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ANÁLISE DE FALHA EM IMPLANTES ORTOPÉDICOS EXPLANTADOS: QUATRO CASOS DE PRÓTESE DE SISTEMA DE QUADRIL Cínthia Gabriely Zimmer 1 , Ralf Welis Souza 1 , Silvando Vieira dos Santos 2 , Sandro Griza 2 , Afonso Reguly 1 , Telmo Roberto Strohaecker 1 1 Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Metalúrgica, de Minas e Materiais, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil 2 Programa de Pós-Graduação em Ciência e Engenharia dos Materiais, Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, Brasil E-mail: [email protected] Resumo. O número de cirurgias para implante de próteses ortopédicas está aumentando de forma expressiva nos últimos anos, contudo, ainda existe um número significativo de próteses que são explantadas por motivos de falha ou não compatibilidade. A durabilidade da prótese implantada no organismo humano depende de alguns fatores, dentre os quais podemos citar: fatores biológicos inerentes do paciente, técnica cirúrgica e qualidade dos implantes. Neste trabalho foi analisada a qualidade de próteses explantadas e as possíveis causas que provocaram a sua falha. Os casos estudados foram provenientes de conjuntos de prótese de quadril envolvendo os seguintes componentes: Caso A: parafuso fraturado; Caso B: componente acetabular metálico não fraturado, porém que causou processo inflamatório no paciente; Caso C e D: hastes de quadril fraturadas. Os componentes foram submetidos às seguintes análises: lupa, dimensional, microestrutural, química e Microscopia Eletrônica de Varredura, baseado nos requisitos das normas vigentes. Os resultados das análises mostraram que no Caso A houve problemas de projeto e acabamento superficial; no Caso B o componente acetabular metálico apresentou erro na seleção de material e processo de fabricação inadequado; no Caso C a impressão de marcações em local impróprio gerou concentrador de tensões, propiciando a falha prematura da haste de quadril; e no Caso D a haste foi fabricada por processo de fabricação impróprio gerando uma microestrutura desfavorável em fadiga. Os resultados das análises mostraram que os componentes, em cada caso específico, falharam devido a fatores atribuídos ao descumprimento das normas, tais como seleção de material e projeto inadequado e processo de fabricação impróprio. Palavras chave: Análise de Falha, Prótese de Quadril, Fadiga, Normas Vigentes. 1. INTRODUÇÃO O número de cirurgias para implante de próteses ortopédicas está aumentando de forma expressiva nos últimos anos. O aumento da expectativa de vida e das atividades em pacientes com faixa etária mais avançada é apontado pelos especialistas como as principais razões do crescimento do número de cirurgias para implantes ortopédicos (ALVES, 2010), contudo, ainda existe um número significativo de próteses que são explantadas por motivos de falha ou não compatibilidade. A durabilidade de uma prótese implantada no organismo humano depende de vários fatores, dentre os quais:

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ANÁLISE DE FALHA EM IMPLANTES ORTOPÉDICOS EXPLANTADOS: QUATRO CASOS DE PRÓTESE DE SISTEMA DE QUADRIL

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ANÁLISE DE FALHA EM IMPLANTES ORTOPÉDICOS

EXPLANTADOS: QUATRO CASOS DE PRÓTESE DE SISTEMA

DE QUADRIL

Cínthia Gabriely Zimmer

1, Ralf Welis Souza

1, Silvando Vieira dos Santos

2, Sandro

Griza2, Afonso Reguly

1, Telmo Roberto Strohaecker

1

1Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Metalúrgica, de Minas e Materiais, Universidade Federal

do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil

2Programa de Pós-Graduação em Ciência e Engenharia dos Materiais, Universidade Federal de Sergipe,

São Cristóvão, Brasil

E-mail: [email protected]

Resumo. O número de cirurgias para implante de próteses ortopédicas está aumentando de forma

expressiva nos últimos anos, contudo, ainda existe um número significativo de próteses que são

explantadas por motivos de falha ou não compatibilidade. A durabilidade da prótese implantada no

organismo humano depende de alguns fatores, dentre os quais podemos citar: fatores biológicos

inerentes do paciente, técnica cirúrgica e qualidade dos implantes. Neste trabalho foi analisada a

qualidade de próteses explantadas e as possíveis causas que provocaram a sua falha. Os casos estudados

foram provenientes de conjuntos de prótese de quadril envolvendo os seguintes componentes: Caso A:

parafuso fraturado; Caso B: componente acetabular metálico não fraturado, porém que causou processo

inflamatório no paciente; Caso C e D: hastes de quadril fraturadas. Os componentes foram submetidos

às seguintes análises: lupa, dimensional, microestrutural, química e Microscopia Eletrônica de

Varredura, baseado nos requisitos das normas vigentes. Os resultados das análises mostraram que no

Caso A houve problemas de projeto e acabamento superficial; no Caso B o componente acetabular

metálico apresentou erro na seleção de material e processo de fabricação inadequado; no Caso C a

impressão de marcações em local impróprio gerou concentrador de tensões, propiciando a falha

prematura da haste de quadril; e no Caso D a haste foi fabricada por processo de fabricação impróprio

gerando uma microestrutura desfavorável em fadiga. Os resultados das análises mostraram que os

componentes, em cada caso específico, falharam devido a fatores atribuídos ao descumprimento das

normas, tais como seleção de material e projeto inadequado e processo de fabricação impróprio.

Palavras chave: Análise de Falha, Prótese de Quadril, Fadiga, Normas Vigentes.

1. INTRODUÇÃO

O número de cirurgias para implante de próteses ortopédicas está aumentando de

forma expressiva nos últimos anos. O aumento da expectativa de vida e das atividades

em pacientes com faixa etária mais avançada é apontado pelos especialistas como as

principais razões do crescimento do número de cirurgias para implantes ortopédicos

(ALVES, 2010), contudo, ainda existe um número significativo de próteses que são

explantadas por motivos de falha ou não compatibilidade. A durabilidade de uma

prótese implantada no organismo humano depende de vários fatores, dentre os quais:

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fatores inerentes do paciente (qualidade da matriz óssea, idade biológica e condições

clínicas do paciente), técnica cirúrgica e qualidade dos implantes (ANVISA, 2007).

Sendo assim, a qualidade dos implantes passa a ter uma abordagem muito mais

ampla, envolvendo todos os aspectos necessários para a fabricação de componentes,

passando desde o controle efetivo da matéria-prima, pelo projeto e processos de

fabricação até o acabamento final. Atualmente a preocupação com o controle de

qualidade de próteses vai além de uma simples exigência dos órgãos de regulamentação

e inspeção, sendo um fator fundamental e indispensável para garantir a segurança na

saúde pública. Neste trabalho foi analisada a qualidade de implantes explantados e as

prováveis causas que provocaram a sua falha. As próteses também foram avaliadas

quanto à conformidade com as normas vigentes.

Pode-se destacar o grande risco que se corre ao colocar no mercado um produto

que não atende requisitos de qualidade.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

1.1 Materiais

Os casos estudados nesse trabalho foram componentes de conjuntos de prótese

de quadril explantados de pacientes para revisão cirúrgica. Os componentes analisados

estão mostrados na Figura 1, sendo eles: Caso A: parafuso fraturado pertencente a um

conjunto de prótese de quadril; Caso B: componente acetabular metálico não fraturado,

porém que causou reação inflamatória no paciente; Caso C e D: hastes de quadril

fraturadas.

Figura 1 – Conjuntos de próteses de quadril analisados.

1.2 Métodos de Ensaio

Os componentes foram analisados seguindo as recomendações das normas

vigentes de cada componente específico. As normas utilizadas foram: (ABNT NBR ISO

5832-1, 2008) (ABNT NBR ISO 5832-3, 1997), (ABNT NBR ISO 5832-9, 2008),

(ABNT NBR ISO 5835, 1996), (ABNT NBR ISO 14630, 2010), (ABNT NBR ISO

20160, 2008), (ABNT NBR ISO 21535, 2008) e (ASTM F 745, 2007).

A B

C D

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Os ensaios realizados para este estudo foram: análise em lupa, dimensional,

microestrutural, química e MEV (Microscópio Eletrônico de Varredura).

Para análise visual foi utilizada lupa Olympus 5z-ctv, em aumentos de até 80

vezes. A análise dimensional foi realizada com o auxílio de um programa de análise de

imagens chamado “Image J”. A análise microestrutural foi realizada de acordo com a

norma (ASTM E3, 2001), onde para o titânio foi utilizado o reagente Kroll (3mL de

ácido fluorídrico, 6 mL de ácido nítrico e 91 mL de água), segundo a recomendação do

Metals Handbook volume 9 (BOYER, 1995). A técnica utilizada foi de imersão da

amostra, acompanhando a revelação da microestrutura (cerca de 10 segundos) e para o

aço inoxidável foi utilizado ataque eletrolítico (10g ácido oxálico e 100ml de água) com

densidade de corrente 1 A/cm2. O tamanho de grão foi medido baseado na norma

(ASTM E 112, 2010).

Para análise química quantitativa foi utilizado um espectrômetro de emissão

ótica marca Spectro e para análise química qualitativa foi utilizado um sistema via

microssonda EDS acoplado ao MEV.

Na determinação dos micromecanismos de fratura foi utilizado MEV, marca

Shimadzu, modelo SSX – 550. As imagens de fratura foram caracterizadas segundo

Metals HandBook volume 11 (MAY, et al., 2002) e volume 12 (KERLINS V., 1987).

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

1.3 Caso A: Parafuso Fraturado

1.3.1 Análise Visual do Parafuso Fraturado

O parafuso fraturou a partir do fundo do primeiro filete, conforme podemos

observar na Figura 2a. O acabamento superficial apresentou marcas de usinagem

grosseiras, como pode ser visto na Figura 2b. A norma relata que os implantes não

podem apresentar marcas de ferramenta (ABNT NBR ISO 14630, 2010). Marcas de

usinagem podem agir como nucleadores de trinca, os quais contribuíram para o

processo de fadiga.

(a) (b)

Figura 2 – (a) Parafuso fraturado. (b) Filetes do parafuso mostrando marcas de usinagem.

O parafuso também não atendeu ao requisito de marcação e rastreabilidade. As

marcações de identificação devem ser colocadas no componente indicando pelo menos

a marca do fabricante e/ou logo e o número do lote, segundo a norma ABNT NBR ISO

14630. Essas marcações são de grande importância, principalmente para o paciente, em

caso de recall e para acionar o fabricante em caso de não conformidade.

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1.3.2 Análise da Superfície Fraturada do Parafuso Fraturado

A superfície de fratura se apresentou bastante amassada, mascarando os

prováveis mecanismos de falha (Figura 3a), porém ao ser observado no MEV, foram

constatadas microestrias de fadiga (Figura 3b) confirmando o mecanismo de falha.

(a) (b)

Figura 3 – (a) Superfície da fratura observada em lupa. (b) Microestrias de fadiga

observadas em MEV.

1.3.3 Análise Dimensional do Parafuso Fraturado

O raio de concordância foi analisado no fundo do filete fraturado apresentando

um valor de 0,20 mm. A Figura 4 mostra o raio do filete do parafuso onde também

pode ser observada uma trinca. A norma (ABNT NBR ISO 5835, 1996) determina o

raio mínimo de 0,8mm. Um raio muito agudo pode agir como concentrador de tensões,

diminuindo a resistência e o tempo de vida útil do componente.

Figura 4 – Raio de concordância do filete com presença de uma trinca.

1.3.4 Análise Microestrutural do Parafuso Fraturado

A microestrutura do parafuso é formada pelas fases alfa e beta acicular (Figura

5), típica de titânio ligado. A microestrutura recomendada seria beta globular, sendo a

r = 0,20mm

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acicular não prevista por norma (ABNT NBR ISO 20160, 2008). A microestrutura

acicular apresenta propriedades em fadiga inferior à microestrutura globular.

Figura 5 - Metalografia do parafuso apresentando microestrutura com matriz alfa mais

beta acicular.

1.4 Caso B: Componente Acetabular Metálico que causou reação inflamatória no

Paciente

1.4.1 Análise Visual do Componente Acetabular Metálico

O componente acetabular apresentava uma tela sobreposta soldada pela

periferia, a qual estava rompida em algumas regiões, provavelmente devido ao

procedimento cirúrgico, conforme pode ser visto na Figura 6. Este componente também

não apresentou marcações de identificação e rastreabilidade.

Figura 6 - Componente acetabular com grades sobrepostas rompidas em algumas regiões.

1.4.2 Análise Química do Componente Acetabular Metálico

A Tabela 1 apresenta a composição química do componente, sendo esta similar a

um Aço AISI 316L. O aço AISI 316L já chegou a ser utilizado como biomaterial

implantável, contudo, nas normas atuais sua utilização não é mais permitida. Os teores

de carbono, níquel e molibdênio estão em fora da faixa da norma (ABNT NBR ISO

5832-1, 2008) que seria a norma do material adequado para fabricação deste

componente. O excesso de carbono favorece a formação de carbonetos de cromo

(carbonetos reduzem a resistência à corrosão da matriz). O menor teor de molibdênio

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diminui a garantia de passividade da camada de óxido protetora. A redução da

porcentagem de níquel diminui a resistência à corrosão da liga.

Esta mesma norma determina que o teor de cromo somado a 3,3 vezes o teor de

molibdênio deve ser maior ou igual a 26, conforme Equação 1.

C = 3,3WMo + WCr Equação 2

Essa relação (Equação 3) determina uma garantia de maior resistência à

formação de pites de corrosão. Segundo os resultados da composição química da Tabela

1, essa relação é igual a 24, portanto, menor do que o estimado pela norma.

Tabela 1 – Análise química do componente acetabular metálico.

COMPOSIÇÃO QUÍMICA (% em massa)

Elemento

Químico C Si Mn P S Cr Ni Mo Fe

Componente

Acetabular *0,034 0,34 1,55 0,017 0,0017 17,09 *11,26 *2,09 Balanço

NBR ISO

5832-1

0,030

máx

1,0

máx

2,0

máx

0,025

máx.

0,010

máx.

17,0 –

19,0

13,0 –

15,0

2,25 –

3,0 Balanço

AISI 316L 0,03

máx

0,75

máx

2,00

máx

0,045

máx

0,030

máx

16,00-

18,00

10,00-

14,00

2,00-

3,00 Balanço

* valores fora da faixa da NBR ISO 5832-1

1.4.3 Análise Química da grade sobreposta via Microssonda EDS

O arame da grade sobreposta no componente acetabular foi submetido à análise

qualitativa via microssonda EDS onde foram observados picos predominantes na

frequência do ferro, cromo e níquel, bem como alumínio molibdênio e manganês,

conforme mostra a Figura 7.

A composição do arame é compatível a uma liga de aço inox, contudo o pico

elevado na frequência do alumínio pode comprometer a qualidade do material quando

exposto aos fluidos corpóreos, pois o alumínio é um elemento tóxico ao corpo humano.

Figura 7 - Espectro de microssonda EDS indicando picos de frequência nos elementos.

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1.4.4 Análise Microestrutural do Componente Acetabular Metálico

A microestrutura do componente acetabular metálico se apresentou austenítica

com tamanho de grão médio 5,5 (ASTM E 112, 2010) e com a presença de uma

segunda fase chamada ferrita delta, conforme mostra a Figura 8a. A fase ferrita delta

apresenta resistência à corrosão menor do que a matriz austenítica podendo acelerar o

processo corrosivo do componente.

A Figura 8b mostra a interface entre a região soldada, do arame e a matriz, na

qual pode ser observada a presença de um defeito de soldagem – falta de penetração. É

recomendado que materiais soldados passassem por um processo de tratamento térmico

após sua utilização, pois as modificações microestruturais causadas pelo processo

podem gerar precipitação de carbonetos sensitizando o material.

(a) (b)

Figura 8 – (a) Microestrutura apresentando matriz austenítica e uma segunda fase chamada ferrita delta. (b) Micrografia mostrando interface de solda e material base.

1.5 Caso C: Haste de Quadril Fraturada

1.5.1 Análise Visual da Haste de Quadril Fraturada

A haste de quadril apresentou marcas de identificação e rastreabilidade,

conforme é solicitado pela norma (ABNT NBR ISO 14630, 2010), porém a marcação

foi colocada em local impróprio. A ruptura da haste coincidiu com a marcação do

componente, como podemos observar na Figura 9, a qual foi realizada com laser que

por sua vez causou modificações microestruturais favorecendo assim a formação de

uma trinca e a consequente fratura. A norma ABNT NBR ISO 21535, recomenda que a

marcação seja posta em local que não irá sofrer solicitações mecânicas, porém a região

onde foi realizada a marcação é um ponto de alta concentração de tensão quando a

pessoa com a prótese implantada, se encontra em movimento.

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Figura 9 – Fratura coincidindo com marcas de identificação.

1.5.2 Análise da Superfície da Haste de Quadril Fraturada

A superfície de fratura apresentou um intenso grau de amassamento devido à

compressão das duas partes sob forma cíclica, como mostrado na Figura 10a.

Entretanto, em algumas regiões menos danificadas, especialmente junto a uma das

laterais, onde as tensões de compressão foram reduzidas, foi possível verificar no MEV

a formação de estrias de fadiga (Figura 10b).

(a) (b)

Figura 10 – (a) Superfície de fratura mostrando grande grau de amassamento. (b) Estrias

de fadiga observadas em MEV na superficie de fratura.

1.5.3 Análise Química da Haste de Quadril Fraturada

A haste de quadril apresentou similar aos valores especificados pela norma

(ABNT NBR ISO 5832-9, 2008) estando todos os elementos analisados dentro da faixa

recomendada.

Tabela 2 - Análise química da haste de quadril.

COMPOSIÇÃO QUÍMICA (% em massa)

Elemento

Químico C Si Mn P S Cr Ni Mo Fe

Haste de

Quadril 0,056 0,3130 3,60 0,011 0,001 19,26 10,25 2,30 Balanço

NBR ISO

5832-9

0,08 máx

0,75 máx

2,0 – 4,25

0,025 máx

0,01 máx

19,5 – 22,00

9,0 – 11,0

2,0 – 3,0

Balanço

1.5.4 Análise Microestrutural da Haste de Quadril Fraturada

A microestrutura da haste é formada por grãos poligonais austeníticos com

tamanho médio de grão 8 ASTM (Figura 11a).

A região que contém a marcação de identificação, a qual foi realizada a laser,

apresentou modificações microestruturais e consequentemente ocorreu a formação de

trincas secundárias, decorrentes da alta temperatura associada ao processo de marcação

a laser (Figura 11b).

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(a) (b)

Figura 11 – (a) Microestrutura austenítica composta por grãos poligonais refinados. (b)

Microtrinca com origem na região microestruturalmente modificada devido a marcação a

laser.

1.6 Caso D: Haste de Quadril Fundida Fraturada

1.6.1 Análise Visual da Haste de Quadril Fundida Fraturada

A haste fundida fraturou um pouco acima da parte medial da prótese. Este

componente também não apresentou marcas de identificação e rastreabilidade do

fabricante.

1.6.2 Análise da Superfície da Haste de Quadril Fundida Fraturada

A fratura apresentou aspecto de fratura irregular, com grande grau de

amassamento não sendo evidente o modo de fratura (Figura 12a), entretanto, ao ser

analisada em MEV pôde-se observar estrias de fadiga (Figura 12b), o que indica que o

componente rompeu por fadiga.

(a) (b)

Figura 12 – (a) Superfície de fratura observadas em lupa. (b) Estrias de fadiga observadas

em MEV.

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1.6.3 Análise Química da Haste de Quadril Fundida Fraturada

A haste de quadril apresentou teor de molibdênio fora do especificado por norma

(ASTM F745, 2007). Foi calculada a relação de cromo e molibdênio conforme Equação

4, com objetivo de avaliar o valor que confere resistência da camada passiva, onde o

valor o “C” apresentou valor igual a 24, sendo este valor abaixo do determinado por

norma.

Tabela 3 - Análise química da haste de quadril.

COMPOSIÇÃO QUÍMICA (% em massa)

Elemento

Químico C Si Mn P S Cr Ni Mo Fe

Haste de

Quadril 0,014 0,43 1,0 0,032 0,005 17,9 12,3 *1,95 Balanço

ASTM F 745 0,06 máx

1,0 máx

2,0 máx

0,045 máx

0,03 máx.

16,5 – 19,0

11,0 – 14,5

2,0 – 3,0

Balanço

* valores fora da faixa ASTM F 745

1.6.4 Análise Microestrutural da Haste de Quadril Fundida Fraturada

A haste de quadril apresentou microestrutura bruta de fusão e incidência de

microrechupes, conforme mostram as imagens da Figura 13. O material fundido não é

considerado adequado para fabricação de próteses de articulação de quadril (ABNT

NBR ISO 21534, 2008). Ligas de aço inox fundido apresentam cerca de 30% a menos

de resistência à fadiga em relação às ligas forjadas (DALLA ROSA, 2007).

(a) (b)

Figura 13 – (a) Microrrechupes concentrados em uma região no interior da haste. (b)

Microestrutura bruta de fusão com destaque de dendritas.

4. CONCLUSÕES

Caso A: O raio inadequado juntamente com o acabamento superficial

insatisfatório foram determinantes para a fratura prematura do parafuso pelo processo

de fadiga

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Caso B: A composição química inadequada, tanto do componente acetabular

quanto da grade sobresposta, aliada a microestrutura imprópria podem ter gerado reação

adversa no paciente.

Caso C: Apesar do componente apresentar as marcações necessárias, o local da

marcação foi realizado em um ponto de alta concentração de tensão quando em uso pelo

paciente. A modificação microestrutural e trincas que a marcação ocasionou foram

determinantes para propagação da trinca por fadiga e consequentemente na fratura do

componente.

Caso D: A composição química inadequada e emprego de processo de fundição

para a produção da haste de quadril gerou uma microestrutura com menor resistência

mecânica propiciando uma falha prematura.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados das análises mostraram que os componentes, em cada caso

específico, falharam por problemas de material inadequado, projeto mal elaborado e/ou

processo de fabricação impróprio. A Tabela 4, mostra o resultado final da análise

aprovando ou reprovando a conformidade de acordo com as normas vigentes nos

requisitos específicos.

Tabela 4 – Resultado de conformidade com as normas.

Componente

Análise Caso A Caso B Caso C Caso D

Acabamento Superficial

Identificação e Rastreabilidade

Análise Dimensional

NR NR NR

Analise Microestrutural

Análise Química NR

Não Conforme Conforme NR: Não Realizado

AGRADECIMENTOS

Os autores gostariam de agradecer o suporte financeiro das agencias FINEP, CNPq, FAPERGS e CAPES.

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for Cast and Solution-Annealed Surgical Implant Applications. 2010.

ASTM E3. 2001. Standard Guide for Preparation of Metallographic Specimens. 2001.

ASTM E3. 2001. Standard Specification for 18Chromium-12.5Nickel-2.5Molybdenum Stainless Steel for

Cast and Solution-Annealed Surgical Implant Applications. 2007.

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ABNT NBR ISO 5832-1. 2008. Implantes para cirurgia – Materiais metálicos – Parte 1: Aço inoxidável

conformado. 2008.

ABNT NBR ISO 5832-3. 1997. Implantes para cirurgia – Materiais metálicos. Parte 3: Liga conformada

de Ti-6Al-4V. 1997.

ABNT NBR ISO 5832-9. 2008. Implantes para cirurgia – Materiais metálicos – Parte 9: Aço inoxidável

conformado de alto nitrogênio. 2008.

ABNT NBR ISO 5835. 1996. Implantes para cirurgia – Parafusos ósseos metálicos com conexão para

chave hexagonal, parte inferior da cabeça de forma esférica e rosca assimétrica – Dimensões. 1996.

ABNT NBR ISO 14630. 2010. Implantes cirúrgicos não-ativos - Requisitos gerais. 2010.

ABNT NBR ISO 20160. 2008. Implantes para cirurgia - Materiais metálicos - Classificação de

microestruturas para ligas de titânio alfa+beta em barras. 2008.

ABNT NBR ISO 21534. 2008. Implantes cirúrgicos não ativos - Implantes para substituição de

articulação - Requisistos específicos para implantes de susbstituição da articulação de quadril. 2008.

ABNT NBR ISO 21535. 2008. Implantes cirúrgicos não ativos – Implantes para substituição de

articulação – Requisitos específicos para implantes de substituição da articulação do quadril. 2008.

ALVES, M.W. 2010. http://www.iafortopedia.com.br/noticias/cresce-o-numero-cirurgias-para-implante-

de-proteses-ortopedicas-e-videocirurgia/. [Online] 03 de Fevereiro de 2010. [Citado em: 06 de Dezembro

de 2010.]

ANVISA. 2007. http://www.anvisa.gov.br/hotsite/notivisa/perguntas_respostas.htm#3. [Online] 30 de

Outubro de 2007. [Citado em: 2010 de Dezembro de 2010.]

ASTM F 745. 2007. Standard Specification for 18Chromium-12.5Nickel-2.5 Molybdenum Stainless Steel

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BOYER, R. RODNEY. 1995. METALS HANDBOOK. [A. do livro] Volume 9. Metallographic and

Microstructures. s.l. : 6º edition, 1995.

DALLA ROSA, ALEXANDRE LUÍS. 2007. Estudo Comparativo da Resistência à Fadiga dos Aços

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KERLINS V., et al. 1987. METALS HANDBOOK, Volume 12, 1987. Book 12 - Modes of Fracture. s.l. :

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MAY, L.I. e al, et. 2002. Volume 11 - METALS HANDBOOK. Examination of Damage and Material

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VOORT, VANDER G. F. 1984. Volume 9 - Metallography, McGraw-Hill. Principles and Practice.

1984.

FAILURE ANALYSIS OF EXPLANTED ORTHOPAEDIC

IMPLANTS: FOUR CASES OF HIP PROSTHESIS SYSTEM

Cínthia Gabriely Zimmer1, Silvando Vieira dos Santos

2, Sandro Griza

2, Ralf Welis

Souza1, Afonso Reguly

1 Telmo Roberto Strohaecker

1

1Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Metalúrgica, de Minas e Materiais, Universidade Federal

do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brazil

2Programa de Pós-Graduação em Ciência e Engenharia dos Materiais, Universidade Federal de Sergipe,

São Cristóvão, Brazil

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Page 13: ANÁLISE DE FALHA EM IMPLANTES ORTOPÉDICOS EXPLANTADOS: QUATRO CASOS DE PRÓTESE DE SISTEMA DE QUADRIL

Abstract. The number of orthopedic prostheses surgeries is increasing significantly in the last years;

however, there are a significant number of explanted prostheses due to failure or non-compatibility

reasons. The prosthesis durability, when implanted in the human body, depends of: the patient biological

factors, surgical technique and prostheses quality. In this paper four explanted prosthesis were analyzed

to check the implants quality and the failure causes. The cases were from hip system prosthesis involving

the components: Case A: fractured screw; Case B: acetabular component not broken, but reacted in the

patient when implanted; Case C and D: fractured stems. The components were analyzed using

stereoscope, dimensional, microstructural, chemical and SEM techniques, based in the standards

requirement. The analyses results showed that in the Case A the inappropriate design and surface finish

facilitate the fatigue process; in case B the acetabular component had errors in material selection; in

Case C the laser marks in inappropriate region caused cracks and consequently fatigue fracture; and in

Case D the stem manufacturing process, by casting, is not adequate due to de microstructure with poor

endurance resistance. The analyses indicated that in each case the components, failed due to problems

assigned to non-compliance to standards, such as: inappropriate material and design and manufacturing

process inappropriate.

Keywords: Failure Analysis, Hip Prosthesis, Fatigue, current standards.