ano ix - n.º 25 - 22 de setembro a 21 de dezembro de 2008

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Ano IX - N.º 25 - 22 de Setembro a 21 de Dezembro de 2008 Esta Revista faz parte integrante da edição do Jornal de Notícias e não pode ser vendida separadamente Distribuição gratuita Outono/Autumn

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Ano IX - N.º 25 - 22 de Setembro a 21 de Dezembro de 2008

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28 RESERVANATURAL LOCALreportagem

O Refúgio Ornitológico do Estuário do Douroestá prestes a mudar de nome. Futuramente,nos termos legais, irá designar-se como ReservaNatural Local do Estuário do Douro, uma áreaprotegida de âmbito local.

30 MATADA MARGARAÇAreportagem

A Mata da Margaraça é o ex-líbris da ÁreaProtegida da Serra do Açor, no concelho deArganil. Sítio com uma vegetação dominadapor carvalhos e castanheiros, esta reservabiogenética situa-se na vertente Norte da serrada Picota.

40 BANCODE GERMOPLASMAentrevista

Como um banco que lida com dinheiro, em Bragao Banco Português de Germoplasma gere outrotipo de riqueza, mais importante ainda: opatrimónio natural. Uma actividade trabalhosa ecomplexa, aqui explicada por Ana Maria Barata.

SECÇÕES

8 Ver e falar

10 Fotonotícias

13 Portfolio

16 Quinteiro

18 Parques de Gaia

24 Rio ácido

34 Aves de São Tomé

38 Clima em queda

45 Colectivismo

48 Crónica

Foto: JG

Os conteúdos editoriais da revista PARQUES E VIDA SELVAGEM são produzidos pelo Parque Biológico de Gaia, sendo contudo as opiniões nela publicadas da responsabilidade de quem as assina.

SUMÁRIO 3

FICHA TÉCNICA

Revista “Parques e vida selvagem”. Director Nuno

Gomes Oliveira. Editor Parque Biológico de Gaia.

Coordenador da Redacção Jorge Gomes.

Fotografias Arquivo Fotográfico do Parque

Biológico de Gaia. Design Rita Coelho Propriedade

Parque Biológico de Gaia, E. M. Pessoa colectiva

504888773. Tiragem 150 000 exemplares. ISSN

1645-2607. N.º Registo no I.C.S. 123937. Dep.

Legal 170787/01. Administração e redacção

Parque Biológico de Gaia, E. M. - Av. Vasco da

Gama, 5413 - 4440-000 Vila Nova de Gaia –

Portugal - Telefone 227878120. E-mail:

[email protected] - Página na internet

http://www.parquebiologico.pt - Conselho de

Administração Nuno Gomes Oliveira, Nelson

Cardoso, José Urbano Soares. Publicidade Jornal

de Notícias. Impressão Lisgráfica - Impressão e

Artes Gráficas, Rua Consiglieri Pedroso, 90 - Casal

de Santa Leopoldina - 2730 Barcarena, Portugal.

Capa: João Luís Teixeira, ave limícola Tringa totanus

Esta revista resulta de uma parceria entre o ParqueBiológico de Gaia e o «Jornal de Notícias».

Outono 2008

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Parques e Vida Selvagem Outono 2008

Se esta leitivesse saído há mais anos!No passado dia 24 de Julho, o Diário da

República publicou o Regime Jurídico da

Conservação da Natureza e da Biodiversidade

(Decreto-lei n.º 142/2008 de 24 de Julho) que

introduz uma verdadeira revolução nos

instrumentos de conservação da natureza, ao

permitir, a partir de agora, que os Municípios

criem, por sua própria iniciativa e exclusiva

deliberação, áreas protegidas.

Assim, a partir de agora podem ser criados

Parques naturais locais, Reservas naturais locais,

Paisagens protegidas locais e Monumentos

naturais locais, bastando que a respectiva

câmara municipal assim o proponha, e a

assembleia municipal aprove.

Se, até agora, era habitual e cómodo atribuir

as culpas de tudo o que se não fazia em

conservação da natureza, ao ICNB (Instituto

de Conservação da Natureza e da

Biodivers idade), a part i r de agora a

re s p o n s a b i l i d a d e r e p a r t e - s e p e l a

Administração Central e por 308 municípios.

No caso de Vila Nova de Gaia, já demos o

mote: em 29 de Agosto de 2008, a Câmara

Municipal, sob proposta do Parque Biológico,

deliberou criar a Reserva Natural Local do

Estuário do Douro, deliberação que está, agora,

em discussão pública, seguindo em Novembro

Completam-se, com esta edição, 25 números da revista “Parquese Vida Selvagem”, uma das grandes apostas do Parque Biológicode Gaia para divulgação do nosso património natural

para a Assembleia Municipal e, depois, para o

Diário da República.

Poderia o Município ter tomado esta medida

anos antes, se a legislação o permitisse. Embora

a Lei n.º 169/99 de 18 de Setembro, que

estabelece o quadro de competências, assim

como o regime jurídico de funcionamento, dos

órgãos dos municípios e das freguesias já

atribuísse às câmaras municipais competências

na área de conservação da natureza, faltava

regulamentá-la, o que só agora foi feito.

E é pena que isso não tenha acontecido há

mais tempo pois não só Gaia, como outros

municípios, têm vindo, ao longo dos anos, a

manifestar junto do Poder Central o desejo de

criarem áreas classificadas.

Mas também particulares têm manifestado o

desejo de o fazerem em propriedades privadas,

a exemplo do que acontece por todo o Mundo.

O anterior regime jurídico das áreas protegidas

previa a figura do “refúgio ornitológico” para

classificar áreas protegidas privadas; sabemos

que chegaram ao ICN, ao longo dos anos,

diversos pedidos mas, estranhamente, apenas

um teve sequência e promulgação, o de Refúgio

Ornitológico do Monte Novo do Roncão, no

Alentejo (Resolução do Conselho de Ministros

n.º 7/91, de 21 de Fevereiro).

Solicitamos informações ao ICNB sobre o

número de pedidos de classificação de áreas

entradas ao longo dos anos, quer provenientes

de municípios, quer de privados, mas até à

data de fecho desta edição não foi possível ao

ICNB coligir essa informação; por isso,

voltaremos ao assunto no próximo número da

revista, já que nos parece muito interessante

fazer a análise desta informação.

O novo Regime Jurídico institui a possibilidade

de criação de “áreas protegidas privadas”, a

pedido do respectivo proprietário, dependente

de reconhecimento do ICNB, nos termos de

portaria a publicar. No entanto, nessas áreas

mantém-se em vigor o Plano Director Municipal

do concelho onde se integrem podendo,

mesmo, ser ali desenvolvidos empreendimentos

com “relevante interesse público”.

Ora, este novo Regime Jurídico, cria duas

situações sensíveis: primeiro, a eventualidade

da criação de “áreas protegidas locais” em sítios

sem verdadeiro valor, por moda ou conveniência.

Segundo, a possibi l idade de futuros

empreendimentos turísticos ou residenciais

apelarem ao estatuto de “área protegida privada”

por uma questão de imagem comercial ou para

melhor acesso a apoios comunitários.

Importa assinalar que a Lei das Finanças Locais

Pelas reacções que temos recebido, acreditamos que a

revista está a ter muito bom acolhimento e um número de

leitores crescente. Gostaríamos de ampliar o número de

páginas, pois os temas que ficam por publicar são mais

que os publicados, mas condicionalismos de ordem

financeira impedem-nos de o fazer.

De facto só seria viável esse crescimento se reduzíssemos

à tiragem, actualmente de 150.000 exemplares, e se

abandonássemos a distribuição gratuita com o “Jornal de

Notícias”, a nível nacional, o que, de modo nenhum,

queremos fazer, para lhe não retirar o papel divulgador

junto do grande público. Este 25.º número da revista surge

com um aspecto renovado, na sequência de um concurso

de ideias em que a designer Rita Coelho se distinguiu.

4 EDITORIAL

Por Nuno Gomes Oliveira

Director da Revista “Parques e Vida Selvagem”

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Parques e Vida Selvagem Outono 2008

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(Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro) prevê uma

majoração das transferências para os

municípios, através do FGM (Fundo Geral

Municipal) em função da “área afecta à Rede

Natura 2000 e da área protegida”.

DERRAME DE ÁCIDO CLORÍDRICO

NO RIO FEBROS

No passado dia 25 de Agosto ocorreu um

acidente com um camião cisterna, que provocou

o derrame de várias toneladas de ácido clorídrico

num afluente do rio Febros, com a consequente

poluição e destruição total da fauna aquática

na zona afectada (cerca de 5 km de rio, 1/3 do

seu curso total).

Apesar da pronta intervenção do Município de

Gaia, através do Batalhão de Sapadores

Bombeiros e da empresa municipal Águas de

Gaia, para além de outras corporações de

bombeiros e das empresas produtora e

transportadora do ácido derramado, não foi

possível evitar a pequena catástrofe que a

comunicação social amplamente divulgou.

Num rio em franca recuperação, este

acontecimento foi um desagradável contratempo

ao restabelecimento da qualidade da água e da

comunidade de seres vivos dependentes do rio.

O ácido provocou níveis de pH da ordem dos

3,5, o que foi letal para os peixes e para alguns

anfíbios aquáticos que, apesar de tudo, poucos

dias depois recomeçaram a ser vistos no curso

de água, provenientes do troço a montante, não

afectado pelo derrame.

O risco do transportador estava confiado à

Companhia de Seguros Tranquilidade, que

rapidamente envidou todos os esforços para repor

a situação e liquidar eventuais indemnizações.

Foi estabelecido um protocolo entre a seguradora,

o Parque Biológico (Município de Gaia) e o

Departamento de Zoologia da Faculdade de

Ciências da Universidade do Porto para

monitorizar, durante um ano, a evolução do rio,

permitindo, assim, tomar as medidas de

recuperação achadas convenientes.

DUNAS DE GAIA

A Câmara Municipal de Gaia delegou na

empresa municipal Parque Biológico a

conservação do cordão de dunas do concelho,

com cerca de 15 km, entre a foz do Douro e

Espinho. Nesse sentido foram apresentadas

duas candidaturas aos fundos comunitários

(QREN), uma para recuperação de todo o

cordão duna r, com ins ta l ação de

regeneradores, passadiços e remoção de

p l a n t a s i n f e s t a n t e s , o u t r o p a r a

desenvolvimento, com as Universidades do

Minho e do Porto, de um estudo de erosão e

risco da costa gaiense.

Este trabalho, que deverá estar pronto antes

do início da próxima época balnear, será

acompanhado de uma ampla campanha de

sensibilização para a importância das dunas,

nomeadamente na defesa do continente contra

os avanços do mar. As duas candidaturas estão,

já, aprovadas pela CCDRN (Comissão de

Coordenação e Desenvolvimento Regional do

Norte) e encontram-se em curso.

Entretanto, foram concluídos os trabalhos de

melhoramento do Parque de Dunas da Aguda

e reeditado, 11 anos após a primeira edição, o

guia do “Percurso de descoberta do litoral, do

Estuário do Douro à Reserva Natural das Dunas

de S. Jacinto”. Estes trabalhos foram co-

financiados pelos fundos comunitários, através

da Operação Norte (III QCA).

REGULAMENTO MUNICIPAL DE PARQUES

E ÁREAS DE CONSERVAÇÃO DA

NATUREZA E DA BIODIVERSIDADE

Vila Nova de Gaia passou a ser o primeiro

município português a ter um regulamento

municipal (com força de lei) específico para as

áreas de conservação da natureza e da

biodiversidade, aprovado pela Câmara Municipal

em 21/07/2008 e pela Assembleia Municipal

em 09/10/2008, sob proposta do Parque

Biológico. Aguarda publicação em Diário da

República.

PARQUE BIOLÓGICO´2009

Entretanto a empresa municipal Parque

Biológico está a preparar, ou tem em curso,

uma sér ie de grandes al terações e

investimentos, a maioria dos quais só terá

visibilidade durante 2009 mas de que, desde

já, queremos dar notícia.

Ano Internacional das Fibras Naturais

Para comemorar este evento, iremos montar

uma exposição viva sobre o tema e lançar, em

colaboração com a Associação de Estudo e

Defesa do Património Histórico-Cultural de

Castelo de Paiva, um manual do cultivo e

confecção do linho.

Parque da Lavandeira

Procuraremos iniciar em 2009 a recuperação

da Estufa de Ferro Fundido.

Bicentenário da publicação

da Flore Portugaise

Para comemorar o aniversário da edição da

mais notável flora portuguesa, o Parque

Biológico fará uma da edição parcial, fac-

similada, da Flore Portugaise, do Conde

Hoffmannsegg e, ao mesmo tempo,

apresentará o Projecto “Raízes da História

Natural de Portugal” e fará o lançamento do

1.º número da revista “História Natural”.

Dia de Darwin

A 12 de Fevereiro comemora-se o bicentenário

do nascimento de Charles Darwin e do 150.º

aniversário da publicação do livro “A Origem

das Espécies”, o que vai ser assinalado no

Parque com uma exposição.

Cooperação com São Tomé e Príncipe

Em Março promoveremos uma acção de

formação em Turismo de Natureza para 20 são-

tomenses.

Ano Internacional da Astronomia___

A 8 de Abril prevê-se a inauguração do

Observatório Astronómico do Parque Biológico,

que permitirá instalar permanentemente os

meios ópticos já existentes e tornar mais

regulares as sessões de divulgação da

astronomia.

Encontro Luso-Caribenho de Educação

Ambiental

Ainda em Abril, em colaboração com o Jardim

Botânico Nacional de Cuba, promoveremos na

cidade de Havana o encontro em título.

Dia Mundial do Ecoturismo

No dia 22 de Abril haverá um Seminário sobre

turismo de natureza e apresentação do Parque

de Campismo/Auto-caravanismo Rural do

Febros.

Dia Mundial do Ambiente

O Dia 5 de Junho será assinalado com

inauguração da nova exposição permanente

(2071 m2) “Da Floresta Tropical Húmida ao

Deserto”, que vem substituir a existente, e é

um dos maiores investimentos em curso.

Dia de Santo Tusso

Em 22 de Julho assinalaremos o dia de Santo

Tusso com a apresentação da recuperação da

Capela de Santo Tusso, existente no Parque

Biológico.

Parque do Vale de S. Paio

Finalmente, em Setembro prevê-se a

inauguração do Parque do Vale de S. Paio,

um novo espaço de lazer, com 5 hectares,

contíguo à Reserva Natural Local do Estuário

do Douro.

Tudo isto continua a ser possível graças ao

apoio de muita gente e à grande aposta que o

Município de Gaia continua a fazer na empresa

Municipal Parque Biológico.

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6 OPINIÃO

Gaia não perde tempo Por Luís Filipe MenezesPresidente da Câmara Municipalde Vila Nova de Gaia

Publicado em Julho de 2008,o novo Regime Jurídicoda Conservação da Naturezae da Biodiversidade veio estabelecera possibilidade dos Municípiospoderem criar, por sua própriainiciativa e deliberação, áreasprotegidas locais

Gaia não perdeu tempo!

Logo em 28 de Agosto a Câmara aprovou a criação da “Reserva Natural

Local do Estuário do Douro”, adaptando-a à nova legislação, e dando

assim continuidade ao processo iniciado em Dezembro de 2007, de

instituição do Refúgio Ornitológico do Estuário do Douro.

O nosso projecto para Gaia assenta no desenvolvimento sustentável e

isso implica, também, investimento e iniciativas na área de conservação

da natureza e da biodiversidade.

Numa grande cidade, como é a nossa, os pequenos espaços naturais

têm um valor acrescido como locais de conservação, educação, cultura

e lazer.

Por isso, tudo faremos para os proteger, em equilíbrio com o necessário

desenvolvimento urbanístico, rodoviário, social e económico.

São hoje já muitas as pessoas que usam o Estuário do Douro para

desenvolverem os seus hobbies, seja a simples observação de aves, seja a

fotografia de natureza. A internet está repleta de belíssimas fotografias captadas

no Estuário do Douro, e é esse pedacinho de beleza que nos cumpre preservar.

Não nos ficaremos pelo Estuário do Douro: no cordão dunar vai o Município

investir em 2008 e 2009 milhões de euros para o conservar, enquanto estrutura

biofísica fundamental para a defesa da costa e local privilegiado para defesa

da biodiversidade. E isso acontecerá noutros locais de Gaia, como o Vale do

Febros para o qual, brevemente, anunciaremos medidas de salvaguarda

paisagística.

Estando em discussão pública o projecto de deliberação de criação da

Reserva Natural Local do Estuário do Douro, vivamente apelo à sua participação,

enviando sugestões e comentários para [email protected].

A sua opinião para nós conta e ajuda-nos a decidir melhor.

Foto: João L. Teixeira

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SALPICOS 7

Uma nova arte de combate

Nos últimos anos o Homem tem vindo a tomar consciência das acções

antropogénicas nocivas que exerce sobre o meio ambiente.

Desta forma, e talvez numa tentativa de emendar os seus próprios erros,

várias medidas têm sido tomadas de forma a minorar os problemas de

conservação e qualidade do ambiente. Uma dessas medidas aqui

apresentada é a luta biológica.

Luta Biológica refere-se a todos os tipos de controlo biológicos de pragas

e inimigos naturais, que incidem em plantações de culturas, com insectos,

excluindo qualquer forma química.

Note-se que a luta pela sobrevivência ocorre já diariamente sem intervenção

humana em seres que nos rodeiam. Por exemplo, algumas plantas

produzem toxinas e odores que lhes conferem imunidade e afastam os

seus inimigos. No entanto a luta biológica vai muito mais além que isto,

pode variar entre libertação de machos estéreis, produção de odores mais

ou menos atraentes, criação de relações simbióticas ou cooperativas

entre duas espécies...

A luta biológica dita clássica consiste na introdução de espécies exóticas

para combater uma praga, mas cuidado... pode acontecer termos mais

marés que marinheiros.

Em Portugal, a primeira referência a esta metodologia dá-se em 1896

com introdução de uma joaninha para combater um conchonilha praga

de citrinos. Note-se que a introdução de uma espécie exótica necessita

de procedimentos de controlo laboratorial de forma a minimizar os riscos.

Pode acontecer a espécie introduzida competir com espécies nativas

levando ao deslocamento para outros habitats ou mesmo provocar a sua

extinção. As joaninhas revelaram-se predadoras vorazes da praga incitando

à não utilização de produtos químicos de combate.

Os agentes de luta biológica podem ser artrópodes macro e microbiológicos,

bem como aves predadoras. Actualmente, a luta biológica estende-se já

ao meio aquático não só pelos impactes menos severos mas também

por exemplo pela facilidade em utilizar carpas para eliminação de águas

infestadas por macrófitos.

A luta biológica é uma área ainda em desenvolvimento e que tem vindo

a surpreender mesmo os mais cépticos. Tem-se assumido uma alternativa

viável e credível que vinga onde os métodos clássicos falham. Uma vez

mais a natureza vem mostrar o que vale e se insere na filosofia japonesa

“inimigos do meu inimigo são meus amigos”.

Nota da Redacção: A introdução de espécies exóticas é em termos gerais proibida por lei,

nomeadamente, desde 1999, pelo Decreto-lei n.º 565, de 21 de Dezembro, que regula a introdução

na natureza de espécies não indígenas da flora e da fauna.

Texto: Sara Pereira, bióloga [email protected]

Ilustração: Ernesto Brochado

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8 VER E FALAR

Cada vez mais perto

Foto: Luís Santos

Distribuída a revista anterior,depressa à Redacção começarama chegar as mensagens dos leitores

Luís Carrapiço, de São João da Madeira, diz que gosta de receber a revista:

«Acho-a uma pedrada no charco, no pobre leque de ofertas culturais. No

meio de centenas de revistas sem o mínimo de interesse, esta é 100 por

cento interessante, cultural e muito didáctica».

Angelino Silva também acompanha este trabalho e afirma: «Sou um leitor

assíduo da vossa revista e de tudo o que diga respeito à Natureza. Seguindo

um conselho da última revista venho por este meio solicitar que me enviem

sempre que acharem oportuno destaque de actividades que tenham, assim

como documentação».

Gaspar Monteiro afirma que tem encontrado alguma dificuldade em obter a

“Parques e vida selvagem”: «Consegui alguns exemplares e gostaria de não

perder mais nenhum. Para tal, solicito informação da vossa parte de como

obter a citada revista. Como trabalho em Lisboa, vivo em Aveiro e estou em

constantes saídas «outdoor» pelo país, desejava se possível ser informado

das actividades por vós empreendidas. Aproveito para felicitar a obra feita no

Parque Biologico de Gaia, que já visitei e muito me apraz divulgar aos meus

amigos, assim como deixar o meu apreço e louvor pela excelente qualidade

da revista "Parques e vida selvagem".

Apresenta-se Luís: «Boa tarde. O meu nome é Luís Santos, tenho 17 anos

e moro em Perafita. Aproveito para dizer que sou um fiel leitor da vossa revista

e felicito desde já o vosso maravilhoso trabalho.

Escrevo devido à dificuldade que tenho tido em identificar uma espécie de

borboleta que avistei entre a segunda ou terceira semana de Maio, provavelmente

entre as 17h00 ou 18h00.

Reparei ontem, ao ler o último número da revista, que tinham esclarecido

dúvidas a alguns leitores, e não tendo conseguido resolver o meu caso sozinho,

recorro à vossa ajuda. Envio, como é obvio, as fotografias anexadas».

Aqui entre nós, por estas fotografias de momento não as conseguimos

identificar, mas indicámos o contacto do Centro de Conservação de Borboletas

(Tagis) para obter mais dados.

Alexandre Jesus também teve a gentileza de escrever e diz que gostava de

acompanhar as actividades que se vão sucedendo: «Bom dia, li a vossa revista

com muito prazer e gostaria que me mantivessem informado.

Grato pela atenção faço votos de uma próspera continuação».

Está visto que dois nomes não chegam para evitar confusões, em circunstâncias

especiais. E recorrer à memória enquanto se papa léguas ao construir cada

edição está visto que não funciona.

A fotografia publicada na revista anterior, na página 13 (eu cá não sou

supersticioso), é de facto de Nuno Sousa, mas não do que mora nos arredores

de Lisboa, com quem troquei alguns e-mails há cerca de um ano sob a égide

da fotografia, mas sim de outro Nuno Sousa, ainda por cima vizinho, ali de

Lijó. Diz: «Boa tarde, quero desde já elogiar a vossa revista e o vosso magnífico

trabalho. Confesso que foi com bastante orgulho e prazer que vi uma das

minhas fotografias na vossa revista «Parques e vida selvagem». A foto a que

me refiro é esta: http://olhares.aeiou.pt/a_luta_1_3/foto1531521.html. Apenas

fiquei muito surpreendido com o texto quando diz " ... quando Nuno Sousa

veio dos arredores de Lisboa ao Parque...". Gostava desde já de informar que

sou do Lugar de Lijó, freguesia de Vilar de Andorinho, Vila Nova de Gaia, "bem

juntinho ao parque". Já sou residente em Lijó há 27 anos, brinquei nos terrenos

da casa do Chasco e na casa dos Bogas, conheci pessoalmente o falecido

sr. Veiga e brinquei muitas vezes com os filhos e sobrinhos dele, quando o

parque ainda não era proprietário desses terrenos. A entrada ainda se fazia

pela N222 (estrada nova), existia nessa altura uma pista de manutenção onde

se podia correr e fazer exercícios físicos com toros de árvores. Desejo apenas

que rectifiquem esta situação, logo que possível. Com os melhores

cumprimentos».

Por JG

A luta. Foto: Nuno Sousa

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CARTOON 9

Assinada por Valentim Machado, chegou esta mensagem: «Caros amigos da Natureza,

há alguns dias apareceu uma ave de grande porte no Cabedelo. Parece domesticada.

Já vi atirarem pedras e não voa. Sempre que as pessoas se afastam chega-se muito

para a margem. Pode precisar de auxílio».

O director da revista, Nuno Gomes Oliveira respondeu: «Agradecemos o seu cuidado.

De facto trata-se de dois Cisnes-pretos, que já estavam referenciados e fotografados.

São aves, seguramente, fugidas de cativeiro, pois não aparecem no estado selvagem

em Portugal. Se ninguém lhes fizer mal, por ali ficarão e até poderão, para o ano,

criar. Da nossa parte estamos a promover o processo de classificação do Estuário

do Douro (Cabedelo e Baía de S. Paio) como reserva natural local; o processo foi

já aprovado pela Câmara Municipal de Gaia, está em discussão pública, após o que

irá à Assembleia Municipal para aprovação, seguindo-se a publicação em Diário da

República*. Então passaremos a ter um instrumento legal para agir; entretanto, vou

pedir ao SEPNA (a brigada de conservação da natureza da GNR) para passar por

lá de vez em quanto. Deixo-lhe uma breve nota sobre esta espécie: O Cisne-negro

(Cygnus atratus) é uma ave aquática australiana. (...) Ao contrário de outras aves

aquáticas, os cisnes negros não têm hábitos migratórios. Passam a sua vida no

local onde nasceram. Nidificam em grandes aterros que constroem, no meio de

lagos poucos profundos. Os ninhos são utilizados de ano para ano, reparando-se

e reconstruindo-se quando necessário. Em Portugal ocorre, no Inverno e raramente,

o Cisne-bravo da Europa (Cygnus cygnus) – foto junta – que cria no Norte da Europa

e é abundante na Inglaterra, Holanda, etc.; quase todos os anos, no Inverno, são

vistos alguns na Foz do Rio Minho, e já foi visto no Estuário do Douro. No Parque

Biológico temos duas fêmeas, criadas em cativeiro, e aguardamos a chegada, dentro

de dias, de dois machos». Fotos: João L. Teixeira

(*) Foi entretanto publicado em 3 de Outubro (discussão pública).

Cisnes-pretos no Cabedelo

Cisne-bravo

Cisne-preto

por Ernesto Brochado

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10 FOTONOTÍCIAS

Quem disser que uma grande parte das aves selvagens são furtivas, difíceis

de observar pelos que gostam de esmiuçar essas vidas, então o que há-

de dizer dos pequenos mamíferos?

Agentes secretos em miniatura, cobiçados como iguaria por cobras e

corujas, mochos e doninhas, os musaranhos nem se vêem a espreitar dos

buracos dos muros rústicos, esgueirando-se pela manta-morta do bosque

numa espécie de trote rápido próprio de quem teme pela vida.

Os túneis no solo são a forma mais segura de tratar dos seus assuntos

vitais, alimento e reprodução, sobretudo quando os ninhos se ocultam

debaixo de troncos caídos ou na base de tufos de ervas.

Os mais aptos conseguem esticar a sua longevidade a um biénio, estipulando

os livros da especialidade que passados cerca de 20 dias de gestação,

aos 21 de idade um musaranho está capaz de deitar o dente à sua primeira

presa, um pequeno escaravelho ou caracol.

Diz-se que o consumo diário de alimento costuma ser de 80% do peso do

corpo, chegando uma fêmea em lactação ao exagero de deglutir 200% do

número que a balança lhe designa.

Com grande actividade quer nocturna quer diurna, intervalada por períodos

de repouso, metem-se a caminho pela sombra, amiga da sobrevivência,

e deslocam-se com uma visão limitada e um olfacto apurado, tão vorazes

quanto territoriais.

Estes mamíferos contam-se por várias espécies em Portugal, mantendo

entre si o traço comum de um apetite especializado em insectos.

Bichos que se prezam, atingem um nível sofisticado: produzem ultra-sons

e suspeita-se que chegam a localizar as tocas por eco-locação

Habitualmente solitários, eléctricos, não é fácil ver uma meia dúzia de crias

em fila, boca a agarrar a cauda do que segue adiante, com a mãe a liderar.

Ninguém se perde, já de si são demasiados os perigos desta vida.

Focinho cónico, olfacto e tacto apurados, cuidado artrópodes e quejandos

que aí vão eles, os musaranhos, a equilibrar os pratos da sobrevivência, e

tudo fazendo por despertar vivos em cada anoitecer...

MusaranhosFoto: João Luís Teixeira

Texto: Jorge Gomes

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Fura-pastos

É uma cobra? É um lagarto? É um peixe fora de água?

Não, é um fura-pastos! Apesar da sua aparência duvidosa, este simpático

animal pertence a uma família de lagartos muito numerosa, os Scincídeos,

que se caracterizam por terem escamas muito lisas e brilhantes.

Em Portugal podemos encontrar duas espécies desta família: os fura-

pastos (Chalcides striatus) e as cobras-de-pernas-pentadáctilas (Chalcides

bedriagai).

Os fura-pastos, também designados de cobras-de-pernas-tridáctilas, têm

um aspecto serpentiforme com o corpo alongado e membros muito

reduzidos com apenas três dedos.

Esta morfologia é-lhe favorável para se deslocar no seu habitat típico: os

prados de gramíneas repletos de insectos e aranhas, que são o seu

alimento preferido.

A ausência (ou a redução) de membros é algo que geralmente associamos

às serpentes, mas na realidade é um processo que aconteceu

independentemente várias vezes ao longo da evolução das espécies —

um fenómeno que os cientistas chamam de evolução convergente.

Apesar de pertencerem aos Répteis, a sua reprodução não se realiza

através de postura de ovos. As fêmeas, dois a três meses depois de

acasalarem, dão à luz recém-nascidos completamente independentes e

semelhantes a adultos em ponto pequeno.

Estes animais podem superar os 40 cm de comprimento se contarmos

com a cauda — que costuma representar mais de metade do corpo —

e a coloração dorsal é bastante constante, consistindo em linhas escuras

ao longo do corpo sobre um fundo castanho ou cinzento.

Por apresentarem adaptações muito específicas ao meio onde vivem são

particularmente sensíveis às alterações do habitat, passando a sua

conservação pela manutenção deste. A conservação desta espécie (como

de muitas outras) adquire uma componente social uma vez que o seu

habitat de eleição está associado a práticas agrícolas tradicionais (terrenos

em pousio e utilização nula ou limitada de pesticidas) que vão tendo cada

vez menos lugar na agricultura moderna.

São animais encantadores e muito divertidos de observar ao ar livre pela

sua peculiar forma de se movimentarem: dão grandes saltos bastante

ágeis e rápidos que se seguem de movimentos muito lentos e, com

frequência, no sentido oposto do primeiro movimento, criando a ilusão

do seu desaparecimento.

Vale realmente a pena conhecer melhor este bicho da nossa fauna!

Foto: Albano Soares

Texto: Raquel Ribeiro

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Quando os amieiros soltam as folhas, a terra englana-se com uma beleza

escondida.

Na pressa de florir ao sopro do último ar ameno do ano, o açafrão-bravo

rompe a terra e dá-se ao vento e aos insectos numa explosão de luz.

Lilás e amarelo, cores complementares incontestáveis, falam uma linguagem

eficaz na polinização que urge implementar.

Não sabem inglês, nem castelhano, nem francês, nem tão-pouco esperanto.

Espécies parecidas são muitas: não confundir este Crocus com outros

géneros, como o Romulea da mesma família ou Merendera e Colchicum

da família das Liliaceae.

Hoje seguem ainda a tradição de sobrevivência de tempos antigos, quando

o homem era filho do bosque e não o decepava.

Em muitos dos espaços onde estas flores brotam surge a denúncia de

um habitat nativo hoje consumido pelo ser humano: o carvalhal.

Se este tinha folhas, no Verão, não havia beijo solar capaz de arrebitar as

pétalas. A luz que se abeira do solo é demasiado escassa.

Chegados os dias em que alguns dos arbustos e árvores do carvalhal

prescindem das folhas, na aproximação do frio e das queimaduras, estas

espécies querem desenvolver-se, num ápice, ao encontro do S. Martinho.

Sobre os milénios, o bolbo deste Crocus apagado na terra ouviu o choro

nascido das guerras e as gargalhadas da celebração das colheitas

Hoje, o Sol, qual maestro invisível, com uma orquestra menor, marca as

estações do ano e como autênticos músicos loucos, estas flores sorriem

sem memória do presente.

12 FOTONOTÍCIAS

Texto: Jorge Gomes e Henrique N. Alves

Foto: JG

Um arzinho de Outono

Crocus

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PORTFOLIO 13

Olha o melroBlackbirdsIt is not only in Ecuador that one may see the Blue Rock Thrush. In Portugal too,this fantastic bird spreads its wings and flies between the rocks, and laughs fromthe depths of the valleys.The most numerous of all is the Common Blackbird, whose melodious singing maybe heard throughout Portuguese City landscapes.What most of us are not aware of is that there are other Blackbirds numberingamong our fauna. For example, there is the White-throated Dipper, whichOrnithological books describe as being unique to clear mountain streams and riverswhere they fearlessly plunge into the raging water to hunt for insects.On the mountains, without being near water, it is easy to lose sight of the beautifulRufus-tailed Rock Thrush. With its beautiful colouring, it discretely keeps a watchon horizons dominated by birds of prey.And there is another: the Ring Ouzel.There is an urgent need to safeguard such good habitats; otherwise, these fantasticBlackbirds will cease to exist without our even noticing.

Não é no Equador que se vê este melro azul...

Desengane-se. Dentro da fronteira portuguesa ele abre as asas, voa entre

penedias e ri-se do abismo.

Mais conhecido de todos é o melro-preto! Tão habitual, o seu cantar

diário, territorial, ecoa até na cidade. Entre jardins e pomares, dunas e

bosques, o melro preto de bico amarelo consegue adaptar-se aos mais

diversos ambientes.

Generalista, na alimentação, defende território como ninguém.

O que a maior parte não se dá conta é que há outros melros na nossa

fauna, alguns impensáveis, com habitat mais restrito.

É o caso do melro-de-água. Sem saber o alfabeto, os livros descrevem

esta espécie como exclusiva de rios límpidos de montanha, onde mergulha

à coca de insectos.

Na montanha, mesmo sem estar ao pé de água, foge da vista o lindo

melro-das-rochas. Cor vistosa, quer ser discreto: guarda-se no horizonte

que as alturas são domínio de rapinas.

Pensa que acabaram os melros? Ora aí vai mais um: o melro-de-colar.

Forçoso é dizer: há que guardar bem tais habitat, não vão os fantásticos

melros deixarem de existir sem que a maior parte dê por isso...

Melro-azul. Foto: José Luís Teixeira

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Foto: João L. Teixeira

Melro-preto

Foto: Andrej Chudy

Melro-de-colar

14 PORTFOLIO

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Foto: Tomás Martins

Melro-das-rochas

Foto: Jorge Monteiro

Melro-de-água

15

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Atrair a natureza aoseu jardim vai permitir--lhe observá-la e fruircom isso de um grandeprazer. Surpresa apóssurpresa, sentirá a com-pensação pelo esforço

empreendido...

Imagine uma área verde, como as que alguns

leitores lembram da infância. Bosques mistos

com carvalhos, um ou outro sobreiro, urze, tojo,

um silvado com amoras outonais, musgo a cobrir

pedras pelos caminhos e cogumelos a acenarem

do chão.

Num vislumbre, o voo fugidio do gaio ou do pica-

pau enquanto uma trepadeira-comum sobe um

tronco numa espiral saltitante em busca de

insectos escondidos com o seu bico curvo...

Longa é a lista, se nos metemos a apontar os

insectos, os répteis e os anfíbios que o lugar

denunciava, já para não falar nos pequenos

mamíferos.

Com o passar do tempo, a procura de um tecto

foi deixando o cimento tomar conta do chão e

da paisagem. Nalguns sítios ainda ficaram «ilhas

verdes», sitiadas; noutros locais nem isso ficou.

Não há registo, mas no Outono passavam por

ali dezenas de espécies de aves migradoras em

trânsito do Norte da Europa para o Sul, ou mesmo

para África. A sua família quando se mete no

carro e vai de férias precisa de energia para seguir

viagem: não dispensa o restaurante para se

alimentar, local para dormir e o veículo precisa

de combustível sob risco de não cumprir o plano.

As várias espécies de papa-moscas, de felosa,

de tentilhão, de pisco, entre outros, são seres

vivos com necessidades semelhantes.

Se adequar o seu jardim às espécies que nele

se vêem o ano inteiro e a outras que por ali

passam, pode usufruir de um passatempo

excelente, caso goste de observar a natureza.

O primeiro passo avança no sentido da

preferência por vegetação autóctone, ou seja,

espécies de plantas que sejam oriundas da

região. Ao longo de muitos anos, os animais

criaram uma interdependência com o meio,

oferecendo serviços e extraindo vantagens. Veja

o caso das bagas desta época. Embora muitas

sejam venenosas para o ser humano, para aves

como tordos, melros ou toutinegras não fazem

mal nenhum e alimentam. As aves, ao engoli-

las, transportam as sementes no seu organismo

e depois, nos dejectos, expelem-nas,

dispersando essas espécies vegetais por onde

andam.

Além dessa atracção que também dá abrigo, um

alimentador de grão, com o formato da sua

preferência, é um complemento importante para

a passarada superar dificuldades extremas, assim

como um bebedouro com água limpa.

Quando os seus vizinhos de penas não estão

habituados a essa oferta, não estranhe, pois

durante alguns meses poderão não aproveitar a

benesse... até que alguma ave mais expedita

ensine às outras para que é que o comedouro

está ali.

Nesse interim, pode pensar que está a fazer um

braço-de-ferro com esses animais selvagens

para ver quem ganha. Se olhar para outros

exemplos, inclusive durante um passeio no Parque

Biológico de Gaia, verá que essas aves acabarão

por ceder. Nas noites frias, no abrigo da vegetação

do seu jardim, contar-se-ão mais sobreviventes.

Há quem defenda que o gosto pela natureza

está no sangue de todos. Só que uns descobrem-

na mais cedo do que outros, como um sol que

espreita atrás de nuvens.

O ser humano ao longo da sua evolução, para

ter êxito, teve de tomar bem o pulso ao ambiente

em que evoluiu. O tempo de semear e de colher

frutos, a sabedoria de não consumir tudo para

poder cultivar e ter mais recursos na época

vindoura. Contam-se milénios de observação da

natureza para agarrar o presente e o futuro que

podem ter criado para além da necessidade uma

paixão. Esse gosto pela natureza por vezes cintila

nos genes e o fascínio pelo património natural

revela uma atracção forte. É isso que se passa

consigo?

Ventos de Outono

16 QUINTEIRO

Autumn windsIf you prepare your garden in accordance to the species, which are visible the wholeyear round, and others that simply pass by, you can make this an excellent hobby….The first step refers to your preference for indigenous vegetation; that is the plantspecies of that specific region. Berries, for example, attract insects and birds.In addition, a grain feeder, in a format of your choice will provide an importantsupplement that helps birds to overcome extreme difficulties in winter or summer.A drinking fountain with clean water is also important. You will be surprised at thenumber of birds that will come to your garden and you will feel well satisfied forthe effort expended.

Os papa-moscas, que como o nome indica se alimentam de insectos,são das primeiras aves a migrar para sul. Foto: João L. Teixeira

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Mais do que meros muros de protecção da nossa privacidade, mantendo

longe os olhares indiscretos, as sebes apresentam uma função muito

mais importante e fundamental: a de proteger os nossos jardins das

condições climatéricas agrestes.

Esta característica é muitas vezes menosprezada e passa despercebida

aos olhos da maioria das pessoas, mas reveste-se de uma importância

fulcral na criação de qualquer espaço, especialmente locais mais fustigados

por ventos fortes.

Ao contrário de uma parede ou de uma cerca, a sebe filtra e diminui a

intensidade do vento, em vez de obstruir totalmente a sua passagem.

Isto evita a formação de turbilhões, criando zonas de acalmia numa

distância até oito vezes a altura da sebe em causa. Estas, por seu lado,

criam microclimas protegidos, que nos proporcionam melhores condições

de cultivo, devido à subida da temperatura do solo e à diminuição dos

efeitos do vento nas plantas.

Mas não serão as sebes monótonas?

Na maior parte das vezes, quando pensamos em sebes, imaginamos

maciços de plantas totalmente verdes que tornam a paisagem monótona

e pesada. Este facto pode ser contrariado com um pouco de imaginação,

recorrendo a uma variedade de plantas que não associamos a este tipo

de estrutura:s

· Plantas como a Berberis spp e a Photinia spp possuem folhagem com

cor vermelha, o que quebra a monotonia do verde.

· Se preferir algo mais fora do comum, opte por uma sebe de árvores de

fruto. O medronheiro (Arbutus unedo) é uma ideia diferente e original.

· As japoneiras (Camelia japonica) dão uma excelente sebe que floresce

no Inverno, adicionando um pouco de cor e alegria ao seu jardim nesta

estação mais triste.

· Se mora perto do mar, opte pelo Metrosidero tomentosa, um arbusto

de folha perene extremamente resistente ao ar marítimo, que protegerá

o seu jardim durante todo ano.

· Se gostar de um estilo mais clássico, o buxo (Buxus sempervirens), o

teixo (Taxus baccata), e coníferas como o Chamaecyparis lawsoniana e

o Cupressocyparis leylandii são escolhas sempre acertadas e de beleza

mais tradicional.

Pode sempre fazer uma sebe usando mais do que uma espécie, dando-

lhe o seu toque pessoal e tornando este elemento do seu jardim parte

integrante de um todo. Aproveite e aprecie.

A importância das sebes

As bagas de Outono são também um alimento com interessepara numerosas aves. Foto: JG

Imagine uma série de jardins desenhados

para a vida selvagem a ponto de constituírem

um corredor verde, pelo qual as migrações se

sustentem e sigam caminho, no vaivém da

sobrevivência

17

Um simples coco aberto atrai chapins-carvoeiros, entre outros. Foto: JG

Texto: Carlos Amorim, biólogo

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18 PARQUES DE GAIA

No passado dia 15 de Julho decorreu no

auditório do Parque Biológico de Gaia o

seminário «Norte de Portugal: Região

competitiva e sustentável», nas áreas do

ambiente e da energia.

O programa abriu com palavras do vice-

presidente da Comissão de Coordenação e

Desenvolvimento Regional do Norte, Paulo

Gomes, seguindo-se as conferências de Carlos

Borrego, Oliveira Fernandes e António Babo.

O debate foi moderado por Manuel Carvalho,

jornalista, cabendo a Carlos Lage encerrar o

evento. Este orador sublinhou que «a região

Norte enfrenta agora grandes desafios de

competitividade a nível europeu». Surge daqui

o «dever de cidadãos, de empresários e de

cientistas conjugarem esforços no sentido de

conseguirem um desenvolvimento mais amigo

do ambiente».

Norte 2015 FeiradeParquesA Feira Nacional de Parques Naturais e

Ambiente, em Olhão, que decorreu em 24 e 27

de Julho, das 18h00 à meia-noite, contou com

dezenas de expositores, sendo um dos stands

do Parque Biológico de Gaia.

Este evento serviu para uma multiplicidade de

instituições ligadas ao ambiente divulgarem os

seus projectos e as suas actividades.

Dia 25, decorreu um seminário internacional

subordinado ao tema "O Ecoturismo na

Conservação da Natureza”, no auditório do

Centro de Educação Ambiental de Marim do

Parque Natural da Ria Formosa.

Durante os dias da feira, esteve aberto ao

público um Mercado de Produtos Tradicionais

e de Agricultura Biológica.

Carlos Lage

Foto: João L. Teixeira

Durante o Verão passado numerosas crianças e

jovens entre os seis e os 15 anos de idade passaram

dias inesquecíveis nos campos e oficinas do Parque

Biológico de Gaia. Acompanhadas por técnicos

de educação ambiental, participaram em diversas

actividades, tais como alimentar algumas das

espécies do Parque, dar um passeio de burro,

andar à caça do tesouro, entre outras.

Ao longo das férias escolares do próximo Natal, o

Parque abre as suas Oficinas de Inverno nos dias

22, 23, 26, 29, 30 de Dezembro de 2008 e 2

Janeiro 2009. Para inscrever uma criança necessita

de preencher e assinar a ficha de inscrição e

respectivo termo de responsabilidade. Os

documentos devem ser entregues no Parque

Biológico até uma semana antes da data de início

de actividades.

Pode obter mais informações pelos telefones

227878138, 227878137 ou pelo e-mail

[email protected].

Campos

Sábado no ParqueDia 1 de Novembro o Parque prepara algumas actividades

especiais para os seus visitantes, sem custos a não ser o bilhete

de entrada habitual neste equipamento de educação ambiental.

O programa começa pelas 11h00. Durante uma hora pode

participar no atelier "Herbário de Outono". Depois do almoço,

às 14h30 a conversa do mês abordará «Os bosques», seguindo-

se uma visita guiada por técnicos do Parque e percurso

ornitológico.

Anilhagem Científica de AvesNo Parque Biológico de Gaia nos primeiros e terceiros

sábados de manhã de cada mês, se não chover, os seus

visitantes podem assistir de passagem pelo percurso de

descoberta da natureza a estas actividades.

O Parque Biológico de Gaia colabora com a Central Nacional

de Anilhagem, coordenada pelo Instituto de Conservação

da Natureza e da Biodiversidade, num projecto europeu de

Estações de Esforço Constante, para monitorização das

aves selvagens. Com a colaboração de ornitólogos

credenciados, são capturadas aves selvagens, para análise

biométrica, após o que são anilhadas e devolvidas à liberdade.

Qualquer pessoa que tenha motivação, independentemente

da sua profissão, pode frequentar o curso de anilhagem

científica dado por estes anilhadores.

Veja o blogue: http://anilhagemdeaves.blogspot.com

Observação de Avesno Estuário do Rio DouroDomingo de manhã, 2 de Novembro, entre as 10h00 e o meio-

dia, leve, se tiver, um guia de campo de aves europeias e

binóculos à Baía de S. Paio, no Estuário do rio Douro, do lado

de Gaia. Com telescópio, estarão técnicos do Parque para

observar as aves do Litoral. As sessões repetem-se em 7 de

Dezembro e 4 de Janeiro.

Exposição de Fotografia:Parques e Vida SelvagemAbre dia 1 de Novembro, às 15h00 no Centro de Acolhimento

do Parque Biológico de Gaia a mostra fotográfica da edição de

2008 do concurso nacional de fotografia da natureza PARQUES

E VIDA SELVAGEM, aberta das 10h00 às 18h00. Encerra dia

2 de Março para dar lugar a uma mostra sobre flores silvestres.

Colheita de Castanhase MagustoSábado, 8 de Novembro, entre as 14h00 e as 17h00, dê

aos seus filhos a experiência de abrir os ouriços e de

colher castanhas. Veja-os, divertidos, a saltar a fogueira.

Necessária inscrição.

Percursos de Descoberta:A Civilização do GranitoFim-de-semana de 13 e 14 de Dezembro: partida do

Centro de Acolhimento do Parque Biológico de Gaia com

passagem pela Citânia de Sanfins, Antas do Mezio,

espigueiros do Soajo, castelo do Lindoso.

Receba notíciaspor e-mailPara os leitores saberem das suas actividades a curto

prazo, o Parque Biológico sugere uma visita semanal a

www.parquebiologico.pt

A alternativa será receber os destaques, sempre que

oportunos, por e-mail.

Para isso, peça-os a [email protected]

Mais informações:

GABINETE DE ATENDIMENTO

[email protected]

Telefone directo: 227878138

4430-757 AVINTES - Portugal

Agenda Eis alguns destaques das actividades do Parque Biológico de Gaia para os próximos meses...

Campos de férias

Foto: João L. Teixeira Foto: Filipe Vieira

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Escola sem murosDia 4 de Outubro, sábado, o Parque Biológico de Gaia lançou o livro «Uma

escola sem muros», de Paulo Gandra.

Presentes representantes da Direcção Regional de Educação do Norte e

da Divisão Municipal de Educação, o autor falou da sua obra,

centrando-a em palavras de Stephen Jay Gould: «dou conta que não

podemos vencer esta batalha para salvar espécies e ambientes sem

criarmos uma ligação afectiva com a natureza, pois não lutaremos por

salvar aquilo que não amamos».

No prefácio do livro, Nuno Gomes Oliveira afirma que "foi para tirar tijolos

do muro que o movimento dos Clubes de Ar Livre nasceu no ano lectivo

de 1980/81, tendo como objectivo ajudar a criar “uma escola sem muros”.

Um dos professores-animadores desse movimento inovador na Escola

portuguesa foi o Paulo Gandra, que nos revela neste livro o relato de uma

das suas muitas experiências, não sem primeiro fazer a justiça histórica

(ver introdução) de referir as origens e os “culpados” desta coisa singular

que é tirar os alunos da escola... para que aprendam mais e melhor!".

Gandra é professor de biologia na Escola Preparatória de Canelas, em

Vila Nova de Gaia, e a base desta obra guarda relação com uma dissertação

de mestrado em ensino da geologia e da biologia na Universidade de

Aveiro.

Foto: JG

Áreas naturais: memória para o futuro

Dia 10 de Outubro, o Parque Biológico de Gaia

lançou o livro «Áreas de Importância Natural da

Região do Porto: Memória para o Futuro», de

Nuno Gomes Oliveira, com a presença de Luís

Filipe Menezes, presidente da Câmara Municipal

de Vila Nova de Gaia.

O autor começou por dizer que «este livro não

é uma descrição das áreas naturais», uma vez

que «isso está feito por vários autores — trata-

se mais de uma reportagem de 30 anos sobre

o movimento de defesa destes sítios».

Acentuando a recente modificação jurídica, quis

deixar «uma provocação aos municípios: avancem

na conservação de áreas naturais». No livro

seleccionou quatro áreas fundamentais: a Reserva

Ornitológica do Mindelo, várias das serras de

Valongo — «que deveriam ser o parque natural

regional do Porto» —, a Barrinha de Esmoriz e

o Estuário do rio Douro, este último «o único a

caminho de um estatuto de protecção». Sublinhou

que «são sítios sem ocupação humana que

envolvem custos diminutos para os municípios»

e, por isso, «não há razão para não tomar medidas

nesse sentido». Entre outras observações,

terminou dizendo que «gostava que este livro

estivesse desactualizado a breve prazo».

Luís Filipe Menezes deu nota de que «hoje não

se luta por causas para o futuro, mas por causas

cuja aplicação faz sentido no presente». Salientou

a importância de se «dar a conhecer realidades

que estão perto de nós e são desconhecidas»,

ou seja, «há preciosidades que persistem mesmo

num meio agressivo e predador».

Falou do seu trabalho em Gaia e da «invasão»

de áreas sob competência do Estado: «É

desejável até provocar». Por exemplo, «limpamos

os nós das auto-estradas, invadimos áreas que

não são da nossa competência. A limpeza que

fazemos na orla marítima, os projectos de

conservação das dunas». O presidente do

Município concluiu destacando características

da personalidade do autor desta obra, tais como

«a consistência do seu trabalho em favor do

ambiente».

Fotos: João L. Teixeira

Nuno Gomes Oliveira, Luís Filipe Menezes e Nelson Cardoso

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20 PARQUES DE GAIA

O voo das avesDuas vezes por mês, há que saudar a madrugada. A tarefa impõe a

anilhagem de aves selvagens com premissas científicas em vários tipos

de habitat dentro da área do Parque Biológico de Gaia.

Os anilhadores credenciados pelo Instituto de Conservação da Natureza

e da Biodiversidade consideram que o sacrifício vale a pena: por um lado

perfila-se uma atracção pessoal pela natureza, por outro os resultados

científicos — «Não interessa só anilhar aves raras! Uma rotina de anilhagem

de aves tão habituais como um melro ou um pardal podem ser fonte de

um conhecimento mais aprofundado sobre espécies que se pensa estarem

bem estudadas mas que afinal só estão um pouco mais estudadas que

outras».

Já é assim há dois anos: às escuras, as redes são montadas antes do

sol nascer nos habitats respectivos. Empreitada de uma hora e pico.

Depois há que retemperar forças, que a manhã ainda é menina. Uma

paragem no pão quente e o regresso às redes, para desembaraçar as

aves entretanto colhidas e as transportar à sala de anilhagem. Logo se

vê: se alguma já tiver anilha, é uma recaptura. Após a análise do registo

começa a compor-se uma história de vida do animal.

Na sala de anilhagem são colhidos os dados biométricos e aplica-se a

anilha, na verdade o bilhete de identidade da ave: peso, medidas do

tarso, de algumas penas, do bico...

Esta estação de esforço constante que funciona no Parque Biológico de

Gaia liga-se pelo Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade

a outras em serviço em Portugal e a uma rede europeia.

Mediante o método, há pesquisas científicas em curso em sítios tão

distantes como o Cáucaso que precisam de saber dados genéticos de

espécies de larga distribuição oriundos do Sul europeu, Açores incluído,

Fauna: novidades do ParqueEscaravelho-laranja-dos-jarrosCychramus luteus (Fabricius, 1787)

O Escaravelho-laranja-dos-jarros é um insecto pertencente à ordem Coleoptera,

que inclui as joaninhas, gorgulhos, besouros, carochas, pirilampos e cabras-

louras, entre outros. Apesar da sua grande diversidade de formas, tamanhos

e cores, os coleópteros são um grupo de insectos facilmente reconhecível pelas

suas asas anteriores espessadas e endurecidas (os élitros), que protegem as

asas posteriores, usadas para o voo. De referir que os coleópteros são actualmente

o grupo mais numeroso em Portugal continental, com mais de 4100 espécies

registadas.

Cychramus luteus é um escaravelho de corpo largo e arredondado, coberto de

pêlos, de pequeno tamanho (3 a 6 mm de comprimento) e coloração laranja-

escura. A sua área de distribuição abarca a maior parte da Europa, o Cáucaso

e a Sibéria. Em Portugal, é conhecida unicamente do Noroeste, tendo o primeiro

registo sido obtido em 2000, próximo de Braga, e o segundo em 2007, na zona

de Ponte de Lima. O Parque Biológico, onde já foi encontrada duas vezes este

ano, é, por isso, o seu terceiro local conhecido em Portugal, alargando para sul

a sua área de distribuição no país. Em Espanha, os dois registos existentes são

igualmente do Noroeste: Oviedo (Astúrias) e Lugo (Galiza).

Texto: José M. Grosso-Silva e Sónia A. Ferreira (CIBIO-UP)

Foto: Sónia A. Ferreira (CIBIO-UP)

para estudos de evolução. Está envolvido o biólogo Ricardo Lopes, do

CIBO da Universidade do Porto, e um cientista ucraniano.

O caminho de outras duas pesquisas cruza-se com este núcleo de

trabalho: a colheita de parasitas das aves selvagens, que são enviadas

para o Instituto Ricardo Jorge, e a que quer aprofundar os conhecimentos

sobre os piscos-de-peito-ruivo, nas mãos de Paulo Catry.

Há formandos que cultivam esta paixão e há já mais de um ano que

progridem nas técnicas envolvidas.

Com o funcionamento da anilhagem os visitantes do Parque entram na

sala de anilhagem e colocam perguntas, observam o trabalho, e faz-se

assim educação ambiental.

Um guarda-rios juvenil caiu na rede de anilhagem

Foto: Rui Brito

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ENTREVISTA 21

PreciososinsectosTexto e fotos: Jorge Gomes

Como surgiu este projecto de levantamento de insectos que estão

a fazer no Parque?

José Manuel Grosso-Silva — A ideia já existia há muito tempo, até

porque o Parque Biológico, pelas suas características e por estar inserido

numa zona urbana, nos suscitava muita curiosidade. No ano passado,

foi finalmente possível iniciar o estudo dos insectos e aranhas do Parque,

o que permitirá conhecer melhor o seu património natural e valorizar as

suas componentes pedagógica e lúdica.

Como foi feito esse trabalho?

Sónia Ferreira — Para caracterizar a fauna de insectos e aranhas do

Parque fizemos amostragens ao longo de todo o ano utilizando diversas

metodologias. Normalmente usamos redes para insectos voadores, redes

para os que estão na vegetação, armadilhas de queda para a fauna do

solo e procuramos directamente os animais durante as visitas.

Além disso, fizemos prospecções à noite e usamos chamarizes luminosos

para atrair os insectos com actividade nocturna.

Estes métodos dão resultados complementares porque são dirigidos a

grupos diferentes, mas a época do ano e as condições do tempo também

influenciam as espécies que encontramos.

As expectativas iniciais corresponderam ao levantamento no

terreno?

José Manuel Grosso-Silva — De uma forma geral, corresponderam,

mas ainda há tanto para fazer e descobrir no Parque que acabamos

por desenvolver novas expectativas à medida que vamos tendo

resultados.

É que estamos a falar de grupos tão diversos, com milhares de espécies

Esta fatia da vida na Terraultrapassou as plantas emquantidade de espécies e há atéquem garanta que se um dia o serhumano se extinguir, os insectoscontinuarão a epopeia evolutiva

José Manuel Grosso-Silva e Sónia Ferreira, investigadores do CIBIO, da

Universidade do Porto, há um ano que fazem colheitas periódicas no

Parque Biológico de Gaia. Perante peritos desse admirável mundo novo,

há perguntas incontornáveis.

Já se ouviu dizer que este planeta seria melhor sem insectos.

Concorda?

José Manuel Grosso-Silva — A vida neste planeta seria radicalmente

diferente sem insectos, não só para nós como para todos os seres vivos.

Do ponto de vista ecológico, as mudanças seriam drásticas, porque os

insectos desempenham uma variedade tão grande de serviços ecológicos,

e alguns são tão importantes que sem eles as condições de vida seriam

totalmente diferentes.

É o caso da polinização, pois uma proporção significativa das plantas

com flor depende dos insectos para a disseminação do pólen e por isso

para a reprodução. Uma coisa frequentemente esquecida é que os

insectos são a base da dieta de muitos animais, não só invertebrados,

como aranhas e insectos predadores, mas de vertebrados, dos peixes

aos mamíferos.

O desaparecimento dos insectos levaria, por isso, ao desaparecimento

de muitas das espécies que conhecemos. Outro exemplo da sua

importância é a decomposição: sem insectos para consumir os detritos,

cadáveres, etc., o processo seria muito mais lento e esses materiais

acumular-se-iam por todo o lado. Como pode imaginar, o mundo assim

dificilmente seria melhor!

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22 ENTREVISTA

em Portugal, que só com tempo é que se consegue desvendar os

segredos de uma área como o Parque Biológico.

Como vêem o Parque: como um equipamento urbano ou mais

como uma reserva natural?

Sónia Ferreira — Uma das grandes vantagens do Parque Biológico de

Gaia é que constitui uma demonstração clara de que não é necessário

separar estes dois conceitos.

É perfeitamente conciliável a manutenção de uma reserva natural e a sua

utilização como equipamento urbano.

Claro que esta bivalência apresenta desafios que exigem flexibilidade e

muita criatividade, mas o verdadeiramente importante é transmitir à

população valores e conceitos fundamentais sobre o funcionamento dos

ecossistemas e a Conservação da Natureza de uma forma lúdica e muito

descontraída.

Houve espécies que surpreenderam?

José Manuel Grosso-Silva — Encontramos diversas espécies

interessantes e algumas surpreenderam-nos, quer por estarem presentes,

quer pela sua abundância.

Por exemplo, encontramos populações de dois saltões muito raros em

Portugal, o Saltão-de-pintas e o Saltão-dos-carvalhos.

Entre as 15 espécies de libélulas que registamos no Parque há uma que

se destaca, a Libelinha-de-mercúrio, que é protegida e tem requisitos

ecológicos muito particulares.

Dos escaravelhos, para além da Cabra-loura, que também é protegida

e já era conhecida do Parque, encontramos alguns com especial interesse,

como o Escaravelho-laranja-do-jarros, que só era conhecido de dois

locais no país. Mas as espécies comuns, como o Louva-a-deus ou a

Bicha-cadela, também são importantes, porque são familiares às pessoas

e têm muito potencial para acções de sensibilização ambiental.

Este ano, em Junho, houve a visita de um investigador inglês:

podem falar-nos um pouco dele e do trabalho que realizou?

Sónia Ferreira — Martin Corley, o colega inglês que colabora com a

equipa de entomologia do CIBIO-UP, é especialista em lepidópteros e

esteve em Portugal no passado mês de Junho para a realização de

trabalho de campo em diversas áreas no nosso país.

Trata-se de um investigador que possui mais de 50 anos de experiência no

estudo das borboletas e que em cerca de 20 anos já registou algumas

centenas de espécies novas para a fauna portuguesa. Foi com alguma

curiosidade que reservamos desde logo um dos dias para amostrar as

borboletas do Parque; afinal nem o Martin conhecia o Parque nem havia

uma ideia concreta se as condições climatéricas seriam as mais adequadas.

As expectativas foram em muito ultrapassadas e observaram-se mais de

uma centena de espécies, duas das quais são novidades para Portugal,

sendo uma delas nova para a Península Ibérica. E é preciso lembrar que o

estudo ainda está no início...

Em jeito de balanço, o que sabemos agora que não sabíamos há um

ano?

José Manuel Grosso-Silva — Temos um inventário com quase 400

espécies, que inclui aranhas e insectos de nove grupos, o que é um avanço

significativo e ultrapassa já os catálogos de invertebrados de diversas áreas

protegidas portuguesas. Conhecemos a presença de mais uma espécie

protegida, de seis espécies exóticas e diversas espécies raras ou interessantes

a nível nacional.

Além disso, ampliamos a distribuição conhecida de muitas espécies no país.

É um balanço muito positivo, pois deu-se início a uma nova etapa do

conhecimento do património natural do Parque Biológico de Gaia.

Interview: Precious Insects

The number of insect species is greater than that of plant species. In fact there areeven those who guarantee that if one day Humanity disappears from the planet,insects will live on.For over a year periodic samplings have been carried out in the Biological Parkof Gaia by José Manuel Grosso-Silva, Sónia Ferreira and Pedro Sousa, entomologyresearchers in CIBIO, of the University of Oporto. Some questions were mandatory...

Martin Corley, especialista europeu em microlepidópteros, examina à lupa insectos atraídos

a uma das armadilhas luminosas instaladas em 9 de Junho no Parque Biológico

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PARQUES DE GAIA 23

Centro de recuperaçãoEntre os casos que passaram no Centro de Recuperação de Fauna

Selvagem do Parque Biológico de Gaia nesta edição escolhemos a história

de um animal que é a maior rapina nocturna da nossa fauna.

Para os lados de Vale de Cambra, via-se uma ave misteriosa a voar no

espaço amplo daquela pedreira. Quem diz é Carlos Rodrigues, funcionário

no local.

Em Dezembro de 2006, pelas piores razões, viu-o de perto: tratava-se

de um bufo-real que sofrera um acidente nos cabos de alta tensão.

Perplexo, optou por recolher a ave e levá-la ao posto da GNR.

Não ficou ali, como se compreende, sendo entregue entretanto no Parque

Biológico de Gaia. O exame clínico deste bufo-real apontava «hematomas

e algumas escoriações na asa esquerda, perda de pele em algumas

feridas e, ainda, queimaduras por fricção».

A recuperação desta ave de rapina para a vida selvagem somou duas

fases: uma decorreu no Parque Biológico e outra no centro de recuperação

de aves do Parque Nacional da Peneda-Gerês, onde mudou plumagem

e fortaleceu músculos nos túneis de voo. No total, foram 19 meses de

cuidados.

A ave foi libertada no início de Agosto, no concelho de Oliveira de Azeméis,

tendo sido previamente anilhada, o que permite o acompanhamento do

caso na eventualidade de haver uma recaptura.

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24 PARQUES DE GAIA

Ruivacos e góbios num meandro do rio

Rio ácido

Rio Febros na manhã de 26 de Agosto

As margens do Febrosacordaram com a má notícia em26 de Agosto: enguias, ruivacos egóbios à deriva davam nota dodrama que de noite se instalou nosúltimos cinco quilómetros do maiorafluente do rio Douro nascido noconcelho de Gaia

Onde a corrente segue mais apressada, à superfície espalham-se pedaços

de espuma seguidos de pequenos peixes mortos. Só onde o caudal abranda

se juntam às dúzias os cadáveres que já espargem algum cheiro no ar.

Vai no fim o Verão e, apesar deste não ter sido dos mais secos, a água não

abunda como nas outras épocas do ano. Onde o rio se revela menos fundo,

o ventre inerte das enguias contrasta com o lodo escuro e quanto mais se

percorre a margem mais se vêem algumas em agonia.

Medido o pH, a acidez é evidente: 3.6... 3.2. A medida normal seria seis.

A causa desta perturbação num rio em que já se via peixe com facilidade não

era difícil perceber: um camião-cisterna tivera um acidente na véspera na auto-

estrada (A1/A29), e vertera cerca de quatro toneladas de ácido clorídrico.

Apesar da intervenção na via pública, agora, às nove da manhã do dia

seguinte, quando se percorriam algumas parcelas da margem do rio dentro

do Parque Biológico de Gaia, estima-se que de cinco em cinco metros se

encontrassem cinco peixes mortos.

Para alguns observadores, ninguém adivinhava haver ali tanta vida...

Da nascente, em Seixezelo, até perto do seu encontro com a ribeira de Jaca,

afluente que terá veiculado o ácido, não houve dano. Mas, daí rumo à foz,

onde este curso de água encontra o rio Douro, dava pena olhar.

Um passo e uma rã-ibérica salta no sentido oposto ao da água. Nessa

manhã descolorida, não se viam nem ouviam as alvéolas-cinzentas que ali

pousam durante todo o ano, assim como os guarda-rios.

E a restante vida que gravita à volta do rio? As cobras e os ratos-de-água,

rãs e tritões e os mais que muitos invertebrados aquáticos?

À superfície, pareciam ainda imperturbáveis os alfaiates, pequenos insectos

que no Verão patinam sobre a água, com patas hidrófobas, predadores de

alguma mosca descuidada que molhe as asas. Não admira, são locatários

dos rios e não absorvem essa água.

Texto e fotos: Jorge Gomes

Enguias desesperadas

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25

Medição da acidez

Acid in the RiverOn the morning of August 26th, a sad sight on the banks of the River Febros alertedthe Nature Reserve Wardens to some serious news. Drifting eels, ruivacos(Chondrostoma oligolepis) and gudgeons (Gobio gobio) gave a clear signal that atragedy covering over 5 km of the largest tributary of the River Douro was takingplace. After measuring the acidity, a pH value of 3.2, when a value of 6 is considerednormal, it became obvious what was causing the problem.The cause of the disturbance, in a river where normally fish are easy to see, wasnot difficult to understand. An accident which took place on the (A1/A29) highwaythe previous day, when a Tanker Lorry overturned and spilled approximately fourtonnes of hydrochloric acid, caused this incident.The Water Treatment Station, which started functioning five years ago, has confirmedthat the contaminated river has once again begun to function normally. By August27th, the water had returned to its normal state and the re-colonization of theaffected species has started.

As moscas não andavam indiferentes ao cheiro, nos 17 graus da

temperatura. Localizado o peixe, a desova impõe-se. Nascidas as

larvas, comem os tecidos putrefactos e limpam o ambiente.

Contados meia dúzia de quilómetros da foz do rio Febros para a

nascente, fica a esperança de um recomeço. Dia 27, a água foi voltando

ao normal e a recolonização das espécies avançou com cautela, sem

dar nas vistas.

Ressurge até uma espécie especial: o ruivaco — Chondrostoma oligolepis.

É uma espécie de peixe que, em todo o mundo, só existe no Norte de

Portugal. Entre os peixes actualmente existentes no rio Febros será talvez

a segunda maior população, ultrapassada pelo góbio.

No percurso de descoberta da natureza, nas pontes, por vezes

misturados com outras espéciess, vê-se com facilidade.

Despertado o interesse do embaixador da luz, o guarda-rios, os mais

afortunados serão capazes de ver o voo cintilante com que nos prende

o olhar, assim que mergulha como um arpão para apanhar o peixe na

mira.

A seguradora responsável pelo sinistro, através dos seus serviços de

peritagem, acompanhou o evento desde a primeira hora e, em conjunto

com o Parque Biológico, está a estudar a melhor forma de recuperar

ecologicamente o rio.

O rio que azedou em Agosto um dia voltará a acolher mais vida,

conforme se verificou depois da sua Estação de Tratamento de Águas

Residuais ter começado a funcionar há cinco anos.

Foz daribeira de Jaca

Local do acidente(derrame de ácido clorídrico)

Rio Febros

Cais do Esteiro(Foz do Febros)

Rio Douro

Valbom

GONDOMAR

V.N.GAIA

Avintes

ParqueBiológico

Ribeira de Jaca

PORTO

LISBOA

A29

N

IP1

N222

Tritão-de-ventre-laranja

Ruivacos num dos açudes

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Dunas da Aguda

26 PARQUES DE GAIA

O Parque de Dunas da Aguda foi objecto de obras de beneficiação recentes.

Os passadiços de madeira elevados são o primeiro sinal da benfeitoria sentida

por este Parque cujo ex-líbris são as muitas espécies de plantas dunares

que ali espontaneamente se instalaram.

Com nomes pouco conhecidos, cada uma ocupa o seu lugar sem exclusividade:

a perpétua-das-areias e o sapinho-da-praia, a barrilheira e o cardo-marítimo,

a chapeleta e a morganheira-das-praias, o estorno e a eruca-marinha são

exemplos das várias dezenas que ali florescem ao longo do ano.

A exposição sobre as dunas que os visitantes encontram no interior do

prefabricado também foi renovada, pelo que a compreensão do local fica

ainda mais facilitada.

Foto: João L. Teixeira

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27

Parque da LavandeiraO Outono é uma época aprazível para visitar o Parque da Lavandeira. Além

de usufruir de uma boa caminhada pode participar numa série de outras

actividades.

A natureza apresenta uma forte componente lúdica que se liga a um interessante

conjunto de propostas.

Durante a semana pode participar sob orientação de Luísa Bernardo em aulas

de Yoga. Esta professora colabora com o Parque em regime de voluntariado

todas as quartas e sextas-feiras às 9h45.

Aos sábados de manhã mantém-se a iniciativa “As mulheres do campo vêm à

vila” e com isso a possibilidade de adquirir produtos alimentares frescos, sem

adubos químicos ou pesticidas.

No mês de Outubro a Associação Ilha Mágica proporcionou uma tarde de venda

de castanhas ao som do realejo, uma espécie de órgão mecânico portátil que

funciona por meio de manivela.

Como os jardins traduzem uma relação muito antiga entre o ser humano e a

natureza, a mostra Land Art Lavandeira 2007 continua a coroar esta relação.

Inclui instalações dos artistas Ângelo Ribeiro, Carlets, Cristina Ataíde, Fernando

Saraiva, Joaquim Pombal, João Castro Silva, Josep Mates, Luís Pinheiro, Marisa

Alves, Meireles de Pinho, Moisés Tomé, Paulo Neves, e outros. Tem presença

na internet: http://lavandeira-2007.blogspot.com

O calendário de actividades é desenhado a cada mês, surgindo novas iniciativas

no enquadramento da estação. Quase sempre de participação gratuita, procuram

envolver toda a família. Não deixe de se manter informado: envie um e-mail para

[email protected] ou telefone para 2278781380.

O Parque da Lavandeira fica em Oliveira do Douro, Vila Nova de Gaia. Com

entrada gratuita, tem cafetaria, parque infantil e parque de merendas.

Texto: Filipe Vieira. Foto: João L. Teixeira

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«Ó compincha! O verme que

engoliste tinha o meu nome escrito,

não sabes ler?», pia escandalizada

uma das limícolas do bando, e

remata: «Faz isso outra vez e ainda

te chamo Limosa!».

Olho sempre atento a cães de dentes

atrevidos e capazes de extenuar as

melhores migradoras em corridas

loucas, o resto do bando deixou que

a contenda entrasse por um ouvido

e saísse por outro: importante era

cuidar de perigos maiores, agora

que acabavam de chegar dos

territórios de reprodução da tundra

europeia, na companhia de alguns

juvenis.

Por vezes, as aves como os fuselos

ou os maçaricos-de-bico-direito

ficavam na dúvida sobre quem seria

mais perigoso: o canídeo ou os

outros seres, que os bichos traziam

a passear. Não, não são as pulgas!

Aqueles mais altos e com locomoção

a duas pernas.

A ave mais quezilenta foi a primeira

a aperceber-se do ajuntamento que

se formava na outra margem do

estuário em que se alimentavam. A

princípio, meia dúzia. Depois muitos

mais.

Até ver, nada de preocupante: tanto

os corvos-marinhos como as

abundantes garças-reais parecem

reter a maior parte da atenção

daqueles seres estranhos, uns de

cabeça reluzente outros com pêlo

ali concentrado, mas... todos eles

sem penas!

Alguns até trazem um aparelho de

três paus e, ao pousá-lo na areia,

colocam nele uma espécie de mira.

Certa vez, uma Limosa mal

amanhada de um bando com que

este par migrou garantiu que, com

tais tubos, aqueles seres peculiares

conseguiam ver-nos como se

estivéssemos pertinho deles —

hoje em dia diz-se tudo, já não se

pode acreditar em nada.

Uma mão-cheia dessas criaturas

apontava-nos umas máquinas, que

já não assustam. A princípio ainda

pensavam se não sairia dali um tiro

a qualquer momento, mas apurou-

se que estas maquinetas são

inofensivas.

O mesmo concluíram as garças-

reais e as garças-brancas-

pequenas, depois dos guarda-rios

e dos maçaricos-das-rochas,

seguidos de rolas-do-mar, corvos-

marinhos-de-face-branca, gaivotas,

andorinhas-do-mar, fuinhas-dos-

juncos, cartaxos e restantes.

Porém, consta que cada vez mais

apanham o gosto ao sítio e, por

isso, vão voltar...

Ver mais perto Sob um sol, radiante, com calor ou frio,observar aves no estuário do rio Douro é sempreabrir espaço à descoberta do que existe maspassa ao lado do cidadão distraído...

Estuário do DouroO Refúgio Ornitológico do Estuário do rio Douro é este Outono o palco

de refazimento para muitas aves selvagens que migram para sul.

Com vista a aproveitar a sua passagem, os telescópios e os binóculos

de quem gosta de observar aves aprontam-se para mais uma época

fria.

Entre as garças destacam-se as cinzentas, após a nidificação mais a

norte, juntando-se-lhes a garça-branca-pequena e uma fugaz garça-

vermelha.

Os corvos-marinhos fazem bando nas línguas de areia e quando vão à

água, mergulhões, perdem-se de vista. Os maçaricos-das-rochas e os

guarda-rios disfarçam-se no juncal. As rolas-do-mar e os borrelhos andam

na areia molhada numa grande moldura de gaivotas de várias espécies.

As manhãs de domingo para observar aves estão marcadas: 2 de

Novembro, 7 de Dezembro, 4 de Janeiro e 8 de Fevereiro. Quem ali se

deslocar, do lado de Gaia, à baía de S. Paio, das 10h00 às 12h00,

encontrará técnicos do Parque Biológico de Gaia nesse mister.

28 PARQUES DE GAIA

Texto: Jorge Gomes

Foto: João Luís Teixeira

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O Refúgio Ornitológico do Estuário do Douro está

prestes a mudar de nome. Futuramente, nos

termos legais, irá designar-se como Reserva Natural

Local do Estuário do Douro, uma área protegida

de âmbito local.

Entende-se por reserva natural uma área que

contenha características ecológicas, geológicas

e fisiográficas, ou outro tipo de atributos com valor

científico, ecológico ou educativo, e que não se

encontre habitada de forma permanente ou

significativa.

A gestão municipal será exercida pelo Parque

Biológico de Gaia, E.M., que contemplará no seu

plano anual de gestão e investimento os meios

humanos e materiais necessários à prossecução

dos objectivos da área protegida.

A parte final do Estuário do Douro —

nomeadamente o Cabedelo, a zona que resta do

sapal e a área de areias que cobrem e descobrem

com as marés — apresenta condições favoráveis

para o abrigo e nidificação de muitas aves, algumas

de espécies de conservação prioritária, nos termos

da Directiva comunitária Aves (79/409/CEE).

Particularmente no Inverno, podemos ali observar,

frequentemente, centenas de limícolas e outras

espécies de aves. Durante as migrações as areias

do estuário servem de abrigo e alimentação a

muitas outras espécies e diversas nidificam nas

areias e dunas do Cabedelo e na ilhota existente

no Estuário.

O Cabedelo constitui um importante elemento

natural de defesa do estuário contra o avanço do

mar, particularmente em situações de temporal,

pelo que importa reforçar e estabilizar o seu cordão

dunar.

Também do ponto de vista de flora se podem

encontrar algumas plantas protegidas, como a

Jasione maritima (Duby) Merino var. sabularia

(Cout.) Sales & Hedge, a Centaurea

sphaerocephala L. subsp. polyacantha (Willd.)

Dostál e outras.

No entanto, algumas actividades humanas ali

praticadas sem regra inutilizam esse potencial e

degradam um habitat natural que é considerado,

também, de conservação prioritária pela Directiva

comunitária Habitats (92/43/CEE), transposta para

o Direito português pelo Decreto-lei n.º 140/99,

de 24 de Abril.

Para salvaguardar a fauna, a flora e a paisagem

deste local o Município de Gaia avançou, em

Dezembro de 2007, com o projecto de criação

do Refúgio Ornitológico no Estuário do Douro,

resultante de um protocolo celebrado entre a

APDL (Administração dos Portos de Douro e

Leixões) e a empresa municipal Parque Biológico.

No entanto a falta de legislação adequada de

suporte a esta intervenção tem dificultado a

concretização da iniciativa no terreno.

Acontece que em 24 de Julho, passado, foi

publicado o Decreto-lei n.º 142/2008, que

estabelece o regime jurídico da conservação da

natureza e da biodiversidade, criando a

possibilidade dos Municípios criarem áreas

protegidas, por proposta do Executivo, e após

consulta pública e aprovação pela Assembleia

Municipal.

É isso que agora se pretende: dotar esta área de

conservação da natureza de um estatuto de

protecção, no quadro do referido regime jurídico

da conservação da natureza e da biodiversidade

(Decreto-lei n.º 142/2008 de 24 de Julho) e integrá-

la na Rede Nacional de Áreas Protegidas.

Por Nuno Gomes Oliveira

Primeira reserva natural local

29

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30 REPORTAGEM

Um bosque encantado

A Mata da Margaraça é a jóia da coroa da Área de Paisagem Protegidada Serra do Açor. No concelho de Arganil, esta reserva biogenética ficana vertente Norte da serra da Picota, cujo ponto mais alto atinge os1016 metros. Propriedade do Estado, sob gestão do Instituto deConservação da Natureza e da Biodiversidade, revela os seus encantosao visitante, faça sol ou chuva...

Chove a cântaros na Fraga da Pena, mas a

caminhada impõe-se e torna-se um prazer.

Escondidos, à espera do sol estão insectos,

aves e outra fauna... bem, quase toda! Contra

a corrente, próximo da levada que se liga ao

moinho, salta uma rã-ibérica. Mais difíceis de

ver são outros anfíbios, como a salamandra-

lusitânica, endemismo ibérico que aqui se

encontra numa das suas distribuições mais a

sul.

O guia em cuja companhia temos o privilégio

de seguir, Jorge Paiva, tira teimas: «Nem no

pico do Verão vi isto seco: corre sempre água».

Refere-se à barroca de Degraínhos, que agita

estas cascatas xistosas onde a água ri ao cair,

alva, num lugar de sonho. Renitente, segue em

busca da ribeira da Mata.

Ao lado, há um corte por onde flui o caminho:

vê-se apenas um palmo de terra sobre o xisto

que domina o substrato da região. Se não

houvesse bosque e esta chuva caísse, a terra

desaparecia, ia parar ao mar, a cerca de cem

quilómetros a oeste. O sítio teria para mostrar

apenas rocha nua, estéril.

Pé ante pé, subimos os degraus de xisto que

levam a pequenos miradouros, o que permite

ver árvores pouco habituais à altura da copa.

Um aderno espreita o caminho cheio de drupas

ainda verdes e dá nota desta variante de

carvalhal primitivo da região Centro onde

ombreiam influências mediterrânicas e atlânticas.

Jorge Paiva é botânico, professor universitário

de Coimbra, hoje aposentado, e mobilizou há

mais de duas décadas o esforço que elevou o

sítio a área protegida.

Passo a passo, apresenta-nos este sítio especial

que ainda foi possível conservar.

Musgos, líquenes e fetos sobem o trilho e falam

da humidade que este bosque regenerado

guarda ciosamente sob o sol.

Nesta manhã de Setembro calhou-nos a chuva:

ouve-se a cascata e a água despeja-se das

nuvens sobre a copa do arvoredo prenhe de

espécies mediterrânicas.

A variedade de plantas nativas que se

aconchegam neste sítio leva o visitante a outro

mundo.

Há ali a rara Veronica micrantha e o lírio

conhecido como martagão, prevalecem

azereiros reliquiais e loureiros, carvalhos e

medronheiros, folhados e salgueiros.

A Fraga da Pena é, apesar de todas estas

características, apenas uma zona-tampão:

«Neste local é possível merendar. Na mata não

se permite», adverte Jorge Paiva. É uma forma

de impedir que o lixo deixe mácula na

Margaraça.

Uma planta com as flores brancas e as

inflorescências em forma de guarda-chuva, o

embude, ergue-se do leito da ribeira e provoca

Jorge Paiva: «Sabiam que os aldeãos dantes

esmagavam o rizoma desta planta para atordoar

os peixes? Depois apanhavam-nos».

Acentua: «É da família da cicuta. As umbelíferas

são tóxicas. Até a cenoura. Nós é que não

comemos essa parte».

Salta ao caminho a textura singular de um

moinho de água. A fechadura de madeira típica

Texto: Jorge Gomes. Fotos: João L. Teixeira

* Reserva biogenética: rede de reservas constituída pelo Conselho da Europa com base na Convenção de Berna e que,hoje em dia, no caso dos países da União Europeia, se encontra integrada nas listas de sítios propostos para Sítios deInteresse Comunitário – rede Natura 2000.

Forest of MargaraçaThe Forest of Margaraça is the ex-libris of the Protected Area of the Serra do

Açor, in the municipality of Arganil. Its vegetation is dominated by oak and chestnuttrees. This biogenetic reserve lies on the slopes on the north side of Serra da Picota.

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A Casa da Eira é um museu

Um palmo de terra e depois xisto: «Se se derruba uma mata, a chuva leva isto tudo e fica a rocha à mostra»

O xisto penteia a água de queda em queda

Na Idade Moderna terá sido abatida grande parte da floresta autóctonedesta região, encaixada entre a serra da Estrela e a serra da Lousã__

Um palmo de terra e depois xisto: «Se se derruba uma mata, a chuva leva isto tudo e fica a rocha à mostra»

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32 REPORTAGEM

na porta, o telhado rústico de lousa, as paredes

tradicionais de lajes de xisto, portas e janelas

com traves de madeira embut idas.

Daqui até à Mata, é cerca de quilómetro e meio

a pé.

Primeiros passos

Contam-se algumas décadas desde a primeira

visita de Jorge Paiva à Mata da Margaraça. Já

botânico, nessa altura era propriedade privada.

Quando o antigo dono abriu uma estrada de

terra para começar a explorar a madeira,

despoletou a investigação necessária para se

conservar este património cheio de diversidade

biológica: «Fez-se o levantamento das aves,

dos micromamíferos, dos anfíbios e répteis,

dos briófitos e das plantas vasculares para

depois se mostrar a riqueza do sítio». Foi assim

que ganhou o estatuto de conservação.

Na altura, falaram com os aldeões: «Uns diziam

— tem boa madeira, boa castanha... Houve

um que disse: Está a perguntar-me o que acho

da mata? Então as meninas já viram que,

quando abro a janela, vejo aquele verde todo…

há lá mais paisagens destas no país?

Era Adelino dos Prazeres, que veio a tornar-se

guarda da natureza, hoje aposentado.

«Fui muito auxiliado pelo povo destas aldeias.

Relva Velha, Monte Frio, Pardieiros», lembra.

«Com o presidente da Câmara desse tempo

resolvemos trazer aqui as turmas todas de

todas as escolas, de todos os anos, desde a

1.ª classe ao 12.º ano». Primeiro vieram os

professores. Depois, professores e alunos. No

fim, «cada estudante fez um trabalho, um

desenho, um texto, uma poesia. Foram

expostos todos os trabalhos no átrio da Câmara:

nunca foi tão visitada».

O momento era singular: «O Governo estava

encostado à parede. A Câmara queria a

conservação da mata e a população também»...

Depois de criada a reserva foi a compra:

«Deixou-se crescer. E a mata está a recuperar

aquilo que ela era: o bosque nativo».

Mata viva

Estamos agora a sair do centro de interpretação

da Mata da Margaraça, espaço em que os

visitantes fazem um apanhado dos itens mais

fortes desta reserva natural parcial. Vestidas as

capas de chuva, seguimos o percurso e

chegamos à Casa da Eira, na verdade um museu.

Poeta popular e guarda da natureza aposentado,

morador na aldeia de Relva Velha, Adelino dos

Prazeres juntou ali objectos antigos para que a

memória não se apagasse: utensílios agrícolas

como o malho e o gadanho, ou a candeia, as

famosas colheres de pau e as gamelas, as socas,

uma cozinha e um quarto típicos...

Há nomes tradicionais, utilizações a desvendar.

Por exemplo: «Quando o castanheiro dava boa

castanha, seleccionava-se a árvore e criava-se

uma mata de castanheiros; são os soutos». Mas

«quando o castanheiro não dava boa castanha,

era aproveitado para madeira: cortavam o tronco

e depois faziam as gamelas». De um tronco

fazem-se várias: «Uma pequenina por dentro,

sai. Faz-se outra, sai. Quanto mais grosso o

tronco maior o número de gamelas», explica

Jorge Paiva.

Depois a árvore vai rebentar: «Quando se olha

para um castanheiro destes, parece um castiçal.

Uma formação de castanheiros, cortados todos

desta maneira não é um souto, é um castinçal».

Sequiosa e rasteira, a Selaginella krausiana dispõe-secomo um telhado invertido

Adelino dos Prazeres é poeta popular: na aldeia deRelva Velha Jorge Paiva lê um dos poemas

O azereiro tem o pecíolo vermelho, diferente do loureiro

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33

Mata da Margaraça

Centro de InterpretaçãoCasa GrandeMata da Margaraça - Benfeita3305 - 031 Coja

Mais informações

Tel: 235741329 ou 239 497 062Fax: 239499029 ou 235741379

Horário

Segunda a sexta-feira, excepto feriados,das 9h00 -12h30/13h30 -17h30

CONTACTOS

Ouve-se ainda a chuva pelo caminho e, nas

entrelinhas, percebe-se que quer desandar. Para

já, vai ficando lá por cima no tecto formado pelas

árvores.

O trilho de terra é macio e apresenta espécies

diferentes passo a passo.

Algumas traem os menos avisados: «As folhas

dos ulmeiros jovens parecem de aveleiras». São

bem diferentes, um é árvore e a outra é «arbusto

multicaule. Olhe: no ulmeiro jovem a base do

limbo é assimétrica e a folha é áspera», esclarece.

Os ulmeiros sucedem-se no trilho e dizem que

nos estamos a aproximar da ribeira da Mata.

Numa convivência constante há cerejeiras-bravas,

castanheiros, carvalhos…

A luz é escassa cá em baixo, o que precipita

outros detalhes: «Quando a mata está

completamente recuperada, não há ervas, nem

no Verão».

Mas acontecem fenómenos distintos: «Há outras

plantas que vão aparecer, as bolbosas. Como

ainda temos uns dias em Novembro com sol,

caídas as folhas de algumas destas árvores,

naquele espaço de tempo tão curto, têm de florir

e dar fruto». São as outonais: a cila-de-outubro

(Scilla autumnalis), as campainhas-do-outono

(Leucojum autumnale)…

Nos países do Norte da Europa não há, são

mais frios.

Uma simetria climática ocorre na Primavera:

«Antes das árvores terem folhas há umas plantas

que nascem e dão folha, flor e fruto, antes do

carvalhal abrir as suas folhas. São as primeiras,

por isso Lineu chamou-lhes Primula». Tudo para

aproveitarem o sol.

Outro azereiro, com drupas negras, prende o

olhar. Uma madressilva com bagas rubras

pendura-se pelos ramos, sem querer saber dessa

espécie reliquial de comunidades vegetais de

outros tempos mais amenos, subtropicais.

Há frutos por todo o lado. Ouvimos: «A

vegetação de folha permanente dá frutos

vistosos. Os animais comem-nas e semeiam-

nas nas fezes que dispersam. A de folha caduca

— carvalhos, castanheiros, aveleiras — dá frutos

castanhos, que se devem confundir com o solo

coberto de folhas secas para não serem todas

comidas e haver sementes para as novas

árvores».

O ouriço das castanhas é engenhoso: «Têm

aqueles espinhos para se agarrarem ao pêlo dos

animais e depois ao caírem dispersam o fruto.

Outros disseminadores de sementes são os

esquilos e os micromamíferos».

Estes últimos têm os seus «apartamentos», diz

o guia, e à porta nascem pequenos carvalhos:

«Vem uma raposa, o ratito fica quieto, cor de

terra, se a raposa avança, deixa a bolota e

esconde-se no buraco».

No caminho aberto, o nevoeiro está a subir. No

trilho os fetos Asplenium enchem o papo de luz

e as folhas caem. Se estivéssemos no imo da

mata, formariam um cálice, como uma parabólica

a amealhar luz.

Quando o silêncio se impõe ouve-se a natureza

respirar.

Para o nosso guia a Mata da Margaraça «é um

laboratório vivo». Para outros que a visitem é

uma escola e poderá até ser um templo onde

se adora a natureza.

Sobre um tronco caído no imo do bosque coberto

de musgo a mata sussurra e, mágica, lança um

feitiço ao visitante: «Já que cá vieste, aqui hás-

de voltar».

Centro de Interpretação

Socalcos típicos da região, também conhecidos como quelhadas

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34 REPORTAGEM

O arquipélago de São Tomé e Príncipe concentra nas suas ilhas um

grande número de espécies de aves que não existem em mais nenhuma

outra parte do mundo. Ao todo, são 28 espécies endémicas, mais do

que as famosas Galápagos. Com muito ainda para investigar, um cientista

da Universidade de Montpellier, Martim Pinheiro de Melo, tem uma vida

pela frente para desvendar alguns dos segredos do Obô, a palavra que

os são-tomenses usam para falarem da floresta primária.

Truqui ou prínia-de-moller, uma ave endémica de São Tomé e Príncipe, que

tanto se vê na cidade como na floresta — pelas 5h00 canta subindo ao céu,

batendo as asas como castanholas, pelo que a população local diz, através de

um dos seus nomes vulgares, que «cumprimenta Deus pela manhã»

Texto e fotos: Jorge Gomes

Fêmea de celelê: o beija-flor-pequeno de SãoTomé, endémico, cujo macho se gosta deouvir cantar

Estudar aves em São Tomé

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35

As nuvens são um tecto distante e cinza. Sôfregas, acima da copa das

árvores escondem todo o céu azul. O vento denuncia a chuva, mas a

oportunidade é única.

Upa! Agora é subir. Há que usar as pernas, manhã cedo. Íngreme, o pé

apoia-se milimetricamente de forma quase imaginária, não vale escorregar

e devagar se vai ao longe.

Neste dia, 24 de Março, vamos ao encontro de uma sessão de anilhagem

de aves, a cerca de 15 quilómetros a sul da capital de São Tomé e Príncipe,

perto de uma aldeia com um nome familiar: Alto Douro.

O ornitólogo Martim Pinheiro de Melo está a dar formação a membros da

Associação Monte Pico, uma colectividade de conservação da natureza

muito activa no arquipélago.

Entre a craveira que mede bicos, tarsos, e a régua que escrutina décimas

de milímetro de penas como as oitavas primárias, uma balança dá nota

dos decigramas de cada ave. É necessário ainda extrair gotas de sangue

para análises de ADN.

Como este arquipélago reúne um grande número de espécies que apenas

ali existem, só o cariz matemático da genética é capaz de dar pistas,

dissipar dúvidas e encaminhar à compreensão da sua origem e percurso

evolutivo.

Martim fala com propriedade: «Em São Tomé e Príncipe o número de

aves endémicas é impressionante e sem paralelo no mundo» quando se

avalia «o tamanho das ilhas».

Por isso, «entrar nestas florestas é entrar num mundo novo», adianta. De

facto, olhando em volta, plantas e animais são novidades para nós

desconhecidas.

Com uma superfície de cerca de mil quilómetros quadrados, contam-se

28 espécies endémicas do arquipélago, pertencentes a 18 famílias

diferentes.

«As florestas do Sudoeste de São Tomé foram consideradas as segundas

mais importantes de todo o continente africano para a conservação das

aves», esclarece Martim.

«No Centro do Golfo da Guiné, as ilhas estão rodeadas a norte e a leste

por um dos maiores centros de biodiversidade do planeta, a floresta

equatorial africana», a uma distância próxima dos 250 quilómetros. Este

detalhe «permitiu a colonização por um maior número de aves do que é

habitual nas ilhas oceânicas» e, «uma vez em isolamento, as colonizadoras

evoluíram por caminhos diferentes dos seus congéneres do continente,

originando novas espécies».

É tempo de voltar às redes. Quando uma vegetação desconhecida irrompe

de todas a direcções, perdem-se as referências: para que lado seguir?

O ornitólogo1 indica o caminho. Não longe, as malhas da rede retiveram

um tecelão-de-são-tomé e um celelê (Nectarinia newtonii).

Na abóbada verde ouvem-se sons de aves que não conhecemos. Só as

ferramentas da especialidade e os gestos nos são familiares, tal qual se

faz no Parque Biológico de Gaia nos primeiros e terceiros sábados de

cada mês.

Agora o vento amainou e as nuvens deixam passar mais luz. A tenda

improvisada — é a floresta das chuvas — gerou tranquilidade caso fosse

precisa, mas agora já não ilude.

Octávio é um camponês das redondezas, o mais antigo dos formandos,

também filiado na Associação Monte Pico2, que junta os guias de ecoturismo

do arquipélago. Octávio até já sabe colher sangue, operação delicada, algo

que vem como corolário de uma paixão: «É bom saber como vivem estas

aves, aprender como cantam — é uma alegria trabalhar com elas».

Outro formando chama-se António Alberto: «Aqui aprendemos a colocar

uma anilha, a medir as penas, a segurar as aves correctamente e outras

coisas». Tem nas mãos uma fêmea de tecelão-de-são-tomé, endémico,

To study birds in São ToméThe archipelago of São Tomé and Príncipe in Africa has a large number of birdspecies that no longer exist in any other part of the world. In all, they are 28 endemicspecies; which is more species than the famous Galápagos Islands. With plenty ofresearch still to do, Martim Pinheiro de Melo, a Scientist from the University ofMontpellier, has a life time of study ahead of him to unravel some of the secretsof “Obô,” a word used by that inhabitants of São Tomé and Príncipe to name theForest.These important habitats will continue to need care! Two-thirds of the archipelagois a Protected Area. This privileged space for ecotourism must be more than justa buzzword in Marketing. Ecotourism really needs to be ecological sound in orderto reduce the environmental impact and be conducted on a small scale, while stillbenefiting and respecting local Communities.

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36 REPORTAGEM

chamado no local tchin-tchin-xoló. Esta ave

evoluiu no arquipélago com características muito

distintas de outras espécies de tecelões

africanos.

A ideia de Martim baseia-se em habilitar estes

voluntários para um perfeito exercício desta

prática científica «e depois eles poderem manter

aqui uma rotina, o que permitiria acumular dados

para um melhor conhecimento das aves são-

tomenses. Isto é não só essencial para a

definição de estratégias de conservação eficazes

como tem um interesse científico muito mais

vasto», já que «ainda pouco sabemos sobre o

ciclo de vida das aves das regiões tropicais».

No fundo, interessa instalar uma estação de

esforço constante.

Retiradas das redes, as pequenas aves entram

em sacos onde sossegam, sendo depois

transportadas para a mesa, leia-se chão, de

anilhagem.

Aqui chegados, aplicam primeiro uma anilha com

um código único, de tamanho convencionado

para cada espécie. Feitas as medições e colheitas,

são libertadas. Mais tarde, em data indeterminada,

a recaptura das aves anilhadas vai permitir saber

dos seus movimentos, da evolução do seu

crescimento, da sua longevidade, dos ritmos de

nidificação.

Passo a passo, o solo é incerto e enquanto as

palavras se cruzam no ar tocadas pelo labor

científico, algo pesado tomba, mais uma vez,

não tão longe como seria de esperar. Um coco?

Fruta-pão?

A curiosidade dispara: «Nunca nenhum destes

frutos pesados acertou em alguém?». A resposta

negativa garante que os deuses influenciam a

lei da gravidade, e geram uma certa protecção

estatística...

Também estes habitat notáveis continuam a

precisar de cuidado. Um terço do arquipélago

é área protegida, abrangida pelo Parque Natural

do Obô. Mas estar no papel é só o primeiro

passo; outra medida passa «pela implementação

de uma política agrícola capaz de manter a

estrutura florestal», para que as aves endémicas

possam também sobreviver fora do parque

natural.

Neste horizonte, uma constelação de factores

se levanta. Espaço privi legiado para o

ecoturismo, este «tem de ser mais do que um

chavão de marketing», pois «o impacto do

turismo clássico é muitas vezes desastroso».

O ecoturismo «tem mesmo de ser ecológico

para reduzir ao máximo o impacto ambiental

e ser conduzido a pequena escala», sem deixar

de «beneficiar e respeitar as comunidades

locais», sublinha o investigador, e conclui: «Só

assim se atinge um turismo de conservação

da natureza».

(1) Entre 2002/2006 Martim P. de Melo realizou um doutoramento

na Universidade de Edimburgo sobre aves endémicas de São

Tomé e Príncipe com o financiamento da Fundação para a Ciência

e Tecnologia. As suas visitas recentes ao arquipélago contaram

com o apoio da British Ecological Society, da British Ornithologist’s

Union e do Davis Expedition Fund da Universidade de Edimburgo.

(2) http://montepico.blogspot.com

Conhecido localmente como olho-grosso, outro endemismo que deve o nome ao anel de penas brancas em torno dos olhos — Speirops lugubris

António Alberto, formando, segura umafêmea de tecelão-de-são-tomé

(Ploceus sanctithomae)

O registo de dados biométricos assegura o rigor da investigação:Octávio Horta da Veiga e Martim Pinheiro de Melo

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MUNDO 37

O jornal de ciência «Zootaxa» publicou em

15 de Agosto a descoberta de mais uma

nova espécie de ave em África.

Agora, circulam pela internet fotografias deste

animal a que os cientistas deram o nome de

Stiphrornis pyrrholaemus. Trata-se de um

género próximo dos piscos. «Esta descoberta

foi importante para nós», disse Alfonso

Alonso, director do Programa para a

Biodiversidade do Gabão, o país onde os

investigadores fizeram o achado. E por uma

razão simples: «constitui mais um estímulo

para que os cientistas investiguem os

ecossistemas e as suas espécies de modo

Nova espécie de ave no Gabão

Açores: Painho-de-monteiroUm artigo científico publicado recentemente na revista científica «Ibis» informa que a espécie de

ave marinha antes conhecida como Oceanodroma castro foi recentemente diferenciada devido ao

resultado de estudos genéticos feitos em colónias dos oceanos Atlântico e Pacífico.

Considera-se, assim, a existência de mais uma espécie de painho, da ordem Procellariiformes, o

painho-de-monteiro, a que deram o nome universal de Oceanodroma monteiroi.

A descrição científica está registada no artigo da citada revista. Este novo painho engrossa a lista

de espécies endémicas do arquipélago dos Açores, nidificando em apenas dois dos seus ilhéus.

Tendo a população sido avaliada em cerca de 250-300 casais, o estudo já referido deveu-se em

grande parte a Luís Monteiro, falecido em 1999.

Qualquer das espécies de painho é de observação poucohabitual para a maior parte da população. Foto: JG

a que haja uma base capaz de sustentar

projectos para a protecção destas áreas

naturais». Oficialmente consagrado, este

animal eleva para 753 as espécies conhecidas

de aves deste país africano.

Descobrir para a ciência uma nova espécie

de ave ou mamífero está longe de ser um

evento banal. Antes do século XX trazer à

luz do mundo essas novidades era mais fácil,

pois em cada década as novas espécies

ascendiam à ordem das centenas. Hoje em

dia, só em regiões muito isoladas é que se

torna ainda provável encontrar uma nova

espécie de vertebrado.

De momento ainda não é possível indicar o custo da viagem, que se estima não ultrapasse os dois mil euros (com tudo incluído). Os eventuais interessados devem fazer

as pré-inscrições, sem qualquer compromisso, enviando um e-mail para [email protected]. Para mais informações podem, como habitualmente, contactar

a Dr.ª Cristina Neves (227 878 127) que secretariará o evento. A todos os pré-inscritos será brevemente enviado um programa e custos definitivos.

04/4/2009 (Sábado) – Porto ou Lisboa/ Havana

05/4/2009 (Domingo) – Dia livre para descansar e conhecer Havana

- Percurso histórico guiado, a pé, por Havana

06/4/2009 (Segunda) – 1ª Sessão de trabalho: A Educação Ambiental /

Almoço no Jardim Botânico, restaurante Crioulo / Apresentação

do Jardim Botânico Nacional de Cuba seguida de Visita

07/4/2009 (Terça) – Visita a uma reserva natural

08/4/2009 (Quarta) - 2ª Sessão de trabalho: O papel dos jardins botânicos

e parques urbanos na educação ambiental / Almoço

no Jardim Botânico, restaurante Crioulo / 3ª Sessão de Trabalho:

O Ecoturismo / Visita de estudo

09/4/2009 (Quinta) – Visita de estudo, com almoço / Sessão

de Encerramento no Jardim Botânico/ Noite de Música Cubana c/ jantar

10/4/2009 (Sexta) – Dia livre para descansar e continuar a descobrir

Havana

11/4/2009 (Sábado) – Havana/ Lisboa ou Porto

Encontro Luso-caribenho de Educação Ambiental´2009

Em Abril de 2009, aproveitando o interregno lectivo e laboral proporcionado pelas férias da Páscoa, oParque Biológico de Gaia, em parceria com o Jardim Botânico Nacional de Cuba, vai promover na cidadede Havana um Encontro Luso-caribenho de Educação Ambiental que incluirá uma série de visitas de estudoa espaços naturais e culturais de Cuba.

Uma oportunidade única para conhecer Cuba, acompanhado por Cubanos.

O programa provisório é o seguinte (as datas podem ser ligeiramente alteradas):

Foto de Brian Schmidthttp://esciencenews.com/articles/2008/08/15/smithsonian.scientists.discover.new.bird.species

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38 CLIMA

Estes factos são apenas dois itens do conjunto de alertas que João

Santos Pereira, do Instituto Superior de Agronomia da Universidade

Técnica de Lisboa, deixou no I Congresso Nacional sobre Alterações

Climáticas.

O certame, que se estendeu entre 29 e 30 de Setembro na Universidade

de Aveiro, foi organizado pela Associação Portuguesa de Engenharia

do Ambiente. O congresso teve por temas gerais as políticas e

estratégias europeias de combate às alterações climáticas, a mitigação

dos seus impactes, não excluiu o delineamento de estratégias em

Portugal de combate às alterações climáticas.

Houve também abordagens temáticas a diversos sectores como o

da energia, dos transportes, dos resíduos e das florestas pela forma

como se interligam com as alterações climáticas.

Como tronco central das alterações climáticas, que já começaram a

afectar a vida na Terra, surge a libertação de gases para a atmosfera

através do consumo massivo de recursos naturais.

Por exemplo, o petróleo no subsolo retém grande quantidade de

carbono. Ao ser extraído e consumido em larga escala todos os dias

pelo ser humano atira esse elemento químico para a atmosfera.

Passando do chamado ouro negro para o que no futuro se poderá

vir a chamar ouro verde, também as florestas que cobrem o planeta

são depósitos que retêm carbono: aprisionam-no na sua estrutura

física, das raízes à folhagem, e absorvem-no do ar por «respiração»,

através da fotossíntese, libertando oxigénio. Além disso, sendo

constituídas por vegetação autóctone, conservam os ecossistemas

e defendem a diversidade biológica.

Clima em queda

O I Congresso sobre Alterações Climáticas decorreu na Universidade de Aveiro e foi organizado pela Associação Portuguesa de Engenharia do AmbienteFoto: João L. Teixeira

Em Portugal, o ano de 2005 registou a seca mais severa dos últimos140 anos. Nos Pirenéus, aqui bem próximo, os botânicos assistem àescalada de plantas de altitudes mais baixas para espaços mais elevados:sinais de um tempo que busca extremos para se afirmar

Texto: JG Fotos: João L. Teixeira

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Climatic alterations

The 1st National Congress on ClimaticAlterations was held from September29th - 30th, at the University of Aveiro.Several experts from various fields ofknowledge approached this globalproblem and discussed expectations andsolutions.

A biomassa das plantas é de aproximadamente 50% de carbono e

distribui-se desta maneira: 95% resulta da fotossíntese e 5% de

nutrientes minerais. Para além das florestas em processo de

reflorestação, as mais antigas são reservatórios de biodiversidade e

mesmo que não contribuam para aumentar a capacidade biosfera,

se destruídas, libertam grandes quantidades de dióxido de carbono.

O aumento da concentração deste e de alguns outros gases na

atmosfera cria um efeito-de-estufa e gera o aquecimento global.

Este excesso de carbono evidencia «sinais positivos no crescimento

das florestas: dados de detecção remota por satélite mostraram um

avanço de oito dias na data de abrolhamento nas florestas de altitude

na Europa entre 1982 e 1990, em associação com um aumento de

0,4 º C por ano na temperatura da Primavera», sustenta João Santos

Pereira.

Mas, por outro lado, os prejuízos acumulam-se numa lista difícil de

conter e tocam áreas tão importantes como a agricultura, a pesca,

a diversidade biológica, a saúde, a economia...

«Os incêndios florestais no cenário climático do futuro podem atingir

níveis de catástrofe», a ponto de impedir o crescimento de floresta

em certas regiões. Menos floresta, menos água, maior erosão.

Um efeito leva a outro, em cadeia. A economia põe um pé na ribalta.

Espanha, por exemplo, está a trabalhar no projecto PESETA, apesar

da sua moeda ser o euro. Portugal concentra-se no projecto SIAM

(Climate Change: Scenarios, Impacts and Adaptation Measures).

Em qualquer dos casos, apurou-se que se destrói a estabilidade

climática do planeta com maior rapidez do que o tempo necessário

para repor essa mesma estabilidade e o que se vier a fazer (ou não

fazer) nos anos imediatos será decisivo na evolução dessas alterações

do clima.

À escala global, via satélite, a progressão do degelo é incontornável.

Filipe Duarte Santos, da Universidade de Lisboa, abordou também

este aspecto. As calotas polares reflectem a luz solar para o espaço.

Com o degelo, esse calor é absorvido, contribuindo para o aquecimento

global. As regiões costeiras sentirão a subida do nível do mar.

Alguns dos objectivos que nortearam esta iniciativa passaram por

«abordar o estado do conhecimento sobre as causas, implicações e

soluções de mitigação das alterações climáticas», não deixando de

lado a divulgação e o debate «das principais orientações estratégicas

e políticas em termos europeus e nacionais».

Para os organizadores, «incentivar as boas práticas de combate e

mitigação dos impactes das alterações climáticas» relaciona-se

directamente com trazer à luz os «trabalhos desenvolvidos pelos

investigadores e empresas portuguesas». Sublinham ainda a

necessidade de criar «um espaço de reflexão sobre o papel da

Engenharia do Ambiente na procura de soluções que permitam

combater e mitigar os impactes das alterações climáticas».

Querendo ser «um fórum de reflexão sobre esta temática e afirmar-

se como um evento de referência», este congresso pretende reformular-

se de dois em dois anos.

Foto: JG Foto: JG

SÉC XX SÉC XXI

2200 m

1600 m

Populus nigra

Pinus sylvestris

Migração de árvores em altitude em Espanha

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40 ENTREVISTA

Em Braga, o Banco Portuguêsde Germoplasma é guardião deriqueza: mais ainda quando a perdadesta diversidade biológica sealarga às alterações climáticas__

Instalada na Quinta de S. José, em Merelim, esta instituição dependente

do Ministério da Agricultura preserva as variedades regionais de cereais,

leguminosas e hortícolas de Portugal, resguardando o património genético

nacional de perdas irreversíveis.

Através do banco é possível recorrer a todo o tipo de sementes para

cultivo, ou mesmo para estudo biogenético ou agro-alimentar.

O maior banco do país desta área não se faz apenas de laboratórios,

frigoríficos especializados, arquivos exactos recheados de detalhes sobre

cada população defendida: «Os oito hectares de terra agrícola da quinta

continuam a ser necessários para a prossecução das missões do banco.

Uma lógica consistente de conservação não pode dispensar terra onde

as sementes se reproduzam», garante Ana Maria Barata, engenheira

agrónoma. Diante desta especialista, metemo-nos à conversa.

Quando uma criança colecciona sementes está a criar um banco?

Ana Maria Barata — Não está. A existência de um banco é bem mais

complexa que isso. Tem como princípio a colheita, estejamos a falar quer

de sementes quer de material vegetativo, que devem ser conservados

em condições adequadas para se manterem vivos e com longevidade.

Inicialmente o banco só trabalhou com sementes até ao início dos anos

90. A partir daí passou a trabalhar com espécies de propagação vegetativa,

como o alho e outras espécies aromáticas e medicinais.

Neste momento temos um programa de conservação para este tipo de

plantas, a maioria de propagação vegetativa, o que obrigou a desenvolver

novo conhecimento e a criação de estrutura para a conservação dessas

espécies (colecção de campo e in vitro).

Para além da colheita, fazemos a conservação que abrange variadíssimas

técnicas englobadas na conservação ex situ – fora do ambiente de origem

– e in situ – no local de origem do material.

Tratando-se de espécies cultivadas, falamos da conservação no campo

do agricultor (on farm conservation).

Desenvolvemos também o estudo do material que está conservado e

esse estudo pressupõe a caracterização e/ou avaliação morfológica,

agronómica, molecular e química, que se realiza em colaboração com

outras instituições nacionais e internacionais.

Depois temos a rotina propriamente dita de funcionamento de um banco,

o que tem a ver com a entrada do material, o registo desse material,

exactamente como o banco de qualquer cidadão quando lida com o

depósito de dinheiro.

Mas não basta arquivar: é grande a longevidade por exemplo de

uma bolota?

A. M. B. — Uma bolota nunca será o reservatório da respectiva espécie,

porque uma bolota só dá origem a uma planta Essa é a forma de

conservação dos jardins botânicos. Estes são conservadores, mas

normalmente de indivíduos, não de populações. Nos bancos de

germoplasma o fundamental é a conservação da variabilidade genética,

portanto, da população.

Algumas sementes duram mais que outras?

A. M. B. — Sim, mas apesar disso se as sementes não forem conservadas

em boas condições, acabam por ir perdendo a sua capacidade de

germinação. Para isso é necessário fazer o que se designa como

monitorização da conservação.

Por períodos definidos, cinco ou dez anos, dependendo das espécies,

é feita a germinação do material para sabermos se continua em condições

viáveis.

Se perdeu essas condições, é re-semeado ou replantado e é estabelecido

um novo ciclo produtivo. Depois é colhido novamente e a rotina continua.

Uma trabalheira!

A. M. B. — Sim. Mas é mais trabalhoso (envolvendo meios humanos e

materiais), do que propriamente complexo, temos regras a cumprir, à

semelhança dos outros bancos no mundo. Seguimos as regras de um

Banco de sementes

Germplasm bankLike a Bank that manages money,the Portuguese Bankof Germplasm, located in Braga,manages another kind of wealth,and a much more important one:that of natural heritage.A difficult and complex task,as Ana Maria Barata explainsin this article.

Texto: Jorge Gomes. Fotos: João L. Teixeira

Este Banco de Germoplasma preserva uma colecção de lúpulo silvestre comcolheitas de todo o país: aromático, medicinal, usa-se no fabrico de cerveja,para lhe dar o sabor amargo ou doce

Este Banco de Germoplasma preserva uma colecção de lúpulo silvestre comcolheitas de todo o país: aromático, medicinal, usa-se no fabrico de cerveja,para lhe dar o sabor amargo ou doce

O Banco expande-se e conserva osrecursos genéticos de raças autóctonesde bovinos do Norte de Portugal

O Banco expande-se e conserva osrecursos genéticos de raças autóctonesde bovinos do Norte de Portugal

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organismo internacional, Bioversity, associado à Organização para a

Alimentação e Agricultura (FAO).

É como um banco mundial?

A. M. B. — Não. Para esse efeito está a ser criado o Global Seed Vault

(banco global de sementes), na Noruega, na ilha de Svalbard. Lembra

uma arca de Noé. No futuro este banco guardará todas as amostras

conservadas nos bancos de germoplasma do mundo.

Não se deve pôr os ovos todos no mesmo cesto…

A. M. B. — Eles têm o material, mas não é exclusivo! O que se pretende

é que cada país envie material para conservação como duplicado ou

cópia de segurança para Svalbard.

A decisão é definida por espécie. Imagine que estamos a falar de feijão.

Foi nomeado um responsável internacional, idóneo, que vai olhar para as

colecções todas que existem no mundo e dizer, por exemplo, que o

material de Portugal, de Espanha, da Noruega e da Argentina são os

materiais com maior diversidade genética e únicos e aconselha que estes

materiais sejam guardados no Svalbard.

O Global Seed Vault está a ser financiado pelo Governo Norueguês e o

Global Crop Diversity Trust e a movimentação do material dos países,

está a ser apoiada pela Fundação Bill Gates.

Um banco global pode ser também perigoso. Não é só por razões de

destruição e de segurança. Imagine que no futuro uma multinacional tem

acesso a todo o material conservado: passa a ser do domínio privado e

não do público. A conservação dos recursos genéticos é uma matéria do

domínio público. Deveria ser sempre. É responsabilidade de cada país

preservar e utlizar os seus recursos genéticos.

Por mandato da FAO fomos designados como banco mediterrânico do

milho. O que quer dizer que conservamos os duplicados de segurança

das colecções de milho da bacia Mediterrânica. São centenas de variedades.

A duplicação de segurança não é uma técnica recente, tem vindo a ser

usada pelos bancos entre si no mundo.

Com os transgénicos essa diversidade cultivada tenderá a diminuir?

A. M. B. — Verifica-se a perda de variabilidade genética, da mesma

maneira que ocorreu com a introdução dos híbridos. Temos de saber lidar

com isso. Aqui, por exemplo, cultivámos uma população regional, e para

que esta população não fosse contaminada com o pólen do milho híbrido

dos campos vizinhos, utilizámos uma bordadura de uma variedade de

milho de ciclo cultural longo, para servir de barreira à contaminação.

E as sementes cedidas por este banco a agricultores?

A. M. B. — Somos solicitados quer por agricultores quer por entidades

e organismos de investigação para cedência de material. No caso dos

agricultores é melhor, porque damos-lhes uma determinada quantidade

e eles devolvem a mesma quantidade após a sua multiplicação. Ainda

hoje recebemos linho.

Há uma série de culturas agrícolas que tendem a desaparecer?

A. M. B. — É verdade, por exemplo o linho hoje só é utilizado associado

ao folclore e suas associações.

Há uma hierarquia de importância entre as espécies agrícolas e

as silvestres?

A. M. B. — Sim. Nos anos 70, quando aparecemos, simultaneamente a

outras iniciativas semelhantes noutros países, a preocupação era dar de

comer ao mundo. Interessavam sobretudo as espécies cultivadas, os

cereais, as leguminosas, milho, feijão, grão-de-bico... A meta era colher

cereais e a FAO dinamizou e apoiou bastante essa missão.

Note que esta preocupação não é recente, é antiga. Houve um homem

importante nesta matéria, um russo, Nikolai Ivanovich Vavilov, que colheu

material em várias regiões do mundo, incluindo Portugal, nos anos 20 e o

levou para o seu país, com o objectivo de utilizar em programas de

melhoramento, em especial de cereais.

A conservação das espécies silvestres sempre esteve sob a responsabilidade

do Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB), desde

a criação das áreas protegidas. Mais recentemente, temos desenvolvido

projectos em conjunto, sobretudo com o Parque Nacional da Peneda-Gerês

(PNPG) para preservação de espécies silvestres e endémicas.

Essas são especialmente vulneráveis com os incêndios, invasão de

exóticas, entre outras ameaças?

A. M. B. — Sim. Em 2004 começámos a estudar técnicas de conservação

e multiplicação de algumas espécies endémicas juntamente com o PNPG

e incidimos a actividade sobre plantas aromáticas.

Repare que não existe uma estrutura de conservação ex situ equivalente

para as espécies silvestres. Pensamos que podemos contribuir com

conhecimento técnico e científico, porque as plantas cultivadas e silvestres

apresentam semelhanças, quanto às técnicas de conservação

Já se falou na criação de um banco de flora endémica.

É então um banco a valorizar, como uma espécie de ouro negro?

A. M. B. — Eu diria que o material aqui conservado vale mais do que ouro

negro, pois este não é fundamental à existência de vida humana. No fundo

as pessoas têm noção de que se não tiverem semente não têm comida. O

problema é que nos últimos tempos não se valorizou a actividade agrícola

e quando se vai ao supermercado temos o alimento sem querermos saber

do seu cultivo.

Dantes havia aquela ideia nascida no alvorecer do horizonte agrícola

de que a semente boa não é para comer, é para semear…

A. M. B. — Exactamente.

Das primeiras amostras de milho: colhido em 1977, multiplicado em 1990Nos laboratórios faz-se a extracção de ADN e aplicam-se marcadores molecularespara estudos de polimorfismoNos laboratórios faz-se a extracção de ADN e aplicam-se marcadores molecularespara estudos de polimorfismo

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BIBLIOTECA 43

Continua em bom ritmo o projecto de reunir documentação antiga

sobre a história natural de Portugal, objectivo que não se pode alhear

da geografia e dos usos e costumes. Por isso, uma das obras

recentemente adquiridas foi o “Álbum de Costumes Portugueses comcinquenta cromos, cópias de aguarelas originais de Alfredo Roque Gameiro,Columbano Bordalo Pinheiro, Condeixa, Malhoa, Manuel Macedo, RaphaelBordallo Pinheiro e outros, e com artigos descritivos de Fialho d´Almeida, JúlioCésar Machado, Manuel Pinheiro Chagas, Ramalho Ortigão e Xavier Cunha”,

Projecto “Raízes da HistóriaNatural de Portugal”

publicado em Lisboa pela editora David Corazzi e impresso pela

Tipografia Horas Românticas, em 1888.

Desse belo álbum, extraímos a gravura (de autor desconhecido) e o

texto de Ramalho Ortigão, que se juntam, em homenagem à Padeira

de Avintes.

A Padeira de Avintes

A mulher representada nesta página é conhecida em toda a cidade

do Porto e seu termo pela designação genérica de Padeira de Avintes

- o que não obsta a que de ordinário ela não seja nem de Avintes nem

Padeira ... Prudente aviso á precipitação daqueles, que pelo simples

aspecto social e pitoresco de seu semelhante, tão ousadamente se

abalançam a determinar-lhe o sexo, a profissão e a naturalidade!

Aquela - se assim ouso exprimir-me - padeira, e - porque assim o

digamos - de Avintes, habita a margem esquerda do rio Douro na sua

zona mais desafogada da angustia das fragas, mais verdejante e

risonha, não prefixamente em Avintes, mas em qualquer ponto da

borda d'água desde o Areínho até o ribeiro de Arnelas.

Vem á cidade, onde umas vezes vende carne de porco, outras vezes

os famosos biscoitos de tosta, morenos e estalejantes, bem conhecidos

nos chás pacatos das reuniões familiares e das assembleias recreativas,

ou a broa já de milho branco já de pão de mistura, cuja grossa côdea

lourejante, esquadraçada em manchas de escumalho cor de mel, cintila

ao sol como polvilhada de âmbar.

Na sua aldeia ribeirinha ela sacha e monda a horta, espadela e fia,

bota a teia, engorda o porco, deita a galinha, forneia, e faz barrela.

Mas, propriamente de profissão, barqueira é que ela é.

O seu bote, meio de carga, meio de passageiros, escuro, comprido,

de baldaquino á popa como as gôndolas do Rialto, é por ela remado

em pé, com a longa pá, sem forquilha onde jogue e sem estorvo que

a sujeite ao pau do tolete, tão pesada, tão difícil de manejar! - rio

acima, rio abaixo, da banda de cá para a banda dalém, cantando o

Beleisão, cantando o Ribeirinho, numa toada lenta e aguda, de uma

saudosa expressão embaladora, em que o doce e frio mistério das

águas correntes parece evolar-se melodicamente da profundidade do

rio para a concavidade do céu.

Os que vão dos Guindais, da Ribeira, de Massarelos ou de Miragaia

jantar ao domingo em família, e em festa "pelo rio acima" a Quebrantões,

ao Freixo, á quinta da Oliveira, preferem para a excursão fluvial, ao

bote correcto e banal dos barqueiros de Gaia, o pitoresco, o vetusto,

o festival pangaio da Padeira de Avintes, mordido pelo sol, despintado

pelo tempo, aqui e ali descosido e descalafetado nas juntas do

cavername, de toldo de linho em remendos, com a flâmula em bico,

de paninho vermelho, tremulando alegremente na ponta de uma vara

de pinho.

A recordação da patuscadinha campestre, da fritura e da salada comida

na relva á sombra dos castanheiros, entre o rumor da água e o gorjeio

dos ninhos, fica para sempre aliada na memoria á silhueta robusta e

sadia da esbelta remadora, de cujo aspecto parece vir para nós, num

ridente eflúvio bucólico, a sensação dos fenos percorridos, dos

morangais atravessados uma tarde de verão, com o carreiro da alfazema

através do quinteiro, o poço ornado de craveiros e de manjericos, as

garrafas lacradas de verde refrescando na água de bica, os vestidos

de musselina; os ramalhetes de papoilas e de espigas de trigo, a alface

ripada em jovial colaboração em torno da saladeira em ramagens, e

os viveres que saem do cesto novo para a toalha desdobrada no

chão, sob um picante e apetitoso aroma de rega, de coentros e de

cebolinho novo.

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Os preços referidos nesta página têm o IVA incluído e podem ser alterados sem aviso prévio.

Livro

Áreas de Importância Naturalda Região do Porto- Memória para o futuro20.00 euros

Livro

Uma Escola sem Muros7.00 euros

Kit ninho e comedouropara aves selvagens20.00 euros

44 BAZAR

Comedouropara jardim17.70 euros

Comedouropara jardim

32.25 euros

Ninhopara as avesselvagensdo seu jardim12.50 euros

Loja do ParquePróxima da Recepção do Parque Biológico de Gaia esta loja disponibiliza-lhe inúmeros produtos inspirados na natureza.Deixamos-lhe algumas sugestões...

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COLECTIVISMO 45

Pela conservação da naturezaO NPEPVS (Núcleo Português de Estudo e Protecção da Vida Selvagem),

fundado no Porto em 1975 e inactivo durante os anos 90, continua a

procurar relançar-se, na convicção de que, mais que nunca, é necessária,

em Portugal, uma associação de conservação da natureza com estas

características.

De facto o Movimento de Defesa do Ambiente foi-se, aos poucos,

afastando da conservação da natureza, fruto das novas modas e

oportunidades e, hoje, poucas posições públicas assume em defesa da

biodiversidade e, nomeadamente, da protecção dos espaços naturais de

maior importância.

Pouco a pouco, está o NPEPVS a reunir de novo os mais de 2000

associados que já teve e a relançar actividades.

Um site, ainda incompleto, foi já criado (www.vidaselvagem.pt) e nele se

pode ler a história da associação. O recente lançamento do livro “Áreas

naturais da região do Porto – Memória para o futuro”, em parceria com

o Parque Biológico de Gaia, é outro aspecto desse relançamento da

associação.

Apelamos a todos os antigos sócios do NPEPVS para que nos contactem,

de preferência através de e-mail [email protected] ou, então, para

NPEPVS, a/c Parque Biológico de Gaia, 4430-757 Avintes, de modo a

que seja possível actualizar a lista de endereços, pois muitas cartas

enviadas têm sido devolvidas por alteração de moradas (a listagem actual

de sócios é dos finais dos anos 80...).

Reorganizada essa listagem, o NPEPVS promoverá a sua primeira grande

acção pública de relançamento e iniciará a sua participação activa na

discussão pública das grandes (e pequenas) questões de conservação,

estritamente de conservação da natureza, como mandam os seus estatutos.

Ainda vale a pena serem feitos todos os esforços pela conservação da

natureza e defesa da biodiversidade, num momento em que estes valores

estão em profunda crise; retome a sua adesão ao NPEPVS.

Núcleo Português de Estudoe Protecção da Vida SelvagemParque Biológico de Gaia

4430 - 757 Avintes

Tel. + Fax: 227 878 120

[email protected]

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46 COLECTIVISMO

O Tagis – Centro de Conservação das Borboletas de Portugal é uma

Organização Não Governamental de Ambiente (ONGA) formada no Museu

Nacional de História Natural a 4 de Março de 2004.

O Tagis pretende aplicar ao grupo das borboletas as opções estratégicas

fundamentais, definidas na Estratégia Nacional de Conservação da

Natureza e da Biodiversidade (2001): promover a investigação científica

e o conhecimento sobre o património natural, bem como a monitorização

de espécies e habitats; promover a valorização das áreas protegidas e

dos sítios e zonas de protecção especial integrados no processo da Rede

Natura 2000; desenvolver acções específicas de conservação e gestão

de espécies e habitats; promover a educação e a formação em matéria

de conservação da natureza e da biodiversidade; assegurar a informação,

sensibilização e participação do público, bem como mobilizar e incentivar

a sociedade civil.

Entre as suas actividades o Tagis enquadra ateliers pedagógicos que têm

como principal meta ensinar a fazer um jardim de borboletas. Consoante

a faixa etária e o nível de ensino, os alunos recebem um conjunto de

tarefas necessárias para a criação de um jardim que possa acolher as

borboletas comuns da nossa fauna.

Pretende-se assim transmitir os conhecimentos sobre o ciclo biológico

destes animais, a estreita relação com as plantas e as técnicas de

jardinagem, através da execução de actividades práticas.

As marcações podem ser feitas para o fax 213965388 ou pelo e-mail

[email protected]

Tagis:conservação

Abrigode montanhaA Associação dos Amigos do Rio Ovelha (AARO) conta agora com o Abrigo de

Montanha da Venda da Giesta, na serra da Aboboreira, que foi inaugurado em

16 de Agosto.

Trata-se de mais um equipamento com que conta a secção de pedestrianismo

desta colectividade: «Apesar de ainda nos encontrarmos em fase de recolha e

construção de informação adicional, o Abrigo já se encontra apto para utilização.

«Com o trabalho de educação ambiental desenvolvido nas escolas, com as

nossas jornadas, conferências e palestras sobre temas ambientais, com as

várias acções de limpeza na serra da Aboboreira e no rio Ovelha e seus afluentes

chegou a altura de começarmos a criar infra-estruturas e equipamentos para

dar continuidade a todo este trabalho de promoção, defesa e preservação do

meio ambiente daqui, do nosso concelho e do Baixo Tâmega», afirmam.

A Associação dos Amigos do Rio Ovelha fica no Lugar do Passal, em Várzea

de Ovelha e Aliviada, no Marco de Canaveses. Mais informações em

http://pedestrianismo-aaro.blogspot.com

Phalera bucephala, uma borboleta nocturna

Fachada principal do edifício

Corredor de acesso às camaratas

Tagis – Centro de Conservação das Borboletas de PortugalMuseu Bocage – MNHN

Rua da Escola Politécnica, 58 • 1250-102 Lisboa

Tel. + Fax: 21 396 53 88

[email protected]

www.tagis.org

Associação Amigos do Rio OvelhaLugar do Passal - Várzea de Ovelha e Aliviada

4635-622 Marco de Canaveses

Fax: 255 521 771

[email protected]

www.rioovelha.com

`Área envolvente: zona de lazer

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Parques e Vida Selvagem Outono 2008

47

A Associação dos Amigos do Parque Biológico de Gaia envia todos os

meses aos sócios informações sobre as actividades que se desenrolam

a curto prazo.

Manda a época que as castanhas se soltem dos ouriços espinhosos e

mostrem a pequenos e graúdos o castanho lustroso que alegra a vista.

Por isso, sábado, 8 de Novembro, entre as 14h00 e as 17h00, há colheita

de castanhas e magusto.

Depois, a fogueira que juntou antepassados por milénios no culto do

conforto primitivo, reaviva-se e faz brilhar os olhos dos mais novos quando

se aventuram a saltá-la. Quem quiser participar tem de se inscrever,

devendo contactar os serviços do Parque Biológico.

Noutras actividades, basta aparecer. É o caso da abertura da exposição

de fotografia da natureza PARQUES E VIDA SELVAGEM.

Abre dia 1 de Novembro, às 15h00, no Centro de Acolhimento do Parque

Biológico de Gaia a mostra fotográfica da edição de 2008 do concurso

nacional de fotografia que encerrou dia 1 de Outubro. Haverá nessa hora

a entrega de prémios segundo deliberação do júri, este ano composto

por Ricardo Fonseca, Pereira de Sousa e Nuno Gomes Oliveira.

Não esquecer que, para além destas e de outras actividades, as quotas

em dia do sócio da Associação dos Amigos do Parque Biológico de Gaia

lhe permitem visitar o Parque sempre que lhe apetecer sem custos de

entrada.

Amigos do Parque

Ciência do cidadão

Magusto

Foto: João L. Teixeira

Actualmente, as pessoas com conhe-

cimentos sobre as aves não estão

necessariamente enquadradas numa

actividade profissional ligada à biologia. Um

ornitólogo pode ser profissional ou amador.

Pode ser professor e investigador numa

universidade, técnico numa organização

dedicada à conservação das espécies e dos

habitats ou numa empresa de consultoria

ambiental. Mas também pode ser um

cidadão comum, que para além da sua

actividade profissional, qualquer que seja,

tem o passatempo da observação de aves.

Desenhar, fotografar ou simplesmente observar aves é uma das actividades

de convívio com a natureza mais populares em todo o mundo. Os chamados

«birdwatchers» são mais de 80 milhões a nível mundial. Estas pessoas

vão para o campo nos seus tempos livres simplesmente porque a actividade

de passear e observar aves lhes dá prazer. A actividade lúdica destes

milhões de pessoas é cada vez mais útil à ciência e à conservação da

natureza. Este é o processo denominado Citizen Science (Ciência do

Cidadão), em que o tempo livre de dezenas de milhares de observadores

é usado para recolha de dados em larga escala de uma forma padronizada.

Este trabalho é feito de uma forma voluntária mas baseada no rigor técnico

e científico de programas académicos e institucionais. Um exemplo é a

monitorização das populações de aves comuns no Reino Unido. O trabalho

de campo é realizado por mais de mil voluntários especializados na

observação de aves, que todas as primaveras

dão algum do seu tempo livre para recolher

informação quantitativa sobre a abundância

de aves numa quadrícula que lhes é atribuída.

Essa informação é então enviada para as

entidades que coordenam esse programa,

que a tratam e divulgam nos canais

adequados. Este tipo de monitorização é

desenvolvido em todos os países da Europa

pelos parceiros da BirdLife International,

incluindo a SPEA. Este trabalho científico

desenvolvido com a participação essencial

do cidadão comum é usado pelos governos

nacionais e pela União Europeia para produzir índices de biodiversidade

e indicadores do desenvolvimento sustentável e da qualidade do ambiente

na Europa.

A SPEA tem três programas principais de Citizen Science, o CAC - Censo

de Aves Comuns, desenvolvido na Primavera, o CANAN – Contagens de

Aves no Natal e Ano Novo, desenvolvido no Inverno, e os Dias RAM,

específico para aves marinhas.

Se quiser saber mais sobre o funcionamento e a participação nestes

programas, deve procurar na página Web da SPEA.

SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das AvesAvenida da liberdade, nº 105 - 2º - esq. 1250 - 140 LisboaTel.: 21 322 0430 / Fax: 21 322 04 39 - E-mail: [email protected]ágina da Internet: www.spea.pt

Associação dos Amigos do Parque Biológico de Gaia

Parque Biológico de Gaia

4470-757 AVINTES

Tel. 227878120 - [email protected]

Colaboradora do Censo de Aves Comuns em acçãoFoto: Ricardo MartinsColaboradora do Censo de Aves Comuns em acçãoFoto: Ricardo Martins

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Prados-de-lima e paisagemde bocage: um património culturale natural a preservarAs grandes mudanças climáticas pleistocénicas,

com avanços e recuos dos gelos continentais

(glaciações), provocaram alterações nos

ecossistemas do Hemisfério Norte. Assim, o

nosso território esteve coberto de variados

ecossistemas florestais diferentes dos actuais.

Antes da última glaciação (Würm), já com a

espécie humana a viver por cá, com um clima

subtropical e húmido, este “jardim europeu à

beira-mar plantado” esteve coberto de uma

floresta de lenhosas sempre-verdes (folhagem

persistente), com composição semelhante à

que se observa, ainda hoje, nalgumas ilhas da

Macaronésia [Açores, Cabo Verde (sem essa

floresta), Canárias e Madeira]. Nestes

arquipélagos essa floresta (laurisilva) não foi

devastada pela última glaciação, porque as ilhas,

estando rodeadas de água, um líquido termo-

regulador, as temperaturas não atingiram os

baixos valores das regiões continentais. Assim,

a laurisilva sobreviveu ali, enquanto foi destruída

nas regiões continentais.

Este ecossistema [(laurisilva), do latim laurus =

loureiro e silva = floresta] é assim designado por

ser um tipo de floresta com árvores da família

das Lauráceas, como o loureiro (Laurus nobilis,

do continente europeu e Laurus azorica, das

referidas ilhas), o til (Ocotea foetens), o vinhático

(Persea indica) e o barbuzano (Apollonias

barbujana).

Durante a última glaciação (Würm) o nosso país

passou a ter um clima extremamente frio. Assim,

praticamente desaparece a laurisilva, passando

a ter uma cobertura florestal semelhante à actual

taiga que circunda a parte continental norte do

globo terrestre, em torno do círculo polar árctico.

São disso testemunha as relíquias glaciárias do

pinheiro-da-casquinha (Pinus sylvestris) que

ainda se encontram em algumas das zonas

montanhosas mais frias do Parque Nacional da

Peneda-Gerês.

Após as glaciações, com o desaparecimento

da laurisilva e da taiga, o respectivo nicho

ecológico continental foi ocupado por uma nova

floresta, geralmente designadas por carvalhais,

com espécies arbóreas mais adaptadas ao novo

clima. Entre essas espécies lenhosas

predominam árvores caducifólias (folhagem

caduca) da família das Fagáceas, como os

carvalhos (espécies do género Quercus), o

castanheiro (Castanea sativa) e a faia (Fagus

sylvatica). Esta última chegou naturalmente só

até à vizinha Galiza, tendo sido introduzida no

nosso país antropicamente (acção humana).

Portanto, quando a nossa espécie (Homo

sapiens) se instala na Península Ibérica (há ±40-35 mil anos), em plena última glaciação

(Würm) vai “assistir” e talvez “colaborar” na

formação desta floresta, que em Portugal é uma

floresta mista de lenhosas caducifólias e de

algumas sempre-verdes (relíquias da laurisilva).

As populações humanas primitivas, assim como,

mais tarde, os lusitanos viviam desta floresta

que lhes fornecia caça, peixe, frutas, farinha de

bolota para o pão (não conheciam o trigo),

castanha (substituída pela batata após os

Descobrimentos) e verduras (veiças). É disto

testemunho o que Estrabão refere ao descrever

o povo que os fenícios encontraram (primeira

idade do Ferro) neste extremo ocidental europeu

[“Todas as tribos da montanha vivem de um

modo simples, bebem água e dormem no chão

nu. Os homens usam o cabelo longo, como as

mulheres; durante a batalha prendem-no com

uma faixa. Em geral comem carne de cabra....

Dois terços do ano vivem de bolotas, que secam,

pilam, amassam e transformam em pão, a fim

de terem provisões. Também fazem cerveja.

48 CRÓNICA

Figura 1B - Paisagem de “bocage” e espigueiros; Soajo, TesoFigura 1A - Paisagem de “bocage”; encosta da ribeira da Lapa (Serra do Soajo)

Por Jorge Paiva, biólogoDepartamento de Botânica da Universidade de [email protected]

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Falta-lhes o vinho,.... Em vez de azeite usam

manteiga....Para beber fazem uso de vasilhas

de madeira, como os Celtas.... O seu vestuário

consiste, geralmente, numa capa negra sobre

a qual dormem no chão; mas as mulheres

gostam de trajes coloridos. O seu sal é púrpuro-

avermelhado (provavelmente por conter a

microalga Dunaliella salina), mas torna-se branco

ao ser triturado.”]. São também testemunho

disto os pães de castanha ou pão dos bosques,

a “bola sovada” (falacha) e “pratos relíquias” à

base de castanha, como o paparote ou caldulo

que ainda se comem em algumas regiões beirãs,

e, ainda, alguma “actividade social” baseada na

castanha, como os magustos, estando as

brechas (apanha prévia, pela garotada) e os

rebuscos (apanha das sobras pelos aldeões de

fracos recursos) praticamente em desuso.

Quando o homem inicia o cultivo de cereais

(centeio e cevada na Península Ibérica) e a

domesticação de animais (cabra, ovelha e porco)

há cerca de 8-7 mil anos, inicia-se a degradação

das florestas. Desta maneira, uma parte das

montanhas do Norte do país, como, por exemplo,

a serra de Castro Laboreiro, talvez já estivesse

com a floresta muito degradada no início da

nossa nacionalidade. A riqueza arqueológica

dessa região (mamoas, castros, etc.) assim o

comprova. Essa degradação continuou depois

com a pastorícia e agricultura rural até aos nossos

dias, de que as brandas, inverneiras, vezeiras,

socalcos e prados-de-lima são ainda testemunho

desse património cultural a preservar.

Os europeus sempre utilizaram os carvalhais,

alterando a respectiva composição, estrutura e

biodiversidade durante milénios, até os degradar

completamente, fazendo-os desaparecer de

vastas áreas da Europa. Os carvalhais,

particularmente aqueles com dominância do

carvalho-alvarinho (Quercus robur), são dos

ecossistemas florestais europeus de maior

biodiversidade e de solos mais ricos. Por isso,

a sociedade humana não só se utilizou da

referida elevada biodiversidade como base

alimentar e provisão de madeira e lenha, como

também, mais tarde, com a necessidade de

agricultar por diminuição da área florestada,

resultante do contínuo e lento derrube por acção

antrópica, se aproveitou do respectivo solo para

conseguir campos agrícolas e prados para

pastagens.

Assim, na área florestada nas encostas das

montanhas do Centro e Norte de Portugal, a

população rural, para suprir as necessidades,

particularmente alimentares, ordenou o território

em zonas de pastoreio, de cultivo e de floresta.

Como a região é montanhosa, para atenuar as

encostas, evitar a erosão e permitir nelas a

agricultura, o terreno foi armado em socalcos,

também designados por quelhadas, circundados

por sebes vivas, onde dominam árvores, algumas

remanescentes dos carvalhais, constituindo a

designada paisagem de “bocage”, um galicismo,

do francês bois: bosque ou bocage, arvoredo,

mata ou souto. Os muros de suporte destes

socalcos foram construídos com pedras

(graníticas no Norte e xistosas nos vales das

montanhas de xisto da região ± central) soltas

e sobrepostas, sem argamassa a uni-las. Esta

paisagem, em vias de desaparecimento, devido

à mecanização e “industrialização” da agricultura,

deve ser preservada como “Património Cultural

Mundial”, tal como já foi classificada a paisagem

de socalcos vinhateiros das encostas da bacia

transmontana do rio Douro. Mas, estes socalcos

das vinhas do Douro têm uma biodiversidade

muito menor do que a dos socalcos da paisagem

de “bocage” (Figura 1), pois basta não estarem

ladeados de árvores e utilizarem-se herbicidas

nestas vinhas. Assim, por maioria de razão, esta

paisagem de “bocage” tem de ser preservada,

pois além de um “Património Cultural” é também

um “Patr imónio Natural” de e levada

biodiversidade. Por outro lado, com os campos

agrícolas ladeados de árvores, os agricultores

não têm necessidade de utilizar insecticidas,

pois as aves insectívoras não só habitam o

referido arvoredo, como também nidificam

nessas árvores. Por isso, “controlam” a

quantidade de insectos, não os deixando

aumentar desmesuradamente. Os agricultores

podem, assim, ter uma ou outra peça de fruta

“bichada”, mas a maioria está em condições de

ser comercializada e consumida. Com a

agricultura mecanizada, efectua-se, na maioria

das vezes, emparcelamentos, com o

consequente derrube de árvores, o que implica

a “obrigação” do uso de insecticidas e até de

fertilizantes químicos, pois sem os animais de

tracção não há adubo orgânico (estrume)

resultante das “camas” do gado, o que, aliás,

é um óptimo processo de reciclagem (Figura 2).

Por essa razão, nos agregados populacionais

dessa paisagem de “bocage”, não havia

necessidade de recolha de lixo, pois todo o lixo

orgânico (estrume) era reciclado nos campos

ou pelo gado suíno (sobras das refeições). É de

salientar que a população usava para as “camas”

do gado, predominantemente giestas, carqueja

e algum tojo. Estas plantas são leguminosas,

uma família (Fabaceae ou Leguminosae) de

plantas muito ricas em proteínas (azoto, portanto)

por terem uma associação simbiótica (proveito

mútuo) nas raízes (nodosidades), com uma

bactéria (Rhizobium leguminosarum) fixadora

do azoto atmosférico. Assim, com esse tipo de

adubação (estrumação) os agricultores

repunham o azoto que, no entretanto, as plantas

de cultivo (cevada, centeio, milho, etc.) tinham

consumido. Era também por isso que nos baldios

utilizados para o pastoreio, os camponeses

nunca fizeram carvão a partir da toiça das

giestas, tojos e carqueja, mas sim da toiça das

urzes. Assim, aquelas leguminosas adubavam

naturalmente esses baldios através dessas toiças

subterrâneas, de modo a que as ervas

crescessem com alguma pujança entre arbustos

e subarbustos. O gado, ao alimentar-se nestes

“pastos” adubados naturalmente, produzia

bastante leite e carne de muito boa qualidade.

Por isso, os camponeses levavam e ainda levam

(particularmente no Verão) o gado para os baldios

das áreas montanhosas não cultivadas. Nas

regiões montanhosas do Noroeste do país ainda

subsiste esta forma comunitária de pastoreio,

em que o gado (caprino, ovino e, particularmente,

o bovino) é levado em conjunto (dos diversos

proprietários da aldeia) para esses baldios

elevados, sendo os animais guardados, à vez,

por um dos respectivos proprietários ou pasto.

Esta forma comunitária de pastoreio é conhecida

por vezeiras.

A vivência e dependência da população rural

deste tipo de agro-sistema induziu a outros

hábitos rurais, que ainda persistem nalgumas

áreas do Parque Nacional da Peneda-Gerês,

como o hábito de abandonarem as aldeias dos

49

Figura 2 - Adubação com reciclagem e vinha em bardo; Covide(Serra do Gerês)

Figura 3B - Inverneiras; Vales do rio Pomba e do rioPeneda (Serra da Peneda)

Figura 3A - Inverneiras; Vale do rioPomba (Serra da Peneda)

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vales, onde vivem durante o Inverno [inverneiras

(Figura 3), com as moradias, caiadas e bem

cuidadas], deslocando-se, durante o Verão, para

aldeamentos [verandas ou, por permuta do b

por v, brandas (Figura 4), com moradias pouco

visíveis por serem de paredes de pedra,

não caiadas, confundindo-se com a montanha

granítica circundante] situados nas zonas mais

elevadas (muito frias durante o Inverno), mais

próximos da zonas de pastoreio e de socalcos

mais frescos.

Nalguns socalcos o sistema de rega e adubação

é extraordinariamente engenhoso, como, por

exemplo, nos socalcos do vale do rio Pracais e

do vale do rio Unha (Pampilhosa da Serra),

afluentes do rio Zêzere. Nestes socalcos há canais

de paredes rochosas (granítica ou xistosa), abertos

por baixo da terra arável, que escoam a água

através dos socalcos, desde o socalco superior

até ao inferior, podendo ser reservada

temporariamente em pequenos depósitos laterais,

também rochosos. Assim, economiza-se água

e estrume, pois a água transporta parte dos

nitratos do estrume dos socalcos superiores para

os inferiores.

Actualmente, no Norte e montanhas do Centro

do país, muitos destes socalcos estão ladeados

por vinhas em latada [a terra é fria e a videira

(planta mediterrânica) tem de ser elevada para

produzir], ou vinhas em bardo ou beirado (filas

de videiras ligadas entre si e suportadas por

estacas, geralmente graníticas), ou vinhas de

enforcado (filas de videiras ligadas entre si e

suportadas por árvores podadas, geralmente

castanheiros, carvalhos, oliveiras, plátanos ou

choupos).

Além da referida paisagem de socalcos para a

agricultura, há ainda a necessidade de prados

para o gado pastar na Primavera e Verão, quando

os socalcos, próximos das inverneiras, estão

cultivados de cereais e legumes e não há baldios

circundantes. Mas estes prados não só não

podem ser em socalco, para que o gado, ao

saltar de um socalco para o outro, não corra o

risco de fracturar ossos de qualquer dos

membros, implicando ao abate do animal, como

também é necessário que o prado esteja sempre

húmido, isto é, irrigado. Por essas razões, nestas

regiões mantém-se ainda uma forma de irrigação

multicentenária nos prados dos terrenos de

encosta onde não há perdas de água e que

parece só ter sido desenvolvida no Noroeste da

Península Ibérica, na Suécia e no México. Consiste

num sistema de valas principais ao longo da

encosta donde partem outras secundárias e

destas vários regos laterais que permitem a

distribuição equilibrada e ininterrupta da água

sobre o terreno (água de lima), de forma a irrigá-

lo totalmente, não a deixando congelar nas

épocas frias e não provocando a erosão do solo,

pois a água circula por imensos regos bastante

ramificados. São os conhecidos prados-de-lima

ou lameiros (Figura 5). Estes belíssimos prados,

também devem ser preservados como

“Património Cultural e Natural”, pois, por estarem

sempre irrigados, incorporam uma biodiversidade

bastante elevada. No Norte há prados destes de

extrema beleza, como os da região de Lamas

de Mouro (Serra da Peneda), de Pitões das Júnias

(planalto da Mourela) e os dos vales do rio Cávado

(Paradela, Parada, Outeiro e Paredes) e do Rio

Mau (Covelães e Travassos)

Nas montanhas graníticas do Parque Nacional

da Peneda-Gerês existem lindíssimos vales em

que subsiste esta forma comunitária de agro-

sistemas e de pastoreio, como o já referido vale

do rio Pomba (inverneiras: Tibo, Rouças,

Gavieira e Bouça dos Homens; brandas:

Gorbelas, Junqueira, Busgalinhos e S. Bento

do Cando) e o vale do rio Laboreiro [inverneiras,

margem direita: Laceiras, Dejanabre (João Alvo),

Ramisqueira, Barreiro, Assureira, Podre, Ajagoa,

Dorna, Entalada, Pontes e Mareco; margem

esquerda: Varziela, Cainheiras, Bico, Corveira,

Bago de Cima, Bago de Baixo, e Ameijoeira;

brandas, margem direita: Falagueiras,

Queimadelo, Adofreire, Outeiro, Antões e

Rodeiro; margem esquerda: Portela Formarigo,

Teso, Campelo, Curral do Gonçalo, Eiras,

Padresouro, Seara, Portos de Cima (Lantemil],

assim como nas montanhas de xisto da Área

Protegida da Serra do Açor, como os vales do

rio Égua (Chãs de Égua, Eira da Bôcha, Pés

Escaldados, Barreiros, Covita, Moinhos, Foz de

Égua e Torno) (Figura 6) e vales da bacia da

ribeira de Pomares (Moura da Serra, Mourisia e

Sobral Gordo no vale da ribeira da Mourisia;

Souto da Serra e Sobral Magro, no vale da

ribeira das Fontainhas).

Façamos votos para que alguma entidade

proponha estes agro-sistemas para Património

Mundial, antes que desapareçam.

50 CRÓNICA

Figura 4 - Branda de Bordença (Adrão) Figura 5A - Prados-de-lima; entre Paredes e Covelães (Montalegre)

Figura 6 - Vale do rio Égua e casas de xisto (Pés Escaldados, Serra do Açor)Figura 5B - Prados-de-lima; Pitões das Júnias (Montalegre)

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