analise psa codigo florestal e teeb terra de direitos

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    O que este material? A Terra de Direitos apresenta este subsdio sobre Pagamento por Servios Ambientais por acreditar que o tema poder modificar radicalmente a forma de lidar com o meio ambiente, o uso e a ocupao do solo e com os conhecimentos tradicionais e modos de vida associados conservao e ao uso sustentvel da biodiversidade. Nos ltimos 03 anos, a idia de Servios Ambientais foi incorporada ao discurso de setores empresariais e de governo, dando origem a uma acelerada tentativa de reestruturao de marcos legais e polticas pblicas em diversas reas- do meio ambiente e agricultura a energia e transportes - tudo isso para regulamentar uma transio para o que chamam de economia de baixo carbono e economia da biodiversidade, ou seja, uma economia verde, que seria menos poluente e degradante do meio ambiente. No se trata apenas de uma nova linguagem ou da valorizao das atividades de conservao ambiental que povos e comunidades tradicionais incorporam aos seus modos de viver e criar: as propostas incluem uma transformao na maneira como essas atividades foram compreendidas historicamente. Assim, fundamental que compreendamos essas transformaes e suas implicaes para os modos de vida e direitos territoriais dos agricultores, povos indgenas, povos e comunidades tradicionais. Para contribuir com esta tarefa, oferecemos um primeiro levantamento de informaes e um panorama das propostas de regulamentao e das leis existentes sobre o tema no Brasil, principalmente sobre a proposta de modificao do Cdigo Florestal e sua substituio por instrumentos flexveis ou de mercado, os chamados pagamentos por servios ambientais. As duas propostas legais conjugam-se para por em prtica a dita economia verde como principal pilar para a conservao e uso sustentvel da biodiversidade. A pergunta que orienta este material : colocar preo na biodiversidade e nas funes dos ecossistemas, como prope esta nova economia que se diz verde, a sada para a proteo do meio ambiente e dos modos de vida das populaes mais afetadas com sua degradao? Boa leitura!

    O QUE SO OS PAGAMENTOS POR SERVIOS AMBIENTAIS (PSA)?

    O Pagamento por Servios Ambientais um mecanismo criado para fomentar a criao de um novo mercado, que tem como mercadoria os processos e produtos fornecidos pela natureza, como a purificao da gua e do ar, a gerao de nutrientes do solo para a agricultura, a polinizao, o fornecimento de insumos para a biotecnologia, etc. O PSA , portanto, um dos instrumentos elaborados para tentar solucionar os problemas ambientais dentro da lgica do mercado, sem questionar as estruturas do capitalismo. Desde a dcada de 1970, quando a crise ambiental tornou-se evidente, uma forte corrente da economia passou a construir um conjunto de teorias para defender que o capitalismo pode oferecer, por meio do mercado, solues para a crise ambiental. Essas propostas incluem trs mecanismos principais: a) a internalizao dos custos ambientais (a poluio por exemplo) na produo, por meio do estabelecimento de taxas pblicas; b) a atribuio de valor econmico para a biodiversidade e os ecossistemas e c) o estabelecimento de direitos de propriedade a recursos e ecossistemas que possuam as caractersticas de bens comuns. Segundo os defensores dessas idias, a degradao ambiental seria apenas uma falha do mercado, ocasionada pelo fato de que o preo das mercadorias produzidas (como os alimentos, por exemplo) no

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    incorporam a totalidade dos recursos usados na sua produo. O problema da poluio, seria explicado, por sua vez, pelo fato de que a ausncia de direitos de propriedade sobre os bens comuns (como o ar e a gua, por exemplo) constitui um incentivo para que no haja qualquer incentivo para a preservao, dando origem ao que se chama de Tragdia dos bens comuns. A lgica dessas teorias que a nica possibilidade de garantir a preservao ambiental a insero dos processos ecolgicos e dos bens ambientais no mercado. Para isso, fundamental que exista possibilidade de valorao monetria, para viabilizar a comercializao e tambm a criao de leis que, por meio do estabelecimento de obrigaes, criem a demanda para o mercado hoje inexistente. Impor limites ao crescimento de uma cadeia produtiva cuja atividade lucrativa provoca a poluio dos rios e mares e a emisso de CO2, por exemplo, gera enormes custos para a indstria. Impedir o avano da fronteira agrcola do agronegcio sobre as florestas tambm gera uma perda de lucros futuros com o avano de commodities agrcolas como a soja. Deste modo, de forma ardilosa, tanto o mercado do carbono como o mercado dos pagamentos por servios ambientais foram pensados para gerar lucros com os limites ambientais ao crescimento. A floresta em p, a terra parada ou atividades e tecnologias pintadas de verde, como o plantio direto1, - que coloca a agricultura de baixo carbono como um dos maiores mercados de pagamentos por servios ambientais -, passam a gerar valor em capital, criando um mercado lucrativo, e que autoriza a continuidade da cadeia produtiva emissora e degradante do ambiente.

    Esse novo mercado seria naturalmente eficiente para evitar a escassez de alguns recursos naturais, gerada pelos grandes poluidores e depredadores, assim como para socializar com todos os cidados os custos gerados com a conservao destes recursos Essas idias passaram a ganhar fora nos ltimos anos, pois bens comuns acessveis a todos, como a gua, o carbono e os componentes da biodiversidade, tornam-se cada vez mais escassos e representam custos adicionais para as cadeias de produo que os tm como matria-prima. A degradao ambiental representa uma ameaa concreta prpria reproduo do capital. Sob o risco da escassez, tais bens se tornam objeto de preocupao no apenas de ambientalistas e dos povos que tem seu modo vida estreitamente vinculado biodiversidade, mas tambm da indstria e do agronegcio, adquirindo valor monetrio e se tornando mercadorias. Dessa forma, a Economia Verde ou a Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade apresenta-se como a grande soluo para a crise ambiental e tambm uma excelente oportunidade de criao de novos negcios para as empresas e um novo fluxo de recursos financeiros, muito conveniente no contexto das sucessivas crises econmicas. o chamado ganha-ganha. Mas, no por um passe de mgica que esse novo mercado ser constitudo, nem todos estaro nele includos. A transformao de bens ambientais em mercadoria e o processo de privatizao dos bens comuns trazem consigo uma proposta de profunda alterao nos modos de gesto desses bens, que pode ter graves implicaes sobre os direitos territoriais, como ser analisado ao longo do texto. Por enquanto, necessrio ressaltar que do ponto de vista de sua eficincia para conservao ambiental, a Economia Verde objeto de diversas crticas:

    1 O plantio direto um sistema diferenciado de manejo do solo, visando diminuir o impacto da agricultura e das

    mquinas agrcolas (tratores, arados, etc) sobre o mesmo. Por no revolver o solo atravs do plantio sob a palha, identificado como atividade agrcola menos emissora de GEE, constituindo-se como a principal tecnologia de uma agricultura de baixo carbono. No entanto, o plantio direto em uma agricultura industrial de larga escala, segue o padro tecnolgico altamente dependente de combustveis fssil, com a aplicao de herbicidas ps-emergncia para facilitar a morte da planta para cobrir o solo com a palha. Procedimento que torna questionvel sua identificao como tecnologia verde que deve ser incentivada atravs de pagamentos por servios ambientais como parte de uma agricultura de baixo carbono.

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    1) A insero dos servios ambientais no mercado gera um mecanismo perverso, em que quanto maior a degradao, maior o valor dos servios ambientais. Ex: quanto mais emisses e quanto mais degradao do meio, mais pagamento por crditos de carbono e por servios ambientais para autorizar o dano. O lucro de um o lucro do outro! A frmula estritamente econmica e nada tem a ver com conservao e uso sustentvel.

    2) Os critrios utilizados para a precificao dos recursos tm como fundamento os valores que se formam no mercado e no a sustentabilidade ambiental. Os mecanismos de precificao da natureza e dos processos ecossistmicos esto necessariamente vinculados uma lgica produtivista, relacionada lucratividade, que no tem relao direta com a sustentabilidade ambiental.

    3) A agenda da Economia Verde no prev a modificao dos padres de consumo e prev estimular a mudana parcial dos padres de produo unicamente por meio da atribuio de preo biodiversidade e privatizao dos bens comuns. Com isso, a sociedade no deixar seus modos destruidores, mas sim ir criar um novo mercado para regular essas atividades, gerando mais privatizao dos valores sociais e ambientalmente gerados. Ao passo que, de um lado, gera-se a privatizao e o comrcio desses bens comuns, de outro se gera a autorizao daquele que comprou crdito de compensao de carbono, ou que pagou pelos servios ambientais de continuar emitindo GEE (gases efeito estufa) ou continuar poluindo rios e degradando o ambiente. A degradao, portanto, no diminui. Pelo contrrio, a natureza se converte em produto do mercado, inclusive do mercado financeiro.

    4) Ainda que os mecanismos da Economia Verde possam gerar empreendimentos e tecnologias orientadas pelos princpios da sustentabilidade, o que, como visto acima, questionvel, a tendncia geral do sistema permanece a mesma: a necessidade de produo sempre crescente, a comercializao de um volume cada vez maior de mercadorias, levando ao consumo acelerado dos recursos naturais e de sua degradao, com a produo de resduos e degradao.

    COMO FUNCIONA O MERCADO DOS PAGAMENTOS POR SERVIOS AMBIENTAIS?

    A regulamentao legal internacional e nacional crucial para a criao do mercado de servios ambientais. por meio da regulamentao que sero estabelecidos os critrios de precificao e estabelecidas as condies de obrigatoriedade de pagamento e, portanto, definidas as regras do jogo: o que se vende, quem vende, quem compra, quanto custa e quais so os direitos dos compradores e vendedores. A demanda por servios ambientais ser gerada por aqueles que no tem como (ou no querem) cumprir as obrigaes de no poluir ou no degradar o meio ambiente, mas que podem comprarou recompensar aqueles que contribuem para a preservao. Esse mecanismo chamado de limite e comrcio (em ingls cap and trade) , que permite que, por meio de compensaes, os poluidores no sejam obrigados a modificar seus padres de produo. O Protocolo de Kyoto, por exemplo, ao passo que impe metas e limites para emisses dos pases que mais emitiram os GEE, tambm autoriza a compra de permisses e crditos de compensao das emisses de CO2 acima do limite estabelecido, dos pases que esto abaixo do limite ou que no tm limites a cumprir, como os pases do Sul. Com o limite (comando e controle) cria-se a demanda e a escala, e com a flexibilizao, cria-se o mercado para gerenciar os custos gerados com a imposio dos

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    limites. Este mercado tende a crescer caso seja estendido os limites de emisses de GEE ao mesmo tempo em que se autoriza a compensao de emisses atravs do mercado de REDD e REDD+2. Do mesmo modo, o Plano Estratgico para 2020, aprovado no mbito da Conveno da Diversidade Biolgica (CDB) em 2010, ao passo que impe limites mnimos de conservao da biodiversidade por meio da definio de 20 metas, incorpora tambm como meta a necessidade dos pases desenvolverem instrumentos de mercado capazes de custear o limites mnimos estabelecidos. Deste modo, as metas de proteo de no mnimo 17% dos ecossistemas terrestres e de gua doce, e 10% dos ecossistemas marinhos e costeiros do planeta; a reduo pela metade das taxas de perda de habitats naturais, inclusive florestas, ou a recuperao de 15% de ecossistemas degradados, devem ser atingidas atravs da internalizao dos valores econmicos da biodiversidade nas contas nacionais dos pases. Para dar suporte a essa proposta, a CDB incorporou uma metodologia de precificao ou valorao da Biodiversidade elaborada em um estudo denominado A Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade- TEEB (em ingls, TEEB - The economics of ecosystems and biodiversirty). A metodologia proposta pelo TEEB foi divulgada como uma soluo s dificuldades de valorao ambiental, por ser capaz de dar um valor econmico expresso em dinheiro a qualquer funo ecossistmica ou a quaisquer valores culturais associados biodiversidade, desde a polinizao das abelhas aos valores espirituais das comunidades.

    O que o TEEB A Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade Estudo encomendado pelo G8+5 em 2007, vinculado ao Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente3, para criar uma metodologia para estipular valor econmico biodiversidade. Isso ir permitir uma simplificao dos valores da biodiversidade necessria para ser apropriada pelo mercado produtivo e financeiro. O estudo foi coordenado pelo economista indiano Pavan Sukhdev, que tambm chefe da diviso de novos mercados globais do Banco Alemo, Deutsche Bank. O TEEB consolida o tratamento da natureza como mercadoria, podendo ser medida e valorada com preciso, apropriada e negociada pelo mundo corporativo. O TEEB tenta resolver a falha de mercado que os bens comuns representam para o capitalismo, j que os recursos naturais, como ar, gua, biodiversidade, beleza cnica etc, possuem uma caracterstica pblica e por isso torna-se impossvel excluir algum do acesso e do consumo destes recursos e de seus benefcios, ou de seus servios. Apesar de seu alto valor para a sobrevivncia e bem estar da humanidade, a biodiversidade no incorpora o preo como outras mercadorias. a chamada tragdia dos comuns (HARDIN, Garret), o que significa suboferta dos servios ambientais ou a baixa disposio de algum agente financeiro em custear a conservao em prol de todos os outros beneficirios.

    2 O mecanismo de Reduo de Emisses do Desmatamento e da Degradao (REDD) foi criado no mbito da

    UNFCCC (Conveno Marco das Naes Unidas sobre Mudana do Clima). Introduzido nas negociaes como proposta em 2005, teve carreira meterica e hoje ocupa um lugar central na definio de um novo regime climtico internacional. Como resultado da COP 16, realizada em Cancn, 2010, o mecanismo foi oficialmente introduzido nas medidas de mitigao a serem contabilizadas em um novo acordo global. O mecanismo de REDD +, como chamado, inclui, alm do pagamento por aes de conservao dos estoques de carbono florestal, o desmatamento evitado em relao a uma linha base de desmatamento (ou seja, quanto seria desmatado com a ausncia de um incentivo positivo de REDD), tambm o incremento dos estoques de carbono e o Manejo Florestal Sustentvel. Atualmente o debate nas negociaes est em torno das metodologias para Medir, Informar e Verificar (MRV) as redues de emisses evitadas; o financiamento do mecanismo (fundo ou mercados, ou sistema hbrido) um tema central COP 17 que ser realizada em Durban, frica do Sul. O Brasil se apressa para a montar seu sistema nacional de REDD, desde 2009 conta com um Projeto de Lei de REDD, atualmente reproposto pela Deputada Rebecca Garcia PP, com n. PL 195/2011.

    3 TEEB sediado pelo Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente e conta com o apoio da Comisso

    Europeia; do Ministrio Federal do Meio Ambiente da Alemanha; o Ministrio do Meio Ambiente, Alimentao e Assuntos Rurais do Reino Unido; do Departamento para o Desenvolvimento internacional do Reino Unido; do Ministrio para Assuntos Externos da Noruega; do Programa Interministerial para a Biodiversidade da Holanda e da Agncia Internacional de Cooperao para o Desenvolvimento da Sucia.

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    Para resolver este gargalo de mercado, o TEEB prope a visibilizao dos valores econmicos da biodiversidade, a partir da capacidade de determinados recursos em satisfazer as necessidades da humanidade, ou melhor, do prprio capital. Com isso o estudo pretende introduzir a biodiversidade e seus servios entre as alternativas de ao dos agentes do mercado financeiro diante de um cenrio de escassez dos recursos naturais.

    Os valores econmicos dependem do grau de satisfao, mas satisfao de quem? O TEEB divide os valores econmicos da biodiversidade em valores de uso e valores de no uso. Os valores de uso podem ser de uso direto (aqueles que beneficiam diretamente, como o alimento, a madeira, medicamentos, a beleza cnica e o turismo), de uso indireto (aqueles que beneficiam indiretamente, como a regulao do clima, o armazenamento de carbono, a manuteno dos ciclos hidrolgicos), e os valores de opo (deixar a opo ou expectativa de uso futuro da biodiversidade, como para fins medicinais). J os valores de no uso so atribudos por um agente independentemente dele mesmo se beneficiar do uso, so os valores de legado e os valores de existncia. Valor de legado aquele atribudo a algo para que seja conservado para geraes futuras (habitats, espcies ameaadas etc.), enquanto que os valores de existncia so aqueles atribudos a algo independentemente de seu uso, como a importncia de se proteger uma espcie em seu habitat, como o urso polar. Tirando os valores de uso direto, os demais benefcios providos pelos ecossistemas no possuem mercado, portanto no h um preo. Todos estes valores, assim como os culturais, religiosos e sociais, dependem de quem o sujeito que valora. As comunidades locais que detm inmeras formas no catalogadas de uso, manejo e tcnicas sociais ligadas a conservao e uso sustentvel da biodiversidade, com certeza valoram os componentes da biodiversidade de forma muito diversa do estabelecido pelo TEEB. A frmula simplificadora do TEEB, necessariamente leva fixao de poucas variveis ou indicadores de diversidade, j que um preo imposto pelo custo de oportunidade para a cadeia produtiva que ir expressar o valor do servio ambiental ignorando assim todas as demais formas de valorizao, inclusive aquelas ligadas aos direitos humanos. Para determinar este custo de oportunidade, o TEEB apresenta um cenrio comparativo dos custos em se manter a biodiversidade em relao aos custos gerados para a empresa com a realizao dos danos ambientais. O Estudo determina vrias formas de clculo, mas todas elas partem do pressuposto da comparao entre ter um projeto de PSA e dos custos de no t-los. O PSA gua, por exemplo, apresenta a conta dos custos de investimento em pagamento por servios ambientais aos agricultores para preservarem as nascentes e cursos dgua, em comparao aos custos com estaes de tratamento. Nesse exemplo, o preo pelo PSA seria calculado pelo valor do tratamento da gua. A ausncia de polinizadores, por exemplo, geraria custos adicionais para a agricultura, seja para disperso mecnica de sementes (semeadeira, diesel, mo de obra) e a regulao qumica de pragas (aumento dos custos da produo com agrotxicos e etc.). Assim, o servio de um beija flor ou das abelhas iriam adquirir um preo a depender do valor das commodities agrcolas e do pacote tecnolgico. E para estes novos proletrios da natureza no h sindicatos que lutem por seus direitos, contra a mais valia sobre seu trabalho! Dessa forma, ser atravs das necessidades do capital e da cadeia de produo que sero estipulados os valores pelos servios prestados pela biodiversidade e ecossistemas. Se valer a pena financeiramente pagar para manter a floresta em p como valor de opo (especulao da terra e dos recursos) para fazer reserva de mercado para o desenvolvimento futuro de medicamentos e cosmticos, o mercado favorece as florestas. Caso as commodities agrcolas se valorizem, no h motivo para a conservao. Ou ainda, o mercado pode comprar e vender servios prestados por agricultores para recomporem mata ciliar ou conservarem manguezais para evitar desastres ambientais e deslizamentos valor de uso indireto- se o clculo econmico valer a pena.

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    COP 10: Biodiversidade como mercadoria Diante do problema da conservao e uso sustentvel dos ecossistemas e da biodiversidade, os Pases criaram no mbito da ONU um sistema de comando e controle, para impor limites aos pases mais desenvolvidos que historicamente degradam o planeta e saqueiam recursos naturais dos pases provedores do Sul para empreender seu desenvolvimento econmico. Deste modo, mecanismos foram criados para que houvesse o investimento financeiro destes pases do Norte, como forma de reparao para incentivar medidas de proteo e uso sustentvel da biodiversidade nos pases do Sul, como o regime finalmente aprovado pela CDB de Acesso e Repartio de Benefcios (ABS), aps quase 20 anos de negociao. A ferramenta econmica TEEB para operacionalizar o pagamento pelos servios ambientais autoriza os pases a compensar suas emisses e degradao atravs de crdito de compensao de carbono e de pagamento por servios ambientais. A proteo da biodiversidade vira um negcio e a possibilidade de sua preservao se resume ao custo de oportunidade. Com a recepo do TEEB no Plano Estratgico da Conveno da Diversidade Biolgica e a massiva presena do setor empresarial e corporativo nas negociaes de Nagoya, os mecanismos tradicionais de financiamento para garantir polticas pblicas efetivas para evitar a perda da diversidade biolgica correm o risco de ser rapidamente substitudas por mecanismos inovadores, com vistas gerao de mercados em detrimento do cumprimento das obrigaes das Partes e objetivos da Conveno. Ao colocar preo na biodiversidade e em seus servios, as convenes ambientais podero se tornar mais um espao de negociao de servios, produtos, tecnologias e ativos verdes para serem negociados pelos setores corporativo e financeiro. No por outro motivo que o TEEB para o setor de negcios foi traduzido pela Confederao Nacional das Indstrias (CNI) e vem sendo operacionalizado atravs dos chamados Pagamentos por Servios Ambientais, principalmente os PSA gua, PSA carbono e iniciando o PSA biodiversidade, que ganham fora com as tentativas de desmonte do Cdigo Florestal e a transferncia da proteo das florestas para os mercados e os custos de oportunidade. Ao introduzir a idia de pagamento por servios ambientais, o TEEB vai na contramo da luta histrica dos movimentos pelo pagamento da dvida ecolgica, resultante do saqueio colonial e das polticas de comrcio e explorao que subordinam os pases do sul. Corremos o risco de, ao assumir o TEEB e o mercado da biodiversidade, assumimos politicamente que estaramos perdoando a dvida ecolgica.

    A REGULAMENTAO NACIONAL DOS SERVIOS AMBIENTAIS Por enquanto ainda no foi formado um mercado de servios ambientais, mas j existem transaes contratuais entre usurio ou poluidor-pagador e fornecedores de servios ambientais. Tambm j surgiram algumas leis estaduais e municipais que implementam os pagamentos de servios ambientais, principalmente de gua (o PSA gua) e carbono (PSA carbono). A tentativa da regulamentao dos Pagamentos por Servios Ambientais cria o conceito do provedor-recebedor, que seria o agente econmico responsvel pela conservao ambiental que preserva um determinado servio ambiental. Esse conceito vem complementar o princpio do poluidor/pagador, presente na legislao brasileira desde a dcada de 1980 e segundo o qual o poluidor deve pagar pela degradao de um recurso natural.

    Iniciativas de PSA que j acontecem no Brasil O Programa Bolsa Verde em Minas Gerais (Lei 17.727/2008) e o Programa de Pagamento por Servios Ambientais e o FUNDGUA no Esprito Santo (Leis 8.995/2008 e Lei 8.960/2008) so as legislaes estaduais mais antigas que estabelecem pagamentos aos prestadores de servios ambientais pela

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    conservao de cobertura florestal para melhoria da qualidade e disponibilidade hdrica. As duas leis estaduais aproveitam os recursos dos fundos constitudos com a taxao da gua, como tambm os recursos especiais dos royalties do petrleo para realizar os pagamentos, inclusive para os desmatadores recomporem matas ciliares. O bolsa verde em MG tambm se destina a aes de recuperao e conservao da biodiversidade e de ecossistemas especialmente sensveis, regulamentando o PSA biodiversidade. Embora o programa priorize os agricultores familiares e pequenos agricultores de at 4 mdulos fiscais, prev que, progressivamente todos os proprietrios e posseiros sejam beneficirios. Posteriormente, So Paulo (por meio da Lei Estadual de Mudanas Climticas n. 13.798/2009 e do Programa Mina Dgua), o Paran (Lei do Prestador de Servios Ambientais n. 16.436/2010), Santa Catarina (Poltica Estadual de Servios Ambientais) e o Acre (Lei 2.308/2010 Sistema Estadual de incentivos a Servios Ambientais, que regulamenta inclusive a negociao dos crditos oriundos dos PSA, na bolsa de mercados e de futuros) tambm regulamentaram o mercado de PSA. Todos so viabilizados atravs de fundos estaduais que contam com a cobrana de compensao financeira pela gerao de energia hidreltrica4, cobranas pelo uso da gua e do fundo especial de petrleo. Conforme ser demonstrado a seguir, a grande diferena dessas leis estaduais para as propostas em trmite no Congresso a contratualizao do Pagamento por Servios Ambientais, ultrapassando-se o modelo de incentivo econmico, para a comercializao.

    INICIATIVAS DE PSA NO CONGRESSO NACIONAL * PL 792/07 Autor: Anselmo de Jesus (PT/RO) Apresentado em: 19/04/2007 Situao atual: o PL no 792/07 passou por diversas modificaes, resultantes, sobretudo, da encampao dos 10 Projetos de Lei apensados ao original. Adquiriu sua atual configurao em 2010, nos termos dos pareceres dos Dep. Fbio Souto (DEM/BA) e Moreira Mendes (PPS/RO), na Comisso de Agricultura e Desenvolvimento Rural, e do Dep. Jorge Khoury (DEM/BA), na Comisso de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentvel. Atualmente, o PL encontra-se na Comisso de Finanas e Tributao, aguardando parecer. O PL 792/07 foi o primeiro Projeto de Lei proposto no Congresso Nacional para regulamentar o pagamento por servios ambientais todos os que empreendem esforos para conservar e produzir os benefcios gerados pelos ecossistemas. Para justificar a Proposta de Lei, o autor enumera 10 recursos naturais prioritrios: uso do solo, recursos hdricos, biodiversidade, fauna e flora, recursos florestais, oceanos, recursos pesqueiros, atmosfera e energia. Aponta tambm os principais servios ambientais prestados por cada um deles, e identifica as principais causas de sua degradao, como o uso irracional e a super-explorao dos recursos, apontando os custos de sua escassez para o setor produtivo. Sem apontar as principais cadeias produtivas ou atividades de risco responsveis pela degradao e escassez dos recursos naturais identificados, o PL autoriza a continuidade das atividades que representam risco e dano ambiental e socializa com todos os cidados os custos econmicos, sociais e ambientais gerados por elas atravs da proposta de pagamento por servios ambientais a qualquer pessoa que quiser prestar tais servios ambientais. Se a principal causa da degradao dos ecossistemas a super-explorao dos recursos naturais pelo setor agrcola e industrial de larga escala, por que a medida do pagamento por servios

    4 A Compensao Financeira um ressarcimento pela ocupao de reas por usinas hidreltricas e um pagamento

    pelo uso da gua na gerao de energia, diferente da cobrana pelo uso da gua estabelecido com a Lei 9.433/97 que estabelece a cobrana dos usurios sujeitos a outorga, ou seja, as indstrias, agricultores, concessionrias de gua e energia (hidreltricas), hotis, condomnios e outros. Mas, no caso das concessionrias de gua fica facultada a elas a escolha de repassar ou no os custos ao consumidor final, ou seja, todos pagamos.

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    ambientais, inclusive para financiar os desmatadores, poderia resultar na conservao e uso sustentvel? Vale analisar que este Projeto altera significativamente a forma como a matria ambiental poder ser trabalhada em breve. A Legislao ambiental deveria sempre ser conduzida a partir dos princpios da princpios da precauo e da preveno, atravs da responsabilidade objetiva da pessoa que realiza uma atividade de risco natureza, da fixao de impostos extrafiscais, ou do cumprimento da funo scio ambiental da propriedade. E pior: a maioria dos PLs de pagamento por servios ambientais anexados a este PL, no s beneficiam os grandes poluidores e desmatadores ao cobrir os custos das conseqncias danosas de suas atividades, como colocam a culpa do mal uso dos recursos, nos pequenos agricultores e famlias pobres da zona rural, que por necessidade se utilizam de forma irracional dos recursos naturais. Hoje existem mais 10 Projetos de Lei anexados ao PL 972/2007 e todos eles apresentam como justificativa: a) as mudanas climticas, a escassez de recursos naturais e a necessidade de incentivar medidas de reduo de emisses e de degradao ambiental; b) incentivo s famlia pobres da zona rural que se utilizam de forma no sustentvel dos recursos; c) a falncia do sistema de comando e controle, que impem restries legais ao uso das terras (como a funo socioambiental); d) incentivar as boas prticas por meio de instrumentos econmicos. Embora sejam textos distintos, os dois substitutivos das Comisses de Agricultura e de Meio Ambiente da Cmara do as bases do regime jurdico proposto para a Poltica Nacional de Pagamento por Servios Ambientais, definindo seus principais conceitos, princpios, objetivos, as clusulas essenciais dos contratos e as principais estruturas e rgos administrativos que passam a apoiar a Poltica.

    O QUE A PROPOSTA DE REGIME DE PAGAMENTO POR SERVIOS AMBIENTAIS IR REGULAR ?

    Conceito legal Comentrios Objetivo Disciplinar as transaes contratuais de

    servios ambientais, mediante transferncia, pelo Poder Pblico ou pela iniciativa privada, de recursos financeiros ou outra espcie de remunerao, aos designados provedores de servios ambientais.

    Trata-se de organizao da produo e circulao de novas mercadorias entre pagador e fornecedor. O instrumento jurdico eleito o contrato privado, mais hbil e rpido para efetividade de negcios jurdicos (circulao de mercadorias) entre contratantes com condies scio-econmicas similares, chamado no direito de paridade de armas. A via do contrato civil para estabelecer relaes e negcios jurdicos entre partes em desigualdade scio-econmica a mais frgil possvel, onde vigora a lei do mais forte.

    Os pagamentos por servios ambientais via contrato de prestao de servios, pode representar imposio de obrigaes desproporcionais agricultores familiares, povos indgenas e povos e comunidades tradicionais, como j ocorre com os contratos de integrao e o prprio contrato de Acesso e Repartio de Benefcios (ABS- Acess & Benefits sharing, em ingls). Os contratos de integrao vm camuflando

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    relaes trabalhistas como se fossem relaes civis entre vendedor e comprador, legalizando a flexibilizao e a violao dos direitos trabalhistas (indstria do fumo, suno e avicultura etc.). Tambm os contratos de ABS levam os direitos das comunidades sobre seus conhecimentos e recursos para o mbito do mercado. Embora conte com a interveno do Estado como mediador entre empresas e comunidades, os contratos de ABS vem se mostrando incapazes de assegurar os direitos das comunidades.

    Escopo (Abrangncia da norma)

    - Quanto aos beneficirios: todos aqueles que prestarem servios ambientais que comprovem o uso e ocupao regular do imvel, e estejam cadastrados no Programa Nacional de Pagamento por Servios Ambientais. O substitutivo da Comisso de Meio Ambiente (CMADS) insere a prioridade de contratao pela Unio aos agricultores familiares, nos termos da Lei 11.326/2006. No entanto, os critrios de elegibilidade podem passar pela matrcula e tamanho da rea, o que exclui a maior parte dos pequenos agricultores da figura do provedor de servios ambientais. - Quanto a atividade: qualquer atividade destinada a manuteno, melhoramento, como tambm reflorestamento e recuperao dos servios ecossistmicos, seja com atividades agrcolas, agroflorestais e silvopastoris. - Quanto a rea: qualquer rea provedora de recursos ecossistmicos (proviso, suporte regulao, culturais). Desde as bacias hidrogrficas; rea com vegetao nativa de elevada diversidade biolgica, como tambm as passveis de regularizao ambiental (RL e APP); Quanto ao regime jurdico da rea: terras pblicas ou privadas, legalmente protegidas (regime de servido para as privadas), Unidades de conservao, terras indgenas, reas de proteo e recarga de aqferos, APPs, RL e corredores ecolgicos.

    O escopo amplo e no delimita os beneficirios, tampouco o objeto ou reas que podem integrar o regime. Para gerar demanda e escala a Lei amplia ao mximo sua abrangncia. A lei tambm inclui como reas beneficirias aquelas que necessitam de recomposio florestal, o que inclui os desmatadores de RL e APP como beneficirios dos PSA. Abre possibilidade irrestrita de compensaes ambientais e de carbono, inclusive em Unidades de Conservao, o que no significa aumento de conservao da biodiversidade. Pode gerar iniciativas de se pagar para cumprir a lei e no aumentar o reflorestamento, assim como apenas autorizar a manuteno e compensao das emisses.

    PRINCIPAIS CONCEITOS ESTABELECIDOS PELA PROPOSTA DE LEI CONSOLIDADA

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    Conceito Definio Comentrio Servios ecossistmicos

    Benefcios relevantes para a sociedade gerados pelos ecossistemas para manuteno, recuperao ou melhoramento das condies ambientais, podendo ser divididos entre: a)servios de proviso: fornecem diretamente bens ou produtos ambientais utilizados pelo ser humano para consumo ou comercializao, como gua, alimentos, madeira, fibras etc; b) servios de suporte: mantm a perenidade da vida na terra, tais como ciclagem de nutrientes, decomposio de resduos, produo, manuteno ou renovao da fertilidade do solo, a polinizao, disperso de sementes, controle de pragas e de vetores de doenas humanas, proteo contra radiao solar ultravioleta, manuteno da biodiversidade e do patrimnio gentico; c) servios de regulao: concorrem para manuteno da estabilidade dos processos ecossistmicos, como seqestro de carbono, purificao do ar, moderao de eventos climticos extremos, manuteno do equilbrio do ciclo hidrolgico, minimizao de enchentes e secas, controle dos processos crticos de eroso e deslizamentos de encostas;

    d) servios culturais: os que provem benefcios recreacionais, estticos, espirituais e outros benefcios no materiais sociedade humana;

    A prpria terminologia utilizada para conceituar as funes ecossistmicas como servios, demonstra o reducionismo da proposta. E quanto as funes no conhecidas pela cincia ou sem valor para a indstria, no sero incentivadas? Esta diviso completamente artificial construda por economistas no intuito de unificar as mtricas da biodiversidade em valores econmicos, pode levar ao absurdo de todos os elementos da biodiversidade, principalmente os relevantes para a indstria e o agronegcio, passem a ter um preo segundo as oportunidades e custos de mercado.

    servios ambientais

    Iniciativas individuais ou coletivas que podem favorecer a manuteno, recuperao ou o melhoramento dos servios ecossistmicos.

    As boas prticas e os conhecimentos tradicionais que favorecem a conservao e uso sustentvel da biodiversidade e da agrobiodiversidade j so reconhecidas internacionalmente (TIRFAA e CDB, por exemplo) e possuem regulamentao especfica para sua proteo e incentivo, como o regime de Acesso e Repartio de Benefcios (MP 2.186-16/2001), que NO PODE ser reduzido a um SERVIO. A acelerada forma como o regime de PSA est sendo colocada pode significar tentativa de burlar o recm firmado Protocolo de Nagoya de ABS. Ao invs de regulamentar pagamentos via contratos, por que no regulamentar a proteo aos conhecimentos tradicionais e o direito ao livre uso dos povos e comunidades a biodiversidade,

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    conforme 8j e 10 c da CDB? Pagamento por servios ambientais

    Transao contratual mediante a qual um pagador, beneficirio ou usurio de servios ambientais transfere recursos financeiros, ou outra forma de remunerao, nas condies acertadas, respeitadas as disposies legais e regulamentares pertinentes;

    O usurio-pagador pode eleger alguns servios ambientais para manter algumas funes ecossistmicas em detrimento de outras, o valor econmico e no ecossistmico que rege esta forma de PSA que ser regulamentada. O objeto do contrato pode ser, por exemplo, a qualidade e quantidade de vazo da gua/ms, quantidade de carbono captado/ano, e quantidade de polinizadores, como as abelhas mantidas numa rea. O provedor ter de garantir a entrega destes servios, sob pena de sano contratual e administrativa. Para assegurar o cumprimento contratual sob o risco de o provedor no entregar os servios, abre-se tambm um novo mercado para as seguradoras.

    Pagador de servios ambientais

    Poder pblico ou agente privado situado na condio de beneficirio ou usurio de servios ambientais, em nome prprio ou de uma coletividade;

    No caso do poder pblico so os contribuintes que arcam com os custos, inclusive podem ser sobretaxados (uso da gua) a fim de garantir os PSA para os fornecedores. J no caso do agente privado os PSA significam novo mercado apto a compensar emisses e degradao e a financiar os custos com o cumprimento da Lei. Os ativos de crdito verde, como a CRA, estabelecem o mercado financeiro e do condies para o desenvolvimento da nova bolha econmica verde, respondendo crise financeira com o verniz verde.

    Provedor de servios ambientais

    Pessoa fsica ou jurdica, de direito pblico ou privado, grupo familiar ou comunitrio que, preenchidos os critrios de elegibilidade, mantm, recupera ou melhora as condies ambientais de ecossistemas que prestam servios ambientais.

    Isto no significa que o agricultor ser remunerado para fazer o que sempre fez ou para manter as melhores condies sociais e ambientais naquele local, mas ter de desenvolver aes conforme os servios ambientais elegidos como obrigaes no contrato. A depender dos critrios de elegibilidade, e as demandas por escala, os pequenos agricultores

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    podem ficar fora do mercado de PSA. Por exemplo, um dos maiores mercados de PSA o seqestro de carbono do solo realizado pelo plantio direto. Comparando o potencial de prover este servio entre o agronegcio e a agricultura familiar, o primeiro leva incomparvel vantagem em funo da extenso das reas do agronegcio e potencial de mecanizao.

    ENTENDA OS CONTRATOS DE PSA

    1. Clusulas do contrato de PSA Ambos os substitutivos que esto na Cmara dos Deputados prevem as clusulas essenciais para o contrato de pagamento por servios ambientais, quais sejam:

    Quem so as Partes (pagador e provedor); O objeto do contrato, com a descrio dos servios a serem pagos ao provedor, a delimitao

    territorial da rea do ecossistema responsvel pelos servios ambientais e a sua inequvoca vinculao ao provedor;

    Os direitos e obrigaes do provedor, incluindo as aes de conservao assumidas, os critrios e indicadores de qualidade dos servios ambientais prestados;

    Os direitos e obrigaes do pagador, como o modo, as condies, prazos da fiscalizao e monitoramento;

    A obrigatoriedade, forma e periodicidade da prestao de contas do provedor ao pagador; Eventuais critrios de bonificao para o provedor que atingir indicadores de desempenho

    superiores aos previstos no contrato;

    Preos e formas de pagamento, critrios e procedimentos para reajuste; Casos de revogao e de extino do contrato; e Penalidades contratuais e administrativas a que est sujeito o provedor.

    2. Controle sobre a terra e o territrio Para garantir o monitoramento e a fiscalizao da prestao dos servios ambientais contratados fica assegurado ao pagador o PLENO ACESSO REA o objeto do contrato e aos dados relativos s aes de manuteno, recuperao e melhoramento ambiental do ecossistema assumidas pelo provedor, respeitando-se os limites de sigilo ou constitucionalmente previsto5.

    5 Art. 6 No exerccio da fiscalizao e monitoramento dever ser assegurado ao pagador pleno acesso rea objeto

    do contrato e aos dados relativos s aes de manuteno, recuperao e melhoramento ambiental do ecossistema assumidas pelo provedor, respeitando-se os limites do sigilo legal ou constitucionalmente previsto. 1 No caso de propriedades rurais,

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    O contrato de pagamento de servios ambientais para as propriedades rurais poder ser vinculado ao imvel por meio da instituio de servido ambiental, ou seja, atravs da renncia do provedor aos direitos de supresso ou explorao da vegetao, em carter permanente ou temporrio. Este dispositivo especialmente problemtico j que garante ao PAGADOR o direito de livre acesso terra e territrio, assim como a sistemas de conhecimentos dos provedores dos servios. Para atender as obrigaes contratuais, as comunidades prestadoras de servio passam a deixar de usar a terra e o territrio, tornando-se agentes de fiscalizao destes, sob pena de descumprimento contratual. Em ltima instncia, esta dinmica representa a transferncia da dvida ambiental s comunidades pobres do Sul, o que significa srio risco sobre o controle da terra e territrio dos pases em desenvolvimento e aos modos de vida de seus povos associados ao manejo e conservao das florestas.

    3. Desmatadores podero ser pagos com o dinheiro do contribuinte para recompor reas Embora o texto aprovado na Comisso de Meio Ambiente no preveja um Subprograma por recurso natural que ser objeto dos servios ambientais pagos, como faz o Substitutivo da Comisso de Agricultura que prev seis Subprogramas que compem o Programa Federal de PSA (ProPSA), ambos os Substitutivos ampliam quase que sem restries o rol de aes e de reas que podem estar sob o regime jurdico do Pagamento por Servios Ambientais. Dentre os subprogramas estabelecidos est o reflorestamento e recuperao de reas degradadas, destinado a aes e iniciativas de recuperao e conservao dos solos e recomposio da cobertura vegetal de reas degradadas. Deste modo, o reflorestamento de APPs e Reserva Legal exigidas por lei, podem ser pagas com o dinheiro do contribuinte. Isso j ocorre no Programa de pagamentos por servios ambientais da Costa Rica, em que se paga para se cumprir a Lei, como tambm o caso do projeto produtores de gua de Extrema- MG para restaurar as APPs, Lei 2.100/2005.

    4. Iseno de Impostos e dispensa de licitao Os substitutivos tambm isentam os valores monetrios percebidos pelo provimento de servios ambientais do Imposto sobre a Renda e da Contribuio social sobre lucro lquido, assim como no integram a base de calculo para PIS/PASEP ou Cofins - Contribuio para financiamento da seguridade social. O texto final aprovado na Comisso de Meio Ambiente da Cmara tambm dispensa licitao para a contratao pelo poder pblico de provedores ou recebedores de servios ambientais, a no ser que haja competio entre provedores. Alm de ganhar com o desmatamento ilegal, ter as multas e penas ambientais extintas, ser financiado pelos impostos de todos para recompor a RL e APP, os grandes desmatadores que quiserem prestar servios ambientais tambm estaro isentos de impostos e licitao, se contratados pelo poder pblico. Na forma em que se encontra o regime de PSA este dispositivo s aumentar a impunidade e incentivar mais desmatamentos por parte do agronegcio, que se sente premiado com a Reforma do Cdigo e com a poltica de pagamentos.

    5. Os contribuintes pagaro a conta, inclusive atravs de novas dvidas internacionais Quanto as fontes de recursos para o pagamento dos servios ambientais por meio do Programa Federal de PSA, o Projeto de Lei cria o FunPSA, o Fundo Federal de Pagamento por Servios Ambientais. Este fundo ser composto pelas seguintes fontes: at 40 % (quarenta por cento) dos recursos provenientes do

    o contrato poder ser vinculado ao imvel por meio da instituio de servido ambiental. (Art. 6 do substitutivo do substitutivo da Comisso de Meio Ambiente e art. 9 da Comisso de Agricultura)

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    fundo especial do petrleo (o inciso II do 2 do art. 50 da Lei n 9.478, de 06 de agosto de 1997 da Lei do petrleo); dotaes consignadas na Lei Oramentria Anual da Unio e em seus crditos adicionais; recursos decorrentes de acordos, ajustes, contratos e convnios celebrados com rgos e entidades da administrao pblica federal, estadual, do Distrito Federal ou municipal; doaes realizadas por entidades nacionais e internacionais, pblicas ou privadas; emprstimos de instituies financeiras nacionais ou internacionais, a reverso dos saldos anuais no aplicados; receitas oriundas da cobrana pelo uso dos recursos hdricos (Lei 9.433/97), aplicadas prioritariamente na mesma bacia de origem.O dinheiro para garantir os pagamentos, alm das doaes como se a proteo da biodiversidade fosse um filantropia dos pases desenvolvidos e no um obrigao, poderia ser adquirid8o atravs da velha frmula dos endividamentos com instituies financeiras internacionais! timo negcio para a recapitalizao do Banco Mundial, FMI e etc.

    Principais divergncias entre os Substitutivos da Comisso do Meio Ambiente e a Comisso de Agricultura

    1. Comisso Nacional e competncia regulamentadora A Comisso de Agricultura confere amplos poderes a uma Comisso Nacional da Poltica de Pagamento por Servios Ambientais, criada para implementar a Poltica Nacional de Pagamento por Servios Ambientais (PNPSA), gerenciar o Programa Nacional de PSA (ProPSA) e para acompanhar e fiscalizar as aes do Fundo Federal FunPSA. Este seria um rgo colegiado composto por representantes de sete Ministrios e outros rgos estatais (como Agncia Nacional de guas; BNDS; ICMbio, Embrapa, FUNAI) e sete representantes da sociedade civil - rgos pblicos estaduais e municipais de meio ambiente, ONGs e federaes patronais e de trabalhadores da agricultura e da pesca. A exemplo de outras Comisses, como a CTNBio, a competncia de regulamentar a matria encarcerada em um espao restrito e no paritrio. Dentre as competncias delegadas a esta Comisso est a elaborao de critrios de elegibilidade para recebimento de remunerao pelos Servios ambientais. Se for definido que para se habilitar no cadastro de PSA necessrio apresentar matrcula da rea, a Comisso retira todos os NO proprietrios de terra da Poltica de Pagamento por Servios Ambientais. A Comisso tambm fica responsvel pela definio de valores a serem pagos pelos servios e dever considerar a qualidade do servio, a extenso da rea e a condio socioeconmica do beneficirio. A divulgao dos servios ambientais beneficiados e a manuteno do Cadastro Nacional com os dados da pessoa fsica ou jurdica beneficiada, os valores dos servios, as reas contempladas e os servios prestados, tambm compem a competncia desta Comisso. J o Substitutivo da Comisso de Meio Ambiente tambm cria um rgo colegiado, mas no delega tantos poderes a uma Comisso, sendo sua atribuio o estabelecimento de metas, monitoramento de resultados e proposio de aperfeioamentos cabveis, de acordo com a regulamentao da Lei. Tambm a forma de composio do Colegiado paritria entre poder pblico, setor produtivo e sociedade civil, sendo presidido pelo rgo central do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama).

    2. Controle sobre o mercado financeiro e as emisses de crdito O texto da Comisso de Agricultura indica que o agente financeiro que controla o Fundo Federal de Pagamento por Servios ambientais ser o BNDES, podendo inclusive habilitar bancos pblicos e privados para operacionalizao de contratos de PSA. J o substitutivo da Comisso de Meio Ambiente no especifica o agente financeiro, apenas indicando que ser Instituio Financeira Federal.

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    Esta previso confere todas as condies para que o mercado secundrio6 de carbono e biodiversidade se estruture atravs das negociaes e especulao dos ativos verdes constitudos. Os diversos agentes financeiros habilitados podem negociar offsets/compensaes nos pases megadiversos, enquanto o mundo autoriza a manuteno dos padres atuais de emisso e degradao dos pases desenvolvidos e recupera-se da crise econmica forjando a nova bolha verde.

    GARGALOS AO MERCADO DA BIODIVERSIDADE O principal desafio ou gargalo do mercado de pagamento por servios ambientais est na biodiversidade, no chamado PSA biodiversidade. Os economistas que acreditam que botar preo resolve o problema da conservao, identificam que o pagamento pela conservao dos componentes da biodiversidade se tornam muito difceis, por serem bens totalmente pblicos pertencente a todos e a ningum ao mesmo tempo. Deste modo, a disposio em pagar pela polinizao das abelhas, pela manuteno de determinadas nativas num bioma ou alguns animais em extino, por exemplo, baixa, j que no h visibilidade de como tais componentes da biodiversidade podem gerar benefcios a um possvel pagador. Por isso os criadores deste novo mercado da biodiversidade e dos ecossistemas identificam cinco grandes dificuldades para gerao deste mercado: a) so bens comuns ou bens pblicos puros, ou seja, o preo no reflete o valor e a escassez do recurso como qualquer mercadoria; b) baixo conhecimento tcnico para eleger quais servios geram mais benefcios para este ou aquele setor;

    c) dificuldade de monitorar a prestao ou entrega do servio ambiental contratado; d) dificuldade em colocar preo ou valor econmico que compense o custo de oportunidade; e) ausncia de marco institucional legal nacional para gerar demanda e escala. Para superar estes gargalos, os economistas apontam que necessrio criar trs indutores para a formao da demanda pelos servios ambientais: interesses voluntrios; pagamentos mediados por governos; e regulamentaes ou acordos internacionais e nacionais. O TEEB foi construdo para sanar parte destas dificuldades j que pretende influenciar o setor privado e o pblico para incorporar em suas estratgias os pagamentos por servios ambientais como instrumento ou opo de gesto para a conservao da biodiversidade. No Brasil, os grupos que construram a flexibilizao do Cdigo Florestal e a regulamentao dos Pagamentos por Servios Ambientais pretendem induzir a demanda pelo mercado da biodiversidade e dos ecossistemas. Ao criar a obrigao por Lei, ao mesmo tempo que transfere para o mercado seu cumprimento, causam uma verdadeira mudana de paradigma no trato da matria ambiental. A subordinao dos interesses pblicos e sociais aos interesses privados e corporativos uma das mais graves conseqncias.

    REFORMA DO CDIGO FLORESTAL: FLORESTA EM P FLORESTA COM PREO

    6 Mercado secundrio envolve terceiros para alm do comprador e o pagador de um ttulo de crdito, relao tpica do

    mercado primrio, envolvendo investidores e especuladores que compram e revendem os ativos ttulos de crdito/derivativos - utilizando instrumentos financeiros de mercados futuros.

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    Os debates sobre a reforma do Cdigo Florestal so um bom exemplo de como a desregulamentao da proteo ambiental constitui uma oportunidade para o mercado verde. As reformas do Cdigo Florestal vm no mesmo sentido de diminuir as obrigaes legais criando condies para o desenvolvimento do mercado de carbono e o mercado da biodiversidade ou servios ambientais. Criadas as obrigaes legais (Lei n 4.771, de 15-09-1965) e constitucionais em torno da funo scio-ambiental da propriedade (art. 186 CF), de que todo possuidor de terra no pas deve destinar uma porcentagem de sua rea para Reserva Legal (RL), assim como de se manter as florestas nativas em reas de Preservao Permanente (APP), o agronegcio briga para que os custos destas obrigaes sejam socializados com todos os cidados, segundo as necessidades do neoliberalismo econmico em clara afronta Constituio Federal.

    O QUE A FUNO SOCIO-AMBIENTAL DA PROPRIEDADE? A Constituio Federal de 1988 impe em seu art. 5, inciso XXIII que toda propriedade privada sobre a terra no pas deve cumprir com os requisitos da funo-socioambiental da propriedade, ou seja, condiciona a possibilidade da apropriao privada sobre o uso e ocupao do solo aos interesses pblico e socioambiental. Deste modo, o art. 186 da CF determina que a propriedade privada atenda, simultaneamente, a 4 (quatro) requisitos, quais sejam: o aproveitamento racional e adequado; a utilizao adequada dos recursos naturais disponveis e preservao do meio ambiente; a observncia das disposies que regulam as relaes de trabalho; e a explorao que favorea o bem-estar dos proprietrios e dos trabalhadores. A propriedade que no cumprir com os quatro requisitos de forma que a produzir de forma racional e adequada com respeito ao meio ambiente e legislao trabalhista, deve ser desapropriada por interesse social para fins de reforma agrria (art. 184 CF). Trata-se de interveno do Estado Constitucional e Democrtico de Direito na ordem econmica e no direito de propriedade privada para que esta no seja protegida pelo sistema jurdico em detrimento dos direitos humanos fundamentais de todos os cidados, como o direito moradia, ao trabalho, alimentao adequada e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Isto significa que a funo socioambiental compe o direito de apropriao privada sobre o uso do solo e dos recursos naturais no pas, operacionalizando o programa constitucional para a erradicao da pobreza e a reduo das desigualdades sociais e regionais (art. 3 CF). Por isso, a atual reforma do Cdigo Florestal claramente inconstitucional, j que pretende desconstituir o ncleo constitucional que impe a funo socioambiental da propriedade. A reforma desobriga o proprietrio a atender qualquer interesse pblico e social e transfere a todos os cidados - inclusive aos no-proprietrios j prejudicados com a concentrao da terra e da renda no pas - atravs de mecanismos como o pagamento por servios ambientais e a compra de Cotas de Reserva Ambiental, o nus econmico e social gerado com as atividades degradantes empreendidas pelo agronegcio.

    Com a reforma do Cdigo Florestal atravs da MP n 2.166-67 de 2001 (ltima modificao antes da atual tentativa), passou-se a permitir a compensao da Reserva Legal por outra rea equivalente em importncia ecolgica e extenso, desde que localizada na mesma microbacia, atravs de contratos de arrendamento de reas sob o regime de servido florestal7 ou aquisio de Cota de Reserva Florestal -

    7 A servido florestal voluntariamente renuncia, em carter permanente ou temporrio, a direitos de supresso ou

    explorao da vegetao nativa, localizada fora da reserva legal e da rea com vegetao de preservao permanente. O prazo mnimo de servido de 15 anos e deve ser averbada margem da inscrio de matrcula do imvel, no registro de imveis responsvel, aps anuncia do rgo ambiental estadual competente, sendo vedada, durante o prazo de sua vigncia, a alterao da destinao da rea, nos casos de transmisso a qualquer ttulo, de desmembramento ou de retificao dos limites da propriedade.

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    CRF, ttulo representativo de vegetao nativa sob regime de servido florestal, de Reserva Particular do Patrimnio Natural ou sob reserva legal instituda voluntariamente sobre a vegetao que exceder os percentuais mnimos exigidos. Quem no tenha rea necessria para o atendimento ao mnimo previsto da RL, pode adquirir tais ttulos representativos, as cotas de reserva florestal. Cria-se a obrigao ou limite mnimo para todos e depois os mecanismos flexibilizantes geram o mercado da floresta, que passa a autorizar desmatamentos e a compensao da Reserva Legal na rea de terceiros.

    A REFORMA DO CDIGO FLORESTAL: DADA A LARGADA PARA O MERCADO FINANCEIRO

    Com a atual proposta do Cdigo Florestal que se encontra sob anlise do Senado, o limite mnimo de cobertura florestal por propriedade foi drasticamente diminudo, ampliando-se tanto os mecanismos de flexibilizao ao ponto de a lei transferir aos instrumentos de mercado a tarefa de regular as florestas e a biodiversidade. Em poucas palavras, so os impostos de todos os brasileiros e o mercado de pagamento por servios ambientais, atravs da negociao de ttulos representativos de floresta nativa no mercado financeiro, o que custear o cumprimento do mnimo de cobertura verde exigido por lei. A anistia de reflorestamento de APPs para reas consolidadas de desmatamento; ;a possibilidade de cmputo da APP no clculo da reserva legal a todos os agricultores; a possibilidade de reduo da RL em 50% da Amaznia para fins de regularizao ambiental pelo poder pblico federal, se indicado no ZEE (Zoneamento Econmico Ecolgico) estadual, alm da iseno das reas de at 4 mdulos em manter Reserva Legal, so alguns dos diversos mecanismos flexibilizantes que passam a incorporar milhes de hectares aos mercados de commodities agrcolas, ou ento ao mercado de carbono e/ou pagamentos por servios ambientais, a depender dos custos de oportunidade oferecidos. As florestas nativas que deixam de ser Reserva legal ficam liberadas para serem negociadas como ttulos de crdito no mercado financeiro e especulativo, atravs da criao da Cota Florestal Ambiental que torna a cobertura florestal um ttulo ambiental negocivel. A proposta atual do Cdigo cria todas as possibilidades para o mercado de pagamento por servios ambientais em seu capitulo XI ao autorizar a emisso da Certido de Reserva Florestal (CRA), ttulo de crdito nominativo representativo de 1 hectare de vegetao nativa que no seja obrigatria por lei, ou seja, no pode recair sob RL e APP. A CRA pode representar floresta nativa sob o regime de servido ambiental (denominada servido florestal no Cdigo de 64), sob Reserva Legal voluntria acima do mnimo exigido por lei; sob Reserva Particular do Patrimnio Natural, alm da Reserva Legal das propriedades de at 4 mdulos rurais, conforme Lei 11.326/06, j que isentas.

    Davi contra Golias no mercado da floresta

    A iseno das reas de at 4 mdulos em manter Reserva Legal, insere os pequenos produtores como fornecedores de servios ambientais em plena desigualdade de condies com os grandes desmatadores, principais beneficirios das modificaes do Cdigo, j que ganham com o desmatamento, com o custeio do mercado de carbono e de pagamento por servios ambientais para a regularizao de suas propriedades, alm da possibilidade de lucro com os novos ativos de crdito florestal que podem negociar, para alm das commodities agrcolas. O mercado ordena a opo. Outro ponto crucial que coloca os pequenos fora do real mercado de pagamento por servios ambientais a exigncia para a emisso da CRA de apresentao de matrcula do imvel, ou seja, um

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    mercado de proprietrios de terra. E os pagamentos por servios ambientais dependero de critrios elegibilidade, como a dimenso da rea vinculada a proviso dos servios. Para os grandes desmatadores que ainda estejam fora das exigncias legais que restaram, a proposta atual cria o mercado de pagamento por servios ambientais para cobrir os custos da regularizao ambiental. Aqueles que se inscrevem no Programa de Regularizao Ambiental tm direito a benefcios fiscais (iseno de ITR), incentivos financeiros no crdito agrcola, e outras medidas indutoras e linhas de financiamento, como a destinao da arrecadao da cobrana sobre o uso da gua para o pagamento para servios ambientais para fins de recomposio de RL e APP, e outras coberturas verdes alm do mnimo exigido. o povo brasileiro custeando a legalizao das reas do agronegcio. Alm do prmio fiscal e financeiro aos desmatadores, a proposta prope a suspenso das multas e tambm da punibilidade de alguns crimes ambientais durante o processo de regularizao ambiental e, aps cumpridas as obrigaes de regularizao, haver a converso das multas em servios ambientais e a extino da punibilidade. Diferente do Cdigo atual que prev a Cota de Reserva Florestal, a Cota de Reserva Ambiental (CRA) trazida com a atual proposta de modificao, alm de servir para realizar compensao de Reserva legal, permite a ampliao das possibilidades de transaes comerciais e financeiras com as florestas. O art. 55 da proposta de modificao do Cdigo torna a Cota representativa de cobertura florestal, um ttulo de crdito nominativo. Assim a Cota de floresta nativa pode ser transferida, inclusive por cadeias sucessivas de endosso como um cheque, de forma onerosa ou gratuitamente, a pessoa fsica ou jurdica de direito pblico ou privado, mediante termo assinado pelo titular da CRA ao adquirente. A transferncia gera efeitos ao novo proprietrio aps o registro no Sistema nico de controle das Cotas de Reserva Ambiental. Ou seja, no s o agricultor que no tem Reserva Legal pode substitu-la por um ttulo de crdito, como qualquer particular pode adquirir e vender cotas sob servido, RPPN ou cobertura nativa acima do limite legal, criando-se um sistema de comercializao de cotas de conservao sob os tetos estabelecidos pela lei. O dinheiro levantado paga a conta e autoriza a manuteno das atividades dos grandes desmatadores, poluidores e dos grandes monoplios sobre os recursos naturais. Na tentativa de evitar a sobreposio de compensaes de diversas reas em uma s cota, ou ento a emisso de ttulos florestais sem qualquer floresta nativa correspondente, o Cdigo cria alguns sistemas de controle como a prpria natureza jurdica de titulo nominativo. Este ttulo s ser emitido mediante aprovao e registro do rgo competente do Sisnama e s pode ser transferido com a assinatura do proprietrio; o cadastro do CRA em um sistema nico de controle com o nome do proprietrio, dimenso e local da rea vinculada ao ttulo tambm representa uma tentativa de controle sobre emisso de ttulos verdes. Tambm a rea vinculada a Cota deve ser averbada na matrcula do registro do imvel, e o ttulo deve ser registrado, em at 30 dias da data da emisso, em bolsa de mercadorias de mbito nacional ou em sistemas de registro e de liquidao financeira de ativos autorizados pelo Banco Central, de modo a garantir a no emisso de ttulos podres ou sem lastro florestal. A negociao de ttulos florestais no mercado financeiro e especulativo, como ativo ou derivativo, passa a custear este novo mercado de pagamento por servios ambientais, que embora possa beneficiar de forma modesta os pequenos agricultores, foi criado tanto para custear a regularizao de grandes desmatadores, como o custo industrial e do agronegcio em abster-se de avanar sobre alguns territrios e recursos. Com a atual sistema de REDD + no apenas ganha-se com o desmatamento evitado, assim como est sob negociao na Conveno do Clima a possibilidade em se financiar o reflorestamento com monocultivos de exticas como o dend (a palma africana) e o eucalipto, de especial interesse para a indstria dos agrocombustveis e de papel e celulose. O que pode se tornar uma das grandes atividades beneficirias de um tipo de pagamentos por servios ambientais.

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    A frmula simples: a terra parada e a floresta em p, seja nativa ou extica, devem virar commodities para custear sua sobrevivncia, ns no temos nada haver com isso! A proposta de mudana em poucas palavras retira esta obrigao constitucional de cumprimento da funo scio-ambiental da propriedade e coloca a preservao do meio ambiente nas mos do mercado e nos ombros dos trabalhadores.

    PRINCIPAIS PROBLEMAS DO MERCADO DE PAGAMENTOS POR SERVIOS AMBIENTAIS PARA O DIREITO DOS AGRICULTORES

    O mercado de pagamentos por servios ambientais foi pensado para se gerar dinheiro para custear o cumprimento dos tetos de emisso ou limites de conservao impostos por lei, financiando desmatadores, assim como para autorizar a continuidade das emisses e desmatamentos atravs do mercado das compensaes. A compra de ttulos verdes, como a Cota de Reserva Ambiental, ou a compra de servios ambientais autorizariam a continuidade e at o aumento das emisses e degradao das grandes corporaes dos pases desenvolvidos, transferindo a dvida ambiental e climtica para os pases e povos e comunidades do Sul. O dinheiro levantado no mercado financeiro verde, no apenas paga a conta da indstria e do agronegcio como alavanca o sistema financeiro com um gigantesco mercado de produtos, tecnologias, servios, assessorias e ativos sob o rtulo de verdes. Embora possa significar um apoio aos agricultores familiares, povos indgenas e povos e comunidades tradicionais para continuar a manter suas prticas associados a conservao e uso sustentvel dos recurso, o mercado de pagamento por servios ambientais s sobrevive se ganhar escala para cobrir seus custos. Para isto muito mais simples pagar grandes proprietrios de terras para recompor suas APPs, RL e aumentar sua cobertura verde, do que buscar diversos agricultores espalhados em suas unidades produtivas, muitas vezes sem o ttulo de propriedade, o que gera insegurana para o mercado e o pagador. Deste modo, a avalanche de polticas e marcos legais para implementar este mercado de pagamentos por servios ambientais pode representar srios riscos para a proteo dos direitos dos agricultores, povos indgenas, povos e comunidades tradicionais. Dentre eles, destacamos:

    Distribuio da propriedade sobre a natureza e a privatizao de bens comuns e comunitrios por poucas empresas e monoplios, como o ar, gua e componentes da biodiversidade;

    Reduo dos valores de existncia da biodiversidade e os valores scio-econmicos, culturais e religiosos ao preo colocado pelo mercado e pelo custo da cadeia produtiva. O beija flor pode custar o preo de um litro de diesel. Custo do beija flor = custo para distribuio mecnica de sementes (plantadeira, diesel, mo de obra);

    Valorao externa da biodiversidade e dos ecossistemas a partir das cadeias de produo pode significar, de imediato, a reduo da biodiversidade e das tcnicas sociais construdas nos territrios pelas comunidades locais a partir de suas valoraes, usos e conhecimentos;

    O instrumento contratual eleito pelo regime jurdico dos PSA trata grandes empresas e comunidades tradicionais em igualdade de condies scio-econmica, colocando o plo mais frgil do contrato em plena desigualdade de condies. O direito tem de tratar os iguais igualmente e os desiguais desigualmente, sob pena de distribuir injustia.

    Obrigao contratual dos PSA pode significar controle dos modos de vida e controle sobre a terra e territrio;

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    Contratao de servios ambientais pelo pagador, a depender do custo de oportunidade, obriga as comunidades fornecedoras a desenvolver aes e fiscalizar o territrio, conforme os servios ambientais elegidos como obrigaes no contrato. O que pode impactar o modo de vida, a gesto do territrio e a conservao da biodiversidade que no expressar preo de mercado.

    A depender dos critrios de elegibilidade e as demandas por escala, os pequenos agricultores podem ficar fora do mercado de PSA. Aquele que tiver a maior quantidade em hectares acabar concentrando o mercado, como ocorre em todas as outras cadeias produtivas.

    Substituio e enfraquecimento de polticas pblicas e marcos legais consolidados. A extenso da Poltica de PSA a todos aqueles que quiserem prestar servios ambientais, retira o tratamento diferenciado e a interveno do estado para incentivar e empoderar de forma privilegiada os agricultores familiares, povos indgenas, povos e comunidade tradicionais que tem seus modos de ser e fazer ligados a conservao e uso sustentvel, como exigem normas internacionais como o Tratado Internacional sobre os Recursos Fitogenticos para Alimentao e Agricultura (art. 5. 6 e 9) e a Conveno da Diversidade Biolgica (8 j e 1 c).

    Pagamentos por servios no repartio de benefcios. O PSA traz outras questes como acesso aos conhecimentos tradicionais e repartio de benefcios que no podem ser tratados como SERVIOS, j que tem uma regulamentao prpria em mbito internacional (Protocolo de Nagoya da CDB) e nacional (MP 2.186-16/2001)

    Possvel aumento de taxas sob uso dos recursos a todos os cidados para custear a poltica de pagamentos, que como visto, tem o potencial de beneficiar grandes proprietrios desmatadores.

    Existem diversas polticas destinadas a valorizao das prticas e dos produtos da agricultura familiar, seja atravs da implementao de SAFs e projetos de manejo facilitados, compra de sementes e mudas crioulas e o bnus para alimentos saudveis, como o PAA e o PNAE. Ao invs de se pagar para que comunidades se tornem prestadoras de servios, por que o Estado no empodera estas polticas estruturantes, como por exemplo, o aumento do bnus de 30% para 70 % para a agricultura orgnica e agroecolgica? Uma poltica de Pagamento por Servios Ambientais voltada a todos indistintamente, alm de beneficiar desmatadores, leva a poltica scio-ambiental a tratar todas as classes de agricultores (pequenos, mdios e grandes), assim como a pluralidade de povos e comunidades locais da mesma forma. O mote que orienta a reformulao da poltica pblica (fiscal, agrcola, ambiental): Todos juntos contra as catstrofes ambientais, as emisses e a degradao, pode significar retrocessos significativos nos marcos legais e na conduo de polticas estruturantes da agricultura familiar camponesa e das comunidades locais. necessrio separar o joio do trigo e apontar quem so os responsveis pelas emisses e pelo desmatamento, assim como identificar quais so os sujeitos que vem realizando a conservao e uso sustentvel, como tambm a produo de alimentos saudveis para o povo. O que de fato pode realizar a conservao e uso sustentvel dos recursos naturais a garantia do direito terra e territrio, a reforma agrria e democratizao do acesso e uso do solo rural e urbano e dos recursos naturais, a proteo dos conhecimentos comunitrios pelo seu direito ao livre uso da biodiversidade e da agrobiodiversidade, respeitando as caractersticas dos bens comuns. Na conjuntura atual, uma Poltica de Pagamentos por Servios Ambientais PSA- no est dissociado da criao de um mercado mundial de bens e servios ambientais. Por isso a reduo das prticas tracionais agroecolgicas e dos modos de vida das populaes a um servio mensurvel e vendvel vai na contramo da afirmao dos Direitos dos Agricultores que precisam sim receber o preo justo e polticas estruturantes, mas estas no devem passar, sob nenhuma condio pelas vontades e especulao dos mercados.