língua portuguesa: sintaxe · • travaglia e suas gramáticas · nesta unidade discutiremos as...

20
Língua Portuguesa: Sintaxe

Upload: lammien

Post on 15-Nov-2018

219 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Língua Portuguesa: Sintaxe

Concepções de Linguagem e Gramática

Material Teórico

Responsável pelo Conteúdo:Prof. Me. Tânia Aparecida Arbolea

Revisão Textual:Prof.ª Me. Silvia Augusta Albert

5

• Introdução

• Concepções de linguagem e ensino

• Travaglia e suas gramáticas

· Nesta unidade discutiremos as concepções de linguagem como expressão do pensamento, como instrumento de comunicação e como forma de interação entre os sujeitos.

· Você também entrará em contato com os tipos de gramática, a saber: normativa, descritiva e internalizada.

· Lembrando sempre que não se deve confundir gramática com compêndio, e que quando se fala em gramática, seja de qualquer tipo, trata-se sempre de regras.

Concepções de Linguagem e Gramática

Atenção

Para um bom aproveitamento do curso, leia o material teórico atentamente antes de realizar as ativi-dades. É importante também respeitar os prazos estabelecidos no cronograma.

Atenção

• Gramática Tradicional X Gramática Normativa

6

Unidade: Concepções de linguagem e Gramática

Contextualização

Nesta unidade, realizamos um estudo sobre concepções de linguagem e sua relação com a gramática.

Assista, atentamente, ao vídeo produzido pela Unesp “Linguagem e Dialogismo”, no qual se aprofundam esses estudos sobre a linguagem a partir de diversas entrevistas e exposições teóricas.

Acesse o vídeo por meio do link :

http://www.youtube.com/watch?v=D3Cu0e_cTz0&feature=relmfu

7

Introdução

A linguagemna ponta da língua,tão fácil de falare de entender.

A linguagemna superfície estrelada de letras,sabe lá o que ela quer dizer?

Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,e vai desmatandoo amazonas de minha ignorância.Figuras de gramática, esquipáticas,atropelam-me, aturdem-me, sequestram-me.

Já esqueci a língua em que comia,em que pedia para ir lá fora,em que levava e dava pontapé,a língua, breve língua entrecortadado namoro com a prima.

O português são dois; o outro, mistério.

(Carlos Drummond de Andrade)

Concepções de linguagem e ensino

Na história do ensino de língua portuguesa consideram-se três concepções de linguagem, a saber: a concepção de linguagem como expressão do pensamento; a linguagem como instrumento de comunicação; e a linguagem como forma de interação.

8

Unidade: Concepções de linguagem e Gramática

Nesta unidade iremos discutir as teorias subjacentes a tais visões e sua relação com o ensino de gramática.

No Brasil, foram os estudiosos Geraldi (1997) e Travaglia (2005) que disseminaram as discussões sobre as três concepções de linguagem existentes, de acordo com a linguística moderna.

1. Linguagem como expressão do pensamento

A concepção de linguagem como expressão do pensamento se sustenta pela tradição grega gramatical, passa pelos latinos, vai até Saussure e fundamenta os estudos tradicionais da língua.

Nessa perspectiva, a linguagem é considerada como espelho ou representação do mundo e do pensamento, considerando-se que, por meio da linguagem, o indivíduo representa seu pensamento. A linguagem traduz aquilo que pensamos e esses nossos pensamentos seriam exteriorizados por meio da língua.

Podemos notar, portanto, que essa concepção de linguagem não leva em conta a importância do interlocutor, nem considera as variações linguísticas e as diferentes situações de comunicação de uso da língua. Aquele que fala ou escreve mantém soberania.

Koch (2002) nos lembra que na concepção de língua como representação do pensamento, o texto é entendido como um produto – lógico – do pensamento do autor, cabendo ao leitor/ouvinte apenas “captar” essa representação mental, juntamente com as intenções (psicológicas) do produtor. Cabe, então, ao leitor/ouvinte um papel essencialmente passivo.

Nesse sentido, à escola ficava a responsabilidade de ensinar o estudante a pensar, ajudando-o a organizar os seus pensamentos por meio da linguagem. Quanto mais fosse possível expressar de modo claro o pensamento, disciplinado por meio de regras da linguagem, ou seja, da gramática, melhor seria a expressão da linguagem e, portanto, da comunicação.

Posteriormente, percebeu-se que essa visão da linguagem estava ultrapassada e, na metade do século XX, em continuidade aos estudos linguísticos de Saussure, passou-se a entender a língua como instrumento de comunicação.

2. Linguagem como Instrumento de Comunicação

Na década de 1970, uma transformação conceitual mudou as práticas escolares. A linguagem deixou de ser entendida como a expressão do pensamento para ser vista como instrumento de comunicação. Os textos passam a ser vistos como importantes instrumentos de transmissão de mensagens. Nessa perspectiva, caberia ao aluno aprender as características de cada tipo de textos para reproduzi-las na escrita e também para identificá-las nos textos lidos. Por isso, deixou-se de estudar apenas os clássicos da literatura, pois não serviam de subsídio para a escrita de tipos de textos como cartas, manuais, por exemplo.

Daí que seguidores da Linguística Moderna, embora ainda numa perspectiva estruturalista, introduzem novas questões para pensar a língua, concebendo-a como instrumento de comunicação, ou seja, como um código1 que permite que se estabeleça a comunicação humana.

1 Código: conjunto de signos que se combinam segundo algumas regras estabelecidas socialmente.

9

Nesse sentido, o texto é encarado como resultado do uso desse código que deve ser decodi-ficado adequadamente pelo leitor, bastando, para tanto seu conhecimento linguístico, já que o texto, uma vez codificado, é totalmente explícito.

O estruturalismo, a teoria da comunicação e o estudo das funções da linguagem, sobretudo, serviram de fundamento para um modelo de ensino de língua portuguesa, principalmente, a partir da década de 1970, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases 5692, de 1971, no Brasil. Nesse sentido, a disciplina de língua portuguesa, na educação básica, alterou seu nome para Comunicação e Expressão e a sua principal função era ensinar o estudante a se comunicar de modo eficiente, conhecendo e aplicando adequadamente as regras da língua, ou seja, a gramática.

Além disso, a linguagem é tomada como pronta e acabada, exterior ao indivíduo. A língua é estudada isolada do seu uso, sem considerar os interlocutores, a situação de comunicação e o momento histórico. Vamos ver a seguir uma das teorias que respaldou essa concepção de linguagem e, por conseguinte, o ensino e a aprendizagem de língua portuguesa nas escolas.

A Teoria da Comunicação, proposta por Roman Jakobson2 , postula seis elementos que constituem o ato de comunicação ou como são conhecidas as seis fun-ções da linguagem, as quais apresentamos a seguir:

a) Função referencial ou denotativa: o texto é cen-trado no referente. Transmite uma informação objetiva, expõe dados da realidade de modo objetivo, não faz co-mentários, nem avaliação.

Trocando Ideias

Dizemos que a linguagem é denotativa quando as palavras são empregadas em seu sentido comum ou dicionarizado. Já a linguagem conotativa, também conhecida como linguagem figurada, é aquela utilizada em um sentido diferente do dicionário e é um recurso muito utilizado pela Literatura.

Exemplos de textos em que existe predominância dessa função: científicos, jornalísticos, técnicos, didáticos ou correspondências comerciais.

Exemplo: trecho de uma definição em um livro didático:

“A morfologia dá um nome para cada classe de palavras que têm a mesma forma e expressam conteúdos semelhantes.”

(Garcia, A.L.M.; Amoroso, M.B. Olhe a Língua!: língua portuguesa. 5ª série São Paulo: FTD, 1999.)

2 Roman Jakobson, russo, foi um dos mais influentes linguistas do século XX. Preocupou-se com as estruturas linguísticas e suas relações com a criação artística.

Philweb Bibliographical Archive - commons.wikimedia.org

Philweb Bibliographical Archive - commons.wikimedia.org

10

Unidade: Concepções de linguagem e Gramática

b) Função emotiva ou expressiva: o texto é centrado no remetente. A mensagem busca criar efeitos de subjetividade. Essa função é comum em poemas ou narrativas de teor dramático ou romântico.

Exemplo: trecho da canção “Velha Infância3”.

Você é assim Eu penso em você

Um sonho pra mim Desde o amanhecer

E quando eu não te vejo Até quando eu me deito

c) função conativa ou apelativa: o texto é centrado no destinatário. Tem finalidade de influenciar, convencer o receptor de alguma coisa por meio de uso de verbos no imperativo e uso de vocativos. Esta função aparece comumente em textos publicitários, discursos políticos ou de autoridade.

Como exemplo retiramos um trecho de um discurso político do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na sessão de apresentação da Candidatura Rio 2016 ao Comitê Olímpico Internacional (COI) - Copenhague, Dinamarca , 02/10/2009.

“Com muito orgulho represento aqui as esperanças e sonhos de mais de 190 milhões de brasileiros. Estamos todos unidos torcendo pelo Rio de Janeiro. Somos um povo apaixonado pelo esporte e pela vida. Um Brasil de homens e mulheres de todos os continentes. Não só somos um povo misturado, mas um povo que gosta muito de ser misturado. Digo com toda franqueza. Chegou a nossa hora.”

d) função metalinguística: o texto é centrado no código. Essa função refere-se à metalinguagem, que é quando o emissor explica um código usando o próprio código.

Exemplo: o trecho da poesia “Para fazer um poema dadaísta”4 utiliza o poema para explicar o próprio ato de fazer um poema.

Pegue um jornalPegue a tesoura.Escolha no jornal um artigo do tamanho

que você deseja dar a seu poema.Recorte o artigo.

(Tristan Tzara)

3 Música de autoria de Arnaldo Antunes, Marisa Monte, Carlinhos Brown, Davi Moraes e Pedro Baby, lançado em 2002, no álbum Tribalistas. 4 TELLES, Gilberto Mendonça. Vanguarda Européia e Modernismo Brasileiro: apresentação dos principais poemas, manifestos, prefácios e conferências vanguardistas, de 1857 a 1972. Petrópolis: Vozes, 1997. p 129 – 151.

11

e) função fática: o texto é centrado no contato. O objetivo dessa função é estabelecer uma relação com o emissor, um contato para verificar se a mensagem está sendo transmitida ou para dilatar a conversa.

Quando estamos em um diálogo, por exemplo, e dizemos ao nosso receptor “Está entendendo?”, estamos utilizando este tipo de função ou quando atendemos o celular e dizemos “Oi” ou “Alô”.

f) Função poética: o texto é centrado na mensagem. O objetivo é um efeito de originalidade, que cause estranhamento (destacar essa palavra para fazer link com o boxe) no destinatário. Uso de linguagem conotativa. O uso da linguagem nesse caso é o resultado cuidadoso do trabalho de seleção e combinação de signos. Encontra-se essa função em textos literários, publicitários e em letras de música.

Exemplo: o poema de Paulo Leminski5

A árvore é um poema.

Não está ali para que valha a pena.

(...)

Está, apenas.

Verbete

Estranhamento: efeito produzido pela linguagem que nos distancia da maneira habitual de apreender a realidade e que nos faz vê-la de modo particular.

Jakobson (1987) considera estas seis funções de acordo com o foco em um ou outro elemento do processo comunicativo que para ele é representado da seguinte forma:

Este modelo de comunicação, elaborado pelo linguista, no início dos anos 1960, representa um esquema geral do ato de comunicação, formado por: mensagem (como se expressa o que se quer dizer); canal de contato (canal físico que leva a mensagem); emissor, que a envia; um destinatário, que a recebe; referente (do que trata a mensagem); um código (que permite a compreensão da mensagem/ total ou parcialmente comum ao emissor e ao destinatário). A partir desse esquema são definidas as seis funções inerentes à linguagem, que atuam em conjunto, mas podem predominar por estarem direcionadas para diferentes aspectos do processo comunicativo.5 LEMINSKI, Paulo. Caprichos e Relaxos. Brasiliense: São Paulo, 1983.

12

Unidade: Concepções de linguagem e Gramática

Ênfase no fator Função da linguagemReferente Referencial Emissor Emotiva Receptor Conativa

Canal Fática Mensagem Poética

Código Metalinguística

A perspectiva teórica de Jakobson, como podemos perceber, não considera a função performativa da linguagem, estudada a partir da Teoria dos Atos de Fala, enunciada por Austin e difundida e ampliada por Searle.

Austin inicia seus estudos por volta de 1950 que, alguns anos mais tarde, são retomados por Searle. Austin é o fundador do conceito de atos de fala, na obra Quando dizer é fazer que, posteriormente, foi revisto e ampliado por Searle. A obra de Austin torna-se um divisor entre a linguística tradicional e a moderna trazendo esta nova concepção de linguagem, ou seja, uma visão performativa e pragmática do uso da língua.

Austin e seu sucessor Searle entendem a linguagem como forma de ação, logo, para os autores, todo dizer é um fazer. Esses dois autores consideram o ato de fala perlocucionário, isto é, consideram a linguagem em uso, como uma forma de ação e não apenas como representação da realidade.

Podemos verificar isso quando o padre diz: “eu vos declaro marido e mulher”. O enunciado não é usado apenas para informar, mas para realizar um tipo de ação: diz e faz. Mas aqui, já estamos na terceira concepção de linguagem que apresentamos a seguir.

3. Linguagem como Forma de InteraçãoA terceira concepção de linguagem considera-a como processo de interação e construção

de sentidos. A linguagem é encarada como lugar de interação humana. Todos nós, ao fazermos uso da língua, agimos, atuamos sobre nós mesmos e sobre os outros, constituindo, dessa maneira, nossas identidades.

Nessa perspectiva, a expressão por meio da linguagem não será mais vista como uma representação da realidade, mas como o resultado das intenções de quem a produziu e o impacto que terá no ouvinte. O aluno passou a ser visto como sujeito ativo, e não um reprodutor de modelos, e atuante - em vez de ser passivo no momento de ler e escutar.

Sob esta perspectiva, a linguagem é vista, então, como um lugar em que os indivíduos inte-ragem, se comunicam, produzem efeitos de sentido e participam em um determinado tempo e lugar (ou seja, em um contexto específico), se constituem a si mesmos e aos outros. Logo, a linguagem é aquilo que se faz com o código, em uma situação de comunicação real e específica.

Ao professor, fica a tarefa de ensinar seus alunos não só o código, mas também compreender os usos que se faz dele. Vamos perceber que esse é a concepção de linguagem presente nos documentos oficiais e exames atuais relacionados ao ensino de língua portuguesa, tais como: Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)6 , o Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM), Prova Brasil, entre outros. Podemos dizer, ainda, que essa concepção de linguagem desafia a prática docente atual.6 Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) constituem uma tentativa de elaboração de um referencial de qualidade para a educação fundamental no país. As discussões para elaboração do documento já existem há muitos anos, mas só chegaram ao papel no ano de 1996. Os PCN - postulam que “não há linguagem no vazio, seu grande objetivo é a interação, a comunicação com um outro, dentro de um espaço social [...]”. (BRASIL, 2000, p. 5).

13

Com essa visão, pretende-se que o professor entenda a gramática de forma mais contex-tualizada. O contexto passa a ser referência para que o uso da língua passe a ser respeitado nas suas várias possibilidades, não se falando mais em certo e errado, mas em adequação e inadequação. (ZANINI, 1999).

Foi com a LDB 9394/96 que essa nova vertente se oficializou. Este documento não objetiva eliminar o estudo da gramática, o conhecimento das normas que regem a Língua Portuguesa, mas defende que haja condições para que todos os estudantes tenham oportunidade de aproximação e apropriação da norma culta da língua.

O curioso, no entanto, é que houve muitas interpretações equivocadas a respeito dessa nova tendência linguística, entendendo-se que não se deveria ensinar gramática normativa nas escolas. Mas em nenhuma parte do texto encontra-se esta informação. Mais que isso, acreditamos que o estudo da gramática normativa seja necessário para leitura dos diversos gêneros com os quais temos contato no cotidiano, utilizando as contribuições da gramática tradicional em favor do desenvolvimento das competências e habilidades linguísticas e discursivas.

TRAVAGLIA (2005) destaca que se pode ensinar a gramática na educação básica com três objetivos: dar informação cultural; instrumentalizar com recursos para aplicações práticas imediatas; e desenvolver o raciocínio, a capacidade de pensar, ensinar a fazer ciência.

Para defender o primeiro objetivo, o autor argumenta que certa dose de conhecimento teórico-científico da língua é necessário, se lembrarmos que nossa sociedade valoriza a ciência e exige de seus cidadãos conhecimentos que, embora aparentemente não tenham qualquer aplicação imediata à vida prática, são vistos como importantes para a formação do indivíduo.

O segundo objetivo se sustenta pela possibilidade de se usar tal conhecimento como recurso auxiliar no ensino da língua, da leitura e da escrita.

O terceiro objetivo é mais amplo e não se refere especificamente ao ensino de língua materna. Para tanto, o professor deverá desenvolver no aluno a habilidade de observar, formular hipóteses e buscar sua comprovação ou falsificação levando-o a perceber a lógica da língua e à utilização do raciocínio lógico importantes nos processos de leitura e de escrita.

Por fim, podemos pensar que a pluralidade de concepções de língua permite, dentre outras coisas, que aceitemos a diversidade de pontos de vista, bem como de diversas concepções das noções de fala, de escrita, de comunicação, dentre outras.

Travaglia e suas gramáticas

Para Travaglia (2005), é possível descrever a língua por vários tipos de gramática. O autor explica que a palavra gramática significa um conjunto de regras. No entanto, diferencia esse conjunto em três tipos mais usuais:

a) conjunto de regras que devem ser seguidas; falar e escrever corretamente;

b) conjunto de regras que são seguidas; tornar conhecidas, de forma explícita, as regras de fato utilizadas pelos falantes; Fonte: ileel.ufu.br

14

Unidade: Concepções de linguagem e Gramática

c) conjunto de regras que o falante da língua domina – refere-se a hipóteses dos conhecimentos linguísticos que habilitam o falante a produzir frases ou sequências de palavras de maneira tal que essas produções são compreensíveis ou reconhecidas como pertencendo a uma língua, o que nos remete a Chomsky, não é mesmo?

A partir dessa classificação, o autor apresenta três concepções de gramática, a saber: gramática normativa, gramática descritiva e gramática internalizada.

A gramática normativa está ligada à primeira concepção de linguagem que abordamos. “Concebida como um manual com regras de bom uso da língua a serem seguidas por aqueles que querem se expressar adequadamente”. (TRAVAGLIA, 2005, p. 24).

Essa concepção de gramática privilegia a norma culta padrão, o indivíduo conhece as regras e as domina; com isso, rechaça todas as outras formas que sejam diferentes dessa variedade, considerando seu uso como erro ou fórmula agramatical. É um tipo de abordagem que se preocupa com o estudo da palavra e da frase descontextualizada, reduzindo as aulas de português a aulas de teoria gramatical e de atividades metalinguísticas.

Ler, nessa perspectiva, é reconhecer o pensamento do autor do texto, ou seja, decodificar imediatamente os sinais linguísticos. Logo, o texto apresenta, sempre, um único sentido possível, já dado, pronto e acabado.

Na segunda concepção, a da gramática descritiva, existe uma preocupação em descrever os fatos da língua, elaborando uma descrição de como a língua funciona e como as regras são usadas pelos falantes. Nesse caso, para uma construção ser considerada gramatical, não precisa seguir os modelos canônicos de escrita, mas atender às regras de funcionamento da língua em uma de suas variedades. Portanto, leva em conta tudo o que está incluído no sistema e não necessariamente na norma. É a isso que se propõem os estudos da gramática descritiva.

A gramática descritiva abarca subdivisões em vários tipos de gramáticas que tratam de assuntos mais específicos:

Gramática contrastiva – abrange duas ou mais normas de uma língua e mostra a interferência que elas exercem na língua materna;

Gramática geral – busca explicitar o maior número de línguas e estabelecer as possibilidades de uso que elas oferecem;

Gramática universal – busca explicitar o maior número de línguas e estabelecer as características comuns entre elas;

Gramática histórica – mostra a evolução histórica de uma língua;

Gramática comparada – mostra a evolução histórica de um conjunto de línguas. Colocar em boxe ao lado

A terceira vertente é a gramática internalizada: conjunto de regras que o falante domina e utiliza para interagir com os demais interlocutores nas situações reais de comunicação. Considera-se a gramática como contextualizada, o que implica num ensino que não seja normativo nem descritivo.

Nessa perspectiva, considera-se que as regras da língua são inerentes ao homem, as quais ele recebe assim que entra em contato com uma comunidade falante. Nesse sentido,

15

o saber gramatical é algo que antecede qualquer princípio de escolarização ou processo de aprendizagem, refere-se à capacidade genética do falante de perceber e internalizar as regras da gramática da língua, usando-as de acordo com o que é exigido pela situação de interação comunicativa de que participa.

Daí a crítica de alguns estudiosos ao fato de muitos professores acreditarem que os alunos chegam à escola como uma “tábula rasa”, imaginando-os sem nenhum saber linguístico e, por isso, devem aprender a língua portuguesa a partir de uma única concepção, do certo e do errado.

Há várias formas de ensinar e de aprender o uso de uma língua.E todas serão válidas desde que se leve em conta o saber dos estudantes e se alcance o objetivo pretendido.

Veremos a seguir uma dessas propostas, talvez aquela mais utilizada pela escola, ainda hoje.

Gramática Tradicional X Gramática Normativa

Gramática tradicional ou gramática normativa? Como diferenciá-las e aplicá-las no ensino de língua portuguesa?

Em primeiro lugar, não devemos confundir gramática tradicional com gramática normativa, ainda que exista muita relação entre elas. Vale compreender, no entanto, que os estudos tradicionais contemplam aspectos normativos e descritivos.

Vamos retomar um pouco o que vem a ser a gramática tradicional. Em princípio, devemos lembrar que gramática, seja tradicional, seja normativa, ou seja outra qualquer, não é um livro, mas um conjunto de regras que carrega em si uma determinada concepção de língua e linguagem. A gramática tradicional é uma visão de língua, herdada dos gregos, que chegou até nós e perdura até hoje. Veja a definição que se faz dela, a seguir:

“Fala-se de uma veneranda Senhora. Idosa, resiste ao tempo, aos vitupérios, aos desrespeitos, às difamações há 2400 anos. Nascida na Grécia antiga, tem desfilado por Roma, que a levou para todo o Ocidente. Assim chegou até nós. Com viço ainda. Com charme, que alguns tentam tirar-lhe. Veneranda e venerável, ainda. Elitista. Aristocrática. Puritana. Conservadora. Dogmática. Autoritária. Normativa. Mas descritiva também. Digamos que também irrealista, porque alheia à vida, aos usos e costumes, aos falantes e escreventes - de quem se diz Senhora...”

(Gilberto Scarton, http://www.pucrs.br/manualred/textos/texto9.php. Acesso em 11 julho 2013.)

A gramática normativa é aquela que prescreve as regras, normas gramaticais de uma língua. Admite apenas uma forma como correta para a realização da língua, tratando as variações como erros gramaticais. Hoje, a gramática normativa tem sido criticada, principalmente pelos linguistas, pois já se admitem outras gramáticas como a descritiva, a gerativa etc.

Assim, a Gramática Normativa toma como base apenas as regras gramaticais tradicionais e o uso da língua na sua variedade de prestígio, como exemplo, obras literárias consagradas, textos científicos, discursos formais etc. As variedades linguísticas da língua oral são tratadas como desvio da norma até que sejam oficialmente acrescentadas às regras gramaticais daquela língua.

16

Unidade: Concepções de linguagem e Gramática

E mais...

Sob a influência da gramática gerativa de Chomsky, Mario Alberto Perini propôs uma nova gramática do português que tem por objetivo explicar inconsistências teóricas e falta de coerência interna presentes na gramática normativa.

Para tanto, Perini propõe uma descrição em termos formais da estrutura sintática superficial, sem esquecer aspectos da interpretação semântica, colocadas ao par. Para o autor uma boa gramática do português levaria em conta duas funções: descrever as formas da língua (fonologia, morfologia e sintaxe) e explicitar o relacionamento dessas formas com os significados que veiculam socialmente. (PERINI, 2001).

Apesar de todas essas inovações propostas pelo autor, Perini não desconsidera que a gramática seja (pelo menos em um primeiro momento) uma descrição do português-padrão. No entanto, a proposta de Perini mal chegou às escolas como uma proposta de gramática pedagógica.

Por isso, é fundamental que possamos nessa disciplina compreender as diferentes propostas de gramática para que possamos trabalhar com a Sintaxe de maneira situada, a partir de uma concepção definida de língua e linguagem.

Fonte: ufmg.br

17

Material Complementar

Para ampliar seus conhecimentos sobre o tema dessa unidade 3, leia o texto “Diagnóstico das concepções de linguagem e de gramática nas aulas de Língua Portuguesa”(ver link abaixo). Nele, as autoras, da Universidade Federal do Pará, discutem os três conceitos de linguagem que vimos aqui, associam-nos a três visões sobre a gramática e apresentam alguns estudos práticos que revelam como tais conceitos estão presentes no cotidiano escolar.

As professoras aplicaram questionários a alunos e à professora de uma sala de 3º. ano e sustentadas pela Linguística Aplicada descobriram que a professora entrevistada não utilizava, em sua prática de sala de aula, procedimentos que indicassem a percepção da concepção interacionista da linguagem, e quanto à concepção de gramática, há a predominância da gramática normativa.

O link para acessar o texto encontra-se em: http://www.revlet.com.br/artigos/79.pdf.

18

Unidade: Concepções de linguagem e Gramática

Referências

AUSTIN, J. L. Quando dizer é fazer. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua portuguesa – Ensino Médio. Brasília: MEC, 2000. (BRASIL, 2000).

CHALHUB, Samira. Funções da Linguagem. São Paulo: Ática, 1990.

GERALDI, J. W. Concepções de Linguagem e Ensino de Português. In: GERALDI, João Wanderley (Org.). O texto na Sala de Aula. 3. ed. São Paulo: Ática, 1997, pp. 39-46.

KOCH, I. G. V. A interação pela linguagem. São Paulo: Contexto, 2002.

PERINI, Mário A. Para uma nova gramática do português. 10. ed. São Paulo: Ática, 2001.

TRAVAGLIA, L. C. Gramática e interação: Uma proposta para o ensino de gramática. 10 ed. São Paulo: Cortez, 2005.

ZANINI, M. Uma visão panorâmica da teoria e da prática do ensino de língua materna. Acta Scientiarum 21(1): 79-88, 1999. Maringá-PR. 1999.