anna christina bentes conselho editorial de linguagem · 2016-08-31 · ingedore grunfeld villaça...

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  • COMIT EDITORIAL DE LINGUAGEM

    Anna Christina BentesEdwiges Maria Morato

    Maria Cecilia P. Souza e SilvaSandoval Nonato Gomes-Santos

    Sebastio Carlos Leite Gonalves

    CONSELHO EDITORIAL DE LINGUAGEM

    Adair Bonini (UFSC)Arnaldo Cortina (UNESP Araraquara)

    Heliana Ribeiro de Mello (UFMG)Heronides Melo Moura (UFSC)

    Ingedore Grunfeld Villaa Koch (UNICAMP)Luiz Carlos Travaglia (UFU)

    Maria da Conceio A. de Paiva (UFRJ)Maria das Graas Soares Rodrigues (UFRN)

    Maria Eduarda Giering (UNISINOS)Maria Helena Moura Neves (UPM/UNESP)

    Maringela Rios de Oliveira (UFF)Marli Quadros Leite (USP)

    Mnica Magalhes Cavalcante (UFC)Regina Clia Fernandes Cruz (UFPA)

    ndices para catlogo sistemtico:

    1. Semitica : Lingustica 401.41

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Rabatel, Alain

    Homo narrans : por uma abordagem enunciativa e interacionista da narrativa : pontos de vista e lgica da narrao teoria e anlise / Alain Rabatel ; traduo Maria das Graas Soares Rodrigues, Luis Passeggi, Joo Gomes da Silva Neto ; reviso tcnica Joo Gomes da Silva Neto. So Paulo : Cortez, 2016.

    Ttulo original: Homo narrans : pour une analyse nonciative et interactionnelle du rcit.

    ISBN 978-85-249-2474-3 (obra completa)

    ISBN 978-85-249-2492-7

    1. Anlise do discurso narrativo 2. Lingustica 3. Ponto de vista (Literatura) I. Ttulo.

    16-06494 CDD-401.41

  • Ttulo da edio original: Homo Narrans. Pour une analyse nonciative et interactionnelle du rcit. Tome I Les Points de vue et la logique de la narrationAlain Rabatel

    Capa: de Sign Arte VisualPreparao de originais: Agnaldo AlvesReviso: Elizabeth MatarComposio: Linea Editora Ltda.Coordenao editorial: Danilo A. Q. Morales

    Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorizao expressa do autor e do editor.

    2009 Editions Lambert-Lucas, Limages (France)

    Direitos para esta edioCORTEZ EDITORARua Monte Alegre, 1074 Perdizes05014-001 So Paulo SPTel.: (11) 3864-0111 Fax: (11) 3864-4290E-mail: [email protected]

    Impresso no Brasil agosto de 2016

    Homo Narrans. Pour une analyse nonciative et interactionnelle du rcit. Tome I Les Points de vue et la logique de la narration

  • 5

    Sumrio

    Apresentao ................................................................................................ 11

    Introduo GeralPOR UMA ANLISE ENUNCIATIVA DOS PONTOS DE VISTA NA NARRAO .................................................................................................... 15

    1. Homo narrans ............................................................................................ 172. A abordagem enunciativa do ponto de vista ............................................. 293. Os pontos de vista na narrao .................................................................. 36

    3.1 Reconcepo da mimese: a dimenso cognitiva e pragmtica da re-apresentao [representao] ......................................................... 39

    3.2 Centros de perspectiva e dinmica interpretativa ............................. 453.3 Revalorizar o papel do narrador, inclusive (e, sobretudo) quando

    discreto, e de seu discreto (mas ativo) leitor coenunciador .............. 47

    4. Plano da obra ............................................................................................. 49

    IntroduoPOR UMA ABORDAGEM ENUNCIATIVA E PRAGMTICA DOS PONTOS DE VISTA ....................................................................................... 57

    1. Por uma apresentao historicizada e situada do procedimento ............... 572. Resumo das extenses sucessivas dos pontos de vista: um percurso de

    abordagens semntico-enunciativas do PDV ............................................ 58

  • 6 ALAIN RABATEL

    2.1 Do ponto de vista representado aos pontos de vista narrado e assertado ............................................................................................. 59

    2.2 A parte e o todo: por uma concepo ampla do ponto de vista ....... 64

    3. Apresentao dos captulos ....................................................................... 66

    Captulo 1A PROBLEMTICA GERAL DO PONTO DE VISTA .............................. 71

    1. A teoria estendida do PDV em Ducrot ...................................................... 722. Subjetividade, dixis e sujeito modal ........................................................ 73

    2.1 A concepo da referncia, entre interioridade e exterioridade ........ 772.2 Desligamento terico entre o locutor e o enunciador, isto , a

    atualizao ditica e a atualizao modal ......................................... 79

    3. Os instrumentos enunciativos do ponto de vista ....................................... 823.1 As instncias enunciativas do ponto de vista .................................... 82

    3.1.1 Fonte e instncia de validao do ponto de vista em um contedo proposicional: da responsabilidade enunciativa por si imputao pelos outros ............................................. 88

    3.1.2 Imputao, neutralidade, acordo, desacordo .......................... 943.1.2.1 No responsabilidade enunciativa distanciada de

    um PDV imputado ................................................... 953.1.2.2 Neutralidade a respeito de um PDV imputado:

    entre levar em conta e responsabilidade enunciativa ............................................................... 97

    3.1.2.3 A responsabilidade enunciativa de um PDV imputado: do levar em conta ao acordo implcito .. 98

    3.2 Ponto de vista, contedo proposicional e ilhas textuais ................... 993.2.1 Ponto de vista, contedo proposicional, assero e

    predicao ............................................................................... 993.2.2 Ponto de vista e ilhas textuais ................................................ 101

    3.3 A referenciao .................................................................................. 104

    3.4 Da multiplicidade dos contedos proposicionais hierarquizao dos PDV, conforme as fontes enunciativas e a estruturao argumentativa ..................................................................................... 106

  • HOMO NARRANS Vol. 1. Ponto de vista e lgica da narrao 7

    4. Marcas externas e internas do PDV .......................................................... 1084.1 Marcas externas ................................................................................. 1094.2 Marcas internas .................................................................................. 113

    Captulo 2PONTOS DE VISTA REPRESENTADOS, NARRADOS E ASSERTADOS: os efeitos argumentativos indiretos dos modos de inscrio da subjetividade nos registros perceptuais ........................................................ 119

    1. Ponto de vista representado e ponto de vista narrado: o ponto de vista confrontado com os conceitos de percepes e pensamentos representados, focalizao, empatia, universo de discurso e escopo ........ 1221.1 Os parmetros lingusticos do ponto de vista representado .............. 122

    1.1.1 Percepo de um enunciador (ou sujeito de conscincia, ou focalizador) distinto do locutor-narrador ............................... 122

    1.1.2 Intrincamento dos pensamentos e das percepes do focalizador .............................................................................. 123

    1.1.3 A representao da percepo ................................................ 1251.2 Ponto de vista e focalizao .............................................................. 1311.3 Ponto de vista e empatia: em direo ao conceito de ponto de

    vista narrado ....................................................................................... 137

    2. Agentes duplos da argumentatividade no centro da narrativa: os pontos de vista representado, narrado e assertado confrontados com os conceitos de esquematizao e clarificao (Grize) .................................. 1572.1 O ponto de vista assertado ................................................................. 1582.2 Trs pontos de vista, uma mesma visada argumentativa indireta:

    o efeito ponto de vista ....................................................................... 163

    Captulo 3VALORES ENUNCIATIVO E REPRESENTATIVO DOS APRESENTATIVOS , H, EIS (AQUI / A / ALI) .................................... 175

    1. ................................................................................................................. 1831.1 O valor representativo de e a ativao dos mecanismos

    interpretativos do leitor ...................................................................... 183

  • 8 ALAIN RABATEL

    1.1.1 O valor representativo mnimo de por referenciao situacional difusa .................................................................... 184

    1.1.2 O valor representativo acumulado de nas aberturas de texto ........................................................................................ 185

    1.1.3 : um operador de transio tpica privilegiado da narrativa .................................................................................. 186

    1.2 Os valores enunciativos de apresentativo existencial nas narrativas e a construo de uma dupla mimese, do objeto e do sujeito ................................................................................................. 1891.2.1 O valor concreto do apresentativo e a construo do sujeito

    de conscincia ......................................................................... 1901.2.2 A dimenso abstrata dos mecanismos referenciais

    cotextuais ativados pelo apresentativo e a construo do sujeito de conscincia ............................................................. 193

    1.3 O valor sobreposto de na marcao do ponto de vista .................. 2001.3.1 embreante do ponto de vista ............................................... 2011.3.2 O papel do auxiliar na expresso do valor representativo..... 205

    2. H, eis aqui/a/l ....................................................................................... 2112.1 O apresentativo h ............................................................................. 2112.2 O apresentativo eis aqui/a/ali ........................................................... 218

    3. O papel dos apresentativos na construo das interpretaes e na argumentatividade indireta da narrativa .................................................... 221

    Captulo 4O VALOR DELIBERATIVO DOS CONECTORES E MARCADORES TEMPORAIS MAS, ENTRETANTO, AGORA, ENTO, E NA EMBREAGEM DO PONTO DE VISTA ...................................................... 231

    1. Mas em enunciados narrativos: um embreador do ponto de vista e um organizador textual .................................................................................... 2321.1 A anlise de Ducrot de mas argumentativo ....................................... 2321.2 O ponto de vista, com ou sem mas? ................................................. 2381.3 O locutor-narrador narra P mas Q e o sujeito de conscincia-

    -centro de perspectiva assume mas Q ............................................... 2391.4 Mas embreador do ponto de vista ..................................................... 2461.5 Mas organizador textual .................................................................... 253

  • HOMO NARRANS Vol. 1. Ponto de vista e lgica da narrao 9

    2. O valor deliberativo dos conectivos e marcadores temporais mas, entretanto, agora, ento, e ........................................................................ 2552.1 Quando mas permuta com entretanto ............................................... 2552.2 Diferena de funcionamento entre conectores e marcadores

    temporais na marcao do ponto de vista ......................................... 2582.3 Proposies para um continuum argumentativo-temporal ................ 260

    2.3.1 O valor argumentativo enfraquecido dos marcadores temporais ................................................................................. 261

    2.3.2 O valor temporal enfraquecido dos conectores ..................... 2632.4 Balano sobre valores textuais dos conectores e marcadores

    temporais deliberativos: mimese, dramatizao e argumentao indireta ............................................................................................... 2662.4.1 Efeito de mimese .................................................................... 2692.4.2 Efeitos dramatizao .............................................................. 2692.4.3 Efeito de argumentatividade indireta ..................................... 270

    Captulo 5PONTO DE VISTA E ORDEM DAS PALAVRAS: os efeitos cognitivos e pragmticos da anteposio ou da posposio dos enunciados no pretrito imperfeito em relao ao pretrito perfeito ................................... 271

    1. A codificao aspectual e a ordem temporal nos encadeamentos pretrito perfeito + pretrito imperfeito .................................................... 272

    2. O enunciado no pretrito imperfeito como comentrio do tpico no enunciado no pretrito perfeito .................................................................. 277

    3. Ponto de vista do locutor e/ou ponto de vista do enunciador................... 2824. Quando a anteposio da descrio de estado aumenta sua dimenso

    epistmica, atribuindo-lhe uma dimenso causativa ................................. 285

    5. Anteposio e lgica narrativa .................................................................. 289

    Referncias..................................................................................................... 297

  • 11

    Apresentao

    Alain Rabatel, professor da Universidade Lyon 2 e autor de Homo narrans: por uma abordagem enunciativa e interacionista da narrativa, compartilha com professores universitrios, pesquisadores, alunos de gra-duao, de ps-graduao e professores do ensino bsico, que se interessam pelo estudo do ponto de vista, um valioso trabalho, a partir de abordagens enunciativas. Nessa direo, a obra um grande contributo a vrias reas do conhecimento, entre elas, Letras, Lingustica do Texto, Anlise do Dis-curso, Teoria Literria e Literatura, Semitica, Filosofia da Linguagem, Comunicao, Direito, Cincias Sociais e Antropologia.

    Ressalta-se que o Professor Alain Rabatel uma das maiores autorida-des, no mundo, nos estudos sobre o ponto de vista, em uma perspectiva enunciativa, conforme atesta sua atuao cientfica, tendo publicados in-meros trabalhos (livros e artigos) sobre o tema, como pode ser observado na substancial bibliografia, apresentada no final deste volume.

    Em Homo narrans, o autor desenvolve seu pensamento, a partir de minuciosas anlises textuais e discursivas, avanando a teoria, articulan-do narratologia, lingustica e interpretao, em ruptura com os estudos estruturalistas. Igualmente, inova o tratamento dado ao ponto de vista, valendo-se de abordagens no s lingusticas, mas tambm estilsticas e literrias, considerando as emoes, as sensaes, os valores e a esttica. Esse conjunto de perspectivas aponta para o leitor a riqueza da obra que est sendo disponibilizada.

  • 12 ALAIN RABATEL

    Homo narrans foi lanado na Frana h oito anos, comeando a ser publicado, em 2016, em Lngua Portuguesa, no Brasil. Esse processo, a ser implantado ao longo do quadrinio 2016-2019, consistir de quatro volumes programados, cujos ttulos so:

    Homo narrans: pontos de vista e lgica da narrao teoria e anlise (vol. 1);

    Homo narrans: pontos de vista e lgica da narrao metodologia e in-terpretao (vol. 2);

    Homo narrans: dialogismo e polifonia na narrativa pontos de vista e discursos representados (vol. 3) e

    Homo narrans: dialogismo e polifonia na narrativa posturas, apagamen-to enunciativo e argumentao indireta (vol. 4).

    O plano geral e completo da srie est explicitado na Introduo Geral, que o leitor convidado a ler, neste primeiro volume. O contedo dos cinco captulos que compem o primeiro volume focalizado na In-troduo ao primeiro volume, razo pela qual evitaremos ser repetitivos.

    Em suas anlises textuais, discursivas, sintticas, semnticas, pragm-ticas e enunciativas, o autor faz uso de gneros discursivos / textuais dos mais variados domnios discursivos, como o poltico, o religioso, o literrio e o miditico, entre outros.

    O nosso ponto de vista sobre a obra to positivo que nosso maior desejo compartilhar com todos que realizam estudos sobre textos, mate-rializados em diferentes gneros discursivos / textuais, o aparato terico e metodolgico, que ora chega s suas mos.

    Por fim, citamos ipsis litteris Rabatel (2015), em seu desenho do perfil de leitor que ele sonha para sua obra:

    Queramos um leitor que gostasse das belezas gramaticais da lngua e que se interessasse pelos mecanismos de interpretao que fossem alm dos limites da frase. Um leitor aberto a preocupaes filosficas, sociolgicas, estticas, exegticas, polticas... um homem honesto, na realidade? Pode-se formul-

  • HOMO NARRANS Vol. 1. Ponto de vista e lgica da narrao 13

    -lo, assim, de tal forma que se possa invocar a figura do intelectual que busque articular os saberes, vendo-se como membro de um coletivo, e, ao mesmo tempo, de uma coletividade. Qualquer que seja o nome que ele use, esse leitor nos ser til para contar os desafios desse sculo nascente. (Grifos nossos.)

    Natal, 31 de maio de 2016.

    Maria das Graas Soares RodriguesLuis Passeggi

    Joo Gomes da Silva Neto

  • 15

    Introduo GeralPOR UMA ANLISE ENUNCIATIVA DOS

    PONTOS DE VISTA NA NARRAO

    O objetivo desta obra mostrar que a abordagem enunciativa do ponto de vista (doravante PDV), em ruptura com a tipologia das focalizaes de Genette, permite ultrapassar1 uma narratologia de essncia estruturalista, ao articular abordagens lingusticas, estilsticas e literrias, ao ceder lugar s paixes, s emoes e s sensaes, por intermdio da ateno dada s ques-tes entrecruzadas das vozes e dos pontos de vista, dos valores e da esttica.

    Essa tomada de posio explica que no se faa, na entrada desta obra, uma ensima apresentao dos quadros gerais da narrativa isso foi feito em obras tericas de primeiro plano (Greimas, Genette, Adam).2 Considera-mos, aqui, os elementos estruturantes da narrativa no mais essencialmente como manifestao de estruturas profundas ou como matrizes de engendra-mentos de narrativas, mas como os traos dos processos interacionais e pragmticos em que o escritor opera escolhas, em funo da situao, do

    1. Ultrapassar, no sentido filosfico de Aufhebung, indica um movimento que no abole, pura e simplesmente, mas opera, uma sntese que desloca o sentido das noes criticadas conforme uma pers-pectiva que renova suas significaes e os fatores de conhecimento. A problemtica do PDV desempenha papel original nesse processo, em curso em alguns trabalhos.

    2. Sem contar as inmeras obras de didatizao da anlise da narrativa que esto no mercado.

  • 16 ALAIN RABATEL

    gnero, da imagem dos leitores etc. Essas escolhas, que produzem efeitos no leitor, so analisveis tanto como indicadoras de pontos de vista sobre a histria como sobre a narrao. Elas intensificam a anlise das interaes entre as atividades de construo da diegese e as de sua colocao em palavras, e, por isso, enriquecem a interpretao das obras. Na verdade, elas se mostram como meios de conhecimento por intermdio dos quais escritor e leitor cons-troem o seu estar no mundo, por intermdio de sua relao com o mundo e com a linguagem, com uma postura reflexiva fundada na dimenso cognitiva da mimese, sem esquecer, no entanto, as emoes, por intermdio dos fen-menos empticos, assim como as sensaes estticas. Tal escolha terica supe ultrapassar a abordagem imanentista da narrativa para se apoiar em uma anlise interacionista da narrativa, inscrita, ela mesma, no quadro da anlise do discurso, pelo menos como foi desenvolvida por Maingueneau (2004), a respeito da anlise de textos literrios, e por Amossy (2006), parti-cularmente, para a anlise da dimenso argumentativa indireta.

    A ruptura com as abordagens da narrativa que fazem da superfcie do discurso a manifestao de estruturas profundas imanentes no implica o abandono dos instrumentos que representam o esquema actancial, os per-cursos semiticos inseridos no quadro semitico, os esquemas ternrio ou quinrio da narrativa, as isotopias etc.3 Contrariamente, ela convida a recon-sider-los, nos quadros tericos que permitem apreender, mais finamente, o jogo interacional dos personagens (teorias das interaes), bem como os fatores envolvidos na narrao (anlises pragmticas dos atos de discurso, do apagamento enunciativo, da argumentao direta ou indireta), em conexo com uma abordagem renovada da enunciao que cruze suas problemticas com as da narratologia, para proveito mtuo dos dois paradigmas a enun-ciao e a narratologia, tendo tudo a ganhar de uma reflexo sobre as ins-tncias da enunciao e da narrao, sobre o escopo dos fenmenos de responsabilidade enunciativa ou de levar em conta, desde que a anlise no se restringe mais aos limites da frase.

    3. Na realidade, a compreenso profunda dos textos (literrios) deveria articular todas as abordagens, inclusive a abordagem estruturalista, que no o caso de deixar no limbo. O foco da presente obra na problemtica do PDV no significa, em momento algum, que as outras teorias do texto seriam sem in-teresse. Ver, a esse respeito, Todorov (2007, p. 24).

  • HOMO NARRANS Vol. 1. Ponto de vista e lgica da narrao 17

    Em suma, preciso que nos interessemos pelo homem que conta, se queremos dar a essa atividade do narrar sua dimenso antropolgica e lin-gustica, ao homem que narra, Homo narrans, tal como existe no e pelo discurso, a atualizao discursiva sendo o lugar de uma construo e de uma transformao, por intermdio das interaes dialgicas, que vo alm da produo de estruturas profundas. Em outras palavras, -nos preciso exami-nar o homem que narra, no mais por intermdio de uma lgica da narra-tiva que reduz seu papel a uma voz mais ou menos desencarnada, assegu-rando funes de controle narrativo, mas por intermdio de uma lgica da narrao que confere a essa voz um corpo, um tom, um estilo, uma inscrio em uma histria (em todos os sentidos do termo), gostos e desgostos, posi-es assumidas que s existem por intermdio da maneira de criar mundos e personagens, e que profundamente modificada e interrogada por esse processo criador, devido sua dimenso radicalmente dialgica.

    1. Homo narrans

    Homo narrans indica, portanto, o descentramento terico em curso da narrativa para a narrao. Esse ttulo merece algumas explicaes.

    Em primeiro lugar, ainda que pouco se considere, aqui, como idealmen-te nulas, as variaes genricas, histricas e pessoais, to importantes, alis, o homem4 que narra , inicialmente, um sujeito que conta histrias a um certo auditrio. Vale a pena demorar-se na noo de sujeito, tanto esse ltimo tem m fama em lingustica. Se o corte saussureano lngua / fala fundador de uma cincia da linguagem e permanece, a esse respeito, sempre pertinen-te, contra todos os desvios de abordagens psicologizantes ou sociologizantes da fala, no menos verdade que esse corte deva ser repensado, como a isso convidava Bally, j h longo tempo (Paveau; Sarfati, 2003, p. 89-94), a fim

    4. Faz-se necessrio precisar isso? evidente que Homo narrans o ser humano, para alm das especificaes genricas. Estas so importantes, mas, nesse caso particular, toda especificao seria re-dutora, em relao universalidade da denominao: isso vale para Femina narrans, assim como para uma denominao to tcnica como a de narrador.

  • 18 ALAIN RABATEL

    de evitar o obstculo do sujeito ideal e desencarnado da lngua, dotado de uma competncia universal e absoluta, tal como se encontra no sujeito gen rico ou autnomo do estruturalismo, principalmente no gerativismo. Ultrapassar a privao do sujeito implica o necessrio levar em conta dos fenmenos psicolgicos, sociolgicos ou cognitivos que o constroem, sem substituir a anlise antropolgica pela anlise lingustica: em suma, trata--se de evitar as imagens, ambas errneas, de um sujeito idealmente todo poderoso ou de uma teoria inconsistente, sem controle do real, esgotan-do-se sob os avatares do reflexo.5 Certamente, o sujeito antropolgico6 (ou filosfico) que se pode, rapidamente, definir como o suporte de com-portamentos, de pensamentos, de falas, de atos e, em resumo, de um destino no parece a priori indispensvel para analisar o sujeito do enunciado que se junta sob o neologismo de subjetividade (Lazard, 2003), isto , o sujeito da predicao e o sujeito da referncia. Mas a compreenso plena e inteira do sujeito da referncia vai alm das regras cotextuais ou correferenciais da sujeitidade para entrar na regra da subje-tividade, presente em toda parte, por intermdio das escolhas de referen-ciao do mundo (cf. Forest, 2003), necessitando a compreenso da rela-o intralingustica do ser com seu entorno e, portanto, a compreenso do sujeito falante em suas relaes com o mundo, com o outro, consigo, com a lngua, enfim.

    No interior do paradigma lingustico, vrias concepes complementa-res do sujeito puseram em causa a concepo do sujeito genrico universal do estruturalismo, ou at mesmo da pragmtica anglo-americana. , de incio, o caso da concepo do sujeito coator: Bakhtin, com a problemtica do interdiscurso e da interlocuo, Culioli, com a noo de coenunciao,

    5. Como parece evidente, quando a lngua reduzida expresso de normas sociais ou de regras psicolgicas exteriores lngua. Desde ento, o sujeito dotado de uma competncia ideal se transmuta em um sujeito agido, dotado de uma linguagem transparente, reflexo de posies agidas e revelador de posies no campo, como na representao de linguagem em Bourdieu (1992).

    6. Nossa formulao de um simplismo exagerado. Sabemos que no existe uma definio nica e unitria do sujeito em antropologia ou em filosofia Aproveitamos essa nota para sublinhar o quanto, nos trabalhos antropolgicos, o ser humano apreendido por intermdio de representaes muito sofis-ticadas. Tendo em conta a complexidade do sujeito falante, lembremos que, para os dogons, para no citar apenas este exemplo, o ser humano no tem menos que oito almas (cf. Descola, 2005, p. 308-311).

  • HOMO NARRANS Vol. 1. Ponto de vista e lgica da narrao 19

    Jacques, com a de colocao da enunciao em comunidade, ou Goffman, por intermdio do destaque do papel do alocutrio na significao do ato, todos fazem o locutor perder sua esplndida autonomia. Esse movimento amplia-se com a concepo de sujeito heterogneo: para Authier-Revuz, a heterogeneidade constitutiva da linguagem, devido natureza socializa-da do discurso, acompanha-se de uma heterogeneidade mostrada, em razo das no coincidncias do dizer. Segundo as teorias psicossociolgicas da Escola de Chicago, para Mead, Goffman, a heterogeneidade do sujeito resulta de um interacionismo simblico, os atores desempenhando papis sociais, o Eu construindo uma unidade sempre posta em questo, por intermdio de sua maneira de desempenhar esses / seus papis sociais heterogneos, de aderir a eles, mantendo-os distncia (Goffman, 1989, p. 22). Enfim, a concepo de sujeito polifnico questiona a unicidade e a homogeneidade do sujeito, ao levar em conta as vozes e os pontos de vista que atravessam a fala do locutor. De acordo com Ducrot, um de seus maiores tericos,

    o locutor, responsvel pelo enunciado, d existncia, por meio deste, a enun-ciadores, dos quais ele organiza os pontos de vista e as atitudes. E sua prpria posio pode se manifestar, seja porque ele se assimila a esse ou a aquele dos enunciadores, tomando-o como representante (o enunciador , ento, atuali-zado), seja, simplesmente, porque ele escolheu faz-los aparecer e o apareci-mento deles significativo, mesmo que ele no se assimile a eles.

    (Ducrot, 1984, p. 205)

    Em outras palavras, o locutor se torna o responsvel pela encenao enunciativa. Em eco a essas representaes, Homo narrans triplamente sujeito, sujeito coator, sujeito heterogneo, sujeito polifnico, nas relaes em que o narrador estabelece com seus pares, com seu auditrio, assim como com seus personagens, sendo capaz de encenar uma multiplicidade de PDV e de faz-los dialogar entre si.

    Mas a multiplicao dos PDV no implica, de fato, o fim do mito de Sua Majestade, o Sujeito. As metforas teatrais da enunciao, como encenao, cenografia, podem alimentar a tese de um sujeito todo podero-

  • 20 ALAIN RABATEL

    so que interioriza o mundo sob a forma de um teatro (de sombras). A nar-ratologia no escapa a esse risco, com a evidncia do mito de oniscincia do narrador, da potncia criadora do escritor demiurgo absoluto, detentor de uma palavra nica, por intermdio da singularidade de seu estilo. De fato, concepes homogeneizantes do Sujeito e de sua potncia podem perdurar por trs da cortina da polifonia ou da heterogeneidade. Authier--Revuz encontra essas permanncias de um por trs do mltiplo na polifo-nia de Ducrot, no estatuto do locutor como UM cengrafo, repartindo a fala entre os diferentes enunciadores, sob o risco de fazer desse ltimo uma instncia vazia, solitrio lugar fantasmagrico de posturas que o atravessam, sem o constituir, fundamentalmente, seno pela prpria atividade da fala, de modo que o locutor aparece em toda parte e em lugar algum, por sua prpria conta. O risco existiria, tambm, do lado do paradigma comunica-cional, com o modelo sociocomunicativo de Charaudeau, que inscreve a alteridade no jogo social interativo das intencionalidades, sem pr em causa, fundamentalmente, a posio destacada do sujeito, por intermdio de seus clculos sobre a estratgia de seu parceiro, a exemplo das anlises interacionais que ressaltam, de forma espetacular, os clculos do locutor e do interlocutor, o outro aparece[ndo] com o reflexo do mesmo, via uma regra de converso (Authier-Revuz 1998, p. 75). Tais desvios tornam-se inevitveis, se essas representaes teatrais (da enunciao, da comunicao e da interao) articulam-se com uma concepo de linguagem e do pen-samento como expresso de um querer dizer que seria comunicado por um mesmo sujeito, sempre da mesma forma, em funo de sua posio meta-enunciativa destacada, de dominar a lngua e os objetos de pensamento (Aquilo que se concebe bem, enuncia-se claramente, E as palavras, para diz-lo, chegam facilmente).

    Mas, por mais frequentes que sejam essas representaes, elas no so fatais, desde que a enunciao seja concebida como um processo interacio-nal de ajustes sucessivos por intermdio dos quais o locutor / enunciador, por dialogismo externo ou interno, coconstri um dizer que se analisa como tantas frases de apropriao dos objetos de discurso, via sucesso dos PDV, pelos quais esses mesmos objetos so considerados. Encontram-se traos potenciais desses processos de produo em Benveniste e Culioli. Na pers-