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Análise Computacional da Dinâmica de Fluidos em um Biorreator com Rotor de Pás e uma Placa de Agitação Orbital para Cultura de Organoides Iasmin Louzada Herzog Projeto de Graduação apresentado ao Curso de Engenharia Mecânica da Escola Politécnica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Engenheiro. Coorientador: Nilton Pereira da Silva. Orientador: Helcio Rangel Barreto Orlande. Rio de Janeiro Abril de 2019

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Análise Computacional da Dinâmica de Fluidos em um

Biorreator com Rotor de Pás e uma Placa de Agitação Orbital

para Cultura de Organoides

Iasmin Louzada Herzog

Projeto de Graduação apresentado ao

Curso de Engenharia Mecânica da Escola

Politécnica, Universidade Federal do Rio

de Janeiro, como parte dos requisitos

necessários à obtenção do título de

Engenheiro.

Coorientador: Nilton Pereira da Silva.

Orientador: Helcio Rangel Barreto

Orlande.

Rio de Janeiro

Abril de 2019

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HERZOG, Iasmin Louzada

Análise Computacional da Dinâmica de Fluidos em um

Biorreator com Rotor de Pás e uma Placa de Agitação Orbital para

Cultura de Organoides / Iasmin Louzada Herzog – Rio de Janeiro:

UFRJ / Escola Politécnica, 2019.

VI, 47 p.: il.; 29,7 cm.

Orientador: Helcio Rangel Barreto Orlande

Projeto de Graduação – UFRJ/ Escola Politécnica/ Curso de

Engenharia Mecânica, 2019.

Referências Bibliográficas: p. 56-58.

1. Introdução. 2. Revisão Bibliográfica. 3. Problema físico,

formulação matemática e método de solução. 4. Resultados e

discussões. 5. Conclusões. 6. Referências.

I. Orlande, Helcio Rangel Barreto. II. Universidade Federal

do Rio de Janeiro, Escola Politécnica, Curso de Engenharia

Mecânica. III. Análise Computacional da Dinâmica de Fluidos em

um Biorreator com Rotor de Pás e uma Placa de Agitação Orbital

para Cultura de Organoides.

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Agradecimentos

Eu gostaria de agradecer, antes de quaisquer outras pessoas, aos meus pais, que

possibilitaram a minha trajetória, oferecendo as condições e as ferramentas necessárias

para o meu desenvolvimento pessoal e acadêmico, não apenas ao longo dos anos de

graduação, mas durante toda a vida. Obrigada pelo amor, pelo apoio e pela segurança.

Por reconhecer meus esforços, valorizar as minhas vitórias e sempre acreditar na minha

capacidade. Obrigada também aos meus avós, pelo amor incondicional, pelo carinho e

pela compreensão. Obrigada aos meus irmãos e primos, que cresceram e estão crescendo

junto comigo. E obrigada à Conceição, por cuidar de mim, por ouvir minhas histórias e

por fazer parte da minha vida. Eu amo muito vocês.

Agradeço ao meu orientador Helcio, por participar do meu caminho na Engenharia

Mecânica. Por ser uma inspiração como engenheiro, como pesquisador, como professor

e como orientador. Obrigada por todos os ensinamentos, pela orientação, pelas

oportunidades, pela valorização e por me receber de braços abertos em seu laboratório. E

agradeço ao meu coorientador Nilton, pela orientação que foi muito além do conteúdo do

trabalho, pelos conselhos de vida, por compartilhar sua experiência da forma mais

acolhedora possível e pela amizade. Vocês são exemplos.

Obrigada aos amigos e companheiros que fiz no LTTC, pelas conversas, pelas ajudas,

pelas trocas de experiência e por fazer deste laboratório um lugar acolhedor, onde as

pessoas crescem juntas: Milena, Paula, Rafael, Daniel, Lucas, Raphael, Henrique, Bruno,

Evanise, Luciana M., Bruna, Ingrid, Bernard, Felipe S., Felipe Y., Inoussa, Mohsen,

Luciana J., Julio, Paulo V., Paulo S., Elias, Luiz, Gabriel e Elton.

Obrigada à minha namorada Gabriele pelas conversas, pelo apoio, pela compreensão e

por tornar tudo mais fácil, mais leve e melhor. E obrigada aos amigos da vida, que são

parte de quem eu sou: Kelly, Jenifer, Carol, Paloma, Enzo, Sophia e todos com quem

compartilhei momentos, ideias, sonhos, sorrisos.

Obrigada aos professores e funcionários da UFRJ e, em particular, aos da Engenharia

Mecânica, que tanto me ensinaram e colaboraram para minha formação, e às organizações

estudantis que tornaram essa vivência mais fácil e mais rica: o CAEng e o nosso coletivo

de mulheres ComCiência Feminina.

Obrigada à Livia Goto, Nadia Ayad e sua equipe no Instituto D’Or, pela motivação deste

trabalho. E à CNPq, pelo apoio financeiro ao longo do seu desenvolvimento.

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Resumo do Projeto de Graduação apresentado à Escola Politécnica/UFRJ como parte dos

requisitos necessários para a obtenção do grau de Engenheiro Mecânico.

Análise Computacional da Dinâmica de Fluidos em um Biorreator com Rotor de Pás e

uma Placa de Agitação Orbital para Cultura de Organoides

Iasmin Louzada Herzog

Abril/2019

Orientador: Helcio Rangel Barreto Orlande

Curso: Engenharia Mecânica

O conhecimento e o controle da hidrodinâmica em um sistema de cultura de organoides

cerebrais, estruturas criadas in vitro para modelar cérebros humanos, podem ser utilizados

para garantir um ambiente favorável para o desenvolvimento destes agregados celulares.

Isso se dá principalmente pois ambientes com tensões de cisalhamento elevadas são

agressivos para o desenvolvimento de organoides. Neste trabalho, foi estudada a dinâmica

de fluidos em dois sistemas de cultura de suspensão por agitação: um biorreator com rotor

de pás e um agitador que realiza movimento circular horizontal. As simulações

computacionais foram desenvolvidas com uso de um programa comercial que faz uso do

método dos elementos finitos. Os resultados mostraram que a agitação orbital tem maior

potencial para homogeneizar o meio de cultura e manter os agregados em suspensão, sem

criar tensões de cisalhamento agressivas para as células em cultura.

Palavras-chave: Dinâmica de fluidos, Método dos elementos finitos, Biorreator, Placa de

Agitação Orbital, Organoides, CFD.

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Abstract of Undergraduate Project presented to POLI/UFRJ as a partial fulfillment of the

requirements for the degree of Mechanical Engineer

Computational Analysis of Fluid Dynamics in a Blade Rotor Bioreactor and an Orbital

Agitation Plate for Organoid Culture

Iasmin Louzada Herzog

April/2019

Adivisor: Helcio Rangel BarretoOrlande

Course: Mechanical Engineering

The understanding and control of the hydrodynamics conditions in a suspension culture

system for cerebral organoids is a great tool to provide the necessary conditions to the

successful development of these cell aggregates. Cerebral organoids are human brain

models created in vitro. In this work, the characteristics of the flow were analysed in two

agitated systems: a blade rotor biorreator and an horizontal circular movement agitator.

Computational simulations were developed in a Finite Elements Method software.

Results showed that the orbital agitation system has greater potential to homogenize the

culture medium and to keep the aggregates in suspension without creating aggressive

shear stresses, what can cause damage for the cells in culture.

Keywords: Fluid Dynamics, Finite Elements Method, Biorreactor, Orbital shaker,

Organoids, CFD.

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Sumário

Lista de Símbolos ______________________________________________________________________________ vi

Lista de Abreviaturas ________________________________________________________________________ vii

Capítulo 1: Introdução _______________________________________________________________________ 8

Capítulo 2: Revisão Bibliográfica __________________________________________________________ 10

2.1. A cultura de organoides _________________________________________________________________ 10

2.2. Cultura de suspensão por agitação mecânica _________________________________________ 11

2.3. Biorreator SpinΩ ________________________________________________________________________ 15

2.4. Placas de agitação orbital _______________________________________________________________ 17

2.5. Motivação e objetivo do trabalho ______________________________________________________ 20

Capítulo 3: Problema físico, formulação matemática e método de solução ___________ 22

3.1. Problema Físico __________________________________________________________________________ 22

3.2 Propriedades do fluido de cultura ______________________________________________________ 24

3.3. Problema Isotérmico (SpinΩ) __________________________________________________________ 24

3.4. Formulação Matemática ________________________________________________________________ 26

3.4.1 Agitador Orbital _______________________________________________________________________________ 26 3.4.2. Spin Ω __________________________________________________________________________________________ 27 3.4.3. Taxa de Deformação e Tensão de Cisalhamento____________________________________________ 28

3.5 Método de Solução _______________________________________________________________________ 29

3.6. Tabelas de Parâmetros do Problema __________________________________________________ 31

Capítulo 4: Resultados e discussões _______________________________________________________ 33

4.1. Análise de malhas _______________________________________________________________________ 33

4.2. Validação da solução ____________________________________________________________________ 37

4.3. Convergência Temporal (Agitador Orbital) __________________________________________ 39

4.4. Resultados - Biorreator SpinΩ _________________________________________________________ 41

4.5. Resultados - Placa de Agitação Orbital ________________________________________________ 45

Capítulo 5: Conclusões ______________________________________________________________________ 54

Capítulo 6: Referências _____________________________________________________________________ 56

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Lista de Símbolos

Símbolos Latinos

g gravidade

Rg raio do movimento circular do agitador orbital

p pressão

Pk produção de energia cinética

T período do movimento circular da placa de agitação orbital

t tempo

u velocidade do fluido

ux componente da velocidade na direção x

uy componente da velocidade na direção y

uz componente da velocidade na direção z

upoço velocidade das paredes do poço (condição de contorno)

x coordenada cartesiana

y coordenada cartesiana

z coordenada cartesiana (vertical)

Símbolos Gregos

γ̇ taxa de deformação do tensor de tensões

ε taxa de dissipação turbulenta

κ energia cinética turbulenta

μ viscosidade dinâmica do fluido

μT viscosidade turbulenta

ρ massa específica do fluido

τ tensão de cisalhamento

τij tensor de tensões viscosas

ω dissipação de energia por unidade de volume

Ω velocidade de rotação do rotor do biorreator SpinΩ

Θ velocidade angular do movimento do agitador orbital

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Lista de Abreviaturas

CFD Dinâmica de Fluidos Computacional (Computational

Fluid Dynamics)

EB Corpos Embrioides (Embryoid Body)

ESCs Células-Tronco Embrionárias (Embryonic Stem Cells)

FEM Método dos Elementos Finitos (Finite Elements Method)

HARV Vaso de Rotação de Alto Aspecto (High Aspect Rotating

Vessel)

hESCs Células-Tronco Embrionárias Humanas (Human

Embryonic Stem Cells)

hiPSCs Células-Tronco Humanas de Pluripotência Induzida

(Human Induced Pluripotent Stem Cells)

hPSCs Células-Tronco Pluripotentes Humanas (Human

Pluripotent Stem Cells)

IRWV Vaso Integrado com Paredes Rotativas (Integrated

Rotating-Wall Vessel)

PIV Velocimetria por Imagem de Partícula (Particle Image

Velocimetry)

RANS Equações de Navier-Stokes com Médias de Reynolds

(Reynolds-Avereged Navier-Stokes)

STLV Vaso de Paredes Rotativas Lentas (Slow-Turning Lateral

Vessel)

SST Modelo de Turbulência de Transporte de Tensão de

Cisalhamento (Shear Stress Transport)

ZIKV Zika Vírus

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Capítulo 1: Introdução

Um dos objetivos dos muitos estudos envolvendo culturas de células-tronco nos últimos

anos é o desenvolvimento de tecnologias robustas e acessíveis para a formação de estruturas

teciduais, chamadas organoides. Organoides são agregados celulares que se assemelham a

órgãos ou partes de órgãos humanos. São gerados in vitro, a partir de células-tronco, com o

objetivo de modelar o desenvolvimento de algum órgão específico. Por definição, um

organoide deve conter diferentes tipos de células do órgão que deve modelar. Além disso, deve

reproduzir alguma função específica deste órgão. E, por último, as células devem ser

organizadas de forma semelhante ao próprio órgão.

As contribuições de organoides bem desenvolvidos nas pesquisas biomédicas são

diversas e sua promessa terapêutica talvez seja a área com maior potencial. A partir de células-

tronco derivadas de pacientes ou introduzindo mutações em células saudáveis, é possível

reproduzir e estudar mecanismos de doenças, como distúrbios do desenvolvimento, condições

degenerativas e câncer. Além disso, os organoides podem ser usados como um sistema

alternativo para testar a eficácia e a toxicidade de medicamentos. Se bem sucedida, esta

abordagem poderia até mesmo reduzir a realização de testes em animais, que frequentemente

não reproduzem processos biológicos específicos dos tecidos humanos. Finalmente, como estes

tecidos podem ser gerados a partir de células de pacientes, essa tecnologia pode fornecer uma

estratégia alternativa de substituição celular e de órgãos, não apresentando os problemas de

imunocompetência e rejeição associados aos tratamentos atuais de transplantes de órgãos.

Apesar das grandes expectativas a respeito de suas diversas aplicações, este recente

campo de pesquisa ainda apresenta algumas dificuldades, em particular quando se trata da

distribuição inadequada de oxigênio e nutrientes no meio de cultura, o que compromete a

maturação das células. Têm sido utilizados, portanto, sistemas de cultura de suspensão por

agitação mecânica. Nestes sistemas, a agitação mantém os agregados celulares em suspensão

e distribuídos no meio de cultura, desta forma é possível prover nutrientes e oxigênio

adequadamente às células em cultura. As forças de agitação, no entanto, podem gerar tensões

de cisalhamento elevadas no fluido de cultura, sendo estas condições prejudiciais à agregação

e à montagem dos tecidos. Condições de cultura com altas tensões de cisalhamento já foram

relatadas como causa de dano e até mesmo morte celular. É necessário, portanto, que o sistema

de cultura seja capaz de induzir movimento ao fluido, de forma a produzir um ambiente de boa

mistura, sem que sejam geradas tensões de cisalhamento agressivas para os agregados.

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Devido a importância da hidrodinâmica do meio de cultura para o desenvolvimento das

células, simulações computacionais de dinâmica de fluidos (Computational Fluid Dynamics -

CFD) têm sido empregadas, para maior compreensão das condições de cultura em diferentes

sistemas. CFD é uma ferramenta poderosa que pode ser utilizada para otimizar os parâmetros

operacionais e geométricos que influenciam o escoamento e até mesmo os procedimentos

experimentais.

Neste trabalho, foi realizada uma análise computacional de dinâmica de fluidos em dois

sistemas de cultura de suspensão por agitação mecânica, de custo muito reduzido, em

comparação com outros já implementados. Os sistemas estudados são um biorreator com rotor

de pás (SpinΩ), em que o fluido de cultura é movimentado pela rotação a 60 rpm deste rotor;

e uma placa de agitação orbital, equipamento que movimenta o fluido externamente, realizando

movimento circular a 90 rpm, em um plano horizontal. O objetivo é utilizar o conhecimento

das características dos escoamentos para comparar a capacidade dos dois sistemas de produzir

as condições necessárias ao desenvolvimento dos organoides. Para isso, foram calculados para

cada caso o campo de velocidade e a distribuição da tensão de cisalhamento no fluido de

cultura, pelo método dos elementos finitos. As simulações computacionais foram

desenvolvidas com uso do programa comercial COMSOL Multiphysics®, disponibilizado no

Laboratório de Transmissão e Tecnologia do Calor (LTTC), da COPPE.

Os resultados aqui obtidos foram também reportados em GOTO et al. (2019), onde

foram utilizados para auxiliar na compreensão e análise dos resultados biológicos obtidos na

comparação dos dois sistemas de agitação.

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Capítulo 2: Revisão Bibliográfica

2.1. A cultura de organoides

Os organoides são gerados in vitro, a partir da cultura de células-tronco pluripotentes

humanas (human pluripotent stem cells – hPSCs), sejam estas embrionárias ou induzidas. As

células-tronco embrionárias (human embryonic stem cells – hESCs) são células-tronco nos

estágios iniciais do seu desenvolvimento e são capazes de se diferenciar em qualquer tecido do

corpo. Esta grande capacidade de diferenciação é denominada pluripotência. As células tronco

de pluripotência induzida (human induced pluripotent stem cells – hiPSCs) são derivadas de

pacientes e tratadas em laboratório para que voltem ao estágio inicial de células-tronco

embrionárias, quando recuperam seu estado pluripotente, ou seja, sua capacidade de

diferenciação. Devido ao grande potencial de diferenciação das hPSCs, já foi possível formar

organoides específicos para diversos órgãos, como por exemplo, organoides intestinais, renais,

cerebrais e retinianos, assim como tecidos semelhantes a organoides do fígado.

(LANCASTER, KNOBLICH, 2014b).

Com relação ao procedimento experimental, LANCASTER e KNOBLICH (2014a)

fizeram uma grande contribuição ao estabelecer um protocolo padrão para a cultura de

organoides cerebrais a partir de hPSCs. Seu protocolo prevê uma fase inicial estática, em que

as hPSCs formam agregados tridimensionais de células-tronco, que se auto organizam para

formar tecidos, os chamados corpos embrióides (embryoid bodies – Ebs). Ao longo de 15 dias,

os agregados são alimentados e monitorados, em meios aquosos enriquecidos com substâncias

que induzem o desenvolvimento de características específicas do cérebro. No décimo quinto

dia, estes agregados são transferidos para um biorreator rotativo ou placas de agitação orbital,

onde permanecem em cultura de suspensão dinâmica por mais 15 dias e se tornam estruturas

complexas e semelhantes ao cérebro humano, os chamados organoides cerebrais ou mini-

cérebros.

Como comentado anteriormente, a mistura de nutrientes é uma das principais

dificuldades quando se trata de culturas in vitro. Em culturas estáticas convencionais, o

desenvolvimento das células é prejudicado principalmente pela distribuição heterogênea de

oxigênio e nutrientes. Esses gradiente de concentração já foram relacionados com o início da

diferenciação das células-tronco em tecidos específicos, ou seja, à perda do potencial

pluripotente da célula (KEHOE et al., 2010). Além da pluripotência, outro pré-requisito para a

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aplicação do potencial terapêutico das células-tronco é a manutenção da sua capacidade

proliferativa, já que o número de células utilizadas em protocolos de terapia celular está na

faixa de dezenas de milhões. Essas produções em larga escala costumam ser alcançadas com

uso de biorreatores (KEHOE et al., 2010). Por essas razões, os organoides têm sido

frequentemente cultivados em biorreatores rotativos e outros sistemas de cultura de suspensão

por agitação mecânica.

Nesses sistemas, é possível criar um ambiente homogêneo, para que todas as células

em cultura sejam expostas a um meio com a mesma composição, além de manter os agregados

suspensos e bem distribuídos no meio de cultura. Nestas condições controladas, é possível

prover oxigenação e abastecimento nutricional adequados, garantindo o crescimento

homogêneo, a proliferação e a agregação tridimensional das hESCs para formação de tecidos,

além de mantê-las indiferenciadas. No caso de organoides cerebrais, por exemplo, a agitação

mecânica permitiu a formação de estruturas mais complexas e que se assemelham melhor ao

cérebro humano, do que quando formados na cultura estática.

No entanto, para obtenção desses resultados, é preciso que a agitação não crie um

ambiente agressivo para as células em cultura. A forças de agitação podem gerar tensões de

cisalhamento elevadas no fluido de cultura, condições apontadas em diversos estudos como

causa de dano celular e fator prejudicial à agregação tridimensional e à montagem dos tecidos.

Muitos estudos têm relatado o impacto de diferentes condições de agitação no desenvolvimento

das células em cultura, alguns deles serão abordados nas próximas seções.

A magnitude das tensões de cisalhamento depende, não somente das taxas de agitação,

mas das características geométricas do reator, do volume de fluido utilizado e de suas

propriedades (viscosidade e massa específica). A compreensão e o controle da hidrodinâmica

local pode auxiliar na otimização desses parâmetros e dos procedimentos experimentais, assim

como na interpretação dos resultados biológicos. Por essa razão, além dos estudos

experimentais, análises computacionais da dinâmica de fluidos em biorreatores para cultura de

células têm sido cada vez mais utilizadas, com o objetivo de desenvolver sistemas que ofereçam

condições de cultura favoráveis e atendam às demandas de produção.

2.2. Cultura de suspensão por agitação mecânica

O biorreator SpinΩ estudado neste trabalho foi inspirado por um frasco de paredes

giratórias (integrated rotating-wall vessel – IRWV). O IRWV consiste em um cilindro

posicionado horizontalmente, composto por três eixos horizontais independentes de rotação (a

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parede do frasco, uma palheta rotativa e um filtro de rotação), cujos movimentos induzem

níveis mínimos de tensão de cisalhamento e turbulência no fluido de cultura (figura 2.1.a). Esta

foi uma tentativa de reproduzir o ambiente gerado em reatores de grande volume, onde as

células em cultura exibem menos danos. Em comparação com o volume destes reatores, o peso

das células é muito pequeno, o que gera uma condição supostamente análoga ao ambiente de

microgravidade. Portanto, o IRWV foi projetado com o objetivo de reproduzir essas condições.

O IRWV foi utilizado por GOODWIN et al. (1993), para estudar a influência de

diferentes condições de cisalhamento no crescimento e na montagem tridimensional de células

de rim de hamster bebê. As células foram mantidas em 500 ml de fluido de cultura, sob tensões

de cisalhamento calculadas (0,051Pa e 0,092Pa) e controladas pelo posicionamento relativo e

as velocidades de rotação da palheta e da parede do vaso. Os resultados mostraram que as

células expostas a tensões de 0,051Pa formaram agregados maiores e apresentaram maior

proliferação, atingindo um número máximo muito superior ao obtido na condição de

cisalhamento mais alto. Além disso, a 0,092Pa, micrografias obtidas com um microscópio

eletrônico de varredura mostraram danos à montagem tridimensional de tecidos e o

monitoramento da atividade enzimática das células indicou esforços de reparo. Em resumo, a

taxa mais alta de cisalhamento prejudicou o crescimento, a proliferação e causou morte celular.

Enquanto isso, as condições de cultura sob tensões de cisalhamento extremamente baixa,

simulando aspectos da microgravidade, promoveram um ambiente favorável no qual as células

puderam dedicar energia a aspectos estruturais e funcionais da montagem de tecidos.

Os primeiros relatos de cultura de suspensão de ESCs humanas (hESCs) foram os

experimentos de GERECHT-NIR et al. (2004), também com o uso de dois biorreatores que

simulam condições de microgravidade e geram tensões de cisalhamento muito baixas. Os

resultados foram comparados com a cultura estática em placas de Petri. O STLV (slow-turning

lateral vessel) e o HARV (high aspect rotating vessel), também projetados pela NASA, são

vasos que realizam baixa rotação horizontal, onde o escoamento é laminar. De acordo com os

resultados, o STLV oferece melhores condições de cultura. Em ambos os sistemas, as células

formaram agregados maiores que na cultura estática e formaram estruturas complexas, tendo

gerado tecidos das três camadas germinativas (ectoderme, mesoderme e endoderme),

característica inicial do desenvolvimento celular humano in vivo. No entanto, foi observado

crescimento mais homogêneo no STLV, ao passo que, no HARV, foram observadas alguns

agregados maiores (de até 400 μm de diâmetro) com grandes áreas de morte celular em seu

interior. Este resultado foi interpretado como consequência da geometria dos biorreatores. A

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menor razão entre diâmetro e comprimento do STLV controla o crescimento excessivo dos

agregados, pois causa mais colisões com as paredes.

O dano observado no interior dos agregados de maior dimensão pode ser associado à

dificuldade de oxigenação nestas regiões. Segundo HOEBEN et al. (2004), o limite de difusão

de oxigênio nos tecidos humanos é de 100 a 200 μm, de forma que a formação de agregados

superdimensionados dificulta o transporte de nutrientes e oxigênio para o seu interior. Portanto,

é desejável que o sistema de cultura controle o crescimento dos agregados dentro de um limite

crítico.

O desenvolvimento de hESCs em placas de Petri e no STLV (condições de

cisalhamento desprezível) foi estudado também por YIERME et al. (2008) e comparados com

a cultura em duas condições de maior agitação: um biorreator com rotor em forma de bola de

vidro e frascos de Erlenmeyer em um agitador orbital, ambos com 55 ml de fluido. Os dois

sistemas agitados apresentaram crescimento controlado e homogêneo. No entanto, o biorreator

com rotor esférico apresentou os melhores resultados. Os agregados apresentaram melhor

desenvolvimento, tendo atingido a maior concentração de células viáveis e a maior taxa de

crescimento, além da expressão dos genes representativos das três camadas germinativas, o que

indica que eventos iniciais do desenvolvimento humano não foram afetados pelas condições

de cultura. Embora estudos anteriores tenham mostrado que altas tensões de cisalhamento

podem ser prejudiciais para as células em cultura, estes estudos mostraram que um ambiente

com baixo cisalhamento pode controlar o crescimento excessivo e aglomeração dos agregados.

A cultura de suspensão em um biorreator com rotor em forma de bola de vidro foi

estudada também por WANG et al. (2013). Duas linhas de células-tronco humanas de

pluripotência induzida (hiPSCs) foram cultivadas em 100 ml de fluido, sob três condições de

agitação, geradas por diferentes velocidades de rotação (40 rpm, 60 rpm e 75 rpm). Os

resultados experimentais apontaram a velocidade de rotação de 60 rpm como a condição ótima.

Nestas condições, as hiPSCs apresentaram maior proliferação e crescimento mais homogêneo.

A 40 rpm, foram formados agregados maiores e aglomeração destes agregados, chegando a

dimensões de 800 μm, o que reduziu seu potencial de proliferação, devido à má oxigenação. A

75 rpm, a viabilidade das células foi comprometida. Além disso, a expressão de indicadores de

estados não diferenciados mostraram que as hiPSCs permaneceram pluripotentes.

WANG et al. (2013) também realizaram simulações computacionais da dinâmica de

fluidos, nas mesmas condições dos experimentos, com o programa COMSOL Multiphysics®

3.5, para calcular os campos de velocidade e tensão de cisalhamento. O problema foi descrito

pela equação de Navier Stokes para fluidos incompressíveis em regime permanente. Os efeitos

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da gravidade foram considerados desprezíveis em comparação com as forças de agitação, o

fluido foi modelado com as propriedades da água a 37°C e, por simplicidade, o tamanho dos

agregados celulares foi desprezado. Algumas destas hipóteses foram utilizadas no presente

trabalho. Os resultados numéricos de WANG et al. (2013) mostraram um regime

completamente desenvolvido, sem mistura inadequada ou turbulência excessiva. Os maiores

números de Reynolds foram calculados na região próxima ao pêndulo e indicaram escoamento

laminar, nos casos de velocidades de rotação mais baixas, e regime de transição, sob altas

rotações. No entanto, mesmo com início da turbulência causada pela rotação mais elevada, as

tensões de cisalhamento calculadas ainda são menores do que as obtidas em estudos com outros

tipos de rotor. O uso da dinâmica de fluidos computacional no estudo de WANG et al. (2013),

permitiu melhor conhecimento do efeito da velocidade de rotação na hidrodinâmica. Associada

às análises dos resultados biológicos, esta ferramenta pode auxiliar na otimização de

parâmetros operacionais, para garantir condições de agitação favoráveis.

Em uma pesquisa muito mais recente, NAMPE et al. (2017) relatou resultados da

cultura de hPSCs em um biorreator com rotor de pás (figura 2.1.c), sob cinco condições de

agitação (0, 40, 60, 80 e 100 rpm), para comparar seu impacto na sobrevivência, no crescimento

e na manutenção da pluripotência de hPSCs. Foram utilizados 50 ml de meio de cultura. O

estudo mostrou que a agitação entre 60 e 100 rpm homogeniza e limita o crescimento dos

agregados (até cerca de 300 μm de diâmetro), ao passo que na cultura estática e a 40 rpm, os

agregados formados são maiores e de diferentes tamanhos. Foi observado que o tamanho dos

agregados afeta o crescimento e a manutenção da pluripotência das células. Os agregados de

300 μm (60 a 100 rpm) foram os que apresentaram maiores taxas de crescimento e proliferação.

Enquanto isso, nos agregados maiores (a partir de 400 μm, formados a 0 e 40 rpm), o número

de células em proliferação foi reduzido, principalmente no centro dos agregados. Além disso,

análises da expressão de marcadores de pluripotência, que indicam que a célula permanece

indiferenciada, demonstraram que apenas agregados com dimensões a partir de 400 μm

apresentaram redução da pluripotência. Este resultado sugere que, na cultura estática e a 40

rpm, as hECSs começam a se diferenciar espontaneamente, possivelmente devido à dificuldade

para transportar os nutrientes e oxigênio necessários para a manutenção da pluripotência, até o

interior destes agregados maiores.

O estudo de NAMPE et al. (2017) mostrou que o biorreator com rotor de pás pode ser

um sistema eficiente para cultura de hPSCs. Seus resultados, assim como os de WANG et al.

(2013), apontaram a agitação moderada (60 rpm) como condição ótima para cultura de hPSCs,

pois evita os danos celulares causados pela agitação excessiva e o crescimento excessivo dos

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agregados causado por taxas de agitação muito baixa ou nula (cultura estática). A agitação

moderada apoia o crescimento e a proliferação de hECSs indiferenciadas, possibilitando a

diferenciação posterior em tecidos de interesse.

(2) (b) (c)

Figura 2.1. Biorreatores (a) IRWV (GOODWIN et al., 2013), (b) STLV (GERECHTNIR et

al., 2004) e (c) com rotor de pás (NAMPE et al., 2017).

Embora muitos resultados promissores tenham sido obtidos na última década, no que

se trata da geometria dos biorreator e das taxas de agitação, para culturas de células-tronco, o

custo da maioria desses procedimentos ainda é muito elevado. Este custo se deve,

principalmente, ao grande volume de fluido de cultura necessário e às frequentes trocas de meio

previstas nos procedimentos experimentais. A maioria dos sistemas empregados até muito

recentemente é financeiramente inacessível para a maioria dos laboratórios, o que limita a

produção e dificulta a realização de testes em diferentes condições, para a otimização dos

protocolos. Além disso, a grande variabilidade das amostras produzidas com esses métodos

dificulta as análises e limita aplicações.

2.3. Biorreator SpinΩ

Com o objetivo de reduzir os custos do procedimento, QIAN et el. (2016) projetaram

um biorreator miniaturizado denominado SpinΩ, que requer apenas 2 ml de fluido, volume

muito inferior ao exigido pelos outros biorreatores estudados até então (cerca de 50 ml). O

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SpinΩ é um dos sistemas de cultura estudados no presente trabalho. Derivado do IRWV,

biorreator de paredes rotativas que simula microgravidade estudado por GOODWIN et al.

(1993), o SpinΩ foi projetado para gerar um ambiente com baixas tensões de cisalhamento.

Devido a não linearidade da dinâmica de fluidos, não foi possível fazer uma miniaturização

que mantivesse a geometria do IRWV. Portanto, o SpinΩ é composto por um dispositivo de

múltiplos rotores de pás, projetado para encaixar em uma placa de cultura de doze poços

padronizada. Acima da tampa, os eixos giratórios de cada rotor são conectados a um conjunto

de treze engrenagens interligadas, acionadas por um único motor. O custo reduzido desse

sistema, devido à redução considerável do volume de fluido e a utilização de placas de

múltiplos poços, permite a cultura em larga escala e sob diferentes condições em paralelo, para

otimização de protocolos.

Figura 2.2. Biorreator miniaturizado SpinΩ. (QUIAN, et al., 2016)

Como aplicação imediata, foi desenvolvido no mesmo estudo (QIAN et al. 2016), um

protocolo de cultura de organoides específicos do prosencéfalo, com uso do qual, foram

formadas estruturas complexas que reproduziram as principais características do

desenvolvimento do córtex cerebral humano (camada mais externa do cérebro). Foram

produzidos ainda organoides específicos de outras regiões do cérebro humano, o mesencéfalo

e o hipotálamo. Neste estudo, os organoides do prosencéfalo produzidos foram utilizados para

estudar o impacto do vírus Zika (ZIKV) em diferentes estágios da gravidez, a partir da infecção

dos organoides em diferentes estágios do seu desenvolvimento. A infecção por ZIKV causou

redução do tamanho organoide e morte celular, em particular nos estágios iniciais, e se

proliferou, infectando mais células ao longo do tempo. Esse resultado é consistente com os

estudos clínicos que apresentam as infecções no primeiro trimestre como as mais perigosa.

Neste estudo, a exposição de organoides do cérebro ao ZIKV por apenas um dia foi o suficiente

para causar efeitos prejudiciais similares às características da microcefalia, como diminuição

do volume de células neuronais.

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17

Em um trabalho mais recente, QIAN et al. (2018), descreveram procedimentos para a

construção do SpinΩ e protocolos para utilizá-lo na produção de organoides específicos do

prosencéfalo, mesencéfalo e hipotálamo. Os resultados satisfatórios na cultura de organoides

cerebrais e na modelagem da exposição do ZIKV, em ambos os trabalhos de QIAN et al.,

apontam o SpinΩ com uma alternativa eficaz para a produção de organoides cerebrais em larga

escala e com custo reduzido.

2.4. Placas de agitação orbital

Uma alternativa ainda mais acessível que o SpinΩ, mencionada no protocolo para

cultura de hESCs proposto por LANCASTER e KNOBLICH, (2014a), é o uso de placas de

múltiplos poços sobre agitadores orbitais. Este é um dos sistemas estudados no presente

trabalho. Neste sistema, o agitador orbital impõe movimento circular horizontal à placa de

múltiplos poços sobre ele posicionada. Este sistema é amplamente empregado em outros tipos

de cultura celular, devido ao seu custo reduzido e facilidade de operação e obtenção dos

componentes. As placas de múltiplos poços são padronizadas e os agitadores orbitais são

equipamentos comuns em muitos laboratórios. Assim como no SpinΩ, o volume de fluido

requerido é apenas 2 ml.

Figura 2.3. Fotografia do agitador orbital e das placas de múltiplos poços, no Instituto D’Or,

onde organoides cerebrais são cultivados.

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Simulações computacionais da dinâmica de fluidos em uma placa de agitação orbital

foram realizadas por SALEK, SATTARI e MARTINUZZI (2011), sob quatro condições

operacionais, em que foram variados o volume de fluido (2 ml e 4 ml) e as velocidades

angulares (100 e 200 rpm). As dimensões da placa de múltiplos poços e o raio do movimento

(9,5mm) adotados por SALEK, SATTARI e MARTINUZZI (2011) são idênticos aos utilizados

no presente trabalho. Os resultados a 100 rpm e com 4 ml de fluido foram validados com

resultados obtidos com velocimetria por imagem de partícula (Particle Image Velocimetry –

PIV) e um sensor de tensão de cisalhamento óptico não intrusivo. Além disso, a deformação

da superfície livre foi calculada analiticamente e registrada experimentalmente, por uma

câmera digital montada sobre o agitador e transladada junto com o poço.

Descrita em um sistema de referência acoplado ao agitador orbital, a superfície livre

pode ser representada como uma onda em rotação de corpo sólido, ao redor do eixo central do

poço, com mesma velocidade angular do orbital. A 100 rpm, o fluido cobre toda a face inferior

do poço para ambos os volumes, enquanto, a 200 rpm, uma pequena porção da face inferior do

poço é exposta. Estes resultados são importante pois espera-se que a exposição ao ar afete a

cultura, nesta região. Assim como a superfície livre, todo o volume de fluido e,

consequentemente, o campo de velocidade e a distribuição de cisalhamento, apresentaram

movimento periódico ao redor do centro do poço, com a mesma frequência do movimento

circular do agitador orbital. Este estudo realizado por SALEK, SATTARI e MARTINUZZI

(2011) demonstraram os padrões do escoamento, da velocidade e da tensão de cisalhamento no

fluido de cultura dentro de placas sobre agitadores orbitais, assim como a influência dos

parâmetros operacionais básicos (velocidade do agitador e volume de líquido).

Nos últimos anos, alguns estudos já reportaram bons resultados na produção de

organoides, com o uso de agitadores orbitais. Por exemplo, HOOKWAY et al. (2015)

demonstraram que a cultura de suspensão sob movimento rotatório pode ser usada para a

manutenção e diferenciação de hPSCs em diferentes tipos de células. Um exemplo disto, é a

formação de organoides de regiões específicas do cérebro. JO et al. (2016) e MONZEL et al.

(2017) descreveram procedimentos de cultura para gerar organoides do mesencéfalo a partir de

hPSCs. Além disso, MOZEL et al. (2017) relatou o grande potencial deste sistema para

modelagem de doenças próprias do mesencéfalo, como por exemplo, a doença de Parkinson.

Além de SALEK, SATTARI e MARTINUZZI (2011), outros pesquisadores estudaram

a dinâmica de fluidos computacional em placas de agitação orbital. THOMAS e

CHAKRABORTY (2011) desenvolveram um modelo computacional, no programa FLUENT,

para calcular a tensão de cisalhamento no fundo de um poço, contendo 2 ml de fluido e

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movimentado por um agitador orbital. O modelo foi validado com os dados experimentais

obtidos a 210 rpm, por velocimetria ótica unidimensional. Os resultados computacionais para

três velocidades angulares (60m, 150 e 210 rpm) mostraram que o movimento do fluido é

periódico e a região de tensão de cisalhamento máxima ocorre sob a região em que a altura de

fluido é menor. A 60 rpm, a tensão de cisalhamento no fundo do poço é aproximadamente

constante e da ordem de 0,4Pa. Enquanto isso, sob velocidades mais altas, a tensão de

cisalhamento é maior e apresenta mais flutuações nas regiões próximas à parede do que no

centro do poço.

Seus resultados também são comparados com uma extensão da solução analítica do

segundo problema de Stokes para o escoamento sobre uma placa plana, proposta por LEY et

al. (1989). Esta expressão estima um valor escalar constante para a tensão de cisalhamento em

todo o fundo do poço, como função apenas do raio e frequência do movimento e das

propriedades do fluido. Embora seja inadequada para o problema do orbital, devido à influência

da superfície livre e das paredes do poço, esta solução já foi bastante usada para estimar o

cisalhamento gerado em pratos sob movimento orbital, principalmente antes do uso da CFD.

Outra análise de CFD em agitadores orbitais com diferentes velocidades angulares foi

apresentada por CHAKRABORTY et al. (2011), com uso de poços cilíndricos de 15 mm de

diâmetro e contendo 4 ml de fluido de cultura. Neste estudo, além da tensão de cisalhamento

no fundo do poço, foi analisada a pulsação do cisalhamento oscilatório. A 50 rpm, os resultados

obtidos mostraram distribuição uniforme da tensão de cisalhamento, em todo o fundo do poço.

Enquanto isso, a 100 e 150 rpm, as tensões de cisalhamento são uniformes no centro do poço,

mas flutuam significantemente próximo às paredes laterais. Resultados biológicos foram

observados em experimentos com células endoteliais da veia umbilical humana, sob as mesmas

condições estudadas computacionalmente. Os melhores resultados foram obtidos no centro dos

poços, sob velocidades mais altas, quando a tensão de cisalhamento alcança valores de cerca

de 0,4 Pa. Nas extremidades (0,9 a 1,2 Pa), foi observada redução na capacidade de

proliferação.

Resultados similares, desenvolvidos por FILIPOVIC et al. (2016), também

apresentaram diferentes condições no escoamento em poços submetidos ao movimento orbital.

A distribuição da tensão de cisalhamento é uniforme no centro do poço e oscila na periferia.

Com um programa de elementos finitos, foram calculadas tensões de cisalhamento máximas

de 10 Pa a 200 rpm, 3,5 Pa a 150 rpm e 2 Pa a 100 rpm. Segundo FILIPOVIC et al. (2016), o

sistema de agitação orbital é atrativo, pois o caráter pulsátil do escoamento gerado nas

periferias do poço é uma característica importante do fluxo sanguíneo in vivo.

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20

2.5. Motivação e objetivo do trabalho

Em face do que se tem disponível na literatura, GOTO et al. (2019) propuseram

melhorias na fase estática do protocolo original para cultura de organoides (LANCASTER,

KNOBLICH, 2014a) e compararam a cultura de organoides cerebrais em dois sistemas de

cultura de suspensão de múltiplos poços: o biorreator miniaturizado com rotor de pás SpinΩ

(QUIAN et al., 2016) e placas de agitação orbital. Ao longo de 14 dias, foram realizadas as

diferentes etapas da cultura estática e, do dia 15 ao dia 30, as células foram mantidas em

suspensão dinâmica nos dois sistemas.

Os resultados obtidos em ambas as plataformas foram bem sucedidos e comparáveis,

tendo sido relatada a formação de características complexas do cérebro humano. Os organoides

cultivados nos dois sistemas desenvolveram regiões semelhantes a ventrículos e estruturas

semelhantes ao neuroepitélio e apresentaram perfil proteico compatível com as diversas regiões

cerebrais diferenciadas. Na figura 2.4.a observa-se que as curvas de crescimento dos

organoides são exponenciais em ambos os sistemas. No entanto, embora o crescimento tenha

sido equivalente, ao fim do processo, a curva de crescimento no agitador orbital apresentou

ajuste melhor, sugerindo crescimento mais contínuo. Enquanto isso, entre os dias 17 e 19, foi

observado crescimento atrasado dos organoides no SpinΩ, em comparação com os cultivados

no agitador orbital (figura 2.4.b). Além disso, no SpinΩ foram criados agregados de diferentes

tamanhos. Células depositaram no fundo do poço e formaram agregados maiores que nas

regiões adjacentes. Para a placa agitadora, uma análise histológica mostrou que a distribuição

de tamanhos se assemelha a uma Gaussiana, sugerindo maior homogeneidade que no SpinΩ,

como apresentado na figura 2.4.c.

A motivação do presente trabalho foi analisar e comparar a dinâmica de fluidos nos

dois sistemas estudados por GOTO et al. (2019), para lhes oferecer informações que pudessem

auxiliar uma melhor compreensão dos resultados biológicos. Para isso, foram realizadas

simulações computacionais, nas mesmas condições dos experimentos de GOTO et al. (2019),

e obtidos o padrão do escoamento, os campos de velocidade e a distribuição de tensão de

cisalhamento no volume de fluido de cultura, em cada caso. Os resultados aqui desenvolvidos

foram utilizados para relacionar o desenvolvimento dos organoides em cultura com as

características do escoamento e foram publicados em GOTO et al. (2019).

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(a) (b)

(c)

Figura 2.4. (a) Curvas de crescimento exponencial para os dois sistemas e (b) crescimento

atrasado, no SpinΩ, entre os dias 17 e 19. (c) Distribuição das dimensões dos organoides

produzidos em cada sistema. (GOTO et al., 2019).

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Capítulo 3: Problema físico, formulação

matemática e método de solução

3.1. Problema Físico

Em ambos os sistemas aqui estudados, são utilizadas placas padronizadas de múltiplos

poços. Em cada placa, os poços são idênticos e o fluido em todos eles é submetido às mesmas

condições. Portanto, em cada problema será estudado o escoamento em apenas um poço.

O biorreator rotativo SpinΩ é composto por uma poço cônico e um rotor de três pás. O

movimento é transmitido ao fluido pela rotação a 60 rpm deste rotor, no sentido anti-horário,

enquanto o poço permanece em repouso. São utilizados 3 ml de fluido de cultura e a altura de

fluido é de 7,82mm. Desta forma, as hélices do rotor ficam parcialmente submersas. As

dimensões do poço e do rotor estão apresentadas na figura 3.1, em milímetros.

Figura 3.1. Geometria do SpinΩ e dimensões dos seus componentes, construídos no

programa COMSOL Multiphysics.

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Na placa de agitação orbital, ilustrada na figura 3.2, o movimento é transmitido ao

fluido pelas paredes do poço, que realiza um movimento circular em um plano horizontal, com

velocidade angular θ de 90 rpm e raio de giração Rg de 9,5mm. A placa utilizada tem poços

cilíndricos, com 35mm de diâmetro e 18mm de altura. São utilizados 3 ml de fluido de cultura

em cada poço.

(a)

(b)

Figura 3.2. (a) Geometria da placa de agitação orbital e (b) movimento dos seus

componentes, construídos no programa COMSOL Multiphysics.

Algumas hipóteses foram adotadas para simplificação dos modelos, levando em conta

resultados de CFD obtidos em estudos anteriores: um biorreator com rotor esférico (WANG et

al., 2013) e um agitador orbital (SALEK, SATTARI, MARTINUZZI, 2011). Em ambos os

estudos e neste, devido ao tamanho reduzido dos agregados e da complexidade de sua

modelagem, foi feita a hipótese de fluido homogêneo. Além disso, em ambos os estudos

revisados, os problemas foram tratados como isotérmicos. No presente estudo, esta hipótese

foi confirmada experimental e computacionalmente para o caso do SpinΩ, como será visto nas

próximas seções, e adotada para o agitador orbital.

Duas hipóteses adicionais foram adotadas para o SpinΩ. Os resultados de WANG et al.

(2011) mostraram escoamento completamente desenvolvido para três velocidades de rotação,

por isso o problema aqui tratado foi resolvido em regime permanente. Esta hipótese também é

adotada nos tutoriais do programa utilizado (COMSOL), para casos de misturadores com

rotores de pás. Além disso, WANG et al. (2011) consideraram os efeitos da gravidade

desprezíveis, em comparação com os efeitos das forças de agitação. Esta última hipótese é

particularmente válida no SpinΩ, que foi projetado para criar um ambiente análogo à

microgravidade.

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De acordo com os resultados de WANG et al. (2013), o escoamento é laminar no

biorreator com rotor esférico. No entanto, devido à velocidade de rotação mais elevada e a

diferença entre as geometria, neste trabalho, o escoamento foi modelado como turbulento para

o SpinΩ. Para o agitador orbital, foram desenvolvidas duas simulações, para escoamentos

laminar e turbulento.

3.2 Propriedades do fluido de cultura

O fluido de cultura utilizado nos experimentos de GOTO et al. (2019) é um meio de

neuro diferenciação enriquecido com vitamina A. Este fluido foi desenvolvido para induzir a

formação de estruturas específicas do cérebro humano nos organoides. Uma amostra deste

fluido foi caracterizada, no Laboratório de Transmissão e Tecnologia do Calor (LTTC), da

COPPE, para obtenção das características que influenciam a dinâmica de fluidos: a viscosidade

dinâmica μ e a massa específica ρ. A massa específica foi determinada a partir da razão entre

a massa e o volume de fluido, obtendo-se a massa de quantidades de fluido com volumes

conhecidos, com uso de um micropipetador e uma balança de precisão.

Para medição da viscosidade, foi utilizado um reômetro Brookfield, versão LVDV-III

U CP. Este equipamento mede a viscosidade e a tensão de cisalhamento sob diferentes taxas

de deformação. O procedimento consiste em rotacionar um disco cônico imerso no fluido a ser

caracterizado, através de uma mola espiral calibrada com torque específico. A viscosidade é

determinada a partir da deflexão na mola, medida com um transdutor rotativo, e através de

fatores de multiplicação determinados pelo fabricante, em que são levados em conta a área

superficial do sensor de cisalhamento, a velocidade de rotação e o torque específico de cada

mola. As propriedades foram consideradas constantes e dadas por:

μ=(0,994 ± 0,004) . 10-3 Pa.s

ρ=998,9 kg/m3

3.3. Problema Isotérmico (SpinΩ)

Para verificar o possível aumento de temperatura devido ao movimento do rotor no

SpinΩ, esta foi determinada experimental e computacionalmente, no Laboratório de

Transmissão e Tecnologia do Calor (LTTC), da COPPE. Com o uso de um termopar,

posicionado em um ponto arbitrário na parede interna de um dos poços, a temperatura foi

medida ao longo de 20 horas e 21 minutos. Os resultados experimentais, apresentados na figura

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3.3, mostram variações de temperatura da ordem de 0,1ºC, que podem ser associados às

variações da temperatura do ambiente não controlado ou às incertezas do equipamento. A

simulação não-isotérmica foi realizada com o mesmo programa utilizado para obtenção dos

resultados, COMSOL Multiphysics®, com aplicação do módulo Rotating Machinery, Non-

isothermal Flow, κ-ω. O problema foi descrito pelas equações de Navier-Stokes, continuidade,

conservação de energia e as equações padrão do modelo de Turbulência κ-ω. Nesta análise,

foram utilizadas as propriedades da água. Os resultados apresentaram variações desprezíveis

de temperatura, da ordem de 0,02°C (figura 3.4). Portanto, ambos os resultados confirmam a

hipótese de problema isotérmico.

Figura 3.3. Medidas experimentais da variação da temperatura no SpinΩ, obtidas com uso de

um termopar, ao longo de aproximadamente 20 horas.

Figura 3.4. Simulação computacional da variação da temperatura no SpinΩ, realizada no

COMSOL Multiphysics®.

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3.4. Formulação Matemática

3.4.1 Agitador Orbital

Para descrever o movimento de um fluido, a conservação de momentum é governada

pela equação de Navier-Stokes e a conservação de massa, pela equação da continuidade. Suas

formas para escoamentos incompressíveis são:

ρ∂𝐮

∂t+ ρ(𝐮. ∇)𝐮 = ρg + ∇. [−p𝐈 + μ(∇𝐮 + (∇𝐮)T)]

(3.1)

ρ∇. 𝐮 = 0 (3.2)

Para o caso do escoamento laminar no agitador orbital, o movimento do fluido é

descrito pelas equações 3.1 e 3.2. As condições de contorno são dadas pela equação 3.3, que

define a velocidade upoço, em função da velocidade angular θ e do raio Rg do movimento

circular. Esta velocidade é aplicada às paredes laterais e ao fundo do poço. A condição inicial

é o repouso (equação 3.4).

𝐮poço = [

−Rg2πθsen(2πθt)

Rg2πθcos(2πθt)

0

]

(3.3)

𝐮t=0 = 0 (3.4)

Em escoamentos turbulentos, devido às variações aleatórias que as componentes da

velocidade e a pressão sofrem, estas são descritas como a soma de um termo médio e suas

flutuações. Aplicadas às equações de Navier-Stokes, são obtidas as equações médias de

Reynolds (Reynolds-averaged Navier-Stokes - RANS). As flutuações atuam no escoamento

como um aumento na resistência a deformações, ou um aumento aparente da viscosidade. Por

isso, em escoamentos turbulentos, surge um termo de viscosidade turbulenta μT, afetado pelas

flutuações da velocidade. Para modelar os efeitos da turbulência, são utilizadas as equações

padronizadas dos modelos de turbulência de duas equações utilizados em cada caso: κ-ω para

o biorreator SpinΩ e κ-ε para o agitador orbital. Essas equações são comumente chamadas de

equações de fechamento, pois completam o sistema de equações que descreve o movimento do

fluido.

Para o caso da placa agitadora orbital, considerando as devidas hipóteses, o escoamento

turbulento é descrito pelas equações médias de Reynolds, da continuidade e as equações do

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modelo κ-ε: equações de transporte de energia cinética turbulenta κ e taxa de dissipação

turbulenta ε. Em notação vetorial (Help COMSOL Multiphysics):

ρ∂𝐮

∂t+ ρ(𝐮. ∇)𝐮 = ρg + ∇. [−p𝐈 + (μ + μT)(∇𝐮 + (∇𝐮)T)]

(3.5)

ρ∇. 𝐮 = 0 (3.6)

ρ∂κ

∂t+ ρ(𝐮. ∇)κ = ∇. [(μ +

μT

σk) ∇κ] + Pk − ρε

(3.7)

ρ∂ε

∂t+ ρ(𝐮. ∇)ε = ∇. [(μ +

μT

σε) ∇ε] + Cε1α

ε

κPk − Cε2ρ

ε2

κ

(3.8)

onde o termo de produção de energia cinética é dado por Pk = μT[∇𝐮: (∇𝐮 + (∇𝐮)T)] e os

parâmetros do modelo de turbulência (σε, σk, α, Cε1, Cε2) são otimizados pelo próprio

programa. As condições inicial e de contorno são as mesmas utilizadas para o escoamento

laminar, equações 3.3 e 3.4.

3.4.2. Spin Ω

Para o caso do biorreator SpinΩ, o escoamento é descrito pelas equações médias de

Reynolds, da continuidade e as equações do modelo κ-ω: equações de transporte de energia

cinética turbulenta κ e de dissipação de energia por unidade de volume ω. Em notação vetorial

(Help COMSOL Multiphysics), as equações em regime em regime permanente são dadas por:

ρ(𝐮. ∇)𝐮 = ∇. [−p𝐈 + (μ + μT)(∇𝐮 + (∇𝐮)T)] (3.9)

ρ∇. 𝐮 = 0 (3.10)

ρ(𝐮. ∇)κ = ∇. [(μ + μTσk∗ )∇κ] + Pk − ρβo

∗ kω (3.11)

ρ(𝐮. ∇)ω = ∇. [(μ + μTσω)∇ω] + αω

κPk − ρβoω2

(3.12)

onde o termo de produção de energia cinética é dado por Pk = μT[∇𝐮: (∇𝐮 + (∇𝐮)T)] e os

parâmetros do modelo de turbulência (σω, σk∗ , α, βo

∗ , βo) são otimizados pelo próprio programa.

As condições de contorno são dadas pela velocidade nula do poço (equação 3.13), aplicada nas

paredes laterais e no fundo, como indicado na figura 3.5 (a) e (b) e a velocidade de rotação

Ω=60 rpm na superfície do rotor (figura 3.5 c). O movimento parte do repouso (equação 3.15).

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𝐮poço = 0 (3.13)

Ω = 60 rpm (3.14)

𝐮t=0 = 0 (3.15)

Figura 3.5. Superfícies onde são aplicadas as condições de contorno para o SpinΩ: (a) fundo

do poço, (b) paredes laterais e (c) superfície do rotor.

3.4.3. Taxa de Deformação e Tensão de Cisalhamento

As componentes do tensor de tensões viscosas τij, para escoamentos incompressíveis e

fluidos homogêneos, são dadas pela expressão 4.16, onde ui e uj são as componentes da

velocidade e i e j são as coordenadas espaciais referentes a cada termo do tensor de tensões.

τij = −p𝐈 + μ (∂ui

∂j+

∂uj

∂i)

(3.16)

A magnitude do gradiente de velocidades médias, dada pelo módulo da taxa de

deformação do tensor de tensões |γ̇| é relacionada à tensão de cisalhamento τ pela viscosidade

dinâmica μ (Help COMSOL Multiphysics).

τ = μ�̇� (3.17)

|γ̇| = √1

2(4 (

∂𝑢𝑥

∂x)

2

+ 4 (∂𝑢𝑦

∂y)

2

+ 4 (∂𝑢𝑧

∂z)

2

+ 2 (∂𝑢𝑥

∂y+

∂𝑢𝑦

∂x)

2

+ 2 (∂𝑢𝑦

∂z+

∂𝑢𝑧

∂y)

2

+ 2 (∂𝑢𝑧

∂x+

∂𝑢𝑥

∂z)

2

)

(3.18)

No fundo do poço, a magnitude da tensão de cisalhamento é dada pela expressão a

seguir, pois a componente em z da velocidade é nula e a soma das componentes em x e y é

constante e igual a velocidade do poço, em cada instante.

τ𝑥𝑦,𝑧=0 = μ√[(∂𝑢𝑥

∂z)

2

+ (∂𝑢𝑦

∂z)

2

]

(3.19)

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29

No caso dos escoamentos turbulentos, para obter o tensor de tensões a partir do campo

de velocidades calculado com o método RANS, é preciso considerar o efeito das flutuações.

Os termos de turbulência atuam como se o tensor de tensões fosse composto por uma parte

laminar, as tensões viscosas Newtonianas, e uma parte turbulenta, as tensões turbulentas

aparentes, expressas pela viscosidade turbulenta. Para escoamentos incompressíveis:

τij = −p𝐈 + μ (∂ui

∂j+

∂uj

∂i) − 𝜌𝑢𝑖

′𝑢𝑗′̅̅ ̅̅ ̅̅ ̅

(3.20)

τij = −p𝐈 + (μ + μT) (∂ui

∂j+

∂uj

∂i)

(3.21)

A tensão de cisalhamento, neste caso, é dada pela equação 3.22. No fundo do poço,

onde a componente em z da velocidade é nula e as componentes em x e y são constantes, a

equação 3.22 é reduzida à expressão 3.23.

τ = (μ + μT)�̇� (3.22)

τ𝑥𝑦,𝑧=0 = (μ + μT)√[(∂𝑢𝑥

∂z)

2

+ (∂𝑢𝑦

∂z)

2

]

(3.23)

3.5 Método de Solução

A solução dos problemas foi realizada com uso do programa comercial COMSOL

Multiphysics®, baseado no Método dos Elementos Finitos (FEM). O método dos elementos

finitos discretiza um domínio contínuo, subdividindo-o em pequenos elementos interligados

por nós, ou pontos nodais. A precisão da solução aproximada por este método numérico

dependerá da quantidade e do tamanho desses elementos finitos. Quanto menores estes

elementos, mais refinada será a malha e mais precisa, a solução. No entanto, quanto mais

refinada a malha, maior o custo computacional requerido para obtenção dos resultados.

O COMSOL possui vários módulos (interfaces físicas), para a solução de diferentes

tipos de problemas, e cada módulo contém as equações utilizadas para descrever um fenômeno

físico. Para o problema do biorreator rotativo SpinΩ, foi aplicado o módulo Rotating

Machinery, Turbulent Flow, κ-ω, que prevê a solução da dinâmica de fluidos para geometrias

com uma ou mais partes rotativas, como misturadores. Para o problema da placa de agitação

orbital, duas simulações foram desenvolvidas e comparadas: uma simulação de escoamento

laminar e uma de escoamento turbulento. Os módulos utilizados foram Laminar Two-Phase

Flow, Phase Field e Turbulent Two-Phase Flow, Phase Field, com o modelo de turbulência κ-

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ε, ambos utilizados para rastrear o movimento da interface entre fluidos, em um escoamento

bifásico.

Os módulos utilizados para escoamentos turbulentos determinam automaticamente

funções de parede, para substituir a condição de não deslizamento e modelar o escoamento

próximo à parede, regiões em que os gradientes das variáveis do escoamento são maiores.

Embora o modelo de turbulência κ-ε seja menos preciso nestas regiões, seu o custo

computacional é menor que os dos modelos κ-ω e SST e permitiu um refinamento mais

adequado da malha espacial. Por se tratar de um problema dependente do tempo, a solução do

agitador orbital é mais pesada e apresentou este limitador.

A modelagem tridimensional para ambos os problemas foi feita no próprio programa.

Foram modelados apenas os domínios de fluido, sem interação entre fluido e estrutura. Os

movimentos das paredes dos poços e do rotor (no biorreator) foram aplicados como condições

de fronteira nas paredes internas e externas.

Como o rotor do SpinΩ é composto de três hélices idênticas, a geometria total pode ser

dividida em três domínios de 120° iguais. Portanto, para redução do custo computacional, o

problema foi resolvido em apenas um terço do domínio de fluido. Para isso, nas superfícies em

que o domínio foi cortado (em amarelo na figura 3.6), foi aplicada uma condição de fronteira

oferecida pelo módulo (Periodic Flow Condition) que prevê continuidade do escoamento,

estando o fluido que deixa o domínio nas mesmas condições que o fluido que entra.

Figura 3.6. Condição de continuidade do escoamento, devido à geometria ser composta por

partes iguais e contínuas, de forma que foi possível modelar 1/3 do domínio.

Como já comentado anteriormente, para resolver o problema do agitador orbital, é

necessário estudar o movimento da superfície livre do fluido de cultura, para garantir que os

organoides permaneçam submersos. Portanto, foram modelados dois domínios monofásicos de

fluido, uma fase líquida com as propriedades do fluido de cultura e uma fase de ar, sobre o

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domínio líquido. Então, foram utilizados modelos de escoamento bifásico, para rastrear o

movimento da interface entre os fluidos imiscíveis. No método Phase Field, a camada da

interface é governada por uma variável de fase, que assume um valor para cada fase do

escoamento (-1 para o fluido de cultura e +1 para o ar) e, valores intermediários na interface,

que tem espessura finita. São resolvidas duas equações adicionais de transporte (da variável de

fase e da energia livre) e a posição da interface é rastreada pela minimização da energia livre.

Figura 3.7. Dois domínios monofásicos de fluido, no agitador orbital.

O programa utilizado define automaticamente uma estratégia de solução das equações,

baseado no módulo utilizado, nas equações que descrevem o fenômeno, nas condições de

contorno e até mesmo na memória do computador. Neste estudo, em ambos os problemas foram

utilizados os solvers prescritos automaticamente pelo COMSOL para obtenção dos resultados.

3.6. Tabelas de Parâmetros do Problema

Estão listados nas tabelas 3.1 e 3.2 os valores atribuídos aos parâmetros de cada

problema, utilizados como entradas nas simulações, para gerar os resultados. Esses parâmetros

já foram discutidos na explicação do problema físico (seção 3.1) e estão expostos nas figuras

3.1 e 3.2.

Tabela 3.1. Tabela de entradas para a simulação do SpinΩ.

Diâmetro Superior do Poço [mm] 22,73

Diâmetro Inferior do Poço [mm] 22,11

Altura do Poço [mm] 17,53

Volume de Fluido [ml] 3

Altura de Fluido [mm] 7,82

Rotação do rotor [rpm] 60

Comprimento do eixo do rotor [mm] 14,65

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Diâmetro do eixo do rotor [mm] 5,9

Diâmetro das hélices dos rotor [mm] 16.5

Comprimento das hélices [mm] 8,25

Altura das hélices [mm] 7,0

Largura das hélices [mm] 1,5

Raio de adoçamento das hélices [mm] 0,2

Ângulo entre as hélices 120º

Viscosidade do fluido [Pa.s] 9,49 x 10-4

Massa específica do fluido [Kg/m3] 998,9

Tabela 3.2. Tabela de entradas para a simulação do Agitador Orbital.

Diâmetro do Poço [mm] 35,0

Altura do Poço [mm] 18,0

Volume de Fluido [ml] 3

Altura de Fluido [mm] 3,12

Raio do movimento de translação [mm] 9,5

Velocidade angular [rpm] 90

Viscosidade do fluido [Pa.s] 9,49 x 10-4

Massa específica do fluido [Kg/m3] 998,9

Passo de tempo [s] 0,1

A máquina utilizada para obtenção dos resultados que serão apresentados a seguir é um

computador com processador i 8700 @3.2 GHz com 16 GB de memória RAM e uma placa de

vídeo GTX 1050Ti.

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Capítulo 4: Resultados e discussões

4.1. Análise de malhas

As malhas utilizadas para obtenção das soluções foram pré definidas automaticamente

pelo programa. Para o caso do biorreator SpinΩ, foram analisados os resultados obtidos com

três refinamentos padronizados: malhas Normal, Coarse e Coarser. Cada uma delas é

composta por uma quantidade diferente de elementos de diferentes geometrias (tetraedos,

pirâmides e prismas). O número de elementos de cada malha e os volumes do maior e do maior

elemento são apresentados na tabela 4.1, assim como o tempo total de simulação para cada uma

delas. Na figura 4.1, podemos observar que os elementos de malha são menores nas regiões

próximas às paredes do poço e do rotor. A malha foi automaticamente refinada pelo programa

nestas regiões, devido aos maiores gradientes das variáveis do escoamento. Na figura 4.2,

observa-se convergência gráfica entra as malhas, para as curvas da variação da velocidade em

uma linha traçada ao longo da coordenada x, da superfície do rotor até a parede do poço,

passando próximo à hélice, em y=0,5mm e a distância z=4,58mm do fundo do poço. A fim de

obter resultados mais precisos, a malha selecionada para obtenção dos resultados finais foi a

mais refinada (Normal).

Figura 4.1. Vistas frontal e superior das malhas (a) e (b) Coarser, (c) e (d) Coarse e

(e) e (f) Normal, utilizadas para o SpinΩ.

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Tabela 4.1. Quantidade de elementos, volumes do maior e do menor elemento e tempo de

simulação, para cada malha, no SpinΩ.

Coarser Coarse Normal

Número de elementos 34915 99042 372260

Tempo de simulação 3min e 48s 11min e 14s 49min e 4s

Maior elemento [m3] 5,17 . 10-10 2,16 . 10-10 9,23 . 10-11

Menor elemento [m3] 1,10 . 10-14 6,27 . 10-15 1,62 . 10-15

(a) (b)

Figura 4.2. (a) Comparação das velocidades calculadas com as diferentes malhas (b) em uma

linha traçada horizontalmente a 4.58 mm do fundo do poço do SpinΩ, próxima à hélice do

rotor.

Para o caso do escoamento laminar no agitador orbital, foram analisadas as malhas

padronizadas Coarser, Coarse e Normal. Na tabela 4.2 são apresentadas, para cada uma delas,

as velocidades máximas calculadas em t=10s, assim o número de elementos, os volumes do

maior e do menor elemento e o tempo total de simulação, para um tempo físico de 10 segundos.

A diferença entre os resultados obtidos com as duas malhas mais refinadas (Normal e Coarse)

é de 0,0015 m/s (1,2%). Na figura 4.3, as curvas de velocidade em uma linha traçada

horizontalmente (y=0) a 2mm do fundo do poço, obtidas com as três malhas, ainda apresentam

variação na forma, no entanto, os resultados têm a mesma magnitude. A malha selecionada,

portanto, foi a mais refinada (Normal).

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Tabela 4.2. Velocidade máxima [m/s] calculada no tempo t=10s, quantidade de elementos,

volumes do maior e do menor elemento e tempo de simulação para cada malha utilizada, no

escoamento laminar no agitador orbital.

Coarser Coarse Normal

Número de elementos 17548 61024 125040

Tempo de simulação 6min e 44s 40min e 59s 2h 34min e 45s

Velocidade máxima 0,108153 0,128105 0,126602

Maior elemento [m3] 2,73 . 10-9 9,44 . 10-10 4,49 . 10-10

Menor elemento [m3] 2,30 . 10-10 5,87 . 10-11 2,45 . 10-11

Figura 4.3. Comparação das velocidades calculadas com as diferentes malhas, em uma linha

horizontal (y=0) a uma altura de 2 mm do fundo poço, no tempo t=10s, para o escoamento

laminar no agitador orbital.

Para o escoamento turbulento no agitador orbital, não foi possível utilizar a malha

padronizada tamanho Normal, devido ao alto custo computacional de problemas dependentes

do tempo e de escoamentos turbulentos. Portanto, foram comparadas as malhas Coarse,

Coarser e Extra Coarse e os resultados das velocidades máximas no instante de tempo t=4s e

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informações das malhas são apresentados na tabela 4.3. A diferença entre os resultados, para

as duas malhas mais refinadas, é 0,003634 m/s, ou seja, 3,1%. Portanto, a malha Coarse será

utilizada para obtenção dos resultados finais. O tempo total de simulação com a malha Coarse

é de 60 horas e 36 minutos e 52 segundos, para um tempo físico de 10 segundos. A comparação

entre os tempos totais de simulação não foi apresentada na tabela 4.3, pois as simulações foram

realizadas para tempos físicos diferentes e com discretizações de tempo diferentes.

As malhas padronizadas do COMSOL são automaticamente refinadas nas regiões

próximas a arestas e paredes, como pode ser observado na figura 4.4, para as malhas Coarser

e Extra Coarse. Para reduzir o custo computacional e possibilitar sua utilização, a malha

Coarse foi personalizada de forma que não houvesse refinamento nas bordas no volume de ar,

dado que a região de interesse a ser estudada é apenas o fluido de cultura, ou seja, a fase líquida.

Na figura 4.5, foram comparadas as velocidades calculadas com cada malha, em uma linha

traçada horizontalmente, em y=0, a 2mm do fundo do poço.

Tabela 4.3. Velocidade máxima [m/s] calculada no tempo t=4s, quantidade de elementos e

volumes do maior e do menor elemento, em cada malha utilizada, para o escoamento

turbulento no agitador orbital.

Extra Coarse Coarser Coarse

Número de elementos 17548 61024 125040

Velocidade máxima 0,111945 0,113546 0,117180

Maior elemento [m3] 2,70 . 10-9 8,98 . 10-10 4,65 . 10-10

Menor elemento [m3] 4,77 . 10-11 3,27 . 10-11 2,00 . 10-11

Figura 4.4. Malhas (a) Extra Coarse, (b) Coarser e (c) Coarse, utilizadas para simular

escoamento turbulento, no agitador orbital.

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Figura 4.4. Comparação da velocidade calculada com as diferentes malhas, em uma linha

horizontal (y=0) a uma altura de 2 mm do fundo poço, no tempo t=4s, para o escoamento

turbulento no agitador orbital.

4.2. Validação da solução

Como já revisado anteriormente, SALEK, SATTARI e MARTINUZZI (2011)

estudaram o problema do agitador orbital, com parâmetros idênticos ao utilizados neste

trabalho, sendo diferenciados apenas a velocidade angular e o volume de fluido (100 rpm e

4mL). Neste trabalho, para cumprir o objetivo de simular o experimento realizado em GOTO

et al., os resultados foram obtidos com os parâmetros 3mL de volume fluido e velocidade

angular de 90 rpm. No entanto, para validar as simulações desenvolvidas no presente estudo,

foram obtidos resultados nas mesmas condições estudadas por SALEK, SATTARI e

MARTINUZZI (4mL e 100 rpm), que apresentou medidas da componente na direção x da

velocidade, em duas linhas (x=0 e y=0) definidas em um plano horizontal a 2 mm do fundo do

poço (z=2mm). Esses dados foram obtidos por velocimetria por imagem de partículas (particle

image velocimetry, PIV). Como o equipamento foi montado sobre o agitador orbital, as

velocidades obtidas são relativas, descritas em um sistema de referência acoplado ao agitador,

com a mesma velocidade das paredes do poço. As figuras 4.6 e 4.7 apresentam os resultados

experimentais de SALEK, SATTARI e MARTINUZZI (2011) e os resultados computacionais

aqui obtidos, para os escoamentos laminar e turbulento respectivamente.

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Figura 4.6. Comparação dos resultados experimentais de SALEK, SATTARI e

MARTINUZZI (2011) e os resultados computacionais aqui obtidos para o escoamento

laminar no agitador orbital: componente em x da velocidade relativa ao poço, em duas linhas

horizontais, a 2 mm do fundo do poço (a) y=0 e (b) x=0.

Figura 4.7. Comparação dos resultados experimentais de SALEK, SATTARI e

MARTINUZZI (2011) e os resultados computacionais aqui obtidos para o escoamento

turbulento no agitador orbital: componente em x da velocidade relativa ao poço, em duas

linhas horizontais, a 2 mm do fundo do poço (a) y=0 e (b) x=0.

Os resultados exibidos nas figuras 4.6 e 4.7 apresentam magnitudes comparáveis aos

resultados experimentais, embora o formato da curva apresente variações. A discrepância nos

resultados pode ser associada tanto à malha espacial quanto à discretização do tempo, que não

puderam ser mais refinadas devido ao custo computacional. As magnitudes das velocidades

variam consideravelmente em pequenos intervalos de tempo e realizam um ciclo completo de

movimento em 0,6 segundos. Além disso, devido a não linearidade do problema, o uso de

interpolações é limitado. As linhas de corrente, linhas contínuas tangentes aos vetores de

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velocidade em um instante t, obtidas nas simulações dos escoamentos laminar e turbulento

(figura 4.8), apresentam boa concordância com os resultados experimentais obtidos com PIV

(SALEK, SATTARI, MARTINUZZI, 2011).

Figura 4.8. Linhas de corrente obtidas, neste trabalho, para os escoamentos (a)

laminar e (b) turbulento, e (c) resultados de SALEK, SATTARI e MARTINUZZI (2011).

4.3. Convergência Temporal (Agitador Orbital)

Para simulações em regime transiente, é necessário avaliar se a discretização no tempo

foi refinada o suficiente, ou seja, se há convergência temporal. Para isso, foram realizadas

simulações com diferentes passos de tempo, para o caso do escoamento laminar no agitador

orbital. Na figura 4.9, foi plotada a variação temporal da temperatura em um ponto localizado

a 2 mm do fundo do poço (z=2mm) e a uma distância do centro do poço igual a metade do raio

do poço (x=8,75mm e y=8,5mm), para passos de tempo de 0,1 s e 0,05s. Observamos que esta

discretização é suficiente para obtenção de resultados corretos da magnitude e das variações

dos parâmetros do escoamento.

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Figura 4.9. Variação temporal da temperatura em um ponto localizado a 2 mm do fundo do

poço, no agitador orbital, para passos de tempo de 0,1 s e 0,05 s.

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41

4.4. Resultados - Biorreator SpinΩ

De acordo com os resultados obtidos, as maiores velocidades no biorreator com rotor

de pás se encontram na região próxima à pá do rotor, devido ao seu movimento. A figura 4.9

apresenta as magnitudes da velocidade em todos os pontos do volume de fluido, sendo possível

observar a velocidade máxima na borda da hélice e a velocidade praticamente nula sob o eixo

do rotor, no centro do fundo do poço, devido à condição de não deslizamento. Velocidades

intermediárias e com pouca variação de magnitude são distribuídas nas outras regiões do

volume de fluido.

Velocidade máxima [m/s] 0,053

Velocidade mínima [m/s] 9,14 x 10-7

Figura 4.9. Magnitude da velocidade [m/s] no volume de fluido (SpinΩ).

Em conjunto, as linhas de corrente (figura 4.10) e os vetores de velocidade (figura 4.11)

mostram fluxo mais intenso próximo a pá do rotor. O campo de velocidade é apresentado em

dois planos posicionados de forma a seccionar a hélice do rotor e dois planos afastados dela.

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Em ambos os casos, um plano é vertical e outro, horizontal. Os planos horizontais estão a

distâncias de 7,56 mm e 4,87 mm do fundo do poço. Os resultados mostram que, além de

magnitudes maiores, as velocidades apresentam maiores variações de direção e recirculação,

próximo a hélice. Enquanto isso, longe da hélice, o movimento do fluido na direção z (vertical)

não é tão significativo, sendo o escoamento predominantemente rotativo. Isso pode ser

observado no plano vertical afastado da hélice, em que os vetores não apresentam grande

variação nesta direção, e nas linhas de corrente. Na região central do poço, sob o eixo do rotor,

os valores da velocidade são praticamente nulos, o que pode indicar um ambiente de mistura

inadequada.

Figura 4.10. Diferentes vistas das linhas de corrente, no SpinΩ.

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Planos Seccionando a Hélice Planos Afastados da Hélice

(a) umáx=0,0485 m/s

umín=9,14 x 10-7 m/s

(b) umáx=0,0312 m/s

umín=9,144 x 10-7 m/s

(c) umáx=0,0523 m/s

umín=0,0096 m/s

(d) umáx =0,0214 m/s

umín=0,0105 m/s

Figura 4.11. Campos de velocidade em um plano vertical, (a) seccionando a hélice do rotor e

(b) afastados dela. Campos de velocidade em um plano horizontal, (c) seccionando a hélice

do rotor e (d) afastados dela.

Devido às grandes variações de magnitude e direção no campo de velocidades na região

próxima a hélice do rotor, a concentração de tensões de cisalhamento também é maior nesta

região, atingindo valores da ordem de 0,9 Pa. Como o campo de velocidades é mais uniforme

na maior parte do volume de fluido, as tensões de cisalhamento são significativamente menores

nestas regiões, da ordem de 0,1 Pa. A figura 4.12 apresenta a distribuição de cisalhamento em

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todo o volume de fluido e os valores máximo, na borda da hélice, e mínimo, no centro do fundo

do poço. Na figura 4.13, é possível observar a grande concentração de tensões na região

próxima à hélice, em dois planos que a seccionam (os mesmos em que são dadas as

velocidades). A tensão de cisalhamento atinge valores máximos de 0,72 Pa no plano vertical e

0,78 Pa no plano horizontal.

Tensão de Cisalhamento Máxima [Pa] 0,9319

Tensão de Cisalhamento Mínima [Pa] 0,0015

Figura 4.12. Distribuição de tensão de cisalhamento [Pa].

Figura 4.13. Tensão de cisalhamento em um plano horizontal e um vertical [Pa].

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4.5. Resultados - Placa de Agitação Orbital

Para o caso da placa de agitação orbital, foram realizadas simulações de escoamento

laminar e turbulento. De acordo com os resultados, podemos afirmar que os efeitos da

turbulência sobre o escoamento são pouco significativos e que a aproximação de escoamento

laminar, utilizada neste e em outros trabalhos (SALEK, SATTARI e MARTINUZZI, 2011,

JONATHAN, 2011, FILIPOVIC, 2016), é válida para representar o movimento do fluido

nestas condições. Além disso, a simulação de escoamento laminar requer custo computacional

muito mais baixo, o que permite um melhor refinamento da malha e a solução do problema em

mais instantes de tempo.

As figuras 4.14 e 4.15 mostram os campos de velocidade e a distribuição da tensão de

cisalhamento em dois planos e no volume total de fluido, obtidos considerando escoamento

laminar e turbulento, em um tempo t=10s. O plano horizontal está posicionado a 1,5mm do

fundo do poço. Diferenças podem ser observadas próximo às paredes laterais, o que pode ser

associado às aproximações do modelo de turbulência, que descrevem o escoamento na parede

com funções de parede, enquanto no escoamento laminar é aplicada condição de não

deslizamento. Além disso, os resultados do escoamento turbulento exibem maiores regiões com

tensões de cisalhamento mais altas, acima de 0,03 Pa, enquanto nos resultados da simulação de

escoamento laminar, estes valores estão concentrados em uma pequena região próxima à

parede e o restante do volume de fluido apresenta uma distribuição mais uniforme de tensões

e com magnitude mais baixa, de até 1,5 Pa. Além das aproximações do modelo de turbulência,

essas diferenças foram associadas às malhas utilizadas. Devido ao custo computacional

elevado, a malha utilizada para simular o escoamento turbulento foi menos refinada que a

utilizada para o escoamento laminar.

O padrão do escoamento e as magnitudes máximas calculadas, no entanto, são

compatíveis. Em ambos os casos, as velocidades máximas alcançam um valor de

aproximadamente 0,12 m/s e se encontram na região em que a altura de fluido é mais baixa,

próximo à superfície livre, em uma altura de aproximadamente 1,29 mm. Estas regiões,

também exibem os maiores gradientes de velocidade, e, portanto, as maiores tensões de

cisalhamento. Em ambos os casos a tensão de cisalhamento máxima é aproximadamente 0,05

Pa. Sob as regiões onde a superfície tem maior elevação e perto das paredes laterais, as

velocidades são mais baixas, tendo um valor mínimo de 0,089 m/s.

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Escoamento Laminar Escoamento Turbulento

umáx=0,125 m/s

umín=0,089 m/s

umáx=0,113 m/s

umín=0,089 m/s

umáx=0,125 m/s

umín=0,089 m/s

umáx=0,112 m/s

umín=0,089 m/s

umáx=0,122 m/s

umín=0,090 m/s

umáx=0,111 m/s

umín=0,090 m/s

Figura 4.14. Campos de velocidade obtidos nas simulações de escoamento laminar e

turbulento, para o volume de fluido, um plano de corte vertical, e um plano horizontal a

1,5mm do fundo do poço, em um tempo t=10s.

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Escoamento Laminar Escoamento Turbulento

τmáx=0,053 Pa

τmín=1,49 x 10-11 Pa

τmáx=0,048 Pa

τmín=0,0034 Pa

τmáx=0,038 Pa

τmín=9,8 x 10-4 Pa

τmáx=0,039 Pa

τmín=0,0039 Pa

τmáx=0,040 Pa

τmín=1,5 x 10-11 Pa

τmáx=0,029 Pa

τmín=0,0053 Pa

Figura 4.15. Distribuição da tensão de cisalhamento obtida nas simulações de escoamento

laminar e turbulento, para o volume de fluido, um plano de corte vertical, e um plano

horizontal a 1,5mm do fundo do poço, em um tempo t=10s.

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Em conjunto com o campo de velocidades calculado, as linhas de corrente (figura 4.16)

mostram que o escoamento na placa de agitação orbital é capaz de oferecer boa mistura. Em

todo o seu volume, o fluido se movimenta em todas as direções, não sendo exibidas regiões de

velocidade nula. Embora as velocidades sejam altas, em comparação com os resultados do

SpinΩ, sua distribuição é muito mais uniforme. A velocidade varia de um mínimo de 0,089

m/s a um máximo de 0,12 m/s, em todo o volume de fluido. Consequentemente, as tensões de

cisalhamento são muito mais baixas e o escoamento, menos agressivo aos organoides.

Figura 4.16. Linhas de corrente tangentes à velocidade do fluido relativa à velocidade do

poço.

Os resultados ao longo do tempo mostraram que o escoamento é mais intenso no início

do movimento, quando os picos de velocidades alcançam valores próximos de 0.14 m/s e

decaem com o tempo. A figura 4.17 mostra a variação no tempo da magnitude da velocidade

em um ponto situado a uma distância radial de 12,37 mm do centro do poço e distância vertical

de 2 mm do fundo do poço. Aproximadamente no instante de tempo t=5s, o escoamento atinge

regime quasi permanente e se torna periódico. A velocidade então oscila entre os valores

mínimo de 0,089 m/s e máximo de 0,123 m/s, com período igual ao do movimento do poço,

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ou seja 0,667 segundos (90 rpm). O gráfico também exibe a variação da velocidade relativa do

fluido, em relação ao movimento do poço, que oscila com a mesma frequência que a velocidade

absoluta e atinge máximos de 0,036 Pa em regime quasi permanente. Na figura 4.18 também

é possível observar o comportamento periódico do escoamento ao longo do tempo.

Figura 4.17. Variação no tempo da velocidades absoluta e relativa do fluido em um ponto a

2mm do fundo do poço (x=8,75mm, y=8,75mm, z=2mm).

A figura 4.18 exibe a distribuição da magnitude da velocidade no volume de fluido em

intervalos de tempo de 0,5T, onde T é o período do movimento, ou seja 0,667 segundos. No

início do movimento, ocorre maior deformação da superfície livre do fluido, de forma que o

fundo do poço fica exposto ao ar, até cerca de 3 segundos de movimento. A partir deste

momento, o fundo do poço fica totalmente coberto, condição necessária para manter todas as

células em cultura submersas. A elevação se torna mais branda ao longo do tempo, até que o

movimento esteja em regime quasi permanente. Neste momento, os campos de velocidade são

simétricos em instantes de tempo t e t+0,5T, devido à periodicidade do movimento.

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t=0,5T=0,33s

t=T=0,667s

t=1,5T=1s

t=2T=1,33s

t=2,5T=1,667s

t=3T=2s

Figura 4.18. Distribuição da magnitude da velocidade no volume de fluido em intervalos de

tempo iguais a metade do período do movimento (continua).

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t=3,5T=2,33s

T=4T=2,667s

t=4,5T=3s

t=5T=3,33s

t=5,5T=3,667s

t=6T=4s

Figura 4.18. (continuação) Distribuição da magnitude da velocidade no volume de fluido em

intervalos de tempo iguais a metade do período do movimento.

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Em regime quasi permanente, o volume de fluido realiza movimento de corpo rígido e

a superfície livre do fluido de cultura tem a forma de uma onda em rotação ao redor do centro

do poço. Assim como o campo de velocidade, a distribuição de tensão de cisalhamento e a

deformação da superfície realizam movimento periódico, com a mesma frequência de 90 rpm.

A figura 4.19 exibe a deformação simétrica da superfície do fluido em t=10s e, após metade de

um ciclo de movimento, em t=10,33s.

Figura 4.19. Elevação simétrica da superfície de fluido em 10s e 10,33s, intervalo de tempo

de meio ciclo de rotação.

O comportamento periódico do escoamento na placa de agitação é favorável ao

crescimento dos organoides em cultura, pois garante que as regiões de maior e menor

velocidades se alternem ao longo do tempo e percorram todo o volume do poço. Essa

uniformização do escoamento permite que todos os organoides sejam submetidos às mesmas

condições. Além disso, como comentado anteriormente, as oscilações da tensão de

cisalhamento no fundo do poço já foram reportadas como característica similar ao fluxo

sanguíneo in vivo (FILIPOVIC et al., 2016). Por essa razão, foi calculada a variação no tempo

da tensão de cisalhamento em quatro posições radiais no fundo do poço (figura 4.20). Na figura

4.21, esses pontos são localizados sobre a distribuição da tensão de cisalhamento no fundo do

poço em regime quasi permanente. De acordo com o gráfico da figura 4.20, no centro do poço

(r=1 mm), a tensão de cisalhamento é praticamente constante e vale aproximadamente 0,032

Pa. Quanto mais afastado do centro do poço, maiores são as oscilações: a tensão de

cisalhamento varia de 0,021 Pa e 0,037 Pa, em r=6 mm, e de 0,01 Pa a 0,04 Pa, em r=12 mm.

No instante de tempo t=10 s, a tensão de cisalhamento atinge seu máximo (0,045 Pa) em r=12,9

mm, e então passa a decair, quando se aproxima da parede lateral do poço, devido a condição

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de não deslizamento. Em r=16 mm, a tensão de cisalhamento varia de valores quase nulos a

0,023 Pa, e na parede vale 1,12 x 10-18 Pa.

Figura 4.20. Variação no tempo da tensão de cisalhamento em quatro posições radiais no

fundo do poço.

Figura 4.21. Distribuição da tensão de cisalhamento no fundo do poço, em t=10 s.

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Capítulo 5: Conclusões

Neste trabalho, foi analisada a dinâmica de fluidos computacional em dois sistemas de

cultura de organoides cerebrais por suspensão mecânica: o biorreator miniaturizado com rotor

de pás SpinΩ (QUIAN et al., 2016) e placas de agitação orbital. As características de cada

escoamento foram relacionadas com os resultados biológicos obtidos por GOTO et al. (2019)

em experimentos realizados nas mesmas condições que as simulações computacionais aqui

desenvolvidas, para comparar a eficácia de cada sistema em produzir um ambiente adequado

para o desenvolvimento celular.

De acordo com os resultados computacionais, a placa de agitação orbital é mais

adequada para a cultura de organoides, pois o campo de velocidades é mais uniforme e

apresenta magnitudes maiores que no SpinΩ. Devido ao padrão do escoamento e sua

periodicidade, todas as regiões do fluido na placa de agitação orbital estão em movimento, em

todos os instantes de tempo, e sofrem poucas variações de velocidade. Essas condições

proporcionam boa mistura, para manter os agregados suspensos, e um meio de cultura com

nutrientes uniformemente distribuídos. As características homogêneas do escoamento no

agitador orbital foram associadas, por GOTO, aos seus resultados biológicos, que mostraram

crescimento mais contínuo (figura 2.4.a e 2.4.b) e uma distribuição de tamanhos dos organoides

que se assemelha a uma gaussiana (figura 2.4.c), ou seja, um crescimento mais homogêneo das

amostras. Enquanto isso, no SpinΩ é observada uma região de velocidade praticamente nula,

sob o eixo do rotor, o que favorece a deposição dos agregados, e há mais variações no campo

de velocidade e distribuição de tensão de cisalhamento. A heterogeneidade do meio de cultura

foi compreendida como a causa da heterogeneidade das amostras de organoides geradas neste

sistema. De acordo com GOTO, no SpinΩ foram gerados agregados de diferentes tamanhos e

houve deposição no fundo do poço.

Embora as velocidades no SpinΩ sejam mais baixas, atingindo valores máximos de

apenas 0,05 m/s, a imposição interna de movimento cria regiões estreitas com grandes

variações de velocidade, próximas as hélices do rotor. Nessas regiões, são geradas tensões de

cisalhamento elevadas, de até 0,93 Pa. O que pode explicar o crescimento atrasado dos

organoides no SpinΩ, entre os dias 17 e 19 (figura 2.4.b). Enquanto isso, a agitação no agitador

orbital se mostrou muito menos agressiva, ainda que as velocidades tenham alcançado valores

de 0,123 m/s, pois os gradientes de velocidade são pequenos e as tensões de cisalhamento

máximas alcançam apenas 0,05 Pa. Além disso, embora tenha sido prevista exposição do fundo

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do poço no início do movimento do agitador orbital, este intervalo de tempo de 3 segundos é

insignificante, se comparado ao tempo de cultura dinâmica de vários dias previsto nos

procedimentos experimentais.

O agitador orbital se mostrou, portanto, um sistema capaz de oferecer melhor mistura e

homogeneização do meio, além de gerar tensões de cisalhamento consideravelmente mais

baixas que o SpinΩ. Em conjunto com os resultados biológicos da cultura, podemos concluir

que o agitador orbital é mais adequado para o cultivo de organoides cerebrais.

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