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Análise da dinâmica dos arranjos técnicos da pecuária pantaneira: população, espaço e ambiente da pecuária em Mato Grosso do Sul 1 Ana Gabriela de J. Araujo Resumo: Este trabalho apresenta uma caracterização da estrutura produtiva da pecuária bovina extensiva de corte nos municípios do estado do Mato Grosso do Sul que são-fazem parte do Pantanal sul-matogrossense. Considerando a importância da atividade para a economia desses municípios, bem como seu status de vetor para a conservação biológica da região pantaneira e para o modus vivendi da população local, torna-se relevante a pesquisa em torno da dinâmica sócio-espacial que envolve a produção pecuária. O trabalho procura explorar a base de dados produzida pelos Censos Agropecuários em dois momentos do tempo, 1995-1996 e 2005-2006, para caracterizar o estágio do sistema técnico da pecuária pantaneira e assim descrever sua trajetória para a década 1996-2006. Considerando o espaço regional pantaneiro, a pecuária passa por um processo de reestruturação produtiva, intensificada desde a virada do século sob a égide da globalização, sendo permeada por novos atores, novas intencionalidades e novas lógicas produtivas, que se revelam vetores de transformação sócio-espacial. A caracterização apresentada para o sistema técnico permitiu uma expressão visual da dinâmica da pecuária regional ao longo de 10 anos e a observação da variabilidade intraregional, evidenciada pelo comportamento de cada município, apontando trajetórias diferenciadas. Complementado a análise, foram utilizadas variáveis relativas ao comportamento da população rural dos municípios pantaneiros, coletadas nos Censos Demográficos do IBGE para os anos 2000 e 2010, com foco a analisar possíveis mudanças na qualidade de vida da população, bem como resultado de pesquisa empírica que revelam trilhas não captadas pelos Censos. Este artigo apresenta um componente de um projeto mais amplo, em desenvolvimento, que tem como objetivo analisar padrões de comportamento dos atores da pecuária pantaneira observados ao longo do tempo e em associação com possíveis mudanças climático-ambientais que vem afetando o Pantanal, ambiente geoecológico de feições singulares e rica biodiversidade, e que além disso tem a pecuária bovina de corte como produção econômica historicamente hegemônica. Considerando a interdependência da pecuária com o ambiente do Pantanal, ritmado pelos pulsos da inundação, as questões em torno dos possíveis impactos das mudanças no tempo e no clima sobre a região, estratégias de adaptação e identificação das vulnerabilidades sociais, econômicas e ecológicas ganham relevância e atualidade. Palavras-chave: espacialização de dados; censo agropecuário; Pantanal sul-matogrossense. Introdução Ao longo dos últimos vinte anos a região do Pantanal em Mato Grosso do Sul vem passando por mudanças e permanências do sistema técnico da pecuária bovina de corte. As especificidades do processo de mudança técnica no espaço rural revelam a mudança do espaço e da sociedade envolvidas pela produção pecuária local (ARAUJO, 2008; ARAUJO E BICALHO, 2010). A presença simultânea de sistemas técnicos da pecuária de corte diferenciados entre si, implementados por atores e racionalidades diferenciadas, bem como a multifuncionalidade das fazendas de gado que vem sendo apropriadas pelo turismo e outras produções sociais como o ambientalismo, reforçam a preocupação geográfica com os estudos sobre a implicação de novas técnicas de trabalho para a produção de novos espaços. Este fenômeno de vetores de transformação do Pantanal embasa a concepção teórico-metodológica que entende o espaço como a dimensão da vida social e, em movimento, incorpora múltiplos 1 Trabalho realizado como avaliação da disciplina População, espaço e ambiente, ministrada pelos professores Antonio Miguel V. Monteiro e Silvana Amaral, do Programa de Pós-graduação em Ciências do Sistema Terrestre no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (CCST-INPE).

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Page 1: Análise da dinâmica dos arranjos técnicos da pecuária ... Resumo: Este trabalho apresenta uma caracterização da estrutura produtiva da pecuária bovina extensiva de corte nos

Análise da dinâmica dos arranjos técnicos da pecuária pantaneira: população, espaço e

ambiente da pecuária em Mato Grosso do Sul1

Ana Gabriela de J. Araujo

Resumo: Este trabalho apresenta uma caracterização da estrutura produtiva da pecuária bovina extensiva de

corte nos municípios do estado do Mato Grosso do Sul que são-fazem parte do Pantanal sul-matogrossense.

Considerando a importância da atividade para a economia desses municípios, bem como seu status de vetor para

a conservação biológica da região pantaneira e para o modus vivendi da população local, torna-se relevante a

pesquisa em torno da dinâmica sócio-espacial que envolve a produção pecuária. O trabalho procura explorar a

base de dados produzida pelos Censos Agropecuários em dois momentos do tempo, 1995-1996 e 2005-2006,

para caracterizar o estágio do sistema técnico da pecuária pantaneira e assim descrever sua trajetória para a

década 1996-2006. Considerando o espaço regional pantaneiro, a pecuária passa por um processo de

reestruturação produtiva, intensificada desde a virada do século sob a égide da globalização, sendo permeada por

novos atores, novas intencionalidades e novas lógicas produtivas, que se revelam vetores de transformação

sócio-espacial. A caracterização apresentada para o sistema técnico permitiu uma expressão visual da dinâmica

da pecuária regional ao longo de 10 anos e a observação da variabilidade intraregional, evidenciada pelo

comportamento de cada município, apontando trajetórias diferenciadas. Complementado a análise, foram

utilizadas variáveis relativas ao comportamento da população rural dos municípios pantaneiros, coletadas nos

Censos Demográficos do IBGE para os anos 2000 e 2010, com foco a analisar possíveis mudanças na qualidade

de vida da população, bem como resultado de pesquisa empírica que revelam trilhas não captadas pelos Censos.

Este artigo apresenta um componente de um projeto mais amplo, em desenvolvimento, que tem como objetivo

analisar padrões de comportamento dos atores da pecuária pantaneira observados ao longo do tempo e em

associação com possíveis mudanças climático-ambientais que vem afetando o Pantanal, ambiente geoecológico

de feições singulares e rica biodiversidade, e que além disso tem a pecuária bovina de corte como produção

econômica historicamente hegemônica. Considerando a interdependência da pecuária com o ambiente do

Pantanal, ritmado pelos pulsos da inundação, as questões em torno dos possíveis impactos das mudanças no

tempo e no clima sobre a região, estratégias de adaptação e identificação das vulnerabilidades sociais,

econômicas e ecológicas ganham relevância e atualidade.

Palavras-chave: espacialização de dados; censo agropecuário; Pantanal sul-matogrossense.

Introdução

Ao longo dos últimos vinte anos a região do Pantanal em Mato Grosso do Sul vem passando

por mudanças e permanências do sistema técnico da pecuária bovina de corte. As

especificidades do processo de mudança técnica no espaço rural revelam a mudança do

espaço e da sociedade envolvidas pela produção pecuária local (ARAUJO, 2008; ARAUJO E

BICALHO, 2010). A presença simultânea de sistemas técnicos da pecuária de corte

diferenciados entre si, implementados por atores e racionalidades diferenciadas, bem como a

multifuncionalidade das fazendas de gado que vem sendo apropriadas pelo turismo e outras

produções sociais como o ambientalismo, reforçam a preocupação geográfica com os estudos

sobre a implicação de novas técnicas de trabalho para a produção de novos espaços. Este

fenômeno de vetores de transformação do Pantanal embasa a concepção teórico-metodológica

que entende o espaço como a dimensão da vida social e, em movimento, incorpora múltiplos

1 Trabalho realizado como avaliação da disciplina População, espaço e ambiente, ministrada pelos professores

Antonio Miguel V. Monteiro e Silvana Amaral, do Programa de Pós-graduação em Ciências do Sistema

Terrestre no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (CCST-INPE).

Page 2: Análise da dinâmica dos arranjos técnicos da pecuária ... Resumo: Este trabalho apresenta uma caracterização da estrutura produtiva da pecuária bovina extensiva de corte nos

conjuntos de ações e objetos, desta forma sendo constantemente organizada. Essa concepção

que considera a dimensão relacional do espaço possibilitou uma análise da diversidade de

conteúdos que formam o espaço rural do pantanal sul-matogrossense. Em escalas mais

especificas, estes conteúdos apresentam dinâmicas diferenciadas de reestruturação econômica,

inerentemente sócio-espacial.

O objetivo do trabalho é uma analise espacial que considere dados econômicos e

demográficos da região, para então serem possíveis reflexões e debates em torno das recentes

trajetórias do sistema técnico da pecuária nas diferentes localidades que compõe o Pantanal

sul-matogrossense. A localização da área de estudo é apresentada na figura 1.

Figura 1. Localização da área de estudo

Em escala intra-regional o Pantanal apresenta dinâmica produtiva diferenciada. A

estrutura desigual em termos de extensão territorial, localização na área de planície alagável e

distância dos centros beneficiadores e comercializadores, reflete no numero de rebanho por

município e na classificação entre eles em termos de produção. A classificação intra-regional

é apresentada na tabela abaixo. É possível notar que Corumbá, Porto Murtinho, Rio Verde de

Mato Grosso e Aquidauana são os municípios mais produtivos, seguidos por Coxim, Miranda

e Ladário.

Page 3: Análise da dinâmica dos arranjos técnicos da pecuária ... Resumo: Este trabalho apresenta uma caracterização da estrutura produtiva da pecuária bovina extensiva de corte nos

Tabela 1. Distribuição do rebanho bovino e das fazendas criadoras nos municípios do Pantanal

Materiais e métodos

Para a confecção do trabalho foram estabelecidas questões iniciais como: qual(is) o(s)

comportamento(s) do sistema técnico da pecuária pantaneira, que vem sendo reconhecida por

um processo de reestruturação produtiva a partir da década de 1990, sendo permeada por

agentes de outras lógicas de produção e comercialização da carne bovina, reposicionando a

região do pantanal em novas estratégias de mercado? Quais as temporalidades e

especificidades de cada um dos sete municípios que compõe o Pantanal sul-matogrossense em

relação as formas de aderência e resistência ao processo de reestruturação produtiva da

pecaria? Quais as consequências e interferências para e da dimensão populacional nesse

processo, principalmente em relação à mudança na qualidade de vida, em aspectos como

renda, trabalho e educação dos envolvidos na produção pecuária? E como essa dinâmica de

transformação pode ser visualizada em termos espaciais na região.

A escolha para responder tais questões partiu da coleta de dados dos censos

agropecuários e demográficos dos municípios Aquidauana, Corumbá, Coxim, Ladário,

Miranda, Porto Murtinho e Rio Verde de Mato Grosso, que compõe a regionalização do

Pantanal, segundo o Instituto Agropecuário de Mato Grosso do Sul (IAGRO) (figura 1). As

variáveis escolhidas se pautaram em características do sistema técnico e do espaço da

pecuária e foram reduzidas àquelas passíveis de comparação entre os censos agropecuários de

1995-6 e 2005-62. Apesar da incompatibilidade de algumas variáveis entre os censos

agropecuários, foram verificados avanços e aprimoramentos nos resultados para 2005-2006.

Também foram coletadas variáveis relativas a trabalho, renda e educação para a população

rural, passiveis de comparação entre os censos demográficos de 2000 e 2010.

2 A medida que a mudança na metodologia de um censo para o outro não permitiu a comparação de algumas

variáveis para o período, aqui consideradas relevantes.

Page 4: Análise da dinâmica dos arranjos técnicos da pecuária ... Resumo: Este trabalho apresenta uma caracterização da estrutura produtiva da pecuária bovina extensiva de corte nos

Além do banco de dados elaborado a partir dos Censos, complementou-se a análise

com coletas empíricas junto à 26 estabelecimentos pecuários do município de Aquidauana,

importante produtor em Mato Grosso do Sul, realizadas no ano de 2010. As informações

nessa resolução espacial mais fina puderam orientar a reflexão sobre as diferentes trajetórias

do sistema técnico da pecuária pantaneira, dando visibilidade a dados não coletados nos

Censos, bem como, confirmar o que detectou-se nesta fonte.

Após a sistematização dos dados estatísticos e download dos shapes para indexação

espacial, disponíveis no sitio eletrônico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE), foi realizado um trabalho de montagem de banco de dados, via agrupamento dos

dados por data e tema e a confecção de mapas e gráficos de visualização utilizando o

ambiente SIG, como os programas Access e Terraview.

Resultados e discussões

Foram produzidos mapas referentes a estrutura espacial e produtiva da pecuária na região para

os anos de 1995-6 e 2005-6. A visualização dos mapas abaixo, relativos à estrutura agraria de

cada município mostra um processo de diminuição do tamanho das propriedades rurais para o

período entre década, indicando um movimento de fragmentação das antigas fazendas

pantaneiras que possuíam áreas extensas3 (ARAUJO, 2011). Outra configuração evidenciada

foi a mudança do perfil do produtor, que em 2005-6 passa a residir em outras localidades

além do próprio estabelecimento, seja no espaço urbano do município seja em outro

município. Isso indica uma trajetória de produtores que lidam com a pecuária de forma mais

empresarial, sendo muitas vezes novos proprietários que se instalam na região atraídos pela

recolocação do Pantanal no cenário da economia globalizada e vantagens locacionais como o

preço da terra, em detrimento da condição anterior do fazendeiro proprietário morador na

propriedade (ARAUJO E BICALHO, 2010). Os mapas abaixo ilustram esta situação:

3 Áreas extensas chegando a mais de 300000 ha, por exemplo.

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Figuras 2 e 3: Porcentagens por tamanho de áreas das fazendas dos municípios do Pantanal sul-

matogrossense

Figuras 4 e 5: Porcentagens por local de residência dos proprietários e numero de empregos gerados nas

fazendas dos municípios do Pantanal sul-matogrossense (2006)

Figura 6: Porcentagens dos trabalhadores em relação ao parentesco com o proprietário das fazendas dos

municípios do Pantanal sul-matogrossense (2006)

Page 6: Análise da dinâmica dos arranjos técnicos da pecuária ... Resumo: Este trabalho apresenta uma caracterização da estrutura produtiva da pecuária bovina extensiva de corte nos

Pode-se observar que para o período entre 1996 e 2006, houve um processo expressivo

de fragmentação das propriedades maiores de 1000 ha, com crescimento dos números totais

de pequenas propriedades (até 100 ha) e maiores, entre 100 e 1000 ha. Para a região analisada,

nota-se que os municípios de Porto Murtinho e Coxim não vivem este processo de forma

nítida o período, já os demais municípios, participam desse processo de transformação da

estrutura fundiária das fazendas de pecuária, com destaque para Corumbá e Ladário (figuras 2

e 3).

As figuras 4, 5 e 6 mostram o perfil da atividade em relação à residência do

proprietário, número de empregados permanentes e a relação de parentesco dos trabalhadores

com o proprietário, indicativos da lógica de trabalho das fazendas na atualidade.

Historicamente, a pecuária pantaneira foi gestada por proprietários locais que residiam no

estabelecimento ou na área urbana do município, e foi caracterizada por não gerar empregos,

pois em regime extensivo necessitava de um capataz e um ou dois peões para o manejo de

todo o rebanho. Hoje essa situação vem sendo modificada, à medida que os novos agentes

empreendedores da atividade são compostos por empresas, inclusive, não mantem

proximidade com o estabelecimento e dispõe de um corpo técnico e administrativo

especializado gerenciando a atividade. De acordo com as informações dos gráficos contidos

nos mapas, vê-se que é significativa a porção de proprietários que residem em outros

municípios, além de morarem na fazenda ou na área urbana da mesma cidade (figura 4).

Sobre a geração de empregos permanentes, observa-se na figura 5 que para municípios

como Ladário, Corumbá, Miranda e Aquidauana, mais de um terço das fazendas possuem

mais de dois empregados permanentes, o que sugere um arranjo técnico condizente com um

manejo mais intensivo e especializado, visando o aumento da produtividade da pecuária

pantaneira, incorporando profissionais como agrônomos, veterinários, zootecnistas,

engenheiros e administradores (ARAUJO, 2008). Com relação aos trabalhadores, vê-se cada

vez menos um laço familiar com a propriedade, principalmente nos municípios de maior

produção, como Aquidauana, Porto Murtinho e Rio Verde de Mato Grosso, além de Miranda

(figura 6), situação condizente com o paradigma da produção e comercialização globalizados,

mais exigente em relação a instrução e especialização técnica (ARAUJO, 2008; ARAUJO E

BICALHO, 2010).

A pesquisa empírica feita com os produtores em Aquidauana confirma essa tendência

de especialização da mão-de-obra, seja dos trabalhadores tradicionais (peões e capatazes), seja

do novo corpo técnico atuante. A tabela abaixo mostra as porcentagens para os trabalhadores

permanentes e temporários, além das mudanças percebidas para a questão. Vê-se que as

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fazendas dos três grupos produtivos detectam novas exigências e fazem uso de mais mão-de-

obra permanente.

Tabela 2. Caracterização da mão-de-obra para as fazendas analisadas no município de Aquidauana

Grupos de Fazendas

Mão-de-obra utilizada

Permanente Temporária Especializada Mudanças e particularidades nos últimos 20 anos

Tradicional

27 15

0% Sem mudanças

Mais qualificada, procuram aprender;

Mão-de-obra temporária emprestada dos

vizinhos 64% 36%

Modernizada

51 18

43%

Sem mudança

(14,5%)

Redução

(14,5%)

Acréscimo

(71%)

Mesma mão-de-obra temporária atuando

em várias fazendas de um mesmo dono;

Mão-de-obra temporária indígena;

Mais qualificada, procuram aprender

(alfabetização lingüística e digital) 74% 26%

Produtos de Qualidade

Diferenciada

77 49

100% Acréscimo

(100%)

Pesquisas;

61% 39% Apicultura;

Turismo

Fonte: trabalho de campo, 2011.

Em termos produtivos, para o intervalo de anos analisado foi evidente o aumento de

atributos como número de tratores operando na região, porcentagem da alteração das

pastagens, com diminuição dos pastos nativos e aumento percentual de pastagens exóticas,

aumento no efetivo do rebanho bovino e mudanças nos valores de investimento, receitas,

despesas e financiamento. Essa situação indica um aumento da capitalização da atividade e a

tendência de especialização produtiva, uma transformação para uma produção mais intensiva

e racionalizada.

A figura 7 mostra a evolução no efetivo de rebanhos de gado de corte para cada

município. Observa-se que somente Ladário sofreu uma diminuição do numero de animais,

Coxim e Corumbá permaneceram relativamente estáveis em efetivo de animais, já Rio Verde

de Mato Grosso, Aquidauana, Miranda e Porto Murtinho, sofreram sensível aumento dos

rebanhos. Sobre a evolução do numero de tratores observa-se uma heterogeneidade de

trajetórias, a medida que enquanto dois municípios do limite do Pantanal, Rio Verde de Mato

Grosso (NE) e Porto Murtinho (S) não alteraram seu total de numero de tratores nesses dez

anos, municípios como Aquidauana e Corumbá, os dois maiores produtores da região, tiveram

aumento no total de máquinas, enquanto que os demais municípios, Coxim, Miranda e

Ladário, tiveram redução nos números totais de tratores (figura 8).

Page 8: Análise da dinâmica dos arranjos técnicos da pecuária ... Resumo: Este trabalho apresenta uma caracterização da estrutura produtiva da pecuária bovina extensiva de corte nos

Figuras 7 e 8: Evolução para os rebanhos bovinos de corte e número de tratores das fazendas dos

municípios do Pantanal sul-matogrossense entre 1996 e 2006

Figuras 9 e 10: Evolução das pastagens naturais e plantadas das fazendas dos municípios do

Pantanal sul-matogrossense entre 1996 e 2006

Com relação à intervenção no ambiente físico-biológico do Pantanal, no que tange a

abertura de novas áreas e substituição dos pastos nativos da região por espécies exóticas mais

resistentes aos pulsos de inundação e que permitam maior produtividade da atividade, foram

analisados dados representativos da evolução da transformação das pastagens. A partir das

figuras 9 e 10 é possível perceber que na maior parte dos municípios da região houve baixa

diminuição das áreas de pasto nativo, o que pode indicar uma estabilidade do processo de

devastação das pastagens nativas pantaneiras (??referencia), exceto para os municípios mais

próximos ao planalto como Coxim e Rio Verde de Mato Grosso. Contudo, com relação a

introdução de pastagens plantadas, nota-se um aumento expressivo de áreas, com destaque

para os municípios Aquidauana e Corumbá, ambos com grandes áreas de planície de

alagamento. A razão deste fenômeno esta ligada a fragmentação das propriedades, que

permite um rearranjo do espaço produtivo.

Page 9: Análise da dinâmica dos arranjos técnicos da pecuária ... Resumo: Este trabalho apresenta uma caracterização da estrutura produtiva da pecuária bovina extensiva de corte nos

O levantamento de dados empíricos para as fazendas de Aquidauana mostra a

heterogeneidade do processo de modificação das pastagens. Este processo varia entre as

classes de produção pecuária, demonstrando diferenças de inter-relação com o ambiente

pantaneiro, que incorpora empreendimentos de logica moderna, investidores na substituição

de pastagens nativas, via introdução de espécies menos vulneráveis e mais produtivas; como

empreendedores que veem no pasto nativo vantagens estratégicas, relacionadas ao baixo custo

de manejo e qualidade nutricional dos animais4. A tabela abaixo mostra as diferenças

temporais e em volume para as fazendas que optaram pela substituição de pastos nativos,

comprovando o dinamismo espaço-temporal do sistema técnico.

Tabela 3. Variabilidade entre as fazendas para introdução de pastagens plantadas - Aquidauana

Grupos de Fazendas

Período da Introdução de Pastagens Plantadas

Antes de 1990 Entre 1990 – 2000 Após 2000 Sem Adesão

Pasto Plantado

Fazendas (%)

Pasto Plantado

Fazendas (%)

Pasto Plantado

Fazendas (%)

Pasto Nativo

Fazendas (%)

Tradicional 12,5% 37,5% 62,5% 37,5%

Modernizado 17,0% 67,0% 100,0% 0,0%

Produtos de Qualidade

Diferenciada 0% 100,0% 0% 0%

Fonte: trabalho de campo, 2011.

Na intensão de complementar a análise deste trabalho, foram utilizadas variáveis nos

censos demográficos de 2000 e 2010 para a população rural dos sete municípios. O objetivo

foi confrontar e articular as informações verificando uma possível alteração da qualidade de

vida desses indivíduos. A partir dos gráficos abaixo, observa-se que de forma geral houve o

aumento de número de domicílios rurais no Pantanal sul-matogrossense, com destaque para

Miranda, Aquidauana e Corumbá, em detrimento da diminuição de domicílios rurais em

Ladário, reforçando a tendência de migração para o urbano do município e de Corumbá,

cidade-gêmea (gráfico 1). o levantamento de numero de moradores por domicilio no espaço

rural da região, mostrado no gráfico 2, indica diminuição para a maioria dos municípios, onde

somente Porto Murtinho viveu um aumento de moradores por estabelecimentos rurais.

4 Dentro das especificidades de tipos de produtores da região, foi seguida a divisão de trabalho anterior

(ARAUJO, 2011) que identificou 3 grupos de sistema de produção da pecuária pantaneira: vertente tradicional,

vertente modernizada e vertente de qualidade diferenciada, que pode ser subdividia entre produtores articulados

mercado de luxo (Coby beef e Novilho precoce) e outros articulados ao mercado “sustentável”(carne orgânica e

“boi verde”). Nesse contexto, os diferentes agentes percebem o ambiente de forma diferencia, seja priorizando

pastagens exóticas, ou tendo sua produção vinculada ao ambiente orgânico do Pantanal.

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Gráficos 1 e 2: Número de domicílios e moradores por domicilio das populações rurais dos municípios do

Pantanal sul-matogrossense entre os anos 2000 e 2010

Percebe-se um aumento médio em muitos dos municípios no que tange a alfabetização

dos moradores (gráfico 3), indicando um possível avanço em termos de instrução da

população rural, contudo o município de Ladário apresentou diminuição do total de

responsáveis por domicílios alfabetizados ao longo da década. Isso se deve a tendência de

êxodo rural do município e intensificação da dinâmica inter-urbana com a cidade conurbada

Corumba, que atrai a população da cidade vizinha. Complementando os dados do gráfico, dos

Censos Demográficos, como os dados agropecuários expostos no mapa abaixo (figura 11),

nota-se que de forma geral a situação dos atores da pecuária evolui para um aumento de

escolaridade. Para todos os municípios, apesar do alto grau de indivíduos com níveis de

alfabetização, ensino fundamental incompleto, alguns municípios já mostram uma população

de proprietários rurais com ensino superior completo, principalmente para os municípios de

Aquidauana, Miranda, Porto Murtinho e Rio Verde de Mato Grosso.

Gráfico 3: Número de responsáveis por domicílios

rurais alfabetizados nos municípios do Pantanal sul-

matogrossense entre os anos 2000 e 2010

Figura 11: Porcentagem de proprietários das

fazendas de pecuária da região por grau de

instrução (2006)

0.00

500.00

1000.00

1500.00

2000.00

2500.00

3000.00

3500.00

2000 2010

Nu

me

ro d

e D

om

icili

os

Domicílios Particulares Permanentes

AQUIDAUANA

CORUMBA

COXIM

LADARIO

MIRANDA

PORTOMURTINHORIO VERDE 0.00

2000.00

4000.00

6000.00

8000.00

10000.00

12000.00

2000 2010

Mo

rad

ore

s

Moradores

AQUIDAUANA

CORUMBÁ

COXUM

LADÁRIO

MIRANDA

PORTOMURTINHORIO VERDE

0.00

500.00

1000.00

1500.00

2000.00

2500.00

2000 2010

Re

sid

en

cias

Responsáveis Alfabetizados

AQUIDAUANA

CORUMBÁ

COXIM

LADÁRIO

MIRANDA

PORTOMURTINHO

RIO VERDE

Page 11: Análise da dinâmica dos arranjos técnicos da pecuária ... Resumo: Este trabalho apresenta uma caracterização da estrutura produtiva da pecuária bovina extensiva de corte nos

Com relação a renda da população rural, nota-se um expressivo crescimento nos totais

de responsáveis com renda de até meio salário mínimo, com destaque para os municípios de

Miranda, Corumbá e Aquidauana (gráfico 4). Para as parcelas de renda entre 1e 2 salários

mínimos, nota-se uma certa diminuição dos totais de responsáveis por município, exceto nos

municípios de Coxim e Porto Murtinho, que viveram aumento para a década (gráfico 5).

Quanto às parcelas mais elevadas de renda, entre 3 a 5 salários, nota-se uma diminuição

substancial dos moradores nesta faixa salarial em 2006 em toda região, o que indica um

deslocamento da renda rural para o urbano, com destaque para Miranda, Corumbá e

Aquidauana (gráfico 6).

Gráfico 4, 5 e 6: Renda dos responsáveis das residências rurais para os municípios do Pantanal entre

2000 e 2010

Ressalta-se o nível de generalização dos censos agropecuários que ao trabalhar em

escala municipal não permite a indexação espacial de áreas diferenciadas e especificas como

no caso desses municípios e suas diferenciações em áreas de planície alagável e planalto.

Porem, a comparação entre os anos e a visualização do comportamento de cada município

permitiu a analise da dinâmica sócio- espacial promovida pela produção pecuária,

0.00

50.00

100.00

150.00

200.00

250.00

300.00

350.00

400.00

2000 2010

Nu

me

ro d

e P

ess

oas

Renda do Responsável - até 1/2 salário mínimo

AQUIDAUANA

CORUMBÁ

COXIM

LADÁRIO

MIRANDA

PORTOMURTINHORIO VERDE 0.00

200.00

400.00

600.00

800.00

1000.00

2000 2010

Nu

me

ro d

e P

ess

oas

Renda do Responsável - De 1 a 2 salários mínimos

AQUIDAUANA

CORUMBÁ

COXIM

LADARIO

MIRANDA

PORTOMURTINHORIO VERDE

0.00

20.00

40.00

60.00

80.00

100.00

120.00

140.00

160.00

2000 2010

Nu

me

ro d

e P

ess

oas

Renda do Responsável - De 3 a 5 salários mínimos

AQUIDAUANA

CORUMBÁ

COXIM

LADÁRIO

MIRANDA

PORTOMURTINHO

RIO VERDE

Page 12: Análise da dinâmica dos arranjos técnicos da pecuária ... Resumo: Este trabalho apresenta uma caracterização da estrutura produtiva da pecuária bovina extensiva de corte nos

identificando as particularidades de cada município da região do Pantanal sul-matogrossense

dentro do processo de reestruturação produtiva capitalista, que sob a égide da globalização

vem transformando as diferentes localidades (ARAUJO, 2008)

Conclusão

O trabalho de especializar os dados econômicos e sociais do espaço da pecuária no Pantanal

de Mato Grosso do Sul possibilitou a análise da dinâmica que a região vem passando em

termos de reestruturação produtiva característica da globalização, onde novos sistemas de

ações e de objetos criam novos territórios, estabelecendo uma situação de multi-

territorialidade num mesmo espaço geográfico (SANTOS, 2004; HAESBAERT, 2007).

Foi possível observar a evolução da região em questões como o aumento técnico e

financeiro nas áreas produtivas e um processo de fragmentação das antigas propriedades

pantaneiras, historicamente extensas ao longo de dez anos. Em relação aos aspectos de renda,

trabalho e educação, foi possível especializar a dinâmica dos sete municípios, que mostraram

diferenças entre si e uma tendência modernização seletiva e excludente, dada a necessidade de

capacitação e especialização dos trabalhadores, para estes se manterem inseridos na estrutura

econômica de uma nova pecuária, e a queda nos níveis de renda no espaço rural de todos os

municípios ao longo da década analisada.

Vale destacar a insuficiência da fonte de dados utilizada, os censos agropecuários de

1995-6 e 2005-6 e censos demográficos de 2000 e 2010 para o presente tema. Considerando a

variabilidade intra-municipal tantos em termos ambientais quanto produtivos econômicos

(ARAUJO, 2011; ARAUJO E BICALHO, 2010), é necessário o uso de dados mais

específicos em escala local, em termos de propriedades, como o Cadastro Rural do INCRA,

por exemplo, que possibilita a coleta de variáveis mais específicas para a dinâmica produtiva

pantaneira dentro de cada sub-área do Pantanal. Outra base complementar é o levantamento

de campo, com entrevistas aos produtores.

Contudo a pesquisa se mostrou relevante e subsidia reflexões em torno da dinâmica da

pecuária pantaneira, que demonstra rupturas e permanências, e uma temporalidade própria e

múltipla.

Referencias bibliográficas

ARAUJO, Ana P. C. Pantanal: um espaço em transformação. PPGG/UFRJ, Rio de Janeiro,

2006. (Tese de doutorado)

ARAUJO, Ana Gabriela de J. A pecuária no Pantanal: novas tendências no processo de

Page 13: Análise da dinâmica dos arranjos técnicos da pecuária ... Resumo: Este trabalho apresenta uma caracterização da estrutura produtiva da pecuária bovina extensiva de corte nos

produção de Aquidauana, Mato Grosso do Sul. PPGG/UFRJ, Rio de Janeiro, 2011.

(Dissertação de mestrado)

ARAUJO, A. P. BICALHO, A.M.M. S. O rural em movimento: a pecuária nas

transformações espaciais do Pantanal. CAMPO Grande: Ed. UFMS, 2010.

HAESBAERT, R. Território e Multiterritorialidade – um debate. In: GEOgraphia. Niterói:

PósGeo/UFF, 2007. n. 17

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo

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INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo

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Demográfico 2010. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: ago/2013

SANTOS, M. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. São Paulo:

HUCITEC, 2002.

TerraView 4.1.0. São José dos Campos, SP: INPE, 2010. Disponível em:

www.dpi.inpe.br/terraview. Acesso em: jul/2012.

ANEXO 1

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ANEXO 2

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