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21 Análise da Disciplina: América II Filme A História Oficial O filme “A História Oficial” trata-se de um documento histórico importantíssimo quando analisamos os conteúdos históricos relativos a História da América II. Sabemos que o filme é uma interpretação do real e não uma verdade absoluta, entretanto poderíamos utilizá-lo como documento histórico para elaborarmos aulas para uma turma de Ensino Médio. A HISTÓRIA OFICIAL. Direção: Luiz Puenzo. Produção: Marcelo Piñero e Oscar Kramer. Roteiro: Guião Aída Bortnik e Luiz Puenzo. Argentina, 1985 (112 min). Elenco: Norma Aleandro, Héctor Alterio, Chunchuna Villafañe. Sinopse: Alicia é uma professora de História que ensina através dos livros didáticos, ou seja, a história oficial dos vencedores, dos heróis, da elite dominante. Pertencente à classe média argentina, desconhece as tragédias geradas em seu país pela ditadura militar (1976-1983). Ela é uma mãe atenciosa para a filha Gaby, uma criança registrada como filha legítima e trazida para casa pelo seu marido Roberto. Após o retorno do exílio da amiga Ana, uma ex presa política, Alicia começa a descobrir os horrores praticados contra os opositores do regime. Ela começa então a crer na possibilidade de que seu marido teria mantido relações escusas com a máquina repressora do regime e adotado Gaby depois que seus pais, possíveis presos políticos, foram assassinados. Um pouco sobre o diretor: Luis Alberto Puenzo, nascido em 19 de fevereiro de 1946 na cidade de Buenos Aires, Argentina. Luis Puenzo gravou o filme todo na cidade de Buenos Aires, temia por sua segurança e queria gravar o filme em segredo utilizando câmeras de 16 mm, mas o regime ditador caiu em 1983 antes de terminar de escrever o roteiro.

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Page 1: Análise da Disciplina: América II – Filme A História Oficial - Parte da av3 integrada 5º semestre - UNINOVE - Grupo: Carolina Fioravanti, Elaine Aprígio, Emerson Mathias, Priscila

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Análise da Disciplina: América II – Filme A História Oficial

O filme “A História Oficial” trata-se de um documento histórico

importantíssimo quando analisamos os conteúdos históricos relativos a História da

América II. Sabemos que o filme é uma interpretação do real e não uma verdade

absoluta, entretanto poderíamos utilizá-lo como documento histórico para elaborarmos

aulas para uma turma de Ensino Médio.

A HISTÓRIA OFICIAL. Direção: Luiz Puenzo. Produção: Marcelo Piñero e Oscar

Kramer. Roteiro: Guião Aída Bortnik e Luiz Puenzo. Argentina, 1985 (112 min).

Elenco: Norma Aleandro, Héctor Alterio, Chunchuna Villafañe.

Sinopse: Alicia é uma professora de História que ensina através dos livros didáticos, ou

seja, a história oficial dos vencedores, dos heróis, da elite dominante. Pertencente à

classe média argentina, desconhece as tragédias geradas em seu país pela ditadura

militar (1976-1983). Ela é uma mãe atenciosa para a filha Gaby, uma criança registrada

como filha legítima e trazida para casa pelo seu marido Roberto. Após o retorno do

exílio da amiga Ana, uma ex presa política, Alicia começa a descobrir os horrores

praticados contra os opositores do regime. Ela começa então a crer na possibilidade de

que seu marido teria mantido relações escusas com a máquina repressora do regime e

adotado Gaby depois que seus pais, possíveis presos políticos, foram assassinados.

Um pouco sobre o diretor:

Luis Alberto Puenzo, nascido em 19 de fevereiro de 1946 na cidade de Buenos

Aires, Argentina.

Luis Puenzo gravou o filme todo na cidade de Buenos Aires, temia por sua

segurança e queria gravar o filme em segredo utilizando câmeras de 16 mm, mas

o regime ditador caiu em 1983 antes de terminar de escrever o roteiro.

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Luis Puenzo dirigiu centenas de comerciais e dois longas-metragens antes de ser

reconhecido internacionalmente por dirigir o filme A História Oficial. Em 1968,

ele fundou sua primeira empresa, Luis Puenzo Cinema, realizando inúmeros

filmes comerciais. Seu primeiro longa-metragem dirigido às crianças: Luzes My

Shoes (1973). A História Oficial (1985) marcou um importante passo em sua

carreira como cineasta, para investigar o problema da falta de base em um livro

de Aida Bortnik e ganhar o Oscar de melhor filme estrangeiro. Pouco prolífico,

fez menos de meia dúzia de filmes, incluindo desde o fracassado Velho Gringo

com Gregory Peck em um romance de Carlos Fuentes, E a Peste, adaptando o

romance de Albert Camus.

O filme é ambientado na década de 80 em plena ditadura Argentina. Alice é uma

professor de história no início dos anos 80. Em seu trabalho, em casa, sempre

aceitou a versão oficial do Estado sobre a ditadura. Até que um dia a fachada do

regime e sua vida começa a desmoronar. Ela conhece uma das Avós da Praça de

Maio (que possivelmente é avó de sua filha adotiva) e começa a descobrir a

verdadeira face da ditadura, inclusive o envolvimento de seu marido com casos

de torturas e desaparecimento de pessoas. Além da omissão da Igreja e da elite

Argentina (empresários).

Em 1968, ele fundou sua primeira empresa, Luis Puenzo Cinema, realizando

inúmeros filmes comerciais. Seu primeiro longa-metragem dirigida às crianças:

Luzes My Shoes (1973). A história oficial (1985) marcou um importante passo

em sua carreira como cineasta, para investigar o problema da falta de base em

um livro de Aida Bortnik e ganhar o Oscar dos Oscar de melhor filme

estrangeiro. Pouco prolífico, iria rolar a menos de meia dúzia de filmes,

incluindo desde o fracassado Velho Gringo com Gregory Peck em um romance

de Carlos Fuentes e a Praga, adaptando o romance de Albert Camus.

CONTEXTUALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO:

No contexto histórico da produção do filme (década de 80) a Argentina vivia um

dos piores regimes ditadores da América do Sul, muito mais radical do que viveram

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Brasil e Chile. Muitas pessoas contrárias ao regime desapareceram e o clima de

violência e ilegalidade pairava sobre a Argentina.

A junta argentina criada pelo golpe rompeu com a legalidade de

forma muito mais radical que os regimes militares brasileiro e

chileno. No primeiro dia do golpe, A Suprema Corte, a

Procuradoria-Geral e os tribunais superiores das províncias

foram expurgados. Ao mesmo tempo, “todos os demais

membros do poder Judiciário foram afastados do cargo (...) As

lideranças do regime falavam de maneira explícita sobre a

necessidade de contornar as restrições legais. Em 1980, o

general Tomaz Sanchez de Bustamante declarou: “Há normas e

padrões judiciais que não se aplicam neste caso...tudo tem que

estar coberto numa nuvem de silêncio”. (PEREIRA, 2010:193)

O próprio Luis Puenzo nascido em 19 de fevereiro de 1946, portanto tinha 20

anos, quando do golpe militar (hoje civil-militar), ocorrido em junho de 1966

derrubando Arturo Illia. Traz sua própria experiência de quem viveu um dos mais cruéis

regimes militares da América Latina. Pois, como escritor e produtor corria os riscos

impostos por seus escritos e filmes se despertassem descontentamento do regime

ditador. Puenzo, abre sua empresa cinematográfica em 1968 e por isso passa a ser um

alvo para represálias dos militares. Vemos na historiografia dentro deste contexto que a

ditadura de 1966 até sua queda em 1983, foram mortos e torturados, artistas, escritores,

advogados entre outros. O período das trevas intitulado pelos historiadores vai do ano

de 1976 até o fim da ditadura no ano de 1983, portanto, o filme está dentro deste

contexto e muito mais ainda da própria vida de seu autor. Perseguições a escritores,

artistas, músicos, proibições de leituras e músicas e a queima de livros.

A incineração de livros um mês após o golpe militar de 24 de

março de 1976, que derrubou o governo de Maria Estela

Martinez de Perón, era um alerta sobre o período de trevas em

que o país estava afundando. Entre as obra destruídas estavam

novelas de Gabriel García Márquez, poemas de Pablo Neruda e

dezenas de títulos de filosofia e literatura espanhola, francesa e

inglesa. (...) A destruição de livros, que lembrava o nazifacismo

na Europa, antecipava o regime de terror que, entre 1976 e

1983, torturou e matou milhares de pessoas e sumiu com os

corpos. O número oficial de mortos e desaparecidos registra 12

mil vítimas. Organizações de defesa dos direitos humanos

contam mais de 30 mil. (...) A relção de filmes banidos ia além

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dos limites do absurdo: O pequeno princípe, de Antoine de

Saint-Exupéry; Tia Júlia e o escrevinhador, de Mário Vargas

Llosa; Um elefante ocupa muito espaço, de Elsa Bornemann; e

O nascimento, as crianças e o amor, de Agnes Rosenstichl. Os

dois últimos por trata-se de “material destinado as público

infantil com uma finalidade de doutrinamento e intuito

subversivo”. (...) O brasileiro Paulo Freire também figurava no

índex de proibições. (RIBEIRO, 2012:154)

Temos conexões e paralelos entre o golpe e o regime militar argentino e os

regimes militares do Chile e do Brasil. Foram regimes repressivos, autoritários e

antilegalistas, apoiados, financiados e legalizados pelos Estados Unidos, que sempre

influenciou por motivos políticos e econômicos os países da América Latina desde suas

independências.

Em uma cena do filme A História Oficial, onde empresários argentinos recebem

empresários “provavelmente americanos” em uma reunião, o autor “revela” com essa

representação a influência de grandes empresas americanas interessadas em manter o

regime ditador argentino, portanto, favorável política e economicamente para os Estados

Unidos. Assim como em praticamente todos os países da América Latina neste período.

Dentro deste contexto no ano de 1982 devemos ressaltar a Guerra das Malvinas, uma

tentativa frustrada do governo argentino de desviar o foco da péssima situação política e

econômica, encobrir sua corrupção, torturas, desaparecimentos, mortes, desmandos e

ilegalidades.

(...) Com o país mergulhado no caos social e econômico e

diante da explosão de revelações sobre torturas, assassinatos e

desaparecimentos, Galtieri achou que era preciso arranjar um

inimigo externo para desviar a atenção. Em 2 de abril de 1982,

lançou o país numa desastrada aventura ao ordenar o

desembarque de tropas nas Ilhas Malvinas, Falkland para os

ingleses. A guerra durou menos de três meses. A Inglaterra,

então governada pela primeira-dama Margaret Thatcher,

mobilizou um imenso poder de fogo contra os argentinos, que

foram esmagados rapidamente. O conflito deixou mais de mil

mortos, a maioria argentinos. Em 15 de junho, a Argentina se

rendeu. A imagem de soldados argentinos humilhados,

abandonando as ilhas, abateu profundamente o país. Dois dias

após a rendição, Galtieri renunciou. (RIBEIRO, 2012:155-6)

“Os militares impediram o desenvolvimento científico e tecnológico e sucatearam o

parque industrial nacional. Na década de 1980, vários segmentos de classe se uniram na

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retomada do controle político do país.” (IOKOI, 1989:52). Ainda segundo a autora,

setores industriais, intelectuais, a ala progressista da Igreja, através de movimentos

sociais conseguiram abalar os alicerces do regime militar. A Guerra das Malvinas em

1982, foi um esforço do regime ditador para manter-se no poder, mas sua derrota

humilhante serviu para os movimentos operários ganharem força política, sem a

submissão do poder dominante que culminou com o fim da ditadura em 1983.

HISTÓRIA DE CONFLITOS:

Para DORATIOTO (1994), desde sua independência a Argentina (Vice-Reino

do Prata), não manteve a unidade territorial. Foi na capital Buenos Aires que

comerciantes instalaram uma junta como reposta a usurpação do trono espanhol por

José Bonaparte. A burguesia tentou manter o monopólio sobre o comércio exterior do

Prata. Defendiam a centralização do poder (unitários), contrários aos oligarcas do

interior que propunham a descentralização do poder (federalistas), portanto a Argentina

desde sua formação apresentava intensos conflitos entre suas elites.

Mais do que outros países do continente, a Argentina enfrentou

uma prolongada luta pela independência. Mal tinham

conseguido se livrar do domínio espanhol, na primeira metade

do século XIX, os argentinos tiveram de enfrentar as forças da

Inglaterra e da França, que tentavam se instalar no país com o

objetivo de controlar o mercado do couro e impor a venda de

manufaturados ingleses e franceses. O general José de San

Martín liderou a guerra de libertação, que terminou com a

derrota dos espanhóis e de seus aliados locais. A independência

foi conquistada em 1816. Em 1829, o general Juan Manuel

Rosas tomou o poder e teve papel decisivo na expulsão das

forças inglesas e francesas, que chegaram a bloquear o Porto de

Buenos Aires. De Rosas transformou-se num ditador e ficou

vinte anos no poder, até ser deposto por outro general, José de

Urquiza, em 1852. (RIBEIRO, 2012:164)

Essa origem da nação argentina apresentada pela historiografia, bem com o

contexto político e social em que o filme A História Oficial foi produzido, ou seja, na

década de 1980, nos favorece na utilização desta obra como um importante material de

apoio em aulas para o Ensino Médio. Tanto podemos utilizar as influências do

imperialismo inglês e francês na independência argentina no início do século XIX

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(fatores relevantes e fundamentais que levaram a ditadura de 1966 a 1983), como

posteriormente a influência americana a partir do século XX.

CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA CENTRAL:

O tema central do filme são as Avós da Praça de Maio e o desaparecimento de

crianças, filhos e filhas de opositores do regime ditador na Argentina. Na obra A

História Oficial, isto é representado por Gaby filha de Alicia (protagonista da história),

filha de uma prisioneira que deu a „luz‟ no cárcere e que foi “adotada” por sua família,

especificamente trazida pelo seu marido que „aparentemente‟ era conivente com o

regime ditador. Este fato provavelmente era corriqueiro na ditadura, muitos filhos que

tiveram os pais mortos, ou mulheres que tiveram seus filhos quando estavam presas,

passaram a ser criados por seus algozes ou por famílias que tinham algum envolvimento

com a ditadura como é representado no filme. Ao final da ditadura surgem as Mães da

Praça de Maio e atualmente as Avós da Praça de Maio que reivindicam punições para os

culpados das mortes e desaparecimentos de seus filhos e netos. Além de procurarem

saber sobre o que aconteceu com seus filhos, buscam encontrar seus netos que

possivelmente estejam sendo criados por famílias que eram simpáticas ao regime,

ativamente ou passivamente cúmplices.

(...) Calcula-se que por ali passaram cerca de 5 mil pessoas,

incluindo políticos das mais diversas filiações, sindicalistas,

professores, estudantes, artistas e religiosos, suspeitos de

atividades contra o regime. Poucos sobreviveram. A maioria

morreu durante as sessões de tortura e espancamento. Os que

sobreviviam, em geral com ossos quebrados, órgãos internos

lesados, dentes arrebentados e olhos ou ouvidos perfurados,

eram colocados em aviões da Marinha argentina e lançados em

alto-mar. Também passaram pela Esma e por dependências do

Exército mulheres de presos políticos ou elas próprias

militantes de algum grupo ou partido que estavam grávidas no

momento da prisão. Dezenas ou centenas de bebês nasceram

nas prisões e foram distribuídos entre os próprios militares, que

se encarregavam de falsificar papéis de adoção. Esse número

nunca foi apurado. (RIBEIRO, 2012:156)

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Segundo Pereira, a junta argentina criada pelo golpe de 1976, rompeu com a legalidade

de forma muito mais radical do que os regimes do Brasil e do Chile. Todos os poderes,

Legislativo, Executivo e Judiciário foram expurgados. Os líderes do golpe falavam

explicitamente sobre a necessidade de contornar as restrições legais. “Em 1980, o

general Tomaz Sanchez de Bustamante declarou: Há normas e padrões judiciais que não

se aplicam neste caso...tudo tem que estar coberto numa nuvem de silêncio.”

(PEREIRA, 2010:193). A política de desaparecimentos rotineiros se intensifica a partir

deste período, chamado de Guerra Suja.

A linguagem usada pelos militares argentinos para legitimar sua

guerra suja, é, em particular, notória, tendo sido mais violenta e

inflexível que a do regime militar chileno, e por certo muito

mais que a do regime brasileiro. Ao mesmo tempo, da mesma

forma que a seus predecessores brasileiro e chileno, faltava ao

regime argentino uma ideologia que o legitimasse de forma

plena – fato esse notado por Juan Linz – e ele, muitas vezes,

usou um futuro retorno à democracia liberal como argumento

de autolegitimação. (PEREIRA, 2010:198).

Dentro deste tema podemos explorar os diversos conceitos representados nesta obra, os

aspectos como as mães da Praça de Maio e avós da Praça de Maio. Podemos estudar,

pesquisar e analisar o envolvimento da Igreja neste período, o envolvimento de setores

da sociedade civil (empresários, elite burguesa), entre outros.

ASPECTO RELEVANTE:

As Mães e Avós da Praça de Maio. “(...) Um segundo tipo de grupo coordenava as

ações dos familiares dos mortos e desaparecidos, dentre os quais os mais importantes

eram as Mães da Praça de Maio, as Avós da Praça de Maio e os Familiares dos Detidos

e Desaparecidos por Razões Políticas.” (PEREIRA, 2010:204).

Percebemos no filme uma cena que faz uma representação do contexto violento da

ditadura argentina, quando Gaby, filha da professora Alicia deixa a festa e vai brincar

com os presentes que ganhou em seu quarto. Ela brinca de ser mãe da boneca que

ganhou dos pais, cuidando e dando carinho, ela diz para a boneca: “mamãe está aqui,

pode dormir tranquila”, de repente os primos de Gaby invadem o quarto segurando

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armas de brinquedo e destroem parte de suas coisas, a menina grita desesperada. A cena

mostra a menina como uma mãe que coloca seu filho para dormir e tem seu lar invadido

no meio da noite e sua casa destruída, situação vivida por muitas pessoas durante a

ditadura militar na Argentina.

A repressão argentina foi estruturada no trio seqüestro-

desaparecimento-tortura de pessoas. As pessoas eram

sequestradas, em suas próprias casas tendo parentes e vizinhos

como testemunhas. A maior parte das ações ocorria já tarde da

noite ou de madrugada pegando a todos de surpresa. Para

facilitar a ação e disseminar o terror na vizinhança os grupos

encarregados do sequestro cortavam a energia elétrica deixando

todos no escuro, usavam megafones, helicópteros e até mesmo

granadas e bombas. Em seguida, a casa era invadida por um

grupo de pessoas, que às vezes era composto por até 50

militares ou policiais, fortemente armados. A vítima então era

levada em um dos vários carros usados na ação. Não sem antes

que toda sua família, inclusive crianças, fosse aterrorizada e

ameaçada.1

“Segundo o CONADEP, Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas, os

desaparecimentos por sexo eram de 70% de homens jovens, 30% mulheres e dessas 3%

estavam grávidas no momento em foram abordadas. No caso do filme, Gaby foi uma

dessas crianças que nasceram depois que suas mães ainda grávidas foram sequestradas.”

(PEREIRA, 2010:203).

“(...) Marc Ferro (1977) mostrou como cinema acrescentou à história uma nova fonte

fundamental: o filme torna claro, aliás, que o cinema é “agente e fonte da história”.2

No filme temos uma cena onde Alicia vê as Mães/Avós da Praça de Maio de dentro do

prédio onde seu marido trabalha (há uma legenda na imagem com os dizeres: Avós da

Praça de Maio). Podemos aqui fazer uma relação de como se trabalhar o livro didático

junto com o texto segundo Capelato, Morettin, Napolitano e Saliba, em “História e

Cinema: dimensões históricas do audiovisual”:

1QUADRAT, Samantha Viz. Memória direitos humanos e política na Argentina

contemporânea. X Encontro Regional da ANPUH-RJ História e Biografias – Universidade do

Estado do Rio de Janeiro -2002. 2 FERRO, Marc. In: LÊ GOFF, Jacques. História e Memória. Editora da Universidade Estadual

de Campinas (UNICAMP), 1994, p. 49.

(Unicamp), 1994, p.49.

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A articulação das imagens não canônicas com os textos é

fundamental. Sobretudo porque as legendas que acompanham

as imagens, principalmente a dos livros didáticos, são,

descontadas raríssimas exceções, também estereotipadas e

canônicas. Aliás, não é por coincidência que a palavra legenda,

venha de legendum, originalmente, lenda, invenção. Noutros

termos, acredito que as imagens não canônicas são estratégias

para o conhecimento da história mas não substituem o suporte

escrito. Ao contrário do que se costuma dizer, a “imagem não

fala...por si só”. Penso aqui, nas imagens cruas, sem nenhum

comentário ou legenda. Tais imagens podem interessar,

impressionar, seduzir, comover e apaixonar, mas não podem

informar. O que nos informa são as palavras. Os historiadores

sabem disso quando lidam com arquivos audiovisuais e

encontram uma imagem sem data, sem menção de local ou de

autor – é uma imagem absolutamente inútil...3

As Avós da praça de Maio possuem uma trajetória de luta na busca por seus entes

queridos. Se tornaram “parte” da história argentina e principalmente em um ícone de

resistência, garra e determinação na busca de aproximadamente quatrocentos jovens(

segunda dados que cresceram com famílias que as adotaram ilegalmente durante a

ditadura e não sabem sua identidade até os dias de hoje.

“Nada detuvo a las Abuelas en la búsqueda de sus nietos:

hicieron trabajo de detectives; recorrieron juzgados y orfanatos;

recibieron y siguen recibiendo las denuncias que la sociedad lês

hace llegar; viajaron por los cinco continentes; se entrevistaron

con personalidades de todo el mundo, y nunca perdieron de

vista su objetivo. Para asegurar la validez de los análisis de

sangre implementaron un banco de datos genéticos, creado por

ley, donde están los mapas genéticos de las familias que tienen

niños desaparecidos. Hoy las Abuelas ya no están solas en su

búsqueda. Las acompaña buena parte del pueblo argentino que

entendió la profunda carga ética de su mensaje. Y también las

acompañan sus nietos, sus bisnietos y os jóvenes que tienen

dudas sobre su identidad y se acercan a ellas. Más de 400

jóvenes continúan viviendo con su identidad cambiada. Por

ellos y por los niños de las futuras generaciones trabajan las

Abuelas: para preservar su identidad, sus raíces y su historia”.4

3 CAPELATO, MORETTIN, NAPOLITANO, SALIBA (orgs.). História e Cinema: dimensões

históricas do audiovisual. São Paulo: Alameda, 2007. 4 Revista Abuelas de Plaza de Mayo. Abuelas 30 años (1977-2007)

http://www.abuelas.org.ar/material/documentos/revista_abuelas30.pdf. (Acesso em 31/05/2013)

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Na Argentina, o levantamento desses dados é realizado de forma expressiva pela

associação das Avós da Praça de Maio. São centenas de crianças roubadas que

atualmente vivem sem saber a verdade, mas o trabalho dessas mães e avós da Praça de

Maio, tem feito com que muitos cheguem a conhecer seus parentes de sangue.

“Os registros mantidos por esses grupos tornaram-se vitalmente

importantes após a queda do regime militar, tendo fornecido os

dados básicos para o relatório da Conadep5. Os protestos das

Mães da Praça de Maio forma, também, de importância vital,

simbolizando a resistência às atrocidades do regime e a

esperança de uma sociedade melhor no futuro.” (PEREIRA,

2010:204).

O filme acaba com Gaby cantando a seguinte canção:

“No país do não me lembro...

dou três passos e me perco...

Um passinho para trás

E não tenho nenhum mais

Um passinho para cá

Ai que medo que me dá

Percebemos na letra desta música, uma clara alusão desta obra ao tema central que é o

desaparecimento de pessoas durante a ditadura argentina e ao aspecto que analisamos

das Mães e Avós de Maio. Enfim, um país que esconde a “verdadeira” História Oficial

até hoje. Onde a elite dominante, militares e civis envolvidos no regime “fingem não se

lembrar das barbaridades e crimes cometidos.”

ANÁLISE DO CAPÍTULO DO LIVRO DIDÁTICO – DITADURA ARGENTINA

História – O Mundo por um fio: do século XX ao XXI. Vol. 3 – Ensino Médio. PNLD –

2012 / 2013 / 2014. Editora Saraiva. Ronaldo Vainfas, Sheila de Castro Faria, Jorge

Ferreira, Georgina dos Santos (orgs).

5 Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas.

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O Livro é dividido em três seções, a primeira seção é intitulada, Revoluções e Guerras

com oito capítulos. No capítulo 1, o tema é Brasil: a Primeira República. No capítulo 2,

é Brasil: República no ritmo de mudança. No capítulo 3, A Primeira Guerra Mundial e o

declínio da Europa. No capítulo 4, o tema é Da Revolução Russa ao Stalinismo. No

capítulo 5, Crises do entre guerras. No capítulo 6, Democracia em xeque: o fascismo e o

nazismo. No capítulo 7, A Segunda Guerra Mundial e no capítulo 8, Brasil: a República

nacional-estadista.

A segunda seção é intitulada Guerra Fria, Guerras Quentes e possui seis capítulos, do

capítulo nove ao quatorze. No capítulo 9 o tema é, Construindo rivalidades: o mundo

pós-guerra (1). No capítulo 10, Construindo rivalidades o mundo pós-guerra (2). No

capítulo 11, O Terceiro Mundo: África e Ásia. No capítulo 12, O Terceiro Mundo:

América Latina. No capítulo 13, O Brasil e a República democrática. No capítulo 14,

Brasil: a República dos generais.

A terceira seção intitulada Rumo ao Novo, possui quatro capítulos, vai do capítulo

quinze ao dezoito. No capítulo 15, o tema é Tempos de crise. No capítulo 16, O Brasil

da democracia. No capítulo 17, O colapso do comunismo e no capítulo 18, O novo

século.

Ps.: Cada capítulo possui tópicos com subtítulos abordando os assuntos mais

importantes de cada dentro do contexto do título de cada capítulo.

Nosso tema de análise está localizado na seção 2, capítulo O Terceiro Mundo: América

Latina, tópico 5 – Argentina dividida. O capítulo possui 4 páginas de texto (296-299)

e 2 intituladas – Roteiro de estudos (300-1)

O capítulo traz um resumo sobre o contexto histórico desde a posse de Juan

Domingos Peron na década de 1940 e vai até os anos 80 com a Guerra das

Malvinas e a posso de Raul Afonsin, início da redemocratização argentina.

Os autores utilizaram imagens para contextualizar os momentos políticos

abordados no capítulo. Imagens do discurso no retorno Peron, da posse do

General Videla em 1974 e das Mães da Praça de Maio em 1982.

Os autores apresentam uma seção na última página do capítulo (p.299),

intitulada, Conversa de Historiador – com o título, Terrorismo de Estado. Está

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seção é elaborada com citações do livro História contemporânea da Argentina de

Luis Alberto Romero. Essas citações se referem aos sequestros, torturas, prisões

e execuções do regime ditador. As citações contextualizam as informações

passadas no texto e deixam mais claras as práticas ilegais realizadas durante a

ditadura.

Nas páginas 300 e 301, temos o Roteiro de Estudos. Nesta seção um ponto

muito importante e pertinente é um quadro com o título Reflexões que explica o

conceito de ditadura e de democracia, explica suas diferenças (p.300). Os

autores propõem que os alunos façam um texto explicando as contraposições

entre ditadura e democracia.

Na página 301, os autores colocam 3 questões de vestibulares de universidades

renomadas, intituladas, Vamos testar?

CONCLUSÃO:

Analisando o livro didático, percebemos que os conteúdos apresentados sobre a

América Latina são muito resumidos. O texto foca apenas na figura de Peron para

trabalhar a ditadura argentina. Não faz uma contextualização econômica, política e

cultural do período da ditadura. O filme História Oficial poderia ser utilizado como uma

pesquisa ou um exercício a ser visto pelos alunos na seção Roteiro de Estudos. Esta

obra como uma representação da realidade pode e deve ser utilizada pelos professores

como um documento histórico junto com textos que reforcem e aprofundem os

processos políticos, econômicos e culturais ocorridos na ditadura argentina.

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BIBLIOGRAFIA

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