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ANÁLISE DO DISCURSO DE POSSE DO PRESIDENTE LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Euzélia David Dias UNEMAT/AIA Marlon Leal Rodrigues NEAD/UEMS/UFMS/UNICAMP Introdução Este trabalho tem como objetivo analisar ideologias que constituíram o discurso de posse do Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, doravante Presidente Lula, na sessão de posse no Congresso Nacional em 2003. Vale mencionar que o Presidente veio de uma família humilde e simples, sem condições financeiras para custear os gastos do dia-a-dia, condição que a levou a mudar- se do nordeste para o Estado de São Paulo, com a perspectiva de “melhorar de vida”. O Presidente Lula, enquanto metalúrgico e siderúrgico, “aderiu” à posição política de esquerda, defendendo a causa popular e operária, quando ainda trabalhava como torneiro mecânico conseguiu ser líder metalúrgico do ABC paulista. Participou da fundação do Partido dos Trabalhadores – PT, como um dos seus mais significantes líderes. Como conseqüência da situação política, logo após “apostou” em quatro candidaturas – em 1989, 1994, 1998 e 2002 – para ocupar o cargo de Presidente da República, mas somente na última tentativa obteve êxito. Durante a campanha de 2002, o Presidente Lula não manteve o mesmo discurso que havia sendo defendido em campanhas anteriores. E mesmo assim recebeu “ferrenhas críticas” de seus adversários políticos, de latifundiários e empresários, em relação a sua postura como um postulante de esquerdo-revolucionária. Em contrapartida, o Presidente Lula superou as críticas e desenvolveu um trabalho diferente durante a sua campanha, uma das razões, entre outras, por que foi eleito pelo povo brasileiro. As propostas de governo do Lula foram divididas prioritariamente em dois grandes blocos: o primeiro reúne os programas e ações que dependem diretamente da disponibilidade de recursos orçamentários, como: o desenvolvimento sustentável, emprego, infra-estrutura, combate à pobreza e inclusão social; no segundo bloco estão

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ANÁLISE DO DISCURSO DE POSSE DO PRESIDENTELUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Euzélia David DiasUNEMAT/AIA

Marlon Leal RodriguesNEAD/UEMS/UFMS/UNICAMP

Introdução

Este trabalho tem como objetivo analisar ideologias que constituíram o

discurso de posse do Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, doravante

Presidente Lula, na sessão de posse no Congresso Nacional em 2003.

Vale mencionar que o Presidente veio de uma família humilde e simples, sem

condições financeiras para custear os gastos do dia-a-dia, condição que a levou a mudar-

se do nordeste para o Estado de São Paulo, com a perspectiva de “melhorar de vida”. O

Presidente Lula, enquanto metalúrgico e siderúrgico, “aderiu” à posição política de

esquerda, defendendo a causa popular e operária, quando ainda trabalhava como

torneiro mecânico conseguiu ser líder metalúrgico do ABC paulista. Participou da

fundação do Partido dos Trabalhadores – PT, como um dos seus mais significantes

líderes. Como conseqüência da situação política, logo após “apostou” em quatro

candidaturas – em 1989, 1994, 1998 e 2002 – para ocupar o cargo de Presidente da

República, mas somente na última tentativa obteve êxito.

Durante a campanha de 2002, o Presidente Lula não manteve o mesmo

discurso que havia sendo defendido em campanhas anteriores. E mesmo assim recebeu

“ferrenhas críticas” de seus adversários políticos, de latifundiários e empresários, em

relação a sua postura como um postulante de esquerdo-revolucionária. Em

contrapartida, o Presidente Lula superou as críticas e desenvolveu um trabalho diferente

durante a sua campanha, uma das razões, entre outras, por que foi eleito pelo povo

brasileiro.

As propostas de governo do Lula foram divididas prioritariamente em dois

grandes blocos: o primeiro reúne os programas e ações que dependem diretamente da

disponibilidade de recursos orçamentários, como: o desenvolvimento sustentável,

emprego, infra-estrutura, combate à pobreza e inclusão social; no segundo bloco estão

os projetos que passam pelo Congresso Nacional, como: inserção social, inserção

soberana, gestão do Estado e combate à corrupção.

Essas considerações são importantes porque a análise do discurso de posse do

Presidente Lula considera a historicidade do sujeito, dos sentidos e dos discursos;

condições de produção, portanto.

A partir dessas considerações, apresenta-se um breve histórico da constituição

da Análise do Discurso, destacando-se que Pêcheux concebe a teoria do discurso

valendo de três regiões do conhecimento: o materialismo histórico, com base na

releitura que Althusser faz de Marx; a Lingüística, como teoria dos mecanismos

sintáticos dos processos de enunciação, associada à releitura que Lacan fez de Freud; e a

teoria do discurso como teoria dos mecanismos sintáticos dos processos semióticos.

Desse triplo assentamento surgiu a formação material do discurso lingüístico-histórica,

enraizada na história para produzir sentido; a forma sujeito do discurso, que é

ideológico - assujeitado na ordem do discurso, em que há o sujeito na língua e na

história, ou seja, um já-dito em outro lugar. Com efeito, o enraizamento desses três

campos do conhecimento traz conseqüências metodológicas em busca de um dispositivo

de análise do processo discursivo, em busca de vestígios da história, da memória no

discurso e a conseqüente inter-relação entre a ordem da língua, da história e do discurso.

Ainda abordamos brevemente panorama histórico das coligações e siglas dos

partidos que concorreram às eleições de 2002 e traçamos um esboço sobre a origem do

Partido dos Trabalhadores – PT, uma vez que o Presidente Lula foi um petista eleito

com 52.793.364 votos.

Para a análise, recortamos enunciados significativos, agrupando-os em

discursos para caracterizá-los e analisar seus interlocutores possíveis. Isso considerando

o que concebe Pêcheux (apud Cardoso 1999, p. 51): o sentido é determinado pelas

posições ideológicas colocadas em jogo no processo sócio-histórico em que as

palavras, expressões e proposições são produzidas e re-produzidas. No entanto, o

sentido e o sujeito são constituídos no discurso, uma vez que o sentido na análise do

discurso propõe uma teoria não subjetivista da enunciação que permita fundar uma

teoria dos processos discursivos.

Quadro formal: breve histórico da Análise do Discurso (AD)

O que se encontra no começo histórico das coisas não é a identidade da origem

– é a discórdia das coisas, é o disparate. (FOUCAULT, 1996, p. 37).

Para Maingueneau (1997, p. 17) a chamada “escola francesa de análise do

discurso” filia-se:

a uma certa tradição intelectual européia e sobretudo na França acostumada a unir reflexão sobre o texto e sobre a história. Nos anos 60, sob a égide do estruturalismo, a conjuntura intelectual francesa propiciou, em torno de uma reflexão sobre a “escritura”, uma articulação entre a lingüística, o marxismo e a psicanálise. A Análise do Discurso nasceu tendo como base a interdisciplinaridade, pois ela era preocupação não só de lingüistas como de historiadores e de alguns psicológicos.

Segundo Mussalin (2003), o panorama histórico dos estudos a respeito da

análise do discurso proposta por Pêcheux na década de sessenta na França indica que a

teoria situava-se na reflexão em relação à lingüística e ao discurso, embasando-na

articulação de três regiões do conhecimento: o materialismo histórico de Marx, a

lingüística saussureana e a teoria do discurso. A análise depreende o objeto do discurso

como um processo das condições de produção a partir do pressuposto de que é

constituído pelo tecido-social.

Discurso

Para Foucault (1996), as interdições do discurso revelam uma ligação com o

“desejo” e com o “poder”; o discurso é aquilo por que e pelo que se luta. Acrescenta o

pensador que

Os discursos indefinidamente de sua formulação são ‘ditos’, permanecem ditos e estão ainda por dizer permite dizer algo além do texto mesmo, com a condição de que o texto seja dito e de certo modo realizado e o novo não está no que é dito, mas no acontecimento de sua volta.

Pêcheux (1990a, p. 26) considera que o discurso permite dizer algo além do

texto mesmo, com a condição de que o texto seja de certo modo realizado; o discurso

deve ser tratado como práticas descontínuas que se cruzam por vezes, mas também se

ignoram ou se excluem.

Cardoso (1996, p. 3), parafraseando Foucault, destaca que o discurso é um

lugar de investimentos sociais, históricos, ideológicos e psíquicos, por meio de sujeitos

interagindo em situações concretas de discurso por intermédio da língua e cada

discurso constitui num universo semântico específico.

Memória discursiva

Segundo Pêcheux (1999, p. 51), a memória é vista sob diferentes aspectos:

lembrança ou reminiscência, memória social ou coletiva, memória mitológica,

memória registrada, memória do historiador, uma vez que a memória é analisada em

sua materialidade complexa, enfatizando a imagem do texto entre a passagem do visível

ao nomeado. Assim, a memória discursiva “seria aquilo que em face de um texto que

surge, como acontecimento a ler, vem restabelecer os ‘implícitos’ (quer dizer, mais

tecnicamente, os pré-construídos, elementos citados e relatos, discursos – transversos,

etc.) de que sua leitura necessita: a condição do legível em relação ao próprio legível.”

(PÊCHEUX, 1999, p. 55).

Enunciado e enunciação

Foucault (1997, p. 99) entende que o enunciado é uma função de existência

que pertence exclusivamente aos signos a partir de práticas discursivas que acontecem

na sociedade em forma de textos. Trata-se de um acontecimento único, aberto a

repetição, a transformação e a reativação, no entanto um enunciado é sempre um

acontecimento que nem a língua e nem o sentido podem esgotar inteiramente, porque

está ligado à situação que o provoca e às conseqüências ocasionadas pelo enunciado.

Assim, todo enunciado pressupõe outros, uma vez que está inserida num conjunto para

desempenhar um papel no meio de outros. O enunciado situa-se em campos de

atualização, podendo integrar-se em certas operações e estratégias, uma vez que a

identidade do enunciado pode se manter inalterada, modificar-se ou apagar-se. A

enunciação é singular e irrepetível, o acontecimento tem data e lugar determinado.

Interdiscurso

Courtine (1999b, p. 18) desenvolve a noção de interdiscurso como uma

Série de formulações marcando cada uma das enunciações distintas e dispersas, articulando-se entre elas formas lingüísticas determinadas, (citando-se, repetindo-se, parafraseando-se, opondo-se entre si, transformando-se). É nesse espaço discursivo que se poderia denominar, seguindo Foucault, ‘domínios de memória que se constitui a exterioridade do enunciável para o sujeito enunciador na formação dos enunciados pré-construídos de que sua enunciação se apropria.

Segundo Pêcheux (1995), o interdiscurso no seu intrincamento com o

complexo das formações ideológicas fornece a cada sujeito sua realidade, enquanto um

sistema de evidências de significações são percebidas-aceitas-sabidas. O interdiscurso

determina o sujeito impondo-dissimulando seu assujeitamento sob a aparência da

autonomia; a interpelação do indivíduo em sujeito de seu discurso efetua-se pela

identificação do sujeito à formação discursiva que o domina como tal; a identificação

fundadora da unidade imaginária do sujeito repousa no fato de os elementos do

interdiscurso constituírem no discurso do sujeito as “marcas” que o determinarão como

sujeito dele mesmo.

Paráfrase

Para a AD, a metáfora está em relação à palavra e a paráfrase em relação ao

enunciado a enunciado. Pêcheux (1990, p. 169) expõe que

quando queremos dizer que a produção de sentido é estritamente indissociável da relação de paráfrase entre seqüências tais que a família parafrástica destas seqüências constituem o que se poderia chamar de matriz do sentido (matriz = geratriz). Isto equivale a dizer que é a partir das relações no interior desta família que se constitui o efeito de sentido, assim como a relação a um referente que implique esse efeito. Se nos acompanham e compreenderão que a evidência da leitura subjetiva segundo a qual um texto é biunivocamente associado a seu sentido (com ambigüidades sintáticas - semânticas) é uma ilusão constitutiva do efeito-sujeito em relação à linguagem e que contribui, neste domínio específico, para produzir o efeito de assujeitamento que mencionamos acima: na realidade, afirmamos que o sentido de uma seqüência só é materialmente concebível na medida em que se concebe esta seqüência como pertencente necessariamente a esta ou àquela formação discursiva (o que explica, de passagem, que ela possa ter vários sentidos).

Formação discursiva

Pêcheux (1997) afirma que a formação discursiva delimita aquilo que pode

ser dito por um sujeito em uma posição discursiva em um momento dado em uma

conjuntura dada, de modo que

É constantemente invadida por elementos que vêm de outro lugar (isto é, de outras formações discursivas) que se repetem nela, fornecendo-lhe suas evidencias discursivas fundamentais – por exemplo, sob a forma de pré-construído e de discursos transversos. Uma formação discursiva não é um espaço estrutural fechado, pois é constitutivamente invadida por elementos que vêm de outro lugar (isto é, de outras FD) que se repetem nela, fornecendo-lhe suas evidências discursivas fundamentais, por exemplo, sob a forma de pré-construídos e discursos transversos. (PÊCHEUX, apud GREGOLIN, 2001, p. 64)

Para Foucault (1997),

A prática discursiva é um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço que definiram em uma dada época e para uma determinada área social, econômica, geográfica e lingüística das condições do exercício da função enunciativa.

Além disso, Foucault (idem) afirma que “a formação discursiva recai sobre

organizações de sentido que não se limita aos domínios dos enunciados lingüísticos que

podem ser sujeitos enunciadores de uma mesma formação discursiva, ou seja, podem

participar da mesma prática discursiva.”

Ideologia

Eagleton (1997) concebe “a ideologia como luta de interesses antagônicos em

nível de signo que reconhece o valor da ideologia como auxiliar no esclarecimento dos

processos que efetuada a libertação de consciência política definitiva e

irreversivelmente alterada.”

Para Pêcheux (1997),

a formação ideológica caracteriza um determinado elemento de um aspecto da luta nos aparelhos susceptível de intervir como uma força confrontada com outras forças na conjuntura ideológica característica de uma formação social em um momento dado: cada formação ideológica constitui assim um conjunto complexo de atitudes e de representações que não são nem individuais nem universais mas se relacionam mais ou menos diretamente a posições de classe em conflito umas em relação às outras.

Sentido e efeito de sentido

Possenti (2001, p. 45) faz duas considerações a respeito das noções do sentido

e efeito do sentido: “(1ª) a noção é de crucial importância para a corrente dita francesa

da Análise do Discurso (doravante, AD); (2ª) a noção é empregada como se fosse

explícita e unívoca, mas está longe de sê-lo.”

O mesmo autor (POSSENTI, 1993, p. 46) afirma que o sentido é um efeito de

sentido que se produz apenas como efeito do significante caracterizado pela falta de

historicidade. Entretanto, o efeito de sentido é o sentido do conjunto de palavras em

relação metafórica, isto é, o sentido de uma palavra é um conjunto de outras palavras

que mantêm uma certa relação. A esse respeito Pêcheux (1990, p. 96) considera que

Chamaremos efeito metafórico o fenômeno semântico produzido por uma substituição contextual, para lembrar que esse deslizamento de sentido entre x e y é constituído do sentido desligado por x e y; esse efeito e característico dos sistemas lingüísticos naturais, por oposição aos códigos e às línguas artificiais, em que o sentido é fixado em relação a uma metalíngua natural.

Sentido e sujeito

Pêcheux (1990a, p. 43) afirma que o sentido e o sujeito são constituídos no

discurso, uma vez que a análise propõe uma teoria não subjetivista da enunciação que

permita fundar os processos discursivos. A instância da subjetividade enunciativa

apresenta duas faces: (1º) constitui o sujeito em sujeito do discurso, legitimando-o e

atribuindo-lhe a autoridade vinculada institucionalmente a esse lugar; (2º) a instância da

subjetividade enunciativa submete o enunciado às suas regras, assujeitando-o,

determinando o que pode e deve ser dito.

Segundo Pêcheux (1990), o sentido de uma palavra, expressão, proposição

não existe em si mesmo, mas é determinado pelas posições ideológicas colocadas em

jogo no processo sócio-histórico em as mesmas são produzidas, isto é, reduzidas.

Sujeito e sentido

Ao remetermo-nos à abordagem sobre a história dos sentidos abriremos um

diálogo em que Possenti (2001, p. 45) afirma que o sentido não é algo prévio e pronto,

que uma forma embala, é antes um efeito, enquanto Pêcheux (1997, p. 78) considera

que as palavras têm seu sentido num discurso que remete sempre a ocorrências

anteriores, cristalizando práticas de textualização em formas textuais. Assim, essas

práticas ocorrem em lugares sociais, organizados e reconhecidos como portadores de

fala. As regras do modo de dizer condicionam todos os atos de fala sociais, bem como a

produção de sentidos no interior desses campos institucionalmente constituídos como

lugares de onde se fala, uma vez que falar do interior significa inscrever-se numa

formação discursiva que determina os modos de dizer e aquilo que se pode e se deve

dizer em determinada época.

Contexto histórico dos partidos: PT – PPS – PSDB e PSB

O panorama a respeito das siglas e coligações dos partidos dos candidatos que

disputaram as eleições de 2003, a fim de ocupar o cargo de Presidente da República,

foram extraídos da Revista Isto é (nº 1720, p. 22 - 24) e da Revista Veja (nº 43).

1. 131 - Luiz Inácio Lula da Silva – coligação “Lula Presidente” (PT, PL, PcdoB, PMN);

2. 45 - José Serra - coligação “Grande Aliança” (PSDB- PMDB);

3. 40 - Anthony Garotinho – coligação “Frente Brasil Esperança” (PSB – PGT – PTC);

4. 23 - Ciro Ferreira Gomes – Coligação “Frente Trabalhista” (PPS – PDT – PTB).

A formação do Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB2 – é de cunho

socialista democrático e apresentou o candidato José Serra. O Partido Popular Socialista

– PPS3 – declara-se humanista e socialista: seus conceitos são enriquecidos com a

experiência dos movimentos operários e populares, resgatando uma certa tradição do

pensamento marxista e do humanismo libertário. O PPS apresentou Ciro Gomes como

candidato. O Partido dos Trabalhadores – PT4 –, que apresentou Lula como candidato, é

oriundo as causas sociais trabalhadoras e apresenta-se como atuante no combate contra

as injustiças valendo-se das ações populares e públicas, defendendo os direitos dos

1 O número se refere ao número do Partido utilizado na campanha eleitoral.2Art. 2º. O PSDB tem como base a democracia interna e a disciplina e, como objetivos programáticos, a consolidação dos direitos individuais e coletivos; o exercício democrático participativo e representativo; a soberania nacional; a construção de uma ordem social justa e garantida pela igualdade de oportunidades; o respeito ao pluralismo de idéias, culturas e etnias; e a realização do desenvolvimento de forma harmoniosa, com a prevalência do trabalho sobre o capital, buscando a distribuição equilibrada da riqueza nacional entre todas as regiões e classes sociais.

3 2Art. 1º O Partido Popular Socialista – PPS, sucessor do Partido Comunista Brasileiro – PCB, fundado em 25 de março de 1922, é uma organização política, com personalidade jurídica de direito privado, com sede e foro em Brasília, Distrito Federal, com prazo indeterminado de duração, e registro definitivo deferido pelo Tribunal Superior Eleitoral, em 6 de março de 1990, recebendo o número 23 para todos os fins e efeitos eleitorais, se rege, nos termos do artigo 17 e seguintes da Constituição Federal, por este Estatuto e pelo seu Código de Ética e Disciplina. 4Art. 1º: O Partido dos Trabalhadores (PT) é uma associação voluntária de cidadãs e cidadãos que se propõem a lutar por democracia, pluralidade, solidariedade, transformações políticas, sociais, institucionais, econômicas, jurídicas e culturais, destinadas a eliminar a exploração, a dominação, a opressão, a desigualdade, a injustiça e a miséria, com o objetivo de construir o socialismo democrático.

trabalhadores, moralidade administrativa, meio ambiente, patrimônio público e cultural

de interesses dos cidadãos.

O candidato tucano José Serra apropriou-se do lema “Agora é Lula” do

candidato Lula do partido PT, tornando seu novo grito de guerra contra o petista. Serra

procurou criticar os afagos de Lula aos militares, cobrando compromissos públicos

sobre o Movimento dos Sem Terra e tentando atrair Lula para o debate em torno da

criação de empregos.

Serra tentou convencer o eleitor de que era mais competente do que Lula e

procurou “colar” no petista a imagem de que ele é apenas fruto do marketing Vamos

acabar com essa história de Lulinha paz e amor. A tática dos tucanos no ataque ao

petista foi diferente da utilizada contra Ciro, e na direção do candidato do PPS foram

desferidos tiros na esfera pessoal.

O tucano que prometeu criar oito milhões de postos de trabalho desafiou o

petista a mostrar como vai gerar dez milhões de empregos. Diante das provocações de

Serra, Lula afirma que o Brasil precisará criar dez milhões de postos de trabalho, e não

se comprometeu a gerar esse número de empregos caso fosse eleito. Afirmou que terá o

compromisso de recuperar em quatro anos os postos de trabalho que o governo de FHC

fechou em oito anos.

O ex-governador do Ceará, ex-prefeito de Fortaleza e ex-ministro da Fazenda

no início da implantação do Plano Real, Ciro Gomes, candidato da “Frente Trabalhista”

definiu-se como um homem capaz de assumir a Presidência do Brasil, uma vez que

percorrera todos os Estados brasileiros em sete anos e, durante esse tempo,

protagonizara o papel de crítico feroz do modelo econômico abraçado pelo PSDB -

partido que ajudou a fundar. Ciro Gomes posicionava-se como um candidato de centro-

esquerda – apesar do apoio do PFL - e aumentava o “tom” dos ataques ao candidato

tucano, a quem chamava de projeto de ditador, além de anunciar sua pretensção de

investigar todas as privatizações promovidas pelo governo Fernando Henrique Cardoso.

Além disso, criticava a Justiça Eleitoral que estaria decidindo com parcialidade contra a

sua candidatura, apontando quatro pontos estratégicos que pretendia implantar em seu

governo: (a) devolver o país a uma rota de crescimento econômico com uma melhor

distribuição de renda; (b) resgatar a soberania brasileira; (c) romper com a ideologia

neoliberal; (d) aperfeiçoar as instituições políticas brasileiras e, assim, aprofundar a

democracia. Em suas respostas, Ciro deixou transparecer que, se não estivesse no

segundo turno, iria empenhar-se na eleição do petista Lula.

O Partido dos Trabalhadores - PT

As informações a respeito do histórico do Partido dos Trabalhadores foram

extraídas do Jornal Correio Braziliense (10/04/04). Lula era líder metalúrgico do ABC

paulista quando o universo da esquerda brasileira apresentou uma gama de adjetivos

que causavam urticária nos militantes; então dois deles soavam quase como palavrões:

revisionista e social-democrata. O primeiro designou qualquer “herege” que ousasse

criticar os mandamentos do credo marxista, a saber: o caráter inevitável da crise do

capitalismo, a polarização entre a maioria proletária e a minoria burguesa, a

conseqüente revolução socialista que aboliria a propriedade privada dos meios de

produção, trazendo a redenção da humanidade trabalhadora na face da Terra. O segundo

referia-se aos seguidores do revisionismo, aos partidos tradicionais de centro-esquerda

europeus que foram considerados traidores da classe operária na Europa, justamente

por se contentarem em reformar o capitalismo, abandonando o ideal da revolução

socialista para um futuro improvável.

A Revolução Bolchevique de 1917 consolidou a ruptura da esquerda mundial

entre revolucionários, que insistiram na derrubada do capitalismo pela violência, e

social-democratas, que acreditavam que reformas democráticas pudessem superar

gradativamente o regime burguês de propriedade privada. Depois da Segunda Guerra

Mundial, um partido extremamente moderno continuou a crescer eleitoralmente. Em

1959, no Congresso Nacional, desprezaria a idéia de ruptura com o capitalismo e de

partido dos trabalhadores e se transformaria em partido de todo o povo.

O PT podia se dar o luxo de ficar no meio caminho entre a reforma e a

revolução. Aos setores radicais, dentro e fora do partido, restariam três alternativas: a

orientação moderna da direção, o isolamento político ou a ruptura com o governo de

Lula. Situação, aliás, semelhante às já vividas por partidos europeus de centro-esquerda

que passaram pelo teste do poder. Enfim, assume o reformismo.

Lula ganhou aliados como Ciro Gomes (PPS) e Anthony Garotinho (PSB),

ambos candidatos derrotados na primeira fase, entretanto sua maior vitória terá sido a

superação de obstáculos considerados intransponíveis, especialmente a conquista do

eleitorado que o rejeitava por sua falta de diploma, pela origem humilde e por pertencer

ao Partido dos Trabalhadores.

A proposta de campanha de Lula focalizou o desenvolvimento econômico e

social, o desenvolvimento regional, com promessas de aumento da poupança interna,

uma vez que o desejo de Lula era construir uma coalizão de centro-esquerda, com o

apoio do PMDB e PSDB. Vale lembrar que PT e PFL possuem programas antagônicos.

Discurso e análise

O ponto de partida de nossa análise é a cena enunciativa, considerando as

condições de produção de discurso (CARDOSO, 1999, p. 38). Assim, o referente é o

discurso de posse de um ex-metalúrgico, que expôs em público suas propostas para um

mandato de quatro anos como Presidente da República.

O locutor é o Presidente Lula (posição sócio-histórica, de onde tem algo a

dizer). O alocutário é aquele que tem algo a ouvir, considerando sua posição sócio-

histórica e também tem algo a dizer. O contexto estrito é o momento da enunciação do

locutor, ou seja, o discurso de posse de um presidente de um partido de esquerda. Como

contexto lato podem ser considerados os últimos 40 anos da história do Brasil, que se

estendem do Golpe de Estado de 1964 ao final da década de 80, com a anistia ampla

geral e irrestrita e a fundação dos Partidos dos Trabalhadores. O final da década de 80 é

marcado pela primeira tentativa de eleger um operário, conseguindo tal intento em

2002.

Discurso da mudança

O Presidente Lula, em seu discurso de posse, além de expor as propostas para

seu mandato, destacou alguns pontos negativos do governo anterior (FHC), em relação

aos problemas enfrentados diariamente por muitos brasileiros: fome, desemprego, falta

de saúde e de segurança. A proposta do PT visava superá-los e, assim, melhorar as

condições de vida dos desfavorecidos, sempre fundada (a proposta) na crença da

população em que, com novos ideais, seria possível acontecer a tão esperada “mudança”

da realidade brasileira, sobre a qual se ancora a fala de Lula:

(1) “Mudança esta é a palavra chave”;(2) “a sociedade brasileira escolheu mudar e começou, ela mesma, a promover a mudança”;(3) “para imprimir à mudança um caráter de intensidade prática;”(4) “para dizer que chegou a hora de transformar o Brasil”;(5) “Mudar com coragem e cuidado, humildade e ousadia, mudar tendo consciência”;

(6) “mudança é um processo gradativo e continuado”;(7) “Mudança por meio do diálogo e da negociação”.

No enunciado (1), é possível inferir que não se trata apenas de uma mudança

qualquer, de um presidente eleito para outro, mas de uma “mudança” com sentido de

ruptura, ou seja, uma mudança de princípios, de propostas e de idéias de um partido que

nunca chegou no poder máximo na história do Brasil. É ainda importante considerar que

a palavra “mudança” e seus derivados imprimem sentido diferenciado a cada enunciado.

No enunciado (2), há um deslocamento de posição-sujeito, pois a proposta de

um partido de esquerda é fazer algo diferente sobre outras bases ideológicas; então o PT

elegeu o Presidente da “mudança”, no entanto, em um sentido de modéstia, o locutor

atribui ao alocutário a “mudança”, com sentido de mérito, como se a “sociedade

brasileira” fosse única e não se dividisse em classes. Isso implica ainda considerar como

“sociedade brasileira” até mesmo os eleitores que não votaram ou os que votaram

“nulo” ou “branco”, num processo de homogeneização tanto da “sociedade” quanto da

“mudança”.

Em (3), é possível considerar que mudança seja uma prática não só do nível do

discurso, como aconteceu no governo de oito anos FHC. A mudança para o Presidente

Lula deve-se materializar pragmaticamente: falar menos e fazer mais.

No enunciado (4), “para dizer que chegou a hora de transformar o Brasil”, um

dos sentidos possíveis de se considerar é que “transformar” é uma paráfrase de

mudança, no entanto com um traço diferenciado, pois “transformar”, para o locutor, é

mais do que mudar; é uma mudança que não tem volta, é uma mudança que vai marcar

e deve ser diferente, pois ele a está implementando; é um presidente de esquerda.

No enunciado (5), “mudar com coragem” é um atributo do povo brasileiro, é

um ato atribuído ao povo que elegeu pela primeira vez um candidato de esquerda.

Considerando ainda as palavras “cuidado” e “humildade”, são atribuídas ao próprio

Presidente Lula, pois ele recebeu autorização para mudar o país, mas essa mudança não

deve ser de qualquer forma; deve ser uma mudança cuidadosa, o que implica não

romper com a democracia.

No discurso do senso comum, havia um certo receio de que um partido de

esquerda provocasse uma ruptura drástica na ordem social e política. Na palavra

“ousadia”, atributo ao povo brasileiro, que elegeu um candidato de esquerda com a

história de Lula, rompe-se com o suposto medo de se ter um presidente ex-metalúrgico,

sem curso superior e ainda de esquerda, considerando ainda que, pela primeira vez, o

Brasil tem um representante sem curso superior. Na expressão “mudar tendo

consciência”, o “ter consciência” é um atributo ao próprio Presidente, pois a mudança

que deverá ser feita não poderá alterar a estabilidade social ou política: “mudar tendo

consciência” implica uma transformação nos limites da democracia.

No enunciado (6), podemos observar que a mudança será efetuada de forma a

respeitar toda a diversidade política, econômica, social e institucional do país. O que

implica considerar “mudança” como processo gradativo e continuado, sem a ruptura

com a ordem social.

Já no enunciado (7), a mudança implica um processo no limite de democracia,

considerada a expressão “por meio do diálogo e da negociação”.

É importante considerar que, em (5), “mudar tendo consciência”, em (6),

“processo gradativo e continuado”, e em (7), “por meio de diálogo e da negociação”, as

expressões possuem sentidos que convergem para o discurso do senso comum, por

oposição a uma memória discursiva de “medo”, de “receio”, de “preconceito” em

relação ao PT, partido de esquerda, e ao Presidente, ex-metalúrgico sem curso superior.

Outro aspecto possível de se considerar é que o Presidente de esquerda pode levar o país

a uma ruptura drástica da ordem estabelecida, ou seja, querer implantar um regime

socialista, uma vez estando no poder.

As expressões acima se relacionam por oposição a esse discurso do senso

comum que impediu, de certa forma, a eleição de Lula nas três eleições anteriores.

Assim, um dos sentidos do discurso refere-se a uma mudança prática, uma

transformação do Brasil, a uma mudança também cautelosa, humilde, sem deixar de ser

ousada, e, sobretudo, uma mudança sobre as bases do diálogo e da negociação, sem

provocar rupturas.

Esses enunciados analisados de alguma forma estão em relação com os

gráficos que seguem e que dizem respeito ao resultado das eleições de 1º e 2º turno.

Vale ressaltar que se trata dos resultados oficiais das eleições 2002 divulgados pelo

Tribunal Regional Eleitoral –TRE, para Presidente da República Federativa do Brasil:

1º Turno

Lula (PT) 46,4% 39.443.765Serra (PSDB) 23,2%Garotinho (PSB) 17,9% 15.175.729Ciro (PPS) 12,0%

Lula (PT)47%

Serra (PSDB)

23%

Garotinho (PSB)18%

Ciro (PPS)12%

Total de urnas 320.458Eleitores 115.254.113Abstenção 20.476.568 17,8%

No segundo turno, obteve-se o seguinte resultado Resultado final: Presidente

CANDIDATO Nº de votos %Lula - PT 52.793.364 57.59Serra - PSDB 33.370.739 36.40Brancos 1.727.760 1.88Nulos 3.772.138 4.11Total de votos válidos 91.664.001 99.98

Lula - PTSerra - PSDBBrancosNulos

Um dos sentidos dos dados computados, considerando-os como discursos, é o

de que nem todos os brasileiros optaram pela “mudança” proposta pelo Presidente Lula,

uma vez que 52.793.364 de eleitores optaram por mudanças econômicas e políticas no

governo, como réplica às injustiças sociais enfrentadas no dia-a-dia pelos brasileiros. E

Lula considera que o resultado positivo das eleições decorreu da força do povo,

estimulada pela promessa de “mudanças” na realidade.

O sentido do slogan “mudança” da campanha eleitoral do Presidente Lula

propõe desenvolvê-la num processo gradativo, continuado, por meio de diálogo e

negociação e eficaz. Para isso, o Presidente utilizou expressões- chave, tais como:

iniciativas de impacto financeiro-orçamentário; infra-estrutura; iniciativa com impacto

político-institucional; inclusão social; inserção soberana; gestão do Estado; combate à

corrupção; e democracia e diálogo.

Discurso: retrospectiva histórica e redes de memória

Dentre outros discursos contidos no discurso de posse, optamos por analisar

recortes em que o Presidente reitera alguns fatos históricos da ascensão da economia

brasileira. Assim, temos os seguintes enunciados:

(8) “O Brasil conheceu a riqueza dos engenhos”;(9) “plantações de cana-de-açúcar nos primeiros tempos coloniais”;(10) “proclamou a independência nacional”;(11) “aboliu a escravidão”;(12) “conheceu a riqueza das jazidas de ouro, em Minas Gerais”;(13) “produção de café, no Vale do Paraíba”;(14) “industrializou-se e forjou um notável e diversificado parque produtivo”;(15) “Vamos mudar, sim”.

O Presidente Lula retomou alguns fatos que ocorreram na história do Brasil,

bem como o desenvolvimento econômico do país, desde a proclamação da República.

Assinalou o apogeu da economia brasileira voltado para a produção extensiva e em

grande escala de matérias-primas e gêneros tropicais para exportação e destacou o

desenvolvimento da produção decorrente de técnicas modernas, de maquinário, de

energia, transportes ferroviários e marítimos. Nesse discurso “retrospectiva histórica:

redes de memória”, considera-se que os enunciados possuem o sentido histórico do

desenvolvimento econômico gradativo de transformação do país, como a ascensão da

lavoura cafeeira financiada pelo capital estrangeiro.

O sentido desse discurso, considerando o sujeito Presidente e sua origem

partidária de esquerda, remete a que eleger um Presidente de esquerda, um ex-

metalúrgico sem curso superior, é um fato histórico como os demais, no entanto não

promoverá rupturas na base da sociedade. Ainda se pode considerar que o governo de

esquerda é um acontecimento de desenvolvimento do país. Os fatos históricos citados

tiveram grande importância para a economia brasileira, tanto para a importação quanto a

exportação; e o Presidente “relembra-os” com o objetivo de comparar a “elevação” da

economia com a perspectiva de a economia também ser registrada na história.

O sentido do discurso do Presidente Lula a partir da história do país, tendo

como referência os mais desfavorecidos, permite-nos inferir que chegou o momento de

concretizar na mudança almejada pelo povo brasileiro em busca de uma nação

soberana, digna e consciente da importância do cenário internacional e, especialmente,

que o governo seja capaz de “abrigar, acolher e tratar” com justiça todos os cidadãos.

Com efeito, considera-se que o Presidente Lula defende a proposta de uma sociedade

em que todos tenham os mesmos direitos e deveres, desejando igualdade a todos, sem

distinção de raça, de cor, de etnia e de classe social.

O enunciado (15), “vamos mudar, sim”, evoca discursos anteriores, fundados

no “ideal” de igualdade, direito, justiça em que se ancorava a Revolução Francesa. No

entanto, o diferencial dessas propostas no discurso do Presidente Lula é que ela é

concebida a partir de um arcabouço ideológico socialista. Isso faz diferença tanto

discursivamente quanto de forma pragmática. As propostas no discurso de FHC, de

Fernando Collor de Melo e de José Sarney, embora sendo paráfrases umas das outras,

foram concebidas a partir de um arcabouço ideológico diferente, ou seja, ideologia de

direito, e isso faz a diferença de sentido. Para o Presidente Lula, mudança possui uma

importância pragmática que vai do discurso para a sua efetivação, enquanto nos

discursos dos governos anteriores, a mudança era apenas retórica.

Ainda no enunciado (15), “vamos mudar sim”, é possível inferir que o sentido

da palavra mudar se constitui a partir de uma afirmação de “mudança”. O sentido se

constitui ainda como ruptura com o continuísmo ideológico e pragmático de todos os

governantes que o antecederam. O sentido desse enunciado ainda é de ênfase, de

necessidade de mudar para a maioria da população carente. Essa mudança não é

qualquer mudança, mas é uma mudança que será feita por um partido de esquerda que

pela primeira vez chega ao poder no país.

É possível nos atermos a que tipo de mudança visa concretizar o PT, uma vez

que o sistema econômico predominante no Brasil é o capitalismo (GUARESCHI, 2003).

Já a análise realizada por Rodrigues (2002, p. 34) sobre o partido PT destaca que

O PT é considerado como um bloco da esquerda que nasceu com uma base sindical forte e hoje é uma espécie de democracia cristã da esquerda, no entanto, a doutrina socialista surgiu como forma de protesto contra as desigualdades provocadas pelo intenso processo de industrialização e contra as péssimas condições de vida dos trabalhadores.

Outra proposta do Presidente Lula é compatível com os objetivos do

socialismo, uma vez que o socialista tem como principal preocupação ideológica

promover uma distribuição equilibrada de bens e de serviços, tornado-os acessíveis a

toda população.

Discurso de Reforma Agrária

Outro discurso constituído no interior do discurso de posse do Presidente Lula

é o de Reforma Agrária, considerando que, nos últimos vinte anos, a luta pela terra tem-

se acirrado e que seu principal sujeito é o MST. Vejamos os seguintes enunciados:

(16) “Faremos isso sem afetar de modo algum as terras que produzem, porque as terras produtivas se justificam por si mesmas”(17) “tantas áreas do País estão devidamente ocupadas, as plantações espalham-se a perder de vista, há locais em que alcançamos produtividade maior do que a da Austrália e a dos Estados Unidos.”

Esse discurso tem como interlocutores dois segmentos distintos da sociedade.

Primeiro, os sem terra que se constituem a partir de uma prática histórica de ocupação e

invasão,como forma de pressionar as autoridades a cumprir a reforma agrária amparada

pela Constituição. O outro interlocutor pode dividir-se em dois: de um lado, os

proprietários de terras produtivas, que, no discurso de Lula, não serão alvo de reforma

agrária; de outro, é possível considerar que as terras improdutivas poderão ser alvo de

reforma agrária conforme a Constituição.

A questão da terra é polêmica; é de senso comum que a reforma agrária é

necessária no Brasil, país onde se cultiva uma porção ainda pequena das áreas

aproveitáveis. Mas existem dois discursos conflitantes a respeito da agricultura

brasileira: (1º) o Brasil tem terras tão esplêndidas e vastas que poderiam ser o celeiro do

mundo; (2º) percebe-se que algumas regiões possuem lavouras vistosas, mas outras

partes são formadas por “matagal inaproveitado”, ou seja, por roças em que a família

mantém a criação somente para a subsistência. Nessa paisagem, há também o latifúndio

improdutivo, dominado pelo “coronel” e “políticos” que preferem “mexer” com política

a plantarem alguma coisa. É essa a combinação de terras férteis, enquanto a terra

“ociosa” constitui-se como um “problema agrário brasileiro”. Fala-se demais sobre a

terra brasileira e pouco se faz; no país, nunca houve uma política agrária global efetiva e

digna para o pequeno agricultor, que lhe permitisse plantar com técnicas modernas.

No discurso do Presidente Lula, a realização de uma reforma agrária planejada

e organizada proporcionará a realização do sonho de “alguns brasileiros” de cultivar a

terra, de plantar, de colher, de sobreviver de seu próprio suor e, conseqüentemente, pelo

trabalho e esforço, ter uma vida digna na sociedade. Torna-se, assim, um discurso ideal

do partido e, para atingir o objetivo de seu governo, o Presidente Lula proporcionará

programas de incentivos à produção de lavoura e de plantações.

Ainda nesse discurso, surge a imagem do trabalhador sem terra em busca de

sua “dignidade” (garantia constitucional). Além disso, o governo do Presidente Lula

tem a esperança de incrementar a agricultura familiar, o cooperativismo e formas de

economia solidárias, uma vez que considera tais formas de trabalho compatíveis com o

apoio disponibilizado com a pecuária, com a agricultura empresarial, com a

agroindústria e com o agronegócio, que são complementares tanto na dimensão

econômica quanto na social.

Enfim, o discurso do programa de reforma agrária visa dispor de terras

ociosas, linhas de crédito e assistência técnica/científica para que famílias carentes

tenham condição de plantar sua roça ou lavoura, para a sobrevivência familiar e,

futuramente, para vender seus produtos para o mercado brasileiro ou até exportá-los.

Discurso de prioridade de governo

O enunciado (18) representa esse discurso. Embora essas prioridades fossem

colocadas por ocasião da disputa eleitoral, o discurso de prioridade tem como objetivo

principal o combate à fome e, como pano de fundo, as posições ideológicas do PT, que

sempre esteve ao lado dos menos favorecidos socialmente. É significativo no discurso

em questão o efeito de sentido de intervenção pragmática e não de um ideal a ser

alcançado.

Esse discurso é significativo porque o país possui enormes riquezas naturais,

potêncial econômico e social, mas ainda não consegue eliminar significativamente a

fome e a miséria. É possível considerar que esse enunciado, “o combate à fome”, possui

uma relação interdiscursiva com outros discursos de organizações não governamentais -

ONGs, como o “Natal sem fome”, do sociólogo já falecido Herbet de Souza, que

contribuiu para a fundação do PT.

A questão da miséria foi elevada a primeiro plano, sendo utilizada para a

mobilização da comunidade; e a sociedade civil demonstrou como pretendia participar

do/com o governo em relação à ajuda de entidades de classe e patronais, fornecendo

solidez ao projeto de conciliação em torno do governo. Para a realização do “combate à

fome”, foi necessária uma atividade assistencialista que atacasse as causas da fome e

miséria existentes no país. Desde a posse do Presidente Lula, a idéia tem sido organizar

uma ação que envolva praticamente todos os ministérios para combater esse “mal” que

assola o país, ressaltando que o Brasil é um dos maiores produtores de grãos do mundo.

Segundo Coimbra (2002), uma das possíveis soluções para se resolver o problema seria

a implantação de políticas ativas de proteção à saúde e educação, incentivo às pequenas

e médias empresas, democratização do crédito e promoção de oportunidades para toda a

população.

Discurso de acordos internacionais: ALCA/ MERCOSUL

(19) “Em relação a ALCA, nos entendimentos entre o MERCOSUL e a União Européia, que na Organização Mundial do Comércio, o Brasil combaterá o protecionismo, lutará pela eliminação e tratará de obter regras mais justas e adequadas à nossa condição de País em desenvolvimento”.

Esse discurso de crítica liberal tem dois sentidos básicos: o primeiro diz

respeito ao próprio projeto neoliberal em face das ideologias de esquerda; o segundo

remete ao fato de Fernando Henrique Cardoso ter sido considerado como aquele que

traiu as idéias socialistas em que se constituiu, pois, nos anos 80, FHC apoiou Lula em

diversas manifestações, mas, para chegar à Presidência da República, teve que se

distanciar dos partidos de esquerda.

Discurso de oposição liberal

(20) “Diante do esgotamento de um modelo que, em vez de gerar crescimento, produziu estagnação, desemprego e fome”;(21) “Não podemos deixá-lo seguir à deriva, ao sabor dos ventos”;(22) “carente de um verdadeiro projeto de desenvolvimento nacional”;(23) “o País volte a crescer, gerando empregos e distribuindo renda”;(24) “o Brasil supere a estagnação atual”;(25) “para que o País volte a navegar no mar aberto do desenvolvimento econômico e social”;(26) “retomada pelo crescimento contra a fome, o desemprego e a desigualdade social”;(27) “repor o Brasil no caminho do crescimento”.

As críticas de Lula ao governo anterior confirmam sua posição em relação aos

princípios do partido PT, em contraposição aos objetivos do governo liberal do FHC.

Há algum tempo percebe-se uma confusão entre conceitos de direita e esquerda em

nosso país. O governo e a política praticada por FHC são classificados de liberais, e

coloca-se com extrema facilidade o liberalismo ao lado da direita. Com efeito, Coimbra

(2003, p. 23) menciona que a direita é a identidade política mais ligada ao

conservadorismo, incluindo pessoas que acreditam que o Estado não deve atuar de

forma dominante na área pessoal do cidadão. Em paradoxo com a direita, temos a

ideologia de esquerda, que se divide em duas partes: a radical, que propõe uma forte

intervenção estatal, tanto na vida pessoal do cidadão quanto na vida econômica de um

país, e o comunismo, que é o maior exemplo da extrema esquerda; são governos

extremamente totalitários, que se caracterizam pela figura de um mandatário forte e

centralizador. Há, entretanto, um terceiro tipo de esquerda, mais flexível, em que se

enquadram os social-democratas, que, apesar de contarem com uma intervenção forte

no plano econômico são favoráveis a uma ampla liberdade no plano pessoal. Quando o

governo FHC é taxado de liberal, como se isso se fosse algo ruim, os verdadeiros

liberais se desesperam, pois a política do governo não se coaduna com o que os liberais

pensam, portanto os liberais não são de esquerda ou de direita; são apenas liberais.

Em três campanhas consecutivas, o PT lançou, como candidato, Lula, para

defender os princípios socialistas, cuja ideologia propõe o liberalismo econômico. Os

princípios secundários surgiam como forma de protesto contra as desigualdades

provocadas pelo processo de industrialização e contra as péssimas condições de vida.

Outra característica do candidato Lula é a participação em movimento popular, sendo

considerado como parceiro na luta pela cidadania e pelos direitos sociais dos

trabalhadores.

Desde a década de 70, Lula lutou pelas causas sociais trabalhistas, defendendo

os direitos dos agricultores sem terras contra os latifundiários paulistas. Quando os

defendia, Lula teve que se posicionar politicamente, mas sua posição política não foi

vista por alguns empresários como satisfatória. Assim, alguns políticos denegriram sua

imagem perante o povo brasileiro em três campanhas eleitorais anteriores. Após as três

derrotas consecutivas, Lula resolveu mudar seu discurso, o que ocasionaria o êxito em

sua campanha eleitoral.

Em suma, o Presidente Lula afirma que, para vivermos numa nação em que

todos possam “andar de cabeça erguida”, teremos de exercer quotidianamente duas

virtudes: “paciência e perseverança”. Somente com prudência nas decisões e

persistência na concretização dos ideais todo o povo brasileiro poderá atingir as metas

desejadas pelo PT, e, conseqüentemente, os indivíduos poderão viver dignamente na

sociedade. Logo a seguir, o Presidente Lula enuncia o seguinte: pisar na estrada de

olhos abertos e caminhar com passos pensados, num misto de discurso literário e senso

comum, em enunciados permeados por argumentos patéticos5 e, portanto, altamente

persuasivos.

Considerações finais

A Análise do Discurso de orientação francesa é um campo que não tem

fronteiras definidas por ser muito heterogênea, de modo que uma das tarefas do analista

é demarcar procedimentos de análise ou proceder a recortes.

Numa sociedade há relações de classe que implicam certas posições políticas e

ideológicas que, por sua vez, incluem formações discursivas que determinam o que

pode e o que deve ser dito, considerando certas posições na conjuntura social. É por

meio dessas formações discursivas não estabelecidas que se pode reconhecer nos textos

o cruzamento de vários discursos e, ao mesmo tempo, a dominância de um discurso.

É no espaço das formações discursivas atravessadas pela dimensão ideológica

que se reconhece a manifestação de gêneros específicos, como, por exemplo, o discurso

de posse; é também com relação a esses espaços de discurso que se processa o que se

chama “assujeitamento” - o condicionamento do sujeito à ideologia e ao inconsciente.

A língua é a base de realização dos efeitos de sentido que o discurso

manifesta. Ela é a primeira possibilidade de processos discursivos, mas é a semântica

que constitui o crucial do discurso, o qual, como objeto da análise, se dá como efeitos

de sentido entre interlocutores. Na materialidade discursiva, é a dimensão ideológica

que institui em seu centro a historicidade, marcando trajetos de sentido.

A Análise do Discurso incorporou, nos discursos, o sujeito enunciador, que

ocupa determinadas posições e, naturalmente, tem sua voz influenciada pelo que se

espera a partir da posição que assume em dada formação discursiva. Assim, surge o

5 No sentido de pathos, conceito vinculado ao de paixões.

discurso específico, como o discurso de posse proferido pelo Presidente da República

Luiz Inácio Lula da Silva.

É importante mencionar também que os textos sempre dialogam com outros

textos, manifestando a heterogeneidade. Com efeito, toda manifestação de discurso na

forma de texto é vista como acontecimento de caráter social e histórico. Uma vez que

tais manifestações estão associadas a formações discursivas, é também nesse espaço que

se encontram as possibilidades de circulação e de conservação dos discursos. Foi aí que

se pôde analisar como foi produzido o discurso de posse nas várias formas de circulação

e conservação (gravado em rede nacional); então o discurso surge em função da história,

da ideologia e do sujeito.

E o Presidente Lula deixa explícito, enquanto efeito de sentido do seu

discurso, o desejo da união da população no combate contra a fome. Para finalizar, o

Presidente Lula é otimista em seu discurso, afirmando que o país deve voltar a crescer,

gerando empregos e estabelecendo a atividade econômica do Brasil.

No discurso de Lula predominou o termo “mudança”, sempre direcionado à

classe baixa – desfavorecida - da população brasileira.

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REVISTA ISTO É. 16 de outubro/2002 n° 1724. p. 24. REVISTA ISTO É. 18 de setembro/2002 nº 1720 (p. 32 a 37).REVISTA ISTO É. 2 de outubro/ 2002, nº 1722.REVISTA ISTO É. 30 de outubro de 2002 nº 43.

Anexo

Discurso de posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva

Brasil, 01 de janeiro de 2003.

Exmos. Srs. Chefes de Estado e de Governo; senhoras e senhores; visitantes e chefes das missões especiais estrangeiras; Exmo. Sr. Presidente do Congresso Nacional Senador Ramez Tebet; Exmo. Sr. Vice-Presidente da República José Alencar; Exmo. Sr. Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Efraim Morais, Exmo. Sr. Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Marco Aurélio Mendes de Faria Mello; Sras. e Srs. Ministros e Ministras de Estado; Sras. e Srs. Parlamentares, senhoras e senhores presentes a este ato de posse.

"Mudança"; esta é a palavra chave, esta foi a grande mensagem da sociedade brasileira nas eleições de outubro. A esperança finalmente venceu o medo e a sociedade brasileira decidiu que estava na hora de trilhar novos caminhos.

Diante do esgotamento de um modelo que, em vez de gerar crescimento, produziu estagnação, desemprego e fome; diante do fracasso de uma cultura do individualismo, do egoísmo, da indiferença perante o próximo, da desintegração das famílias e das comunidades. Diante das ameaças à soberania nacional, da precariedade avassaladora da segurança pública, do desrespeito aos mais velhos e do desalento dos mais jovens; diante do impasse econômico, social e moral do País, a sociedade brasileira escolheu mudar e começou, ela mesma, a promover a mudança necessária.

Foi para isso que o povo brasileiro me elegeu Presidente da República: para mudar. Este foi o sentido de cada voto dado a mim e ao meu bravo companheiro José Alencar. E eu estou aqui, neste dia sonhado por tantas gerações de lutadores que vieram antes de nós, para reafirmar os meus compromissos mais profundos e essenciais, para reiterar a todo cidadão e cidadã do meu País o significado de cada palavra dita na campanha, para imprimir à mudança um caráter de intensidade prática, para dizer que chegou a hora de transformar o Brasil naquela nação com a qual a gente sempre sonhou: uma nação soberana, digna, consciente da própria importância no cenário internacional e, ao mesmo tempo, capaz de abrigar, acolher e tratar com justiça todos os seus filhos.

Vamos mudar, sim. Mudar com coragem e cuidado, humildade e ousadia, mudar tendo consciência de que a mudança é um processo gradativo e continuado, não um simples ato de vontade, não um arroubo voluntarista. Mudança por meio do diálogo e da negociação, sem atropelos ou precipitações, para que o resultado seja consistente e duradouro.

O Brasil é um País imenso, um continente de alta complexidade humana, ecológica e social, com quase 175 milhões de habitantes. Não podemos deixá-lo seguir à deriva, ao sabor dos ventos, carente de um verdadeiro projeto de desenvolvimento nacional e de um planejamento de fato estratégico. Se queremos transformá-lo, a fim de vivermos em uma Nação em que todos possam andar de cabeça erguida, teremos de exercer quotidianamente duas virtudes: a paciência e a perseverança.

Teremos que manter sob controle as nossas muitas e legítimas ansiedades sociais, para que elas possam ser atendidas no ritmo adequado e no momento justo; teremos que pisar na estrada com os olhos abertos e caminhar com os passos pensados, precisos e sólidos, pelo simples motivo de que ninguém pode colher os frutos antes de plantar as árvores. Mas começaremos a mudar já, pois como diz a sabedoria popular, uma longa caminhada começa pelos primeiros passos.

Este é um País extraordinário. Da Amazônia ao Rio Grande do Sul, em meio a populações praieiras, sertanejas e ribeirinhas, o que vejo em todo lugar é um povo maduro, calejado e otimista. Um povo que não deixa nunca de ser novo e jovem, um povo que sabe o que é sofrer, mas sabe também o que é alegria, que confia em si mesmo em suas próprias forças. Creio num futuro grandioso para o Brasil, porque a nossa alegria é maior do que a nossa dor, a nossa força é maior do que a nossa miséria, a nossa esperança é maior do que o nosso medo.

O povo brasileiro, tanto em sua história mais antiga, quanto na mais recente, tem dado provas incontestáveis de sua grandeza e generosidade, provas de sua capacidade de mobilizar a energia nacional em grandes momentos cívicos; e eu desejo, antes de qualquer outra coisa, convocar o meu povo, justamente para um grande mutirão cívico, para um mutirão nacional contra a fome.

Num país que conta com tantas terras férteis e com tanta gente que quer trabalhar, não deveria haver razão alguma para se falar em fome. No entanto, milhões de brasileiros, no campo e na cidade, nas zonas rurais mais desamparadas e nas periferias urbanas, estão, neste momento, sem ter o que comer. Sobrevivem milagrosamente abaixo da linha da pobreza, quando não morrem de miséria, mendigando um pedaço de pão.

Essa é uma história antiga. O Brasil conheceu a riqueza dos engenhos e das plantações de cana-de-açúcar nos primeiros tempos coloniais, mas não venceu a fome; proclamou a independência nacional e aboliu a escravidão, mas não venceu a fome; conheceu a riqueza das jazidas de ouro, em Minas Gerais, e da produção de café, no Vale do Paraíba, mas não venceu a fome; industrializou-se e forjou um notável e diversificado parque produtivo, mas não venceu a fome. Isso não pode continuar assim.

Enquanto houver um irmão brasileiro ou uma irmã brasileira passando fome, teremos motivo de sobra para nos cobrirmos de vergonha. Por isso, defini entre as prioridade de meu Governo um programa de segurança alimentar que leva o nome de "Fome Zero". Como disse em meu primeiro pronunciamento após a eleição, se, ao final do meu mandato, todos os brasileiros tiverem a possibilidade de tomar café da manhã, almoçar e jantar, terei cumprido a missão da minha vida.

É por isso que hoje conclamo: Vamos acabar com a fome em nosso País. Transformemos o fim da fome em uma grande causa nacional, como foram no passado a criação da PETROBRAS e a memorável luta pela redemocratização do País. Essa é uma causa que pode e deve ser de todos, sem distinção de classe, partido, ideologia.

Em face do clamor dos que padecem o flagelo da fome, deve prevalecer o imperativo ético de somar forças, capacidades e instrumentos para defender o que é mais sagrado: a dignidade humana.

Para isso, será também imprescindível fazer uma reforma agrária pacífica, organizada e planejada. Vamos garantir acesso à terra para quem quer trabalhar, não apenas por uma questão de justiça social, mas para que os campos do Brasil produzam mais e tragam mais alimentos para a mesa de todos nós, tragam trigo, tragam soja, tragam farinha, tragam frutos, tragam o nosso feijão com arroz. Para que o homem do campo recupere sua dignidade sabendo que, ao se levantar com o nascer do sol, cada movimento de sua enxada ou do seu trator irá contribuir para o bem-estar dos brasileiros do campo e da cidade, vamos incrementar também a agricultura familiar, o cooperativismo, as formas de economia solidária. Elas são perfeitamente compatíveis com o nosso vigoroso apoio à pecuária e à agricultura empresarial, à agroindústria e ao agronegócio, são, na verdade, complementares tanto na dimensão econômica quanto social. Temos de nos orgulhar de todos esses bens que produzimos e comercializamos.

A reforma agrária será feita em terras ociosas, nos milhões de hectares hoje disponíveis para a chegada de famílias e de sementes, que brotarão viçosas com linhas de crédito e assistência técnica e científica. Faremos isso sem afetar de modo algum as terras que produzem, porque as terras produtivas se justificam por si mesmas e serão estimuladas a produzir sempre mais, a exemplo da gigantesca montanha de grãos que colhemos a cada ano.

Hoje, tantas e tantas áreas do País estão devidamente ocupadas, as plantações espalham-se a perder de vista, há locais em que alcançamos produtividade maior do que a da Austrália e a dos Estados Unidos. Temos que cuidar bem - muito bem - deste imenso patrimônio produtivo brasileiro. Por outro lado, é absolutamente necessário que o País volte a crescer, gerando empregos e distribuindo renda.

Quero reafirmar aqui o meu compromisso com a produção, com os brasileiros e brasileiras, que querem trabalhar e viver dignamente do fruto do seu trabalho. Disse e repito: criar empregos será a minha obsessão. Vamos dar ênfase especial ao Projeto Primeiro Emprego, voltado para criar oportunidades aos jovens, que hoje encontram tremenda dificuldade em se inserir no mercado de trabalho. Nesse sentido, trabalharemos para superar nossas vulnerabilidades atuais e criar condições macroeconômicas favoráveis à retomada do crescimento sustentado para a qual a estabilidade e a gestão responsável das finanças públicas são valores essenciais.

Para avançar nessa direção, além de travar combate implacável à inflação, precisaremos exportar mais, agregando valor aos nossos produtos e atuando, com energia e criatividade, nos solos internacionais do comércio globalizado.

Da mesma forma, é necessário incrementar - e muito - o mercado interno, fortalecendo as pequenas e microempresas. É necessário também investir em capacitação tecnológica e infra-estrutura voltada para o escoamento da produção. Para repor o Brasil no caminho do crescimento, que gere os postos de trabalho tão necessários, carecemos de um autêntico pacto social pelas mudança e de uma aliança que entrelace objetivamente o trabalho e o capital produtivo, geradores da riqueza fundamental da Nação, de modo a que o Brasil supere a estagnação atual e para que o País volte a navegar no mar aberto do desenvolvimento econômico e social. O pacto social será, igualmente, decisivo para viabilizar as reformas que a sociedade brasileira reclama e que eu me comprometi a fazer: a reforma da Previdência, reforma tributária, reforma política e da legislação trabalhista, além da própria reforma agrária. Esse conjunto de reformas vai impulsionar um novo ciclo do desenvolvimento nacional.

Instrumento fundamental desse pacto pela mudança será o Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social que pretendo instalar já a partir de janeiro, reunindo empresários, trabalhadores e lideranças dos diferentes segmentos da sociedade civil. Estamos em um momento particularmente propício para isso. Um momento raro da vida de um povo. Um momento em que o Presidente da República tem consigo, ao seu lado, a vontade nacional. O empresariado, os partidos políticos, as Forças Armadas e os trabalhadores estão unidos. Os homens, as mulheres, os mais velhos, os mais jovens, estão irmanados em um mesmo propósito de contribuir para que o País cumpra o seu destino histórico de prosperidade e justiça.

Além do apoio da imensa maioria das organizações e dos movimentos sociais, contamos também com a adesão entusiasmada de milhões de brasileiros e brasileiras que querem participar dessa cruzada pela retomada pelo crescimento contra a fome, o desemprego e a desigualdade social. Trata-se de uma poderosa energia solidária que a nossa campanha despertou e que não podemos e não vamos desperdiçar. Uma energia ético-política extraordinária que nos empenharemos para que se encontre canais de expressão em nosso Governo.

Por tudo isso, acredito no pacto social. Com esse mesmo espírito constituí o meu Ministério com alguns dos melhores líderes de cada segmento econômico e social brasileiro. Trabalharemos em equipe, sem personalismo, pelo bem do Brasil e vamos adotar um novo estilo de Governo com absoluta transparência e permanente estímulo à participação popular.

O combate à corrupção e a defesa da ética no trato da coisa pública serão objetivos centrais e permanentes do meu Governo. É preciso enfrentar com determinação e derrotar a verdadeira cultura da impunidade que prevalece em certos setores da vida pública. Não permitiremos que a corrupção, a sonegação e o desperdício continuem privando a população de recursos que são seus e que tanto poderiam ajudar na sua dura luta pela sobrevivência. Ser honesto é mais do que apenas não roubar e não deixar roubar. É também aplicar com eficiência e transparência, sem desperdícios, os recursos públicos focados em resultados sociais concretos. Estou convencido de que temos, dessa forma, uma chance única de superar os principais entraves ao desenvolvimento sustentado do País. E acreditem, acreditem mesmo, não pretendo desperdiçar essa oportunidade conquistada com a luta de muitos milhões e milhões de brasileiros e brasileiras.

Sob a minha liderança o Poder Executivo manterá uma relação construtiva e fraterna com os outros Poderes da República, respeitando exemplarmente a sua independência e o exercício de suas altas funções constitucionais. Eu, que tive a honra de ser Parlamentar desta Casa, espero contar com a contribuição do Congresso Nacional no debate criterioso e na viabilização das reformas estruturais de que o País demanda de todos nós. Em meu Governo, o Brasil vai estar no centro de todas as atenções. O Brasil precisa fazer em todos os domínios um mergulho

para dentro de si mesmo, de forma a criar forças que lhe permitam ampliar o seu horizonte. Fazer esse mergulho não significa fechar as portas e janelas ao mundo. O Brasil pode e deve ter um projeto de desenvolvimento que seja ao mesmo tempo nacional e universalista, significa, simplesmente, adquirir confiança em nós mesmos, na capacidade de fixar objetivos de curto, médio e longo prazos e de buscar realizá-los. O ponto principal do modelo para o qual queremos caminhar é a ampliação da poupança interna e da nossa capacidade própria de investimento, assim como o Brasil necessita valorizar o seu capital humano investindo em conhecimento e tecnologia.

Sobretudo vamos produzir. A riqueza que conta é aquela gerada por nossas próprias mãos, produzida por nossas máquinas, pela nossa inteligência e pelo nosso suor. O Brasil é grande. Apesar de todas as crueldades e discriminações, especialmente contra as comunidades indígenas e negras, e de todas as desigualdades e dores que não devemos esquecer jamais, o povo brasileiro realizou uma obra de resistência e construção nacional admirável.

Construiu, ao longo do século, uma nação plural, diversificada, contraditória até, mas que se entende de uma ponta a outra do Território. Dos encantados da Amazônia aos orixás da Bahia; do frevo pernambucano às escolas de samba do Rio de Janeiro; dos tambores do Maranhão ao barroco mineiro; da arquitetura de Brasília à música sertaneja. Estendendo o arco de sua multiplicidade nas culturas de São Paulo, do Paraná, de Santa Catarina, do Rio Grande do Sul e da Região Centro-Oeste. Esta é uma nação que fala a mesma língua, partilha os mesmos valores fundamentais, se sente que é brasileira. Onde a mestiçagem e o sincretismo se impuseram dando uma contribuição original ao mundo. Onde judeus e árabes conversam sem medo. onde a mestiçagem e o sincretismo se impuseram, dando uma contribuição original ao mundo, onde judeus e árabes conversam sem medo, onde toda migração é bem-vinda, porque sabemos que em pouco tempo, pela nossa própria capacidade de assimilação e de bem-querer, cada migrante se transforma em mais um brasileiro.

Esta Nação que se criou sob o céu tropical tem que dizer a que veio; internamente, fazendo justiça à luta pela sobrevivência em que seus filhos se acham engajados; externamente, afirmando a sua presença soberana e criativa no mundo. Nossa política externa refletirá também os anseios de mudança que se expressaram nas ruas. No meu Governo, a ação diplomática do Brasil estará orientada por uma perspectiva humanista e será, antes de tudo, um instrumento do desenvolvimento nacional.

Por meio do comércio exterior, da capacitação de tecnologias avançadas, e da busca de investimentos produtivos, o relacionamento externo do Brasil deverá contribuir para a melhoria das condições de vida da mulher e do homem brasileiros, elevando os níveis de renda e gerando empregos dignos. As negociações comerciais são hoje de importância vital. Em relação à ALCA, nos entendimentos entre o MERCOSUL e a União Européia, que na Organização Mundial do Comércio, o Brasil combaterá o protencionismo, lutará pela eliminação e tratará de obter regras mais justas e adequadas à nossa condição de País em desenvolvimento.

Buscaremos eliminar os escandalosos subsídios agrícolas dos países desenvolvidos que prejudicam os nossos produtores privando-os de suas vantagens comparativas. Com igual empenho, esforçaremo-nos para remover os injustificáveis obstáculos às exportações de produtos industriais. Essencial em todos esses foros é preservar os espaços de flexibilidade para nossas políticas de desenvolvimento nos campos social e regional, de meio ambiente, agrícola, industrial e tecnológico.

Não perderemos de vista que o ser humano é o destinatário último do resultado das negociações. De pouco valerá participarmos de esforço tão amplo e em tantas frentes se daí não decorrerem benefícios diretos para o nosso povo. Estaremos atentos também para que essas negociações, que hoje em dia vão muito além de meras reduções tarifárias e englobam um amplo espectro normativo, não criem restrições inaceitáveis ao direito soberano do povo brasileiro de decidir sobre seu modelo de desenvolvimento.

A grande prioridade da política externa durante o meu Governo será a construção de uma América do Sul politicamente estável, próspera e unida, com base em ideais democráticos e de justiça social. Para isso é essencial uma ação decidida de revitalização do MERCOSUL, enfraquecido pelas crises de cada um de seus membros e por visões muitas vezes estreitas e egoístas do significado da integração.

O MERCOSUL, assim como a integração da América do Sul em seu conjunto, é sobretudo um projeto político. Mas esse projeto repousa em alicerces econômico-comerciais que precisam ser urgentemente reparados e reforçados. Cuidaremos também das dimensões social, cultural e científico-tecnológica do processo de integração. Estimularemos empreendimentos conjuntos e fomentaremos um vivo intercâmbio intelectual e artístico entre os países sul-americanos. Apoiaremos os arranjos institucionais necessários, para que possa florescer uma verdadeira identidade do MERCOSUL e da América do Sul. Vários dos nossos vizinhos vivem hoje situações difíceis.

Contribuiremos, desde que chamados e na medida de nossas possibilidades, para encontrar soluções pacíficas para tais crises, com base no diálogo, nos preceitos democráticos e nas normas constitucionais de cada país. O mesmo empenho de cooperação concreta e de diálogos substantivos teremos com todos os países da América Latina.

Procuraremos ter com os Estados Unidos da América uma parceria madura, com base no interesse recíproco e no respeito mútuo. Trataremos de fortalecer o entendimento e a cooperação com a União Européia e os seus Estados-Membros, bem como com outros importantes países desenvolvidos, a exemplo do Japão. Aprofundaremos as relações com grandes nações em desenvolvimento: a China, a Índia, a Rússia, a África do Sul, entre outros.

Reafirmamos os laços profundos que nos unem a todo o continente africano e a nossa disposição de contribuir ativamente para que ele desenvolva as suas enormes potencialidades. Visamos não só a explorar os benefícios potenciais de um maior intercâmbio econômico e de uma presença maior do Brasil no mercado internacional, mas também a estimular os incipientes elementos de multipolaridade da vida internacional contemporânea.

A democratização das relações internacionais sem hegemonias de qualquer espécie é tão importante para o futuro da humanidade quanto a consolidação e o desenvolvimento da democracia no interior de cada Estado.

Vamos valorizar as organizações multilaterais, em especial as Nações Unidas, a quem cabe a primazia na preservação da paz e da segurança internacionais. As resoluções do Conselho de Segurança devem ser fielmente cumpridas. Crises internacionais como a do Oriente Médio devem ser resolvidas por meios pacíficos e pela negociação. Defenderemos um Conselho de Segurança reformado, representativo da realidade contemporânea com países desenvolvidos e em desenvolvimento das várias regiões do mundo entre os seus membros permanentes.

Enfrentaremos os desafios da hora atual como o terrorismo e o crime organizado, valendo-nos da cooperação internacional e com base nos princípios do multilateralismo e do Direito Internacional. Apoiaremos os esforços para tornar a ONU e suas agências instrumentos ágeis e eficazes da promoção do desenvolvimento social e econômico do combate à pobreza, às desigualdades e a todas as formas de discriminação da defesa dos direitos humanos e da preservação do meio ambiental.

Sim, temos uma mensagem a dar ao mundo: temos de colocar nosso projeto nacional democraticamente em diálogo aberto, como as demais nações do planeta, porque nós somos o novo, somos a novidade de uma civilização que se desenhou sem temor, porque se desenhou no corpo, na alma e no coração do povo, muitas vezes, à revelia das elites, das instituições e até mesmo do Estado.

É verdade que a deterioração dos laços sociais no Brasil nas últimas duas décadas decorrentes de políticas econômicas que não favoreceram o crescimento trouxe uma nuvem ameaçadora ao padrão tolerante da cultura nacional. Crimes hediondos, massacres e linchamentos crisparam o País e fizeram do cotidiano, sobretudo nas grandes cidades, uma experiência próxima da guerra de todos contra todos.

Por isso, inicio este mandato com a firme decisão de colocar o Governo Federal em parceria com os Estados a serviço de uma política de segurança pública muito mais vigorosa e eficiente. Uma política que, combinada com ações de saúde, educação, entre outras, seja capaz de prevenir a violência, reprimir a criminalidade e restabelecer a segurança dos cidadãos e cidadãs.

Se conseguirmos voltar a andar em paz em nossas ruas e praças, daremos um extraordinário impulso ao projeto nacional de construir, neste rincão da América, um bastião mundial da tolerância, do pluralismo democrático e do convívio respeitoso com a diferença. O Brasil pode dar muito a si mesmo e ao mundo. Por isso devemos exigir muito de nós mesmos. Devemos exigir até mais do que pensamos, porque ainda não nos expressamos por inteiro na nossa História, porque ainda não cumprimos a grande missão planetária que nos espera.

O Brasil, nesta nova empreitada histórica, social, cultural e econômica, terá de contar, sobretudo, consigo mesmo; terá de pensar com a sua cabeça; andar com as suas próprias pernas; ouvir o que diz o seu coração. E todos vamos ter de aprender a amar com intensidade ainda maior o nosso País, amar a nossa bandeira, amar a nossa luta, amar o nosso povo.

Cada um de nós, brasileiros, sabe que o que fizemos até hoje não foi pouco, mas sabe também que podemos fazer muito mais. Quando olho a minha própria vida de retirante nordestino, de menino que vendia amendoim e laranja no cais de Santos, que se tornou torneiro mecânico e líder sindical, que um dia fundou o Partido dos Trabalhadores e acreditou no que estava fazendo, que agora assume o posto de Supremo Mandatário da Nação, vejo e sei, com toda a clareza e com toda a convicção, que nós podemos muito mais.

E, para isso, basta acreditar em nós mesmos, em nossa força, em nossa capacidade de criar e em nossa disposição para fazer. Estamos começando hoje um novo capítulo na História do Brasil, não como nação submissa, abrindo mão de sua soberania, não como nação injusta, assistindo passivamente ao sofrimento dos mais pobres, mas como nação altiva, nobre, afirmando-se corajosamente no mundo como nação de todos, sem distinção de classe, etnia, sexo e crença.

Este é um país que pode dar, e vai dar, um verdadeiro salto de qualidade. Este é o País do novo milênio, pela sua potência agrícola, pela sua estrutura urbana e industrial, por sua fantástica biodiversidade, por sua riqueza cultural, por seu amor à natureza, pela sua criatividade, por sua competência intelectual e científica, por seu calor humano, pelo seu amor ao novo e à invenção, mas sobretudo pelos dons e poderes do seu povo.

O que nós estamos vivendo hoje neste momento, meus companheiros e minhas companheiras, meus irmãos e minhas irmãs de todo o Brasil, pode ser resumido em poucas palavras: hoje é o dia do reencontro do Brasil consigo mesmo.

Agradeço a Deus por chegar até aonde cheguei. Sou agora o servidor público número um do meu País. Peço a Deus sabedoria para governar, discernimento para julgar, serenidade para administrar, coragem para decidir e um coração do tamanho do Brasil para me sentir unido a cada cidadão e cidadã deste País no dia a dia dos próximos quatro anos.

Viva o povo brasileiro!