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Universidade Federal do Ceará Faculdade de Educação - FACED Programa de Pós-Graduação Doutorado em Educação Brasileira ANÁLISE DO NÍVEL DE RACIOCÍNIO MATEMÁTICO E DA CONCEITUALIZAÇÃO DE CONTEÚDOS ARITMÉTICOS E ALGÉBRICOS NO ENSINO FUNDAMENTAL - Considerações Acerca de Alunos do Sistema Telensino Cearense MARCILIA CHAGAS BARRETO Fortaleza - 2002

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  • Universidade Federal do Cear

    Faculdade de Educao - FACED

    Programa de Ps-Graduao

    Doutorado em Educao Brasileira

    ANLISE DO NVEL DE RACIOCNIO MATEMTICO E DA

    CONCEITUALIZAO DE CONTEDOS ARITMTICOS E

    ALGBRICOS NO ENSINO FUNDAMENTAL - Consideraes Acerca de

    Alunos do Sistema Telensino Cearense

    MARCILIA CHAGAS BARRETO

    Fortaleza - 2002

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  • MARCILIA CHAGAS BARRETO

    Universidade Federal do Cear

    Faculdade de Educao

    Doutorado em Educao Brasileira

    ANALISE DO NVEL DE RACIOCNIO MATEMTICO E DA CONCEITUALIZAO

    DE CONTEDOS ARITMTICOS E ALGBRICOS NO ENSINO FUNDAMENTAL -

    Consideraes Acerca de Alunos do Sistema Telensino Cearense

    Tese apresentada ao Programa de Doutorado em Educao Brasileira, da

    Universidade Federal do Cear, como requisito parcial obteno do ttulo de Doutor, sob orientao do

    Prof. Dr. Hermnio Borges Neto.

    Fortaleza - 2002

  • ANLISE DO NVEL DE RACIOCNIO MATEMTICO E DA

    CONCEITUALIZAO DE CONTEDOS ARITMTICOS E

    ALGBRICOS NO ENSINO FUNDAMENTAL - Consideraes Acerca de

    Alunos do Sistema Telensino Cearense

    Tese aprovada em 26 de abril de 2002

    BANCA EXAMINADORA

    Prof. Dr. Hermnio Borges Neto

    Orientador

    Prof. Dr. John Fossa

    Profa. Dra. Maria Gilvanise de Oliveira Pontes

    Profa. Dra. Rita Vieira de Figueiredo

    Prof Dr. Idevaldo da Silva Bodio

  • DEDICATRIA

    Dedico este trabalho memria de duas pessoas que, por motivos dspares, me foram

    absolutamente fundamentais.

    A Nicanor Barreto, meu eterno incentivador, com quem,

    pela primeira vez, no poderei contar, neste momento

    de concluso de um trabalho acadmico.

    A Teresa Haguette, professora que, com seu modo peculiar,

    me estimulou a retornar ao mundo da produo acadmica,

    e cuja falta ainda se faz sentir, mesmo

    decorridos tantos anos.

  • AGRADECIMENTOS

    Costuma-se dizer, nos meios acadmicos, que a tarefa de elaborao de uma tese um

    trabalho solitrio. Obedecendo a esse princpio, segui o meu caminho, admitindo o meu quase

    isolamento. Ao chegar ao final da empreitada que pude perceber que o trabalho s se tornou

    possvel graas interferncia e colaborao de inmeras pessoas.

    Quisera tivesse eu sempre tido a conscincia de que isso era uma indiscutvel verdade.

    As angstias caractersticas da produo acadmica certamente teriam sido mais amenas.

    Dentre essas tantas pessoas fundamentais, indispensvel destacar:

    O professor Hermnio Borges Neto, orientador e amigo, figura indispensvel,

    principalmente, na superao das dificuldades apresentadas pelas questes relativas ao

    ensino/aprendizagem da Matemtica,

    A professora Rita Vieira de Figueiredo que, alm de toda a lio de vida que passa a

    quem com ela tem o prazer de conviver, ao assumir temporariamente a orientao deste

    trabalho, fez as primeiras definies metodolgicas;

    O professor Idevaldo Bodio, que trouxe consideraes e crticas fundamentais e,

    sobretudo, apoio humano;

    O Professor Alex Sandro Gomes, por suas contribuies em definies tericas,

    metodolgicas, e at mesmo no trato dos recursos de informtica para anlise de dados,

    contribuies essas que findaram por incorporarem-se a este trabalho.

    As professoras Maria Jos Souza e Isabel Maria Albuquerque, contemporneas de ps-

    graduao, de quem recebi apoio e colaboraes freqentes, e com quem travei discusses

    imensamente produtivas,

    A professora Euterpe Barreto Rosa de Sousa que, nas minhas falhas no domnio do

    "idioma universal", nunca me negou sua colaborao.

    O Medeiros, a Mariana e o Rafael, grupo responsvel por me prover de grande parcela

    de paz, equilbrio e apoio afetivo, indispensveis para a produo deste trabalho.

    Os professores e alunos do Telensino, que aqui no sero citados nominalmente,

    devido a pedidos pessoais de no identificao. Mesmo deixando-os annimos, a eles que eu

    devo toda a percepo que hoje tenho do Telensino.

    Como bem se v, eu nunca estive sozinha. A todos, o meu reconhecimento e o meu

    mais sincero agradecimento.

  • RESUMO

    Este estudo investigou o nvel do raciocnio matemtico e da conceitualizao de

    estruturas aditivas e algbricas em telealunos da 8 srie, dadas as condies scio-histricas

    que esto postas no mbito do sistema Telensino. Definiram-se as linhas mestras da pesquisa

    a partir da Teoria da Atividade, para a qual s possvel ocorrer, efetivamente, o processo de

    aprendizagem, a partir da atividade do sujeito aprendente mediada pelo outro, atravs de

    quem ser possvel apreender padres de insero no real, e pela manipulao dos objetos da

    cultura, construdos cultural e historicamente. Assim sendo, para captarem-se os elementos do

    processo de aprendizagem dos alunos do Telensino, fez-se necessrio compreender o

    desenvolvimento da atividade em suas salas de aula, avaliando-se os sujeitos responsveis

    pela mediao social e os livros didticos - os Manuais de Apoio - atravs dos quais ocorre a

    mediao dos instrumentos. Para abranger todos estes aspectos, adotaram-se diferentes passos

    .metodolgicos: para a sala de aula, adotou-se a observao direta; com os alunos, foi usada a

    entrevista semi-diretiva, o teste de domnios conceituais matemticos, alm de testes de

    desenvolvimento de raciocnio matemtico; j os Manuais de Apoio foram analisados

    segundo o cumprimento das exigncias do MEC, bem como com relao sua abordagem dos

    conceitos de estruturas aditivas e conceitos algbricos. Constatou-se que os alunos tm um

    nvel de desenvolvimento do raciocnio matemtico aqum do que se deve esperar de alunos

    da 8a srie, ficando, normalmente, no primeiro dos quatro estgios de desenvolvimento do

    raciocnio matemtico definidos por Johannot, apresentando centrao e deficincia na

    capacidade de simbolizar. Com relao aos conceitos aritmticos e algbricos, os alunos ainda

    tm pronunciados problemas nas estruturas aditivas, alm de apresentarem uma incipiente

    compreenso do que representam as expresses e problemas algbricos. Tais lacunas

    conceituais foram encaradas como reforadas por caractersticas prprias ao Telensino: a

    presena, em sala de aula, de um professor leigo, do qual no se exige sequer a graduao em

    Matemtica; a utilizao de Manuais que colocam o aluno em posio passiva e que

    fragmentam o contedo, para adapt-lo s emisses televisivas atravs das quais este chega

    sala de aula; a impossibilidade de se considerar o nvel de domnio conceituai de cada

    sala/aluno, antes de se definirem os desafios subsequentes, visto estarem todos submetidos a

    uma emisso nica para todo o Cear. Acredita-se que a adoo do Telensino, como

    modalidade utilizada para universalizar o Ensino Fundamental, prejudicou a criao de uma

    poltica de qualificao de pessoal docente que fizesse frente s necessidades efetivas dos

    adolescentes da escola pblica cearense.

  • This study examined the level of mathematical reasoning and conceptualization of

    addition and algebraic structures in 8th grade tele-students, in view of the social and historical

    conditions prevailing in the Telensino system. The guidelines of the research were defined

    with a basis on the Theory of Activity, according to which the process of learning can only

    effectively occur departing from the activity of the learning subject mediated by another,

    through whom it is possible to apprehend patterns of insertion into reality, and through

    historically and culturally constructed objects of culture. Thus, in order to understand the

    elements of the learning process of the Telensino students it was necessary to examine the

    development of activity within the classroom, assessing both the subjects responsible for the

    social mediation and the textbooks - the Manuais de Apoio - through which the mediation of

    instruments takes place. In order to encompass all these aspects, different methodological

    steps were adopted: for classroom activity, the methodology was direct observation, for the

    students, semi-directed interviews and tests of mathematical conceptual domain, as well as

    tests of mathematical reasoning, were employed; as for the textbooks, these were analyzed

    against the background of MEC requirements and with reference to their approach to the

    concepts of addition structures and algebraic concepts. The study indicated that the students

    present a level of mathematical reasoning beiow expectations for 8th grade students: in

    general, they rank in the first of the four stages of mathematical reasoning development, as

    defined by Johannot, displaying a tendency to centralization and difficulty in symbolizing. As

    concerns mathematical and algebraic concepts, students demonstrate serious problems with

    addition structures, besides a very limited understanding of algebraic expressions and

    problems. These deficiencies were regarded as being reinforced by characteristics which are

    peculiar to Telensino: the presence, in the classroom, of a lay teacher, who is not required to

    be even a Mathematics graduate, the use of the Manuais de Apoio that reduce the student to a

    passive attitude and fragment the contents in order to fit the broadcasting system that brings

    them into the classroom, the impossibility of taking into consideration the conceptual domain

    of either student or class, prior to defining further challenges, since the broadcasting is unified

    for the whole of Cear. It seems clear that the adoption of Telensino as a means to

    universalize the Ensino Fundamental has hindered the establishment of a personnel-qualifying

    policy to face the real needs of adolescents attending public schools in Ceara.

    ABSTRACT

  • SUMRIO

    INTRODUO Il

    TELENSINO E EDUCAO DISTNCIA, UMA RELAO CONTROVERTIDA 18

    EDUCAO DISTNCIA 19

    Traos de Sua Evoluo 19

    Caracterizao da Educao Distncia 22

    A Produo do Material Didtico 26

    Consideraes 29

    O TELENSINO 30

    O Sistema em sua Origem: 1974-1994 30

    Algumas Consideraes 37

    Tempos de Universalizao: 1994 - 1998 38

    Algumas Consideraes 44

    O Redimensionamento: a partir de 1999 45

    Algumas consideraes: 47

    Consideraes Globais 48

    REVISITANDO CONCEPES DE APRENDIZAGEM MATEMTICA 51

    POR QUE APRENDER MATEMTICA? 52

    A MATEMTICA ESCOLAR E A FORMAO DO ESTUDANTE 57

    ALGUMAS ALTERNATIVAS PARA A EDUCAO MATEMTICA 61

    CONSIDERAES GLOBAIS 67

    PROBLEMTICA. '. 68

    BASES TERICAS 71

    TEORIA DA ATIVIDADE 71

    METODOLOGIA 82

    DEFINIO DO AMBIENTE 85

    DEFINIO DOS SUJEITOS 87

    PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS 89

    PROCEDIMENTOS DE ANLISE DOS DADOS 94

    O SOFTWARE PARA ANLISE QUALITATIVA 94

    ANALISE DAS ENTREVISTAS 96

    ANLISE DAS OBSERVAES DA SALA DE AULA 97

    ANLISE DOS MATERIAIS 97

    ANLISE DA PROPOSTA DO TELENSINO 98

  • ANLISE DOS DADOS 99

    NIVEL DE RACIOCNIO E CONCEITULIZAO ARITMTICA E ALGBRICA DOS

    SUJEITOS DO TELENSINO 99

    Nveis de Desenvolvimento cio Raciocnio Matemtico 101

    Anlise do Nvel de Raciocnio Matemtico dos Telealunos 109

    Problema 01 109

    Problema 02 116

    Problema 03 117

    Problema 04 119

    Algumas Consideraes 121

    Conceitualizao das Estruturas Aditivas 123

    Anlise da Apreenso de Conceitos das Estruturas Aditivas : Problema de Johanuot 129

    Situao 129

    Invariantes 130

    Sistemas de Representaes 132

    Algumas consideraes 134

    Conceitualizao de Estruturas Algbricas. 135

    Anlise da Apreenso de Conceitos de Estruturas Algbricas: Contedos Explorados em Sala de Aula 141

    Construo de Significados/Dominio de Habilidades Tcnicas pelos Telealunos 142

    Queslo 0l 142

    Questo 02 Questo 03 145

    Questo 04 151

    Abordagem de Problemas Contextualizados 151

    Algumas Consideraes '. 155

    Consideraes Globais 156

    INSTRUMENTOS UTILIZADOS NA MEDIAO DA APRENDIZAGEM MATEMTICA... 159

    Qualidade Intrnseca do Livro Didtico 159

    Uma Breve Descrio da Obra 161

    Detalhamento da Obra 162

    Contedos e Aspectos Terico-Metodoigicos 162

    Algumas Consideraes 166

    Aspectos Pedaggico-Melodolgicos 166

    .Algumas Consideraes 171

    Estrutura Editorial 171

    Aspectos Visuais 173

    Algumas Consideraes 175

    Anlise da Abordagem de conceitos pelo Livro Didtico 176

    Anlise da elaborao dos conceitos de estruturas aditivas 177

    O Manual de Apoio da 5 srie 17S

    As situaes 179

    As representaes 182

    As Regras 183

    Algumas Consideraes 189

  • O Manual de Apoio da 8 srie 189

    Algumas Consideraes 191

    Anlise da Elaborao dos Conceitos Algbricos 192

    O Manual de Apoio da 6 Srie 193

    Algumas Consideraes 203

    O Manual de Apoio da 8 Srie 205

    Algumas Consideraes 211

    Consideraes Globais 212

    ANLISE DA ATIVIDADE NA SALA DE AULA DE MATEMTICA DO TELENSINO 214

    As Atividades na Primeira Etapa 216

    As Atividades na Segunda Etapa 234

    As Atividades na Terceira Etapa 251

    Consideraes Globais 269

    CONCLUSES 273

    BIBLIOGRAFIA 287

    ANEXO 1 294

    ANEXO 2 295

    ANEXO 3 296

    ANEXO 4 300

    ANEXO 5 301

  • Na atualidade, quando se enfoca a necessidade de se resolverem as questes

    educacionais para grandes contingentes da populao, vem freqentemente tona a discusso

    do uso de recursos de educao distncia. As instituies educativas, que outrora contavam

    apenas com o contato direto entre professor e alunos como estratgia exclusiva de educao,

    dispem, j h algum tempo, de diversos meios de comunicao como aliados.

    Foi seguindo essa lgica e atendendo necessidade de fazer chegar a educao aos

    pontos mais distantes do Estado que, no incio dos anos 70, nasceu no Estado do Cear uma

    experincia de educao distncia que utilizava como meio fundamental a televiso. Era

    uma iniciativa que trazia consigo uma especificidade que a distinguia da grande maioria dos

    experimentos, pois visava o atendimento do pblico infanto-juvenil. Nascia o Telensino.

    O Telensino surgiu com o objetivo de atender ao pblico de 5 a 8 sries do Ensino

    Fundamental, em idade de escolaridade regular, isto , nasceu sem o carter supletivo dado a

    tantas outras iniciativas nacionais. Objetivava-se, ainda, possibilitar o acesso educao

    populao daquele nvel escolar que residisse em localidades distantes, nas quais no

    houvesse pessoal qualificado para ministrar aulas nas sries terminais do Ensino Fundamental.

    O trabalho era desenvolvido pela TVE-Ce, e caracterizava-se, basicamente, por sua

    dimenso restrita, atendendo ao pblico - professores e alunos - que se mostrasse interessado

    em participar desta modalidade de ensino. Iniciado em 1974, o trabalho foi-se desenvolvendo

    durante quase duas dcadas, mantendo este carter de ser uma opo a mais posta disposio

    da clientela. Mesmo assim, o seu crescimento foi significativo em termos de atendimento1.

    O ano de 1993 foi um marco na expanso do Telensino, visto que ali se decidiu pela

    sua adoo como estratgia de universalizao do Ensino Fundamental. O que fora, at ento,

    uma opo disposio da clientela, passava a ser o nico e obrigatrio caminho a ser

    seguido por todos da escola pblica que cursassem as sries terminais deste nvel de ensino.

    J a partir do ano de 1994, essa determinao poltica alterou de forma profunda o

    funcionamento da televiso educativa e, principalmente, a vida dentro da escola. A TVC,

    nova denominao dada TVE-Ce, que atendia a uma clientela diminuta, passou a encampar

    a responsabilidade de ampliar a produo e distribuio do material, visando atender a todos

    INTRODUO

    Uma amostra dos dados demonstra o crescimento da matricula, mesmo no perodo em que a adeso ao

    Telensino era voluntria: 1974 - 4139 alunos; 1979 - 15.672 alunos; 1983 - 28.263 alunos; 1988 - 39.911

    alunos. (Funtelc 1993b)

  • os alunos das quatro sries finais do Ensino Fundamental nas escolas pblicas do Estado. As

    escolas, alunos e professores viram sua rotina alterar-se abruptamente: em primeiro lugar,

    pelo surgimento da televiso como veculo transmissor do saber; depois, pela substituio do

    professor pelo Orientador de Aprendizagem, como dinamizador de todas as matrias

    lecionadas/estudadas em sala de aula. Afirmava-se que o Orientador de Aprendizagem no

    necessitava ter domnio dos contedos2, mas apenas ser um bom dinamizador. Todas estas

    alteraes ocorreram revelia de professores, alunos e pais de alunos.

    A discusso acerca do Telensino chegou sociedade apenas aps a sua efetivao

    como modalidade nica a ser seguida nas escolas estaduais. Argumentava-se, poca, que tal

    medida reduziria os custos com a educao, pois o sistema necessitaria de um nmero menor

    de professores, o que poderia implicar em melhores salrios. Alm disso, uma educao de

    qualidade poderia chegar aos lugares mais inacessveis e desprovidos de pessoal qualificado

    no Estado. Discutia-se, ainda, a presena irreversvel da educao distancia, frente s

    imensas demandas educacionais que no podiam ser satisfeitas pelas modalidades tradicionais

    de ensino. A deciso gerou protestos, principalmente da parte do sindicato dos professores,

    que afirmava que o modelo desempregaria o professor, reduziria seu poder de barganha junto

    ao Estado empregador, e degradaria a prpria educao.

    Essa discusso era conduzida, de forma assistemtica, em diversos pontos onde se

    debatessem questes educacionais, inclusive nas salas de aula da Universidade Estadual do

    Cear, onde trabalho. Na qualidade de professora das licenciaturas, tendo como oficio bsico

    a formao de professores, acompanhava de perto a discusso dos problemas gerados em

    trno do trabalho docente relativo s sries terminais do Ensino Fundamental, isto , de 5 a 8

    sries. Tal discusso era mediada pela presena, em sala, de alunos que ocupavam funes

    docentes nas referidas sries. Para a grande maioria deles, estava-se criando um problema

    extra para o trabalho do professor no Cear: como fazer com que pessoas com habilitao em

    licenciaturas especficas passassem a ocupar-se, com eficincia, de todas as reas que

    compem o currculo escolar? A inquietao com os problemas relativos ao Telensino foi o

    grmen de onde surgiu a definio da temtica que, anos mais tarde, viria a compor esta tese

    de doutorado.

    Se era possvel sentir inquietaes em grupos isolados, a discusso sistemtica acerca

    Ao OA - Orientador de Aprendizagem - sempre foi colocado o papel de orientador e dinamizador da

    aprendizagem dos telealunos, excluindo-se de suas funes o domnio dos contedos especficos das disciplinas

    que passou a ministrar. Ver detalhes a respeito de atribuies no manual da FUNTELC (1995; mdulo III; 10).

  • do Telensino, entretanto, sempre me pareceu banida do mbito universitrio. Ali se discutiam

    a creche, o ensino fundamental de l a 4 sries, o ensino superior, o mdio, e at mesmo o

    supletivo. O Telensino, no entanto, ficava como que margem, como se fora uma experincia

    de menor importncia. Na qualidade de professora da Universidade Estadual do Cear -

    UECE - sentia que a instituio, em nenhum momento, debruava-se sobre o problema. Havia

    um silncio que dizia sempre que todos, ou, na melhor das hipteses, a maioria, discordavam

    do que havia acontecido com o ensino pblico de 5 a 8 sries, no Estado. Tal questo,

    entretanto, deveria ser, a meu ver, de suma importncia, principalmente para a UECE, visto

    ser ela uma instituio basicamente destinada a formar licenciados3 - profissionais que, em

    sua maioria, iriam atuar como docentes, justamente nas sries agora afetadas pelo Telensino.

    Por um lado, se o Telensino fosse uma modalidade de ensino considerada vlida, caberia

    Universidade uma pergunta; por que continuar a formar professores licenciados em reas

    especficas, se eles iriam atuar como professores polivalentes? Por outro lado, se o Telensino

    e sua prtica polivalente fossem considerados insatisfatrios, por que a Universidade deveria

    se omitir, deixando que esta prtica se esgotasse por si s, sem nenhum momento de

    avaliao, como costumeiro nas questes de inovao da educao neste nosso pas? Estas

    questes, que me pareciam a base para a busca de uma coerncia minima, no circulavam

    dentro da Universidade, no eram discutidas nos cursos de licenciatura.

    Fora da UECE, no me parecia que outras universidades tivessem uma postura

    diferente. Em encontros educacionais, ouviam-se afirmaes como "eu tenho as minhas

    certezas a respeito do Telensino". De certeza em certeza, o Telensino continuou seu rumo

    com poucas anlises acerca de sua atuao, mesmo levando-se em considerao que

    apresentava caractersticas bastante originais.

    J decidida pelo estudo do Telensino, ouvi algumas objees acerca da inteno de

    produzir um trabalho sobre o tema, quando me indagavam se j no havia muitos trabalhos

    escritos a este respeito. E no entanto, nos ltimos anos, os trabalhos elaborados no chegam a

    uma dezena.

    Todas estas questes conduziram concluso de que no estava bem claro que, no

    Cear, falar de Telensino no apenas falar de uma modalidade especfica de ensino, mas

    tratar da concluso do Ensino Fundamental. analisar a estratgia pela qual o governo

    A UECE conta com licenciaturas de histria, geografia, letras, filosofia, cincias sociais, enfermagem,

    Matemtica, fsica, qumica, cincias e pedagogia. Os cursos de bacharelado so apenas: administrao, cincias

    contbeis, servio social, computao e veterinria.

  • estadual optou para fazer cumprir o dispositivo constitucional de universalizao do Ensino

    Fundamental. E entender como isto est se dando, que vantagens ou prejuzos podem estar

    sendo trazidos para a aprendizagem de toda uma gerao de jovens cearenses. Foi por

    conceber o Telensino desta forma que se fez a opo pela temtica deste trabalho.

    Entender as condies de aprendizagem colocadas pelo Telensino exigiu a delimitao

    de uma rea de conhecimento especfica. A escolha foi feita pela Matemtica, por trs

    motivos interligados: sobre a Matemtica repousa o estigma de ser uma matria que causa

    muitas dificuldades no mbito escolar; nela que o desempenho dos alunos se mostra mais

    fraco, como se pode ver, por exemplo, nas avaliaes feitas pelo SAEB/SPAECE; e

    finalmente, a ela que se dedica o maior tempo pedaggico no Telensino.

    A ferramenta bsica utilizada para a delimitao dos aspectos a privilegiar, quando da

    anlise das condies oferecidas aos telealunos para a aprendizagem da Matemtica no

    Telensino, foi a definio do quadro terico. Tal definio recaiu sobre a Teoria da Atividade

    de Leont'ev, que elege a mediao como categoria bsica de anlise. Para Leont'ev, a

    mediao ocorre com a insero da atividade como elo intermedirio que ocupa o papel de

    conectar o sujeito e o objeto da aprendizagem. A mediao considerada em duas formas

    bsicas: a mediao social e a mediao instrumental.

    Definidos esses elementos, os componentes da pesquisa foram se evidenciando.

    Tornou-se clara a necessidade de analisar os principais atores participantes da mediao

    pedaggica - os alunos - no que dizia respeito ao domnio da Matemtica, alm dos

    instrumentos pedaggicos utilizados para tal fim. Por outro lado, fez-se indispensvel analisar

    as condies em que se gestavam as atividades necessrias para a aprendizagem da

    Matemtica, a partir de mediaes dos sujeitos e dos instrumentos disponveis. Por

    imposies de delimitao do trabalho, as anlises limitaram-se ltima srie do Telensino,

    isto , 8a srie do Ensino Fundamental. Tais opes resultaram na estruturao do trabalho,

    da forma como se passa a expor:

    O primeiro captulo versa sobre a concepo atual de educao distncia, enfatizando

    a questo da interatividade, tanto com o centro produtor da informao, como entre os

    prprios participantes do processo de ensino aprendizagem. Busca, assim, evidenciar as

    caractersticas existentes no Telensino que o aproximam e o distanciam de tal modalidade de

    ensino. A necessidade da elaborao deste captulo deveu-se ao fato de que o Telensino foi,

    em um primeiro momento, considerado como experincia em educao distncia e, com o

    decorrer dos anos, passou a ser visto como educao presencial. Demonstrar que o Telensino

    guarda traos que, ainda hoje, podem caracteriz-lo como ensino distncia, foi o objetivo

  • No terceiro captulo, discutiu-se a Teoria da Atividade, que constituiu, como j se

    afirmou, a base terica que fundamentou a presente pesquisa. Foram enfocados, em primeiro

    lugar, a Atividade como elemento mediador do processo de aprendizagem; em seguida, as

    principais formas de mediao - social e de instrumentos - e, finalmente, os trs nveis

    hierrquicos em que a Atividade pode ser analisada - o da prpria atividade, o das aes e o

    das operaes. Tais categorias so definidas por Leonf'ev: a atividade consiste em "processos

    que, realizando as relaes do homem com o mundo, satisfazem uma necessidade especial

    correspondente a ele" (Leonf'ev, 1994b; 68); a ao "um processo (...) subordinado idia

    de conseguir um resultado, isto , quando subordinado a um objetivo consciente" (Leont'ev,

    1994; 199); as operaes so "meios atravs dos quais uma ao realizada" (idem; 201). A

    anlise de cada um destes nveis no pode se dar isoladamente, sob pena de no se conseguir

    perceber os motivos que levam os indivduos a agirem da forma como o fazem.

    No quarto captulo, explicitou-se a metodologia adotada para executar a pesquisa,

    principalmente em sua parcela de trabalho de campo. Optou-se por elaborar um captulo

    destacado acerca da metodologia, devido variedade de procedimentos e s opes

    metodolgicas que foram realizadas no decorrer do trabalho. Uma discusso acerca da

    etnometodologia abriu as consideraes, seguindo a concepo de Lave (1988), de acordo

    com a qual a etnometodologia a metodologia que melhor se adequa captao dos dados

    necessrios a uma interpretao histrico-cultural. Foram detalhados as diversas opes

    realizadas, os procedimentos adotados, bem como a justificativa para esses procedimentos.

    A unidade especfica de anlise de dados iniciou-se com o quinto captulo, onde foram

    analisados os nveis de raciocnio matemtico de alunos da 8a srie do Telensino, bem como o

    deste captulo. Buscou-se demonstrar que o sistema guarda dentro de si uma forte

    ambigidade, que consiste, basicamente, no fato de que, mesmo desejando ser considerado

    ensino presencial, mantm como fonte reconhecida do saber o professor autor, aquele que

    idealizou as teleaulas, e que no se encontra fisicamente dentro da sala de aula, fazendo-se

    presente apenas atravs da mensagem televisiva.

    No segundo captulo, teceram-se consideraes acerca de diferentes formas de se

    perceber a importncia da Matemtica, tanto como cincia, como na qualidade de disciplina

    escolar. Essa discusso visou destacar a importncia da disciplina eleita como foco da anlise

    da aprendizagem realizada no Telensino. Encontra-se em comunho com a afirmao de

    Fossa (1998; 11), segundo a qual "a nossa concepo sobre o que Matemtica afetar a

    maneira na qual a ensinaremos. Tambm afetar a maneira de fazer pesquisa em Educao

    Matemtica".

  • seu domnio conceituai aritmtico e algbrico. Para examinar as questes relativas aos nveis

    de raciocnio, foi utilizado o referencial de Johannot, que percebe o desenvolvimento do

    raciocnio matemtico hierarquizado em quatro estgios: I - soluo no plano concreto - no

    qual se encontram os indivduos que, para resolver um problema matemtico, necessitam

    voltar ao concreto, manipulando objetos; II - soluo no plano da representao grfica - que

    congrega indivduos que conseguem entender a resoluo do problema, utilizando como apoio

    o desenho; III - soluo no plano formal aritmtico - estgio em que os indivduos tm

    necessidade de se servir de exemplos numricos, isto , quantificar as incgnitas para chegar

    soluo desejada; IV - soluo no plano algbrico - onde h a modelizao dos dados, com

    representao simblica das partes componentes do problema. Este trabalho avaliativo foi

    feito nos moldes do mtodo clnico piagetiano, no qual o indivduo levado a responder

    questes Matemticas, sendo depois inquirido sobre os motivos e procedimentos que o

    levaram quele resultado.

    O domnio conceituai aritmtico, considerando as operaes aditivas, foi analisado

    com base em Vergnaud. Visto que, para Vergnaud (1986; 83/4), o conceito constitudo de

    um trip de conjuntos - 'S ' , situaes; T, invariantes; 'Y', representaes - analisou-se, a

    partir de problemas propostos especificamente para esse fim, que domnio tm os telealunos

    de cada um desses conjuntos. J o domnio conceituai algbrico foi analisado com base em

    Lins e Gimenez (1997), que propem, como elemento base para o efetivo domnio conceituai

    da lgebra, o que eles denominam de "produo de significados". Tal produo de

    significados depende fundamentalmente da enunciao, por parte do sujeito aprendente, de

    crenas-afirmao e justificaes. O processo consiste em permitir que o aluno faa

    afirmaes acerca dos problemas que lhe so propostos, estimulando-o a faz-lo de acordo

    com o que ele acredita ser correto, para, logo em seguida, fazer as justificaes a partir de

    elementos que o autorizam a pensar que pode enunciar aquela crena-afirmao. O que se

    buscou mostrar foi a capacidade que o telealuno tem de construir afirmaes e fazer

    justificaes a partir de exerccio proposto.

    O sexto captulo consiste na anlise do instrumento pedaggico bsico utilizado como

    mediador da aprendizagem - o Manual de Apoio. Numa primeira anlise, submeteu-se o

    Manual ao mesmo julgamento procedido quando do Programa de Avaliao de Livros

    Didticos promovido pelo Ministrio da Educao, para classificao dos livros disponveis

    no mercado editorial nacional. Neste trabalho, buscou-se verificar em que aspectos tal

    material traz consigo as caractersticas julgadas importantes pelo MEC, segundo as normas do

    PNLD - Programa Nacional do Livro Didtico. Na segunda etapa de anlise a que foram

  • submetidos os Manuais de Apoio, foi avaliada a abordagem dos conceitos envolvidos nas

    estruturas aditivas e estruturas algbricas, conforme o que preconizam os autores j utilizados

    no captulo anterior. Embora as anlises tenham priorizado sempre a 8a srie, neste momento,

    no que diz respeito ao trato com as estruturas aditivas, foi tambm realizada a anlise do

    Manual de Apoio da 5a srie, por ser a primeira srie em que os telealunos utilizam os

    Manuais para explorar esse contedo. Com relao s estruturas algbricas, procedeu-se de

    forma semelhante, analisando-se desta feita os Manuais relativos 6a srie, momento em que

    os telealunos estavam sendo introduzidos no mundo da lgebra.

    O stimo e ltimo captulo ganhou um cunho etnogrfico, pois como afirma Coulon

    (1995a; 08), "a etnometodologia mostra que temos nossa disposio a possibilidade de

    apreender de maneira adequada aquilo que fazemos para organizar a nossa experincia

    social". A experincia social da qual se objetivou compreender as formas de organizao

    foram as prprias aulas de Matemtica, como momento fundamental para a aprendizagem do

    contedo da disciplina. Aceitando os princpios da Teoria da Atividade, segundo a qual a

    aprendizagem somente ocorre a partir da atividade do sujeito, encarada como um elo

    intermedirio que articula sujeito e objeto da aprendizagem, fez-se necessrio compreender o

    processo de produo da atividade no mbito da sala de aula. Uma vez que a anlise da

    atividade, segundo o prprio Leont'ev, no pode ser realizada em um bloco uno, ela foi

    analisada nos trs nveis em que pode ser fracionada: o nvel das operaes, o das aes e o da

    prpria atividade. Foram destacadas as operaes, aes e atividades, realizadas tanto por

    alunos quanto por professores, durante o perodo reservado explorao do contedo

    matemtico em sala de aula, visando possibilitar o detalhamento de aspectos especficos do

    Telensino e das aes recprocas exercidas, tanto entre estes aspectos particulares como entre

    eles e a totalidade, que conduzem ao resultado final - a aprendizagem dos alunos.

    A estruturao do trabalho da forma como acaba de ser descrita visou evidenciar o

    perfil do aluno entrevistado, em termos de seu domnio da Matemtica, frente s condies

    que lhe so oferecidas pelo Telensino para faz-lo avanar em tal domnio. Como se ver, em

    sua atual estruturao, as aulas de Matemtica vivenciadas no Telensino, se no podem ser

    consideradas como causa primeira do baixo desempenho matemtico verificado nos alunos,

    visto tratar-se de indivduos corn, no mnimo, oito anos de escolaridade, no podem tambm

    ser classificadas como instrumentos de qualidade na superao das lacunas existentes.

    Acredita-se que este trabalho caminha no sentido de contribuir para o preenchimento

    da lacuna sentida desde o incio do funcionamento do Telensino, qual seja, a avaliao da

    aprendizagem dos alunos, a partir do que lhes oferece o sistema.

  • TELENSINO E EDUCAO DISTNCIA - UMA RELAO

    CONTROVERTIDA

    0 Ensino Fundamental de 5 a 8 sries, hoje ministrado nas escolas pblicas do

    Estado do Cear, tem caractersticas exclusivamente cearenses. Em nenhum outro Estado da

    Federao encontra-se uma experincia com as suas particularidades. De comum com o

    ensino dos outros Estados, o Telensino cearense tem a organizao de escolas com salas de

    aula regulares, onde crianas e jovens encontram-se agrupados por ciclos ou sries, e recebem

    aulas das diversas reas do conhecimento, em horrios pr-fxados. Sua especificidade

    comea quando, diferentemente do que ocorre nas demais localidades, o contedo escolar

    chega sala de aula atravs de uma mensagem televisiva. Esta mensagem deve ser explorada

    pelos alunos, contando com a coordenao de professores que no tm necessariamente

    habilitao naquelas reas pelas quais so responsveis. So os PO - Professores

    Orientadores de Aprendizagem - anteriormente denominados apenas OA - Orientadores de

    Aprendizagem. O apoio didtico prestado, basicamente, atravs de materiais impressos

    especificamente para este tipo de curso, que incluem os Manuais de Apoio - MA - e os

    Cadernos de Atividades - CA. Aps a ltima reestruturao do Telensino, ocorrida em 1999,

    foi permitida a utilizao de outros livros disponveis no comrcio editorial.

    Essa configurao no algo pensado para suprir uma carncia passageira de

    professores qualificados, muito comum em pequenos municpios do interior do Pas. Ela a

    poltica de universalizao do Ensino Fundamental, que est sendo vivenciada em todo o

    Estado, inclusive na capital - Fortaleza - local definido para a realizao da pesquisa de

    campo que fundamenta este trabalho. Foi com esta poltica que o Estado buscou melhorar as

    estatsticas de concluso e de aproveitamento do Ensino Fundamental no Cear.

    A definio de tal poltica foi inspirada em um modelo de educao distncia que j

    se encontrava em funcionamento desde 1974. Era uma alternativa de formao ofertada a

    crianas e jovens, tanto do interior quanto da capital do Estado, que, por carncia de seu local

    de moradia, ou por vontade prpria, decidissem incorporar-se ao contingente de telealunos e

    teleprofessores.

    Aps vinte anos de funcionamento, nesta condio de alternativo, o Telensino foi

    adotado, em 1994, como a modalidade nica de ensino, para as quatro sries terminais do

    Ensino Fundamental, com funcionamento diurno, nas escolas pblicas estaduais, e em grande

    nmero das municipais, dentre estas as de Fortaleza. Ao ser adotado para todo o Estado,

    abriu-se o caminho da controvrsia: ou se admite que o Cear adota o ensino distncia para

  • propiciar a educao de crianas e adolescentes, ou se considera que o Telensino no um

    sistema de educao distancia.

    esta a questo bsica que buscaremos abordar neste captulo. Para examin-la, ser

    realizada,, inicialmente, uma discusso acerca da evoluo da educao distncia, at chegar-

    se ao que caracteriza, hoje, um experimento nessa modalidade de ensino. Em seguida, ser

    possvel proceder anlise da natureza da modalidade do Telensino praticado no Cear.

    EDUCAO DISTNCIA

    TRAOS DE SUA EVOLUO

    Embora haja quem considere que a educao distncia - EaD - iniciou-se com a

    prpria existncia de um texto escrito, a partir do qual estaria aberto um caminho para o auto-

    didatismo (Bordenave; 1993 e Fernandes 1993; 03), a maioria dos autores afirma que a

    educao distncia conta com pouco mais de um sculo de existncia. At meados do sculo

    XIX, com as inmeras deficincias dos meios de comunicao, fazia-se indispensvel a

    relao direta do professor com o aluno, em um mesmo ambiente fsico, mediada, quando

    possvel, pelos textos impressos. O amplo fortalecimento dos Correios, principalmente na

    Europa, ocorrido entre 1840, ano da emisso, pela Gr-Bretanha, dos primeiros selos postais,

    e 1874, ano da fundao da Unio Postal Universal, na Suia, abriu um expressivo canal para

    os trabalhos de educao distncia. So ilustrativos os exemplos apontados por Bordenave

    (1993) de iniciativas internacionais pioneiras nesta rea, que datam ainda do sculo XIX e

    princpio do sculo XX, todas elas com base no ensino por correspondncia: 1850, Rssia -

    Instituto de Ensino por Correspondncia; 1856, Alemanha - Estudo de Idiomas por

    Correspondncia; 1889, Sucia - Lber Hermand Institute; 1905, EUA - Calvert School,

    instruo elementar para crianas de Baltimore.

    Diante dessa expanso dos Correios, o ensino por correspondncia foi viabilizado e

    constituiu a primeira das quatro fases em que se encontra dividida a histria da educao

    distancia (Pealver, apud Bordenave, 1993; Nunes, 1992; Mesquita, 1995). Esta foi a fase

    mais duradoura, permanecendo o ensino por correspondncia como modalidade praticamente

    exclusiva at o final da Segunda Guerra Mundial. Unia-se a expanso dos Correios

    necessidade de fora de trabalho tecnicamente qualificada, compondo, assim, a demanda de

    educao distncia.

    De fato, a literatura mostra que a EaD esteve historicamente ligada formao

  • profissional, motivada por questes de mercado (Nunes, 1992). As excees a isto foram

    apenas algumas escolas de lnguas estrangeiras. Embora sua expanso tenha sido inegvel, a

    EaD era vista como uma educao de "segunda classe" (Bordenave, 1993). Este preconceito

    reproduziu-se no Brasil, onde tambm considerada, como ressalta Nunes (1992), "uma

    modalidade de segunda categoria, que se presta somente a pessoas de segunda categoria".

    No Brasil, o mais conhecido programa de ensino por correspondncia foi o Instituto

    Universal Brasileiro, cuja fundao data de 1941. Durante vrias dcadas, o Instituto ofereceu,

    basicamente, cursos de qualificao tcnica informal, que qualificavam pessoas para

    desempenho de funes de pouco prestgio social. Ao lado destes, oferecia ainda curso com

    carter de suplncia para adultos que no tivessem completado sua escolaridade em tempo

    hbil.

    A segunda fase da Educao Distncia caracterizou-se pela complementao do

    ensino por correspondncia com a utilizao do rdio. Esta etapa se firmou aps a Segunda

    Guerra Mundial. Mantinha-se ainda a preocupao com a formao profissional e,

    principalmente no Brasil, objetivava-se, na poca, a educao das populaes adultas das

    zonas rurais.

    No Brasil, a primeira iniciativa de uso do rdio, para fins educativos, foi com a

    fundao do Instituto Rdio Monitor, em 1939. A experincia seguinte, que vai merecer

    destaque na literatura, o MEB - Movimento de Educao de Base - j nos anos sessenta.

    Visava este, basicamente, a educao de populaes adultas das regies mais

    subdesenvolvidas do Pas, e para isto fazia uso de um rdio cativo. Este movimento respondia

    aos desafios de uma Igreja que, por um lado, comeava a fazer a opo pelos pobres, e, por

    outro lado, necessitava posicionar-se frente aos movimentos populares encabeados pelos

    partidos de esquerda, principalmente o Comunista (Wanderley, 1984;50). Tratava-se,

    portanto, de educao bsica para a populao adulta. Nos anos setenta, registra-se a presena

    do Projeto Minerva, que se configurava pela utilizao de emisses radiofnicas. Uma

    iniciativa de carter supletivo, o que o fez destinado exclusivamente a adultos.

    A terceira etapa caracterizou-se pela complementao do ensino, atravs da imagem

    audiovisual da televiso, em meados dos anos cinqenta. No Brasil, entretanto, foi somente

    nesta poca que se inaugurou o primeiro canal de televiso - a rede Tupi. Isto fez com que a

    adoo deste meio de comunicao, como suporte para a educao distncia, tenha sido,

    entre ns, um pouco retardado, em relao a pases mais desenvolvidos. O que Gusso (1993)

    vai denominar de "exploso" da educao distncia, situada nos anos 50, s ocorreria, no

    Brasil, na virada da dcada de sessenta para setenta, com a entrada em ao a televiso

  • educativa. E nesta fase que os planos governamentais passam a enfocar a educao

    distncia. O Projeto SATE - Sistema Avanado de Tecnologias Educacionais - estruturado

    como parte do I Plano Nacional de Desenvolvimento e do I Plano Setorial de Educao.

    Durante a vigncia do II Plano Setorial, o SATE sucedido pelo PRONTEL - Programa

    Nacional de Teleducao. Este daria origem, mais tarde, aos projetos coordenados pela

    FUNTEVE e por vrias entidades estaduais de teleducao (Gusso 1993). neste bloco que

    se registra a criao da Fundao de Teleducao do Cear - FUNTELC, conhecida como

    TVE-Ce, cuja fundao ocorreu no ano de 1974, tendo por base as experincias em

    teleducao desenvolvidas no Maranho e Rio Grande do Norte.

    Finalmente, na quarta etapa, a atual, a informtica amplia os limites espaciais para a

    difuso do ensino. Com recursos de alto nvel de sofisticao, possvel no s levar a

    imagem e o som para os mais variados pontos do globo, mas possvel trazer de volta a

    imagem e o som, do local onde se encontram os aprendizes, para os locais de onde partem as

    informaes. Alm disso, dispe-se de formas de interao entre aprendizes de diversas

    localidades, propiciando uma troca de experincias e conhecimentos nunca dantes

    experimentada na histria da humanidade.

    As modificaes tecnolgicas assimiladas, fase a fase, pela educao distncia,

    levaram a uma ampliao significativa de sua clientela. Entretanto, para Gutierrez e Prieto

    (1994), a ampliao da educao distncia, que caracterizou as dcadas de 70 a 90, decorreu,

    principalmente, de um expressivo aumento de demanda educacional, para a qual a educao

    presencial, exclusivamente, no podia dar uma resposta satisfatria, sendo foroso reconhecer

    as virtudes intrnsecas da EaD. por isso que esses autores afirmam a irreversibilidade do

    processo de ampliao de tal modalidade de ensino. Essa tambm a posio de Wickert

    (1999), que considera a Educao Distncia como indispensvel para a formao,

    aperfeioamento e atualizao permanente requeridos pelo novo sculo.

    A ampliao da EaD no Brasil tambm reconhecida por Nunes. Ele afirma que as

    experincias brasileiras foram variadas, e utilizaram significativos recursos humanos e

    financeiros. Os resultados, entretanto, "no foram ainda suficientes para gerar um processo de

    irreversibilidade na aceitao governamental e social da modalidade de educao distncia

    no Brasil" (Nunes, 1994). Os principais motivos apontados para esse estado de coisas esto

    vinculados a indcios de mau gerenciamento das iniciativas de educao distncia, tais como

    organizao de projetos-piloto sem acompanhamento estruturado e com a finalidade exclusiva

    de testagem de metodologia; falhas na avaliao de programas e projetos, ausncia de

    memria de experincias anteriores; descomprometimento com a sociedade no tocante

  • efetivao de seus objetivos e vinculao com as necessidades sociais reais ; obsolescncia

    da infra-estrutura de entidades governamentais de rdio e televiso, impossibilitando a

    gerao de programas de impacto (Gusso, 1993 e Nunes, 1994). Gusso (1993) ratifica esta

    posio, afirmando que, apenas "em poucos momentos, ultrapassou-se a preocupao com o

    domnio dos meios implicados nos programas e se deixaram claros os objetivos educativos e

    as clientelas que deveriam ser priorizadas."

    CARACTERIZAO DA EDUCAO DISTNCIA

    Uma caracterstica importante em Educao Distncia a especificidade de seu

    pblico alvo. At a terceira etapa de sua evoluo, podia-se falar que ela atendia quase que

    exclusivamente ao pblico adulto. As referncias ao uso da modalidade com crianas eram

    pontuais, e tal uso ocorria em circunstncias muito especiais, como casos de crianas na

    Austrlia que, sem condies de freqentar a escola, receberam programas distncia. Nada

    havia de muito sistemtico. A partir do uso do computador, esta situao parece mudar,

    embora ainda se mantenham, atualmente, as maiores referncias ao foco no adulto (Leite,

    2000; Wickert, 1999; Laaser, 2000). No que toca especificamente aos contedos escolares,

    no se pode ainda falar de adoo do computador como recurso didtico efetivamente

    utilizado.

    Mesmo no tocante ao trato com adultos, as divergncias com relao a qual deve ser o

    pblico preferencial marcante. Gusso (1993; 12) considera que o recorte populacional a ser

    privilegiado deve ser aquele composto por indivduos na faixa etria de 15 a 29 anos,

    residentes em reas metropolitanas, por ser essa a faixa considerada de maior produtividade.

    Outro recorte sempre lembrado como pblico de educao distncia so os professores de l

    grau (Gusso, 1993, Silva, 1991b), vistos como portadores de importantes lacunas em sua

    formao. J Nunes (1992; 75) acredita que o pblico alvo deveria ser composto pelos

    cidados das pequenas cidades do interior do pas e pelos marginalizadas das grandes cidades,

    a quem deveria ser possibilitado o acesso ao ensino profissionalizante por correspondncia.

    Os objetivos da Educao Distncia esto, igualmente, ligados ao trato com os

    adultos. Nunes quem define cinco campos de sua atuao: democratizao do saber,

    possibilitando o acesso cultura a milhes de cidados; formao e capacitao profissiona.l,

    nas mais diversas reas, quer no nvel bsico ou universitrio; capacitao e atualizao de

    professores, num processo permanente; educao aberta e continuada para contingentes j

    afastados das instituies formais de ensino; finalmente, educao para a cidadania, visando

    debater temas fundamentais da sociedade contempornea (Nunes, 1994; 18/20). Mata (1992;

  • 22) define como objetivos fundamentais da EaD: a educao bsica, a atualizao, a

    especializao e, principalmente, a reconverso, isto , a adaptao dos indivduos a uma nova

    situao de trabalho no sistema produtivo. Para ela, os meios educacionais tradicionais no

    so capazes de atender s diversificadas necessidades da populao, principalmente diante da

    atualizao permanente requisitada pela revoluo tecnolgica em andamento. A autora v,

    ainda, a incorporao das modernas tecnologias de comunicao educao com entusiasmo

    e, para o caso especfico da educao bsica, acredita que a EaD libera o professor de algumas

    tarefas de ensino, possibilitando-lhe oportunidades para dedicar-se a funes docentes que no

    podero ser realizadas pela tcnica. Neste sentido, Chung (1991; 128) salienta que, em uma

    sociedade industrializada, a educao distncia ocupa papel fundamental como soluo para

    os problemas das grandes distncias territoriais, alm de dar aos adultos a chance de mudar de

    ocupao a qualquer momento; j na sociedade subdesenvolvida, acredita que ela est mais

    voltada para a soluo de problemas bsicos, enfatizando aqui a educao secundria, a

    educao superior e o treinamento de professores.

    Na literatura analisada, apenas Keegan (1996) apresenta a EaD como uma modalidade

    que pode ser utilizada tambm com crianas. Ao contrrio do que enfatizado pela maioria

    dos autores, Keegan aceita a educao distncia para atender indistintamente a crianas e

    adultos. Para o pblico infantil e adolescente, recomenda, principalmente, forte apoio

    logstico e institucional, meios de comunicao com apelo emotivo, exerccios e experimentos

    prticos ligados realidade concreta, alm de cursos mediados por orientadores de

    aprendizagem. Para o pblico adulto, afirma ser fundamental a escolha e tratamento dos

    contedos a partir da experincia de vida e cultura dos alunos (Keegan, 1996).

    O funcionamento de sistemas que tomam por base a educao distncia descrito

    por Bordenave, contrapondo suas caractersticas com as da educao presencial, e

    enfatizando, principalmente, o relacionamento interpessoal professor/aluno:

    "Na educao presencial, os contedos ou saberes passam ou so transmitidos pelo educador, que possui um mtodo de ensino presencial no qual foi especialmente treinado e pelo qual, em contato direto com o aluno, faz possvel a passagem destes contedos e a aprendizagem dos mesmos pelo aluno" (Bordenave, 1993).

    o mtodo. Nele encarna-se o mtodo. O educador definido por mtodos. Na EaD, no

    aparece a figura do educador ou professor. O aluno entra em contato direto com os contedos

    ou saberes, e so estes os que levam em si mesmos o mtodo que os transformou em material

    auto-instrucional.

    Para o autor, o importante que o educador possua a forma de tratar os contedos. Ele

  • Se na educao presencial, o educador o mediador dos contedos, na EaD os

    contedos servem de mediador na relao professor/aluno, j que ambos s se conectam

    atravs dos contedos, um para "trat-los", e outro para aprend-los "Agora o material

    instrucional (os contedos tratados) o prprio mtodo. No material encarna-se o mtodo"

    (Cirigliano, apud Bordenave, 1993; 23).

    Desta contraposio entre as duas diferentes modalidades de educao, surgem

    caractersticas especficas que o educando de EaD dever desenvolver, visando um bom

    desempenho. Ele dever, em primeiro lugar, ser conduzido ao autodidatismo, tambm

    denominado de capacidade de "aprender a aprender" (Demo, 1991; Bordenave, 1993; Nunes,

    1994), considerada das mais relevantes caractersticas desenvolvidas atravs do ensino

    distncia.

    O "aprender a aprender" ter como princpios a produo prpria e a pesquisa como

    atividade cotidiana (Demo, 1991; 156), reconhecida como momento importante, onde o

    educando necessita fazer a sntese entre o conhecimento que j detm e o novo conhecimento

    que lhe chega atravs do material de estudo (Gutierrez e Prieto, 1994; 59). Tal atividade,

    entretanto, apontada como tradicionalmente pouco valorizada nos programas de educao

    distncia.

    Para que o autodidatismo no seja sinnimo de isolamento, os sistemas EaD esto

    buscando metodologias que visam intensificar a relao entre o sistema produtor e o aluno,

    atravs de meios tecnolgicos cada vez mais interativos (Nunes, 1992; 77). A palavra escrita,

    entretanto, continua a ocupar lugar importante como meio de comunicao, e, embora se faa

    uso do "enfoque multimeio" - adequada integrao das diversas mdias para conquistar

    objetivos instrucionais - h indicaes freqentes na literatura da necessidade da utilizao de

    um professor, tutor ou monitor, para contato direto com o aluno (Bordenave, 1993;24 e

    Nunes, 1994; 13). Posies controvertidas tm sido adotadas em torno da utilizao dos

    materiais e da interatividade. Wickert (1999) enfatiza as virtudes da interatividade viabilizada

    pela educao online, fazendo, entretanto, a ressalva de que deve haver uma complementao

    entre diversos materiais, como os chats, as teleconferncias e os materiais impressos. J Leite

    (2000) apresenta uma postura diferente, afirmando que o material impresso e o vdeo esto

    cada vez mais rapidamente entrando em obsolescncia.

    A Educao Distncia j conta com muitos adeptos que lhe apontam algumas

    vantagens sobre a educao presencial. So estas: a massividade espacial (Gutierrez e Prieto,

    1994 e Nunes, 1994), que elimina as distines geogrficas, possibilitando a indivduos de

    faixas etrias e origens variadas participar do programa; menor custo por aluno, devido ao

    24

  • grande contingente atingido com um mesmo trabalho produzido, assegurando-se, assim,

    maior quantidade com igual qualidade (Idem e Leite, 2000; Laaser, 2000 e Wickert, 1999);

    individualizao do ritmo de aprendizagem (Gutierrez e Prieto, 1994), embora observem que

    tal caracterstica no tem sido suficientemente explorada, dados os resqucios de educao

    presencial na formao dos indivduos que hoje se ocupam da educao distncia; por fim, a

    autovalorizao e segurana de si, geradas no aluno do programa em decorrncia da

    autodisciplina de estudo, da organizao do pensamento, e da expresso pessoal. Trabalho

    realizado com base na realidade cubana (Justiniani e Seuret, 1991; 152) coloca como

    vantagens bsicas a otimizao na utilizao das capacidades fsicas e o mximo

    aproveitamento de professores. Alm disso, acentua a possibilidade de oferecimento de vrias

    opes de carreira, sem interferir nas atividades de trabalho.

    Embora todos os autores enalteam aspectos da educao distncia, nenhum deles

    tem como proposta faz-la substituta da educao presencial. Pelo contrrio, consideram-na

    como necessariamente complementar dentro do sistema de ensino.

    Se estas so as caractersticas que levam a um crescimento da aceitao da Educao

    Distncia, no outro lado da moeda, temos as resistncias que tm sido interpostas no caminho

    de sua ampliao como estratgia vlida para a superao dos problemas educacionais. As

    resistncias apontadas pela literatura sua ampliao vo desde aspectos micro, de detalhes

    na confeco do material, at as decises de poltica nacional.

    Assim que Mata (1992;22) afirma: "O desenvolvimento da EaD no Brasil, de forma

    estruturada, qualificada e democrtica, no se deu por falta de vontade e deciso politica,

    suplantadas, muitas vezes, por operaes de transplante, de vida curta". Nesta perspectiva,

    Demo (1991; 149/150) adverte para a resistncia s inovaes tecnolgicas, caracterstica da

    rea de educao, onde se coloca o humanismo contrapondo-se tecnologia. Para ele, a

    tecnologia ainda vista pelos educadores como algo que apenas massifica, robotiza, e no

    visa a educao popular. Gusso (1993; 09) refora esta posio, afirmando que lideranas

    educacionais vem o uso de meios tecnolgicos de comunicao como estando a servio de

    posies "eficientistas" e, portanto, descomprometidas com a educao da maioria da

    populao brasileira.

    Os problemas internos ao prprio processo de aprendizagem so apontados como

    bices para a expanso da EaD, por gerarem ndices elevados de evaso. Silva (1991b; 224)

    arrola, como principais, os seguintes: dificuldade de compreenso dos contedos constantes

    nos materiais, por deficincia na elaborao; dificuldade de acesso a material complementar

    de estudo; falta de hbito de leitura para estudo sistemtico. Tais caractersticas no so

  • exclusivas da realidade brasileira. De fato, trabalho sobre Cuba demonstra condies

    semelhantes, onde h falta de orientao sistemtica e de esclarecimento de dvidas durante a

    preparao dos crditos, base deficiente, inexistncia de retomo dos erros cometidos nos

    exames, alm da dificuldade de textos especializados (Seuret e Justiniani, 1991; 165). Os

    trabalhos mais recentes apontam para a superao desse problema (Leite, 2000 e Wickert,

    1999), enfatizando o papel do professor nos cursos distncia, principalmente os online, no

    sentido de criar uma comunidade virtual, fomentar o debate, trocar informao, e manter o

    ritmo nas discusses. Com essas medidas, acreditam ser possvel manter o aluno vinculado ao

    grupo, evitando, assim, o seu desinteresse e conseqente evaso.

    Quanto ao aspecto curricular, advoga-se a necessidade de um currculo fundamentado

    na realidade e na prtica dos educandos. As estratgias determinadas devem levar o aluno a

    confrontar a teoria cientfica com sua prtica cotidiana. Os temas devem partir da realidade e

    alimentar-se na prtica social. A lgica a ser seguida no deve ser ditada pelos contedos,

    soberanamente, mas fundamentada na experincia, nos conhecimentos e na cultura (Gutierrez

    e Prieto, 1994; 49/50). nesta mesma linha que se coloca a necessidade de adaptar o currculo

    s possibilidades e aspiraes individuais, sem com isto comprometer a qualidade acadmica

    dos materiais utilizados. A flexibilizao viria, tambm, pela utilizao do sistema de

    mdulos e crditos (Nunes, 1994; 16). Neste particular, so, freqentemente, recomendados

    cuidados quanto importao de frmulas que, embora vlidas para determinadas realidades,

    podem tomar-se fracassos quando vivenciadas em locais com diferentes caractersticas (Mata,

    1992; 22 e Gutierrez e Prieto, 1994; 18).

    A PRODUO DO MATERIAL DIDTICO

    O material didtico tem um lugar fundamental nos trabalhos com Educao

    Distncia. Ele o principal elemento de mediao pedaggica4 no processo ensino

    aprendizagem. Grande parte das discusses dos autores, em tomo dos materiais didticos,

    ainda se d em funo da preparao de textos para serem usados como suportes impressos,

    ou mesmo textos prontos para a televiso, sendo, portanto, pensados com baixo nvel de

    interatividade. Embora a informtica tenha trazido contribuies importantes para a rea, ela

    ainda no atingiu boa parte dos usurios da educao distncia. Muitas das iniciativas ainda

    fazem uso exclusivo do material impresso e televisivo. Esse o caso do Telensino, como se

    Para Gutierrez e Prieto (1994;63) a mediao pedaggica entendida como "o tratamento de contedos e das

    formas de expresso dos diferentes temas, a fim de tornar possvel o ato educativo dentro do horizonte de uma

    educao concebida como participao, criatividade, expressividade e rclacionalidade"

  • ver mais adiante.

    Para Gutierrez e Prieto, (1994; 23 passim), quando se trata de educar distncia, o

    desencadear de uma relao pedaggica eficiente depende, em grande parte, da criao de

    materiais alternativos, cujo carter transformador vai depender tanto do processo de

    produo, quanto da qualidade do produto em si, do processo de distribuio e de seu uso.

    Com relao produo, os autores defendem como estratgia bsica o trabalho em

    equipe, com articulao entre tarefas. Fiorentini (1993; 45) tambm critica a prtica de

    produo isolada, pois, para ela, o texto produzido s ganha significao quando, ao ser

    produzido por um especialista de determinada rea, passa, paralelamente, pela crtica de

    membros da equipe que detm informao, tanto da proposta educativa, quanto do pblico

    alvo do material. Tal procedimento visa evitar que o produtor do texto perca de vista as

    caractersticas da clientela.

    J o produto, na opinio de Gutierrez e Prieto, deve conter, ao lado de informaes

    relevantes, aspectos como um modo instigante de apresent-las, a beleza das palavras e

    imagens, a abertura da obra e o envolvimento do interlocutor. Nesta mesma linha, Fiorentini

    (1993; 44/5) prope algumas diretrizes para a elaborao do que reputa bons materiais de

    EaD: superao da transmisso linear de conhecimentos, que vem transformando o estudante

    em um receptor passivo de concepes e conceitos; necessidade de estabelecer relao entre

    os conhecimentos prvios do aluno e os que se pretende que ele adquira, tornando os

    contedos mais significativos; progresso de contedos que promova conhecimentos mais

    profundos, respeitando a realidade cultural e ambiental e as caractersticas de

    desenvolvimento dos alunos (Fiorentini, 1993; 46 passim).

    Para Gutierrez e Prieto, a distribuio no deve ficar sob o encargo exclusivo da

    instituio produtora, buscando evitar que uma falha comprometa de forma global todo o

    processo.

    E, finalmente, ao referirem-se ao uso, advertem para a necessidade de o educando

    colocar-se no bojo de um processo ativo, em que ele se aproprie do material, em conjunto com

    o assessor pedaggico, com os outros educandos e com a comunidade em que vive. Somente

    assim, acreditam os autores, possvel, fugir do vazio, criado nas prticas tradicionais, entre o

    momento em que o educando recebe o material e o momento em que se apresenta para a

    realizao do exame, isto , no tempo da aprendizagem. Para Fiorentini, neste momento da

    aprendizagem, ao material deve ser agregada a proposio de atividades diversas, no

    somente para a absoro de contedos, mas tambm para a criao de estratgias para sua

    apropriao, indagao e interferncia na realidade.

  • O momento de aprendizagem, para Gutierrez e Prieto, deve levar em conta os hbitos

    de estudo existentes e a criar. Desconsider-los, tendo em vista a economia de tempo, e

    colocar como objetivo maior a mera reteno de informaes, apostar no secundrio,

    deixando para mais tarde o principal. Propem, ento, que os materiais sejam confeccionados

    tendo em vista relacionar o estudante com o contexto sociocultural, na perspectiva de

    conhecimento do passado e interveno no futuro. Assim que apresentam as caracteristicas

    que julgam indispensveis aos bons materiais:

    "[Apresentar] os materiais em pequenos blocos: (...) melhor trabalhar com poucos conceitos, porm tratados o mais claramente possvel; apoiar os conhecimentos novos em conhecimentos ou informaes que [os estudantes] j experimentaram; adequar os contedos, tanto em quantidade como em profundidade, ao ritmo de aprendizagem adaptado ao tipo de estudante para o qual se destina o material;"(Gutierrez e Prieto, 1994; 57/8).

    Em sntese, o material, como mediador do processo pedaggico, deve levar em

    considerao trs aspectos: em primeiro lugar, o tema, de tal sorte que a informao torne-se

    acessvel, clara e bem organizada, pois o estudante estar vivendo um processo de auto-

    aprendizado. A preocupao, aqui, se prende a situar a temtica, o tratamento do contedo, as

    estratgias de linguagem e os conceitos bsicos. Em segundo lugar, a aprendizagem, que diz

    respeito ao desenvolvimento de procedimentos que visam a efetivao do ato educativo,

    fugindo da lgica da simples assimilao de contedos. So exerccios que enriquecem o

    texto, guardando relao com o contexto e com a experincia do educando. Finalmente, a

    forma, que lida com os recursos que tornam mais expressivos os materiais: a diagramao,

    tipos de letras, ilustraes etc. Destes cuidados podem decorrer a intensificao do significado

    do tema para o interlocutor, sua identificao com ele e a conseqente facilitao da

    apropriao dos contedos.

    Com relao aos materiais para programao de televiso educativa, necessrio o

    domnio concomitante das tcnicas de produo de TV e dos conhecimentos relativos ao

    assunto a ser enfocado (Brando, 1992; Demo, 1998; Laaser, 2000). Os trabalhos de Brando

    (1992) e de Laaser (2000) ressaltam o fato de que, muitas vezes, a exacerbao dos papis dos

    envolvidos - professores e comunicadores - conduzem a erros: os primeiros ferem as tcnicas

    de comunicao, visando passar ao aluno o maior nmero de informaes possvel, os ltimos

    comprometem a mensagem educativa, pelo abuso das tcnicas visuais. H o risco de, tentando

    fazer com que o pblico aprecie os programas, no se faa com que tenha a aprendizagem

    necessria, j que gostar do programa no significa aprender; e ainda, que, pela beleza,

    inculque-se no espectador a mensagem, sem resistncia ou crtica.

  • Para Brando, o texto televisivo deve conter determinadas caractersticas, como

    temtica com valor informativo; linguagem adequada temtica e ao pblico; imagens claras

    e significativas e em consonncia com o udio; ritmo harmonioso, voltado para a consecuo

    dos objetivos previstos; aproveitamento dos programas de recreao para fins educacionais. A

    mensagem global, inclusive propagandas, deve estar voltada para a valorizao humana. As

    aulas de tipo convencional so desaconselhveis, pois ferem os princpios de comunicao. A

    utilizao do humor deve ser dosada com discrio (Brando, 1992; 33/34).

    Em vista desses traos da evoluo da educao distncia, objetivamos ressaltar

    alguns aspectos pertinentes a esta modalidade de ensino que subsistem no Telensino cearense.

    No de nosso interesse recompor a histria desta experincia, visto que ela j est registrada

    em vrias obras5. Sero retomados apenas alguns pontos, que nos parecem fundamentais para

    caracterizar seus aspectos de Educao Distncia.

    CONSIDERAES

    A Educao Distncia passou por um longo perodo de evoluo at chegar, nos anos

    50, utilizao da televiso como recurso bsico. Um problema crucial com que sempre se

    defrontou essa modalidade de ensino foi a interatividade: como conseguir manter uma relao

    intensa e motivadora com o aluno, apesar da distncia entre este e o professor. Tal problema

    no foi, durante todo esse perodo, bem equacionado. Uma resposta mais adequada somente

    veio a ser estruturada na ltima fase da educao distncia, quando do uso da informtica. A

    criao de comunidades virtuais, chats, videoconferncias, etc. foi um marco na busca do

    entrosamento entre aluno/aluno e aluno/professor. Mesmo diante dessa modificao

    fundamental, mantm-se ainda a caracterstica de a EaD atender, preferencialmente, ao

    pblico adulto, com vistas qualificao profissional, no obstante haver iniciativas que

    buscam atendimento educacional ao pblico infantil, atravs do computador.

    Foram essas modificaes, procedidas ao longo do tempo, que propiciaram o

    surgimento de uma nova percepo acerca dessa modalidade de ensino. Passou do status de

    "educao de segunda categoria" para ser vista como uma modalidade de ensino

    indispensvel para atender crescente demanda educacional, no s nos nveis bsicos que

    compem o sistema educacional mas, principalmente, como possibilidade de educao

    continuada.

    Ver para isto, dentre outros, os trabalhos: FUNTELC (1981); (1990) e (1995); CAMPOS (1983);

    FARIAS(1997)

  • No mbito interno da Educao Distncia, ressaltada a importncia dos cuidados

    com a produo do material a ser utilizado, independentemente do veculo de comunicao ao

    qual ele se destine. Sendo encarado, como diz Gutierrez (1994), como o mediador da relao

    ensino/aprendizagem, ele requer ateno especial, desde o momento da produo at o

    consumo. No se admite a existncia de um vcuo de percepo do plo consumidor, por

    parte do plo produtor. A ocorrncia de tal distanciamento apontada como importante fonte

    de insucesso das iniciativas em educao distncia.

    O TELENSINO

    O sistema Telensino, nas suas trs dcadas de existncia, tem oferecido ensino de 5 a

    8 sries populao cearense. Neste perodo, podem-se definir trs fases distintas: a inicial,

    de sua fundao; a fase conhecida como a de universalizao, que se diferencia da primeira,

    principalmente devido sua abrangncia; e a fase de redimensionamento, que se distingue,

    fundamentalmente, pelas funes atribudas ao profissional regente da sala de aula. Busca-se,

    nessa seo, ressaltar os pontos em que tais fases identificam-se ou afastam-se entre si.

    O SISTEMA EM SUA ORIGEM: 1974 - 1994

    O sistema Telensino nasceu, em 1974, imerso em uma atmosfera poltica muito

    complexa. Eram anos de ditadura, nos quais as comunicaes se faziam indispensveis para o

    controle social, sendo este um fator fundamental para a expanso das redes telefnicas e

    televisivas que se testemunhou naquele perodo. A expanso das televises, inclusive as

    educativas, aconteceu em atendimento a esta lgica. Trabalhos dedicados anlise do

    Telensino j afirmaram que a deciso de implantar, em cada estado, uma televiso sob

    controle estatal teve carter poltico, e no educacional (Bodio, 1999; 26). Afirma-se,

    inclusive, que a deciso de usar a televiso estatal como meio educativo fora tomada antes

    mesmo de ser definido em que nvel de ensino o sistema deveria funcionar (Stone, s/d; 03).

    Agregada a esta necessidade de controle, havia ainda a necessidade de viabilizar a

    implantao da Lei 5692/71, que pretendia universalizar o ensino de 1 grau. Esta a

    justificativa apresentada pela Secretaria de Educao para a implantao do sistema. "O

    Telensino, quando nasceu, naquela poca, nasceu para viabilizar a implantao da 5692 (...),

    suprir a carncia de pessoal e chegar aos mais distantes locais" (tcnica da SEDUC em

    entrevista a Bodio, 1999; 26). Essa tambm a opinio de Cavalcante (1998; 29), que v a

    televiso educativa como uma soluo para os males da Educao, no apenas do ponto de

    vista quantitativo mas, principalmente, no aspecto qualitativo."

  • Embora se afirme, em vrios documentos oficiais, que o objetivo principal do

    Telensino "a formao integral da juventude, sobretudo daquela que vive nos mais

    longnquos recantos do Estado" (Funtelc, 1995; 36), onde haveria maior carncia de pessoal

    qualificado, o sistema j se iniciou com maior nmero de alunos na capital, onde se

    concentram os maiores ndices de qualificao docente. Dos 4.139 alunos componentes do

    primeiro contingente que ingressou no Telensino em 1974, 3.511 eram de Fortaleza (Stone,

    s/d; 05). De todo modo, como se pode perceber pelos nmeros, o Telensino no era uma

    modalidade de ensino aplicada a todas as escolas. Em seu nascedouro, ele se propunha a ser

    uma alternativa de ensino da 5- 8- srie, destinado a alunos e professores que quisessem dele

    participar, ou que, por ausncia de professores habilitados, no tivessem outra possibilidade.

    A adeso dos professores, principalmente os de Fortaleza, era um movimento voluntrio.

    Com esse objetivo de chegar a inacessveis locais do Estado, o Telensino foi,

    inicialmente, encarado como um ensino distncia. O material impresso de uso dos

    estudantes traz consigo, at hoje, uma marca dessa concepo. Nas primeiras pginas dos

    Manuais de Apoio, encontra-se uma carta do Prof Naspolini, Secretrio da Educao, dirigida

    aos alunos, em que ele reconhece tal caracterstica no sistema, como se pode ver no trecho a

    seguir: "Estudantes, o ensino distncia uma tendncia mundial. Eu sou um defensor do

    Telensino. (...) As aulas que lhes chegam atravs da tela foram preparadas por profissionais

    competentes e realizadas com muito carinho..." (Manual de Apoio 8 srie; 01, grifo nosso).

    Vrios trabalhos acadmicos (Stone, s/d; Sousa, 1983; Campos, 1983) do incio dos anos 80

    tambm fazem meno ao Telensino, sempre como ensino distncia.

    O sistema assumia-se, ento, com essa caracterstica de ensino distncia, e

    estruturava-se a partir dessa premissa. No incio dos anos 70, era um sistema que fazia uso de

    uma mdia avanada para a poca - a televiso. Alm disso, podia ser considerado um ensino

    multimeios, pois fazia uso de mdulos televisivos agregados a materiais impressos: os

    Manuais de Apoio - MA - onde se encontravam os contedos programticos, divididos em

    "aulas" compatveis com os mdulos da televiso, e os Cadernos de Atividades - CA - que

    traziam os exerccios de fixao.

    Para dar vida ao sistema, havia uma primeira equipe, externa sala de aula, composta

    peia administrao central do sistema, e por outros tantos elementos, definidos por Campos

    como "professores produtores", responsveis por "organizar e produzir os mdulos de cada

    rea, de acordo com sua habilitao, bem como o material de apoio correspondente"; havia

    ainda o "apresentador, para exibir a mensagem produzida e realizada" e, finalmente, o

    'supervisor que faz interagir o processo de comunicao e o processo de aprendizagem,

  • intermedirio entre receptores e produtores" (Campos, 1983; 56 passim). Era a tentativa do

    sistema de cumprir o preceito exposto por Fiorentini (1993), de prover uma intermediao

    entre quem produz e quem consome os materiais de ensino distncia.

    Do outro lado, o lado da recepo, havia a equipe de Orientadores de Aprendizagem -

    os OAs. A cada O A, que no tinha a obrigao de ter domnio dos contedos, cabia o papel de

    "coordenar o trabalho da recepo com os telealunos, criar condies para que os mesmos

    queiram aprender, compreender os contedos, fazer atividades e obter resultados satisfatrios"

    (Funtelc, 1995; 09 Mdulo EI). O O A era, ento, visto como "o profissional que orienta,

    dinamiza e acompanha a aprendizagem na recepo, consciente, como educador que sabe e

    no sabe, e jamais como instrutor polivalente que sabe tudo, mas tem a capacidade de

    aprender juntos, pesquisando juntos, muitas vezes" (Cavalcante, 1998; 60, grifo nosso). Havia

    tambm o grupo de telealunos, jovens de 5- a 83 sries, em escolaridade regular, que se

    reuniam por turmas para assistir s recepes.

    Tendo em vista que o Telensino era um ensino que se reconhecia como regido segundo

    princpios da educao distncia, providncias foram tomadas para articular o plo de

    ensino com o plo de aprendizagem. O trabalho de Sousa j se referia s "vantagens" desse

    sistema bipartido, assim se colocando: "Visto que ensinar e aprender so processos

    complexos, tornou-se possvel dissoci-los um do outro. (...) A teleducao pde confiar a

    tarefa de ensino a um educador e a responsabilidade pela orientao da aprendizagem a outro"

    (Sousa, 1983; 28). Alm da equipe de superviso, j mencionada, que trabalhava no sentido

    de dirimir dvidas geradas pelas emisses junto aos OAs, bem como de trazer os problemas

    das salas de aula para os responsveis pela definio das diretrizes e materiais do sistema,

    havia ainda o estmulo para que alunos e professores fornecessem feedback atravs de cartas

    (Stone, s/d; 13) que deveriam ser encaminhadas sede da emissora. As sugestes julgadas

    pertinentes eram aproveitadas na reelaborao dos programas, que inicialmente - 1974 a 1977

    - eram feitos ao vivo (Campos, 1983; 94). Em um programa quinzenal denominado "TVE

    Correio", as questes encaminhadas na correspondncia eram respondidas no vdeo. Assim se

    buscava resguardar a interatividade de uma proposta de ensino distncia, em uma poca em

    que sequer era possvel, ao cidado comum, imaginar o potencial de interatividade que

    poderia ocorrer atravs do uso de computadores e de uma rede como a Internet.

    A fundamentao terica da proposta tambm um ponto que merece destaque.

    Propalava tomar por base uma "proposta de educao libertadora". Para Campos, um dos

    idealizadores do sistema, a "educao libertadora" consiste em "princpios didtico-

    pedaggicos que contribuam para a efetividade de uma proposta educacional que d

  • condies aos educandos de libertar-se de sua triste condio de meros receptores passivos e

    aue [faa com que] sejam capazes de reflexo e atuao em sua realidade prxima e concreta"

    (Campos, 1983; 03). Tomava por base seis princpios que compunham seu "plano filosfico":

    participao, reflexo, criticidade, criatividade, cooperao e autonomia. Afirmava buscar

    responder a alguns desafios com relao ao uso da televiso. Visava estabelecer, atravs dela,

    um processo de comunicao " bidirecional, participativo e dialgico", "comprometido com o

    meio" e formador "do pensamento reflexivo e da conscincia crtica". (Funtelc, 1990, 07/08).

    Como se pode perceber, a televiso educativa do Cear, em sua origem, tinha, como

    fundamentao propalada, para sua proposta de ensino, a teoria freireana. Enquanto mentor da

    proposta, Campos (1983) advogava a possibilidade de "uma instituio como a televiso,

    ideologicamente subordinada s estruturas de poder que a sustentam, acoplar-se a outra forma

    tradicional e bem estruturada de massificao, denominada escola, e fazer um trabalho de

    educao 'para que o adolescente viva sempre consciente de uma boa formaao', crtica,

    criativa, participante: em sntese, libertadora" (Campos, 1983; 01). O autor baseia sua

    afirmao em uma pesquisa na qual utiliza uma metodologia de anlise das cartas de alunos

    que chegavam sede da emissora. Chega, ento, a trs concluses bsicas: o sistema

    consegue ser democrtico, visto no haver, segundo ele, distino significativa no rendimento

    escolar de alunos da capital ou interior (idem; 62); propicia a formao do esprito grupai,

    dado o emprego do pronome "ns", nas cartas, sobrepor-se ao uso do pronome "eu" (idem,

    69); desenvolve o esprito crtico, tendo em vista as crticas enviadas nas cartas (idem; 79).

    Tais concluses levam o autor a confirmar a hiptese levantada de que a televiso pode ser

    "mediadora de uma educao de sujeitos".

    H, entretanto, estudos realizados, nos quais os autores no tm essa mesma

    percepo. Stone (s/d; 4) aponta para a economia de recursos humanos como fundamento para

    a implantao do Telensino. Questiona tambm as concluses de Campos, principalmente

    quanto ao desenvolvimento da criticidade, visto que o aluno que foi sujeito daquela pesquisa -

    aquele que tomou a deciso de escrever emissora - j pode estar demonstrando ser um aluno

    corn senso crtico diferenciado, no sendo, portanto, um "aluno tpico" (Stone, s/d; 24).

    Observe-se que a TV Educativa recebeu durante o perodo de oito anos - 1974 a 1981 -

    apenas 515 cartas. Tendo em vista que, apenas no ano de 1981, havia 20.635 alunos

    matriculados no Telensino, o nmero de cartas no chega a demonstrar um alto ndice de

    participao dos alunos. O trabalho de Bodio contrape-se tambm idia de uma "educao

    libertadora" praticada pelo Telensino. Sua argumentao mostra que, desde o seu princpio, o

    Telensino trouxe caractersticas que o distanciaram de uma concepo educacional

  • "libertadora" ou "dialgica". dele a afirmao de que "deve t-lo [o sistema] ajudado a se

    consolidar ... o fato de se ajustar muito bem concepo pedaggica dominante no incio dos

    anos 70, o tecnicismo. (...) Separava claramente as atribuies daqueles que deveriam pensar

    e conceber a ao educativa (...) daqueles que deveriam operacionaliz-la em sala de aula"

    Bodio (1999; 27) Alm disso, ressalta a eficincia do controle exercido pela equipe central

    sobre as diversas salas de aula espalhadas pelo Estado. Tal controle caracterizava-se por uma

    "operao centralizada dos horrios e das duraes das emisses de televiso, pela escolha

    dos contedos curriculares e respectivos enfoques e por uma rede de coordenadores e

    supervisores" (Ibid.). Finalmente, Sousa (1983; 3), referindo-se televiso como uma

    tecnologia utilizada na educao distncia, afirma ser esta um dos "meios unidirecionais,

    no apropriados, por si mesmos, a uma educao autntica que pressupe o dilogo"

    Como se percebe, a afirmao de que o Telensino tinha por base a fundamentao

    freireana no encontra sustentao na literatura produzida em torno do sistema. Quando as

    vistas se voltam para o momento poltico em que ele surgia, tal afirmao toma-se ainda mais

    delicada. Vivia-se ento um perodo fechado de ditadura, no qual at mesmo o prprio Freire,

    forjador da concepo "dialgica" e "libertadora", encontrava-se ainda no exlio. Tal clima

    poltico d fortes indcios de que era impossvel a emissora estatal efetivamente ter

    compromissos com a formao da criticidade. Alm disso, so inmeros os estudos na rea de

    comunicao, os quais no sero aqui abordados, por fugirem aos objetivos deste trabalho,

    que demonstram a passividade gerada no receptor da mensagem televisiva.

    Vejam-se, finalmente, as questes curriculares e seus "componentes curriculares", que

    estruturaram internamente a sala de aula. Em primeiro lugar, o currculo adotado nas escolas

    ligadas ao Telensino era o mesmo praticado nas escolas de ensino presencial. Esta era,

    segundo demonstra Campos, condio "sine qua non" para o reconhecimento: "Para ser

    reconhecido pelo Conselho Estadual do Cear (parecer 16011 A) [o Telensino] teve de adotar o

    currculo oficial elaborado pela Secretaria de Educao Estadual ... dar um tratamento

    especial ao currculo oficialmente imposto" (Campos 1983;41, grifo nosso). Por ser um curso

    regular, findo o qual o aluno receberia o diploma de l5grau (denominao anterior do Ensino

    Fundamental), era necessrio submeter-se s mesmas regras colocadas para os alunos do

    ensino presencial.

    Entre os "componentes curriculares", arrolavam-se, quando do incio do

    funcionamento do sistema, os seguintes: "telealunos; Orientadores de Aprendizagem;

    organizao da telessala; temas integradores; contedos programticos; processo de

    veiculao da mensagem didtico-pedaggica, aula integrada e mdulo de aprofundamento

  • (teleaulas); questionamentos; metodologia (dinmica do processo ensino-aprendizagem,

    incluindo a dinmica de grupo) sistema de avaliao e outros" (Funtelc, 1990; 10).

    Os telealunos e Orientadores de Aprendizagem eram definidos da forma como j se

    explicitou acima, ainda nesta seo. Os temas integradores, limitados ao nmero de oito para

    cada srie, visavam a organizao do contedo em cada disciplina e a articulao

    interdisciplinar, alm de permitir a relao destes contedos com a realidade do aluno

    (Funtelc, 1990; 11). Havia um nico grupo de temas integradores, que deveria atender s

    mais diferentes realidades do Estado. Stone a isto se refere como uma virtude do sistema,

    aceitando a possibilidade de tal objetivo ser efetivamente alcanado "Tm que ser relevantes

    para o Estado inteiro - as zonas do litoral, das serras e do serto"(Stone, s/d; 08)

    Vinculada aos temas, havia a aula integrada, com durao mxima de 20 minutos, que

    caracterizava-se pela "apresentao de contedos em 'situaes reais de vida' (...) voltada e

    orientada para a comprovao do tema gerador". (Funtelc, 1990; 10). Era apresentada no incio

    das atividades dirias, tentando dar "uma viso global do contedo do dia com as diferentes

    reas do conhecimento em interao" (Campos, 1983; 47) A partir dessa apresentao global,

    partia-se para a apresentao dos contedos curriculares, por disciplinas.

    O mdulo de aprofundamento "uma unidade didtica que focaliza uma das reas do

    ncleo comum e a aprofunda. Ele carrega as informaes conteudsticas da rea. (...) Sua

    durao no deve ultrapassar 10 minutos" (Campos, 1983; 49). Esses 10 (dez) minutos de

    emisso devem considerar os aspectos seguintes (Funtelc, 1990): motivao, chamada inicial

    para despertar a ateno do telealuno, conceituao, demonstrada atravs de exemplificaes

    que levem a uma generalizao e aplicao prtica dos contedos estudados; reflexo, onde se

    considera que o mdulo no deve ser conclusivo, mas levar o aluno a um processo de anlise

    e descoberta; finalmente, o questionamento, que permite que o aluno estabelea ligao entre

    os contedos e sua realidade. Eram emitidos trs mdulos por dia, portanto havia contato

    dirio com trs diferentes disciplinas. Os Manuais de Apoio e Cadernos de Atividade, j

    referidos, estavam intimamente ligados a esses mdulos, como complemento do contedo

    emitido.

    A metodologia que instrua a dinmica da sala de aula tinha caractersticas prprias:

    Toda teleaula devia ser composta por trs elementos: emisso, percepo e aprofundamento

    (Sam'Anna, 1999, 31). A emisso " o momento em que a televiso fala"; a percepo " o

    momento em que o orientador de aprendizagem busca junto ao telealuno apreender [via

    dinmica de grupo] o que ele conseguiu captar da emisso", o aprofundamento " feito

    atravs da leitura comentada do manual de apoio, da resoluo dos exerccios do caderno de

  • atividades e de sua correo".

    A teleaula era, assim, o momento em que se articulavam todos esses "componentes

    curriculares", dentro de uma sala de aula que seguia a tradicional estruturao de salas de aula

    oresenciais, com aproximadamente 35 alunos, onde eram ministradas aulas das diversas

    disciplinas que compem o currculo das sries terminais do Ensino Fundamental.

    Organizados em sries, os alunos tinham uma convivncia diria de 4 horas. As turmas de 5a e

    6a sries funcionavam no turno matutino, e as de 7a e 8a no turno vespertino, devido

    necessidade de organizar as emisses televisivas.

    A proposta do sistema ressaltava a importncia da organizao espacial na sala de

    aula, visando, principalmente, o trabalho em grupo. Propunha, explicitamente, a organizao

    interna da sala, ora sugerindo a formao de crculos, pois "favorece aos alunos e orientadores

    condies de se sentirem no mesmo plano, onde todos ensinam e todos aprendem" (Funtelc,

    1996), ora o trabalho em pequenos grupos, que propicia "a participao ativa de cada um dos

    componentes, alm de promover a solidariedade, favorecer a criatividade e melhorar a

    capacidade produtiva" (Funtelc, 1995). O trabalho em grupo era previsto para ser realizado

    respeitando algumas fases: o planejamento - momento em que OA e telealunos definem,

    conjuntamente, os objetivos, as atividades e o tempo necessrio para desenvolv-las; a Ao

    do Grupo, segunda fase, que consiste na coleta de dados e informaes em fontes variadas,

    onde se conta com a dinamizao por parte do Orientador; finalmente, a Avaliao, que

    ocorre em diferentes momentos do processo, dando ao educador a chance de verificar se

    houve aprendizagem e, ao telealuno, a possibilidade de auto-avaliar-se (Funtelc, 1995; 13 -

    Mdulo I). No foi possvel localizar informao sobre a existncia, naquele perodo, da

    diviso da sala em equipes previamente estabelecidas pelo sistema, com suas respectivas

    funes, o que mais tarde acontecer, como se ter oportunidade de explicitar mais adiante.

    A din