anos iniciais do ensino fundamental do estado de...
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ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL DO ESTADO DE SÃO PAULO: O
ALCANCE E O SIGNIFICADO DA EXCLUSÃO DAS CIÊNCIAS
Patrícia Elisa do Couto Chipoletti ESTEVESFaculdade de Pindamonhangaba/Funvic
Pedro Wagner GONÇALVES Universidade Estadual de Campinas (Ensino e História de Ciências da Terra)
Eixo Temático 05: Políticas de formação de professores
1. Introdução
Esta pesquisa explora o campo interdisciplinar que envolve políticas curriculares,
mecanismos de gestão educacional e Ensino de Ciências. Procura mostrar o potencial
dos estudos da natureza para formar as novas gerações diante de pesquisas e reflexões
que cobrem a área cognitiva da aprendizagem.
O texto descreve aspectos centrais da política curricular do Estado de São Paulo
para os componentes relativos aos estudos da natureza. Busca descrever o sentido dos
primeiros anos do Ensino Fundamental a partir da ausência das Ciências e o alcance
disso para formar as novas gerações.
O objetivo central desta pesquisa é descrever e interpretar o significado das
políticas curriculares da rede estadual e revelar o significado da grade curricular definida
pela Secretaria do Estado da Educação de São Paulo.
Certo conjunto de perguntas marca os horizontes desta pesquisa: Por que o
componente curricular Ciências foi excluído da grade estadual? Quais são as implicações
dessa exclusão para a justiça social? Quais concepções de Ciências podem ser
aprendidas pelos alunos e qual é sua importância para a formação das novas gerações?
Nos limites deste texto, essas perguntas não foram exploradas à exaustão, mas
há indicações relativas a todas elas no texto.
2. Procedimentos metodológicos
Trata-se de um estudo documental que examina apostilas legais da Secretaria de
Educação do Estado de São Paulo para descrever políticas curriculares relativas ao
Ensino de Ciências do nível do Ensino Fundamental. Procura-se caracterizar a
concepção de justiça social presente nesses documentos diante de pesquisas
educacionais e da área específica de ensino.
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A interpretação dos documentos é feita seguindo orientações de Gibbs (2008)
sobre análise qualitativa de textos. Considera tanto os conteúdos escritos, quanto as
lacunas, omissões e os contextos que ajudam a revelar propósitos, objetivos e sugerem o
que está acontecendo.
De certo modo, isso se assemelha às análises de contingência sugeridas por
Bardin (2011) que, ao identificar um item, passa a considerá-lo dentro do universo
contextual por meio de análises associativas que permitem caracterizar seu significado.
3. Papel do Ensino de Ciências na formação da cidadania
Perspectivas comuns que examinam os currículos dos níveis básicos de ensino
assinalam que algumas áreas possuem um papel político e ideológico na formação das
novas gerações. Nesses casos, as áreas mais lembradas são a língua nacional, a
História e a Geografia. Extrapola os limites deste texto demonstrar essas afirmações, por
isso, indicamos apenas a concordância com tais tomadas de atitude e pretendemos
ampliar ainda mais tais interpretações para o campo das Ciências – muitas vezes
consideradas neutras para formar a cidadania.
Muitos autores defendem que o currículo é um campo ou um território de disputa e
luta. Todas as vezes que se inclui alguma coisa, simultaneamente se exclui outro aspecto
da cultura, do conhecimento ou dos valores.
Moreira e Candau (2007) argumentam que a disputa chave no campo do currículo
se dá pela preservação ou pela superação das divisões sociais.
Diante disso, tenta-se demonstrar que ensinar Ciências é uma decisão de política
curricular tanto na relevância do assunto, bem como na necessidade de incluir esse
objeto da cultura para a formação das futuras gerações se nos alinhamos à perspectiva
de superação das brutais diferenças sociais que caracterizam o País. Em termos mais
simples, defende-se que ensinar Ciências é um ato político.
Tedesco (2012) assinala que as mudanças rumo a uma educação inclusiva na
América Latina requerem transformações estruturais da educação e mudanças
pedagógicas. Entre estas, inclui promover aprendizagem de Ciências voltada para a
alfabetização científica (TEDESCO, 2012) para, logo em seguida, associar a melhoraria
do Ensino de Ciências à formação e prestigio dos professores.
Poderíamos citar muitos outros autores que insistem sobre a importância das
Ciências fazerem parte da formação das novas gerações. Mas ao esmiuçar o que se
prescreve para incluir no currículo, há significativa dispersão da abrangência em torno da
alfabetização científica. O termo tem sido aplicado nos últimos vinte anos para indicar a
construção de uma dimensão cívica para Educação em Ciências (HURD, 1998) até a
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necessidade de aumentar e melhorar o consumo de bens tecnológicos da sociedade
capitalista.
O conhecimento científico é inerentemente contingente e histórico, ou seja, em
cada momento precisamos considerar modelos diferentes, as implicações de cada
modelo e os desafios sociais, econômicos, culturais e tecnológicos postos por cada
modelo para o futuro. Todos os temas científicos controversos exemplificam as
dificuldades desses desafios (mudança climática, bioengenharia, extinção em massa e
diversidade biológica). E a questão se torna ainda mais complicada quando
consideramos que muitos desses temas demandam decisões políticas.
Izquierdo (2005) fez uma apreciação de caráter curricular sobre o Ensino de
Ciências e aproxima sua prescrição da necessidade de considerar um conjunto de
dimensões humanistas, culturais, econômicas e políticas para compor a alfabetização
científica.
Há uma ideia comum sobre o conhecimento científico que ajuda a compreender
sua importância: trata-se de um conhecimento baseado em dados empíricos (vindos da
observação, da experimentação) para constituir uma explicação racional. Esta
delimitação é considerada limitada, mas de onde vêm esses limites?
Seja sob o ponto de vista da investigação filosófica sobre a natureza da
metodologia científica, seja sob investigações empíricas sobre pesquisas voltadas para
descrever e entender como se faz ciência; seja dentro do esforço de difundir descobertas
e explicações cientificas para as novas gerações, todos os casos mostraram algo
intrínseco e, ao mesmo tempo, complicado do conhecimento científico: o seu caráter que
rejeita a finitude, ou seja, o caráter epistemológico da ciência implica na incessante busca
de novos fatos, explicações, modelos etc. sem prospecto de fim.
Isso está relacionado a uma concepção dominante de ciência que toma a Física
como referência chave, ou seja, há um privilégio dos argumentos construídos a partir de
raciocínios analíticos, de base experimental (o espaço do laboratório é por excelência a
ideia da ciência positiva), valorizando a reprodutibilidade e a linguagem matemática.
Dodick, Argamon e Chase (2009) assinalam uma decorrência importante do
caráter da ciência para seu ensino, para que cumpra com o desenvolvimento cognitivo
das novas gerações: o principal foco da Educação em Ciências deve ser a aprendizagem
por investigação. Esses autores trazem, ainda, para discussão do que ensinar em
Ciências, conclusões de pesquisas de História e Filosofia da Ciência. Isso mostrou
métodos experimentais que envolviam a manipulação de fenômenos naturais usados em
áreas tais como, Biologia Molecular, Física ou Química Orgânica. Esta característica do
fazer ciência é muito diferente de outro grupo de pesquisas sobre a natureza, as ciências
históricas, tais como Cosmologia, Paleontologia, Ecologia ou Geologia. Estas usam
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metodologias distintas ligadas a seu raciocínio explanatório sobre eventos passados
formulados a partir do que foi observado, mas a maior parte, não manipulado (são
ciências que operam procedimentos observacionais, raciocínios comparativos e
multifatoriais). Disso há uma importante decorrência para o currículo: um currículo
completo baseado na investigação também requer o entendimento de como cientistas
históricos fazem sua pesquisa. Isso implica que educadores precisam reconhecer que há
diferenças entre as ciências experimentais tradicionais e ciências históricas para que os
estudantes possam desenvolver diferentes modos de raciocínio.
A questão não é nova no âmbito do Ensino de Ciências. Robinson (1998 –
originalmente publicado em 1965) indicava que para os alunos poderem compreender
Ciências e aprender as explicações científicas requerem tanto atividades de laboratório,
quanto leituras dos diversos campos científicos. Robinson (1998) nota que os campos
científicos se dividem segundo sua estrutura e construção da realidade científica (o que
inclui processos de observação, procedimentos de verificação, inter-relações de indução
e dedução) em dois grandes ramos: correlacional e exato.
A separação operada por Robinson (1998) coincide com a divisão dos campos
científicos exposta por Dodick, Argamon e Chase (2009): as ciências exatas
(experimentais) e correlacionais (históricas). Gray (2014) traz praticamente essa mesma
divisão de Ciências para defender que o modo como crianças e jovens vão conceber a
atividade científica depende de conhecer as diferenças entre o que ele denominou
ciências experimentais e ciências históricas.
Gray (2014) argumenta que ciências experimentais, por exemplo, a Química,
perguntam sobre experimentos diretos que podem ser feitos com fenômenos naturais.
Portanto, o conhecimento é frequentemente construído por meio de experimentos
controlados de fenômenos manipulados, frequentemente correspondendo a teste de
hipóteses singulares (trata-se do método de construção da evidência). Raramente tratam
de particularidades do lugar e do tempo para refletir sobre um processo.
Frodeman (2004) explorou as diferenças entre os campos científicos a partir dos
procedimentos metodológicos e do espaço do fazer ciência. O laboratório é por definição
um espaço irreal - argumentou. As condições são parametrizadas, objetos são limitados,
materiais são purificados. O espaço do laboratório é utópico, em grego o termo é ou-
topos que significa fora do lugar. O laboratório é um lugar separado do resto do mundo,
não faz diferença se você está em Dallas ou em Oslo. Não apenas o espaço é idealizado,
o tempo também é. Tempo evidentemente existe, rodar um experimento gasta um tempo.
Mas o laboratório elimina a história, o não reprodutível, o fluxo contingente de eventos –
seja em suas dimensões naturais ou culturais.
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Robinson (1998) argumenta que procedimentos correlacionais são caracterizados
pela coleta de dados e comparações. Tais comparações podem originar agrupamentos e
classificações. Correlações de dados quantitativos podem resultar em relações
matemáticas desenvolvidas por certos procedimentos (segundo certos coeficientes de
correlação). Exemplifica este campo com as Ciências Biológicas.
Gray (2014) afirma que ciências históricas frequentemente precisam construir
explanações causais sobre fenômenos únicos e singulares, largamente é um
pensamento reconstrutivo obtido por meio de métodos comparativos para prever causas
e efeitos de fenômenos achados.
As ciências históricas operam com argumentos que envolvem escalas de tempo
muito diversificadas. Isso foi assinalado por Frodeman (2010) para a Geologia. De certo
modo, Frodeman (2010) acompanhou Potapova (2008): ambos assinalaram o caráter
temporal (e histórico), interpretativo, narrativo e sistêmico dos estudos que buscam
unificar nosso entendimento da relação com a Terra. Ou como Frodeman (2004)
reivindica: uma disciplina específica que propiciaria o logos completo do planeta, ou seja,
o que os gregos denominavam Gaia. Um campo capaz de sintetizar os estudos da Terra
com a poesia e a escrita da natureza. Combinar essas a considerações alcança diversas
implicações geopolíticas devido aos tópicos que aborda, tais como, poluição, mudança
climática etc.
O significado e as implicações dessa abrangência temporal foram tratados por
Cervato e Frodeman (2014) ao assinalar o quanto mudam as perspectivas econômicas,
políticas e culturais quando trazemos para o centro do debate as escalas de tempo de
dezenas de milhares a milhões de anos. Elementos como o preço dos cereais precisam
ser ponderados com variáveis novas se passamos a considerar a taxa de perda de solo
em intervalos de tempo de algumas gerações, ou seja, se começamos a refletir sobre o
tempo da natureza.
Após o furacão Katrina, o debate em Nova Orleans se concentrou na reconstrução
da cidade – como Cervato e Frodeman (2014) relatam. O debate foi sobre custos,
adequação de diques e possibilidade de outro furacão de Categoria 3, 4 ou 5 atingir a
cidade. Se os debatedores estivessem familiarizados com o tempo geológico, se
observassem o mapa geológico, teriam percebido que a probabilidade de ocorrência de
outro furacão categoria 4 ou 5 atingir Nova Orleans é de 100%.
Frodeman (2013) tratou dos problemas relacionados à mudança climática global.
Seu argumento sobre a incerteza da previsão climática assume implicitamente o
problema das escalas de tempo. Defende que há um problema lógico vinculado à
incerteza sobre qualquer “evento” futuro: se tomamos uma seca, uma temporada de
furacões ou tempestades extremas, vamos considerar um evento anômalo ou isso faz
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parte de um padrão de mudança climática. Posto em outros termos, não há base
epistemológica para separar os termos “tempo” e “clima”. O tempo é o que acontece hoje,
o clima é uma média das condições de largo período de tempo. Mas o que define um
“largo período de tempo”? Bem como, o define o “hoje”? Não podemos perder de vista
que meteorologistas trabalham com médias históricas dos últimos trinta anos.
Podemos acrescentar: se tomamos algumas dezenas de milhares de anos para
caracterizar o clima de nossa época, vamos ter outro olhar para o aquecimento global
pós 1980. A tempo: não estamos pondo em dúvida a concepção amplamente defendida
de aquecimento global derivado do aumento de gases estufa da atmosfera, mas
queremos assinalar que há uma incerteza lógica que precisa fazer parte da formação das
novas gerações pois ela estará presente em qualquer tema controverso (por exemplo,
alimentos transgênicos, engenharia genética etc.).
Necessitamos, ainda, recorrer a um aspecto menos explorado do que a própria
relevância do Ensino de Ciências. Autores, tais como, Zoller e Scholz (2004)
desenvolvem uma correlação entre estudos sistêmicos e desenvolvimento de habilidades
cognitivas.
Zoller e Scholz (2004) essencialmente associam os estudos de Ciência,
Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA) ao esforço para desenvolver habilidades
cognitivas de ordem mais alta (HOCS) nas crianças e jovens.
O argumento de Zoller (2004) em favor das ciências ambientais e suas múltiplas
implicações para diminuir as fronteiras disciplinares e buscar os elementos
multidimensionais da CTSA traz para o centro do debate as HOCS.
Desde uma perspectiva algo diferente, Earley (2013) reivindica que diante dos
desafios da revolução tecnológica atualmente em curso é necessário buscar um ensino
de Química de caráter sistêmico. O ensino analítico que prevalece no momento é
insuficiente para dar conta dos problemas que temos hoje.
Isso facilita nossa aproximação com Orion (2009) que expõe um currículo de
Ciências do nível básico construído na perspectiva de atingir a alfabetização ambiental. O
autor sustenta que o fundamento dessa alfabetização é a Ciência do Sistema Terra. Isso
contribui para desenvolver habilidades cognitivas de ordem elevada (raciocínio
sistêmico), crucial para enfrentar os desafios sociais, econômicos, políticos e militares de
nossa época.
A noção de alfabetização em Geociências é preconizada por diversos autores. Do
mesmo modo que alfabetização científica possui distintas delimitações e objetivos. King
(2008) traçou um quadro abrangente dos problemas e possibilidades do Ensino de
Geociências. Resumidamente o autor sugere que essa alfabetização está relacionada à
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familiaridade e consciência das transformações materiais que ocorrem nos sistemas
terrestres.
King (2008) descreve atividades práticas de laboratório e campo e mostra as
habilidades cognitivas que se acham vinculadas a cada uma delas, bem como suas
diferenças com atividades comuns de sala de aula.
Lacreu (2009) também argumenta sobre a necessidade de desenvolver a
alfabetização em Geociências para as próximas gerações. Mas, além de considerar que
esta é um elemento fundamental da construção da cidadania do século XXI, procura
compor este elemento como sendo simultaneamente um entendimento ambiental e
desenvolvimento de habilidades cognitivas. Do seu ponto de vista, não permitir que os
cidadãos compreendam como fenômenos terrestres funcionam (terremotos, enchentes,
escorregamentos, clima etc.) corresponde a naturalizá-los, ou seja, tornar naturais os
efeitos das relações adversas de natureza e sociedade.
Ao se apoiar nesses princípios e considerando, ainda, que o direito à educação é
um direito inalienável do ser humano – como tem sido definido em vários países da
América Latina – o currículo apoiado nessas pesquisas deveria contemplar tais
elementos na Educação Básica.
4. O currículo oficial de Ciências
Desde o ano de 2007 a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo vem
elaborando e implantando seu currículo para os ensinos Fundamental e Médio. A partir de
2010 a rede estadual passou a ter um currículo oficial que foi acompanhado de material
didático dirigido aos alunos, bem como orientação fornecida aos professores. Mas é
importante lembrar que os anos iniciais do Ensino Fundamental já contavam com material
didático e capacitação de professores preparado pelo Centro de Estudos e Pesquisas em
Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC) e que permanece ativo na rede
estadual até o presente.
O novo currículo estadual foi acompanhado por mecanismo de supervisão escolar
assessorado por professores coordenadores (da Oficina Pedagógica das Diretorias
Regionais de Ensino). O processo foi acompanhado por avaliações padronizadas
estaduais aplicadas aos alunos, cujos resultados foram associados a índices de
desenvolvimento (levados em conta na distribuição anual de bonificações financeiras a
professores e gestores da rede). Alguns mecanismos empregados são detalhados a
seguir.
Como parte da estratégia de implantação do currículo paulista foram elaboradas
as Orientações Curriculares do Estado de São Paulo – Língua Portuguesa e Matemática,
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Ciclo I (São Paulo, 2016). Os propósitos do documento são explicados na página
eletrônica da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo:
O presente documento foi elaborado, como já colocado, a partir dasOrientações Gerais para o Ensino de Língua Portuguesa e deMatemática publicadas pela SME São Paulo, com a intenção desubsidiar o ensino dos conteúdos mais relevantes a serem garantidosao longo das quatro séries do Ciclo I do Ensino Fundamental. Odocumento se organiza em torno de um objetivo central: subsidiartodos os envolvidos no processo de ensino da Língua Portuguesa(Leitura, Escrita e Comunicação Oral) e Matemática parasistematizar os conteúdos de ensino mais relevantes a seremgarantidos ao longo das quatro séries do Ciclo I do EnsinoFundamental. Outro propósito importante do documento é contribuirpara a reflexão e discussão dos professores com a indicação do que osalunos deverão aprender, progressivamente, durante as quatro séries doCiclo I do Ensino Fundamental (SÃO PAULO, 2016, grifos meus).
Por outro lado, no documento intitulado Reorganização do Ensino Fundamental e
do Ensino Médio (SÃO PAULO, 2012, p. 6) há “[...] orientações para o trabalho cotidiano
de dirigentes e professores da rede estadual de ensino” e “trata da organização dos
ciclos de aprendizagem, do tempo escolar, das áreas de ensino e sua distribuição na
composição das matrizes curriculares de cada segmento de ensino, bem como da
recuperação dos alunos com dificuldades”. Essa publicação é uma compilação de cinco
trabalhos e num deles, denominado Por uma Educação de Qualidade é esclarecido que
segundo a LDB n. 9.394/96 (BRASIL, 1996) a educação deve se pautar por três
princípios:
1. Todos são capazes de aprender; 2. A escola deve propiciar situaçõesde aprendizagem que valorizem as experiências dos estudantes; 3. Aescola é responsável pela construção da proposta pedagógica e pelaadoção do princípio de gestão democrática (SÃO PAULO, 2012, p. 20).
Esse discurso aparentemente progressista encobre uma tradição curricular
mobilizada pelo esforço de garantir a alfabetização em língua portuguesa. No final do
século XX, os baixos resultados de leitura e escrita conduziram a um esforço que
envolveu material didático (construtivista e vinculado à linguística) e formação continuada
persistente de professores. Isso foi reforçado durante os últimos dez anos por diversos
mecanismos de compensação financeira segundo resultados do currículo avaliado
(avaliado externamente). Professores que atendem os primeiros anos do Ensino
Fundamental repetem de modo pouco reflexivo que sua tarefa essencial é alfabetizar as
crianças. Na rede estadual de São Paulo e nas escolas municipalizadas que seguem o
mesmo currículo esse programa passou a se chamar “Ler e Escrever” em 2007.
Marin (2012) descreve os resultados da persistência dessa política curricular e
seus efeitos na sala de aula. Revela que houve alterações do ensino e da aprendizagem
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nos anos iniciais. O caderno do aluno tornou-se local para colar folhinhas com atividades
e pouco se escreve apesar de a escrita ser o foco dessa fase de aprendizagem. E
continua descrevendo o trabalho de uma professora de escola estadual paulistana: a
marca do ano escolar foi crianças sentadas com cadernos abertos esperando em silêncio
ordens da professora. Ou seja, esta política curricular articula uma sucessão de condutas
para alunos e professores.
Quase um corolário dessa política curricular é a matriz dos cinco primeiros anos
da Educação Fundamental: Ciências está ausente dos três primeiros anos e no quarto e
quinto ano recebe 10% da carga horária.
É evidente que o currículo do Estado de São Paulo é ilegal diante das diretrizes e
parâmetros curriculares nacionais. Apesar disso, persiste devido aos mecanismos que
foram listados acima.
5. O alcance político da exclusão das Ciências
Evangelista e Shiroma (2007) já alertavam para o alinhamento das políticas
educacionais brasileiras às orientações de órgãos internacionais. O Banco Mundial
promoveu programas para América Latina e Caribe buscando estabelecer ligações entre
mudanças nas políticas e nas práticas educativas para atender propósitos da economia
mundial. Os mecanismos – ainda segundo as mesmas autoras – tentam organizar a
educação em torno de noções vinculadas à provisão, financiamento, avaliação,
regulação, gestão, controle e falta de responsabilização do estado.
No plano pedagógico, o resultado central da combinação desses mecanismos é o
esvaziamento do currículo. Isso foi feito privilegiando dois componentes curriculares -
Português e Matemática – e abandonando as demais dimensões de conteúdo. O
processo é agravado ao privilegiar a formação de condutas disciplinares que adestram
professores e alunos.
A política curricular da rede estadual de São Paulo revela que procura seguir e
desenvolver as orientações internacionais para educação e, ao mesmo tempo, rejeita
toda a produção científica sobre currículo, formação de professores e Ensino de Ciências.
O resultado disso é um aparente paradoxo: as premissas dos documentos da Secretaria
do Estado da Educação propõem objetivos de aprendizagem para os anos iniciais do
Ensino Fundamental contemplando as áreas tradicionais do currículo, mas quando se
define a matriz curricular, História, Geografia e Ciências são eliminadas.
Mirra e Morrell (2011) discutem as reformas educacionais iniciadas nos EUA pelo
programa Nenhuma criança para trás. Revelam como as noções dominantes de
qualidade de ensino e de aprendizagem limitam a autonomia do professor e são fonte de
um profissionalismo, da reforma da educação sob influência da ideologia neoliberaliberal.
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Mostram, ainda, que a perspectiva de cidadania vinculada ao modelo conduz as escolas
públicas norte-americanas a atender estudantes (indivíduos) para obter conhecimento e
habilidades que serão necessários para perseguir seus recursos e ganhos individuais
(MIRRA; MORRELL, 2011). Isso induz a formar valores individualistas, consumistas,
passivos e reforçam o predomínio da democracia representativa (com o domínio do
governo restrito a poucas famílias).
A exclusão das Ciências dos anos iniciais do Ensino Fundamental é um dos
mecanismos que conduzem a promoção da exclusão social dos alunos da escola pública.
6. Conclusões
A política curricular e de gestão da rede estadual de São Paulo revela o desprezo
pela produção científica nacional e estrangeira sobre currículos, formação de professores
e Ensino de Ciências. Ao invés disso, há muitos indícios da tentativa de acompanhar
orientações internacionais para a educação oriundas de órgãos multilaterais tais como o
Banco Mundial.
O traço marcante da grade curricular estadual promulgada em 2010 foi a redução
do currículo que excluiu Ciências, Geografia e História dos anos iniciais do Ensino
Fundamental e manteve uma carga didática muito pequena nos demais anos da
Educação Básica.
Considerando o potencial formativo dos estudos da natureza, a necessidade de
conhecimento científico e tecnológico para enfrentar, desde dilemas de consumo a crise
ambiental global, a política curricular do Estado de São Paulo para Ciências é indício de
que o objetivo central da escola pública é promover a exclusão social e fazer com que as
escolas mantenham a injustiça social.
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