anÁlise estratÉgica das gravadoras no brasil · 2019. 9. 8. · records, atual ceo da chery lane...

14
1 ANÁLISE ESTRATÉGICA DAS GRAVADORAS NO BRASIL posicionando a pirataria e a troca gratuita de música em formato MP3 Autoria: Liesel Mack Filgueiras, Jorge Ferreira da Silva Resumo Após a análise estratégica da indústria fonográfica brasileira, através da aplicação do Modelo de Porter (1980), verificou-se que a mesma está sendo ameaçada , no curto e longo prazo, pelos seguintes fatores: a concorrência com a pirataria crescente; a possível substituição pelo intercâmbio gratuito de MP3 via Internet; a ambigüidade estratégica de várias gravadoras; a ausência de marketing de marca, bem como do relacionamento com consumidores finais e artistas; e o absoluto desconhecimento a respeito de como os CDs são atualmente consumidos. Este conjunto de fatores indica um cenário pouco promissor para a indústria. Além disto, apesar das gravadoras procurarem se manter à frente das mudanças no seu meio, os esforços pró-ativos parecem ser realizados sem o devido planejamento, gerando ações aleatórias. Conseqüentemente, as medidas adotadas dificilmente alcançarão os resultados almejados. Sendo assim, é mister desenvolver novas abordagens que assegurem, entre outros aspectos, valor agregado à comercialização de CDs – no curto prazo, e ao formato streaming – no longo prazo; tudo isto para que as gravadoras possam enfrentar, com eficácia, as tendências emergentes. Introdução O mercado fonográfico – não só no Brasil, mas no mundo todo – encontra-se em um momento crítico, um momento que aponta para uma mudança de paradigma (KUHN, 1962). No curto prazo, a reprodução e distribuição de CDs piratas com preços sensivelmente mais baixos ameaçam as margens da indústria. No médio e longo prazo, a possibilidade de replicação e distribuição gratuita, não autorizada e descentralizada de músicas em formato digital pela Internet desafia a própria natureza do negócio das gravadoras, ameaçando a rentabilidade do empreendimento. As soluções vislumbradas até o momento – como a criptografia, a abertura de processos judiciais e a repressão policial – têm se mostrado ineficazes no sentido de reverter o cenário atual e sustentar perspectivas futuras otimistas. O reconhecimento da crise atual perpassa todos setores da indústria fonográfica. Entretanto, uma análise estratégica das gravadoras no Brasil demonstra que as explicações comumente apresentadas para justificar tal conjuntura negligenciam alguns fatores fundamentais, sobretudo aqueles vinculados ao ambiente competitivo, no qual estão inseridos a pirataria e os sites/ ferramentas de troca gratuita de música em formato MP3. Metodologia A análise estratégica das gravadoras no Brasil foi realizada por meio de um estudo de caso (YIN, 1994), no qual a unidade de análise ficou restrita às 7 principais gravadoras atuantes no país, a saber: Universal Music, Sony Music, BMG, EMI, Warner Music, Som Livre e Abril Music. A coleta de dados realizada contou, em primeiro lugar, com: uma pesquisa bibliográfica para levantamento das teorias de análise estratégica com ênfase especial em PORTER (1979, 1980, 1985, 1991, 1996, 1997, 2001); levantamento das dissertações relacionadas ao tema da indústria fonográfica brasileira e internacional (VICENTE, 1990); coleta de dados numéricos e qualitativos junto à Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD, 1993-2000), junto à Associação Protetora dos Direitos Intelectuais Fonográficos (APDIF, 1987-2000) e junto à International Federation of Phonographic Industry (IFPI, 1997-2001).

Upload: others

Post on 23-Jan-2021

5 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: ANÁLISE ESTRATÉGICA DAS GRAVADORAS NO BRASIL · 2019. 9. 8. · Records, atual CEO da Chery Lane Digital e fundador da Evolab (empresa voltada para o mercado de wireless streaming

1

ANÁLISE ESTRATÉGICA DAS GRAVADORAS NO BRASIL ─ posicionando a pirataria e a troca gratuita de música em formato MP3 ─

Autoria: Liesel Mack Filgueiras, Jorge Ferreira da Silva Resumo

Após a análise estratégica da indústria fonográfica brasileira, através da aplicação do Modelo de Porter (1980), verificou-se que a mesma está sendo ameaçada , no curto e longo prazo, pelos seguintes fatores: a concorrência com a pirataria crescente; a possível substituição pelo intercâmbio gratuito de MP3 via Internet; a ambigüidade estratégica de várias gravadoras; a ausência de marketing de marca, bem como do relacionamento com consumidores finais e artistas; e o absoluto desconhecimento a respeito de como os CDs são atualmente consumidos. Este conjunto de fatores indica um cenário pouco promissor para a indústria. Além disto, apesar das gravadoras procurarem se manter à frente das mudanças no seu meio, os esforços pró-ativos parecem ser realizados sem o devido planejamento, gerando ações aleatórias. Conseqüentemente, as medidas adotadas dificilmente alcançarão os resultados almejados. Sendo assim, é mister desenvolver novas abordagens que assegurem, entre outros aspectos, valor agregado à comercialização de CDs – no curto prazo, e ao formato streaming – no longo prazo; tudo isto para que as gravadoras possam enfrentar, com eficácia, as tendências emergentes. Introdução

O mercado fonográfico – não só no Brasil, mas no mundo todo – encontra-se em um momento crítico, um momento que aponta para uma mudança de paradigma (KUHN, 1962). No curto prazo, a reprodução e distribuição de CDs piratas com preços sensivelmente mais baixos ameaçam as margens da indústria. No médio e longo prazo, a possibilidade de replicação e distribuição gratuita, não autorizada e descentralizada de músicas em formato digital pela Internet desafia a própria natureza do negócio das gravadoras, ameaçando a rentabilidade do empreendimento. As soluções vislumbradas até o momento – como a criptografia, a abertura de processos judiciais e a repressão policial – têm se mostrado ineficazes no sentido de reverter o cenário atual e sustentar perspectivas futuras otimistas.

O reconhecimento da crise atual perpassa todos setores da indústria fonográfica. Entretanto, uma análise estratégica das gravadoras no Brasil demonstra que as explicações comumente apresentadas para justificar tal conjuntura negligenciam alguns fatores fundamentais, sobretudo aqueles vinculados ao ambiente competitivo, no qual estão inseridos a pirataria e os sites/ ferramentas de troca gratuita de música em formato MP3.

Metodologia

A análise estratégica das gravadoras no Brasil foi realizada por meio de um estudo de caso (YIN, 1994), no qual a unidade de análise ficou restrita às 7 principais gravadoras atuantes no país, a saber: Universal Music, Sony Music, BMG, EMI, Warner Music, Som Livre e Abril Music. A coleta de dados realizada contou, em primeiro lugar, com: uma pesquisa bibliográfica para levantamento das teorias de análise estratégica com ênfase especial em PORTER (1979, 1980, 1985, 1991, 1996, 1997, 2001); levantamento das dissertações relacionadas ao tema da indústria fonográfica brasileira e internacional (VICENTE, 1990); coleta de dados numéricos e qualitativos junto à Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD, 1993-2000), junto à Associação Protetora dos Direitos Intelectuais Fonográficos (APDIF, 1987-2000) e junto à International Federation of Phonographic Industry (IFPI, 1997-2001).

Page 2: ANÁLISE ESTRATÉGICA DAS GRAVADORAS NO BRASIL · 2019. 9. 8. · Records, atual CEO da Chery Lane Digital e fundador da Evolab (empresa voltada para o mercado de wireless streaming

2

Em segundo lugar, contou com uma busca na Mídia eletrônica, através da consulta aos sites das gravadoras majors, da Som Livre e da Abril; aos sites Napster, Gnutella, AudioGalaxy, Imesh, KAAZA, MusicCity entre outros; artigos em listas de discussão (BARBROOK, 2000; GAROFALO, 1999), universidades e sites de notícias. Também foram realizadas entrevistas estruturadas sobre 2 questionários distintos com: o presidente da WEA Brasil (parte da Warner Music Brasil)- pessoalmente; com o diretor de marketing da Som Livre – via e-mail; com a gerente de planejamento de marketing da Sony Music Brasil- via e-mail; com o advogado e Secretário Geral da Federação Latino-americana de Produtores de Fonogramas e Videogramas (FLAPF)- pessoalmente; com o ex-presidente da BMG e da ABPD - pessoalmente; com o ex-presidente da EMI e Warner Music do Brasil- pessoalmente; com o presidente da International Intellectual Property Alliance – IIPA (via e-mail) e com o vice-presidente senior internacional da Recording Industry Association of América – RIAA (por e-mail e telefone). As entrevistas buscaram encontrar um maior esclarecimento sobre o ambiente competitivo e sobre as estratégias competitivas. Estes dados foram confrontados com os dados numéricos fornecidos pela ABPD. Por último, foi realizada uma pesquisa, através de formulário disponibilizado em um site, com 195 internautas de ambos os sexos, classes A e B, com idades entre 25 e 50 anos sobre os seguintes aspectos: comportamento de compra e consumo de CDs; percepção sobre o preço dos CDs; utilização de sites de troca de música em formato MP3; percepção sobre direitos autorais e pirataria e reconhecimento e percepção das marcas e do papel das gravadoras. Esta pesquisa não se prendeu aos critérios científicos de aleatoriedade, análise estatística robusta, nem possibilidade de generalização. Todavia, permitiu um maior esclarecimento sobre o atual comportamento de compra e consumo de CD´s e de sites de troca gratuita de música em formato MP3, informação tão fundamental para a indústria fonográfica quanto escassa.

A coleta de dados sobre as estratégias competitivas adotadas pelas gravadoras na indústria fonográfica brasileira contou com as seguintes técnicas: 1) uso de indicadores objetivos (SNOW & HAMBRICK, 1980); no caso, dados sobre vendas em unidades e dólares americanos, market share e quantidade de lançamentos por ano; e 2) auto-classificação com regras de decisão especificadas pelo investigador (CONANT ET AL, 1990), na qual o entrevistado classificou uma série de dimensões estratégicas em uma escala likert de intensidade, cujas combinações específicas convergem para estratégias competitivas genéricas de acordo com estudos prévios de MILLER & DESS (1993), KOTHA & VADLAMANI (1995) e CARNEIRO (1997). A classificação de todas as gravadoras majors foi utilizada em função da dificuldade de contatar um representante de cada gravadora e pelo fato dos executivos desta indústria terem, em sua maioria, atuado em mais de uma gravadora. Este estudo buscou confrontar as estratégias almejadas com as realizadas uma vez que se baseou tanto em dados intrínsecos (entrevista com executivos) quanto extrínsecos (quantidade de devoluções, quantidade de lançamentos e preço praticado no mercado) a cada empresa. Esta escolha foi feita apoiando-se na premissa de que as estratégias almejadas estão geralmente diretamente relacionadas com as estratégias realizadas (MINTZBERG & QUINN, 1996 in CARNEIRO, 1997) e que, portanto, este confronto apenas agrega valor à análise em questão.

Os dados foram tratados com a utilização do modelo teórico e tipologia de PORTER (1980, 1985), o qual permite uma descrição e análise da relação: estrutura da indústria – ambiente competitivo – estratégias competitivas – desempenho das empresas. Os estudos de CARNEIRO (1997) e CAVALCANTI (1997) foram utilizados como base para o trabalho por apresentarem revisão teórica e metodologias aplicáveis a qualquer indústria e relevantes para a análise em questão, ainda que algumas adaptações quanto às dimensões avaliadas tenham sido necessárias.

Page 3: ANÁLISE ESTRATÉGICA DAS GRAVADORAS NO BRASIL · 2019. 9. 8. · Records, atual CEO da Chery Lane Digital e fundador da Evolab (empresa voltada para o mercado de wireless streaming

3

Análise dos Dados

A análise dos dados seguiu 3 etapas. Primeiramente foi realizada uma análise do ambiente competitivo através do Modelo das 5 Forças; em seguida foram identificadas as estratégias genéricas adotadas por cada empresa com base em seu posicionamento em relação a um conjunto de dimensões estratégicas; por último, foram identificados grupos estratégicos, conforme tipologia de PORTER (1980, 1985) e seus desempenhos foram avaliados em função do faturamento em US$, Maket Share e Retorno sobre Investimento, ainda que este último tenha sido decorrente de uma análise qualitativa (BARNEY, 1996).

Pela análise do Ambiente Competitivo (PORTER,1980), pode-se identificar os componentes de cada força e suas intensidades, além de permitir a identificação do papel desempenhado pela pirataria e pelos sites/ ferramentas de troca gratuita de música em formato MP3.

Análise do Ambiente Competitivo Fornecedores: os fornecedores foram divididos em estúdios; empresas de aluguel de

equipamentos de som, luz, etc.; artistas gráficos e produtores de clipes; serviços rotineiros (limpeza, transporte e manutenção); fábricas de CD’s; rádios (fornecedoras de distribuição) e artistas (responsáveis pelo core business das gravadoras). Destes, apenas os dois últimos apresentam poder de negociação alto.

Novos Entrantes: como novo entrante, o principal ator identificado foi a gravadora Abril Music, empresa que apesar de criada em 1998, já conquistou 6% do mercado brasileiro e se posiciona como líder de streaming, através do site www.usinadosom.com.br. No cenário atual, no qual a presença e influência da Internet ainda não são representativas no Brasil, as barreiras de entrada existentes são altas, tornando a ameaça de novos entrantes baixa. No entanto, um cenário futuro inclui uma maior penetração da Internet, a qual favorecerá a entrada de novas rádios e novos formatos de comercialização de música/ fonogramas online e diminuirá as barreiras (PORTER, 2001). Compradores: Sobre os compradores, foram identificados os atacadistas, também chamados de distribuidores e magazines; as lojas / varejistas e o marketing especial (empresas que criam álbuns para promover seus próprios produtos). Os consumidores finais, apesar de representar a demanda real, não são considerados como compradores pelas gravadoras, as quais comercializam os CD’s como se fossem LP´s, apesar de serem produtos diferentes, consumidos de forma também diferenciada. Na pesquisa realizada com consumidores finais ficou claro que o CD é visto mais como um bem descartável do que durável. Em função da massificação do consumo, dos estilos de música mais populares e do próprio formato da mídia – menor, mais leve, fácil de transportar e também de perder – a percepção do CD como um objeto de arte não se aplica na prática, visto que, atualmente, até crianças são consumidoras, uma vez que ficou fácil manusear os aparelhos de CD, o que na época da “agulha” era inviável. Isto faz com que o preço praticado atualmente seja considerado discrepante em relação ao valor percebido pelo consumidor.

O poder de barganha dos compradores, conforme observado pelas gravadoras, é diretamente proporcional ao volume comprado. Portanto atacadistas são mais fortes do que varejistas e assim sucessivamente.

Produtos Substitutos: em relação à ameaça de produtos substitutos, as gravadoras estão ameaçadas por qualquer produto que proporcione entretenimento alternativo, os mais próximos são o rádio, o Vídeo, o DVD, a TV a Cabo, a TV aberta, cinemas, jogos, computadores e a própria Internet. Destes, sem dúvida o DVD e a Internet tem gerado uma certa migração de interesse, uma vez que as pessoas estão voltadas para a compra de aparelhos de DVD, computadores e periféricos mais atualizados e eficientes. No entanto, a

Page 4: ANÁLISE ESTRATÉGICA DAS GRAVADORAS NO BRASIL · 2019. 9. 8. · Records, atual CEO da Chery Lane Digital e fundador da Evolab (empresa voltada para o mercado de wireless streaming

4

maioria dos executivos entrevistados não considera a possibilidade de substituição e acredita que a música tem um espaço tradicional que atinge todas as faixas etárias no mundo inteiro.

A música realmente está presente em todas as culturas, atinge todas as faixas etárias e possui um diferencial incrível frente a qualquer outro tipo de lazer – ela pode ser ouvida em praticamente qualquer ambiente, simultaneamente ao desempenho de diversas atividades. No entanto, não são estas características que impedem sua substituição – um formato diferente ou uma nova forma de distribuição representam uma ameaça ao status quo, como é o caso do Download e do Streaming. A distribuição via download pode ser encarada como um substituto para a distribuição convencional na medida em que, como afirma SHIRKY (2000), na Internet, a comercialização, bem como o intercâmbio de faixas individuais, não são feitos por intermédio de uma “rede de distribuição”, da forma como esta é tradicionalmente concebida. O streaming coloca questões ainda mais importantes para o futuro da distribuição de música. Em entrevista à revista online LIP SERVICE (http://www.lipservicemag.com/jim.htm), Jim Griffin, ex-diretor de tecnologia da Geffen Records, atual CEO da Chery Lane Digital e fundador da Evolab (empresa voltada para o mercado de wireless streaming music) afirma que o aumento exponencial da velocidade das conexões à Internet e, sobretudo, o aperfeiçoamento das tecnologias wireless, criarão uma situação de “oferta hiper-eficiente” de música. Uma vez que a necessidade de se manter estoques, ou réplicas físicas de fonogramas (em CDs, fitas K7, ou mesmo nos discos rígidos dos PCs), está diretamente ligada às deficiências espaço-temporais da oferta de música, na medida que esta se torne ubíqua (ou seja, quando os fonogramas se tornarem acessíveis em qualquer lugar e a qualquer momento), não haverá qualquer vantagem no armazenamento de cópias do produto. Esta situação deverá gerar uma atrofia da distribuição em favor da entrega just-in-time. No caso da indústria fonográfica, isto significaria uma substituição dos modelos de distribuição convencionais pela adoção do streaming como forma predominante de acesso à música. A ameaça advinda dos sites/ ferramentas de troca gratuita de MP3 é séria e tende a se tornar bastante grave no médio e longo prazo. A estrutura dos mais recentes sites/ ferramentas não depende mais de provedores de hospedagem, dificultando a responsabilização dos mesmos e a punição dos infratores. Com a penetração atual da Internet no Brasil e o número limitado de acessos que existe, esta situação parece não ser relevante, mas as perspectivas são de expansão.

De acordo com o E-Demographics Report (2001), a rede de telefonia do país deve ter seus preços abaixados, sua qualidade melhorada e a abrangência ampliada nos próximos 5 anos, já que a liberação total do mercado de telefonia ocorrerá em 2002. O acesso gratuito lançado em dezembro de 1999 pelo Banco Bradesco, apesar de ter sido desestimulado com a falência de vários serviços, continuará, uma vez que os provedores restantes, em menor número, conseguiram absorver os usuários dos serviços falidos, tornando-se fortes portais. Além disso, como a população de internautas continuará a ser formada basicamente por pessoas das classes A e B nos próximos anos (equivalente a 63% dos internautas em 2000), o acesso pago não será um empecilho para a difusão da rede. A quantidade de internautas deverá aumentar exponencialmente, principalmente com o futuro aumento da concorrência no setor de telefonia. Em 2000, aproximadamente 3,9 milhões de brasileiros a partir de 14 anos foram usuários ativos da Internet, o que corresponde a 3,1% da população. Projeções indicam que em 2004 este número chegará a 16,42 milhões, o que representará 12,3% da população brasileira.

Fica claro que as gravadoras não podem ignorar os sites/ ferramentas de troca gratuita de MP3. Estes não são tão ameaçadores quanto a pirataria, neste momento, mas tudo indica que podem se tornar uma ameaça maior, principalmente pela ausência de interesse comercial.

Page 5: ANÁLISE ESTRATÉGICA DAS GRAVADORAS NO BRASIL · 2019. 9. 8. · Records, atual CEO da Chery Lane Digital e fundador da Evolab (empresa voltada para o mercado de wireless streaming

5

Por mais que estes sites, quando tomam grandes proporções, acabem se valorizando e sendo absorvidos pela estrutura de empresas maiores (caso do Napster), isto não significa que novos sites, sem fins lucrativos, não possam surgir com freqüência cada vez maior. É importante que as gravadoras consigam desenvolver pacotes ou novos modelos nos quais o valor percebido abarque mais do que a música em si, para que, desta forma, os internautas não tenham interesse de baixá-la de graça. O streaming se torna, portanto, uma solução interessante.

Concorrentes: sobre a rivalidade entre os concorrentes, foram identificados dois tipos, aquele que ocorre entre as majors e aquele que se dá entre a pirataria e as majors.

Rivalidade entre as principais gravadoras: bastante acirrada em função da alta capitalização das empresas, foi classificada pelos entrevistados no grau mais alto. Esta rivalidade costuma se manifestar através da competição por maior espaço nas rádios e outros meios de comunicação, da contratação de artistas – tanto consagrados quanto novos, da quantidade de novos lançamentos no mercado, do volume de dinheiro investido em promoção e da contratação de pessoal de marketing e diretores artísticos. Não se observa, no entanto, a guerra de preços, tão característica de indústrias que apresentam alta rivalidade entre as empresas. Entretanto, com a entrada da Abril Music, a uniformidade de preços tornou-se ameaçada, uma vez que a nova empresa está adotando uma política de preços bastante agressiva.

Rivalidade entre a pirataria e as majors: nos últimos 5 anos, a pirataria de CDs tornou-se a maior concorrente das gravadoras, acompanhando, em grande medida, a expansão do mercado fonográfico no país. O mercado fonográfico pirata no Brasil movimentou 200 milhões de dólares em 2000 (IFPI, 2001).

Apoiada na estrutura pretérita e extremamente flexível da pirataria de K7’s, a pirataria de CD’s difundiu-se largamente a partir de 1997, principalmente em função dos seguintes fatores: a expansão do mercado fonográfico brasileiro, onde o formato CD se impôs como substituto inequívoco ao formato LP; a transformação da pirataria em um comércio de exportação em larga escala, com a entrada de grupos de origem chinesa, os quais investiram na produção em larga escala a partir de plantas industriais instaladas no sudeste asiático (em especial Taiwan, Hong Kong, Macau, Singapura e Malásia); o advento da mídia ótica como padrão para a indústria de copyright, o qual permitiu a adoção do formato ótico, tanto pela indústria fonográfica (e posteriormente pela indústria cinematográfica), quanto pelas indústrias de software e de games (caso do Sony/PlayStation). Esta sinergia estimulou a montagem de grandes plantas industriais, em especial no sudeste asiático, que possuem uma capacidade de produção que excede substancialmente a demanda local (IFPI, 2001). Nos últimos anos, com o aumento da repressão contra a pirataria internacional, a rede interna absorveu grande parte da produção, criando centros multi-logísticos, de produção, distribuição e venda. A partir dos dados de apreensões fornecidos pelos boletins da Associação Protetora dos Direitos Intelectuais Fonográficos em 2000 foi elaborado o mapa abaixo (Figura 1), o qual pretende retratar, de forma esquemática, os principais aspectos atuais da logística da pirataria no Brasil.

Page 6: ANÁLISE ESTRATÉGICA DAS GRAVADORAS NO BRASIL · 2019. 9. 8. · Records, atual CEO da Chery Lane Digital e fundador da Evolab (empresa voltada para o mercado de wireless streaming

6

FIGURA 10: Logística da Pirataria de no Brasil – APDIF (2000)

#

#

#

#

#

#

#

#

#

#

#

#

# ##

#

##

## ## #### ### #

# ## #### # ## # # ## ### ## # ### #### # # # ## # #### ####### ### ### ## ### ## # ## ### ## ## ## ### ## # ###

#### ####

###### # ## # # ## ## # # ## ### # ### # ## ## ## # ### #### ##

# ##

#

ÊÚ YY

ÊÚ

ÊÚ

ð

Y

ðð

Ö

ÖÖÖ

Y

Y

ö YY

YYö YÖY YYÖ ÊÚÖÖÖÊÚÊÚ

Y

öö

ÊÚ

BOLÍVIA

Colômbia

Venezuela

PARAGUAI

Guiana

URUGUAI

Suriname

Rio Grande

Santos

Formiga

Teresina

Fortaleza

Paranaíba

Bom Retiro

Campo Grande

Porto Seguro

Brasília

São Paulo

Rio de Janeiro

Corumbá

Ponta Porã

Uruguaiana

Santana do Livramento

Foz do IguaçuParanaguá

Vitória da Conquista

Salvador

Recife

Manaus

PRINCIPAISCENTROS DEPRODUÇÃO:

Taiwan Hong Kong Macau Singapura

Fontes: Boletins da APDIF (2000) e IFPI (2001)

PRINCIPAL CENTRODE DISTRIBUIÇÃO

Ciudad del Este

# centros de distribuição varejista

LOGÍSTICA

ð centros multi-logísticos

ÊÚ principais lugares de entrada

Ö centros de distribuição atacadista

Y centros de produção / distribuição

ö lugares de entrada alternativos

FIGURA

Page 7: ANÁLISE ESTRATÉGICA DAS GRAVADORAS NO BRASIL · 2019. 9. 8. · Records, atual CEO da Chery Lane Digital e fundador da Evolab (empresa voltada para o mercado de wireless streaming

7

Apesar deste mapeamento possuir um caráter preliminar e esquemático, nos permite vislumbrar o grau de complexidade alcançado pela estrutura logística da pirataria no Brasil, resultado do desdobramento da cadeia produtiva no território nacional. Dimensões Estratégicas

A estratégia adotada por cada gravadora foi identificada a partir de seu posicionamento em relação a um conjunto de dimensões estratégicas selecionadas com base em MILLER & DESS (1993), KOTHA & VADLAMANI (1995) e CARNEIRO (1997), conforme indicado na tabela a seguir:

TABELA 1 - Relação entre as Dimensões Competitivas eleitas e as Estratégias Genéricas

Dimensões Estratégias Competitivas Genéricas

Alto número de contratações de artistas consagrados Diferenciação ou Enfoque com Diferenciação

Alto número de contratações de artistas novos Liderança em custo ou Enfoque com liderança em custo

Grande quantidade de lançamento de novos Produtos Liderança em custos ou Enfoque com liderança em custo

Alto nível de diversificação de estilos (equivalente à amplitude da linha de produtos)

Liderança em custos ou Enfoque com liderança em custo

Posição quanto à força de venda (quantidade de vendedores e área coberta)

Quando forte e própria: a estratégia identificada tende a ser Diferenciação/ Enfoque. Quando terceirizada: a estratégia identificada tende a ser Liderança em custo

Alto nível de Serviço (entrega, assistência, pontos de venda, garantias)

Diferenciação ou Enfoque com Diferenciação

Forte financiamento de vendas Liderança em custo ou Enfoque com liderança em custo

Política de preço – Preço mais baixo Liderança em custo ou Enfoque com liderança em custo

Atuação em nicho específico de mercado Enfoque Grandes investimentos em Propaganda, Marketing e Promoção

Liderança em custo ou Enfoque com liderança em custo

Forte utilização da Internet (Brasil)* Quando Fraca: Indefinida Quando Forte: Curto Prazo: Diferenciação ou Enfoque com Diferenciação Longo Prazo: Liderança em custo ou Enfoque com liderança em custo

A tabela 2, a seguir, resume uma análise extensa feita sobre cada gravadora

Page 8: ANÁLISE ESTRATÉGICA DAS GRAVADORAS NO BRASIL · 2019. 9. 8. · Records, atual CEO da Chery Lane Digital e fundador da Evolab (empresa voltada para o mercado de wireless streaming

TABELA 2 - Estratégias Competitivas das Gravadoras

Dimensões Posição da Gravadora Sony Music

Posição da Gravadora

BMG

Posição da Gravadora

EMI

Posição da Gravadora

Warner

Posição da Gravadora

Abril

Posição da Gravadora Som Livre

Posição da Gravadora Universal

Alto número de contratações de artistas consagrados

Forte Forte. Forte Fraco. Inclusive saíram grupos como o Kid Abelha e Titãs.

Forte. A empresa está montando o seu catálogo

0 Muito Alto Diferenciação

Alto Número de contratações de artistas novos

Forte Forte. Tem lançado vários novos artistas no mercado com sucesso

Médio. Muito Forte Forte. A empresa está montando o seu catálogo

0 Baixo Diferenciação

Grande quantidade de lançamento de novos Produtos

Em queda de 3o lugar em 1998 p/ 6o lugar em 2000

Queda de 3o para 5o lugar entre 1999 e 2000.

3o lugar em número de lançamentos em 2000. Mas em tendência de queda, vindo do 1o lugar em 1999.

4o lugar em 2000. Recupera-se do 5o lugar que estava em 1999

Atingiu 2o lugar em 2000. A empresa se mostra extremamente agressiva.

Fraco. É a empresa com menor número de lançamentos do mercado.

Maior número de lançamentos da indústria em 2000, pela compra da Polygram. Em 1999 ocupava 6o

Alto nível de diversificação de estilos

Axé, dance/techno/eletrônico, forró, funk, hard rock, infantil, jazz/R&B, , jovem guarda, pop/ rock Internacional, pop/rock nacional, ...

Dance, jazz,MPB/bossa nova, pop/ rock Internacional, pop/rock nacional, , romântico, samba/pagode, entre outros

jovem guarda, pop/ rock Internacional, pop/rock nacional, entre outros

country/sertanejo, pop/ rock Internacional, pop/rock nacional, romântico, samba/pagode, trilha sonora, entre outros

Axé, MPB/bossa nova, pop/rock nacional, , romântico, samba/pagode, Show do Milhão, sertanejo/country, forró, entre outros

Trabalha apenas com trilhas nacionais e internacionais das novelas da rede Globo, coletâneas

Axé, /religioso, MPB/bossa nova, pop/ rock Internacional, pop/rock nacional, samba/pagode, entre vários outros

Posição quanto à força de venda

Terceirizada, aproximadamente 20 representantes

Contratada. Aproximadamente 25 vendedores, 3 gerentes e 1 diretor.

Contratada. Aproximadamente 20 vendedores, 3 gerentes e 1 diretor.

Terceirizada. Aproximadamente 21 representantes, 1 diretor, 2 gerentes.

Terceirizada. Quantidade de representantes desconhecida, 1 diretor, 3 gerentes. Adota uma estrutura ágil

Terceirizada. Cobre todo o Brasil / Loja virtual / Operação 150.000 clientes mkt direto.

Terceirizada. 3 gerentes, aproximadamente 30 representantes

Page 9: ANÁLISE ESTRATÉGICA DAS GRAVADORAS NO BRASIL · 2019. 9. 8. · Records, atual CEO da Chery Lane Digital e fundador da Evolab (empresa voltada para o mercado de wireless streaming

9

TABELA 2 - Estratégias Competitivas das Gravadoras – continuação

Dimensões Posição da Gravadora Sony Music

Posição da Gravadora

BMG

Posição da Gravadora

EMI

Posição da Gravadora

Warner

Posição da Gravadora

Abril

Posição da Gravadora Som Livre

Posição da Gravadora Universal

Alto Nível de Serviço

Muito forte em telemarketing, cadastro de lojistas, mailing list e site de venda

Não avaliado. Normal. Fraco. Telemarketing inexpressivo.

Mediano. Médio. Mas em vias de se tornar mais forte.

Não comentado.

Forte Financiamento de vendas

Muito agressivo. 2o lugar em devoluções de produtos entre 1997 e 2000

Forte. Encontra-se em 3o lugar quanto à quantidade de unidades devolvidas em 1999 e 2000

Médio. Encontra-se em 4o lugar quanto à quantidade de unidades devolvidas em 2000

Fraco. Adota postura mais conservadora. Encontra-se em 7o lugar em relação a unidades devolvidas em 2000.

6o lugar em unidades devolvidas em 2000.

5o lugar em termos de unidades devolvidas. Posiciona-se de forma mais conservadora

Muito agressivo. Apresenta o maior número de devoluções em média no período de 1997 a 2000

Política de preço (Preço mais baixo)

Vêm mantendo o 2o preço mais alto do mercado

Atua na faixa de preço de CD Normal, ainda que a parcela de CD econômico tenha aumentado significativamente

A parcela de CD econômico vem aumentado significativamente.

Adota o preço mais alto do mercado, tendência mantida desde 1997.

Posicionou-se com uma política de preços extremamente agressiva.

Trabalha com o 3o preço mais caro do mercado, na faixa de CD Normal.

Vem praticando o preço mais baixo do mercado desde 1998

Atuação em nicho específico de mercado

Não Não. Não. Não. Não. Sim. Trilhas de novelas e coletâneas

Não

Grandes investimentos em Propaganda, Marketing e Promoção

Muito forte. Abaixo apenas da Universal Music

Médio. Investimentos em rádio acompanha a média e anúncios na televisão são altos.

Médio. Médio, tendo sofrido grandes cortes em 1998 e 1999.

Muito forte. A gravadora tem acesso facilitado à Editora Abril e suas publicações.

Apresenta uma sinergia muito grande com sua holding Organizações Globo. Direito sobre as trilhas das novelas

O mais alto. Muito forte nas rádios e televisão

Forte utilização da Internet (Brasil)

site com apenas a possibilidade de compra de seus CDs.

Fraco. Possui um site simples

Fraco. Não possui um site ativo, apenas registro da URL.

Fraca. Site apenas para promover seus produtos. Não vende CDs.

Muito forte. É a única empresa que trabalha com streaming.

Forte. A Som Livre é pioneira na venda de CD´s pela internet.

Não

Page 10: ANÁLISE ESTRATÉGICA DAS GRAVADORAS NO BRASIL · 2019. 9. 8. · Records, atual CEO da Chery Lane Digital e fundador da Evolab (empresa voltada para o mercado de wireless streaming

De acordo com as dimensões estratégicas avaliadas para cada gravadora, foram identificados os seguintes grupos (Tabela 3):

TABELA 3 – Grupos Estratégicos

Grupo

Estratégico Estratégia Genérica Associada Gravadoras

A Liderança em custo Universal, Abril Music, Pirataria B Enfoque com diferenciação Som Livre C Diferenciação EMI D Meio termo Sony Music, BMG, Warner,

A tabela acima merece dois destaques. Em primeiro lugar, caso quiséssemos incluir a Pirataria na tabela, ela entraria junto às empresas Universal e Abril Music por adotar de forma absolutamente consistente a estratégia genérica de liderança em custo. O segundo é o fato do grupo estratégico de Meio Termo concentrar várias empresas, indicando uma marcante ambigüidade estratégica na indústria. A rivalidade entre os grupos estratégicos, conforme análise da intensidade de inter-relação dos grupos (PORTER, 1980) foi considerada alta entre os dois maiores grupos, A e D, e, ainda que em menor intensidade, entre A, D e B, deixando o grupo C numa posição mais vantajosa em relação à rivalidade entre as gravadoras. Somada a esta rivalidade, a concorrência com a pirataria e a futura ameaça dos sites de troca de MP3 tornam a competição nesta indústria muito acirrada. Em termos de desempenho, os grupos estratégicos com melhor market share e faturamento (US$), em 2000, são os grupos D e A, nesta ordem, seguidos por B e C (ver gráfico1).

Faturamento 2000

-50100150200

A B C D

Grupos Estratégicos

No entanto, de acordo com as entrevistas realizadas, em relação ao retorno sobre investimento, a posição se modifica, ficando os grupos A, B e C melhor posicionados do que o grupo D – o que indicaria, coerente com a teoria de PORTER (1980), que as estratégias melhor definidas geram maior retorno para as empresas. Esta informação, contudo, é passível de crítica, uma vez que não existem dados numéricos para validá-la. Uma exploração maior seria necessária para confirmar tal afirmação.

GRÁFICO 1: FATURAMENTO DOS GRUPOS ESTRATÉGICOS EM 2000

Fonte: ABPD, 2001

Page 11: ANÁLISE ESTRATÉGICA DAS GRAVADORAS NO BRASIL · 2019. 9. 8. · Records, atual CEO da Chery Lane Digital e fundador da Evolab (empresa voltada para o mercado de wireless streaming

11

Considerações finais sobre a metodologia

Quanto à aplicabilidade do modelo adotado, o modelo de PORTER (1980) se mostrou adequado e útil para a identificação e análise das estratégias das gravadoras, sendo abrangente, explicativo e minucioso quando necessário, permitindo uma fácil aplicação e alto poder explanatório.

Futuramente, além da aplicação do modelo de MILES & SNOW (1978) – o qual agregaria valor à análise estratégica aqui realizada – e de um possível aprofundamento da análise baseada na teoria Resource Based, este estudo poderia vir a ser ampliado com a inclusão de entrevistas com os outros atores da indústria em questão, com uma análise financeira de cada gravadora e com a realização de uma pesquisa com os compradores finais, de forma a garantir maior confiabilidade e poder de explicação à análise estratégica das gravadoras.

Considerações finais sobre as gravadoras e a indústria fonográfica

Os maiores problemas enfrentados pelas gravadoras, de acordo com os resultados encontrados neste trabalho, são: a pirataria e a não percepção desta, por parte das gravadoras, como um concorrente; os sites/ferramentas de troca gratuita de MP3 na Internet; a ambigüidade estratégica de parcela significativa das gravadoras; a ausência de investimento na imagem das gravadoras; a inexistência de uma relação com os consumidores finais e os artistas; a não adaptação das gravadoras à mudança no comportamento de consumo de música; a apatia da maioria das gravadoras frente à Internet e a maior atratividade de computadores, DVDs e CD Writers, desviando o interesse dos consumidores.

Para lidar com estes problemas, as gravadoras precisam, além de se posicionarem estrategicamente de forma mais integrada, consistente e coerente, agir como um todo nas frentes abaixo listadas, tanto no curto quanto no longo prazo.

No curto prazo, as gravadoras precisam desenvolver marketing de relacionamento tanto com os artistas quanto com os consumidores finais; investir na marca das gravadoras; encarar a pirataria como um concorrente; lidar com a crescente complexidade da rede nacional de pirataria e agregar valor ao CD.

A relação com o consumidor final é fundamental porque desta relação dependerá o futuro das gravadoras quando a Internet estiver amplamente difundida no país e no mundo. É fundamental que seja feita uma pesquisa de mercado extensa, que cubra todos os aspectos do comportamento de compra e consumo de música pelos consumidores finais, no intuito de determinar as novas atitudes, interesses e desejos para que se possa adotar estratégias de Marketing e Vendas mais eficientes.

A pirataria deve ser vista como um forte concorrente pelas gravadoras, as quais, apesar de contarem com a APDIF, precisam incluir a disputa com a pirataria em suas decisões estratégicas. Uma das conseqüências desta inclusão é a necessidade de se agregar valor ao CD através de promoções na embalagem dos produtos (ex. “1 em cada 3 CDs está premiado com um ingresso para o show de tal artista” ; “compre a trilha sonora e concorra a dois ingressos para o filme no cinema tal”), algo que de fato diferencie o produto legal dos piratas. A pirataria tem acesso aos CDs, mas não aos artistas, esta vantagem competitiva deveria ser mais bem explorada.

A APDIF, por sua vez, como precisou tomar para si, na medida do possível, a ação legal contra a pirataria, deve atualizar seus métodos, tornar suas medições mais científicas e

Page 12: ANÁLISE ESTRATÉGICA DAS GRAVADORAS NO BRASIL · 2019. 9. 8. · Records, atual CEO da Chery Lane Digital e fundador da Evolab (empresa voltada para o mercado de wireless streaming

12

lidar com a complexidade crescente da rede de pirataria no Brasil, a qual se torna mais sofisticada quanto maior é a repressão em países como a China, Taiwan e Paraguai.

Por último, a apatia da maioria das filiais brasileiras das majors em relação à Internet é preocupante. As gravadoras deviam desde já desenvolver competência neste meio, se adaptar à nova tecnologia e formato e iniciar um marketing de relacionamento com o consumidor final e o artista. A Abril Music já se encontra com uma vantagem competitiva significativa por ter difundido sua marca através do seu site de streaming customizável, tocando música de todas as empresas. É mister que as demais gravadoras se posicionem o quanto antes.

No longo prazo, as gravadoras precisarão se adaptar não apenas à extinção do suporte físico, mas também ao fim da própria necessidade de se possuir a música. Uma vez que a tecnologia wireless esteja difundida e os pacotes diversificados de streaming permitam ao consumidor escutar sua seleção no local que quiser, não haverá a necessidade de se “possuir” a música, qualquer que seja o formato. Com isto, a comercialização de CDs e de download via Internet já surge fadada à obsolescência, ainda que não de imediato. O marketing também sofrerá mudança radical, tornando-se continuamente mais personalizado. O rastreamento do perfil do consumidor, possibilitado pela Internet, permitirá o desenvolvimento de um marketing mais efetivo e individualizado, relacionando produtos que o sujeito gosta com outros afins e gerando continuamente relatórios de comportamento.

Como se pode notar, as mudanças necessárias são muitas e afetam significativamente a estrutura das gravadoras e do próprio business. Justamente, devido à longa existência e sucesso da indústria em questão é que se torna tão difícil para os executivos e estrategistas aceitarem a adoção de novos modelos que rompem com antigos paradigmas, o que, conseqüentemente, compromete o futuro da indústria. É fundamental que se entenda que o sucesso passado não garante o sucesso futuro, e que é preciso analisar o ambiente competitivo para desenvolver as estratégias necessárias que venham a sustentar as vantagens competitivas a serem alcançadas. ________________ REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ABPD. Estatística de mercado. Ed. Associação Brasileira dos Produtores de Discos, 1993-2000. APDIF. Dados estatísticos sobre a pirataria no Brasil e Boletins para o ano de 2000. Ed. Associação

Protetora dos Direitos Intelectuais Fonográficos. Mídia eletrônica: http://www.apdif.org.br, 2001. BARBROOK, R. The Regulation of Liberty: free speech, free trade and free gifts on the Net. Mídia

Eletrônica. http://www.cybersalon.com, 2000. BARNEY, J. Gaining and sustaining competitive advantage. Addison-Wesley Publishing Company,

Massachusetts, 1996. CARNEIRO, J. Alterações nas estratégias competitivas decorrentes de desregulamentação e de

privatizações na indústria do petróleo: um estudo de caso. Dissertação de Mestrado, Departamento de Administração, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Janeiro 1997.

CAVALVANTI, M. Impactos Estratégicos e Organizacionais decorrentes da desregulamentação do setor petrolífero argentino: estudo de caso da Yacimentos Petrolíferos Fiscales (YPF). Dissertação de Mestrado, departamento de Administração, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Janeiro 1997.

Page 13: ANÁLISE ESTRATÉGICA DAS GRAVADORAS NO BRASIL · 2019. 9. 8. · Records, atual CEO da Chery Lane Digital e fundador da Evolab (empresa voltada para o mercado de wireless streaming

13

CONANT, J.; MOKWA, M.; VARADARAJAN, P. Strategic types: distinctive marketing competencies and organizational performance – a multiple measured-based study. Strategic Management Journal, v.1, n.5, Sept, p. 365-383, 1990.

E-DEMOGRAPHICS REPORT. E-Marketer, March, 2001. Mídia eletrônica: www.e-marketer.com, 2001.

GAROFALO, R. From music publishing to MP3: music and industry in the twentieth century/ globalization- blockbusters, superstars, and revenue streams. University of Illinois Press in association with The Gale Group and LookSmart. Mídia Eletrônica: http://www.depaul.edu/~dweinste/rock/musindus.html , 1999.

GAROFALO, R. Whose world, What Beat: the transactional music industry, identity and cultural imperialism”. In: Music of the world: Journal of the International Institute for traditional Music (IITM), Berlin, n.35(2), 1993, p.24.

IFPI. Music Piracy : priority countries, International Federation of The Phonographic Industry, Mídia Eletrônica, http://www.ifpi.org/piracy/, 2000.

IFPI. Music Piracy: report ‘00, International Federation of The Phonographic Industry, Mídia eletrônica: http://www.ifpi.org/piracy/, 2000.

IFPI. Music Piracy: report ‘01, International Federation of The Phonographic Industry, Mídia eletrônica: http://www.ifpi.org/piracy/, 2001.

IFPI. Music Piracy: report ‘97, International Federation of The Phonographic Industry, Mídia eletrônica: http://www.ifpi.org/piracy/, 1997.

IFPI. Music Piracy: report ‘98, International Federation of The Phonographic Industry, Mídia eletrônica: http://www.ifpi.org/piracy/, 1998.

IFPI. Music Piracy: report ‘99, International Federation of The Phonographic Industry, Mídia eletrônica: http://www.ifpi.org/piracy/, 1999.

IFPI. The Recording Industry in Numbers 00, International Federation of the Phonographic Industry, Londres, ED.IFPI, 2000.

IIPA. Special 301 Report: Brazil. International Intellectual Property Alliance. Mídia eletrônica: http://www.iipa.com/special301.html , 2000.

KOTHA, S. & VADLAMANI, B. Assessing generic strategies: an empirical investigation of two competing typologies in discrete manufacturing industries. Strategic Management Journal, v.16, p.75-83, 1995.

KUHN, T. The structure of the scientific revolutions, Chicago, 1962. LIPSERVICE. Jim Griffin on music & distribution. Mídia eletrônica,

http://www.lipservicemag.com/jim.htm, Julho de 2000 MILLER, A. & DESS, G. Assessing PORTER´s (1980) model in terms of its generability, accuracy and

simplicity. Journal of Management Studies, v.30, n.4, n.4, p.553-585, July, 1993. MINAR, N. & HEDLUND, MARC. A Network of peers: peer-to-peer models through the history of the

Internet. In: ORAN, A (ed.) Peer-to-peer: Harnessing the power of disruptive technologies, O’Reilly & Associates Press, 2001.

MINTZBERG, H. & JOSEPH L. Reflecting on the strategy process. Sloan Management Review, Spring, 1999.

PORTER, Michael. Competitive advantage: creating and sustaining competitive performance. New York, The Free Press, 1985.

PORTER, Michael. Estratégia Competitiva: técnicas para análise da indústria e da concorrência. Ed. Campus, 1980.

PORTER, Michael. How competitive forces shape strategy. Harvard Business Review, March-April, 1979, p.137-145.

PORTER, Michael. Os caminhos da lucratividade: como implementar uma verdadeira estratégia competitive. HSM Management, v.1, p. 88-94, Mar-Abr, 1997.

PORTER, Michael. Strategy and the Internet. Harvard Business Review, p. 62-79, Março, 2001.

Page 14: ANÁLISE ESTRATÉGICA DAS GRAVADORAS NO BRASIL · 2019. 9. 8. · Records, atual CEO da Chery Lane Digital e fundador da Evolab (empresa voltada para o mercado de wireless streaming

14

PORTER, Michael. Towards a dynamic theory of strategy. Strategic Management Journal, v.12, p.95-117, 1991.

PORTER, Michael. What is strategy?, Harvard Business Review, p. 61-78, Nov-Dec, 1996. SHIRKY, C. Moving from unites to Eunuchs, Clay Shirky’s writings about the Internet. Mídia eletrônica:

http://www.oreillynet.com, 2000. SHIRKY, C. In praise of freeloaders, Clay Shirky’s writings about the Internet. Mídia eletrônica:

http://www.oreillynet.com, 2000. SNOW, C. & HAMBRICK, D. Measuring organizational strategies: some theoretical and methodological

problems. Academy of Management Review, v.5, n.4, p.527-538, 1980. VICENTE, E. A Produção Fonográfica Brasileira nas Décadas de 80 e 90: Uma análise do impacto da

inovação tecnológica e da globalização sobre os rumos da produção musical recente do país. Projeto de doutorado em Comunicações da ECA, sob orientação do Prof. Dr. Waldenyr Caldas, 1999.

VICENTE, E. Arte e Cultura da América Latina, Sociedade Científica de Estudos da Arte, CESA, vol. VI, no. 2, p. 4, 1990.

YIN, R. Case study research: design and methods. Thousand Oaks, CA: sage Publications, Inc; 2nd ed, 1994.