anno i - numero i 500 rs. maio - 1928 revista … a vacca bohemia, de pata pitoca, vae toda faceira,...

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ANNO I - NUMERO I 500 rs. MAIO - 1928 Revista de Jfatropofa|ia Direção de ANTÔNIO DE ALCÂNTARA MACHADO ENDEREÇO: 13, RUA BENJAMIM CONSTANT - 3 . ° PAV. SALA 7 - CAIXA POSTAL N.° 1.269 Gerencia de RAUL BOPP SÃO PAULO ABRE-ALAS Nós éramos xifópagos. Quási chegamos a ser deródimos. Hoje somos antropófagos. E foi assim que chegamos á perfeição. Cada qual com o seu tronco mas ligados pelo figado ( o que quer dizer pelo ódio) mar- chávamos numa só direcção. Depois houve uma revolta. E para fazer essa revolta nos unimos ainda mais. Então formamos um só tronco. De- pois o estouro: cada um de seu lado. Viramos ca- nibais. Aí descobrimos que nunca havíamos sido outra cousa. A geração actual coçou-se: apare- ceu o antropófago. O antropófago: nosso pai. principio de tudo. Não o índio. O indianismo é para nós um prato de muita sustância. Como qualquer outra escola ou movimento. De ontem, de hoje e de amanhã. Daqui e de fora. O antropófago come o índio e come o chamado civilizado: só êle fica lambendo os dedos. Pronto para engulir os ir- mãos. Assim a experiência moderna (antes: con- tra os outros; depois: contra os outros e contra nós mesmos) acabou despertando em cada con- viva o apetite de meter o garfo no vizinho. Já começou a cordeal mastigação. Aqui se processará a mortandade (esse car- naval). Todas as oposições se enfrentarão. Até 1923 havia aliados que eram inimigos. Hoje há inimigos que são aliados. A diferença é enorme. Milagres do canibalismo. No fim sobrará um Hans Staden. Esse Hans Staden contará aquillo de que escapou e com os dados dele se fará a arte próxima futura. E' pois aconselhando as maiores precauções que eu apresento ao gentio da terra e de todas as terras a libérrima REVISTA DE ANTRO- POFAGIA. E arreganho a dentuça. Gente: pode ir pondo o cauim a ferver. Antônio de Alcântara Machado. ,— MANHÃ O jardim estava em rosa, ao pé do Sol E o ventinho de mato que viera do Jaraguá Deixando por tudo uma presença de água Banzava gosado na manhã praceana. Tudo limpo que nem toada de flauta. A gente si quizesse beijava o chão sem formiga, A bocea roçava mesmo na paisagem de cristal. Um silêncio nortista, muito claro! As sombras se agarrando no folhedo das árvores Talqualmente preguiças pesadas. O Sol sentava nos baricos, tomando banho-de-luz. Tinha um sossego tão antigo no jardim, Uma fresca tão de mão lavada com limão Era tão marupiara e descansante Que desejei... Mulher não desejei não, desejei... Si eu tivesse a meu lado ali passeando Suponhamos, Lenine, Carlos Prestes, Gandhi, um desses !... Na doçura da manhã quasi acabada Eu lhes falava cordialmente:—Se abanquem um bocadinho E havia de contar pra eles os nomes dos nossos peixes Ou descrevia Ouro Preto, a entrada de Vitoria, Marajó, Coisa assim que puzesse um disfarce de festa No pensamento dessas tempestades de homens. MARIO DE ANDRADE "ftli vem a nossa comida pulando" (V. Hans Staden - Cap. 28)

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ANNO I - NUMERO I 5 0 0 rs. MAIO - 1928

Revista de Jfatropofa|ia Direo de ANTNIO DE ALCNTARA MACHADO

ENDEREO: 13, RUA BENJAMIM CONSTANT - 3. PAV. SALA 7 - CAIXA POSTAL N. 1.269

Gerencia de RAUL BOPP

SO PAULO

ABRE-ALAS

Ns ramos xifpagos. Qusi chegamos a ser derdimos. Hoje somos antropfagos. E foi assim que chegamos perfeio.

Cada qual com o seu tronco mas ligados pelo figado ( o que quer dizer pelo dio) mar-chvamos numa s direco. Depois houve uma revolta. E para fazer essa revolta nos unimos ainda mais. Ento formamos um s tronco. De-pois o estouro: cada um de seu lado. Viramos ca-nibais.

A descobrimos que nunca havamos sido outra cousa. A gerao actual coou-se: apare-ceu o antropfago. O antropfago: nosso pai. principio de tudo.

No o ndio. O indianismo para ns um prato de muita sustncia. Como qualquer outra escola ou movimento. De ontem, de hoje e de amanh. Daqui e de fora. O antropfago come o ndio e come o chamado civilizado: s le fica lambendo os dedos. Pronto para engulir os ir-mos.

Assim a experincia moderna (antes: con-tra os outros; depois: contra os outros e contra ns mesmos) acabou despertando em cada con-viva o apetite de meter o garfo no vizinho. J comeou a cordeal mastigao.

Aqui se processar a mortandade (esse car-naval). Todas as oposies se enfrentaro. At 1923 havia aliados que eram inimigos. Hoje h inimigos que so aliados. A diferena enorme. Milagres do canibalismo.

No fim sobrar um Hans Staden. Esse Hans Staden contar aquillo de que escapou e com os dados dele se far a arte prxima futura.

E' pois aconselhando as maiores precaues que eu apresento ao gentio da terra e de todas as terras a librrima REVISTA DE ANTRO-POFAGIA.

E arreganho a dentua. Gente: pode ir pondo o cauim a ferver.

Antnio de Alcntara Machado.

, M A N H

O jardim estava em rosa, ao p do Sol

E o ventinho de mato que viera do Jaragu

Deixando por tudo uma presena de gua

Banzava gosado na manh praceana.

Tudo limpo que nem toada de flauta.

A gente si quizesse beijava o cho sem formiga,

A bocea roava mesmo na paisagem de cristal.

Um silncio nortista, muito claro!

As sombras se agarrando no folhedo das rvores

Talqualmente preguias pesadas.

O Sol sentava nos baricos, tomando banho-de-luz.

Tinha um sossego to antigo no jardim,

Uma fresca to de mo lavada com limo

Era to marupiara e descansante

Que desejei. . . Mulher no desejei no, desejei. . .

Si eu tivesse a meu lado ali passeando

Suponhamos, Lenine, Carlos Prestes, Gandhi, um desses !...

Na doura da manh quasi acabada

Eu lhes falava cordialmente:Se abanquem um bocadinho

E havia de contar pra eles os nomes dos nossos peixes

Ou descrevia Ouro Preto, a entrada de Vitoria, Maraj,

Coisa assim que puzesse um disfarce de festa

No pensamento dessas tempestades de homens.

MARIO DE ANDRADE

"ftli vem a nossa comida pulando" (V. Hans Staden - Cap. 28)

Revista de Antropofagia

RESOLANA P o e m a

O mormao a fumaa da macega. Treme o longe diludo na quentura. O boi desce a recosta em procura da sombra

mas pra logo, abombado. L no alto, voando, voando, bebendo o azul,

subindo sempre urubu. Feliz. . . O calor queima a terra, ferve no ar. (Memria de marulhos

gosto de espuma limo areia branca) A cabea do alazo uma chamma esbelta

cortando o campo a trote largo. Vejo as orelhas agudas que se movem,

sinto o corpo fremente do cavallo.

E ha tanta harmonia entre o choque dos cascos e o meu tronco agitado na vibrao febril, que eu compreendo a gloria animal da carreira: vou!

enrolado na fora do sol.

(Rio Grande do Sul) Do livro "Giraluz"

AUGUSTO MEYER

Esto no Prelo

LARANJA DA CHINA DE

Antnio de Alcntara Machado E

MACUNAIMA DE

Mario de Andrade

A sair brevemente

M a r t i m - S e r e r VERSOS

DE

Cassiano Ricardo E

Republica dos E. U. do Brasil POEMAS

DE

MENOTTI D E PICCHIA

Ella vae sozinha, tropeando nas colheitas. Bate-lhe o sol nos hombros. Ella sente que um gosto.

humano deflora-lhe a bocca e illumina-a de absurdos.

Parece que um choro quer sorrir dentro de si. Parece que o sangue dentro de si quer matal-a e jogar-lhe clares por cima.

Aquillo o universo que se despenha dos seus cabellos.

(Par) ABGUAR BASTOS

URA, os f i lms que assombram o mundo

REPRESENTANTE

Gustavo Zieglitz RUA DOS ANDRADAS, 42

SO PAULO

Vacca Christina

A vacca Christina, de madrugada, Vem de belengue no longo da rua. Uei, Olha o leite da vacca Christina!

No Bango lambido de luzes escassas Estira-se a larga madrugada molle. Amontoa-se a garoa mida. E l adeante. Roda a carroa do lixo da noite. Uei, Quem quer leite da vacca Christina?

E a vacca bohemia, de pata pitoca, Vae toda faceira, enfeitada de fita Vae ver as comadres atraz dos tabiques Uei, Viva as tetas da vacca Christina!

E passa a patrulha noturna da zona. E' a hora em que o Bango cansado cochila. Somente enche o resto da noite deserta O belengue molango no longo da rua: Uei, Quem que o leite da vacca Christina?

Jacob Pim>Pim.

Do livro a sahir: "Ai, seu M".

Revista de Antropofagia

MANIFESTO ANTROPFAGO S a antropofagia nos une. Social-

mente. Economicamente. Philoso-phicamente.

nica lei do mundo. Expresso mascarada de todos os individualis-mos, de todos os collectivismo. De todas as religies. De todos os trata-dos de paz.

pobre declarao dos direitos do homem.

A edade de ouro annunciada pela America. A edade de ouro. E todas as girls.

Tupy, or not tupy that is the question.

Contra toda as cathecheses. contra a me dos Gracchos.

Filiao. O contacto com o Brasil Carahiba. O Villeganhon print ter-re. Montaigne. O homem natural. Rousseau. Da Revoluo Francesa ao Romantismo, Revoluo Bol-chevista, Revoluo surrealista e ao brbaro technizado de Keyserl-ing. Caminhamos.

S me interessa o que no meu. Lei do homem. Lei do antropfago.

Nunca fomos cathechisados. Vive-mos atravez de um direito sonam-bulo. Fizemos Christo nascer na Ba-hia. Ou em Belm do Par.

Estamos fatigados de todos os ma-ridos catholicos suspeitosos postos em drama. Freud acabou com o enigma mulher e com outros sustos da psychologia im-pressa.

Mas nunca admittimos o nasci-mento da lgica entre ns.

S podemos attender ao mundo orecular.

Tnhamos a justia codificao da vingana A sciencia codificao da Magia. Antropofagia. A transfor-mao permanente do Tabu em to-tem.

Contra o mundo reversivel e as idas objectivadas. Cadaverizadas. O stop do pensamento que dyna-mico. O indivduo victima do syste-ma. Fonte das injustias clssicas. Das injustias romnticas. E o es-quecimento das conquistas interio-res.

Roteiros. Roteiros. Roteiros. Ro-teiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros.

O instincto Carahiba.

O que atropelava a verdade era a roupa, o impermevel entre o inundo interior e o mundo exterior. A reaco contra o homem vestido. O cinema americano informa-r.

Filhos do s o l , me dos viventes. Encontrados e ama-dos ferozmente, com toda a hypocrisia da saudade, pelos im-migrados, pelos tra-ficados e pelos tou-ristes. No paiz da cobra grande.

Foi porque nun-ca tivemos gram-maticas, nem col-leces de velhos vegetaes. E nunca soubemos o que era urbano, suburbano, fronteirio e continental. Preguiosos no mappa mundi do Brasil.

Uma conscincia participante, uma rythmica religiosa.

Contra todos os importadores de conscincia enlatada. A existncia palpvel da vida, E a mentalidade prelogica para o Sr. Levy Bruhl estudar.

Desenho de Tarcilu 1928 De um quadre que figurar na sua prxima exposio de Junho na galeria Pcrcier, em Paris.

Morte e vida das hypothe-ses. Da equao eu parte do Kosmos ao axioma Kosmos parte do eu. Subsistncia. Co-nhecimento. Antropofagia.

Contra as elites vegetaes. Em communicao com o solo.

Nunca fomos cathechisados. Fizemos foi Carnaval. O indio vestido de senador do Imprio. Fingindo .de Pitt. Ou figuran-do nas operas de Alencar cheio de bons sentimentos portugue-zes.

J tnhamos o communismo. J t-nhamos a lngua surrealista. A eda-de de ouro. Catiti Catiti Imara Noti Noti Imara Ipej

Queremos a revoluo Carahiba. Maior que a revoluo Francesa. A unificao de todas as revoltas ef-ficazes na direco do homem. Sem ns a Europa no teria siquer a sua

Contra o Padre Vieira. Autor do nosso primeiro emprstimo, para ganhar commisso. O rei analpha-beto dissera-lhe: ponha isso no papel mas sem muita lbia. Fez-se o em-prstimo. Gravou-se o assucar bra-sileiro. Vieira deixou o dinheiro em Portugal e nos trouxe a lbia,

O espirito recusa-se a conceber o espirito sem corpo. O antropomor-fismo. Necessidade da vaccina an-tropofagica. Para o equilbrio contra as religies de meridiano. E as in-quisies exteriores.

A magia e a vida. Tnhamos a re-lao e a distribuio dos bens phy-sicos, dos bens moraes, dos bens di-gnados. E sabiamos transpor o nys-terio e a morte com o auxilio de al-gumas formas grammaticaes.

Perguntei a um homem o que era o Direito. Elle me respondeu que era a garantia do exerccio da pos-sibilidade. Esse homem chamava-se Galli Mathias. Comi-o

S no ha determinismo - onde ha mistrio. Mas que temos ns com isso?

Continua na Pagina 7

Revista de Antropofagia

SEIS ROETAS PBDRO-JUAN VIQNALE Sen-tmiento de Germana Buenos Aires 1927.

Os versos so de uma ternura forte e grave. Muito differente daquele picguis-mo rimado dos poetas que sussurram no rimado dos poetas que sussurram no ouvidinho da amada. Pedro-Juan Vignale, maestro e entomlogo, ama moderna. E poeta moderna. Seus ditirambos em honra de Germana no so declaraes de namorado bisonho: antes de que tem f convencida e invencvel num senti-mento muito alto mas palpvel. Nada de dvidas cruciantes ou queixumcs suspi-rados. Nenhuma aluso morte salva-dora.

Atravs da mulher o poeta ama a terra onde ela nasceu: esta terra. Sentir uma sentir a outra.

En tus manos vidas traes los cielos dei Brasil

Ouvindo a voz cllda de trpico que le v

esa tarde paulista exprimirse obre ei Tiet hasta inundarlo

O" que positivamente lindo.

Esse contracto de poeta, to profun-damente vigoroso com o tema lrico Bra-sil ainda nos dar (penso eu) muita cou-sa tima.

JORGE FERNANDES Livro de poemas Natal 1927.

A poesia de Jorge Fernandes machuca. Deante dela fica-se com vontade de gri-tar como o prprio poeta na Enchente:

L vem cabeada... E vem mesmo. Poesia bandoleira, vio-

lenta, golpeando a sensibilidade da gente que nam o tej brigando com a cobra: Lxo! lxo t

Ao lado disso uma afeio carnal e selvagem pela terra sertaneja como de-monstra entre outras a explndida Can-(5o do inverno. E. feitio rjide de dizer as cousas. Jorge Fernandes tem a mo dura: tira lascas das paisagens que caem nas unhas dele. MSo de derrubar sem du-vida. Aquella mesma trabalhadeira e l-rica Mio nordestina que d o nome a uma de suas poesias mais caractersticas.

Outra cousa: Jorge Fernandes fala uma lngua que ns do Sul ainda no com-preendemos totalmente mas sentimos ad-mirvel. Eu pelo menos no percebo tre-chos e trechos de vrias poesias suas. No entanto gosto deles. O poema Avoetes por exemplo (no sei se por causa da construco particularfssima de certas frazes) espanta como o desconhecido. E bonito que s vendo.

O autor do Livro de poemas eviden-temente est passando por um perodo dodo de auto-crtica de que sair melho-rado com' certeza. le mesmo reconhece isso e caoa de suas remmiscncias par-nasianas. Da uma poro de pequenos defeitos nas vsperas de completo- desa-parecimento. Ou eu muito -me engano.

JORGE D LIMA Poemas e Essa negra Fido Macei 1927 1928.

A ascenso de Jorge de Lima ma delcia. De soneto Acendedor de lam-peSes ao poema Essa negra Fulfl. Su-jeito inteligente como poucos soube pro-curar e achou. Abenoado Manuel Ban-deira.

Dos Poemas eu separo G. W, B. R. Gostosura de lirismo vagabundo, alegre, levado dos diabos. D vontade na gente de repetir a viajem tendo o poema bem guardado na memria. Separo esse por ser o meu predileto. Mas no o nico notvel. Rio de So Francisco tambm me agrada bastante. Bala de Todos os Santos, Santa Dica, Floriano-Padre Cf-cero-Lampeo' igualmente tm cousas que a gente no esquece. Principalmente o primeiro. E do magnfico ChangA pula um bodum danado, rebenta um ritmo infernal. Intil querer resistir.

De vez em quando uma descaida sen-timental ou pueril, livresca, oratria ou conceituosa que desaponta mas no as-sombra. Porque no assim to facil-mente que se Tompe com certos cacoetes literrios. No v. A cousa dura como qu. No tem importncia: Jorge de Li-ma est ficando cada vez mais escovado. Por isso duvido muito que em seus livros futuros apaream versos como Ora&o, Meninice, Poemas dos bons fradinhos,

Revista de Antropofagia

P O E S I A

(Especial, pra a "Revista de Antropofagia")

F O M E

Em jejum, na mesa do "Caf Guarany",

O poeta antropfago rima e metrifica o amorzi-

[nho de sua vida.

Elle tem saudades de ti.

Elle quer chamar " t i " de: estranha voluptuo-

[sa linda querida.

Elle chama " t i " de: gostosa quente ba

[ comida.

Guilherme de Almeida.

A LNGUA TUPY PLNIO VALGADO

A LNGUA T U P Y

A lngua tupy deve ser estudada com um novo critrio. A contribuio de todos os que escreveram grammaticas e dic-cionarios do idioma falado pelos nossos selvagens certamente muito valiosa, e serve-nos hoje de inicio para as nossas procuras curiosas. Mas os que estudaram o tupy, nos primeiros sculos da colo-nizao inspiravam-se num critrio arca-dico, do mesmo modo que, considcando c indio, tomavam-no sob o ponto de vista da catechese. Perodo de Anchieta, depois de Montoya, de Filgueiras. E preciso notar o caracter, de utilidade pratica im-mediata, desses estudos, naquella poca. O jesuta tinha necessidade de unificar, tanto quanto possive!, as lnguas, num typo geral que servisse a imperialismo catechista. E a necessidade da compre-henso urgente entre catechumenos e evangelizadores. Essa preoecupao uti-litria no podia ter sino uma orien-tao grammatical. E sendo o typo hu-mano dos conquistados reduzido peio do-gma equivalncia intrnseca do con-quistador, passava para um segundo pla-no o estudo do seu espirito e do 3eu ins-tineto, e da lingua do gentio s se to-mavam as concluses finaes, formas paci-ficas passivas da traduco. Que o indio, como valor psychologico e social era to-

mado como idntico ao homen europeu, no resta a menor duvida. Basta ver-se envergando o habito de Christo, e com o titulo de Dom, que lhe concede Felippe IV, o sr. Antnio Camaro, Poty de nas-cimento. . . Alis, uma bulla papal j de-clarara, aps a descoberta do Novo Mun-do, que todos descendiam de Ado e Eva. Os que estudaram o tupy, desde aquelles tempos, no podiam ter outra orientao que no fosse a do seu sculo e a das ne-cessidades prementes.

Muita gente depois veio estudando a lingua de nossos ndios, mas com um cri-trio pratico. So subsdios curiosos. Abanheenga, quer dizer, lingua de homem, lingua de gente, chamavam os tupys sua lingua. 0 missionrio foi unificando, systematizando as pequenas modalidades no nheengat, ou seja lingua ba. Donde nasceu o tupy-guarany. As outras tribus ficaram falando o seu nheengahyba, lin-gua ruim. Ruim porque no se submettia reduco clssica do nheengat.

O critrio scientifico para o estudo das lnguas americanas procede de Mar-tius e da sua classificao. O ramo bra-sileiro, que vem denominado na classifi-cao de Frederico Muller "grupo tupy-guarany", dividido por Martius em nove galhos. Parece-me que ha, dahi por dian-te, uma curiosidade maior em relao s lnguas selvagens. E em relao ao indio.

tambm. Liga-se o estudo dos Idiomas prpria historia do homem. Depois de Lamarck, G. de Saint Hilaire, Darwin e Spencer, estes assomptos tomam um ou-tro aspecto. A ultima tentativa para redu-zir o indio forma europa, , talvez, a do nosso chamado indianismo, expresso do romantismo em nossa literatura. Mas essa preoecupao lamartinizante dos nossos poetas e romancistas teve a van-tagem de chamar a gtteno brasileira para o bugre, cercal-o de uma sympathia atravs da qual pudssemos chegaT a elle e pesquizal-o melhor. E como esse mo-vimento de Gonalves Dias e Jos de Alencar representa o primeiro passo para uma comprehenso melhor do indgena, justo perdoarmos a esses escriptores os prejuzos inherentes ao seu tempo. E preciso tambm registrar que, no meio de muita phantazia, ha expresses fieis da psychologia selvagem em muitos tre-chos da poesia e do romance romnticos.

A opinio do nosso historiador Porto Seguro (Vamhagen), to hostil pobre raa dominada, vem logo contrabatida pela sympathia de Couto de Magalhes, de Barbosa Rodrigues, de Baptista Cae-tano a cuja obra podemos juntar o que tem feito Theodoro Sampaio, Cndido Rondon, Alarico Silveira, e outros.

Novos aspectos nos interessam hoje na lingua dos nossos selvagens O da rl-

(Continua na pag. seguinte)

6 Revista de Antropofagia

A LINGUA TUPY - (Continuao)

gem, o da sua significao como expri-mindo um estagio humano, e, sobretudo, a intima communho csmica, essa esp-cie de intercomprehenso, de intersensi-bilidade e correspondncia dos elementos idiomaticos representativos dos objectos, (substantivo) das aces (verbos) c das circumstancias, (adjectivos e advrbios) que resumem toda uma syntaxe primi-tiva, que prescindia de -preposies e conjunes, primeiras moletas da deca-dncia na funeo creadora das lnguas.

A hypotese onamatopaica de Heber, a das interjeces de Horhe Tooke, a do poder inherente natureza humana, de Max Muller, a matria debatida por Con-dillac. Leibnitz. Locke, so indicaes curiosas para indagaes mais remotas, e hoje, pelo menos, nos fazem meditar sobre o acervo lxico das raas que fo-ram desapparecendo em nosso continente. A prpria origem do "honras americanus", pensamento que nos perturba diante da Lagoa Santa ou dos Sambaquis de Igua-pe; ou na considerao phantasiosa dos chronistas das possveis migraes trans-oceanicas precolumbianas; o senso das edades, a edade da nossa terra, tu Io isto se prende, de certa forma, ao estudo do nosso indio e da sua lngua, e o assum-pto hoje multo mais suggestivo.

Porm, principalmente depois das hy-potheses de Freud, da sua interpretao pela psychanalyse da vida social dos po-vos primitivos ("Totem et Tabou"); de-pois do cansao das civilizaes de que a Europa presente uma grande expres-so; e ao despeitar de um sculo em que o senegatez confraternizou com o""pOilu", e Josephina Backer lanou os requebros yankees do Zanzibar, depois de tudo isto que ha. um novo interesse, e, por-tanto, deve haver um novo critrio para o estudo da nossa lingua tupy

A doutrina da equivalncia espiritual, denominao que poderemos dar ao pon-to de vista catholico do inicio da colo-nizao brasileira, assume hoje um novo aspecto. E' a equivalncia das foras ori-ginaes humanas, denominador commum de todas ai raas..

, A tendncia primitivista das nossas artes modernas, como das formas da ci-viKzao moderna, o prprio primitivismo desta ra nova, que Keyserling denomina a ra do chauffeur, tudo isto nos jeva s mais intimas confraternizaes com o elemento humano em suas expresses ini-ciaes. Vem dahi a comprehenso mais perfeita que teremos da lingua dos po-vos primitivos.

A nossa Hngua tupy, no a devemos estudar mais com um senso grammati-cal, philologico, mas com um senso humano. 0 idioma, ou os idiomas falados pelos povos americanos precolombianos repre-sentam uma verdadeira eucharistia: o homem commungando com a natureza.

E' sob este ponto de vista que deve-mos tomar os elementos verbaes poly-ryntheticos da lingua dos nossos selva-gens. Veremos desdobrar-se aos nossos olhos atravs de cada palavra, de cada raiz, toda a alma do nosso indio.

Tenho observado pelos pouqussimos conhecimentos que tenho do tupy que a onomatopa , de facto, a origem mais remota da linguagem dos ndios. No di-rei precisajnente onomatopa. segundo a pWsuropo de Herder, ou seja a imita-o da natureza. Prefiro a onomatopa

no simplesmente representativa de per-cepes auditivas, mas como representa-o de relaes entre os sentidos e os dois mundos, c objectivo e o subjectivo. Donde se origina a generalizao das si-gnificaes, a analogia que vae ampliando a funeo representativa dos vocbulos, ou das syllabas. Analogia que obedece a um sentido sensorial, ou a uma lgica sentimental. Isso tudo estabeleceu muita confuso entrt os que primeiro estuda-ram as linguas dos nossos aborgenes. Porque no tinha sido interpretado o sentido dessas lnguas, de homens pri-mitivos, em plena idade da pedra lascada.

Quando, com Raul Bopp, comecei a ine interessar por estes assumptos, estimu-lados ambos pelas nossas conversas com Alarico Silveira, demos para fazer varias "descobertas". No sei at que ponto podem ellas ter valor. Em todo o caso, so caminhos Dar melhores averi-guaes.

Por exemplo: onde entram as exnros-ses taj te, ti, to, tu, quer dizer que a cousa dura de tinir. Ita pedr.t, fer-ro; ibitii, montanha, de ibi-terra,'e tu, coisa dura, tesa; cunhatan-muihcr vir-gem, de cunh-mulher, e tan-coisa dura, tesa (os seios, naturalmente); taquara-canna de bambu, de ta-duro, e quara-co; tt-fogo, provavelmente porque do atricto de coisas duras que se fogo, e o indio no conhecia mesmo outro proces-so de fazer fogo, alis velho processo que vinha desd os primeiros sambaquis de Iguape, ou desde o homem de Lund; ou de Amegliino, segundo a descoberta feita pelo incanavel Ricardo Croner.

Como sabemos, gua hy, ou ig. Quem nos dir que pedra, ita, no vem da cir-cumstancia de estar'sempre a pedra liga-da gua, nas minas, nas grutas, no mar, ou em luta, ou em paz? Seixos que rolam, pedregulhos, granitos e basaltos emoldurando as cachoeiras, penedos no mar, tocas onde nascem os crregos...

Espuma tii. Porque a espuma se ori-gina de choques, de violncias. E tudo o que forte, ardente, traz, por analogia, o t Tal, raiz que arde, gengibre; tainha, den tes; tatarana, insecto que queima; tlqui-ra,. aguardente, pinga; tainha, caroo, se-mente (analogia de dente); tacunhg, membro sexual do macho (t, duro-cunha, mulher); tacape, arma de ma-'tar, etc.

i

A consoante t, lembrando tudo o que duro, forte, violento, traz sempre idea de atricto, como se v em tti, fogo, em tu, espuma. Por isso, tlquira. Pois tudo d que qui significa coisa meuda. Ti violncia que o fogo exerce para distil-lar a aguardente, que vae sahindo aos pingos, qui. E tems tambm Quiriri, ou quirirlm, que quer dizer muitos metidos, do mesmo modo que quirera. Como se sabe. o plural em tupy, entre suas varias formas tem a da repetio de rere, ri-n. '

Isto dito, vejamos Mantiqueira, o nome de nossa grande serra. Man quer dizer ver, enxergar. Tiquera, ou tlquira, quer dizer meudos, pequeninos, razurado, pul-verizado. O indio, naturalmente, do alto da serra, via tudo diludo na distancia via tudo tiquera...

E' preciso notar-se (e chamo a atteno dos meus leitores para este facto) que nem sempre se encontrar a confirmao destas hypothezes na lingua tupy. Por-

que tambm, com certeza, depois de feitas as expresses iniciaes, a lingua selvagem soffreu os metaplasmas a que nenhum idioma pde-se furtar. Houve, por certo, transposies, elises, figuras de dimi-nuio ou de augmento, modificaes prosodicas sensveis obedientes a ljis cli-matericas, csmicas e histricas, e de tal forma que se contavam dezenas de diale-ctos na poca da descoberta. Accrescen-te-se a isso a obra unificadora dos je-sutas, as influencias hespanholas, por-tuguezas, francezas e tapuyas. De medo que a documentao desta hypothese se torna mutto difficil. A hypothese apenas para mostrar o espirito que possivelmente presidiu a formao da lingua tupy.

Pa, pe, pi, po, pu, traz sempre ida de superfcie, ponta, extremidade, contacto, contorno, revestimento, limite. Sendo su-perfcie, tambm tudo o que se refere a plano, por exemplo a pequenez, a cha-teza. que s: confunde quasi com a su-perfcie. Donde peua, ou peba, que signi-fica chato, liso. Cachorro pequeno yagu-peua, ou yagu-peba. Mas expri-mindo esta consonncia tambm ponta, extremidade, coisas to relacionadas com superfcie, ( a lgica intima das inter-correspondencias sensoriaes) o indio cha-ma a aza do pssaro pepu, as mos do homem, po, ou pu, Pela mesma razo, as cousas que revestem levam essa conso-nncia. Pelle pe, ou pi. Como vimos, re-re, ou riri so formas do plural. Dahi vem piriri, ou perere, muitas peites, por-que a pelle quando irritada d a ida de que se multiplica em multas pellezinhas. Pelo menos a sensao que se tem, quando nos sentimos arrepiados. Por-tanto, perereca, ou pirirca significam es-tremecer. Ligada essa ida ao ar, ao ven-to, s folhas das arvores, e finalmente a outros rumores da natureza, temo.! a si-gnificao tambm empregada de sus-Isurrar, sussurro. Mas pe , principal-mente, a .expresso do contacto entre os sentidos e os mundos subjectivo e obje-ctivo. Donde a significao de super-fcie, de contorno, de vo ou pell Por isso, petuna (pelle ou vo preto) quer dizer noite. Mas noite que se repousa que se dorme, portanto, pitu o verbo repousar. E o dia em que se descana (domingo ou feriado) para o indio tam-bm pitu. Esta consonncia,,exprime, tambm, por essas intimas analogias o rebentar das superfcies. Assim, temos pororoca, pipoca, pereba, puca, (quebrar, estalo de onde arapuca, ara-ave; e puca-quebrar).. Pelo que vimos, pelle piriricada quer dizer pele que salta irritada. Tudo o que salta, estrebucha, perereca. De onde vem o Sacy-perere, ou perereg. Mais forte do que pirirca, , porm, tirirlea, P'Io que ja vimos do valor de t. Por-tanto, "ficar tirirlea", expresso que usamos tanto, d perfeitamente ida do estado do indivduo que estremece com violncia, ou da pulos de raiva.

Em outros artigos arranjaremos exem-plos interessantes, no s do ponto de vista das analogias sensoriaes, como ago-ra, mas das sentimentaes, que revelam operaes psychologicas mais difficeis.

?e O\ S p a r a mosi

Revista de Antropofagia

Manifesto Antropfago Contra as historias do homem, que

comeam no Cabo Finisterra. 0 mun-do no datado. No rubricado. Sem Napoleo. Sem Csar.

A fixao do progresso por meio de catalagos e apparelhos de televi-so. S a maquinaria. os transfu-sores de sangue.

Contra as sublimaes antagni-cas. Trazidas nas caravellas.

Contra a verdade dos povos mis-sk narios, definida pela sagacidade de um antropfago, o Visconde de Cayr: a mentira muitas vezes repetida.

Mas no foram cruzados que vie-ram. Foram fugitivos de uma civi-lizao qe estamos comendo, por-que somos fortes e vingativos como o Jaboty.

Se Deus a conscincia do Uni-verso Increado, Guaracy a me dos viventes. Jacy a me dos ve-getaes.

No tivemos especulao. Mas t-nhamos- adivinhao. Tnhamos Po-ltica que a sciencia da distribui-o. E um" systema social planet-rio.

As migraes. A fuga dos esta-dos tediosos. Contra as escleroses urbanas. Contra os Conservatrios, e o tdio especulativo.

De William James a Voronoff. A transfigurao do Tabu em totem. Antropofagia.

O pater famlias e a creao da Moral da Cegonha: Ignorncia real das coisas-f falta de imaginao-r-sen-* timento de authoridade ante a pro-curiosa.

E' preciso partir de um profundo atheismo para se chegar a ida de Deus. Mas o carahiba no precisava. Porque tinha Guaracy.

O objectivo creado reage como os Anjos da Queda. Depois Moyss di-vaga. Que temos ns com isso?

Antes dos portuguezes descobri-rem o Brasil, o Brasil tinha desco-berto a felicidade.

Contra o indio de tocheiro. O n-dio filho de Maria, afilhado de Ca-tharina de Medicis e genro de D. Antnio de Mariz.

A alegria a prova dos nove.

Contra a Memria .fonte do costu-me. A experincia pessoal renovada.

Somos concretistas. As idas to-mam conta, reagem, queimam gente nas praas publicas. Suprimamos as idas e as outras paralysias. Pelos roteiros. Acreditar nos signaes, acre-ditar nos instrumentos e nas estrei-tas.

Contra Goethe, a me dos Grac-chos, e a Corte de D. Joo VIo.

A alegria a prova dos nove.

A lucta entre o que se chamaria Increado e a Creatura-illustrada pela contradio permanente do homem e o seu Tabu. O amor quotidiano e o modus-vivendi capitalista. Antro-pofagia. Absorpo do inimigo sa-cro. Para transformal-o em totem. A humana aventura. A terrena fina-lidade. Porm, s as puras elites conseguiram realsar. a antropofagia carnal, que traz em si o mais alto sentido da vida e evita todos os ma-les identificados por Freud, males cathechistas. O que se d no uma sublimao do instincto sexual. E' a escala thermometrica do instincto antropofagico. De carnal, elle se tor-na electivo e cria a amizade. Affe-ctivo, o amor. Especulativo, a scien-cia. Desvia-se e transfere-se. Che-gamos ao aviltamento. A baixa an-tropofagia agglomerada nos pecca-dos de cathecismo a inveja, a usura, a calumnia, o assassinato. Peste dos chamados povos cultos e christianisados, contra ella que es-tamos agindo. Antropfagos.

No matriarcado de Pindorama.

Contra Anchieta cantando as onze mil virgens do co, na terra de Ira-cema o patriarcha Joo Ramalho fundador de So Paulo.

A nossa independncia ainda no foi proclamada. Frase typica de D. Joo VI.0: Meu filho, pe essa coroa na tua cabea, antes que al-gum aventureiro o faa! Expulsa-mos a dynastia. E' preciso expulsar o espirito bragantino, as ordenaes e o rap. de Maria da Fonte.

Contra a realidade social, vestida e oppressora, cadastrada por Freud a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituies e sem pe-nitencirias do matriarcado de Pin-dorama.

OSWALD DE ANDRADE.

Em Piratininga. Anno 374 da Deglutio do Bispo Sardinha.

BRASILIANA RAA

De uma correspondncia de Sarutay (Est. de S. Paulo) para o Cottelo Paulis-tano, n. de 15-1-927:

O Sr. Abraho Jos Pedro offereceu aos seus amigos um lauto jantar com-memorando o anniversario de seu filh-nho Jos e baptizado do pequeno Fuad, que nessa data foi levado pia baptismal.

Foram padrinhos o sr. Rachide Mustafa e sua esposa d. lorgina Mustafa.

O Sr. Paschoalino Verdi proferiu um discurso de saudao.

POLTICA Da viesma correspondncia: O Sr. Rachid Abdalla Mustafa, escrivo

de paz, muito tem trabalhado para au-gmentar o numero- de eleitores.

DEMOCRACIA Telegrama de Fortaleza (AB): A bordo do "Itassuss" passou por

este porto com destino ao norte, S. A. D. Pedro de Orleans e Bragana, acom-panhado de sua esposa filho.

S. A. desembarcou, visitando na Praa Caio Prado a estatua.de Pedro II. 0 povo acclamou com enthusiasmo o prncipe. A off.cialidade do 23. B. C. e banda de musica cercada de enorme multido, aguardou a chegada de S. A. naquella praa.

Compacta mana, acompanhou os dis-tinetos viajantes at a praa do Ferreira, onde o tribuno Quintino Cunha fez uma enthusiastica saudao em nome da po-pulao.

Na volta para bordo, um preto catraeiro, de nome Vicente Fonseca, destacando-se da multido abraou o prncipe dizendo:' "Fique sabendo que as opinies muda-ram mas os coraes so os mesmos".

RELIGIO Telegramma de Porto Alegre para a

Gazeta de S. Paulo n. de 22-3-927: Vindo de S. Paulo chegou a esta ca-

pital o sr. Sebastio da Silva, que fez o raide daquelle (Estado ao nosso, a p, tendo partido dalli em outubro.

O "raidman" tomou essa resoluo em virtude de uma promessa feita a Virgem Maria, para que terminasse a revoluo no Brasil. Quando se achava prximo a esta Capital, teve conhecimiito do ter-mino da lucta, proseguindo at aqui,- alim de cumprir a sua promessa.

Sebastio Antnio da Silva conta actualmente 35 annos de edade.

NECROLGIO De um discurso do professor Joo Ma-

rinho na Academia Nacional de Medicina do Rio de Janeiro (Estado de S. Paulo, n. de 3-8-921):

O dr. Daniel de Oliveira Barros e Al-meida nasceu num dia e morreu em outro, de doena de quem trabalha, corao can-ado antes de tempo.

Entre os dois, correu-lhe a vida. SURPRESA

Telegramma de Curityba para a Folha da Noite de S. Pauio, n. de 2-11-927:

Informam de Imbituba que o indivduo Juvenal Manuel do Nascimento, ex-agen-te do correio, reuniu em sua casa todos os amigos e parentes sob o pret:xto de fazer uma festa. Durante o almoo, Ju-venal mostrou-se alegre e,-ao terminar a festa foi ao seu quarto, do qual trouxe um embrulho contendo uma dynamite, di-zendo que ia proporcionar a todos uma surpresa.

Todos estavam attentos e esperando a surpresa q-uando, com espanto geral, o dono da casa approximou um cigarro acceso do embrulho que explbdiu, ma-tando Juvenal e ferindo gravcnuiite sua esposa e todas as pessoas que haviam assistido ao convite fatal.

8 Revista de Antropofagia

A "Descida" Antropophaga

A "descida" agora outra. O Autor

Ha quatro sculos, a "descida" para a escravido. Hoje, a "descida" para libertao. O Dilvio, foi o movimento mais serio que se fez no mundo. Deus apa-gou tudo, para comear de novo. Foi intelligente, pra-tico e natural. Mas teve uma fraqueza: deixou No.

O movimento antropophago, que o mais serio depois do Dilvio vem para comer No. NOE* DEVE SER COMIDO.

Penso que no se deve confundir volta ao estado natural (o que se quer) com volta ao estado primitivo (o que no interessa). O que se quer simplicidade e no um novo cdigo de simplicidade. Naturalidade, no manuaes de bom tom. Contra a belleza canonica, a bel-leza natural feia, bruta, agreste, barbara, iMogica. Instincto contra o verniz. O selvagem sem as missan-gas da cathechese. O selvagem comendo a cathechese.

Os PEROS que ainda existem entre ns ho de sorrir por seus dentes de ouro o sorriso civilisado de que, reagindo contra a cultura, estamos dentro da cul-tura. Que besteira. O que temos no cultura euro-pa: experincia delia. Experincia de quatro sculos. Dolorosa e po. Cem Direito Romano, canal de Veneza, julgamento synthetico a priori, Tobias, Nabuco e Ruy. O que fazemos reagir contra a civilisao que inven-tou o catalogo, o exame de conscincia e o crime de de-floramento. SOMOS JAPY-ASSU':

"Ce venerable vieillard Japi Ouassou fut merveil-leusement attentif, comme tons les outres Indiens l presens aux discours susdicts quoi il replique ce qui s'ensuit. Je m'estonis extremement 'de vous voir et me manqueray tout ce ie vous ay promis. Mais ie me es-tonne comme il se peut faire que vous autres PAY ne vouliez pas de femmes. Estes vous descendus du Ciei? Estes nays de Pere et Mere? Quay donc! n'estes pas mortels comme nous ? D'ou vient que non seulement vous ne prenez pas de femmes ainsi qu les autres Fran-ois que ont trafique avec nos -depuis quelque quarante et tant d'annes; mais ancore que vous les empechez maintenant de se servir de nos filies: ce que nous esti-mions a grand honeur et grandheur, pouvans en avoir des enfans".

(Claude d'Abbeville"Histoi-re de Ia Mfssion des Pres Capucins en 1'Isle de Mara-gnan et terres circonvoici-nes.")

Contra o servilismo colonial, o tacape inheigura, "gente de grande resoluo e valor e totalmente impa-ciente de sujeio" (Vieira), o herosmo sem rosrta de Commendador dos carahybas, "que se oppuzeram a que Diogo de Lepe desembarcasse, investindo contra as ca-ravelas e reduzindo o numero de seus tripulantes" (Santa Rosa "Historia do Rio Amazonas").

Ningum se illuda. A paz do homem americano com a civilisao europa paz nheengahiba. Est no Lisboa: "aquella apparatosa paz dos nheengahibas no passava de uma verdadeira impostura, continuando os brbaros no seu antigo theor da vida selvagem, dados antropophagia como dantes, e baldos inteiramente da luz do evangelho."

Como se v, facilimo ser antropophago. Basta eli-minar a impostura.

Foram estas as conseqncias dos versos ruimzi-zinhos que Anchieta escreveu na areia de Itanhaen: Ordenaes do Reino, grammatica e ceia de Da Vinci na sala de jantar. E no houve ainda quem comesse Anchieta!

Portugal vestiu o selvagem. Cumpre despil-o. Para que elle tome um banho daquella "innocencia conten-te" que perdeu e que o movimento antropophago agora lhe restitue. O homem, (falo o homem europeu, cruz credo!) andava buscando o homem fora do homem. E de lanterna na mo: philosophia.

Ns queremos o homem sem a duvida, sem siquer a presumpo da existncia da duvida: n, natural, an-tropophago.

Quatro sculos de carne de vacca! Que horror!

(a) OSWALDO COSTA.

VISITA DE SO THOME'

Quando a Bahia no se chamava Bahia, muito antes de Pedro Alvares Cabral, So Tho-m foi l um dia.

No sei se foi por acaso ou para vr. Mas viu.

Viu e protestou contra as coisas que viu. Fez um discurso cheio de conselhos que os

indios escutaram de boceas abertas: Que era preciso adorar a Deus, fugir do de-

mnio, no ter mais que uma mulher. Conselhos bons.

Emquanto falava, fazia nascer da terra a planta da mandioca e a bananeira que ainda hoje d bananas de So Thom.

Ento os indios gostaram. Quando So Thom, cansado, sentiu que

devia acabar, acabou com estas palavras: E no comam nunca mais carne de gente! Ento os indios no gostaram. Avanaram. Quizeram comer o santo. Felizmente So Thom corria mais do que

elles. Chegou na beira da praia, deu um passo de

meia lgua e foi parar numa ilha onde no tinha selvagens.

(Quem me ensinou isto foi Frei Vicente do Salvador. . .)

LVARO MOREIRA.

NOTA INSISTENTE

Neste rabinho do seu primeiro numero a "Revista de Antropofagia" faz questo de repe-tir o que ficou dito l no principio:

Ella est acima de quaesquer grupos ou tendncias;

Ella acceita todos os manifestos mas no bota manifesto;

Ella acceita todas as criticas mas no faz critica;

Ella antropfaga como o avestruz co-milo;

Ella nada tem que ver com os pontos de vista de que por acaso seja vehiculo.

A "Revista de Antropofagia" no tem orientao ou pensamento de espcie alguma: s tem estmago.

A de A. M. R. B.

ANNO I - NUMERO 2 500 rs. JUNHO - 1928

Revista de Antropofagia Direco de ANTNIO DE ALCNTARA MACHADO Gerencia etc. de RAUL BOPP

ENDEREO: 13, RUA BENJAMIM CONSTANT - 3. PAV. SALA 7 - CAIXA POSTAL N. I .269 SAO PAULO

INCITAO AOS CANIBAIS

O atraente parteiro, professor, acadmico e orador doutor Fernando de Magalhes esteve h dias em So Paulo onde falou sobre o feminismo, deu uma lio de obstetrcia e concedeu uma entrevista.

essa entrevista que merece ser conhecida. O doutor Fernando fz nela a apologia entusias-mada da Sociedade Brasileira de Educao. Socie-dade benemrita, sociedade utilssima, sociedade isto, sociedade aquilo. A prova? Aqui est (pa-lavras textualssimas): A biblioteca da Associa-o acentuou o que h de mais perfeito no gnero, como ordem e como mtodo na sua organizao. Uma de suas seces, por exemplo, a biblioteca infantil, exigiu um trabalho enorme de pacincia e perspiccia. Necessitou-se de um inqurito entre as crianas para se saber quais 'os livros preferidos, chegando-se a resultados estu-pendos. Uma criana de 12 anos, por exemplo, a qual perguntou-se qual o livro preferido, res-pondeu, prontamente: "Lusadas" de Cames.

Ora, ora, ora, ora. Que brincadeira essa? Ento o raio do menino com doze anos de idade j assim to imbecilzinho que prefere Cames a Conan Doyle? E isso que se chama resultado estupendo?

O doutor Fernando quiz troar com a gente. No tem que ver. Menino que chupa Cames como se fosse pirolito de abacaxi no menino: monstro. Mas que monstro: toda uma coleo teratolgica. tambm para guris desse quilate

imenso: pas descoberto por acaso justo que continue entregue ao acaso dos acontecimentos. Mesnoj porque a gente no tem tempo para per-der com bobagens: Cames absorve todos os mi-nutos inteligentes.

Esse antropfago que vem desde o nasci-mento desta terra (h um testamento de ban-deirante escrito numa folha manuscrita do Os lusadas) devorando com delcia as geraes nacionais precisa por sua vez ser deglutido. urgente pr boi to gordo na boca da sucuri bra-sileira. E que sirva de aperitivo a Sociedade Brasileira de Educao. Para. rebater, a sobre-mesa ser o doutor Fernanda que manjar doce e fino. Antnio de Alcntara Machado

O ESTRANGEIRO Eu encontrei um homem vermelho Falando uma lingua que eu no sabia. . . Pelos seus gestos entendi que ele achava Minha terra muito bonita. Apontava p'ra luz do sol muito for te . . . P'ras arvores muito verdes . . . P'ras agitas muito claras. . . P'ro co muito c laro . . .

Eu tive vontade que cie entendesse a minha fala P'ra lhe dizer:

Marinheiro provera Deus que voc fosse Pelos nossos sertes.. . Voc via os campos sem f im. . . As serras tirriives todas cheias de matos . . . Os rios cheios muito bonitos.. . Os rios secos muito bonitos. . . Voc comia commigo umbuzada gostosa... O leite com girimum... Curimatan fresca com molho de pimenta de cheiro. . . Voc via como a gente trabalha sol a sol

(e n o S p a r a OS p e r a l t a s ) que exis te chinelo Esquecido da fome e esquecido das coisas i , . Bonitas de seus mundos.. de sola dura.

Pe a gente triste verificar que um fen-meno assim como no podia deixar de ser bra-sileiro. J n grupo escolar a molecada indgena ouve da boca erudita de seus professores que o Brasil foi descoberto por acaso e Cames o maior gnio da raa. A molecada cresce certa dessas duas verdades primarciais. Da o mal

Ver como vaqueiro rompe mato fechado E se lasca perseguindo a rs Por riba dos lagdos Chega os cascos federem a chifre queimado... Ver o vaqueiro planta a mo na bassoura da rs E ela vir mocot.. .

Marinheiro, se voc soubesse a minha fala Eu haver de levar voc p'ro meu serto. . .

(Natal) . Jorge Fernandes

" E S P C I E D E AFERRAO MENTAL, Q U A N D O SE D N O HOMEM CIVIL1SADO". ANTROPOFAGIA:

D R F R E I D O M I N G O S V I E I K A - G R A N U E D I C C I O N A R I O P O R T U G U E Z )

Revista de Antropofagia

LRICA IDIL-IO

A ELEITO SOARES

O meu amor, rapazes,

uma lindeza de morena bonita das matas de minas gerais!

De dia meu amor vai pro servio cantando cantando! e que friume no me faz por dentro, gente, vel-a cantar

[assim! Meu amor mais alegre que o sol! Mais alegre que os crgos da minha terra! Mais alegre que a passarada da minha terra a cantar!

Meu amor disse que gosta muito de mim... Eu acredito palavra! mas desconfio tambm como bom mineiro que se preza como eu. Porm, a gente no deve botar a mo no fogo no. Dizem... Eu boto! Isto , eu toco a mo no fogo mas deixo outra de reserva...

(Cataguases)

do "Fructa-de-conde"

Rosrio Fusco

Homisio

Para Raul Bopp Nesta baica Coberta de sap Esteve homisiado o Cabur Que matou o Z Juc no vaiado. Passava a passca E mingau de mandioca, Potranca sempre pronta no potreiro Do terreiro. Arisco como uma paca, Picava fumo com a faca, Cuava caf no trip pra beber no coit.

Um cabo escondeu no serrado Com um soldado, e com cerrado tiroteio Tiro foi e tiro veiu Deram cabo, Cabo e soldado, Do costado do coitado.

Dos CANTOS MUNICIPAIS '

(Minas)

Pidelis Florencio

Um reprter modelo de certo jornal paulista, conse-guiu sensacional reportagem na cadeia publica. Para l sntrar recorreu a um meio muito simples; boliu com grilos (os mais pelintras, aqueles que usam polainas que foram brancas e luvas furadas na ponta dos dedos) resultando para ele tremenda surra, seguida de alguns dias de cana brava.

Vamos agora dar a palavra ao exforado recordista das reportagens sensacionaes:

...e na manso de dores moraes, talvez mais profundas do que as dores fsicas, deparou-se-nos comovedor espetculo. Formra-se entre as lobregas paredes, entre rexas de ferro e oortas inexorveis, um doce, e puro idlio. O mais antigo dos presos, que pelo seu com-portamento exemplar gosava de urna! certa liberdade, apaixonara-se pela mais comportada das detentas. Tinham combinado o casamento, para quando sassem da priso, e j escolhido as testemunhas. Todos na cadeia se referiam com simpatia ao projeto. Ela a fora ter por-que cometera vrios infanticdios, triste fruto da poca de depravao moral em que vive-mos e da falta de proteo em que o governo deixa as jovens incautas que a vida das gran-des cidades rodeia de insdias. le matara as duas esposas que sucessivamente tivera, a pri-meira devido a deslizes conjugaes, a segunda por incompatibilidade de gnios. Um dos padrinhos cortara a me dele (padrinho) em pedacinhos. Outro era especialista em1 assas-snios de tocaia: matara 20 pessoas em 10 dias, at que a policia resolveu tardiamente como sempre cortar-lhe a vocao. Etc etc

Continuava por a afora o exforado reprter. No resta duvida que ele revela um caso de conseqncias inquictantes para almas sensveis, visto aparentarem as futuras solenidades nupciaes, desfecho possivelmente antropofgico.

Yan de Almeida Prado

ESTE MS: LARANJA DA CHINA

DE

Antnio de Alcntara Machado E

MACUNAMA (HISTRIA)

DE

Mario de Andrade

Revista de Antropofagia

ENTRADA DE "MACUNAMA" MARIO DE ANDRADE

No fundo do mato-virgem nasceu Ma-cunama heri da nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silncio foi to grande escutando o murmurejo do Urari-coera que a india tapanhumas pariu uma criana feia. Essa criana que chamaram de Macunaima.

J na meninice fez coisas de sarapantar. De primeiro passou mais de seis anos no falando. Si o incitavam a falar ex-clamava :

Ai 1 que pre-guia I . . .

E no dizia mais nada. Ficava no can-to da maloca trepa-do no girau de pa-xiba espiando o trabalho dos outros e principalmente os dois manos que ti-nha, Maanape j ve-lhinho e Jigu na fora do homem. O divertimento dele era decepar cabea de sava. Vivia dei-tado mas si punha os olhos em dinhei-ro Macunaima dan-dava pra ganhar vintm. E tambm espertava quando a famlia ia tomar ba-nho no rio, todos juntos e nus. Pas-sava o tempo do banho dando mer-gulho e as mulheres soltavam gritos go-sados por causa dos guaiamuns diz que habitando a agua-doce por l. No mo-cambo si alguma cunhat se aproxi-mava dele pra fazer festinha, Macunaima punha a mo nas graas dela, cunhat se afastava. Nos machos guspia na cara-Porm respeitava os velhos e freqentava com aplicao a mura a porac o tor a cucuicogue, todas essas dansas religiosas da tribu.

Quando era pra dormir trepava no ma-cur pequeninho sempre se esquecendo de mijar. Como a rede da mi estava por de-baixo do bero o heri mijava quente na velha, espantando os mosquitos bem. Ento adormecia falando palavras-feias imorali-dades estrambolicas e dava patadas no ar.

Nas conversas das mulheres no pino do dia o assunto era sempre as peraltagens do heri. As mulheres se riam, muito sun-patisadas falando que "espinho que pinica, de pequeno j trez ponte" e numa page-lana Rei Nag fez um discurso e avisou que Macunaima era muito inteligente.

Nem bem teve seis anos deram gua num chocalho pra le e Macunaima prin-cipiou falando como todos. E pediu pr mai que largasse da mandioca ralando na ce-vadeii e levasse le passear no mato. A mi no quis porqu no podia largar da mandioca no. Macunaima choramingou dia inteiro. De-noite continuou chorando. No outro dia eBperou com o olho esquerdo

dormindo que a mi principiasse o traba-' lho. Ento pediu pra ela. que largasse de tecer o paneiro de guarum-membeca e le-vasse le no mato passear. A mi no quis porqu no podia largar o paneiro no. E pediu pr nora, companheira de Jigu que levasse o menino. A companheira de Jigu era bem moa e chamava Sofar.

Desenho de MARIA CLEMNCIA (Buenos-Aires)

Foi se aproximando ressabiada porm desta vez Macunaima ficou muito quieto sem bo-tar a mo na graa de ningum. A moa carregou o pi nas costas e foi at o p de aninga na beira do rio. A gua parar pra inventar um ponteio de gso nas fo-lhas do javari. O longe estava bonito com muitos bigus e biguatingas avoando na entrada do furo. A moa botou Macunaima na praia porm le principiou choramin-gando, que tinha muita formigal...e pediu pra Sofar que o levasse at o derrame do morro l dentro do mato. A moa fez. Mas assim que deitou o curumim nas tiriricas e trapoerabas da serrapilheira le botou corpo num timo e ficou um prn-cipe lindo. Andaram por l muito.

Quando voltaram pr maloca a moa pa-recia muito fatigada de tanto carregar pi nas costas. Era que o heri tinha brincado muito com ela.. . Nem bem deitou Ma-cunaima na rede Jigu j chegava de pescar de pu e a companheira no trabalhara nada. Jigu enquisilou e depois de catar os carrapatos deu nela muito. Sofar agentou a sova sem falar um isto.

Jigu no desconfiou de nada e comeou tranando corda com fibra de curau. No v que encontrara rasto fresco de anta e queria pegar o bicho na armadilha. Ma-

cunaima pediu um pedao de curau pro mano porm Jigu falou que aquilo no era brinquedo de criana. Macunaima prin-cipiou chorando outra ves e a noite ficou bem diiicil de passar pra todos.

No outro dia Jigu levantou cedo pra fazer armadilha e .enxergando o menino tristinho falou:

Bom-dia, cora-ozinho dos outros.

Porm Macunaima fechou-se em copas carrancudo.

No quer falar comigo, ?

Estou de mal. Por causa? Ento Macunaima

pediu fibra de cura-u. Jigu olhou pra le com dio e men-dou a companheira arranjar fio pro me-nino. A moa fez. Macunaima agrade-ceu e foi pedir pro pai-de-terreiro que tranasse uma corda pra le e assoprasse bem nela fumaa de petum.

Quando tudo es-tava pronto Ma-cunaima pediu pr mi que deixasse o cachir fermentando e levasse le no ma-to passear. A velha no podia por causa do trabalho mas a companheira de Ji-gu mui sonsa falou pr sogra que "es-tava s ordens". E foi no mato com o pi nas costas.

Quando o botou nos carurs e soro-rocas da serrapi-lheira o pequeno foi

crescendo e viruo prncipe. Falou pra So-far esperar um bocadinho que j voltava pra brincarem e foi no bebedouro da anta armar um lao. Nem bem voltaram do pas-seio, tardinha, Jigu j chegava tambm de prender a armadilha no rasto da anta. A companheira no trabalhara nada. Jigu ficou fulo e antes de catar os carrapatos bateu nela muito. Mas Sofar agentou a coca com pacincia.

No outro dia a arraiada inda estava aca-bando de trepar nas rvores, Macunaima acordou todos, fazendo um bu medonho, que fossem! que fossem no bebedouro bus-car a bicha que le caara!... Porm nin-gum no acreditou e todos principiaram o trabalho do dia.

Macunaima ficou muito contrariado e pediu pra Sofar que desse uma chegada no bebedouro s pra ver. A moa fez e voltou falando pra todos que de fato estava no lao uma anta muito grande j i morta. Toda a tribu foi buscar a bicha, matu-tando na inteligncia do curumim. Quando Jigu chegou com a corda de curau vazia encontrou todos tratando da caa. Ajudou. E quando foi pra repartir no deu nem um pedao da carne pra Macunaima, s tripas. O heri jurou vingana.

Etc.

Revista de Antropofagia

UM ROETA Cassiano Ricardo MARTIM CERERE S. Paulo 1928.

Alartim Cereri no livro inteiramente novo. H nele vrias poesias do Vamos caar papagaios (com uma ou outra modi-ficao ligeira) e outras cujos temas j foram explorados pelo prprio poeta em seus livros anteriores. O mesmo acontece com certas imagens e certos achados verbais.

Isso mostra que Cassiano continua ba-tendo na tecla Brasil. Permanece o poeta do descobrimento e da colonizao sobretudo. Poeta oratrio (o que denuncia sua brasi-

-lidade), e descritivo. Quando oratrio ou quando descritivo sempre fortemente elo-qente.

O caso de Cassiano Ricardo um caso i-arte na nossa literatura actsal. Cassiano at 1925 foi inimigo violento da reao moderna. Depois (era fatal) se conver-teu. Houve nisso um missionrio irresis-tvel : o Brasil. Se o movimento moderno entre ns no tivesse assumido tambm uma feio nacionalista acredito que Cas-siano continuase inimigo dele. No Marfim

Cereri a isente verifica isso facilmente: do espirito moderno que universal o poeta aceita pouca cousa. Mas o tema Brasil do modernismo o seduz.

Por causa dele chegou a romper com o seu prprio passado literrio. Na lista de suas obras publicadas contante do livro de agora no figuram A frauta de Pan, Jardim das Hesprides e os outros dois volumes anteriores a 1925. Esse repdio alis no tem razo de ser. E constitue uma injustia: A frauta de Pan principal-mente tem versos que so dos melhores do parnasianismo brasileiro.

Pelo que j ficou dito l no principio evidente a imposibilidade de criticar Mar-tim Cereri sem repetir uma a uma as cri-ticas (elogios e reparos) que j merece-ram abundantemente Borres de verde e amarelo e Vamos caar papagaios.

Eu que mesmo nos novos sempre pro-curo o novo, o que novo na novidade deles, me contento em reproduzir aqui

este timo poeminha chamado Lua cheia n. 1:

Boio d* leite que a noite leva com mos de treva pra no sei quem beber.

Mas que embora levado muito de vagorinho vai derramando pingos brancos pelo caminho...

Gosto tanto dessa gostozura que ouso pedir a Cassiano que no se esquea de molhar seus livros futuros nesse mesmo leite gorduroso e cheiroso. Puro lirismo sem gua.

Marfim Cereri foi impresso com bas-tante cuidado. Alm disso tem bonitas ilus-traes de Di Cavalcanti. Algumas mais que bonitas at: a da capa; a da pgina 19 e outras.

A. DB A. M.

BRAZIL MATINAL A tarde uma rede vermelha e mole

E os nervos da gente esticados como cordas de violo

Vibram no fluido de volpia que garoa devagarzitiho

Das bandas meio escuras de onde o sol nasce. . .

Uma marrpoza comea a enlouquecer.

(de quem ser que eu tenho tanta sodade.)

Chorar. . .Ser homem! No, homem no chora, nol

. . . a jaboticabeira se estorce

Ainda no arranjou pozio pra dormir . . .

(a v i d a . . . )

Aquele mato deve estar cheinho de lobizme...

Dcrepente o primeiro apito da coruja!

Imobilidade.

(a gente suspira e pensa no dest ino. . . )

Silencio.

Mistrio;

Os fantasmas vestidos de luar dansam.. .

Nossa Senhora, que medo!

(Paran)

Eu abri a janella

a respirei fundamente a frialdade

da manh.

Sob risadas de sinos,

a cidade brincava de esconder

dentro da nvoa.

(Rio DK JANEIRO)

MARQUES REBELLO

BRASIL PINHEIRO MACHADO

Revista de Antropofagia

MADRUGADA Do livro "Colnia Z e outros poemas"

A lancha da lenha vem chegando, ainda escuro, mansa, com a sua tosse mida de gazolina e o seu motorzinho fumegando na popa.

Vem vindo na volta do rio.

Para traz, os matos cochilam na nevoa da madrugada onde escorre a aza negra dos bigus.

Um silvo claro demora no ar. Chegou.

A lenha veio coberta de folhas verdes, palmas, bambus, e a lancha parou, em silencio, no meio do rio, pequenina, esmagada, como uma formiga orgulhosa.

(Porto Alegre) Rwy Cirne Uma

La irada el amor paro

Hoy nuestras cabezas est amparadas por Ia sonrisa larga de los pescadores y ei mistrio de Ias guitarras tremulas en Ia fina oracin de Ias manos.

Trs marineros nos dan Ia alegria de sus ojos azules para Ia victoria audaz de tu amor y el mio!

La frente de un violinista borracho sostiene Ia inquietud de canciones sonadas en el cielo de tu alma.

Las copas e esta noche tienen el alto destino de los suefiosl

Que lmpara le robar ai mar para Ia gracia dei amor nocturno?

Datne, compafiera mia, Ia fuerza de tu boca que hace sonar Ia campana de nuestras esperanzas!

(Mohtevideo)

/ NICOLAS FUSCO SANSONE

Revista de Antropofagia

FIM DA UNHA SERENATA

Esse arrabalde chora. Cada casa um leproso implorando a gua, do cio. Bib-cas immundas, ranchinhos com cercas e paredes de lata velha, remendados a tra-pos, empastados de barro secco. Buracos ventiladores naturaes. Mas ha o con-forto primitivo da liberdade.

Ao fundo, o morro vermelho engole tudo na guela do barranco.

Gira e vira a hesitao sentimental de um catavento que me faz recordar o Mar-cello. Gama.

Sobre uma cerca a impertinencia ama-rella dos girasoes dourando tudo.

Olha o negrinhol Estuda a paisagem. Riscou as canellas finas por causa das motucas.

Curru pque p pque. Anda a roda, criolinho-Mulatas lavam roupa semeando no ar-

rolo nuvensinhas de sabo. Quando a gente vence a lomba, rola uma

chuva de seixos pela estrada e elles cahem t em baixo na lagoa morta com um mer-gulho, nocturno: glu glu glu.

Longe, nos aratnaes, roupa lavada acena: adeus... adeus...

Algum anda soltando a lua como um

balo cor de rosa l nas ilhas fronteiras.

Evem a lua. Ce balo 1 No cie. A lua

vae passear no co. O Guahyba, oleoso,

escuro, espera que a lua suba mais para

imit-la, invejando. Sobre o veleiro ador-

mecido, um fanal sangra. Voz encacha-

ada arranha a noite:

Meu am, meu triste atn

Que j morreu...

Serenata. Flauta, cavaquinho, violo.

Vem crescendo, tremelicando emoes

tremulas nas cordas, bambeando compas-

sos bambos no violo, bebendo na flauta

um gole puro e melodiosa

Alma dengosa da cidade, melancolia

mestia, geme na rua a queixa dolente,

demdom.

A lua escuta, imraoveL Parece uma lan-

terna do cordo "Chora na esquina''.

Do livro "GAIMHSA S BOCA"

Porto Alegre

AUGUSTO MEYER

BREVEMENTE

REPUBLICA DOS

ESTADOS UNIDOS

DO

BRASIL

VERSOS D E

MENOTTI

EM TODAS AS LIVRARIAS:

M a r t i m - C e r e r VERSOS

DE

Cassiano Ricardo

ESTA NO PRELO:

Antologia de 4 poetas mineiros JOO ALPHONSUS

CARLOS DRUMOND DE ANDRADE

EMLIO MOURA

PEDRO NA VA

PICCHIA BELO-HORIZONTE - MINAS

Revista de Antropofagia

PORQUE AMAMOS OS NOSSOS FILHOS CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Ignacinho veio pedir-me uma victrola como presente do seu prximo anniver-sario. Os ltimos acontecimentos no so de molde a justificar essa preteno do meu querido filho e companheiro. Presen-tes de anniversario do-se a meninos bem comportados., que no trocam as aulas pelo futebol, nem as viglias do estudo pelas do cinema. Ora Ignacinho tem sido justamente o contrario desse typo de joven exemplar, que muito commum no "Co-rao" de Edmundo de Amicis e outros livros estrangeiros, mas que infelizmente no parece ter-se dado bem com o clima do Brasil. Como pois solicitar-me festas?

E dahi Ignacinho no mais uma cre-ana. Membro do conselho fiscal do Cen-tro dos Preparatorianos e collaborador das paginas de annuncio (as nicas que pres-tam) do "Fonfon" e do "Para Todos", elle adquiriu j uma personalidade social e literria que no se coaduva com as calas curtas nem com as regalias confe-ridas aos frangotes de 13 annos. Rapazi-nho de cala comprida no tem direito a mimos infantis. Scio do Centro dos Pre-paratorianos tambm no tem. Poeta ou prosador ainda que incipiente, tambm no.

Fiz ver todas esas coisas a Ignacinho. Sem ferocidade, palavra- Minha inteno era feril-o no seu orgulhosinho pubere, de modo que elle renunciasse ostensiva-mente victrola, poapando-me a dor de recusal-a. Eu sou feito do mesmo barro de que se fazem todos os pes, e s vezes meu corao amollece nos momentos mais srios. Em minha conscincia achava que Ignacinho no tinha direito machina falante. Mas e coragem para dizel-o?

Ignacinho, achando futeis as minhas ra-zes, reforou o pedido com a promessa de dois bellissimos exames parodiados no Gymnasio. Era victrola para l, exames para c. Si eu fechasse o negocio, elle capricharia nas escriptas e se excederia nas oraes. Adverti-lhe de que no faria mais do que a sua estricta obrigao, pres-tando bons exames das humanidades (elle diz "deshumanidades") que si no estudara, devia ter estudado a fundo.

Mas intimamente, e sem calculo, eu j tinha cedido um pouco.

Ignacinho prometeu mais. Prometeu optimo comportamento durante as ferias, e infatigavel applicao durante o prximo anno lectivo. Em todos os futuros annos

lectivos. Na Faculdade de Medicina, at o 6.* anno, seria o modelo dos candidatos a morticola. E na vida pratica Ignacinho nesse momento chegou a pensar na vida pratica seria o morticola mais brilhante da sua gerao, do seu paiz, ido seu con-tinente, do mundo. E tudo isso por um preo to pequeno I O preo de uma vi-ctrola Decca, das menores...

Antes que o rapaz me promettesse maio-res absurdos, eu, desarmado, fiz como Capablanca: entreguei-lhe os pontos. Mas frisei bem: no contasse commigo na hora de comprar os discos.

O capetinha deu uma gargalhada e con-fessou, cynico:

No precisa no, papae. Os discos eu j tenho. Mame me deu. Eu falei com ella que o sr. tinha me dado a victrola...

Astucia, teimosia e senso commercial da alma infantil! Ignacinho explorou-me du-plamente, certo, pois peto menos- aqui no serto, quem paga os presentes da mulher o marido. Mas no so essas pequeninas coisas que nos fazem amar os nossos queridos filhos?

(Bello HorUonte)

A LNGUA T U P Y Ko meu ultimo artigo falei, em relao

lingua tupy, do que poderemos chamar as analogias sensoriaes, que so todo um mecanismo ampliador do processo onoma-topaico, que assignala o perodo creador da linguagem, o primeiro commercio entre os cinco sentidos e os mundos obiectivo c subjectivo.

A formao da linguagem , na verdade, um complexo de actos fixados de posse. Linguagem apprehenso e determinao de phenomenos. Na variedade das circums-tancias.

Da synthese interjectiva o espirito agudo da emoo retornou ao exame minucioso dos factores do conjuncto emocional. A onomatopa creou os grandes pontos de referencia, os elementos primordiaes das expresses directas. A intercorrespon-dencia dos sentidos nuanou essas expres-ses. Impresses auditivas e visuaes, olfa-ctivas, palataes e tactivas, controverteram-se, cambiaram-se, ajustaram-se na entro-sagem dos instinctos enriquecidos> de expe-rincias. E a expresso objectiva multi-plicou-se, prismando-se de acepes.

Vimos, no ultimo artigo, que todas s cousas duras, resistentes, so expressas pela consonncia t; e que as cousas extre-mas, as pontas e as superfcies, tradu-zem-se na linguagem nascente dos nossos ndios pela consonncia p- E, a seguir, desenrolmos todas as conseqncias desse facto. Entre os curiosos resultados do processo formador da linguagem, encon-trmos a consonncia p, que significa ponta, extremidade, como designativa de baixo, rasteiro. A aza do pssaro, que attinge as grandes alturas pep, e as cousas chatas, que se confundem com o cho, se designam por pe,pua,peba. Porque o raciocnio se-guiu este caminho: Extremidade quer dizer limite; limite determina superfcie; super-fcie significa revestimento; revestimento conjuncto de 'planos. Portanto; planice, chateza das cousas que com ella se con-fundem. ..

Vastssimo campo offerece este assum-pto para estudos curiosos. Estas notas so apenas uma indicao de rumopara a apre-ciao da lingua dos povos primitivos, que temos, to mo. no Brasil. Agora, si passarmos das analogias das impresses para a analogia das emoes, e depois, at do raciocnio, indo sempre do mais simples para o mais complexo, as observa6s sero

mais curiosas. Finalmente, transportando-nos desses phenomenos que mais se refe-rem etymologia, aos da construco das phrases, iremos encontrar na syntaxe pri-mitiva dos aborgenes cabedaes interessan-tssimos para a pesquiza da formao dos idiomas troncos.

Estes apontamentos, quero repetir, no so orientados' por nenhum methodo, nem seguem uma ordem rigorosa. So regista-dos, apenas, de memria, sem a presena perniciosa dos livros e autores absorven-tes. Tm elles um caracter exclusivamente pessoal, de observaes e concluses pr-prias, e si no artigo anterior oceorreram alguns nomes, de autores, foram remini-scencias casuaes de leituras antigas, que de certa forma se ligam matria. Por outro lado, estas observaes devem ser tomadas com as necessrias restrices, pois so apenas illustraes para orientar pesquizas talvez mais felizes de gente mais compe-tente.

Vejamos algumas curiosidades. O valor das vogaes, por exemplo. Tenho que o phonema o, aberto ou atono,, significa sempre proximidade e claridade. O dia ara.

O phonema u exprime distancia. As cousas distantes so pretas ou azues, por-tanto, M significa tambm essas cores. Donde temos una. A noite petuna, ou pechtuna, ou pichtuna, que quer dizer vo, ou pelle preta.

Porque buraco ou cousa ca qual 6 possvel que pelo seguinte: onde vae a consonncia q, trata-se de cousa meda, pequena. Qui, gro, piolho, e quando leva a desinencia frequentativa re-re, Ji se sabe que cousa meda, em quanti-dade; quirera. Mas, o que um buraco, sino um espago pequeno, em relao aos espaos em liberdade? Portanto, deveria ser qui. Mas a vogai significa mais cousa fina, subtil. Um po o pedra per-furados deixam, entretanto, entrar pelo orifcio o ar e a luz, donde vem qu. Porque onde vae o a vae a luz.

Perguntaremos: porque ave, pssaro, i tambm ara} Ara o dia, o conjuncto das cores; ra. os pssaros trazem nas suas pennas, tambm todas as cores. Por isso o pssaro o dia. E o dia o grande pssaro das sete cores...

O nosso bicho tatu ( uma hypothese apenas) pde ser que tenha o seu nome

originado da circumstancia de entrar no buraco e tapar a entrada da luz. Como se sabe, a consonncia t exprime resistncia, cousa dura.

Vimos, no ultimo artigo, que fogo tat, e a nossa hypothese foi a de que assim se exprime o elemento igneo, pela circumstancia de nascer o fogo do atricto das cousas duras. Mas o fogo luz, clari-dade, por isso a consonncia * liga-se ao phonema a.

No tocante s analogias psychologicas, encontramos interessante material, que de-menstra a intima comunho csmica dos homens primitivos. A lua, por exemplo, Jocy. E jacy tambm quer dizer tristeza. E que a tristeza sino um luar da alma?

Mas, temos ainda caruca, que tarde. Vem, provavelmente, de caa, matto, e oc, ou uc, morar. O r evidentemente eupho-nico. A tarde , portanto, a que mora no matto. E, na verdade, mesmo quando o sol mais intenso, ha sempre debaixo das copas intrancadas da floresta, a sombra que se extende pelas razes. Quando o sol se pe, % sombra se devagarinho do matto, e vae se escorregando, extendendo-se do-minando a paizagem. a que mora no matto: caruca. Algumas horas depois, quando brilham as citats (estreitos, mes do fogo), a caruca se transforma em petuna que o vo negro da noite.

Aracy a me do. dia, ou a aurora. a me porque do seu claro que nasce o sol. Neste ponto a mythologia tupy se con-funde com a mythologia grega.

Entre as palavra mais lindas dos nossos ndios, est, certamente o nheengare. Nhem fala, falar. Nhengat, lingua ba; nhen-gahyba, lingua ruim, fala ruim. Gare correr. Como se v em igara (i, gua; gare, correr), que significa canoa, etc. Pois nhengare quer dizer canto, cantiga, ou seja a fala, a palavra jue corre:

Nhengareua um canto collectivo. Nhe-engass uma fala grande, um discurso.

Muitos outros exemplos interessantes poderiam ainda ser aqui lembrados. A ur-gncia de entregar estas laudas improvisa-das nossa "Revista de Ahtropophagia" no me permittem continuar muito. E, por isso mesmo, por ser escripto ultima hora, o artigo perdeu em methodo, em constru-co: mas com isso ganhou por ter ficado menos preteaeioso...

PIlHlo Salgado

8 Revista de Antropofagia

BRASILIANA i i

IDEAL De uma entrevista da actriz Margarida

Max para o Para todos do Rio, n. de 20.8.37:

"O meu ideal ter o applauso das famlias." COMRCIO

Telegrama de Fortalesa para a Folha da Noite de S- Paulo, n. de 11.2.028:

"As padarias que se encontravam em greve acabaram com essa situao. Mas prometteram que se forem multadas nova-mente, por qualquer motivo, mesmo que seja fraude no peso do po, voltaro a fechar os estabelecimentos."

PRESTAO DE CONTAS Declarao na seco livre do Jornal do

Commercio de S. Paulo, n. de 16.9.924: "No dia 15 de Setembro de 1924, s

9,15 horas da manh, encontrando-se, na praa Dr. Joo Mendes n. 6, lugar esse onde o Snr. Ezequiel Martins trabalhava, sendo at aquella data vendedor do Caf Assembla.

Encontrou um senhor que se chama Paulo Morganti que um dos propriet-rios, com muita exigncia relativamente a uma pequena quantia em que se achava atrazado- O dito reclamante (e dito por ele atrazado), o Ezequiel quiz lhe pagar o dinheiro que tinha recebido da respectiva freguezia, no querendo o Sr. Paulo Mor-ganti recebel-a. Ficou por isso muito ner-voso, pegando nos tales de recibo e jo-gando-os ao rosto de Ezequiel Martins. Ezequiel Martins vendo que eram arre-messados os tales na prpria cara, faz ver ao commercio em geral que nada fica de-vendo aos ditos senhores sob pena da lei.

Eu que o fiz e que o escrevo, e por falta de tinta, no lugar onde me acho, pedi para um amigo, por muito favor, para me deixar reconhecer minha to digna firma, sendo isto.publicado no dig-nssimo "Jornal do Commercio". (a) Eze-quiel Martins."

FESTA NACIONAL Circular da Sociedade Beneficente "Ami-

gos da Ptria' de S. Paulo distribuda este ano:

"Desejando fazer as festas nacionaes de 13 de Maio como nos annos anteriores que constar:

A commisso sahir da sede social s 8 horas da noite com o seu estandarte de honra e bandeiras de diversas nacionali-dades acompanhadas pela banda Musical "S. A. Silex" que percorrer as ruas cen-traes, cumprimentando as autoridades e a imprensa; em seguida ir para o salo da Rua Baro de Paranapiacaba N. 4, onde haver sesso solemne e a conferncia feita por um benemrito; em seguida ha-ver leilo de prendas. Terminar com um animado baile que se prolongar at ao romper d aurora, e cujo baile por pedido de sodas.

Offerece-se um convite a todos que au-xiliarem. O Presidente-Fundador (a) Salvador Luiz de Paula."

ORATRIA Convite para uma conferncia realizada

em S. Paulo: E N T R A D A Programma a escolher

1." Trabalhar viver 2.* Impresses da Amaznia 3.* Preta casou com branco e vice versa... 4.' Saber fazer...? Saber amar...? Saber

viver...? 5." S. Paulo e o seu progresso 6.* Os burros tambm faliam... Dia 30 Outubro 1927 SaloAssociao 15 Novembro 22 Horas 15,16 h.

(a) LUIZ LEITE "ETHER" ser o titulo de uma pro-

ducco' literria que de futuro terei de escrever em S. Paulo.

'IOJOOO,"

BAHIA ASCENSO FERREIRA

Bahia Vatap! Bahia Carur! Bahia Aca! Bahia Oxinxin!

Abar! Acarag! Efl Carur!

Brasil de besteiras, Brasil travesti, Brasil camoufl, Te damna Brasil!

Te damna Fetit-pois! Te datnna Macarro! Te damna pat-de-foie-gras 1 Viva o Carur!

YOYO! YAYA!

Eu quero virar bahiano! Eu comi hoje a alma bahiana, na mesa lauta da preta Eva! Por isso sinto em mim graves tendncias de orador! Olhem, ou vou at fazer um discurso! La vai tempo:

Meus senhores! Recife tem pontes, Recife bonito, Tem "Bois", tem Reisados, Tem Maracats...

Porm o Recife No tem mais as Evas De chals vistosos, Vendendo de tarde Peixe frito, Agulha frita, Siry cosinhado, Piro de Arat!

Emquanto a Bahia Tem tudo e inda mais: Tem 365 Igrejas! As mais lindas Igrejas do Brasil!

E tem Vatap! Oxinxin! Ef! Carur!

Viva a Bahia! Canudos da tradio do meu Brasil!

(Recife)

'. O. S. A REVISTA DA ANTROPOFAGIA j tem para publicar em

seus prximos nmeros nada mais nada menos do que 37 poesias: no possue um nico trechinho em prosa.

Ela dirige assim aos novos do Brasil este radlogama des-esperado. :

S. O. S. SOCORRO. ESTAMOS NAUFRAGANDO NO AMA-ZONAS DA POESIA. MANDEM URGENTE PROSA SALVADORA.

A.< D E A. IA.

ANNO I NUMERO. 3 500 RS JULHO - 1928

Revista de Antropofagia Direco de ANTNIO DE ALCNTARA MACHADO Gerencia etc. de RAUL BOPP

Endereo: 13, RUA BENJAMIM COHSTANT - 3. Pav. Sala 7 - CAIXA POSTAL V 1.269 - S O P A U L O

C A R N I A

Numa conferncia h pouco realizada na Faculdade de Direito de So Paulo Baptista Pereira esguichou um pouco de Cruzwaldina na epidemia positivista que assolou e ainda hoje assola este pas condoreiro. Pode parecer bobagem a gente ainda se preocupar com tal cousa. Pode parecer s: porque no . Nin-gum est claro vai se dar ao trabalho de com-bater o positivismo hoje em dia. Mas preciso de uma vez por todas liquidar com esse cad-ver que enterrado desde muito na Europa foi exumado por meia dzia de fivelas e trazido para o Brasil onde continua empestando o ambiente.

Qusi todas as tolices iniciais da Rep-blica a gente deve aos austeros namorados pstumos de dona Clotilde. Assim como entre ns sujeito mal cheiroso para todos os efei-tos filsofo bastava algum fazer parte da igrejinha Ordem e Progresso para ser consi-derado logo sbio, gnio, armazm de virtu-des, torre de honestidade.

No digo que se coma semelhante carne. E' cousa que j a cozinha ref ugou, o cachorro no quiz, os corvos no aceitaram protestan-do virar vegetarianos caso insistissem. Tam-bm deixar na dispensa envenenando as vare-jeirxs no possvel.

Da o melhor pr a carnia num tanque de creolina e recambia-la para a Europa. Com este bilhete: Preferimos sardinha. Que marca vocs querem? Amieux, Philippe & Canaud ou aquela de saudosa memria d- Pedro Fer-nandes inexplicavelmente desaparecida do mercado desde 1556?

ANTNIO DE ALCNTARA MACHADO

N O MEIO DO CAMINHO

No meio do caminho tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

tinha uma pedra

no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento

na vida de minhas retinas to fatigadas.

Nunca me esquecerei que no meio do caminho

tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

no meio do caminho tinha uma pedra.

(BELO-HORIZONTE)

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

"A BARBRIE DURA SCULOS. PARECE QUE SEJA ELA O NOSSO ELEMENTO: A RAZO E O BOM-GOSTO NO FAZEM

SENO PASSAR"

D ' A L E M B E R T - Discurso preliminar da ENCICLOPDIA

R e v s t a d o ^ A n t r o p p f a ^ ^

B A L C O INDIFFERENA a Oawald de Andrade

Paris Nova-York Roma! Cabarets correria de casares arte?

A partir deste nmero a REVISTA DE O sol de meu paiz tem os longos cabellos de ouro ANTROPOFAGIA publicar gratuitamente As palmeiras do meu paiz so verdes todo e qualquer anncio de compra e venda ruto* amareiios de livros que lhe for enviado. Nos {roncos h u m i d o s d a s b a n a n e i r a s

vivem curiangos ~" nas folhas molengas

passeiam tatouranas cabelludas

LIVROS A' VENDA: Quintaes! Amarellos

Ouro sobre verde

Na Livraria Universal (r. 15 de novem-bro n. 19S. Paulo):

S.Leopoldo Provncia de S. Pedro , do Rio Grande do Sul - 2.' ed. V e r d e e o u r o sob azu l

Monteiro Baena Compndio Par. c , , , Sob ns palmeiras do meu paiz meu pensamento

Nesta redaco: b u s c a s o n h o s

como passos de namorados nas caladas Blaise Cendrars L'Eubage Com _ , ,

5 gravuras de J. Hecht - 1/ ed. - ex. n. 698 so1 do m e u p a i z t e m os longos cabeI los de o u r o

1926 preo: 15$000. (BELO-HORIZONTE) Jean Cocteau Le gfand cart

1924 preo: 5$000. ACHILLES VIVACQUA Andr Breton Les pas perdus

1924 preo: 5$000.

LIVROS PROCURADOS: sahiu e custa A Livraria Universal (r. 15 de novembro ^\J\JXJ

n. 19 S. Paulo) compra, pagando bom o FIOVO IVI"0 d e preo:

Revista do Instituto Histrico Brasi-

^ - R ^ r e ^ t o 1 - 2 2 ^ , . f LCAMAAA MACHADO Ruy Barbosa Replica. Oliveira Lima D. Joo VI no Bra-

sil 2 vs. Alm disso, adquire bibliothecas. Yan de Almeida Prado (av. Brigadeiro

Luiz Antnio n. 188 S. Paulo) compra: Balthasar da Silva Lisboa Annaes

da Provncia do Rio de Janeiro em bom estado. n J I J

Mello Moraes Chorographia Histo- a i a o s P a r a

rica - - 5 vs. . , CAIXA POSTAL

Esta redaco compra: KI A of&Q

Simo de Vasconcellos Vida de Jo-seph de Anchieta.' S 9 O P UIO

LARANJA DA CHINA

Revista de Antropofagia p o f a g i

CONVITE AOS ANTROPFAGOS

Meu caro Antnio de Alcntara Machado.

Vocs no esto cumprindo bem os seus deveres de antro-pfagos. E' verdade que voc enguliu num timo o dr. Fer-nando de Magalhes e que o nosso querido Mario, no espa-o de uma s manh, deglutiu perfeitamente Gandi, Lenin e Luis Carlos Prestes (com grande nojo do Graa Aranha, que viu nesse petit djeuner canibal uma es-candalosa con-fuso de valo-res) . Mas para a sanha de quem via vindo a nos-sa comida pu-lando, confesse que pouca a aferrao men-tal dos compa-nheiros.

0 jovem An-tnio de Santa Engracia, reda-ctor de sueltos

'Jornal do \ ^ " -

por exemplo, meteu-se a de-vorar o Mario, no digeriu e revesou aquele

0 meu amor, rapazes,

que me embrulhou o estma-go de uma vez. Assim no se pode comer!

Mas o principal assunto desta carta no c nada disso.

DESENHO de ROSRIO FUSCO de CATGUAZES

no Brasil", tem ra-zo: os antrop-fagos esto abu-sando da goia-bada. O Brasil corre, neste momento de bra- Eu queria apresentar aos an-silidade modernista, o risco de tropofagos o dr. Arthur Im-degenerar em Republica de bassahy, autor deste pedao Pesqueira. Ora, eu apesar de de prosa estampado no "Jor-pernambucano, no gosto nal d Brasil" de 28 de ju-

"Alvorada dei Gracioso" e o "Jeux d'eau". Lamenta-ra eu, entretanto, que o programma estivesse mes-clado com aquelles produ-ctos de uma inspirao en-fezada, nascidos exclusiva-mente do calculo, sem que por elles passassem os ef-fluvios do corao, cujo

valor .nico de-pende somente de um execu-tante de brilho, dotado de uma technica como a do temido vir-tuose, sob cujos dedos aquellas paginas alcana-ram um colo-rido que at es-te momento eu desconhecia."

O dr. Imbas-sahy critico musical do "Jor-

-77 nal do Brasil". 77*rvixA^'

X/0cp H dez anos se ' N 9LP' bate pela aspira-

muito da goiabada de Pesquei-ra: prefiro a de Campos que tem casco. Admito a goiaba-da (como sobremesa), mas exijo o casco.

Convm, outrosim, chamar a ateno para a dispepsia pre-coce de alguns curumins an-tropfagos. O Rosrio Fusco,

nho:

"Cario Zecchi um pia-nista de to diamantina tempera que chega a fazer supportar sem enfado e at mesmo a se ouvir com cer-to interesse aquellas duas estravagancias de Ravel:

aspira-o de ver le-vantada a tam-pa dos pianos

nos nmeros de acompanha-mento. Tem, como se v, in-contestvel competncia em assuntos musicais. Antropfa-gos, eu proponho a deglutio imediata do dr. Imbassahy!

Verdade que a carne du-ra. Mas pode-se entregar o pior pedao ao empresrio Fe-licio Mastrangelo, que tem bons dentes, ar feroz ,e exce-lente estomagp.

Seu, muito cordealmente, MANUEL BANDEIRA.

R e v i s t a d e ^ A n t r o p o f a g i a

3 POETAS E 2 PROSADORES

RUY CIRNE LIMA Co-lnia Z e outros poemas Porto Alegre 1928.

Acho que Ruy Cirne Lima faz versos como criana faz barquinhos de papel. Distrai, no irrita ningum e chega mesmo a interessar a gente. A gua da chuva leva os barquinhos. Pronto: desapareceram. De vez em quando um deles d voltas divertidas, a gente tor-ce afunda! no afunda! , vai pu-lando que uma boniteza. No sai mais da memria. .

Paisagista simples da terra gacha o poeta detesta violncias e alturas. No se afasta do quotidiano sossegado, gos-ta que se regala dos quadrinhos ino-centes. No entusiasma os leitores. Mas os leitores lhe ficam querendo bem.

Madrugada (que esta revisteca dos meus pecados publicou no seu segundo nmero) excelente: a melhor cousa do Colnia Z. Mas o livro tem outras cousas boas: Moleque, Negro velho. Cano dos pescadores, Lirismo. Os poemas so qusi todos assim: A veneziana deixa entrar o sol e o vento cheio de perfumes frescos. As aves acordaram, no quintalejo. Ha revoadas varando o asul. Ha marulhos de arroio nas folhas

verdes. O galo vae cantar.

As estilizaes de ngelo Guido no me agradaram nem um pouco.

NICOLS FUSCO SAN-SONE La trompeta de Ias vocs alegres Mon-tevideo 1925.

0 livro de trs anos atrs. Mas como vem de fora pede ser considera-do novidade aqui.

O poeta tinha dezenove anos quando o escreveu: diez y nueve trampolines de voluntad y de alegria diz Juan Par-ra dei Riego num prefcio em que eu encontro frases que bem poderiam ter sido escritas por Graa Aranha. Porm isso .no vem ao caso. O que importa a maneira desenvolta com que o poe-ta solta sua poesia

como una bandera para que jueguen con ella ei sol, ei viento y ei mar.

0 livro tem mocidade at dizer che-ga: exaltado, gil, contente e baru-lhento. Est cheio de imagens, de ar-rancos, de odes. Em todas as suas p-ginas h mar, h estrias, h frutas, h manhs, crianas correndo, pssa-ros voando. No meio de tudo isso Ni-colsjoga seu corao pra que tam-bm pule de vibrante ansiedad nueva hasta encontrar ei canto ms sano que renueva e impulsa Ia sangre y ia vida en una carrera audaz.

Naturalmente esse febre a estas ho-ras j deve ter baixado um tanto. Essa fora ainda incontida no La trompeta d Ias vocs alegres com certeza hoje em dia se poupa mais tem assim maiores reservas de energia para proe-zas futuras. Seja como fr poeta que comea desse modo certo que conti-nue sempre

saltando todoB los obstculos dei jnond

cual si fuera un travieso cabrito..

Assim queira Deus. JLIO PATERNOSTRO Olha o caf! So Paulo 1928.

Diz Jlio Paternostro apresentando seu primeiro livro: Gosto de ver as cousas sozinho sem me apontarem. Tem bom gosto. E tima regra para quem principia. Mas apesar da declarao a gente percebe o dedo de Ribeiro Couto mostrando ao autor as cousas ou al-gumas cousas que esto no Olha o ca-f! Mostrando s. Sem descrever. O re-cheio mesmo de Jlio Paternostro.

E agrada. Mais de uma vez agrada bastante. Tarde comea assim: Uma casa amarella est parada deixando as jancllas pegarem fogo.

Assim acaba Z Cabra o: O sol vermelho apertava o morro que nem o leno molhado que o Z Cabro tinha no pescoo...

Imagens e o mais do estilo no fal-tam no livro. Paternostro brasileiro. Depois mocinho. Com a idade dir as cousas mais directamente. E deixar esse lugar-comum da nossa poesia actual (j censurado por Mario de An-drade): meninice. E outros lugares-co-muns: circo de cavallinhos, cidadezi-nha do interior, preto velho, Brasil dos primeiros anos o assim por deante.

Das qualidades evidentes do poeta destaco esta: Jlio Paternostro mali-cioso. Vejam Escola c Bento Manuel Ribeiro. Reproduzo aquela: Hoje houve casamento de gamb com raposa! E foi de tardezinha quando a guryzada sahia da Escola... E as meninas e os meninos pareciam uma poro de letras a-e-i-o-u dependuradas dansando nos fiozinhos de ouro do sol . . . Tambm havia um guarda-chuva era... a professora!

Fiozinhos de ouro do sol e horrvel. Mas h no resto qualquer cousa que en-che a gente de esperana no futuro potico de Paternostro. De forma que eu acredito que essa e outras descui-das tenham o seu lado til: tropeando que se aprende a andar (no reivin-dico para mim a paternidade da frase).

A naturesa-alegre de Paim compensa na capa a feira do ttulo.

DARCY AZAMBUJA No galpo 3." ed. Porto Alegre 1928.

Obra coroada pela Academia Brasi-leira de Letras. No entanto a gente pode abrir o livro sem medo. E' bom. Muito bom at. Seria timo se tivesse sido escrito mais ou menos pela poca do Pedro Barqueiro de Afonso Arinos. Em todo o caso no atingiu ainda vinte edies porque nem todos os dias apa-rece um Rui Barbosa camarada.

So historias puavas dos pagos do

gacho altanado. Com cheiro de flte suado, estrupicio de rolo nos domingos vadios, riso do chinaredo cosquilhoso, logros contrabandistas nos guitas da fronteira.

Se o estilo fosse menos acadmico e mais humano, se o autor escrevesse com o sabor que tem a fala de suas personagens, a maneira dele fosse mais directa de forma que os contos sassem da pena dele e no da boca de um palrador entre duas mordidas no ma-tambre sangrento (como qusi sem-pre acontece no livro) e ainda houves-se mais novidade nos assuntos e me-nos adjectivos e anexos enfeitando- os perodos, No galpo por mais de um motivo seria obra d se lhe tirar o chapu.

Mas tal como j marca a nankin o nome do autor. Darcy Azambuja tem a faca e o queijo na mo.. O gito de cortar e servir a roda faminta que decidir de sua modernidade daqui pa-ra deante. E' bom no entanto inda-gar primeiro se le faz questo de ser carimbado moderno.

ANTNIO DE ALCNTA-RA MACHADO Laranja da China So Paulo 1928.

Alcntara ganhou fama (ou cousa parecida) de gozador e de seco desde 0 Path-Baby. Brs, Rexiga e- Barra Funda no deu para desfazer essa fa-ma (ou cousa e tal). Bom. Vamos ver agora o que diro do Laranja da Chi-na. No fundo (desconfio muito) Alcn-tara no est fazendo questo de pa-recer seco ou molhado, gozador ou so-fredor. Alm de ser e parecer quanto possvel Alcntara acho que nada mais o preocupa.

Laranja da China tem um geito de catlogo brasileiro. E' uma imitao-zinha de tipologia nacional. Isso no quer dizer que o desembargador La-marne de Campos ou o guri Ccero Melo de S Ramos (para s citar dois) sejam produtos privilegiadamente in-dgenas. L fora tambm nascem. Mas acontece om eles o que acontece com o caf: tm sabor quando so daqui.

Dito isso est dito tudo sobre as in-tenes do autor (se que houve in-tenes). Querer descobrir mais no adianta nada. Principalmente tratan-do-se de histrias que podem ser tudo menos pretenciosas. O melhor portan-to aceitar o volume realizado sem procurar saber porque foi realizado assim e nao assado. Depois quem pu-blica hbros trata primeiro de passar um pano nele para enxugar o suor que custou. , O ponto de vista do autor desapa-

rece impressa a obra se esta de pura inveno. Gosto ou no gosto ainda o modo mais certo da gente dar sua opinio em matria de arte. Eu que acompanhei a construo do Laranja da China palavra por palavra no pos-so evidentemente separar o resultado do caminho percorrido para chegar at ele. Meu JUZO seria fatalmente par-cial por vrias razes de ordem afecti-

n?A,?em a s s l s t l u a o e s f o r c aprecia o produto sempre em relao a esse es-

f j ? i ? 3 U e *?t* i u s t a m e nte uma das funes da crtica: desmanchar o brin-quedo para ver o que tem dentro. Podo ser. Eu nao entendo nada de criUca.

A. DE A. ML

JRejfJ^adeAniropofaala

COMIDAS MARIO GRACIOTTI

0 sr. Coelho Netto foi co-roado. Quem fez a bruta fes-tana foi a redaco do Ma-lho. Botaram na cabea delle uma coroa. Dizem que de prncipe. Tinha louros e espi-nhos cahindo pelas costas. Depois, encheram os ps com perfumes. E um sujeito gros-so lascou uma falao virgu-lada, que ningum entendeu.

Eu tive vontade de pegar no pescoo do Coelho Netto e botar elle no espeto. Para as-sar, feito churrasco. E comer. E dar a coroa de prncipe ao Adelmar Tavares. Pra engor-dar mais o bicho.

Infelizmente, o Brasil teve um prncipe na prosa. Teve. Hoje, feito comida, elle est ahi. E foi votadissimo. Se foi. Aos milhares. Intensamente votado pelos mirins desta ter-

ra de palmeiras. Gosado mes-mo.

Antes de comer a comida principesca:

"Meus irmos. 0 dia de ho-je dia santo para as tabas. Tem carne de prncipe. Ve-lha, mas no importa. Ns te-mos dentes de ao. E o fogo cozinhou que uma boniteza. Pois bem, a gente comendo o Coelho Netto, sem alluso ao quadrpede veloz das matta-rias, tem duas gostosuras: se enche a barriga e se presta um servio, deste tamanho, s letras nacionaes. Ha sujei-tos que tem s um destino: serem comidos. 0 nosso prn-cipe tinha esse, mas foi demo-rando, demorando, at que envelheceu. Mas, agora, est ahi, nuzinho, meio tostado, no espeto, quente que nem

um Churrasco. Pra no des-agradar a vista, mandei tirar os pelinhos brancos. Assim, a gente tem a impresso de coisa nova. E tudo o que novo, inclusive carne, tem sa-borosa attraco.

Coroado, tornou-se comple-tamente inoffensivo. Comido, esse indivduo, que andou fa-zendo muita malandragem em papel innocente, no. tem mais razo de ser. Felizmente, desse estamos livres. Em-quanto fazemos a digesto do sr. Coelho Netto, vamos espe? rar que o Adelmar engorde mais. Aquillo outra comida. E das boas. Tem carne e ba-nha que no acaba mais. E ainda no tem coroas e espi-nhos pela cabea."

Rapazes, podem trazer os palitos!

A Revista de Antropofagia

publicar em seus prximos nmeros trabalhos de:

Mario de Andrade. A. C. Couto de Barros,