheira’ e ‘Telheiro’) existe de facto em várias zonas do

296 tedeiras (2) Nº099/1065 (na rubrica tb.), Nº268/1107 teleiras (1) Nº244B/1104 telarias (4) Nº125/1075, Nº152/1085, Nº208B/1100, Nº274B/1108

297 Nº108/1072 (ORIGINAL #02 [A] • LF1 135 [B])

A: … … … … … …currente flumine pelelio B: subtus monte uermui territorio portugalensi discurrente flumine pedio

298 Cf. Costa 1965-1990, vol. I, p.259, nt. 2 ao doc. 224 do Liber Fidei.

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país 299 , e é um derivado do substantivo comum ‘telha’, em que a lateral palatal

provém do grupo latino secundário ‘-GL-’ ; neste topónimo não haveria razões

históricas para considerar a possibilidade alternativa medieval com síncope de /l/

*[tei8e!i8|aß], facto que a forma moderna parece contradizer.

Em relação ao segundo, tanto a forma do original como a forma da cópia do Liber

Fidei ocorrem uma única vez, e não é claro a que topónimo moderno

correspondem. Outros documentos referentes a transacções de propriedades

situadas na mesma zona mencionam o rio ‘pel’, e há de facto a assinalar o

hidrónimo medieval ‘Pei’ no concelho de Cabeceiras de Basto (distrito de Braga)

300. Por mais curiosa e sugestiva que seja a relação entre ‘Pei’ com semi-vogal e

‘pel’ com ‘L’, não é linear que ‘pelelio/pedio’ e ‘pel’ se refiram ao mesmo

topónimo. A lição ‘pelelio’ do original corresponderia transparentemente a

[pee!¥o] em português antigo, e o topónimo ‘Pelho’ existe ainda hoje na zona a

que se reporta o documento Nº155 (actual concelho de Vila Nova de Famalicão).

Mas a possibilidade [pee!i8o] com ausência de /l/ também deve ser considerada,

justamente pela substituição na cópia de ‘L’ por ‘D’ em ‘pedio’.

A troca de ‘L’ e ‘D’ (sobretudo em topónimos e antropónimos para os quais não

havia uma forma normativa tradicional atestada livrescamente) é frequente no

conjunto da documentação medio-latina portuguesa em palavras nas quais, pela

queda de uma consonante intervocálica (/d, l, n, g/), surgiu um hiato. Em formas

com grupo ‘-GL-’, como ‘teleiras/tedeiras’, e formas com grupo ‘-LI-’, como era

possivelmente ‘pelelio/pedio’, o /l/ não desapareceria em português,

palatalizando-se em /¥/. Por isso, a troca de ‘L’ por ‘D’ em ‘pedio’ pode de facto

299 Cf. DOELP III, pp.1394-5.

300 Cf. DOELP III, p.1150.

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indicar a existência de pronúncia “galaica” com semivocalização de /¥/ (fenómeno

posterior à palatalização de /l/), ou pelo menos a existência de variação [¥/i8] na

língua bracarense, o que explicaria a incerteza do escriba do Liber Fidei

(sobretudo se na sua própria pronúncia ocorria o fenómeno) relativamente a qual

consoante restituir na escrita. Tenha-se em conta o desenvolvimento do grupo

‘-DI8-’ em certas palavras como MEDI8U > meio, RADI 8U> raio, etc, com o mesmo

resultado que a síncope de /l/ em /-li8-/; poder-se-ia formular uma regra do tipo:

/me!i8o/ → <medio,-us,-um> ⇒ /pee!i8o/ → <pedio> .

Em ‘tedeiras/teleiras/telarias’ não haveria justificação histórica para existência de

alternância fonémica (tanto em galego como em português 301 ); por tal, a grafia

‘D’ por /¥/ em ‘tedeiras’ tanto pode dever-se a hipercorrecção gráfica, por

analogia com formas em que de facto podia haver alternância [¥/i8], como pode

reflectir, tendo em conta o topónimo moderno ‘Teeiras’, a extensão da síncope de

/l/ a uma forma com grupo ‘-GL-’, o que acentua a meu ver a plausibilidade desta

análise, e a importância da análise das formas desviantes.

• <siamus> por <sedeamus>

No contexto textual e formulaico em que ocorre, a forma <siamus> constitui um

desvio textual que se pode incluir na categoria de erro. Com efeito o copista do

Liber Fidei corrigiu a primeira redacção para <damus>:

301 Deliberadamente, não fiz apelo nestas considerações à possibilidade de influência leonesa em formas galego-portuguesas com síncope de /l/ no grupo antigo ‘-LI-’, para restringir a análise dos dados a factos locais, quer grafémicos, quer fonémicos, quer diatópicos.

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et quicquid ad ecclesiam <siamus → damus> semper in libertate permaneat et nullus

homo sub iugo seruitutis inde aliquid licentiam accipiendi habeat

(Nº155/1087) 302

É no entanto impossível afirmar se se trata de um lapso do original, da cópia do

‘Liber Testamentorum’ ou da cópia do Liber Fidei. Mas, apesar de corrigida no

próprio manuscrito, a forma <siamus>, enquanto forma de presente do conjuntivo

do verbo ‘ser’ , tem plausibilidade linguística e textual e é reveladora de um

aspecto da língua portuguesa falada pelo copista. Ou seja, não é um erro

linguístico, porque não é nem ininteligível nem aleatória, podendo ser explicada

em função de dados linguísticos bem fundamentados.

A plausibilidade textual da forma provém do facto de ser explicável a sua

ocorrência no contexto circundante, já que ‘siamus’, equivalente a ‘sedeamus’ e

‘simus’, faz sentido no âmbito local da sequência ‘siamus semper in libertate’, se

esta for tomada isoladamente do contexto.

Isto é consistente com uma perspectiva do processo de cópia enquanto leitura

parcelar ou local de um texto: o copista avançaria bloco a bloco pelo texto a

copiar, memorizando momentaneamente formas ou sequências de formas, lutando

para o efeito com as dificuldades de uma caligrafia antiga, em desuso, e tentando

atribuir “gestalticamente” um significado imediato a cada bloco. Uma leitura mais

atenta (já textual ou global), sua ou de um revisor, detectaria eventuais erros e

levaria a correcções ou rasuras posteriores.

302 A edição crítica do Liber Fidei dá a forma corrigida <damus> no corpo do texto remetendo a forma original <siamus> para uma nota.

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Mas <siamus> tem também plausibilidade linguística. Embora ocorra uma única

vez no Corpus, formas do mesmo tipo ocorrem em textos latino-portugueses

publicados nos PMH 303 e nos DP III e IV.

As formas de presente do conjuntivo do verbo ‘ser’ são em português a

continuação das formas correspondentes do verbo SEDEO. Como se sabe, as

formas do actual verbo ‘ser’ resultam da fusão dos dois verbos latinos SUM e

SEDEO. A fusão completa dos dois verbos ter-se-á dado numa época tardia, pois

a atestação em documentos medievais de formas de presente de indicativo

derivadas de SEDEO (do tipo ‘sê’) com distribuição e conteúdo semântico

diferenciado das formas derivadas de SUM (do tipo ‘é’) parece indicar a distinção

dos dois paradigmas 304 . As formas derivadas de SEDEO estão documentadas no

séc. XVI, nomeadamente em Gil Vicente, onde o seu emprego como ‘estigma’

dialectal de personagens rústicas mostra o seu carácter regional marcado, e revela

a exclusão dessas formas da língua-padrão da época 305 . Também existiam no

português medieval formas de imperfeito do indicativo derivadas de SEDEO (do

303 Norman Sacks enumera várias formas romanceadas recolhidas na sua maioria nos PMH: ‘scia’ (1100), ‘seat’ (1166), ‘sedea’ (1018, 1091, 1136), ‘seia’ (1047), ‘seiant’ (1032, 1046), ‘seiat’ (1037, 1063, 1093), ‘seja’ (1188), ‘sia’ (974, 976, 1008,1089?, 1100), ‘siant’ (922, 1177), ‘sias’ (1047, 1048), ‘siat’ (922, 960, 983, 1010, 1020, 1038, 1048), ‘sidea’ (1042, 1061), ‘siia’ (1059, 1083, 1090). (Sacks 1941:72)

304 V. Maia 1986:817 (com exemplos extraídos de documentos galegos e portugueses). No Corpus do Liber Fidei ocorre um exemplo da distinção SUM/SEDEO: ‘et sunt certos terminos de illas uillas que in ista agnitione resonant et sunt pernominatas uilla de tornarios et uilla de subcolina et uilla de columnas etiam et uilla de gonderiz et sedent uigarios in ipsas uillas undila subcolina et in columnas teuderedo et in gonteriz uriastro’ Nº098/1062 (LF023). Tal como nos exemplos de Clarinda Maia a forma ‘sedent’ têm valor correspondente ao português ‘estar’. Num caso como este também se poderia argumentar a favor do sentido latino original de ‘SEDEO’. No entanto o facto de ‘sedent’ ocorrer uma única vez no Corpus, sendo aliás a única ocorrência clara do presente do indicativo de ‘SEDEO’, permite concluir que se tratava de uma variante marginal de ‘SUM’ ou seja gal.-port. ‘ser’.

305 V. Teyssier 1958:106-111.

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tipo ‘sia’ ou ‘siia’) 306 em variação com as formas de SUM (do tipo ‘era’), e cuja

sobrevivência em textos vicentinos revela o seu carácter regional e marginal no

português do séc. XVI 307 .

A extracção das formas de presente do conjuntivo do verbo ‘ser’ do Corpus

revela as seguintes formas e ocorrências: SUM sim (3) simus (1) sint (11) sit (106) total: 121 ocorrências SEDEO (tipo ‘SEDEAT’) sedea (1) sedeamus (1) sedeant (10) sedeat (29) total: 41 ocorrências SEDEO (tipo ‘SIAT’) siamus (1) [forma corrigida pelo copista] total: 1 ocorrência

A alternância grafo-lexémica SIT/SEDEAT é do mesmo tipo que

ALIUS/ALTER. Não existe qualquer distinção semântica ou textual no emprego

dos dois tipos. Neste sentido as ocorrências do tipo SEDEAT devem ser

considerado como romanismos, correspondendo directamente às formas de

presente do conjuntivo do verbo português ‘ser’, e não do verbo latino SEDEO.

A forma ‘siamus’ deve ser considerada como um romanceamento semelhante

(neste caso, equivalente) à formas de tipo SEDEAT. Não há razões históricas para

postular um vocalismo /i/ a partir de formas com grafia ‘I’ 308 . As formas de

imperfeito do indicativo de tipo ‘siia’ com /i/ tónico podem ter influenciado os

306 Clarinda Maia nota apenas dois exemplos num documento português de 1289 (‘ssijha’ e ‘sijha’), embora se encontrem outras atestações em textos literários nomeadamente na lírica trovadoresca.

307 V. Teyssier 1958:106-111.

308 Clarinda Maia regista apenas uma forma de conjuntivo grafada com<i> num documento galego de 1282 (‘siga’) num total de 27 formas divergentes (Maia 1986:828).

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escribas dos sécs. XI e XII na redacção das formas de presente de conjuntivo. A

este facto acresce a variação E/I, frequentíssima nos documentos notariais

hispânicos e merovíngios (para não referir textos epigráficos tardo-antigos),

resultante da fusão antiga de /e:/ (‘E’ longo tónico e átono), /e/ (‘E’ breve átono) e

/i/ (‘I’ breve) latinos em /e/ ‘proto-românico’. As formas portuguesas antigas

tinham regularmente /e/ proveniente de ‘E’ breve tónico e átono latino: lat.

SEDE8AT [sE!di8a] > gal.-port. [ße!dZa], lat. SEDE8AMUS [sedi8a!mus] > gal.-port.

‘sejamos’ [ßedZa!moß]. Assim sendo, pode concluir-se que <siamus> ,

<sedeamus> e <simus> (por conversão grafo-lexémica) eram formas gráficas

iso-representacionais do latim notarial, podendo a última forma ser também

oralizada [ßi!moß/ße!moß] 309 com “fonética latino-romance”.

Entre cópias divergentes do Liber Fidei encontra-se um caso de alternância

intra-textual SIT/SEDEAT: B: in-primis sedeat decaluatus et excomunicatus C: in-primis sedet! 310 dekaluatus et excomunicatus et de sancta mater ecclesia sedeat segregatus et de sancta mater ecclesia sit segregatus (Nº111/1073)

309 A distinção entre [i] ou [e] na sílaba tónica na pronúncia latino-romance das formas de presente de conjuntivo poderia depender do grau de conhecimento da ‘ars grammaticae’ por parte do leitor quanto à quantidade vocálica original substituída em latim tardio por uma distinção de qualidade (abertura). A confusão entre I e E em textos tardo-antigos e em textos alto-medievais (onde é um facto frequente) deve-se a este facto. O facto de ‘sic’ ser por vezes grafado ‘sit’ quer em documentos do Corpus, quer noutros documentos latino-portugueses, permite inferir com segurança que a consoante final latina não era oralizada, e que a forma verbal podia ter a pronúnuncia culta/formal [ßi!], que se distinguia da pronúncia da conjunção ‘si’ [ße], que ocorre grafada <se> uma vez no Corpus.

310 Esta variante ‘sedet’ é extremamente interessante pois pode dever-se a mais que um simples lapso de copista. Muito provavelmente a forma do original era <sedeat>, forma que o copista ‘sentiu’ que devia de algum modo latinizar. Se se considerar a possibilidade de realizar as formas latinas de tipo SIT/SIMUS também com [e], ou seja [ße! / ße!moß], compreende-se a confusão, por parte do escriba, entre a forma vernácula alternativa de pres. ind. [ße!e] (grafada <sedet>) e a forma latino-romance de pres. conj. [ße!] (grafada <sit>).

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Também entre cópia independente do séc.XII e cópia do Liber Fidei há uma

alternância deste tipo: B: in-primis sedeat excommunicatus C: in-primis sit excomunicatus (Nº285/1109)

Esta alternância intra-textual exemplifica claramente a equivalência

representacional, ou seja equivalência scripto-linguística, entre a forma

romanceada <sedeat> e a forma latina <sit>.

Variantes linguísticas vs. variantes textuais

A variação sincrónica revela a diversidade inerente à actividade linguística, e as

variantes atestam e documentam os limites concretos dessa diversidade.

A variação (intensiva e extensiva) revela-se no poliformismo (intra-dialectal e

inter-dialectal, respectivamente) presente nos ‘actos de língua’: esse polimorfismo

corresponde à existência de formas, princípios e estruturas alternativos na

produção de enunciados (‘actos de escrita’ e ‘actos de fala’) por parte dos

membros (social e culturalmente diferenciados) da comunidade linguística. A

variação está intrinsecamente ligada ao uso (social e pragmaticamente

condicionado) de uma variedade linguística funcional, logo, à mudança

linguística: assim, a variação na língua escrita é função não só do uso escritural da

língua , como da história da própria escrita, e do contexto cultural e histórico em

que se inscreve o conjunto dos utilizadores (activos e passivos) da escrita e dos

textos.

A variação na língua escrita não pode, como acentuei no capítulo 1, dissociar-se

dos modos de produção e recepção textual reconhecidos, aceites e praticados no

seio da comunidade em determinado momento da sua história: é na tensão

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permanente entre ‘tradicionalidade’ e ‘exigências de realismo comunicativo’, que

existia nas comunidades romano-falantes alto-medievais na situação anterior à

refoma e restauração do latim, que se descobre o sentido da variação.

Mas o estudo da variação, enquanto estudo das possibilidades alternativas de

actualização linguística em aberto, faz-se algo paradoxalmente sobre um universo

fechado, o corpus de variantes. Como foi referido acima, o estudo macroscópico

de tendências ou padrões de variância não deve obscurecer a análise microscópica

das ocorrências individuais, nomeadamente das formas marginais ou menos

representativas.

Por esta razão, optei por fazer apenas um levantamento de variantes, com os

comentários e anotações mínimos que os dados possam suscitar, sem uma análise

quantitativa ou estatística exaustivas. Reservo um tipo de análise de estatística

interpretativa e distribucional de formas e variantes, para o capítulo seguinte, em

que procurarei evidenciar alguns padrões e tendências de variância da língua

notarial considerando a totalidade do Corpus.

Um dos objectivos desta dissertação é explicitar e caracterizar aspectos da língua

notarial da 2ª metade do séc.XII e sua evolução ao longo do período considerado.

Nesse sentido, as variantes consideradas (aqui e no capítulo seguinte) são de tipo

linguístico: circunscrevem-se a aspectos funcionais sistémicos da língua escrita.

As variantes linguísticas, diferentemente das variantes textuais, têm um âmbito de

ocorrência localmente condicionado; ou seja, trata-se de itens linguísticos

co-variantes cuja relação paradigmática se estabelece ao nível das micro-

estruturas do texto, e não tem necessariamente reflexo nas macro-estruturas do

enunciado em que os elementos co-variantes ocorrem. As variantes linguísticas,

ainda que possam ser contrastivas sistemicamente (quer do ponto de vista da

forma, quer da função quer até do conteúdo sémico), são do ponto de vista do

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invariante de base textualmente equivalentes ou pelo menos equipolentes, não

afectando ou alterando (significativamente) as macro-proposições que definem o

texto e os seus constituintes imediatos (parágrafos, cláusulas, blocos formulaicos,

etc.) 311 . Trata-se no fundo de distinguir dois tipos de funcionalidade, a

“puramente” linguística ou sistémica (micro-estrutural), e a comunicacional e

textual (macro-estrutural), e de detectar, em função desses dois tipos de

funcionalidade o grau de divergência entre elementos co-variantes.

Por outro lado, as variantes textuais envolvem questões de índole textológica e

filológica, que ultrapassam a esfera do linguístico, aqui entendido na sua

dimensão sistémica mais restrita, e escapam de facto ao âmbito desta dissertação:

por essa razão não faço qualquer levantamento de variantes textuais, remetendo o

leitor para a colação de testemunhos em anexo, e fazendo notar, de qualquer

forma, que está por fazer o estudo textológico da documentação medieval

portuguesa e latino-portuguesa, estudo esse que deverá enquadrar os

conhecimentos actuais sobre a língua medieval até o séc. XIII, para revelar os

modos concretos da sua utilização e actualização na produção de enunciados.

Faço ainda notar com particular ênfase que o não levantamento de variantes

(intra- e inter-linguísticas) textuais nesta dissertação não implica em caso algum

desatenção ao valor textual das variantes linguísticas. Quero com isto frisar um

311 Parece-me esta distinção entre variantes linguísticas e variantes textuais ser substancialmente equivalente, ainda que com algumas divergências terminológicas e conceptuais, à recentemente proposta por Teresa Brocardo a propósito do confronto de variantes existentes entre dois testemunhos da tradição da ‘Crónica do Conde D. Pedro de Meneses’ de Zurara (Brocardo 1994): aí as variantes linguísticas são «aquelas em que as divergências entre as realizações linguísticas de cada um dos manuscritos não implicam uma alteração considerável em termos da informação veiculada, isto é, em que é transmitida basicamente a mesma “informação”, não excluindo, porém, diferenças mais ou menos importantes ao nível do significado.» (pp.200-1), ou «as realizações linguísticas cuja alternância não se traduz por um contraste assinalável em termos do conteúdo veiculado» (p.203).

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aspecto que me parece fundamental, e que nas análise de textos medievais parece

ser frequentemente descurado: é a equivalência textual de elementos linguísticos

divergentes que permite estabelecer claramente relações para-sinonímicas e

parafrásticas que anulam em certa medida ou atenuam a divergência linguística

das variantes. Isto é, quando a distinção linguística entre dois elementos

co-variantes não é textualmente funcional, pode dizer-se que a equivalência

textual elimina (no sentido de que não tem em conta) a divergência linguística. 312

Tipologia de variantes linguísticas

O levantamento de variantes linguísticas que segue abrange os seguintes tipos de

variantes:

1. Variantes grafo-fonémicas

As variantes agrupadas nesta alínea resultam da existência e co-

ocorrência de formas baseadas em princípios divergentes de

correspondência grafo-fonémica, o que justifica a preferência pelo termo

‘variantes grafo-fonémicas em vez de ‘variantes gráficas’. Dadas as

características do Corpus, as variantes gráficas propriamente ditas,

envolvendo diferenças entre caracteres, não são aqui consideradas.

O problema de onde acaba a variância grafo-fonémica e começa a

variância morfémica ou lexémica tem a ver com o modelo de relação

entre a escrita e oralidade que se perfilhe para as comunidades romano-

falantes hispânicas nos períodos anteriores à “reforma da latinidade”. Em

última análise o problema fundamental é o da convertibilidade das

312 V. infra no capítulo seguinte a introdução do conceito de ‘significado instancial’.

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formas da escrita latina tradicional em representações fonémicas e

fonéticas evolucionadas.

São consideradas como variantes grafo-fonémicas formas que acusem

divergência relativamente a aspectos representacionais de ordem

segmental, sem envolver outros níveis de variação.

As variantes grafo-fonémicas levantadas no conjunto de 11 textos de

1025 a 1110 são agrupadas de acordo com os fenómenos fonémicos que

lhes terão dado origem, com uma classificação de base

fonético-articulatória mais ou menos convencional e tradicional.

Convém por isso fazer alguns esclarecimentos terminológicos.

Por exemplo, quando refiro o vozeamento de oclusivas, nomeadamente

em posição intervocálica, não pretendo de modo algum sugerir que se

trata de um processo fonológico produtivo na língua do séc. XI. A

utilização de termos como ‘consoante’, ‘inter-vocálico’, ‘vozeado’ em

relação a formas gráficas e a grafemas contém riscos, patentes aliás em

muitos estudos línguísticos de textos medievais no seio da filologia

românica tradicional. A utilização destes termos só é legítima se se

entender que as distinções que a ortografia latino-notarial regista

remetem para a diacronia do próprio sistema de escrita e eventualmente

para a história da língua, dado que a variação na escrita não é um registo

isomórfico de variação na fala quotidiana.

Assim, a designação de um determinado grafema como ‘consoante’, por

exemplo, só é aceitável enquanto convenção descritiva. É uma convenção

que refere o carácter representacional original de um determinado

elemento da tradição ortográfica latina: <p> é uma consoante no sentido

em que <p> é originalmente um grafema de valor consonântico; <p> é

uma consoante surda e <b> é uma consoante vozeada apenas no sentido

em que <p> e <b> têm como valor representacional original

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respectivamente as oclusivas labiais surda e vozeada do latim.

Tudo o que ultrapasse os limites básicos destas convenções conduz

inevitavelmente à confusão entre nível grafémico e nível fonémico, e a

uma inadequação descritiva resultante dos anacronismos linguísticos que

uma confusão desse tipo acarreta.

2. Variantes morfémicas

Incluem-se neste grupo todas as variantes de carácter morfológico que não

tenham implicações directas ao nível da sintaxe: trata-se portanto de

variantes respeitantes à forma dos morfemas, ou seja, variantes de formação

(e.g. alomorfia no radical derivacional) e variantes de alternância (e.g.

selecção e associação de morfemas flexionais variantes a um mesmo radical

derivacional).

1. Alomorfia

2. Classe flexional

3. Morfema flexional

4. Prefixos

3. Variantes morfo-sintácticas

1. Número

2. Pessoa

3. Género

4. Tempo

5. Ordem

6. Funções dos casos latinos

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6.1 Sujeito 313

6.2 Complementos do nome

6.3 Complementos do adjectivo

6.4 Complementos do verbo: complemento directo

6.5 Complementos do verbo: complemento indirecto 314

6 Complementos preposicionados: circunstanciais e adjuntos

7. Pronome relativo

4. Variantes lexémicas

Presença: advérbios e categorias funcionais 315

Alternância: (1) categorias lexicais; (2) categorias funcionais

5. Erros

Incluem-se nesta alínea formas que correspondem verticalmente a formas do

texto original mas são desadequadas linguística e textualmente ao contexto.

A etiqueta de erro só deve atribuída a formas cuja intencionalidade

escritural não possa ser atribuída a uma reinterpretação local do texto com o

propósito de preservar o conteúdo informacional do mesmo: ou seja, os

erros são formas desviantes que introduzem ‘ruído’, verdadeiros acidentes

de escrita que distorcem a mensagem original do texto tornando-a

irrecuperável ou dificilmente recuperável. Os erros, para além de

313 Sujeito é aqui entendido numa acepção estrutural, que não tem em conta a função temática.

314 O termo ‘complemento’, de conteúdo estrutural, parece-me neste contexto preferível ao de ‘objecto’, de conteúdo semântico.

315 Não são consideradas variantes de presença/ausência de itens com informação lexical forte, dado que correspondem a variação de tipo textual. Ao contrário, a presença/ausência de itens funcionais pode corresponder a alternância de modos linguísticos alternativos para realizar um mesmo enunciado.

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implicarem alteração linguística do texto copiado, constituem também

variantes textuais. Nem as causas nem as implicações textuais dos erros

levantados são aqui consideradas.

Não devem portanto ser incluídas na alínea de erros as variantes que, ainda

que alterando significativamente o texto original, constituam modos

discursivos alternativos com uma intencionalidade comunicacional

discernível, e susceptíveis, em função do texto e do contexto, de um

enquadramento linguístico e filológico geral e bem fundamentado.

Listagem de variantes linguísticas

➧ As variantes grafo-fonémicas são apresentadas por simples transcrição da lição original

seguida da forma do LF. No caso dos outros tipo de variantes as formas são

apresentadas em contexto (a negro) no formato justa-linear da colação. São

italicizadas as formas do contexto que permitam explicar ou compreender

localmente a ocorrência de variantes morfológicas, variantes lexémicas ou erros de

cópia. Na designação das variantes em rubricas os elementos ou categorias em

variação são separados por / . Por ex.º: -E/-I ou AC/DAT. No caso das variantes

morfológicas, variantes lexémicas ou erros de cópia a designação de um categoria

mais genérica é separada da categoria particular em que há variância por \ . Ex.º:

RAD\ADJ (leia-se radical de adjectivo) ou RAD\SB (leia-se radical de substantivo).

A referenciação das variantes é feita por número de texto e ano.

1. Variantes grafo-fonémicas

Variantes relativas ao vocalismo

• vogais finais: /-e/

-E/Ø rial/riale Nº134/1078 aluezon/aluezone Nº015/1025

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-E/-I sagioni/sagione Nº015/1025 saione/saloni! Nº015/1025

-I/Ø priori/prior (nom.) Nº271/1107

• vogais finais: /-o/ 316

-O/-U ermegildo/ermegildu Nº015/1025 fradiulfo/fradiulfu Nº015/1025 gresulfo/gresulfu Nº015/1025 gundesindo/gundesindu Nº015/1025 honorigo/onorigu Nº015/1025 petro/petru Nº015/1025

-U/-O munniu/munio Nº015/1025 ragimiru/ragemiro Nº015/1025

sanus/sanos Nº015/1025 317

-US/-U ruderigus/ruderigu Nº015/1025

• vogais finais: -IIS / -IS taliis/talis Nº015/1025

• vogais palatais

E/I baselica/basilica Nº246/1104, Nº271/1107 ermegildi/ermigildi Nº015/1025 gundesalui/gundisalui Nº015/1025 gundesaluiz/gundisalui Nº015/1025 gundesaluo/gundisaluo Nº015/1025 domenguici/dominguiz 1101/Nº220

I/E dissolata/desolata Nº015/1025 giraldo/geraldo Nº220/1101 giraldus/geraldo Nº246/1104 meindo/menendo Nº166/1087

316 Os casos de ‘-US/-O’ não são aqui registados pelas eventuais implicações morfológicas (cf. variantes morfo-sintácticas).

317 sanus/sanos: o contexto exige claramente uma forma de plural

et sumus sanus et ingenuos de ipso que nobis apponent et sumus sanos et ingenuos de ipso que nobis apponent (Nº015/1025)

A variante mostra a equivalência representacional de <u> e <o> em posição final.

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meindo/menendus Nº166/1087 menindiz/menendiz Nº015/1025, Nº015/1025 menindo/menendus Nº153/1085 menindus/menendus Nº015/1025, Nº015/1025, Nº015/1025 ragimiru/ragemiro Nº015/1025 uirifice/uerifice Nº015/1025

• vogais velares

O/U ribolo/ribulo Nº271/1107 riuolum/riuulo Nº246/1104 uocauolo/uocabulo Nº166/1087

• E epentético ueremudi/uermudi Nº015/1025 ueremudo/uermudo Nº015/1025, Nº015/1025, Nº015/1025, Nº015/1025 ueremudo/uermudo Nº134/1078 ueremudo/uermudus Nº246/1104

• E- protético extirpe/stirpe Nº015/1025 straneis/extraneis Nº108/1072

• -ARIUS eglesiaro/ecclesiario Nº015/1025 eglesiaro/eclesiario Nº015/1025

• variantes fonémicas de formação genelogia/genealogia Nº015/1025 odoario/odario Nº015/1025 odoarius/odarius Nº015/1025, Nº015/1025 presuria/presura Nº015/1025 sciderio/asciterio Nº015/1025

• alternâncias grafo-fonémicas várias AU/A: agustas/augusti Nº134/1078 E/EE: egika/eegika Nº015/1025 E/O: roderigu/rodorigu Nº015/1025 EN/AN: parentea/parantela Nº108/1072 ENS/ES: seriens/series Nº108/1072, Nº108/1072, Nº246/1104

(cf. preses/Ø, Nº134/1078, Nº246/1104) EO/EU: teoderigu/teuderigu Nº015/1025 IE/E: guttierriz/guterriz Nº153/1085 IE/E: parietes/paredes Nº134/1078 U/UL: randufi/randulfi Nº271/1107 UL/U: adaulfi/adaufi Nº220/1101 Y/I: laygalem/laicalem Nº220/1101 Y/I: recylli/recilli Nº015/1025 Y/I: zyti/ziti Nº015/1025, Nº015/1025

Variantes relativas ao consonantismo

• vozeamento de oclusivas (nos originais)

B/P dublata/duplata Nº108/1072 quadrublu/quadruplum Nº166/1087

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D/T cadetram/cathedram Nº220/1101 contramuda/contramutata Nº288/1110 godiga/gotica Nº015/1025 idem/item Nº015/1025, Nº015/1025, Nº015/1025, Nº015/1025 leouegodo/leouegoto Nº015/1025

G/C bragala/bracara Nº015/1025, Nº015/1025 bragalense/bracarense Nº015/1025 bragalensem/bracarensem Nº015/1025 bragarensis/bracarensis Nº134/1078, Nº166/1087 consegrandas/consecrandas Nº166/1087 diagonus/diaconus Nº288/1110 digant/dicant Nº015/1025 edifigauit/edificauit Nº015/1025 eglesiaro/ecclesiario Nº015/1025 eglesiaro/eclesiario Nº015/1025 godiga/gotica Nº015/1025 iudigabit/iudicauit Nº015/1025 iudigantes/iudicantes Nº015/1025 iudigatum/iudicatum Nº220/1101, Nº221/1101 iudigauerunt/iudicauerunt Nº015/1025 iudigum/iudicum Nº015/1025 laigalem/laicalem Nº220/1101 laygalem/laicalem Nº220/1101 pacifigam/pacificam Nº015/1025 progul/procul Nº015/1025 sagramento/sacramento Nº015/1025 sigut/sicut Nº015/1025, Nº015/1025, Nº015/1025, Nº015/1025, Nº015/1025, Nº015/1025, Nº015/1025,

Nº015/1025 testifigamus/testificamus Nº015/1025, Nº015/1025 testifigandi/testificandi Nº015/1025 traugant/traucant Nº015/1025

• vozeamento de oclusivas (nas cópias)

T/D cataui/cadaui Nº220/1101 gutiniz/godiniz Nº153/1085 parietes/paredes Nº134/1078

tructemunda/trucdemunda Nº015/1025 318

C/G didacu/didago Nº166/1087 tameca/tamega Nº166/1087

• vozeamento de oclusivas: grafias inversas nos originais

T/D adque/atque Nº015/1025, Nº015/1025, Nº153/1085 aput/apud Nº015/1025 cadetram/cathedram Nº220/1101

C/G acnitio/agnitio Nº015/1025 comez/gomez Nº015/1025

318 A variante deve-se provavelmente a lapso de copista: a consoante vozeada não tem justificação histórica no contexto; é a única variante deste tipo apresentada pelo LF em confronto com os originais.

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cubernetis/gubernetis Nº220/1101 hacnitionis/agnitionis Nº015/1025 kalindiz/galindiz Nº271/1107

• vozeamento de oclusivas: grafias inversas nas cópias

D/T daudi/dauti Nº015/1025

➧ O grande número de variantes nesta alínea mostra que se tratava de um aspecto sensível no

uso da língua escrita, que exigia a atenção dos copistas no sentido da normalização

das grafias.

Todas as grafias inversas dos originais (apenas 10 ocorrências, 6 das quais na carta

de agnição de 1025) foram corrigidas, e a maior parte das grafias romanceadas, i.e.

com vozeamento, foi corrigida.

As formas dos originais com vozeamento não alteradas pelos copistas são as

seguintes:

bragarensis Nº153/1085

cidiz Nº271/1107

corrago Nº246/1104

didagu Nº015/1025, Nº015/1025, Nº015/1025

didagus Nº288/1110

domenguici Nº220/1101

eirigus Nº278/1108

figairedo Nº278/1108

fromarigu Nº015/1025

fromarigus Nº015/1025

godiga Nº015/1025

godiga Nº015/1025

godinus Nº271/1107, Nº271/1107

honorigo Nº015/1025

honorigus Nº015/1025

mido Nº278/1108, Nº278/1108, Nº278/1108, Nº278/1108

portugalense Nº015/1025

semedipsos Nº015/1025

ueridigas Nº015/1025

TOTAL: 25 ocorrências

Note-se que se trata na maioria dos casos de nomes próprios autóctones, formas em

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que tipicamente ocorrem fenómenos de vulgarismo ortográfico em textos latino-

notariais. Este facto reduz a importância do vulgarismo visto que se trata de palavras

para as quais não havia uma tradição culta de escrita. Apenas 3 formas não são

nomes próprios: ‘godiga’, ‘semedipsos’, ‘ueridigas’.

Concomitantemente, das formas com vozeamento alteradas apenas 3 são nomes

próprios (correspondendo a 7 variantes): ‘leouegodo/leouegoto’, ‘bragala/bracara’ (2

ocorr.), ‘bragalense/bracarense’, ‘bragalensem/bracarensem’,

‘bragarensis/bracarensis’ (2 ocorr.).

Estes factos mostram a resiliência gráfica dos nomes próprios autóctones face aos

padrões normativistas da ortografia latina clássica.

Obtêm-se assim os seguintes valores:

total formas com vozeamento 71

formas corrigidas 46 (= 64.8%)

formas conservadas 25 (= 35.2%)

total formas hipercorrectas 10

formas corrigidas 10 (=100%)

formas conservadas Ø

Estes valores exprimem a preocupação dos copistas, em relação um aspecto

grafo-fonémico da escrita, no sentido de evitarem o desvio ortográfico face à norma.

• betacismo

B/U gunsalbus/gunsaluus Nº271/1107 incurbetis/incuruetis Nº015/1025 iudigabit/iudicauit Nº015/1025 perseueraberint/perseuerauerint Nº153/1085 postulaberant/postulauerant Nº015/1025 rouoraberunt/roborauerunt Nº015/1025, Nº015/1025 salbatoris/saluatoris Nº015/1025, Nº108/1072 testifigaberunt/testificauerunt Nº015/1025, Nº015/1025

U/B aueat/habeat Nº166/1087 aueatis/abeatis Nº015/1025 hauitantes/habitantes Nº015/1025 ligauilem/ligabilem Nº015/1025 ouitum/obitum Nº015/1025 placiuile/placabile! Nº015/1025 pleue/plebe Nº015/1025, Nº015/1025, Nº015/1025 prouationem/probationem Nº015/1025

riuolo/ribolo 319 Nº166/1087 rouoraberunt/roborauerunt Nº015/1025, Nº015/1025 rouoramus/roborauimus Nº166/1087 rouorasent/roborassent Nº015/1025 rouorauerunt/roborauerunt Nº015/1025

319 riuolo/ribolo: único caso de substituição de <u> etimológico por <b> nas cópias.

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rouorem/roborem Nº015/1025 rouoro/roboro Nº153/1085 rouoro/roboro Nº134/1078, Nº246/1104 uocauolo/uocabulo Nº166/1087

➧ O ‘betacismo’, ou seja, a neutralização absoluta da oposição entre /b/ e /v/, é, na opinião

generalizada dos autores que trataram o assunto, um fenómeno de grande

antiguidade no português. Clarinda Maia no extenso tratamento que apresenta deste

fenómeno (Maia 1986:472-485), com indicação das referências bibliográficas

fundamentais, apoia-se nos dados da sua colecção documental galego-portuguesa

para confirmar esta asserção:

Aliás, as afinidades existentes, a este respeito, entre o português setentrional e o galego fazem ter como muito provável que a neutralização dos dois fonemas já tinha começado a verificar-se no período de unidade galego-portuguesa. Como vimos atrás, as formas gráficas com confusão dos grafemas ‘b’ e ‘v’ extraídas dos textos estudados confirmam a existência do facto na zona galego-portuguesa pelo menos desde o fim do século XIII. É possível que em documentos latinos dessa região haja também algumas formas que denunciem a mesma confusão. Falta-nos, contudo, uma boa colecção de documentos galego-portugueses da alta Idade Média, de tão grande importância para o conhecimento da língua, no período das origens. É de presumir que, apesar de os copistas respeitarem em geral a norma ortográfica latina, algumas formas com confusão de ‘b’ e ‘u’ apareçam nos documentos latinos do extremo Noroeste, do mesmo modo que surgem documentos de Castela-a-Velha e da Rioja, desde o século X. 320

De facto Menéndez Pidal refere a “confusión completa de ‘b’ y ‘u’ ” 321 . No entanto os

exemplos referidos que podem atestar indiscutivelmente o fenómeno, ou seja casos

de troca em posição inicial de palavra, são em muito pequeno número. 322

320 Maia 1986:478. Na realidade Clarinda Maia refere-se à distinção entre oclusiva e fricativa bilabiais /b/ e /B/. A existência de um fonema fricativo bilabial vozeado (não estridente) /B/, não me parece documentada ou sequer documentável a partir dos testemunhos gráficos da documentação latino-romance e romance. Considero mais plausível, embora não possa obviamente discutir aqui o facto com a necessária extensão e profundidade, a existência antiga de /v/ (note-se que no português, tal como noutras línguas românicas, todas as fricativas e africadas são estridentes, sendo esta concomitância estruturalmente significativa). De qualquer forma, a minha divergência quanto ao carácter articulatório exacto da fricativa labial vozeada não altera de forma alguma a validade geral das considerações da autora sobre o fenómeno do betacismo, as quais subscrevo inteiramente.

321 Menéndez Pidal 1950/19809:67.

322 q.v. ibid. p.68.

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Para que as formas de documentos latinos confirmem a existência de betacismo é

necessário que apresentem “confusão” generalizada no emprego dos <b> e <u>, ou

seja total inter-comutabilidade, nomeadamente em posição inicial de palavra,

contexto em que a fricatização românica de /b/ não se deu.

Ora, nenhuma das variantes apontadas acima envolve troca de B e U em posição

inicial de palavra, o que me leva a opinar que o que parece de facto estar em causa

nas trocas entre B e U nos textos considerados é o resultado da neutralização da

oposição de /b/ e /v/ (< /w/) tardo-latinos em posição medial (nomeadamente em

posição inter-vocálica).

O trabalho de normativização dos copistas do LF é exaustivo havendo a registar uma

única forma nos 11 originais com<b> por <u> que não foi corrigida:‘roboraberunt’

(Nº015/1025).

Registe-se ainda a forma <fult[us]>, correspondente a UULTUS, no original de 1025

(Nº015), e que o copista do LF não corrigiu. Esta forma, se bem que ocorra num

contexto de formulismo rígido, podendo inclusivamente depender de formulários

estranhos ao Noroeste peninsular, a ser aceite como testemunho pode de facto

indicar a não existência de betacismo. Menéndez Pidal menciona casos semelhantes

em documentos castelhanos e moçárabes, que explica como “ensordecimiento por

ultracorrección” 323 . A grafia <f> é efectivamente uma representação

hiper-correcta da fricativa vozeada, facto que resulta do vozeamento das fricativas

em determinados contextos; dificilmente se compreende a manutenção da grafia

desviante se a fricativa vozeada tivesse passado a oclusiva (a oclusiva vozeada labial

difere na especificação de três traços fonológicos da fricativa surda — [estridente],

[vozeado], [contínuo] — enquanto a fricativa vozeada difere da surda em apenas no

traço [vozeado] ) .

Assim, as variantes levantadas não podem constituir argumento para a existência de

betacismo em português alto-medieval, apenas revelando o fenómeno românico de

fricatização da oclusiva /b/ entre vogais, e entre vogal e líquida.

323 Menéndez Pidal 1950/19809:249-50; cf. tb. p.253.

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• supressão de consoantes finais 324 ad/a Nº246/1104 placui/placuit Nº246/1104

• africada dorsal surda: /ts/

TI/CI fatio/facio Nº278/1108, Nº278/1108 petitione/peticione Nº015/1025, Nº015/1025 pretio/precio Nº134/1078 quotiens/quociens Nº166/1087 sententia/sentencia Nº015/1025, Nº015/1025 setentia/sentencia Nº015/1025

CI/TI laurencii/laurentii Nº221/1101

GI/CI fagia/facie Nº015/1025

Z/C ziues/ciues Nº015/1025 zyti/citi Nº015/1025

• africada dorsal sonora: /dz/

C/Z uarcena/uarzena Nº166/1087

Z/C foze/foce Nº134/1078

Z/X luz/lux Nº271/1107, Nº271/1107

324 supressão de -M: a presença/ausência de M final só ocorre como variante no Corpus na terminação flexional de acusativo singular; não é por isso aqui referida sendo indicada na secção sobre variantes grafo-morfémicas. Ainda que do ponto da vista da língua falada a queda de -M seja um fenómeno muito antigo, pré-românico, deve ser considerado, do ponto de vista da língua escrita, como um aspecto da representação gráfica da morfologia, e não como um “simples” caso grafo-fonémico.

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• africadas dorsais: patronímicos 325

-ICI/-IZ cresconici/cresconiz Nº288/1110 domenguici/dominguiz Nº220/1101 gundisaluici/gundisaluiz Nº220/1101 gundisaluici/gundisaluiz Nº220/1101 tauronici/tauroniz Nº220/1101

-IZ/IS cresconiz/cresconis Nº134/1078 lopiz/lopis Nº166/1087

• africada palatal sonora /dZ/

GY/I agyacentiis/aiacentiis Nº015/1025

I/G fulienti/fulgenti Nº015/1025

CG/G sucgerentium/sugerendum Nº015/1025

• iode

GI/Y,I annagia/annaya Nº015/1025 annaya/anaia Nº015/1025 arruio/arrugium Nº108/1072 pelagiz/pelaiz Nº166/1087, Nº166/1087, Nº288/1110 pelagiz/pelaiz Nº288/1110

G/I iermanas/germanas Nº153/1085 iermano/germano Nº015/1025

GI/Ø uegilaz/uelaz Nº015/1025

➧ Como se vê, o LF altera a grafia original da africada / dZ / em apenas dois casos :

‘sucgerentium’ e ‘agyacentiis’. A substituição parace justificar-se pelo carácter

325 As formas de patronímico em ‘-i’ constituem na realidade variantes morfémicas, pelo menos ao nível da escrita: trata-se no fundo de genitivos (complementos determinativos do antropónimo). As variantes registadas são por isso incluídas na alínea das variantes morfo-sintácticas.

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marginal das grafias do original. Em relação ao iode, o LF parece oscilar como os

originais.

• supressão de L inter-vocálico froya/froyla Nº015/1025 gladilani/gladiani Nº015/1025 parentea/parantela Nº108/1072 pelelio/pedio Nº108/1072

• grupo - LI8 - alio/aio Nº166/1087 pelelio/pedio Nº108/1072

• alternâncias de líquidas

L/R bragala/bracara Nº015/1025, Nº015/1025 bragalense/bracarense Nº015/1025 bragalensem/bracarensem Nº015/1025 brakalense/bracalense Nº015/1025

Ø/R propinquis/proprinquis Nº153/1085 quaduplum/quadruplum Nº246/1104

Ø/L tripata/triplata Nº108/1072

ER/RE fernandiz/fredenandiz Nº015/1025 fredenandi/fernandi Nº166/1087

metátese de ‘R’ eldrebedus/eldebredo Nº134/1078

• alternância M/N em posição pré-consonântica ou final

M/N imperauerit/inperauerit Nº134/1078 numquam/nunquam Nº221/1101 tam/tan Nº108/1072

N/M conparaui/comparaui Nº153/1085 setenber/septembris Nº246/1104 tenptauerit/temptauerit Nº153/1085

• supressão de N : posição inter-vocálica meindo/menendo Nº166/1087 meindo/menendus Nº166/1087 pannonias/pannoias Nº246/1104

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• supressão de N : posição pré-consonântica relinquid/reliquid Nº015/1025 setentia/sentencia Nº015/1025

• presença/ausência de H: posição inicial

Ø/H abemus/habemus Nº288/1110 abeo/habeo Nº246/1104 abet/habet Nº271/1107 anc/hanc Nº166/1087 aueat/habeat Nº166/1087 eredes/heredes Nº166/1087 eredes/heredes Nº166/1087 ereditates/hereditates Nº015/1025, Nº015/1025 ieremias/iheremias Nº134/1078 is/his Nº015/1025, Nº015/1025, Nº015/1025 odie/hodie Nº015/1025 omines/homines Nº015/1025, Nº015/1025, Nº015/1025, Nº015/1025, Nº015/1025, Nº015/1025, Nº015/1025,

Nº015/1025, Nº015/1025, Nº015/1025, Nº015/1025, Nº015/1025, Nº015/1025, Nº015/1025, Nº015/1025, Nº015/1025, Nº015/1025

ominis/hominis Nº108/1072

Ø/H heredes/eredes Nº220/1101 honorigo/onorigo Nº015/1025 honorigo/onorigu Nº015/1025

• presença/ausência de H: posição medial adpreendere/adprehendere Nº015/1025 aduc/adhuc Nº015/1025, Nº015/1025, Nº015/1025 prendendum/preehendendum Nº015/1025

• presença/ausência de H: dígrafos alphetena/alfetena Nº015/1025, Nº015/1025 anathematizatus/anatematizatus Nº288/1110 cattolicus/catholicus Nº015/1025

• H intrusivo hacnitionis/agnitionis Nº015/1025 perhacta/peracta Nº015/1025

• alternância K/C brakalense/bracalense Nº015/1025 kadiuit/cadiuit Nº015/1025 kalidas/calidas Nº015/1025 reuoketis/reuocetis Nº015/1025

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219

• alternância C/QU 326 alico/aliquo Nº166/1087 chorum/quorum! Nº108/1072 coram/quorum! Nº015/1025

➧ Estas duas últimas variantes ainda que constituam erros, no sentido em que, por alterarem a

categoria lexical da lição original, alteram localmente o texto, resultam de variação

grafo-fonémica por equivalência de QUO e CO. cotum/quotum Nº134/1078 quomoda/comoda Nº220/1101

• geminação consonântica: oclusivas bracara/braccara Nº271/1107 braccarense/bracarense Nº288/1110 eclesia/ecclesia Nº153/1085 eclesia/ecclesiam Nº166/1087 eclesias/ecclesias Nº166/1087, Nº166/1087 eclesie/ecclesie Nº166/1087 eclesie/ecclesia Nº246/1104 eclesiis/ecclesiis Nº221/1101 guttierriz/guterriz Nº153/1085 mitent/mittent Nº015/1025 munniu/munio Nº015/1025 nunus/nunnus Nº015/1025 nunniz/nuni Nº015/1025 quippe/quipe Nº220/1101 reccaredi/recaredi Nº015/1025 reccaredus/recaredus Nº015/1025

• geminação consonântica: fricativas

UU/U gundisaluuo/gundisaluo Nº220/1101

S/SS aserto/asserto Nº015/1025 dedise/dedisse Nº015/1025 dedisent/dedissent Nº015/1025 fosato/fossato Nº015/1025 fuiset/fuisset Nº015/1025 iustisime/iustissime Nº015/1025 perexquisisent/perexquisissent Nº015/1025 perexquisiset/exquisisset Nº015/1025 permansiset/permansisset Nº015/1025 presentasemus/presentassemus Nº015/1025 pulsaset/pulsasset Nº015/1025 rouorasent/roborassent Nº015/1025 serenisimus/serenissimus Nº015/1025 suscipiset/suscepisset Nº015/1025

SS/S asserto/aserto Nº015/1025 assertorem/asertorem Nº015/1025

326 A variante ‘neque/nec’ não é incluída, por não ser provavelmente de um caso de variação de grafo-fonémica simples: a divergência entre as formas tem provavelmente implicações a nível lexémico, ou seja trata-se de dois itens lexicais distintos e não de simples variantes ortográficas (cf. variantes lexémicas de alternância).

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220

cessarius/cesarius Nº015/1025 dissolata/desolata Nº015/1025 gundissalui/gundisalui Nº015/1025 mississent/misissent Nº015/1025 ressurrectione/resurrectione Nº271/1107

• simplificação do grupo consonântico PT > T contentione/contemptione Nº015/1025, Nº015/1025, Nº015/1025 setenber/septembris Nº246/1104 sustemptatione/sustentatione Nº166/1087

• simplificação do grupo consonântico NM > M conmes/comites Nº015/1025, Nº015/1025 conmitato/comitato Nº015/1025 conmite/comite Nº015/1025, Nº015/1025, Nº015/1025 conmites/comites Nº015/1025, Nº015/1025

• P epentético uolumptas/uoluntas Nº166/1087

• alternância S/X extirpe/stirpe Nº015/1025 iusta/iuxta Nº246/1104 montem sisti/monte sixti Nº220/1101 straneis/extraneis Nº108/1072

• substituições consonânticas várias michi/mihi Nº246/1104 aminitulo/aminiculo Nº015/1025 appetitione/a petitione Nº015/1025

2. Variantes morfémicas

• Legenda:

ABL: ablativo

ABREV: abreviatura

AC: acusativo

ADJ: adjectivo

ADV: advérbio

ART: artigo/pronome articulóide

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CARD numeral cardinal

CIRC: circunstancial

COMP DET: complemento determinativo

COMP DIR: complemento directo

COMP IND: complemento indirecto

CJ: conjunção

CON: conector

CONJ: conjuntivo

COP: verbo copulativo

DAT: dativo

DEM: demonstrativo

DET: determinante

FEM: feminino

FUT: futuro

GEN: genitivo

GER: forma casual geral

IMP: imperfeito

IND: indicativo

INDEF: pronome indefinido

INF: infinitivo

LAT: latim/latino

LOC: locução

MASC: masculino

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MQP: mais-que-perfeito

NEG: advérbio de negação

NEUT: neutro

NM PRÓPR: nome próprio

NOM: nominativo

NUM: numeral

OBL: oblíquo

ORD numeral ordinal

PASS: voz passiva sintética

PERF: perfeito

PESS: pessoal

PL: plural

POSS: possessivo

PP: particípio passado

PREF: prefixo

PREP: preposição

PRES: presente

PRO: pronomome

RAD: radical

REL: pronome relativo

REFL: pronome reflexivo

ROM: romance

SB: substantivo

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SG: singular

SN: sintagma nominal

SUF: sufixo

SUJ: sujeito

VB: verbo

Alomorfia

• CJ et proquo se in contentione miserunt dederunt ei sua offertione et proque Ø in contemptio miserunt dederunt ei sua offertione (Nº015/1025)

• RAD\ADJ et incurbetis in seruitio quale uobis placiuile fuerit et incuruetis in seruitio quales uos placabile fuerit (Nº015/1025)

• RAD\SB fecit sigut sucgerentium postulaberant preces et dederunt illi omines fecit sicut sugerendum postulauerant preces et dederunt illi homines (Nº015/1025)

• RAD\SB quia nostros auios et bisauios de presuria fuerunt ingenuos quia nostros auios et bisauios de presura fuerunt ingenuos (Nº015/1025)

• RAD\VB: PERF et presuerunt ipsas uillas […] et ipsas uillas que preserunt et preserunt ipsas uillas […] et ipsas uillas que preserunt (Nº015/1025)

• RAD\VB: PERF et diuiderunt omines et uillas et extremarunt eglesiaro et diuiserunt homines et uillas et extrenauerunt eclesiario (Nº015/1025)

• RAD\VB: PERF pelagius presbiter qui notuit pelagius — qui notauit (Nº134/1078)

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• RAD\VB: PERF onoricus uiliamondiz notauit onoricus — notuit (Nº278/1108)

Classe flexional

• ADJ cum illas scripturas uetustas anterioras et posterioras cum illas scripturas uetustas anteriores et posterioras (Nº015/1025)

• ADJ … … … … … … … … …rii et humilis qui ibi habitantes fuerint in amore dei casti sobrii et humili discipline dediti discipline subditi (Nº108/1072)

• INDEF et de omni sua progenie et de omnia sua progenia (Nº015/1025)

• POSS et de omni progenie suedicente tardenato et de omni progenie sua dicente tardenato (Nº015/1025)

• SB et in fagia de illos conmes et in facie de illos comites (Nº015/1025)

• SB et in facia de illos aepiscopos et in facie de illos episcopos (Nº015/1025)

• SB et de omni sua progenie et de omnia sua progenia (Nº015/1025)

• SB de ipsa eclesia sancti michaeli qui est fundata in uilla forozos de ipsa ecclesia sancti michaelis que est fundata in uilla forozos (Nº153/1085)

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• SB uocauolo sancti saluatoris { et sancti micaelis } et sancti iulianis uocabulo sancti saluatoris { — } et sancti iuliani (Nº166/1087)

Morfema flexional

• DEM et de istius qui sapitores sunt et de diebus domni pelagii aepiscopi et de istis qui sapitores sunt et de diebus domni pelagii — (Nº015/1025)

➧ A forma ‘istius’ corresponde ao genitivo singular do pronome demonstrativo ISTE. O

contexto exige claramente plural. A forma do original explica-se provavelmente por

hesitação do escriba em relação às terminações flexionais sigmáticas do pronome,

optando por aquela com aspecto mais culto ou alatinado. A co-ocorrência com a

preposição ‘de’ pode ter levado à escolha de uma forma flexionada de genitivo, já

que o partitivo na língua clássica se representava originalmente com genitivo e nas

línguas romances com preposição ‘de’. Trata-se assim de uma forma de

compromisso: é por um lado (graficamente) uma forma de genitivo, correspondendo

às exigências do contexto sintactico-semântico; é por outro lado uma forma com

terminação sigmática por causa da necessidade morfo-sintáctica de uma forma de

plural. A forma ‘istius’, rara na documentação notarial, devido ao seu carácter

arcaico, sem correspondência na língua vernácula, ocorre mais uma vez no mesmo

texto, e também com valor de plural, não tendo sido nesse caso corrigida pelo

copista do LF: et ipsi omines fuerunt auiiet bisauii de istius presentes et ipsi homines fuerunt auiiet bisauii de istius presentes (Nº015.16)

• SB (chrismon) ero presbitero ts — ero presbiter — (Nº015/1025)

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Prefixos

• PREF: ‘DE/SUB’ … … … … …rii et humilis discipline de-diti in amore dei casti sobrii et humili discipline sub-diti (Nº108/1072)

• PREF: ‘OP/AP’ (← ‘OB/AD’) et ad aserto abeo que op-ponat et ad asserto abeo que ap-ponam (Nº015/1025)

• PREF: ‘PRE/Ø’ de illos aepiscopos que in uestro asserto sunt pre-nominati de illos episcopos qui in uestro asserto sunt Ø-nominati (Nº015/1025)

• PREF: ‘SUPRA/SUPER’ ego pelagio supra-nominato ego pelagius super-nominatus (Nº153/1085)

3. Variantes morfo-sintácticas

Número

• POSS qui hunc factum meum infringere uoluerit qui hunc factum nostrum infringere uoluerit (Nº220/1101)

• POSS et uenit nobis ipsa hereditate de patre nostro et uenit nobis ipsa hereditas de patre meo (Nº288/1110)

• POSS et unc factum nostrum semper abeat robore et firmitate et hoc factum meum semper habeat roborem et firmitatem (Nº246/1104)

• PRO et ordinauerunt iudices ut mississent testimonias […] in eorum concilio et ordinauerunt iudices ut misissent testimonias […] in eius concilio (Nº015/1025)

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• PRO+VB nos quidem humilimum et indignum zamario presbiter [fa]cimus ego quidem humilissimus et indignus zamarius frater facio (Nº108/1072)

• PRO+VB concedimus et annuimus […] et ego habeam inestimabile premium concedimus et annuimus […] et nos hab[e]amus inestimabile premium (Nª288/1110)

• SB iudex […] deinde scripturas requirat ipse […] deinde scriptura requirat (Nº015/1025)

• SB quam etiam ereditates et ecclesias quos in scriptis resonant quam etia[m] hereditates et ecclesias quos in scriptu resonat (Nº015/1025)

• SB per hanc setentias ordinamus nos post hanc setentiam ordinamus nos (Nº015/1025)

• SN in hunc testamentum manus meas rouoro Ø hoc testamentum manu mea roboro (Nº153/1085)

• SN ego […] manu mea roboro ego […] manibus nostris roboramus (Nº278/1108)

• SN+VB … […] … [nostr]a hereditate quanta in ipso termino do […] omnes nostras hereditates quantas in ipso termino […] que in se obtinet et ad prestitum ominis est […] quas in se obtinent et ad prestitum hominis est (Nº108/1072)

• VB sigut auii et bisauii et parentes suos fe… quomodo in scripturis et in sicut auii et bisauii et parentes suos fecerunt quomodo in scripturis et in colmellis resonat et proquo se in contentione miserunt colmellis resonant et proque Ø in contemptio miserunt (Nº015/1025)

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• VB quam etiam ereditates et ecclesias quos in scriptis resonant quam etia[m] hereditates et ecclesias quos in scriptu resonat (Nº015/1025)

• VB perducti fuerunt ad … […] ante ille iudice […] perducti fuerunt in concilio […] ante ille iudice […] et elegi… ibidem ut dedissent legem ad eos et elegerunt ibidemut dedissent legem ad eos (Nº015/1025)

• VB cuncta quod offerimus […] ibi permaneat semper cuncta quod offerimus […] ibi permaneant semper (Nº108/1072)

• VB ego […] manibus meis roboro ego […] manibus meis roboramus (Nº221/1101)

• VB ego […] manu mea roboro ego […] manibus nostris roboramus (Nº278/1108)

Pessoa

• PRO et de pretio aput me nihil remansit in debito et de pretio aput uos nihil remansit in debito (Nº153/1085)

• VB: 1SG/3SG ego […] ideo placui michi […] ut facerem ego […] Ø placuit mihi — ut facerem (Nº246/1104)

• VB: 1SG/3SG ego […] ideo placui michi […] ut facerem ego […] Ø placuit mihi — ut facerem (Nº246/1104)

➧ Estas duas variantes podem talvez também ser consideradas variantes grafo-fonémicas

relativas ao consonantismo, com queda de -T final.

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• VB: 3SG/1SG et ad aserto abeo que opponat et ad asserto abeo que apponam (Nº015/1025)

• VB: 3SG/1SG sicut in testem euangeliorum nuntiatum est sicut in testem euangeliorum nuntiatum est «da domine qui dedit tu miserere quia misericordiam fecit» «da domine qui dedit tu miserere quia misericordiam feci» (Nº108/1072)

• VB: 3SG/1SG quomodo pariet illo in quaduplo quomodo pariam illud in duplo (Nº134/1078)

Género

• MASC/NEUT aures audiuimus et bene nobis cognitus manet in ueritate aures audiuimus et bene nobis cognitum manet in ueritate quia nostros auios […] fuerunt ingenuos quia nostros auios […] fuerunt ingenuos (Nº015/1025)

• MASC/NEUT quomodo pariet illo in quaduplo quomodo pariam illud in duplo (Nº134/1078)

• MASC/NEUT … … […] uenerituel uenerimus contra hunc factum nostrum si quis […] uenerit uel uenerimus contra hoc factum nostrum (Nº108/1072)

• MASC/NEUT si aliquis + hunc factum nostrum inrumpere uoluerit si aliquis +homo hoc factummeum inrumpere uoluerit (Nº246/1104)

• NEUT/MASC et si uenerit aliquid ex propinquis meis uel extraneis et si uenerit aliquis de proprinquis meis uel extraneis (Nº153/1085)

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• NEUT/MASC magnum enim est << titulum testamenti magnus >> est enim titulus testamenti (Nº246/1104)

Tempo

• IMP CONJ ROM (MQP CONJ LAT)/IMP CONJ LAT mandauit per unasqueque sedes ut accepissent suas ueritates mandauit per unasqueque sedes ut acciperent suas ueritates (Nº015/1025)

• INF/PRES IND in qua foris lex adimplere potest et amplectere in quo Ø lex adimplere potest et adimplet (Nº246/1104)

• INF/IMP CONJ LAT aduenit mihi […] ut aliquidex paupertacula mea aliquid offerre aduenit mihi […] ut aliquidex paupertacula mea Ø offerem (Nº153/1085)

• FUT CONJ/FUT IND LAT hec que dico iuraran meas testimonias et de pena eyceran si hec que dico iuraran meas testimonias et de pena eyceran si eas lex godiga ordinaberit eas lex godiga ordinabit (Nº015/1025)

➧ Esta variante é particularmente interessante pelo contexto em que ocorre. Repare-se que as

formas verbais precedentes (em itálico) são romanismos puros: trata-se do futuro

perifrástico constituído por INF+HABEO. Estas formas não foram no entanto

substituídas pelo copista. Esta não susbtituição pode interpretar-se como aceitação

das formas no contexto discursivo específico de discurso directo na primeira pessoa.

Quanto à substituição de ‘ordinaberit’ por ‘ordinabit’, não se deve a factores

braquigráficos do original uma vez que a forma do original se encontra escrita por

extenso: a variante tanto poderia tanto explicar-se pela substituição de um

vulgarismo (o futuro do conjuntivo) por um latinismo (o futuro sintético do

indicativo), desadequado aliás ao contexto textual, como por esquecimento do

copista do sinal de abreviação de <er>. Esta segunda hipótese tem como obstáculo a

não correcção do B por U do original. Como referi acima, todos os casos deste tipo

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são corrigidos no LF excepto um.

No entanto, considerando a manutenção das formas romances ‘iuraran’ e ‘eyceran’

sou levado a concluir pela maior plausibilidade da segunda hipótese.

Esta variante, ainda que catalogada aqui como variante morfo-sintáctica, pode em

minha opinião ser considerada como um erro braquigráfico superficial (por omissão

de abreviatura).

• MQP/PERF ad ipse conmite cum que uenerant ad ille comite cum que uenerunt (Nº015/1025)

• MQP/FUT CONJ et mandatum faciant idoneis ingenuis quibus uoluerant et mandatum faciant idoneis ingenuis quibus uoluerint (Nº015/1025)

➧ Estas duas variantes parecem revelar intenção dos copistas de corrigir gramaticalmente os

originais optando por formas verbais latinas mais adequadas ao contexto sintáctico.

O seu número é de qualquer forma surpreendentemente baixo.

Ordem

• ADV-ESSE magnum enim est << titulum testamenti magnus >> est enim titulus testamenti (Nº246/1104)

• SB-ADJ et una sagia >> in X modios maceril et Ia sagia maceril in X modios << (Nº134/1078)

➧ O texto original em causa é provavelmente um pseudo-original (v. Costa 1965-1990:122,

nt.1 ao doc. 103 do L.F.). A.J. da Costa considera como argumento a ocorrência de

alguns “erros”, como a variante acima indicada, que descreve como “expressão sem

sentido” (ibid.). De facto a separação do adjectivo atributivo ‘maceril’ do

substantivo ‘sagia’ por interposição de um SP deve ser considerada uma anomalia,

sobretudo tendo em conta o contexto textual: trata-se do dispositivo, ‘parte livre’ dos

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textos notariais em que é habitual ocorrerem vulgarismos e romanceamentos

gráficos.

• SB-POSS cum omni >> prestantia sua cum omni sua prestantia << (Nº278/1108)

• SB-POSS qui hunc >> factum nostrum infringere uoluerit qui hunc nostrum factum << infringere uoluerit (Nº288/1110)

• SB-APOSTO facerem uobis >> domnus giraldus archiepiscopus facerem uobis archiepiscopo domno geraldo << (Nº246/1104)

Funções dos casos latinos

1. Sujeito

• AC (MASC) / NOM (NEUT) et unc factum nostrum semper abeat robore et firmitate et hoc factum meum semper habeat roborem et firmitatem (Nº246/1104)

• AC-GER/NOM nos quidem humilimum et indignum zamario presbiter [fa]cimus ego quidem humilissimus et indignus zamarius frater facio (Nº108/1072)

• OBL/NOM habeatis uos […] firmiter et successoribus uestris habeatis uos […] firmiter et successores uestri (Nº271/1107)

• GER/NOM nos uero zamario abba […] confirmo Ø Ø zamarius abba […] conf (Nº108/1072)

• GER/NOM ego quidem famulus dei pelagio gutiniz ego Ø famulus dei pelagius godiniz (Nº153/1085)

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• GER/NOM ego pelagio supra nominato […] manus meas rouoro ego pelagius super nominatus […] manu mea roboro (Nº153/1085)

• GER/NOM ego pelagio fratre […] manu mea rouoro ego pelagius frater […] manu mea roboro (Nº246/1104)

• GER/NOM qui preses fuerunt pelagio ts ueremudo ts ero ts miro ts — — — pelagius ts uermudus ts erus ts mirus ts (Nº246/1104)

• GER/NOM … …cono quod uidi […] … …diacono frogia archidiaconus quod uidi […] uimara archidiaconus quod uidi et conf […] gomizo pelaiz conf — — — conf […] gomecius pelaiz conf (Nº271/1107)

• GER/NOM et uenit nobis ipsa hereditate de patre nostro et uenit nobis ipsa hereditas de patre meo (Nº288/1110)

• GER/NOM qui uiderunt pelagio ts petro ts porro testes pelagius ts petrus ts (Nº288/1110)

• NOM-GER/AC id est nominato ipse agro iusta naualios id est nominatim ipsum agrum iuxta naualios (Nº246/1104)

2. Complementos do nome

• GEN/GER (ABL?) in nomine patris et filii et spiritus sancti in nomine patris et filii et spiritu sancti (Nº153/1085)

• GEN/GER (ABL?) in nomine […] patris et filii et spiritus sancti in nomine […] patris et filii et spiritu sancti (Nº220/1101)

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• GEN/GER (DATA) in era Ta Ca XXXa VIIIIa XV kalendarum nouembris in era Ma Ca XXXa VIIIIa XoVo kalendas nouembris (Nº221/1101)

• PREP ‘DE’+AC/PREP ‘DE’+GER maiorinos de sedem sancte marie maiorinos de sede sancte marie (Nº015/1025)

• PREP ‘DE’+GER/PREP ‘DE’+AC de termino de ecclesia et inde comodo de termino de ecclesia et inde Ø sub termino de ecclesia per illo arruio sub termino de ecclesiam per illum arrugium (Nº108/1072)

• PREP‘ DE’+GER/PREPØ+GER et fuerunt de guttier ruderiquiz et de onnega luzi et fuerunt Ø guttier ruderiquiz et de onnega luzi (Nº015/1025)

• PATRON: ‘-IZ’ / ‘-I’ ad gundesaluo menindiz et nostros parentes ad rex ad gundisaluo menendiz et nostros parentes ad rex domno ueremudo et conmite menindus gundesaluiz et domno uermudo et comite menendus gundisalui et laxarunt … … … … … de aloyto nunniz laxarunt nos filios suos in iure de aloyto nuni (Nº015/1025)

• PATRON: ‘-IZ’ / ‘-I’ ad gundesaluo menindiz et nostros parentes ad rex ad gundisaluo menendiz et nostros parentes ad rex domno ueremudo et conmite menindus gundesaluiz et domno uermudo et comite menendus gundisalui et laxarunt … … … … … de aloyto nunniz laxarunt nos filios suos in iure de aloyto nuni (Nº015/1025)

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3. Complementos do adjectivo

• PRO: DAT/AC et incurbetis in seruitio quale uobis placiuile fuerit et incuruetis in seruitio quales uos placabile fuerit (Nº015/1025)

➧ Esta variante completa o quadro acima esboçado na nota à variante ‘illis/illos’ (cf. infra)

sobre ‘lheismo’ e atribuição de caso dativo ao pronome pessoal: o caso é aqui

atribuído pelo adjectivo, e uma vez mais o copista do LF opta pela forma de

acusativo. Note-se que o português não conservou distinção de formas para a 1ª e 2ª

pessoas, pelo que, ao contrário da variante anterior, a distinção gráfica se reporta a

uma distinção exclusivamente escritural, o que é consistente com a flutuação no uso

das formas pronominais em função de objecto verbal.

• SN: PREP‘AD’+NOM/PREP‘AD’+AC licitum ad nulla forma ominis extraniare uel seruire licitum ad nullam formam hominis extraniare uel seruire nisi ad ille episcopus nisi ad illum episcopum (Nº166/1087)

4. Complementos do verbo: complemento directo

• AC/GER testes non per epistola testimonium dicant testes non per epistolam testimonio dicant (Nº015/1025)

• AC/GER unde uos disturbam malam aueatis unde uos disturba mala abeatis (Nº015/1025)

➧ A forma do LF pode também corresponder a um acusativo neutro plural, tratando-se então

de variante de GÉNERO.

• AC/GER ou OBL? et obtinuit eas dum uitam uixit et obtinuit eas dum uita uixit (Nº015/1025)

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➧ A forma do LF tanto pode dever-se a ausência de marca de acusativo, como a

reinterpretação do complemento como circunstancional de tempo, que exigiria em

latim caso ablativo. A forma do original está grafada por extenso, i.e. sem

abreviação do morfema de acusativo.

• AC/OBL in domino deo eterna salutem amen in domino deo eterna salute amen (Nº166/1087)

• AC/OBL in domino deo eternam salutem amen in domino deo eterna salute amen (Nº288/1110)

• GER/AC et unc factum nostrum semper abeat robore et firmitate et hoc factum meum semper habeat roborem et firmitatem (Nº246/1104)

• GER/AC ordinamus nos perexquirendum ueritate ordinamus nos perexquirendum ueritatem (Nº015/1025)

• GER/AC auferat dominus memoria eius de libro uite auferat dominus memoriam eius de libro uite (Nº153/1085)

• GER/AC et pariat ad pars testamenti ipsa eclesia in quadruplum et pariat ad pars testamenti ipsam ecclesiam in quadruplum (Nº153/1085)

• GER/AC que non faciant ibi nulla disturbatione qui non faciant ibi n[u]llam disturbationem (Nº166/1087)

• GER/AC et insuper pariat […] illa eclesia et insuper pariat […] illam ecclesiam (Nº166/1087)

• GER/AC et ego habeam ante deum inextimabile premium et ego habeam ante deum inextimabilem premium (Nº220/1101)

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• GER/AC reddat ipsa hereditate + quaduplum pariat ipsam hereditatem +in quadruplum (Nº246/1104) OD

• GER/AC per ubi illa potueritis inuenire per ubi illam potueritis inuenire (Nº271/1107)

• GER/AC habeatis uos illa hereditate firmiter habeatis uos illam hereditatem firmiter (Nº271/1107)

5. Complementos de verbo: complemento indirecto

• PRO+SN: PREP‘AD’+DAT+NOM/PREPØ+DAT+DAT ego […] ad uobis + petrus bracarensis aepiscopus ego […] Ø uobis +donno petro bracarensi episcopo et omnes clerici + textum scripture firmitatis et omnibus clericis +facio textum scripture firmitatis (Nº134/1078)

• PRO+SN: DAT+NOM/DAT+DAT ut faceremus uobis + petrus bracarensis episcopus ut faceremus uobis +domno petro bracarensi episcopo (Nº166/1087)

• PRO+SN: DAT+NOM/DAT+DAT ut facerem uobis >> domnus giraldus archiepiscopus ut facerem uobis archiepiscopo domno geraldo << (Nº246/1104)

• PRO: DAT/AC et quod illis prebuisset eis accepissent et quod illos ordinasset eis accepissent (Nº015/1025)

➧ Esta variante pode explicar-se como uma reacção do copista em relação a caso de

‘lheismo’. A razão da substituição do verbo não é clara, a não ser como um caso de

clarificação semântica do original. De qualquer forma, se se aceita a relação para-

sinonímica entre as duas formas verbais, a substituição da forma de dativo do

pronome pela de acusativo pode dever-se à consciência de que o ‘lheismo’ era um

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fenómeno coloquial a ser evitado ou ocultado pela escrita, influenciada pela norma

clássica. A variante pode assim constituir uma atestação pela negativa da existência

de ‘lheismo’ no português antigo bracarense, atestação que deverá no entanto ser

confirmada por outros dados. Os principais autores que se debruçaram sobre o

português antigo não se referem a este fenómeno, corrente no castelhano antigo. No

seu estudo de documentos notariais galegos e portugueses Clarinda Maia não aponta

nenhum caso (cf. Maia 1986:669-70).

Nos dois textos mais antigos em ortografia portuguesa, o Testamento de D.Afonso II

de 1214, e a Notícia de Torto de ca. 1214, há indícios também indirectos de

‘lheismo’.

No Testamento os verbos ‘rogar’ e ‘mandar’ ocorrem várias vezes, e têm um

conteúdo jussivo semelhante ao de ‘praebere’ e ‘ordinare’ (este com o sentido de

‘mandar alguém fazer algo’, não com o sentido latino original de ‘dispôr’,

‘colocar’). Quando esses verbos introduzem um complemento frásico a completiva é

sempre introduzida pelo complementador ‘que’. Quando o complemento é um SN

verificam-se as seguintes possibilidades (cito a partir do ms. L):

• ROGAR

‘ E ssi eu for morto rogo o apostoligo come padre e senior e beigio a t(er)ra ante

seus pees q(u)e el recebia en sa come)da’ (l.24)

‘E ssi dar nõ li as q(u)iserem rogoos arcebispos e os bispos comeu en eles (con)fio

q(u)e eles o demãdem pe- / -lo apostoligo e p(er) si.’ (ll-22-3)

‘E rogo e prego meu senior o apostoligo e beigio a t(er)ra ante seus pees q(u)e pela

sa santa piadade faza aq(u)esta mia mãda seer (con)p(r)ida’ (l.23)

Há apenas um caso com complemento pronominal, e o pronome tem forma de

dativo:

‘E ssi eu / e a raina formos mortos rogoli e pregoli q(u)e os me(us) filios e o reino

segiã en sa come)da.’ (ll.4-5)

Na Notícia de Torto ocorre um exemplo de ‘rogar’ com complemento pronominal, e

o pronome tem forma de acusativo:

‘E de pois ouer(um) seu mal e meteu o abad(e) paz ãtre illes / i)no carualio d(e)

Laurecdo. E rogouo o abate tãto que beiso c(um) illes.’ (ll.20-1)

Vê-se que quando o objecto animado do verbo é um SN pleno não há preposição a

anteceder o complemento; quando é um pronome há variação entre o Testamento e a

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Notícia: ‘rogoli’ vs. ‘rogouo’. De notar de qualquer forma que na Notícia o verbo só

tem um complemento, animado, o que poderia explicar a diferença em relação ao

Testamento em que o verbo tem dois complementos.

• MANDAR

O verbo ‘mandar’ ocorre uma única vez no Testamento com um SN como

complemento, tendo noutras ocorrências um complemento frásico introduzido

sempre por ‘que’; curiosa e sintomaticamente, há variação entre os dois manuscritos

em relação a esta ocorrência do verbo:

ms. L: ‘E ssi a dia de mia morte meu filio ou mia filia q(u)e no / meu logar ouuer a

reinar nõ ouuer reuora mãdo aq(u)eles caualeiros q(u)e os castelos teen de mi enas

t(er)ras q(u)e de mi teem os me(us) riquos oméés q(u)e os den a esses meus riq(u)os

oméés q(u)e essas t(er)ras teiuere ).’ (ll.23-4)

ms. T: ‘E se a dia da mia morte / meu filio ou mia filia q(u)e no meu logo ouu(er) a

reinar nu ) ouu(er) reuora mãdo a aq(u)eles caualeiros q(u)e os castelos teen de mi

enas t(er)ras que d(e) mi teen os meus ricos oméés q(u)e os / den a esses meus ricos

oméés q(u)e essas t(er)ras teiu(er)en.’ (ll.32-4)

Estes dados mostram, em minha opinião, que a existência de ‘lheismo’ em português

antigo, em variação com o padrão mais frequente de “oismo”, se não provável é pelo

menos plausível.

• SN: PREP‘AD’ + GER/AC nos […] [fa]cimus ad ipso loco sancto sancti salbatoris ego […] facio ad ipsum locum — sancti saluatoris (Nº108/1072)

• SN: PREP‘AD’ + NOM/AC pariat ad ille episcopus bracarensis illa eclesia pariat ad illum episcopum bracarensem illam ecclesiam (Nº166/1087)

6. Complementos preposicionados: circunstanciais e adjuntos

• ASSUNTO: DE + AC/ABL et de quod illis est cognitus […] iurare procurent et de quo illis est cognitus […] iurare procurent (Nº015/1025)

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• COMPANHIA: PREP‘CUM’ + GER/AC et cum iuda domini traditore et cum iuda domini traditorem (Nº288/1110)

• FIM: PREP‘PRO’ + AC/ABL et offero pro remedium anime mee et offero pro remedio anime mee (Nº153/1085)

• INSTR: PREPØ + AC/ABL in ha series testamenti manus nostras … in hoc testamento manibus nostris roboramus (Nº271/1107)

• INSTR: PREP‘PER’ + GER/AC sicuti illa conparaui […] per meo pretio et per cartis sicuti illa comparaui […] per meum pretium et per cartas (Nº153/1085)

• INSTR: PREP‘PER’ + GER/AC sicuti illa conparaui […] per meo pretio et per cartis sicuti illa comparaui […] per meum pretium et per cartas (Nº153/1085)

• INSTR: PREP:‘PER’ + GER/AC testes non per epistola testimonium dicant testes non per epistolam testimonio dicant (Nº015/1025)

• LUGAR/COMP DIR → PREP‘IN’/Ø in hunc testamentum manus meas rouoro Ø hoc testamentum manu mea roboro (Nº153/1085)

• LUGAR/COMP DIR → PREP‘IN’/Ø in hac testamentum manu mea rouoro Ø hoc testamentum manu mea roboro (Nº134/1078)

• LUGAR/COMP DIR → PREP‘IN’/Ø in hanc seriens testamenti manu mea rouoro et confirmo Ø hanc series testamenti manu mea roboro et confirmo (Nº246/1104)

• LUGAR/SUJ → PREP‘FORIS’/Ø in qua foris lex adimplere potest in quo Ø lex adimplere potest (Nº246/1104)

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• LUGAR/SUJ → PREP‘IN’/Ø et abet iacentia in illa hereditate in illos casales et habet iacentia Ø illa hereditate in illos casales (Nº271/1107)

• LUGAR/SUJ → PREP‘IN’/Ø in ipse liber titulo IIIIo sententia Va ibi dicit Ø ipse liber titulo IIIo sentencia Va ibi dicit (Nº015/1025)

• LUGAR: PREP‘AB’ + GEN+GER/ABL+DAT ad sancte mater ecclesia sit segregatus a sancta matre eclesie sit segregatus (Nº246/1104)

• LUGAR: PREP‘AB’ + NOM/ABL … … corpus domini segregatus et a corpore domini segregatus (Nº271/1107)

• LUGAR: PREP‘AD’ + AC/NOM ut […] [per]gissent ad iudicem ut […] pergissent ad ipse eyta fortuniz (Nº015/1025)

• LUGAR: PREP‘AD’ + GER/AC et reuoketis a prestina seruitute et incurbetis in seruitio et reuocetis ad pristinam seruitutem et incuruetis in seruitio (Nº015/1025)

• LUGAR: PREP‘IN’ + AC/ABL que in scripturas resonant qui in scripturis resonant (Nº015/1025)

• LUGAR: PREP‘IN’ + AC/ABL in hanc agnitio […] manus nostras in hac agnitio […] manus nostras (Nº015/1025)

• LUGAR: PREP‘IN’ + AC/ABL in hanc seriens testamenti manu mea confirmo in hac series testamenti manu mea conf (Nº108/1072)

• LUGAR: PREP‘IN’ + GER/NOM et proquo se in contentione miserunt et proqueØ in contemptio miserunt (Nº015/1025)

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• LUGAR: PREP‘IN’ + NOM/GER … [ciui]tas huius bragarense sedis in ciuitate — bracare — (Nº108/1072)

• LUGAR: PREP‘IN’ + NOM/GER cuius baselica scita est in ciuitas bracara cuius basilica sita est in ciuitate braccara (Nº246/1104)

• LUGAR: PREP‘IN’ + NOM/GER cuius baselica fundata est in ciuitas bracara cuius basilica fundata est in ciuitate braccara (Nº271/1107)

• LUGAR: PREP‘PER’ + AC/GER et inde per montem sisti et inde per monte sixti (Nº220/1101)

• LUGAR: PREP‘PER’ + GER/AC sub termino de ecclesia per illo arruio sub termino de ecclesiam per illum arrugium (Nº108/1072)

• LUGAR: PREP‘POST’ + GER/AC seruire post parte sancte marie seruire post partem sancte marie (Nº015/1025)

• LUGAR: PREP‘POST’ + GER/AC pariet post parte de ipso loco sancto pariet post partem de ipso loco sancto (Nº108/1072)

• LUGAR: PREPØ + AC/ABL in uilla […] terminata […] sub monte spino territorium bracarensi in uilla […] terminata […] sub mo[n]te spino territorio bracarensi (Nº220/1101)

➧ Esta variante morfo-sintáctica pode também ser considerada como uma “simples” variante

grafo-fonémica: as terminações ‘-um’ e ‘-o’ são representacionalmente equivalentes,

correspondendo na língua da época a /-o/ final. O facto de no original o adjectivo

atributivo ‘bracarensi’, que deve concordar com o nome, apresentar terminação ‘-i’

de forma casual geral (antigo oblíquo/ablativo) e não terminação ‘-em’ de acusativo

latino parece confirmar que ‘territorium’ não se distingue morfo-sintacticamente de

‘territorio’, sendo então a divergência de raíz grafo-fonémica.

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• MODO: PREP‘IN’ + GER/AC pariat […] illa eclesia in quadrublu pariat […] illam ecclesiam in quadruplum (Nº166/1087)

• MODO: PREPØ/‘IN’ et insuper reddat ipsa hereditate + quadruplum et insuper pariat ipsam hereditatem +in quadruplum (Nº246/1104)

• TEMPO: PREP‘AB’/Ø + ABL a multis temporibus permanente Ø multis temporibus permanente (Nº015/1025)

• TEMPO: PREP‘AB’/Ø + ABL et si in aliquis temporibus nos in contemtione miserimus et si Ø aliquis temporibus nos in contemptione miserimus (Nº015/1025)

• TEMPO: PREP‘AB’/Ø + ABL in era Ta — XVIa Ø era Ma Ca XaVIa (Nº134/1078)

• TEMPO: PREP‘AB’/Ø + ABL factum testamentum in die XVIIIo kalendas iulias factum testamentum Ø die XoVIIIIo kalendas *iunii (Nº153/1085)

• TEMPO: PREP‘AB’/Ø + ABL usque + diebus domni ermegildi aepiscopi usque +in diebus Ø ermegildi episcopi (Nº015/1025)

• TEMPO: PREP‘AB’/Ø + ABL illas usque + diebus domni ermegildi aepiscopi illas usque +in diebus domni ermegildi episcopi (Nº015/1025)

Pronome relativo

• PRO REL: GÉNERO ‘QUA/QUO’ titulum testamenti in qua foris lex adimplere potest titulus testamenti in quo Ø lex adimplere potest (Nº246/1104)

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• PRO REL: NÚMERO ‘QUALE/QUALES’ et incurbetis in seruitio quale uobis placiuile fuerit et incuruetis in seruitio quales uos placabile! fuerit (Nº015/1025)

• PRO REL: FEM OBJ DIR ‘QUE/QUAM’ concedimus […] hereditatem nostram propriam que abemus concedimus […] hereditatem nostram propriam quam habemus (Nº288/1110)

• PRO REL: FEM OBJ DIR ‘QUOS/QUAM’ in uilla quos uocitant uarcena in uilla quam uocitant uarzena (Nº153/1085)

• PRO REL: FEM OBJ DIR ‘QUOS/QUAM’ de hereditate mea propria quos abeo de hereditate mea propria quam habeo (Nº246/1104)

• PRO REL: FEM SUJ ‘QUI/QUE’ ad aulam beate genitricis marie […] qui est fundatain ciuitas bracara ad aulam beate genitricis marie […] que est fundatain ciuitate bracara (Nº153/1085)

• PRO REL: FEM SUJ ‘QUI/QUE’ de ipsa eclesia sancti michaeli qui est fundata in uilla forozos de ipsa ecclesia sancti michaelis que est fundata in uilla forozos (Nº153/1085)

• PRO REL: FEM SUJ ‘QUI/QUE’ ex(ce)pta illa larea qui inde subtraho qui dicent cotesreta extra illa larea que inde subtraho que dicent cotesseta! (Nº153/1085)

• PRO REL: FEM SUJ ‘QUOS/QUE’ in illa corte quos fuit de ueremudo ieremias in illa corte que fuit de uermudo iheremias (Nº134/1078)

• PRO REL: MASC SUJ ‘QUE/QUI’ de illos aepiscopos que in uestro asserto sunt prenominati de illos episcopos qui in uestro asserto sunt nominati (Nº015/1025)

• PRO REL: MASC SUJ ‘QUE/QUI’ sumus nepti de ipsius auii que in scripturas resonant sumus nepti de ipsius auii quiin scripturis resonant (Nº015/1025)

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• PRO REL: MASC SUJ ‘QUE/QUI’ ad iudicem que preelectus erat ad ipse eyta fortuniz qui preelectus erat (Nº015/1025)

➧ Note-se que apenas dez variantes respeitantes à função do relativo na oração relativa

mostram correcção do original de acordo com as regras da morfo-sintaxe latina.

4. Variantes lexémicas

Presença: categorias funcionais

• ADV/Ø nos uero zamario abba […] confirmo Ø Ø zamarius abba […] conf (Nº108/1072)

• ADV/Ø uidelice magnum enim est << titulum testamenti Ø magnus >> est enim titulus testamenti (Nº246/1104)

• CON: ‘CUM’/Ø quantum inde michi uenit […] cum quantum in se obtinet quantam! inde mihi uenit […] Ø quantam! in se obtinet (Nº220/1101)

➧ A preposição CUM é frequentemente empregue na língua notarial hispânica com valor

conjuncional.

• CON: Ø/‘CUM’ et regie functioni + La auri talenta quoauctus persoluat et regie functioni +cum La auri talenta quoauctus persoluat (Nº278/1108)

• CON: ‘ET’/Ø fuit sedem bragalensem magna et metropolensis in partibus spanie fuit sedem bracarensem magna Ø metropolensis in partibus spanie (Nº015/1025)

• CON: ‘ET’/Ø kadiuit illa terra in alphetena et extraniarunt se illos omines kadiuit illa terra in alfetena Ø extraniarunt se illos homines (Nº015/1025)

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➧ A presença/ausência de conector pode também ser considerada como variante textual,

quando respeita à junção de duas proposições ou unidades textuais, por implicar uma

planificação divergente do enunciado.

• CON: ‘ET’/Ø … … … … … … … et aliquis homo uenerit si quis tamen quod fieri non credimus Ø aliquis homo uenerit (Nº108/1072)

• CON: ‘ET’/Ø & sisnandus presbiter notuit Ø sisnandus presbiter notuit (Nº246/1104)

• CON: ‘ET’/Ø fuit sedem bragalensem magna et metropolensis in partibus spanie fuit sedem bracarensem magna Ø metropolensis in partibus spanie (Nº015/1025)

• CON: ‘ET’/Ø kadiuit illa terra in alphetena et extraniarunt se illos omines kadiuit illa terra in alfetena Ø extraniarunt se illos homines de seruitium domne marie de seruitium domne marie (Nº015/1025)

• CON: ‘ET’/Ø uenit ipse tardenatus + dedisset et illas testimonias ut prebuissent uenit Ø tardenatus +que dedisset Ø illas testimonias ut iuras sacro iuramento sacro iuramento (Nº015/1025)

• CON: Ø/‘ET’ ut mississent testimonias de amborum partibus ut misissent testimonias de amborum partibus in eorum concilio + perexquisisent in eius concilio +et perexquisissent (Nº015/1025)

• CON: Ø/‘ET’ uobis >> […] archiepiscopus + ad aulam sancte marie uobis archiepiscopo […] << +et ad aulam sancte marie (Nº246/1104)

• CON: ‘IDEO’/Ø ego […] ideo placui michi […] ut facerem ego […] Ø placuit mihi — ut facerem (Nº246/1104)

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• CON: ‘QUOMODO’/Ø et inde comodo sub termino de ecclesia per illo arruio et inde Ø sub termino de ecclesiam per illum arrugium (Nº108/1072)

• CON: ‘UT’/Ø deinde scripturas requirat ut ueritas possit cercius inuenire deinde scriptura requirat Ø ueritas possit cercius inuenire (Nº015/1025)

• CON: Ø/‘UT’ ipse iudice ordinauit […] + ubi ille rex fuisset […] ipse iudice ordinauit […] +ut ubi ille rex fuisset […] presentasemus illas hic in bragala presentassemus illas hic in bracara (Nº015/1025)

• CON: Ø/‘QUE’ uenit ipse tardenatus + dedisset et illas testimonias ut prebuissent uenit Ø tardenatus +que dedisset Ø illas testimonias ut iuras sacro iuramento sacro iuramento (Nº015/1025)

• COP/Ø cum quantum in se obtinet et ad prestitum hominis est cum quantum in se obtinet et ad prestitum hominis Ø (Nº153/1085)

• COP/Ø notum die eritidus setenber notum die Ø idus septembris (Nº246/1104)

• DET: ART/Ø uenit ipse tardenatus uenit Ø tardenatus (Nº015/1025)

• DET: ART/Ø et inde per illas lareas de iulia et inde per Ø lammas de ialia! (Nº108/1072)

• DET: DEM/Ø … [ciui]tas huius bragarense sedis in ciuitate Ø bracare — (Nº108/1072)

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• PREP: ‘AD’/Ø dum aduenit mors ad ille comite similiter et ad ille aepiscopo dum aduenit mors ad ille comite similiter et Ø ille episcopo domno pelagio domno pelagio (Nº015/1025)

• PREP: ‘AD’/Ø … […] … … … … … ad episcopis et clericis damus […] ad ipsum locum sanctum et Ø episcopis et clericis (Nº108/1072)

• PREP: Ø/‘DE’ tan de propinquis nostris quam + straneis tan de propinquis Ø quam +de extraneis (Nº108/1072)

• PRO: DEM (OBJ DIR)/Ø et dederunt illa Va ad ille rex et ille rex dedit ea ad ipse conmite et dederunt illa Va ad ille rex et ille rex dedit Ø ad ille comite (Nº015/1025)

• PRO: DEM (OBJ DIR)/Ø perducti fuerunt ad … illos … … diem placiti perducti fuerunt in concilio Ø ad suum diem placiti (Nº015/1025)

• PRO: Ø/DEM (OBJ DIR) et restaurauit eas et populauit + ex pleue familie seruorum suorum et restaurauit eas et populauit +eas ex plebe familie seruorum suorum (Nº015/1025)

• PRO: INDEF (OBJ DIR)/Ø aduenit mihi […] ut aliquidex paupertacula mea aliquid offerre aduenit mihi […] ut aliquidex paupertacula mea Ø offerem (Nº153/1085)

• PRO: INDEF/Ø ego quidem famulus dei pelagio gutiniz aduenit mihi ex ego Ø famulus dei pelagius godiniz aduenit mihi ex (Nº153/1085)

• PRO: POSS/Ø tan de propinquis nostris quam + straneis tan de propinquis Ø quam +de extraneis (Nº108/1072)

• PRO: REFL/Ø et proquo se in contentione miserunt et proqueØ in contemptio miserunt (Nº015/1025)

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• PRO: REL/Ø iudex […] recipere testimonium debet quos meliores […] esse preuiderint iudex […] recipere testimonium debet Ø meliores […] esse preuiderint (Nº015/1025)

• PRO: Ø/REL omni sua progenie munniu ihoanne zyti sisnando idem zyti + omnia sua progenia munniu ihoanne ziti sisnando et ziti +qui sumus nepti de ipsius auii sumus nepti de ipsius auii (Nº015/1025)

• PRO: SUJ/Ø ego ueremudo et senator et omni progenie nostre facimus uobis Ø uermudo et senator et omni progenie nostre facimus uobis (Nº015/1025)

• PRO: SUJ/Ø nos uero zamario abba […] confirmo Ø Ø zamarius abba […] conf (Nº108/1072)

Alternância

Categorias lexicais

• ABREV\NUM era Ta Ca XXXa VIIIIa era Ma Ca XXXa VIIIIa (Nº221/1101)

• ABREV\SB qui de ipsius sedis mandator institutus erat egikani confesori qui de ipsius sedis mandator institutus erat egikani confesi (Nº015/1025)

➧ No original < cnfsi >

• ABREV\SB kalendas iulias kalendas iunii (Nº153/1085)

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➧ No original < Is >

• ABREV\SB omnibus seruientibus deo omnibus seruientibus domino (Nº220/1101)

➧ No original < do >

• ADJ/ADV id est nominato ipse agro id est nominatim ipsum agrum (Nº246/1104)

• ADJ/SB (COMP DET) territorio bracarense territorio bracare (Nº271/1107)

• ADJ/SB (COMP DET) et cotum VI kalendas agustas et quotum VIo kalendas augusti (Nº134/1078)

• NEG/Ø et non aueat licitum […] extraniare uel seruire et Ø habeat licitum […] extraniare uel seruire (Nº166/1087)

• NUMERAL: CARD/ORD in era mille Ca XXXa VIIIIa in era Ma Ca XXXa VIIIIa (Nº220/1101)

• SB domini { miseri corde } adiutos preelectus est domnus adefonsus domini { misericordie } adiutor preelectus est domnus adefonsus princeps princeps (Nº015/1025)

• SB ipso uero pe… aepiscopus { miseri corde } motus fecit ipse uero petrus episcopus { misericordia } motus fecit (Nº015/1025)

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• SB domini miseri corde adiutos preelectus est domnus adefonsus domini misericordie adiutor preelectus est domnus adefonsus princeps princeps (Nº015/1025)

➧ Subjacente a esta variante está uma dificuldade do copista com a lição original ‘adiutos’ por

‘adiutus’ (com equivalência representacional de ‘-u’ e ‘-o’ final); o adjectivo verbal

‘adiutus’ concorda com o SN ‘domnus adefonsus’, de que é atributo. A língua

clássica exigiria neste contexto um ablativo absoluto ‘adiuto’. É possível que a

consciência desta prescrição gramatical tenha influenciado o escriba na escolha do

grafema <o>.

O copista do LF, tentando atribuir plausibilidade gramatical à forma do original,

modificou a letra consonântica final provocando uma alteração local do texto: o

adjectivo, transformado em ‘nomen agentis’ passa a funcionar como um aposto de

‘domini’, ainda que com problemas de concordância casual.

A mesma forma ocorre no mesmo texto nas subscrições, mas sem correcção no LF.

• SB ego seruus domini pelagio quasi fratre ego seruus dei pelagius quasi frater (Nº246/1104)

• SB cuius baselica scita est in ciuitas bracara cuius basilica sita est in ciuitate braccara (Nº246/1104)

➧ O copista não entendeu a utilização do particípio passado SCITUS do verbo SCIO, -IRE

neste contexto, substituindo-o pelo particípio passado SITUS do verbo SINO, -ERE.

A forma ‘scita’ (significando ‘sabido, conhecido’) explica-se pelo facto de em

fórmulas que indicam a localização de uma igreja se utilizar frequentemente um

verbo epistémico: trata-se de afirmar a importância do templo, referindo a sua

localização como sendo do ‘conhecimento geral’. É o caso de ‘dignoscitur’,

derivado de NOSCO, -ERE:

«cuius baselice fundata esse dinoscitur in sedis bracarensis» (Nº111B/1073)

A utilização de SITUS também é possível em fórmulas de localização como se vê

pelo exemplo seguinte:

«uocabulum sancti petri que est sita inter palmeria et briteiros» (Nº120C/1074)

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O uso combinado de SITUS com uma forma de NOSCO também ocorre no Corpus:

«quapropter ego […] concedo […] illi sancte ecclesie que sita et cognita propalatur

et dinoscitur in uilla que uocatur sancta maria bracarensis» (Nº207B/1100)

A forma ‘scita’ foi assim substituída por uma forma graficamente próxima, também

possível — ainda que menos frequente — no contexto formulaico. O copista fez

assim equivaler a grafia <sc> a <s>. Sem querer aprofundar aqui a questão, até

porque não disponho de dados da mesma época que corroborem a conjectura, esta

equivalência grafémica poderia facilmente explicar-se se a fusão das sibilantes

apicais e dorsais do português se tivesse já dado.

• SB si quis uero ex progenie nostra uenerit aut extranee gentis si quis uero ex progenie nostra uenerit aut extranee genus (Nº278/1108)

• SB in eternalibus penis supplicium paciatur in eternalibus sedibus supplicium paciatur (Nº288/1110)

• SB fromarigus uidiscliz confessor fromarigus uidisdiz! ts (Nº015/1025)

• SB et + chorum nomina apost(o)lorum et reliquie eorum et +eorum quorum — sanctorum Ø reliquie — (Nº108/1072)

• SB tam de parentea quam etiam + de conparatione tan de parantela quam etiam +et de conparadela (Nº108/1072)

• SB/ADJ quam de ganantia siue de contramuda quam de ganantia siue de contramutata (Nº288/1110)

• SB/PRO iudex bene causam agnoscat ipse bene causam agnoscat (Nº015/1025)

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• SB/PRO ad ipso loco sancto sancti ad ipsum locum — sancti salbatoris et sancte marie et + chorum nomina saluatoris et sancte marie et +eorum quorum — apost(o)lorum et reliquie eorum que ibi… … … sanctorum Ø reliquie — Ø ibidem recondite sunt (Nº108/1072)

➧ O texto é significativamente alterado pela simples mal-interpretação de ‘chorum’ (SB)

como ‘quorum’ (PRO REL GEN PL). A forma do LF pressupõe a equivalência

representacional de <ch> e <qu>, sem dúvida potenciada pela efectiva equivalência

entre CO e QUO:

<comodo>por <quomodo>: ‘et inde comodo sub termino de ecclesia per illo arruio’

(Nº108A/1072)

<quomoda> por <comoda>: ‘quomoda quoque sibi celestia adquirant’

(Nº219B/1101)

A realização lábio-velar da consoante em QUA manteve-se até hoje em português

mas não em galego (cf. port. <quando> vs. gal. <cando>).

• VB et diuiderunt omines et uillas et extremarunt eglesiaro et diuiserunt homines et uillas et extrenauerunt eclesiario (Nº015/1025)

➧ Subjacente a esta variante parece estar uma dificuldade de leitura da forma contracta de

perfeito, mais próxima da forma vernácula [eßt|ema!|o)] que a forma extensa

EXTREMAUERUNT mais ‘polida’. A forma ‘extrenauerunt’ pode explicar-se por

influência cruzada de STRENUUS → STRENUO, -ARE e EXTENUO, -ARE.

• VB do et dono atque contexto do — — atque concedo (Nº246/1104)

• VB et insuper reddat ipsa hereditate et insuper pariat ipsam hereditatem (Nº246/1104)

• VB ad locum predestinatum sic concedimus et annuimus illic loco ad locum predestinatum sic concedimus et annuimus illic loco

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predicto sicut scriptura docet predestinato sicut scriptura docet (Nº288/1110)

• VB si quis tamen quod fuerit { + + } aliquis si quis tamen quod fieri { +non +credimus } aliquis homo { uenerit + + } homo { uenerit +uel +uenerimus } (Nº134/1078)

➧ É interessante verificar como o copista restaurou a sequência inicial ‘quod fieri non

credimus’ da fórmula cominatória truncada (deliberadamente) no original.

• VB et quod illis prebuisset eis accepissent et quod illos ordinasset eis accepissent (Nº015/1025)

• VB martinus uermudiz presbiter scripsit et conf martinus uermudiz presbiter notuit et conf (Nº246/1104)

• VB in qua foris lex adimplere potest et amplectere in quo Ø lex adimplere potest et adimplet (Nº246/1104)

• VB/SUBS + dedisset et illas testimonias ut prebuissent sacro iuramento +que dedisset Ø illas testimonias ut iuras sacro iuramento (Nº015/1025)

➧ Esta variante lexémica é também variante textual: há de facto perturbação no texto original

pela reinterpretação de ‘sacro iuramento’ (objecto directo de ‘prebuissent’ com

terminação de forma casual geral) como dativo (objecto indirecto de ‘dedisset’). A

alteração do original pode dever-se a ausência de conjunção a introduzir o verbo

‘dedisset’ da mesma forma que no parágrafo anterior:

«¶33 … ut in IIIo die dedise tardenato eas ad iuramento et ueremudo que suscipiset

eas hic in sancto petro in suburbio bragala ¶34 hic uero uenit ipse tardenatus [ut]

dedisset et illas testimonias ut prebuissent sacro Iuramento …»

A incompreensão do texto levou a uma atitude drástica do copista, invulgar neste

conjunto de textos: substituição pura e simples de um item lexical arcaico (cuja

função no contexto textual não era discernível) com refundição do texto. A simples

dificuldade com a forma ‘prebuissent’ não pode servir de argumento em termos

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absolutos uma vez que a mesma forma verbal ocorre mais acima no documento e

não foi substituída. De qualquer forma note-se que no mesmo texto a forma

‘prebuisset’ foi substituída por ‘ordinasset’ (q.v. supra) o que pode indicar

dificuldade do copista com este verbo.

Categorias funcionais

• ADV successorum suorum successorum suorum domni adulfi aepiscopi et postea domni gladilani aepiscopi et domni adulfi episcopi et postea domni gladiani episcopi et inde domni flagiani et exinde domni froylani et deinde domni *frogiani et exinde domni froylani et post inde domni reccaredi et postea domni eroni et post inde domni recaredi et postea domni eroni et post hunc domni gundissalui post hunc domni gundisalui (Nº015/1025)

• ADV illud quod prius feci in adaulfi umquam ualeat super istum illud quod prius feci in adaufi nunquam ualeat super istum (Nº220/1101)

• ADV et inde ubi incipit et inde unde incipit (Nº220/1101)

• ADV in uilla […] terminata { quidem } sub monte spino in uilla […] terminata { quod est } submo(n)te spino (Nº220/1101)

• CON/PREP et D solidos et iudigatum et D solidos in iudicatum (Nº220/1101)

• CON/PRO REL et illos eredes que non faciant ibi nulla disturbatione et illos heredes qui non faciant ibi n(u)llam disturbationem

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[…] et illos clericos que faciant seruitium […] et illos clericos quifaciant seruitium (Nº166/1087)

➧ Esta variante pode explicar-se por identificação por parte do copista do complementador

‘que’ com o relativo do português, com interpretação da lição original como uma

forma morfemicamente desadequada ao contexto sintáctico: o copista do LF optou

por isso pela forma mais correcta do ponto de vista da sintaxe latina. A ser assim, é

também uma variante com implicações textuais uma vez que o sentido original é

perturbado.

Note-se que estas duas variantes constituem os únicos casos de substituição deste

tipo, facto que se pode dever ao factor de leitura local inerente ao processo de cópia.

Alternativamente pode também pensar-se em identidade fonémica entre ‘que’ e

‘qui’, o que esvazia esta variante de conteúdo lexémico e textual reduzindo-a a

variância grafo-fonémica.

• CON: ‘ET/CUM’ ego […] manu mea roboro et filie mee similiter << ego […] >> >> >> cum filias meas Ø manibus << << nostris roboramus (Nº278/1108)

• CON: ‘ITEM/ET’ omni sua progenie munniu ihoanne zyti sisnando idem zyti omnia sua progenia munniu ihoanne ziti sisnando et ziti (Nº015/1025)

• CON: ‘ITEM/ET’ item ibi rouoraberunt placitum ipsi assertores et ibi roborauerunt placitum ipsi assertores (Nº015/1025)

• CON: ‘NEQUE/NEC’ non anteriores neque posteriores non anteriores nec post(er)iores (Nº220/1101)

• CON: ‘NEQUE/NEC’ neque […] extraniare uel contestare nec uendere uel donare nec […] extraniare uel contestare nec uendere uel donare (Nº221/1101)

• CON: ‘NEQUE/NEC’ nec in modico faciat necfilii neque nepotes nec in modico faciat necfilii nec nepotes (Nº288/1110)

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• CON: ‘SICUT/SICUT-ET’ sigut adduxerunt illos in loco predicto kalidas sicut-et adduxerunt illos in loco predicto calidas (Nº015/1025)

• CON: ‘SICUT/SICUT-ET’ sigut adduxerunt illos in loco predicto sicut-et adduxerunt illos in loco predicto (Nº015/1025)

• CON: ‘UT/ET’ rouoraberunt placitum ipsi assertores ut dedissent testimonias roborauerunt placitum ipsi assertores et dedissent testimonias (Nº015/1025)

• CON: ‘UT/ET’ relinquid ea ut permansiset quieta sigut in diebus suis permanserat reliquid ea et permansisset quieta sicut in diebus suis permanserat (Nº015/1025)

• CON: ‘UT/ET’ et elegit […] ut perduxisset ipsos omines et *eiecit […] ut perduxisset ipsos homines ad suo concilio ut perexquisiset cuius erat ueritas ad suo concilio et exquisissetcuius erat ueritas (Nº015/1025)

• PREP: ‘AD/IN’ perducti fuerunt ad … illos perducti fuerunt in concilio Ø (Nº015/1025)

• PREP: ‘EX/DE’ et si uenerit aliquidex propinquis meis uel extraneis et si uenerit aliquis de proprinquis meis uel extraneis (Nº153/1085)

• PREP: ‘IN/AD’ discurrentibus aquis in riuum cataui discurrentibus aquis ad riuum cataui (Nº288/1110)

• PREP: ‘PER/PRO’ ex quibus preelectus est eyta furtuniz per sagioni annagia uermudiz ex quibus preelectus est eyta furtuniz pro sagioni annaya uermudiz (Nº015/1025)

• PREP: ‘SUBTUS/SUB’ subtus mons caprario sub monte caprario (Nº246/1104)

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• PRO INDEF: LAT/ROM pro ts ts menindo ts alius menindo ts — — menendus ts alter menendus ts (Nº153/1085)

• VB: MODAL quod abtulerit uel temptare uoluerit reddat in quadruplo quod abstulerit uel temptauerit reddat in quadruplo (Nº278/1108)

5. Erros de cópia

Erros grafo-fonémicos

➧ Os erros abaixo discriminados resultam de dificuldades dos copistas com aspectos

peculiares da letra visigótica.

No entanto, e como se verifica, o seu cômputo é muito baixo. Num total de 5524

palavras nos 11 originais considerados há 10 variantes (0.18%); num total de 1971

formas diferentes há 8 formas variantes (0.41%). almeiuz/almeluz! Nº015/1025, Nº015/1025 cotesreta/cotesseta! Nº153/1085 iulia/ialia! Nº108/1072 quantum/quantam! Nº220/1101, Nº220/1101 saione/saloni! Nº015/1025 salcetum/salcetam! Nº220/1101 taluaredo/tuluaredo! Nº015/1025 uistrariz/uistruriz! Nº015/1025

Erros morfémicos e lexémicos

• INDEF/LOC PREP ut { inde } + serui dei habeant stipendium ut { in deo } +clerici serui dei habeant stipendium (Nº288/1110)

• NM PRÓPR dulcimus diaconus conf (signum) dulcinus diaconus — — (Nº015/1025)

• NM PRÓPR et inde domni flagiani et exinde domni froylani et deinde domni frogiani et exinde domni froylani (Nº015/1025)

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• NM PRÓPR gutierre pauliz iudex qui uidi gutierriz pauliz iudex qui uidit (Nº153/1085)

• NM PRÓPR (chrismon) piniolus scemeniz conf — piniolus scentiiz conf (Nº015/1025)

• NM PRÓPR fromarigus uidiscliz confessor (signum) fromarigus uidisdiz ts — (Nº015/1025)

• NM PRÓPR cessarius uimaraz gundiuado gundulfiz aluezon abba gresulfo sungemiriz cesarius uimara gundiuado gundulfiz aluezone abba gresulfu su(n)gemiriz (Nº015/1025)

• NM PRÓPR mitus presbiter confessor ts omitus presbiter — — (Nº015/1025)

• NUM quomodo pariet illo in quaduplo quomodo pariam illud in duplo 327 (Nº134/1078)

• PP/VB PASS quotiens ab alico fidelium consegrandas eclesias episcopus quociens ab aliquo fidelium consecrandas ecclesias episcopus euitatur per donationem confirmatam accipiat euitatur per donationem confirmatur accipiat (Nº166/1087)

• PREF ut per-duxisset ipsos omines ad suo concilio ut per-ex-quisiset ut per-duxisset ipsos homines ad suo concilio et ex-quisisset cuius erat ueritas cuius erat ueritas (Nº015/1025)

327 O copista foi induzido em erro pela ausência de <r> na lição original: trata-se portanto de uma variante lexémica provocada por um aspecto grafo-fonémico do original.

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• PREP habeant et possideant ex(ce)pta illa larea qui inde subtraho habeant et possideant extra illa larea que inde subtraho (Nº153/1085)

• PREP/CON filii neque nepotes siue unus ex prosapia mea filii neque nepotes siue unus et prosapia mea (Nº220/1101)

• PREP/POSS ad prendendum uillas sub gratia de rex domno adefonso maior ad preehendendum uillas sua gratia de rex domno adefonso maior (Nº015/1025)

• PREP/REL ante eiusdem territorio iudicem uel coram is quos iudex elegerit ante eiusdem territorio iudicem uel quorum his quos iudex elegerit (Nº015/1025)

• PRO DEM ipso uero pe… aepiscopus miseri corde motus fecit ipse uero petrus episcopus misericordia motus fecit (Nº015/1025)

➧ A par das formas masculinas ‘este/esse’, continuadoras de ISTE/IPSE existiam na língua

antiga ‘esto/esso’ e ‘isto/isso’ (a variação gráfica pode reflectir variação sincrónica

entre /i/ e /e/) provenientes de ISTUD/IPSUM.

A forma ‘ipso’ do documento original corresponde de forma transparente ao

português antigo ‘esso/isso’, sendo no contexto um adjectivo demonstrativo (ou

pronome absoluto) objecto do verbo ‘fecit’, que introduz uma narração:

«ipso uero pe[trus] aepiscopus misericorde motus fecit sigut sucgerentium ➙

postulaberant preces et dederunt illi omines fidiatores egika [uermudiz] ut ab die

abto rouorasent agnitione» (Nº015.36)

O copista interpretou erroneamente a forma ‘ipso’ como especificador (pronome

adjunto) de ‘petrus aepiscopus’, estabelecendo implicitamente equivalência

represenatacional e morfémica entre as terminações gráficas <-o>- e <-us>. Nesse

sentido corrigiu o original introduzindo a forma latina “correcta” de demonstrativo

adjunto, e alterando localmente o texto em consequência.

A variante é considerada como erro porque a eliminação do objecto do verbo

perturba o texto significativamente: a ausência de objecto torna incompreensível a

ocorrência do verbo transitivo.

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• PRO/VB unde ego gontina testamentum fatio sancte marie unde rogo gontina testamentum facio sancte marie (Nº278/1108)

• SB et licentiam aueatisnos adpreendere ubi nos inueneritis et dicentiam abeatis nosadprehendere ubi nos inueneritis (Nº015/1025)

• SB-GEN/PP-NOM ipseque anatematis maledictione percussus pereat in eternum ipseque anatematizatus maledictione percussus pereat in eternum (Nº278/1108)

• SB/NM PRÓPR petrus presbiter petrus petri (Nº015/1025)

• SB: FEM/NEUT in hac testamentum manu mea rouoro Ø hoc testamentum manu mea roboro (Nº134/1078)

➧ Esta variante deve-se a um lapso do copista, que teria tido originalmente a intenção de

grafar a sequência ‘in hac serie(s) testamenti’, frequente no contexto. Não deve pois

considerar-se como uma variante linguística de género.

• SN/SB tenente ipse { rex magnus } domnus adefonsus ipsam terram tenente ipse { *regnus } domnus adefonsus ipsam terram pacifigam in suo iure pacificam in suo iure (Nº015/1025)

• SUF\ADJ in eternalibus penis supplicium patiatur in eternabilibus penis supplicium patiatur (Nº220/1101)

• VB ipse uero aepiscopus fecit querimoniam in conspectu regis et elegit ipse uero episcopus fecit querimoniam in conspectu regis et eiecit suo saione annaya uermudiz suo saloni anaia uermudiz (Nº015/1025)

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• VB in hac series hacnitionis quem fieri elegi manu propria rouorem inieci in hac series agnitionis quem fieri elegi manu propria roborem inlegi (Nº015/1025)

➧ Estas duas variantes lexémicas resultam de um problema gráfico, a confusão entre <i> alto

visigótico e <l>: no ms. <elegjt> (l.07) e <INJECJ> (l.44) .

A dificuldade do copista com este aspecto da escrita visigótica obrigou-o a

reinterpretar as formas, substituindo <c> por <g> num caso e <g> por <c> no outro.

Estas substituições foram motivadas pela observação do copista que no texto

original o uso destas duas letras nem sempre está conforme ao uso clássico, devido

ao vozeamento de oclusivas inter-vocálicas: como se verifica mais acima no

levantamento de variantes grafo-fonémicas o copista corrigiu a maior parte dos

casos do emprego “desviante” de <g>.

• VB/PREP sic do eclesias quomodo etiam et laigalem sic de ecclesias quomodo etiam et laicalem (Nº220/1101)

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263

3.2 Comentários e conclusões sobre a variância linguística na

tradição dos documentos do Liber Fidei

As variantes linguísticas detectadas nos 11 documentos do Liber Fidei para os

quais sobreviveu o original não parecem constituir quantitativamente alterações

significativas ou profundas dos originais visigóticos. Qualitativamente, se de facto

muitas das variantes parecem constituir correcções dos originais, no sentido de

uma latinidade mais polida, também é necessário reconhecer que essas correcções

são pouco numerosas e não são de forma alguma exaustivas, sobretudo no que

respeita a morfologia e a sintaxe.

Em relação à fonologia, por exemplo, verifica-se que certos aspectos

característicos do galego-português suscitam surpreendentemente um reduzido

número de variantes: o complexo sistema de sibilantes, as consoantes palatais, a

queda de ‘-N-’ e ‘-L-’ inter-vocálicos, etc.

Isto explica-se por um acentuado conservadorismo representacional da língua

notarial do séc. XI à partida, pelo menos nos documentos observados, que não

incluem, note-se, nenhum acto jurídico entre particulares. A solenidade dos actos

jurídicos, ou o facto, mais provável, de terem sido redigidos por notários

associados ao Cabido da Sé traduziu-se num elevado grau de latinidade

ortográfica.

O facto do crivo dos copistas consentir na manutenção de aspectos desviantes (no

sentido do vulgarismo e do romanceamento) dos textos do séc. XI, mostra que a

competência escribal dos copistas dos sécs. XII-XIII abarcava modos

scripto-linguísticos geralmente associados a séculos anteriores: isto é, a

aceitabilidade das formas escritas é comprovada pela sua ‘mise en écrit’ no

processo de cópia, e pela sua não rejeição ou pela sua não correcção.

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264

Este aspecto é importante, pois parece indicar que muitas das características do

latim não reformado permaneceram durante muitos anos após (e apesar de) a

implementação da reforma gregoriana em Portugal. O latim foral dos sécs.

XII-XIII, por exemplo, mostra claramente a ressurgência (ou permanência?) de

padrões de romanceamento idênticos aos do latim notarial de textos bastante mais

antigos.

Isto evidencia também o respeito dos copistas em geral pelo texto copiado, e o

seu profissionalismo na redacção da cópia. As próprias correcções revelam

atenção e cuidado com o texto a copiar, pois resultam nalguns casos de tentativa

de atribuir um sentido (local) a formas de leitura ou compreensão difícil.

Estes aspectos permitem concluir de forma genérica que as cópias do Liber Fidei

constituem um retrato razoavelmente fiel da língua notarial bracarense do séc. XI,

apesar de também claramente os padrões de latinidade dos copistas dos sécs.

XII-XIII não serem já os mesmos dos notários do séc. XI.

É necessário no entanto modalizar esta conclusão genérica e fazer algumas

observações mais específicas.

A concentração de variantes em torno de certos aspectos linguísticos parece

corresponder a aspectos complexos da língua notarial, nomeadamente na sua

adequação representacional em relação à língua falada: a existência de

aglomerados de variantes corresponde a zonas de complexidade ou opacidade

grafémica, a características da língua escrita que claramente divergiam do

vernáculo romance.

No caso da ortografia constata-se que alguns aglomerados de variantes resultam

de facto de uma atitude correctora dos copistas, no sentido de eliminarem aspectos

considerados não aceitáveis da escrita dos originais. O caso mais evidente é o do

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265

‘vozeamento de oclusivas’. O alto número de variantes, e a consistência das

alterações introduzidas, mostra que este aspecto da escrita notarial era

particularmente sensível para copistas já formados na nova latinidade, que punha

uma ênfase grande em questões ortográficas.

Do mesmo modo a alternância B/U apresenta um número elevado de variantes

evidenciando um aspecto grafo-fonémico complexo, provocado por uma fusão

fonémica. A tendência dos copistas é no sentido de restaurar a “correcta”

distribuição de B e U, garantindo a aparência latina das formas gráficas, mesmo

no caso de nomes próprios. O mesmo se pode dizer em relação à alternância entre

I e E não finais.

A presença/ausência do grafema H e a ‘geminação consonântica’ também

mostram uma concentração de variantes: trata-se de aspectos obsoletos da escrita

latina, não previsíveis ou recuperáveis a partir da língua romance dos notários. As

variantes mostram uma tendência dos copistas para restaurar o H e consoantes

duplas etimológicas, e eliminar H intrusivo e consoantes duplas não etimológicas.

Outras variantes mostram “oscilação” dos copistas semelhante à “oscilação” dos

notários do séc. XI.

Tendo em consideração estes factos, e nomeadamente o facto de os aglomerados

de variantes grafo-fonémicas conterem um maior número de variantes que outros

tipos, penso que os dados ortografémicos dos documentos do Liber Fidei suscitam

um menor grau de confiança que outros dados scripto-linguísticos. As grafias do

Liber Fidei, associadas às opções paleográficas da edição crítica, não podem ou

não devem em minha opinião constituir uma base fiável para estudos estatísticos

sobre a ortografia do séc. XI. O Corpus de Textos Notariais do Liber Fidei

apresentado nesta dissertação não constitui assim um conjunto de dados que

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266

permita um estudo fino e aturado da evolução da ortografia notarial no séc. XI:

por isso, no capítulo seguinte não é feita referência a factos de índole ortográfica.

A concentração de variantes de outros tipos não revela padrões de correcção

muito acentuados, o que permite a utilização dos dados do Liber Fidei com

bastante segurança.

Note-se particularmente a concentração de variantes na marcação morfémica de

relações gramaticais, sobretudo em SNs regidos por preposição. O emprego dos

casos latinos em geral é um dos aspectos mais complexos da língua notarial

hispânica, pois não tinha correspondência na língua funcional das comunidades

romano-falantes, e os aglomerados de variantes morfo-sintácticas no Liber Fidei

correspondem a características da língua notarial hispânica não reformada.

A tendência correctora dos copistas em relação a questões de morfologia e

sintaxe não é muito marcada, o que mostra permissividade em relação a certas

formas e estruturas da escrita notarial, e aceitabilidade sincrónica, ou pelo menos

reconhecimento, de padrões scripto-linguísticos mais antigos presentes nos textos

copiados.

*

A descrição de variação grafémica pode fazer-se pela explicitação de certas

fórmulas/algoritmos variacionais que os escribas (notários e copistas) possuíam

como parte da sua competência escritural, e que aplicavam quando escreviam,

quer redigindo um texto desde o início, quer recebendo um ditado, quer mesmo

copiando um texto pré-existente.

Essas fórmulas são no fundo a expressão de um processo de escolha múltipla

incorporado no conhecimento interiorizado que os escribas tinham da língua

escrita, e que se manifestava no acto de escrita: esse conhecimento interiorizado

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267

compreendia necessariamente aspectos pragmáticos e culturais, relativos ao uso

concreto de certos padrões e formas gráficas.

Assim a representação gráfica de um nome próprio como ‘Paio’ (o antropónimo

mais frequente nos textos do séc. XI) poderia ser feita de acordo com o esquema

seguinte de escolha múltipla:

/paa!i8o/ → ⎩⎪⎨⎪⎧

⎭⎪⎬⎪⎫

<PELAIO><PELAGIO><PELAIUS>

<PELAGIUS>

Esse esquema integrava sem dúvida alguns esquemas de carácter grafo-fonémico,

cuja existência é perceptível a partir dos padrões de variância apresentados pelos

textos. Por exemplo a representação da vogal final /-o/, de acordo com diversos

factores condicionantes, poderia ser representada nas escrita a partir do seguinte

esquema:

/-o/ → ⎩⎪⎨⎪⎧

⎭⎪⎬⎪⎫

<-O><-U>

<-US>(<-UM>)

Em relação à morfo-sintaxe e léxico haveria esquemas semelhantes, interiorizados

explicitamente no contexto da aprendizagem da língua escrita (processo sobre o

qual se sabe directamente muito pouco), ou a partir da própria experiência

escritural activa e passiva do escriba.

Por exemplo, se se pretendia escrever as formas ‘CARTA’ ou ‘HEREDITAS’ na

função temática de ‘paciente’, correspondendo morfo-sintacticamente ao objecto

directo de um verbo, para além de conhecer a “forma correcta” (tradicional) seria

necessário lidar com uma série de escolhas múltiplas (representando as várias

possibilidades grafémicas em aberto, e em competição com os princípios de

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268

correcção e polimento herdados do passado) que podem ser representadas da

seguinte forma:

‘CARTA’ /ka!|ta/ → # ⎩⎨⎧

⎭⎬⎫

CK ARTA ⎩⎨

⎧⎭⎬⎫

-M-Ø #

‘HEREDITAS’ /e|“e‘da!de/ → # ⎩⎨⎧

⎭⎬⎫

HØ EREDITA⎩

⎨⎧⎭⎬⎫

-S-T-EM #

Se se pretendia escrever o pronome pessoal ‘UOS’, na função de objecto

indirecto, haveria que fazer uma primeira escolha sobre a co-ocorrência da

preposição ‘AD’ precedendo a forma pronominal.

PRO OBJ IND ‘UOS’ → [ # ⎩⎨⎧

⎭⎬⎫

PREP <AD>Ø # + # [ PRO ‘UOS’ ] # ]

Se a utilização da preposição não fosse escolhida, seria necessário utilizar a forma

marcada de dativo ‘UOBIS’ , grafada através de uma fórmula de escolha múltipla

do tipo:

‘UOBIS’ → ⎩⎪⎨⎪⎧

⎭⎪⎬⎪⎫<UO⎩

⎨⎧⎭⎬⎫

BU IS>

< UOB >

Estas três formas poderiam, de acordo com o contexto da sessão de leitura, e com

a formação do leitor ser oralizadas [ bO!beß ] [ a bO!ß ] ou grafo-lexemicamente [ a

bO!beß ] (admitindo a existência de betacismo generalizado) .

Se se escolhesse a utilização gráfica da preposição a representação do pronome

resultaria de uma fórmula do tipo:

PRO OBJ IND ‘UOS’ → [ # PREP <AD> + # ⎩⎨⎧

⎭⎬⎫

<UOBIS><UOS> # ] , em que se

poderia ou duplicar morfemicamente a marcação da função de dativo (‘UOBIS’),

ou usar uma forma não-marcada morfemicamente (‘UOS’). A pronúncia,

dependendo do contexto comunicacional específico em que a oralização do texto

fosse feita poderia ser em português antigo como [a bO!beß ] ou [ a bO!ß ] .

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269

Se se pretendia grafar a forma de 3sg do PRES CONJ do verbo SUM, o resultado

dependeria de uma forma mental do tipo:

PRES CONJ 3SG ‘SUM’ → ⎩⎨⎧

⎭⎬⎫<SI-T>

<SEDEA⎩⎨⎧

⎭⎬⎫

-T>-Ø>

, formas provavelmente

oralizadas como [ßi!] e [ße!dZa] . A terminação pessoal ‘-T’ seria opcional apenas

na forma romanceada.

A inclusão entre chavetas dos segmentos grafémicos indica que a sua ocorrência

num enunciado escrito resulta de uma escolha de tipo paradigmárico definida

prelo operador lógico ‘OU’ (= escolha múltipla). A aplicação do operador ‘OU’

estaria condicionada por aspectos como a formação escritural e livresca do escriba

(factor que determinaria a sua maior ou menor permeabilidade a fenómenos de

vulgarismo), o tipo de texto, o conteúdo mais ou menos formulístico do contexto

específico, a atenção do escriba ao acto de escrita, os modos de produção textual

vigentes no seio da comunidade, a idade do escriba, a proveniência do escriba

(chancelaria régia ou episcopal, scriptorium monástico, paróquia rural), etc.

A escolha múltipla podia ocorrer ao nível quer de grafo-fonemas isolados, quer de

radical ou lexema, quer de morfemas funcionais separadamente. Daqui resulta que

a aparição de uma forma completamente romanceada dependia da coincidência

nessa forma dos vários tipos de padrões variacionais possíveis para os vários

elementos constitutivos da palavra gráfica.

Quero com isto dizer que quando não existia uma escrita altamente standardizada

e codificada, e a pressão da fala vernácula nas convenções ortográficas

tradicionais era constante, escrever era uma questão de escolhas múltiplas a vários

níveis: fonémico, morfémico, e até lexémico (se uma hipótese de ‘logografia

alargada’ for adequada). Estes factos são ainda hoje observáveis em sujeitos de

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270

escrita não fluentes ou em período de aprendizagem, como por exemplo nos erros

de ortografia das crianças nos primeiros estágios da escolaridade.

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271

«Hay que hablar de una amplia y profunda penetración románica dentro de los documentos de redacción latina. En efecto, en los documentos notariales no sólo no es todo latín, sino ni siquiera pretende serlo.» (Bastardas Parera 1960:276)

Capítulo 4

Aspectos de variação e mudança scripto-linguística na documentação notarial do Liber Fidei, 1050-1110

Conteúdos:

• Objectivos gerais

• Propostas para uma tipologia contrastiva latim/romance

• Critérios de análise de variantes inter-textuais

• Levantamento e quantificação de variantes

• Algumas conclusões

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272

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273

Capítulo 4.

presente capítulo tem como objectivo imediato verificar a

existência de padrões ou tendências de mudança na língua

notarial na documentação da segunda metade do séc. XI do

Liber Fidei que possam ser relacionados com a implementação da

reforma gregoriana a partir de 1080.

Nesse sentido são apresentadas e discutidas cinco propostas recentes

para o estabelecimento de um conjunto de categorias linguísticas que

permitam opôr com clareza o latim (ou aquilo que se entende por

latim) ao romance (subsumindo neste termo as variedades linguísticas

novi-latinas que vão desde o latim tardio coloquial até às línguas

romances alto- e tardo-medievais). Essas propostas constituem no seu

todo o enquadramento teórico-descritivo das variantes textuais

levantadas e estudadas.

O levantamento das variantes é feito em função da divisão

cronológica e textual do Corpus. A quantificação das variantes é

apresentada em tabelas de contingência contendo as frequências

observadas. Os dados quantitativos são também apresentados, sob a

forma de valores percentuais, em gráficos de barras.

Pretende-se com este levantamento verificar a ocorrência de

mudanças atribuíveis à “restauração da latinidade” notada por

Menéndez Pidal, e tentar concluir se a língua notarial pós-reforma

apresenta diferenças discerníveis (e quais e em que grau) em relação à

O

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274

língua pré-reforma, que permitam afirmar se se trata de ‘latim

reformado’ e já não de ‘latino-romance’, i.e. se a tradição

latino-romance dos notários nor-portucalenses foi abandonada em

consequência da reforma e substituída por uma nova norma

scripto-linguística.

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275

4.1 Objectivos gerais

A secção do Corpus de Textos Notariais (textos do Liber Fidei datados entre 900

e 1130) que constitui efectivamente o ‘corpo’ textual desta dissertação 328 inclui

210 textos do Norte de Portugal datados entre 1050 e 1110. Este intervalo

temporal justifica-se plenamente pelo facto de a segunda metade do séc. XI ter

constituído um período de mudanças em toda a Península Ibérica, nas quais se

pode destacar, pelo impacto cultural e linguístico (para não referir outros aspectos

igualmente marcantes), a implementação da reforma gregoriana: de facto, o

conjunto de textos considerado neste capítulo está crucialmente centrado na data

de 1080, que corresponde à introdução oficial da reforma.

O que se pretende averiguar de modo geral neste capítulo, a partir do exame de

algumas variáveis linguísticas selectas, é qual o eventual impacto scripto-

linguístico da reforma: o levantamento e observação neste capítulo de alguns

dados linguísticos pretende mostrar se no intervalo de 60 anos considerado é

possível detectar indícios, e se sim quais e qual a sua dimensão, de alterações ou

tendências discerníveis de mudança na língua notarial latino-portuguesa, que se

possam associar à introdução da reforma gregoriana.

Mais concretamente, pretendo verificar se há fenómenos que possam ser

atribuídos aos processos designados por Menéndez Pidal ‘restauração da

latinidade’ 329 e ‘abandono do latim notarial romanceado’ 330 : segundo Pidal a

328 A partir de aqui o conjunto de 210 documentos do Corpus de Textos Notariais do Liber Fidei transcritos em anexo é colectivamente designado e referido, quando nada for explicitamente dito em contrário, como ‘Corpus’.

329 Menéndez Pidal 1950/19809 : ix.

330 Menéndez Pidal 1950/19809 , pp.460 e 481.

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276

restauração do latim teria modificado profundamente os hábitos escribais dos

notários hispânicos no sentido de um abandono de padrões gráficos de

vulgarismo/vernacularização, com aproximação aos padrões clássicos de

correcção ortográfica e gramatical.

Esta é uma questão importante, pois como Roger Wright e, posteriormente,

Michel Banniard mostraram, a reforma do latim restaurado quer na França quer na

Ibéria foi um factor decisivo na constituição de uma consciência linguística

românica distinta da latinidade, consciência essa que levou à criação das

ortografias romances medievais. Quer isto dizer, e na sequência das conclusões de

Wright, que a formação de uma nova consciência linguística da romanidade, que

se manifesta nos textos em romance, exigiu ou pressupôs a aquisição de uma nova

consciência da latinidade, ou, como se queira, a introdução de uma nova

latinidade.

Os documentos notariais do Liber Fidei do séc. XI apresentam características

gerais semelhantes, quer diplomáticas quer linguísticas, à da restante

documentação hispânica e portuguesa coligida, estudada ou comentada por

Menéndez Pidal, Millares Carlo, Floriano Cumbreño, Sánchez Albornoz,

Jennings, Bastardas Parera, Emilio Sáez, Amable Veiga, Antonio Puentes Romay,

Maurilio Pérez González, e por João Pedro Ribeiro, Leite de Vasconcellos, Pedro

de Azevedo, Rui de Azevedo, Avelino de Jesus da Costa, Sacks, Sletsjö. É

possível afirmar, mesmo sem um exame prévio aturado, que os textos do Liber

Fidei se enquadram numa determinada tradição textual e escritural 331 , a tradição

designada como “latim bárbaro” ou “latim tabeliónico”.

331 Faltam trabalhos comparativos de conjunto, que permitam estabelecer definitivamente qual a relação, ou relações, entre as várias ‘modalidades comarcales’, enumeradas e catalogadas por A. Floriano (cf. Floriano Cumbreño 1949:17-8), a que pertencem os documentos jurídicos hispânicos.

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277

No entanto, também a observação casual mostra que os textos do Liber Fidei não

apresentam à priori o tipo de vulgarização que se encontra, por exemplo, na

documentação merovíngia estudada sobretudo pelos filólogos da chamada ‘escola

americana’, ou na documentação hispânica estudada por Menéndez Pidal (leonesa

sobretudo) e Jennings (asturiana), ou mesmo em muitíssimos documentos

portugueses publicados nos Diplomata et Chartae.

Do ponto de vista ortográfico verifica-se facilmente que os documentos,

anteriores ou posteriores a 1080, não apresentam em geral desvios marcantes, ou

em quantidades elevadas ou notórias; ou seja, não mostram os vulgarismos

ortográficos presentes em, e característicos de, outros núcleos documentais

conhecidos e publicados.

Como referi no capítulo anterior, o confronto entre os textos originais e as cópias

do cartulário revela uma preocupação dos copistas em eliminar dos textos certas

características ortográficas resultantes de processos de vernacularização

grafo-fonémica da scripta latina. Do ponto de vista morfológico e morfo-

sintáctico essa preocupação correctora não parece ser tão evidente como mostra o

reduzido número de variantes encontradas. De qualquer forma, e como também

referi acima, a concentração de variantes em torno de certos fenómenos

linguísticos indicia zonas de complexidade da scripta, aspectos em que a pressão

do vernáculo se mostrava mais profunda, por exemplo na morfologia flexional,

nomeadamente no emprego dos casos latinos.

O chamado “confusionismo casual”, ou seja, a enorme variação que os

documentos notariais em geral apresentam relativamente ao emprego do casos

latinos, na sua relação com a função gramatical original dos mesmos, é um dos

factores mais marcantes e talvez mais característicos da latinidade notarial, e

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278

justifica plenamente a atenção que os estudiosos obrigatoriamente lhe dedicam.

332

No Liber Fidei, ainda ao nível da observação superficial dos textos, esse

confusionismo ou sincretismo casual, não parece ser tão evidente como noutros

núcleos documentais conhecidos, no sentido em que é difícil encontrar textos ou

passagens inteiras de textos, que se possam descrever como intensamente

romanceadas. Parece haver, ainda no domínio da observação casual, um relativo

equilíbrio entre padrões latinos e padrões românicos. Nesse sentido poder-se-ia

dizer que a documentação do séc. XI do Liber Fidei é de modo geral

conservadora, em comparação com outros núcleos documentais conhecidos.

No entanto, e ainda a respeito da morfologia e morfo-sintaxe, a observação

cuidada dos textos revela um estado de coisas um pouco diferente, com ocorrência

de desvios importantes e recorrentes às normas clássicas. O que proponho neste

capítulo é exactamente verificar, com levantamento, quantificação e comparação

de algumas variantes, em que sentido a ocorrência maior ou menor de desvios (no

sentido do vulgar) pode reflectir as tendências normativistas da reforma

gregoriana na scripta notarial portuguesa.

332 «Sin duda, uno de los hechos que más contribuyeron a la conversión del latín en las diferentes lenguas romances fue la ruina de la declinación clásica, el confusionismo o sincretismo casual.» (Pérez González 1993:129).

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279

4.2 Propostas para uma tipologia contrastiva latim-romance

Antes de proceder à observação das formas, torna-se necessário fazer algumas

observações sobre os fenómenos característicos ou peculiares da língua notarial: o

estudo de ‘corpora’ de grandes dimensões requere, em minha opinião, o

estabelecimento de um número de indicadores de vária ordem que permitam, após

quantificação e interpretação, a comparação entre textos ou grupos de textos. No

caso da documentação latino-romance esses indicadores podem funcionar como

um padrão de latinidade/romanidade e ser utilizados no confronto entre textos

redigidos em áreas geo-linguísticas distintas ou em épocas distintas (como é aqui

o caso).

Dada a natureza específica de produção textual nas comunidades românicas

medievais, isto é, tendo em conta que os textos medio-latinos não literários em

geral, notariais e jurídicos em particular, documentam no mínimo uma latinidade

extremamente permeável à romanidade do ‘sermo cotidianus’ (a “penetração

românica” de Bastardas citada em epígrafe), e que essa latinidade está filo- e

onto-geneticamente relacionada com a latinidade da Antiguidade, o estudo dos

textos notariais não pode fazer-se de forma profícua e pertinente sem a definição

prévia de um conjunto de características ou traços que permitam distinguir aquilo

que é linguisticamente reconhecível como ‘latino’ (no sentido antigo e

tardo-antigo) face às inovações que definem os contornos de uma realidade

‘romance’ diferenciada 333 . Essas caracteríticas devem idealmente constituir uma

333 O estabelecimento e reconhecimento dessas distinções não implica de forma alguma, note-se, a adopção de uma perspectiva bilingue ou diglóssica para a situação das comunidades romanófonas alto-medievais. A permanência na escrita de elementos que não pertenciam já ao domínio da competência nativa dos romano-falantes não permite concluir sobre a existência de uma distinção conceptual entre latim e romance: deve antes reportar-se, nunca é demais dizê-lo, à estrutura complexa da escrita, aos padrões culturais e lecto-escriturais da época e, acessoriamente, à competência escribal dos notários e copistas. Essa

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280

tipologia contrastiva 334 que permita aferir o tipo linguístico de um texto ou grupo

de textos. Essa tipologia, para além de representar factos de língua, de forma bem

fundamentada historicamente, deve caracterizar-se crucialmente, em minha

opinião, pela sua aplicabilidade aos textos (sobretudo tardo-latinos e

alto-medievais), tendo em conta os modos próprios de produção e recepção

textual da época e comunidade em questão: resulta daqui que uma tipologia deste

tipo não seja necessariamente idêntica ou mesmo equivalente a uma enumeração

das características próprias do latim, ou das inovações próprias do romance. Nem

todos esses aspectos distintivos têm o mesmo grau de representabilidade na forma

escrita das línguas, ou tiveram o mesmo impacto sistémico nas várias línguas

românicas 335 . Resulta também que muitos (mas não todos) aspectos fonológicos

não devem ter lugar, pelo menos enquanto fenómenos puramente fonológicos 336

, numa tipologia deste tipo (mas veja-se mais abaixo, para uma discussão desta

questão). De qualquer forma, a aplicação concreta a dados textuais de uma

tipologia desta ordem deverá sempre depender das características próprias do

corpus textual em presença, ponderadas as circunstâncias históricas e culturais

que rodearam a redacção dos textos.

*

permanência implica quando muito um grau notável de plasticidade da scripta, no sentido de se adaptar à realidade linguística romance, acomodando sem alterações “visíveis” formais, as inovações e deslocações românicas face ao latim da Antiguidade.

334 A expressão é de Michel Banniard: dada a pertinência e a importância das suas propostas utilizo o termo como um dado adquirido da disciplina, como aliás o faz também Maurilio Pérez em artigo referido mais abaixo.

335 Vd. infra nota ao artigo de Pérez González (pronomes demonstrativos).

336 Veja-se o caso da queda de consoantes finais, em que a importância do desaparecimento de terminações flexionais deve ser considerada separadamente.

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281

Passo nesse sentido a considerar (por ordem cronológica da data de publicação)

cinco propostas recentes de delimitação de características distintivas entre latim e

romance, a saber: Herman 1975, Vincent 1988, Banniard 1992, Ineichen 1993 337

e Pérez González 1993.

• Herman 1975, Le Latin Vulgaire

Herman propõe um conjunto de traços diferenciadores entre latim e romance, a

partir da distinção entre critérios internos (estruturais) e externos (diastráticos):

Afin de d´terminer l’époque à laquelle le latin est sorti de l’usage vivant pour

céder place à des langues issues de lui-même, nous devons nous fonder sur des

critères plus essentiels, notamment: a) sur certains critères internes (disparition

de traits structuraux spécifiquement latins et apparition de traits structuraux

spécifiquement romans dans la langue parlée); et b) sur certains critéres externes

(en particulier la décomposition de l’unité du latin sur le plan territorial). 338

Os traços linguísticos distintivos propostos são representativos das tendências da

evolução tardia do latim:

«C’est dans l’usage vulgaire que le latin évolue, c’est là que réside l’essentiel de son

histoire postclassique, et c’est l’évolution vulgaire qui permet de comprendre la future

naissance et les futures particularités des langues romanes. Il est par conséquent utile de

résumer les grandes tendances de cette évolution, telles qu’elles se dessinent à travers la

multiplicité des changements de détail.

337 Ineichen 1993 é uma actualização com ligeiras alterações, e com um enquadramento textual distinto, de Ineichen 1987. Por simples comodidade linguística e brevidade, cinjo as citações e referência directas a Ineichen 1993, escrito em francês, sendo o artigo de 1987 em alemão.

338 Herman 1975:115-6.

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282

Dans le domaine phonétique, ce sont à première vue des changements prosodiques qui

semblent dominer: modification de la nature de l’accent, bouleversement du système

vocalique quantitatif originellement indépendant de l’accent, réorganisation

subséquente du système phonologique des voyelles; en ce qui concerne les consonnes, on

observe l’influence croissante de l’entourage phonétique sur les consonnes, l’efficacité

accrue des influences assimilatrices; ces conditions générales préparent la réorganisation du

système consonantique: l’enrichissement du sous-système des fricatives, relativement

pauvre en latin, et la création d’une série d’affriquées, inconnues dans le système

phonologique du latin. Cette réorganisation ne s’achèvera cependant qu’au cours de la

deuxième moitié du Ier millénaire. Dans le domaine du système grammatical, les tendances

de l’évolution sont particulièrement claires et nettes, et aussi particulièrement intéressantes.

Dans la morphologie, nous assistons au cours de l’évolution vulgaire à une diminution

progressive de la variété et du rôle linguistique des moyens d’expression

paradigmatiques et à une augmentation parallèle de l’importance des moyens

d’expression syntagmatiques ou distributionnels; autrement dit, le nombre des variantes

flexionnelles des mots diminue, par contre, on voit augmenter la variété, la fréquence, le

domaine d’emploi des syntagmes composés d’éléments isolables, autonomes. Il s’agit

naturellement d’une tendance de l’évolution et non pas d’un changement complet et

brusque: le remplacement des moyens d’expression synthétiques par des moyens

d’expression analytiques va très loin dans la morphologie nominale—à un rythme inégal

d’ailleurs de région en région—alors que, dans la flexion verbale, ce processus n’entame

qu’assez peu le stock héréditaire des formes synthétiques. Il y a donc des paradigmes et des

fragments de paradigmes qui subsistent, non sans changement d’ailleurs: nous assistons à

une élimination au moins partielle de types de flexion peu fréquents ou isolés, à une

normalisation d’un grand nombre de formes aberrantes, bref, à une simplification des

systèmes formels que la langue conserve.» 339

É importante a forma como J. Herman, paralelamente à explicitação dos traços

diferenciadores, acentua o carácter gradualista das inovações a que eles

correspondem, negando-lhes qualquer estatuto absoluto (de substituição

momentânea ou brusca de um estado de coisas por outro), tal aliás como N.

339 Herman 1975:121-2; sublinhados meus.

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Vincent e M. Banniard (cf. mais abaixo), apoiados em investigação

socio-linguística recente.

• Vincent 1988, ‘Latin’

O extenso artigo de Nigel Vincent, inserido no contexto de uma importante

colectânea de artigos de diferentes linguistas que pretende descrever o estado

actual da línguas românicas, constitui uma valiosa síntese (apoiada em

investigação fonológica, morfológica, sintáctica e tipológica recente) das

características mais marcantes da língua latina, com o objectivo expresso de «to

narrate the structural transformations that Latin underwent in the course of the

passage towards the modern Romance languages». 340

Mesmo não tendo como meta a definição de um conjunto de características

distintivas latim/romance (ao contrário dos outros trabalhos mencionados e

comentados nesta secção) o artigo de Vincent, a que acresce a importância da

investigação desenvolvida pelo autor na área da sintaxe diacrónica, não pode

deixar de ser um contributo importante para o estabelecimento de uma tipologia

desse tipo; deve por isso ser devidamente considerado no presente contexto.

Como o artigo tem a forma de uma exposição descritiva, e não contém uma

apresentação esquemática dos dados, extraio as passagens mais relevantes,

seleccionando entre os factos enumerados e descritos aqueles cujo conteúdo possa

ser contribuir para a constituição de uma tipologia latim/romance aplicável aos

340 Vincent 1988:27.

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textos 341. Passo assim a transcrever de forma abreviada 342 as principais

características que de acordo com N. Vincent distinguem o latim das línguas

românicas:

MORFOLOGIA

1. morfologia nominal

• fusão da 5ª e 4ª declinações com a 1ª e 2ª

➧ Already in classical times a number of fifth declension nouns had parallel first declension

forms […], and some members of IV [4ª declinação] had variant second declension

forms. It was but a short step for nouns in these two classes to be absorbed into the

larger, productive declensions or to be replaced by new formations. (p.43)

• mudanças de género

➧ The modern Romance languages likewise bear witness to a number of gender shifts which

serve to increase the correlation between form and gender. Several tree names ended

in -us but were feminine […]. Likewise, a number of Greek borrowings in Latin

were feminine but in -us […] whereas their Romance counterparts are usually

masculine […] . (p.43)

• desaparecimento do género neutro

➧ Readjustments were also provoked by the loss, as yet not satisfactorily explained, of the

neuter gender. In the case of the third, mixed gender, declension, the status of

masculine as the unmarked gender meant that it absorbed most of the neuters. (p.44)

341 É em virtude desta condição de aplicabilidade dos traços tipológicos aos textos que não extraio do artigo de Vincent as suas observações sobre a fonologia do latim e as mudanças fonológicas proto-românicas.

342 A importância do trabalho de Vincent do ponto de vista da sistematização e explicação linguística dos factos justifica plenamente em minha opinião a grande extensão, apesar do formato condensado, que lhe é atribuída nesta secção.

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• sistema casual

➧ While changes in declension and gender affect principally the morphological and lexical

levels of the language, changes in the case system are intimately bound up with

other syntactic developments and will be treated together with those […] below.

(p.44)

2. morfologia verbal

• mudança de função de certas formas latinas em romance

➧ Some Latin forms may survive but with a change of function. For instance, the

characteristic -SS- marker of Romance past subjunctives (Fr. aimasse, It. amassi,

Sp. amase, Port. amasse, etc.) betrays its origin in the Latin suffixes -issem , etc. of

the pluperfect subjunctive. (p.47)

• desaparecimento de certas formas latinas

➧ Some Latin forms disappear altogether, such as the already mentioned imperfect

subjunctive, which only survives in Sardinian and in the Portuguese personal

infinitive […] . However, the biggest casualties under this heading must without

doubt be the inflected passive and future […] . Amongst the non-finite forms, the

future participle is a clear casualty, surviving only in adjectival usages […] . (p.47-8)

• gramaticalização

➧ Many Romance verb forms are not the direct reflexes of Latin verb forms but result from

the grammaticalisation, and in some cases eventual fusion, of the elements of a

periphrastic construction. (p.48)

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3. partículas 343

• gramaticalização

➧ a number of semantically independent items in Latin—e.g. de ‘about’, quod ‘because’ —

develop into grammatical functions in Romance — e.g. Fr., Sp., It. etc. de / di as a

marker of dependent nouns and infinitives; Fr., Sp., It. etc. que / che as a marker of

dependent clauses of various kinds, or, in more recent terminology, a

complementiser. (p.52)

• tipos

➧ Traditionally, this class includes adverbs […]; discourse particles […]; interrogative words

[…]; prepositions […]; conjunctions […] .

Relatively few of these items survive directly into Romance with unchanged

meaning or function. Commonly, there is either a semantico-syntactic shift […] or

the original Latin form is taken up as part of a new compound item […] . (p.52)

SINTAXE

1. grupo nominal (‘sintaxe interna’ 344 )

• surgimento de um grupo nominal (SN) com uma estrutura fixa

➧ there is no obvious evidence for a Latin NP with internal constituent structure based on the

obligatory ordering relations between determiners, adjectives and nouns such as it is

normal to set up for any of the Romance languages.

➧ Typologically, the organisation of the NP in the Romance languages, with the exception of

the use of prenominal adjectives (more or less extensive according to the language)

and the occurrence of post-nominal articles in Rumanian, conforms very well to

343 «Under this heading we have grouped an assortment of minor classes, whose chief unifying properties are first that they are indeclinable and second that they straddle the boundary between grammar and lexis.» (Vincent 1988:52)

344 «In dealing with the changes in nominal syntax from Latin to Romance it will be convenient to distinguish between 'external' syntax, that is to say the way the noun and its modifiers fit into the general patterns of sentence structure, and 'internal' syntax, the patterns of relationship between the noun and its modifiers. We shall deal with the former topic under sentence structure.» (Vincent 1988:52)

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what has come to be seen by many scholars as characteristic of SVO languages.

These patterns may be set beside the more flexible ordering properties of Classical

Latin and the marked tendency in early Latin for certain modifiers, in particular

adjectives and dependent genitives, to precede rather than follow the noun. (p.55-6)

• surgimentos de artigos

➧ In regard to internal syntax, perhaps the most salient difference between Latin and

Romance is the absence in Latin of articles, both definite and indefinite. (p.52-3)

• posição dos possessivos

➧ Possessives also differ from articles and demonstratives in that their more usual position in

Latin was post-nominal […]. The attraction of the possessive to the determiner

position in languages like French therefore represents a significant change of order,

which once more reflects emergent NP structure. (p.52)

• pronome relativo: simplificação e gramaticalização

➧ Whereas in Latin all the grammatical properties of the relativised noun—case, gender and

number—could be recovered from the form of the relative pronoun, in Romance the

possibilities are considerably more limited. Among the pronouns that descend from

Latin QUI, case (or more accurately grammatical function) is to some extent

retrievable, but the patterns differ from language to language. […] to the extent that

words like French, Portuguese, Spanish que, Italian che have the same form as the

items which introduce sentential complements, comparatives and other kinds of

adverbial clauses, it may even be argued that they are no longer true relative

pronouns but simply complementisers whose function is to signal the beginning of a

subordinate clause. (p.55)

2. grupo verbal: surgimento de perífrases verbais gramaticalizadas

• perfeito perifrástico

➧ the present perfective came increasingly to be expressed through the grammaticalisation of

the periphrasis HABET CANTATUM (> Fr. a chanté , It. ha cantato, etc.). (p.56)

• futuro perifrástico e condicional perifrástico

➧ the Latin future inflections were also threatened. The remedies adopted vary from none at

all in Sicilian and southern Italian dialects, where futurity is generally expressed by

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the present tense plus appropriate time adverbs, to the development of a number of

periphrases constructed from an auxiliary (e.g. VELLE ‘to want’ in Rumanian,

DEBERE ‘to have to’ in Sardinian) plus the infinitive. By far the most successful of

these involved HABERE. Thus, CANTARE + HABET yields Fr. chantera, Sp.

cantara, It. cantera, etc. Again the mechanism engenders a whole series of forms.

(p.57)

• voz passiva perifrástica

➧ The passive is formed with the appropriate tense of the verb ESSERE followed by the past

participle. The motivation for this change is not hard to find in the inroads made on

the inflectional system by sound change, but important too — perhaps more so — is

the increasing role of the perfect periphrasis, and this for two reasons. First, by

providing a model in which the auxiliary verb gives expression to the appropriate

categories of tense, mood, etc., it ensures that CANTATUM EST should be

interpreted as a present imper• fective, not perfective. […] Second, the emergent use

of ESSERE with patient subject verbs matches well with ESSERE as the general

auxiliary of the passive, the archetypical construction in which the patient becomes

the subject. (p.58)

• partícula apassivante ‘SE’ (voz passiva pronominal)

➧ […] the other main passivising construction attributable to Late Latin: the use of the

reflexive pronoun se , particularly flourishing in Italian and Spanish, somewhat less

so in French. […] from a very early stage se had extended from its purely reflexive

use to include a number of uses in which the agent remains unexpressed […] (p.58)

3. estrutura frásica

➧ two […] notable Romance developments, namely the emergence of a fixed word-order and

the change from synthesis to analysis. (p.59)

• ordem das palavras na frase

➧ The order of words and/or constituents which make up a sentence is one of the more

obvious respects in which the grammar of latin differs from that of its descendants.

These differences may in turn be divided into those that reflect a more fixed order of

elements in Romance than in Latin, and those which betoken a genuine change of

order. (p.59-60)

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• posição dos artigos

➧ the Romance articles […] occur in a fixed prenominal position. They derive […] from the

Latin adjectives ILLE (generally) and IPSE (occasionally), which already in the

classical language tend to occur before rather than after the noun they accompany.

Thus, the Romance pattern may be seen as a ‘freezing’ of a preferred Latin pattern

[…] . (p.60)

• posição dos verbos modais

➧ On the other hand, modal verbs such as debere ‘to have to’ and posse ‘to be able’ more

commonly followed rather than preceded their dependent infinitive — e.g. satis

intellegere non possum ‘I cannot sufficiently understand’, whereas the modern

languages are all agreed in requiring the order modal + infinitive: je ne peux pas

comprendre, non deve venire, no podía confirmar nada, etc. (p.60)

• posição do verbo na frase

➧ The key issue, in fact, concerns the place of the verb. If, as the traditional account would

have it, the natural place for the Latin verb is sentence-final, then there is a genuine

word order change to be explained, since the one place one does not expect to find

the verb in modern Romance is in final position. (p.60)

➧ Uniformly in all the Romance languages, the verb precedes the object in a transitive

sentence. (p.61)

• ordem SVO

➧ The resultant word order pattern, for which there is considerable evidence already in the

Latin of Plautus and which may be taken as the departure point for subsequent

Romance developments, can be schematised thus: (Topic)-Verb-Patient.

Thereafter we can point to three main changes:

(a) The formation of a VP constituent, consisting of the verb and its patient, plus any

auxiliaries and adverbial elements.

(b) The gradual grammaticalisation of the topic position to produce a sentence-initial

subject position, something which happened in French, but is arguably not yet

complete in any of the other Romance languages.

(c) A third development is the emergence of a verb-second (V2) constraint,

characteristic of French and Rhaeto-Romance, and not implausibly attributed to

Germanic influence. (p.63)

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• configuracionalidade das línguas românicas

➧ It has therefore been suggested that there is a single motivating principle behind all the

changes of order between Latin and Romance, namely the move towards a

consistent manifestation of the order head-modifier (sometimes referred to by the

German term Postdeterminierung). The account given here is rather more cautious,

preferring to recognise separate and logically independent developments in nominal

and verbal/sentential syntax, subject only to the proviso that perhaps the most

noticeable feature in both sets of circumstances is not so much change in word order

as the increasing rigidification of linear patterning that comes with the growth of

constituent structure. In current grammatical parlance, the Romance languages have

all become clearly configurational in contrast to the predominant non-

configurationality of Latin syntax.» p.63

• substituição de estruturas sintéticas por estruturas analíticas

➧ The fixing of word order is often treated in traditional accounts as part of the general

tendency in Romance to replace synthetic patterns with analytic ones, that is to say

the tendency to use syntactic means (fixed sentence position) for the expression of

morphosyntactic categories in place of morphological ones (nominal case

inflection). (p.63)

• outras mudanças associadas à substituição de estruturas sintéticas por estruturas analíticas

➧ Other commonly cited examples of the synthesis to analysis pattern of development include

the periphrastic passive, perfective and future discussed above and such phenomena

as :

(a) the adverbs in ‘ - ment / mente / menti’ etc. found throughout the Romance area

[…] replace the inherited suffixal patterns […] ;

(b) comparatives, which in Latin are usually suffixal […] but which are marked in

Romance by reflexes of the particles PLUS or MAGIS ‘more’ […] . Similarly, the

standard of comparison in Latin was indicated either by the ablative case […] or by

the use of quam + noun […] , while in Romance only the latter survives in the guise

of the general complementiser que/che, etc.

(c) a number of prepositional uses, including not only reflexes of DE ‘about’ for the

expression of possession and other kinds of grammatical dependence previously

marked by the genitive, and reflexes of AD ‘to’ for abstract goals in addition to

literal locative ones, but also a whole range of other prepositions in the individual

languages to express agents, instruments, etc.

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• complementação

➧ When we come to look at the situation in the Romance languages we find the following

changes have taken place:

(a)ut / ne / quin + subjunctive have been lost altogether;

(b) quod as the introducer of a finite clause has greatly increased its range and is

followed freely by either indicative or subjunctive;

(c) the indirect question structure continues but with loss of the mandatory

subjunctive;

(d) the accusative and infinitive is limited to perception verbs;

(e) a causative construction with facere + infinitive has emerged;

(f) the prepositions ad and de have developed specialised uses as introducers of

dependent infinitives;

(g) the infinitive, unsupported by an introductory particle, survives but with a greatly

reduced number of verbs.

The combined effect of these changes is to give rise to a system of complementation

which is constructed according to entirely different principles from those which

obtained in Latin, and thus makes it difficult to narrate the changes as a series of

continuous evolutions.(p.68-9)

• Banniard 1992, Viva Voce

No seu estudo fundamental das relações entre comunicação escrita e oral na

Antiguidade tardia e na Alta Idade Média, Michel Banniard propõe em guisa de

corolário um esboço de tipologia contrastiva latim/romance, cujo estabelecimento

considera um requesito fundamental para os estudos de história linguística:

Toute analyse des vitesses de transformation linguistique repose d’abord sur

l’établissement d’une typologie contrastive latin//roman, au niveau essentiel de la

morphologie et de la syntaxe. L’absence d’une telle typologie est regrettable, car

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toutes les études de linguistique diachronique devraient partir d’une telle

description fondamentale. 345

E mais adiante:

C’est d’une typologie de ce genre que devrait partir toute étude de linguistique

diachronique. Elle conduirait à une archéologie du changement d’autant mieux

fondée que nous avons la chance de disposer d’une documentation abondante qui

conduit le chercheur des origines de la latinité à la naissance des langues

romanes. 346

Transcrevo na íntegra os traços propostos:

«Esquisse d’une typologie contrastive latin/roman

A - LE NOM ET LE GROUP NOMINAL

1 - Disparition du genre neutre.

2 - Disparition des datifs/ablatifs en ‘-is/-ibus’.

3 - Disparition des génitifs en ‘-arum/-orum’ et ‘-ium/-um’

4 - Généralisation de la rection prépositive dans les emplois où l’ancien ablatif latin ne les

employait que sporadiquement.

5 - Même phénomène au génitif.

6 - Même phénomène au datif.

7 - Réduction des oppositions dans les déclinaisons jusqu’à un système bicasuel.

8 - Apparition de l’article (défini/indéfini).

345 Banniard 1992:520.

346 Banniard 1992:522.

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9 - Raréfaction des comparatifs et superlatifs sintéthiques et multiplication des formules

analytiques (en ‘magis/plus’).

10 - Multiplication des groupes de valeur adverbiale en ‘adjectif+mente’, et raréfaction

corrélative des adverbes classiques.

B - LE VERB ET SES FORMES

1 - Disparition du futur II.

2 - Remplacement du futur I par la tournure ‘infinitif+habeo’.

3 - Disparition du subjonctif imparfait (sauf dans quelques dialectes isolés).

4 - Apparition en concurrence avec le plus-que-parfait de l’indicatif de la tournure

‘habebam+participe passé’.

5 - Changement de l’expression du conditionel.

6 - Disparition du passif synthétique (en ‘-ur’) et remplacement par un passif périphrastique

à l’infectum.

7 - Disparition de la voix moyenn à l’infectum et remplacement par la voix pronominale.

8 - Disparition du participe futur actif synthétique en ‘-urus’ et remplacement par des

périphrases.

C - SYNTAXE

1 - Disparition de la conjonction polysémique ‘ut’ et remplacement de celle-ci par des

conjonctions polymorphes.

2 - Réduction de la fréquence des subordonnées complétives à l’infinitf et augmentation des

tournures conjonctionnelles.

3 - Rection prépositionelle des infinitifs.

4 - Fin de la liberté de postpositionnement des adjectifs démonstratifs et possessifs.

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5 - Constitution de blocs morphologiques et limitation des possibilités de disjonction

verbale (démonstratif/substantif; complément du nom/nom; nom/adjectif qualificatif).

6 - Remplacement d’une grande partie des conjonctions de subordination (disparition de

‘quin, quominus, quamuis, antequam, ubi, tanquam’). » 347

Não posso estar mais de acordo com M. Banniard sobre a necessidade e a

utilidade de uma tipologia deste tipo; no entanto, e sem querer fazer um

comentário detalhado sobre as várias categorias tipológicas que propõe, parece

óbvio que nem todas têm de facto a mesma importância, e que seria pertinente

considerar outras categorias nomeadamente de carácter estrutural, como por

exemplo: ordem dos constituintes na frase (de que C.5 é um exemplo apenas),

surgimento de formas pronominais clíticas, e seu posicionamento em relação ao

verbo e outros complementos do verbo, surgimento de auxiliares (apontado

veladamente em B.2 e B.6), estrutura interna dos constituintes frásicos (apontado

em C.5), para apontar apenas talvez os mais significativos.

• Ineichen 1993, ‘L’apparition du roman dans des contextes latins’

O artigo de Gustav Ineichen aborda os primeiros testemunhos escritos do

romance, que surgem no contexto de uma escrituralidade latina. O objectivo é

definir os traços próprios de uma consciência linguística românica que emergiu

no contexto de uma latinidade românica , manifestando-se em «des tournures

latines qui cachent des structures vulgaires sous-jacentes». 348

347 Banniard 1992:521-2.

348 Ineichen 1993:84.

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Um problema potencial da adequação aos textos do quadro proposto por Ineichen

é o facto de perfilhar uma visão diglóssica sobre as comunidades tardo-latino-

falantes e romano-falantes 349 . Esta perspectiva em minha opinião acaba por

condicionar o valor da exposição de Ineichen, já que este mostra não distinguir

precisamente entre factos funcionais escriturais e factos funcionais coloquiais. Ou

seja, a ocorrência de formas vulgarizadas num contexto gráfico alatinado é

tomada como evidência da existência de dois sistemas linguísticos em presença e

em confronto. Considere-se por exemplo a análise de um exemplo famoso da Lei

Sálica:

Parmi les innovations syntaxiques romanes, il faut compter aussi, comme l’a déjà

fait d’Arco Silvio Avalle (1965a, 55), la phrase et ipsa cuppa frangant la tota de

la loi salique. La nouvauté qui frappe le plus est l’invention du pronom de rappel.

C’est un phénonème typiquement roman que l’on retrouve partout, sauf en roman

ibérique. Il faut ajouter que ‘frangant la est conforme à la règle de Tobler-

Mussafia. Nous insisterons donc sur la présence de phénonème en tant que tel

sans nous intéresser à l’ensemble de grammaticalisations qu’il a subi au cours

des siécles dans les langues individuelles.

La situation que nous venons de décrire est tout à fait remarquable. Car grâce à la

postposition de l’élément atone, le syntagme frangant la , tout roman qu’il est,

témoigne encore d’une mentalité latine, même s’il accuse en quelque sorte —

349 Os problemas levantados por uma perspectiva diglóssica, e as implicações da noção de diglossia na latinidade medieval, implicam uma discussão demasiado vasta para ser encetada aqui com seriedade. Limito-me a fazer notar que mesmo com a ressalva de Ineichen, que “l’emploi du terme diglossie de la part de Hall 1986 ne correspond pas à l’usage que nous faisons ici” (p.85), referindo-se à aplicação por R.A. Hall à Linguística Românica do conceito introduzido por Ferguson, a diglossia levanta mais problemas do que soluciona no âmbito da questão latim-romance, e não constitui mais que uma reformulação terminológica da perspectiva bilingue tradicional, hoje dificilmente sustentável em face da investigação recente.

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“iuxta rusticitatem” — une romanisation du latin. Il y a coexistence de traits

typologiques comparables, mais qui relèvent de systèmes différents. 350

A perspectiva da “romanização do latim” pode ser obviamente invertida,

considerando-se que a língua alatinada dos textos não literários representa, ao

invés, “latinização do romance”, cuja maior ou menor profundidade dependeria da

competência do escriba, perspectiva aliás defendida por Elcock, que usa a

expressão “camouflage of Latin” 351, e Wright 352 : esta perspectiva, que tem

como reverso o processo de “des-latinização do romance” 353 , parece com efeito

adequar-se melhor aos factos textuais (que documentam clara e consistentemente

estruturas linguísticas românicas), conquanto não pressuponha uma concepção

bilingue.

Os traços tipológicos de Ineichen devem retirar a sua pertinência da descrição

histórica dos sistemas latino e romance, enquanto variedades funcionais de

comunidades linguísticas separadas cronologicamente por vários séculos: a sua

aplicação literal às representações gráficas medievais, sem ter em conta as regras

peculiares que condicionavam a escrituralidade tardo-latina e alto-medieval em

comunidades romano-falantes monolingues, é, no mínino, anacrónica.

São os seguintes os traços que Ineichen propõe como índices da formação de uma

consciência linguística românica:

350 Ineichen 1993:88-9, sublinhados meus.

351 Elcock 1975:424.

352 Cf. Wright 1982:244.

353 Cf. Emiliano 1991:239.

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«Cette nouvelle conscience s’organise dans le cadre des faits systématiques que voici :

1) Réorganisation de la flexion nominale conformément au passage positionnel de SOV

à SVO. Déclinaison à trois, à deux et à un cas. Article. Accusatif prépositionnel ou

article partitif, les deux s’excluant mutuellement.

2) Comparaison analytique.

3) Adverbes en -mente (sauf pour le roumain, le dalmate et l’italien de Sud).

4) Réorganisation du système verbal: temps grammaticaux. Auxiliation (parfait

périphrastique). Futur. Périphrase verbale.

5) Perte de l’accusatif avec infinitif (AcI), qui est remplacé par des constructions du

type ‘quod’.

6) Grammaticalisation des fonctionnalités du discours (thématisation et rhématisation).

7) Importance croissante des procédés de modalisation. » 354

• Pérez González 1993, ‘El diploma del rey Silo y sus romanismos’

O trabalho de Maurilio Pérez González constitui em minha opinião, apesar de

algumas formulações e conclusões dificilmente aceitáveis, uma contribuição

muito importante para o estudo dos períodos mais antigos de desenvolvimento das

línguas ibero-românicas, no contexto da investigação hispânica (e europeia, em

geral) sobre a documentação médio-latina.

354 Ineichen 1993:86; cf. tb. Ineichen 1987:14.

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O propósito imediato do artigo é re-examinar o documento conhecido como

‘Diploma Silonis regis’, ou ‘diploma do rei Silo’. Esse texto alto-medieval, datado

do ano 775, é como se sabe o mais antigo diploma original que se conhece na

Península Ibérica, e documenta um estado antigo da língua notarial. Tem por isso

recebido uma atenção especial por parte de historiadores, diplomatistas e

filólogos, tendo sido já objecto de várias edições. O objectivo de M. Pérez

González é assim formulado (cito extensamente, dada a importância que atribuo

ao artigo):

El objectivo final del presente estudio es determinar cuál es la lengua del diploma

del rey Silo (775 d. C.). El trabajo se inicia con su transcripción, sus análisis

paleográfico y una mera relación de las cuestiones lingüísticas en él presentes.

Después de un rápido repaso a las teorías modernas que intentan explicar la

situación lingüística medieval, se analizan las cuestiones fonéticas y

morfosintácticas que mejor permiten decidir cuál es la lengua del diploma: la

sonorización de las oclusivas sordas, el confusionismo casual, la desaparición del

neutro, los demostrativos, la voz pasiva, el órden de palabras, etc. Casi todas son

cuestiones propuestas por M. Banniard para el establecimiento de una tipología

latín/romance. 355

E mais adiante:

Tenemos la suerte de que el diploma del rey Silo, por su extensión y escaso

formulismo, al menos en el cuerpo del texto, permite observar numerosas y

variadas cuestiones lingüísticas […] , así como, dentro de las limitaciones que

conlleva el análisis de un solo documento, por importante que éste sea, plantear

355 Pérez González 1993:115

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una cuestión tan esencial como la siguiente: ¿En qué lengua o variedad de lengua

está escrito el diploma del rey Silo? 356

A própria colocação da questão constitui no contexto da investigação hispânica

um avanço importante, na medida em que se põe implicitamente em causa a

perspectiva tradicional a partir da qual este tipo de textos tem sido analisado, ou

seja, de que se trataria de tentativas desastradas de escrever latim por parte de

escribas ignorantes e semi-letrados. Ao pôr a questão da língua, ou da variedade

de língua, sem tecer comentários valorativos, Pérez está automaticamente a

reconhecer validade e individualidade linguística ao documento, considerando-o

como manifestação de um tipo de língua susceptível e merecedor de atenção e

análise.

No entanto, a questão fundamental do artigo de Pérez, da qual advém em minha

opinião a sua maior importância e interesse para os estudos medievais (sem pôr

em causa a importância efectiva da análise da doação do rei Silo), é sem dúvida a

discussão da necessidade de uma tipologia latim/romance para a prossecução

frutuosa da investigação nesta área, com uma consequente proposta nesse sentido.

Cito o autor:

No ha sido nuestro propósito defender aquí una teoría en perjuicio de las otras.

Aún más, creemos que ninguna de ellas establece de una manera plenamente

satisfactoria una tipología contrastiva latín/romance, de manera que podamos

discernir con claridad qué fenómenos lingüísticos implican la desaparición de

hechos estructurales específicamente latinos y la aparición de hechos

estructurales específicamente romances. Esta cuestión es sumamente pertinente,

puesto que no siempre se está de acuerdo sobre la naturaleza, el alcance

356 id., p.119.

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diacrónico y la significación de los fenómenos lingüísticos. Y, sin embargo, éste

debería ser el tema central de las futuras investigaciones, si es que realmente

se desea avanzar en la comprensión de la situación lingüística de la E.

Media. 357

Outra observação importante do trabalho de Pérez diz respeito ao carácter

assistemático com que na literatura a questão latim/romance tem sido abordada:

los defensores del bilingüísmo medieval han procedido frecuentemente por

simple intuición, por una especie de lógica personal y, consecucntemente,

subjetiva. Algo similar se observa en los defensores de la diglosia, a pesar de que

algunos, como Sabatini, han contribuido a aclarar mucho aspectos lingüísticos

previos. Wright ha traspasado pocas veces el terreno de la fonética. Herman suele

prestar atención a importantes cuestiones lingüísticas, pero le falta la obra

metódica que las analice todas o, al menos, en su mayor parte. Banniard acaba de

publicar una obra muy documentada sobre la comunicación escrita y oral en la E.

Media; pero nos deja con la miel en los labios, como él mismo reconoce, a pesar

de que esboza una tipología contrastiva latín/romance, que nosotros intentaremos

aplicar en la medida de lo posible a algunos fenómenos lingüísticos del diploma

del rey Silo. 358

Esta observação leva-nos ao cerne da questão: o estudo da língua do diploma do

rei Silo de Maurilio Pérez González constitui a primeira tentativa de aplicação a

um texto latino-notarial de uma tipologia latim/romance formulada enquanto tal;

no caso concreto trata-se de uma proposta de adaptação da tipologia de Banniard

357 id., p.125, sublinhado meu.

358 ibid.

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às ‘lenguas romances noroccidentales’, da qual passo a extrair os aspectos mais

marcantes.

M. Pérez propõe como primeiro passo a necessidade de distinguir entre

fenómenos latinos e fenómenos latino-romances, comentando a dificuldade de

uma distinção desse tipo. Os fenómenos latinos resultam de mudanças ocorridas

na “fala vulgar” da Antiguidade face à “língua culta”, e se de algum modo

anunciam aspectos comuns às línguas românicas, não devem ser considerados

como romanismos, pela data antiga de ocorrência, pela sua aparente generalidade

geo-linguística, e sobretudo por não pressuporem uma alteração significativa na

consciência inter-subjectiva da latinidade («no provocaron la incomunicación

entre las distintas clases socioculturales, y quizás nunca la hubiesen provocado

por sí solos.» 359 ) . Os fenómenos latino-romances são para Pérez indicadores do

surgimento de uma nova consciência linguística, são, nas suas palavras,

«característicos de una lengua que está a punto de perder su identidad en beneficio

de las diferentes lenguas romances provenientes de ella misma.» 360

Não se pode deixar de notar, subjacente a esta caracterização, o perigo de uma

visão diglóssica do romance antigo: note-se que a consciência de uma distinção

medieval entre latim e romance, como Wright tem repetido incansavelmente, é de

ordem conceptual, pois ninguém contesta o facto que a língua romance hispânica

dos sécs. VIII ao XI era objectiva e profundamente diferente do latim tardio, latim

esse que estava na origem da forma escrita da língua. Quero com isto dizer que

consciência da latinidade e consciência da romanidade são, até à introdução do

359 id., p.126.

360 ibid.

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latim medieval reformado, uma e única coisa, e exprimem-se através do único

sistema de escrita disponível, a scripta latina.

Partindo dos fenómenos levantados no diploma do rei Silo, Pérez considera

fenómenos latinos a monotongação de ‘ae’ , a confusão das vogais palatais ou

velares, a flutuação (gráfica?) ‘y/i’ , a epêntese vocálica, a dissimilação interna, a

geminação consonântica, a flutuação ‘-d/-t’ , a epêntese consonântica, a presença

das locuções preposicionais ‘usque-ad / in’ . Noutros fenómenos a sua natureza

latina ou latino-romance é muito discutida e discutível: são a simplificação

consonântica, o betacismo, a alternância [k]/[kw] e o emprego de ‘suus’ com

valor possessivo não reflexivo. Outros fenómenos, ainda, são latino-romances,

mas, para a época considerada, o séc. VIII, não têm “transcendência fonética”,

sendo meramente gráficos. Pérez considera que quase todos os fenómenos

restantes parecem latino-romances, ou têm mais probabilidades de o ser. Nesse

sentido são considerados com algum detalhe, no sentido de se detectar o grau de

evolução no texto sob estudo: esta enumeração de fenómenos linguísticos latino-

romances constitui assim a proposta tipológica de Pérez, adaptada de Banniard.

Fenómenos latino-romances observados no diploma do rei Silo 361 :

361 Transcrevo os excertos dos comentários de Pérez que sejam particularmente pertinentes para o estudo da documentação notarial.

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1. Fenómenos fonéticos 362

• prótese vocálica

• síncope vocálica

• perda das consoantes finais

• queda de nasal antes de ‘-s’

• redução do grupo ‘pt’ para ‘t’

• sonorização das oclusivas surdas inter-vocálicas

• ‘f’ inicial latino

• consoantes palatais

2. Fenómenos morfo-sintácticos

• desaparecimento do género neutro / fossilização de ‘omnia’

➧ […] el género neutro, que acabó por desaparecer en las lenguas romances, excepto en

rumano. […] en el diploma no hay más neutros que el relativo quod , si se prescinde

de los ejemplos con signo de abreviación, que se debe prescindir, y de los de omnia ,

cuya fosilización gramatical es constante cuando se encuentra sustantivado y no se

refiere a personas. (p.129)

• ruína da declinação clássica/ confusionismo ou sincretismo casual

➧ Sin duda, uno de los hechos que más contribuyeron a la conversión del latín en las

diferentes lenguas romances fue la ruina de la declinación clásica, el confusionismo

o sincretismo casual. Y de este fenómeno morfosintáctico, del que los primeros

ejemplos ya aparecen en las inscripciones pompeyanas, da bastantes pruebas el

diploma del rey Silo, a pesar de que puede afirmarse que, en terminos generales, los

casos aún se conservan. (p.129)

• aposição / nome predicativo

➧ El diploma del rey Silo da muestras inequívocas de que su autor posee el conocimiento y

manejo de un cierto nivel o grado de flexión nominal […] . Evidentemente la flexión

nominal ya se halla muy lejos de su situación en la época latina, pero todavía

362 Limito-me a indicar as rubrIcas enumeradas por Pérez, omitindo os exemplos e a discussão.

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persiste, a pesar de todo lo expuesto más arriba y de lo que podemos agregar sobre la

aposición y el c. predieativo. (p.130)

• emprego de ‘ad’ + acusativo por dativo

➧ El empleo de ad + acusativo por el dativo en ad fratres et seruos Dei corrobora nuestra

anterior opinión sobre la situación de la flexión nominal en el diploma del rey Silo,

ya que es el único giro sustitutivo de esta naturaleza. (p.130)

• artigo definido ‘ille’ e ‘ipse’

➧ Seis son los ejemplos de ille en el diploma del rey Silo. Funciona como pronombre

personal de 3a persona en talisque illum ultio consequatur diuina . Tiene valor

articuloide en cuatro casos: per illum pelagum , per illas sasas aluas , per illa lacuna

, per lla lagenam . Por último, ille está usado con valor catafórico en per illum

arogium que dicitur Alesantiam , que en realidad equivale a decir que tiene valor

articuloide. (p.131)

➧ Ipse tiene valor catafórico-articuloide en los siguientes casos: de ipsa uilla ubi... abitauit

Espasandus, per ipsum uilare que diicitur Desiderii y per ipsa strata qui esclude

terminum . Bastardas no cita este valor de ipse en las cartas leonesas y castellanas.

Pero, sea porque el diploma del rey Silo denote una etapa linguística común en las

hablas occidentales a que está dando lugar la evolución del latín, sea por otras

razones, el caso es que en los citados ejemplos ipse tiene un claro valor catafórico-

articuloide, co mo lo evidencia el hecho de que ipse e ille alternan en dos

expresiones iguales y seguidas: et per ipsum uilare que dicitur Desiderii et per illum

arogium que dicitur Alesantiam . Otras veces ipse tiene un claro valor fórico similar

al del clásico is o equivale a nuestro demostrativo «ese», que al fin y al cabo deriva

de ipse : in ipso loco , ipsi serui Dei , in ipso loco y pro ipso loco. Por último, nos

parece que en ubi ipse noster mellarius abitauit Espasandus la forma ipse tiene

también valor articuloide; pero no nos atrevemos a afirmarlo con la misma seguridad

que en los ejemplos más arriba citados. (pp.131-2)

• pronomes demonstrativos

➧ Hic sólo se encuentra en la expresión ec omnia supranominatum , claramente formularia, y

en anc escritura , también expresión formularia. Tampoco llaman la atención los

indefinidos aliquis y alius , excepto en el hecho de que este último nunca es

reemplazado por alter > esp. otro . Por último, no se registra ningún ejemplo de

totus frente a once de omnis , lo cual es significativo. (p.132)

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Obs.: esta alínea é aqui considerada apenas pelo facto de mencionar dois exemplos importantes

do uso notarial que contrariam factos conhecidos da língua romance da época: alius

e omnis, em vez de alter e totus , que não ocorrem sequer no documento. Estes

exemplos mostram claramente que uma tipologia latim/romance aplicável aos textos

não é, nem deve pretender sê-lo, uma lista mais ou menos completa de

características latinas que sofreram alterações em romance. Alius e omnis não

sobreviveram nas línguas ibero-românicas modernas, e não há razão para supor uma

situação diferente para a época medieval. No entanto, o que os textos revelam

(inclusivamente os do Liber Fidei) é o uso arreigado destas e doutras formas latinas,

sobretudo funcionais, obsoletas do ponto de vista da língua funcional, mas

aparentemente funcionais na língua escrita. Sem poder discutir aqui a importância

destes fenómenos, é necessário observar que a eliminação ou substituição em

romance de certos itens lexicais não pode ser incluída numa tipologia deste tipo dada

a baixa “visibilidade” textual das formas romances, que se sabe com segurança

terem existido na língua.

• substituição da preposição ‘ex’ por ‘de’

➧ La preposición de en el diploma del rey Silo suele desplazar a ex , a(b) : de ipsa uilla, de

meo iure, de omnem omine . Es cierto que hay dos ejemplos de a(b): ad (=ab )

comunione sancta et a conuentu cristianorum ; pero son poco significativos, puesto

que se encuentran en una fórmula bien conocida.

• desaparecimento da passiva sintética no infectum e substituição pela passiva analítica ou perifrástica

➧ Muy importante en el establecimiento de una tipología contrastiva latín/romance es la

desaparición de la pasiva sintética en el infectum y su sustitución por la pasiva

analítica o perifrástica. Según Banniard, se trata de un fenómeno de supervivencia

media. Pero pensamos que es de supervivencia larga en el caso de las lenguas

romances noroccidentales de la P. Ibérica, habida cuenta de que todavía en el Poema

de Mio Cid las formas de indicativo como es amado se usan con la acepción latina

de amatus est. (p.132)

Obs.: No Testamento de D.Afonso II (ms. L) o verbo ‘ser’ ocorre como auxiliar em conjunção

com um particípio passado com o verbo intransitivo ‘morrer’ e no fut. conj., com

valor perfectivo:

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‘E ssi este for morto sen semmel’ (ll.2-3)

‘E ssi eu for morto’ (l.4)

‘E ssi eu e a raina formos mortos’ (ll.4-5)

A construção com auxiliar ocorre em variação com a forma simples do verbo pleno no fut.

conj.:

‘Et mãdo q(u)e si a raina morrer en mia uida’ (l.8)

Há uma única ocorrência de ‘ser’ + particípio passado com valor passivo:

‘E foru ) feitas en Coinbria IIII.or dias por andar de Junio’ (l.27)

• futuro perfeito latino (futuro do conjuntivo)

➧ El futuro perfecto latino desapareció muy pronto en la Galia e Italia, pero persistió en

castellano y los romances noroccidentales de la P. Ibérica con un valor muy distinto

al del latín clásico. En efecto, sustituyó frecuentemente al futuro imperfecto a la par

que a diversas perífrasis, que los escribas medievales procuraban no usar por

considerarlas vulgares. Pero sobre todo adquirió un valor modal de posibilidad en el

futuro, que provocó su uso profuso en oraciones temporales, condicionales y de

relativo. (p.133)

• introdução de orações subordinadas mediante a conjunção ‘que’

➧ Uno de los hechos más relevantes del diploma del rey Silo es que en él por primera vez una

oración subordinada consecutiva aparece introducida mediante la conjunción que :

que omnes uidentes terreant et audientes contremescant . Esto no significa que ya

haya desaparecido la conjunción polivalente ut , pues se encuentra en ut darem y ut

oretis ; pero sí evidencia que el proceso de evolución linguística se halla bastante

avanzado. (p.133)

• ordem das palavras na frase

➧ El orden de palabras es de una enorme importancia para el establecimiento dc una tipología

contrastiva latín/romance. Así, ocupa dos de los seis apartados en el esbozo

sintáctico propuesto por Banniard. […] el estudio de la evolución del orden de

palabras es sumamente complejo, puesto que implica un adecuado conocimiento del

orden de palabras en las lenguas romances, distinto de unas a otras, y, sobre todo,

del orden latino de palabras. (pp.133-4)

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➧ De acuerdo con la teoría tradicional, el latín es una lengua del tipo OV, lo cual es admisible

en el caso de los textos literarios y clásicos. Sin embargo, el latín es ya una lengua

del tipo VO en los textos tardíos de carácter vulgar […] . (p.135)

➧ […] el paso del orden OV al orden VO es un fenómeno latino, no románico. (p.135)

➧ hay una relación evidente entre el orden OV y otros ordenes, como el de la composición

nominal, el orden genitivo-nombre (GN) y […] el orden adjectivo-nombre (AN); de

tal modo que el cambio a orden VO coincide con una núeva conformación de compuestos nominales, el orden NG, etc. (p.135)

• posição dos possessivos

➧ Así, en el diploma drey Silo todos los adjectivos demostrativos se encuentran antepuestos,

tal como exige el apartado 4 de Banniard; pero esto no parece especialmente

significativo en nuestro caso. Algo más lo es la colocación de los adjectivos

posesivos, siempre pospuestos excepto en cuatro casos. (p.136)

• constituição de “blocos morfológicos”

➧ Mucho más importante es la constitución de bloques morfológicos y la limitación de la

disyunción (apartado 5 de Banniard). A este respecto, sólo hemos observado

disyunción en los siguientes casos: [seguem-se 4 exemplos]. Por lo demás, siempre

los adjetivos determinativos, entre ellos los demostrativos, se hallan junto al

sustantivo; los c. determinativos, junto a los sustantivos determinados; los adjetivos

calificativos, junto a los sustantivos calificados. (p.136)

➧ si avanzamos dos siglos y, además, comparamos el latín de Tácito con el del soldado C.

Terenciano: en éste, sólo dos de los 73 sintagmas nominales compuestos de un

sustantivo y de uno o varios adjetivos se hallan en situación disjunta […] ; en los

Annales de Tácito la proporción de sintagmas nominales disjuntos oscila entre el 24

y el 30 %. Esto quiere decir que en Tácito los sintagmas nominales son tales por

razones de concordancia, mientras que en C. Terenciano lo son por la simple

contigüidad de sus elementos. Dicho en otros términos: el camino hacia la

desaparición de la declinación latina está bastante expedito em C. Terenciano, pero

no en Tácito. (pp.122-3)

Obs.: Vejam-se estas observações de Pérez em conjunto com as considerações de Vincent sobre o

surgimento do constituinte sintáctico SN em romance.

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• posposição do complemento determinativo

➧ Pero consideramos que es muy pertinente subrayar algunos aspectos del orden de palabras

no citados explicitamente por Banniard. En efecto, no nos parece una casualidad,

sino una evolución hacia el orden romance de palabras, el hecho de que todos los

sustantivos determinados precedan a los c. determinativos. (p.136)

• posposição dos adjectivos qualificativos

➧ De la misma manera, aunque sin olvidar las observaciones que más arriba hemos apuntado,

los sustantivos calificados preceden a los adjetivos calificativos, excepto en per

nostrum fidelem fratrem . (p.136)

• posposição do nome predicativo

➧ También los c. predicativos se hallan todos pospuestos al verbo. (pp.136-7)

• anteposição dos adjectivos determinativos

➧ Por último, todos los adjectivos determinativos se hallan junto a y antepuestos al sustantivo

determinado, excepto en el caso de castros duos . (p.137)

• proximidade entre sujeito e verbo

➧ La vecindad entre el sujeto y el verbo, característica de las lenguas romances

noroccidentales de la P. Ibérica, es total en la mayoría de los casos. […] los demás

ejemplos de distanciamiento pertenecen al estilo formulario […], o bien sólo tienen

en medio el adverbio ibi […] . (p.137)

• posposição do complemento directo

➧ Los c. directos se hallan pospuestos en más ocasiones que antepuestos; y siempre muy

cerca de o junto al verbo. (p.137)

• ausência do verbo em posição final de oração

➧ En la misma línea de los datos anteriores, el verbo casi nunca finaliza su oración. (p.137)

As conclusões gerais de Pérez são:

son muchos los fenómenos lingüísticos que ponen de manifiesto un claro avance

de las tendencias romances en el diploma del rey Silo (p.137);

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Las consideraciones que emenan de tales datos permiten situar lingüísticamente

el diploma del rey Silo, que, por una parte, se halla ya muy distante del latín

normativo y, por otra, todavía no se manifiesta como una lengua plenamente

romance. (p.138) ;

Así pues, la lengua que se manifiesta en el diploma del rey Silo por medio de la

pluma de un amanuense que no poseía un elevado nível de educación lingüística,

es decir, poco influido por la tradición escolar, no es latina ni romance, sino

latino-romance. (p.138)

Estas conclusões, juntamente com alguns dos comentários às formas, têm

infelizmente aspectos problemáticos, com os quais não posso naturalmente estar

de acordo: Pérez comete de facto um verdadeiro erro de paralaxe ao fazer

equivaler isomorficamente a ocorrência escrita de todos os fenómenos

scriptográficos (antigo-latinos, tardo-latinos, latino-romances ou romances) à sua

existência sincrónica na língua falada, o que não é metodologicamente aceitável.

É no fundo o mesmo erro de análise (já referido atrás) que Menéndez Pidal

cometeu algumas décadas atrás ao sugerir a existência de várias línguas em

competição na comunidade leonesa do séc.X-XI.

Para inverter a argumentação, se Pérez estivesse a tratar textos dos sécs. XI-XII,

seguindo esta linha de raciocínio seria forçado a concluir, pela constatação de um

aumento de fenómenos latinos a partir do final do séc. XI, que o latim tinha sido

restaurado como língua funcional das comunidades ibero-românicas (!), o que

seria absurdo.

É exactamente este tipo de argumentação, sobre o carácter representacional da

scripta latina medieval e sobre o valor testemuhal dos textos notariais, que deve a

todo o custo evitar-se, de forma a não possibilitar anacronismos como aqueles em

que Pérez infelizmente cai: o diploma do rei Silo não só não foi redigido por um

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escriba ignorante, como não podia deixar de apresentar características

scriptográficas tardo-latinas, sem que isso implique que a língua em causa seja

latim tardio, ou que os casos latinos permanecessem em existência funcional na

oralidade. A língua funcional da época era o romance, ninguém o pode seriamente

contestar, e a única forma de representação gráfica e textual disponível para esse

romance era a tradição gráfica latina. Afirmar a partir deste facto que a língua do

texto estudado é uma língua distinta do romance («no se manifiesta como una

lengua plenamente romance» p.138) é cair irreparavelmente no erro diglóssico, e

distorcer a realidade linguística e cultural da época.

Estes comentários críticos são necessários, dada a importância que efectivamente

atribuo ao trabalho de Maurilio Pérez, e dado o perigo real de as suas conclusões

algo inesperadas poderem comprometer o mérito da metodologia aplicada, ou

pior, poderem suscitar análises com pressupostos e conclusões semelhantes no

seio da comunidade científica, o que na minha opinião pode redundar num

retrocesso significativo da disciplina.

*

Consideradas as várias propostas sobre uma tipologia latim/romance, torna-se

necessário fazer algumas observações de conjunto.

É interessante e sintomático verificar que na generalidade as propostas

minimizam a importância dos aspectos “fonéticos”, facto que em minha opinião

se justifica plenamente.

Herman ao descrever as tendências de evolução no “sistema gramatical” como

«particulièrement claires et nettes, et aussi particulièrement intéressantes» parece

opô-las claramente às mudanças fonológicas às quais não atribui valor tipológico

acentuado.

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Vincent enumera algumas mudanças fonológicas, mas o quadro em que se insere

o seu estudo é eminentemente descritivo. O espaço dedicado à fonologia é de

qualquer forma inferior ao das secções sobre morfo-sintaxe e sintaxe.

Banniard não inclui aspectos fonológicos na sua tipologia, alegando razões de

diacronia das mudanças:

A partir du moment où est admis que les transformations phonétique et

phonologiques qui ont affecté le latin parlé aux IIe/IIIe siècles de notre ère (V.

Väänänen) ont transformé celui-ci en latin tardif, et non en protoroman, la

question de la forme sonore de la langue ne saurait fournir le critère essentiel de

classement diachronique. Il est certain, notamment, que la communication

verticale n’a pu fonctionner que parce qu’il n’y eut pas de divergences exagérées

entre élocution des orateurs et des lecteurs et la prononciation spontanée des

illettrés. Cela signifie que la norme élocutoire varia avec le temps et avec les

régions: on soupçonnera quelque tension entre norme théorique et nécessités

pratiques à partir du VIIe siècle, mais le testimonia sont sur ce point rares et

difficiles à interpréter. 363

Ineichen tem uma posição ambígua: por um lado, ignora os aspectos fonológicos

na enumeração dos factos sistemáticos que indicam a formação de uma

consciência linguística romance; por outro, um pouco contraditoriamente, afirma

em estilo de anotação que são as grafias romances que indicam o despontar dessa

consciência linguística:

Les faits structuraux que nous venons d’énumérer ne nous renseignent pas sur les

problèmes grapho-phonétiques. En ce qui concerne ce domaine, la thèse très

363 Banniard 1992:520 nt.131.

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controversée de Roger Wright (Wright 1982) est paisible, parce qu’elle ne porte

que sur la prononciation et sur la réforme de l’orthographe. Mais c’est là un fait

très important: c’est à la suite de ces réformes qu’un écran savant, comme dit

Anita Guerreau-Jalabert, «se dresse entre la langue écrite et la langue parlée»

(Guerreau-Jalabert 1981, 34). Mais n’oublions pas que ce sont les graphies

«iuxta rusticitatem» qui traduisent l’orientation vers une mentalité romane.

364

O contexto não permite perceber claramente se Ineichen se refere às grafias pré-

ou pós-reforma. A citação que apresenta parece indicar que se refere às grafias

românicas pós-reforma, no qual caso não há lugar para referir uma «orientation

vers une mentalité romane», visto que depois da reforma essa “mentalidade” era

uma realidade, lado a lado com a “mentalidade latina reformada”.

Pérez apesar de incluir aspectos fonológicos no conjunto de traços tipológicos faz

notar a sua menor pertinência em relação a aspectos da morfo-sintaxe:

Los cambios fonéticos están sujetos a multitud de agentes y vicistudes, por lo

que, a pesar de su importancia lingüística en muchos casos, raras veces son tan

pertinentes como los cambios morfosintácticos. 365

Ainda que concordando com a menor importância dos aspectos fonológicos, facto

que me leva aliás a não considerá-los neste capítulo, não posso deixar de fazer

notar que esta menor importância é obviamente relativa, e diz respeito ao seu

potencial carácter diferenciador no contexto da scripta notarial, em confronto com

outros aspectos linguísticos. Por exemplo, a representação gráfica do vozeamento

364 Ineichen 1993:86; sublinhado meu.

365 Pérez González 1993:128.

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das oclusivas surdas inter-vocálicas é tradicionalmente um fenómeno importante a

ter em conta no estudo da documentação notarial, podendo constituir um índice de

vernacularização da scripta latina. No entanto é necessário admitir que este e

outros aspectos de ordem fonológica dizem respeito basicamente a um nível linear

da representações grafémicas; ou seja, introduzem potencialmente desvios

scriptográficos que se situam ao nível da organização sequencial/linear interna das

representações. Ora, desvios da norma em relação a aspectos lineares das palavras

gráficas seriam mais facilmente evitáveis ou contornáveis pelos escribas,

sobretudo se a formação escolar tivesse imposto uma ênfase considerável nessa

área da competência escribal. Ou seja, o grau de romanidade de um texto, na

circunstância do investigador atribuir aos aspectos lineares das grafias uma

importância de relevo, pode ser facilmente iludido se o escriba utilizar

consistentemnte os padrões ortográficos clássicos. Doutra maneira ainda, é

perfeitamente plausível que um texto latino-romance apresente um aparência

ortográfica clássica, polida, alatinada, mas não é plausível que um texto

consistentemente escrito em latim (i.e., com morfologia, morfo-sintaxe, sintaxe e

léxico latinos) apresente ortografia consistentemente romanceada. Não se conhece

pelo menos nenhum caso. Os textos consistentemente romanceados apresentam

morfologia, morfo-sintaxe, sintaxe e léxico romances, e por isso são classificados

como textos romances.

Mas não é apenas o facto de os desvios gráficos poderem ser conscientemente

evitados que deve aqui ter peso: a alteração da scripta latina, como a alteração de

qualquer ortografia, não se faz apenas através de mudanças visíveis. Há mudanças

que são formalmente “invisíveis”, mas não deixam de alterar profundamente o

sistema representacional: refiro-me a mudanças de carácter estrutural, que,

levando a uma re-interpretação dos padrões grafémicos existentes, permitem que

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314

as formas ortográficas permaneçam em uso ainda que associadas a representações

fonémicas diferentes das originais.

A classificação de um texto como latino-romance não pode depender da adopção

de critérios scriptográficos rígidos porque as convenções de correspondência

grafo-fonémica latinas podiam ser e eram de facto facilmente reinterpretadas e

convertidas em fonologia romance. Ninguém põe hoje em causa que os textos

latinos eram lidos em voz alta de acordo com a fonética e fonologia do vulgar.

Também as teses de Wright sobre a convertibilidade grafo-fonémica para

romance de itens com marcada aparência latina não parecem levantar grandes

objecções entre os seus críticos (considere-se a este respeito a observação de

Ineichen acima referida).

Os critérios fundamentais para avaliação e tipificação do textos médio-latinos em

geral, e latino-notariais em particular, devem ser de carácter “gramatical”, i.e.,

morfológico, morfo-sintáctico, sintáctico e, eventualmente, lexical.

É neste sentido que não considero nesta análise os aspectos grafo-fonémicos dos

documentos do Corpus do Liber Fidei, por não lhes poder atribuir a mesma

importância que atribuo a aspectos morfo-sintácticos para a caracterização da

língua notarial latino-bracarense/portuguesa, e das suas tendências evolutivas na

segunda metade do séc. XI. A este facto acresce obviamente a circunstância de os

documentos do Liber Fidei serem cópias que apresentam, como se viu acima,

alterações significativas das grafias dos originais.

As características de carácter estrutural apontadas na diversas propostas

tipológicas acima consideradas constituem o quadro de referência a partir do qual

apresento mais abaixo a análise de algumas variáves da língua notarial portuguesa

do séc. XI.

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315

Por isso, e sem pôr obviamente em causa a necessidade e a utilidade de uma

tipologia deste tipo, importa afirmar que a simples enumeração de características

scripto-linguísticas inovadoras não revela de facto os dinamismos (e estatismos)

em presença em determinado período, ou em determinado texto ou grupo de

textos.

O próprio Banniard observa que cada um dos traços tipológicos que propõe para o

esquema contrastivo latim/romance «a connu une évolution distincte dans sa

phase préalable, qui a engendré, à son terme, une mutation, à la fin de laquelle le

caractère roman a supplanté le caractère latin dans un nombre d’occurrences assez

majoritaire pour qu’un seuil linguistique ait été franchi» 366 ; a noção de limiar a

partir do qual, concebido como uma quantidade de ocorrências de deterninadas

variáveis linguísticas que permite distinguir claramente entre sistemas

linguísticos, leva inevitavelmente ao ‘locus classicus’ das origens romances e do

“momento” da separação do latim, formulado um pouco simplistamente por

Ferdinand Lot no seu célebre artigo de título eloquente 367 . Este é de facto o

problema de fundo sempre (implicita ou explicitamente) subjacente à discussão

das fases mais antigas das línguas românicas, a ‘vexata quaestio’ de Cármen

Pensado «of how different must language varieties become in order to be

considered independent.», a que a mesma acrescenta «unfortunately, this can have

more than one answer.» 368

Questão também formulada, e em termos semelhantes por J. Herman, na sua obra

de síntese sobre o latim vulgar, a propósito justamente da falácia contida na

366 Banniard 1992:522.

367 Lot 1931.

368 Pensado 1991:190.

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316

interrogação ‘A quelle époque a-t-on cessé de parler latin?’ que constitui o título e

objecto do referido artigo de Lot:

La réponse que l’on peut formuler à cette question — qui constitue en même

temps le titre d’un article spirituel et célèbre, mais profondément erroné, de

l´historien Ferdinad Lot — dépend essentiellement d’une option terminologique:

quel est l’état de langue, ou quelle est l’étape de l’évolution de la langue que ‘on

considère, à l’exclusion des autres, comme étant du latin? 369

De facto, e como implica a observação supra-citada de M. Banniard, o problema

das “origens românicas”, a colocar-se, deve ser perspectivado não em termos de

qual o critério ou qual o limiar (temporal, linguístico ou cultural) pertinente, como

se fosse possível definir de forma não arbitrária um único princípio contrastivo,

mas sim, e quando muito, em termos de quais os critérios e limiares pertinentes,

isto é, quais as variáveis significativas e qual o número significativo de

ocorrências, e em que época, que se deve verificar para se obter um contraste

linguístico significativo. 370

A questão de quando é que um estado de língua ou um dialecto constitui uma

língua diferente — explicita e operativamente reconhecida como tal — de um

estado de língua anterior, ou de um dialecto-irmão, é uma questão conceptual,

sem solução linguística. Diacronicamente, a distinção entre estados de língua

como línguas distintas pode ser dificultada ou impedida por factores culturais,

como o prestígio duma norma linguística escrita antiga . Diatopicamente, a

distinção entre línguas próximas (genetica ou geograficamente) estabelece-se

369 Herman 1975:114.

370 Esta dissertação não tem obviamente como objectivo propôr uma resposta, ainda que parcelar, a esta importante questão teórica. Veja-se a este propósito o recente livro de Labov, Principles of language Change (1994).

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317

funcionalmente no seio das comunidades linguísticas contíguas em função de

factores agregadores culturais, nacionais ou políticos, que se sobrepõem ao

continuum linguístico-dialectal, como mostram os casos modernos conhecidos e

estudados, em que a pertença a uma comunidade linguística raramente é afirmada

subjectivamente em função de características estritamente linguísticas 371 . Pense-

se na história externa tão diferente do português e do galego (se se aceitar, questão

não pacífica, que se trata de línguas diferentes).

Por outro lado, e do ponto de vista da cronologia, as mudanças estruturais que

estão na origem da fragmentação linguística de áreas originalmente homogéneas,

não se processam uniformemente (o que é um dado adquirido da linguística

histórica desde a ‘Wellentheorie’ de Schmidt), não coincidem temporalmente num

momento “único” ou “concentrado” de mudança, como também Banniard não

podia deixar de reconhecer e explicitar:

la langue parlée ne procède pas á ses transformations d’une manière homogène,

qui affecterait en même temps toute la structure linguistique considérée.

E mais adiante:

Les transformations, conduisant d’une structure où la langue parlée était latine à

une autre où la langue parlée est devenue romane, ont suivi des rhythmes

différents selon la nature des phénoménes considérés, qui ont eux-mêmes évolué

selon des niveaux distincts. 372

371 Esta questão está intimamente ligada à da designação das línguas. Refiram-se a este propósito como contributos fundamentais na área latim/romance os artigos de Paul Lloyd, Alberto Varvaro, Carmen Pensado (referido na nota anterior) e Marcel Danesi contidos na colectânea dirigida por Roger Wright (Wright (Ed.) 1991).

372 Banniard 1992: 516 e 523; na sequência desta última observação distingue três classes de fenómenos morfológicos a partir dos níveis distintos de evolução detectados: (1) «survivances longues»; (2) «survivances moyennes» ; (3) «survivances courtes»

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318

Asserção em tudo equivalente é a de N. Vincent sobre a inexistência de

uma macro-mudança:

The Romance languages, as we have seen, show, in differing degrees,

developments of all the kinds adumbrated above, but there is no macro-shift of

‘synthetic’ to ‘analytic’ or vice versa which is in need of a single, unified,

explanation. 373

Mas não é apenas a mudança que não deve ser considerada como homogénea e

uniforme; a própria realidade linguística latina original que constituiu o ponto de

partida das mudanças, revela-se multiforme e heterogénea, por baixo da aparência

normalizada dos textos. É nesse sentido, no sentido de aquilo que habitualmente

se designa como latim não ser afinal mais que um conjunto de isoglossas, que

aponta a pertinente observação de N. Vincent no final do estudo supra-citado:

It is important to emphasise in concluding that in some respects what has been

described in this chapter is not a uniform laguage, but rather a series of

diachronic trajectories that point forward to the developments in the individual

Romance langugaes […] . 374

(pp.525-529) Em (1) inclui: o mais-que-perfeito activo do conjuntivo, o mais-que-perfeito activo do indicativo, o sistema casual, o ritmo geral do enunciado (fraseado); em (2) inclui: declinação a três casos antes do séc. VII, o futuro II (i.e. o futuro do conjuntivo romance), a passiva sintética em -TUR, os genitivos plural em -ORUM e -ARUM, as conjunções de subordinação latinas; em (3) inclui: os advérbios de modo clássicos, os comparativos e superlativos sintéticos, os dativos e ablativos plural en -IS e em -IBUS , os genitivos plural em -UM e em -IUM , os pronomes/adjectivos demonstrativos IS, EA, ID , a preposição E/EX , o futuro I (i.e. o futuro simples do infectum).

373 Vincent 1988:65.

374 Vincent 1988:76-7.

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319

Esta observação deve constituir uma provisão fundamental para qualquer estudo

de conjunto sobre o desenvolvimento das línguas românicas nos seus estádios

mais antigos.

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320

4.3 Critérios de análise de variantes inter-textuais

A segunda metade do séc. XI foi um período decisivo para o posterior surgimento

dos romances hispânicos como realidades scripto-linguísticas autónomas,

diferenciadas e conceptualmente distintas da tradição latina anterior. O exame dos

textos notariais deste período tem por isso especial relevância no contexto dos

processos meta-linguísticos desencadeados pela reforma gregoriana.

No entanto, a simples extracção e enumeração de elementos linguísticos isolados

presentes nos textos não pode revelar os dinamismos presentes neste período na

tradição escribal, e que contribuiram para a instauração de uma nova consciência

linguística, claramente implantada no dealbar do séc. XIII. Aliás, se se tratasse de

enumerar fenómenos isolados para caracterizar a língua notarial, a conclusão

imediata não poderia deixar de ser, tendo em conta por exemplo as mudanças

descritas no artigo de Vincent, que se trata de romance escrito com uma mais ou

menos espessa camada ortográfica de latim tardio. Ainda que em minha opinião

seja exactamente isso de que se trata, a complexidade das questões respeitantes à

comunicação escrita latino-medieval não se compadece com observações fortuitas

ou de pormenor. É de facto necessário explicitar os padrões de conservadorismo,

regressão ou inovação que os textos documentam, numa época em que a própria

identidade cultural (e política) das comunidades cristãs da Península Ibérica

sofreu mutações profundas.

Neste sentido o levantamento de formas que se segue respeita a um número muito

restrito de aspectos linguísticos, identificados como variáveis significativas que

possam contribuir para diagnosticar globalmente a situação e as tendências

inerentes de mudança. A escolha desses indicadores não pode deixar de se basear

nas mudanças e nas características tipológicas descritas acima.

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321

É importante dizer que os indicadores não pretendem substituir-se a uma

abordagem descritiva detalhada das formas e estruturas dos textos; mas é também

evidente a vantagem da análise de variáveis-diagnóstico cuja funcionalidade no

contexto da oposição latim/romance seja clara, sobretudo quando a análise parta

de um corpus textual extenso e cronologicamente bem distribuído. A análise de

indicadores, baseada em quantidades grandes de ocorrências permite detectar

tendências gerais da língua de uma forma mais imediata e condensada, digamos,

que a análise paulatina e atomística das ocorrências individuais.

*

A análise das variantes pretende responder a duas questões sobre os dados

textuais da segunda metade do séc. XI:

a. a variação encontrada é atribuível a um contraste latim/romance? ou seja, a

relação entre as variantes é explicavel através de uma tipologia

latim/romance?

b. a variação pode correlacionar-se com a cronologia dos textos? ou seja, e

mais concretamente, a distribuição cronológica das variantes revela efeitos

da implementação da reforma gregoriana no sentido da “restauração da

latinidade”?

Subjacente a estas questões e ao inquérito que se segue está uma perspectiva

monolingue da situação linguística do séc. XI, descrita por Wright como

‘monolinguismo complexo’.

Nesse sentido, a primeira questão formulada acima deve entender-se como

respeitante a aspectos mais conservadores (i.e., latinos) ou mais inovadores (i.e.,

romances) da comunicação escrita. A correcta colocação desta questão ao nível da

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escrituralidade é crucial para a análise dos textos notariais e para a compreensão

correcta das relações entre escrita e oralidade na época em causa.

Por isso, e mais especificamente, a detecção e levantamento de formas gráficas

latinas deve sempre levar à questão da sua funcionalidade contemporânea. Esta é

uma questão básica, a qual deve em minha opinião suscitar a maior atenção dos

estudiosos e investigadores. Trata-se no fundo da questão da convertibilidade e

interpretabilidade do elemento latino e arcaico da escrita no seio de uma

comunidade românica monolingue.

Sem querer discutir aqui detalhadamente esta importante questão dos estudos

latino-medievais, limito-me a apontar que a romanidade dos textos notariais não

se esgota nos elementos scriptográficos vulgarizantes. As grafias romanceadas

ocorrem num contexto gráfico latino, tradicional, no qual encontram a sua

funcionalidade e validade sincrónica.

Quero com isto dizer que, se o levantamento dos romanismos é evidentemente

uma tarefa importante, a interpretação ou avaliação dos latinismos não o é menos,

dado que antes da criação de ortografias romances a romanidade só podia ter

expressão gráfica e textual no contexto da tradição latina.

Sendo assim, é fundamental tentar averiguar que formas ou categorias linguísticas

românicas se “escondem” por baixo das grafias latinas: isto é, as formas e

estruturas latinas do textos recortam ou cobrem que aspectos do vernáculo

romance? A que realidade funcional contemporânea correspondem?

Esta problemática da funcionalidade contemporânea das formas latinas assenta

obviamente num pressuposto, que permite interpretar os textos latinos ou

alatinados anteriores à reforma (e com toda a probabilidade, também os

posteriores, pelo menos durante um longo perídodo de transição) como

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enunciados comunicacionalmente válidos no seio de uma comunidade de falantes

monolingues de língua romance. Esta formulação, como não pode deixar de ser,

estará sempre subjacente ao levantamento e discussão de formas que se segue

mais abaixo.

*

No sentido de tentar formular uma resposta para estas questões (que

provavelmente não têm à partida uma resposta única ou linear) é necessário

introduzir sub-divisões no corpus textual, em função de dois parâmetros, a partir

dos quais as variantes são levantadas e aferidas: (1) período cronológico e (2) tipo

de texto.

No que respeita a (1), as seis décadas abarcadas pelo presente Corpus são

divididas em dois períodos:

período 1: de 1050 a 1090; inclui as últimas duas décadas anteriores à

restauração da diocese (1050-1070), a quase totalidade do

bispado de D. Pedro (1070-1091), o restaurador e

re-organizador da diocese, e construtor da Sé;

período 2: de 1091 a 1110; inclui o período de vacância da Sé

(1091-1099), o bispado do cluniacense S. Geraldo

(1099-1108), e os primeiros dois anos do bispado do

cluniacense D. Maurício Burdino (1109-1118).

No que concerne (2) são considerados os seguintes tipos de textos:

P textos cujo destinário é um particular, ou seja, actos

jurídicos celebrados entre particulares — 86 textos;

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324

R textos cujo destinatário é uma instituição religiosa, ou seja,

actos jurídicos celebrados entre particulares e uma

instuição eclesiástica ou monástica, que é na quase

totalidade a Sé de Braga — 107 textos;

PL textos de carácter processual: plácitos (cartas de agnição e

prazos) — 17 textos;

Esta distinção entre tipos de textos justifica-se plenamente pela estrutura interna

dos documentos, sendo particularmente marcada a diferença entre os actos de

transmissão fundiária e os textos processuais. Entre os actos celebrados

exclusivamente entre particulares e os actos celebrados entre particulares e uma

instituição há diferenças diplomáticas que à partida se podem classificar de estilo,

e que têm a ver com uma maior solenidade associada aos actos cujo beneficiário é

uma instituição: esta solenidade reflecte-se em certas fórmulas introdutórias, que

incluem nalguns casos a proclamação de algumas verdades teológicas, na inclusão

de penas espirituais na ‘sanctio’ e na presença de dignitários e personalidades nas

subscrições.

Os textos particulares incluem textos mais antigos (anteriores à restauração da

diocese de Braga), e representam assim no Corpus uma tradição escribal e notarial

mais antiga, com tendências scriptográficas aparentemente mais vulgarizantes; os

textos “eclesiásticos” parecem ser, à partida, mais conservadores, no sentido

tipológico da latinidade, e representam um tipo escritural pré-reformado, com

aparentes preocupações de correcção latinista e normalização scripto-linguística.

O que a análise das variantes pretende averiguar neste âmbito é quais os modos

linguísticos concretos que explicitam a existência dessas duas tendências, para

além da constatação de mais ou menos desvios ortográficos que a observação

superficial dos textos permite.

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325

Obtêm-se então as seguintes sub-divisões do Corpus:

P1 61 textos

P2 25 textos

R1 40 textos

R2 67 textos

PL1 10 textos

PL2 7 textos

total: 210 textos

A distribuição das ocorrências das variantes pelos vários grupos de textos

discriminados destina-se assim, e por um lado, a verificar se o tipo de texto

constituía de facto uma variável válida nos modelos de produção textual da época,

implicando modos linguísticos discernivelmente distintos ou distribuídos de

forma discernivelmente distinta, e por outro lado, destina-se a controlar e

explicitar de forma mais detalhada a possível variação encontrada em função do

período cronológico.

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326

4.4 Levantamento e quantificação de variantes

Os fenómenos da documentação notarial do Liber Fidei que passo a estudar dizem

respeito a três aspectos selectos da morfo-sintaxe, e referem-se a variantes

inter-textuais de ordem e de alternância:

variável 1: demonstrativos adjuntos 375

variável 2. possessivos adjuntos: anteposição vs. posposição

variável 3. modais: ordem e alternância de formas

Variável 1: demonstrativos adjuntos (artigo definido e pronomes

fórico-determinativos 376 )

O estudo dos pronomes demonstrativos do latim medieval hispânico, ou melhor,

das formas e categorias que nos textos medievais hispânicos correspondem

formalmente aos demonstrativos adjuntos do latim clássico, é particularmente

importante no contexto do surgimento em romance de um grupo nominal com

organização interna fixa (SN), e do surgimento de um sistema de Determinantes,

ocupando uma das posições estruturais fixas do SN. O sistema de demonstrativos

do latim sofreu profundas alterações distribucionais e funcionais, tendo

375 Para a distinção tradicional entre pronomes adjuntos e pronomes absolutos veja-se por exemplo Figueiredo & Ferreira 198813:217.

376 Adopto aqui a formulação de M. Pérez González no seu estudo do latim medieval da chancelaria real castelhana da 2ª metade do séc.XII: «Nosotros hemos considerado deícticos los ejemplos en los que no se dé por consabido el sustantivo al que se refiere, aunque esté anteriormente expresado, y los que pronominalmente no recojan lo previamente dicho. Los demás ejemplos, además de los catafóricos de las enumeraciones, los consideramos fórico-determinativos.» (Pérez González 1985:160).

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327

inclusivamente algumas formas desaparecido em romance, como HIC, IS e

IDEM.

O aspecto isolado mais notável no contexto dos desenvolvimento dos

demonstrativos latinos é, sem dúvida, o surgimento do artigo definido,

tradicionalmente associado nas diversas línguas românicas ao “enfraquecimento”

dos pronomes ILLE e IPSE, e cujas origens se podem fazer recuar

documentalmente até uma época antiga. 377

As categorias SN, Determinantes e Artigos eram inexistentes em latim clássico, e

o seu surgimento constitui um dos desenvolvimentos estruturais mais importantes

do grupo nominal em latim tardio, tipicamente associável ao desenvolvimento das

línguas românicas (v. supra Vincent e Pérez op. cit.), como aliás frisa Josef

Herman na obra supra-citada:

La fixation de la distribution des éléments dans les groupes nominaux est le signe

d’un changement fondamental dans le mécanisme grammatical, changement qui

est sans doute parmi les plus profonds qu’ait subis le système latin dans sa

transition vers les systèmes romans. 378

Os itens encontrados e levantados no Corpus, e cuja função e colocação

correspondem a um determinante são ILLE, IPSE, ISTE e HIC 379 nas suas

diversas formas flexionadas, quanto a caso, género e número. As ocorrências

absolutas ou substantivadas não são portanto aqui consideradas.

377 V. a este respeito, para um enquadramento histórico geral, sobretudo as obras de Ernout & Thomas 19532:187ss., Bourciez 19675:94-5, 246-8s, Grandgent 19704:69-72, Lausberg 1974:346ss, Väänäänen 1979:193-8, e os artigos de Aebischer 1948 e Codoñer 1973.

378 Herman 1975:86.

379 Utilizo como forma de enunciação das variantes um lema latino, que corresponde nas formas nominais e pronominais ao masculino singular, e nas formas verbais ao infinitivo.

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328

A extracção completa das formas em contexto é apresentada em anexo (Volume II

- Anexo 4).

Da extracção das formas obtêm-se os seguintes valores 380 para as diversas

formas, distribuídos pelas diversas sub-divisões do Corpus:

Frequências observadas de ILLE ILLE P1 R1 PL1 T1 P2 R2 PL2 T2 TT il la 62 50 26 138 13 103 4 120 258 il lam 8 14 0 22 11 51 4 66 88 il las 14 4 12 30 3 19 2 24 54 il las! † 1 0 0 1 0 0 0 0 1 il la! †† 0 0 0 0 0 1 0 1 1 il le 8 5 9 22 3 14 0 17 39 il l i 0 0 0 0 0 8 0 8 8 il l ic 0 0 0 0 0 1 0 1 1 il l is 0 1 2 3 0 1 0 0 4 il l ius 0 3 0 3 0 5 0 5 8 il lo 64 14 9 87 11 46 2 59 146 il los 6 9 7 22 1 13 0 14 36 il lud 2 0 0 2 0 2 0 2 4 il lum 1 11 1 13 0 5 1 6 19 il lu! ††† 1 0 0 1 0 0 0 0 1 TT 167 111 66 344 42 269 13 324 668

tabela 1 † por ‘ille’ †† por ’illas’ ††† por ’illa’

380 Legenda: T1 corresponde ao somatório dos valores dos vários tipos de textos compreendidos entre 1050 e 1090; T2 corresponde ao somatório dos valores dos vários tipos de textos compreendidos entre 1091 e 1110; TT corresponde aos sub-totais gerais das linhas e colunas da tabela. As formas transcritas erroneamente pelos copistas do LF por razões caligráficas, são assinaladas com ‘!’ e são assim distinguidas das restantes formas.

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329

Frequências observadas de IPSE IPSE P1 R1 PL1 T1 P2 R2 PL2 T2 TT ipsa 56 39 5 100 10 56 3 69 169 ipsam 14 16 2 32 16 27 1 44 76 ipsam! † 0 1 0 1 0 0 0 0 1 ipsas 18 6 6 30 1 14 0 15 45 ipse 2 2 2 6 0 3 0 3 9 ipsi 2 0 1 3 0 3 0 3 6 ipsis 0 1 0 1 0 2 3 5 6 ipsius 0 7 2 9 0 18 1 19 28 ipso 28 9 0 37 5 20 2 27 64 ipsorum 0 0 0 0 0 1 0 1 1 ipsos 2 3 5 10 0 7 0 7 17 ipsum 1 10 1 12 0 28 1 29 41 TT 123 94 24 241 32 179 11 222 463

tabela 2 † por ‘ipsum’

Frequências observadas de ISTE ISTE P1 R1 PL1 T1 P2 R2 PL2 T2 TT ista 4 13 3 20 2 28 1 31 51 iste (-ae) 0 1 0 1 0 0 0 0 1 istam 2 3 0 5 0 10 1 11 16 istam! † 0 0 0 0 0 1 0 1 1 istas 0 1 0 1 0 2 0 2 3 iste 0 1 0 1 0 0 0 0 1 isti 0 0 0 0 0 1 0 1 1 isto 0 0 1 1 0 4 1 5 6 istum 0 2 8 10 2 6 6 14 24 TT 6 21 12 39 4 52 9 65 104

tabela 3 † por ‘istum’

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330

Frequências observadas de HIC HIC P1 R1 PL1 T1 P2 R2 PL2 T2 TT hac 25 13 2 40 6 24 0 30 70 hanc 62 15 5 82 31 29 0 60 142 hanc! † 1 2 0 3 0 0 0 0 3 has 0 0 0 0 0 3 0 3 3 hec 0 1 0 1 0 5 0 5 6 hic 1 0 0 1 0 0 0 0 1 hoc 8 24 4 36 2 69 6 77 113 hui 0 0 0 0 0 1 0 1 1 huius 0 1 0 1 0 3 0 3 4 hunc 15 12 2 29 5 20 2 27 56 hunc! †† 0 2 0 2 0 0 0 0 2 TT 112 70 13 195 44 154 8 206 401

tabela 4 † por ‘hunc’ †† por ‘hanc’

A primeira observação que estes dados suscitam tem a ver com a menor presença

de certas formas, tipologicamente latinas, e a desigualdade da distribuição dessas

formas em P e R.

O demonstrativo IDEM não ocorre no Corpus (quer em posição pré-nominal quer

pós-nominal) . 381

As formas oblíquas têm um número de ocorrências muito reduzido; veja-se o caso

dos genitivos (‘istius’ não ocorre sequer) totalmente ausentes de P1 e P2.

Comparem-se também os diferentes valores de formas morfemicamente

marcadas, como ‘illa-m’, ‘ipsa-m’, ‘illu-m’, ‘ipsu-m’, face a ‘illa’, ‘ipsa’, ‘illo’,

‘ipso’, havendo uma clara preferência de R2 pelas primeiras e de P1 pelas últimas.

381 As formas de genitivo do pronome IDEM (EIUS, EORUM, EARUM ) são incluídas no levantamento das formas possessivas.

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331

Este facto é particularmente interessante se se considerar que a maior parte destas

formas ocorre em complementos directos de verbos.

Há apenas duas ocorrências de demonstrativos adjuntos pospostos (não incluídos

no levantamento), uma em R1, outra em R2:

R 1085.055 ante faciem illius 382 in die illa terribili 383

R 1108.280B facta series testamenti huius XIIII kalendas septembris

Os totais observados para cada item são reunidos na tabela 5.

Totais das frequências observadas de ILLE, IPSE, ISTE e HIC TOTAIS P1 R1 PL1 T1 P2 R2 PL2 T2 TT ILLE 167 111 66 344 42 269 13 324 668 IPSE 123 94 24 241 32 179 11 222 463 ISTE 6 21 12 39 4 52 9 65 104 HIC 112 70 13 195 44 154 8 206 401 TT 408 296 115 819 122 654 41 817 1636

tabela 5

Os valores dos sub-totais e totais (T1, T2 e TT) da tabela 5 são projectados, sob a

forma de valores percentuais, no gráfico 1, de forma a poder-se comparar de

modo mais imediato as diferenças entre os sub-períodos.

382 As formas pospostas de genitivo de ILLE e IPSE são agrupadas na secção seguinte com as formas de possessivo.

383 Há aqui uma clara alusão às palavras introdutórias da sequência ‘Dies iræ’.

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332

0,0%

5,0%

10,0%

15,0%

20,0%

25,0%

30,0%

35,0%

40,0%

45,0%

1050-1090 1091-1110 TOTAL

41,0%

39,9%

42,1%

28,4%

27,3%

29,5%

6,4%8,0%

4,8%

24,3%

24,8%

23,7%

ILLE

IPSE

ISTE

HIC

gráfico 1

Estes valores são extremamente interessantes pois mostram tanto aspectos já

esperados como alguns relativamente inesperados.

A predominância de ILLE era de esperar, dada a origem do artigo definido

galego-português (e na quase totalidade das línguas românicas) a partir do

pronome demonstrativo latino. Estes valores mostram que a língua dos textos é

sem dúvida “latim com artigo” 384 , pois o emprego de ILLE corresponde ao

emprego do artigo definido português, que se revela assim o determinante por

excelência.

384 A expressão é de M. F. Xavier em comunicação pessoal.

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As possibilidades de combinação de ILLE (que ocorrem nos textos, como o

mostra a extracção das formas em contexto) com outras categorias como

quantificadores, indefinidos, possessivos e adjectivos 385, de acordo com uma

organização sequencial relativamente fixa 386 mostram claramente que não

apenas ILLE tem valor “articulóide” 387 na esmagadora maioria dos casos,

correspondendo ao artigo definido português, como também que a língua notarial

dos documentos é, para além de “latim com artigo” (leia-se “latim com SD” 388 ),

também “latim com SN” (entenda-se ‘com um SN configuracionalmente

reconhecível e identificável’).

Também esperada, e claramente ligada a esta questão, é também a alta frequência

de IPSE, cujo fundamento deve buscar-se justamente naquilo que Aebischer,

Väänäänen e Pérez designam como ‘valor articulóide’, ou seja, de puro

determinante, sem valor deíctico preciso. Em muitos casos é no entanto difícil

determinar se se trata de um emprego claramente gramaticalizado, como um

artigo, ou de um emprego enfático ou deíctico, e portanto demonstrativo 389 . De

qualquer forma, artigo, articulóide, ou demonstrativo adjunto, trata-se

385 Vejam-se na concordância das formas apresentada no fim desta secção as ocorrências com os quantificadores OMNIS, TOTUS, CUNCTUS, os indefinidos ALIUS, ALTER, os possessivos e vários adjectivos atributivos.

386 O único caso notório de variação parece ser o da posição do possessivo em relação ao nome, variável a examinar na secção seguinte.

387 O termo, utilizado como substantivo por Väänäänen, e com mais frequência, e como adjectivo, por Pérez González, é de Aebischer 1948.

388 Para a discussão teórica do estatuto do Sintagma Determinante, e da sua estrutura e organização interna, veja-se sobretudo Abney 1987.

389 Maurilio Pérez González também refere esta dificuldade, ao considerar as ocorrências de IPSE em documentos de Fernando II de Leão (1157-1188). Pérez observa que «Ipse conserva su valor enfático, aunque raras veces. En todos los demás casos tiene valor fórico-determinativo (= demostrativo), siendo difícil precisar su significado exacto.» (Pérez González 1987a:150)

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indiscutivelmente de um determinante, cujo valor semântico “atenuado” o

aproxima funcionalmente por vezes de um artigo. Aliás, e como se verifica na

extracção das formas, ILLE e IPSE ocorrem em muitos casos no mesmo tipo de

contexto textual e formulaico, sem que se possa atribuir uma caracterização

semântica distinta aos dois determinantes. 390

A situação aqui descrita para os textos do Liber Fidei é em tudo semelhante à

descrita por Menéndez Pidal, Jennings 391 , Bastardas Parera (para os textos

ocidentais, uma vez que os textos catalães estudados por Bastardas apresentam

algumas particularidades face aos complexos castelhano-leonês e galego-

português) e Sacks.

Como seria de esperar as divergências surgem quanto à classificação de IPSE.

Enquanto Jennings e Bastardas são categóricos em não registar o valor articulóide

de IPSE 392 , Sacks, perante o mesmo tipo de dados, agrupa ILLE e IPSE como

390 Vejam-se os casos de emprego de ILLE e IPSE determinando formas nominais muito frequentes como UILLA, HEREDITAS, ECCLESIA, LOCUM SANCTUM, TESTAMENTUM, etc.

391 Os valores que Jennings dá apresentam proporções semelhantes às aqui encontradas, embora o autor não distinga as formas adjuntas das formas absolutas (o que explica a inclusão na lista das formas de IS): «Of the demonstrative pronouns the two that are used almost to the exclusion of the others are ille and ipse . In sixty-two charters we find forms of ille 263 times, of ipse 246, of iste 8, of is 53, and of hic 114. Iste being the pronoun of conversation, there is little need for it. Is is very rare except in the expressions id est and id quod in carta resonat . Hic is limited to stereotyped phrases.» (Jennings 1940:129) A explicação para a fraca representação de ISTE é obviamente insatisfatória e deve buscar-se noutro tipo de factores (cf. infra).

392 «We do not find a single definite case of ipse used as an article. In the Vulgar Latin period proper, the two demonstratives ille and ipse lost some of their force and became more or less interchangeable as a definite article. […] In our documents there is no indication that ille and ipse are ever interchangeable, even as demonstratives.» (Jennings 1940:131) «En las cartas leonesas y castellanas, el pronombre ipse, del que deriva el español ese, es muy frecuente como simple demostrativo. Su exacto significado es difícil de precisar; la contraposición que existe en español entre este, ese y aquel — que es la misma que exsitía

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artigos 393 , e Pidal, também perante o mesmo tipo de textos, regista o uso

articulóide não apenas na documentação latino-notarial, como também na poesia

castelhana antiga, apontando exemplos do ‘Cantar de Mio Cid’ 394 . É neste

sentido perfeitamente acertada a referência de Pérez à dificuldade de catalogar

este tipo de fenómenos, pois «si dos o más estudiosos efectuasen el análisis de los

demostrativos sobre un mismo texto medieval, sin duda los resultados que

obtuviesen no serían del todo idénticos.» 395 É aliás por concordar inteiramente

com esta asserção de Pérez que prefiro não apresentar uma divisão e classificação

das várias ocorrências das formas de ILLE e IPSE em sub-tipos de acordo com a

sua função semântica (ao contrário do que o próprio Pérez faz nos dois trabalhos

referidos nesta secção, não deixando de referir as dificuldades de classificação

que os empregos das formas levantam a cada passo). 396

De qualquer forma, o que parece estar aqui em acção, em relação a IPSE, dando

origem a perspectivas tão divergentes por parte dos estudiosos, é um processo de

deslexicalização 397, uma vez que se trata de formas muito frequentes, de uso

en latín entre hic, iste e ille — al parecer no había sido del todo establecido.» (Bastardas Parera 1953:68)

393 Sacks 1941:88.

394 «En todas las regiones se usa, al lado de ille, el demostrativo ipse con valor atenuado a modo de artículo. […] Pero casi siempre se usa esta especie de artículo con forma enteramente latina, sin aspecto de romance; […] era, sin duda, un arcaísmo heredado del latín vulgar. No obstante la poesía épica conservó por muchos siglos después el uso de esse con valor atenuado de artículo.» (Menéndez Pidal 1950/19809:339, remetendo em nota para a sua edição do poema de ‘Mio Cid’).

395 Pérez González 1987a:145.

396 Pareceu-me sobretudo importante chamar a atenção para os factos estruturais mais gerais, independentemente da classificação exaustiva de todas as ocorrências, tarefa que Pérez (para citar o latinista espanhol mais uma vez), que confinou o seu estudo quantitativo a doze documentos apenas, considera ingente e pouco útil (cf. Pérez González 1985:158).

397 O termo é aqui empregue na acepção de John Sinclair: «There is a broad tendency for frequent words, or frequent senses of words, to have less of

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banalizado ou trivializado, e utilizadas recorrentemente no mesmo tipo de

contextos lexicais, textuais e formulaicos. Não me parece de facto necessário

considerar a existência de um articulóide IPSE em concorrência com ILLE 398 ;

parece de facto, mais adequado considerar um uso deslexicalizado ou fortemente

deslexicalizado (que Pidal refere acertadamente como “valor atenuado” — v.

supra) da forma pronominal deíctica IPSE, e que Pérez estende também em certos

contextos a ISTE. 399

Trata-se de uma situação scripto-linguística provavelmente herdada do latim

tardio/latim visigótico (tradição escritural em que assenta mais directamente a

língua notarial hispânica) e que provavelmente reflecte ainda a situação antiga de

surgimento e emancipação dos artigos como uma categoria sintáctica nova e

autónoma dos pronomes. No caso do português medieval não há qualquer razão

para supor a existência coloquial de uma artigo ‘esse, essa’ no período medieval.

a clear and independent meaning than less frequent words or senses. These meanings of frequent words are difficult to identify and explain; and, with the very frequent words, we are reduced to talking about uses rather than meanings. The tendency can be seen as a progressive delexicalization, or reduction of the distinctive contribution made by that word to the meaning.» (Sinclair 1991:113, sublinhado meu) V. a este propósito o que se diz mais abaixo sobre os modais.

398 Postular a existência de dois artigos definidos na língua notarial ou no latim tardio, ou de dois articulóides (como se lhes queira chamar) sem qualquer diferenciação semântica e estrutural aparente, violaria com efeito o ‘Blocking Effect’ (cf. Aronoff 1976), que exclui a existência de ‘doublets’ morfológicos, ou seja, elementos formativos não diferenciados funcionalmente. Por outro lado, não se descortinam neste caso factores socio-linguísticos ou diatópicos que se sobreporiam ao ‘Blocking Effect’ originando temporariamente uma situação de variação, por via de contacto inter-dialectal, como refere Kroch num artigo fundamental sobre variação morfo-sintáctica. Kroch acrescenta que os ‘doublets’ surgidos por via de contacto linguístico só podem ter existência estável se se diferenciarem semanticamente, ou seja, se deixarem de ser exactamente ‘doublets’. Tendo em conta estes factos parece mais adequado concluir pela existência de um artigo definido, um “artuculóide”, surgido a partir de uma forma pronominal adjunta latina ILLE plenamente deslexicalizada, em co-existência com formas pronominais deícticas sujeitas a deslexicalização mais ou menos acentuada em função do contexto linguístico e enunciantivo.

399 Pérez refere-se a exemplos de ISTE em documentos da chancelaria de Afonso VIII de Castela (1158-1214) em que “su valor se encuentra tan atenuado, qu está muy cerca del valor articuloide.» (Pérez González 1987a:151-2).

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Aspecto inesperado nos valores gerais obtidos, é o facto de que as duas

características claramente romances referidas — existência de Artigo Definido

(dentro da categoria Determinante) e existência concomitante de um constituinte

SN com estrutura interna rígida e fixa — não parecem alterar-se

significativamente, como mostra o gráfico 1, no período imediatamente a seguir à

reforma, o que não parece portanto confirmar, pelo menos neste respeito, a tese da

restauração da latinidade. Aliás, não se registam alterações substanciais na

distribuição das várias formas no período subsequente à reforma. Há de facto uma

ligeira descida de ILLE e IPSE, o que pode dever-se a uma maior consciência do

vulgarismo associado ao valor articulóide (sendo por isso inesperada a subida de

‘ILLE’ em R2, o que não parece estar também em conformidade com o

surgimento de uma latinidade mais polida a partir de 1080), mas não se regista

uma quebra significativa. Há também uma ligeira subida de HIC.

Pode dizer-se, generalizando, que os documentos posteriores a 1090, ainda que

indicando uma ligeira tendência de latinização, continuam a ser em ‘latim com

artigo e SN’. De qualquer forma, a situação parece ser de estabilidade e não de

mudança.

Enquanto ILLE, IPSE e ISTE correspondem directamente a elementos funcionais

do português, o demonstrativo HIC não sobreviveu na língua falada (há um

aumento sintomático da sua frequência em T2 na tabela 5 acima).

A sua ocorrência está claramente condicionada por restrições colocacionais 400

(como mostra a extracção das formas) que confinam as formas a um número

limitado e restrito de contextos textuais/formulaicos.

400 O termo ‘colocação’, e respectivo adjectivo ‘colocacional’, é aqui utilizado num conjunto de sentidos complementares que vai da acepção mais lata de ocorrência de duas ou mais palavras a curta distância num enunciado, ou a co-ocorrência lexical ou gramatical de

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Se a funcionalidade de HIC é de carácter estritamente escritural cabe então

perguntar qual é a forma romance cuja função cobre e desempenha; a resposta é

obviamente o deíctico ISTE, que apresenta restrições colocacionais similares, para

além de algumas ocorrências livres. Historicamente, ISTE, antigo demonstrativo

deíctico de 2ª pessoa, substituiu HIC, demonstrativo deíctico de 1ª pessoa, o que

terá sido umas das mudanças mais antigas que levou à completa restruturação dos

demonstrativos latinos 401 . Encontram-se indícios documentais da substituição de

HIC por ISTE já no latim clássico. No período tardio HIC terá desaparecido, com

excepção de algumas formas cristalizadas em locuções posteriormente

lexicalizadas (cf. port. ‘hoje’ < HOC DIE, ‘ogano’ (antigo) < HOC ANNO,

‘agora’ < HAC HORA). 402

Nos textos do Corpus ISTE corresponde em todos os casos (adjuntos e absolutos)

ao demonstrativo de 1ª pessoa do português ‘este, esta’. Com efeito, a lista que se

segue mostra de forma clara a distribuição colocacional restrita de HIC, com um

emprego estereotipado e formulaico, e a absoluta equivalência linguística de HIC

e ISTE (com apenas algumas diferenças de ordem colocacional), que ocorrem

indiferentemente nos mesmos contextos textuais e formulaicos.

palavras (cf. Sinclair 1991:170 et passim), à acepção mais restrita de colocação como sequência de itens lexicais específicos que co-ocorrem com um grau de expectativa mútua não aleatório (Nattinger & DeCarrico 1992:36 et passim), ou relação entre itens lexicais que ocorrem com probabilidade maior que o acaso no seu contexto textual (cf. Hoey 1991:7ss).

401 «O perigo directo para o sistema de três graus demonstrativos de proximidade surge com o desaparecimento de hic no primeiro grau de proximidade. Ainda no românico comum a primeira medida de socorro é a passagem de iste, do segundo grau para o primeiro grau de proximidade: iste passa pois para o lugar de hic.» (Lausberg 1974:347-8). Perspectiva similar é a expressa por Paul Lloyd: «In Ibero-Romance the three-person system continued to be used, with one change common to all Romance: the replacement of the first person demonstratives, HIC, HAEC, HOC, by the second person demonstratives, ISTE, ISTA, ISTUD. Undoubtedly this change was the earliest to occur since it is found everywhere.» (Lloyd 1987:158)

402 Cf. Grandgent 19704:70 e Väänäänen 1979:194.

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Estes factos permitem, a meu ver, e numa perspectiva logográfica, conjecturar

sobre a oralização e interpretabilidade em português antigo das formas latinas da

seguinte maneira: a equivalência dos dois tipos de formas, e o baixo número de

ocorrências das formas de ISTE em relação às formas de HIC, sabido que este

último não deixou vestígios na língua falada, permitem concluir que as formas de

HIC correspondem isomorficamente às formas de ISTE na língua falada, e

podiam portanto ser facilmente convertidas nas formas romances correspondentes,

em situação de leitura em voz alta do texto. Aliás é extremamente significativo o

facto de as Glosas Silenses 403 glosarem ‘hii’ como ‘estos’ 404 por duas vezes,

facto que não passou despercebido a M. Pidal, que o interpretou como resultado

de dificuldade contemporânea com as formas de HIC caídas em desuso e que seria

necessário explicar com uma glosa. 405

Outro aspecto interessante na distribuição colocacional de HIC é o facto de apesar

de se tratar de uma forma escrita obsoleta o seu emprego evidenciar uma

tendência clara de romanceamento, no sentido da eliminação da distinção entre

masculino e neutro, como se vê pela alternância entre ‘hoc’ e ‘hunc’ como

acusativo de HIC associados a antigos substantivos neutros. Esta variação

‘hoc/hunc’ fornece outra possibilidade de verificar alterações nas tendências de

romanceamento da língua notarial no período pós-reforma, nomeadamente na

eliminação do neutro. As formas ‘hoc/hunc’ enquanto determinantes de

substantivos neutros (em função de complemento directo) ocorrem quase

exclusivamente associadas a quatro formas nominais: ‘factum’, ‘plazum’,

403 Para uma discussão recente sobre o valor linguístico das glosas riojanas no âmbito da questão latim/romance veja-se Wright 1982 (capítulo 4), Wright 1986 e Emiliano 1993.

404 Gl.Sil. 87: Hii [e∫to∫] qui abor∫um [abortare] faciunt Gl.Sil. 87: Hii [e∫to∫] qui altario dei ∫eruiunt

405 Menéndez Pidal 1950/19809:347.

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‘placitum’ e ‘testamentum’ (q.v. na lista das formas no final desta secção). Os

valores obtidos com estas formas nominais são os seguintes: Frequências observadas de ‘hunc’ e ‘hoc’ como determinantes de ‘factum’, ‘plazum’, ‘placitum’ e ‘testamentum’ P1 R1 PL1 T1 P2 R2 PL2 T2 TT HUNC 15 12 2 29 5 19 2 26 55 HOC 7 22 4 33 2 59 6 67 100 TT 22 34 6 62 7 78 8 93 155

tabela 6

Os valores sub-totais e totais são projectados no gráfico 2 sob a forma de valores

percentuais:

0,0%

10,0%

20,0%

30,0%

40,0%

50,0%

60,0%

70,0%

80,0%

1050-1090 1091-1110 TOTAL

35,5%

28,0%

46,8%

64,5%

72,0%

53,2%

HUNC

HOC

gráfico 2

Estes valores indicam uma mudança real no período 2 em relação ao período 1, no

sentido do uso da forma de acusativo neutro de HIC mais conforme à tradição

gramatical clássica. Mostram também, e uma vez mais, como os diversos tipos de

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texto seleccionam variantes linguísticas de forma diversa, ou seja, como a variável

‘tipo de texto’ pode interferir no grau de latinidade/romanidade scriptográfica do

texto.

Distribuição colocacional de ISTE e HIC

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• ISTA R 1100.207B ista mea_carta R 1100.207B ista karta_mee PL 1078.136B ista agnitio PL 1078.136B ista agnitio PL 1062.098 ista agnitione R 1101.215C ista carta R 1079.139 ista carta R 1100.208B ista carta R 1106.258B ista carta R 1088.169 ista carta R 1102.230B ista carta R 1099.197B ista carta R 1099.197B ista carta R 1099.197B ista carta R 1102.230B ista carta R 1107.268 ista carta R 1099.199 ista carta R 1105.252B ista cartula P 1092.183 ista die R 1105.252B ista die P 1057.090 ista hereditate R 1091.179 ista hereditate R 1107.270 ista karta R 1106.258B ista karta P 1086.157 ista karta R 1106.258B ista karta P 1058.095 ista karta R 1102.230B ista karta R 1100.204 ista karta R 1090.177 ista karta P 1058.095 ista karta R 1090.177 ista karta R 1089.173B ista karta P 1107.266 ista karta R 1107.268 ista karta R 1082.148B ista sancta maria sedis PL 1110.291 ista scriptura R 1101.211B ista scriptura R 1079.140B ista scriptura R 1086.161B ista scriptura R 1099.199 ista scriptura R 1101.211B ista scriptura R 1086.161B ista scriptura R 1082.148B ista scriptura R 1102.230B ista sede R 1102.230B ista sede R 1102.230B ista sede R 1102.230B ista sede R 1086.161B ista sede R 1082.148B ista sede R 1082.148B ista uoce • ISTAE R 1083.149 iste uille • ISTAM R 1081.144 istam cartam R 1099.199 istam cartam R 1100.204 istam cartam P 1074.117 istam firmitatem P 1056.075 istam karta R 1107.270 istam kartam R 1105.252B istam kartulam R 1100.207B istam offerendam R 1104.244B istam scripturam R 1101.211B istam scripturam PL 1106.262B istam scripturam R 1103.239B istam scripturam R 1103.239B istam scripturam R 1082.148B istam sedem R 1089.175 istam terram R 1109.285C istam *istam R 1099.201 istam! testamentum • ISTAS R 1079.140B istas hereditates R 1102.230B istas hereditates R 1103.236 istas lareas • ISTE R 1077.129B iste domno petro episcopo

• ISTI R 1105.252B isti iam nominati iudices • ISTO PL 1074.116 isto plazo PL 1101.217B isto plazo R 1107.272B isto testamento R 1099.201 isto testamento R 1100.210 isto testamento R 1099.201 isto texto • ISTUM R 1082.148B istum nostrum_factum R 1109.285C istum factum_nostrum R 1109.285C istum locum R 1102.228 istum locum PL 1062.098 istum placitum PL 1074.119 istum placitum PL 1101.217B istum placitum PL 1101.221B istum placitum PL 1080.141 istum placitum PL 1086.162B istum plazum PL 1099.200 istum plazum PL 1074.116 istum plazum P 1099.196 istum plazum R 1102.230B istum plazum P 1099.196 istum plazum R 1102.230B istum plazum PL 1074.116 istum plazum PL 1099.200 istum plazum PL 1103.238B istum plazum R 1102.230B istum plazum PL 1085.154 istum plazum PL 1085.154 istum plazum R 1085.155 istum testamentum PL 1103.238B istumque plazum • HAC PL 1078.136B hac agnitio PL 1057.091 hac agnitione P 1058.093 hac carta P 1056.088 hac carta P 1050.058 hac carta P 1054.070 hac carta R 1099.199 hac carta R 1099.197B hac carta P 1102.223 hac carta R 1073.113 hac carta P 1050.059 hac carta R 1100.204 hac carta R 1100.210 hac carta P 1056.089 hac cartula P 1054.066 hac cartula R 1086.163B hac cartula P 1054.064 hac cartula P 1054.069 hac cartula P 1081.143 hac cartula R 1109.285C hac die R 1106.255B hac karta P 1060.096 hac karta R 1108.274B hac karta P 1092.182 hac karta P 1076.128 hac karta P 1054.065 hac karta P 1054.068 hac karta R 1106.260B hac karta P 1062.097 hac karta P 1107.266 hac karta R 1106.258B hac karta P 1056.075 hac karta P 1069.100 hac karta P 1054.071 hac karta P 1077.130 hac karta R 1110.287 hac karta R 1100.208B hac karta R 1107.268 hac karta R 1108.279 hac karta P 1090.178 hac karta P 1086.157 hac karta R 1109.285C hac karta R 1110.286B hac karta

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P 1100.203 hac karta R 1084.150 hac karta R 1099.198B hac karta P 1072.110C hac karta P 1096.188 hac karta P 1071.103 hac karta P 1103.237 hac karta P 1058.094 hac karta P 1057.092 hac karta R 1090.176 hac kartula R 1077.129B hac luce R 1072.105 hac scriptura R 1086.161B hac scriptura R 1103.239B hac scriptura R 1109.283B hac serie R 1109.283B hac serie R 1091.179 hac seriem R 1101.220B hac series R 1086.160C hac series R 1109.284B hac series R 1110.288B hac series R 1072.108 hac series R 1082.148B hac series R 1107.271B hac series R 1074.120C hac series R 1077.129B hac series R 1072.109C hac series • HANC R 1081.144 hanc carta R 1102.228 hanc cartam P 1074.117 hanc cartam P 1075.123 hanc cartam P 1056.077 hanc cartam P 1056.080 hanc cartam P 1056.087 hanc cartam P 1056.079 hanc cartam P 1056.076 hanc cartam R 1101.216B hanc cartam R 1079.139 hanc cartam R 1089.173B hanc cartam R 1090.177 hanc cartam P 1086.158 hanc cartam P 1078.135 hanc cartam P 1088.171 hanc cartam P 1050.058 hanc cartam P 1072.110C hanc cartam P 1098.194 hanc cartam P 1056.083 hanc cartam P 1086.158 hanc cartam P 1072.106 hanc cartam R 1107.267B hanc cartam R 1099.201 hanc cartam R 1099.201 hanc cartam R 1100.204 hanc cartam R 1084.151B hanc cartam P 1050.059 hanc cartam P 1056.078 hanc cartam P 1056.078 hanc cartam P 1056.082 hanc cartam P 1075.124 hanc cartam P 1078.135 hanc cartam P 1056.085 hanc cartam P 1075.123 hanc cartam P 1054.067 hanc cartam P 1056.080 hanc cartam R 1084.151B hanc cartam R 1101.216B hanc cartam P 1052.060 hanc cartam R 1101.214B hanc cartam P 1102.223 hanc cartam P 1052.060 hanc cartam P 1056.081 hanc cartam P 1056.083 hanc cartulam P 1088.170 hanc cartulam P 1054.070 hanc cartulam R 1105.252B hanc cartulam R 1106.265C hanc cartulam P 1098.195 hanc cartulam P 1097.192 hanc cartulam P 1098.195 hanc cartulam PL 1078.136B hanc causam

R 1072.104 hanc concessionem R 1087.166B hanc dotem R 1072.105 hanc hereditatem P 1052.061 hanc karta P 1057.090 hanc karta P 1076.126 hanc kartam P 1097.191 hanc kartam P 1104.245 hanc kartam P 1056.074 hanc kartam P 1055.073 hanc kartam P 1101.222 hanc kartam P 1097.190 hanc kartam P 1054.063 hanc kartam P 1075.125 hanc kartam P 1102.224 hanc kartam P 1097.189 hanc kartam P 1103.232 hanc kartam R 1107.270 hanc kartam P 1085.152 hanc kartam P 1095.186 hanc kartam P 1054.067 hanc kartam P 1056.085 hanc kartam P 1074.118 hanc kartam P 1098.194 hanc kartam P 1097.193 hanc kartam R 1082.146B hanc kartam P 1054.072 hanc kartam P 1065.099 hanc kartam P 1078.131 hanc kartam P 1102.226 hanc kartam R 1095.187B hanc kartam P 1095.184 hanc kartam P 1095.186 hanc kartam P 1097.190 hanc kartam R 1108.279 hanc kartam P 1102.226 hanc kartam P 1095.184 hanc kartam P 1095.185 hanc kartam P 1102.224 hanc kartam P 1097.191 hanc kartam R 1106.255B hanc kartam R 1095.187B hanc kartam P 1056.081 hanc kartam P 1062.097 hanc kartam P 1077.130 hanc kartam P 1069.100 hanc kartam P 1058.095 hanc kartam P 1103.237 hanc kartam R 1104.244B hanc kartam P 1097.193 hanc kartam P 1086.157 hanc kartam P 1104.241 hanc kartam P 1103.232 hanc kartam P 1101.222 hanc kartam P 1060.096 hanc kartam P 1104.245 hanc kartam P 1076.126 hanc kartam P 1056.074 hanc kartam P 1090.178 hanc kartam P 1092.183 hanc kartam P 1056.087 hanc kartam R 1106.258B hanc kartam P 1056.084 hanc kartam P 1056.079 hanc kartam P 1056.084 hanc kartam P 1054.063 hanc kartam P 1056.077 hanc kartam R 1105.252B hanc kartulam R 1106.265C hanc kartulam P 1076.126 hanc laream PL 1062.098 hanc manifestationem R 1104.244B hanc scriptura PL 1062.098 hanc scriptura R 1101.211B hanc scriptura R 1104.242B hanc scripturam PL 1062.098 hanc scripturam R 1100.207B hanc scripturam R 1101.219B hanc scripturam R 1106.261B hanc scripturam R 1100.206B hanc scripturam R 1102.229B hanc scripturam R 1073.111B hanc scripture

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R 1082.145B hanc seriem R 1102.227 hanc seriem R 1086.159 hanc series R 1073.111B hanc series R 1104.246B hanc series R 1073.111B hanc series PL 1062.098 hanc uocem R 1072.104 hanc! factum_meum P 1056.075 hanc! factum_nostrum R 1079.139 hanc! factum_nostrum • HAS R 1105.250 has hereditates R 1103.233 has hereditates R 1101.213 has hereditates • HEC R 1101.215C hec carta R 1108.274B hec scriptura R 1108.278 hec scriptura R 1100.207B hec scriptura R 1108.280B hec scritura R 1072.104 hec series • HIC P 1072.110C hic dictus casale medio • HOC R 1105.250 hoc meum_factum R 1082.145B hoc nostrum_factum P 1075.124 hoc nostrum_factum P 1055.073 hoc nostrum_factum P 1058.093 hoc nostrum_factum P 1054.072 hoc nostrum_factum R 1106.257B hoc factum_meum R 1106.254B hoc factum_meum R 1106.263B hoc factum_meum R 1103.234 hoc factum_meum R 1103.235 hoc factum_meum R 1103.236 hoc factum_meum R 1104.240B hoc factum_meum R 1105.247 hoc factum_meum R 1101.212B hoc factum_meum R 1103.233 hoc factum_meum R 1100.207B hoc factum_meum R 1104.246B hoc factum_meum R 1105.253 hoc factum_meum R 1104.246B hoc factum_meum R 1105.251B hoc factum_meum R 1099.197B hoc factum_nostrum R 1099.199 hoc factum_nostrum P 1097.189 hoc factum_nostrum P 1056.076 hoc factum_nostrum R 1091.181 hoc factum_nostrum P 1072.106 hoc factum_nostrum R 1086.161B hoc factum_nostrum P 1088.171 hoc factum_nostrum R 1109.283B hoc factum_nostrum R 1090.177 hoc factum_nostrum R 1102.230B hoc factum_nostrum R 1107.270 hoc factum_nostrum R 1104.242B hoc factum_nostrum R 1101.213 hoc factum_nostrum R 1102.227 hoc factum_nostrum R 1082.146B hoc factum_nostrum R 1102.227 hoc factum_nostrum R 1085.155 hoc factum_nostrum R 1101.214B hoc factum_nostrum R 1100.206B hoc factum_nostrum R 1106.259B hoc factum_nostrum R 1089.175 hoc factum_nostrum R 1085.155 hoc factum_nostrum R 1072.108 hoc factum_nostrum R 1107.267B hoc factum_nostrum R 1078.133B hoc factum_nostrum R 1105.250 hoc donum R 1101.213 hoc donum R 1103.233 hoc donum R 1108.274B hoc factum R 1108.278 hoc factum R 1108.280B hoc factum R 1105.252B hoc iudicium

R 1101.213 hoc monasterium P 1072.110C hoc peccati PL 1074.119 hoc placito PL 1101.217B hoc placito R 1074.121 hoc placito PL 1099.200 hoc placitum PL 1106.262B hoc placitum PL 1110.291 hoc plazo R 1079.140B hoc plazo PL 1086.162B hoc plazo R 1107.272B hoc plazo P 1099.196 hoc plazum PL 1103.238B hoc plazum PL 1074.116 hoc plazum PL 1080.141 hoc plazum R 1102.230B hoc plazum PL 1101.218B hoc plazum R 1105.252B hoc scriptum R 1109.285C hoc seculo R 1082.147 hoc seculo R 1073.114 hoc seculo R 1101.213 hoc tantum R 1101.214B hoc tempore R 1107.271B hoc testamento R 1103.233 hoc testamento R 1106.254B hoc testamento R 1108.277B hoc testamento R 1108.273B hoc testamento R 1072.104 hoc testamento R 1103.233 hoc testamento R 1107.272B hoc testamento R 1101.213 hoc testamentum R 1078.133B hoc testamentum R 1106.259B hoc testamentum R 1088.169 hoc testamentum R 1103.234 hoc testamentum R 1085.155 hoc testamentum R 1105.251B hoc testamentum R 1078.134B hoc testamentum R 1078.132 hoc testamentum R 1091.179 hoc testamentum R 1106.257B hoc testamentum R 1085.153 hoc testamentum R 1105.253 hoc testamentum R 1108.280B hoc testamentum R 1106.263B hoc testamentum R 1089.175 hoc testamentum R 1091.181 hoc testamentum R 1105.250 hoc testamentum R 1099.199 hoc testamentum R 1108.278 hoc testamentum R 1101.213 hoc testamentum R 1073.112 hoc testamentum R 1105.250 hoc testamentum R 1103.233 hoc testamentum R 1073.112 hoc testamentum R 1106.264 hoc testamentum R 1082.147 hoc testamentum R 1109.284B hoc totum PL 1110.291 hoc-die • HUI R 1105.252B hui sedi • HUIUS R 1073.114 huius bracarense sedis R 1100.210 huius bracarensis sedis R 1108.278 huius diei Vo R 1100.206B huius scripture • HUNC R 1110.288B hunc nostrum_factum P 1058.094 hunc nostrum_factum P 1054.068 hunc nostrum_factum P 1054.066 hunc nostrum_factum P 1091.180 hunc factum_meum P 1100.203 hunc factum_meum P 1054.062 hunc factum_meum P 1092.182 hunc factum_meum R 1108.273B hunc factum_meum R 1108.277B hunc factum_meum R 1110.287 hunc factum_meum

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R 1107.268 hunc factum_meum P 1071.103 hunc factum_meum R 1089.173B hunc factum_nostrum R 1101.211B hunc factum_nostrum R 1103.239B hunc factum_nostrum R 1100.208B hunc factum_nostrum R 1088.168B hunc factum_nostrum R 1072.105 hunc factum_nostrum R 1109.284B hunc factum_nostrum P 1052.061 hunc factum_nostrum P 1057.090 hunc factum_nostrum P 1054.071 hunc factum_nostrum P 1054.069 hunc factum_nostrum P 1057.092 hunc factum_nostrum P 1088.170 hunc factum_nostrum R 1099.198B hunc factum_nostrum P 1056.086 hunc factum_nostrum P 1107.266 hunc factum_nostrum R 1107.271B hunc factum_nostrum R 1086.160C hunc factum_nostrum R 1090.176 hunc factum_nostrum R 1088.169 hunc factum_nostrum R 1086.163B hunc factum_nostrum R 1106.261B hunc factum_nostrum R 1101.219B hunc factum_nostrum R 1101.220B hunc factum_nostrum P 1081.143 hunc factum_nostrum R 1102.229B hunc factum_nostrum R 1074.120C hunc factum_nostrum R 1081.144 hunc factum_nostrum R 1073.113 hunc factum_nostrum R 1106.260B hunc factum_nostrum P 1054.065 hunc factum_nostrum PL 1057.091 hunc factum_nostrum P 1096.188 hunc factum_nostrum R 1077.129B hunc factum_nostrum R 1101.215C hunc factum P 1054.064 hunc factum R 1106.264 hunc factum PL 1071.101 hunc placitum PL 1101.221B hunc placitum PL 1101.218B hunc plazum R 1078.134B hunc testamentum R 1110.286B hunc testamentum R 1100.206B hunc textum R 1083.149 hunc! scripturam R 1082.147 hunc! seriem

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Variável 2: possessivos adjuntos (anteposição vs. posposição em relação ao

nome)

Esta variável mostra um aspecto de variação na documentação notarial na ordem

de constituintes, no interior do sintagma nominal: trata-se concretamente da

ordem relativa de possesivo (POSS) e nome.

O possessivo em latim seguia habitualmente o nome (POSS2), funcionando como

um adjectivo. Nas línguas românicas o possessivo desloca-se para a esquerda do

nome (POSS1), integrando-se na categoria dos especificadores. Como refere

Vincent no artigo supra-citado a atracção do possessivo para a posição

pós-determinante constitui uma mudança importante de ordem de constituintes, e

reflecte o surgimento em latim tardio/romance antigo de estrutura do SN. 406

A variação entre anteposição (POSS1) e posposição (POSS2) do possessivo pode

constituir um critério tipológico na sintaxe do SN para avaliação da

latinidade/romanidade gráfica dos textos.

A lista das formas em contexto colocacional é dada no final da secção. A

extracção das formas em contexto restrito é apresentada em anexo (Volume II -

Anexo 4).

Os valores encontrados para as duas variantes, distribuídos pelas várias formas de

possessivo, são apresentados nas tabelas 7 e 8. O valores totais são apresentados

na tabela 9.

406 op. cit., p.52.

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Frequências observadas de POSS1 POSS1 P1 R1 PL1 T1 P2 R2 PL2 T2 TT MEUS1 58 54 12 124 24 69 1 94 218 NOSTER1 48 32 12 92 10 50 0 60 152 TUUS1 1 0 1 2 2 8 0 10 12 UESTER1 31 10 14 55 8 33 4 45 100 SUUS1 61 63 12 136 20 119 9 148 284 TT 199 159 51 409 64 279 14 357 766

tabela 7

Frequências observadas de POSS2 POSS2 P1 R1 PL1 T1 P2 R2 PL2 T2 TT MEUS2 133 107 11 251 64 230 11 305 556 NOSTER2 130 88 16 234 45 147 6 198 432 TUUS2 19 3 0 22 3 2 0 5 27 UESTER2 80 23 8 111 23 53 6 82 193 SUUS2 21 13 1 35 2 19 12 33 68 TT 383 234 36 653 137 451 35 623 1276

tabela 8

Os valores aqui apresentados revelam uma preponderância geral da ordem latina

(excepto para SUUS, q.v. infra). No entanto é forçoso observar que os diferentes

tipos de texto apresentam tendências distintas.

O gráfico 3 apresenta os valores de POSS1 e POSS2 nas seis sub-divisões

consideradas do Corpus, sob a forma de percentagens.

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348

0,0%

10,0%

20,0%

30,0%

40,0%

50,0%

60,0%

70,0%

80,0%

P1 R1 PL1 P2 R2 PL2

28,6%

38,2%

31,8%

58,6%

40,5%

34,2%

71,4%

61,8%68,2%

41,4%

59,5%65,8%

POSS1 POSS2

gráfico 3

Os textos de tipo processual revelam uma mudança profunda na ocorrência das

variantes, parecendo apresentar de facto uma inflexão no sentido da latinidade. Os

restantes grupos de textos mostram uma preferência nos dois períodos por

POSS2. De forma algo inesperada R1 e R2 apresentam comparativamente mais

ocorrências de POSS1.

Os valores sub-totais e totais (T1, T2 e TT) das tabelas 7 e 8 são apresentados na

tabela 9.

Totais das frequências observadas de POSS1 e POSS2 POSST P1 R1 PL1 T1 P2 R2 PL2 T2 TT POSS1 199 159 51 409 64 279 14 357 766 POSS2 383 234 36 653 137 451 35 623 1276 TT 582 393 87 1062 201 730 49 980 2042

tabela 9

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Os valores dos sub-totais e totais (T1, T2 e TT) da tabela 9 são projectados, sob a

forma de valores percentuais, no gráfico 4, que mostra portanto as diferenças das

proporções relativas de POSS1 e POSS2 nos períodos 1 e 2.

0,0%

10,0%

20,0%

30,0%

40,0%

50,0%

60,0%

70,0%

1050-1090 1091-1110 TOTAL

38,5%36,4%

37,5%

61,5%63,6% 62,5%

POSS1

POSS2

gráfico 4

Tal como no caso dos demonstrativos estes valores parecem revelar uma situação

estável, em que as diferenças entre os dois períodos são de facto muito pequenas,

embora se verifique uma pequena descida de POSS1.

Num estudo prévio, reportando-me a dados extraídos das fórmulas cominatórias,

as ‘sanctiones’, dos documentos dos dois ‘libri testamentorum’ do Liber Fidei, e

distribuídos pelos períodos de 1050-1080 e 1081-1110, os resultados foram muito

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semelhantes 407 . Os valores obtidos correspondem ao gráfico 5, que mostra uma

tendência, não muito pronunciada, mas não desprezável de qualquer forma, para o

aumento da ordem POSS2, mais típica do latim, no período 2.

SANCTIO-POSS (adaptado de Emiliano (no prelo))

0,0%

10,0%

20,0%

30,0%

40,0%

50,0%

60,0%

70,0%

1050-1080 1081-1110

37,6%40,4%

62,4%59,6%

POSS1

POSS2

gráfico 5

A principal diferença entre os dados dos gráficos 4 e 5 parece ter a ver com a

diferente divisão cronológica do corpus textual considerado, pelo que se obtém

um valor maior de POSS1 para o período mais antigo. A situação é de qualquer

forma razoavelmente estacionária.

407 Emiliano (no prelo).

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As diferenças de proporção das duas variantes no Corpus, e representadas no

TOTAL do gráfico 4, correspondem de modo geral às diferenças encontradas para

cada forma de possessivo (v. supra tabelas 7 e 8). Por se tratar de uma aspecto

importante, no sentido de que a proporção geral corresponde às proporções

particulares das várias formas apresento os valores percentuais de cada forma no

gráfico 6.

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

MEUS TUUS NOSTER UESTER SUUS TOTAL

38%

81%

34%

26%

31%28%

63%

19%

66%

74%

69%72%

POSS1

POSS2

gráfico 6

O único facto discrepante é sem dúvida o pronome de 3ª pessoa, que apresenta em

todas as circunstâncias valores superiores de POSS1. Isto reflecte certamente o

facto de o emprego de SUUS escapar ao espartilho das regras gramaticais latinas

por se tratar de facto, no âmbito dos possessivos tardo-latinos e antigo-romances,

de uma categoria historicamente mais recente. SUUS era em latim um pronome

reflexivo de 3ª pessoa singular e plural, enquanto o possessivo de 3ª pessoa

propriamente dito era representado pelas formas de genitivo dos pronomes

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anafóricos IS e ILLE. O uso de SUUS em contextos frásicos nos quais remetia

para outra entidade que não o sujeito da frase, constituiu uma inovação no sistema

pronominal latino; sendo comum às diversas línguas românicas, pode

tipologicamente ser considerado como um desenvolvimento romance.

Assim sendo, percebe-se que o uso de SUUS na língua notarial fuja ao padrão

POSS2 mais tipicamente latino, porque se tratava de uma forma pronominal

“sentida” como mais vulgar, i.e. de emprego mais livre ou menos codificado que

as restantes formas: tratando-se de uma categoria realmente nova não havia assim

doutrina estabelecida relativamente ao seu uso, até porque a forma alternativa

EIUS era substancialmente diferente e morfologicamente opaca. 408

Os valores das tabelas 7 e 8 mostram inclusivamente um ligeiro aumento da

ordem POSS1 de SUUS no período 2 (de 79.5% para 81.5%), o que não

corresponde de facto a um aumento dos padrões da latinidade reformada.

Curiosamente, este factos relativos à ordem do possessivo e nome, e as diferenças

apresentadas por SUUS em relação às outras formas, não se encontram referidos

em nenhum dos estudos de conjunto da língua notarial quer hispânica quer franca;

isto justifica-se provavelmente pelo facto de aspectos como ordem de

408 Não sendo aqui obviamente o local apropriado para uma discussão detalhada da questão, a semelhança fonémica ou grafo-fonémica de certas formas latinas com formas romances lexical e semanticamente equivalentes pode ser um factor importante na preservação escrita das formas latinas obsoletas. Veja-se o caso de EA(-M,-S) / ILLA(-M,-S), EO(S)/ ILLO(S), EUM/ILLUM, EI(S)/ILLI(S) na função de pronomes pessoais da 3ª pessoa, em que as formas do pronome obsoleto IS têm uma frequência elevada. Noutros contextos sintácticos o pronome IS é praticamente inexistente nos textos notariais. Bastardas refere o caso extremamente significativo a este respeito da ocorrência frequente em diplomas catalães da combinação HANC ISTA, que poderia interpretar-se plausivelmente como uma glosa do pronome latino. Bastardas, registando que esta combinação de formas só ocorre no feminino, e depois de considerar uma explicação de ordem colocacional, sugere outra explicação provavelmente mais adequada a este caso: «Pero otra circunstancia puede explicar el femenino: la combinación hanc ista, en efecto, evocaba la forma románica aquesta (de eccu(m) ista) que, sin duda alguna, en nuestra época era la preferida en el lenguaje hablado. Por el contrario, ni hic iste ni hunc isto podían sugerir nada parecido.» (Bastardas Parera 1953:72).

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constituintes, ou estrutura interna de constituintes, aspectos de sintaxe

configuracional, só recentemente começarem a chamar a atenção de latinistas e

medievalistas.

Quanto às formas de genitivo de demonstrativos em função possessiva, como

EIUS/EORUM e ILLIUS, estão muito fracamente representadas no Corpus, como

se vê na tabela 10, que mostra predominância notória destas formas nos textos

“eclesiásticos” (R1 e R2).

Frequências observadas de EIUS, EORUM , ILLIUS DEMs P1 R1 PL1 T1 P2 R2 PL2 T2 TT EIUS1 1 1 0 2 1 3 0 4 6 EORUM1 0 0 1 1 0 0 0 0 1 EIUS2 4 6 2 12 0 7 1 8 20 EORUM2 1 1 0 2 0 5 0 5 7 ILLIUS2 0 1 0 1 0 1 0 1 2 TT 6 9 3 18 1 16 1 18 36

tabela 10

Esta situção de declínio de EIUS/ILLIUS é em tudo semelhante à descrita por

Jennings:

In our texts, we see a syntax thoroughly Spanish in the use of the possessives.

There is no conflict between eorum and illorum for the plural such as Pei found

in northern France, where leur survived. The scattered examples of eius, eorum,

illius, illorum, etc. […] are very rare and we consider them pure Latinisms. We

have not deemed it worthwhile to count the appearances of suus for eius or

eorum and the classical uses of these forms in order to present proportional

statistics. The majority of suus over all others as the third person possessor,

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singular and plural, would only lead to the conclusion that it is the rule and eius,

etc. are the exception. 409

Pérez González, ao contrário, apresenta algumas estatísticas, mas a conclusão é

em tudo idêntica:

Así, nuestros documentos muestran una clara superioridad de suus sobre eius,

eorum para expresar la posesión no reflexiva de 3.ª persona: frente a dicesiete

ejemplos de eius, eorum, tenemos sesenta y cinco de suus con valor no reflexivo

(además de otros cuarenta y tres con valor reflexivo). 410

*

A variante POSS2 parece estar, como mostra a extracção das formas, associada a

restrições colocionais, tal como as ocorrências de HIC examinadas acima. Este

facto atenua a importância linguística (mas não textual, note-se) da variante latina.

A lista seguinte de formas (que inclui apenas grupos de formas com mais de 10

ocorrências no Corpus) mostra, em minha opinião, que certos itens lexicais

seleccionavam preferencialmente certa ordem do possesivo. Nomeadamente

certas formas “latinas” parecem seleccionar POSS2 (e.g. UXOR), enquanto outras

“romances” parecem seleccionar preferencialmente POSS1 (e.g. MULIER).

Outras formas revelam comportamento idiomático, característico da língua

notarial, e a selecção de POSS1 ou POSS2 não parecia ser uma questão de

escolha aberta mas sim de composição idiomática. 411

409 Jennings 1940:135-6.

410 Pérez González 1985:162.

411 Para uma discussão detalhada da oposição entre o ‘open-choice principle’ e o ‘idiom principle’ enquanto modelos da organização textual v. Sinclair 1991:109ss.

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Estas restrições colocacionais relativizam em minha opinião a preponderância de

POSS2 nos textos, que pode ser atribuível a padrões da linguagem jurídica

herdados e mantidos na tradição escritural notarial, independentemente das

tendências da língua falada.

Distribuição colocacional de POSS1 e POSS2 (lemas e itens co-ocorrentes) • ADIUNCTIONES+P1 2 adiunctionibus 1 adiuntionibus 1 • ADIUNCTIONES+P2 11 adiecionibus 1 adiunctionibus 7 aiunctionibus 2 aiuntionibus 1 • ANIMA+P1 5 anima 3 animabus 1 animas 1 • ANIMA+P2 58 anima 1 animarum 12 anime 45 • AUUS,AUIA+P1 4 auola 1 auolo 2 auolos 1 • AUUS,AUIA+P2 19 abolo 1 auia 4 auiis 3 auio 4 auiorum 3 auios 2 auorum 2 CONIUX, MULIER, UXOR • CONIUX/CONIUGIA+P2 11 coniuge 2 coniugia 6 coniungia 1 cuniugia 2 • MULIER+P1 8 mulier 2 muliere 6 • UXOR+P2 99 uxor 74 uxore 9 uxorem 1 uxori 15 DOMINUS, REDEMPTOR, SALUATOR • DOMINUS+P2 27 domini 26 dominum 1 • REDEMPTOR+P2 3 redemptoris 2 redemtoris 1 • SALUATOR+P2 3 saluator 1 saluatoris 2 • DOMINIUM+P1 13 dominio 13 • DOMINIUM+P2 2 dominio 2

• FACTUM+P1 11 factum 11 • FACTUM+P2 89 factum 89 • FILIUS,-A+P1 23 filia 2 filiis 2 filio 6 filios 11 filium 1 filius 1 • FILIUS,-A+P2 50 filia 2 filiabus 2 filias 3 filie 3 filii 5 filiis 21 filio 7 filiorum 1 filios 1 filium 1 filius 3 fillis 1 • FRATER+P1 14 fratre 3 fratres 7 fratribus 3 fratris 1 • FRATER+P2 13 frater 1 fratre 3 fratres 7 fratri 1 fratribus 1 GENUS, PROGENIES, PROSAPIA • GENUS+P2 3 genere 1 generis 2 • PROGENIES+P2 5 progeniam 1 progenie 4 • PROSAPIA+P2 8 prosapia 7 prosapie 1 • GERMANUS,A+P1 23 iermano 1 germana 6 germanas 1 germane 1 germano 8 germanos 5 germanus 1 • GERMANUS,A+P2 4 germana 1 germanas 1

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germane 1 germano 1 • HEREDES+P1 12 eredes 1 heredes 8 heredibus 3 • HEREDES+P2 3 heredibus 3 • HEREDITAS+P1 58 hereditate 24 hereditatem 8 hereditates 23 hereditatibus 2 hereditatum 1 • HEREDITAS+P2 122 ereditate 1 hereditade 97 hereditatem 13 hereditates 8 hereditatibus 3 • IUS+P1 61 iure 53 iurit! 1 ius 7 • IUS+P2 35 iure 22 iuri 13 • LAREA+P1 3 larea 1 laream 1 lareas 1 • LAREA+P2 14 larea 8 laream 2 lareas 4 • LOCOS+P1 19 locis 10 locos 9 • MANUS+P1 18 manibus 4 manu 3 manus 11 • MANUS+P2 220 manibus 62 manu 102 manum 2 manus 54 • MATER+P1 14 mater 7 matre 7 • MATER+P2 16 mater 6 matre 10 MORS, OBITUS • MORS+P1 3 mortis 3 • MORS+P2 1 mortem 1 • OBITUS+P1 2 obitum 2 • OBITUS+P2 28 obitam! 1 obitum+uero 2 obitum 23 obitus 2 • PARENTES+P1 1 parentes 1 • PARENTES+P2 33 parentes 3 parentibus 7 parentorum 1 parentum 22

• PARS+P1 62 parte 47 partem 15 • PARS+P2 43 parte 21 partem 20 parti 2 • PATER+P1 15 pater 4 patre 10 patris 1 • PATER+P2 23 pater 5 pater(*propter) 1 patre 15 patris 2 • PECCATUS+P1 4 peccata 1 peccatis 2 peccatum 1 • PECCATUS+P2 10 peccata 1 peccatis 2 peccatorum 7 • POSTERITAS+P1 1 posteritas 1 • POSTERITAS+P2 57 posteritas 57 • PRETIUM+P1 10 precio 3 precium 5 pretio 1 pretium 1 PRESTANTIA, PRESTATIONES • PRESTANTIA+P1 8 prestancia 1 prestantia 6 prestantias 1 • PRESTATIONES+P1 1 prestationibus 1 • (AD)PRESTATIONES+P2 4 adprestationibus 1 aprestationes 1 prestationibus 2 • PROPINQUUS+P1 5 propinquis 5 • PROPINQUUS+P2 19 propinqui 1 propinquibus 4 propinquis 12 proprinquiis 1 proprinquis 1 QUINIONE, RATIONE • QUINIONE+P1 18 quinione 8 quinionem 7 quiniones 2 quinion(*lunion)/ 1 • RATIONE+P1 28 ratione 13 rationem 14 rationes 1 • SEMEN+P1 3 semen 2 semine 1 • SEMEN+P2 7 semen 5 semine 1 semini 1 • SOPRINUS,A+P1 4 soprinas 1 subrino 2 suprino 1

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• SOPRINUS,A+P2 suprino 4 ANTECESSORES, INTERCESSORES, SUCCESSORES • SUCCESSORES+P1 3 antecessores 1 intercessore 1 successoribus 1 • SUCCESSORES+P2 42 intercessores 1 intercessoribus 3 successores 21 sucessores 1 successoribus 14 sucessoribus 2 • TERMINOS+P1 53 terminis 19 terminos 34 • TIUS,A+P1 4 auunculus 1 tio 2 tiu 1 • TIUS,A+P2 4 tia 2 tio 2 • UIR+P1 2 uiro 2 • UIR+P2 16 uir 1 uiri 3 uiris 1 uiro 11 • UITA+P1 25 uita 25 • UITA+P2 7 uita 2 uite 5 • UOLUNTAS+P1 35 uolumtate 1 uoluntas 3 uoluntate 26 uoluntates 5 • UOLUNTAS+P2 2 uoluntate 2 • UOX+P1 3 uoce 3 • UOX+P2 89 uoce 73 uocem 7 uoci 9

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Variável 3: verbos modais (ordem e alternância)

A análise da distribuição dos verbos modais no Corpus permite abordar outro tipo

de variação na ordem de constituintes, desta vez no interior do sintagma verbal:

trata-se concretamente da ordem do verbo modal (MOD) relativamente ao verbo

pleno modalizado no infinitivo, no interior daquilo que designo informalmente

como ‘grupo verbal modal’.

Em latim, na combinação de duas formas verbais, a ordem mais típica era a de o

verbo portador de flexão ocupar uma posição subsequente em relação à forma

verbal não flexionada. Assim, e em relação aos modais (que enquanto categoria

são já uma inovação tardo-latina) a ordem mais conservadora é a precedência do

verbo pleno em relação ao modal (MOD2), enquanto a ordem mais inovadora, e

que se fixa nas línguas românicas, no âmbito das profundas modificações

estruturais ligadas ao surgimento de uma ordem frásica básica (mais rígida que

em latim) SVO, é a precedência do modal (MOD1).

Os verbos aqui considerados são AUDERE, CONARE (em latim clássico verbo

depoente CONARI), DEBERE, NOLLE (i.e. NE+UELLE), POSSE,

QUAERERE, QUIRE, UELLE e TEMPTARE.

Destes só AUDERE (port. ‘ousar’), DEBERE (port. ‘dever’), POSSE

(port. ‘poder’ < POTERE), QUAERERE (port. ‘querer’) e TEMPTARE (port.

‘tentar’) sobrevivem nas línguas ibero-românicas.

O significado original latino de alguns destes verbos sofreu alterações, sendo os

verbos utilizados nos textos quase exclusivamente na acepção romance. Por

exemplo QUAERERE adquiriu em ibero-romance o significado de volição,

tornando-se sinónimo de UELLE (e NOLLE). Enquanto modal associado a outro

verbo, é sempre volitivo. Apenas nalguns casos raros (na sua quase totalidade

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citações das Escrituras) ocorre isoladamente, como verbo pleno, e com o

significado original de ‘buscar, procurar, tentar’.

Algo semelhante se poderia dizer de TEMPTARE, que se tornou sinónimo de

CONARE. O emprego destes verbos documenta uma situação românica, e a

distinção entre QUAERERE e UELLE, TEMPTARE e CONARE, corresponde

de facto a uma distinção grafo-lexémica latim/romance, ou seja, uma distinção

que é funcional exclusivamente no contexto da língua escrita latino-romance: as

formas latinas podiam ser facilmente substituídas 412 quer na escrita (na redacção

original ou na cópia) quer na leitura em voz alta pelas formas romances

correspondentes 413. De qualquer forma o peso da tradição ortográfica garantiu,

tal como para HIC ou POSS2 observados acima, a sobrevivência das variantes

mais arcaicas.

De todos este verbos aqueles que têm uma expressão significativa nos textos são

de facto POSSE e UELLE, que se podem classificar como exprimindo

modalidade pura, ou seja, auxiliares modais. São os valores das ocorrências destes

dois verbos, que ocorrem maioritariamente em contextos formulaicos bem

definidos e recorrentes, que contribuem decisivamente para os valores gerais

encontrados.

412 Estas substituições são frequentes entre textos diferentes para o mesmo contexto textual ou formulaico, sendo sobretudo notórias nos textos forais. No Liber Fidei encontram-se algumas substituições (variantes intra-textuais) produzidas no acto de cópia (q.v. infra).

413 Para uma discussão mais detalhada deste tipo de questões veja-se Emiliano 1986, 1991, 1993 e 1994. Limito-me a recordar aqui que as Glosas Silenses apresentam equivalência entre UELLE e QUAERERE: Gl.Sil. 287: ∫ecum retinere uoluerit [con∫ico tenere ki∫ieret]

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A extracção das formas em contexto é apresentada em anexo (Volume II - Anexo

4). 414

Os valores obtidos para os diferentes modais são apresentados nas tabelas 11 e 12.

Frequências observadas de MOD1 MOD1 P1 R1 PL1 T1 P2 R2 PL2 T2 TT AUDERE1 1 0 1 2 0 1 3 4 6 DEBERE1 2 0 0 2 0 0 0 0 2 NOLLE1 0 0 0 0 0 2 2 4 4 POSSE1 42 21 1 64 9 48 1 58 122 QUERERE1 0 2 1 3 0 1 0 1 4 UELLE1 1 1 1 3 0 1 0 1 4 TT 46 24 4 74 9 53 6 68 142

tabela 11

Frequências observadas de MOD2 MOD2 P1 R1 PL1 T1 P2 R2 PL2 T2 TT CONARE2 0 1 0 1 0 2 0 2 3 NOLLE2 0 0 0 0 3 1 0 4 4 POSSE2 22 9 1 32 20 14 0 34 66 QUIRE2 0 1 0 1 0 2 0 2 3 QUERERE2 0 2 0 2 0 10 2 12 14 TEMPTARE2 0 6 0 6 0 9 0 9 15 UELLE2 10 12 0 22 2 27 0 29 51 TT 32 31 1 64 25 65 2 92 156

tabela 12

Estes valores parciais revelam uma vez mais a preferência pela variante latina no

tipo R.

414 Como apêndice à extracção das formas de verbos modais apresento também as ocorrências (não contabilizadas para efeitos estatísticos) de verbos causativos (ELIGERE, IUBERE e MANDARE) com infinitivo, dadas as semelhanças sintácticas que existem entre os dois tipos de verbos. Estas semelhanças estruturais podem levantar a questão, que não me cabe obviamente aprofundar aqui, da integração destes verbos numa única categoria, mais ampla, de ‘verbos modalizadores’ (comunicação pessoal de Maria Francisca Xavier).

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Para melhor apreciação das tendências gerais de distribuição das variantes, os

valores sub-totais e totais de MOD1 e MOD2 são apresentados na tabela 13.

Totais das frequências observadas de MOD1 e MOD2 MODT P1 R1 PL1 T1 P2 R2 PL2 T2 TT MOD1 44 24 4 74 9 53 6 68 142 MOD2 32 31 1 64 25 65 2 92 156 TT 76 55 6 138 34 118 8 160 298

tabela 13

Os valores de MOD1 e MOD2 são projectados, de acordo com a sua distribuição

nos diversos tipos de textos, e sob a forma de valores percentuais, no gráfico 7.

0,0%

10,0%

20,0%

30,0%

40,0%

50,0%

60,0%

70,0%

80,0%

P1 R1 PL1 P2 R2 PL2

66,7%

43,8%

25,7%

57,1%

43,6%

55,0%

22,2%

53,7%

71,4%

14,3%

56,4%

40,0%

MOD1 MOD2

gráfico 7

Estes valores são particularmente interessantes, pois mostram claramente como o

‘tipo de texto’ condiciona a ocorrência das variantes.

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362

Enquanto P e PL mostram uma tendência nítida para aumentar os valores de

MOD2, R parece estacionário. Ou seja, a reforma da latinidade parece aqui

afectar sobretudo os textos que à partida apresentavam maior tendência para o

vulgarismo, enquanto os textos à partida mais conservadores, as doações e vendas

à Sé, não parecem apresentar diferenças notórias na sua latinidade/romanidade

antes e depois da reforma.

É sobretudo significativa a subida de MOD2 em P2, tipo textual em que se

verifica de facto uma inversão na preponderância de MOD1 e MOD2, sendo aliás

o único caso.

Os valores gerais, sub-totais e totais da tabela 13 são projectados no gráfico 8, sob

a forma de valores percentuais.

0,0%

10,0%

20,0%

30,0%

40,0%

50,0%

60,0%

1050-1090 1091-1110 TOTAL

47,7%

42,5%

53,6%52,3%

57,5%

46,4%

MOD1

MOD2

gráfico 8

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363

A tendência geral, tendo em conta a totalidade das formas, parece ser de um claro

aumento de MOD2, havendo inversão de valores entre o período 1 e 2. De facto,

estes valores parecem mostrar uma clara alteração do padrão de posição do modal

no sentido da latinidade, com afastamento em relação ao padrão romance.

Valores semelhantes foram encontrados no estudo acima referido (Emiliano (no

prelo)) para as ‘sanctiones’ dos documentos. O gráfico 9 mostra os valores aí

encontrados.

SANCTIO-MOD (adaptado de Emiliano (no prelo))

0,0%

10,0%

20,0%

30,0%

40,0%

50,0%

60,0%

70,0%

80,0%

90,0%

1050-1080 1081-1110

18,3%

40,9%

81,7%

59,1%

MOD1

MOD2

gráfico 9

Os gráficos 8 e 9 apresentam algumas diferenças notáveis, nomeadamente a

prepoderância, nas ‘sanctiones’, de MOD2 no período 1, e a subida em flecha da

mesma variante no período seguinte.

Para além do facto de, como referi acima, os dados textuais do estudo a que o

gráfico 9 se reporta estarem cronologicamente centrados de forma ligeitamente

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364

diferente, a principal razão para as diferenças entre os dois levantamentos é a não

contabilização de algumas dezenas de ocorrência de POSSE que ocorrem fora da

‘sanctio’. Quer isto dizer que o valor geral de MOD1 no Corpus está dependente

de restrições colocacionais associadas a um só verbo modal POSSE, que ocorre

na esmagadora maioria dos casos no mesmo tipo de contexto formulaico (cf.

extracção das formas em anexo). A variação encontrada e documentada pelo

gráfico 8 é assim determinada por aspectos colocacionais ou idiomáticos da

utilização de POSSE. Algo semelhante se poderia dizer de UELLE que mostra

uma clara preferência para a ordem MOD2.

As diferenças entre os dois principais modais não devem ser fortuitas.

Independentemente da fixação antiga das expressões formulaicas em que ocorrem

preferencialmente, parece haver uma relação entre a ordem romance MOD1 e o

emprego do modal que sobrevive em português (POSSE, port. ‘poder’), e entre a

ordem latina MOD2 e o emprego do modal latino que não sobreviveu em

português (UELLE), tendo sido substituído por QUAERERE (port. ‘querer’), que

curiosamente mantém a preferência pelo padrão MOD2 (14 ocorrências de

MOD2 contra 4 de MOD1) da forma latina obsoleta correspondente.

A ordem que se encontra em textos muito romanceados ou romances é a ordem

MOD1. Nos últimos só raramente se encontra a ordem MOD2, facto que pode

explicar-se por razões estilísticas, ou mais provavelmente por influência da língua

notarial latina.

Nos documentos galegos (mas não nos portugueses) do séc. XIII publicados e

estudados por Maia 1986 encontram-se alguns exemplos de modais em fórmulas

cominatórias, com ordem MOD1:

‘co )ue) a sab(er) se essa h(er)dade & uoz eu q(u)iser uender ou supenorar’ (doc.19/1255)

‘& que) a esto q(u)iser passar séa maldito & maldita’ (ibid.)

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365

‘Et se alguna das p(ar)tes (con)t(r)a este mando quiser venir ou nõ q(u)iser (con)p(r)ir peite …’

(doc. 2/1262)

‘E se alge) de mina p(ar)te (con)t(r)a esto q(u)iser passar seya mald(i)to.’ (doc. 5/1281)

Curiosamente, no testamento português de D.Afonso II (1214) há variação como

nos documentos latino-portugueses do Liber Fidei, o que se pode talvez explicar

pela influência da tradição latino-notarial:

MOD1:

‘q(u)e si todos nõ se podere) assunar ou nõ q(u)iserem’ (ms.L, l.19)

MOD2:

‘E mãdo ainda q(u)e se sasunar todos nõ poderem ou nõ q(u)isere)’ (ms.L, l.18)

«E ssi dar nõ li as q(u)iserem’ (ms.L, l.22)

*

Outro aspecto importante relativo aos modais tem a ver com o tipo de formas

verbais infinitivas que com eles co-ocorrem. Nas secções mais “livres” dos textos

não parece haver restrições colocacionais aparentes. No entanto nas cláusulas

fortemente formulísticas, como é notoriamente a ‘sanctio’, as restrições

colocacionais parecem evidentes e levantam algumas questões interessantes.

As ocorrências de verbos modais situam-se na sua maior parte — em termos de

ocorrências — na cláusula cominatória, a ‘sanctio’.

Os documentos notariais que atestam actos de transferência de bens contêm no

início do escatocolo uma cláusula de carácter penal, comummente designada

como “fórmula cominatória” ou ‘sanctio’, na qual se especificam as penas,

materiais e/ou espirituais, em que incorre um hipotético violador do contrato

exarado no documento.

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366

A ‘sanctio’, enquanto cláusula obrigatória dos documentos que consignam actos

jurídicos de transmissão de bens, tem uma individualidade e estrutura próprias,

que permitem o seu estudo particular como um sub-corpus da língua notarial, o

que justifica em minha opinião que se lhe atribua aqui, e a propósito dos ‘grupos

verbais modais’, uma atenção especial.

A ‘sanctio’ pode ser descrita com um complexo proposicional de conteúdo

condicional e futurativo e formada por dois constituintes básicos: a prótase,

introduzida por um complementador de tipo condicional (universalmente ‘si’,

nalguns casos em combinação com partículas intensivas ‘ergo’, ‘igitur’), e

constituída por várias orações subordinadas condicionais, geralmente

concatenadas paratacticamente, com formas verbais de futuro do conjuntivo 415

sem excepção; e a apódose, introduzida por complementadores de tipo concessivo

ou consecutivo, e contendo formas verbais de presente do conjuntivo também sem

excepção.

A ‘sanctio’ constitui portanto uma proposição lógica única com o conteúdo global

‘se X, então Y’, que do ponto de vista jurídico corresponde à apresentação de um

pressuposto de facto, referindo a eventualidade da ocorrência de violação ou

contestação do acto jurídico, seguido da proposição cominatória propriamente

dita, que especifica as penas ou sanção(ões) a aplicar ao hipotético violador.

415 Formas verbais do tipo ‘uenerit’, ‘potuerit’, ou ‘uoluerit’, são na origem formas de futuro perfeito latino, que é o antecessor directo do paradigma romance de futuro do conjuntivo. O enquadramento textual e sintáctico, e a caracterização semântica das formas ortográficas latinas em textos notariais mostra que o valor dessas formas é o valor românico e não latino. A simples deslocação morfo-semântica de uma antiga categoria verbal latina é um importante indicador tipológico de romanceamento das fórmulas. Nas fórmulas cominatórias o valor românico de futuro de conjuntivo é universal. Em alguns verbos irregulares do português moderno com ‘perfeito forte’ é clara a derivação das formas de futuro do conjuntivo a partir do radical de perfeito: ‘quis/quiser’, ‘tive/tiver’, ‘pude/puder’, etc. V. a este respeito a discussão detalhada deste tipo de formas no latim foral do sécs. XII-XIII que apresentei na minha dissertação de mestrado (Emiliano 1986).

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367

Na prótase ocorrem frequentemente sequências verbais constituídas por um

“verbo pleno” no infinivo e um “auxiliar modal” (com flexão de futuro do

conjuntivo); a ordem dos elementos é variável e constitui uma variante inter-

textual importante, como se viu acima. No exemplo seguinte, extraído do

doc. Nº149/1083, a prótase é constituída por três sequências (orações), em que

ocorrem tipicamente ‘grupos verbais modais’:

(1) et si uenerit aliquis ex propinquis meis uel extraneis ➞ …

(2) qui hunc factum meum infringere temptauerit ➞ …

(3) et ego in iudicio deuindicare non potuero ➞ …

Segue-se apódose, contendo a fórmula cominatória propriamente dita:

… ➞ quomodo pariam uobis illam duplatam uel triplatam et iudicato

Regista-se um único caso em que o verbo pleno flexionado do ‘grupo verbal

modal’ em vez de infinitivo é gerundivo (o que levanta a interessante questão, de

impossível discussão aqui, de qual a funcionalidade contemporânea das formas de

gerundivo, categoria inexistente em romance 416 ). É também frequente a

ocorrência de dois verbos plenos unidos por uma conjunção. Exemplo:

416 Na colecção de documentos notariais galegos e portugueses publicados por Clarinda Maia apenas um documento (galego) apresenta uma sanção com uma estrutura muito semelhante à dos documentos “latinos”: ‘Si algue) da no∫∫a p(ar)te ou da extraya (contr)a e∫te te∫tam(en)to q(ue) de boam(en)te fezem(os) fazer ad b(r)itam(en)to qui∫er uíj!nr, peyte áá uoz del Rey […]’ (Maia 1986:41, doc. 1, Galiza — La Coruña, 1262). Em minha opinião é impossível não ver na sequência ‘Si algue ) […] ad b(r)itam(en)to qui∫er uíj!nr’ o correspondente romance de uma sequência alatinada do tipo ‘si aliquis homo uenerit […] ad inrumpendum’. A sequência romance decalca estruturalmente uma sequência latina, com o resultado peculiar em galego-português da preposição ‘a’ introduzir (com o valor final de ‘com o propósito de’ que caberia melhor à preposição ‘para’) uma nominalização, o que se explica em minha opinião pela preservação de um padrão sintáctico latino relexificado com itens romances. Assim sendo, parece inevitável concluir que ao gerundivo ‘inrumpendum’ corresponde a nominalização ‘britamento’ (com uma terminação foneticamente similar). Por outro lado o verbo BRITAR constitui uma boa tradução (?) de INRUMPERE.

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368

et si aliquis homo uenerit uel uenerimus ad inrumpendum et nos in concilio non

potuerimus deuindicare uel auctorizare post uestra parte …

(Nº225/1085)

A junção de dois modais é muito rara; neste Corpus apenas se encontra (e na

‘sanctio’) um único caso:

deuendicare non potuero aut noluero (Nº115/1084)

Uma outra possibilidade, também infrequente, mas interessante do ponto de vista

do valor lexical dos modais (discutido mais abaixo), é a de ocorrer só o verbo

pleno com flexão de futuro do conjuntivo.

As ‘sanctiones’ dos documentos “eclesiásticos” são geralmente mais complexas e

elaboradas que as dos actos celebrados entre particulares, caracterizando-se

sobretudo pela enumeração na apódose de penas de carácter espiritual —

geralmente a excomunhão, acrescida opcionalmente por outro tipo de maldições

— que complementam as penas de carácter pecuniário.

Gostaria de chamar a atenção para os padrões de variância presentes nas

‘sanctiones’ em relação ao ‘grupo verbal modal’, na escolha quer do verbo pleno

quer do modal. Verifica-se por exemplo a ocorrência no ‘grupo verbal modal’ de

vários verbos plenos (‘inrumpere’, ‘disrumpere’, ‘infringere’, etc.) e vários

modais (‘uoluerit’, ‘quesierit’, ‘conauerit’, ‘temptauerit’, ‘quiuerit’, etc.). Embora

um pouco ao lado da questão, algo semelhante se poderia dizer sobre a escolha

dos complementadores, que introduzem a oração principal da apódose,

‘quomodo’, ‘que’, ‘ut’, ‘quia’, ‘tunc’, ou sobre os conectores que concatenam as

diversas formas verbais, ‘aut’, ‘uel’, ‘et’, ou mesmo sobre os substantivos

‘concilio’ e ‘iudicio’.

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369

Ora, a divergência linguística entre ‘inrumpere’ e ‘infringere’, entre ‘uoluerit’ e

‘conauerit’, ou entre ‘quomodo’ e ‘que’, não aparenta ter qualquer funcionalidade

linguística (semântica e lexical), sendo efectivamente redundante e por isso

inoperante: este facto é particularmente importante na alternância entre elementos

funcionais, como os auxiliares modais, ou as conjunções, na medida em que a

escolha de um ou outro item possui grau nulo de informação lexical e gramatical

específica.

Pode dizer-se que é a macro-estrutura da ‘sanctio’ que determina não apenas a

ocorrência de certos itens linguísticos, mas também o conjunto de possibilidades

alternativas de ocorrência, cuja variação não altera o invariante textual subjacente.

É interessante verificar que estas relações de paráfrase entre formas textualmente

equipolentes incluem equivalência linguística entre elementos latinos e romances:

é o caso de ‘uoluerit’ vs. ‘quesierit’, ‘conauerit’ vs. ‘temptauerit’, ‘ut’ vs. ‘que’,

‘quia’ vs. ‘que’. Se a oposição entre formas latinas e formas romances, no

contexto textual específico em que alternam, não possui qualquer grau de

informação linguística (neste caso lexémica), não é então necessário recorrer a

uma oposição linguística Latim-Romance anterior ao séc. XII para explicar a

ocorrência em textos notariais latino-hispânicos deste tipo de formas divergentes

mas equivalentes .

O facto de ocorrerem substituições de formas entre um original e cópia, e entre

cópias divergentes do Liber Fidei, como se vê no quadro 1 acentua a pertinência

desta perspectiva:

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370

B: aut de iure — — sancte marie aufferre quiuerit hoc quod do C: aut de iure dei et sancte marie auferre uoluerit — quod do (Nº133/1078) B: aut in aserto miserit illa hereditate C: aut in asserto mittere quesierit illam hereditatem (Nº148/1082) B: aut de iure dei et sante marie tullere quiberit quod do christo C: aut de iure dei et sancte marie tollere p(ro)baberit quod do christo (Nº212/1101) B: aut de iure dei et sancte marie tollere uoluerit quod do christo C: aut de iure dei et sancte marie tulere quiberit quod do christo (Nº240/1104) B: aut de iure — — sancte marie tollere uoluerit quod do christo C: aut de iure dei et sancte marie tollere quiuerit quod do christo (Nº251/1105) B: qui hunc factum nostrum frangere uoluerint C: qui hoc factum meum infringere quesierit (Nº271/1107) A: quod abtulerit uel temptare uoluerit B: quod abstulerit uel temptauerit (Nº278/1108) B: uel scripturam inrumpere uoluerit et nosin concilio C: — — inrumpere quesierit et nosin concilio noluerimus autorizare << >> obtorgare non-potuerimus (Nº286/1110) 417 B: qui hunc factumnostrum infringere temptauerit C: qui hoc factum meum infringere uoluerit (Nº351/1130)

quadro 1

As variantes ‘miserit/mittere quesierit’ e ‘temptare uoluerit/temptauerit’ são

especialmente interessantes do ponto de vista flexional, pois mostram como o

417 Este exemplo mostra algumas variantes interessantes. O copista de 286C não apenas escolheu a forma mais vulgar do primeiro modal ‘uoluerit ➞ quesierit’ (admitindo que o original tinha ‘uoluerit’), como também utilizou grafias mais romanceadas para o verbo modalizado seguinte ‘autorizare ➞ obtorgare’ (port. ant /ou8to|ga!|/), e substituiu o segundo modal pela forma mais próxima da língua falada ‘noluerimus ➞ non-potuerimus’, embora optando pela ordem MOD2.

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371

auxiliar modal parece ser no contexto uma forma “meramente” funcional, um

portador de flexão, de ocorrência preferencial mas apesar de tudo opcional; na

ausência do modal os morfemas de flexão eram “simplesmente” associados ao

verbo lexical.

Regista-se também um caso de variação intra-textual entre MOD1 e MOD2.

Por outro lado, as variantes ‘uoluerit/quesierit’ (2 casos) e ‘frangere/infringere’

mostram a absoluta equivalência entre formas scriptográficas mais arcaicas e

formas mais inovadoras, mais próximas da realidade fonológica e lexical da

língua falada.

Mas é importante notar que a substituição intra-textual de ‘uoluerit’ por

‘quesierit’ é em tudo semelhante à de ‘uoluerit’ por ‘quiuerit’, ou de ‘temptauerit’

por ‘uoluerit’. Dum ponto de vista textual, todas estas formas são funcionalmente

equivalentes ainda que à partida possam ter conteúdos lexicais e semânticos

distintos e definidos.

Equivalência textual semelhante é também a exibida pela alternância entre os

conectores ‘et’ ‘aut’ e ‘uel’ que ocorrem indiferentemente na combinação entre

dois infinitivos modalizados.

Estes exemplos são sobretudo importantes porque apontam para aspectos pouco

abordados e conhecidos da construção organizacional dos textos notariais, e

permitem perspectivar as relações lexicais em função das estruturas textuais,

deslocando assim a importância das atestações (das formas gráficas — mais

alatinadas ou mais romanceadas — que ocorrem efectivamente nos textos) da sua

relação imediata com as formas do vernáculo para a sua funcionalidade no seio

dos modos de produção textual.

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372

De facto, as combinações de modal e infinitivo na ‘sanctio’ fazem-se em função

de um número restrito de possibilidades.O exame das formas revela processos de

deslexicalização quer do modal quer do infinitivo, em que a escolha de um item

linguístico ou outro para um determinado contexto é irrelevante, ou pelo menos,

linguisticamente pouco significativa.

Este facto é importante, na medida em que o valor primordial das formas em

questão é assim sobretudo de ordem textual, ou enunciativa, mas não

propriamente semântica (linguística). Neste âmbito, a importância da oposição

entre formas latinas e romances esbatece-se em função das restrições contextuais

e colocacionais que condicionam a escolha das formas.

Trata-se no fundo daquilo que Halliday & Hasan 1976 referem como ‘instantial

meaning’, um conteúdo referencial que não se esgota, ou não deriva apenas do

conteúdo lexical original dos itens colocados no texto:

Without our being aware of it, each occurrence of a lexical item carries with it

its own textual history, a particular collocational environment that has been

built up in the course of the creation of the text and that will provide the context

within which the item will be incarnated on this particular occasion. This

environment determines the ‘instantial meaning’, or text meaning, of the item, a

meaning which is unique to each specific instance. 418

O processo que os autores referem como ‘creation fo the text’, deve, em relação à

língua notarial, ser mais adequadamente entendido ou convertido em algo como

‘criação ou transmissão da tradição escribal notarial’, entendida como o conjunto

dos textos que garantem sincronicamente a continuidade e validade da tradição, e

418 Halliday & Hasan 1976:289, sublinhado meu.

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373

no seio da qual se estabelecem os ‘instantial meanings’ do diversos itens

grafo-lexémicos.

Ideia semelhante é a expressa por Hoey, no seu importante estudo sobre a

padronização lexical na organização interna dos textos, perfeitamente adequada à

língua notarial:

Thus, the text provides the context for the creation and interpretation of lexical

relations, just as the lexical relations help create the texture of the text. 419

Este efeito de estruturação e interpretação das relações lexicais em função do

contexto é sobretudo evidente em textos, ou segmentos de textos como a

‘sanctio’, cuja redacção dependia de modelos (minutas) mais ou menos rígidos

pré-existentes. Os frequentes casos de reiteração, ou de aposição de formas

linguísticamente distintas mas ‘instancialmente’ (textual e pragmaticamente)

equivalentes, ou a inter-comutabilidade no mesmo contexto de itens lexicalmente

distintos, que se encontram nas ‘sanctiones’, são casos que apontam

inequivocamente nesse sentido.

Considerem-se a este propósito as listagens que apresento mais abaixo no final

desta secção contendo a distribuição colocacional dos verbos modais e dos verbos

modalizados nas ‘sanctiones’ do Corpus. A partir destas listagens é possível

extrair o quadro seguinte que mostra de forma condensada as várias

possibilidades de co-ocorrência dos verbos em grupos verbais modais.

419 Hoey 1991:8.

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374

Possibilidades combinatórias entre um modal e um infinitivo na ‘sanctio’ AUDERE CONARE NOLLE POSSE QUERERE QUIRE TEMPTARE UELLE AUCTORIZARE — — 5 1 — — — — AUCTORIZARE + UINDICARE — — 1 — — — — — DEUINDICARE — — 1 76 — — — — DEUINDICARE + AUCTORIZARE — — — 20 — — — — UINDICARE + AUCTORIZARE — — — 2 — — — — INFRINGERE — 1 — — 6 — 6 18 INRUMPERE 1 — — — 5 — — 14 INRUMPERE + INFRINGERE — — — — 1 — — — DISRUMPERE — 3 — — — — — — TEMPTARE — — — — — — — 4 AUFFERRE — — — — — 1 — 6 TOLLERE — — — — 2 2 — 4 UIOLARE — — — — — — 9 — COMITTERE 1 — — — — — — — EXIRE — — — — 1 — — —

quadro 2

Há fundamentalmente dois grupos de possibilidades combinatórias: (1)

combinação de um modal com um verbo lexical que corresponda a uma acção a

realizar em proveito do destinatário do documento (‘auctorizare’ e ‘deuindicare’);

(2) combinação de um modal com um verbo lexical que corresponda a uma acção

a realizar em prejuízo do destinatário (‘aufferre’, ‘disrumpere’, ‘infringere’,

‘inrumpere’, ‘tollere’, ‘uiolare’ 420 ) . O grupo (1) selecciona os modais NOLLE e

POSSE, com prepoderância deste último. O grupo (2) selecciona os restantes.

420 ‘exire’, ‘temptare’ são casos à parte. O primeiro ocorre uma única vez num plazo muito romanceado e com características idiossincráticas. Quanto a ‘temptare’ associado a ‘uoluerit’ parece tratar-se de um reforço do grupo modal que precede na ‘sanctio’.

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375

No contexto de (1) a ocorrência de NOLLE e POSSE parece ser indiferente,

circunstância que é explicitamente confirmada pelos exemplos já referidos acima

de junção dos dois modais associados a ‘deuendicare’ (‘deuendicare non potuero aut

noluero’ (Nº115/1084)), e substituição intra-textual de ‘noluerimus’ por ‘non

potuerimus’ (‘et nos in concilio noluerimus autorizare’ vs. ‘et nos in concilio obtorgare non-

potuerimus’ (Nº286/1110), cf. quadro 2).

Os valores de modalidade distintos associados à partida aos dois verbos parecem

“diluir-se” no contexto, num valor genérico de futuridade, resultante de um

processo de deslexicalização das formas.

No grupo (2) algo de similar ocorre: repare-se que ‘infringere’ e ‘tollere’ se

combinam indiferentemente com diversos modais que também não parecem

apresentar mais que um vago conteúdo modal de futuridade ou possibilidade.

Mas também os verbos ditos lexicais parecem mostrar o efeito de

deslexicalização. Nos pares ‘deuindicare/auctorizare’, ‘infringere/inrumpere’

‘aufferre/tollere’ não se discerne conteúdo semântico distinto, e a selecção do

modal parece ser indiferente nos vários casos, apesar de algumas preferências

colocacionais que se podem caracterizar como idiomáticas.

A junção de dois verbos lexicais também aponta neste sentido. Tome-se o

exemplo de DEUINDICARE e AUCTORIZARE 421, que tanto podem ocorrer

isolados, como podem ocorrer conjuntamente, unidos por uma conjunção (‘et’,

‘uel’ ou ‘aut’).

421 Utilizo estas formas como lemas, ignorando portanto algumas divergências gráficas entre as várias formas que ocorrem efectivamente.

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376

A associação de formas verbais para-sinónimas corresponde àquilo que

Nascimento 1978, num dos raríssimos estudos linguísticos produzidos

recentemente em Portugal sobre documentação médio-latina, designa por

‘semântica da repetição’, processo de organização lexical característico da língua

notarial e presente nas várias zonas ou cláusulas que os actos notariais contêm

canonicamente. Aires do Nascimento conclui que a repetição não só não é um

elemento arbitrário, como deve buscar-se a sua interpretação na estrutura global

do texto 422 . Ou seja, trata-se de um aspecto de estruturação textual que

condiciona o valor funcional e lexical das formas em contexto.

Outra observação de factos semelhantes, e muito adequada aos aspectos tratados

nesta secção, é a de Cármen Codoñer sobre aspectos lexicais de fórmulas de

documentos latino-notariais do séc. X:

Es casi un lugar común el aludir a la utilización de términos «sinonímicos» en

textos religiosos y jurídicos, justificando la reiteración en el uso por un afán en

quien escribe de no dejar posibilidad de confusión o mala interpretación a aquél

a quien van dirigidos. Esa «sinonimia» inicial en la que caben matizaciones, se

hace con el tiempo total; desaparecen las sutiles diferencias entre las palabras y

nos encontramos ante una mera abundancia. 423

Ora as possibilidades combinatórias de DEUINDICARE e AUCTORIZARE (que

ilustram fenómenos do tipo referido por Nascimento e Codoñer) com um modal

(POSSE ou NOLLE) são as seguintes:

AUCTORIZARE + MODAL (5)

422 «Dans l’ensemble du texte, la répétion se présente alors comme un procédé non pas gratuit, mais significatif.» (Nascimento 1977:191).

423 Codoñer Merino 1972:141-2.

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377

DEUINDICARE + MODAL (49)

MODAL + AUCTORIZARE (1)

MODAL + DEUINDICARE (27)

A junção dos dois verbos faz-se através dos seguintes esquemas combinatórios: MODAL + DEUINDICARE + AUCTORIZARE (11)

MODAL + AUCTORIZARE + UINDICARE (1)

DEUINDICARE + AUCTORIZARE + MODAL (5)

DEUINDICARE + MODAL + AUCTORIZARE (6)

Como se verifica, há alguma flexibilidade no emprego das formas dentro dos

limites rígidos impostos pelos formulários. O que é de notar é a aparente não

distinção lexical de DEUINDICARE e AUCTORIZARE, que é reforçada e

confirmada em minha opinião pela aposição das formas que funciona

efectivamente como uma reiteração: de facto, os escribas podiam escolher

indiferentemente, e para o mesmo contexto textual e formulaico, qualquer uma

das combinatórias acima enumeradas.

A possibilidade de junção dos verbos com o modal intercalado é especialmente

interessante. As sequências do tipo ‘ [DEUINDICARE + MODAL] +

[AUCTORIZARE + Ø] ’ podem ser interpretadas como resultado de redução, à

superfície, da sequência ‘[DEUINDICARE + MODAL1] + [AUCTORIZARE +

MODAL2] ’, em que o segundo modal, para evitar a reiteração, foi elidido.

A confirmar este facto encontram-se os seguintes exemplos em que o segundo

modal não é elidido. Significativamente, nestes casos MODAL1 e MODAL2 não

são lexicalmente o mesmo verbo:

que nos deuendicare non-potuerimus [MODAL1] aut autorizare noluerimus [MODAL2]

(Nº113/1073)

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que nos ad iudicio deuendicare non-potuerimus [MODAL1] uel autorgare noluerimus [MODAL2]

(Nº192/1097)

que nos in concilio deuendicare non-potuerimus [MODAL1] aut autorgare noluerimus

[MODAL2]

(Nº195/1098)

que nos in iudicio deuendicare non-potuerimus [MODAL1] aut autorizare noluerimus

[MODAL2]

(Nº223/1102)

O facto de DEUENDICARE e AUCTORIZARE poderem ocorrer isoladamente e

conjuntamente com qualquer dos dois modais reforça a ideia de que a função

destes é principalmente “gramatical”, como os exemplos acima mostram: de facto

‘non-potuerimus’ e ‘noluerimus’ são funcionalmente equivalentes, e a

opcionalidade do segundo modal demonstra a não oposição lexical neste contexto

entre as duas formas. De facto, pode dizer-se que nestes exemplos ‘noluerimus’

(MODAL2) é uma cópia de ‘non-potuerimus’ (MODAL1), que se realiza

scriptograficamente através de um item lexical diferente (mas instancialmente

equivalente) para evitar a reiteração.

Caso semelhante é o dos verbos ‘infringere’ (também nas formas ‘frangere’ e

‘fringire’) e ‘irrumpere’ (também com prefixo diferente ‘disrumpere’) frequentes

nas ‘sanctiones’, que sendo também itens semanticamente distintos à partida, são

no contexto da ‘sanctio’ funcionalmente equivalentes, apresentando um emprego

indiferenciado, e não se discernindo qualquer nuance que os distinga. O exemplo

seguinte é eloquente:

et si qualibet forma humana istum nostrum factum infringere+quesierit aut

inrumpere+uoluerit aut in aserto miserit illa hereditate

(Nº148B/1082)

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Ou seja, a reiteração do grupo modal, ainda que com itens lexicais distintos, no

mesmo texto e na mesma fórmula, mostra uma alternância de formas sem

aparente distinção funcional. A equivalência dos dois grupos verbais é claramente

estabelecida pelo conector ‘aut’.

É de registar também a co-ocorrência de ‘infringere’ e ‘irrumpere’ com forma de

gerundivo, ou seja, fora de um grupo modal:

et si aliquis homo uenerit contra hunc factum nostrum ad inrumpendum uel

infringendum temptare uoluerit

(Nº105/1072)

si quis tamen aliquis homo uenerit uel uenerimus contra hanc scripture

testamenti ad inrumpendum uel ad infringendum

(Nº111B/1073)

si aliquis homo uenerit uel uenerimus contra hoc factum nostrum ad

inrumpendum uel infringendum temptare uoluerit

(Nº161B/1086)

si quis tamen quod fieri non credimus uenerit uel uenerimus contra hanc

cartulam testamenti ad inrumpendum uel frangendum

(Nº265C/1106)

Textualmente ‘infringere’ é equivalente a ‘inrumpere’, tal como ‘quesierit’ é

equivalente a ‘uoluerit’. E de facto as combinações alternativas

‘infringere+uoluerit’ e ‘inrumpere+quesierit’ ocorrem várias vezes noutros textos.

Embora não possa fornecer aqui, por razões de espaço, dados mais detalhados, a

análise dos documentos por notário, mostra que estas e outras formas eram

empregues indiferentemente por um mesmo notário nos diversos documentos que

produzia. Também sem possibilidade de aprofundar o assunto, outros núcleos

documentais antigo-portugueses e hispânicos apresentam factos similares.

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Assim sendo, e para concluir, pode dizer-se que a forte ocorrência de variantes

latinas tem sobretudo peso textual, i.e. deriva dos modos de produção textual

vigentes (transmitidos e aceites) na época, e caracteriza a própria tradição textual,

mas não tem valor linguístico, no sentido de corresponder isomorficamente a

formas vivas da língua funcional da comunidade.

Como referi acima, este aspecto é particularmente relevante para os itens lexicais

que evidenciem oposição latim/romance: a sua ocorrência, e considerando ainda o

caso particular, mas extremamente esclarecedor, da ‘sanctio’, pode também dizer-

se que tem um ‘valor instancial’, que de certa forma elimina o contraste

tipológico latim/romance, “reduzindo-o” a uma questão de opção escribal no

preenchimento de uma posição textual pré-determinada pela macro-estrutura do

texto ou da cláusula.

A correspondência das formas latinas com as formas do vernáculo faz-se através

de scripto-sinónimos, geralmente presentes também na tradição, como por

exemplo UELLE e QUERERE. Outros casos semelhantes são (sem pretender ser

minimante exaustivo) ‘uxor/mulier’, ‘auunculus/tius’, ‘senior/dominus’,

‘relinquere/laxare’, ‘iubere/mandare’, ‘aufferre/tollere’, ‘domus/casa’,

‘morte(m)/obitum’, ‘ea/illa’ (et al.), ‘hic/iste’ (et al.), ‘omnis/totus’, ‘alius/alter’,

‘eius/suus’, ‘atque/et’, ‘uobis/ad+uos’, ‘ubi/unde’, ‘uel/aut’,’ut/que’, ‘ex/de’, etc.

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Grupos verbais modais (‘sanctio’): distribuição colocacional dos modais • AUDERE ausus-fuerit+comittere (1) ausus-fuerit+inrumpere (1) • CONARE infringere+conauerint (1) disrumpere+conauerit (3) TOTAL: 4 • NOLLE noluerimus+autorizare_uel_uendicare (1) noluero+autorizare (1) autorgare+noluerimus (2) autorizare+noluerimus (2) TOTAL: 6 • POSSE non-potuerimus+deuendicare (10) non-potuerimus+deuendicare_uel_autorguare (1) non-potuerimus+deuendicare_uel_autorizare (2) non-potuerimus+deuindicare (16) non-potuerimus+deuindicare_et_autorizare (1) non-potuerimus+deuindicare_uel_auctorizare (2) non-potueritis+deuindicare_uel_autorizare (1) non-potuero+deuindicare_uel_auctorizare (3) non-potuero+ … deuindicare (1) potuerimus+uindicare_uel_autorizare (1) deuindicare+non-potueri (1) auctorizare+non-potuerimus (1) deuendicare+non-potuerimus (27) deuendicare_uel_autorizare+non-potuerimus (1) deuendicare_uel_autorizare … +non-potuerimus (1) deuindicare+non-potuerimus (8) uendicare_uel_autorizare+non-potuerimus (1) deuendicare+non-potuerimus _aut_autorizare (1) deuendicare+non-potuerimus _uel_auctorizare (1) deuendicare+non-potuerimus _uel_autorgare (1) deuendicare+non-potuerimus _uel_autorizare (1) deuendicare+non-potueritis (1) deuendicare+non-potuero (9) deuendicare+non-potuero_aut_noluero (1) deuendicare_uel_auctorizare+non-potuero (1) deuendicare_uel_autorizare+non-potuero (1) deuindicare+non-potuero (2) deuendicare+non-potuero_aut_auctorizare (2) TOTAL: 99 • QUERERE quesierit+exire (1) quesierit+infringere (2) quesierit+inrumpere_uel_infringere (1) infringere+quesierimus (2) infringendum+quesierit (1) infringere+quesierit (3) inrumpere+quesierit (4) irrumpere+quesierit (1) tollere+quesierit (2) TOTAL: 17 • QUIRE

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tullere+quiberit (1) aufferre+quiuerit (1) tulere+quiuerit (1) TOTAL: 3 • TEMPTARE infringere+temptauerit (4) uiolare+temptauerit (8) infringeret+temtauerit (1) uiolare+temtauerit (1) infringere+tentauerit (1) TOTAL: 15 • UELLE uoluerit+aufferret (1) uoluerit+infringere (1) inrumpere+uoluerimus (1) frangere+uoluerint (1) auferre+uoluerit (3) aufferre+uoluerit (1) ferre+uoluerit (1) fringere+uoluerit (1) infringere+uoluerit (15) inrumpere+uoluerit (12) irumpere+uoluerit (1) temptare+uoluerit (4) tolere+uoluerit (1) tollere+uoluerit (3) TOTAL: 46

Grupos verbais modais (‘sanctio’): distribuição colocacional dos verbos infinitivos • AUCTORIZARE auctorizare non-potuerimus2 (1) autorgare noluerimus2 (2) autorizare noluerimus2 (2) autorizare noluero1 (1) TOTAL: 6 • AUCTORIZARE+UINDICARE autorizare_uel_uendicare noluerimus1 (1) TOTAL: 1 •DEUINDICARE deuendicare non-potuerimus1 (10) deuendicare non-potuerimus2 (27) deuendicare non-potueritis2 (1) deuendicare non-potuero2 (9) deuendicare non_potuero_aut_noluero2 (1) deuindicare non-potuerimus1 (16) deuindicare non-potuero1 (1) deuindicare non-potueri2 (1) deuindicare non-potuerimus2 (8) deuindicare non-potuero2 (2) TOTAL: 76 •DEUINDICARE+AUCTORIZARE deuendicare_aut_auctorizare non-potuero2 (2)

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deuendicare_uel_auctorizare non-potuerimus2 (1) deuendicare_aut_autorizare non-potuerimus2 (1) deuendicare_uel_auctorizare non-potuero2 (1) deuendicare_uel_autorgare non-potuerimus (1) deuendicare_uel_autorguare non-potuerimus1 (1) deuendicare_uel_autorizare non-potuerimus1 (2) deuendicare_uel_autorizare non-potuerimus2 (3) deuendicare_uel_autorizare non-potuero2 (1) deuindicare_et_autorizare non-potuerimus1 (1) deuindicare_uel_auctorizare non-potuerimus1 (2) deuindicare_uel_auctorizare non-potuero1 (3) deuindicare_uel_autorizare non-potueritis1 (1) TOTAL: 20 • UINDICARE +AUCTORIZARE uendicare_uel_autorizare non-potuerimus2 (1) uindicare_uel_autorizare potuerimus1 (1) TOTAL: 2 • DISRUMPERE disrumpere conauerit2 (3) TOTAL: 3 • INFRINGERE frangere uoluerint2 (1) fringere uoluerit2 (1) infringendum quesierit2 (1) infringere conauerint2 (1) infringere quesierit1 (2) infringere quesierimus2 (2) infringere quesierit2 (3) infringere temptauerit2 (4) infringeret! temtauerit2 (1) infringere tentauerit2 (1) infringere uoluerit1 (1) infringere uoluerit2 (15) TOTAL: 33 • INRUMPERE inrumpere ausus-fuerit1 (1) inrumpere quesierit2 (4) inrumpere uoluerimus2 (1) inrumpere uoluerit2 (12) irrumpere quesierit2 (1) irumpere uoluerit2 (1) TOTAL: 19 • INRUMPERE+INFRINGERE inrumpere_uel_infringere quesierit1 (1) TOTAL: 1 • AUFFERRE auferre uoluerit2 (3) aufferre quiuerit2 (1) aufferre uoluerit2 (1) aufferret uoluerit1 (1) ferre uoluerit2 (1) TOTAL: 7 • TOLLERE tolere uoluerit2 (1) tollere quesierit2 (2) tollere uoluerit2 (3) tulere quiuerit2 (1)

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tullere quiberit2 (1) TOTAL: 8 • COMITTERE comittere ausus-fuerit (1) TOTAL: 1 • EXIRE exire quesierit1 (1) TOTAL: 1 • TEMPTARE temptare uoluerit2 (4) TOTAL: 4 • UIOLARE uiolare temptauerit2 (8) uiolare temtauerit2 (1) TOTAL: 9

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4.5 Algumas conclusões

No que concerne a questão geral da classificação da língua notarial da

documentação do Liber Fidei em termos de uma tipologia latim/romance, penso

que a resposta não pode deixar de ser a mesma de Pérez González acima em

relação ao ‘Diploma Silonis regis’: utilizando o termo introduzido por Wright

1992 424 , a língua dos documentos notariais do Liber Fidei (1050-1110) pode ser

classificada como latino-romance, ou seja, uma língua escrita estruturalmente

semelhante ao romance, neste caso, galego-português (tanto quanto é possível

conhecê-lo ou reconstruí-lo a partir dos textos e da investigação em linguística

diacrónica). Tratava-se de um código escrito que, em virtude das circunstâncias

culturais e comunicacionais específicas que rodearam o seu desenvolvimento

histórico e o seu uso concreto, apresentava a particularidade de conter uma mescla

de elementos formais e estruturais latinos com elementos mais inovadores

vulgarizantes, que co-existiam em variação na mesma sincronia escritural. Esta

situação, comum ao resto da Península (com a excepção óbvia da Catalunha),

manteve-se por algumas décadas a seguir à reforma gregoriana; e se se considera

o latim foral como a continuação da mesma tradição escritural dos diplomas

(adaptada nos foros a textos de grande extensão, que não dependiam rigidamente

de modelos antigos pré-existentes) pode dizer-se que até o séc. XIII a tradição

latino-romance se manteve em pleno uso, época em que foi substituída por uma

nova tradição notarial claramente românica.

424 Wright introduz o termo num comentário à expressão ‘nostra lingua’ que ocorre diversas vezes na ‘Chronica Adefonsi Imperatoris’ da 1ª metade do século XII: «Me parece que con la frase nostra lingua se refiere el autor a lo que concebimos nosotros como dos lenguas pero que él concebía como una lengua, la lengua latino-romance.» (Wright 1992:883)

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No mesmo trabalho referido acima, Roger Wright caracteriza o séc. XII hispânico

em geral como ‘un único mundo cultural, polifacético y pluralista, pero no

dividido rígidamente en absoluto entre dos culturas latina y romance’ 425 . E vai

mais longe ao afirmar a não existência até o séc. XII da oposição latim/romance:

Así que no creo que haya existido en el siglo XII español distinción diastrática

conceptual generalizada entre el latín y el romance. Y también me parece

probable que no existía ninguna clara distincción conceptual diatópica tampoco,

entre los dialectos españoles. No sugiero que no haya habido diferencias

geográficas, desde luego, sino que los hablantes no solían pensar en los términos

de dialectos distintos que usamos los dialectólogos actuales e historiadores de la

lengua. 426

Os vários tipos hispânicos de latino-romance, atestados nos milhares de textos

que se distribuem pelos diversos núcleos documentais ibéricos, devem ser

entendidos como variedades linguísticas escritas, que faziam parte do continuum

dialectal e sociolinguístico das comunidades romano-falantes em que eram

utilizados. Até que a reforma gregoriana fosse amplamente difundida e

implantada, criando no processo uma nova consciência linguística da latinidade,

ou melhor dito, introduzindo no processo uma nova latinidade de facto, não há

razão para supôr que a língua escrita latino-romance (a língua escrita em geral)

fosse conceptualizada ou utilizada contemporaneamente como uma língua distinta

da língua vernácula das comunidades românicas.

O latino-romance retirava a sua legitimidade e validade sincrónicas, e também o

fundamento da sua manutenção através de muitas gerações de utilizadores,

425 ibid.

426 ibid., pp-883-4.

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daquilo que se pode designar (utilizando um termo talvez hoje já datado) uma

superstrutura, de índole escritural e cultural, tardo-latina, que fornecia as bases, os

princípios e as formas necessárias à comunicação escrita nas comunidades de

língua romance.

O ponto de vista de Wright acima citado, e que subscrevo inteiramente tomando

em consideração o vasto conjunto dos vários núcleos documentais hispânicos

publicados do séc. IX ao XII, contraria em certa medida a teoria da restauração da

latinidade postulada por Pidal.

Também as variantes analisadas neste capítulo, ainda que em número reduzido,

não permitem observar, na sua distribuição, emprego ou carga funcional, uma

mudança radical no período subsequente à reforma que se possa interpretar como

uma restauração ou melhoria da latinidade no sentido canónico que o termo tem

hoje. É certo que os valores observados mostram subida de variantes

tipologicamente latinas para o período considerado de 1091-1110, mas também é

certo que o quadro geral não se altera significativamente entre os dois períodos.

Tal como observei no capítulo introdutório, as mudanças que de facto se detectam

nos documentos notariais posteriores à reforma devem ser interpretadas como o

resultado de uma tendência para um maior isomorfismo entre ‘modelos

operacionais’ e ‘modelos representacionais’ da escrituralidade latino-notarial. Ou

seja, a pressão da reforma, pelo menos numa extensa fase inicial, parece ter sido

no sentido de aumentar a consciência dos escribas em relação ao vulgarismo ou

carácter desviante de certas formas gráficas.

Não parece que se possa concluir que tenha havido a substituição brusca, ou

mesmo a médio prazo, de uma latinidade não reformada, por uma latinidade de

tipo “europeu” ou “escolástico”. De facto, os documentos notariais do Liber Fidei

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parecem mostrar a continuidade, com alguns ajustamentos, resultantes de uma

nova realidade cultural, da tradição multi-secular latino-romance.

No estudo prévio que apresentei sobre dados das ‘sanctiones’ de documentos do

Liber Fidei (Emiliano (no prelo)), e que referi acima, as conclusões foram

idênticas. Nesse estudo, que analisava algumas variáveis diferentes das acima

examinadas, os valores obtidos para as variantes romanceadas no período 1 foram

sensivelmente mais elevados que os do presente estudo, sendo as diferenças entre

os períodos 1 e 2 mais acentuadas. Isto deve-se ao facto de os dados desse

trabalho, como também referi acima, estarem centrados cronologicamente na data

de 1080 e não em 1090.

Penso que os dados deste presente estudo são mais seguros, uma vez que

consideram o período pós-reforma apenas a partir da primeira década da sua

implementação, o que corresponde talvez a pelo menos quinze anos de influência

gregoriana efectiva em Braga (a presença cluniacense na Península e no futuro

território português é como se sabe, e como referi no capítulo 1, anterior ao

concílio de Burgos).

Conclusões deste tipo são importantes para a compreensão do complexo processo

que levou ao desenvolvimento de ortografias romances a partir do séc. XIII.

Como também já foi referido ao longo deste estudo, na esteira de Wright 1982

(q.v. passim), a consciência da romanidade como uma realidade linguística

diferenciada, foi desencadeada por uma nova consciência da latinidade como

categoria linguística conceptualmente distinta da língua funcional da comunidade.

Este processo meta-linguístico foi um processo longo, ou seja, não resultou

imediatamente da introdução dos princípios do latim reformado. Os dados que

analisei acima não parecem indicar mudanças suficientemente grandes nas

práticas escribais de forma a que latinidade notarial pós-reforma fosse entendida e

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recebida como algo de linguistica e pragmaticamente distinto da realidade

anterior.

Além disso, a avaliação do impacto da reforma na língua notarial, e a avaliação

geral da validade contemporânea funcional da latinidade dos documentos

jurídicos, pode ser também feita em função da ausência efectiva de mecanismos

ou processos reguladores dessa latinidade, e da sua “correcção”. Muitos dos

documentos notariais reportam-se a actos que, pela importância dos autores e dos

bens transmitidos, com certeza exigiram alguma solenidade na sua homologação.

Muitos textos, nomeadamente do Liber Fidei, foram produzidos por notários

ligados a importantes centros culturais como a Sé de Braga e o seu Cabido. Mais,

os textos examinados no período de 1091 a 1110 foram redigidos durante o

episcopado de dois prelados clunicenses nomeados e eleitos, como foi norma em

toda a Península nesse período, por serem homens cultos e letrados.

Gostaria, neste contexto, de fazer referência a três personalidades que por

diversos motivos são frequentemente mencionados nos documentos do Corpus, e

que pode dizer-se representam três gerações de pedagogos.

Em primeiro lugar, o Bispo D. Pedro, restaurador e re-organizador da Sé e do

Cabido, e sobretudo, para as matérias em questão, fundador da escola catedral 427

. D. Pedro não surge apenas como confirmante de muitas doações à Sé (com

subscrição autógrafa acompanhada da sua marca pessoal, a expressão ‘nec

mutetur’), como subscreveu na qualidade de notário uma doação transcrita no

‘Liber Testamentorum I’ 428 . Esse documento mostra muitos aspectos

427 Cf. Costa 1959:30, Caeiro 1966:13, Carvalho 1986:17.

428 Doc. Nº140B/1079.

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característicos do latim notarial não reformado 429 (que não podem

simplesmente ser atribuídos à ignorância das letras latinas por parte do notável

prelado) e não se distingue dos restantes documentos redigidos por notários

bracarenses.

Em segundo lugar, o cónego Ourigo Guilhamondes 430 , que Rómulo de Carvalho

designa como «o primeiro professor de leigos de que há notícia em Portugal» 431 .

Ourigo surge mencionado pela primeira vez num documento de 1072 transcrito

no ‘Liber Testamentorum II’, uma doação 432 à Sé e ao Cabido do início do

episcopado de D. Pedro na qual se mencionam, para além dos membros do

Cabido, quatro alunos (‘puerulos’), entre os quais o futuro cónego 433 . Cerca de

30 mais tarde, Ourigo Guilhamondes é referido numa doação de 1103 434 (da qual

429 Basta considerar o parágrafo inicial do acto e a forma como o complemento indirecto é representado: ‘geluira donnaniz ad uobis petrus episcopus bracarensis et clericos uestros et ad episcopos qui post uos uenerit’.

430 O nome próprio aparece redigido como ‘Honoricus, -o’, ‘Honorigus, -o’, ‘Onoricus, -o’, e ‘Onorigus, -o’; o patronímico aparece como ‘Uiliamundiz’, ‘Uiliamondiz’.

431 Carvalho 1986:17.

432 Doc. Nº107/1072 (LF2 nº627). Este documento é de uma enorme importância historiográfica uma vez que constitui uma das referências mais antigas não apenas ao Cabido de Braga (com nomeação dos seus membros, e indicação expressa de que viviam comunitariamente com o Bispo), mas sobretudo contém a referência mais antiga a uma escola capitular que se conhece para o território português. Tem também a particularidade de ser uma doação de um leigo.

433 «ego gundisaluus moniz plazum et pactum reuocatum sicut canon et regula sancti gregorii docet kalendas magii ut de hodie die cum medietate de mea hereditate et omnia mea rem ad uobis petro episcopo et omnibus clericis habitantibus in sede bracare galindo aluitiz menendo brandilaz baltario presbiter eldrebedus confesso sauarigus presbiter fromaricus presbiter aloitus onoriquiz pelagius sesgudiz odorio petriz una cum illos puerulos mito uiliamondiz onorico uiliamondiz ordonio daludiz ordonio eldrebeiz»

434 Nº236/1103. Este documento constitui o primeiro testemunho português directo de ensino ministrado a leigos, com a particularidade de o autor da doação, um pupilo grato ao seu mestre, ser uma mulher.

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é ao mesmo tempo donatário e redactor) como ‘magister’ 435. Ourigo

Guilhamondes, para além de surgir como confirmante ou simples testemunha em

muitos documentos do Liber Fidei, assina durante mais de trinta anos vários actos

jurídicos na qualidade de notário; todos esses documentos mostram características

de vernacularização da scripta latina.

Em terceiro lugar o arcediago D. Bernardo, francês e cluniacense, companheiro,

colaborador e biógrafo de S. Geraldo, nomeado em 1128 Bispo de Coimbra.

D. Bernardo surge como confirmante de algumas dezenas de documentos

bracarenses transcritos no Liber Fidei. Nos documentos o seu nome é precedido

do título de ‘magister’ indicando as suas funções de mestre-escola do Cabido. A

biografia que deixou de S. Geraldo é um elemento historiográfico fundamental

para o conhecimento da vida do prelado bracarense 436 . A sua Vita Sancti

Geraldi 437 está redigida no latim medieval reformado da época, uma língua

bastante distinta da dos diplomas que confirmou em Braga e Coimbra (já como

bispo).

Aliás, um dos aspectos que o mestre-escola D. Bernardo elogia na personalidade

de S. Geraldo é a erudição que este manifestava já desde os seus tempos de

monge em Moissac, descrevendo o amor pelos livros e as aptidões literárias e

pedagógicas do futuro Arcebispo, e destacando no programa de ensino ministrado

por este a música (entenda-se aqui o canto) e a gramática:

435 «et do ipsam hereditatem magistro meo honorigo uiliamondiz in sua uita et post mortem eius tornet illam ad sanctam mariam et dono ipsam hereditatem ut habeant inde serui dei stipendium et ego ante deum inconuulsum premium»

436 «A Vida de S. Geraldo escrita pelo arcediago D. Bernardo, uns 4 anos após a sua morte, é a fonte mais segura e verídica que há sobre a sua personalidade e acção pastoral, por o seu autor ter sido testemunha pessoal da maior parte dos factos que narra, tendo colhido os outros de pessoas fidedignas.» (Costa 1991:22-3).

437 Scriptores I, pp.53-59.

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Quia vero divinæ scripturæ pabulo refici magnopere exoptabat, armarii in quo

libri divini reponebantur custos factus est, in cujus officii obedientia annis multis

perduravit. Tali quippe refectione imbutus, fratribus in Capitulo fluenta

prædicationum effundebat, et eos spiritali cibo jugiter reficiebat. Musicæ quoque,

nec non etiam artis grammaticæ scientia eruditus, in monasterio quorum, utpote

bonus primicerius, doctissime regebat; et monachos minus eruditos tam in

musica quam etiam litterali disciplina diligenter edocebat. 438

A conclusão a que quero chegar com estas referências é que a tradição notarial,

embora frequentemente descrita por filólogos e historiadores como “latim

bárbaro”, ou “latim decadente”, subsistia com a anuência de personalidades

letradas (com responsabilidades educacionais e pedagógicas) que, não só tinham

acesso directo aos textos notariais, mas também transmitiam o saber livresco e

escritural de que a redacção desses textos em última análise dependia.

Isto é, tanto o Bispo D.Pedro, como o cónego e mestre-escola Ourigo

Guilhamondes, como o arcediago e mestre-escola D. Bernardo, como o próprio

Arcebispo S. Geraldo (que confirmou pessoalmente muitos actos jurídicos)

estavam numa posição privilegiada para contrariar e corrigir, se fosse caso disso,

a corrupção do latim nos documentos que confirmavam (muitos certamente

redigidos por antigos pupilos da escola capitular) ou que eles próprios redigiam.

Se a tradição notarial não era posta em causa por contemporâneos notáveis como

os mencionados, então é necessário concluir que correspondia às exigências

comunicativas próprias da época: o latim notarial não reformado não era latim

clássico nem os seus utilizadores — redactores , leitores e ouvintes — esperavam

que fosse. A questão da corrupção linguística, ou mesmo das diferenças e desvios

438 Scriptores I, p.54.

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linguísticos em relação aos modelos das ‘auctoritates’ não se punha, e isso explica

o fraco impacto da reforma nas práticas dos notários e escribas nas décadas que se

lhe seguiram.

O que sabe exactamente sobre o ensino no período anterior à fundação da

nacionalidade é muito pouco 439 . Sobre a forma como o ensino da escrita era

ministrado, nada se sabe de concreto antes dos sécs. XII-XIII.

Mas as considerações que apresentei acima, assentes obviamente nos

conhecimentos hoje acumulados sobre documentação latino-romance, penso que

permitem pensar que o ensino não se limitava à leitura das Escrituras ou ao estudo

dos preceitos da ‘grammatica’. Se tradição notarial subsistiu durante séculos,

tendo resistido à reforma do latim na segunda metade do séc. XI, pode-se concluir

tentativamente que o “latim bárbaro” dos diplomas notariais era explicitamente

ensinado, aprendido e transmitido como uma tradição escrita com traços

específicos e com fins específicos.

Também não se sabe praticamente nada sobre o conteúdo representacional da

língua escrita anterior ao séc.XIII. E paradoxalmente os problemas que se

levantam complicam-se à medida que nos aproximamos do séc. XIII. Uma

simples transcrição fonética/fonémica (hipotética) de um trecho extenso de um

documento latino-notarial levanta problemas dificilmente solúveis no estado

actual dos conhecimentos sobre latim medieval português e português antigo:

como era lido o léxico latino arcaico? que tipo de compreensão era esperado por

parte dos ouvintes (iletrados)? como era recebida a sintaxe dos textos latinos? os

439 «Visto serem hoje desconhecidas compilações medievais referentes ao ensino no País, que elucidassem sobre as condições de funcionamento e o nível das escolas de então, resta ao historiador da Cultura Pátria o aproveitamento de documentos elaborados com finalidades muito distintas (escrituras, testamentos, necrológios, etc.) mas susceptíveis, ainda assim, de fornecer achegas preciosas para o estudo deste tema.» (Caeiro 1968:4).

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ouvintes eram supostos converter essa sintaxe mais livre em sintaxe românica fixa

e rígida, ou necessitavam de um intermediário, que nas sessões de leitura em voz

alta transladasse a sintaxe escrita para sintaxe oral? se sim, o que é plausível,

então como era feita o ensino das capacidades lecto-escriturais dos ‘lectores’, que

incluiam processos de conversão gráfico-semântica que não correspondem ao

nosso conceito moderno de leitura e não eram ainda aquilo que nós consideramos

tradução 440 ? o esqueleto gramatical (flexões, partículas) da língua como era

processado oralmente? era convertido em romance tal como algumas palavras

lexicais obsoletas?

A resposta a este tipo de questões só se pode encontrar, em minha opinião, no

exame dos milhares de documentos que sobrevivem e que esperam um estudo

linguístico aturado e adequado ao estado actual dos conhecimentos em linguística;

está enfim na análise de aspectos linguísticos como aqueles que apresentei, e de

muitos outros referidos nas várias propostas de tipologia latim/romance que

transcrevi acima.

*

Resumindo, e para terminar estas considerações finais, os resultados

apresentados, ainda que em minha opinião sejam reveladores e significativos, não

são no entanto espectaculares, permita-se-me o termo.

Ou seja, não reflectem uma clivagem nítida e acentuada entre os dois períodos

abordados. Ou por outras palavras ainda, não revelam a ‘restauração da

latinidade’ (que Menéndez Pidal detectou em documentos do séc. XI-XII e

440 «As these documents were read out to the witnesses and parties, the reader probably did not think he was “translating”, but merely reexpressing learned language in vernacular, popular speech.» Dutton 1980:19.

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atribuiu à reforma cluniacense) pelo menos durante os 30 anos subsequentes à

reforma. Os dados aqui apresentados confirmam as asserções de Wright sobre

outros tipos de textos, e também as minhas próprias conclusões expressas num

trabalho anterior, e com dados textuais diversos.

No seu conjunto, os resultados dos vários aspectos observados das três variáveis

acima consideradas 441 embora revelem tendências de mudança, não revelam

separação profunda entre os 30 anos que antecedem o Concílio de Burgos e os 30

anos seguintes.

Isto poderia dever-se então a vários factores de ordem geral:

1. algumas estruturas do romance existiam já no latim, quer no chamado ‘latim

vulgar’ quer no latim tardio; por exemplo, no que concerne a ordem de itens

ou constituintes, a grande mudança do latim para o romance foi a

rigidificação ou fixação de determinados padrões existentes e não

propriamente a aquisição de padrões novos;

2. as variáveis aqui consideradas, não teriam uma visibilidade muito grande

em termos do seu vulgarismo, ao contrário das terminações flexionais,

facilmente elididas, acrescentadas ou modificadas (algumas por simples

sinais de abreviação), dado o seu carácter estrutural (artigo definido

incluído); por isso escapariam mais facilmente indetectadas pelo crivo

uniformizador e normativista dos copistas do séc.XII; este efeito

normalizador é particularmente visível na ortografia, e em alguns aspectos

da morfo-sintaxe. Mas também a colação dos originais que sobrevivem com

as cópias do Liber Fidei mostra uma fidedignidade geral (mas não total) em

441 Às variáveis observadas podem e devem acrescentar-se muitas outras, cujos valores espero poder apresentar em trabalhos na sequência da investigação em curso.

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relação ao léxico, à sintaxe e à morfologia flexional. Este factor vai no

sentido de a competência escribal quer dos notários pré-reforma, quer dos

notários pós-reforma, quer ainda dos copistas (pós-reforma) não ser

radicalmente distinta, pelo menos no que se referia a aspectos estruturais tão

básicos como uso do artigo definido, uso do futuro de conjuntivo,

eliminação do neutro, ordem de certos elementos frásicos.

3. as alterações, no sentido de uma latinidade mais polida ou normativa, da

língua escrita notarial, no ‘territorium bracarense’, iniciaram-se, não com a

adopção oficial da reforma em 1080, mas sim com a restauração da diocese

de Braga, com o bispo D.Pedro em 1070. O exame parcelar da

documentação de tipo R do episcopado deste prelado parece mostrar um

aumento razoável nas características alatinadas da língua notarial. O

carácter geralmente mais alatinado dos documentos “eclesiásticos” parece

confirmá-lo. Este simples facto põe alguns problemas sérios à perspectiva

da ‘restauração da latinidade’ a partir de 1080, pois se é possível mostrar

que as mudanças se começam a registar a partir de uma data anterior à

influência normativista de Cluny, então o que está verdadeiramente em

causa não é a correcção escolástica do latim escrito, enquanto língua distinta

do romance vernáculo, mas sim uma melhor adequação da língua escrita

‘tout cout’ aos parâmetros teóricos da ‘ars grammaticae’, estudados e

aprendidos nas escolas capitulares e monásticas.

Os dados apresentados e observados, ainda que possam ser complementarmente

suportados pelo exame de outras variáveis, e de um corpus textual quantitativa e

diatopicamente mais alargado, se mostram a partir de pelo menos 1091 um maior

cuidado dos escribas com certos aspectos de ‘correcção gramatical latina’, não

permitem concluir pela instauração generalizada de uma maior ou melhor

consciência da latinidade enquanto categoria distinta da romanidade.

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A comunicação escrita na România alto-medieval não constitui um corpus

homogéneo e monolítico, como as diferenças entre tipos textuais detectadas neste

estudo revela: é forçoso reconhecer a existência, não só de variedades diatópicas,

mas também, e mais fundamentalmente, de variedades diastráticas. Dito de outro

modo, não há “um” latim medieval, há “vários latins” ou, melhor dizendo, há

diferentes estratos no latim medieval, adequados a diversas necessidades

comunicativas e derivados de intencionalidades expressivas diversas. Concluo

com as palavras de Maurilio Pérez:

la complejidad de la latinidad medieval comienza a exigir la distinción de varios

niveles o estratos lingüísticos, relacionados con la diversidad de orientación, así

como con la diversidad de medios sociales y culturales de desarrollo. 442

FINIS

LAVS DEO

Esta dissertação doutoral foi concluída em1 de Setembro de 1995.

Foi discutida e defendida em 1 de Fevereiro de 1996, sendo arguentes a Sra Prof. Doutora Clarinda Maia (da Faculdade de Letras de Coimbra),

e a Sra Prof. Doutora Maria Francisca Xavier (da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas). A dissertação foi aprovada com Distinção e Louvor.

Posteriormente foram introduzidas algumas correcções e revisões.

442 Pérez González 1987b:133.

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Referências

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