antologia pais da igreja

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Antologia Pais Da Igreja

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Abrao viu o meu dia

SANTO AMBRSIO

Abrao viu o meu dia

Deus disse a Abrao: Toma o teu filho bem-amado, esse Isaac que acarinhaste; parte para a montanha e l mo oferecers em holocausto (Gn 22,2). Isaac prefigura Cristo que vai sofrer: vem sobre uma burra...

Quando o Senhor veio sofrer por ns na sua Paixo, soltou o jumento de junto da burra e sentou-se nela... Abrao disse aos servos: J voltaremos para junto de vs; sem que ele o soubesse, isto era uma profecia... Isaac carregou a lenha e Cristo levou a prpria cruz. Abrao acompanhava o seu filho; o Pai acompanhava Cristo. Na verdade, ele diz: Deixar-me-eis s, mas eu no estou s; o Pai est comigo (Jo 16,32). Isaac diz a seu pai...: Est aqui a lenha, onde est o cordeiro para o holocausto? So palavras profticas, mas ele no o sabe; com efeito, o Senhor preparava um Cordeiro para o sacrifcio. Tambm Abrao profetizou ao responder: Deus prover o cordeiro para o holocausto, meu filho...

O anjo diz: 'Abrao, Abrao!... No ergas a mo sobre o menino, no lhe faas mal; porque agora sei que temes a Deus, tu que no poupaste o teu filho bem-amado por minha causa' (cf. Rm 8,32)... Abrao levantou os olhos e viu: estava ali um carneiro suspenso pelos cornos num arbusto. Porqu um carneiro? o que tem mais valor em todo o rebanho. Porqu suspenso? Para te mostrar que no era uma vtima terrestre... O nosso corno, a nossa fora, Cristo (Lc 1,69), que superior a todos os homens, tal como lemos: s o mais belo dos filhos dos homens (Sl 44,3). S ele foi erguido da terra e exaltado, como no-lo ensina com estas palavras: Eu no sou deste mundo; sou do alto (Jo 8,23) Abrao viu-o neste sacrifcio, apercebeu-se da sua Paixo. por isso que o Senhor diz dele: Abrao viu o meu dia e rejubilou. Ele apareceu a Abrao, revelando-lhe que o seu corpo sofreria a paixo pela qual resgatou o mundo. Indica mesmo o tipo de Paixo ao mostrar o carneiro suspenso; aquele arbusto o brao da sua cruz. Erguido sobre esse madeiro, o guia incomparvel do rebanho tudo atraiu a si, para por todos ser conhecido.

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A tua f te salvou. Vai em paz

A Penitncia, II, 8

No so os que tm sade que precisam de mdico, mas sim os doentes (Mt 9,12). Mostra portanto ao mdico a tua ferida, para poderes ser curado. Mesmo se tu no a mostrares, ele conhece-a, mas ele exige de ti que tu o faas ouvir a tua voz. Limpa as tuas feridas com as tuas lgrimas. Foi assim que esta mulher da qual fala o evangelho se desembaraou do seu pecado e da m reputao do seu desvio; foi assim que ela se purificou da sua falta, lavando os ps de Jesus com as suas lgrimas.

Possas tu reservar tambm para mim, Jesus, o desvelo de lavar os teus ps, que tu sujaste enquanto caminhavas em mim!... Mas onde encontrarei eu a gua viva com a qual poderei lavar os teus ps? Se no tenho gua, tenho as minhas lgrimas. Fazei que lavando os teus ps com elas, eu possa purificar-me a mim prprio! Como fazer de modo que digas de mim: Os seus numerosos pecados so-lhe perdoados, porque ela amou muito? Confesso que a minha dvida considervel e que j fui resgatado, eu que fui arrancado do barulho das querelas da praa pblica e das responsabilidades do governo para ser chamado ao sacerdcio. Por consequncia, eu temo ser considerado um ingrato se amo menos, dado que ele j me resgatou.

No me posso comparar importncia dessa mulher que foi justamente preferida ao fariseu Simo que recebia o Senhor em sua casa. Entretanto, a todos os que quiserem merecer o perdo, ela d uma instruo, beijando os ps de Cristo, lavando-os com as suas lgrimas, enxugando-os com os seus cabelos, ungindo-os com perfume se no a podemos igualar, o Senhor Jesus sabe vir em socorro dos fracos. Onde no h ningum que saiba preparar uma refeio, levar o perfume, trazer consigo uma fonte de gua viva (Jo 4,10), vem ele prprio.

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Os filhos esto livres

Comentrio do Salmo 48, 14-15

Quando Cristo reconciliou o mundo com Deus, no precisava evidentemente de reconciliao para si mesmo. Por qual dos seus pecados teria ele de apaziguar Deus, Ele que no cometera nenhum? Por isso, quando os judeus lhe exigiram as duas dracmas exigidas pala Lei, Jesus disse a Pedro: Simo, de quem recebem os reis da terra o tributo e os impostos? Dos filhos ou dos estranhos? Pedro respondeu: Dos estranhos. Jesus replicou: Portanto, os filhos esto isentos. Mas para no os escandalizar, lana o anzol e abre a boca do primeiro peixe que apanhes; encontrars a uma moeda de quatro dracmas: toma-a e d-a por mim e por ti.

Cristo mostra-nos assim que Ele no tinha nada a expiar por pecados pessoais, porque no era escravo do pecado mas, como Filho de Deus, estava livre de qualquer falta. O filho estava livre e o escravo em estado de pecado. Uma vez que est livre de tudo, Jesus no paga nada pelo resgate da sua alma, Ele cujo sangue podia amplamente pagar a redeno dos pecados do mundo inteiro. Ele tem o direito de libertar os outros, Ele que no tem qualquer dvida em seu nome.

Mas eu vou mais longe. Cristo no o nico a no ter de pagar pela redeno ou pela expiao de pecados pessoais. Se considerarmos qualquer homem crente, podemos dizer que nenhum deve pagar pela sua prpria expiao, porque Cristo expiou para a redeno de todos.

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Vim trazer um fogo terra

Tratado sobre S. Lucas 7, 131-132

Vim trazer o fogo terra, e como desejaria que j estivesse aceso. O Senhor quer-nos vigilantes, esperando a todo o momento a vinda do Salvador. [] Mas porque o ganho magro e fraco o mrito quando por temor do suplcio que no nos deixamos cair na perdio, e porque o amor o valor superior, o prprio Senhor inflama-nos no desejo de chegar a Deus, ao dizer-nos: Vim trazer o fogo terra. Certamente no este o fogo que destri, mas o fogo que produz a vontade boa, que torna mais valiosos os vasos de ouro da casa do Senhor ao queimar o feno e a palha (1 Co 3, 12ss), ao devorar as podres entranhas do mundo, amassadas pelo gosto do prazer terrestre, obras da carne que devem ser destrudas.

Era o fogo divino que queimava os ossos dos profetas, como declara Jeremias: Tornou-se um fogo devorador, encerrado em meus ossos (Jr 20,9). Porque h um fogo que vem do Senhor, sobre o qual se diz: frente dEle avanar o fogo (Sl 96, 3). O prprio Senhor um fogo, diz ele, que arde sem se consumir (Ex 3,2). O fogo do Senhor a luz eterna; neste fogo acendem-se as lmpadas dos crentes: Tende os rins cingidos e as lmpadas acesas (Lc 12, 35). porque os dias desta vida so noite ainda que so necessrias as lmpadas. este o fogo que, segundo o testemunho dos discpulos de Emas, o prprio Senhor pusera neles: No sentamos o corao a arder, durante o caminho, enquanto Ele nos explicava as Escrituras? (Lc 24,32). Eles ensinam-nos pela evidncia qual aco deste fogo, que ilumina o fundo do corao do homem. por isso que o Senhor vir no fogo (Is 66, 15), para consumir os vcios no momento da ressurreio, para com a sua presena realizar os desejos de cada um de ns, e projectar a sua luz sobre as glrias e os mistrios.

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Tendes s um Mestre, ... o Cristo (Mt 23,8)Sobre o Evangelho de S. Lucas, 7,244 sg

Nenhum servo pode servir a dois senhores. No quer dizer que haja dois: h um nico Mestre. Porque, mesmo se h pessoas que servem o dinheiro, este, contudo, no possui qualquer direito para ser seu mestre; elas que querem carregar o jugo da escravatura. Na verdade, no se trata de um poder justo mas de uma escravatura injusta. por isso que Jesus diz: Arranjem amigos com o dinheiro desonesto para que, pelas nossas prodigalidades para com os pobres, obtenhamos o favor dos anjos e dos outros santos.

O intendente no criticado: aprendemos assim que no somos senhores, mas apenas intendentes das riquezas de outrem. Embora tenha cometido uma falta, ele louvado porque, dando aos outos em nome do seu senhor, conseguiu apoios. E Jesus bem fala de dinheiro enganador, porque a avareza tenta as nossas inclinaes pelas variadas sedues das riquezas, a ponto de nos querermos tornar seus escravos. por isso que ele diz: Se no sois dignos de confiana com os bens dos outros, quem vos dar o vosso? As riquezas so-nos estranhas porque esto fora da nossa natureza; no nascem connosco, no nos seguem quando morrermos. Cristo, pelo contrrio, nosso porque a vida... No sejamos escravos dos bens exteriores porque apenas devemos reconhecer a Cristo como nosso Senhor.

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Jovem, Eu te ordeno, levanta-te

Tratado sobre o Evangelho de S. Lucas, 5, 89, 91-92Mesmo que os sintomas da morte tenham afastado por completo a esperana de vida, mesmo que os corpos dos defuntos jazam perto do tmulo, ainda assim, voz de Deus, os cadveres preparados para a decomposio voltam a erguer-se, recuperam a fala; o filho devolvido a sua me, chamado do tmulo, arrancado ao tmulo. Que tmulo o teu? Os teus maus hbitos, a tua falta de f. deste tmulo que Cristo te liberta, deste tmulo que ressuscitars, se ouvires a Palavra de Deus. Ainda que o teu pecado seja to grave, que no consigas lavar-te a ti mesmo pelas lgrimas do arrependimento, a Igreja tua Me chorar por ti, Ela que intervm a favor de todos os seus filhos, qual me viva por seu nico filho. Porque se compadece, por uma espcie de dor espiritual que lhe natural, ao ver os seus filhos serem conduzidos morte por pecados fatais. []

Que Ela chore, pois, esta Me piedosa, e que a multido a acompanhe; que no seja apenas uma multido, mas uma multido considervel, a compadecer-se desta Me terna. Ento ressuscitars do tmulo, dele sers libertado; os carregadores deter-se-o, comears a falar como um vivo e todos ficaro estupefactos. O exemplo de um s servir para corrigir muitos, que louvaro a Deus por nos ter concedido tais remdios para evitar a morte.

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Deus procura do homem perdido

Sobre o evangelho de S. Lucas, 7, 207Como a fraqueza dos homens no capaz de manter um ritmo firme neste mundo escorregadio, o bom mdico mostra-te os remdios contra os desvios, e o juiz misericordioso no recusa a esperana do perdo. No foi sem motivo que S. Lucas apresentou trs parbolas em sequncia: a ovelha que se tinha perdido e que foi encontrada, a moeda que estava perdida e se encontrou, o filho que estava morto e regressou vida. para que este triplo remdio nos comprometa a cuidar das nossas feridas... A ovelha cansada foi trazida pelo pastor; a moeda extraviada foi encontrada; o filho volta para trs e regressa ao encontro do pai no arrependimento do seu desvario...

Alegremo-nos, pois, pelo facto de que esta ovelha que se tinha perdido em Ado seja reerguida em Cristo. Os ombros de Cristo so os braos da cruz; foi l que depus os meus pecados, foi sobre esse madeiro que encontrei repouso. Aquela ovelha nica na sua natureza, mas no nas suas pessoas, porque todos ns formamos um s corpo mas somos muitos membros. por isso que est escrito: "Vs sois o corpo de Cristo e membros dos seus membros" (1 Co 2,27). "O Filho do homem veio para salvar o que estava perdido" (Lc 19,10), quer dizer, todos os homens, uma vez que "todos morrem em Ado, tal como todos revivem em Cristo" (1 Co 15,22)...

Tambm no indiferente que esta mulher se alegre por ter encontrado a moeda: que nesse moeda figura a imagem de um prncipe. De igual modo, a imagem do Rei o bem da Igreja. Ns somos ovelhas: peamos ento ao Senhor que nos conduza gua do descanso (Sl 22,2). Ns somos ovelhas: peamos as pastagens. Ns somos a moeda: guardemos o nosso valor. Ns somos filhos: corramos para o Pai.

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Antes de o galo cantar, negar-me-s trs vezes

Comentrio ao evangelho de S. LucasPedro negou uma primeira vez e no chorou, porque o Senhor no o olhou. Negou-o uma segunda vez e no chorou, porque o Senhor ainda no o tinha olhado. Negou-o uma terceira vez, Jesus olhou-o, e ele chorou, amargamente (Lc 22,62). Olha-nos, Senhor Jesus, para que saibamos chorar o nosso pecado. Isto mostra que mesmo a queda dos santos pode ser til. A negao de Pedro no me fez mal; ao contrrio, com o seu arrependimento, eu ganhei: aprendi a defender-me de um ambiente infiel

Portanto, Pedro chorou, e muito amargamente; chorou para chegar a lavar a sua culpa com as lgrimas. Tambm vs, se quereis obter o perdo, apagai a vossa falta com as lgrimas; nesse exacto momento, nessa mesma hora, Cristo olha-vos. Se vos suceder alguma queda, ele, testemunha presente da vossa vida secreta, olha-vos para vos lembrar e vos fazer confessar os vossos erros. Fazei ento como Pedro, que disse noutra ocasio por trs vezes: Senhor, tu sabes que eu te amo (Jo 21, 15). Ele negou trs vezes, trs vezes tambm ele confessa; mas ele negou na noite, e confessa em pleno dia.

Tudo isto est escrito para nos fazer compreender que ningum se deve vangloriar. Se Pedro caiu por ter dito: Ainda que todos se escandalizem de Ti, eu nunca me escandalizarei (Mt 26,33), que outra pessoa estaria no direito de contar consigo prprio?... Donde te chamarei, Pedro, para me ensinares os teus pensamentos quando tu choravas? Do cu onde j tomaste lugar entre os coros dos anjos, ou ainda do tmulo? Porque a morte, da qual o Senhor ressuscitou, no te repugna por seu turno. Ensina-nos em que que as tuas lgrimas te foram teis. Mas tu ensinaste-o bem depressa: porque tendo cado antes de chorar, as tuas lgrimas fizeram-te ser escolhido para conduzir outros, tu que, inicialmente, no tinhas sabido conduzir-te a ti mesmo.

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Ir ao encontro dos outros como o Senhor vem ao nosso encontro

A Penitncia, I, 1A moderao sem dvida a mais bela das virtudes s a ela que a Igreja, adquirida pelo preo do sangue do Senhor, deve a sua expanso; ela a imagem do benefcio celeste da redeno universal Consequentemente, quem se aplica a corrigir os defeitos da fraqueza humana deve suportar e em certa medida sentir o peso desta fraqueza sobre os prprios ombros, e no a rejeitar. Porque lemos que o pastor do Evangelho levou a ovelha fatigada, e no a rejeitou (Lc 15,5) A moderao, com efeito, deve temperar a justia. No sendo assim, como poderia algum por quem tu mostras desaprovao algum que pensaria ser para o seu mdico um objecto de desprezo e no de compaixo como poderia ele vir ter contigo para ser tratado?

por isso que o Senhor Jesus mostrou compaixo para connosco. O seu desejo era de nos chamar a ele, e de no nos fazer fugir assustando-nos. A doura marca a sua vinda; a sua vinda marcada pela humildade. Ele disse alis: Vinde a mim, vs que estais aflitos, e eu vos reconfortarei. Assim pois, o Senhor Jesus reconforta, no exclui, no rejeita. E justificadamente que escolheu para discpulos homens que, ao serem fiis intrpretes da vontade do Senhor, reuniriam o povo de Deus, em vez de o afastar.

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Em unssono exaltemos o Seu nome (Sl 33, 4)

Comentrio a S. Lucas 2, 26-27

Que em todos resida a alma de Maria que glorifica o Senhor; que em todos resida o esprito de Maria que exulta em Deus. Se, fisicamente, h uma s Me de Cristo, pela f, Cristo fruto de todos, porque todas as almas recebem o Verbo de Deus se permanecerem sem mancha, preservadas do mal e do pecado, guardando a castidade numa pureza inalterada. Assim, todas as almas que alcanam este estado exaltam o Senhor, como a alma de Maria exaltou o Senhor e o seu esprito se alegrou em Deus Salvador.

Com efeito, o Senhor exaltado, como lestes noutra passagem: Em unssono exaltemos o Seu nome (Sl 33, 4). No que a palavra humana possa acrescentar seja o que for ao Senhor, mas porque Ele cresce em ns. Porque Cristo a imagem de Deus (2 Cor 4, 4), de maneira que a alma que faz coisas justas e religiosas exalta esta imagem de Deus, semelhana da qual foi criada. E, exaltando-a, participa de alguma maneira na sua grandeza, na qual elevada, parecendo reproduzir em si esta imagem atravs das cores vivas das suas boas obras, e como que copi-la pelas suas virtudes.

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De tal maneira que as aves do cu vm fazer os ninhos sua sombra

Comentrio sobre o Evangelho de S. Lucas

O prprio Senhor um gro de mostarda. [] Se Cristo um gro de mostarda, como Ele o mais pequeno e como cresce? No na sua natureza, mas segundo a aparncia, que Ele se torna grande. Quereis saber de que forma o menor? Vimo-lo sem aspecto atraente (Is 53, 2). Aprendei tambm como Ele o maior: s o mais belo de entre os filhos do homem (Sl 44, 3). Com efeito, aquele que no tinha atractivo nem beleza tornou-se superior aos anjos (Heb 1, 4), ultrapassando toda a glria dos profetas de Israel. [] Ele a menor de todas as sementes, porque no veio com a realeza, nem com as riquezas, nem com a sabedoria deste mundo. E subitamente, como uma rvore, fez dilatar o cume elevado do seu poder, de tal maneira que ns dizemos: Anelo sentar-me sua sombra (Cant 2, 3).

Muitas vezes me pareceu, em simultneo, rvore e semente. semente quando dizem Dele: No Ele o filho do carpinteiro? (Mt 13, 55). Mas foi no decurso da Sua prpria pregao que Ele cresceu: De onde Lhe vem esta sabedoria? (v. 54). Ele , pois, semente na aparncia, rvore pela sabedoria. Na folhagem dos seus ramos podero repousar com segurana a ave nocturna na sua morada, o pssaro solitrio sobre o telhado (Sl 101, 8), aquele que foi arrebatado at ao paraso (2 Cor 12, 4), como aquele que ser arrebatado juntamente com eles sobre as nuvens (1 Tes 4, 17). A repousam tambm as potncias e os anjos do cu e todos aqueles cujas aces espirituais lhes permitiram levantar voo. Foi a que repousou So Joo, quando se apoiou no peito de Jesus (Jo 13, 25). []

E ns, que estvamos longe (Ef 2, 13), espalhados por entre as naes, que fomos durante muito tempo agitados no vazio do mundo pelas tempestades do esprito do mal, abrindo as asas da virtude, dirijamos o nosso voo para que esta sombra dos santos nos abrigue do calor escaldante deste mundo. J recupermos a vida na paz e na segurana desta morada, no momento em que a nossa alma, outrora curvada sob o peso dos pecados, escapa como um pssaro do lao do caador (Sl 123, 7), e transportada para os ramos e as montanhas do Senhor (Sl 10, 1).

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Segue-me

misteriosa a vocao do publicano. Cristo diz-lhe que O siga, no por um interesse material, mas por um impulso do corao. E aquele homem, que at ento tirava avidamente proveito dos negcios, que explorava duramente as canseiras e os perigos dos homens do mar, deixa tudo voz do chamamento. Ele, que tomava dos bens dos outros, abandona o que era seu; Ele, que permanecia sentado atrs da sua triste banca, caminha com todo o entusiasmo atrs do Senhor. E prepara-Lhe um grande banquete: o homem que recebe a Cristo na sua morada interior sente-se saciado de delcias imensas, de alegrias inexcedveis. Quanto ao Senhor, entra de boa vontade e senta-Se mesa preparada pelo amor daquele que acreditou.

Naquele mesmo instante, revela-se a diferena entre os detentores da Lei e os discpulos da graa. Ater-se Lei sofrer, num corao vazio, uma fome sem remdio; acolher interiormente a Palavra, receb-la na alma, encontrar a renovao na abundncia do alimento e da fonte imperecveis, nunca mais ter fome, nunca mais ter sede.

Se o Senhor come com os pecadores, ser por ventura para nos proibir a ns de comermos e vivermos em comum at com os pagos? Ele diz-nos: No so os que gozam de sade os que precisam de mdico, mas os doentes. novo o remdio que o novo Mestre nos traz. No um produto que nasa da terra. E toda a cincia no saberia prepar-lo.

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O bom samaritano

Tratado sobre o Evangelho de S. Lucas, 7,73 (SC 52,p.33s)

Um homem descia de Jerusalm a Jeric. Jeric o smbolo do nosso mundo aonde desceu Ado depois de ter sido expulso do paraso, quer dizer da Jerusalm celeste... a troca, no de lugar, mas de costumes, que fez o seu exlio. Que mudana a deste Ado, que gozava duma felicidade sem inquietao! Desde que caiu nas baixezas deste mundo, passa a encontrar os ladres... Quem so estes ladres, seno os anjos da noite e das trevas, que por vezes se fazem passar por anjos de luz (2Co 11,14)? Eles comeam por nos despojarem das vestes da graas espiritual que recebemos e, assim que habitualmente nos fazem par nos ferirem. Se guardarmos intactas as vestes que recebemos, os ladres no podero atingir-nos. Pe-te ento de sobreaviso para no te deixares despojar, como aconteceu com Ado, e ficares privado da proteo de Deus e despido da veste da f. Por essa razo que ele recebeu a mortal ferida que teria feito sucumbir todo o gnero humano, se o Samaritano no tivesse descido para curar as suas feridas.

Pouco importa quem seja este samaritano;aquele que o sacerdote e o levita tinham desdenhado, ele nono desdenhou. Portanto, o Samaritano descia. Quem desceu do cu, seno aquele que subiu ao cu, o Filho do Homem, que est nos cus? (Jn 3,13). Vendo meio morto este homem que ningum, antes dele, tinha podido curar, veio ele at junto de si; quer dizer que, ao aceitar sofrer conosco, ele fez-se o nosso prximo e, ao compadecer-se de ns, fez-se nosso companheiro.

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As trs parbolas da misericrdia

Tratado sobre o Evangelho de S. LucasNo foi sem razo que S. Lucas nos apresentou de seguida trs parbolas: a ovelha que se tinha perdido e foi encontrada, a dracma desaparecida e que foi achada, o filho prdigo que estava morto e reviveu... Foi para que, solicitados por este triplo remdio, tratemos das nossas feridas. Quem so este pai, este pastor, esta mulher? No sero Deus Pai, Cristo, a Igreja? Cristo, que tomou sobre si os teus pecados, leva-te no seu corpo; a Igreja procura-te; o Pai acolhe-te. Como um pastor, Ele te transporta; como uma me, Ela te busca; como um Pai, Ele te cobre. Primeiro a misericrdia, depois a assistncia, por fim a reconciliao.

Cada pormenor convm a cada um deles: o Redentor vem em teu auxlio, a Igreja assiste-te; o Pai se reconcilia. A misericrdia da obra divina a mesma, mas a graa varia segundo os nossos mritos. A ovelha cansada trazida pelo pastor, a dracma perdida encontrada, o filho regressa para o pai e volta plenamente arrependido de uma falta que ele condena...

Alegremo-nos pois que esta ovelha, que tinha cado com Ado, seja levantada em Cristo. Os ombros de Cristo, so os braos da cruz: foi l que depus os meus pecados, foi sobre o seu nobre tronco que eu repousei.

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Caminhar diante de Deus com o esprito e o poder de Elias (Lc 1, 17)

Elias e o jejum

O que o jejum, seno a imagem e a substncia do Cu? O jejum o reconforto da alma, o alimento do esprito, o jejum a vida dos anjos, o jejum a morte do pecado, a destruio das faltas, o remdio da salvao, a raiz da graa, o fundamento da castidade. Por esta escada chega-se mais rapidamente junto de Deus; por esta escada, subiu Elias, antes de montar o carro; ao partir para o cu, deixou ao seu discpulo esta herana da abstinncia sbria (cf 2R 2, 15.) nesta fora e esprito de Elias que surge Joo. (Lc. L,l7)

Efetivamente, ele entregava-se ao jejum, e o seu alimento eram gafanhotos e mel selvagem (Mt. 3,4); por esta razo,aquele que o tinha levado pelo domnio de si prprio sobre a capacidade davida humana foi considerado no como um homem, mas como um anjo. Ns lemos a seu respeito Ele mais do que profeta. aquele de quem se escreveu: Eis que envio o meu anjo a preparar o caminho diante deti(Mt 11,9-10; Ex 23,20). Quem seria capaz, por foras humanas, montar cavalos e carro de fogo, fazer um percurso atravs dos ares [como Elias], seno aquele que tinha transformado a natureza do corpo humano pela fora do jejum que obtm a incorruptibilidade?

s tu aquele que deve vir?

Comentrio ao Evangelho de Lucas

O Senhor, sabendo que sem o Evangelho ningum pode ter uma f plena porque se a Bblia comea pelo Antigo Testamento, no Novo que ela atinge a perfeio no esclarece as questes que lhe pem acerca dele prprio por palavras, mas pelos seus atos. Ide, disse ele, contai a Joo o que viro e ouviram: os cegos vem, os coxos andam, os surdos ouvem, os leprosos so purificados, os mortos ressuscitam, a Boa Nova anunciada aos pobres. Este testemunho completo porque foi dele que profetizaram:O Senhor liberta os prisioneiros; o Senhor d vista aos cegos; o Senhor levanta os cados... O Senhor reinar eternamente (Sl 145,7s). Estas so as marcas de um poder no humano mas divino...

Contudo estes no so ainda seno os mais pequenos exemplos do testemunho trazido por Cristo. O que funda a plenitude da f, a cruz do Senhor, a sua morte, o seu sepulcro. por isso que, depois da resposta que citamos, ele diz ainda:Feliz daquele que no cair por minha causa. Com efeito, a cruz podia provocar a queda dos prprios escolhidos, mas no h testemunho maior de uma pessoa divina, nada que mais parea ultrapassar as foras humanas, que esta oferta de um s pelo mundo inteiro. Somente por isso o Senhor se revela plenamente. Alis, assim que Joo o designa: Eis o Cordeiro de Deus, eis aquele que tira o pecado do mundo (Jo 1,29).

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Tu que escondes o teu ouro na terra (Mt 25, 25), s o seu servo, no o senhor.

L onde estiver o teu tesouro, est tambm o teu corao. Nesse ouro, foi portanto o teu corao que enterraste. Vende antes o ouro e compra a tua salvao; vende o mineral e adquire o Reino de Deus, vende o campo e volta a comprar para ti a vida eterna.

Dizendo isto, digo a verdade, pois me apoio na prpria palavra dAquele que a Verdade: Se queres ser perfeito, vende tudo quanto possuis e d o dinheiro aos pobres. Construirs assim um tesouro no cu (Mt 19,21). No te entristeas de ouvir estas palavras, com medo que te seja dita a mesma palavra que ao jovem rico: Como difcil queles que possuem alguns bens entrar no Reino de Deus (Mt 19,23).

Considera antes, ao leres esta frase, que a morte pode arrancar-te esses bens, que a violncia de um poderoso pode roubar-tos. No fim de contas s ters tido em vista bens minsculos em vez de grandes riquezas; so s tesouros de dinheiro em vez de tesouros de graa. Por isso mesmo, so corruptveis, em lugar de permanecerem para sempre.

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Sobre o Credo

Este Smbolo o selo espiritual, a meditao do nosso corao e guardio sempre presente; ele , seguramente, o tesouro da nossa alma. (Symb.1) Ele o Smbolo guardado pela Igreja Romana, aquela onde Pedro, o primeiro dos Apstolos, teve a sua S e para onde ele trouxe a comum expresso da f (Sententia Comunis).

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Passou a noite a orar a Deus

Comentrio sobre S. Lucas 6

O Senhor reza, no com o fim de implorar favores para Si, mas com o fim de os obter para mim. Ainda que o Pai tenha posto todas as coisas disposio do Filho, no entanto o Filho, para realizar plenamente a Sua condio de homem, visto que o nosso advogado, acha por bem implorar o favor do Pai para ns. No faais ouvidos insidiosos, figurando-vos que por fraqueza que Cristo pede, para obter o que no pode realizar, Ele que o autor de todo o poder. Como Mestre na obedincia, Cristo forma-nos pelo Seu exemplo aos preceitos da virtude: Temos junto do Pai um advogado, diz Ele (1 Jo 2, 1). Se advogado, deve intervir pelos meus pecados. Por conseguinte, no por fraqueza mas sim por bondade, que Cristo implora. Quereis saber at que ponto Ele pode fazer tudo o que quer? Ele ao mesmo tempo advogado e juiz: num reside um ofcio de compaixo, no outro a insgnia do poder. Passou a noite a orar a Deus. Cristo d-vos um exemplo, traa-vos um modelo para imitardes.

O que necessrio fazer pela vossa salvao quando, por vs, Cristo passa a noite em orao? Que vos cabe fazer quando quereis empreender uma obra de piedade, see Cristo, no momento de enviar os Seus Apstolos, orou e orou sozinho? Em parte nenhuma, se no estou em erro, encontramos que Ele tenha rezado com os Apstolos. Por toda a parte, Cristo implora sozinho. que o grande desgnio de Deus no pode ser tomado por desejos humanos, e ningum pode entrar no pensamento ntimo de Cristo. Alis, quereis saber como bom para mim e no para Cristo, que Ele tenha orado? Chamou os Seus discpulos e escolheu doze de entre eles para os enviar, como semeadores da f, a propagar por todo o mundo o auxlio e a salvao dos homens.

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Abre tu boca a la palabra de Dios

Comentrios sobre los salmos, (Salmo 36, 65-66: CSEL 64, 123-125)

En todo momento, tu corazn y tu boca deben meditar la sabidura, y tu lengua proclamar la justicia, siempre debes llevar en el corazn la ley de tu Dios. Por esto, te dice la Escritura: Hablars de ellas estando en casa y yendo de camino, acostado y levantado. Hablemos, pues, del Seor jess, porque l es la sabidura, l es la palabra, y Palabra de Dios.

Porque tambin est escrito: Abre tu boca a la palabra de Dios. Por l anhela quien repite sus palabras y las medita en su interior. Hablemos siempre de l. Si hablamos de sabidura, l es la sabidura; si de virtud, l es la virtud; si de justicia, l es la justicia; si de paz, l es la paz; si de la verdad, de la vida, de la redencin, l es todo esto.

Est escrito: Abre tu boca a la palabra de Dios. T brela, que l habla. En este sentido dijo el salmista: Voy a escuchar lo que dice el Seor, y el mismo Hijo de Dios dice: Abre tu boca que te la llene. Pero no todos pueden percibir la sabidura en toda su perfeccin, como Salomn o Daniel; a todos, sin embargo, se les infunde, segn su capacidad, el espritu de sabidura, con tal de que tengan fe. Si crees, posees el espritu de sabidura.

Por esto, medita y habla siempre las cosas de Dios, estando en casa. Por la palabra casa podemos entender la iglesia o, tambin, nuestro interior, de modo que hablemos en nuestro interior con nosotros mismos. Habla con prudencia, para evitar el pecado, no sea que caigas por tu mucho hablar. Habla en tu interior contigo mismo como quien juzga. Habla cuando vayas de camino, para nunca dejes de hacerlo. Hablas por el camino si hablas en Cristo, porque Cristo es el camino. Po el camino, hblate a ti Mismo, habla a Cristo. Atiende cmo tienes que ha blarle: Quiero -dice- que los hombres recen en cualquier lugar alzando las manos limpias de iras y divisiones. Habla, oh hombre, cuando te acuestes, no sea que te sorprenda el sueo de la muerte. Atiende cmo debes hablar al acostarte: No dar sueo a mis ojos, ni reposo a mis prpados, hasta que encuentre un lugar para el Seor, una morada para el Fuerte de Jacob.

Cuando te levantes, habla tambin de l, y cumplirs as lo que se te manda. Fjate cmo te despierta Cristo. Tu alma dice: Oigo a mi amado que llama, y Cristo responde: breme., amada ma. Ahora ve cmo despiertas t a Cristo. El alma dice: Muchachas de Jerusaln, os conjuro que no vayis a molestar, que no despertis al amor! El amor es Cristo.

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O seu reino indivisvel e eterno

Tratado sobre o Evangelho de S. Lucas

Todo o reino dividido contra si prprio corre para a runa. Como diziam que ele expulsava os demnios por Belzebu, prncipe dos demnios, ele queria, com estas palavras, mostrar que o seu reino indivisvel e eterno. Ele tambm respondeu a Pilatos: O Meu reino no deste mundo (Jo 18,36). Portanto, os que no pem a sua esperana em Cristo, mas pensam que os demnios so expulsos pelo prncipe dos demnios, esses, diz Jesus, no pertencem a um reino eterno... Assim que a f despedaada, como pode subsistir o reino dividido?... Se o reino da Igreja deve subsistir eternamente, porque a sua f indivisvel, o seu corpo nico: H um nico Senhor, uma nica f, um nico baptismo. H um s Deus e Pai de todos, que est acima de todos, actua por meio de todos e Se encontra em todos (Ef 4,5-6).

Que loucura sacrlega! Como o Filho de Deus tomou a nossa carne para esmagar os espritos impuros e arrancar o esplio ao prncipe do mu ndo, como ele tambm deu aos homens o poder de destruir o esprito do mal, partilhando os despojos o que a marca do vencedor , alguns chamam em sua ajuda o poder do diabo. E contudo, [como diz Lucas], o dedo de Deus (cl 11,20) ou, como diz Mateus, o Esprito de Deus que expulsa os demnios. Compreendemos por isso que o Reino de Deus indivisvel como um corpo indivisvel uma vez que Cristo est direita de Deus e que o Esprito parece ser comparvel ao seu dedo.

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Somos uns servidores inteis

Sobre o Evangelho de S. Lucas 8, 31-32

Que ningum se vanglorie do que faz, pois que em simples justia que devemos o nosso servio ao Senhor... Enquanto vivermos, devemos sempre trabalhar para o nosso Senhor. Reconhece pois que s um servidor preso a um grande nmero de servios. No te envaideas de ser chamado filho de Deus (1Jo, 3,1): reconheamos esta graa, mas no esqueamos a nossa natureza. No te gabes se serviste bem, pois fizeste o que devias fazer. O sol desempenha o seu papel, a lua obedece, os anjos fazem o seu servio. S. Paulo, o instrumento escolhido pelo Senhor para os pagos (Act, 9, 15), escreve: Eu no mereo o nome de apstolo, porque persegui a Igreja de Deus (Co 15,9). E se algures ele mostra que no tem conscincia de nenhuma falta, acrescenta, de seguida: Mas nem por isso estou justificado (1Co, 4,4). Ns tambm, no pretendamos ser louvados por ns prprios, no antecipemos o julgamento de Deus.

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Obriga-os a entrar, para que a Minha casa se encha

Tratado sobre o Evangelho de S. Lucas, 7

Os convidados desculpam-se, mas o Reino s est fechado a quem dele se excluir pela sua prpria palavra. Na sua clemncia, o Senhor a todos convida; a nossa cobardia, o nosso descaminho, que dele nos afastam. Aquele que prefere comprar uma propriedade estranho ao Reino; no tempo de No, compradores e vendedores foram engolidos pelo dilvio (Lc 17, 28). [] O mesmo acontece quele que se desculpa porque se casou, pois est escrito: Se algum vem ter comigo e no aborrece a seu pai, me, esposa [], no pode ser Meu discpulo (Lc 14, 26).

Assim, aps receber o desdm orgulhoso dos ricos, Cristo voltou-Se para os pagos; chama bons e maus, para fazer crescer os bons, para melhorar as disposies dos maus. [] Convida os pobres, os doentes, os cegos, o que mostra que nenhuma enfermidade fsica afasta ningum do Reino, e que a enfermidade dos pecados sarada pela misericrdia do Senhor. []

Manda, pois, procur-los aos caminhos, porque a Sabedoria clama nas ruas (Prov 1, 20). Manda procur-los s praas, dizendo aos pecadores que abandonem as vias espaosas e tomem o caminho estreito que conduz vida (Mt 7, 13). Manda busc-los s estradas e aos valados, porque os mais capazes de chegar ao Reino dos Cus so aqueles que, sem se deixarem deter pelos bens presentes, se apressam a ir atrs dos futuros, tendo tomado a via da boa vontade [], opondo a muralha da f s tentaes do pecado.

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Cumpriu-se hoje esta palavra da Escritura que acabais de ouvir

Comentrio ao Salmo I, 33

Sacia-te primeiro do Antigo Testamento para em seguida beberes do Novo. Se no beberes do primeiro, no poders saciar-te do segundo. Bebe do primeiro para atenuares a sede que tens, do segundo para a estancares por completo. [] Sacia-te da taa do Antigo e do Novo Testamento porque, em ambos os casos, Cristo que bebes. Bebe Cristo, porque Ele a vinha (Jo 15, 1), Ele a rocha de onde brotou a gua (1Co 10, 3), Ele a fonte da vida (Sl 36, 10). Bebe Cristo, porque Ele o rio, cujos canais alegram a cidade de Deus (Sl 45, 5), Ele a paz (Ef 2, 14) e do seu seio correro rios de gua viva (Jo 7, 38). Bebe Cristo, para te saciares do sangue da tua redeno e do Verbo de Deus. O Antigo Testamento a sua palavra, como o o Novo Testamento. Bebemos e comemos a Sagrada Escritura; nessa altura, o Verbo Eterno desce s veias do esprito e penetra na vida da alma. Nem s de po vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus (Dt 8, 3; Mt 4, 4). Sacia-te, pois, deste Verbo, mas segundo a ordem que convm. Comea por beb-Lo no Antigo Testamento, passando depois, sem tardar, ao Novo.

Ele prprio nos diz, como se tivesse pressa: Povo que andas nas trevas, v esta grande luz; tu que habitas uma terra de sombras, uma luz brilha para ti (Is 9, 2). Bebe, pois, sem demora, e uma grande luz te inundar; no ser a luz quotidiana do dia, do sol ou da lua, mas a luz que afasta as sombras da morte.

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O testemunho dos profetas conduz ao testemunho dos apstolos

Sobre o salmo 45, 2

O Senhor Jesus quis que Moiss subisse sozinho a montanha, mas a ele juntou-se Josu (Ex 24, 13). Tambm no Evangelho, foi a Pedro, Tiago e Joo, entre todos os discpulos que revelou a glria da sua ressurreio.

Pretendia, assim, que o seu mistrio se conservasse escondido e advertia-os frequentemente que no anunciassem facilmente, fosse a quem fosse, aquilo que tinham visto, para que um ouvinte excessivamente fraco no encontrasse nisso um obstculo que impedisse o seu esprito inconstante de receber esses mistrios em toda a sua fora. que o prprio Pedro no sabia o que dizia, pois que pensava que era preciso montar trs tendas para o Senhor e os seus companheiros. Em seguida, no conseguiu suportar o brilho de glria do Senhor que se transfigurava, e caiu por terra (Mt 17,6), como tambm caram os filhos do trovo (Mc 3,17), Tiago e Joo, quando a nuvem os cobriu...

Eles entraram, pois, na nuvem para conhecerem o que secreto e oculto, e foi l que ouviram a voz de Deus dizendo: Este o meu Filho muito querido em quem pus todo o meu amor: ouvi-o. O que significa Este o meu filho muito querido? Isso quer dizer Simo Pedro, no te enganes! que no deves colocar o Filho de Deus ao mesmo nvel que os servidores. Este o meu Filho: Moiss no o meu Filho, Elias no o meu Filho, ainda que um tenha aberto o cu e o outro tenha fechado o cu. Com efeito, um e outro, na palavra do Senhor, venceram um elemento da Natureza (Ex 14; 1R 17,1), mas eles apenas ofereceram o seu ministrio quele que fortaleceu as guas e fechou, pela secura, o cu, que derreteu em chuva quando quis.

Quando se trata de um simples anncio da ressurreio, faz-se apelo ao ministrio dos servidores, mas quando se mostra a glria do Senhor que ressuscita, a glria dos servidores cai na obscuridade. que, ao elevar-se, o sol obscurece as estrelas, e todas as suas luzes desaparecem diante do brilho do sol eterno de justia (Ml 3,20).

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Pronunciar-se por Cristo em frente dos homens

Homilia 20 sobre o Salmo 118

Em cada dia podes ser testemunha de Cristo. Foste tentado pelo esprito de impureza; mas...julgaste que no convinha manchar a castidade do esprito e do corpo: tu s mrtir, quer dizer, testemunha de Cristo... Foste tentado pelo esprito do orgulho; mas ao ver o pobre e o indigente, foste tomado de uma terna compaixo, preferiste a humildade arrogncia: tu s testemunha de Cristo. Melhor do que isso: no deste o teu testemunho apenas com palavras mas tambm com actos.

Qual o testemunho mais seguro? Quem confessa que o Senhor Jesus veio para o meio de ns na carne (1Jo 4,2) e quem observa os preceitos do Evangelho... Quantos no h, em cada dia, desses mrtires escondidos de Cristo, que confessam o Senhor Jesus! O apstolo Paulo conheceu esse martrio e o testemunho de f rendido a Cristo, ele que disse: A nossa glria consiste no testemunho da nossa conscincia (2 Cor 1,12). Porque quantos confessaram a f exteriormente mas a negaram interiormente!... Sede poi s fieis e corajosos nas perseguies interiores para triunfardes tambm nas perseguies exteriores. Nas perseguies de dentro igualmente h reis e governadores, juzes com um poder temvel. Tu tens um exemplo nas tentaes sofridas pelo Senhor (Mt 4,1s).

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Marta e Maria acolhem a Sabedoria

Tratado sobre o Evangelho de S. Lucas

A virtude no tem apenas um rosto. O exemplo de Marta e Maria mostra-nos, atravs das obras de uma, a dedicao activa, e noutra, a ateno religiosa do corao palavra de Deus. Se estiver unida a uma f profunda, esta ateno prefervel s prprias obras: Maria escolheu a melhor parte, que no lhe ser tirada. Esforcemo-nos pois, tambm ns, por possuir aquilo que ningum poder tirar-nos, emprestando um ouvido no distrado, mas atento; pois at a prpria semente da palavra celeste poder ser arrebatada, se for semeada ao longo do caminho (cf. Lc 8, 5-12).

S, pois, como Maria, animada pelo desejo da sabedoria; a est uma obra maior, mais perfeita. Que as preocupaes do ministrio te no impeam de aprender a conhecer a palavra celeste. No critiques nem consideres ociosos aqueles que vires aplicarem-se sabedoria, pois Salomo, o pacfico, convidou-a para sua casa, para que permanecesse com ele (cf. Sab 9, 10). No se trata, porm, de censurar Marta pelos b ons servios por ela prestados; Maria tem a preferncia por ter escolhido a melhor parte. Jesus possui mltiplas riquezas, que distribui com largueza; a mais sbia escolheu aquela que reconheceu ser a principal.

Alis, os apstolos tambm no acharam que devessem abandonar a palavra de Deus para servir s mesas (cf. Act 6, 2). Mas ambas as coisas so obra da sabedoria; pois Estvo tambm estava cheio de sabedoria, e foi escolhido como servidor. [] que o corpo da Igreja um s; e, se os seus membros so diversos, porque precisam uns dos outros. O olho no pode dizer mo: No tenho necessidade de ti (1Cor 12, 21). [] Se alguns membros so mais importantes, os outros nem por isso deixam de ser necessrios. A sabedoria reside na cabea, a actividade nas mos. O sbio tem os olhos na cabea, diz o Eclesistico (2, 14), porque o verdadeiro sbio aquele cujo esprito est em Cristo e cujo olhar interior se eleva para as alturas.

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Os filhos esto isentos

Carta 35, a Orontiano, 6, 13

O apstolo Paulo diz que a prpria criao espera a revelao dos filhos de Deus (Ro 8,19). Esta criao est agora entregue, contra a sua vontade, ao poder do nada; mas vive na esperana. Porque ela espera que Cristo a ajudar pela sua graa a libertar-se da escravido da inevitvel degradao e a receber a liberdade gloriosa dos filhos de Deus. Deste modo, haver uma s liberdade, para a criao e para os filhos de Deus, quando a glria destes se revelar. Mas agora, enquanto essa revelao se fizer desejar, toda a criao geme esperando partilhar a glria da nossa adopo e da nossa redeno (Ro 8,22)...

evidente que as criaturas que gemem espera da adopo tm em si os primeiros dons do Esprito. Esta adopo dos filhos a redeno do corpo na sua integralidade, quando ele, na qualidade de filho adoptivo de Deus, puder ver face a face esse bem eterno e divino. H j adopo filial na Igreja do Senhor quando o Esprito exclama em ns: "Abba, Pai" (Ga 4,6). Mas essa adopo ser perfeita quando aqueles que forem admitidos a ver a face de Deus ressuscitarem todos para a imortalidade, para a honra e para a glria. S ento poderemos considerar a condio humana como verdadeiramente resgatada. por isso que o apstolo Paulo ousa dizer: "Fomos salvos na esperana" (Ro 8,24). Com efeito, a esperana salva, tal como a f, da qual est dito: "A tua f te salvou" (Mc 5,34).

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Eu sou o Po da Vida

Sobre os mistrios, 48-49, 58

admirvel que Deus tenha feito chover o man sobre os nossos pais e que eles tenham sido diariamente saciados com o po do cu. por isso que est escrito: O homem comeu o po dos anjos (Sl 77, 25). Contudo, aqueles que comeram este po do deserto esto todos mortos. Pelo contrrio, o alimento que agora recebes, este Po vivo que desceu dos cus, sustento para a vida eterna, e quem come deste Po no morrer jamais. o Corpo de Cristo. []

Esse man era do cu, este do cimo dos cus; aquele era um dom do cu, este o Senhor dos cus; aquele estava sujeito corrupo quando era guardado nem que fosse at ao dia seguinte, a este estranha toda a corrupo: quem dele prova com respeito no pode ser tocado pela corrupo. A gua brotou dos rochedos para os hebreus, para ti brota o sangue de Cristo. A gua saciou-os por momentos, o sangue lava-te para sempre. Os hebreus beberam e tm sede. Tu, depois de teres bebido, nunca mais poders ter sede (cf. Jo 4, 14). Aquilo era a pr-figurao, isto a verdade plena. []

Era a sombra do que devia vir (Col 2, 17). Escuta o que foi manifestado a nossos pais: De facto, todos bebiam de um rochedo espiritual que os seguia, que era Cristo (1Cor 10, 4). [] Tu conheceste o cumprimento, tu viste a luz plena, a verdade pr-figurada, o corpo do Criador, mais do que o man do cu. [] Sobre aquilo que comemos e aquilo que bebemos, diz o Esprito Santo: Saboreai e vede como bom o Senhor; feliz o homem que Nele se abriga (Sl 33, 9).

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Bem-aventurados os pobres. Bem-aventurados os que choram.

Tratado sobre o Evangelho de S. Lucas

Bem-aventurados os pobres. Os pobres no so todos bem-aventurados; porque a pobreza uma coisa neutra; pode haver pobres bons e pobres maus. Bem-aventurado o pobre que clamou e que o Senhor ouviu (Sl 33, 7): pobre de pecados, pobre de vcios, o pobre em quem o prncipe deste mundo nada encontrou (Jo 14, 30), pobre imitao daquele Pobre que, sendo rico, Se fez pobre por ns (2Co 8, 9). por isso que Mateus d a explicao completa: Bem-aventurados os pobres de esprito, porque o pobre de esprito no incha de orgulho, no se exalta em pensamentos exclusivamente humanos. Essa , pois, a primeira bem-aventurana.

[Bem-aventurados os mansos, escreve Mateus em seguida.] Tendo abandonado por completo o pecado, feliz com a minha simplicidade destituda de mal, resta-me moderar o carcter. De que me serve faltarem-me os bens do mundo, se no for manso e tranquilo? Porque seguir o caminho recto , evidentemente, seguir Aquele que diz: Aprendei de Mim, que sou manso e humilde de corao (Mt 11, 29).

Dito isto, recorda-te de que s pecador; chora os teus pecados, chora as tuas faltas. E razovel que a terceira bem-aventurana seja para aqueles que choram os seus pecados, porque a Trindade que perdoa os pecados. Purifica-te, pois, pelas tuas lgrimas e lava-te pelo teu pranto. Se choras por ti mesmo, mais ningum ter de chorar por ti. Toda a gente tem mortos por quem chorar; estamos mortos quando pecamos. Que aquele que pecador chore, pois, por si mesmo e se repreenda, a fim de se tornar justo, porque o justo acusa-se a si mesmo (Pr 18, 17).

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O choro de uma me

Sobre o Evangelho de S. Lucas, V

A divina misericrdia deixa-se dobrar facilmente aos gemidos desta me. Ela viva; os sofrimentos ou a morte do seu filho nico esmagaram-na... Parece-me que esta viva, rodeada pela multido do povo, mais do que uma simples mulher que merece pelas suas lgrimas a ressurreio de um filho, jovem e nico. a prpria imagem da Santa Igreja que, com as suas lgrimas, em pleno cortejo fnebre e mesmo junto ao tmulo, obtm a graa de trazer de volta vida o jovem povo deste mundo...

Porque palavra de Deus os mortos ressuscitam, reencontram a voz, tal como a me reencontra o seu filho: ele foi chamado da tumba, foi arrancado ao sepulcro. Que esta tumba para vs, seno a vossa m conduta? O vosso tmulo a falta de f... Desse sepulcro, Cristo quem vos liberta; saireis do sepulcro se escutardes a palavra de Deus. E, se o vosso pecado for grave demais para que as lgrimas da vossa penitncia o possam lavar, que intervenha em vosso favor o choro da vossa me Igreja... Ela intercede por cada um dos seus filhos, como por tantos outros filhos nicos. Com efeito, ela est cheia de compaixo e experimenta uma dor espiritual de me quando v os seus filhos arrastados pelo pecado para a morte.

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Eu te ordeno, levanta-te!

Tratado sobre so Lucas 8, 40-56 (SC 45, p.249)

Antes de ressuscitar uma defunta, querendo despertar a f, Jesus comea por curar a mulher que padecia de hemorragias. Esse fluxo estancou para nosso esclarecimento: enquanto Jesus se aproxima de uma, a outra j est curada. Assim, para acreditarmos na nossa vida eterna, celebramos a ressurreio temporal do Senhor que viveu a sua Paixo

Os criados de Jairo que dizem: No importuneis o Mestre no acreditam na ressurreio predita na Lei e consumada no Evangelho. Por isso, Jesus no leva consigo seno poucas testemunhas da ressurreio que vai ter lugar. A multido, essa, ri-se de Jesus quando diz: A menina no morreu, est a dormir. Os que no crem riem-se. Que chorem, pois, os seus mortos aqueles que os julgam mortos. Quando se tem f na ressurreio, no se v na morte um fim, mas um descanso

E Jesus, pegando na mo da menina, curou-a; depois ordenou que lhe dessem de comer. uma constatao da vida para que no se possa pensar numa iluso mas na realidade. Feliz aquela a quem a Sabedoria segura pela mo! Queira Deus que Ela tambm pegue na nossa, hora de atuarmos. Que a Justia segure a minha mo; que o Verbo de Deus pegue nela, que me introduza no seu recolhimento e afaste o meu esprito do erro, recuperando aquele a quem salva! Que Ele mande dar-me de comer: o po do cu o Verbo de Deus. A Sabedoria que colocou sobre o altar os alimentos do Corpo e Sangue do Filho de Deus, disse: Vinde e comei do meu po e bebei do vinho que preparei! (Pr 9, 5).

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Jesus foi ento conduzido pelo Esprito at ao deserto para ser tentado pelo diabo

Comentrio de S. Lucas

Temos de recordar a forma como o primeiro Ado foi expulso do Paraso para que a nossa ateno se fixe na forma como o segundo Ado (1 Co 15,45) regressa do deserto ao Paraso. Com efeito, vemos que a primeira condenao desfeita da mesmo forma que tinha sido feita e que os benefcios divinos so restabelecidos sobre as marcas dos antigos. Ado vem de uma terra virgem, Cristo vem da Virgem; aquele foi criado imagem de Deus, este a Imagem de Deus (Cl 1,15); aquele foi colocado acima de todos os animais sem raciocnio, este acima de todos os seres vivos. Por uma mulher veio a loucura, por uma virgem a sabedoria; a morte veio de uma rvore, a vida veio pelo cruz. Um deles, despido do vesturio espiritual, teceu uma veste com folhas de rvore; o outro, despido do vesturio deste mundo, nunca mais desejou uma veste material (Jo 19,23).

Ado foi expulso para o deserto, Cristo volta ao deserto, porque sabia onde encontrar o condenado que traria de novo ao Paraso, liberto da sua falta... Como que, sem guia, poderia encontrar no deserto o caminho perdido, aquele que, por no ter guia, tinha perdido no Paraso o caminho que seguia?

Ali, as tentaes so muitas, o esforo em ordem virtude difcil e fcil tropear no erro... Sigamos ento a Cristo, conforme est escrito: "Caminhars aps o Senhor teu Deus e ligar-te-s a Ele" (Dt 13,4)... Sigamos ento os seus passos e poderemos regressar do deserto ao Paraso.

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O vosso Pai que est nos cus no quer que um s destes pequeninos se perca

Comentrio do Salmo 118

Vem, Senhor Jesus, procura o teu servo; procura a tua ovelha fatigada; vem, pastor Enquanto demoras nas montanhas, olha que a tua ovelha est perdida; deixa ento as outras noventa e nove que so tuas e vem procurar a nica que se perdeu. Vem, sem procurares ajuda, sem te fazeres anunciar; por ti que eu espero agora. No tragas o chicote, traz o teu amor; vem com a doura do teu Esprito. No hesites em deixar nas montanhas essas noventa e nove ovelhas que so tuas; nos cumes para onde as levaste os lobos no tm acesso Vem a mim, que me perdi longe dos rebanhos do alto, porque tambm para l me tinhas levado mas os lobos da noite fizeram-me abandonar o teu redil.

Procura-me, Senhor, porque a minha orao te procura. Procura-me, encontra-me, ergue-me, leva-me contigo! Aquele que procuras, podes encontr-lo; aquele que encontras, digna-te ergu-lo; aquele que ergues, pe-no aos teus ombros. Esse fardo do teu amor nunca te pesou e, sem cessar, tu te fazes para ele cobrador da justia. Vem ento, Senhor, porque se verdade que eu erro, eu nunca esqueci a tua palavra (cf. Sl 119/118) e guardo a esperana da salvao. Vem, Senhor, tu s o nico que ainda pode chamar pela tua ovelha perdida e isso no far sofrer as outras que vais deixar; tambm elas vo ficar contentes quando virem regressar o pastor. Vem e haver salvao sobre a terra e alegria no cu (Lc 15,7).

No envies os teus servos, no envies mercenrios; vem tu mesmo procurar a tua ovelha. Ergue-me desta carne que caiu com Ado. Reconhece em mim, no o filho de Eva mas o filho de Maria, virgem pura, virgem pela graa, sem qualquer mancha de pecado; depois, leva-me at tua cruz: ela a salvao dos errantes, o nico repouso dos fatigados, a nica vida de todos os que morrem.

Avana para o largo e lanai as redes

Tratado sobre o evangelho de S. Lucas

"Avana para o largo", quer dizer, para o mar alto dos debates. Haver profundidade comparvel ao "abismo da riqueza, da sabedoria e da cincia do Filho de Deus" (Ro 11,33), proclamao da sua filiao divina?... A Igreja conduzida por Pedro para o mar alto do testemunho, para contemplar o Filho de Deus ressuscitado e o Esprito Santo derramado.

Quais so as redes dos apstolos que Cristo manda lanar? No ser o encadeado das palavras, as voltas do discurso, a profundidade dos argumentos, que no deixam escapar aqueles que so agarrados? Estes instrumentos de pesca dos apstolos no fazem morrer a presa, mas guardam-na, retiram-na dos abismos para a luz, conduzem-na l de baixo at s alturas...

"Mestre, diz Pedro, trabalhamos toda a noite sem nada apanhar mas, tua palavra, lanarei as redes". Tambm eu, Senhor, sei que para mim se faz noite quando tu no me ds ordens. Ainda no converti ningum com as minhas palavras, ainda noite. Falei no dia da Epifania: lancei a rede e no apanhei nada. Lancei a rede durante o dia. Espero que tu me ordenes; tua palavra, tornarei a lan-la. A confiana em si mesmo v, mas a humildade d muito fruto. Aqueles que at ento no tinham apanhado nada, eis que, palavra do Senhor, capturam uma enorme quantidade de peixes.

SO CIRILO DE ALEXANDRIA

Discurso pronunciado no Conclio de feso sobre Maria

Salve, cidade de feso, mais formosa que os mares, porque em vez dos portos da terra, marcaram encontro em ti os que so portos do cu! Salve, honra desta regio asitica semeada por todos os lados de templos, como preciosas jias, e consagrada, no presente, pelos benditos ps de muitos santos Padres e Patriarcas! Com sua vinda, cumularam-te de toda bno, porque onde eles se congregam, aumenta e multiplica-se a santidade: religiosos fiis, anjos da terra, afugentam eles, com sua presena, todo satnico poder e toda afeio pag. Eles, repetimos, confundem toda heresia e so glrias de nossa f ortodoxa.

Salve, bem-aventurado Joo, apstolo e evangelista, glria da virgindade, mestre da honestidade. Salve, vaso purssimo da temperana, a ti virgem, confiou, na cruz, nosso Senhor Jesus Cristo a Me de Deus, sempre virgem!

Salve, Maria, Me de Deus, virgem e me, estrela e vaso de eleio! Salve, Maria, virgem, me e serva: virgem, na verdade, por virtude daquele que nasceu de ti; me por virtude daquele que cobriste com panos e nutriste em teu seio; serva, por aquele que amou de servo a forma! Como Rei, quis entrar em tua cidade, em teu seio, e saiu quando lhe aprouve, cerrando para sempre sua porta, porque concebeste sem concurso de varo, e foi divino teu parto. Salve, Maria, templo onde mora Deus, templo santo, como o chama o profeta Davi, quando diz: "O teu templo santo e admirvel em sua justia" (Sl 64). Salve, Maria, criatura mais preciosa da criao; salve, Maria, purssima pomba; salve, Maria, lmpada inextinguvel; salve, porque de ti nasceu o sol da Justia! Salve, Maria, morada da infinitude, que encerraste em teu seio o Deus infinito, o Verbo unignito, produzindo sem arado e sem semente a espiga incorruptvel! Salve, Maria, me de Deus, aclamada pelos profetas, bendita pelos pastores, quando com os anjos cantaram o sublime hino de Belm: "Glria a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade" (Lc 2,14). Salve, Maria, Me de Deus, alegria dos anjos, jbilo dos arcanjos que te glorificam no cu! Salve, Maria, Me de Deus: por ti adoraram a Cristo os Magos guiados pela estrela do Oriente; salve, Maria, Me de Deus, honra dos apstolos! Salve, Maria, Me de Deus, por quem Joo Batista, ainda no seio de sua me exultou de alegria, adorando como luzeiro a perene luz! Salve, Maria, Me de Deus, que trouxeste ao mundo graa inefvel, da qual diz so Paulo: "apareceu a todos os homens a graa de Deus salvador" (Tt 2,1). Salve, Maria, Me de Deus, que fizeste brilhar no mundo aquele que luz verdadeira, a nosso Senhor Jesus Cristo, que diz em seu Evangelho: "eu sou a luz do mundo!" (Jo 8,12). Deus te salve, Me de Deus, que iluminaste aos que estavam em trevas e sombras de morte; porque o povo que jazia nas trevas viu uma grande luz (Is 9, 2), uma luz no outra seno Jesus Cristo nosso Senhor, luz verdadeira que ilumina todo homem que vem a este mundo (Jo 1,9). Salve, Maria, Me de Deus, por quem se apregoa nos Evangelhos: "bendito o que vem em nome do Senhor!" (Mt 21,9), por quem se encheram de igrejas nossas cidades, campos e vilas ortodoxas! Salve, Maria, Me de Deus, por quem veio ao mundo o vencedor da morte e o destruidor do inferno! Salve, Maria, Me de Deus, por quem veio ao mundo o autor da criao e o restaurador das criaturas, o Rei dos cus! Salve, Maria, Me de Deus, por quem floresceu e refulgiu o brilho da ressurreio! Salve, Maria, Me de Deus, por quem luziu o sublime batismo de santidade no Jordo! Salve, Maria, Me de Deus, por quem o Jordo e o Batista foram santificados e o demnio foi destronado! Salve, Maria, Me de Deus, por quem salvo todo esprito fiel! Salve, Maria, Me de Deus, - pois acalmaste e serenaste os mares para que pudessem nossos irmos cooperadores e pais e defensores da f, serem conduzidos, com alegria e jbilo espiritual, a esta assemblia de entusisticos defensores de tua honra!

Tambm aquele que, levando cartas de perseguio, sendo derrubado pela luz do cu no caminho de Damasco, falou sobre ti e confirmou para o mundo a f na Trindade consubstancial, de um s Senhor, de um s batismo; de um s Pai, um s Filho, um s Esprito Santo; da substncia inseparvel e simplicssima; da divindade incompreensvel do Senhor Deus de Deus, Luz de Luz, Esplendor da Glria, que nasceu de Maria Virgem, conforme o anncio do Arcanjo: "Ave, cheia de graa, o Senhor contigo, o Esprito Santo descer sobre ti, e a virtude do Altssimo te cobrir com sua sombra, e por isso o santo que de ti nascer ser chamado Filho de Deus vivo" (Lc 1,35). No somente o sabemos pelo arcanjo Gabriel; tambm Davi, no vaticnio que canta diariamente a Igreja, nos diz: "O Senhor me disse: s meu filho; no dia de hoje te gerei" ( Sl 2,7). J o sbio Isaas, filho do profeta Ams, profeta nascido de profeta, o predissera: "Eis que a virgem conceber, e dar luz um filho e seu nome ser Emanuel, que significa Deus conosco" (Mt 1,23).

Por isso todos os que formos fieis s Escrituras, seguindo os caminhos de Paulo, ouvindo as vozes dos profetas clamar-te-o Bem aventurada.. Todos os que formos seguidores dos Evangelhos permaneceremos como disse o profeta: seremos como oliveira frtil na casa de Deus (Sl 51), glorificando a Deus Pai Todo Poderoso, a seu Filho UNIGNITO que nasceu de Maria e ao vivificante Esprito Santo, que se comunica a todos na vida; submissos aos fidelssimos imperadores, honrando as rainhas, discretas e santas virgens, no seu amor f ortodoxa de Cristo de Jesus, nosso Senhor a quem se deve a glria pelos sculos dos sculos . Amm.

Pedro faz uma exata profisso de f em Cristo

Das Homilias Sobre o Evangelho de So Lucas,(Lc 9,18-24: confisso de Pedro)

Um dia Jesus rezava com os discpulos em lugar retirado. E lhes fez a seguinte pergunta: Quem sou eu, no dizer das multides? (Lc 9,18). O Salvador e Senhor de tudo mostrava-se como modelo de santidade ao rezar a ss com os discpulos. Talvez alguma coisa os perturbasse, provocando neles pensamentos de dvida. Viam rezar como qualquer homem aquele que na vspera realizara prodgios divinos. No era pois infundada a sua dvida: que coisa estranha! O que pensar a respeito dele: Deus ou homem?

Para acalmar o tumulto de tais pensamentos e tranqilizar uma f quase abalada, Jesus lhes faz uma pergunta, sem ignorar o que dele se dizia entre os estrangeiros e mesmo entre os judeus. Queria desse modo, desvi-los da opinio de muitos, e neles consolidar uma f segura. Quem sou eu no dizer das multides? (Lc 9,18). De novo Pedro intervm em primeiro lugar, fazendo-se o porta-voz de todo o grupo, e pronunciando palavras cheias de amor a Deus, como exata e perfeita profisso de f no Cristo: O Cristo de Deus (Lc 9,20). O discpulo o arauto atento e sbio da verdade sagrada. No diz simplesmente que um Cristo de Deus, mas o Cristo de Deus. Pois muitos consagrados a Deus foram chamados cristos com significados diferentes: alguns eram reis e outros eram profetas. Outros ainda (e somos ns, que alcanamos a salvao por meio do Cristo Salvador universal, e somos ungidos do Esprito Santo) recebem o nome de Cristo. Por conseguinte, so muitos os cristos; mas este o nome que designa uma condio, ao passo que o outro um s, o Cristo de Deus Pai.

Depois que o discpulo fez a profisso de f, Jesus proibiu severamente que o dissessem a algum, acrescentando: O Filho do homem dever sofrer muito, ser rejeitado, e afinal ser morto, e ressuscitar no terceiro dia (Lc 9,21.22). Mas porque no convinha dizer isso a outros? No era essa justamente a tarefa dos que foram consagrados por ele ao apostolado? Sim, mas diz a Escritura: Tudo a seu tempo ser comprovado (Sir 39,34). Convinha anunciar primeiro os acontecimentos ainda no consumados: a paixo, a crucifixo, a morte na cruz e a ressurreio. Este grande e glorioso milagre confirmar que o Emanuel verdadeiro Deus, Filho de Deus Pai por natureza.

Na verdade, destruir a morte e a corrupo, espoliar o inferno, abater o poder do demnio, tirar o pecado do mundo e abrir para os homens as portas do paraso unindo cu e terra, tudo isso mostra que o Emanuel verdadeiro Deus. Por isso Jesus ordena que o mistrio seja por algum tempo adorado em silncio, at que todo o processo da economia chegue a seu trmino. Assim, depois da ressurreio ordenou que se revelasse o mistrio por todo o mundo, oferecendo a todos a justificao pela f e a purificao pelo batismo: Todo poder me foi dado no cu e na terra. Ide, fazei de todos os povos discpulos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Esprito Santo, ensinando-os a guardar tudo o que vos mandei. Estarei convosco todos os dias, at o fim dos tempos (Mt 6 28,18-20). Portanto, Cristo est conosco e em cada um de ns, pelo Esprito Santo. Por ele e com ele sejam dadas louvor e poder a Deus Pai, com o Esprito Santo, pelos sculos. Amm.

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Nosso Senhor Jesus Cristo inaugurou para ns um caminho novo e vivo

Do Comentrio ao Evangelho de So Joo, Livro 9,Leitura para a Solenidade da Ascenso do Senhor

Se junto de Deus, meu Pai, no houvesse muitas moradas, dizia o Senhor, eu teria ido muito antes preparar o lugar para os santos. Mas como sei que h muitas esperando a chegada dos que amam a Deus, no por este motivo - disse - que vou ausentar-me, mas porque vosso regresso pelo caminho outrora preparado estava inacessvel e precisava ser aplanado.De fato, o cu para os homens era absolutamente inatingvel e a carne nunca penetrara antes no puro e santssimo lugar dos anjos. Cristo foi o primeiro que inaugurou para ns aquela via de acesso. E ensinou aos homens a maneira de chegar ao cu, oferecendo-se a Deus Pai como primcia dos mortos e dos que jazem na terra e manifestando-se como primeiro homem aos que vivem no cu.

Por isso os anjos, ignorando o grande e augusto mistrio para aquela chegada corporal, admiravam atnitos o homem que subia, e perturbados com aquele novo e estranho espetculo, estavam para perguntar: Quem esse que vem de Edom? (Is 63,1), isto , da terra? Mas o Esprito no permitiu que aquela celeste multido ficasse a ignorar a admirvel sabedoria de Deus Pai, mas ordenou que as portas celestes se abrissem ao Rei e Senhor do universo, exclamando: Levantai, prncipes, as vossas portas! Alai-vos, portas eternas, e entrar o Rei da glria (Sl 23,7, Vulgata).

Inaugurou, pois, para ns, o Senhor Jesus um caminho novo e vivo, como diz So Paulo: Cristo no entrou num santurio feito por mos humanas e sim no prprio cu, a fim de comparecer, agora, diante da face de Deus, em nosso favor (Hb 9,24). Pois Cristo no subiu para apresentar-se diante do Pai, j que ele estava, est e estar sempre no Pai e diante dos olhos daquele que o gerou. Ele sempre o objeto de sua complacncia. Mas o Verbo subiu, agora, como homem, deixando-se ver de uma maneira nova e inslita, j que antes no possua condio humana. E isto por ns e para ns, a fim de ouvir, na plenitude da realidade, feito semelhante aos homens, em seu poder de Filho e como homem: Senta-te minha direita (Sl 109,1), transmitindo a todo o gnero humano, adotado nele, a glria da filiao.

De fato um de entre ns, enquanto apareceu como homem na presena de Deus Pai, embora esteja acima de todas as criaturas e seja consubstancial quele que o gerou, sendo o seu esplendor, Deus de Deus e luz da verdadeira luz. Apareceu assim, por ns, diante de Deus Pai, para reapresentar-nos a ns que tnhamos sido afastados de diante de sua face, por causa do antigo pecado. Sentou-se como Filho para que tambm ns nos sentssemos como filhos e por ele fssemos chamados filhos de Deus. Por isso que So Paulo, que afirma ter em si a Cristo que fala por seu intermdio, ensina: o que aconteceu a Cristo por ttulo especial se comunica natureza humana. E escreve: Com ele nos ressuscitou e nos fez sentar no cu, em Cristo Jesus (Ef 2,6).

Compete a Cristo propriamente e somente a ele, segundo sua natureza de Filho, a dignidade e a glria de se sentar ao lado de Deus. Mas, porque o que se senta semelhante a ns, dado que apareceu como homem, e ao mesmo tempo reconhecido como Deus de Deus, transmite-nos a ns de certo modo a graa dessa dignidade.

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Os cegos vm, os mortos ressuscitam, a Boa Nova anunciada aos pobres

Primeiro dilogo cristolgico

Aquele que vem depois de mim mais poderoso do que eu; ele batizar-vos- no Esprito Santo e no fogo (Mt 3, 11) Diremos ns que poder batizar no Esprito Santo e no fogo obra duma humanidade semelhante nossa? Como poderia ser isso? Falando, portanto, de um homem que ainda no se tinha apresentado, Joo declara que ele batiza no fogo e no Esprito Santo. No como o faria um servidor qualquer, insuflando nosbatizados um Esprito que no o seu, mas como algum que Deus por natureza, que d com um poder soberano o que vem dele e lhe pertence como propriedade. graas a isso que se imprime em ns o selo divino.

Efetivamente, em Cristo Jesus, ns somos transformados imagem divina; no que o nosso corpo seja modelado de novo, mas porque, ao possuirmos o prprio Cristo, recebemos o Esprito Santo, a ponto de podermos, da em diante, exultar de alegria: A minha alma exulta no Senhor, porque Ele me revestiu de salvao e de alegria (1S 2,1) Comefeito, o apstolo Paulo diz: Todos vs que fostes batizados em Cristo, fostes revestidos de Cristo (Gl 3,27).

ento num homem que fomos batizados? Silncio, tu que no s seno um homem queres deitar por terra a nossa esperana? Ns fomos batizados num Deus feito homem; Ele liberta das penas e das faltas todos aqueles que acreditam n'Ele. Arrependei-vos e que cada um de vs seja batizado em nome de Jesus Cristo. Vs recebereis ento o Dom do Esprito Santo (At 2, 38). Ele liberta aqueles que a Ele seunem;Ele faz surgir em ns a Sua prpria natureza. O EspritoSanto pertence por natureza ao Filho, que Se tornou homem semelhante a ns, porque Ele mesmo a vida de tudo o que existe.

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Eis o Cordeiro de Deus

Ephata

nico, o Cordeiro que morreu por todos, Ele que vela por todos os homens e os guarda para o Seu Deus e Seu Pai, nico para todos, a fim de a todos submeter a Deus, nico para todos, para a todos ganhar, para que no vivam mais para si mesmos, mas para Aquele que por eles morreu e ressuscitou (2 Co 5, 15). De fato, quando estvamos mergulhados em numerosos pecados e, por conseguinte, sujeitos morte e corrupo, o Pai deu o Seu Filho como nossa redeno, o nico para todos, pois tudo est n'Ele e Ele o melhor de todos. Um s morreu por todos, para que todos vivamos n'Ele.

Efetivamente, do mesmo modo que a morte possuiu o Cordeiro imolado por todos, assim n'Ele e com Ele, perdeu a fora em relao a todos ns. Porque todos estvamos em Cristo que morreu e ressuscitou por ns e para ns; em verdade, abolido o pecado, como que pode ser que a morte, que vem do pecado, no seja abolida com ele? Morta a raiz, como seria conservado o fruto? Destrudo o pecado, que razo haveria para morrermos? Assim, podemos dizer com alegria falando da morte do Cordeiro de Deus: Onde est, morte, a tua vitria? (1 Co 15, 55).

Vede as minhas mos e os meus ps: sou mesmo eu

Comentrio sobre o Evangelho de Joo

Ao entrar no Cenculo com todas as portas fechadas, Cristo mostrou uma vez mais que Deus por natureza e que no diferente daquele que antes vivia com os discpulos. Ao descobrir o seu lado e ao mostrar a marca dos cravos, manifestava com evidncia que reergueu o templo do seu corpo que tinha estado suspenso da cruz, destruindo a morte corporal pois, por natureza, Ele a vida e Deus...

Quando chegou o memento de transformar o seu corpo atravs de uma glria inexprimvel e prodigiosa, vemo-lo que se preocupa tanto em confirmar a f na ressurreio futura da carne que quis, de acordo com o plano divino, aparecer tal como era antes. Assim ningum pensaria que Ele tinha ento um corpo diferente do que tinha morrido na cruz.

Mesmo se Cristo tivesse querido manifestar a glria do seu corpo diante dos discpulos antes de subir para o Pai, os nossos olhos no teriam podido suportar tal viso. Compreend-lo-eis facilmente se vos recordardes da Transfigurao que anteriormente tinha ocorrido sobre a montanha...

Por isso, a fim de cumprir exatamente o plano divino, o nosso Senhor Jesus apareceu ainda, no Cenculo, sob o seu aspecto anterior e no segundo a glria que lhe devida e que convm ao seu Templo transfigurado. No queria que a f na ressurreio se baseasse num aspecto e num corpo diferentes dos que recebeu da Santssima Virgem e em que morreu, depois de ter sido crucificado segundo as escrituras. Com efeito, a morte s tinha poder sobre a sua carne, de onde iria ser expulsa. Porque, se no foi o seu corpo morto que ressuscitou, que espcie de morte foi ento vencida?

Aquele que bem formado ser como o seu mestre

Comentrio ao evangelho de Lucas

O discpulo no est acima do mestre. Porque que ests a julgar quando o mestre ainda no julga? Porque ele no veio julgar o mundo mas derramar nele a sua graa. Entendida neste sentido, a palavra de Cristo passa a ser: Se eu no julgo, no julgues tu tambm, tu que s meu discpulo. Pode acontecer que tu sejas culpado de faltas mais graves do que aquele que ests a julgar. Como ser a tua vergonha quando disso tiveres conscincia!

O Senhor d-nos o mesmo ensinamento na parbola em que diz: Porque te preocupas com a palha no olho do teu irmo? Com argumentos irrefutveis, ele convence-nos a no querer julgar os outros e a estarmos sobretudo atentos ao nosso ntimo. Em seguida, pede-nos que procuremos libertar-nos das paixes que a se instalaram, pedindo a Deus essa graa. Com efeito, ele quem cura os que tm o corao desfeito e nos liberta das nossas doenas espirituais. Porque, se os pecados que te esmagam so maiores e mais graves do que os dos outros, porque que os criticas sem te preocupares com os teus?

Todos os que querem viver piedosamente e sobretudo os que tm o encargo de instruir os outros, tiraro necessariamente proveito deste preceito. Se forem virtuosos e moderados, dando com as suas aces o exemplo da vida evanglica, repreendero com doura aqueles que ainda no se tiverem decidido a fazer o mesmo.

A revelao do mistrio escondidodesde antes da criao do mundo

65 Homilia sobre Lucas

Consideremos as palavras que Jesus dirige por ns ao Pai, falando-Lhe a nosso respeito: Escondeste estas coisas aos sbios e aos inteligentes e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado. De fato, Deus Pai revelou-nos o mistrio escondido desde antes da criao do mundo no silncio de Deus, o mistrio do Filho Unignito feito homem, o mistrio conhecido desde antes da criao do mundo e revelado aos homens nos ltimos tempos. So Paulo escreve: A mim, o menor de todos os santos, foi dada a graa de anunciar aos gentios a insondvel riqueza de Cristo, e a todos iluminar sobre a realizao do mistrio escondido desde sculos em Deus, o criador de todas as coisas (Ef 3, 8-9).

Este grande e adorvel mistrio do nosso Salvador estava, portanto, escondido no conhecimento do Pai, desde antes da criao do mundo. Tambm ns somos conhecidos desde antes e predestinados a ser adotados como filhos. So Paulo no-lo ensina igualmente quando escreve: Bendito seja Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que do alto do cu nos abenoou com todas as bnos espirituais em Cristo. Ele nos escolheu, antes da criao do mundo, para sermos santos e irrepreensveis, em caridade, na sua presena. Ele nos predestinou, de sua livre vontade, para sermos seus filhos adotivos, por Jesus Cristo (Ef 1, 3-5). O Pai revelou-nos, pois, a ns, os pequeninos, o mistrio escondido desde todos os tempos A vs foi dado conhecer os mistrios do reino de Deus (Lc 8,10), a vs, que acreditastes, que conhecestes a revelao de Cristo, que entendeis a lei no seu sentido espiritual, que estais aptos a compreender as profecias, que confessais que Cristo Deus e Filho de Deus, a vs a quem o Pai teve por bem revelar o seu Filho.

A multido glorificou a Deus por ter dado tal poder aos homens

O paraltico, incurvel, estava estendido sobre o leito. Depois de ter esgotado a cincia dos mdicos, transportado pelos seus, vem ao nico e verdadeiro mdico, o mdico que vem do cu. Mas quando foi colocado diante daquele que podia cur-lo, foi a sua f que atraiu o olhar do Senhor. Para mostrar melhor que esta f destrua o pecado, Jesus declara imediatamente: Os teus pecados esto perdoados. Dir-me-o, talvez: Se este homem queria ser curado da sua enfermidade, por que que Cristo lhe fala da remisso dos pecados? Era para que tu aprendesses que Deus v o corao do homem no silncio, sem rudo, e contempla os caminhos de todos os viventes. Com efeito, diz a Escritura: O Senhor olha atentamente para os caminhos do homem e observa todos os seus passos (Pr 5, 21)

Portanto, quando Cristo dizia: Os teus pecados esto perdoados, deixava campo livre incredulidade; o perdo dos pecados no se v com os nossos olhos de carne. Quando o paraltico se levanta e caminha, ento que manifesta com evidncia que Cristo possui o poder de Deus

Quem possui este poder? S Ele, ou tambm ns? Tambm ns, com Ele. Ele perdoa os pecados porque homem-Deus, o Senhor da Lei. Quanto a ns, dEle recebemos esta graa admirvel e maravilhosa, porque quis dar a cada homem este poder. Efetivamente disse aos apstolos: Em verdade vos digo: tudo o que desligardes na terra ser desligado no cu (Mt 18,18). E ainda: Todo aquele a quem retiverdes os pecados, ser-lhes-o retidos (Jo 20,23).

Pai, dei o Teu Nome a conhecer aos homens

Comentrio ao evangelho de Joo

O Filho deu a conhecer o Nome do Pai no s quando o revelou e nos deu um ensinamento preciso sobre a Sua divindade. Porque tudo isto j tinha sido proclamado antes da vinda do Filho, atravs da Escritura inspirada. F-lo tambm quando nos ensinou que Ele no s verdadeiro Deus, mas tambm verdadeiro Pai, tendo em Si e gerando para fora de Si o Seu Filho, que participa da Sua natureza eterna.

O nome de Pai convm a Deus de forma mais precisa do que o nome de Deus: este um nome de dignidade, aquele significa uma propriedade substancial. Porque, quem diz Deus, diz Senhor do universo. Mas quem Lhe chama Pai define a propriedade da pessoa: mostra que Ele quem gera. Pelo emprego que dele faz, o prprio Filho nos mostra que o nome de Pai mais verdadeiro e mais prprio que o de Deus. Ele dizia, muitas vezes, no "Eu e Deus" mas "Eu e o Pai somos um" (Jo 10, 30). E dizia tambm: "Foi a Ele, o Filho, que o Pai confirmou com o seu selo" (Jo 6, 27).

E, quando prescreveu aos seus discpulos que batizassem todos os povos, ordenou-lhes expressamente que o fizessem no em nome de Deus, mas em nome do Pai, e do Filho e do Esprito Santo.

Escolheu doze e deu-lhes o ttulo de Apstolos, de enviados

Comentrios sobre o evangelho de Joo

Nosso Senhor Jesus Cristo instituiu guias e mestres para o mundo inteiro, e dispensadores dos mistrios divinos (1 Co 4,1). Ordenou-lhes que brilhassem e iluminassem como archotes no s no pas dos Judeus, mas por toda a parte debaixo do sol, para os homens que habitem sobre toda a superfcie da terra. , portanto, verdadeira esta palavra de S. Paulo: Ningum atribui esta honra a si mesmo; recebemo-la por apelo de Deus (He 5,4)

Se ele achava que devia enviar os seus discpulos como o Pai o tinha enviado a ele (Jo 20,21), era necessrio que estes, chamados a ser seus seguidores, descobrissem a que tarefa tinha o Pai enviado o Filho. Por isso nos explicou de diversas maneiras o carcter da sua prpria misso. Disse um dia: No vim chamar os justos, mas os pecadores, para que eles se convertam (Lc 5,32). E tambm: Eu desci do cu no para fazer a minha vontade mas a vontade daquele que me enviou (Jo 6,38). E de outra vez: Deus no enviou o seu Filho ao mundo para o julgar, mas para que o mundo seja salvo por ele (Jo 3,17).

Resumia em algumas palavras a funo dos apstolos, dizendo que os tinha enviado como o Pai o tinha enviado a ele: saberiam assim que lhes competia chamar os pecadores a se converterem, cuidar dos doentes, corporal e espiritualmente; nas suas funes de dispensadores, no procurar de modo algum fazer a sua prpria vontade mas a vontade daquele que os tinha enviado; a fim de salvarem o mundo na medida em que ele aceitar os ensinamentos do Senhor.

Tomou a menina pela mo e disse-lhe...: 'Levanta-te!'

Comentrio sobre S. Joo

At para ressuscitar os mortos, o Salvador no se contenta com agir atravs da palavra que, no entanto, portadora das ordens divinas. Como cooperante, se assim se pode dizer, dessa obra to fantstica, ele toma a sua prpria carne, a fim de mostrar que ela tem o poder de dar a vida e para ensinar que ela lhe est intimamente ligada; ela verdadeiramente a sua carne e no um corpo estranho. Foi o que aconteceu quando resuscitou a filha do chefe da sinagoga; ao dizer-lhe: "Menina, levanta-te", tomou-a pela mo. Como Deus que , deu-lhe a vida atravs de uma ordem poderosa, mas deu-lhe a vida tambm atravs do contacto com a sua santa carne, testemunhando assim que uma mesma fora divina age tanto no seu corpo como na sua palavra. De igual forma, quando chegou a uma cidade chamada Naim, em que iam enterrar o filho nico de uma viuva, tambm tocou no caixo dizendo: "Jovem, eu te ordeno, levanta-te! (Lc 7, 13-17).

Assim, no s confere sua palavra o poder de ressuscitar os mortos mas tambm, para mostrar que o seu corpo d a vida, toca nos mortos e, atravs da sua carne, faz a vida passar para os cadveres. Se o simples contacto com a sua carne sagrada devolve a vida a um corpo que se decompe, que proveito no encontraremos ns na sua vivificante Eucaristia quando fizermos dela o nosso alimento? Ela transformar totalmente no bem que lhe prprio, quer dizer, na imortalidade, aqueles que nela tiverem participado.

Ou:

[Assim que Cristo entrou em ns pela sua prpria carne, ns revivemos inteiramente; inconcebvel, ou mais ainda, impossvel, que a vida no faa viver aqueles nos quais ela se introduziu. Como se cobre um tio ardente com um monto de palha para guardar intacto o germe do fogo, assim nosso Senhor Jesus Cristo esconde a vida em ns pela sua prpria carne e coloca a como uma semente de imortalidade que afasta toda a corrupo que trazemos em ns.

No pois apenas pela sua palavra que ele realiza a ressurreio dos mortos. Para mostrar que o seu corpo d a vida, como tnhamos dito, ele toca os cadveres e pelo seu corpo d a vida a esses corpos j em vias de desintegrao. Se o simples contacto da sua carne sagrada restitui a vida a esses mortos, que beneficio no encontraremos ns na sua eucaristia vivificante quando a recebemos!... No ser suficiente que apenas a nossa alma seja regenerada pelo Esprito para uma vida nova. O nosso corpo denso e terrestre tambm deve ser santificado pela sua participao num corpo tambm denso e da mesma origem que o nosso e deve ser chamado tambm incorruptibilidade.]

Dilogo sobre a Encarnao

Rejeitemos todos os disparates, fbulas inconsistentes, falsas opinies, ilusrias frases pomposas. Guardemos distncia de tudo que nocivo, mesmo que os adversrios nos ensurdeam com seus discursos astutos ou agressivos. Porque o mistrio divino no consiste em discursos persuasivos da sabedoria humana, mas na manifestao do Esprito".

O Unignito, que conforme as Escrituras era Deus e Senhor de todas as coisas, revelou-se a ns. Foi visto sobre a terra e iluminou os que jaziam nas trevas, fazendo-se homem. No s pelas aparncias: no se pense assim, loucura pens-lo e diz-lo! Nem tampouco porque se tivesse tornado carne mediante uma mudana ou transformao: o Verbo imutvel, ele permanece eternamente o mesmo! Nem porque sua existncia fosse contempornea da carne: ele o Autor dos sculos! Nem porque, como pura palavra (sem subsistncia) se tivesse tornado homem: ele o pr-existente, que chama as coisas a existirem e nascerem! ele a Vida, procedente da Vida, que Deus Pai, o qual, como sabemos, o na realidade, existe em prpria hipstase. Nem simplesmente se revestiu de uma carne privada de alma racional: foi verdadeiramente gerado por uma mulher, mostrou-se homem, assumindo a forma de servo, ele, o Deus Verbo, co-eterno e co-existente com o Pai; e assim como perfeito em sua divindade, assim o na sua humanidade, constituindo um s Cristo, Senhor e Filho, no apenas por justaposio da divindade e da carne, mas pela conexo paradoxal de dois elementos completos, a humanidade e a divindade, num nico e mesmo ser.

- Quem, pois, foi gerado pela santa Virgem? O homem ou o Verbo procedente de Deus?

- Eis a o erro, o pecado, contra todas as convenincias e contra a verdade! No me vs dividir ou separar o Emanuel em um homem e um Deus Verbo, no mo faas um ser de dupla personalidade. Porque seno estaremos incorrendo numa afirmao condenada pela Sagrada Escritura, no estaremos pensando corretamente. Eis, na verdade, o que diz um dos discpulos de Cristo: "Quanto a vs, carssimos, lembrai-vos do que foi predito pelos apstolos de nosso Senhor Jesus Cristo, quando vos falavam: nos ltimos tempos viro impostores, que vivero segundo suas mpias paixes, homens que semeiam a discrdia, homens sensuais que no tm o Esprito

- Ento no se deve introduzir diviso alguma?

- No. E, sobretudo no se devem afirmar dois seres aps a unio, pensando cada um em separado. preciso reconhecer que a mente considera certa diferena entre as naturezas: a divindade e a humanidade no so, seguramente, a mesma coisa; mas ao mesmo tempo que tais conceitos, h de se admitir a fuso das duas numa unidade.

Assim, ele nasceu de Deus Pai enquanto Deus, da Virgem enquanto homem. Esplendor derivado do Pai, acima de toda palavra e de todo pensamento, o Verbo dito tambm gerado por uma mulher, pois, descendo humanidade, tornou-se o que no era; no para ficar nesse aniquilamento, mas para que o creiamos Deus, mesmo quando se manifestou na terra sob uma forma como a nossa; no simplesmente habitando no homem, mas tornando-se, ele mesmo, homem por natureza, e conservando sua prpria glria. Assim, esses dois elementos to distantes de qualquer consubstancialidade, separados por incomensurvel diferena, a humanidade e a divindade, Paulo os v unidos num s, em razo da Economia, indicando que dos dois se constituiu um s Cristo, Filho de Deus: "Paulo - disse ele - servo do Cristo Jesus, chamado para ser apstolo, segregado para o Evangelho de Deus, outrora prometido pelos profetas nas santas Escrituras a respeito de seu Filho, nascido, segundo a carne, da semente de Davi, estabelecido em seu poder de Filho de Deus, segundo o Esprito de santidade"

Veja-se como ele se diz "segregado para o Evangelho de Deus", embora escreva tambm: "No pregamos a ns, mas a Jesus, Cristo e Senhor" , e ainda: "No quis saber nada mais entre vs seno Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado".

Ora, ao mesmo tempo que designando-o como Filho de Deus, Paulo diz tambm que Cristo nasceu da semente de Davi e foi estabelecido Filho de Deus. Como - diz-me - Deus o que nasceu da semente de Davi? O Filho anterior aos sculos, eterno enquanto nascido de Deus - pde ser estabelecido filho de Deus, como se de pouco tivesse vindo existncia? Na verdade, ele mesmo disse de si: "O Senhor me falou: Tu s meu Filho, eu hoje te gerei" , e no entanto a palavra "hoje" nos indica o momento presente, no o passado.

- Isso no deixou de me embaraar muito, e diria que outros tambm tiveram dificuldades para compreend-lo.

- Para os que separam e dividem (o Cristo), h de que se embaraarem, com efeito; mas para os que afirmam a unidade no Emanuel, fcil o conhecimento autntico dos sagrados dogmas. O Filho co eterno a aquele que o gerou, e anterior aos sculos, quando desceu natureza humana - sem abandonar sua qualidade de Deus, mas acrescentando-lhe o elemento humano - pde na verdade ser concebido como oriundo da semente de Davi e ter um nascimento recente. Pois o que se lhe acrescentou no lhe era estranho, e sim prprio; assim, foi computado como um consigo, exatamente como no caso do composto humano, feito de elementos naturalmente desiguais (refiro-me alma e ao corpo) e que no entanto fazem resultar um nico homem. Assim como a carne empresta seu nome ao vivente inteiro, ou a alma tambm pode design-lo, eis o que acontece em Cristo. Pois no h seno um Filho e um Senhor Jesus Cristo, antes de assumir a carne e depois que se manifestou como homem. No estaremos assim renegando o Mestre que nos resgatou, mesmo se ocorre vir designado por suas fraquezas humanas e pelos limites impostos por seu aniquilamento.

- No estou seguindo bastante bem; gostaria de uma explicao mais clara.

- Nosso Senhor Jesus Cristo disse, dirigindo-se aos judeus: "Se fsseis os filhos de Abrao, fareis as obras de Abrao, em vez de procurar matar-me - a mim que vos disse a verdade. Isso Abrao no fez".

Paulo, por sua vez, escreve: "Foi ele que, nos dias de sua vida mortal, ofereceu preces e splicas, acompanhadas de um grande brado e de lgrimas, quele que o poderia salvar da morte, e foi ouvido por sua reverncia. Embora Filho, aprendeu pelo sofrimento o que significa obedecer".

Diremos, ento, que Cristo puro homem, em nada superior ao que ns somos?

- No, no se diga assim!

- Ele, a sabedoria e o poder de Deus, admitiremos que tenha descido a tal grau de fraqueza a ponto de temer a morte e a ponto de suplicar ao Pai a salvao? Tiraremos ao Emanuel o privilgio de ser a Vida, por natureza? Ou estaremos falando corretamente ao reportar humanidade e limitao da natureza semelhante nossa as expresses menos honrosas, percebendo ao mesmo tempo a glria sobrenatural que lhe vem dos traos de sua divindade, compreendendo que o mesmo , a uma vez, Deus e homem, ou antes, Deus feito homem?

-Como assim, diz-me?

- Venha testemunhar entre ns o ilustre Paulo, de quem so estas palavras: " da sabedoria que falamos aos perfeitos, no de uma sabedoria deste mundo nem dos prncipes deste mundo, condenados a perecer. Falamos da sabedoria de Deus, misteriosa e secreta, que nenhum dos prncipes deste mundo conheceu. Porque se a tivessem conhecido no teriam crucificado ao Senhor da glria" . E ainda: "Esplendor da (divina) glria e figura da (divina) substancia, ele mantm o universo com o poder de sua palavra. Depois de ter realizado a purificao dos pecados, est sentado direita da Majestade divina ro mais alto dos cus, to sublimado acima dos anjos, quanto excede o deles o nome que herdou" . De fato, ser e chamar-se "Senhor da glria" no est muito acima e alm de toda criatura, sujeita mudana? E omito o que se refere espcie humana, que bem menos importante: so aqui mencionados os anjos, as potestades, os tronos, as dominaes, so mencionados at os sublimes serafins, reconhecendo-se que esto muito aqum desse sublime Esplendor, o que claro ao menos para quem no traz o esprito corrompido. Tais privilgios, verdadeiramente extraordinrios, so apangio da natureza que reina sobre o universo.

Ora, como o Crucificado poderia tornar-se Senhor da glria? O Esplendor do Pai, a imagem de sua substncia, o que sustenta o universo por sua palavra poderosa, ei-lo dito feito superior aos anjos: penso que s porque assumira antes uma condio inferior deles, aparecendo como homem. Est escrito, com efeito: "aquele que foi rebaixado um instante sob os anjos, Jesus, ns o vemos coroado de glria e de honra, por causa da morte que sofreu ".

Apartaremos ento o Verbo, nascido de Deus Pai, da transcendncia que lhe cabe por sua essncia, da exata semelhana com esse Pai, quando o vemos inferior em glria aos anjos, na situao humilde que lhe trouxe a Economia?

- No, por certo. No penso que se deva separar completamente o Verbo de Deus das fraquezas humanas aps sua unio com a carne, nem despojar da divina glria o elemento humano, se se julga e se confessa estar este no Cristo. Alguns perguntaro, contudo, bem o sabes: mas quem ento Jesus Cristo? O homem nascido da Virgem ou o Verbo nascido de Deus?

- Francamente, tolice estender-nos inutilmente na resposta a um vo palavreado. Contento-me em dizer que perigoso e culpvel separar em dois, pondo cada um parte, o homem e o Verbo: a Economia no o admite, a Escritura inspir