anna roosevelt - arqueologia amazônica

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  • ARQUEOLOGIA AMAZONICA

    Anna C1II1enills Roosevelt Tradufiio: Johll Malluel MOllteiro

    A Amazonia tem sida ha muito tempo fo-CQ de urn debate a respeito do impac-to do ambiente umido b-opical sabre o desenvolvime nto das cu]turas indf-genas. Muitos veem a Amazonia como um am-bie nte pabre para 0 hom em, um "falso paraf-so" que illibiu 0 crescimento populacional e o d esenvolvimento cultural, em compara~ao com as areas aridas montanhosas e costeiras do oeste da Ame rica do SuI. Do meSITlO mo-do, suas cultums pn-hist6ricas tem sido .sso-ciadas a iniluimcias, migra90es e invas6es pro-venientes do exterior. Apenas raramente a Amazonia e vista como um ambiente rico pa-ra a adaptar;;ao humana e Fonte de inovae;;ao e difusao de cultur. pn' -historic . Nao e facti es-tabelecer qual 0 ponto de vista mais corre to, dada a parcimonia de informal,;3.o arqueol6gi-ca basica.

    Uma nova visao cia pre-hist6ria arnazonica

  • 54

    y.1-"", I "L.~ l f i ( \ ! \

    H1ST6H 1A DOS fNOIOS NO BH,\ SIL

    reconhecida ante rionnente. A maim- parte da extensao das viI-zeas dos principais rios pare-ce ter es tado repleta de asse ntamentos huma-nos, e consided,veis sistemas de terrapJenagem foram elaborados tanto nas varzeas quanta !las areas interfluviais. Este rico e complexo qua-dro da Amazonia pre-hist6rica contradiz ao-tigos pontos de vista baseados na ide ia cia po-breza ambiental.

    Inovac;ao cultural e desenvolvim ento nao eram esperados na Hfloresta umida tropical", considerada muito densa para 0 deslocamen-to faei], muito pobre em recursos animais e ve-getais comestiveis para mante r ca9adores-coletores, por demais unifonne em te rmos cli-maticos para suscitar a 1..rrigac;ao e com solos muito empobrecidos para a agri cultura inte n-siva (Altenfelder Silva e Meggers, 1963; Lynch, 1978; 1983; Meggers, 1954, 1971; Sanders e Price, 1968; Steward, 1949). Sem a possibili-dade da agricu]tura in tensiva, pensava-se que o crescimento populacional dos indfge nas te-ria sido lilnitado e 0 desenvolvimento cultu-ral local restrito a seque ncias relativame nte curtas e simples.

    As maiores inova~oes culturais pre-hist6-ficas na Ameri ca do Sui - agri cultura, ced'i.-mica e complexidade cultural - eram consi-deradas como provenientes dos Andes, dorm-:-Ilia do Imperio In ca, e pOl'tanto seu desenvol-yimento na Amazonia foi geralm ente atribuf-do a influencias externas. A seq(iencia das cul-turas locais na Amazonia foi interpretada co-1110 produto d e uma serie de invasoes e migra-c;6es andinas. 0 paddio de vida carac te rfs tico da Amazonia indfgena na atualidade - peque-nos grupos vivendo em bandos independe n-tes e igualitarios e aldeias com modo de sub-sistencia baseado e m agricultura itine rante,

    ca~a e pesca - foi projetado nos tempos pre-hist6ricos como produto da degenerac;ao das culturas andinas no pobre ambiente t ropical umido.

    A teoria "am bie n tal", quando primeiramen-te apHcada as terras baixas tropicais enquan-to orie ntac;ao para a pes qui sa de campo, tornou-se uma especie de profecia auto-expli-cabva, que evitava as evidencias que nao se coadunavam. Indfc ios de Ocupa90es pre-cera-micas aparentemente precoces tern sido con-testados ou ig norados; e quando as ocupac;oes ceramicas nas te n'as baixas produziram resul-tados radiocarbonicos indicativos de sua anti-

    -

    g uidade, foram interpretadas como nao-agrfcolas, ou as datas foram contestadas ou ig-noradas (Evans e Meggers, 1968; Rouse e Al-laire, 1978; Meggers e Evans, 1978, 1983; Roo-sevelt, 1978, 1980, 1989b, 1991a; Hoosevelt et alii , 1991; Simoes, 1981; Vargas, 1981; Williams. 1981) . Quando, em meados deste seculo, as pri-meiras pesquisas pronssionais revelaram a exis-te ncia de cul turas construtoras de sambaquis nas v~l.rzeas da Grande Amazonia, estas foram ge ralme nte atribufdas a influencias externas, As sofisticadas culturas de origem andina fo-ram consideradas com o tendo decafdo sob a influencia do ambie nte tropical , sendo suas p opulac;oes dizimadas pelos rigores ambien-tais (Meggers, 1954; Meggers e Evan s, 1957).

    Contudo, novas resultados de testes radi o-carbonicos rnostram que as terms baixas tive-ram priori dade cronol6gica sabre as areas montanhosas no desenvolvime nto da ce ram i-ca e das ocupac;oes sedentarias. Existe urn con-senso em torno das evidmcias recentes que confirmam a hip6tese de que a influencia pro-veniente das tenas baixas tropicais contribuiu para a desenvolvime nto da agricultura e da complexidade cultural nos Andes (Burger. 1984, 1989; Sauer, 1952; Lathrap, 1970, 1971, 1974, 1977; Towle, 1961; Lanning, 1967; Sto-ne, ed., 1984). Nos Andes centrai s, tanto a ce-ramica quanta as grandes e permane ntes con-centra90es popul acionais apareceram muito mais tarde que nas terras baixas.

    As mais antigas culturas complexas conh e-ci das na Ameri ca do Sui ainda parecem ter se d esenvolvido na area andina no perfodo pre-cerarnico tardio, cerca de 2500-1000 a.c. , mui-to antes qu e na Amazoni a, ollde e las parece m te r surgido pel a prime ira vez no primeiro mi-le nio a.C. Entretanto, apesar de as sociedades complexas da Amazonia aparecerem mai.s tar-de que as primeiras andinas, nao e mais pos-sfvel trata-Ias como provenie ntes dos Andes. Esta claro que os "cacicadosH na Amazonia pJ'ovieram diretam ente de culturas ceramicas anteriores da Amazonia oriental , hem distan-te clos Andes. A mais antiga de las foi encon-trada no baixo Amazonas e sua influencia difundiu-se, a partir daf, em dire9ao as varzeas pre-andin as, e nao 0 contrario. Muitas das so-ciedades complexas das te rras baixas parecem te r sido cul turas de longa dura~ao que, ao in-YeS de terem decafdo no ambi ente tropical, antes cresceram em escala e soflsticac;ao ao

  • Iongo do tempo, e muitos dos seus sitios camc-terizam-se como urbanos em tamanho e com-plexidade.

    E ntretanto, resta explicar por que os An-des tiveram as primeiras sociedades com ple-:taS e pOl' que as amazonicas surgiram quando surgiram. A resposta parece repousar tanto em aspectos ambientais quanto na demografia his-torica. A ascensao de precoces culturas com-plexas nos Andes parece estar relacionada com o aumento da densidade popuiacional e da competiQao num territorio ecologica e topo-graficamente circunscrito. Apesar de os ricos recurs os de fauna e flora dos rios e estuarios amazonicos fomentarem, desde cedo, gran des assentamentos pennanentes, 0 aumento da Oensidade populacional regional parece ter ne-cessitado de muito mais tempo nas vastas ex-tEnsoes da Amazonia que nos Andes, e as mais .mtigas sociedades complexas amazonicas co-nbecidas apareceram mais de mil anos apos .as p rimeiras andinas. Parece que as vas tas ex-tensces da Amazonia foram mais capazes de .ilisorver a expansao populacional que os cir-cunscritos vales dos Andes. A emergencia de cuJturas complexas na Amazonia parece tel' ocon;do apenas quando a intensificaQao do cres:cimento populacional ao longo das varzeas dos rios provocou uma competiQao pelas ricas .ueas agricultuniveis e de pesca (Carneiro, 19; 0; Lathrap, 1970, 1974).

    .\ ssim, a seqiiencia pre-historic a que esta emergindo para a Amazonia nao sustenta a vi-sao de uma ocupaQao pre-hist6rica prejudica-cia por urn meio ambiente pobre em recursos. \0 inves de sequmcias culturais curtas e de-m--adas, e de ocupaQces ligeiras, temos agora aidencias de uma seqiimcia longa e comple-

    de ocupa90es substanciais de prolongada dnrac;ao, de sociedades complexas de larga es-cala e de consideraveis inovac;oes e influencias ?Uiindo cia Amazonia para outras areas.

    - _U/BIENTES AMAZONICOS

    \. teoria ambiental do desenvolvimento cuItu-!"3! da Amazonia nao previu corretamente a

    - aria indigena cia regiao devido, em parte, nosso poueo acurado conhecimento das ca-

    !3Cterfsticas do ambiente para a adaptaC;:lo hu-mana, que fornecia, assim, implica90es e1'ra-

    - sabre 0 possivel carMer e extensao da ocu-~o humana. 0 hahitat basico dos povos pn:-historicos foi caracterizado como densa

    ,\HQ UEOI.OGIA ,\/.! ,\Z01\ ICA

    loresta tropical umida com solos acidos po-bres, incapazes de proporcionar aos ca9adores-coletores uma abundancia de animais e plan-tas comestfveis e inadequados para a adoc;ao da agricultura intensiva. Esta limitagao na pro-dutividade do modo de subsish~ncia foi vista, pOl' seu turno, como fatar que constrangia 0 aum ento cia densidade populacional e a per-manmcia dos assentamentos e, em conse-qi.iencia, as possibilidades de desenvolvimen-to autoctone de culturas complexas.

    Entretanto, as varzeas amazonicas, locais onde a grande maioria das pes so as viveu nos tempos arcaicos, divergem de modo cons ide-ravel cleste quach'o de ambiente de floresta tro-pical llmicia. A maior parte destas areas pos-sui ricos solos aluviais e urn clima sazonal ca-racteristico do cerrado, com floresta tropical seca e vegetac;ao de savana. A area apresenta vantagens no suporte dos grupos humanos em 1'ela93.0 a regiao andina, onde se destacam eli-mas muito aricios, solos frequentemente pou-co vantajosos, temperaturas diminutas e bai-xa biomassa. As varzeas da Amazonia, com precipitac;oes relahvamente abundantes, for-tes radiaQoes solares e solos ricos, oferecem alta quantidade de biomassa aproveitavel e ex-celentes recursos para 0 cultivo de plantas.

    A Amazonia e freqiientemente considera-da como urn ecossistema pobre em nutrien-tes, em bora a disponibi lidade destes varie enormemente em fun

  • 56 IIIST6nlA DOS i1\0I0S NO BIIASIL

    sem atentar se es tes form avam as ri ces alfisso-los de terra Taxa OU os notavelmente pobres oXlssolos e ultissolos. as alfissolos tem demons-trado urn alto patencia] para 0 cultivo, sendo usados na agricuitul"a comercial intensiva em diversas par tes do mundo. como para 0 cultivo cia can a e do abacaxi no Havaf e do arroz seea 110 sudeste da Asia (Hoosevelt, 1980).

    Nao foram seriamente con sideradas, iguaJ -mente, as vastas extensoes dos ricas solos all!-viais das varzeas amazonicas que se desenvol. veram' a parti r de sedimentos erodidos dos An-des. Estes solos, abrangendo os molissolos, vertissoIos, inceptissolos e entissolos, configu-ram lim conjunto valorizado munclialmente pOl' seu potencial para 0 ('ultivo intensivo tanto de culturas 31luais de graos, como 0 milho e 0 a1'-roz, quanto de culturas industriais, com o 0 al -godao e a juta. Estes solos sao caracteristicos de areas de alta produtividade como as bacias dos rios Nilo e Ganges e 0 cinturao do milho da America do Norte. Na Amazonia, as areas mais extensas destes solos encontram-se no in-terior e nos de ltas dos rios costeiros, como os Ihanos cia Amazonia boliviana, as planfcies cia ilha de Marajo, a planfcie costeira da Guiana e a delta do rio Apure, no medio Orinoco, areas es tas nas quais 5e localizavam as principais 50-ciedades compl exas pre-historicas tardias, tais como as culturas Moxos, Chiquitos e Maraj oa-ra (Brochado, 1980; RoosevelL, 1980, 1991a). Pa-ra alcant;;ar alta produtividade esta5 terras re-querem varios beneficiamentos tais como a sul-cagem para ven tila~ao, canais para drenagem ,

    capina~ao con stante e a constru t;;ao de canais e aterros para 0 b:ansporte, mas estas sao ativi-dades que demandam investimentos de traba-lho em larga escala que as sociedades comple-xas nonn almente empreende m.

    a clima da maior parte da Amazonia (Gal-vao, 1969; Nimer, 1979; SegrafilBGE, 1977) tem sido igualmente mal interpretado, sendo geralmente caracterizado como uniform emen-te de floresta tropical umida. De fato, gran des areas da Amazonia posslIem um clima sazo-nal de savana (cl ima Aw do sistema de Koep-pen), com precipita~oes relativamente baixas e sazonais e vegeta~3.o de floresta de galeria, floresta seca e savana. 0 desfolhamento inten-sivo que ocorre nestas areas, nos meses de se-ca, aparece nas imagens do Landsat. A Ama-zonia foi , c1'1 mesma forma, ainda menos de n-samente recoberta de fl orestas no perfodo

    pre-hist6rico. Os clados apresentacios pelo n.l-dar rasb'eador tern revelado grandes areas com pad roes de erosao tfpicos de vegetat;;ao aber-ta, sugeri ndo a existencia de desflorestame n-to mesmo sob os climas mais aridos do passa-do; ademais, os pad roes de varia~ao biogeo-grafica das especies, a geomorfologia do pass ado eo p6len paleontol6gico, todos suge-rem que 0 clima sazonal de savana [oi ainda mais generalizado que no p resente (Ab'saber, 1977, 1980; Absy, 1979; Kronberg et alii , 1991; Campbell e Frailey, 1984; Prance, org. , 1982; Tricart, 1974).

    E mbora se tenh a pensado que a forma~ao da flore sta seca e da vegeta~ao de savana era procluto de explorat;:ao preoat6ria recente des-tas areas (SioH , org. , 1984), as evidencias ar-queobotanicas provenientes das novas escava-90es ai realizadas (Garson, 1980; Hoosevelt, 1980; Hoosevelt , 1989b, 1990a, 1990b, 1991a; Smith e Roosevelt, s.d.) demonstram que es-tes tipos de vegeta~ao tem se apresentado nes-tas areas de forma generali zada bel muitos mi-lhares de anos. Se eles sao produto da explo-

    ra~ao humana, entao eJa come~ou ha milhares de anas. Botallicos e geografos tem encontra-do evidencias de repetidas queimadas na fl o-resta realizadas hi mais de mil anos, tendo al-gumas areas sido retomadas pela flon~sta alta apos a dizima~ao das popula~oes nativas pel a conquista europeia (Bush et ali i, 1989; G. Prance, A. Anderson, P. Fearnside e C. Uhl ,

    comunica~ao pessoal; dados Geochron de ra-diocarbono GX-12513, 12514).

    Diferentem ente da fl oresta um ida tropical madura, as areas de vegeta\=3.o rasteira, as ma-tas de savana, a loresta see a e a floresta se-cunciaria oferecem uma maior quanti dade de biomassa aproveitavel para a ca~a e coleta, e seus solos preservam melbor seus nutrientes. Assim, e possivel que a Amazon ia tenha sido ainda mais propfeia a ocupa~ao humana no pe-riodo pre-historico do que e em nossos dias. Entretanto, a rel a~ao entre mudal1~as ambien-tais especmcas e a ocupac;ao hllmana pre-hist6rica nao esta ai nda segu ramente estabe-lecida, devido a diflclil dade do entrecruza-mento das evidencias paleontologicas bru tas com as poueas seqi.iencias arqueologicas ex is-tentes. 0 estabelecimento de seqiiencias ar-queol6gicas mais regionalizadas, a coleta de restos arqueol6gic05 de plantas e animais e a data~ao mais preeisa do p6len pelo aceleraclor

  • de massa espectrometrica de raruocarbono po-dedio colaborar na elucidac;ao do problema.

    A disponibilidade de nutrientes na Amazo-nia proporciona uma das chaves para 0 enten-dimento da abundancia de recursos para a ex-plorac;ao bumana, assim como a disponibilida-de de agua, sol e tecnologia. Areas interfluviais de baixos nutrientes nao sao ricas em cac;a, pesca ou plantas comestiveis, e possivelmen-te teriam sido pouco propicias a vida antes do desenvolvimento do cultivo de plantas comes-t::i\"eis. Em contraposic;ao, as varzeas dos rios mnnadas de areas geol6gicas ricas em elemen-tos apresentam concentrac;6es de pesca e ca-

    ~ que poderiam ter sustentado populac;6es de ~adores-coletores. Entretanto, as flutuac;6es sazonais dos rios e os baixos niveis de fotos-sintese limitavam a produtividade cal6rica e proteica da fauna e da vegetac;ao natural das 'meas, que permanecia muito abaixo dos ni-'1:"is que a agricultura intensiva das varzeas proporcionaria. Assim, as populac;6es que cul -ti\"~ ou os sistemas de explorac;ao industrial das wciedades modernas.

    PRoJE

  • 58

    ~l ...

    II1 STOHlJ\ DOS [KDIOS NO UHASIL

    ta, projetandose assim 0 presente etnograH-CO para a pre-hist6ria. Ao contrario, estamos descobrindo que as sociedades indfgenas p6s-conquista divergem em muitos aspectos das sociedades pn~-hi s t 6ri cas que as precederam. t\este sentido, a arqueologia pode vir a desern-pen har urn importante papel nos futuros es-tudos amazoillcos, elucidando a OCUpa93.0 in-dfgena antes cia conquista europeia e forne-cendo infonnag6es comparativas para a inte '1)re tac;3.o etnognlBca das sociedades atuais (Roosevelt, 1989b). Assim, a etno-arqlleologia cia Amazonia precisa ir alem das proje90es re-trospectivas para tes tar sup osi90es arqueolo-gieas a respeito dos atuais fndios amazonicos. Para compreende r as transform agoes que ocorreram desde a conquista, fazse necessa-rio forjar lac;os te6ricos e empfricos entre a ar-queologia, a etno-hist6ria e a etnografia des-tes povos.

    os PRIMEmos CA

  • des distlirbios ocorridos no sHio fazem com que a associac;;ao entre datas, evidencias IIti cas e atividade humana permane~a nebulosa.

    No suI de Gohis. dive rsos sftios pre-cedi micos foram localizados em grutas com arte rupestre (Schmitz, 1987). As oClIpa,oes Illais antigas datam do pe rfodo en tre 8000 e 6000 a.C. e sao caracte rizadas pela variedade de utensilios un ifaci ais de quartzo lascados por percussao e, notavelmente, grandes utensflios unifaciais de laminas com fortes matcas de uso em uma das extremidades. A abundancia de ossos de animais e restos de plantas achados nestes sitios indica que 0 cii ma era Iigeiramen-te mais frio e que a subsistencia humana era baseada na ca~a de g randes animais e em ar-'"Ores frutiferas. Peixes, mariscos e ca~a de pe-queno porte tambem apareceram nestes sitios. '\0 pe rfodo de 6000 a 4000 a.G , a dieta pas-sou a destacru- especies menores; pontas de projeteis com pedunculos e aletas, hem como uma grande variedade de outros tipos de u ten-silios comec;aram a ser utilizados.

    No norte da Amazonia, diversos complexos de Ifticos lascados pOl" percussao foram eneon-trados nas savanas e nas fl orestas do escudo das Guianas, 0 divisor en tre os rios Amazonas e Orenoco, localizado na Venezuela e na Guia-na. Varias pontas bifaciais de jaspe calcedo-nio foram encontradas por garimpeiros na Grande Savana e no rio Paraguai, na Ven ezue-!a: utensllios J"lJsticos de basalto foram acha-dos em Tupuken, na serra da Nutria, tambem na Venezuela; e diversos instrumentos de la-minas silicas e fel sfticas surgiram em Tabatin-'23. e na savana Rupununni da Guiana (Boo-rnert, 1980a; Rouse e All aire, 1978; ROllse e Cruxent, 1963; Crll xent e Rouse, 1958-9; Evans e Meggers, 1960; DlIPouy, 1956, 1960).

    Apesar de rusticamente lascados, os llti cos de jaspe escavados por mil1e iros na proful1di-dade de urn a tres metros certamen te sao ar-tefatos. Nestes, as lascas foram removidas em mxas paralelas e pe rcebe-se urn retoque ser-rilhado nas suas bordas. As formas destes uten-silios incluem pontas triangulares com pedun-culo. pontas lanceoladas em forma de folhas e raspadores plano-eonvexos. Os liticos de sf-lex de Tabatinga apresentam superficies den-tadas ao longo de suas bordas. Todos os uten-IDios nos conjuntos de Ifticos lascados por per-cussao mostram-se relativamente grossos, variando entre 7 cm e 20 cm. As pontas po-

    ,\HQUEOLOGII\ ;\~ IAZON ICA

    dem ter sido usadas para encastoar l an~as ou dardos e os raspadores devern ter s ido utili za-dos para a prepara9ao das peJes de animais ex-tintos que pastavam na savana.

    No sitio padrao de l aima Taima no norte da Venezuela, os arque61ogos encontraram pontas do tipo Jobo deste complexo associa-das aos ossos de um mastodonte sul-ameJicano extinto, encontrado com uma ponta de proj e-til na cavidade do corpo, produzindo uma 'se-rie de datas radiocarbonicas entre 12000 e 10000 a.G, a partir dos ossos, associados ao can/ao e galhos de madeira retirados do esto-mago do mastodonte (Bryan, 1983; Bryan et alii , 1978). Alguns levantaram duvidas a res-peito deste sitio devido a seu cmater umido (Lynch, 1983), mas as data90es radi ocarboni -cas de diferentes materiais sao consistentes e o dep6s ito estava seJado por camadas estereis datadas de 8000 a.G

    Tambem no escudo das Guianas foram des-cobertas vad as pontas bifaciais em form a de folhas, lascadas par percussao ou por pressao, gran des e pequenas, semelhantes aos artefa-tos Ifticos das ocupac;6es paleoindfgenas em outras regioes do Novo Mundo. Estes sitios abrangem 0 rio Ireng no distrito de Hupu nunni e 0 rio Cuyu ni no distrito de Mazaruna, arn-bos localizados na provfn cia de Essequibo na Guiana; Canaima e 0 rio Paragua no estado de Bolivar na Venezuela (ver referencia abaixo); e o cOlll plexo Sipaliwini das terras a1tas do Su-riname (Boomert, 1980a). Feitas de uma va-riedade de materiais como quartzo, calcedo-nia, jaspe e silex, as pontas rnedem de cerca de 5 cm e 19 cm e abrangem uma variedade de fOJmas: lanceoladas, estriadas, aCinturadas, farpadas e com pedunculo. 0 lascarn ento e, algumas vezes, delicado e hem controlado e a maioria dos utensflios e mais fin a que aque~ les lascados por pe rcussao acima menciona-dos. As form as e 0 tamanho re lativamente grande dos utensilios parecem consistentes com 0 seu uso para encastoar flechas ou dar-dos. R avia. igualmente, em Canairna, raspado-res plano-convexos, choppers, utensflios em forma de fa cas e machados. Nao existem as-socia~oes arqueol6gicas para estas pontas e, portanto, mio se sabe 5e elas datam de epocas nas quais a fauna de grande porte frequ enta-va as savanas. Desconh ecem-se total mente os sHios dos quais elas sao provenientes.

    Outm passiveJ estilo paleoindfgena ou pro-

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    ....

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    HJST6HlA DOS ii\D10S NO BRASIL

    to-areaieo, de artefatos !itieos laseados par pressao cia fase Rhome, foi encontrado na pro-pria Amazonia, na regHio do baixo Amazonas (Simoes, 1976; Smith, 1879; Roosevelt, 1989a e b). Relalivamente gran des (6 cm a 13 em), feitas de quartzo ou silex muito fino, estas pon-tas triangulares tem bases pedunclllares ou ba-ses c6ncavas afinadas pela remogao de uma grande lasea de urn dos lados (Roosevelt, 1989a). Estes utensllios sao tao bem lascados quanta as artefatos lascados por pressao do es-tua pa1eoindfgena do escudo das Guianas, po-rem , eles sao mllito mais largos e Hnos em re-laQao a seu comprimento. A largura e as tra-,as de usa em seus lados sugerem que alguns foram usados tanto como faeas quanta como projeteis. 0 grande tamanho e as extremida-des pontudas das pontas bifaciais provenien-tes do Para sugerem seu usa como arp6es e m cac;adas de animais de grande porte. Urn exem-plar relativamente similar, de quartzo branco com pedlinculo, foi encontrado ern uma das ilhas cia varzea da Baixa Amazonia, perto de Belem (Museu Goeldi) e constitui uma eviden-cia da existencia de embarcac;6es ao tempo da manufatura dos utensilios. Como nenhum des-tes liticos foi recuperado no seu contexto ar-queologico, suas posic;6es cronologicas e seu contexto no sHio pennanecem desconhecidos. Do ponto de vista estilfstico, eles datam pro-vavelmente de 8000 a 4000 a.G (Simoes, 1976; vv. Hurt, comunicayao pessoal). Nas proximi-dades dos iocais oncle algumas destas pontas foram encontradas existem sHios com extensa e policromica arte rupestre, mas estes nao fo-ram datados.

    Parece 16gico considerar que es tes estilos de pontas lascadas par percussao e pOI' pres-sao pertencem ao mesmo perfodo geral das culturas paJeoindfgenas de outras iegi6es, de cerea de 12000 a 7000 a.G, isla porque alguns de seus estilos corresponciem aos complexos lfticos paleoindfgenas documentados e data-dos para outras areas da America do SuI (Schmitz, org., 1981-4; Schmitz, 1987; Lynch, 1978, 1983; Bryan, 1978, 1983; Bryan et alii, 1978). Ademais, nenhum artefato de estilo si-milar foi encontrado nas bem estudadas ocu-pac;6es da Grande Amazonia de perfodos mais recentes. Maiores e com um acabamento mais fino, as pontas lanceoladas e com pedunculos podem ser anteriores as toscas pontas de pe-dunculos menores, se consideradas em termos

    anal6gicos as seqiimcias de outros lugares, e estas mudanc;as podem refletir a troca no usa de lanc;as para dardos tipo ataltl na ca

  • noj a, 1970). A maneira pel. qual os abrigos rochosos e cavernas precenlmic:as estao rela-cion ados com os sitios abertos mantem-se in-certa, mas eles podem ter representado ocu-

    pa~6es sazonais ou esponldicas pravenientes de ou tros sitios mais pennanentes. Outro pos-styel conj unto do Arcaico tardio consiste em abundantes fragmentos Ifticos lascados por percussao, recolhidos na superffcie terrestre do escoadouro do Tocantins, perto da represa de Tucuruf, no Bras il (Araujo Costa, 1983). :\inda nao se identificou nenhum sftio de as-sentamento associado a este conjunto.

    Outro conjunto de ar tefatos Ifticos toscos lascados por percussao foi identificado em grnndes e numerosos sambaqu is, ao longo do baixo Amazonas e em sua foz, nas costas da Cuiana e na foz do Orenoeo (Nimuendaj u, 19-19; Hartt , 1883, 1885; Hilbert, 1959a; I-Iar-Tis, 1973; Smith, 1879; Monteiro de Noronha, 1 62; Ferreira Penna, 1876; Osgood, 1946; Evans e Meggers, 1960; Simoes, 1981). 0 com-plexo pareee representar a transi~ao do arte-smato do estagio pre-c:eramicu au ced.l1Iico inicial. 0 material inc1ui nucJeos lase ados por percussao, alisadores, raspaciores, einzeis, la-minas e faeas de gu me de silex ou silex impu-ro. como tam bern utensilios de pedras comuns para corte, tritura~ao, raspagem e percussao. Os utensI1ios costumam se aRnar da frente pa ra tras, e a maior parte deles e menor que os

    tensilios do provavel complexo paleoindfge oa descrito aeima. Lfticos parecidos foram en-ootrados no perfodo pnceram ico tardio, em

    '5Ilios temporarios do perfodo ceramico inicial, C" em sambaquis na costa caribenha da Colom-

    - (Reichel-Dolm atofT, 1965a e h, 1985), ain-cia que esta similaridade nao tenha sido ainda registrada pela litcratura.

    Ate recentemente, poucos destes conjun-receberam alguma datagao radiocarboni-

    a.. Devido a suposi~ao de que as sociedades terras baixas tropicais teriam sofrido um

    retardamento cultural , estes conjuotos inicial-ote foram considerados como provenientes

    ) pen'odo pre-hist6rico tard io. Pore-m, data-i)es radiocarb6n icas realizadas em diversos

    'WJ1lbaquis apontaram datas do sexto ao quin-) milenio a.c. (Roosevelt et ali i, 1991; Simoes, ~Sl; Arquivos Smithson ian, Registros de R.a

    .i>ocarbono; WWiams, 1981), indicando uma tiguidade similar as fases do Iito]'al, ao sui

    - foz do Amazonas (Hurt, 1968, 1974, 1986;

    AHQUEOLOGlA A~ I"z6N I C:A

    Hurt e Blasi, 1960; Laming e Emperaire, 1957; Bryan , 1983). Muitos dos sambaquis, localiza-dos estratigraficamente embaixo dos compo-oentes de eshlgios ceramicos posteriores, tem uma rela~ao topognifica com as caracterfsti-cas geol6gicas provenientes das mudan~as do nivel da agua, ocorridas no per-iodo entre cer ca de 6000 e 4000 a.c. (Irion in Sioli , 1984). Ao que parece, 0 periodo em que 0 nivel do mar era mais alto resultou no desenvolvimen-to de condi~oes lacustres e de estuario em tor-no do baixo Amazonas e de outros rios que de-sembocam no AtHintico.

    A estratigrafia cultu ral e natural dos sam-baquis e interessante. Muitos deles tem cama-das inferiores pre-ceramicas, mas nas cama das superiores aparecem raros exemplares de cera.mica simples, com tempera de areia oxi-dada ou conchas. Os sambaquis da Guiana e do baixo Amazonas estao frequentemente co-bertos com amontoados de terra con tendo ce-ramica pre-hist6rica mais recente e mach ados de pedra polida. Ossadas humanas tambem sao comuns nos sarnbaquis, mas naa foram ain-da analisadas. Como algu ns sambaqui s arcai-cos de outras partes, muitos destes amontoa-dos abrangem diversos hectares de largura e muitos metros de profundidade, indicando as sentamentos relativamente grandes e penna-nentes. A seqi.iencia sugere a transi~ao de uma fase pn~ cerfj.m ica de coleta intensiva de ma-riscos para outra de coleta intensiva de plan. tas e de cultivo incipiente, com ceramica. Nes-te sentido, este estagio parece representar uma fase de intensifica~ao da subsistencia e do crescimento popuiacional similar aquela do Mesolitico no Velho Mundo.

    Extensivamente explorado por inves tigado res do seculo XIX e do inicio do seculo xx (Ve rriI , 1918), mas nao inves tigado intens iva-mente mais recentemente, este estagio de ocu-

    pa~ao nas ten-as baixas da America do SuI roi descrito pOl' arque610gos profissionais apenas em 1945, com referencia a planicie costeira da Guiana (Osgood, 1946). Mais tarde, a fase dos sambaquis da Guiana foi batizada Alaka (Evans e Meggers, 1960). Esta fase manifesta-se em numerosos sambaqu is nas antigas praias e nos mangues pantanosos cia planicie costeira da Guiana. Estes amontoados tem uma abundan-cia de artefatos lfticos rudimentares ou lasca-dos por percussao, enos niveis mais altos encontram-se, alem dos Ifticos, algumas raras

    61

  • 62

    Fazenda Taperinha, regiao de

    Santarem, Para. Vista de uma

    fazenda de a.;ucar do seculo XIX, e 0

    rio ltuki.

    Sambaqui de Taperinha, 5000 anos a.C., 1989.

    ITIST6JHA DOS INDIOS NO IlIlASIL

    ceramicas oxidadas e temperadas com saibro ou conchas. Os vasos eram, em sua maior par-te, simples cuias sem decorac;ao.

    E'ltre os restos biol6gicos dos sambaquis da Fase Alaka, predominam os molu scos, mas existem tambem raros vertebrados, tanto aqu:i-ticos quanta terrestres, al6m de numerosas se-pulturas humanas. Restos de plantas estao pre-sentes, embora ainda nao tenham sido siste-maticamente coletados au identificados. Oa camada ioferior para a superior nos sftios cia Alaka, parece existir uma mudanc;a dos mo-luscos de aguas mais salobras para os adapta-dos it agua doce. A mudan9a dos moluscos e dos Ifticos bem como 0 aparecimento da ce-dimica foram originalmente intel1)retaclos co-mo sendo primordialmente produto cia tran-

    si9ao teenologica da subsistencia de coleta pa-ra a agrieultura. No entanto, aparentemente houve tambem, com 0 passar do tempo, uma

    mudan~a ambiental do nfve] do mal; que tomoU-5e mais hajxo.

    POl' algum motivo, apenas recentemente es-te importante complexo foi dataclo com radio-carbona, apesar da abundante presen~a de car-vao e ossos adequaclos para 0 teste. Quando definida a fase. pensava-se que era de data bas-tante recente, sendo interpretada como uma fase pre-ceramica tardia que perdurou ate 0 primeiro milenio d.C. A introdu~ao da ee ra-mica nesta fase foi interpretada como prove-niente dos Andes. Entretanto, a posi9ao estra-tigrmca cia AJaka corresponde a uma posi ~ao cronol6gica mais ant iga. No topo de muitos sambaquis e ncontram-se ruversas camadas de amontoados de terr,,\ contendo cera.mica cle-corada das lases arqueol6gicas posteriores na lhea. No sambaqu i cle Barambina, tres data-

    ~6es radiocarbonicas, realizadas nas camadas con tendo ceramica ineipiente, produziram re-sultados e ntre 4000 e 3000 a.c. (Willi ams, 1981), muito antigas para esta eeramica ser de-rivada da tracli9ao andina, que se iniciou mais de 2 mil anos de pois. Os conju ntos pre-ceramieos nas eamadas mais baixas dos sam-baquis podem, consequenternente, ser ainda mais antigos.

    Ha mais de cern an os os cientis tas notararn a presenga de muitos sarnbaquis similares ao longo do estuario amazonico, ao norte do Pa-ra, um poueo a sudeste da foz do Amazonas (Monteiro de Noronha, 1862; Fe rreira Penna, 1876). Eseava96es reeentes realizadas em di-versos destes sambaquis (Sim oes, 1981) mos-

  • traram-nos como sendo do estagio cenimico inicial. 0 complexo e chamado de Mina pois os sambaquis tern sido explorados para obten-

    ~ao de cal. As datas radiocarbonicas publica-das variam entre 3000 e 2000 ou 1500 a.c., dependendo de como cada um defina 0 fim da fase. e u m registro de 3500 a,G inexplica-velmente nao foi publicado pel os pesquisado-res (Arqu ivos cia Smithsonian, Washington D. c., arquivo Clifford Evans). Os artefatos do sitio eram abundantes, incluindo ceramica, H-ticos lascados par percussao, pedras nao tra-balhadas, e utensllios e ornamentos tanto de ossos quanto de conchas, Os IIticos lascados incl uiam posslveis raspadores e facas, e as pe-dras da regiao foram utilizadas para martelar e quebrar nozes, au como pilbes e machados rUsticos, A ceramica apresentou rude tempe-ro de conchas au, raramente, de saibro, sendo a decorac;ao Iimitada ao corrugado raspado e a pin tura verm elha, A form a principal destas ceramicas era a de cuias abertas, Entre os res-tos da fauna, destacava-se 0 bivalve Anomalo-cardia brosiUalla., mas nao foram coletados res-tos de plantas para identificac;ao, Restos osseos foram recoUlidos, POl'em nao analisados osteo-logicamente ate 0 mOm en to, Os pesquisado-res nao coletaram sistematicamente restos de plantas, e pOItanto reconstruiram 0 modo de subsistencia COmO sendo baseado apenas na coleta marinha. POI'em, a presenc;a de utensi-lias para 0 processamento de plantas sugere que tambem estas podem ter sido utilizadas intensivamente,

    Uma fase paralela no baixo Amazonas foi identificada mai s de cern an os atras no sam-baqui de Taperinha. perto de Santarem, na borda de um terrac;o ribeirinho do Pleistoce-no tardio (Hartt, 1874, 1883, 1885; Roosevelt, 1989a e b; Roosevelt et alii, 1991; Smith, 1879). o sambaqu i e bastante extenso, apresentanclo em torno de 6,5 m de profundidade e diver-50S hectares de area. Os Ifticos lascados do sf-

    ti~ compbem-se de toscos artefatos de silex lo-cal, lam in ados par percussao. Estes incluem las cas utilizadas, raspadores, gumes, cinzeis e outros utensiJios. 0 conjunto encontrado no sftio tambem contem machados, pedras de quebrar nozes, moedores, alisadores e utensi-lios de ossos e chifres.

    o sambaqui tambem apresentou rara cera-mica avermelh ada com tempero de saibro. As unicas form as resumem-se a cuias abertas, de

    AKQUEOLOCIA AMAZON ICA

    base arredondada e bordas conicas, arredon-dadas au quadradas, e cerca de 3% da cera-mica apresentou incis6es curvilfneas e retilf-Ileas nas bordas. 0 uso culinario da ceramica e comprovado pel as residuos de cinzas no ex-terior dos vasos. 0 componente ceramico ini-cial fo i denominado Taperinha, em refermcia ao sitio (Roosevelt, 1989a e b; Roosevelt et alii , 1991). A idade cleste sambaqui ceramico foi es-tabelecida entre 5000 e 4000 a.c., tendo sido baseada em doze data9bes radiocarb6nicas realizadas em carvao, conchas e carbollo pro-veniente da ceramica, sen do tambem realiza-da uma datac;ao da ceramica por termolumi-oescencia. J5 as sedimentos lacustres associa-dos ao sistema de terra\,o do rio no qual 0 sitio foi localizaclo provem de entre 8000 e 6000 a.c. (Irion in Sioli , org., 1984). Meticulosamen-te datada, trata-se da mais antiga ceramica co-nhecida das Americas, achado este que nao se coaduna com as expectativas dos antrop61ogos ambientalistas que enfatizam a transitorieda-de dos assentamentos indigenas e 0 retarcla-mento cu ltural da regUio.

    Os restos de subsistencia dos sambaquis consistem pri ncipal mente em mru:iscos, sen-do tambem identificados alguns peixes hem preservados e rares ossos de mamfferos e rep-

    63

    Instrumentos liticos da regiao de Santarem: ponta lascada por pressao (9,5 cm), do rio Tapaj6s, Para.

  • 64

    Restas de fauna do sambaqui

    Taperinha, Santarem: mexilha,Q

    perolado de agua doce (Castalia

    ambigua).

    m ST611 1A DOS f:\'0105 NO BHA SIL

    te is. Sepulturas humanas tambem foram acha-das no sambaqui. Encootraram-se pOll COS I-es-tos de plantas, mas havia a presen~a de car-vao e de provaveis utensuios processadores de plantas. MexilhOes aperolados de agua doce, tais como a Castalia, eram predominantes (Hartt, 1883, 1885; Roosevelt et ali i, 1991).

    Taperinha nao e a tinieD sambaqui do pe-rlodo Arcako nas imedia90es de Santarem . Pa-ri catuba. a oeste de Santarem, tambem pas-sui lim e existem varias outros em torno do lago Grande de Vila Franca, a oeste da foz do Tapaj6s. Existem tambem varios outros sitios de sambaquis simuares ao longo do baixo Ama-zonas, estendendo-se de Manaus ate a foz (rel"-reira Penna, 1876; Hartt, 1883, 1885; Nimuen-daju, s.d.; Monteiro de Noronha, 1862).

    A Fase Castalia de ceramica temperada com conchas, conhecida a partir dos samba~ quis locaJizados perto de AlenqueJ~ na margem esquerda do baixo Amazonas, em frente a San-tan, m (Hilbert, 1959a; I-lilbert e Hilbert, 1980), tern sido considerada muito mais recen-te que aquelas datas encontradas para M ina au Taperinha, mas estas conclusoes se basea-ram em analises de conjuntos com componen-tes multiplos recolhidos atraves de metodos de escava

  • -;3.0, no e ntanto, esbarra na falta de urn com-plexo de utensflios associado, sem falar na ca-rencia de restos biol6gicos.

    Os Ifticos do estilo Areaieo tardio, pelo me-nDs, sao provenientes de sftlos mais bern do-curnentados, porem poucos trabalhos ate agora tern analisado e relacionado as caracterfsticas especfficas dos sftios e dos restos biologicos associados. 0 tamanbo e a profundidade dos sitios, bem como a abundancia da flora e da fauna encontradas nos sambaquis, sao suges-tivos da existeneia de urn sistema de subsis-tencia de coleta intensiva e, possivelmente, de agricuJtura. Os restos de plantas presentes nos sitios ainda nao foram sistematieamente cole-tados e identificados para apurar a existencia de a1guma especie de planta cultivada. Est. laro que os mariscos sao muito mais eviden-

    :es que todos os outros tipos de restos de fau-na" mas os moluscos produzem uma alta pro-por-;ao de refugos, comparados a outros tipos Je fauna comestfvel, e por isto podem tel' si-do menos importantes do que aparentam "-ing e Brown, 1979). Na ausencia de amos-ttas vertebrais coletadas sistematicamente e de ..:ados isotopicos e osteologicos provenientes . s ossos humanos, permanece impossivel es-timar quantitativamente a composi~5.o da die-....... Estudos das concentrac;oes isotopicas nos

    os e das doenc;as denhirias sao particular-mente necessruios para a apurac;ao das propor-Oes dos al imentos animais e vegetais. It pos--yvel que 0 cultivo incipiente de plantas assim orno a produc;ao de ceramica tenham come-.ado durante a ocupagao dos sambaquis, fa-)recidos pelo assentamento sedent::irio que

    ie' baseava na coleta dos luxuriantes recursos "Ymiticos (Sauer, 1952), ou e possivel ainda que a coleta intensiva de plantas ou 0 cultivo

    nham conduzido ao sedentarismo (Osborne, 9/7). A investigac;ao destas possibilidades ira

    requerer evidencias biologicas que os arqueo--.gos apenas comec;am a coletar na regUia. 0

    m estado de preservac;ao dos restos huma-em todos as sambaquis e em muitas ca-

    IE"mas e grutas tornanl possIvel no futuro es-dos osteol6gieos e dentais para investigar as udanc;as na dieta, nos padroes geneticos e

    niveis de atividade atraves do tempo. Tais ~dos deverao ajudar a determinar 0 papeJ

    migrac;oes nas l11udanc;as culturais e a re-ao entre a subsistmcia e 0 grau de seden-~mo.

    AIIQUEOLOGIA M.1AZ

  • 66 IIISTonlA DOS fNDIOS 1\0 BnASIL

    nhecida. As fases da cenlmica decorada sao ca-ractelizadas por all,;as zoomodas modeladas por incis6es geometricas nas paredes dos va-sos abaixo cia borda e, as vezes, por pintura vel"-melha ou vermeUla e branca. Caracteristico dos adornos dos estilos mais antigos e 0 uso de formas arredondadas modeladas defln idas por estrias nas inlexoes. A forma predominan-te dos vases e a cia cuia aberta, oval ou circu-lar, apesar de tambem estarem presentes nes-ses estilos assacieiras, garrafas com elaboradas composi90es de silhuetas, cachimbos e Dutras farm as. 0 tempera e bastante variado. incJuin-do conchas, saibro, eaeas, espfculas de espon-jas e, raramente, cariape obtido de cinzas de cascas de ::hvore. As conchas, 0 saibro e os ca-cos para 0 tempero parecem tel' entrada em uso mais cedo que a esponja e 0 cariape.

    Apesar das tentativas de agrupar os estilos em tefmos de horizontes, na medida em que o conhecimento tern se avolumado. tambem tern cresci do a variedade e complexidade dos estilos, rompendo as agrupamentos estilfsticos anteriormente definidos. Em alguns dos esti-los, como 0 da Fase Tutishcainyo do Amazo-nas peruano e a Fase Ananatuba da ilha de Ma-raj6, incis6es hachuradas sao importantes, en-quanta adorn os modelados incisos aparecem com certa raridade. Em outros estiJos, como os de La Gruta e Ronquin, incisoes de lil1has largas, modelagem e entalh amento sao co-DlUns, e ha uma decara~ao complexa de pin-tura vermelha e branca. 0 prirneiro grupo de estilos e chamado de Horizonte Hachurado Zonado e 0 segundo de Horizonte Sald6ide-Barranc6ide. Os estilos que tern incisoes, mo-delagem e pinturas em vermelho e branco sao comumente chamados de Sald6ide. Alguns es-tJos Sald6ide, como 0 Saladero do baixo Ore-naco OU Jauari, pelto de Alenquel~ no baixo Amazonas, ou, ainda, vVonotobo do Suriname, combinam incisoes hachuradas em zonas, es-triamento, admnos de modelados-incisos e pintura vermelha e branca. Os esti los mais an-tigos das series Sald6ide-Barranc6ide freqi.ien-temente nao apresentam a pintura vennelba e branca do Saladero. Eles sao, ass im , cornu-me nte chamados de Barranc6ide. Os estiios que priviJegiarn a Hachurado Zonado em re-

    la~ao a outras decora~oes encontram-se duun-djdos e m toda a Amazonia, e provavelmente existem alguns estilos correlatos ao norte, na Colombia carihenha. Os estilos Sald6ide pa-

    recem estar confinados ao Orenoco, Gu ianas, Antilhas e baixo Amazonas, porem os estiJos Barranc6ide sao encontraveis no Amazonas, Orenoco, Guianas e, possivelmente, tambem na Colombia caribenha.

    Estes primeiros es tilos decmados sao basi-camente estilos "animalfsticos", uma vez que a maiOl-ia das representa~oes reconhecfveis e de animais. Os adorn os das bordas sao princi-palmente zoom6rfi cos e mesmo os desenhos geometricos, localizados nos lados dos vasos, representam caracterfsticas e marcas de ani-mais_ As raras formas humanas reconbecfveis sao, geralmente, animais antropomorfizacios. com focinhos, bigodes e orelhas pontiagudas. Esta iconografia pode estar relacionada a uma subsistencia baseada em cultivo de rafzes co-mestiveis e na protefna animal. Na Amazonia atual, este tipo de iconografia esta associ ada a uma cosmologia que correlaciona a abund:ln-cia de animais e a fertilidade humana a ritos xamanfsticos que buscam aplacar os " MestJ-es" espirituais dos animais ca~ados - especies de seres sobrenaturais talvez representados na an-tiga iconografia pelos raros exemplares de ani-mais humanizados. Este tipo de complexo ri-tual seria adequado para sociedades cujo su-primento de protefna estava baseado princi-palmente em animais (Ross, 1978). A1em des-tes aspectos iconogni.ficos, 0 complexo ritual e escassamente conhecido. Poucas sepulturas ou outros elementos cerimoniais foram es-cavados.

    as primeiros Hhorizontes" de ceramica de-corada sao horizontes que apresentam uma considenivel sobreposi~ao geografica e tem-poral. Muita confusao tern surgido nas tenta-tivas de trata-Ios como horizonte "autenticos" cujos estilos regionais podem ser datados em

    correla~ao com as mudan~as sin cron icas de seus atributos especfficos.

    Ate agora, as esti los Sald6ide sao os mais antigos estilos datados, tendo aparecido iniciaJ-mente na baixa e media bacia do Orenoco. en-tre cerca de 2800-800 e 1000-500 a.c., res-pectivamente em La Gmta e em Saladero (Rouse e Allaire, 1978; Roosevelt, 1978, 1980, 1991b), permanecendo no O renoco e nas Guianas ruversos secu]os ap6s 0 advento da era crista. Os esti los Barranc6ide substi tufram os estilos Sald6ide, no baixo Orenoco e nas Cuia-nas, aproximadamente entre 0 advento da era crista e 500 d.C.

  • a mais antigo estilo do Horizonte Hachu-rado Zonado, 0 Tutishcainyo antigo, ainda nao foi datado radiom etricame nte. Acredita-se que ele tenha come9ado cerca de 2000 a.G, e em torno de 800 a.C. 0 estilo Hachurado Zonado desaparece da seqi.i:mcia peruana. Ele e se-guido pelo estilo Barranc6ide, que permane-ce ate cerca de 500 d.G (Lath rap, 1962, 1970; Lathrap e Broch.do, s.d.). Ananatuba, 0 pri-meiro estilo de hachura datado no Amazonas, parece come9ar em torno de 1500 a.G e e ubstituldo por estilos vagamen te Barranc6i-

    de em cere. de 500 a.G (Simoes, 1969; Meg-gers, 1985; Meggers e Evans, 1957, 1978; Hil-bert, 1968).

    No baixo e medio Amazonas, complexos Lorn bachuras zonadas e ponteados parecem er sido substituldos por estilos Barranc6ide,

    "orno os complexos de estilo globular da area de Oriximina (Hilbert, 1955, 1968; Hilbert e Hilbert, 1980). Estes possuem 0 estriamento e a modelagem zoom6rfica caracteristicos do Barranc6ide e, algumas vezes, a pintura Sal-d6ide. Com tempero de esponj., 0 estilo J.ua-rio proveniente das proximidades de Alenquer, ""l3. margem esque rda do baixo Amazonas, tern ... maioria dos motivos de todos os horizontes .ombinadoso H.chm.do Zonado e ponte.do,

    -triamento, complexos adornos zoom6rficos f' pintura verm elha e branca. a estilo talvez ?OSsa ser datado desde 1300 a.G, mas as rela-_"",s estratigrafi cas e as associa90es das datas

  • 68 IIJSTOHIA DOS fNDIOS KO BRASIL

    ocupa

  • .aixo e medio Amazonas (Hilbert, 1959a, 1968; Hilbert e I-lilbe rt, 1980), e na ilha de \laraj6 (Meggers e Evans, 1957; Simoes, 1969).

    itios de anti gas aJdeias tam bem foram acha-dos nas Guianas (Boomert, 1983). A extensao media dos sftios ribeirinhos e de cerca de I ha, frequentemente com mais de 1 Tn de pro-fundi dade, indicando que 0 assentamento pos-ioWa tamanho e estabilidade consicleniveis. E.xistem tambem sftios menores em lugares su-,eitos a enchentes sazonais. que possivelmen-te serviam de aeampamentos temporarios pa-ra a pesea. utilizados apenas nas es ta~6es secas.

    o sistema de subsistencia desta fase de oeu-pa.-;ao permaneee parcamente doeumentado, uma vez que apenas recenternente os arque6-

    os come~aram a empregaT metodos de pa-~eta nas te rras baixas tropicais. 0 padrao de subsistencia das fases da lradi~ao La Gru-LL evidenciado nos sftios de La Gruta e Ron-quin no medio Orenoco na Venezuela, pode ioervi r. a titulo de experiencia, como modele para 0 perfodo. Nesta fase, a subsistencia e urn poueo mais be rn conheeida que nas outras fa-ieS deste estagio porque 0 solo foi bem penei-Tado e a agua foi retirada durante a escava.-;ao. o solo do silio contini,. muitos estilha,os de

    AHQUEOLOGIA AMi\ZO/>: ICA

    silex de 7-9 mm e numerosas assadeiras de ce-ramica grossa, COITIO as usadas para gratinar e cozinhar rnanruoca na Amazonia atual. Ape-sal' de muitas frutas de arvores terern sido identificadas nas amostras de solo, nao havia sementes de especies cultivaveis com o miJJlO e feijao. Com base nisso, acredita-se que a sub-sistmcia estava baseada no cultivo de raizes, na cal,;a e na pes ca. As raras pontas triangul a-res de projeteis de quartzo com pedunculo en-contraclas em La Gru ta sao consideradas co-mo sendo pontas de flechas, porem, apesar das precarias condi.-;6es de preserva~ao dos res tos

    69

    Artefatos da tase Santarem. Ac;ma, a esqueda: Garrafa em ceramica pintada de preto, com decoralfoes incisas e modeJadas (18 cm). ACima, a direita: Esfinge feminina em ceramica poJicromada (30 em). AD lado: Machado de pedra com 7,2 cm.

  • 70 lII ST6HIA DOS INDIOS KO Ui\J\SIL

    cia fauna apresentadas pelo solo arenoso, sur-giram fragmentos de espinbas de peixe (Pime-lodidae e Nematognathi), alguns raros maml-feros aquaticos, incJuincio peixes-boi (Triche-chus sp.) e botos (Phocaenidae), tartarugas e alguns poucos roeclares e mamueros terrestres nao identificados. Os resultados da analise de is6topo estavel no colageno dos DSSOS hurna-nos, provenientes do sftio de Corozal e repre-sentando 0 fim deste estagio no mediD Ore-naco, apontam para uma dieta - embora nao se limite a esta - de pesca, ca

  • dades indigenas. Grandes mudanc;as ocorre-ram oa produC;;ao artesanal, l1a ecooomia, na demografia e na organizaC;;ao social e politica. Existem, em suma, evidencias do surgimen-to, ao longo dos principais brac;os e deltas dos rios, do que os antrop6Jogos denominam ca-cicados complexos.

    A arqueologia pn~-hist6rica antiga e os da-dos hist6ricos mais recentes revelam a presen-ram mais tarde reunidas a partir de achados arqueol6gicos e documentos etno-hist6ricos, 3. presenc;a destas socjedades na " floresta tro-pical" foi atribufda it influencia dos Andes. En-rretanto, 0 resultado do trabalbo de data9ao ..ao sustenta a origem externa destas socieda-des, eujas formas mais precoces encontram-se nas terras baixas, no leste brasileiro, e nao perlo da Cordilheira dos Andes. Suas origens, des ta forma, devem ser procuradas em proces-

    AHQUEO I.OCIA AMAZONICA

    sos locais de crescimento demografico e eco-nomico e de competic;ao pelos recursos e pe-10 trabalho.

    RELATOS ETNO-HISTORICOS SOBRE 0 CACICADO AMAZONICO

    Os dados sobre 0 periodo da conquista na Amazonia, da metade do seculo XVI ao secu-10 XVUT, provenientes de comentarios publi-cados, transcric;oes, fae-similes e tradu90es (por exemplo, Bettendorf, 1910; De Heriarte, 1964; Daniel, 1840-1; Palmatary, 1950, 1960; Markham, 1869; Myers, 1973, 1974; Rowe, org., 1952; Denevan , 1966, 1976; Meggers, 1971; Lathrap, 1970; Acuna, 1891; Gumilla, 1955; Medina, org., 1934; Carvajal, 1892; Caste lla-nos, 1955; Bezerra de Menezes, 1972; Morey, 1975; Porro, 1989; e outras referencias resu-midas por Roosevelt, 1980, 1987b) recons-traem a hist6ria das sociedades complexas no perfodo pre-hist6rieo tardio e infcios do hi s-t61;CO.

    De acordo com estes dados, as indios esta-Yam densamente assentados ao longo das mar-gens e varzeas dos principais rios. E mbora as estimatlvas quantitativas variem, parece claro que, ao longo da maior parte do Amazonas, os assentamentos eram contInuos e permanentes. havendo sftio s que comportavam muitos mi-lhares a dezenas de milhares de indivfciuos,

    na~ sen do improvavel que existissem outros ainda mais populosos. Estes assentamentos pa-reeem tel" estado integrados a grandes terri-t6rios culturais e polfticos, governados por che-fes supremos cuja autoridade baseava-se na crenl$a na origem divina. A organiza9ao social dos eaeieados parece. na maior parte dos ca-50S, ter sido estabelecida Oll estratificada em hierarquias s6cio-politicas compostas por che-fes supremos, nobres, plebeus, servos e escra-vos cativos. As sociedades engajavam-se na eonquista miJitar de seus vizinhos e alguns dos primeiros conquistadores europeus tiveram di-fieuldades considera.veis em atravessar os ter-rit6rios dos caeicados devido aos repetidos ata-ques de extensas 1otilhas de grandes canoas. Urn chefe supremo, real mente enb'evistado por cronistas durante suas campanhas no me-dio Orenoco, disse que suas batalhas eram ani-madas pelo desejo de se apoderar de mais ter-ras tanto agricultuniveis quanta abundantes em pesca, alem de mais cativos para trabalha-las. 0 padrao de conflito nao era 0 dos assaltos

    71

  • 72 IIIST61l.IA DOS iNDIOS 1\0 131\,\$11.,

    esponidicos de vingam;a au captura de mulhe-res, tal como nos dias de hoje, mas existia uma estrutura de guerra em larga escala organiza-cia para defesa e conquista.

    Ao contra rio daquelas cia Amazonia indige-na atuaI, as economias destas sociedades eram complexas e de larga escala, eoglobando a pro-dU9ao intensiva de plantas de raiz e de semen-te em campos de poli au monocuhuras, a ca-9a e pesca intensiva, 0 amplo processamento de alimentos e a armazenagem por longos pe-rfodos. Ravia investimentos consideniveis em estruturas 5ubstanciais e permanentes ligadas a proclu

  • Menezes, 1972), em ltacoatiara no medio Ama-zonas (Hilbert, 1959b, 1968), ambos no Bra-sil , surgindo tambem no decOlTer da cultura pre-hist6rica tardia de Faldas de Sangay na Amazonia equatoriana (Athens, 1989; Porras, 1987), em Camoruco e Arauquin no medio Orenoco (Petrullo, 1939; Roosevelt, 1980, 1991b) e em Valencia na serra maritima cari-benba (KiddeJ; 1944), todos estes na Venezue-la. Ambos os horizontes sao relacionados aos primeiros horizontes Hachurado Zonado e Saldoide-Barrancoide. mantendo-se 0 padrao antigo das terras baixas de cuias de bordas com incisoes e adorn os. Ambos introd uziram im-portantes fo rmas e temas novos, tais como as urnas funen'irias e as pequenas e gran des eff-gies humanas.

    Estes estiJos difundiram-se rapidamente em territorios compad .veis em tamanho aqueles dos cacicados descritos nos relatos etno-his-t6ricos. Os estilos de horizonte com as carac-teristicas temporais e espaciais dos estilos pro-venientes da Amazonia pre-hist6rica tardia sao tradicionalm ente interpretados pelos antro-pologos co mo evidencia da expansao da con-quista dos cacicados ou estados. Antes deste periodo, POI-em, existiam apenas horizontes declinantes - a generalizada serie Saldoi-de-Barranc6ide e 0 Horizonte Hachurado Zo-nado - os quais sao interpretados como pl"O-dutos da expansao da antiga horticultura de raizes na Amazonia. Estes hori zontes difundi-rarn-se apenas lentamente no decorrer de mui-tos milenios. Os es li.l os de horLwlltes preco-ces e tardios parecem ter representado pro-cessos de interagao inter-regionais bem di-feren tes. Os estiJos regionais de horizontes de-ciinantes apresentam uma rel a~ao muito es-treita entre si e parecem ter tido uma origem comum , embora 11 aO sofram mudangas esti-listicas sincronicas. E ntre os horizontes au-timticos, parece ter havido comunica~oes estilisticas inter-regionais continuas, durante a maior parte do perfodo pre-hi storico tardio. Vma possivel explica~ao para esta comunica-~o pode ser a existencia de redes de alian-f;as, casamentos e guerra entre as elites das culturas regionais dos cacicados.

    As primeiras interpretac;6es dos estilos de horizonte explicavam-nos em func;ao de migra--;ees ou invas6es maci ~as . Evidencias estilfs-ticas, entre tanto, nao podem revelar se a difu-sao dos horizontes se deu por meio de algum

    AlIQUEO LOGIA AMAZ6l\ICA

    tipo de in1uencia cultural, ou de verdadeiras migra~oes em massa. as conhecimentos exis-tentes a respeito das sociedades expansionis-tas, como as dos Incas gregos e romanos, su -gerem que muitas das ITlUdanc;as decorrentes de suas difusoes davam-se mais na forma de aculturac;ao do que por meio de migrac;oes em massa e da substituic;ao demogni fl ca das po-pul ac;oes conquistadas. Em vez de se extingui-rem, as populaC;oes locais persisti ram, tornan-do-se flliadas culturalmente aos conquis tado-res. Isto nao significa que 0 genocfdio nao te-nh a existido durante as conquistas, mas este nao foi 0 principal processo causador cia difu-sao dos horizontes culturais pre-industriais. Mudanc;as culturais, ocasionadas pel a influen-cia e interaC;ao, conquista e aculturaC;ao, apre-sentam-se como um modele mais reai istico do que a migragao para e:q)licar a difusao dos ca-cicados pre-hi st6ricos tardios.

    Os arque610gos tern se preocupado em as-sociar a dispersao dos horizontes as migrac;oes das populac;oes de certos grupos linguisticos (Lath rap, 1970; Evans e Meggers, 1968) . Os Horizontes Sald6ide-Barranc6ide tem sido re-lacionados aos povos de Ifngua Arawak, 0 Ho-rizonte Policromico aos povos de Ifngua Tupi e 0 I-Io rizonte Inciso Ponteado aos povos de Ifngua Karib. Esta equaC;ao monolftica de lin-guagem, popu la~ao e cultura material parece pouco reaJi sta, e os estudos etnogra.fi cos nao confirmam estas hip6teses (Black et alii , 1983). as relatos etno-historicos documentarn mui-tos cacicados de diversas linguas, e os estilos de horizonte da Amazon ia atual nao estao res-tri tos a nenhum grupo lingtifstico particular. Por exemplo, 0 estilo policromico amazonico do presente e compartilhado por diversos po-vos de diferentes grupos Iingufsticos (T. Myers, comunicaC;ao pessoal); assim , parece haver poucajustificativa para pressupor q ue os esti -los policrornicos antigos representam um uni-co grupo linguistico. Igualmente, nenhum si-tio com cedimica Sald6ide-Barranc6ide foi re-lacionado historicarnente aos povos de lingua ArU\vak, pOl'que estes estilos desapareceram muito antes que se fhesse qualquer observa-t;ao sobre as linguas nativas. De qualquer ma-neira, parece mais provavel que os estilos de horizonte abranjam populac;oes multietnicas, estando ligados a process os socio-pol fticos e econ6micos mais complexos do que a mera in-vasao e migraC;ao em massa.

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  • 74 I[JST01llA DOS iNDIOS 1\0 1I1{AS1L

    o HABITAT DOS ESTlLOS DE HORIZONTE PRE-HISTORICO TARDIO

    As fases arqueol6gicas dos esti los de horizon-te pre-historico tardio parecem tel' ocorrido em tipos caracterfsticos de biomas. Muitas das fases tern sido identificadas ao longo dos ban-cos, barragens e deltas das principais varzeas dos riDs que cantem sedimentos erodidos dos Andes. as maiores complexos de sambaqui encontram-se em grandes extensoes de aluviao recent:e, nas planfcies da Amazonia boliviana, no delta do Apure do medio Orenoco, nas pla-nicies costeiras da Guiana e na ilha de Mara-j6, na foz do Amazonas. As fases arqueol6gi-cas das areas int:e rfluviais de haixos recursos parecem carecer da complexidade cultural e da magnitude das fases das varzeas.

    As unicas exce~6es sao as regi6es interflu-viais que se diferenciam pelos dep6sitos geo~ 16gicos que enriqueceram os solos locais com Ilu t.rientes, como as extensoes da costa cari-benha da Venezuela, 0 alto e media Xingu, no Brasil, 0 sope andino no alto Amazonas e 0 oes~ te do Orenoeo. Poueas investigag6es foram rea~ lizadas nas areas interfluviais de baixos recur~ sos. E, entretanto, admissivel que os antrop6-logos tenham aehado restos arqueologicos mais substanciais ao longo dos rios principais e contrafortes andinos simples mente pOl'que estas areas sao mais acessiveis a pesquisa. Na avaliac;ao do papel dos fatores ambientais no desenvolvimento das sociedades das terras bai~ xas, tornar-se~a importante no futuro compa~ rar a oeupac;ao pre-historica das regioes geo~ lagicamente portadoras de baixos nutrientes com aquelas regi6es de ricos recllrsos nutri-cionais.

    AS ECONOMIAS PRE-HISTORICAS li\RDIAS

    Durante muito tempo, os antropologos acre-ditaram que a mandiaca, a pesca e a ca9a, pa-draa da subsistencia dos fndios de hoje, tam-bern constitufam 0 principal sistema de todo o periodo pre-hist6rico. Entretanto, este pres-suposto se baseava ern duas ide ias agora tidas como incorretas: que 0 padrao etnognifico atual e representativo do padrao antigo; e que o ambiente amazonico era muito pobre para sistemas agrfcolas de tipo mais intensivo. 0 que algumas das novas descobertas arqueo16~ gicas mostram e que muitas

  • mantida em carateI' suplementar, com a forte predominancia dos restas de fauna aquatica sobre a terrestre, presumivelmente devido a sua alta biomassa e alto ritmo de reproduc;;ao dos peixes neste habitat, em comparaC;;ao com os dos animais terrestres.

    As mais antigas evidencias arqueobotanicas do cultivo de milho foram achadas na Fase Co-rozal da regiao de Parmana, no medio Oreno-co, sendo esta uma fase de transic;;ao entre as fases iniciais Sald6ide-Barranc6ide e 0 Hari-zonte Inciso Ponteado do perfodo pn~-historico tardio (Roosevelt, 1980, 1991b; Van der

    ~1erwe, Roosevelt e Vogel, 1981). Ai, uma es-pecie de milho bastante primitivo, parecido com 0 tipo PolIo dos Andes setentrionais, en-b'ou na seqiiencia cerca de 800 a .C., au seja, nos infcios da fase. Ao tempo do aclvento da era crista este havia .'lido substitufdo pOI' dois tipos mais modern os, especialrnente aquele se-melhante ao tipo Chandelle da regiao caribe-nha. Em cerca de 400 d.C., nesta regiao, no

    ,\HQUEOLOGIA AI> IAZONICA

    perfodo final da fase, 0 colageno dos ossos dos individuos pre-historicos apresentou as por-centagens mais baixas de carbona estivel e as mais altas de isotopo de nitrogenio, caracte-rlsticas dos comedo res de milho.

    Embora ainda nao tenbam sido realizados trabalhos arqueobotanicos no alto Amazonas, os estudos de isotopos estaveis de restos OS-seos do primeiro e inicios do segundo mile-nio d.C., provenientes das escaval$oes de Yari-nacocha na v.u:zea do UcayaJi, no Peru, docu-men tam a rnesma mudrull$a de um possivel padraa de mandioca, pesca e cac;;a para a padriio basico de milho (Roosevelt, 1989a). Significativamente, as atuais Indios Shipibo da comunidade de Yarinacocha consomem a mandioca como principal fante de calaria, re-velalldo que uma importante mudam;a na sub-sis ten cia teve iugar entre as tempos pre-his-toricos e os dias atuais. Mas nenhum estudo ecoJogico do modo de subsistencia dos Ship i-bo esclarece ou explica as raz6es pelas quais

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    Sitios na ilha de Maraj6. Vista aerea do grupo Monte Carmela, rio Anajas.

  • 76 HlSTOIHA DOS iNDIOS NO BIV.SIL

    a adapta~ao indigena ao meio ambiente dife-rencia u-se tanto entre os periodos ante riores e posteriores a conquista.

    Existem evidencias etno-hist6ricas de que a transi~ao da subsist(~ncia pre-hi st6rica para o milho tambem ocorreu no baixo Amazonas, pais os primeiros missiomirios portugueses in-formaram, a respeito dos cacicados do Tapa-j6s, nas vizinhan

  • animais, proprios as economias do perlodo pre-hist6rico inicial. Os padroes etnogra.ficos da subsistmcia indJgena de cultivo itin eran-te, a cat;ta e a pesca parecem, assim, represen-tar urn retorno a urn modo de vida que existia na Amazonia antes do desenvolvimento das economias intensivas dos populosos cacicados.

    o reconhecimento de evidencias espec:ifi-cas de importantes mudant;tas na subsistencia e na demografia e algo novo na antropologia da Amazonia. As novas informat;toes sobre a qUlmica dos ossos humanos pre-historicos. os animais comestiveis e as plantas documentam a sequencia de mudangas tecno-ambientais e tecno-economicas com muito mais complexi-dade do que antes havlamos pensado. As evi-dencias de que muitos dos primeiros desen-volvimen tos culturais - como a cera.mica ini -cial, 0 sedentarismo e a agricultura - devern ter ocorrido mais cedo na Grande Amazonia do que nas terras altas, tendem a sustentar a hipotese de que nossas nogoes anteriores acer-ca da existencia de centros geograficos de ino-\at;tao e influencia de culturas orientadoras na ,\merica do SuI, no perlodo pre-hist6rico, pre-cisam ser revistas. Ademais, a conclusao de que o desenvolvimento d as culturas complexas DO perfodo pre-historico tardio na Amazonia esta associado a mudangas significativas na demografia e na subsistencia prepara 0 cami-nbo para a compreensao destas culturas co-mo produtos da adapta9iio Jocal it ecologia da Amazonia.

    PADROES DE ASSENTAMENTOS PRE-HISTORICOS lARDIOS

    .\ssociado a difusao dos estilos de horizonte Jo perfodo pre-historico tardio, ocorre 0 cres-\..'imento em tamanho, num ero e complexida-de dos sHios de ocupat;tao humana, no pe rfo-do imediatamente posterior ao advento cia e ra .... rista. as sHios ocupados neste perfodo f1'e-qiientemente ocupam varios quilometros e apresentam uma considenivel densidade de restos culturais e bio16gicos, com varios me-tros de profundidade_ Muitos sftios de ocupa-'rao das varzeas sao amontoados de terra arti-ficiais, similares aos tells" do Oriente Proxi-mo, compostos de sucessivos estagios de t.'"Onstrugao e ruinas de construg6es de terra. .\pesar cia existencia de numerosos sftios sim-ples e pequenos, diversos sHios parecem ser dep6sitos complexos e multifuncionais, com

    AHQUEOLOG IA AMAZ6~ I CA

    areas especfficas de artesanato, areas cerimo-niais, aterros defensivos, cemitt~rios e amon-toados, alem de suhstanciais restos de estru-tUl'as domesticas e utilitarias, como habit.:'190eS e fornos. Nenhum destes grandes sftios com-plexos foi ainda totalrnente investigado, Ape-sar de a maior parte das Fontes se referir aos assentamentos arqueol6gicos cia Amazonia no pre-historico tardio como nao urbanos, os sl-tios arqueologicos e as gran des obras de ter-raplenagem oa Amazonia do pre-hist6rico tar-dio sao surpreendentemente substanciais e complexos.

    As culturas construtoras de sambaquis em larga escala desenvolveram-se em muitas areas da Grande Amazonia: nos Llanos de Mojos e Chiquitos da Amazonia boliviana (Eri ckso n, 1980; NordenskioJd, 1913, 1916, 1924a e b; De-nevan, 1966), na ilha de Maraj6 na foz do Ama-zonas (Derby, 1879; Meggers e Evans, 1957; Roosevelt, 1991a), nas planicies costeiras das Guianas (Boomert, 1976, 1980b) e no medio Orenoco (Castellanos, 1955; Cruxent e Rou-se, 1958-9; Denevan e Zucchi, 1978)_ Estas re-gioes foram denominadas " florestas umidas tropicais", pOl'ern todas possuem zonas de var-zea com dimas sazonais de savana e com ex-tens6es sujeitas a alagamentos sazonais que deixam ricos sedimentos aluviais. As obras de terraplenagem nestas areas incluern areas de cultivo elevadas e com valas, diques, canais, pogos, a~udes, calgamentos, estradas e sam-baquis para habita9aO e enterrame nto. Os sambaquis de ocupat;tao foram construfdos por meio do empilhamento de grossas camadas de solo escavadas de pogos localizados em tomo dos sfti os, au ainda pela acumulac;ao gradual de restos e ruinas de constru~oes de adobe. Os habitats das cuJturas dos sambaquis sofrem profundos alagamentos sazonais, pOl'tanto os assentamentos pennanentes precisavam ser anualmente elevados para locais secas. Entre-tanto, muitos das sambaquis pn3-hist6ricos fo-ram aparentemente construfdos bern acima do nlvel da agua nos perfodos alagadigos, 0 que sugere que estes devem ter sido elevados para a defesa ou a ostentagao. Apenas algumas pros-pecgoes sistemciticas das obras de te rraplena-gem foram realizadas, e muitas destas constru-goes nas varzeas foram cobertas pela sedimen-ta9iio. AJem dos sitios de ocupa9ao e das obras de terrapJenagem, podem ser trabalhadas al-gumas areas de dep6sito de pedras, como aque-

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  • 78 JIISTOIUA DOS f:-lDIOS NO BH,\SIL

    la da parte oriental do escudo das Guianas e da regiao de Carajas, ao suI da foz do Amazo-nas, que possuem extensos alinhamentos de rochas mOlloliticas (Evans e Meggers, 1960; Jo-se Seixas Lourengo, comunical):ao pessoal).

    A escala e a extensao das obras de terraple~ nagem da Amazonia sao extraordimirias. Em muHas areas das varmas, as C0l1stru90es de ter-ra e os sftios se transformaram nas express6es mais proeminentes da topografia, e os siste-mas de campos de cultivo elevados estendem-se por muitas centenas de quilometros qua-drados. Nas extensas varzeas cia savana umi-da, praticarneote as t'inicas farroas topograf'i-cas que se projetam acima das varzeas sao os numerosos amontoados de habita96es e cemi-terios. Estes sambaquis mantelTI uma floresta antropogmica rica em frutas de alvores. Mui-tos destes sambaquis possuem de 3 a 10 m de altura, mas deve-se eonsiderar que esta altura foi reduzida desde os tempos pre-historicos pela erosao e pelo aumento da sedimenta.-;clo nas varzeas. Urn Dpieo amontoado artificial nos Llanos bolivianos de Mojos e Casarahe, que possui mais de 16 m de altura e 20 ha de area (Dougherty e Calandra, 1981-2). Outro sitio de amontoados multiplos na Amazonia equatoria-na tern cerea de 12 km' de area (Porras, 1987), e alguns sHios de sarnbaquis mtiltipl9s na ilha de Maraj6 tern mais de 10 km' de area, contendo de 20 a 40 sambaquis indivi-duais (W. Farabee, notas de campo; Hilbert, 1952). Areas como as de Llanos de Mojos e Maraj6 tern centenas de gran des sftios de sam-baquis e muitos outros ainda nao com-provados.

    Mesmo os sftios arqueo16gicos produzidos pelo mero acumulo de refugos organicos co-brem uma eonsideravel extensiio da superfi-de ao longo das margens dos riDs Amazonas e Orenoeo. Estes massivos dep6sitos arqueo-16gieos do pre-hist6rieo tardio apareeem fre-qilentemente de forma continua por varios quilometros, com 4 a 6 m de depositos densa-mente atulhados com restos arqueo16gicos e manehas escuras provenientes dos restos car-bonizados de plantas. Por exemplo, os sHios de ocupa~ao de solos negros em Corozal, no me-dia Orenoco, da Fase Camorueo (cerea de 400-1500 d.C.), tem cerea de 4 m de profun-didade e mais de 16 ha de area (Roosevelt, 1980, 1991b). Na regiiio de Manaus e perto de Altamira existem sftios de grande profundida-

    de de extensos solos negros ao longo de mui-tos quilometros (Sternberg, 1960; Hilbert. 1968; Smith, 1980). as sitios de solos negros. ao longo das margens do baixo Amazonas, sao continuos por muitos quilometros. No Brasil. estes dep6sitos sao tao extensos, profundos e ricos e m minerais que sao classificados como recursos agronomicos de grande importancia economica, as chamadas Terras Pretas Indi-genas" (Falesi, 1974). Em regi5es como a de Santarem, os sitios arqueoJ6gicos tornaram-se o principal recurso em tennos de solo para 0 desenvolvimento da agricultura monocultora eomercial, durante 0 seeulo XIX (Hartt, 1885; Smith, 1879; Steere, 1927).

    Os maci.-;os sItios de habita.-;ao indicam a existencia de uma ocupac;ao pre-hist61ica mui-to mais substancial e sedenhiria do que a ocu-pa.-;ao fraca e nomade visualizada pelos primei-ros investigadores da Amazonia. Os sftios de grande ocupaC;ao nao podem ser expl icados como produto da acumula.-;clo proveniente de longos perfodos de habita~5es esparsas e iti-nerantes, uma vez que a cronologia indica que eles aumentaram rapidamente, sen do docu-mentados, em muitos cas os, perfodos de cen-tenas de anos, evidenciados por diversos me-tros de refugos. Em muitas regioes, estes SI-tios representam as popula.-;oes pn=!-hist6ricas que aparentemente eram muito mais nume-rosas em 1500 d.C. que as popula~6es amazo-nicas atuais. A partir cia quantidade de fogos e das evidencias comparativas em nivel mun-dial referentes a razao entre a area dos sftios e suas respectivas populac;oes, pode-se con-cluir que um numero naa pequeno de sftios amazonicos abrigava popuJa.-;oes de muitos 011-Ihares de pessoas, sendo alguns sufieientemen-te gran des para terem eomportado pelo me-nos dezenas de milhares de pessoas.

    Diversos grandes cemiterios com centenas de sepulturas foram aehados em sfti os de habitac;ao e em sambaqu is. De fato, nas pros-pecc;oes ja realizadas, 0 numero de sftios de cemiterio supera 0 dos sftios de habita9ao, pro-vavelmente pOI-que a mruoria dos pesqui sado-res estava mais interessada nos ricos cemite-rios e nao considerou importante levan tar os dep6sitos de habita.-;ao. Em sua maioria e les sao cemiterios de urnas concentradas espacial-mente, porem algumas tumhas de covas fun-das, cobertas de pedras, continham, igualmen-te, urnas funerarias (Goeldi, 1900). Nos cemi-

  • terios, as sepulturas sao muito variadas em ter-mos de tipos e iconografia das urnas, tratamen-to dos corpos e acessorios. as variados e e1a-borados conjuntos fun erarios sao tidos como representativos de diferenc;as significativas en-tre pessoas de distintos niveis sociais. Devido a protec;ao que recobre as urnas e ao pH qua-se neutro do solo nestas areas, as ossadas hu-manas eshio normalmente muito bern preser-vadas (Greene, 1986). Apenas alguns destes restos esqueletais fDram levantados ou anali-ados, mas aqueles conservados em museus e

    em coiec;oes particulares ilustram uma popu-lac;ao fortemente diferenciada em termos de idade, sexo, doenc;as, condic;oes fisiologicas, conteudo isot6picO e robustez. A despeito das ricas informac;6es socio-economicas que estes vastos cemiterios podem vir a produzir, ne-nhum cemiterio pre-hist61ico da Amazonia foi ate 0 presente sistematicamente estudado pela antropologia ffsica.

    Assim , a escala e a complexidade dos as-sentamentos e construc;6es das sociedades do pre-hist6Iico tardio na Grande Amazonia apro-nmam-nas mais das sociedades identificadas, em outras parte s, como cacicados complexos e estados, do que dos assentamentos da Ama-zimia indigena atual. A existencia desses sitios e dessas estruturas monumentais permanece, em termos gerais, pouco reconhecida na lite-ratura arqueologica das Americas e, ademais, nao e considerada nas caracteriza

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    ..

    IIISTORIA DOS {NOIOS NO BHASIL

    trumentos musicais, roeas, selos, tamboretes, alisadores, utensilios de cartar pedras, amola-dares de setas, moedores, pil6es, rasp adores e ornamentos de jade e de outras pedras se-mipreciosas. Existem tambem lTluitos objetos complexos cujas fUIl~6es sao desconhecidas. A presen~a nas bacias sedimentares de nume-rOSDS itens de rochas fgneas aponta para 0 co-mercia de Ionga distancia de lfticos. Diversos sHios arqueol6gicos no Orenoco revelam Ift.i-cos com caracteristicas de manufatura, indi-cando que, em alguns caSDS, rochas foram im-portadas de fora para a manufatura de utensf-lios e ornamentos (Roosevelt, 1980). Estudos dos elementos e is6topos dos materiais sao ne-cess:hios para trac;ar a extensao e a hist6ria do corne rcio de longa distancia dos lfti cos e ce-rami cas. Rocas aparecem com maior freqtien-cia e em diferentes tipos depois do advento da era crista, sugerindo a i ntensifica~ao e a cres-cente complexidade da produ~iio t"'tiI. As ter-ras ocupadas pelos cacicados sao freqi.iente-mente argilosas, de pH alto, consideradas boas para 0 piantio de algoclao, e a produ~ao desta fibra pode ter se tornado lima industria im-portante.

    A iconografia dos estilos de horizonte po-de oferecer evidencias aciicionais das caracte-risticas da organiza~ao social, economica e 1'e-ligiosa das cwtllras antigas. A arte dos estilos de horizonte do perfodo pn~-hist6rico tardio enfatiza a figura humana, caracterfstica nao manifesta nos periodos anteriores au poste rio-res. Ainda qlle a represen ta~ao de animais per-

    mane~a com urn, a humana e normalmente a figura maior e rnais central, os animais sendo fi-equentemente apenas acessol;os decorativos da irnagem humana. As Aguras animais devem terse tornado menos centrais na arte do pre-historico tardio pOl'que neste perfodo haviam deixado de ser a recurso proh:ico essenciaI e, em consequencia. devem ter passado a ter um papeJ ritual menor. A figura humana pode ter 5e tornado mais importante quando a agricul-tura intensiva tornou 0 trabalho e a terra va-liosos, e seu controle um fator a demandar jus-tincativas ideo16gicas. Estas figuras encontram-se freque ntemente em contextos mortucl rios e podem estar relacionadas a cultos mortua-rios de venera~ao das elites ancestrais, a exem-pIa daqueles mencionados peIos conquistado-res. A esti1iza~ao de algumas imagens aproxi-ma-as das mumias e de seus acess6rios, as

    quais eram veneradas como objetos de Cll Ito nos cacicados etno-hist6ricos. A importancia da imagem humana po de, ass im , derivar do emprego da arte para susteota9ao das preten-soes genea16gicas das elites ao poder e presti-gio. Imagens masculinas, que sao mais raras que as femininas. sao representadas principal-mente como xamas ou chefes. EIas aparecem sentadas em tamboretes, portando chocalhos, ves tindo chapeus especiais e bolsas a tiracolo, parecendo como figuras alter ego que sus ten-tam outra pessoa ou animal em seus ombros. A figura alter ego e vista como representa~ao da trallsforma~ao do xama em seu espfrito au-xiliar durante 0 transe induzido pOl' drogas. Existe tambem 3. possibilidade de estns repre-sentarem 0 conceito de hierarquia e suhordi-na9ao entre os grupos humanos, sendo as es-tatuetas representativas de peque nas figuras ligadas a outras maiores que fun cionariam co-mo suportes Oll sustentaculos. Nas imagens, excetuando-se aquelas dos chefes xamas, as fi -guras masculinas raramente aparecem llas re-presenta90es artlsticas, com exce~ao de repre-senta~6es gen itais apartadas do corpo, como nas figuras femininas em que as corpos e ca-

    be~as tem form as faJicas. a que nos interessa e 0 fato de que na a.rte

    antiga as muU1eres tambem sao representadas sentadas em tamboretes, po1'tando sfmbolos xamanfsticos e interagindo como figuras alter ego (Nordenski6Id, 1930). Isto apesar de as mulheres xamas serem raras entre as povos atuais e serem proibidas de sen tar em tam-boretes rituais, considerados como prerrogati-vas do chefe, que neles se mostram apenas pa-ra fazer importantes pronunciamentos. Sao ainda prerrogativa do xama, que neles se as-senta durante os rituais adivillhat6rios ou de cura. E sta iconografia sugere a p05sibilidade de ter existicio, nos tempos pre-h istoricos, uma maior proeminencia religiosa e polftica dos pa-peis femininos, fa to este que foi conceituado geralmente pel a etno-historia e pel a etnogra-fia como a "mito da l1lulh er amazonica", da qual se diz ter um dia governado a Amazonia mediante 0 apresamento do pode r xamanfsti-co pel a posse das flautas sagradas. A predorni-nan cia das mulheres nas fases da arte da baixa Amazonia como nas de Santarem e Marajoara (70%-90 %) pode al ternativamente estar rela-cionada ao reconhecimento da clescendencia da linhagem do chere de mulheres mfticas an -

  • cestrais. Existem igualmente numerosas pe-quenas estatue tas pre-historicas representan-do figuras femininas, ilustrando varios aspec-tos da reprodu~ao e sexualidade humana, ti-po de representa~ao que pode ter estado conectado a organiza~ao s6cio-polftica e de-mografica dos cacicados (Hoosevel t, 1987a). A amuise do papel feminino na arte da Amazo-nia pre-hi st6rica atraves do tempo sugere ter ocorfido uma mudan~a na ideologia relativa as prerrogativas dos sexos e, possivelmente, dos papeis sexuais. Foi principaImente nas primei-ras sociedades complexas, como a Marajoara ou Maraca, da faz do Amazonas, que as rnu-Iheres foram mostradas em papeis xamanisti-cos au de cheBa. A mudan~a iconografica po-de refletir 0 incremento da estratifica~ao so-cial e politica e a perda do poder pelas muUleres. Esta transformac;ao e vista como ca-racterfstica da transic;ao da sociedade de es-tamentos a estados, transi~ao que cleve tel' ocol'l'ido nas varzeas da Amazonia no perfodo pre-hist6rico tardio.

    RESUMO

    A dife renQa mais consideraveJ existente entre o modo de vida indfgena do pre-hist6rico tar-dio e 0 dos dias de hoje [oi considerada ape-nas raramente pel os estudos etnognificos mo-dernos. Indicativo das dnisticas mudanc;as nos modos de vida indfgena produzidas pela con-quista e 0 fato de que os antigos amontoados da Amazonia sao agora habitados por indivf-duos que pouco se parecem com os antigos habitantes. Em muitas areas da Amazonia, co-mo na ilha de Maraj6, os sambaquis sao habi-tados por colonos de origem europeia ou afri-cana. Alguns dos maiores amontoados do mun-do, locaHzados na Amazonia boliviana, sao, de fato, habitados pelos Siriono, ditos coletores primordiais (Holmberg, 1969), pOJ'em ignoran-tes da maior parte da cu ltura dos sambaquis. Muitos dos an tigos sftios tern dep6sitos de re-fugos em profundidade, grandes estruturas de terra - inclusive areas de barro cozido para cozi nhar -, objetos ceramicos monumentais e milho abundante. Contudo, estes mesmos as-pectos raramente sao encontrados nas cultu-ras etnograficas, que arqueologicamente exi-bem dep6sitos de solo de pouca profundida-de e estratigrafia amorfa (Meggers, 1971). E evidente que a adapta~iio cultural e ecologica dos povos antigos e modernos da Amazonia e

    muito clifen:mte, f! p;:U.~ ~ompreender as raz6es destas caracterfsticas distintivas precisamos conhecer e explicar estas diferen~as.

    o SIGNIFICADO HlST6RICO DAS CULTURAS COMPLEXAS DA AMAZONIA

    Ate 0 presente, nenhum dos cacicados am a-z6nicos foi investigado arqueologicamente em termos exaustivos, tornando-se, desta forma, diffcil a avaliac;ao das caracterfsticas e origens destas sociedades. A partir dos antigos pres-supostos sobre as deficimcias ambientais da floresta bopical como habitat para 0 desenvol-vim ento cultural e demogd.fico, 0 que se es-perava original mente era que estas cu]turas fossem inff!r iores em p-seala e complexida de as "altas cu ltu ras" dos Andes e da Mesoameriw ca, sendo seu desenvolvimento inspirado no estimu io, senao nas invas6es, provenientes de fora. Mas se 0 meio ambiente tropical nao se constitui como limitaQao ao desenvolvimento cultural indfgena, entao estas considerac;6es nao sao validas. De fato, existe uma abundan-cia de evidencias indkando que estas socie-dades eram de origem local e que atingiram uma escaIa sign ificativa e urn alto nfvel de complexidade. Seu surgimento, no decorrer do ultimo milenio antes do advento da era crista, e posterior ao nascimento de sociedades simi-lares nos Andes, em cerea de 2000 a.c. Toda-via, elas !laO se inspiraram necessariam en-

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    Cer~mjca da fase Marajoara. Tanga policromada, 14 em.

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    l!IST61UA oos iNDIOS NO BH.:\SIL

    te nos cantatas com as terras altas, pois urn dos primeiros cacicacios, 0 Marajoara cia Tradil$ao Policromica, localiza-se na margem Ol-iental da Amazonia, e sua elaborada arte e, em term os de origem geogratlca, indiscutivelmente ama-zonica e naa das areas montanhosas. A julgar pelos estilos de horizonte e pelo comercio in-tensivD, as cacicados amazonicos empreende-ram cantatas de longa distancia, mas a exten-sao dos primeiros cacicados parece ter se Ii-mitado as terras baixas tropicais do norte e do suI. Os cacicados do pre-hist6rico tardio, do Horizonte Inciso Ponteacio, como 0 de Santa-rem, possuem rela

  • ria da adapta9ao humana, os detalhes das in-tera90es eco16gicas e sociais das popula90es humanas pre-hist6ricas sao completamente desconhecidos. Com vistas a responder as questoes mais prementes sobre a trajet6ria das te rras baixas, necessitamos de uma nova estra-tegia de pesquisa, pois os escassas e disper-sos dad as disponiveis atualmente sao inade-quados para a tarefa. Os antrop61ogos identi-ficaram algumas quest6es signin cativas sobre a ocupa9aO humana pre-hi st6rica da Amazo-nia. As questoes mais 6bvias relacionam-se as origens destas sociedades, suas hist6rias e a na-tureza de seus sistemas s6cio-economicos, po-Ifticos, rituais e ideologicos. Porem, nenhum destes aspectos foi ate 0 momel1 to investiga-do sistematicamellte com dados arqueo16gicos, apesar de existirem numerosos sibos de OCll-pa9aO pre-hist6rica bem preservados. Com 0 objetivo de compreellder melhar as sacieda-des antigas, precisamos cansiderar quais tipos de dadas especificos sao necessarios para ava-liar as teorias. Alem disso, para entender as semelhan9as e diferen9as das sociedades ama-zonicas em rela
  • 84 [[JST6111A DOS i1\DlOS NO BHASI L

    mapeaclas, de forma economica e nao destru-tiva, fornecendo informa~6es substanciais so-bre a composic;ao dos sitios (Lyons e Scovill , 1978; Morain e Budge, 1978; Roosevelt, 1991a; Wynn, arg., 1986). Escavac;6es estratigraficas revel am a natureza das seqiiencias, atividades e estruturas por meio do resgate de objetos na-turais e culturais em contextos deposicionais e comportamentais (Roosevelt , 1991a e b). A coleta de amostras do solo e sua analise reve-lam a natureza dos dep6sitos (Eidt, 1984). As tecnicas de peneiramento de grandes quantias de solo e a consel'Va,ao dos objetos podem re-cuperar nurnerosos artefatos, assos e restos de plantas pre-hist6ricos (Pearsall, 1989; Roose-velt, 1984; Wing e Brown, 1979) - dados b,\-sicos para as reconstru~6es humano-ecol6gicas e s6cio-polfticas. A espectrometria de massa acelerada permite a data,ao direta de objetos significativos ao reduzir a quantidade de ma-terial organico necessario para a analise (Hed-ges e Gowlett, 1986). A analise osteologica de esqueletos humanos (Cohen e Annelagos, 1984) produz dados detalhados sobre carac-terlsticas demogniflcas, fisioJ6gicas e geneti-cas das antigas popula

  • historico tardio, com grandes obras de terra-plenagem, estao entre os maiores do Novo Mundo. Antigos restos biol6gicos estao preser-vados na maioria dos sitios e contem imp or-tantes informaC;6es economicas e ecol6gicas. A padronizac;ao e distribuic;ao das estruturas, instalac;6es e sepulturas e a abundante e so-fisticada ceramica pre-hist6rica revelam pa-droes pn~-historicos de economia, demogra-fia, ideologia e organizac;ao.

    a fato de a Amazonia ainda ser ocupada pOl' numerosos povos indigenas enriquece as pos-sibilidades de interpretagao antropol6gica. a reconhecimento das convulsivas mudangas nos modos de vida indigenas ocorridas na epoca da conquista europeia oferece a arqueologia historica e a etnoarqueologia urn potencial unico para a produgao de informag6es causais de a!canee geral, inclusive fora da Amazonia. Devido a disponibilidade de informagoes so-bre as populag6es e culturas indigenas da pre-hist6ria ao per{odo etnografico, a Amazonia pode tornar-se urn laborat6rio para a com-preensao das causas da mudanga na hist6ria humana.

    a que os trabalhos recentes estao des co-brindo na Amazonia coloca em duvida algu-mas interpretagoes aceitas sobre 0 desenvol-,;mento cultural indigena no Novo Mundo. a que nos podemos descobrir sobre a evolugao da sociedade na Amazonia pode tel' importan-tes implicag6es para nossa cornpreensao do processo em outras partes do mundo. 0 regis-tro arqueol6gico da ocupa9ao pre-hist6rica cia _-\mazonia possui, igualmente, relevancia fora do campo da antropo]ogia, uma vez que esta exemplifica uma bem-sucedida adapta~ao de longa duragao dos povos indigenas ao ambien-Ie tropical, cuja evolu~ao e duradoura estabi-Iidade e de grande interesse gera!.

    FONTES

    Embora extensa, a bibliografia referente a ar-queologia amazonica e fragmentada e de qua-Iidade desigua!. Em sua maioria, os arqueolo-gos profissionais tern ignorado as Fontes dos se-culos XVIII e XIX pois, segundo eles, estas seriam representahvas de registros e pes qui-sas realizados de maneira nao cientifica e as-sistematica. Entretanto, muitos dos trabalhos antigos contem importantes informag6es au-sentes nas Fontes mais modernas. POI' exem-pIa, na~ foi mencionada em nenhuma [onte do

    ,\RQUEOLOGIA AMAZONICA

    seculo xx a existencia de sambaquis do perfo-do Arcaico na ilha de Maraj6, apesar de estes serem citados em pelo menos duas Fontes mais antigas (Penna, 1876; Monleiro de Noronha, 1862). Alem disso, alguns Irabalhos realizados pOl' arque610gos ou etnologos amadores con-tern importantes informa90es arqueoJ6gicas

    na~ encontradas nos trabalhos de arque61ogos profissionais. POl' exemplo, 0 primeiro sftio ce-rfimico de Taperinha roi descrito em Fontes do seculo XIX (Hartt 1885; Penna 1876; Smilh 1879), mas neste seculo s6 foi mencionado em publica,6es por urn arque6logo amador (Pal-matery, 1960). a que parece tel' acontecido e que os pontos de vista fortemente te6ricos e cientillcistas dos al'que610gos de meados do se-culo xx restringiram severamente sua sensi-bilidade as fontes.

    A maior parte da literatura atual sobre a ar-queologia amazonica carece do tipo de infol'-magao necessaria para a interpretagao segura clos achados. POl' exemplo, muito poucas obras exp6em os metodos de escavagao e peneira-mento do solo que foram utilizados pelos ar-que610gos. E muito poucas obl'as incluem se-quer esbogos ou plantas estratigraficas, e as unidades e camadas nas quais 0 material foi coletado raramente sao relacionadas a estra-tigrafia. Am bos os tipos de iDforma~ao sao ab-solutamente necessarios para a interpretagao dos achados.

    Ademais, a maior parte das evidmcias ar-queol6gicas recuperadas nos sitios amazoni-cos na~ e divulgada, permanecendo nas cole-goes de museus. A documentagao referente ao contexto do material e a associagao deste com outros artefatos, quando preservada, jaz nos al'-quivos fotograficos e documentais dos museus. As principais coleg6es de materiais sobre a Amazonia encontram-se nos seguintes mu-seus: Museu Nacional de Antropologia e Ar-queologfa de Lima, Museu Nacional do Rio de Janeiro, Museu de E tnologia e Arqueologia da Universidade de Sao Paulo, Museu Paulista, Museu Paraense Emilio Goeldi, Museu Wal-ther Roth, Museu do indio Americano, em No-va York, Museu Americano de Historia Natu-ral, em Nova York, Museu Peabody de Hist6-ria Natural, na Universidade de Yale em New Haven, Museu Peabody de Arqueologia e Et-nologia da Unive l'sidade de Harvard, Muse u do Homem, em Paris, e Museu Etnognmco de Gotemburgo, na Suecia. Os maiores arquivos

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  • 86 IIIST6RIA DOS INDIOS NO BBASIL

    encontram-se nestes museus, e existem ainda divers os arquivos especializados, como as Ar-qu ivos de Antropologia da Ins titui~iio Smith-sonian em vVashington, os quais contem gran-de numero de data~6es radiocarbonicas nao

    publicadas, provenien tes de sitios da Am az-nia. Algumas cole~6es se perderam, como aque-' la composta de fotografias em cbapas de vidro da Comissao Geol6gica Imperial , comandada na decada de 1870, por C. Frederick Hartt.

    Revisiio tecnica: Sflvia Maran ca. e Wladimir .Arati-jo