análise de redes sociais e capital social - metodologia e teoria em ciências sociais

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA MESTRADO EM SOCIOLOGIA Análise de Redes Sociais e Capital Social: método e teoria em ciências sociais Recife, 2015 Trabalho realizado pelo estudante Ênio de Lima Arimatéia, como avaliação da disciplina Tópicos Especiais em Sociologia V (Redes, sociabilidade, poder), ministrada pelo professor Breno Fontes.

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Trabalho final de discoplina de mestrado em sociologia. Aborda aproximações teórico-metodológicas enre Análise de Redes Sociais (ARS) e Capital Social.Mestrado em sociologiaPPGS-UFPEDisciplina Redes, Sociabilidades e PoderProfessor Dr. Breno Fontes

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOCENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIAMESTRADO EM SOCIOLOGIA

Análise de Redes Sociais e Capital Social: método e teoria em ciências sociais

Recife, 2015

Trabalho realizado pelo estudante Ênio de

Lima Arimatéia, como avaliação da

disciplina Tópicos Especiais em Sociologia

V (Redes, sociabilidade, poder), ministrada

pelo professor Breno Fontes.

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Análise de Redes Sociais e Capital Social: método e teoria em ciências sociais

INTRODUÇÃO

A partir da década de 1930 as ciências sociais em geral, e a sociologia em particular,

passava do momento de muitas de suas elaborações clássicas da virada do século anterior, sobretudo

na Europa, e começava a observar diversas tentativas de elaborações teóricas, diferentes giros

epistemológicos, avanços em termos de técnicas e métodos e diferentes estudos aplicados, que se

seguiram nas décadas seguintes e recebem destaque até hoje. Alguns grandes temas e questões já

haviam sido enunciados no período anterior e receberam novo tratamento, ou foram enunciados

problemas novos, a título de questões centrais nas disciplinas. Explicar condicionamentos ou

criatividade na ação de atores individuais ou coletivos, compreender estruturas de funcionamento,

mais ou menos formais, explícitas ou subjacentes, aplicáveis a quaisquer sociedades humanas ou

entendidas como específicas a cada caso, dentre outros, eram alguns dos problemas que ocupavam a

existência de ciências da sociedade.

Dentre os que recontam a história do desenvolvimento da disciplina, Donald Levine

narra o desenvolvimento da sociologia a partir de escolas nacionais, em que seus fundadores citam

principalmente seus compatriotas e reproduzem através de gerações características nacionais

(LEVINE, 1997, p. 95-96). Ainda assim, não se pode dizer que não havia trânsito entre as questões

e os trabalhos, ocorrendo “ensaios teóricos transnacionais” como a tentativa parsoniana de uma

teoria geral da ação social, que buscava unir contribuições vindas de seu continente mas sobretudo

dos clássicos dos países centrais europeus. De todo modo, as grandes questões em sociologia eram

enfrentadas e reformuladas com maior ou menor contato entre as fronteiras nacionais e nem sempre

seguiam uma agenda bem definida. Durante algum tempo no pós-Guerra, sobretudo nos Estados

Unidos, vigorou o que habituou-se a chamar de “consenso parsoniano”, em torno de uma teoria

estrutural-funcionalista. Mas outras contribuições eram cunhadas, embora, muitas vezes dispersas.

No interior de escolas nacionais ou em intercâmbios além dela, é apenas nas décadas de

1970 e 1980 que o termo “Redes Sociais” começa a ganhar relevo, até com ares de novidade,

permanentes até hoje, quando aparece com força devido às redes virtuais na internet. Não que fosse,

já naquele momento, uma coisa nova, mas foi a partir daí que discussões em torno dele se

institucionalizaram, formalizando uma agenda de pesquisa. Na realidade, isto se torna possível com

base em uma série de estudos do período anterior, que formularam uma gama de conceitos, métodos

e, em menor grau, de proposições teóricas que atentavam para as relações entre as pessoas, mais do

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que para os atributos das pessoas em si, sobretudo em estudos desenvolvidos a partir de centros de

investigação britânicos e estado-unidenses. Este campo mais definido de estudos relacionados às

Redes Sociais é chamado, de maneira geral, de Análise de Redes Sociais.

A ideia de pessoas conectadas umas às outras através de diversos tipos de relações

sociais, constituindo dessa maneira redes de relações, teve diversas repercussões, para além da

Análise de Redes Sociais (ARS) estritamente falando. Mesmo alguns desenvolvimentos teórico-

metodológicos tiveram influência em mais de um campo. É assim, que em meados da década de

1980, ganha força e também passa a ter certa institucionalização o debate em torno da ideia de

Capital Social, conceito que se refere a um tipo de capital relacionado a capacidade maior ou menor

de acessar certos tipos de recursos a partir das redes sociais de pessoas ou grupos inteiros. De certa

maneira, pode-se dizer que o desenvolvimento deste conceito estava incluído no debate anterior,

mais geral, sobre Análise de Redes Sociais e seria dele um tema. Porém, justamente pela grande

abrangência do que se entende sob esta última denominação, não se pode negar que o conceito de

Capital Social tem um percurso próprio e possui contribuições de discussões que não estavam tão

estritamente ligadas ao debate sobre redes sociais – veremos, a frente, por exemplo, a contribuição

do debate sobre Capital Humano e diferentes tipos de capital passíveis de mobilização pelos atores

sociais. No limite, sempre que falamos sobre Capital Social, explícita ou implicitamente, trata-se de

uma discussão sobre redes sociais, restrita ou não a ela. A recíproca, entretanto, não é verdadeira.

De todo modo, ambos os campos de investigação, Análise de Redes Sociais e Capital

Social, são opções teórico-metodológicas de análise da vida social humana desenvolvidas junto a

uma ideia de redes sociais que, mesmo em meio às críticas de imprecisão dos conceitos, tem servido

de aporte para o poder investigativo das ciências sociais. Em certa medida, a delimitação destes

campos depende do olhar do pesquisador, de quem reconstrói seus percursos e seus usos, da

narrativa adotada. Aqui, defendemos que os dois campos possuem desenvolvimentos específicos,

mas sempre conectados, e que são herdeiros de um referencial conceitual em comum vindo de

diversos trabalhos empíricos dos períodos entre guerras e pós-guerra; e que um dos encontros

desses desenvolvimentos é ter a ARS como método e o Capital Social como conceito analítico

chave.

Compreendemos que, considerados como temas, conceitos-chave ou mesmo teoria,

Capital Social e Análise de Redes Sociais remetem a agendas de pesquisa, que articulam

pressupostos teóricos, técnicas de coleta e análise de dados, para uma determinada explicação do

funcionamento da vida social, neste caso, as implicações para os atores de seu padrão de relações

sociais, falando de maneira abrangente. Embora os trate assim, é importante ter em mente, mais

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uma vez, que a institucionalização da agenda não é unidirecional, nem consensual, de modo que

podem existir agendas em cada um dos casos, com ligações com diferentes temáticas – há uma

ligação forte entre, por exemplo, a agenda sobre Capital Social com o tema da pesquisa educacional

(COLEMAN, 1988; LEE, 2014)

O objetivo neste trabalho é apresentar um desenvolvimento destes dois campos de

discussão, focando na proficuidade e nas limitações de sua aproximação, sobretudo quando se

considera a ARS como instrumental analítico para a mensuração do Capital Social, usado como

base teórico-conceitual, de forma isolada ou não. A seguir é exposto um breve resumo sobre as duas

agendas, seguido da descrição e crítica de dois trabalhos que tem em seu escopo a análise de redes

sociais como ferramenta de análise para mensurar o capital social.

ANÁLISE DE REDES SOCIAIS: Do que se trata?

José Luis Molina, em seu livro “El Análisis de Redes Sociales: Una introducción”, de

2001, apresenta uma definição bastante direta para a análise de redes sociais. Ela estuda relações

entre elementos, e não os atributos dos elementos.

“El análisis de redes sociales estudia relaciones especificas entre una serie definida de elementos (personas, grupos, organizaciones, países e incluso acontecimientos). A diferencia de los análisis tradicionales que explican, por ejemplo, la conducta en función de la classe social y la profesión, el análisis de redes sociales se centra en las relaciones y no en los atributos de los elementos.” (MOLINA, 2001, p. 13)

Trata-se, pois, da análise de dados relacionais, definidos como um vínculo específico

existente entre um par de elementos e que podem ser de diversos tipos, com diferentes maneiras de

mensuração, podendo também serem, na análise, relacionados com dados de atributos.

Em termos de institucionalização de uma disciplina, de um campo de pesquisa e da

criação de uma agenda, há um destaque para seu desenvolvimento na década de 1970, sobretudo a

partir da criação, em 1978 da Internacional Network for Social Network Analysis, a INSNA, e de

sua revista científica, ainda hoje editada, a Social Network (FONTES, 2012, p. 59). Além, é claro do

surgimento da internet e do desenvolvimento de softwares para análise de dados relacionais. A

partir daí as discussões teórico-conceituais e os desenhos metodológicos ganham maior maturidade.

Muitas contribuições anteriores, porém, foram importantes para a disciplina. Embora

não haja um consenso quanto a uma gênese do campo, é comum a referência a algumas

contribuições, notadamente, nos Estados Unidos e na Inglaterra. Assim, a sociometria, que inicia

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seu desenvolvimento antes ainda da segunda Guerra, contando com a imigração de alemães para os

Estados Unidos, destaca-se ao tentar construir modelos matemáticos para formalização e descrição

de pequenos grupos. Também por volta da década de 1930 uma série de estudos organizacionais e

antropológicos desenvolvidos a partir das universidade de Havard e Chicago, incluindo os famosos

Estudos Hawthorne, elaboram noções importantes. E, já no pós-guerra, é a chamada Escola de

Manchester, inspirada na antropologia britânica e buscando uma resposta a hegemonia do

paradigma estrutural-funcionalista, que elabora importantes conceitos. (MOLINA, 2001) Modelos

matemáticos, noção de estruturas de redes, dentre outros, já estavam presentes até aqui.

Procedimentos técnicos ou paradigma teórico?

Com o desenvolvimento da análise de redes sociais, surge a questão de tratar-se de uma

abordagem teórica da realidade social distinta das tradicionais ou mais um aporte para as análise

tradicionais. Molina apresenta duas visões: a de ARS como um paradigma teórico metodológico

distinto nas Ciências Sociais, mais relacionado a uma ciência nomotética, preocupada com a

descrição e análise da estrutura social – destaque para a influência de Radicliffe-Brown, e para os

trabalhos de H. White e B. Wellman; outra visão, a qual o autor se afilia, vê a ARS com um alto

poder descritivo de estruturas sociais, que pode ser combinado a teorias nas ciências sociais, como

as antropológicas.

Fontes, em seu “Redes Sociais e Poder Local” (2012) vai em direção semelhante. Porém

é mais enfático ao considerar este debate estéril e apontar a necessidade de uma “dupla construção”:

“de um lado, repensando conceitos já consagrados nas ciências sociais (…) agorainstrumentalizados de forma inovadora; e por outro, a construção de, a partir deresultados empíricos concretos, novos conceitos e, em alguns casos, proposiçõesteórico-conceituais de médio alcance”. (FONTES, 2012, p. 75-76)

Este debate é de fundamental importância para o presente trabalho, visto que é um uso

específico da análise de redes sociais (ARS) que buscamos focalizar, uma dentre as muitas

contribuições possíveis nessa área. Contribuição que combina a ARS, com campos temáticos

diversos (educação, saúde, organizações, trabalho, etc.) e com uma outra agenda de pesquisa, como

já dissemos, a ela ligada, qual seja a do Capital Social. Passemos a ela.

CAPITAL SOCIAL

Após a grande repercursão do trabalho de Robert Putnam, “Bowling Alone: the collapse

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and revival of American community” (2000), as discussões sobre capital social ganharam maior

impulso, mesmo em meio a diversas críticas sofridas pelo livro. O artigo de James Coleman de

1988, como pontua o próprio Putnam, intitulado “Social Capital in the Creation of Human Capital”,

foi importante para organizar as discussões, embora alguns críticos incluam outras contribuições em

pé de igualdade no debate, como a contribuição de Bourdieu (LEE, 2014, p. 454).

Como em qualquer campo de investigação há diferentes maneiras de descrever sua

gênese e principais questões. No livro citado, Putnam faz uma pequena genealogia do termo capital

social. Para ele o termo foi “inventado”, ao menos seis vezes. A primeira delas, para ele o primeiro

uso conhecido do termo é de um reformista protestante, L. J. Hanifan. Escrevendo em 1916, ele se

refere a uma boa vontade, a um companheirismo, simpatia, e um sentimento comunitário que

deverá produzir acúmulo de um capital social (2000, p.19). Embora inovadora, a ideia não ganhou

impulso e ressurgiu diversas vezes em diferentes contextos, como nos esclarece o autor:

(…) the same idea was independently rediscovered in the 1950s by Canadiansociologists to characterize the club memberships of arriviste suburbanites, in the1960s by urbanist Jane Jacobs, to laud neghborliness in the modern metropolis, inthe 1970s by economist Glenn Loury to analyze the ocial legacy of slavery, and inthe 1980s by French social theorist Pierre Bourdieu and by German economistEkkehart Schlicht to underline the social and economic resources embodied insocial networks.” (PUTNAM, 2000, p. 19)

Mas, para Putnam, é Coleman quem põe termo a questão e firma o termo, contribuindo

para a constituição de uma ampla agenda de pesquisa.

O já referido José Luís Molina, propões um percurso um pouco diferente. Para ele

houve três fontes diferentes na constituição do Capital Social: (a) literatura derivada da Teoria do

Capital Humano, de Gary Becker, onde se aplicam critérios utilitaristas, a comportamentos

supostamente altruístas, trabalhando com instituições até então consideradas “extraeconômicas”; (b)

a partir da Teoria dos Laços fracos e fortes, Granovetter (1973), ideia de que as pessoas possuem

um núcleo de relações de laços fortes, pessoas próximas, e pessoas mais distantes, “conhecidos”,

com quem se mantém laços fracos; e (c) aplicação da ARS ao networking, a partir de Ronald Burt,

com destaque para seu trabalho sobre os Buracos Estruturais. (MOLINA, 2001)

Estranhamente, considerado um dos mais influentes no campo do Capital Social, Robert

Putnam não é citado por Molina. Isso pode ser justificado pelo fato da publicação em questão deste

autor vir ao mesmo do livro Bowling Alone, nos anos de 2001 e 2000, respectivamente. Ainda

assim, anterior a publicação do livro, Putnam já havia publicado na área (inclusive o artigo Bowling

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Alone em 1996), o que causa alguma estranheza esta omissão. Também não é feita referência a

Coleman, considerado por Putnam uma referência fundamental da discussão. Provavelmente está

pensando nele na primeira das três linhas sobre Capital Social.

Além disso, a maneira como este autor monta as três linhas não parece muito instrutiva.

Não ficam claras as divisões entre as ditas “fontes”, e algumas distinções nos parecem

questionáveis. Seja como for ela é útil para se ter uma noção da amplitude do campo e de alguns

significados que o conceito pode tomar. A descrição de Putnam, com o inevitável viés de sua

preferência teórica – comentário que não constitui uma acusação – também apresenta uma boa

dimensão do campo conceitual e parece mais elucidativa.

Passamos, na sessão a seguir a uma discussão mais detalhada do tema deste trabalho.

ANÁLISE DE REDES SOCIAIS E SUA APLICAÇÃO COM O CONCEITO DE CAPITAL SOCIAL

A seguir, apresentamos dois trabalhos em que a ARS aparece como referencial analítico

para a mensuração do capital social. Sua escolha se deu a partir da seleção de artigos em revistas

especializadas, utilizando-se do acesso através do portal de periódicos da CAPES. Não é possível

dizer que tenham valor enquanto uma revisão do estado da arte da discussão, mas sem dúvida são

ilustrativos do que é possível fazer e tem sido feito nessa aproximação. Apresentam duas estratégias

teórico-metodológicas diferentes, que nos ajudam a ampliar o paranorama de nossa apresentação, ao

mesmo tempo em que guardam aspectos em comum, como o uso de técnicas qualitativas aliadas à

análise de redes sociais convencional.

Iniciemos com o artigo “El valor agregado de las redes sociales: propuesta metodológica

para el análisis del capital social”, de Alejandro Velázquez e Luís Rey Marín (2007). Os autores

apresentam resultado de uma pesquisa com 45 diretores de empresas do ramo agropecuário,

constituídas como associações e dirigidas por um corporativo, onde foram avaliados os vínculos de

amizade e intercâmbio de informações, buscando localizar os pontos de maior influência na rede

que o conjunto deles constituía. Para tanto, na primeira parte do texto, é feita uma síntese das

noções fundamentais em análise de redes sociais aplicadas ao capital social, baseadas sobretudo nas

contribuições de Ronald Burt, mas também de autores como os próprios Coleman e Putnam. O

texto tem o mérito de ser muito didático e mostrar de maneira relativamente simples a aplicação de

conceitos de rede e de seu instrumental à análise do capital social.

Os autores fazem uma breve apresentação da ideia de Capital Social, a partir de Putnam

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e também fazendo referência a definição do Banco Mundial. Em geral o relaciona a uma

determinada situação social que permite acesso a recursos e, embora admita a multiplicidade de

diretrizes de investigação dos efeitos do capital social sobre as redes sociais, enunciam uma

premissa convergente: “la estructura social es un tipo de capital que, para ciertos individuos o

grupos, puede crear una ventaja competitiva para alcanzar sus fines” (VELÁZQUEZ e MARÍN,

2007, p.2). A partir desta noção, propõem, apresentar a eficácia de alguns indicadores de ARS para

medir três finalidades: o capital social individual; a posição estrutural dos atores com base em seu

capital social; e a possibilidade de alguns nós para intermediar eficientemente as fontes de

informação e inovação (2007, p.2). Vale notar que o foco do trabalho é no capital social individual,

ou seja, entendido como um capital que os indivíduos possuem ou buscam possuir e lhes permitem

ganhos diretos e não tanto o ganho coletivo da existência do capital social, como ocorre em alguns

exemplos do texto clássico de Coleman. Embora, ao longo do texto, se admita algum ganho coletivo

com o fluxo de informações a partir do Capital Social individual existente este não é o foco e o

Capital Social aqui é avaliado a partir da posição dos indivíduos na rede.

Para seu intento, os autores articulam dois conceitos fundamentais em redes sociais:

“capital social de cierre” e “capital social de intermediación”, os correspondentes em espanhol dos

termos enclosure e brokerage da literatura em escrita em língua inglesa. Seu referencial principal é

Ronald Burt, que aponta para o fechamento das redes, dialogando com Coleman, e para os buracos

estruturais, ambos como fontes de capital social. Estes dois possibilitam os dois tipos de capital

social. O primeiro, permite a existência de maior confiança numa rede fechada, com muitas

conexões entre os membros, convertendo-se, por isso, num capital social. A segunda, diz respeito a

pontos nas redes sociais em que há pouca densidde, e nos quais grupos de redes se conectam através

de nós específicos, que fazem pontes permitindo fluxos informacionais, que sem a conexão deles

não existiriam. Isto faz dessa posição privilegiada, em termos de status e poder e, portanto, também

um outro tipo de capital social.

São apresentadas medidas de rede: densidade – permite medir até que ponto uma rede se

encontra conectada; cliques - indicando a existência de subredes as mais completas possíveis, ou

seja que todos os nós nela presente se conectam, no limite, com todos os outros nós; e constricción

– medindo até que ponto uma rede enta concentrada em contatos redundantes. Esta última medida é

fundamental, pois pode ser usada diretamente como medida dos dois tipos de capital social em

questão: “Esta medida ofrece una prueba sintética que contiene los dos principales mecanismos que

proporcionan capital social”. (Op. Cit., p. 5-7)

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Detenhamo-nos na explicação dos autores a respeito dos índices de constrição

individual. Em primeiro lugar, vale deixar claro o que eles representam. Para tanto arrisquemos um

exemplo próprio. Um certo indivíduo A pode possuir uma quantidade x de vínculos dentro de uma

rede determinada, e estes o ligarem a outros indivíduos, os quais são todos conhecidos entre si. Um

outro indivíduo, B, pode possuir a mesma quantidade de vínculos x, porém ligando-se a indivíduos

que estão desconectados entre si. Dessa maneira, é de se supor que A terá com seus vínculos mais

diretos uma rede fechada (enclosure), que permite maior confiança. Esses seu contatos são

redundantes. Já o indivíduo B não terá, provavelmente, a mesma possibilidade de confiança com

seus contatos mais diretos, porém poderá ser conectar esses indivíduos, desconectados entre si, uns

aos outros. Ou seja, há uma forte chance de ter um papel de intermediário (brokerage), sendo

fundamental para o fluxo informacional na rede. Seus contatos não são redundantes entre si. Neste

exemplo, ao referir-se à redundância dos contatos de A e B, trata-se obviamente de noções para os

indivíduos, traduzidos em índices individuais, não em índices da rede. Neste caso, há uma grande

constrição nos contatos de A, redundantes, e uma pequena constrição nos contatos de B, pouco

redundantes.

Os autores apresentam a relação entre Capital Social e Constrição individual

graficamente, através de uma função, onde o Capital Social de um indivíduo é função de sua

Constrição individual, onde os níveis máximos de Capital Social se encontram nos limites máximo

(capital social de tipo fechamento) e mínimo (capital social de tipo intermediação). Um nível

intermediário de constrição representa o nível mínimo de capital social. Isto pode ser representando

em uma parábola, como a da figura 1, reproduzida a partir do artigo que em questão. A sua equação

seria

Csi = a + b*Ci+c*Ci²

onde Csi é o Capital Social de um indivíduo i, e Ci o índice de constrição do mesmo

indivíduo i.

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Figura 1. Capital Social vs. Constrição Individual. Extraído de VELÁZQUEZ e MARÍN, 2007, p. 7

Na figura, o eixo das ordenadas representa o Capital Social e o eixo das abcissas traz o

índice de Constrição. A região delimitada como Csi demarca o Capital Social de Intermediação e a

região oposta, Csc, o Capital social de fechamento (cierre; enclosure).

Seguindo adiante, os autores aplicam o referencial apresentado ao estudo de caso com os

45 diretores, acima referido. A cada um foi perguntado com quem mantinham relações de trabalho e

amizade, além de dados atributivos, quais sejam, idade, escolaridade, anos na função e número de

sócios da associação que dirigem.

O resultado da construção da rede entre os diretores apontou uma baixa densidade,

indicando a existência de buracos estruturais, ao mesmo tempo que apontou a existência de dois

cliques, com quatro indivíduos em cada um deles, formando subredes, nas quais cada um dos quatro

indivíduos possui ligações com os outros três. Estes possuem uma posição privilegiada por si só,

um capital social de fechamento. Entre os membros da subredes é possível haver confiança,

reciprocidade, fluxo de informação e cooperação. Os pesquisadores acompanharam algumas

reuniões do grupo de empresários, e foi notado que aqueles indivíduos com este tipo de capital eram

mais participativos e influentes, indicando a importância deste tipo de capital.

Aqui vale uma atenção sobre um aspecto da metodologia adotada. Além do uso de dados

atributivos para fazer uma relação com a posição dos indivíduos na rede, os pesquisadores fizeram

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uma espécie de observação não-participante, ao acompanhar reuniões de trabalho dos empresários.

“Se observó el comportamiento y participación de cada director tomando registro de ello a través de

una bitácora donde el encargado de llevarla a cabo se encontraba ubicado de manera discreta en la

reunión.” (Op. Cit., p.11). Esta observação é cruzada com os índices de rede, dando maior

fiabilidade aos resultados. Assim, reforça-se o argumento de uso de diferentes tipos de métodos em

conjunto com a análise de redes sociais, mesmo em se tratando de uma pesquisa mais estrita sobre

redes, como neste estudo.

No que se refere à rede dos diretores, sem fracioná-la em subredes, temos o que foi

denominado de “atores com informação incompleta”, onde os indivíduos estão mais dispersos na

rede e há possibilidades de intermediação e controle da rede. Para a identificação das melhores

posições, foi utilizado os índices individuais de constrição, que varia de 0 a 1. Assim, foram

localizados os indivíduos com menores índices, e, portanto, maiores possibilidade de intermediação.

Com o exemplo desta pesquisa, podemos visualizar a aplicação da análise de redes

sociais ao capital social. Embora não apresente todo o debate sobre ARS, o que seria, ademais,

tarefa árdua, é uma demonstração importante para a discussão deste trabalho. Através das medidas

de redes os pesquisadores conseguem localizar as posições estratégicas de maior potencial para os

dois tipos de capital social investigados, de fechamento e de intermediação. Mas há ainda um

elemento mais, já referido, os dados atributivos.

Velázquez e Marín são explícitos, os atributos importam. Os atores com maior capital de

intermediação são justamente os de menor idade, com mais anos de estudo, e que dirigem

associações com maior número de sócios, estando a relativamente pouco tempo a frente delas. Eles

nos dizem “los actores que logran la intermediación de la información son normalmente personas

con otro tipo de visión gracias a su formación, empuje, oportunidades, y sobretodo, su esfuerzo.”

(Op. Cit., p. 18). Há uma abertura, em termos metodológicos, para a ação dos atores, que não são

meros reflexos da estrutura das redes. Outrossim, os dois elementos se retroalimentam – a posição

na rede traz algum benefício, mas este benefício é construído com base em algum emprego de

tempo e disposição para fazer contatos, além de poder ser favorecidos por atributos pessoas não-

intencionais. É um raciocínio semelhante ao do networking para conseguir boas posições no

mercado de trabalho.

O outro exemplo de aplicação da Análise de Redes Sociais para mensurar o capital

social trazemos de Moosung Lee e sua reflexão sobre a necessidade de dar conta da construção dos

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significados subjetivos e intersubjetivos existentes nas relações sociais, que tem rebatimentos para o

Capital Social. Um dos pontos chaves de sua argumentação é o questionamento sobre as

equivalências estruturais em redes sociais. Ele questiona o porquê de atores em posições estruturais

equivalente terem resultados diferentes no uso de seu Capital Social. Sua saída é observar as

performances dos atores, dar conta das estruturas simbólicas. Para tanto, em seu “Bringing the Best

of Two Worlds Together for Social Capital Research in Education: Social Network Analysis and

Symbolic Interactionism” (2014), ele propõe, como o próprio título sugere, a combinação da ARS

com o referencial advindo do Interacionismo Simbólico, fazendo bastante referência a trabalhos de

Goffman, para a análise de Capital Social em educação. Embora não se trate de um artigo destinado

à apresentação de uma pesquisa, nos pareceu interessante devido à análise que traça do uso de ARS

junto ao Capital Social e também pela potência de sua proposta, para questionar método e teoria em

Sociologia. Além do que há exemplos ao longo do texto de pesquisa anteriores, suas e de outros

autores. Aqui, é explícita a defesa de uma combinação entre a análise de redes sociais e outras

abordagens, mesmo se for necessário deslocar métodos de seu referencial epistemológico de origem

(LEE, 2014, p. 459).

Em sua apresentação da agenda do capital social, o autor o qualifica como uma teoria

em desenvolvimento com diferentes ênfases nas concepções do termo, mas ainda sim sendo

possível reconhecer um certo entendimento da literatura em torno de conceitualizá-lo como

“certain resources, generated from durable interpersonal social ties or certain group memberships

(i.e., social networks), that convey sets of particular values, rules, expectations, or norms (i.e.,

symbolic meanings)” (Op. Cit., p. 455). Ele vai além, propondo que o capital social possui duas

dimensões, estrutural e simbólica. Quanto a primeira, remete às redes que conectam os indivíduos

uns aos outros e conferem uma dimensão estrutural ao capital social. Devido a essa característica, o

aparato conceitual da análise de redes sociais tem sido largamente utilizado para a mensuração do

capital social, um uso que o autor qualifica como recente.

Por outro lado, se o Capital Social tem uma dimensão simbólica, como ele defende,

nada mais apropriado do que trazer contribuições do Interacionismo Simbólico para a análise. Ele

pontua que o comportamento não é unicamente direcionado por estruturas sociais. Não são os

sujeitos meros espelhos de estruturas. Além disso, há de se considerar a agência dos atores, que

também constroem as estruturas, neste caso, estruturas de sentido. Para ele, há uma teoria

mainstream, como a inspirada por Coleman, na queal as externalidades endógenas das relações

sociais são oriundas de estruturas; Moosung Lee concorda, porém, tratando-se também estruturas

simbólicas. E estas são prenhes de sentidos, produzidos, reproduzidos pelos indivíduos e suas

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interpretações subjetivas e intersubjetivas.

Na continuidade de sua proposta, Lee elenca quatro sugestões analíticas, no sentido de

explorar: a ligação entre ARS e aspectos interpretativos da agência no interior das redes sociais; o

foco na análise da situação em que as interações ocorrem; a captura da construção intersubjetiva do

significado nas relações diádicas; e reverter a ordem de aplicação dos métodos na pesquisa,

iniciando pela pesquisa qualitativa e depois partindo para a ARS, diferente do que se faz

habitualmente. Tratam-se, grosso modo, de orientações interacionistas para a pesquisa em Capital

Social.

Os “nós” das redes são atores, que agem segundo orientações que são construídas

intersubjetivamente. As relações entre os nós se dão em contextos, para os quais os atores se

apresentam, ligado ao que Goffman chamou de presentation of self to others. Dentro disto, não há

apenas a apresentação de um dos lados, mas a resposta positiva ou não do lado oposto. Lee fala em

resource seeker (o que busca o recurso na relação) e resource giver (o que possui o recurso

buscado), que pode responder positiva ou negativamente. Afinal, a interação depende de coisas

como as motivações de ambos os sujeitos envolvidos. Utilizar este referencial “extra” ajuda também

a diminuir os problemas dos dados autoreferidos levantado na análise de redes sociais1.

Para a realização de seu intento teórico-metodológico Lee reconhece uma inegável

tensão epistemológica entre os referenciais em questão. A leitura das estruturas de redes como

entidades reais, por parte da ARS, e a leitura de estruturas simbólicas, pelo lado do interacionismo

parecem difíceis de juntar-se. Sua saída: uma “pratical combination”, num nível empírico. Ele segue

a visão de que no mundo real, prático, métodos podem ser separados de contexto epistemológico

dos quais surgiram. Trata-se de um uso de métodos mistos, que servem para mostrar, por exemplo,

porque as estruturas de redes são determinantes para um comportamento específico de algumas

pessoas e não para outras. A análise de redes sociais é interessante para determinar se atores sociais

cultivam capital social ou não, mas sozinha não dá conta de determinar como estes atores

compreendem e interpretam seus laços sociais.

1 Problema semelhante ao encontrado na pesquisa de Fontes sobre saúde mental. Algumas das pessoas em sofrimento psíquico estudadas indicavam outras pessoas como de sua rede de relações mais próxima. Porém, quando o indicado era procurado dizia ser apenas um “conhecido”, com quem se relacionava através de cumprimentos cordiais. Tal descoberta só foi possível devido a pesquisa incluir um momento de entrevistas semi-estruturadas, o que fez com que a outro nó na relação fosse procurado. Descrição do caso ocorrida em aula. O resultado da pesquisa encontra-se em FONTES, 2010. (embora não seja no campo do Capital Social, serve como exemplo ilustrativo de ARS).

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A proposta apresentada no artigo aponta para uma Sociologia Relacional, que desafia

teorias dominantes como rational choice theory e as regression-based approaches. Esta sociologia

tem mostrado a possibilidade de combinar paradigmas metodológicos díspares, em torno de um

coerente paradigma de pesquisa. Lee conclui:

I believe that SNA [ARS, ou Análise de Redes Sociais] would be a highlyappropriate approach for social capital research since it captures who is related towhom and in what particular context, which enables researchers to identify howand where social capital is formulated. (LEE, 2014, p. 461)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com as exposições feitas ao longo do trabalho, esperamos ter atingido seu objetivo, o de

fazer uma discussão sobre as possibilidades da Análise de Redes Sociais para a agenda de pesquisa

relacionada ao Capital Social, como exposto na introdução. Ao expor brevemente as agendas da

ARS e do capital social demonstramos que possuem desenvolvimentos distintos, mas a

demonstração posterior também deixou clara algumas de suas raízes em comum, como a influência

de autores como Ronald Burt, que são importantes tanto para a elaboração do instrumental da ARS,

quanto para a definição do que seja o capital social. A parte mais longa do trabalho buscou

aprofundar a discussão e seguiu as orientações de Fontes e Molina no sentido de compreender a

ARS como um instrumental que agrega possibilidades às ciências sociais em diversos aspectos, não

como um paradigma isolado. E toda essa discussão buscando ter em mente sempre uma discussão

sobre teoria e metodologia na sociologia de modo que, como já foi afirmado, ambos os campos

contribuem para o potenciam investigativo da disciplina.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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