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ANÁLISE DE IMPACTO AMBIENTAL DA CONFECÇÃO DE FIBRAS DE BANANEIRA Amanda Souza Oliveira Pimentel (UDESC) [email protected] Daniela Becker (UDESC) [email protected] Régis Kovacs Scalice (UDESC) [email protected] A fim de avaliar o impacto ambiental causado pela fabricação de fibra a partir do pseudo-caule da bananeira realizou-se sua análise emergética. A análise emergética é um método de contabilidade ambiental baseado na memória de energia em um determinado sistema. Para tanto são realizados o levantamento de entradas e saídas do processo, construção de diagrama emergético, valoração de etapas do processo em termos de emergia, finalizando com o cálculo e análise dos índices de impacto. Os resultados para o caso estudado apontaram um alto rendimento emergético e altos índices de sustentabilidade para o processo em estudo, demonstrando um baixo impacto ambiental do processo. Palavras-chaves: Análise emergética, Contabilidade ambiental, Fibra de bananeira XXX ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO Maturidade e desafios da Engenharia de Produção: competitividade das empresas, condições de trabalho, meio ambiente. São Carlos, SP, Brasil, 12 a15 de outubro de 2010.

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Page 1: ANÁLISE DE IMPACTO AMBIENTAL DA CONFECÇÃO DE FIBRAS DE ... · diagrama de fluxo de emergia. Para a construção do diagrama é utilizada a simbologia apresentada na Figura 1

ANÁLISE DE IMPACTO AMBIENTAL

DA CONFECÇÃO DE FIBRAS DE

BANANEIRA

Amanda Souza Oliveira Pimentel (UDESC)

[email protected]

Daniela Becker (UDESC)

[email protected]

Régis Kovacs Scalice (UDESC)

[email protected]

A fim de avaliar o impacto ambiental causado pela fabricação de fibra

a partir do pseudo-caule da bananeira realizou-se sua análise

emergética. A análise emergética é um método de contabilidade

ambiental baseado na memória de energia em um determinado

sistema. Para tanto são realizados o levantamento de entradas e saídas

do processo, construção de diagrama emergético, valoração de etapas

do processo em termos de emergia, finalizando com o cálculo e análise

dos índices de impacto. Os resultados para o caso estudado apontaram

um alto rendimento emergético e altos índices de sustentabilidade para

o processo em estudo, demonstrando um baixo impacto ambiental do

processo.

Palavras-chaves: Análise emergética, Contabilidade ambiental, Fibra

de bananeira

XXX ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO Maturidade e desafios da Engenharia de Produção: competitividade das empresas, condições de trabalho, meio ambiente.

São Carlos, SP, Brasil, 12 a15 de outubro de 2010.

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1.

2. Introdução

Segundo dados obtidos junto à EPAGRI (Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão

Rural de Santa Catarina) em 2008, em Santa Catarina a bananicultura já é a principal cultura

frutífera em área cultivada no Estado, com cerca de 25 mil produtores rurais explorando a

atividade, tanto como componente de renda, quanto como agricultura de subsistência. Ainda

segundo a EPAGRI, em cerca de 5 mil estabelecimentos agrícolas catarinenses a

bananicultura é a principal fonte de renda, sendo desenvolvida predominantemente por

unidades familiares em áreas inferiores a 10ha. Neste contexto, a bananicultura é tida como de

grande importância social para Santa Catarina.

O estado é um dos maiores produtores nacionais de banana, tendo produzido em 2002 mais de

600 mil toneladas, com um rendimento médio superior a 20 mil kg/ha., correspondendo a uma

receita de mais de RS$ 70 milhões. Além disso, Santa Catariana é o maior exportador do país

do produto, totalizando um volume superior a 160 mil toneladas (dados obtidos junto à

EPAGRI).

Logicamente, o produto principal obtido desta cultura é a banana. Entretanto, existem um

grande potencial para utilização também do pseudocaule da bananeira para produção de

fibras, pois após oferecer o fruto o pseudocaule é cortado e normalmente deixado na lavoura,

e com isso pode ocorrer a proliferação de fungos com difícil controle de tratamento, devido à

alta umidade das plantações. Sendo assim, a extração de fibras do pseudocaule das bananeiras

pode ser uma alternativa de renda interessante para a mão de obra rural, além de poder ser

uma alternativa viável para confecção de artesanatos e reforço de resinas termoplásticas e

termofixas (HOLBERY & HOUSTON, 2006; SAPUAN et al, 2006).

Na literatura são encontrados alguns trabalhos que demonstram a viabilidade, em termos

ambientais, da substituição das fibras de vidro utilizadas pela indústria por fibras naturais. Um

destes trabalhos, apresentado por Joshi e colaboradores (2004) que realizaram a análise de

ciclo de vida comparando compósitos de fibras naturais com compósitos com fibras de vidro.

Os autores observaram que na maioria dos casos os compósitos com fibras naturais são

ambientalmente superiores devido à produção de a fibra natural ter menor impacto ambiental

do que a produção da fibra de vidro; é utilizado uma maior quantidade fibra para obter a

mesma performance, reduzindo a quantidade de componentes mais poluentes como os

polímeros; as fibras naturais são mais leves e a incineração no final do ciclo de vida resulta

em energia recuperada e créditos de carbono.

Este trabalho tem por objetivo a avaliação do impacto ambiental gerado pelo processamento

do pseudocaule da bananeira para a obtenção de fibras naturais. Entretanto, diferentemente de

Joshi e colaboradores, o enfoque é a produção da fibra, não sua utilização pela indústria.

Outro aspecto importante é o uso da metodologia da Análise Emergética que, segundo Hau &

Bakshi (2004), possui como uma de suas características mais atrativas o fato de superar a

inabilidade de muitas das metodologias existentes para contabilidade ambiental em considerar

a contribuição dos processos ecológicos para o progresso e riquezas humanas.

Nos tópicos a seguir serão apresentados o método de análise emergética, o processo de

confecção das fibras de bananeira e sua contabilidade ambiental, finalizando com a análise de

impacto do processo no meio ambiente.

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3. O método da análise emergética

Odum (1988) define emergia como a quantidade de energia solar necessária (direta ou

indiretamente) para obter um produto (bens ou serviços) ou fluxo de energia num dado

processo. Emergia representa a memória de toda energia solar consumida durante o processo.

O grande diferencial da análise emergética é a eficaz consideração da contribuição da

natureza no custo de produtos e serviços por meio da utilização de insumos e os custos de

externalidades negativas. Desta forma, torna-se possível contornar as discrepâncias geradas

pelos conceitos da contabilidade da economia que consideram a contribuição humana, mas

não a ambiental. A consideração da contribuição da natureza se faz por meio da valoração de

contribuições sob uma base comum em relação a outras grandezas como moeda, massa e

informação. Segundo Odum & Odum (2003), essa base comum se refere ao conteúdo de

emergia de cada contribuição ao processo em estudo, sendo que a emergia é a energia gasta

pela biosfera para produzir recursos (em Em-joule). A emergia difere da energia por ser uma

memória da mesma, pois avalia o trabalho previamente feito para produzir um produto ou

serviço.

A conversão de contribuições humanas e da natureza em outras unidades para emergia é feita

por meio da transformidade, que é definida como a “ a emergia solar requirida para fazer 1J

de energia de um serviço ou produto (ODUM, 1996). A Transformidade atuaria como um

“fator de conversão” para transformar as contribuições ao sistema (suas entradas, sejam

material, energia ou sinal) em seu equivalente de energia solar. Portanto, na prática, a

transformidade agiria como uma taxa de conversão, que pode ser pré-definida e tabelada

(ORTEGA, 2003).

A relação entre emergia e transformidade pode ser elucidada pela qualidade de energia.

Quanto maior a transformidade, ou seja, a emergia requerida na realização de uma unidade de

determinado item, maior a qualidade da energia gerada, também maior o trabalho realizado,

ou em outras palavras, a energia disponível degradada nesta transformação. Sendo assim, em

qualquer processo, a energia decresce em quantidade, enquanto aumenta em qualidade, visto

que as transformidades aumentam no decorrer do processo.

Como fluxos e reservatórios de material carregam em si emergia e energia, a mesma relação

de transformidades e processos pode ser concluída para transformidade e matéria: a emergia/

massa requerida aumenta com a concentração de matéria. Desta forma, quanto mais

concentrada a matéria, maior o trabalho de transformação despendido e maior a qualidade de

energia nela acumulada.

A análise de impacto ambiental através da análise emergética é feita em fases. Na primeira

delas ocorre o levantamento de entradas e saídas do processo, sendo gerado conjuntamente o

diagrama de fluxo de emergia. Para a construção do diagrama é utilizada a simbologia

apresentada na Figura 1.

O segundo passo as entradas e saídas são contabilizadas, sendo calculado o valor da emergia

do produto, juntamente com sua transformidade. Índices de avaliação de sustentabilidade do

processo também são calculados, permitido uma melhor avaliação do impacto ambiental. Para

a realização destes cálculos são utilizados os índices descritos na Tabela 1.

A partir destes índices, obtidos pela soma das emergias dos recursos utilizados no

sistema em cada categoria, pode-se calcular os indicadores de impacto ambiental,

dentre os quais se ressaltam (GIANNETTI, B.F. et al. 2006):

Rendimento emergético (emergy yield ratio, EYR = (F+R+N)/F) é um indicador que

fornece uma medida da competitividade do sistema com relação a outro sistema e

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mede a capacidade do sistema em utilizar as reservas fornecidas gratuitamente pelo

ambiente. Quanto maior seu valor, maior a eficiência no uso de reservas naturais com

relação ao investimento econômico (emergia);

Carga ambiental ou impacto ambiental (environmental loading ratio, ELR =

(N+F)/R) é um indicador que, quando elevado, reflete um alto estresse ambiental ou

alto nível tecnológico. Este indicador é maior quando se usa tecnologia mais

sofisticada ou quando as entradas renováveis são poucas;

Porcentagem de emergia renovável (percent renewable emergy, %R = (R/Y)100,

onde y=(N+F+R)) é um indicador que quanto maior, mais sustentável será o processo;

Figura 1. Símbolos da linguagem de energia: (a) fonte; (b) sumidouro de calor; (c) estoque; (d) interação; (e)

transação comercial; (f) produtor; (g) consumidor; (h) interruptor; (i) subsistema (ORTEGA, 2003).

Tabela 1. fatores e índices utilizados pela análise emergética.

Simbologia Descrição

R Emergia proveniente de Recursos Renováveis

N Emergia proveniente de Recursos Não Renováveis

L Emergia proveniente de Recursos Locais

F Emergia proveniente de Recursos Exteriores

Y Emergia total que entra no sistema

Para auxiliar a realização da análise foi elaborado um Handbook para Avaliação Emergética,

o qual é dividido em quatro “fólios”, os quais apresentam e exemplificam procedimentos de

cálculos, bem como valores já obtidos de emergia e transformidade. Os quatro fólios são:

Fólio #1, introdução e contabilidade global – faz a revisão dos conceitos de hierarquia

de energia e definições de emergia e medições correlatas. Aborda o cálculo de

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emergia, a confecção dos diagramas e sua avaliação. As contribuições para a

geobioesfera da terra são apresentadas, sendo base para uma série de outros cálculos.

Valores de emergia por unidade para o sol, mares e altas temperaturas do interior

daterra também são estimados. (ODUM, BROWN & BRANDT-WILLIAMS, 2000).

Fólio #2, emergia de processos globais – avalia a emergia para alguns processos

físicos da geobiosfera, como marés, calor abaixo da crosta terrestre, calor oceânico,

ventos, tempestades e correntes oceânicas (ODUM, 2000).

Fólio #3, emergia de ecossistemas – apresenta 21 avaliações de emergia para

ecossistemas da Florida e Carolina do Norte, muitos dos quais florestas. Muitos dos

exemplos descritos possuem significativas contribuições de serviços humanos e de

bens e combustíveis (BROWN & BARDI, 2001).

Fólio #4, emergia da agricultura da Flórida – são descritas as avaliações de emergia

par 23 commodities da agricultura do estado Florida, nos EUA, bem como de dois

fertilizantes extensivamente utilizados na região (BRANDT-WILLIAMS, 2001).

O método da análise emergética é considerado uma solução promissora para a realização da

contabilidade ambiental. Hau & Bakshi (2004)listam as cinco principais razões para tanto:

O método é uma ponte que conecta os aspectos econômicos e ecológicos, uma vez que

a emergia pode ser quantificada para qualquer sistema;

O método compensa a inabilidade do dinheiro em dar valor a itens fora de mercado de

maneira objetiva. Além disso, o método provê uma avaliação “eco-cêntrica”;

Possui aparência científica e compartilha o rigor da termodinâmica;

Coloca todos os fatores em uma base comum, tornando mais justa a comparação. O

método também reconhece a diferença entre qualidade de energias ou habilidade de

realizar trabalho;

O método é uma alternativa mais holística do que muitos dos métodos existentes para

tomada de decisão ambientalmente consciente.

4. A fabricação de fibras de bananeira

O processo de produção de fios de fibras de bananeira é ilustrado na figura 01, sendo suas

etapas de produção descritas a seguir:

Corte do

pseudocaule

Extração

dos alvéolos

Remoção

do filé

Liberação

de couro

Remoção

de detritos

Separação

de fios

Obtenção

de fios

Remoção

de excesso

Chicoteamento

de fios

Remoção

de excesso

Tratamento

químicoSecagem

Corte do

pseudocaule

Extração

dos alvéolos

Remoção

do filé

Liberação

de couro

Remoção

de detritos

Separação

de fios

Obtenção

de fios

Remoção

de excesso

Chicoteamento

de fios

Remoção

de excesso

Tratamento

químicoSecagem

Figura 2. Processo de fabricação de fibra de bananeira. Fonte primária.

Corte do pseudocaule: pseudocaule de bananeira é cortado em tiras com facões

manualmente;

Extração de alvéolos, remoção de filé e contrafilé: realização manual, sem qualquer

instrumento. Após remoção de filés, a camada de pseudocaule resultante é estendida

em uma espécie de “varal”;

Liberação de couro: as tiras passam por processo de calandragem, que lhes extrai

grande quantidade de água, como na Figura 2. Após calandragem, o couro é retirado

manualmente, pois não é utilizado na obtenção de fios.

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Figura 02. Calandragem. Fonte primária.

Remoção de detritos: realizada raspagem com facões. Os detritos são restos de couro,

renda e mucilagem;

Separação de fios: a camada de onde são extraídos os fios nesta etapa é visualizada.

Obtém-se os fios por meio da separação de fibras com um garfo;

Obtenção de fios: uma fina escova é passada pelas fibras para maior separação de fios;

Remoção de excessos: para remoção de detritos da separação de fios, as fibras são

lavadas com mangueira;

Chicoteamento de fios: o maço de fios é chicoteado contra o chão, auxiliando a

liberação de fios e a remoção de detritos;

Remoção de excessos: as fibras são novamente lavadas com mangueira;

Tratamento químico: as fibras passam por tratamento químico à base de água,

hipoclorito de sódio e vinagre para “cicatrização” das fibras;

Secagem: as fibras são secadas ao sol, conforme Figura 3. Os fios estão prontos para

utilização nos compósitos de PVC ou para outros usos.

Figura 3. Secagem de fios. Fonte primária

5. Análise do Impacto ambiental da fabricação de fibras de bananeira

A análise do impacto ambiental da fabricação de fibras de bananeira teve início com a

confecção do diagrama emergético do processo, partindo do pseudocaule (um subproduto da

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produção de bananas) e seguindo até a fibra propriamente dita. A Figura 4 ilustra o diagrama

obtido. O diagrama emergético representa as rotas de massa e energia entre as partes

envolvidas no processo. Os fluxos de emergia partem da fonte de emergia até onde são

utilizados.

Pseudocaule

de bananeira

Sol

FerramentasMO

Água

CorteRemoção

de detritos

Obtenção

de fiosLavagem

Tratamento

químicoSecagem

Resíduos

Produção de

compostos

de PVC

Pseudocaule

de bananeira

Sol

FerramentasMO

Água

CorteRemoção

de detritos

Obtenção

de fiosLavagem

Tratamento

químicoSecagemCorte

Remoção

de detritos

Obtenção

de fiosLavagem

Tratamento

químicoSecagem

Resíduos

Produção de

compostos

de PVC

Figura 4. Diagrama emergético da fabricação de fibra de bananeira. Fonte primária.

Nota-se no diagrama a entrada do insumo básico, pseudocaule da bananeira, entrada de água

para as etapas de lavagem e tratamento químico, a utilização da energia solar para a etapa de

secagem e a necessidade de ferramentas e mão-de-obra para todas as etapas do processo

produtor. Como consumidor, o processo de produção de compósitos de PVC é representado

ao fim da cadeia. Resíduos são gerados pelas etapas de corte do pseudocaule, remoção de

detritos, obtenção de fio, lavagem e tratamento químico. Há certa dispersão de energia,

inerente a qualquer processo, para o processo de produção de fio. Esta dispersão seria o

próprio trabalho, ou seja, a energia disponível degradada no processo produtivo que não foi

agregada ao processo ou produto seguinte.

As etapas produtivas foram simplificadas em agrupamentos, usando para tanto o critério de

recursos utilizados e produtos e subprodutos gerados. Sendo assim, se têm agregadas as etapas

de remoção de detritos (extração de alvéolos, remoção de filé, liberação de couro e remoção

de detritos), obtenção de fios (separação de fios, obtenção de fios e chicoteamento de fios) e

lavagem (remoção de excesso 1 e remoção de excesso 2).

Todas as entradas e saídas das atividades do processo foram registradas, sendo estas

apresentadas na própria planilha de contabilidade via análise emergética.

Concluída a elaboração do diagrama teve início a contabilidade ambiental propriamente dita.

A valoração das contribuições aos processos a uma base comum reside na fase dos cálculos

emergéticos. Cada fluxo de emergia se converte em uma linha de cálculo. Essas linhas de

cálculo são integrantes de uma tabela típica de análise emergética, cujas colunas mostram as

seguintes informações:

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- Contribuições: são as entradas do processo que contribuem para a transformação da

matéria-prima utilizada no produto final. Nesta coluna também estão descritos os

dados utilizados para sua quantificação e adaptação à unidade de transformidade

encontrada.

- Valor numérico de cada fluxo de entrada: Nesta coluna os valores das entradas são

discriminados nas unidades em que são obtidos, incluindo-se os valores de conversão

utilizados.

- Transformidades: As taxas de transformidades nesta coluna são evidenciadas.

- Fontes: origem de dados de transformidade utilizados.

- Emergias: Os valores de emergia são o produto das quantidades de entrada de cada

fluxo pelas transformidades referentes.

- Tipos: nesta coluna estão classificadas as emergias obtidas segundo a classificação

apresentada na Tabela 1.

A tabela de cálculos de emergia para o processo de fabricação de fios de fibra de bananeira

consta na Tabela 2 e na Tabela 3. Além das observações presentes na própria tabela, também

é importante destacar:

- Todos os cálculos são feitos em base anual;

- Considerou-se a produção de 2 pseudocaules por dia;

- Adotou-se como transformidade do pseudocaule da bananeira o dobro da banana

(530000 sej/J), uma vez que cada bananeira se utiliza dos mesmos recursos de seu

fruto, porém sendo cortado apenas após a segunda colheita.

Finalizando o procedimento de análise emergética, foram feitos o levantamento da emergia

proveniente dos recursos da natureza e da atividade econômica, presentes na

Tabela 4, bem como o cálculo dos índices de impacto (Tabela 5). Os resultados obtidos são

discutidos a seguir.

6. Análise dos Resultados

Como se pode contatar, as ações realizadas, bem como os recursos empregados para

confecção dos fios de fibra de bananeira não chegam a alterar significativamente a emergia já

presente no pseudocaule. Para comprovar tal observação basta comparar o valor inicial, de

1,152x1018

, com o final de 1,153x1018

. Ou seja, a emergia acumulada durante o crescimento

da bananeira é de ordem muito superior a emergia necessária para seu processamento.

Avaliando-se os índices calculados, iniciando pelo rendimento emergético (emergy yield

ratio), para o qual se observa um valor calculado de 63,16, demonstrando uma alta eficiência

no uso de reservas naturais com relação ao investimento econômico, neste caso o trabalho

realizado.

O índice impacto ambiental obtido, de 0,0171, pode ser considerado baixo, uma vez que a

participação de recursos renováveis no sistema é consideravelmente superior ao dos não

renováveis. Assim sendo, por suas características de baixo emprego tecnológico, o índice

obtido implica em um baixo estresse ambiental.

Tabela 2. Cálculo da emergia da fabricação de fibra de bananeira (parte 1).

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CONTRIBUIÇÕES VALORES UNID. TRANSFORMIDADE UNID. Fonte EMERGIA (SEJ) TIPO

Corte do pseudocaule 1,152E+18Pseudocaule da banana 1,08E+12 J 1,06E+06 sej/ J 1,143E+18 R

Pseudocaule da banana 530 unidades

Energia por matéria orgânica 5400 kcal/kg

Relação joule/ kilocaloria 4186 J/kcal

Massa do pseudocaule 90 kg/unid.

Depreciação de Facão irrisória M

Mão-de-obra 5,19E+05 J 4,00E+05 sej/ J 2,078E+11 S

Pseudocaule da banana 530 unidades

Corte do pseudocaule 980 J/unid.

Força 490 N

Deslocamento 2 m/unid.

Transporte

Combustível 204 kg 2,76E+12 sej/kg 5,630E+14 N

Distância 1200 km/ano

Consumo 0,17 kg/km

Tobata 3000 $/ano 3,00E+12 sej/ $ 9,000E+15 M

Aquisição de veículo 15000 $

Depreciação de veículo 5 anos

Extração de alvéolos 1,272E+11Mão-de-obra 3,18E+05 J 4,00E+05 sej/J 1,272E+11 S

Pseudocaule da banana (inteiro) 530

Extração de alvéolos 600 J

Força 10 N

Deslocamento 60 m

Remoção do filé 2,544E+10Mão-de-obra 6,36E+04 J 4,00E+05 sej/J 2,544E+10 S

Alvéolos 6360 unidades

Pseudocaule da banana 530 unidades

Alveolos por pseudoc. 6 alv./unid.

Filés por alveolo 2 filé/alv.

Extração dos filés 10 J

Força 5 N

Deslocamento 2 m

Liberação do couro 1,952E+14Mão-de-obra

Alvéolos 6360 unidades

Operação de calandra 12 J 1,20E+06 sej/J 9,158E+10 S

Força 5 N

Deslocamento 2,4 m

Remoção de couro 32 J 4,00E+05 sej/J 8,141E+10 S

Força 20 N

Deslocamento 1,6 m

Calandra 6,50E+01 $/ano 3,00E+12 sej/ $ 1,950E+14 M

Aquisição 130,00 $

Depreciação 2 anos

Remoção de detritos 4,884E+10Mão-de-obra 4,07E+04 J 1,20E+06 sej/J 4,884E+10 S

Alvéolos 6360 unidades

Processo de raspagem 6,4 J

Força 2 N

Deslocamento 3,2 m

Separação de fios 1,710E+12Depreciação de Garfo irrisória M

Mão-de-obra 1,42E+06 J 1,20E+06 sej/J 1,710E+12 S

Alveolos 6360 unidades

Separação com garfo 224 J

Força 20 N

Deslocamento 11,2 m

Obtenção de fios 3,053E+12Depreciação de Escova irrisória M

Mão-de-obra 2,54E+06 J 1,20E+06 sej/J 3,053E+12 S

Alveolos 6360 unidades

Separação com escova 400 J

Força 20 N

Deslocamento 20 m

Remoção excesso 3,162E+12Água 1,20E+07 J 2,55E+05 sej/ J 3,060E+12 R

Energia livre de Gibbs 5000 J/kg

Massa de água 2400 kg/ano

Mão-de-obra 2,54E+05 J 4,00E+05 sej/ J 1,018E+11 S

Fios de fibras 6360 unidades

Transporte de fibra 40 J

Força peso 10 N

Deslocamento 4 m

Mangueira irrisória M

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Tabela 3. Cálculo da emergia da fabricação de fibra de bananeira (parte 2). CONTRIBUIÇÕES VALORES UNID. TRANSFORMIDADE UNID. Fonte EMERGIA (SEJ)

Chicoteamento de fios 1,357E+10Mão-de-obra 3,39E+04 J 4,00E+05 sej/ J 1,357E+10 S

Chicotes de fios 42,4 unidades

Fios de fibras 6360 unidades

Fios --> chicote 150 fios/"chicote"

Transporte de fibra 800 J

Força peso 20 N

Deslocamento 40 m

Remoção excesso 3,060E+12Água 1,20E+07 J 2,55E+05 sej/ J 3,060E+12 R

Energia livre de Gibbs 5000 J/kg

Massa de água 2400 kg/ano

Tratamento químico 4,040E+12Água 1,20E+07 J 2,55E+05 sej/ J 3,060E+12 R

Energia livre de Gibbs 5000 J/kg

Massa de água 2400 kg/ano

Hipoclorito de sódio 2,40E-01 kg 3,80E+12 sej/kg 9,120E+11 M

Caixa d'água (depreciação) irrisória M

Mão-de-obra 1,70E+05 J 4,00E+05 sej/ J 6,784E+10 S

Chicotes de fios 10600 "chicotes"

Alvéolos 6360 alveolos

Fios/alveolos 250 fios/alveolos

Fios/chicote 150 fios/"chicote"

Transporte de fibra 16 J

Força peso 8 N

Deslocamento 2 m

Secagem 1,621E+12Energia solar 2,64E+11 J 1,00E+00 sej/J 2 2,637E+11 R

Área para secagem 60 m2

Insolação na área 3,345 kWh/m2/day 2

Conversão dia-->ano 365 dias/ano

Conversão kWh --> J 3600000 J/kWh

Mão-de-obra 3,39E+06 J 4,00E+05 sej/J 1,357E+12 S

Chicotes de fios 10600 "chicotes"

Colocação em varal 320 J

Força peso 8 N

Deslocamento 40 m

Emergia total do processo 1,153E+18

1

2

São raros os casos de valores tabelados para o Brasil, porém há alguns dados disponíveis em

http://www.unicamp.br/fea/ortega/curso/transformid.htm e em http://www.unicamp.br/fea/ortega/curso/manual.htm,

sendo esta a fonte para a maioria dos dados utilizados para esta avaliação, com uma única excessão.

Transformidade 1 por definição; Insolação solar calculada usando o valor médio de "Monthly Averaged Insolation

Incident On A Horizontal Surface (kWh/m2/day)", igual à 4,345, para Latitude -26 e Longitude -48 (NASAeosweb,

2010). Procedimento adotado por Brandt-Williams (2001)

Fontes de dados

Tabela 4. Recursos utilizados na fabricação de fios de fibra de bananeira segundo sua fonte (em emJ).

Contribuição Total Y 1,15E+18

Recursos naturais I 1,14E+18

Renováveis R 1,14E+18

Não renováveis N 5,63E+14

Cont. de atividades econômicas F 9,20E+15

Materiais M 9,20E+15

Serviços S 6,88E+12

Tabela 5. Resultado do cáclculo dos índices de impacto ambiental da produção de fios de fibra de bananeira.

Rendimento emergético EYR = (F+R+N)/F 63,16

Carga ambiental ELR = (N+F)/R 0,0171

Percentual de energia renovável %R = (R/Y)*100 98%

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O valor de porcentagem de emergia renovável obtido, de 98%, é um forte indicativo da

sustentabilidade ambiental do processo, ou seja, o montante de emergia proveniente de fontes

renováveis é significativamente alto no montante total de emergia do sistema.

Neste contexto, como todos os indicadores avaliados demonstraram, pode-se concluir que o

processamento de fibras de bananeira para confecção de fibras naturais é uma atividade de

baixíssimo impacto ambiental, sendo uma solução atrativa para substituição de materiais

empregados pela indústria, como a fibra de vidro. Entretanto, o fato do processo ser realizado

por meio de mão-de-obra agrícola, fazendo uso de pouco maquinário, acaba por gerar baixas

externalidades no sistema.

7. Considerações Finais

Para a tomada de decisões em cenários onde o impacto ambiental deve ser levado em conta,

seja para prevenção ou mitigação de possíveis impactos, a análise emergética se enquadra

como uma solução mais simples, porém tão poderosa quanto a Análise de Ciclo de Vida

(ACV), principalmente devido à facilidade de análise permitida através dos cálculos dos

índices. Por outro lado, a ausência de dados tabelados, principalmente para a realizada

brasileira, pode ser considerada um dos pontos fracos do método. Entretanto, tal dificuldade

também é observada pela ACV em diferentes casos.

Quanto aos resultados obtidos, cabe destacar que os mesmos correspondem à avaliação da

situação atual do impacto ambiental gerado pelo processamento. Encontra-se em estudo a

mecanização deste processo, sendo objetivo final deste trabalho avaliar se a introdução destes

equipamentos irá impactar significativamente o sistema atual.

Estudos realizados por Balzer e colaboradores (2007) vêm demonstrando a viabilidade técnica

do uso de fibra de bananeira em substituição aos reforços estruturais tradicionalmente

empregados pela indústria de transformação de plásticos, como a fibra de vidro. Além disso, o

emprego de fibras naturais pela indústria automobilística vem crescendo como citado por

Holbery & Houston (2006). Tais fatos já demonstram a viabilidade técnica e econômica da

atividade de produção de fibras de bananeira.

8. Referências BALZER, P.S., et al. Estudo das propriedades mecânicas de um composto de PVC modificado com Fibras de

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