anais fnpj blumenau 2015 - iii fórum sul-brasileiro de professores de jornalismo

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ANAIS FNPJ Blumenau 2015 III Fórum Sul-Brasileiro de Professores de Jornalismo Número 1, v.1

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O objetivo da presente publicação é dar visibilidade as comunicações realizadas durante o III Fórum Sul-brasileiro de Professores de Jornalismo. Portanto, a ideia é que por meio de tal publicação seja possível proporcionar espaço de discussão e reflexão a respeito do ensino do jornalismo em âmbito regional, a partir das experiências de professores do jornalismo, pesquisadores do campo da comunicação, bem como profissionais da área.

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Page 1: ANAIS FNPJ Blumenau 2015 - III Fórum Sul-Brasileiro de Professores de Jornalismo

ANAIS FNPJ Blumenau 2015

III Fórum Sul-Brasileiro de Professores de Jornalismo

Número 1, v.1

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2 Expediente

Coordenadora geral do evento – Roseméri Laurindo Comissão avaliadora dos trabalhos submetidos no evento – Anamaria Teles, Alessandra Meinck e Roseméri Laurindo Coordenadores dos Grupos de trabalho Atividades de Extensão - Marcelo Engel Ensino de Ética e de Teorias do Jornalismo - Silvio Melatti Pesquisa na Graduação - Sandro Galarça Produção Laboratorial/Eletrônicos - Zaclis Veiga Produção Laboratorial/Impressos - Clarissa Josgrilberg Pereira Projetos Pedagógicos e Metodologias de Ensino - Roseméri Laurindo

Organização e edição dos anais do evento Roseméri Laurindo e Clarissa Josgrilberg Pereira

Universidade Regional de Blumenau R. Antônio da Veiga, 140 - Itoupava Seca, Blumenau - SC, 89012-900

47 3321-0631 Diretoria Executiva Presidente: Mirna Tonus (UFU) Vice-presidente: Marcelo Bronosky (UEPG) Secretaria-Geral: Edson Spenthof (UFG) Segundo Secretário: Paulo Roberto Botão (UNIMEP) Tesouraria: Sílvio Melatti (IELUSC) Segunda-Tesouraria: Wanderley Garcia (UNIMEP) Diretoria Científica: Demétrio de Azeredo Soster (UNISC) Vice-Diretoria Científica: Rogério Bazi (PUCCAMP) Diretor Editorial e de Comunicação: Gerson Luiz Martins (UFMS) Vice-Diretor Editorial e de Comunicação: Carlos d'Andréa (UFV) Diretor de Relações Institucionais: Juliano Carvalho (UNESP) Vice-Diretor de Relações Institucionais: Erivam de Oliveira (ESPM)

Programação do evento

Dia 7

19 horas - Conferência de abertura "Ensino de Jornalismo: novos currículos e impacto

profissional", com o prof. Dr. Rogério Christofoletti, da UFSC.

20 horas - Divulgação do modelo de estágio para Jornalismo pela presidente do Fórum Nacional

de Professores de Jornalismo (FNPJ), Mirna Tonus e Valci Zuculotto, da Federação Nacional

dos Jornalistas (FENAJ).

Dia 8 Manhã- Apresentação de trabalhos nos Grupos de Pesquisa Tarde- Mesa redonda - "Inep, Enade e a Comissão Assessora de Jornalismo"

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3

APRESENTAÇÃO

* Roseméri Laurindo

A Universidade Regional de Blumenau (FURB) sediou entre 7 e 8 de maio de 2015 a

terceira edição Fórum Sul-Brasileiro de Professores em Jornalismo, ligado ao Fórum

Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ). Esta publicação apresenta os anais do

evento.

Participaram membros da direção nacional do FNPJ, da Federação Nacional dos

Jornalistas (FENAJ) e da comissão de jornalistas do Instituto Nacional de Pesquisas

Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do Ministério da Educação. A edição anterior foi

realizada em Ponta Grossa (PR), em abril de 2013. Trata-se de um evento do calendário

acadêmico que visa proporcionar espaço de discussão e reflexão a respeito do ensino do

jornalismo em âmbito regional, a partir das experiências de professores do jornalismo,

pesquisadores do campo da comunicação, bem como profissionais da área.

A Universidade Regional de Blumenau inaugurou seu curso de Jornalismo em 2014 e ,

por isto, constituiu-se como primeira instituição de ensino superior no Brasil a criar de

raiz um curso sob as novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), homologadas

pelo Ministério da Educação em 2013. O Fórum Regional é realizado bienalmente,

intercalado com o Encontro Nacional de Professores de Jornalismo, permitindo que

regionalmente também sejam debatidos aspectos relevantes para o ensino brasileiro de

Jornalismo. É o encontro de profissionais, docentes e discentes da área para refletir,

trocar experiências e resultados de pesquisa sobre o ensino e a extensão na formação do

jornalista.

O Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ) surgiu em Campinas, em 1994,

no Seminário de Atualização para Professores de Jornalismo, promovido pelo

Labjor/Unicamp. O tema voltou à discussão em Piracicaba, no mesmo ano, durante o

Congresso da Intercom e no ano seguinte foi realizado o primeiro Encontro Nacional de

Professores de Jornalismo, em Aracaju (SE). Desde então, a comunidade acadêmica da

área de Jornalismo se encontrado anualmente nos eventos nacionais e regionais para

discutir o ensino do Jornalismo no Brasil.

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4

O objetivo da presente publicação, portanto, é proporcionar espaço de discussão e

reflexão a respeito do ensino do jornalismo em âmbito regional, a partir das

experiências de professores do jornalismo, pesquisadores do campo da comunicação,

bem como profissionais da área.

Para os cursos de Jornalismo cujos coordenadores e docentes encontram-se

periodicamente no FNPJ, o fórum é uma oportunidade única para compartilhar com os

pares de que modo suas experiências de ensino mobilizam práticas extensionistas e

projetos de pesquisa. Diferente de outros eventos acadêmicos, no FNPJ os professores,

pesquisadores e extensionistas fazem relatos e/ou comunicações nos mesmos GPs.

Acredita-se assim que a troca de experiências em mesmo espaço e tempo permitam

maior indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, em paralelo a outros

tradicionais eventos acadêmico-científicos que separam estas modalidades.

O tema de 2015 teve foco nas mudanças curriculares a partir das novas diretrizes

homologadas em 2013 pelo Ministério da Educação para o ensino de jornalismo e que

exigem grandes transformações nos projetos pedagógicos dos cursos no Brasil.

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Sumário

TEORIAS DO JORNALISMO (RELATO DE EXPERIÊNCIA) ...................................... 6

O papel da interdisciplinaridade da Comunicação e o fortalecimento das teorias nos cursos da

área................................................................................................................................. 7

O processo produtivo no jornal Diário dos Campos-PG: pistas para entender a política

editorial de um diário ..................................................................................................... 11

Da redação para a universidade: as teorias do jornalismo e o despertar de uma missão no

ensino ........................................................................................................................... 23

Adelmo Genro Filho e a pesquisa em Jornalismo no Brasil: um estudo de 411 artigos e

ensaios .......................................................................................................................... 27

Jornalismo de povos: o olhar para os desaparecimentos .................................................... 50

Teoria da Agenda na perspectiva de uma metodologia de pesquisa em Jornalismo ............. 85

METODOLOGIA DE ENSINO (RELATO DE EXPERIÊNCIA) ................................... 97

Formação acadêmica em jornalismo na cidade de Blumenau: o olhar de um acadêmico no

âmbito da aprendizagem................................................................................................. 98

Convergência tecnológica e desafios para o novo Projeto Pedagógico do Curso de Jornalismo

da UEPG..................................................................................................................... 106

O movimento “sala-rua” no ensino do jornalismo .......................................................... 111

O desafio de elaborar projetos de trabalho de conclusão no curso de Jornalismo da

UFMA/Imperatriz........................................................................................................ 117

Jornalismo e regionalidade: contribuição de dez anos do Ibes/Sociesc emBlumenau ........ 121

O Uso do Facebook em disciplinas no curso de Jornalismo ............................................. 137

GP PRODUÇÃO LABORATORIAL (RELATO DE EXPERIÊNCIA)......................... 141

Rotinas produtivas em formação: estratégia organizacional do jornal-laboratório Foca Livre

para 2015 .................................................................................................................... 142

O gênero telejornal: da teoria à produção....................................................................... 148

Fotografia e Educação na “era digital” ........................................................................... 154

O papel da pesquisa para desvirtuar a visão tecnicista sobre o ensino do Jornalismo Digital

................................................................................................................................... 161

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6

Teorias do Jornalismo (relato de experiência)

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O papel da interdisciplinaridade da Comunicação

e o fortalecimento das teorias nos cursos da área

Chirlei Kohls 1

Muito se fala sobre o princípio básico de que a comunicação é inerente à condição

humana. Um pouco mais além traça-se a importância do processo comunicacional para

a formação e organização das sociedades. Diante destas discussões iniciais sobre as

nuances de comunicar no seio social já pode-se perceber a fundamental abordagem da

comunicação nas salas de aula. Para ilustrar a questão da troca social e da educação

sobre a área, podemos exemplificar com o apontamento de Wolton (1999, p. 29): “A

comunicação é sempre a busca do outro e de uma partilha”.

Sobre a questão de partilha dos próprios conceitos de comunicação, primeiramente é

nítida a importância da já fundamentada exposição e discussão das teorias da

comunicação para os alunos dos primeiros semestres dos cursos relacionados à área,

como Jornalismo, Publicidade e Propaganda e Relações Públicas. Para assim fortalecer

tanto o que já foi estudado sobre o assunto como provocar alunos a compreenderem e

consequentemente aprofundarem as teorias.

Num segundo momento vem a importância do fortalecimento das discussões sobre a

comunicação nas diferentes áreas de conhecimento. Neste caso de relato de experiência,

os ensinos foram durante a disciplina Comunicação e Sociedade para a turma do quinto

semestre de Engenharia Química da Universidade Regional de Blumenau (Furb),

durante o segundo semestre do ano de 2014.

A abordagem está diretamente ligada à formação de estudantes e cidadãos com uma

visão mais ampla e crítica das técnicas – aqui podemos refletir sobre as diversas

1Mestranda em Comunicação pela Universidade Federal do Paraná - UFPR. Possui pós-

graduação com especialização em Novas Mídias, Rádio e TV pela Universidade Regional de Blumenau - Furb e graduação em Jornalismo pelo Instituto Blumenauense de Ensino Superior - Ibes/Sociedade Educacional de Santa Catarina - Sociesc. Contato: [email protected]

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criações de métodos humanos, com foco para as interações comunicacionais – usadas

pela sociedade na qual estão inseridos. Deixando claro que a base das teorias é da

comunicação, que sim se somam a diferentes estudos e áreas, mas que como aponta

Martino (2007, p. 31) deve ter sua definição clara e crítica no seu campo de abordagem:

Um apanhado de teorias oriundas de diferentes domínios de saber não pode significar a mesma coisa que uma disciplina específica, justamente porque não pode atingir o estado onde o todo passa a funcionar como sistema, e não como uma simples somatória de dados isolados. É somente aí neste último, onde aparecem as relações de contradição e complementação, de modo que as teorias passam a ser regularmente reunidas, confrontadas e harmonizadas (Grifo do autor).

Com a definição específica e clara de que os estudos são de teorias da comunicação e

não sobre a comunicação, como abordam diferentes áreas e ainda referenciando Martino

(2007), podemos estimular os estudantes a pensarem como estão relacionados na

atualidade com a comunicação. A relação e resposta dos alunos diante da comunicação

é reforçada com as novas tecnologias e mídias, principalmente redes sociais. Como

aponta Silverstone (2002, p. 150), o consumo e a mediação cercam o jeito de agir e

viver das pessoas:

Com efeito, consumo e mediação são, em inúmeros aspectos, fundamentalmente interdependentes. Consumimos a mídia. Consumimos pela mídia. Aprendemos como e o que consumir pela mídia. Somos persuadidos a consumir pela mídia. A mídia, não é exagero dizer, nos consome. [...] o consumo é, ele mesmo, uma forma de mediação, à medida que os valores e significados dados de objetos e serviços são traduzidos e transformados nas linguagens do privado, do pessoal, do particular.

O contato com o conhecimento sobre os conceitos básicos de comunicação também

reflete em estudantes mais preparados tanto para o mercado como para o convívio social

e inclusive para pesquisas e produções científicas. Este argumento consolida-se com

reflexões feitas em sala de aula sobre como a comunicação cerca o dia a dia dos

estudantes e como eles atuam e reagem diante dela. Esta percepção auxilia no próprio

entendimento da importância da comunicação nas diferentes áreas de conhecimento.

Wolton (1999, p. 24) ilustra o êxito atual da comunicação:

Por que é que a comunicação tem hoje um êxito tão grande? Sem dúvida porque as técnicas libertam o homem das condicionantes

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9 ancestrais do tempo e do espaço, permitindo-lhe ver, falar e estabelecer um intercâmbio com todas as partes do planeta, todos os dias, permanentemente. Mas, antes de mais, porque essas técnicas amplificam a comunicação, necessidade antropológica fundamental e, principalmente, símbolo da modernidade.

Os conceitos foram reforçados em sala com aprofundamento de textos, produção de

resenhas, debates, além das aulas expositivas. Como trabalho de final de semestre, os

alunos criaram um processo químico ou produto novo e trabalharam a melhor forma de

comunicar as ideias, com base no que foi estudado durante o semestre. As apresentações

contaram com a participação de profissionais da área.

Visitas técnicas também são importantes para que o aluno perceba a relação da teoria

com a prática e para o estímulo da compreensão mais ampla sobre o assunto estudado.

Os alunos visitaram as instalações do Jornal de Santa Catarina, em Blumenau (SC),

percebendo alguns conceitos trabalhados em sala de aula e aproximando a realidade de

comunicação do dia a dia deles, além de relacionarem como a Engenharia Química está

inserida neste processo do fazer comunicacional mais na etapa final, como neste caso a

impressão do jornal.

Antes do início das aulas, alguns professores da universidade relatavam que os

estudantes tinham certa resistência com as disciplinas de eixo geral, neste caso a de

Comunicação e Sociedade. Além das atuações e abordagens durante os estudos citadas

até aqui, a questão da proximidade também auxiliou para desmistificar a visão dos

alunos em relação a cursar disciplinas de eixo geral.

Durante as aulas, muitas vezes relacionamos exemplos de comunicação com a área de

atuação dos estudantes, fortalecendo a importância da conexão e conversa entre as

ciências exatas e humanas. Além de casos de vivência cotidiana dos alunos, como o uso

das tecnologias e das trocas e interações midiáticas que eles têm diante da realidade do

mundo virtual. Martín-Barbero (2014, p. 78) esclarece a relação entre comunicar e

educar:

Se comunicar é compartilhar a significação, participar é compartilhar a ação. A educação seria, então, o lugar decisivo de seu entrecruzamento. Mas para isso deverá se converter no espaço de conversação dos saberes e narrativas que configuram as oralidades, as literalidades e as visualidades. Pois as mestiçagens que entre elas se

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10 tramam é de onde se vislumbra e se expressa, ganha corpo o futuro. (Grifo do autor)

Como citado anteriormente, as atividades auxiliam à formação mais crítica do aluno.

Por outro lado, também há um estímulo à cidadania durante as abordagens teóricas e,

por que não, práticas. Durante o semestre os alunos foram orientados a produzir

programetes de rádio para o programa de extensão da Furb denominado Informação e

Cidadania.

Os estudantes gravaram os programetes de um minuto no laboratório de áudio da Furb e

os temas foram relacionados à cidadania e Engenharia Química. Todos os trabalhos

feitos pelos alunos foram selecionados pela coordenação e produção do projeto para

serem veiculados em rádios comunitárias de Blumenau.

Como bem enaltece Orozco Gómez (2014, p. 96) sobre a relação da comunicação,

cidadania e educação: “[...] a cidadania comunicativa é relevante, deve ser

imprescindivelmente tratada a partir da educação como um dos objetos mais preciosos

da formação humana e democrática na atualidade”.

Ao final do semestre, os próprios estudantes de Engenharia Química reconheceram a

importância do estudo da comunicação em sua área de atuação. Conforme relatos dos

próprios alunos, em outras palavras, as atividades e discussões ajudarão tanto para

atuação no mercado como para a preparação para futuras disciplinas no curso. Um dos

estudantes inclusive pontuou que a disciplina Comunicação e Sociedade poderia ser

oferecida no início do curso para auxiliar e dar suporte ao longo dos outros estudos.

Referências

MARTINO, L. C. . Existem Teorias da Comunicação?. In: INTERCOM 2007 - XXX

Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2007, Santos. Anais do XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. São Paulo: Intercom, 2007.

OROZCO GÓMEZ, Guillermo. Educomunicação: recepção midiática, aprendizagens e cidadania. São Paulo: Paulinas, 2014.

SILVERSTONE; Roger. Por que estudar a mídia? São Paulo: Edições Loyola, 2002.

WOLTON, Dominique. Pensar a Comunicação. Portugal: Difusão Editorial S.A., 1999.

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O processo produtivo no jornal Diário dos Campos -PG:

pistas para entender a política editorial de um diário

Cíntia Xavier2

Kamila Vintureli Felicio3

Resumo: O presente artigo é parte do estudo que busca compreender como são os processos produtivos de um jornal diário e pretende descrever aspectos da política

editorial de tal periódico. Para o trabalho foi realizada uma descrição dos momentos de produção jornalística orientada pelos dados recolhidos da observação da rotina jornalística do jornal. Uma das tentativas de cercar a manifestação da política editorial

foi pela reunião de pauta. A base para a interpretação metodológica e conceitual vem do grupo de pesquisa Lógicas de Produção e Consumo no Jornalismo4. Considera-se que a

produção jornalística possui características de linha de montagem5, determinada pela divisão do trabalho, pelo tempo e pela organização hierárquica que se impõe na redação. Outra característica do processo de produção noticioso é o modelo empresarial, e a

compreensão sobre o profissionalismo que envolve o jornalista. Estas marcas, ao serem consideradas no processo produtivo ajudam a compor a política editorial. Tais

distinções sobre o processo de produção demonstram que a publicação de notícias é complexa.

Palavras-chave: Pauta; rotina produtiva; política editorial.

Introdução

A política editorial de um jornal combina uma série de normas e padrões que devem ser

seguidos, para que, ao final do período o material publicado esteja em conformidade com os

preceitos predeterminados pela organização jornalística. Nas observações sobre a produção

jornalística existem autores que vão demonstrar como alguns elementos da política editorial

transparecem nas ações elementares dos afazeres do cotidiano do jornal. “A orientação de um

2Professora da graduação em Jornalismo e do Mestrado em Jornalismo da UEPG.

[email protected]

3Graduanda em Jornalismo pela UEPG. Bolsista de Iniciação Científica da Fundação Araucária.

[email protected]

4O grupo de pesquisa Lógicas de Produção e Consumo no Jornalismo foi criado em 2010, agrega aluno

da graduação em Jornalismo, na maioria vinculados à iniciação científica, professores da graduação em

Jornalismo. A partir de março de 2013 os estudantes da pós -graduação em Jornalismo passaram a

desenvolver atividades de pesquisa junto ao grupo.

5“Linha de montagem dinâmica” desenvolvida por Henry Ford, na década de 1920 para a produção de

automóveis.

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12 jornal pode ser a favor dos republicanos, fria com os trabalhadores, contrários aos Conselhos de

Administração Escolar, etc.” (BREED, 1993, p.153).

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Tal política editorial do veículo nem sempre está divulgada para a comunidade de

leitores. Mas os preceitos que normatizam a produção de notícia estão implícitos no

cotidiano das redações. “Todos, com a exceção dos novos, sabem qual é a política

editorial. Quando interrogados, respondem que a aprendem “por osmose”” (BREED,

1993, p.155).

Outro lugar que pode conter alguma manifestação da política editorial do jornal é o

manual de redação. Em geral, as empresas jornalísticas que o tem, manifestam seus

preceitos e aspectos gerais para a publicação de notícias nos manuais de redação. Em

muitos casos as pesquisas sobre os manuais tendem a pensar que estes seriam “como

espelho das políticas editorias e técnicas das empresas” (BRONOSKY, 2010, p. 15).

Embora esteja, por vezes, explicitada nos manuais, ou descrita em algumas informações

no expediente, ou mesmo no seu editorial, o jornal manifesta a concepção que tem sobre

como produzir notícia no próprio processo de confecção do jornal. O que será

manchete, quais os sujeitos que podem, devem ou não devem ser ouvidos, por exemplo,

são também revelações importantes sobre política que o jornal segue para suas edições.

Sobre a pesquisa de campo cabe ressaltar que entender como a notícia é processada

ajuda a perceber e conceituar a produção da notícia. “A preocupação central do

newsmaking são as articulações, conexões e relações existentes entre a cultura

profissional dos jornalistas, a organização do trabalho e dos processos produtivos”

(VIZEU, 2007, p.223). Para fazer a pesquisa as técnicas de pesquisa utilizadas giram em

torno da observação participante, e do que Vizeu (2007) chama de etnojornalismo.

Na falta de um conceito mais efetivo para darmos da observação participantes no dia-a-dia das redações propomos a noção provisória de etnojornalismo, observação sobre as práticas jornalísticas que resultam num

produto chamado de notícia (VIZEU, 2007, p.234).

Há muitas críticas ao modelo de pesquisa que tenta identificar premissas do trabalho

jornalístico a partir do trabalho de campo, com a associação de ferramentas da

etnografia, observação participante. Entre elas estaria a falta de rigor metodológico e a

subjetividade dos dados recolhidos.

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Ao tentar encontrar elementos da política editorial de um jornal fica mais nítida (o que

não exclui outras estratégias) que o observar diretamente o processo produtivo traz

informações sobre os princípios nem sempre divulgados pelo jornal. “Um método que

se fundamenta em uma experiência de campo visceral, pautada pela observação do

pequeno, do cotidiano, da totalidade, que tem intensas implicações na constituição do

ethos antropológico” (LAGO, 2007, p. 54-55).

O presente artigo pretende trazer algum debate a partir dos discursos produzidos sobre a

política editorial e identificar no modo de produção como transparece tais elementos da

política na produção noticiosa do Diário dos Campos. Para tanto, faz incursões sobre

conceitos e teóricos (BREED; BORRAT; SOLOSKI; BRONOSKY), sobre alguns

manuais de redação (Folha de S. Paulo; Estado de S. Paulo; EBC) e por fim, via

pesquisa de campo, recolhe algumas premissas da rotina produtiva do Diário dos

Campos.

O preceito e a realidade – o que defendem manuais e editoriais

Sobre a política editorial alguns manuais de redação identificam e oferecem a prescrição

de como deve ser a atuação aos jornalistas e editores da empresa. No caso da Folha de

S. Paulo está expresso no manual de redação: “A Folha estabelece como premissa de

sua linha editorial a busca por um jornalismo crítico, apartidário e pluralista” (Manual

da Folha6, 2015).

Ainda no Manual de Redação a Folha defende o pluralismo para além de buscar apenas

“o outro lado”. O discurso adotado pelo manual é sofisticado e demonstra que para os

produtores do projeto editorial a produção de notícias é um processo complexo e

construtor de realidade.

O pluralismo, apequenado muitas vezes na auscultação meramente formal do "outro lado" da notícia, deveria renovar-se na busca de uma compreensão mais autêntica das várias facetas implicadas no episódio jornalístico. Mesmo a atitude apartidária, que veda alinhamentos automáticos e obriga a um

6 http://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/projeto_editorial.htm. Acesso em: 08/04/2015.

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tratamento distanciado em relação às correntes de interesse que atuam sobre os fatos, não pode servir de álibi para uma neutralidade acomodada, quando não satisfeita em hostilizar por hostilizar (MANUAL da Folha, 2015).

Em alguns aspectos as linhas acima chegam a justificar a própria postura editorial do

veículo, que defende um discurso plural e apartidário, mas que em alguns momentos

deixa transparecer a defesa de interesses partidários.

Sobre o Estado de S. Paulo e sua política editorial é possível identificar o manual como

prescrição de conduta dos repórteres e editores. O caráter impositivo (com o verbo no

modo imperativo7) do texto reforça que o manual é normativo para a redação,

repórteres, editores e chefes de redação.

-Lembre-se de que o jornal expõe diariamente suas opiniões nos editoriais, dispensando comentários no material noticioso. As únicas exceções possíveis: textos especiais assinados, em que se permitirá ao autor manifestar seus pontos de vista, e matérias interpretativas, em que o jornalista deverá registrar versões diferentes de um mesmo fato ou conduzir a notícia segundo linhas de raciocínio definidas com base em dados fornecidos por fontes de informação não necessariamente expressas no texto (Manual do Estado

8,

2015).

No caso da Empresa Brasileira de Comunicação o presidente da empresa na

apresentação do Manual expõe alguns preceitos e normas de empresa, defendendo a

precisão, a clareza, o combate aos preconceitos como princípios para o exercício do

jornalismo na EBC.

Mais do que um conjunto de regras e normas de comportamento, trata-se de um compromisso social da empresa e seus jornalistas com a busca da verdade, com a precisão, com a clareza, com o respeito aos fatos e aos direitos humanos, com o combate aos preconceitos, com a democracia e com a diversidade de opiniões e de pontos de vista. Esses são os princípios fundamentais que guiam o trabalho cotidiano do Jornalismo da EBC para merecer, sempre, a confiança da sociedade brasileira (BREVE, 2013, p.8).

O Diário dos Campos não possui manual de redação, nem mesmo em sua página na

internet oferece alguma descrição sobre os princípios que norteiam a confecção do

jornal. A única informação sobre os preceitos de produção editorial foram trazidos por

José Renan Valim (2011) a partir de um editorial publicado em outubro de 1999. O

7Modo Imperativo – é aquele que indica ordem, pedido, súplica, conselho. (PASCHOALIN, Maria A.

SP: FTD, 2010.

8 http://www.estadao.com.br/manualredacao/gerais . Acesso em: 09/04/2015.

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autor pesquisou os editoriais do Diário dos Campos, na pesquisa descreve que o jornal

defende a partir de um dos editoriais que há preocupação pelo jornalismo

contemporâneo (defendendo a independência, proximidade do público, se posicionando

contra o sensacionalismo e tendenciosidade) e profissionalismo.

(…) o DC conseguiu cativar fontes e apresentar uma nova abordagem jornalística. Um dos compromissos foi evitar o sensacionalismo e a tendenciosidade nas matérias. E o resultado foi imediato. O aumento no número de leitores e pessoas que procuram a redação do jornal diariamente acontece em proporções animadoras. (…) O 'DC nos Bairros', apresentado no último sábado, foi apenas uma amostra das inovações em estudo com o objetivo de buscar uma aproximação maior com o leitor. Em 30 dias de circulação, o jornal se empenhou em mostrar ao público sua independência em relação a grupos políticos ou econômicos. (Editorial apud VALIM, 2011, p.46)

As informações apresentadas acima demonstram que os jornais se preocupam em

oferecer uma imagem ao público leitor ao publicizarem seus princípios. Em O periódico

como ator político, Borrat (1989) salienta que os jornais procuram oferecer uma boa

imagem do trabalho que realizam, mas que nem sempre são de fato o que executam em

suas práticas cotidianas. “La imagen que el periódico quiere dar públicamente de sí

mismo no tiene por qué coincidir necesariamente con la que él se reconoce ante sí

mismo. Es una imagen embellecida, ejemplar, edificante9” (BORRAT, 1989, p. 32).

A citação acima sugere que em muitos casos a prática cotidiana dos jornais trabalha

menos com princípios nobres e mais com os interesses empresariais. Na descrição sobre

a reunião de pauta há indícios de como a prática acaba privilegiando os interesses dos

anunciantes, ou das fontes mais influentes.

A escolha das fontes também pode ser outro elemento norteador do jornal. Quem fala e

quem não fala para o jornal. Quem são os indicados pela chefia de redação para serem

entrevistados fornecem informações de como o jornal define o que é e o que não é

notícia.

9 A imagem que o jornal quer dar publicamente de si mesmo não tem porque coincidir

necessariamente com a que reconhece de si mesmo. É uma imagem embelezada, exemplar e edificante.

(tradução livre das autoras)

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A reunião de pauta como manifestação da política editorial

As reuniões de pauta, no DC, tinham sido extintas em 2012, o objetivo naquele

momento era economizar o tempo gasto nas reuniões, além de relativizar a dificuldade

de reunir a equipe que chegava em momentos diferentes à redação.

Atualmente, não há reunião de pauta, pois todos os jornalistas devem cumprir a carga horária de trabalho de cinco horas por dia. Até o mês de abril de 2012 havia a reunião com a chefe, os repórteres e os fotógrafos, com início às 13h30. Os repórteres permaneciam na redação até fecharem a editoria responsável e acompanhavam a diagramação, no máximo até às 21h. Atualmente, como os repórteres chegam em horários diferentes impossibilita a reunião de pauta em conjunto. A chefe inicia o trabalho às 13h30, e geralmente, finaliza às 21h30. Os repórteres também chegam às 13h30 e devem terminar o expediente às 18:30 (ONAGA, 2012, p. 42).

As linhas que seguem descrevem uma reunião de pauta do Diário dos Campos. As

reuniões voltaram a fazer parte do cotidiano do jornal em 2014. Na rotina do jornal

Diário dos Campos, quatro dos seis repórteres chegam todos os dias 13h30, assim como

a chefe de redação e uma estagiária. Os outros dois repórteres chegam mais tarde, um

fica na Câmara Municipal da cidade até 14h30 para observar o que lá acontece e buscar

pautas e o outro fica até mais tarde na redação, por isso a diferença.

Quando chegam no jornal, às 13h30, os repórteres vão diretamente para seus

computadores checar seus emails em busca de pautas. É nítida a pressa que eles tem

para aproveitar cada minuto em busca de emails com informações que gerem possíveis

notícias. A reunião de pauta acontece no Diário dos Campos acontece diariamente às

13h45, com exceção dos sábados, onde não há reunião de pauta.

A reunião que fará parte da presente descrição é a que ocorreu no dia 03 de dezembro

de 2014. Nesse dia, os repórteres correram abrir seus emails em busca de pautas, mas

não tiveram tempo suficiente para encontrar informações relevantes e todos eles

relataram esse “problema” durante a reunião para a chefe de redação como uma das

justificativas para não terem muitas pautas.

A reunião de pauta é realizada em uma sala ao lado da redação, em uma mesa oval com

várias cadeiras. Não foi observado nenhum tipo de hierarquia. No dia em questão, a

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chefe de redação não sentou no centro da mesa, mas em um canto. Quem escolheu o

centro foi a repórter de Esportes, mas não pareceu algo pensado e sim automático.

A primeira a falar durante a reunião foi a repórter de Economia e que naquele dia estava

responsável pela editoria de Geral. A primeira pauta que sugeriu foi a palestra com

Mark Neeleman (Co-fundador da Azul Linhas Aéreas), que falaria sobre sua trajetória

profissional e sua vida nas empresas que trabalhou. A chefe aceitou. Também sugeriu

uma pauta para a editoria de geral sobre a München Fest, com os shows da noite

passada e os que aconteceriam nos dias seguintes, além do escândalo na Petrobrás. No

caso da matéria sobre a Petrobrás, a repórter já alertou que seria material vindo de

Curitiba para publicação.

Todas esses conteúdos entraram no jornal do dia seguinte. A matéria sobre a palestra

com Mark Neeleman contou com chamada de capa e apareceu na página de Economia

com o título “Co-fundador da Azul faz palestra em Ponta Grossa”. A matéria sobre o

escândalo na Petrobrás não teve chamada na capa, aparecendo somente na página de

Política. A cobertura da München Fest apareceu com destaque na capa do jornal do dia

seguinte, com matérias no caderno social do Diário dos Campos (conforme a imagem

da capa do jornal do dia 04 de dezembro de 2014).

Capa do Jornal Diário dos Campos (04/12/2014)

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19

Quem falou em seguida foi o repórter de Polícia. Ele também disse que não teve tempo

de checar todos os seus emails em busca de novas pautas. Pergunta se poderiam

publicar um material recebido da assessoria do grupo Mercado Móveis e a chefe libera.

A repórter de Esportes falou em seguida. Sua pauta era a preparação do Operário

Ferroviário para o paranaense de 2015. A chefe liberou a pauta. Depois da reunião, ela

disse que dava total liberdade para a repórter de Esportes para escolher as pautas, pois

não entendia nada da área.

Em seguida, foi a vez da repórter de cidade expor suas pautas. Ela tentaria fazer uma

entrevista com um morador chamado Thiaguinho e queria falar sobre o abandono do

Centro Agropecuário, mas essa pauta não foi aceita. A editora derrubou a matéria

porque não seria possível acessar o local durante a München Fest.

No final da reunião, a editora mostra preocupação pela escassez de pautas no fim de

ano. Além disso, cobrou a realização de uma matéria antiga, pauta enviada por leitor

sobre o Terminal de Uvaranas (a pauta não foi realizada, não saiu no jornal do dia

seguinte).

Durante a reunião, a chefe de redação não deu nenhuma orientação de enquadramento,

possíveis fontes ou algo do tipo. Todas essas orientações eram dadas por ela, quando

solicitadas, durante o dia, durante a produção. A reunião de pauta do dia 03 de

dezembro de 2014 durou 23 minutos.

Reunião de pauta e editorial fornecem pistas sobre a política editorial

Ao observar a conduta dos repórteres e da chefe de redação no momento da reunião de

pauta podemos fazer alguns questionamentos. Entre eles que há uma tendência de

autorizar rapidamente o material que vem de anunciantes, grandes empresas ou fontes

com grau de influência na concepção do jornal. Ou mesmo de potenciais anunciantes

como seria o caso da Azul Linhas Aéreas, no momento que o pesquisador fazia a

observação no jornal a empresa estava estudando a possibilidade de ofertar voos diários

partindo de Ponta Grossa. Outra empresa que é citada nominalmente durante a reunião é

o Mercado Móveis.

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20

A chefe de redação ao questionar e superar a pauta do abandono do Centro

Agropecuário em virtude da realização da München Fest, deixa em aberto a hipótese de

que a falta de interesse pela pauta pudesse estar associada a falta de uma fonte melhor

qualificada. A repórter traz a informação de que o morador Thiaguinho teria sugerido a

pauta. Teria algum efeito diferente se o pedido tivesse vindo de outra fonte?

Dentro da redação existem diversos momentos em que a política editorial transparece.

Na literatura as normas profissionais são parte do processo de controle das redações. “A

posição da organização no mercado está diretamente ligada à sua capacidade de manter

a integridade da sua operação jornalística” (SOLOSKI, 1993, p. 96). Transparecer

isonomia ao tratar os assuntos no jornal garante credibilidade ao jornal. “Se as notícias

fossem relatadas de uma maneira abertamente política ou ideológica, o mercado estaria

pronto para a concorrência das organizações jornalísticas que detém pontos de vista

políticos ou ideológicos opostos” (SOLOSKI, 1993, p. 96).

Por fim, a reunião de pauta pode ser um momento de reforço da conduta adotada pelo

jornal. O controle editorial passa também pelo debate em grupo do que é pauta ou não

para a empresa. Não é a política editorial publicizada nos manuais, mas aquela que

impera como norma de conduta propriamente.

Outro ponto de contato com os executivos é a conferência noticiosa (raramente assim denominada nos jornais de media tiragem), onde os staffers delineiam as suas descobertas e os executivos discutem que forma dar a notícia. A conferência típica tem lugar entre duas pessoas, o repórter e o editor da seção local, e não ultrapassa mais de meia dúzia de palavras (BREED, 1993, p.156).

A conferência noticiosa que faz referência Breed (1993) é a reunião de pauta. Na

descrição do autor tal evento não dura muito, pois é preciso que os repórteres iniciem

rapidamente o trabalho de apuração. No relato, a reunião de pauta aqui apresentada, teve

a duração de 23 minutos. Tal informação confirma a necessidade de resolução e tomada

rápida de decisões. Há a possibilidade de alguns a interpretarem o período de duração

da reunião de pauta longo demais, comprometendo o processo produtivo do jornal.

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Mas na reunião de pauta a cultura e a posição política do jornal são indicadas. “É

importante salientar que a opinião política não é expressa explicitamente, nem nessas

reuniões nem noutro lado qualquer, salvo raras exceções”(BREED, 1993, p.156).

Os chefes de redação e o proprietário do jornal mesmo em situações internas do jornal

não vão explicitar a escolha de determinadas pautas, temas ou fontes. Normalmente se

perguntados vão tratar de defender que os assuntos apresentados tinham interesses

jornalísticos e não meramente comerciais. O jornal se pauta por interesses jornalísticos e

pela pluralidade de fontes, mas não se furta a trabalhar e favorecer temas que possam

beneficiá-los na perspectiva comercial.

Referências

BORRAT, Héctor. El periódico, actor político. Ed. Gustavo Gilli: Barcelona, 1989. BREED, Warren. Controlo social na redação. Uma análise funcional. IN: TRAQUINA,

Nelson. Jornalismo: Questões, teorias e “estórias”. Lisboa : Vega, 1993.

BREVE, Nelson. Somente a verdade. Manual de Redação da Empresa Brasileira de Comunicação. Disponível em: http://www.ebc.com.br/sites/default/files/manual_de_jornalismo_ebc.pdf. Acesso em:

09/04/2015.

BRONOSKY, Marcelo Engel. Manuais de redação e jornalistas: estratégias de apropriação. Ponta Grossa: Editora UEPG, 2010.

LAGO, Cláudia. Antropologia e jornalismo: uma questão de método. IN: LAGO, Claudia; BENETTI, Marcia. Metodologia de pesquisa em jornalismo. São Paulo: Ed.

Vozes, 2007. Manual de Redação da Empresa Brasileira de Comunicação. Disponível em:

http://www.ebc.com.br/sites/default/files/manual_de_jornalismo_ebc.pdf. Acesso em: 09/04/2015.

Manual de Redação do Estado de São Paulo: Disponível em: http://www.estadao.com.br/manualredacao/gerais. Acesso em: 09/04/2015.

Manual Redação da Folha de São Paulo. Disponível em:

http://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/projeto_editorial.htm . Acesso em: 08/04/2015.

ONAGA, Carla. Critérios de noticiabilidade presentes na rotina produtiva do jornal Diário Dos Campos – Ponta Grossa/ PR. Monografia apresentada para conclusão do curso de Jornalismo – UEPG, 2012.

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SOLOSKI, John. O jornalismo e o profissionalismo: alguns constrangimentos no trabalho jornalístico. IN: TRAQUINA, Nelson. Jornalismo: Questões, teorias e

“estórias”. Lisboa: Vega, 1993. VALIM, José Renan. A voz do jornal: análise dos editoriais do Diário dos Campos

(1990-2011). Monografia apresentada para conclusão do curso de Jornalismo (UEPG). Ponta Grossa, 2011.

VIZEU, Alfredo. O Newsmaking e o trabalho de campo. IN: LAGO, Claudia; BENETTI, Marcia. Metodologia de pesquisa em jornalismo. Ed. Vozes: São Paulo,

2007.

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Da redação para a universidade: as teorias do jornalismo

e o despertar de uma missão no ensino

Sicilia Vechi Gonçalves10(FURB)

Palavras-chave: teorias do jornalismo, redação, universidade, ensino

Uma inquietação sobre o futuro da informação jornalística como forma de produção de

conhecimento me tomou, há alguns anos. Da minha cadeira de editora em um jornal

diário, decidi que somente estudando poderia lidar com o turbilhão das transformações

no jornalismo a partir da internet. Para a minha motivação, posso expor uma coletânea

de argumentos, entre eles a explosão da participação dos leitores nas redes sociais, a

pressa que teimava em suplantar a apuração da reportagem, o entretenimento promovido

à capa e o cenário da redação que envolvia dezenas de jornalistas e centenas de dúvidas,

da rotina ao futuro da profissão. Foi assim que a prática do jornalismo levou-me à busca

da teoria e de novas pesquisas que não desprezassem a essência do jornalismo, mas que

me revelassem por onde ela andava nesses dias.

Vejo-me num sábado de manhã em 2012, segurando um copo de café preto para aplacar

os efeitos do plantão da madrugada no jornal, assistindo às aulas da pós-graduação em

gestão editorial. O aprendizado me fez despertar para o fato de que a grande

preocupação das empresas jornalísticas é encontrar novos formatos para as redações,

para as publicações e para o financiamento dos negócios.

Dentro da redação, vivenciei a sucessiva (e inevitável) quebra de paradigmas deixando

profissionais desnorteados, diante de uma atuação cada vez mais operacional, ligada a

uma realidade multimídia e multitarefa, hoje comum ao mercado jornalístico brasileiro.

Por outro lado, eu também via muitos jornalistas compreenderem o quanto a avalanche

informativa das redes sociais e o fim da hegemonia do jornalismo na seleção e oferta de

conteúdos poderiam nos impulsionar a novos rumos em direção ao fazer jornalístico, à

10 A autora é graduada em jornalismo pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) e especialista em Gestão Editorial pela Universidade Tuiuti do Paraná. Desde 2003, atuou como repórter, chefe de reportagem, editora assistente, editora de Geral e de produção nas redações dos jornais Município Dia a Dia, Jornal de Santa Catarina, Hora de Santa Catarina e Diário Catarinense. Hoje atua como assessora de imprensa na área de Tecnologia da Informação e leciona Teorias do Jornalismo na Universidade de Blumenau (FURB). [email protected]

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produção de conhecimento. Dos muitos desafios impostos à profissão de jornalista nos

dias de hoje, compreendi que a pesquisa nessa direção deve ser a minha busca

profissional daqui em diante: o jornalismo como produção de conhecimento.

O capítulo seguinte da minha busca levou-me ao encontro com a universidade. Alguns

meses após deixar a redação de um jornal, em 2014, e tendo iniciado o trabalho como

assessora de imprensa na área de tecnologia e inovação passei a considerar a

possibilidade de compartilhar minhas experiências e anseios dando aulas na graduação

em jornalismo. Percebi que essa seria uma oportunidade de levar às turmas uma

vivência muito recente da redação e de estimular os alunos a projetarem novos

caminhos em um cenário jornalístico que se transforma e aceita novas ideias.

Ocorre que minha expectativa envolvia ministrar uma disciplina de aproximação mais

evidente com o mercado, envolvendo a produção do texto jornalístico ou o contexto de

uma redação de jornal. Mas a abertura do concurso para professor substituto da

Universidade de Blumenau, em novembro de 2014, mostrou-me outra opção. De quatro

disciplinas ofertadas no processo de seleção, a ementa e o objetivo de Teorias do

Jornalismo me atraíram de imediato. Diz o objetivo da disciplina:

“Ampliar a compreensão do jornalismo na contemporaneidade por meio do estudo de diversas teorias que tentam explicá-lo e compreendê-lo e promover uma reflexão sobre a prática e as técnicas do jornalismo, rediscutindo conceitos como imparcialidade e objetividade.”

11

Mais tarde, nos primeiros dias de preparação para a prova didática do concurso, achei as

palavras do professor Nelson Traquina, que evidenciaram ainda mais a minha

identificação com os estudos das Teorias do Jornalismo, considerando a

responsabilidade que atribuo ao campo do conhecimento e à própria profissão:

“No entanto, o jornalismo é demasiadas vezes reduzido ao domínio técnico de uma linguagem e seus formatos, e os jornalistas, reduzidos a meros empregados, trabalhadores numa fábrica de notícias. (...) que há muito mais no jornalismo, para além do domínio das técnicas jornalísticas, e que os jornalistas fazem parte de uma profissão, talvez uma das profissões mais difíceis e com maiores responsabilidades sociais.” (TRAQUINA, 2012)

11

Disponível em: http://www.furb.br/web/upl/graduacao/ementa/201402121128380.Jornalismo%20Matutino.PDF

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Após a etapa de seleção e a minha aprovação para assumir a disciplina, passei por

alguns meses de imersão, relendo clássicos da comunicação e procurando referências

recentes, atitudes urgentes a quem conhece a prática, mas precisa saber o porquê das

coisas. Essa etapa de planejamento e seleção de referências rendeu-me vários episódios

de insight diante dos livros, sozinha na sala de minha casa ou na biblioteca da

Universidade Federal de Santa Catarina, onde me refugio por residir em Florianópolis.

Uma das reflexões deu-se diante das características essenciais do jornalismo designadas

por Otto Groth (2011), diante das quais me ocorriam exemplos em profusão de como a

web vem movimentando as estruturas até mesmo as bases mais sólidas da pesquisa. No

caso das quatro características da essência do jornalismo, pode-se dizer que as

transformações alcançaram:

1. A periodicidade – imprimindo o fluxo informativo contínuo como o ideal, o

tempo real, e exigindo dos veículos de comunicação uma revisão de perfil dos

conteúdos de publicação apenas diária.

2. A publicidade – abrindo a possibilidade de acesso a leitores de todo o mundo, e

potencializando a divulgação das notícias por meio de buscadores e algoritmos.

3. Universalidade - gerando fenômenos paralelos ao jornalismo global, como a

valorização de conteúdos hiperlocais que interessam a determinados grupos.

4. A atualidade – ressignificando o conceito de atual. Uma informação de duas

horas atrás pode ser considerada ultrapassada, dependendo do contexto que a

envolve.

Com as descobertas, fui colhendo exemplos, construindo relações entre conteúdos e a

prática e me preparando para o maior dos desafios, que era ministrar uma disciplina

teórica que produzisse sentido a alunos do segundo semestre de jornalismo, ansiosos por

conhecer a área de atuação. Meu temor inicial foi desaparecendo nas primeiras

interações da aula número 1, no dia 26 de fevereiro de 2015. Na sala 325, encontro toda

semana um grupo de alunos interessado em saber e discutir por que as notícias são

como são. Analisando reportagens, capas de jornais, procurando critérios de

noticiabilidade nos portais jornalísticos e levantando sugestões para dilemas da rotina

do jornalista, observei no primeiro módulo da disciplina o grupo atribuir sentido e

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26

levantar os mais diversos questionamentos a teorias do século XX, a partir de exemplos

discutidos em classe.

Apesar da satisfação, a experiência tem aumentado em mim o senso de responsabilidade

como mediadora desse cenário de construção e apropriação de conhecimentos que se

torna a sala de aula. A busca por ferramentas metodológicas, novas referências e maior

conhecimento sobre avaliação me mobilizam cada vez mais. Com todas essas buscas,

lecionar tem sido um grande desafio e uma fonte de descobertas que me fará buscar

mais conhecimento. Do aprendizado nesta etapa inicial de convívio na universidade já

resulta uma convicção: a de que teoria e prática são indissociáveis no campo do

jornalismo.

A teoria do jornalismo reside, onipresente e às vezes invisível, nos recônditos do fazer

das redações. Até o momento, esta é uma realidade que me transforma. Espero, daqui

em diante, desenvolver plena capacidade de compartilhá-la com quem mais quiser ser

jornalista.

Referências

GROTH, Otto. O poder cultural desconhecido: fundamentos da Ciência dos Jornais. Petrópolis : Vozes, 2011.

TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo: porque as notícias são como são. V. 1. Florianópolis: Insular, 2012.

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Adelmo Genro Filho e a pesquisa em Jornalismo no Brasil:

um estudo de 411 artigos e ensaios

Felipe Simão Pontes12(UFSC/UEPG)

Em um esforço inédito, esse texto é resultado de um processo de inventario da produção

que cita, menciona, discute, se embasa em ou trata do livro “O Segredo da Pirâmide:

para uma teoria marxista do jornalismo”, de Adelmo Genro Filho. Com base em 411

artigos de revistas, comunicações em evento e capítulos de livros, identificamos quem

são os autores que mais citam o livro, quais as instituições em que pertencem, como

trabalham as concepções e suas diversas aplicações. Identificamos que a forma de

recepção desse livro coincide com parte significativa dos esforços políticos e

institucionais para autonomização da pesquisa e do ensino de Jornalismo no Brasil.

Também que essa recepção está concentrada nos estados do Rio Grande do Sul e nas

universidades UFSC e UFBA. Por outro lado, destacamos a quantidade pequena textos

que de fato discutem ou visam novas aplicabilidades ao livro o que também revela

características das diferentes táticas de apropriação.

Palavras-chave: “O Segredo da Pirâmide”. Adelmo Genro Filho. Teoria do Jornalismo.

Pesquisa.

Um dos desafios para estudar uma teoria está em analisar como ocorre o processo de

recepção das ideias que a sustentam. Ainda mais no caso de uma abordagem que

assume uma importância teórica e sociopolítica para um conjunto de pesquisadores que

buscam legitimar suas pesquisas e a especificidade de seu objeto. A recepção de “O

Segredo da Pirâmide: para uma teoria marxista do jornalismo”, de Adelmo Genro Filho,

reúne fatores que nos possibilitam o exercício metonímico de localizar e descrever

características de pesquisadores que defendem a especificidade das teorias do

jornalismo e da pesquisa nessa seara.

Integrado a uma revisão mais ampla que detalha diferentes formas de recepção de “O

Segredo da Pirâmide” entre os pesquisadores de Jornalismo (PONTES, 2015), este texto

12

Pesquisador de Pós-Doutorado no Mestrado em Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa.

Doutor em Sociologia Política pela UFSC. Mestre em Jornalismo (UFSC) e jornalista formado pela

UEPG. E-mail: [email protected].

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apresenta uma cartografia dos autores e instituições que mais citam Adelmo Genro

Filho e seu principal livro. Tomamos como pressuposto que a forma como essa teoria

foi apropriada pelos pesquisadores e professores de Jornalismo, a profundidade teórica

das revisões que a tomam como base, os poucos questionamentos da validade da

proposta expressam um exercício mais político acadêmico do que necessariamente

epistemológico. Sugerimos que os sujeitos que defendem a teoria de Genro Filho e as

instituições acadêmicas em que eles estão vinculados coincidem com os sujeitos e

centros que defendem a especificidade do Jornalismo como profissão e formação, em

especial a vanguarda acadêmica na pós-graduação.

Para depreendermos evidências do modo como “O Segredo da Pirâmide” foi

recepcionado por professores, pesquisadores e jornalistas, realizamos uma intensiva

pesquisa bibliográfica para rastrear os textos que trazem na bibliografia, mencionam,

utilizam como referência secundária, como principal referência, discutem conceitos ou

versam sobre “O Segredo da Pirâmide”. Essa pesquisa está inserida em um inventário

mais amplo que realizamos sobre toda e qualquer menção a Genro Filho presente na

produção acadêmica brasileira, o qual não terá seus resultados integralmente analisados

nessa oportunidade.

A estratégia de pesquisa partiu da análise das referências que resultaram de busca no

Portal Capes de Periódicos, na Base Scielo, no Banco de Teses da Capes e no Google

Acadêmico com o descritor “Genro Filho”. Dessa pesquisa, selecionamos os artigos,

capítulos de livros e comunicações em eventos que trazem ao menos uma menção a “O

Segredo da Pirâmide” no texto ou nas referências. Adicionamos a essa base os artigos

que citam o livro presentes na Pauta Geral. Adicionamos também capítulos de livros de

nosso conhecimento prévio. O período da pesquisa junto às bases foi de 01 de maio de

2012 a 29 de dezembro de 2014. Com o descarte de textos que não conseguimos acesso,

foi constituído um banco com 411 itens, relativos a artigos, comunicações em eventos e

capítulos de livro.

Como a maioria das revistas da área de Comunicação não está indexada à base Scielo,

grande parte do resultado alcançado adveio da pesquisa no Google Acadêmico. Esta

ferramenta apresenta comunicações em eventos e livros que citam “O Segredo”,

característica que a converteu em nossa principal fonte de busca. Além disso, parte

Page 29: ANAIS FNPJ Blumenau 2015 - III Fórum Sul-Brasileiro de Professores de Jornalismo

29

significativa das principais revistas acadêmicas em Comunicação do país disponibiliza

seus artigos na íntegra na internet, como o caso da Revista Brasileira de Ciências da

Comunicação. Ponderamos que não oferecemos a totalidade das referências ao livro

pela impossibilidade em consultar para essa oportunidade todos os periódicos e livros

em formato impresso e/ ou resultados ignorados pelos motores de busca utilizados.

No caso dos livros, dissertações e teses, reservamos a menção apenas àquelas que

aparecem nas pesquisas, produtos dos autores que mais produzem artigos e

comunicações sobre “O Segredo” e aqueles que são de nosso conhecimento prévio.

Importante mencionar que, em pesquisa nos resumos de teses e dissertações do Banco

de Teses da Capes realizado em agosto de 2012 e dezembro de 2014, apenas seis

traziam o descritor “Genro Filho” no resumo, palavras-chave ou título. Além destas, a

pesquisa no Google Acadêmico ofereceu, até setembro de 2014, 125 dissertações e 27

teses que referenciam Genro Filho e “O Segredo da Pirâmide” no corpo do texto e/ou

nas referências.

O nosso intento é o de apresentar um mapa da produção sobre “O Segredo da Pirâmide"

no país. Para isso utilizamos como base de análise os 411 textos entre artigos, capítulos

de livro e comunicações em eventos. Utilizamos dados das dissertações, teses e livros

encontrados para complementar as informações já dispostas na base. Mantivemos

alguns artigos e comunicações fora da base pela impossibilidade de acesso ao

documento, esgotadas todas as tentativas para tanto. Nesse banco de 411 textos,

analisamos as seguintes categorias: a) Quem são os autores que mais mencionam “O

Segredo”; b) Qual a formação desses sujeitos (local e ano de graduação, mestrado e

doutorado, bem como seus orientadores); c) O local de origem do pesquisador no

momento da publicação; d) O tipo de publicação (se capítulo de livro, artigo em

periódico ou comunicação em evento); e) O espaço de publicação (nome do periódico,

entidade organizadora do evento); f) Qual a forma de referencia a “O Segredo”

(exclusivamente na bibliografia, menção no texto, como referência secundária, como

principal fundamentação, se discute conceitos ou se analisam o livro); g) Qual a

valência ao livro, se há críticas (negativa) ou se o livro é exclusivamente utilizado como

apoio (positiva); h) E uma síntese de como “O Segredo” é trabalhado nesses textos

(apresentadas por extenso nos comentários).

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O nosso inventário é constituído por 411 textos, divididos em 218 artigos publicados em

revista, 168 comunicações em eventos, 24 capítulos de livro e uma entrevista. As

revistas que mais publicaram artigos citando “O Segredo” foram a revista da Pós-

Graduação em Jornalismo da UFSC “Estudos sobre Jornalismo e Mídia” (18 textos); a

Pauta Geral – revista fundada em Salvador, com edições em Florianópolis e atualmente

revista do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da UEPG – (16 textos), a

Biblioteca Online de Ciências da Comunicação – vinculada à Universidade da Beira do

Interior de Portugal – (15 textos) e a Brazilian Journalism Research, revista da

SBPJOR, com sete textos. As comunicações foram realizadas, em sua maioria, em

Encontros da SBPJOR (36), em Congressos Nacionais da Intercom (34) e em

Congressos Regionais da Intercom (41 no total, sendo 12 no Sul, 12 no Sudeste, 06 no

Norte, 06 no Nordeste e 05 no Centro-Oeste).

Os textos do banco foram escritos por 252 autores, sendo que 185 pesquisadores

somente referenciaram o livro em um único trabalho. A maior parcela dos

pesquisadores (179) eram doutores no momento da publicação de cada artigo/

comunicação/ capítulo, 62 estavam em processo de doutoramento, 83 declararam-se

mestres, 49 mestrandos, 20 graduados e 18 graduandos. As publicações estão

concentradas a partir de 2006, o que pode ser explicado devido às datas de formação dos

autores (como veremos mais adiante) e pela disponibilidade dos textos para pesquisa.

Gráfico 1: Publicações sobre “O Segredo da Pirâmide” nos últimos 27 anos

Fontes: Google Acadêmico, Portal de Periódicos da Capes, Base Scielo, revistas acadêmicas em Comunicação e Jornalismo. Período de acesso: 01 de maio de 2012 a 29 de dezembro de 2014. Org.: PONTES, Felipe Simão.

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31

Eduardo Meditsch é o pesquisador que mais utiliza “O Segredo da Pirâmide”, com 16

textos diferentes. Além dessas referências presentes no banco, há outros cinco textos

que não foram incluídos porque um não foi localizado e quatro resultam da publicação

de um mesmo texto em diferentes veículos. Meditsch utiliza “O Segredo” como uma de

suas principais referências em sua dissertação e o menciona na tese. Ressaltamos que

Meditsch teve papel importante na transformação do curso de Jornalismo da UFSC

(antes Comunicação Social), foi diretor científico da primeira diretoria da SBPJOR

(2003-2005) e integrou o conselho científico da segunda diretoria (2005-2007). Foi o

primeiro coordenador do Mestrado em Jornalismo da UFSC e integrou a comissão

responsável pela elaboração das Novas Diretrizes Curriculares para os cursos de

Jornalismo do país. É diretor da série “Jornalismo a Rigor” da Editora Insular de

Florianópolis, além de coordenar edições de livros sob o selo Comunicação e

Jornalismo desta editora. Meditsch é graduado pela UFRGS (1979), mestre em

Comunicação/ Jornalismo pela USP (1990) e doutor em Ciências da Comunicação pela

Universidade Nova de Lisboa (1997, sob orientação de Nelson Traquina).

A segunda pesquisadora que mais publicou referenciando o livro de Genro Filho foi

Tattiana Gonçalves Teixeira, com 12 textos. Atualmente é professora do curso de

Jornalismo da UFSC (desde 2005), integrou o Mestrado em Jornalismo da UFSC de

2007 a 2010 e é professora do Mestrado em Jornalismo da UEPG desde 2013. A autora

possui dissertação e tese em que utiliza Genro Filho como parte de seu referencial

teórico. Toda sua formação foi na UFBA, graduada em 1996, mestre em Comunicação e

Cultura Contemporânea em 1998 (com orientação de Antônio Rubim) e doutora pelo

mesmo programa em 2004 (orientação de Wilson Gomes). Integrou a diretoria editorial

da SBPJOR de 2007 a 2011 e foi editora da Revista Pauta Geral de 2002 a 2007.

Elias Machado Gonçalves teve oito registros e também é professor da UFSC, desde

2006. Formado em Jornalismo pela UFSM em 1989, mestre em Comunicação pela

UFRJ em 1992 (sob orientação de Nilson Lage), mestre e doutor em Jornalismo pela

Universitat Aberta de Barcelona (1998 e 2000, respectivamente, sob orientação de

Miquel Rodrigo Alsina). Sua dissertação discute e se fundamenta em “O Segredo da

Pirâmide” e sua tese utiliza o livro como parte das referências. Foi docente da UFBA de

1993 a 2006. Foi orientador de graduação de Tattiana Teixeira. Fundou a Revista Pauta

Geral e foi seu editor. Foi um dos professores fundadores da SBPJOR, sendo seu

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32

presidente de 2003 a 2007. Integrou a equipe de fundação do Mestrado em Jornalismo

da UFSC, permanecendo no Programa até 2010.

Com o mesmo número de registros de Gonçalves, Sérgio Luiz Gadini também é

graduado pela UFSM (1990), fez mestrado em Comunicação e Cultura Contemporânea

na UFBA (1994, com orientação de Wilson Gomes) e doutorado pela Unisinos (2004,

orientação de José Luiz Braga). Fez doutorado sanduíche na Universidade de Lisboa,

sob a supervisão de Nelson Traquina. Sua dissertação, sobre acontecimento jornalístico,

discute “O Segredo da Pirâmide” em um capítulo. Sua tese também utiliza “O Segredo”

como referência secundária. Fundou a revista Pauta Geral juntamente com Elias

Gonçalves e foi editor de seu primeiro número. É professor da Universidade Estadual de

Ponta Grossa desde 1997, sendo um dos professores fundadores do mestrado em

Jornalismo da instituição (o segundo do país) e seu primeiro coordenador. Foi

presidente do FNPJ de 2010 a 2012.

Os quatro pesquisadores que mais citam Genro Filho possuem relações cruzadas e, de

certa forma, sintetizam alguns dados que veremos posteriormente. Três deles são

gaúchos (dois formados em Comunicação Social/ Jornalismo pela UFSM, a mesma

graduação de Genro Filho), três tiveram passagem pela UFBA nos anos 1990, três

foram editores da Pauta Geral e três, atualmente, são professores da UFSC. Todos

atuaram ou atuam nos dois programas de Mestrado em Jornalismo do país.

Após os quatro mais citados, há três pesquisadores com seis publicações: Gislene da

Silva (professora da UFSC desde 2003 e doutora em Ciências Sociais/ Antropologia

pela PUC-SP), Liriam Sponholz (doutora pela Universität de Leipzig em 2007) e Felipe

Pontes (graduado pela UEPG, mestre em Jornalismo pela UFSC e doutor em Sociologia

Política pela UFSC). As publicações de Silva sobre “O Segredo” tiveram início em

2003 e correspondem ao ano de sua entrada na UFSC sendo, posteriormente,

incrementada quando a professora (também fundadora) inicia suas atividades no

Mestrado em Jornalismo. Parte de suas análises sobre teoria do jornalismo é resultado

de seus estudos de pós-doutorado realizado em 2008-2009 na USP (sob supervisão de

Maria Imacolatta Vassalo Lopes). Silva foi coordenadora do Mestrado em Jornalismo

da UFSC de 2010 a 2012 e é Secretária Geral da Compós desde 2013. Liriam Sponholz

tem todos os textos concentrados no período de 2004 a 2009. São partes e

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33

desdobramentos de sua tese, Objektivität in Journalismus. Begriffe und Praxis in

Brasilien und in Deutschland (A objetividade no jornalismo. Termos e prática no Brasil

e na Alemanha), apresentada em 2007 na Universität de Leipzig. A tese foi publicada

pela Série Jornalismo a Rigor da Editora Insular com o título “Jornalismo e

Objetividade: para além dos espelhos e das construções”. No livro, Sponholz (2009)

afirma que o jornalismo é uma forma de conhecimento que se diferencia da ciência,

comparando as proposições de Karl Popper e Genro Filho. Sponholz também traduziu

“O Poder Cultural Desconhecido: Fundamentos da Ciência dos Jornais”, parte da

grande obra do teórico do jornalismo alemão Otto Groth, publicado pela Editora Vozes

em 2011. Por sua vez, as nossas publicações sobre “O Segredo” são resultado da

dissertação “Teoria e História do Jornalismo: desafios epistemológicos”, defendida em

2009, com a orientação da professora Gislene da Silva.

Ao retornar para análise geral dos 252 autores dos 411 textos, evidenciamos que a maior

parte graduou-se no Rio Grande do Sul (60 autores). Desses 60, destaque para a

FACOS/UFSM, local de graduação de 20 deles. Os 60 autores gaúchos produziram 116

textos citando “O Segredo da Pirâmide”, sendo que 45 foram feitos por formados na

UFSM. Essa influência de “O Segredo” sobre os graduados da UFSM tem algumas

relações com as posições que alguns desses sujeitos tomam nas graduações e pós-

graduações. Rosa Nívea Pedroso (formada em 1976) foi a primeira professora de Teoria

do Jornalismo do Brasil, na UFRGS. Oito pesquisadores que citam “O Segredo” eram

graduandos quando ocorreu o lançamento do livro (formaram-se em 1988, 1989 e

1990), entre eles Elias Machado, Sérgio Luiz Gadini, Carlos Franciscato (presidente da

SBPJOR de 2007 a 2011 e também mestre e doutor pela UFBA), Márcia Benetti

(integrante da linha de Pesquisa em Jornalismo e Processos Editoriais13 do Programa de

Pós-Graduação em Comunicação e Informação da UFRGS e integrante de diferentes

diretorias da SBPJOR) e Márcia Franz Amaral (professora da Pós-Graduação em

Comunicação Midiática da UFSM).

Depois do Rio Grande do Sul, os pesquisadores que citam Genro Filho graduam-se em

São Paulo (44 autores), com a publicação de 61 textos. Destaque para os 12 autores

graduados na USP que, por sua vez, apresentaram apenas um texto sobre “O Segredo”

13

A professora Dra. Virgínia Pradelina Fonseca – formada em 1985 pela UFSM - também

integra essa linha de pesquisa e também possui textos citando “O Segredo da Pirâmide”.

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34

cada. Os pesquisadores que se graduam em Minas Gerais são 25 e produziram 41

textos. Os fluminenses são 16 e 28 textos. Em seguida temos Bahia (14 autores e 34

textos), Santa Catarina (13 autores e 17 textos) e Paraná (11 autores e 21 textos). Por

sua vez, o ano de graduação é relativamente disperso, com um número alto de

graduados no ano de 1990, 2000, 2003 e 2006 (Gráfico 2).

Gráfico 2: Ano de graduação dos pesquisadores que citam “O Segredo da

Pirâmide”

Fontes: Google Acadêmico, Portal de Periódicos da Capes, Base Scielo, revistas acadêmicas em Comunicação e Jornalismo. Período de acesso: 01 de maio de 2012 a 29 de dezembro de 2014. Org.: PONTES, Felipe Simão.

Os pesquisadores com mestrado que citam Genro Filho (181 autores) tiveram sua

formação principalmente na UFBA (19 autores e 46 textos) e na USP (19 autores e 43

textos). As duas universidades atraíram pesquisadores graduados no Rio Grande do Sul

e em seus estados (Bahia e São Paulo, respectivamente). Lembramos que os primeiros

cursos de mestrado em Comunicação do Rio Grande do Sul (UFRGS, Unisinos e PUC-

RS) tiveram início no final dos anos 1990, o que direcionou uma geração de

pesquisadores para os programas de São Paulo (USP, UMESP e PUC-SP), para UFBA,

UFRJ e UnB. Desses programas, o da UFBA era o mais recente e a migração de

pesquisadores gaúchos e a formação de um núcleo de pesquisa em jornalismo

favoreceram a divulgação do livro de Genro Filho por lá. Há, entretanto, uma tendência

de mudança, pois o recente curso de Mestrado em Jornalismo da UFSC estimula seus

pesquisadores a seguirem a tradição de divulgar/ discutir o trabalho de Genro Filho.

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35

Assim, 15 autores e 21 textos são oriundos da UFSC. A UFRJ é o local de mestrado de

13 autores (que produziram 30 textos), a UFRGS, 12 autores e 17 textos, a Umesp, 12 e

16 e a UnB 10 e 18. Podemos observar no gráfico 2 que o ano de formação no mestrado

tem uma distribuição quase constante de 1996 a 2008, com destaque para o ano de

1998.

Gráfico 3: Ano de mestrado dos pesquisadores que citam “O Segredo da

Pirâmide”

Fontes: Google Acadêmico, Portal de Periódicos da Capes, Base Scielo, revistas acadêmicas em Comunicação e Jornalismo. Período de acesso: 01 de maio de 2012 a 29 de dezembro de 2014. Org.: PONTES, Felipe Simão.

Os pesquisadores que realizaram doutorado (102 autores) fizeram seus cursos, em sua

maioria, na USP (25 autores e 32 textos) e na UFRJ (12 autores e 22 textos). Essa

predominância nos cursos mais tradicionais é justificada pela estrutura da pós-

graduação em Comunicação no Brasil, em que, até 2006, dos 10 programas com teses

defendidas, apenas três destes tinha mais de 100 trabalhos (USP, PUC-RS e UFRJ) e a

USP, como a maior pós-graduação, já contava com mais de 700 teses defendidas

(PONTES, 2009, p. 184). Consequentemente, realizando a devida contextualização,

seria natural que a pós-graduação da ECA fosse a com mais trabalhos stricto sensu e o

estado de São Paulo, por ter o maior número de cursos de graduação em Jornalismo,

apresentasse o maior número de trabalhos. Porém, as referências sobre Genro Filho

contrariam em muitos aspectos os dados gerais. O uso do ano de 2006 como referência

é justificado pelo gráfico 4, em que indicamos os anos em que ocorreram mais defesas

de teses dos 101 pesquisadores em tela, 2003, 2004 e 2005.

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Gráfico 4: Ano de doutorado dos que citam O Segredo da Pirâmide

Fontes: Google Acadêmico, Portal de Periódicos da Capes, Base Scielo, revistas acadêmicas em Comunicação e Jornalismo. Período de acesso: 01 de maio de 2012 a 29 de dezembro de 2014. Org.: PONTES, Felipe Simão.

Os últimos dados que nos ajudam a reconhecer as universidades brasileiras em que o

texto de Genro Filho exerce mais influência são provenientes das instituições de origem

informadas pelos pesquisadores no momento em que publicaram/ apresentaram o texto.

Esses dados permitem que localizemos como as universidades em que trabalham, os

grupos de pesquisa a que pertencem se constituem em espaços promotores da produção

utilizando “O Segredo da Pirâmide” como bibliografia. A UFSC, como era de se

esperar, é disparada a instituição de origem dos textos que citam Genro Filho, com 67

trabalhos (16,3%), seguida pela UFBA, 29 textos, UFRGS (20), UFSM (15) e USP (12).

A UFSC também reúne a maior quantidade de autores que produziram sobre Genro

Filho, 29 autores, a maior parte de professores atualmente vinculados ao Programa de

Pós-Graduação em Jornalismo e de seus pós-graduandos. Outra informação de relevo,

Elias Machado Gonçalves, mesmo tendo saído da UFBA em 2006, tem quase toda sua

produção vinculada a esta universidade, representando um quarto da produção da

instituição baiana sobre Genro Filho. Na UFSM, a professora que mais cita Genro Filho

em sua produção é Márcia Franz Amaral. Na UFRGS e na USP, a produção que

menciona Genro Filho é mais diluída, pois na primeira a preponderância se subdivide

entre a estudante de pós-graduação Márcia Veiga da Silva, sua orientadora Virgínia

Pradelina da Fonseca e a professora Rosa Nívea Pedroso. Por sua vez, a USP tem toda a

produção dividida, com apenas um texto por autor. Quando aglutinamos as

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universidades em estados de origem dos autores dos 411 artigos, permanece a

prevalência dos que trabalham ou estudam em Santa Catarina (79 textos) e no Rio

Grande do Sul (69 textos). São Paulo, como o estado que tem o maior número de cursos

de Jornalismo e as instituições mais tradicionais de pós-graduação da área aparece com

50 textos. Em seguida, Bahia com 44 textos, Minas Gerais (34 textos) e Rio de Janeiro

(29).

Todas essas informações nos credenciam a confirmar grande parte do percurso

argumentativo que realizamos até esse momento. A maior parte dos pesquisadores que

utilizam “O Segredo da Pirâmide” como bibliografia formou-se no Rio Grande do Sul, e

dentre estes parte significativa na UFSM; realizou seu mestrado na UFBA e na USP; e

doutorou-se na USP. Porém, esse processo de formação na USP não reverte para a

produção vinculada prioritariamente a essa instituição, resultado da oferta de pós-

graduações em Comunicação no Brasil e da especificidade em Jornalismo que a

instituição adotou até 2001. Revelado o quadro da formação, apontamos que os autores

estão vinculados majoritariamente à UFSC e às instituições universitárias do Rio

Grande do Sul. Destacamos também a referência à UFBA, o que a constitui um núcleo

de produção sobre “O Segredo”.

Essa “zona de influência” de “O Segredo”, que de forma predominante contorna o eixo

de maior produção acadêmica em Comunicação e da mídia nacional (São Paulo e Rio de

Janeiro), coincide com linhas de força importantes no processo de institucionalização

acadêmica do jornalismo. O Departamento de Jornalismo da ECA-USP e a

especificidade em Jornalismo presente no Programa de Pós-Graduação em Ciências da

Comunicação até 2001 foi um grande local de produção de trabalhos para o Jornalismo.

Parte dessa centralidade deslocou-se para a Universidade Metodista de São Paulo, tendo

como centro aglutinador de influência o trabalho de José Marques de Melo. Porém,

dizer que José Marques de Melo é uma referência político-acadêmica central para a

compreensão do ensino e da pesquisa em Jornalismo (foi ele, por exemplo, quem

presidiu a comissão para as Novas Diretrizes Curriculares dos Cursos de Jornalismo), é,

em certa medida, falar mais do mesmo. Podemos dedicar a José Marques de Melo papel

importante nos estudos de Relações Públicas, Folkcomunicação, História e Teoria da

Comunicação e da Mídia. José Marques de Melo fundou (ou ajudou a fundar) a maioria

das instituições acadêmicas da Comunicação no Brasil (participou da formação da

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Intercom, da Alaic, da Lusocom, da Confibercom, da Socicom, da Rede Alcar etc). A

influência da teoria de Genro Filho não coincide com a ECA e com o trabalho de José

Marques de Melo em parte porque “O Segredo da Pirâmide” é resultado de um conjunto

de críticas ao que se produzia na ECA-USP e ao que Marques de Melo produzia.

Afora essas linhas de forças, podemos realizar algumas afirmações que confirmam as

zonas de institucionalização do jornalismo a pessoas e locais que alegam influência da

teoria de Genro Filho. A começar pelas pós-graduações. As duas pós-graduações

acadêmicas em Jornalismo, na UFSC e na UEPG14, são instituídas preponderantemente

por gaúchos, tendo seus primeiros coordenadores (Eduardo Meditsch e Sergio Luiz

Gadini) entre aqueles que mais citam “O Segredo”. Das três linhas de pesquisa mais

antigas específicas em Jornalismo das pós-graduações, duas estão no Rio Grande do Sul

(UFRGS e Unisinos). A outra é a linha Jornalismo e Sociedade da UnB.

Entre as revistas atualmente em circulação e que surgiram nos últimos 30 anos, a Pauta

Geral começou na Bahia por iniciativa de Elias Machado Gonçalves e Sérgio Luiz

Gadini. A segunda, a PJBR, é resultado do trabalho de José Marques de Melo na USP e

a terceira é de Estudos de Jornalismo e Mídia da UFSC. O surgimento do GT de

Jornalismo da Intercom, por iniciativa de José Marques de Melo, teve entre seus

primeiros participantes, textos de Gonçalves e Gadini. O GT em Jornalismo da Intercom

passou a ser o maior do evento desde a sua fundação (MARQUES DE MELO, 1994;

GONÇALVES, 2007).

O FNPJ surgiu como ideia em 1994, em um Seminário de Atualização dos Professores

de Jornalismo promovido pelo curso de Comunicação Social/ Jornalismo da Unicamp.

A proposta foi encaminhada no Congresso da Intercom do mesmo ano. Após encontros

paralelos a cada Intercom, o Fórum foi formalizado em seu VII Encontro, realizado em

Florianópolis em 2004. Foram momentos importantes para a consolidação do FNPJ as

participações no Congresso Nacional Extraordinário dos Jornalistas, promovido pela

14

No caso da UEPG, embora grande parte de seus professores não sejam gaúchos, um número significativo deles fez doutorado na Unisinos (Marcelo Engel Bronoski, Hebe Gonçalves e Cíntia Xavier) com tese sobre jornalismo. Paula Melani, atualmente professora do Mestrado, tem trabalhos citando Genro Filho (5 textos) e tratando Jornalismo como forma de conhecimento. Carlos Alberto Sousa foi aluno de Genro Filho na UFSC e integra o departamento da UEPG. Tattiana Teixeira, professora da UFSC, faz parte do mestrado. Além de Sérgio Luiz Gadini, importante liderança do departamento.

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FENAJ, em maio de 1997, em Vila Velha/ES (que teve como resultado as Bases para

um Programa Nacional de Estímulo à Qualidade de Ensino da FENAJ); e o Seminário

Nacional de Diretrizes Curriculares do Ensino de Jornalismo, promovido em conjunto

com a FENAJ (que resultou na Carta de Campinas) Os dois textos, com organização de

Daniel Herz, trazem artigos que reproduzem as principais ideias de “O Segredo da

Pirâmide”.

Em seus oito primeiros anos, a SBPJOR foi presidida por dois professores graduados

pela UFSM e vinculados ao programa de pós-graduação em Comunicação e Cultura

Contemporânea da UFBA: Elias Machado Gonçalves (2003-2007) e Carlos Franciscato

(2007-2011). A maior parte dos professores das diretorias da SBPJOR até 2010 tinha

formação no Rio Grande do Sul. Mesmo com a presença de duas presidentes fora do

Rio Grande do Sul (Dione Moura, da UnB, de 2011 a 2013; e Cláudia Lago, da

Anhembi Morumbi/ USP, desde 2013), a diretoria permanece com número significativo

de pesquisadores que desenvolveram ao menos parte de sua trajetória acadêmica no Rio

Grande do Sul. A maior parte dos artigos publicados em muitos dos congressos da

SBPJOR é de pesquisadores oriundos de faculdades gaúchas e da UFSC, mesmo em

congressos fora desses estados. Relembramos, por fim, que o principal prêmio de

pesquisa em jornalismo do país, oferecido pela SBPJOR, chama-se Prêmio Adelmo

Genro Filho.

Essas coincidências, menos do que determinações, revelam que o espaço de recepção da

teoria de Genro Filho passa pelos espaços de institucionalização do campo de ensino e

pesquisa do Jornalismo do país. A necessidade de uma teoria do jornalismo, a

demarcação da especificidade do objeto, as críticas às teorias da comunicação, a

associação de teoria e prática e a afirmação de que “o jornalismo é uma forma de

conhecimento cristalizado no singular” são proposições do livro que se aglutinam à

qualificação da explicação da profissão e oferecem subsídios para a afirmação da

legitimidade epistemológica de pesquisadores.

A institucionalização da pesquisa e, principalmente, uma vontade de institucionalizar,

de pesquisar, associa-se a um grupo que se constitui na periferia do poder e do

conhecimento da Comunicação no Brasil (São Paulo e Rio de Janeiro) e, de certa forma,

há um enfrentamento simbólico ao que é produzido nesse centro (CASANOVA, 2002).

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40

Outra informação relevante e que merece estudos mais aprofundados são as causas

estruturais que mobilizam os jornalistas, professores e pesquisadores do Rio Grande do

Sul e do Sul do Brasil a defenderem com mais ênfase a especificidade da pesquisa em

Jornalismo do que seus colegas de outros estados. Portanto, entendemos que ao estudar

“O Segredo da Pirâmide” consideramos características mais amplas da forma como esse

grupo se organizou e vem se legitimando, principalmente na última década. Como,

mais especificamente, a defesa de teorias do jornalismo passou a ser estratégica para a

legitimação desses sujeitos.

Algumas considerações sobre a qualidade da apropriação

Tratamos de uma geografia da recepção de “O Segredo da Pirâmide”, mas não da

qualidade dessas colaborações. Como citam “O Segredo”? Em que conceitos mais se

apoiam? Podemos afirmar que o livro não possui tantas citações e usos frente ao tempo

em que está em circulação. Mesmo sendo estratégico para o jornalismo, seu

conhecimento não é intensivo, os professores em sala de aula aplicam-no pouco e

mesmo na pós-graduação, seu entendimento costuma se reduzir a uma aula. São poucas

as abordagens detidas de conceitos do livro e não há qualquer trabalho de pós-

graduação que invista exclusivamente em sua análise. Há capítulos de livros, de

dissertações e de teses, alguns artigos e poucas comunicações que resenham o que está

escrito no livro, questionam alguns de seus conceitos e, principalmente, apoiam-se em

suas concepções. O que mais há são menções, citações de trechos para reforçar

argumentos, utilização como referência secundária e a simples inclusão nas referências.

Essa avaliação fica evidenciada quando demonstramos como o livro é citado pelos 411

textos de nosso banco.

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Gráfico 5: Forma como “O Segredo da Pirâmide” é citado

Fontes: Google Acadêmico, Portal de Periódicos da Capes, Base Scielo, revistas acadêmicas em Comunicação e Jornalismo. Período de acesso: 01 de maio de 2012 a 29 de dezembro de 2014.Org.: PONTES, Felipe Simão.

Dentre os 411 textos, 66 apenas citam o livro na bibliografia. Consideramos que esses

autores precisaram comprovar a leitura do livro, ou indicar que sabiam de sua

existência, mesmo não o citando explicitamente no texto. A maior parte dos textos

analisados, 178, apenas mencionam “O Segredo”, fazem alusão a determinado conceito

do livro ou utilizam um trecho pequeno. Completam a maioria dos textos, os 113 que

trazem Genro Filho como referência secundária. Nosso entendimento, nesse último ítem

foi que o autor de cada texto declarou expressamente seu embasamento teórico por

outras obras, ou que as referências a Genro Filho não são preponderantes. Esses textos,

em sua maioria, mencionam Genro Filho ou o utilizam como parte de suas referências

para dizer que o jornalismo é uma forma de conhecimento ou para definir o resultado da

atividade jornalística como cristalizado no singular (em relação ao particular e ao

universal). Outras menções e referências são para conceituar notícia, lead, criticar a

Escola de Frankfurt, criticar o que Genro Filho chama de “o paradigma do artesão” (ou

seja, de que é possível uma comunicação popular que se equivala à atividade

jornalística), para criticar a objetividade, a neutralidade, para citar o papel da teoria para

as transformações do curso de jornalismo da UFSC, para reforçar a existência e a

necessidade de teorias do jornalismo, entre outros temas.

Os textos qualitativamente mais pertinentes para nosso estudo somam 54: 11 são sobre

“O Segredo”, 13 discutem conceitos do livro e 30 tomam-no como principal referência.

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A maioria destes textos continua sendo da UFSC, a maior parte dos graduados são da

UFSM e do Rio Grande do Sul e a mesma assimetria com os dados gerais são

encontrados na formação de mestrado e doutorado dos autores. Os textos estão escritos

sob a forma de artigos (32), reduzindo bastante a proporção de comunicações (12) e

aumentando a de capítulos de livros (10). A revista que tem mais publicações desses

textos é Pauta Geral e a revista Estudos de Jornalismo e Mídia tem participação mais

discreta do que nos dados gerais. A distribuição de textos entre autores é muito diluída,

não mantendo a mesma preponderância dos dados gerais.

Outra categoria reveladora da pertinência dos textos é a que avalia se “O Segredo da

Pirâmide” é criticado (negativa) ou se somente ou majoritariamente elogiado (positiva).

Apenas 16 textos foram catalogados como críticos e desses 10 apenas mencionam “O

Segredo”, ou seja, fazem críticas pontuais sem aprofundarem a análise. Apenas dois

textos foram catalogados entre aqueles que discutem os conceitos. Os outros quatro

textos são referências secundárias. O autor mais crítico é Josenildo Guerra, da

Universidade Federal do Sergipe. A crítica do autor refere-se à posição de Adelmo

frente à concepção de objetividade jornalística. Defensor da objetividade, Guerra

(2000a) afirma que Genro Filho, ao caracterizar a objetividade como um mito, não

compreende uma das referências estruturais do trabalho do jornalista para com a

realidade. Em outro texto, Guerra (2000b) critica a posição cética de Genro Filho

quanto à imparcialidade e a neutralidade na apuração das notícias. Sponholz (2009b) e

Guerra (1999) afirmam que Genro Filho é confuso ao estabelecer o conceito de fato, por

vezes confundindo a ontologia do fato e sua apreensão epistemológica. Essas críticas a

Genro Filho somam-se a outras, como a de Machado (1992) de que Genro Filho

mantém uma vinculação com a objetividade, o que seria uma reificação. Meditsch

(1991a) critica a assertiva de Genro Filho de que a liberdade dos jornalistas é

determinada pela classe social e, em outro texto, afirma que o marxismo e Genro Filho

erram ao colocar a ciência no universal e não no particular (MEDITSCH, 2006).

Marcos Paulo Silva (2012, p. 74-75) repete em dois artigos as mesmas menções a Genro

Filho para dizer se tratar de um equívoco afirmar o jornalismo como uma forma de

conhecimento científico (como é possível notar em uma leitura, para Genro Filho o

jornalismo não é equivalente ao conhecimento científico ou conhecimento puro). Para

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Silva, com base em Sodré, o jornalismo estaria em uma região entre a doxa e a

episteme.

Francisco Rüdiger (2010, 221-222) busca debater com mais detalhes como o jornalismo

se estrutura como forma de conhecimento atrelado ao fetchicismo da mercadoria. Ele

também questiona o conceito de conhecimento presente em “O Segredo”, para afirmar

que o conhecimento não é puro, mas histórico e socialmente determinado. Mesmo que

considere os avanços da abordagem de Genro Filho, pondera que a necessidade social

antropológica que mobiliza o jornalismo (dar a conhecer fatos distantes) guarda também

o contraponto da imposição dos fatos, gerenciado comercialmente e profissionalmente

segundo as regras do capitalismo e do que a literatura denomina de Indústria Cultural.

Rüdiger considera que a notícia não deixa de guardar o fetchicismo da mercadoria que

lhe é inerente.

Rublescki (2009) argumenta que o “valor de uso” das notícias e reportagens, conforme

defendido por Genro Filho para explicar a necessidade social da informação, está

inserido na contradição pós-moderna em que os consumidores da informação tem seus

gostos produzidos pelo mercado. Para Afonso de Albuquerque (2010) e Marco Roxo

(2006), a definição de jornalismo como forma de conhecimento e sua centralidade na

notícia e no lead conforma um alinhamento à estrutura ideológica imposta pelas

empresas de jornalismo aos jornalistas do país. Francisco Gonçalves Conceição (2010),

de seu modo, utiliza por base as críticas realizadas por Albuquerque – de que inexiste

um conhecimento geral do jornalismo, mas são conhecimentos particulares,

historicamente localizados – e de Elias Gonçalves de que a ausência de uma teoria

semiológica faz com que Genro Filho não perceba os aspectos específicos do texto

jornalístico.

Crítica mais ácida e que revela desconhecimento15 de “O Segredo” foi feita por José

Marques de Melo (2008, p. 306) no capítulo “A teorização do jornalismo no Brasil: das

origens à atualidade”, do livro “Jornalismo, História, Teoria e Metodologia:

perspectivas luso-brasileiras”, organizado pelo professor da Universidade Fernando

Pessoa (Porto-Portugal), Jorge Pedro Sousa.

15

O que, de certo modo, contradiz a introdução elogiosa sobre “O Segredo” escrita por ele ao livro organizado por Amaral et al (2007).

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Não obstante se aproprie da noção de jornalismo como forma de conhecimento esboçada por Robert Park ele faz em verdade uma espécie de reciclagem teleológica, consentânea com a sua proposta de uma “teoria marxista do jornalismo”. Para tanto, revisita a trindade Marx, Trotsky e Lênin, passando pelas revisões de Gramsci, Lukács e Althusser. Contudo, seus pilares são os exegetas da indústria cultural como Adorno, Horkheimer, Habermas, Enzenberger, Mattelart e os teóricos de um tipo de jornalismo engajado na luta de classes como os latino-americanos Camilo Taufic, Hector Mujica, Eleazar Dias Rangel e Ricardo Cardonet.

José Marques de Melo realiza neste texto uma de suas grandes sínteses de todos os

teóricos do jornalismo que já existiram no Brasil, o que não o livra de equívocos. Uma

leitura um pouco mais atenta a “O Segredo” indicaria que Genro Filho foi um crítico da

Escola de Frankfurt e das apropriações realizadas por Mattelart. Ou que Camilo Taufic e

Ricardo Cardonet são duramente criticados pelo teórico gaúcho. Ou que Eleazar Dias

Rangel e Hector Mujica são citados, mas sequer discutidos pelo livro. Outro equívoco

de Marques de Melo fica por conta da inclusão de Althusser na lista de autores

revisados, equiparando ao uso feito de Lukács. Por fim, mas não menos grave, a

“santíssima trindade” não é tão sacra a Genro Filho quanto o seu crítico diz, visto que

Trotsky e Lênin são citados apenas na conclusão do texto e criticados em outras

abordagens de Genro Filho.

Os pesquisadores que discutem ou embasam seus trabalhos nos conceitos de “O

Segredo da Pirâmide” também apontam caminhos de pesquisa pertinentes. Os temas

mais debatidos são a aplicabilidade dos conceitos de Genro Filho para entender as

transformações pelas quais passa atualmente o jornalismo, mais especificamente a

notícia, com as relações de periodicidade, atualidade e difusão profundamente alteradas

pelos novos media. Nesse sentido, objetividade, subjetividade, gêneros, lead,

necessidade da notícia e o estatuto do profissional são debatidos. Os pesquisadores

também estabelecem propostas de relação e transformação do cotidiano a partir da

concepção de jornalismo proposta por Genro Filho. A relação entre forma de narrativa

das notícias e a ética da prática jornalística também está em foco. São debatidas, além

disso, as mudanças nos conceitos de fato, fenômeno, sentido, acontecimento

proporcionadas pela teoria e que, de forma direta, impactam nas definições desses

termos nos textos que discutem e se embasam em “O Segredo da Pirâmide”.

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***

Ainda que possamos notar uma geografia da forma de recepção de “O Segredo” pelo

Jornalismo no Brasil, constatamos que poucos trabalhos criticam o texto de Genro

Filho, poucos aprofundam seus conceitos e debatem suas ideais no âmbito

epistemológico. Mesmo em livros, dissertações e teses, que não foram objeto de análise

neste momento, poucos são os trabalhos que avançam nas proposições presentes no

livro. Esse é um sinal de que há necessidade de entendimento da proposta teórica de

Genro Filho. Ademais, talvez de forma menos condescendente, podemos afirmar que a

maior parte das pesquisas cita protocolarmente o livro, menciona que “o jornalismo é

uma forma de conhecimento” ou que “o jornalismo trabalha os fenômenos pelo ângulo

da singularidade” como uma homenagem, um embasamento para afirmar outras coisas,

realizar outras perguntas. Por fim, mas não menos importante, mencionar conceitos de

Genro Filho não deixa de ser uma mensagem política, uma representação sobre quais as

posições acadêmicas do pesquisador em suas concepções sobre a profissão. A falta de

aprofundamento nos conceitos revela uma reificação, o aceite de um conceito, uma

fórmula como sagrada, pouco questionada e sem possibilidades de desenvolvimento.

Evidenciamos como “O Segredo da Pirâmide” cumpre um papel estratégico na

organização acadêmica e política do jornalismo, mas a discussão filosófica de suas

bases e, principalmente, a compreensão dos fundamentos da obra costumam ser

negligenciados. Grande parte dos trabalhos que consultamos considera um problema o

fato de o texto ser marxista ou lukácsiano, porém se mantém apoiando em ideias do

texto que são, fundamentalmente, marxistas e lukácsianas. A afirmação do jornalismo

como forma de conhecimento é considerada pioneira, a relação de singular, particular e

universal é profícua para analisar o jornalismo, mas o marxismo e a análise dialética não

são. Em suma, os conceitos são utilizados usurpando-lhes os sentidos, traindo sua

gênese, retirando-os do sistema em que foram propostos. Um exemplo disso está na

afirmação paradoxal de Fonseca (2000, p. 175), que está expressa de outras maneiras

em textos e opiniões de outros autores: “Entretanto, deixando de lado a doutrina

marxista que orientou não só a produção desse livro, como toda sua vida acadêmica,

profissional e de militante político, podemos nos fixar apenas na contribuição teórica

para o tema”. O livro não somente é resultado do trabalho de um político marxista, a

teoria proposta por ele é marxista.

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O que observamos em grande parte dos trabalhos é a adaptação dos conceitos dialéticos

de Hegel reconfigurados pelo marxismo de Gyorgy Lukács e trabalhados por Genro

Filho em estudos de semiologia, semiótica, funcionalistas e, principalmente,

construcionistas. Não há qualquer problema em estabelecer as relações da teoria de

Genro Filho frente às contribuições de outras formas de pensar a sociedade, a linguagem

e o jornalismo. A questão é que, em muitos casos, não se compreende e não se faz prova

da compreensão do embasamento teórico de Genro Filho, do que significa singular,

particular e universal em sua apropriação, das diferenças que ele estabelece com o

pensamento de Lukács, de quais as consequências dessas diferenças.

Pedro Osório (2007), contemporâneo de Genro Filho na UFSM, no jornalismo e na

militância política, foi um dos que realizou um esforço para conectar a proposta teórica

sobre o jornalismo às bases marxistas do autor. Ao fazer um rápido apanhado de

algumas das ideias de Genro Filho, Osório (2007, p. 39) enfatizou a proposta do livro

como “uma” teoria marxista e não “a” teoria marxista, resultado de uma visão particular

do marxismo desenvolvido pelo autor e centrado no conceito de práxis. E essa

concepção não é para estabelecer uma propaganda do marxismo, mas para conceituar a

prática do jornalismo.

Ele [Adelmo Genro Filho] a estruturou [a teoria do jornalismo] apoiando-se na ideia de práxis que então desenvolvera, com ela professando uma determinada visão sobre o marxismo. [...] Com isso ele delimitava claramente os propósitos da sua teoria marxista do jornalismo, que não estava a serviço da propaganda marxista, mas a serviço da emancipação humana, apoiando-se em categorias da filosofia clássica e do marxismo. E o seu livro, que deveria ter ares de um manual, evoluiu para um tratado sobre a abordagem teórica do jornalismo (OSÓRIO, 2007, p. 46).

É difícil apresentar textos no inventário que realizamos que visam recuperar aspectos

marxistas da proposta de Genro Filho ou colocar em diálogo a proposta do autor a

outros autores marxistas, como faz, por exemplo, Hauser (2012b). O contexto de

recepção de “O Segredo”, que coloca seu marxismo como “politicamente datado”

(TEIXEIRA, 2007, p. 20) é resultado das modificações políticas, econômicas e

acadêmicas do mundo, do Brasil e dos estudos em comunicação e jornalismo ao longo

dos anos 1990 e 2000. Os grupos que estudam o jornalismo sob a teoria de Marx são

poucos e os que permanecem com militância política são raros. Por outro lado, a defesa

da especificidade dos estudos em jornalismo, a definição do jornalismo como forma de

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conhecimento e as explicações sobre a atividade oferecem uma explicação para o

jornalismo que coaduna com a necessidade de conceitos para pesquisa, a necessidade de

institucionalização da teoria do jornalismo, dos cursos específicos em Jornalismo e da

atividade de professores e pesquisadores, demandas que parecem não se alinhar a uma

proposta marxista. Entender essas considerações nos ajuda a compreender porque houve

uma apropriação específica do texto de Genro Filho, dissociando o marxismo que

sustenta sua teoria. Há ainda um trabalho constante em tentar dissociar a contribuição

do autor para o jornalismo do arcabouço filosófico por ele utilizado. O que revela

aspectos da recepção e merece estudos mais aprofundados.

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Jornalismo de povos: o olhar para os desaparecimentos

Raquel Wandelli (UFSC/Unisul/Capes)16

Resumo: O percurso por uma rede de narradores de diferentes épocas busca um traço de animalidade no olhar do jornalismo-literatura, desde que Restif de La Bretonne propôs,

no século XVIII, a associação entre o repórter/narrador e uma ave noturna capaz de enxergar as zonas de sombra das cidades. Ensejada por esse dispositivo de olhar animal, a categoria do narrador-coruja orienta uma cartografia denominada narrativas do

escuro. Nela, escrituras de diferentes épocas se conectam pela tarefa de testemunhar o desaparecimento dos povos humanos/inumanos diante dos olhos da modernidade e da

própria literatura (DDI-HUBERMAN). A estratégia de proximidade geográfica e afectiva dessas experiências ganha valor à medida que o deslocamento de corpo ao encontro do acontecimento está prestes a desaparecer do campo de atuação do repórter.

De maneira que o quase arcaico “jornalismo de rua” torna-se reminiscência de um tempo em que toda forma de comunicação se estabelecia pela interação entre dois

corpos. Um passeio pelas flâneries urbanas mostra, em Bretonne, Edgar Allan Poe, João do Rio, George Orwell, Gay Talese, Günther Walraff, mostram a persistência de um dispositivo de olhar extra-humano em uma literatura andarilha que pousa sobre as

coisas do esquecimento e os lugares de passagem (DELEUZE). Nessa minoração da literatura, nesse jornalismo menor, o processo de percepção da realidade e o movimento

de corpo são inseparáveis da narrativa cartográfica e corpográfica que se produz.

Palavras-chave: Jornalismo-literatura; Flânerie; Impessoalidade; Jornalismo de povos;

Multidão

Combatente poético do taylorismo, o flâneur vem ao mundo com uma sina vaga-lume

de desaparecimento, desde que começou a atuar como funcionário de um desejo próprio

e coletivo de ver o que está fora dos holofotes. Desde que o personagem de Edgar Allan

Poe levantou os olhos da leitura do jornal para escrutinar a multidão passante em um

café londrino. Tomado pela pulsão de perseguir um desconhecido, o repórter não cessa

de perder de vista suas multidões e a si mesmo como narrador. Ao percorrer “os mais

repulsivos bairros de Londres, onde cada coisa é revestida da pior marca, da mais

deplorável pobreza e do crime mais desesperado”, o repórter sente disparar em si o

motor da escritura-reportagem andarilha e coruja: “Que história fantástica, pensei

16

Jornalista e professora de literatura jornalística do Curso de Jornalismo da Unisul (SC).

Doutorou-se em Literatura pela UFSC/Sorbonne Nouvelle – Paris. [email protected]

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comigo mesmo, não estará escrita neste peito! Me veio então um ardente desejo de não

perder o homem de vista – de saber mais sobre ele”. (POE, 1993, p. 31).

A tentativa de capturar o instante do cotidiano constitui teoricamente a tarefa por

excelência do jornalismo. Mas o jornalismo sem a reportagem observadora dos

andarilhos passa ao largo do devir da história e da noção de acontecimento como uma

fração irrepetível de tempo que irrompe o escuro do contemporâneo. Condenado pela

claridade do progresso, o flâneur morre com a pressa das mídias e o esvaziamento da

vida nas ruas. Morre com a morte do desejo de ver o invisível. Prevalece um repórter

cada vez mais distante da cena do cotidiano, que nem acumula a experiência do viajante

nem a arte de ouvir do contador de histórias sedentário que constituem, segundo

Benjamin (1994a), a maestria do narrador.

Em “A vida dos homens infames”, Foucault (2010) traçará uma genealogia literária na

qual aos poucos o clandestino e o ordinário se afirmam sobre o glorioso e o “fabuloso”,

marcando o lento movimento da literatura no sentido moderno. “Uma espécie de

injunção de desentranhar a parte mais noturna e mais cotidiana da existência vai traçar

aquela que é a direção para que pende a literatura desde o século XVII, desde que é

literatura no sentido moderno do termo.” Trata-se de um discurso do inconfessável, da

transgressão e da revolta, obstinada, nos termos de Foucault (2010, p. 221), “em

procurar o cotidiano por baixo dele mesmo”. Uma literatura das ruínas do humano se

conecta ao discurso da infâmia para se opor à literatura dos heróis e dos modelos

nobres. Obrigando o cotidiano a se colocar como discurso, no dever de dizer “os mais

comuns dos segredos”, ela cava seu lugar em um regime de “não-verdade”, que tende a

buscar verdades inconfessáveis, segundo Foucault (2010, p. 220-221): “Nasce uma arte

da linguagem cuja tarefa não é mais cantar o improvável, mas fazer aparecer o que não

aparece – não pode ou não deve aparecer.”

A essa literatura de deslocamentos de códigos e regras, por assim dizer fora da lei,

caberá “dizer o mais indizível” e “o mais secreto”. Ela se ocupará das ruínas do olhar,

precisamente do que está fora do alcance do olho humano, acima ou abaixo da altura da

perspectiva antropocêntrica ocidental. “Terá como tarefa buscar o que é o mais difícil de

perceber, o mais escondido, o mais penoso de dizer e de mostrar, finalmente o mais

proibido e o mais escandaloso.” (FOUCAULT, 2010, p. 220-221).

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Uma literatura do proscrito entra em ação na noite das reputações, quando a vida mais

normatizada se recolhe à proteção dos lares e as sobras da inumanidade saem à

superfície. Aí ela encontra o seu lugar e a sua condição. Emerge do escuro um espectro

de seres vagabundos, loucos, difamados, mal afamados, sem nenhuma fama, infames,

inscritos no desprezo e na invisibilidade porque afrontam os ideais humanistas de

beleza, inteligência, sucesso profissional e financeiro. “A hora adiantada”, já dizia o

perseguidor de “O homem da multidão”, traz “toda espécie de infâmia para fora da

toca.” (POE, 1993, p. 27). Ou em outra passagem muito emblemática de Poe para

pensar como esse narrador busca os ruídos entre os escombros:

Sob a luz de um eventual lampião [...] enquanto avançávamos, os ruídos da vida humana ressurgiam clara e gradualmente, e afinal avistamos grandes bandos dos maiores marginalizados de um populacho londrino, cambaleando daqui e dali (POE, 1993, p. 45).

O diálogo dessa passagem com a definição de vida literária que Barthes (1988, p. 29)

seleciona no ensaio de Baudelaire “Edgar Allan Poe, sua vida e suas obras” é

contundente. Ao conseguir um emprego que o permite “voltar à vida literária”, Poe

reencontra, segundo Baudelaire, “o único elemento onde podem respirar certos seres

desclassificados”. Se a vida literária respira na infâmia, é porque nela reside o tesouro da

literatura. É porque o coração dessa vida bate no submundo ou no “imundo” que Clarice

(1998b, p. 112) chamou de “inferno horrível e bom”. Coisas e seres imundos porque

proscritos dele, como a crítica literária Cixous (2004, p. 172) nos traduziu a expressão.

Nele palpitam os seres, as ideias que estão atrás dos pensamentos e as coisas que embora

feitas de mundo são alijadas dele. “Porque o mundo também é rato”, sentenciou a

escritora em “Perdoando Deus”, de Felicidade Clandestina. Na infâmia e no i-mundo, a

escrita pode ser infernalmente livre, infernalmente amorosa, sofregamente feliz. “Não

sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente” (LISPECTOR,

1998c, p. 43).

O desejo de clandestinidade, a procura pelo abominável, ambos da mesma ordem do

indizível e do invisível, requerem um movimento de corpo também clandestino.

Esgueirando-se para espiar por cima das árvores e dos muros, agachando-se para fuçar o

subterrâneo, espichando-se para ver mais longe, essa escritura-repórter ensaia um modo

de desdomesticação do olhar para o homem e para a própria literatura. Movimento

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alusível ao da ave noturna que sobrevoa a cidade, mas também rasteja,

benjaminianamente para baixo, para cima e para os lados. Arte de enxergar fora de foco

as sobras do homem, do bicho e da coisa.

Ver é conhecer: essa ideia herdamos do iluminismo. E teorizar vem da raiz do grego

theorein ver. Mas de fato só podemos vir a conhecer aquilo que, ainda não tendo se

tornado hábito de visão, não familiarizamos. Ali, no que se vê à sombra, na cortina do

invisível, na mancha que se guarda despercebida no inconsciente, se instala uma finura

de saber, inoculando o olhar estrangeiro feito vírus.

Ver é perceber e se deixar ser visto pela coisa que vemos, afirma Merleau-Ponty (2007).

Estudando o fenômeno do olhar como uma emolduração do próprio corpo pelo objeto

visível, o filósofo nos faz pensar a animalidade do maquinário humano. A visão é

envolvida por um movimento, cujo tempo é o durante o percurso. Pela rotação da

cabeça e das pupilas, o olhar movente alcança o que é visto, caminhando pelos detalhes

do que está visível no mundo, tocando-o e deixando-se tocar por ele, expondo-o para si,

na medida em que se expõe para ele.

Fenômeno sinestésico e integral, onde, segundo Merleau-Ponty (2007, p. 77), o

“homem natural se reconhece”, a percepção dá conta de que “as coisas que ela ilumina

viviam antes dela na noite da identidade.” Da mesma forma, os seres não vistos vivem

na noite dos conceitos ou dos preconceitos e também dos sentidos. No regime das

coisas, na evidência das coisas, incluindo suas aparências, se processa o primeiro olhar

para o mundo estranho.

Com a crise da representação, o espaço será o campo do olhar capaz de arrancar o eu da

posição construída de senhor da visão para revelar sua condição de objeto submetido

também a outro olhar suposto fora da cena, como analisa a psicanalista Tania Rivera

(2013). “De olhador, ele se convulsiona e estranha ao perceber-se olhado. No campo

escópico, diz Lacan, „o olhar está fora, eu sou olhado, quer dizer, eu sou quadro‟”.

Olhar é se olhar vendo, é surpreender-se no próprio jogo de representação, fazer-se

presa de um instante em suspenso. Didi-Huberman (1998, p. 77) vai retomar a “visão

fenomenológica” de Merleau-Ponty para pensar politicamente o fim da objetivação do

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ser-olhado e colocar por terra a diferença hierárquica entre o sujeito que olha e o objeto

que é visto.

É preciso tentar voltar ao ponto de inversão e de convertibilidade, ao motor dialético de todas as oposições. É o momento em que o que vemos justamente começa a ser atingido pelo que nos olha [...] É o momento em que se abre o antro escavado pelo que nos olha no que vemos.

Turbilhão de sentidos, o corpo vidente e visível, móvel e movente, tátil e tocante vê e

apalpa o corpo das coisas, sendo no seu trânsito por elas visto e tocado ao mesmo

tempo. Se a percepção não se separa do corpo, para ver ontologicamente o ser tem que

ser possível de ser visto. Buscando ver o invisível, em seu devir-coruja, o narrador

também aparece ao invisível. Como expressão de uma animalidade, ele se confunde

com a paisagem invisível da rua, ao mesmo tempo retendo seu afastamento de autor.

Uma forma de ver (ou de não ver) não cessa de se tornar a medida da própria

modernidade e da sociedade do espetáculo que esse perambulador do escuro começa a

colocar em xeque. Não basta testemunhar as histórias miúdas do cotidiano e as cenas

abstraídas do noticiário factual. Há que descotidianizá-las e desrotinizá-las. Há que

compartilhar as pequenas cenas-acontecimentos que estão fora do horizonte estático da

visão. Com seu pio melancólico, ele próprio em estado de desaparecimento, o narrador-

coruja anuncia um desaparecer, iminência de morte de uma cultura ou de uma centelha

da humanidade.

O narrador-coruja emerge em meio à multidão para salvar do esquecimento algo da vida

em comum que a humanidade está perdendo nos grandes aglomerados urbanos. Seu

cenário favorito e preferencial é a noite, quando pode farejar os fantasmas do seu tempo

na sombra, no lusco-fusco dos abajures das calçadas, longe dos holofotes das indústrias

e das vitrines, no rastro dos esquecimentos. Como a imagem dos vaga-lumes de

Pasolini, que Didi-Huberman (2011) vai revisitar, as corujas amam a noite e se

escondem na claridade. “Quando a noite é mais profunda somos capazes de captar o

mínimo clarão, e é a própria expiração da luz que é ainda mais visível em seu rastro,

ainda que tênue.” (DIDI-HUBERMAN, 2011, p. 30).

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Lugar de experimentação estética e postulação de novas gramáticas do ver, a literatura

promove a insubmissão às políticas dominantes do olhar. Literatura dá vazão a um

sujeito “noturno”, “lunar” e “fraturado” que escapa ao sujeito solar, unitário e

autoidêntico do iluminismo (LIMA, 2000). Ela é a palavra do escuro. “L‟écriture est un

regard jeté dans l‟ombre et le secret”17, diz Delon (1990, p.15).

Literatura é a palavra do silêncio e a palavra da fuga, do movimento de esconder e

desviar, diz Blanchot (2010). A palavra se afirma no escuro, como imagens do escuro,

narrativa do invisível, escuta do inaudível. Literatura é noite e ócio, porque o discurso é

o trajeto, “o discurso é o impossível”, escreve João do Rio (2008b, p. 50) em “A era do

automóvel”, ao contrapor a flânerie à pressa numa era onde o “andar de automóvel é,

sem discussão, o ideal de toda a gente.” Motorizados, ministros e presidentes eliminam

trajeto e percurso em favor de um círculo vicioso de chegada: “correr depressa de

automóvel para acabar depressa”. Há, segundo o flâneur carioca, “ruas que se

envolvem no mistério logo que as sombras descem”. Mestre na perscrutação do caráter,

da personalidade, da aparência e da alma das ruas, ele ensina: “A alma da rua só é

inteiramente sensível a horas tardias.” (RIO, 2008a, p. 27).

Enquanto escrita do escuro, “bioluminescência”, a narrativa andarilha se produz

também numa “experiência interior” da imobilidade, que, nos termos propostos por

Bataille (1986), expressa a percepção do imperceptível. Micromo(vi)mento de

auscultação do mundo, escutando-o, olhando-o, tocando-o como o médico ausculta o

coração, mas também sendo visto. É olhar o fora dentro de si. Experiência que se

cristaliza, portanto, nos olhos, em um desejo de ver que, em vez de impedir, a noite

acende, pois é o medo ativando a própria vontade de potência da vida, da existência.

O vazio emblemático da noite guarda o mistério e o segredo mais caros à narrativa. Por

isso os vaga-lumes não podem ser vistos sob o clarão do dia ou sob as luzes artificiais,

mas no escuro da sua sobrevivência, instantes antes do seu desaparecimento, como o

cinema de Pasolini viu seus povos vaga-lumes dançando nus sob as mil e uma noites da

Eritreia. “É preciso vê-los dançar vivos no meio da noite”, avisa Didi-Huberman (2011,

p. 52). Os contos árabes costuram definitivamente a noite à constituição da narrativa,

17 “A escritura é um olhar lançado sobre a sombra e o segredo.” (Tradução nossa).

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para a qual o escuro, muito mais do que cenário, estabelece o ritmo e a tensão. Cada

noite contada representa o signo da sobrevivência.

Chaque histoire rapportée par Shéhérazade représente une nuit de gagnée, un nouveau sursis arraché au sultan, mais l‟ombre constitue également une reserve de merveilleux et de mystère, elle incarne le secret, elle appelle à l‟indiscrétion (DELON, 1990, p. 15).

18

Para o narrador, assim como para a coruja, a noite carrega perigo, mas também

proteção: quem sai de dia está mais exposto ao julgamento das aparências e ao carimbo

das desigualdades sociais. Sob a garoa de São Paulo ou sob a neblina de Londres se

costuram os malditos: ao longe, ao perto, se alternam os passantes; ora estão brancos,

ora estão pretos; ora estão pobres, ora estão ricos, como no poema “Garoa do meu São

Paulo”19, de Mário de Andrade (2012, p. 55). Engano dos sentidos, ilusão de ótica? Ou

antes engano do olhar que só seleciona o agradável?

O véu da neblina, o véu da noite, o véu da garoa: panos de cegueira luminosa obrigando

o flâneur a olhar para a zona de indiferenciação. Foram colocados lá para que a visão

perca sua funcionalidade e o olhar encontre as filigranas das relações humanas. Sob a

luz do sol, os julgamentos parecem claros, mas a noite, encobridora das aparências,

tanto revela quanto confunde. Por isso a sábia coruja do poema de Baudelaire só se

sente segura para sair à noite. Aparências encorajam toda a sorte de travestimentos e de

imposturas e relaxam as ordenações tradicionais que dão a cada um o seu lugar em uma

estrutura rígida. Classificações estáveis tendem a se apagar em favor das trocas e das

simbioses que a noite provoca entre os corpos, perturbando a crença mistificadora no

indivíduo com a presença real do corpo heterogêneo da multidão. Medo e prazer, perigo

e descoberta: “afecções” que se alojam no indizível da sedução da rua e no hipnotismo

da noite. Corte na cortina do claro, a penumbra sempre acena com a esperança do

desconhecido e do travestimento das identidades.

18 “Cada história contada por Sherazade representa uma noite ganha, um novo indulto arrancado

do Sultão, mas a sombra constitui também uma reserva de maravilhamento e de mistério; ela encarna o segredo, ela convida à indiscrição.” (Tradução nossa).

19 “Garoa do meu São Paulo/ Timbre triste de martírios/ Um negro vem vindo, é branco /Só

bem perto fica negro, Passa e torna a ficar branco./ Meu São Paulo da garoa, / Londres das neblinas finas / Um pobre vem vindo, é rico / Só bem perto fica pobre, Passa e torna a ficar rico/ Garoa do meu São Paulo, / Costureira de malditos / Vem um rico, vem um branco, São sempre brancos e ricos.../ Garoa, sai dos meus olhos.”

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Tudo o que se coloca sob o regime escópico perspectivista e humanista de centro

promove o apagamento contínuo do que resta às margens. Como testemunha de um

desaparecimento, a narrativa coruja busca a exceção em um mundo onde a exceção é a

regra e abraça o que Arendt (1987) chama de diversidade fundadora do humano. A

narrativa do escuro irrompe na dramática linha divisória entre a visibilidade e a

invisibilidade sob a cortina da noite. O clandestino é para a escrita o que a noite é para o

dia.

Dissolvendo-se no caldeirão do coletivo, o flâneur se descobre singular no anonimato

da multidão. O deambular vira-lata, ocioso, libertino, pinta na rua o seu quadro da

cidade (o “tableau”) e nela constrói uma visão plateau de seus habitantes humanos e

inumanos. O olhar em perspectiva e profundidade de campo percebe a promiscuidade

em um cenário onde tudo está em relação. Fora de seu hábitat e da cena cotidiana,

povo é o conceito esvaziado, abstrato e frio que aparece no discurso dos políticos e

nas pesquisas de consumo: é nas ruas que se pode encarnar uma visão singular e

corpórea da pluralidade dos povos. A narrativa bebe, assim, na sede do desconhecido,

mas o mistério do outro permanece em silêncio e respeitosa distância, como em “Um

mendigo original”, de João do Rio (2008b, p. 98),

Saí desolado porque essa criatura fora a única que não me dera nem me tirara, e não chorara, e não sofrera e não gritara, amigo ideal […] livre de nós como nós livres dele, a dez mil léguas de nós, posto que ao nosso lado. E também com certa raiva – porque não dizê-lo? – porque o meu interesse fora apenas o desejo teimoso de descobrir um segredo que talvez não tivesse. Enfim morreu. Ninguém sabia de sua vida, ninguém falou de sua morte (RIO, 2008b, p. 98).

Como ocorre à multidão, o andarilho é atraído pela explosão de signos e luzes da

cidade, mas ao contrário dela, que se dirige cega para o feixe de luz e acaba ofuscada

pelo clarão, trata ele mesmo de direcionar sua lanterna, seu foco. Vaga com seu

lumezinho fraco, tentando iluminar os becos escuros e revelar os personagens que as

luzes das cidades escondem, sendo ele mesmo uma reminiscência na cultura da pressa e

do progresso. Passeio fingidamente descomprometido que busca, no registro, salvar do

apagamento a materialidade de uma cultura prestes a desaparecer sob a atualidade de

outra que emerge avassaladora, a soterrar modos de vida sobreviventes.

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Pasolini viu essas sobras entre os povos de cultura mais arcaica da Itália, que vivem no

interior de Nápoles ou na Eritreia. Mas para o flâneur-coruja, os restos estão entre os

que passam pelo chão contemporâneo dos paralelepípedos sem serem notados, ouvidos

e escritos. Amante piedoso e crítico da massa, ele exercita, sem o saber, uma espécie de

antropologia urbana da sobrevivência. Herdeiro da sede de experiência dos navegadores

e viajantes e da sabedoria para recolher e fazer circular as histórias alheias dos

contadores sedentários (os mestres de ofício), reconhece os povos no andar das

multidões.

Nas ruas a narrativa coruja faz operar a força inumana da literatura-jornalismo. Atraindo

homens e bichos, ruas são um lugar de reencontro entre o homem e sua animalidade,

entre o doméstico e o selvagem. A embriaguez da deambulação cria uma perspectiva

também móvel e transitória dos limites entre loucura e lucidez, colocando à prova a

fixidez do olhar. Nenhuma estabilidade do regime das hierarquias e de identidades

vinga onde tudo é paisagem em composição: um cheiro, uma luz, um sabor, um veludo,

um azul, um latido. O pescoço rodopia para capturar toda manifestação de vida, tudo

que se move, tudo que canta, tudo que gira, como no poema “Embriague-se”, de

Baudelaire (1995, p. 112).

Nos anos 70, a rua ganha a abertura da estrada no caminho do repórter que se lança a

um jornalismo viajante, regado a álcool e drogas no melhor estilo beat de Jack Kerouac.

“Jornalismo selvagem” ou “jornalismo gonzo”, como o escritor e repórter Hunter S.

Thompson cunhou esse modo de narrar bêbado, vai proclamar uma condição de

produção da escrita-reportagem fora do esquema industrial. Liberto da prisão do

consciente domesticado, mais próximo, portanto, da verdade literária, o jornalismo volta

a entrar no tempo mítico vagabundo do ócio. O gonzo reintroduz a reportagem não

somente no tempo do andar intransitivo, mas no tempo da ficção e da alucinação, para

distinguir o jornalista do serviçal do capitalismo e reaproximá-lo do artista-repórter

baudelairiano, “filho da natureza selvagem”.

Medo e delírio em Las Vegas; uma jornada selvagem ao sonho americano (Thompson,

2010), expressão maior dessa experiência on the road, funde a observação e a apuração

jornalística à alucinação no mesmo projeto de atravessar a fronteira entre consciente e

inconsciente. Em companhia de um amigo, o repórter sai a bordo de um conversível

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vermelho disposto a transgredir as linhas de controle que têm a pretensão de demarcar o

limite entre verdade e mentira para alcançar a verdade delirante. Resultado de uma

reportagem publicada em 1971, na revista Rolling Stone, o livro surgiu da cobertura a

uma convenção antinarcótica da polícia em Las Vegas e também do fracasso à cobertura

de uma tradicional corrida de motocicletas sobre o deserto de Nevada, contratada pela

revista Sports Illustrated. Integrados ao mesmo plano de composição, “informações

objetivas” e relatos de “experiências subjetivas” sob o uso de ácidos e todo outro tipo de

entorpecentes formam uma indistinção crítica e irônica do tecido real e imaginário, onde

qualquer pretensão de objetividade se denunciaria patética e infrutífera. O efeito que se

produz daí é a visão do caráter alucinógeno do próprio sonho americano, em tudo o que

a paranoia futurística da nação, da indústria da guerra, do marketing do esporte ou da

máquina do trabalho tem de ilusório, de pesadelo e de nefasto.

O relato tem o surrealismo e o delírio de um testemunho gonzo. A gíria irlandesa

utilizada em Massachusetts, nos EUA, designa o último que permanece em pé após uma

bebedeira. Intrometido e bêbado, o repórter gonzo não inspira nenhuma confiança. Mas

não é menos confiável do que um narrador ortodoxo, onisciente e imparcial, dentro

daquela proposição de William Faulkner de que a verdade se parece mais com a melhor

ficção do que com jornalismo. “E os melhores jornalistas sempre souberam disso.”

(Thompson, 2004, p. 46).

Tomado também por um desejo do incógnito muito maior do que a pressa da indústria

da informação, Gay Talese refaz, na metade do século XX, os caminhos lentos e mal

iluminados da flânerie, publicando em julho de 1960, na revista Esquire, uma série de

reportagens-crônicas produzidas em Nova York por esse olhar vira-lata. “Nova York é

uma cidade de coisas que passam despercebidas”, “Nova York é uma cidade de

personagens esquecidos”, “Nova York é uma cidade de profissões estranhas”, “Nova

York é uma cidade de anônimos” compõem as reportagens reunidas logo depois no

livro New York: A serendipiter’s journey (1961).20 A andança se dispõe a revelar para

os cidadãos a existência cotidiana dos que vivem no escuro do anonimato em pleno

coração mundial do capitalismo.

20

“Nova York: A jornada de um serendipitoso”. Reunida a outros textos, a série foi republicada mais tarde sob um título que também enfatiza o sentido de olhar à sombra: Fame and obscurity (1970). Na edição em língua portuguesa, recebeu o título de Aos olhos da multidão (1973) e mais tarde de Fama & anonimato (2010), edição brasileira ampliada na qual me baseio.

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O trânsito dos personagens, cenários e bizarrices que Talese quer desvelar diante dos

olhos da multidão contextualizam-se no desenrolar das mudanças violentas e estruturais

por que passa a cidade de Nova York, famoso objeto de análise do historiador Marshall

Berman. Nos anos de 1960, a metrópole assistiu ao surgimento de uma sucessão

espetacular de avenidas que mataram e isolaram bairros e ruas claramente preteridos

pelo governo. Marginalizados pela nova onda do progresso e da modernidade, esses

logradouros tradicionais entraram em profunda decadência estética e social, como

mostra Berman (1986, p. 291), enfocando sobretudo o bairro de sua infância, o Bronx:

Essa nova ordem integrou o conjunto da nação num fluxo unificado cuja força vital era o automóvel. Concebia as cidades principalmente como empecilho ao fluxo do tráfico e como depósito de moradias inferiores e bairros decadentes dos quais os norte-americanos deveriam fazer o possível para fugir. Milhares de áreas urbanas foram eliminadas por essa nova ordem; o que acontecera com o meu Bronx constituía apenas o exemplo mais dramático de algo que estava ocorrendo por toda a parte.

Observar as multidões anônimas nesses contextos históricos da modernidade produz um

paradoxo: há um indivíduo que, no posto de observador, resguarda-se de se dissolver

por completo no caldo da massa, mas ao mesmo tempo tem por hobby e por ofício

desejar a “morada do coletivo” à adoração. No jogo de se esconder e de se expor de

quem se arrisca no aglomerado urbano, o flâneur vive em constante perigo de

confundir-se de vez com a massa, com o objeto da perseguição e tornar-se “o homem da

multidão”, aquele que não sabe ser fora da multidão, que não sabe ficar sozinho ou “se

nega a ficar sozinho.” (POE, 1993, p. 49). Benjamin (1994b, p. 190), em referência ao

conto de Poe, chama esse paradoxo de dialética da flânerie: “Por um lado, o homem que

se sente olhado por tudo e por todos, simplesmente o suspeito; por outro, o totalmente

insondável, o escondido.” Ruína arqueológica do nomadismo humano, a narrativa

andarilha potencializa a dimensão coletiva da escrita, pois é preciso vestir um olhar

inumano e impessoal para observar a cidade e as multidões em sua pluralidade.

Essa fome insaciável de não-eu...

No contato visual e tátil com a rua, com o corpo erótico e político das cidades, no impacto

com a dimensão anônima da multidão, o narrador-coruja encontra a impessoalidade da

própria escritura. Sua presença quase invisível faz o eu vacilar para dar tintas ao não-eu,

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ou para dar aparência aos fantasmas da multidão. Baudelaire descobre no perseguidor do

conto de Edgar Allan Poe o emblema do artista observador da modernidade e mostra sua

singularidade mais perfeita na figura do pintor francês Constantin Guys, ou Sr. G., um

personagem de duplo pertencimento (real e fictício), que vem a ser, assim, também o

outro do personagem de Poe, dentro de uma intricada rede de espelhamentos mise-en-

abyme entre autores e personagens. Atrás dessa abreviatura, Guys esconde sua identidade

de “artista-repórter” do jornal britânico Illustrated London News.21 Na identidade

anônima e secreta do pintor flâneur, a dinâmica perseguidor/perseguido que anima a

relação entre o artista/escritor e o corpo coletivo do mundo que ele traz às telas se refaz: o

narrador está ao mesmo tempo na multidão que ele contempla e no desconhecido dessa

multidão.

Baudelaire já localizava na arte-flâneur do narrador da modernidade, seja ele pintor ou

escritor, a atração irresistível pela multidão e pela impessoalidade. Pode-se traduzir

nessa seleção o próprio desejo do poeta, que ama a solidão, mas a quer na multidão,

conforme observou Benjamin (1994b). Guys, o flâneur exemplar para Baudelaire,

compõe-se da conjunção dessas três habilidades emblemáticas para a modernidade:

escritor, repórter e pintor.

Um jornalismo espetaculoso, cada vez mais atado à pavonice dos apresentadores e

repórteres, não entende a impessoalidade ontológica do narrador, a não ser como

neutralidade política. Por isso o jornalismo atravessou praticamente todo o século XX

investindo em uma discussão, já gasta e improdutiva, pautada pela suposta dicotomia

entre objetividade e subjetividade do repórter. Seria preciso aproveitar melhor esses

pontos de intersecção com a literatura e a arte para perceber a impessoalidade da

autoria que a reportagem experimenta desde os primeiros flâneurs.

21

Primeiro semanário ilustrado do mundo, no qual Guys debuta em 1842 com a incumbência de fazer uma espécie de reportagem pictural de costumes, dando o seu testemunho anônimo sobre a vida contemporânea das multidões em Paris. Guys enviava o instantâneo de seus esboços de rua para a sede do jornal em Londres, onde eram reproduzidos em gravura sobre madeira para chegarem transcriados aos olhos da multidão de leitores. Uma década depois torna-se também redator e gerente da edição francesa do Illustrated London News e de 1853 a 1855 trabalha como repórter da guerra da Crimeia, conforme Jérôme Dufilho, no artigo “O pintor e o poeta”, que integra a edição de O pintor da vida moderna (BAUDELAIRE, 2010, p. 105-137).

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O foco no problema do famoso trinômio “imparcialidade, objetividade e

neutralidade”22 versus parcialidade, subjetividade e posicionalidade esconde uma

questão de fundo que escapa a essas antinomias em bloco: como o repórter supera o

subjetivismo e como alcança a polifonia (pra não esquecer Bakhtin) de quem fala não

no lugar de um indivíduo-autor, atado à própria pessoa ou à miséria de ouvir os “dois

lados”, mas em nome de uma multiplicidade? Obviamente o repórter não pode e não

deve almejar a imparcialidade, mas a política da impessoalidade que implica um

posicionamento político do mais alto grau atravessa todas essas pobres aporias. A

escrita de paisagem e de passagem habita a multidão, que é seu meio, corpo, casa,

como já nos mostrava Baudelaire (2010, p. 30):

A multidão é seu domínio, como o ar é o do pássaro, como a água é o do peixe. Sua paixão e sua profissão consistem em esposar a multidão. Para o perfeito flâneur, para o observador apaixonado, constitui um grande prazer fixar domicílio na massa, no inconstante, no movimento, no fugitivo e no infinito. Estar fora de casa; e no entanto, se sentir em casa em toda parte; ver o mundo, estar no centro do mundo e ficar escondido no mundo.

Beleza dessa prosa-poesia que inscreve a flânerie no puro jogo da alteridade, traduzida

por Blanchot (2010, p. 105) como o “conhecimento do desconhecimento do outrem.”

Multidão em Baudelaire afasta o uno do homem e promove a organização da

multiplicidade em favor do infinito do ser e da palavra ou, dito de outro modo, o

impessoal. Como abrigo anônimo e intangível de um ser em fuga, ela mostra aquilo que

a linguagem não é capaz de definir porque não há sentido próprio ao que tem por

princípio a impropriedade e a indeterminação.

Se, na multidão, o ser é de fuga, é que o fato de pertencer à fuga faz do ser uma multidão, uma multiplicidade impessoal, uma não presença sem sujeito: o eu único que sou dá lugar a uma indefinição paradoxalmente sempre crescente que me carrega e me dissolve na fuga (BLANCHOT, 2010, p. 57).

22

Desde os estudos pioneiros de Adelmo Genro Filho (1987) compreendemos que o jornalismo lida com subjetividades objetivadas e objetividades subjetivadas e, ainda, que há uma negociação entre os aspectos individuais e os dados externos da realidade objetiva (a cultura, a ideologia, as estruturas de poder e a resistência da própria materialidade) no processo de reportar e interpretar a realidade.

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A casa e a família, o mundo e a matilha formam para “o amante da vida” uma

composição heterogênea e descontínua. Inscrita no desejo insaciável de não-eu, a

diferença entre o desconhecido e o familiar também é infinita. O narrador rueiro é um

contraventor, um sabotador de poderes instituídos e centralizados. As multidões e não as

instituições são seu grande motor de eletricidade. Andar no meio da massa e escrever é

“estar fora de casa e se sentir em casa”, estar fora de si e, no entanto, se sentir em si, na

potência-multidão da escrita. Diz Charles Dickens (apud BENJAMIN, 1994b, p. 214):

“Meus personagens parecem entorpecidos se não têm uma multidão ao seu redor.”

O amante da vida universal entra, assim, na multidão como se em um imenso reservatório de eletricidade. Pode-se também compará-lo, esse indivíduo, a um espelho tão grande quanto essa multidão; a um caleidoscópio dotado de consciência que, a cada um dos seus movimentos, representa a vida múltipla e a graça cambiante de todos os elementos da vida. É um eu insaciável de não-eu, que, a cada instante, o traduz e o exprime em imagens mais vivas que a própria vida, sempre instável e fugidia. (BAUDELAIRE, 2010, p. 30-31).

No limite de perder totalmente o “eu” desse desejante “insaciável de não-eu”, a

diferença entre o flâneur e o badaud (o passante embasbacado com o movimento, que

se dedica à adoração das multidões nas ruas) está por um fio. Todo flâneur é, em

potência, um badaud ou tem um devir-badaud. É precisamente o risco de se dissolver

na massa que o caracteriza como flâneur. Entregue à multidão, como o lobisomem de

Poe, o andarilho pode devir badaud ou manter-se flâneur no limiar entre o indivíduo e a

massa. Limiar que, segundo Benjamin, distingue o flâneur do romântico Victor Hugo,

para quem a massa é a redenção.23 De qualquer sorte, é precisamente a tensão diante da

ameaça de desabamento dessas fronteiras que faz o flâneur. Abraçando com entusiasmo

poético os riscos de se perder na “morada do coletivo”, Baudelaire se refere de modo

indistinto à relação entre o flâneur e a “massa”, a “vida universal”, a “multidão” e a

“vida múltipla”.

A filosofia do devir vai apontar que a escrita não conhece outro corpo a não ser o da

multidão e que nela singularidade e multiplicidade nunca encerram uma oposição. O que

23

Em sua crítica a Victor Hugo, Benjamin diz que o escritor era tomado de uma crença política no citoyen que obscurecia o limiar entre o indivíduo e a massa, sublimando-a. Para ele, Hugo encarnaria “a ilusão social que se assenta na multidão”, a heroína da epopeia moderna hugoana. “Como citoyen, Hugo se transplanta para a multidão; como herói, Baudelaire se afasta.” (BENJAMIN, 1994b, p. 63).

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falta ser dito com as palavras de Baudelaire (2010, p. 30), contudo, é que tão logo põe o

pé para “fora de casa” o escritor já está saindo para “fora de si”. Quando caminha pelas

ruas, o “amante da vida universal” fixa “domicílio na massa” para entrar na “graça

cambiante de todos os elementos da vida.” Desposando a multidão ele desposa o

inconstante, o movimento, o fugitivo e o infinito dos seres. E esse que faz brotar em si

uma multiplicidade já não é mesmo apenas “um ser humano”, para falar agora com

Fournel. A literatura nasce quando o sujeito desaparece “absorvido no mundo exterior” e

o escritor devém um animal infinito, precisamente o corpo informe e plural da multidão,

esse gigante monstruoso estudado ontologicamente pelo filósofo italiano Negri (2004, p.

18).

O devir arranca o escritor do seu metro quadrado para lançá-lo em uma rede de

multiplicidades singulares. Um escritor deve se tornar qualquer coisa, menos um

escritor, afirma Deleuze (1997, p. 17). Na política do devir, escritor é um caso de amor

com um povo, o que também o torna fundamentalmente um caso de impessoalidade que

a ideia de indivíduo e de identidade não contém. Se a literatura descobre sob as

aparentes pessoas uma potência impessoal que as torna singularidades imediatamente

conectadas com o universal, ele (o aparente indivíduo) e a multidão (a aparente

abstração) operam, como em Baudelaire, um agenciamento, não uma oposição.

Flanar pela multitude faz derivar a impessoalidade da pessoa: o narrador que se

embrenha na paisagem urbana quisera ser “toda a gente e toda a parte”, como escreveu

Álvaro de Campos em “Ode triunfal”, (PESSOA, 1988, p. 43-52), seu mais vertiginoso

passeio pelas ruas da modernidade europeia. Mas o progresso e suas vitrines ao mesmo

tempo disparam e desmobilizam tal desejo. Superexposição de signos a roubar as

sensações do passante, a esvaziá-lo de eu, a ascender-lhe o desejo continuamente

negado de ser a parte e o todo, passado, presente e futuro. Modernidade já vem com

cansaço – de excesso de exibição de imagens, de ruídos, de cheiros inflacionados. Pelas

ruas caminha “toda a gente simplesmente elegante que passeia e se mostra”, distraída,

parada no espaço de futilidades úteis para o movimento da máquina, no intervalo “do

quase-silêncio ciciante e monótono das correias de transmissão”. (PESSOA, 1988, p.

45).

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A escrita não começa na subjetividade do autor, mas no seu impessoal, lugar onde o

sujeito, concebido como uma construção histórica e social reificada, se esfacela e se

esvazia para um vir a ser. Filho de um amor impessoal, como o é também o objeto de

amor da escrita, o amor pela multidão ganha cor e brilho na literatura. Em “Para uma

definição ontológica da multidão”, o filósofo Negri (2004) começa afirmando que todo

corpo é uma multidão. “Não existe nenhuma possibilidade de um corpo estar só. Não

podemos sequer imaginar tal coisa.” (Negri, 2004, p. 21). Corpo, não indivíduo, se

concretiza como singularidade/carne viva da multidão, elemento comum da vida e

constituidor do ser, onde a separação entre corpo e mente perde o sentido. Trazer para a

literatura o conceito de multidão proposto por Antônio Negri, conectá-lo com o devir-

multidão da escrita para libertá-lo de vez da ideia de soma de indivíduos (povo) ou de

falta deles (massa).

Políticas centradas na pessoa de direito constituem, segundo o filósofo, uma “horrível

mistificação da multidão de corpos”: elas enfatizam o próprio e a propriedade, enquanto

as configurações poderosas das multidões se expandem com base na comunidade de

amores abstratos e impessoais. Enquanto as multidões potencializam o contágio e o

contato, as máquinas jurídicas da pessoa condenam o ser à solidão mais profunda.

Atuando em nome do indivíduo, as “metafísicas da individualidade”, como Negri as

denomina, não reconhecem a multidão do corpo para em última análise não reconhecer as

próprias multidões.

Quando se define um homem como indivíduo, quando ele é considerado fonte autônoma de direitos e de propriedade, ele se torna só. Mas o si mesmo não pode existir fora de uma relação com um outro. As metafísicas da individualidade, ao se confrontarem com o corpo, negam a multidão que constitui o corpo para poderem negar a multidão de corpos (NEGRI, 2004, p. 21).

Por esse olhar, nos deparamos na rua não apenas com uma multidão de corpos mas com

o corpo monstruoso da multidão que é, conforme Negri, a mais fiel e contemporânea

encarnação de nossas existências singulares. Conceito de uma potência, a multidão nega

a dialética, pois não conduz a uma síntese, nem nomeia uma unidade, muito menos

reenvia a um poder que a transcende. Afirmação de uma diversidade imanente, o

conceito de multidão libera os povos da relação de transcendência com o soberano.

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Uma soma homogênea de indivíduos se fortalece como ideia no conjunto de

propriedades e direitos limitados ao pertencimento e à identidade (de nação, religião,

gênero, faixa etária, classe econômica, raça, etnia, espécie). Essas classificações

estabilizadas concorrem para a construção de uma unidade incapaz de expressar o

complexo e contraditório tecido de diferenças de que são feitas as multidões. Sua

representação mais totalitarista e acabada é, segundo Agamben (2002), a de uma

população demográfica. Ao contrário, a ideia de multidão de Negri, no modo que se

quer operar aqui, potencializa o agenciamento infinito de redes de solidariedade que

encontram na esfera do comum uma potência de multiplicação do ser e uma

heterogeneidade que não conhece barreiras.

Tal como a carne, a multidão é pura potência, ela é a força não formada da vida, um elemento do ser. Como a carne, a multidão também se orienta para a plenitude da vida. O monstro revolucionário chamado multidão que surge no final da modernidade busca continuamente transformar nossa carne em novas formas de vida. (NEGRI, 2004, p. 18).

Massa, povo, população. Corpos da modernidade sempre esvaziados de sua

singularidade e imanência para servir como correlatos dos soberanos ou do capital.

Agrupamentos abstraídos de sua corporalidade e de sua diversidade para virarem

medidas quantitativas manipuláveis úteis aos poderes políticos e econômicos. Políticas

do indivíduo e da pessoa propagam o “temor às massas” para inibir o que

verdadeiramente assusta o império: a potência da multidão. Ao contrário do que ocorre

às massas, as multidões são incontroláveis não por sua desordem, mas por seu princípio

de auto-organização. Elas não agem no modo de aglomeração de sujeitos, mas no modo

de redes de cooperação mobilizadas por potências comuns, intensificadas pela sua

diversidade gigante.

Tempos de sobrevivência

Ensina a filosofia da linguagem que certas operações discursivas conferem o efeito de

verdade à narrativa jornalística, onde cada detalhe, cada pormenor é bem mensurado,

classificado e situado no tempo e no espaço. Advérbios dêiticos e estruturas verbais

mais acabadas, como o presente ou o passado perfeito, que situam os fatos em um

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período datado, caracterizam o modo do tempo no jornalismo. Em seu devir ficção,24

todavia, a escrita flâneur desestabiliza o efeito de clareza, precisão e definitude que ela

própria incorpora em seu porvir jornalismo. E o faz abusando paradoxalmente de

pronomes e artigos indefinidos e modos de tempo dúbios e inacabados, como protocolos

próprios do tempo da ficção: “certa vez”, “uma vez”, “era uma vez...”.

Nesse modo de menor precisão, o jornalista ultrapassa a condição de “testemunha

ocular da história” para ser o narrador, aquele que, nos termos de Benjamin (1994a, p.

221), narra experimentando a história do seu tempo e, sobretudo, recolhe a experiência

alheia. A definitude da informação é perturbada pela lógica da ficção (HAMBURGER,

1986), acionada pelas estruturas de tempo imperfeitas ou mais que perfeitas, que

justamente concorrem para a instauração de um não-tempo ou do tempo dos possíveis,

que é o tempo da literatura e da diegese (privilegiado como mecanismo que faz

mergulhar no mundo da ficção) e também o tempo inumano sugerido por Lyotard

(1990, p. 10): “Andar depressa é esquecer depressa, reter apenas a informação útil no

momento, como acontece com a „leitura rápida‟. Mas a escrita e a leitura são vagarosas,

avançam para trás, na direção da coisa desconhecida no „interior‟.”

Entregar o controle do tempo à máquina capitalista representa a morte da flânerie. Por

isso o andarilho voyeur se procria na autogestão do tempo. A instauração do tempo

industrial pelo taylorismo foi, como anunciou Benjamin, uma das causas dessa morte. Se

o flâneur é um homem ocioso, livre para debruçar seu olhar pela cidade e até vadiar, é

também “um boêmio em constante estado de revolta contra a sociedade burguesa.”

(BENJAMIN, 1994b, p. 34). Flanar é ver e dar a ver as contradições dessa sociedade. Nos

24

O jornalismo é uma paraliteratura de caráter não declaradamente ficcional, conforme argumenta José Miguel Wisnik. Entre inúmeras outras razões porque cria uma relação ficcional com a realidade pela alteração violenta do mero recorte das cenas do cotidiano para o contexto do jornal (seja meio escrito ou audiovisual), incluindo o próprio efeito de realidade que essa transposição provoca (sob a força de verdade da palavra ou da imagem). Como máquina de destruir e construir contextos, que se vale de elementos extraídos da realidade, o jornal faz bricolagem costurando uma nova plataforma de significados a partir de materiais com origens e finalidades diferentes, como a literatura e o ensaio também são, de outro modo, bricolagem. “Assim, não só quando um texto é constituído de informações forjadas [...], mas de elementos „verídicos‟, existe nele uma tendência „ficcional‟ embutida nos procedimentos de recorte e montagem. Assim também, mesmo quando não é „ficção‟, ou exatamente por apresentar-se como não sendo, o efeito de sentido dado pela congruência dos elementos entre si investe-se de uma certa autonomia em relação ao contexto externo, o que torna o texto, também ele, “mais real do que o real.” (WISNIK, 1992, p. 335).

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fins do século XIX, nos diz Benjamin, já desaparecia essa figura histórica observadora da

modernidade que nasceu condenada pelo tempo da máquina capitalista que ela busca

transgredir.

Na base da flânerie encontra-se “a pressuposição de que o produto da ociosidade é mais

valioso que o do trabalho.” (BENJAMIN, 1994b, p. 233). Ociosidade atenta contra a

divisão do tempo do lazer e do tempo do trabalho, a ponto de Georges Friedmann ter

afirmado em um fragmento de La crise du progrès, citado por Benjamin (1994b, p.

209): “A obsessão de Taylor, de seus colaboradores e sucessores, é a „guerra à

flânerie‟”.

A economia da organização empresarial do jornalismo aboliu a possibilidade de

revelação das ruas ou da reportagem in progress, que se desdobra feito as narrativas das

Mil e uma noites, como em Les nuits de Paris, de Bretonne. Intercalando aparições

cíclicas e fantasmagóricas a longos períodos de desaparecimento, o narrador-coruja tem

uma vida efêmera. Mas como uma corrente forte de ar do passado, ele retorna de

tempos em tempos, na sua potência humana e animal, desencadeada pelos devires

éticos-estéticos da literatura.

Em última instância, os povos, as multidões estão em vias de desaparecer das ruas, da

literatura, do cinema, das mídias. Tornaram-se cada vez mais meros figurantes para

reforçar a aparição de protagonistas centrais, que não param de reproduzir modelos de

pessoa, de sujeito, de formas. Didi-Huberman (2012) inicia a história desse

desaparecimento desmentindo uma ilusão: a de que, na era da comunicação e da

internet, os povos de hoje seriam mais visíveis do que jamais foram.

On aimerait aussi pouvoir signifier, avec cette phrase, que les peuples sont aujourd‟hui mieux “représentés” qu‟autrefois, “victoire des démocraties” aidant. Et pourtant il ne s‟agit, ni plus ni moins, que du contraire exactement: les peuples sont exposés en ce qu‟ils sont justement menacés dans leur representation – politique, esthétique -, voire, comme cela arrive trop souvent, dans leur existence meme. Les peuples sont toujours exposés à disparaître.

25 (DIDI-HUBERMAN,

2012, p.11).

25 “Gostaríamos de poder dizer com essa frase que os povos são hoje melhor representados que

antes, vinculando isso à vitória das democracias. Contudo, trata-se, nem mais, nem menos, exatamente do contrário: os povos estão expostos justamente no que eles são ameaçados, na sua

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Na fotografia dos povos, o filósofo das ruas procura a cena-relampejante que Benjamin

(1994a) chama de imagem irrecuperável do passado, arriscada a desaparecer com cada

presente que não a reconhece. Didi-Huberman (2012) se refere a essas “imagens vaga-

lumes” como os últimos lampejos de modos verdadeiros de vida, facilmente destruídos

pelas “luzes do merchandising”. Em Peuples exposés, peuples figurants, o autor vai

radicalizar essa visão, argumentando que são os povos mesmos que estão desaparecendo

do plano da representação por uma anorexia do olhar que, em casos mais extremos, tem

implicações no seu extermínio físico (DIDI-HUBERMAN, 2012, p. 11).

Mecanismos da ação do espetáculo ofuscam, queimam, fazem desaparecer tanto por

excesso de exposição à luz quanto por censura. A grande máquina de olhar apaga o

brilho da vida, operando tanto modos de super e sobrexposição que produzem imagens-

clichês e anúncios dos povos, quanto modos de subexposição que censuram pela

invisibilidade tudo o que não corresponde ao padrão de belo para o mundo publicitário.

Dominam aí duas formas de relegar o absolutamente outro à ordem da invisibilidade,

pois mesmo o que se mostra sobre os povos é sobretudo o que eles não são, alerta Didi-

Huberman (2012).

A volição de olhar a multidão passante e ser olhado por ela envolve tudo o que caminha

ao lado da humanidade. Povos são “centelhas de humanidade” (para seguir a metáfora

dos seres que têm luz própria) cujas histórias são recontáveis à medida que antecipam

um “falar com outros” através dos tempos. Partes que contêm em sua universalidade

singular a humanidade inteira, cujas lutas e histórias coletivas se arrancam das

reminiscências. A literatura do recontável, da “errância labiríntica da vida”, como

escreveu Goethe, sempre pode fazer emergir esses povos, massas ou multidões em

desaparecimento, como o fizeram os escritores franceses dos séculos XVIII e XIX, que

optaram por inventariar os “perseguidos”, os “miseráveis”, os “explorados” ou os

“humilhados” (DIDI-HUBERMAN, 2012, p. 27).26

representação política e estética, o que muitas vezes atinge sua própria existência. Os povos estão sempre expostos a desaparecer.” (Tradução nossa). 26

Como fizeram as obras de Victor Hugo, Zola, Flaubert, Baudelaire, Maupassant, entre uma lista de muitos outros possíveis. Mas também como fizeram os russos Dostoiévski, Tolstoi, Nabokóv etc. e, no modo de ver de Deleuze, aqueles que criaram um sulco na literatura para um povo menor, como Kafka, Joyce, Proust, Virgínia Woolf, Lovecraft, Faulkner ou Walt Whitman, entre outros

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Povos são a face coletiva dos corpos. Para devolver a esse sentido de povo a força que

já teve na literatura e na história é preciso salvá-lo do esvaziamento atribuído pelos

governos totalitários e populistas, ou ainda da noção igualmente esvaziada de poder da

opinião pública27. Em ambos os casos, povos são arrancados de sua minoridade cultural

para operarem como maioria numérica, usura do poder e da glória.

Literatura, ao contrário, se ergue sobre as ruínas dos sujeitos e dos povos, das minorias

e coletividades proscritas. Um povo nasce para a literatura quando ela é capaz de

inventar “uma língua menor dentro de uma língua maior”, diz Deleuze (1997, p. 16).

Um povo, segundo o conceito que o filósofo vai buscar em Kafka, é essa resistência

bastarda e minoritária que nada tem a ver com quantidade, mas com linha de fuga

coletiva aos modelos ou insubordinação contra identidades maiores. “Numa literatura

menor, isto é, de minoria, não há história privada que não seja imediatamente pública,

política, popular: toda a literatura vem a ser „o caso de um povo‟ e não de indivíduos

excepcionais.” (DELEUZE, 1997, p. 77).

Lançar os povos que estão fora da história no devir de sua resistência e minoridade,

abrir para eles “um sulco na literatura”. Escrever em intenção dos que leem e se

alimentam de uma língua-mãe é muito pouco. Escreve-se em nome dos que a

decompõem e a destroem com uma língua menor. Escreve-se também em intenção dos

iletrados, dos loucos, dos animais. Cavar para os povos menores uma expressividade

própria na rua da literatura, essa procissão de ruínas humano-animais, profanadora de

hierarquias e reinos identitários. Para uma literatura menor, o conceito de povo destrói

toda ideia de maioria (política) e de modelo, convoca os outros seres da natureza e os

outros seres do homem. Só nessa humanidade plural, heterogênea e recessiva pode

subsistir a infinita diversidade leibniziana.

Como o anjo da história que anda de costas, na alegoria de Benjamin (1994a, p. 226)

sobre a tela de Paul Klee, o narrador coruja encontra entre as ruínas deixadas para trás

pelo embate entre civilização e barbárie, os vestígios da inumanidade do homem. Em

27 Para Didi-Huberman (2012), o principal papel dado à massa hoje é servir às pesquisas publicitárias do reino do consumo, de modo que, como nos governos totalitários, os povos cumpram a função de aclamar o “reino e a glória”. E para lembrar Agamben (apud DIDI-HUBERMAN, 2012, p. 95), não há civilização sem barbárie, não há reino e glória sem trevas, destruição e opressão.

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tempos de chacinas e “limpezas” de ruas, alianças secretas ou lampejos de afetos entre o

que resta de uma humanidade menor para a guerra do progresso brilham na penumbra

das sarjetas, no que resiste ainda de público das ruas.

Sob a luz noturna dos cordões elétricos, vendedores de balas, engolidores de fogo,

moradores do relento, menores de rua, homens e bichos, cães vira-latas, gatos de goteira

formam comunidades híbridas. Um vigiando o sono do outro, à espia da chegada da

carrocinha, da polícia, das milícias e dos esquadrões de extermínio. Se nada está

definitivamente perdido para uma história dos vencidos, seria preciso um dia escrever a

narrativa da silenciosa relação de camaradagem entre esses povos humanos e inumanos

de rua, banidos e autoexilados da esfera do doméstico.

Espécies de narradores-coruja desaparecem no mesmo processo em que os povos

desaparecem, censurados nas mídias pelo valor de mercado do people. Abstração

artificial das celebridades, com direito a uma imagem privada, a uma “imagem de si”,

people representa, segundo Didi-Huberman (2012, p. 20), tudo aquilo de que os povos

reais são ostensivamente excluídos e tudo o que não é “uma imagem do outro”. As

multidões estão sumindo da literatura, do cinema e das mídias, assim como o repórter,

em sua incumbência social de verificador da história, também está em vias de

desaparecimento. É como se a figura desse narrador com a “autoridade de um

moribundo” (BENJAMIN, 1994a) não cessasse de morrer. Moribundos todos nós

somos, escreveu por sua vez Bataille (apud DIDI-HUBERMAN, 2011, p. 139): “Nós

todos morremos incessantemente”.

Autointitulando-se “cronistas do presente”, os jornalistas costumam dizer que são

historiadores do cotidiano (e Benjamin mesmo escreveu que “os cronistas são os

historiadores do cotidiano”), sem muitas vezes fazerem jus a essa incumbência. Mas o

conceito de história e de presente que o jornalismo comercial pratica costuma aderir a

um presente vazio de outros tempos e de si mesmo. Um imediatismo que dá as costas

para o passado, como se todos estivéssemos montados em uma locomotiva do progresso

sem janelas para ver os rastros que ficam pelo caminho. Antes uma historiografia do

espetáculo do que o cotidiano da história atravessado pelos cacos do passado e sua força

de novo e de futuro. Tanto quanto o passado, o cotidiano, na perspectiva do

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contemporâneo e do anacrônico, está no escuro, longe dos microfones e da fama. Não é

facilmente visível, nem facilmente legível.

No final dos anos 90, José Luis Martínez Albertos, professor de jornalismo e

editorialista do diário espanhol El País, anunciou na obra El ocaso del periodismo o

desaparecimento da figura do repórter. Confirmada a sentença do pesquisador, a

avalanche de mudanças relacionadas às novidades tecnológicas na área da comunicação,

verdadeiro big bang midiático, acabará em poucas décadas. Assistiremos ao ocaso do

jornalismo, com a morte do repórter ou do que restou do narrador da crônica do

cotidiano na era da informação. No que pretende ser um diagnóstico do presente e não

profecia distópica do futuro, o apocalipse estaria desde já decretado com a vitória da

onda de reprodução digital da notícia, que Martínez Albertos (1997, p. 26) chama de

“avalanche eletrônica”, e o extermínio dos diários impressos em papel até o final de

2020. Essa forma de produção e transmissão – virótica, por assim dizer – da narrativa

diária estaria em pouco tempo tornando obsoleto o olhar e o agir do repórter,

fortalecendo um processo de

minar seriamente os fundamentos ideológicos que tornaram possível tanto o nascimento, como o desenvolvimento e impulso posterior desta forma de trabalho social a que chamamos jornalismo, espécie que se encontra, de facto, em vias de extinção. Nesse quadro, os jornalistas, que se foram constituindo, ao longo dos séculos XIX e XX, tenderão a incorporar-se cada vez mais no indistinto e extenso oceano dos database producers, dos information providers, deixando cada vez mais de ser jornalistas para passarem a ser “fornecedores de conteúdos” (Martínez ALBERTOS, 1990, p. 42).

Na mesma direção, outra obra com o título irônico de El fin del periodismo y otras

buenas noticias, coordenada por Rosemberg (2006), indica que, para a felicidade dos

grupos interessados em manter o controle da notícia diante da multiplicação das redes

de informação, o jornalismo enquanto trabalho social está com os dias contados.

Durante pelo menos três séculos, os grandes meios de comunicação sobreviveram da

comercialização de relatos de acontecimentos e situações de realidade aos quais os

diferentes públicos não podiam ter acesso imediato ou, vulgarmente falando, não podiam

estar presentes para testemunhar com os próprios olhos. Sobreviveram da publicidade

patrocinadora dos “relatos de viagem”, mais ou menos atraentes e sedutores, que não

deixam de ser histórias de “cidades invisíveis”, seja sob a forma de uma guerra, de uma

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cena de baile no palácio do governo, de um crime na estação de trem ou de um michê no

lusco-fusco das calçadas.

A formação dos grandes cartéis de mídia a partir da segunda metade do século XX

reconfigura radicalmente esse quadro e inverte o que é negociável como visível e

invisível na narrativa do cotidiano. Conglomerados passam a usar estrategicamente a

esfera da comunicação como dispositivo de controle social, mantendo a audiência

entretida com o que se apresenta como visível, enquanto a informação escondida é a

grande moeda de poder e de riqueza.

Resulta relativamente fácil asegurar que esto ya no es así, pero no tan sencillo advertir cuándo comenzó a venderse otra cosa: los medios comerciales de comunicación ya no viven de los relatos que publican, sino de aquellos que ocultan. Su influencia está directamente relacionada con su capacidad de invisibilizar información que sólo comercia entre exclusivos y excluyentes públicos

28 (ROSEMBERG,

2006, p. 7).

A pergunta que se pode abstrair da tese de Rosemberg é: como o jornalismo-Sherazade

pode sobreviver ao capitalismo midiático29 que vive das informações ocultadas ou

invisibilizadas em favor de um sultão muito mais despótico e poderoso do que a massa

invisível? Engolido pelos grandes conglomerados de mídia, grupos parceiros de áreas

políticas e econômicas estratégicas, o jornalismo deixa de ser meio de comunicação de

massa para retornar ao que Rosemberg (2006, p. 7) chama de “trono imperial como

privilegiada audiência”. E o repórter, destituído da incumbência histórica de verificador,

passa a ser um provedor em cadeia de informações prestadas e fornecidas pelos outros.

Outros cada vez mais invisibilizados em favor de uma espécie de rede controladora dos

fluxos de narração e interpretação cujo anonimato só fortalece o próprio controle.

Alguém pode estar se perguntando: por onde anda hoje o desaparecido flâneur com seus

desaparecidos povos? Os desaparecimentos contemporâneos não se consumam de todo,

28

É relativamente fácil assegurar que isso já não é assim, mas não tão fácil dizer quando se começou a vender outra coisa: os meios de comunicação comerciais não vivem mais dos relatos que publicam, mas daqueles que ocultam. Sua influência está diretamente relacionada à sua capacidade de invisibilizar a informação que só comercializa entre públicos exclusivos e excludentes. (Tradução nossa). 29

Aqui Rosemberg compreende capitalismo midiático como a formação de poder que concentra para si as informações capazes de gerar mais riqueza e poder ao exercer o controle, a restrição e a classificação dos fluxos de informação a fim de formatar a opinião pública.

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como mostra Agamben em suas visões do apocalipse. No século XXI, uma repórter do

jornal Zero Hora sai para a rua com o objetivo de cumprir uma pauta na Prefeitura de Porto

Alegre que seria esquecida instantes depois. “A pauta era tão fascinante que nem me lembro

do que se tratava”, ironiza a jornalista Eliane Brum (2006, p. 193). A poucos metros do

local ela salta do carro e segue a pé, mas para no caminho, atraída por uma rodinha de gente

na calçada olhando e apontando para a saída de um bueiro. Dentro dessa passagem

subterrânea, Eliane encontra os dois protagonistas da matéria de capa do jornal local do dia

seguinte que virariam também notícia internacional: “Diante dos meus olhos

espantadíssimos emergia de um bueiro um menino, em seguida outro”, conta ela em um

making of intitulado “O olhar insubordinado” da coletânea de textos-flâneur A vida que

ninguém vê (BRUM, 2006, p. 193).

Meninos habitantes dos esgotos de Porto Alegre dormiram até mais tarde e foram

surpreendidos pelos passantes ao se movimentar para sair de sua residência subterrânea

bem depois de o sol se levantar. “Se eu fosse uma burocrata da notícia – e não uma

repórter -, eu teria ignorado a rodinha porque estava atrasada e teria voltado para a

redação com uma nota de pé de página sobre algo como o último projeto da Secretaria

de Obras do município”, rememora Eliane Brum,30 que publicou também em 2008 a

coletânea de reportagens O olho da rua (2008).31

Todo o conjunto de flâneries da autora pelas ruas centrais e bairros periféricos da capital

gaúcha se reconhece nesse gesto de agachamento do corpo para ver o que está fora do

foco. Gesto que de alguma forma contém modos heterogêneos de olhar da repórter. “O

ponto de vista está no corpo”, ensina Leibniz” (apud Deleuze 1991, p. 16). Nessa

escritura, o processo de percepção da realidade e o movimento de corpo são

inseparáveis da narrativa cartográfica que se produz. “O mapa exprime a identidade

entre o percurso e o percorrido. Confunde-se com seu objeto quando o próprio objeto é

movimento”, escreve Deleuze (1997, p. 83).

30

Autora também do livro-reportagem Coluna Prestes – o avesso da lenda, sobre a história da marcha dos “cavaleiros da esperança” do ponto de vista dos moradores que a testemunharam, a quem chamou de “o povo do caminho”. Para produzir esse deslocamento de olhar sobre a história, ela refez o caminho de 25 mil quilômetros, percorrendo de Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul, até San Matias, na Bolívia, em 44 dias de viagem.

31 Coletânea de grandes reportagens que dá visibilidade a diferentes povos urbanos e rurais,

como habitantes da Brazilândia, comunidades de lavadeiras, idosos confinados em asilos, mineradores, povos indígenas, mulheres parteiras da floresta amazônica etc.

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Durante um ano, a repórter-escritora publicou no Zero Hora, de Porto Alegre, o jornal

de maior circulação do País fora do eixo Rio-São Paulo, pequenos contos-reportagens

com histórias de vidas anônimas colhidas em suas perseguições à multidão anônima

pelas praças e ladeiras da cidade. Veiculadas em uma coluna semanal intitulada “A vida

que ninguém vê”, depois compiladas no livro homônimo, as histórias chegavam aos

leitores da “edição-sanduíche” de sábado.32

A proposta dessa nova experiência de discursividade ótica não era exatamente a mesma

de Bretonne, para quem tudo na Paris noturna do século XVIII parecia novidade ou

notícia e para quem tudo podia ser visível e legível. Mas há nela um olhar que salva,

que inclui, que ilumina, que ressarce do anonimato e redime da invisibilidade, que

aproxima homens e bichos, um traço do olhar heroico dos primeiros narradores do

escuro. Ao longo dos tempos “o escrito” não tem deixado de funcionar “como uma

cidade para a qual a palavra são mil portas”, como disse Benjamin em suas

“Considerações e notas” de 1929-1930 (apud BOLLE, 2000, p. 271).

“História de um olhar”, a primeira crônica de A vida que ninguém vê, inicia ensinando

que todo lugar cinzento, trágico e desesperançado sempre elege alguém mais trágico do

que ele “para ser chutado por expressar a imagem-síntese, renegada e assustada do

grupo” (BRUM, 2006, p. 24). O personagem Israel vem de um lugar assim, uma vila de

operários da indústria de Novo Hamburgo, hoje papeleiros e biscateiros desempregados.

Apedrejado e “escorraçado como um cão” por outros meninos, um rapaz de 29 anos

espia pela janela, feito um vulto, um espectro, a escola que ele não pôde frequentar e à

qual ele chegou por fome biológica (atrás da merenda) e “por fome de olhar”. Mas

devagar, como “um bicho acuado, que de tanto apanhar ficou ressabiado, foi pegando

primeiro um lápis, depois um afago” e a cada dia dava “um passo para dentro do olhar”

e da escola. Antes de contar a história de Israel, “o enjeitado da vila enjeitada”, incluído

nos bancos da segunda série do primário pelo olhar de uma professora e por mais “31

pares de olhos de infância” (BRUM, 2006, p. 24), a narradora anuncia:

32

Considera-se sábado dia morto em termos de tiragem, porque espremido entre a movimentada edição de sexta-feira, recheada de resoluções políticas e econômicas importantes, e a de domingo, que é a mais preparada e fornida da semana, com saída já na tarde do dia anterior.

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O mundo é salvo todos os dias por pequenos gestos. Diminutos, invisíveis. O mundo é salvo pelo avesso da importância. Pelo antônimo da evidência. O mundo é salvo por um olhar. Que envolve e afaga. Abarca. Resgata. Reconhece. Salva. (BRUM, 2006, p. 22).

Ao rastrear a episteme do olhar em uma perspectiva arqueológica, autores como Susan

Buck-Morss (Dialética do Olhar; Walter Benjamin e o projeto das passagens) e Martin

Jay (Downcast Eyes) apontam a persistência de um discurso antiocularcêntrico no

século XX que se espraia por todos os campos do conhecimento e, sobretudo, das artes

visuais. Em sua denúncia e recusa à chamada supremacia da visão, uma gama de

pensadores tenderia a localizar o olhar como um dispositivo de poder, controle e

manipulação por excelência, onde se opera o ponto de articulação entre vigilância e

punição (no caso de Foucault, especialmente) e também entre poder e regime de

verdade (Nietzsche, Foucault) e ainda entre poder e consumo (no caso de Benjamin, que

vê o desejo do olhar como mercadoria).

Mas se o olhar não deveria ser essencializado como o centro onde atuam uma lógica e

uma razão opressoras por natureza, é porque ele pode também operar como um

dispositivo de contrapoder e de descentralização. Relações de poder suscitam uma

possibilidade de resistência tão logo se instalam. Foucault (2010, p. 232) já sustentava

essa ideia ao afirmar que para todo regime dominante que se ergue nasce uma

resistência real: “A cada instante se vai da rebelião à dominação, da dominação à

rebelião.” Fruto dessa dinâmica, uma posição de olhar autorreferencial, que

problematiza a própria fragilidade da percepção, busca se afirmar, como mostra

Hernández-Navarro.

El segundo emplazamiento de la insuficiencia de la visión da lugar a un régimen escópico alternativo, un régimen de resistencia. A diferencia del régimen de luz, que pretende ocultar la falta de la visión, el régimen de sombra tratará de poner en evidencia precisamente el punto ciego de la mirada, el escotoma surgido de la constatación de la intraducibilidad de lo visible.

33 (HERNÁNDEZ-

NAVARRO, 2009, p. 120).

33

“O segundo posicionamento da insuficiência da visão dá lugar a um regime escópico alternativo, um regime de resistência. À diferença do regime de luz, que pretende ocultar a falta da visão, o regime de sombra tratará de pôr em evidência precisamente o ponto cego do olhar, o escotoma surgido da constatação da intraduziblidade do visível.” (Tradução nossa).

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Desde o narrador-coruja, a literatura experimenta geometrias e ângulos diversos,

diferentes formas de aproximação e de abordagem do desconhecido, na tarefa de

percorrer o mistério das ruas e de vencer o muro que separa o observador do homem da

multidão. Primeiramente, o olhar do alto, a visão de pássaro de Bretonne; a passagem da

flânerie filosófica, abstrata, para o exame do pormenor e o retorno a uma lógica do todo.

Depois, a perseguição anônima pelas ruas, a leitura das aparências e a distância mantida

em uma calculada geometria no conto de Poe. Distância e invisibilidade: o flâneur é um

vigia à espreita do desconhecido. Ele tenta ler o mistério e desvendar “o crime”, como

se o caminho do homem da multidão correspondesse ao quebra-cabeça de um conto

policial, mas falha e se recolhe diante do estranho, tomando esse fracasso como a

medida do seu mistério.

Em João do Rio, um flâneur elegante, peripatético e intrometido percorre as avenidas a

passos largos. Caminha com destreza tanto pelas delegacias de polícia quanto pelos

teatros e prostíbulos. No cenário da modernidade, onde ele próprio se faz protagonista,

esbanja familiaridade, amigo garboso que é do delegado, do político, da prostituta, da

artista, do escritor ou do mendigo, a quem volta e meia presta homenagens. Repórter e

filósofo, poeta e vagabundo, tem faro para a invisibilidade, conhece a alma humana e

mundana em sua pureza e vilania, a ponto de escapar aos clichês e aos maniqueísmos

políticos e morais.

Em Fama & Anonimato, Talese (2004) coloca em cena um narrador que se aproxima

das coisas despercebidas deixando à margem toda a notoriedade em favor da

perplexidade diante do ordinário que trafega no esquecimento das ruas. Ou, em um

exercício inverso, vasculha em toda celebridade a coisa anônima, a exemplo do célebre

perfil do astro norte-amerciano “Frank Sinatra tem um resfriado” (TALESE, 2004, p.

257-306). Perfil antijornalístico em todos os sentidos, pois parte do fracasso de uma

entrevista e de uma antinotícia: a de que o famoso dono da voz – um frágil, irritado e

constipado senhor – vive o drama momentâneo de não cantar. Narrador irônico e crítico

do regime do espetáculo, Talese torna sua posição geográfica conhecida pelos

paratextos, prefácios, posfácios, entrevistas concedidas e making of que costumam

acompanhar suas reportagens (e acabam se tornando tão célebres quanto elas), onde

sabemos de seu posto de observação em alguma esquina, café ou tabacaria.

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Inúmeros outros narradores, sobre os quais nem falamos aqui, tentaram no século XX

descrever a experiência da invisibilidade saindo do mero estranhamento e vestindo

finalmente o olhar do outro. George Orwell é o repórter vidente e visível dos exílios

urbanos, que ele resolve vivenciar na própria pele, mastigando a sua experiência a ponto

de confundir propositalmente o posto de espia e espiado, sujeito e objeto da observação.

Em Na pior em Paris e Londres, escreve um ensaio sobre a pobreza do ponto de vista

de quem quase de um dia para outro se viu desempregado e começou a viver com 40

xelins por dia em Paris e depois como mendigo em Londres. Saltando de albergue em

albergue e depois de viaduto em viaduto, Orwell (2006) empreende uma flânerie da

miséria nas capitais europeias e faz dessa experiência do olhar o motor de sua narrativa:

O repórter alemão Günter Wallraff foi mais longe no propósito de viver na pele do outro

imigrante, e ser capaz de sentir o que ele sente e de ver o que ele vê: disfarçou a

identidade e tornou-se estrangeiro no próprio país. Portando lentes de contato negras,

peruca negra e tingindo também a pele de negro, ele se fez passar durante dois anos por

um imigrante turco. Com o relato dessa arriscada vivência, ele denuncia, no livro-

reportagem Cabeça de turco (2004), o desrespeito aos direitos humanos sofridos pelos

imigrantes clandestinos. Não somente turcos, mas também iugoslavos, espanhóis e

gregos na Alemanha do século XX, reduzidos à condição de vida nua por um sistema

que continuou, após o nazismo, a reproduzir as mais chocantes práticas biopolíticas

modernas estudadas por Agamben (2002, p. 116-122). A experiência de se colocar na

pele do outro mostrou que o biopoder continua a eleger os seres “matáveis” sem que sua

eliminação faça do novo soberano um homicida. Durante esse período, Wallraff

trabalhou como ajudante em uma fazenda, nas cozinhas e balcões do MacDonald‟s,

como pedreiro em uma empreiteira, funcionário de siderurgia e como cobaia humana

em uma indústria farmacêutica.

Experimentando a condição de estrangeiro, pobre e inculto em seu próprio país,

testemunha o regime de semiescravidão da indústria da construção civil, principalmente.

Conhece um país invisivelmente habitado por imigrantes trabalhando com salários

atrasados, sem direito à folga, indenização por acidente de trabalho ou assistência de

saúde. Para os imigrantes turcos que não cumpriram a meta da multinacional

siderúrgica, Alfred, o encarregado pelos operários, grita:

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– Bando de macacos africanos, cambada de capadócios, turcos de merda, judeus dos infernos! – põe-se a enumerar aos berros. – Vocês não servem para nada mesmo! Devíamos encostar todos vocês na parede e meter um tiro na nuca de cada um! (WALLRAFF, 2004, p. 152).

Ao final da viagem a essa Alemanha de exploração sem limites do estrangeiro pobre e

negro, o repórter ainda investiga a seleção de imigrantes para serviços de alta

periculosidade em usinas nucleares. Nesses campos de concentração persistentes,

compartilha as condições de vida de homens e mulheres expostos a níveis

ultracancerígenos de radiação. Encontra seres humanos animalizados, não no sentido do

devir ou da linha de fuga, mas literalmente tomados como organismos biológicos

apropriados pelo político. Pessoas reduzidas à mera sobrevivência, alimentados com

sobras, mantendo em funcionamento o trabalho insalubre e periculoso das indústrias

alemãs, merecedores do mesmo tratamento violento dispensado aos animais. Mostra de

que a máquina antropocêntrica produz contra homens e bichos um grupo de não-

humanos submetidos à mesma política de exceção.

Em Eliane Brum, o olhar e a escrita do invisível continuam sendo um desafio

dramático. Não é necessário vestir a pele do outro, mas é preciso de algum modo

encontrar o olhar do outro, aproximar-se tanto fisicamente quanto sensivelmente do seu

ponto de vista. A proximidade geográfica dessas experiências é tanto mais valiosa

quanto mais o deslocamento de corpo ao encontro do acontecimento está prestes a

desaparecer do campo de atuação do repórter. De maneira que o quase arcaico

“jornalismo de rua” torna-se reminiscência de um tempo em que toda forma de

comunicação se estabelecia e se definia pela interação entre dois corpos. Aura

melancólica deste jornalismo de negócios em que o corpo, como mídia primária,34 acaba

dissolvido em uma rede de mediações cada vez mais constituída pelo afastamento

físico.

34

A esse respeito, Norval Baitello (1999) diz que o corpo é a primeira mídia do homem, cujos gestos, articulações, movimentos ou ausência deles serão lidos por outros corpos. Baitello toma como ponto de partida a teoria de Harry Pross em Investigação da Mídia, que estabelece uma relação entre a gênese das mídias e seu afastamento do corpo, com a adoção de “aparelhos extracorpóreos” de transporte e amplificação da mensagem (apud BAITELLO, 1999, p. 6).

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Abrigada no jornal, a descrição caminhante continua a disputar o espaço com os

anúncios, como ocorria sugestivamente no conto de Poe, mas a narrativa não se

esparrama mais pelas páginas dos jornais e revistas, como A Alma Encantadora das

Ruas se espalha na Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro. Vai ficando mais despida e

econômica, quase telegráfica, a ponto de caber em uma coluna, em uma só página

tabloide ilustrada. A narradora de Brum se faz visível na medida em que localizar sua

perspectiva é importante para problematizar a abordagem do outro. O lugar de autoria

não é o de quem cria a narrativa, mas o de quem encontra um outro com uma boa

história de invisibilidade nas ruas e, no sentido de que o corpo é o texto em exposição,

torna-se autor de um texto encontrado.

Cada personagem de A vida que ninguém vê é assim profundamente marcado e fundado

por essa cartografia do olhar no escuro. Em “O gaúcho do cavalo de pau”, um burlesco

rei de rodeios extravasa em uma vassoura o talento para a montaria e o delírio-animal da

fome de planícies. A estátua de um herói da guerra do Paraguai, personagem de “O

conde decaído”, vai descendo no patamar da glória cívica no mesmo ritmo em que as

autoridades a transferem da praça central para logradouros mais desprestigiados.

Transportado em uma caixa de madeira improvisada, o garoto do morro de “O menino

do alto” empreende uma saga diária hercúlea nos ombros do pai para chegar à ajuda

médica do mundo “do baixo”, onde mora a esperança de recuperar os movimentos das

pernas. A crônica “O cativeiro” inverte a posição de homens e bichos, arrastando os

espectadores para dentro das grades do zoo, enquanto os animais se põem para dentro

dos cativeiros humanos, em um cerco onde dominados e dominadores acabam

trancafiados. A voz da menina esmoleira de “Sinal fechado para Camila”, mesmo

depois de morta, ecoa no semáforo. O protagonista de “O Sapo” vê de baixo o mar de

pernas que ele tenta parar para ganhar uma moeda. Para chegar a esse homem com

devir-anfíbio, a repórter muda geograficamente seu ponto de vista acreditando assim

olhá-lo da mesma linha de perspectiva:

O mais incrível é que o Sapo estava ali há 30 anos. E há mais de uma década nos cruzávamos na Rua da Praia. Minha cabeça no alto, a dele no rés do chão. Eu mirando seu rosto. Ele, os meus pés. Só dias atrás tive a coragem de agachar e nivelar nossos olhares, subvertendo as regras do jogo de que ambos participávamos. Não nos reconhecemos (BRUM, 2006, p. 60).

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Vozes anônimas retornam ao final de algumas narrativas, como parte da crônica-

reportagem em forma de entrevista ping-pong, que é, no discurso jornalístico, um ponto

de contato da informação com o discurso direto. Interpelada pelo narrador, a fala direta

dos protagonistas vem a ser uma reminiscência retórica do drama, a emprestar

singularidade, vida e força de verdade à narrativa jornalística. Mas, nesse contexto,

também a colocar em questão o regime de verdade do olhar na escrita, perturbando-o

com o sentido e o gesto da escuta, a descentralizar a percepção e a reintegrá-la ao

mesmo tempo.

Em plena a crise do racionalismo e da objetividade, os jornais impressos ou televisivos

são o grande alvo como vitrines do regime escópico do consumo. A visão continua

tendo lugar nevrálgico na percepção do outro e da realidade, mas exige que o

expectador se veja criticamente no que mira e no que se expõe. Nó corpóreo onde o eu

perde o seu centro e onde toda a certeza de identidade vem a ser perturbada, ela não

produz nenhuma garantia de verdade. Antes, cristaliza a crítica a toda forma de

representação, exposição e invisibilidade. O narrador-coruja continua apostando na

exploração sensível do mundo, mas o olhar só se legitima no seu fazer poético como

exercício autorreflexivo sobre o próprio gesto da visão.

Uma vontade de verdade acordada por uma urgência do agir quer se desinvestir das

estruturas invisíveis de controle e domesticação que orientam, no processo de

humanização, o que é digno ou não de ser olhado. A cidade, labirinto de heterotopias

onde as coisas e os seres se exibem ou são exibidos, nunca foi apenas um cenário

flutuante do narrador. Ela se aprofunda como quadro, espelho crítico onde ele se vê –

ele nos vê, como povos sempre a desaparecer diante dos olhos do cotidiano.

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Teoria da Agenda na perspectiva de uma metodologia de pesquisa em Jornalismo

Thaís Helena Ferreira Neto Oliveira Sérgio Luiz Gadini (UEPG-PR)

Resumo: O debate em torno da construção de metodologias da pesquisa em Jornalismo, se não é tão recente, parece distante de superar embates e dilemas que envolvem

aspectos conceituais, questões operacionais e uma tarefa igualmente desafiadora: a indicação de um horizonte capaz de justificar a própria existência pública do Jornalismo

como produção de conhecimento na vida social. Dizer que o Jornalismo exerce um papel de mediador social, que opera como mecanismo de divulgação noticiosa já não basta para um campo que registra constantes questionamentos em torno de sua

legitimidade frente a outros setores de organização da vida social e, da mesma forma, no meio acadêmico. Alguns indicadores, entretanto, revelam que a identidade profissional

não se limita ao reconhecimento pela lógica das relações de mercado, mas pode ser compreendida como uma produção simbólica (informação, conhecimento e discurso), que se materializa como trabalho, e busca espaço no segmento acadêmico, também em

função do número de atores e interesse que envolve cotidianamente milhares de pessoas, entre o processo de formação universitária, profissionais do ensino,

pesquisadores e docentes que atuam no cerca de 350 cursos de Jornalismo existentes em todos os estados e regiões do Brasil. O presente texto discute a perspectiva possível de uma orientação metodológica para investigação em Jornalismo, tomando por base a

Teoria da Agenda ou, até recentemente, também denomina „hipótese‟ do Agenda Setting, formulada inicialmente por Max McCombs and Dr. Donald Shaw (1972).

Palavras-chave: Teoria da Agenda. Metodologias de Pesquisa em Jornalismo.

Agendamento Temático.

O Jornalismo entre agenda... pública, política e midiática

“Definir a agenda se tornou, nas sociedades complexas, uma das batalhas simbólicas permanentes, que envolve a busca de estratégias

para dizer aos outros o que e como pensar sobre assuntos de relevância pública ou privada. Compreender tais processos é,

também, um dos desafios do Jornalismo” (Luiz Naue)

A busca de uma compreensão (teórica) em torno de justificativas às escolhas editoriais

cotidianas, obviamente, não podem ser vistas como mera formalidade ou cumprimento

de rituais de um suposto universo jornalístico hermético ou, no outro extremo, de

conspirações logicamente combinadas, sempre, em prejuízo dos milhões de

contribuintes, responsáveis diretos pela manutenção do Estado (governo, políticas

sociais, unidades federativas ou municipais).

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E, pois, não se pode pensar que a noticiabilidade se limitaria à satisfação de

pequeno grupo de pessoas, desprovidas de interesse coletivo, ou forjadas por eventuais

ajustes de poucos e isolados atores. A escolha de critérios editoriais tem, pois, bases

socialmente contextuais.

É fato que não é exclusividade do campo jornalístico o debate e os esforços conceituais

para explicar os processos de agendamento nas sociedades contemporâneos. Mas, na

medida em que o assunto envolve, também, a busca de atualidade na tematização dos

produtos informativos, a teoria da agenda passa a ser um eixos norteadores de

incontáveis estudos em Jornalismo, seja na perspectiva conceitual, metodológica ou nos

desdobramentos correlatos com áreas afins.

E a sistematização da agenda como teoria é apresentada com um diálogo direto por um

dos principais pensadores do assunto:

na sua seleção diária e apresentação das notícias, os editores e diretores de redação focam nossa atenção e influenciam nossas percepções naqueles que são as mais importantes questões do dia. Esta habilidade de influenciar a saliência dos tópicos na agenda pública veio a ser chamada da função agendamento dos veículos noticiosos (MC COMBS, 2009, p. 18)

Na busca pelas notícias e aprofundamento das informações, os editores de espaços e

produtos jornalísticos precisam, sempre, se adaptar. Habitualmente, eles pautam, mas

também podem ser pautados perante as novas tecnologias, sendo necessário procurar

um equilíbrio entre a agenda da mídia e a agenda pública. Esta é a avaliação de Nelson

Traquina ao campo jornalístico ainda no início da década passada:

a digitalização do jornalismo, as novas capacidades que a internet oferece aos jornalistas na obtenção de dados e de acesso a informação, a proliferação de canais e a explosão de locais de comunicação e informação, nomeadamente os milhares de sites no ciberespaço, a nova e potencialmente revolucionária dinâmica da interatividade, em particular entre jornalistas e fontes e entre jornalistas e público, as novas oportunidades de acesso aos jornalistas para as vozes alternativas da sociedade, são fatores que apontam para o enfraquecimento do controle político dos medias noticiosos e para a existência de um campo jornalístico que é cada vez mais uma arena de disputa entre todos os agentes sociais (TRAQUINA, 2001, p.91)

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Em outros termos, quando uma determinada produção jornalística pauta e divulga no

País a reforma política, por exemplo, através dos processos e rotinas editoriais de

produção, coloca em jogo possibilidades de escolhas por parte da população, criando

condições para interagir com grupos e atores sociais diversos, que podem formar uma

opinião sobre os temas pautados.

Esse equilíbrio é complexo, pois são incontáveis – e em número cada vez maior – os

assuntos de interesse público que disputam um espaço na agenda midiática. No campo

político, fica em evidência a necessidade de utilização da agenda pública e política para

a midiática, em que partidos, agentes ou (pré)candidatos tentam agendar suas iniciativas

e propostas para entra no cenário de divulgação e debate.

A necessidade de orientação é o melhor termômetro, mas se o tópico é relevante e você pouco sabe a seu respeito, a necessidade por orientação é muito grande. Então, podemos pensar em diferentes níveis de necessidade de orientação, indo de muito pequeno e inexistente, ao moderado, depende muito. Quanto maior a necessidade por orientação, mais forte é o efeito do Agenda-setting (MC COMBS, 2009, p.208).

Quando uma pauta é relevante ao cotidiano do cidadão ou ao meio no qual está inserido,

este tende a procurar mais informações ou discutir com outras pessoas para aprofundar

o tema e ter percepções próprias (ainda que não exclusivas ou inéditas) para possíveis

debates ou conversas espontâneas na vida cotidiana.

Equivale dizer que o público também decide quais assuntos são importantes. Cada

pessoa e o meio ao qual está inserido delimitam a importância das notícias para uma

determinada comunidade ou grupo social. Para Mc Combs, “a relevância de um tópico –

sentimento de que um assunto tem alguma relevância pessoal ou relevância para a

sociedade ampla – brota de muitas fontes” e “quanto maior for a necessidade de

orientação que as pessoas têm no âmbito dos assuntos públicos, maior é a probabilidade

delas atentarem para a agenda da mídia” (MC COMBS, 2009, p. 91 e 94).

O agendamento se dá no patamar da relevância pública com força de mídia. Para MC

Combs, “as notícias advindas da mídia tornam-se de grande interesse para o público”,

explica. Para o autor, a agenda midiática, através das mensagens, influencia a agenda

pública.

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Os públicos usam estas saliências da mídia para organizar suas

próprias agendas e decidirem quais assuntos são os mais importantes. Ao longo do tempo, os tópicos enfatizados nas

notícias tornam-se os assuntos considerados os mais importantes pelo público. Em outras palavras, os veículos jornalísticos estabelecem a agenda pública. Estabelecer esta ligação com o

público, colocando um assunto ou tópico na agenda pública de forma que ele se torna o foco da atenção e do pensamento do

público – e, possivelmente, ação – é o estágio inicial na formação da opinião pública (MC COMBS, 2009, p. 18).

Deve-se considerar a capacidade da agenda pública e a competição entre os temas para

ocupar lugar nesta agenda, o período de tempo que está envolvido na evolução desta

agenda pública e os papeis comparativos das notícias dos jornais e da televisão no

processo do agendamento. Há uma constante disputa entre as pautas para um lugar na

agenda e em um único momento, com uma enormidade de temas disputando a atenção

do público. “Os efeitos do agendamento – a transferência bem sucedida da saliência da

agenda da mídia à agenda do público – ocorre em qualquer lugar no qual exista um

sistema político relativamente aberto e um sistema midiático razoavelmente aberto”

(MC COMBS, 2009, p. 66).

O agendamento trabalha, portanto, com um restrito espaço na agenda pública. Além do

limite encontrado também por parte do público, limites estes que incluem tanto o tempo

como a capacidade (de escolha e percepção) psicológica. O limite do tamanho da

agenda da mídia é ainda mais óbvio, quando se considera o pouco espaço de caracteres

nos jornais e o limitado tempo de notícias no rádio e televisão.

O papel do agendamento desempenhado pelos veículos noticiosos é sua influência na saliência de um assunto, sua influência sobre se algum número significante de pessoas realmente considera que vale

a pena sustentar certa opinião sobre um assunto. Enquanto muitos temas competem pela atenção do público, somente alguns são bem

sucedidos em conquista-lo, e os veículos noticiosos exercem influencia significativa sobre nossas percepções sobre quais são os assuntos mais importantes do dia (MC COMBS, 2009, p. 19).

Ao pensar no cenário político brasileiro, o agendamento pode até mesmo estabelecer a

„agenda‟ de uma campanha, pois, atualmente, os candidatos apresentam-se, sobretudo,

através dos veículos de comunicação. Para algumas pessoas, as informações que elas

terão através da mídia podem ser as únicas (ou principais) que terão durante todo o

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processo eleitoral para formar uma opinião a respeito dos candidatos que disputam o

pleito.

Traquina (2000) também aborda o posicionamento das notícias na agenda da mídia. O

autor destaca que quanto mais publicações e ênfase nos canais de comunicação uma

determinada pauta tiver, mais pessoas poderão atingir. Assim, Mc Combs (2009)

aponta, por exemplo, que matérias de primeira página de um impresso teriam, por

ocasião de seus estudos empíricos, duas vezes mais leitura que as do interior do

jornal. Os cidadãos estão, assim, envolvidos em um processo contínuo de aprendizagem

sobre os assuntos públicos. E a agenda noticiosa está diretamente associada aos

interesses públicos pautados. E, pois, a agenda da mídia dialoga com a agenda pública e

vice-versa.

O agendamento tende a dirigir a atenção do público às etapas (processuais) que formam

a opinião pública. Uma situação que confronta os jornalistas com forte responsabilidade

ética para selecionar os temas das agendas midiáticas. “A explicação sobre o

agendamento de segunda dimensão, o agendamento de atributos, também relaciona a

teoria a um conceito-chave contemporâneo, o enquadramento”, avalia MC COMBS

(2009, p.136).

O mesmo autor destaca como perspectivas do efeito do agendamento que o foco está em

duas formas de ver a agenda: que pode estar no conjunto total de itens que define a

agenda ou restrita a um único item particular da agenda. Também como formas de

medir a saliência pública, com medidas que descrevem um grupo inteiro ou uma

população versus medidas que descrevem respostas individuais (2009, p. 57).

Molotch e Lester apontam que entre os acontecimentos de rotina estão o habitual e o

disruptivo, seguidos pelo acidente, pelo escândalo e pelo serendipiry. “As notícias são

assim o resultado desta necessidade invariante de relatos do inobservado, desta

capacidade de informar os outros, e o trabalho de produção daqueles que estão no

media” (1999, p. 34).

Os autores definem que “o potencial impacto público significa que o efeito

multiplicador social do trabalho daqueles que criam notícias para públicos é muito

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maior que o efeito das pessoas que criam notícias para elas próprias” MOLOTCH e

LESTER (1999, p. 37). Portanto, o potencial da notícia torna-se ainda mais evidente

quando esta encontra o público, o coletivo.

Para Mc Combs (2009), na análise quantitativa de conteúdo, a Teoria especifica que a

saliência do conteúdo pode ser medida em termos de frequência de veiculação.

Ao estudar o Jornalismo no século XX, Traquina (2001, p. 25) destaca que, “na nova

fase de investigação, a relação entre o jornalismo e a sociedade conquista uma dimensão

central: o estudo do jornalismo debruça-se sobre as implicações políticas e sociais da

atividade jornalística e o papel social das notícias”.

Os acontecimentos tornam-se significativos nos meios a partir dos processos

jornalísticos, tornando-se assim notícias; antes disso, alguns acontecimentos não fazem

parte da realidade de muitos. Para Hall e Chritcher (1999, p. 234), “em qualquer das

formas de editorial, os media estabelecem uma ponte de mediação crucial entre o

aparelho de controle social e o público”.

Em sociedades onde o grosso da população não tem acesso direto nem poder sobre as decisões centrais que afetam as suas vidas, onde a política oficial e opinião estão concentradas e a opinião popular está dispersa, os media desempenham um papel de ligação e de mediação crítica na formação da opinião pública e na orquestração dessa opinião com as ações e perspectivas dos poderosos (HALL e CHRITCHER, 1999, p. 234)

O cenário político foi adaptando-se às transformações dos medias nas sociedades

complexas. Schudson, por exemplo, afirma que, em 1900, analisando o cenário

presidencial dos Estados Unidos, as notícias foram parcialmente transformadas. “Os

jornalistas concedem à política um prestígio que ela não tem na mente pública” (1999,

p. 289).

O lead como convenção jornalística fez com que os jornalistas passassem a ser

intérpretes, relatando as reações congressistas na tribuna e voltando-se às entrevistas. O

jornalista passou a ter a obrigação de mediar e simplificar, identificando os elementos

políticos no acontecimento noticioso.

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A mudança das convenções das reportagens e das notícias, então, quando davam maior ênfase à presidência ao descrever uma realidade política alterada, forneciam com maior importância uma forma diferente de descrever qualquer realidade política. É algo muito diferente dizer que as notícias refletem o mundo social descrevendo-o e dizer que elas refletem o mundo social incorporando-o em convenções narrativas inquestionáveis e despercebidas. (...) as notícias são parte da política da forma narrativa (SCHUDSON, 1999, p. 288-289)

Assim, é dever da imprensa esse acesso à informação, a discussão de temas públicos,

políticos, sociais, econômicos, enfim, assuntos que façam parte do cotidiano, levando

subsídios para que cada leitor, ouvinte, telespectador norteie sua opinião.

Neveu (2006, p. 37) destaca a função do jornalista em todo o processo de produção; “a

identidade compartilhada traz também à tona o jornalista como peça da democracia, e

até como agente ativo do contrapoder”.

No caso específico do agendamento, o s itens da agenda competem entre si. Ao

jornalista cabe a difícil tarefa de informar, trazendo subsídios que farão parte da

composição da opinião pública sob determinado assunto. Mas qual seria a medida para

dar espaço as diversas questões e assuntos que envolvem a democracia? Por exemplo,

dar o devido espaço a ações que envolvem movimentos sociais, peças importantes da

democracia que unem a coletividade a assuntos públicos.

O problema da cobertura, contudo, persiste. Se for verdade que a imprensa ignora, ainda que apenas em parte, os movimentos sociais, será também verdade que fecha os olhos para uma parcela significativa da realidade com que lida. Por certo, seria um destempero pretender que todos os órgãos de imprensa falassem do assunto do mesmo modo. (...) Cada um tem o seu repertório próprio, sua agenda própria, mas, se é fato que o cidadão não dispõe de veículos que o informem com qualidade sobre os movimentos sociais, algo não vai bem (BUCCI, 2008, p. 22)

Como observa LAPERRIÉRE (2012, p.415), “toda pesquisa implica uma interação

entre observador e observado: a observação muda, efetivamente, o objeto observado, e

vice-versa”. Essa mudança é notável em todo processo metodológico, já que não se

pode observar o objeto como finalizado, pois o mesmo está em constante mudança.

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As perguntas precisam ser frequentes por parte do pesquisador ao longo do percurso; o

objeto nunca pode ser dado como acabado, ou limitado a algumas respostas. É

importante investigar, indagar, deslocar o olhar, avaliando do objeto ao método. SILVA

e MAIA (2011, p.24) abordam que “nem todos os aspectos implicados no processo

produtivo podem ser acessados através do produto. Após ser recortado em torno da

produção, o objeto jornalismo continua a desdobrar-se em diferentes esferas de análise”.

Considere-se, contudo, que todo debate público pressupõe mudanças e o jornalismo tem

entre suas funções a informação.

O desenvolvimento de um método específico para estudar a produção a partir do produto requer, primeiramente, a adoção de uma perspectiva teórico-metodológica mais aberta, que não restrinja o olhar sobre o objeto às diretrizes do modelo fragmentário de processo jornalístico, no qual a produção, produto e recepção são tomados por categorias estanques. Mais além, requer que se desvincule a noção de produto da noção de mensagem e que se rompa com a matriz conceitual que tende a reduzir uma à outra (SILVA e MAIA 2011, p.22).

Meditsch destaca a força de uma divulgação por parte do Jornalismo. “Numa sociedade

que se move em crescente velocidade, a disponibilização pública e permanente da

informação atualizada é estratégica para a atuação de todos os setores sociais e

emancipação dos setores oprimidos” (2012, p. 21).

Assim, o jornalismo pode atuar como um oportunizador de debates sociais, dando

possibilidade, através das informações, de escolhas ao público, que poderá consolidar

uma opinião através dos subsídios ofertados pelo jornalismo. “Quando há ênfase no

contexto sócio-histórico-cultural, possibilita relacionar as estratégias de apuração à

influência de forças conjunturais, explicam SILVA e MAIA (2011, p. 32). No

protocolo de Análise da Cobertura Jornalística (ACJ), as autoras trabalham a questão

da influência de temas e abordagens culturais, sociais e históricas na conjuntura

jornalística. Para elas, a pesquisa em jornalismo pode atrelar a apuração e processos

produtivos a questões dessa natureza.

Os jornalistas têm rotinas próprias que são determinadas pelo processo de apuração, redação e divulgação das informações. Pensar em como se constrói a notícia, quais são seus critérios, como são definidos e em que

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medida eles são cumpridos ou não, me parece uma discussão importante num momento de profundas transformações no jornalismo com a entrada em cena das mídias digitais (TRAVANCAS, 2010, p.83)

Através das rotinas de produção, o jornalista dá forma ao jornalismo. Os processos

produtivos, aliados às práticas sociais, por exemplo, permitem um aprofundamento na

esfera pública. Não ficando a informação na superficialidade.

Machado (2010) atenta para que o pesquisador procure abordar especificidade do objeto

em metodologias do Jornalismo.

A institucionalização plena do jornalismo como disciplina cientifica passa pela produção sistemática de todos os manuais e pressupõe a ruptura com o modelo de pesquisa centrado na simples importação de metodologias concebidas por outras disciplinas, com propósitos distintos e, muitas vezes, destituídas de ferramental adaptado às demandas cognitivas do campo jornalístico e dos procedimentos necessários para identificar, caracterizar, definir, classificar e sistematizar a prática do jornalismo como objeto de conhecimento científico (MACHADO, 2010, p.23).

Essa superficialidade das pesquisas também é discutida por MACHADO e SANT‟ANA

(2010, p.1) quando os autores trabalham a consolidação do Jornalismo. Para eles é

necessário “reflexão sobre o rigor metodológico dos pesquisadores deste campo

cientifico do conhecimento”.

No campo jornalístico é preciso interpretar fenômenos, romper o senso comum e

trabalhar a especificidade. Como nenhum campo é estático, no campo jornalístico não é

diferente, ele tem sua simbólica, sua lógica de representação através de signos e

significados.

Meditsch (2012, p. 84) aborda a diferença entre Ciência e Jornalismo, ao citar que

enquanto a primeira “procura estabelecer as leis universais que regem as relações entre

eles, o Jornalismo, como modo de conhecimento, tem a sua força na revelação do fato

mesmo, em sua singularidade”. Para o autor, enquanto a Ciência trabalha com o

questionamento do mundo explicável, o Jornalismo está no patamar do entendimento de

mundo no modo sensível.

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Considerações finais

E, por fim, considerando os conceitos de agenda pública, midiatica e política como

orientação metodológica, indicamos eixos para um protocolo de pesquisa, na forma de

coleta de dados empíricos em produtos editoriais jornalísticos. Para identificar marcas e

características de produção, capazes de contemplar as bases conceituais do

agendamento temático, é preciso considerar a busca de elementos como título (e seus

complementos, como linha de apoio, chamada, passagem de bloco ou similar), fonte

noticiosa, formato editorial, gancho ou foco de abordagem de um produto, além dos

temas mais frequentemente pautados, incluindo aqui as categorias temáticas (que podem

ser levantadas a partir de observações prévias) das respectivas produções jornalísticas.

E como materializar indicadores para conhecer, levantar e compreender os mecanismos

e processos de construção da agenda a partir do Jornalismo? Se tomarmos os conceitos

centrais da teoria da agenda, a partir dos três eixos da respectiva abordagem (pública,

midiática e política), é possível definir termos e categorias de análise, por exemplo,

considerando o objeto de pesquisa de um estudo.

E esta é uma das tarefas da pesquisa: dialogar e tensionar os conceitos da orientação

teórica com as marcas e referências do objeto empírico que envolve o problema de uma

determinada investigação. A quantidade e ênfase em certos aspectos, portanto, é o que

podem melhor indicar as categorias (como expressões conceituais) a serem observadas

no estudo.

No que diz respeito aos processos cotidianos de construção e disputa pela indicação

social da agenda, e considerando o Jornalismo como um dos campos onde esta mesma

disputa acontece, pode-se dizer que a proposta conceitual sistematizada por MC Combs

(2009) constitui-se em um oportuno e atual instrumento que pode orientar o

desenvolvimento de pesquisas como referência metodológica.

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Referências

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Jornalismo. ANDI. São Paulo: Editora Cortez, 2008.

GOMES, Wilson. „Jornalismo e interesse público‟. Jornalismo, fatos e interesses:

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media‟. Jornalismo: questões, teorias e “estórias”. Comunicação e Linguagens. Lisboa: Vega, 1999.

KOVACH, Bill; ROSENSTIEL, Tom. Os elementos do jornalismo: o que os

jornalistas devem saber e o público exigir. 2. ed. São Paulo: Geração, 2004.

LAPERRIÉRE, Anne. “Os critérios de cientificidade dos métodos qualitativos”. In.

POUPANT, Jean. A pesquisa qualitativa – enfoques epistemológicos e

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MACHADO, Elias. Metodologias de pesquisa em Jornalismo – uma revisão histórica e perspectivas para a produção de manuais de orientação. Brazilian Journalism

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Jornalismo: Um estudo dos trabalhos apresentados no GT de Jornalismo da COMPÓS (2000-2010). SBPJor, 2010.

MC COMBS, Maxwel. A teoria da agenda: A mídia e a opinião pública. Petrópolis: Vozes, 2009.

MC COMBS, “Um panorama da Teoria do Agendamento, 35 anos depois de sua

formulação”. In: Revista INTERCOM. São Paulo, v.31, n.2, jul./dez. 2008. Disponível em:http://portcom.intercom.org.br/revistas/index.php/revistaintercom/article/viewFile/176/169

MEDITSCH, Eduardo. Pedagogia e pesquisa para o Jornalismo que está por vir.

Florianópolis: Insular, 2012. MOLOTCH, Havey; LESTER, Marilyn. „As notícias como procedimento intencional:

acerca do uso estratégico de acontecimentos de rotina, acidentes e escândalos‟. Jornalismo: questões, teorias e “estórias”. Comunicação e Linguagens.

Lisboa: Vega, 1999. NEVEU, Érick. Sociologia do Jornalismo. São Paulo: Loyola, 2006.

SCHUDSON. Michael. „A política da forma narrativa: a emergência das convenções

noticiosas na imprensa e na televisão‟. Jornalismo: questões, teorias e “estórias”. Comunicação e Linguagens. Lisboa: Vega, 1999.

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96

SILVA, Gislene; MAIA, Flávia. „Análise de cobertura jornalística: um protocolo metodológico‟. Revista Rumores, Edição 10, número 5, 2011.

TRAQUINA, Nelson. Jornalismo: questões, teorias e “estórias”. Comunicação e Linguagens. Lisboa: Vega, 1999.

TRAQUINA, Nelson. Poder do Jornalismo. Análise e textos da Teoria do

Agendamento. Coimbra: Minerva, 2000. TRAQUINA, Nelson. “Teorias das Notícias: o estudo do jornalismo no século XX‟. O

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TRAVANCAS, Isabel. Etnografia da produção jornalística – estudos de caso da imprensa brasileira. Brazilian Journalism Research, Volume 6, número 2, 2010.

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Metodologia de Ensino (relato de experiência)

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Formação acadêmica em jornalismo na cidade de Blumenau:

o olhar de um acadêmico no âmbito da aprendizagem

Rodrigo Ramos35 (Senac/Uniasselvi)

Não vou falar de critérios de noticiabilidade, nem de valores-notícia, mas apenas tecer

considerações sobre como se deu a formação da primeira turma de graduação em

jornalismo, em Blumenau. O sonho da implantação de um curso de graduação em

jornalismo em Blumenau era antigo. Na década de mil novecentos e noventa, com a

implantação da FURB TV, muito se falou na também abertura de um curso na área,

tanto que em uma das campanhas publicitárias de chamada para vestibular o curso

chegou a ser anunciado e, posteriormente, retirado da propaganda.

No início de 2001, o professor Anselmo Medeiros, na época um dos fundadores do

Instituto Blumenauense de Ensino Superior, IBES, durante uma visita em Florianópolis,

me procurou para falar de um projeto que estava em andamento em Blumenau: a criação

de um curso de graduação superior em jornalismo.

Na época eu estava com a matrícula trancada no sétimo semestre no curso de

Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, na Universidade do Vale do

Itajaí, em Itajaí. Em Florianópolis eu coordenava o departamento de jornalismo e

apresentava o telejornal da TV Capital, emissora de TV a cabo local, nos moldes da TV

Galega, de Blumenau, com programação própria e uma equipe de jornalismo atuante.

Durante a visita o professor Anselmo relatou que para abranger um curso de quatro anos

e meio, de Jornalismo, em Blumenau, estaria propondo junto ao Ministério da Educação

uma grade curricular possibilitando a inserção de uma disciplina específica, que ele deu

o nome de Temas Transversais. A cadeira atenderia assim as demandas atuais do

mercado jornalístico. A matéria interdisciplinar seria um dos focos mais importantes

dessa nova experiência para Blumenau, uma vez que ela estaria presente em todos os

semestres.

35

Jornalista, professor universitário. Professor da Faculdades Senac Blumenau e Uniasselvi.

Produtor cultural. Preside a Academia de Letras Blumenauense.

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Ao ser questionado sobre o que pensava no assunto, meditei um pouco e, feliz com a

ideia, de finalmente Blumenau contar com um curso voltado para a área ousei falar: em

contraste com o posicionamento das aulas fechadas e das grades já formatadas vamos

fazer história. Uma força tarefa foi montada com os dirigentes do IBES, visitando todos

os locais de imprensa de Blumenau e região, buscando arregimentar aqueles

profissionais que já estavam na área, no entanto, sem formação superior. Uma equipe

montada pelos professores Anselmo Medeiros, Fábio Ghedin e um outro professor, que

integrava o grupo do Diário Catarinense, e que foi o primeiro coordenador do curso, de

forma hercúlea, palmilhou todo o Vale do Itajaí.

Em agosto de 2004, um domingo de Dia dos Pais, foi realizado o processo seletivo, que

contou com mais de 200 candidatos, apenas para o curso que estava sendo lançado.

De todos os candidatos foram confirmados os nomes de sessenta aprovados, sendo que

com algumas desistências outros nomes foram chamados. O primeiro dia de aula, na

segunda-feira, dia 23 de agosto de 2004, reuniu em uma sala de aula, 64 acadêmicos,

resultado do trabalho e do esforço diante de uma nova proposta que iniciava na cidade.

Foi uma alegria muito grande, ver tantos rostos conhecidos dos afazeres diários, agora

sentados, em um grande coletivo, buscando o conhecimento científico.

Após as saudações iniciais, a primeira professora a ingressar em sala de aula foi a

mestre em linguística, Elisabeth Penzlien Tafner, que já no primeiro momento falava

sobre signo, significante e significado, fazendo-nos entrar no mundo de Ferdinand de

Saussure, linguista e filósofo suíço, cujas elaborações teóricas propiciaram o

desenvolvimento da linguística enquanto ciência autônoma. Aos poucos a sala foi

tomando forma, grupos foram se formando, e, antes do fim do semestre já teríamos uma

primeira baixa de quase dez alunos.

Ao final do primeiro semestre, assume a coordenação o professor Fábio Roberto

Ghedin, publicitário, que ficou responsável pelos cursos de Publicidade e Propaganda e,

Jornalismo. Um fato curioso é que o curso teve autorização para ter seu início já

contando em sua grade com a ideia original do professor Anselmo de trazer para a

atualidade o que se estava fazendo no jornalismo diário. A chamada disciplina Temas

Transversais, possibilitou, ao longo do curso, o contato com temas como o

empreendedorismo, o meio ambiente, o jornalismo esportivo e cultural, que mais tarde

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se transformou e uma disciplina única, e tantos outros temas que foram abordados e

sendo modificados no decorrer da história de jornalismo do IBES ao longo dos anos.

Passados agora quase onze anos de início de uma história pioneira na formação de

profissionais em jornalismo em Blumenau, lembro-me bem de alguns desafios, como a

chegada da máquina fotográfica digital, em contraste com as preciosas máquinas com

filmes. Uma pequena sala foi montada para atrair os alunos em suas novas descobertas

na revelação fotográfica. As fotografias reveladas acabaram fazendo parte de uma

grande exposição no final do segundo semestre de 2005.

Ao longo dos primeiros anos do curso de Comunicação Social do IBES muitos

profissionais e professores por lá passaram, deixando sua contribuição. No entanto,

alguns nomes precisam ser notados: Fernando Arteche Hamilton, que acabou assumindo

a coordenação do curso, depois em parceria e divisão das atividades com a professora

Ofélia Elisa Torres Morales, Mário Fernandes, Carlos Golembiewski, Cristiane Neder,

Carlos Silva e Airton Almeida, um time de jornalistas com bagagem o suficiente para

estruturar um curso, sem falar dos professores da grade de tronco comum.

Para quem como eu, já trabalhava na área, já estava no mercado havia dez anos, já tinha

atuado como chefe de reportagem, correspondente internacional, passado por vários

setores dentro do jornalismo impresso e televisivo, o participar agora na academia

trouxe o enriquecimento profissional e pessoal, tomando assim forma, o processo de

conhecer o sabor e as verdades (algumas), sobre a ciência do fazer jornalismo.

Ao chegarmos no quarto semestre, estávamos com apenas metade dos sessenta alunos

iniciais, no entanto, o reconhecimento do nosso esforço parecia fazer vale a pena. A

estrutura educacional formada, com os professores de renome, muitos com experiência

em outras instituições de ensino, davam crédito ao curso e, principalmente, aos alunos,

uma vez que a Universidade do Vale do Itajaí, UNIVALI, já contava com uma trajetória

reconhecida na região pela formação em jornalismo que oferecia. Como já havia

cursado quase todas as disciplinas teóricas na UNIVALI, até a sétima fase fiquei quase

como um observador dos movimentos do curso do IBES.

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Como expectador, foquei em ver como a disciplina de Temas Transversais ia e vinha

com suas surpresas, trazendo sempre para a atualidade temas que nos levavam para a

reflexão de uma realidade muito mais próxima com o nosso aprendizado. Ao chegarmos

nas disciplinas práticas tivemos um misto de alegria e decepção: para atender as

exigências do Ministério da Educação deveríamos ter salas equipadas de áudio para as

aulas de radiojornalismo e estúdios para as disciplinas de telejornalismo. As salas

existiam, mas eram diferentes daqueles estúdios onde estávamos, a grande maioria,

acostumados a trabalhar.

O laboratório de telejornalismo era uma diversão. O monitor, Fábio Mallon, se

esforçava em atender aqueles focas, em sua ânsia de querer aprender, e, aqui vale uma

reflexão sobre algo que fez toda a diferença no curso. Não fosse a capacidade

profissional dos professores das disciplinas, não teríamos um aprendizado tão

aprimorado. É verdade que nem de longe se pareciam com aqueles estúdios bonitos do

campus da UNIVALI,mas nós entendíamos que aquela velha frase da câmera na mão e

a ideia na cabeça fazia valer muito mais. Faço essa reflexão em especial, pois a grande

maioria dos alunos que faz jornalismo espera com uma certa ansiedade por chegarem as

disciplinas que envolvem laboratórios jornalísticos. Entendemos nós, focas e cobaias, de

uma nova ideia implantada na cidade, de que pode ser feito um bom jornalismo, com

bons textos, e com reflexão crítica, aprendendo a separar a informação socialmente

importante e relevante daquela quem não o é, como aprendemos com os inúmeros

pesquisadores que vem promovendo essas discussões ao longo do jornalismo no Brasil.

O curso de jornalismo do IBES também nasceu com um projeto que parecia loucura e

que foi aceito por todos aqueles que lá estiveram. A proposta nos dois últimos semestres

de curso era realizar um produto jornalístico de qualidade sendo que os alunos deveriam

ser avaliados por uma banca especializada e, no último, dedicado especialmente para a

produção acadêmica, seriam avaliados pelo Trabalho de Conclusão de Curso. Ou seja, o

acadêmico acabaria realizando um produto e dois referenciais teóricos. Foram nestes

dois semestres que os acadêmicos alí reunidos, agora em dezoito, seguiram em frente e

iniciaram a jornada final.

Reavivando as memórias, lembro-me das lágrimas, das caras tristes, do choro, da

angústia e da incerteza que muitos de nós compartilhávamos, diante da proposição de

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algo inesperado, inovador, até mesmo para os professores. Cada um se lançou em um

desafio diferente. Os resultados foram surpreendentes. Na produção acadêmica da

disciplina de Projetos Experimentais em Comunicação, tivemos a publicação de

documentários em áudio e vídeo, plataformas de mídias digitais, que na época ainda

engatinhava, projetos de revistas, projetos em publicação de livros, pesquisas científicas

em fotografia, semiótica, enfim, uma variedade de temas quebrando paradigmas,

revelando que todo o conhecimento científico aprendido em sala de aula foi eficaz e

absorvido pelos acadêmicos.

Na minha produção, em particular, me lancei na pesquisa e produzi um material, com

vínculo na disciplina de jornalismo literário, onde registrei, posteriormente, semanas

após as festividades da formatura, em livro, as memórias do empresário e político

Manfredo Bubeck e seu olhar, principalmente, para o turismo e a cultura, uma vez que

ele foi secretário de Turismo no município de Blumenau, e teve vasto envolvimento

com a cultura na cidade.

Quando se está nos bancos escolares todos somos sempre alunos. Não lembro em um só

momento de não termos tido risadas, conversas altas, discussões com posicionamentos

fortes e divergentes, mas que se limitavam ao campo das ideias entre professores e

alunos e, principalmente, entre os próprios alunos. Tudo isso vejo como se nossas raízes

fossem ficando ainda mais profundas como as plantas regadas e adubadas de um jardim

e os nossos professores fossem nossos melhores jardineiros, esperando pela colheita dos

frutos.

Ao término do oitavo semestre, já preparados para a formatura, ainda não tínhamos o

reconhecimento oficial do MEC e nos foi informado que finalmente em abril de 2008

teríamos a visita da comissão para dar o aval final e permissão para o funcionamento do

curso. Lembro-me bem das orientações, da expectativa gerada não só por parte dos

professores e da coordenação, mas de nós, acadêmicos, com medo de não termos uma

aprovação inicial. O que seríamos sem esse reconhecimento? Algumas especulações

sobre o nosso curso, por parte de estudantes que estavam em outras instituições de

ensino, tentaram nublar os nossos sonhos.

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A tão esperada visita do MEC chegou. Diferente de tudo aquilo que esperávamos, os

avaliadores tiveram uma conversa franca, verdadeira e todos nós nos envolvemos em

apoiar e falar dos nossos anseios, dificuldades, desafios e do voto de confiança que

dávamos para a instituição, em função do alto grau de profissionalismo com que sempre

fomos tratados e da equipe de professores, altamente gabaritada, que foi montada para

atender as exigências de um curso universitário. A comissão voltou para Brasília,

levando em sua bagagem nossa esperança e iniciamos o semestre de 2008 focados

agora na produção do famoso TCC. Mais uma vez o desespero diante do incerto. Aqui é

justo fazer referência para a orientadora geral da disciplina de Trabalho de Conclusão de

Curso - Monografia, professora Ofélia Morales, que, pacientemente, sentou ao lado de

cada acadêmico e mostrou o caminho. Certamente ela entrou para o time daqueles

profissionais que não são apenas professores, são mestres, que não tem medo de

ensinar, e, sim, compartilhar.

Foi com este espírito que em quase todo o curso tivemos guias, companheiros e amigos

nos ensinando o fazer jornalístico. Novamente uma surpresa ao final de mais esta etapa.

Publicações e pesquisas científicas das mais elaboradas, com sugestões de publicação,

mostrando o alto nível da produção acadêmica realizada pela instituição blumenauense.

Na minha pesquisa individual, como também sou produtor cultural, fiz uma monografia

sobre o Caderno de Lazer do Jornal de Santa Catarina, hoje agregado em um único

espaço nos três jornais do Grupo RBS, chamado de Anexo, falando da falta de um

caderno cultural que levasse o público leitor para reflexão, comunicação e formação e

não apenas o informasse. Apresentei os dados baseados na cobertura do Festival

Nacional de Teatro Infantil de Blumenau, FENATIB, evento que já reuniu os melhores

críticos e editorias de cultura do país, colocando a cidade na vitrine nacional, enquanto o

nosso único periódico impresso, o Santa, apenas informava o que acontecia (muitas

vezes informando mal o leitor).

Quando entrávamos na reta final de nosso curso, o Instituto Blumenauense de Ensino

Superior foi vendido para a SOCIESC, de Joinville, que nasceu como braço da empresa

TUPY e que queria implantar cursos, principalmente voltados para a formação de

profissionais na área de engenharia. A SOCIESC não tinha nenhum curso de graduação

em Jornalismo e agora se via diante de um processo novo, com a aquisição do IBES.

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Não havia em sua grade nenhum curso na área de comunicação nas outras unidades

onde estava estabelecida. No entanto, no entendimento da SOCIESC, a formação do

curso e a procura sempre lembrada nos processos seletivos fez com que o curso de

Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, ficasse como uma das estrelas em

Blumenau, aprimorando e aperfeiçoando seu quadro de professores e suas instalações.

Por fim chegamos ao tão esperado dia. Dos dezoito concluintes do curso de jornalismo

da primeira turma, quinze optaram pela colação de grau em sessão pública, outros três

optaram pela colação em gabinete. Juntamente com outros quinze alunos, de outros

cursos, formávamos na noite de 27 de setembro de 2008, no Teatro Carlos Gomes, a

primeira turma de jornalistas formados em Blumenau por uma instituição de ensino

superior.

Franciele Cardoso e eu fomos os oradores. Mircea Silva foi a juramentista. Nosso nome

de turma foi Fernando Arteche Hamilton e nossa patronesse Ofélia Elisa Torres

Morales. Uma noite inesquecível.

Lembro-me da presença de quase todos os professores, que estiveram conosco na

caminhada, sentados na primeira fila da plateia e dos sorrisos e lágrimas do professor

Anselmo Medeiros por ver que o projeto que havia sonhado estava alí concretizado.

Ao finalizar o curso optei por fazer minha primeira especialização, em Arte e Educação

e, a segunda, em Jornalismo Político. Com isso, um ano mais tarde voltava para o IBES

na condição de professor, substituindo o professor Fernando Arteche Hamilton, que se

licenciava para tratamento de saúde.

Durante os quatro anos que fiquei como professor na instituição a coordenação passou

para outros profissionais, a estrutura se modificou, a própria grade curricular passou por

mudanças, mas pude através dos ensinamentos adquiridos na Instituição, estimular

agora, aqueles que eram meus alunos, focando-os principalmente no desenvolvimento

de estudos e projetos para a pesquisa. Prova disso foi a vasta publicação de trabalhos

acadêmicos orientados por mim, muitos deles publicados em seminários, jornais,

revistas, encontros e fóruns como este, que leva para a reflexão do nosso fazer

cotidiano, de como atrair os nossos estudantes para o campo do jornalismo enquanto

ciência e produção acadêmica.

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Nesse processo é fundamental a parceria não só do aluno, mas da própria instituição, o

que ao bem da verdade, devo deixar registrado, não foi o caso do IBES SOCIESC.

As iniciativas em mobilizar os acadêmicos para publicar projetos de pesquisa,

participar de congressos e seminários nunca tiveram o apoio do IBES SOCIESC.

A minha mobilização e de alguns professores, pois a pesquisa não era prioridade para a

corporação, o que é lamentável, sempre foi fundamental para que alguns projetos

fossem adiante. Incentivado por colegas, jornalistas e pessoas como as professoras

Rosemeri Laurindo, que hoje ocupa o cargo de coordenadora do curso de jornalismo da

Universidade Regional de Blumenau, e Ofélia Elisa Torres Morales, fomos em frente,

levando o nome de Blumenau, do jornalismo local e da produção acadêmica dos nossos

alunos, que hoje já são profissionais formados.

Hoje, já não fazendo mais parte do corpo docente do IBES SOCIESC, observo as novas

gerações que estão chegando ao mercado. Olhando para estes quase onze anos vejo que

temos uma cidade muito mais preparada para discutir o pensar jornalístico.

Dois dezoito formandos da primeira turma de 2008, na atualidade, doze ainda estão

atuando na área. Dos professores citados quando da formação do curso, em 2004,

apenas o professor Carlos Silva ainda permanece no quadro.

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Convergência tecnológica e desafios para o novo

Projeto Pedagógico do Curso de Jornalismo da UEPG

Hebe Maria Gonçalves de Oliveira36(UEPG)

Resumo: O presente trabalho consiste na apresentação de aspectos pontuais da experiência para elaboração e implantação do Novo Projeto Pedagógico do Curso de

Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), em vigor a partir deste 2015. Sob a orientação das Novas Diretrizes Curriculares Nacionais (2013), a proposta foi elaborada, visando atender a formação de um profissional multimídia, sob os

preceitos da convergência jornalística, sem perder de vista a dimensão holística do jornalismo, enquanto prática profissional e área de específica do conhecimento.

Palavras-chave: Projeto Pedagógico, Jornalismo, convergência jornalística, DCN

Introdução

O Curso de Bacharelado em Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa

(UEPG) conta a partir deste ano letivo (2015) com o Novo Projeto Pedagógico (PPC-

Currículo 737), elaborado a partir das novas Diretrizes Curriculares Nacionais (27 de

setembro de 2013), do Conselho Nacional de Educação (CNE). Se, por um momento,

foram superados esforços para a construção de uma proposta pedagógica que projetasse

o Curso à frente, têm-se agora os desafios para a sua própria implementação, tendo

como referencial a convergência tecnológica.

Nos próximos quatro anos, o Curso de Jornalismo da UEPG tem o compromisso

institucional de incorporar as mudanças previstas pelo Novo PPC38, assim como atentar

às possíveis incongruências relativas a toda reforma curricular, inerentes ao próprio

processo de implantação. Criado em 15 abril de 198539, o Curso de Comunicação

Social/Habilitação em Jornalismo passou a denominar-se Curso de Jornalismo em

36

Professora da Graduação e do Mestrado em Jornalismo da UEPG. Possui doutorado em Comunicação (Unisinos), mestrado em C. Comunicação (Umesp) e graduação em Comunicação Social/Jornalismo (UFJF). Coordenou o Curso de Jornalismo da UEPG (2013 a 2015) e atualmente é vice-coordenadora. 37

Currículo 6, ainda em vigor para as turmas da 2ª, 3ª e 4ª séries, foi implantado em 2006, com adequação curricular em 2013 (vigência em 2014), que possibilitou ajustes em sete ementas e a criação do Estágio Curricular Não Obrigatório. 38

Resolução CEPE/UEPG 05/02/2015, aprovada em Plenária do CEPE/UEPG em 12/12/2014. 39

Neste 2015, comemoram-se os 30 anos.

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13/junho/2011, seguindo à reivindicação no campo acadêmico, em defesa da formação

superior em jornalismo, que o compreende como “instituição social reconhecida pela

sociedade, com mais de 300 anos de prática profissional e mais de 150 anos de

arcabouço teórico, constituído anterior à criação das primeiras Escolas de Jornalismo

em nível de graduação em diferentes países no mundo nas primeiras décadas do século

XX.” (PPC, 2015).

Em 2013, o Departamento de Jornalismo da UEPG teve aprovado pela CAPES o PPG-

Mestrado em Jornalismo, o segundo criado no País e único no Estado do Paraná. Desde

2000, o Curso se destaca entre os melhores do País, conforme a avaliação de nível

nacional. No ENADE 2009 (resultado em 2013), o Curso de Jornalismo obteve nota 5,

se destacando em 1º lugar entre as IES no Paraná e o 22º lugar entre as Universidades

Nacionais avaliadas.

Princípios do PPC - O Novo PPC contempla os seis eixos de formação

(Fundamentação Contextual, Fundamentação Humanística, Fundamentação Específica,

Formação Profissional, Aplicação Processual e Prática Laboratorial), previstos pelas

Diretrizes Curriculares Nacionais 2013. Resulta de uma construção coletiva do

conjunto de professores e estudantes (representados pelo Centro Acadêmico de

Jornalismo - João do Rio), voltado a pensar uma proposta que pudesse contemplar as

demandas da formação profissional em jornalismo no contexto da sociedade

contemporânea.

Do intenso debate em nível nacional iniciado ainda no decorrer do processo de

formulação das Novas DCN, que teve o envolvimento de professores do próprio Curso,

as discussões para o Novo PPC foram iniciadas logo à homologação do documento pelo

CNE, que estabeleceu o prazo de dois anos para adequação curricular para todos os

cursos em nível nacional. Conforme as DCN, o PPC do Curso de Jornalismo da UEPG

tem como finalidade a formação superior em jornalismo, capacitando profissionais com

“competência teórica, técnica, tecnológica, ética, estética”, para atuar de forma crítica e

responsável em benefício da sociedade.

Page 108: ANAIS FNPJ Blumenau 2015 - III Fórum Sul-Brasileiro de Professores de Jornalismo

108

Na elaboração desse Projeto Pedagógico, ateve-se, portanto, para formação de

profissionais para “atuar num contexto da mutação tecnológica constante”, conforme

indicam as DCN e, ainda, ao que já se consolida uma nova realidade. A proposta foi

desenhada tendo como referência a

convergência tecnológica como um “processo multidimensional”40

, que ultrapassa os modelos da simples inclusão de disciplinas nas grades curriculares ou a transposição de veículos tradicionais para a plataforma web, mas busca incorporar a relação convergência e multimidialidade, consolidando-a como prática e em que “os meios convergem a partir do intercâmbio de diferentes produtos informativos, em diferentes formatos (áudio, vídeo, textos, infográficos)”. Nesse sentido, ainda, o compromisso coletivo de um corpo docente e discente em torno do Projeto Pedagógico, que pressupõe um trabalho efetivamente integrado em equipes – em que não há espaço para disciplinas isoladas e compartimentadas –, de forma a “torná-lo viável e real”

41. (PPC,

2015)

Para o PPC, procurou-se preservar as experiências positivas do Curso, consolidadas

através dos projetos laboratoriais (jornal Foca Livre, Revista Nuntiare), dos projetos de

extensão (Portal Comunitário, Cultura Plural e Agência de Jornalismo, entre outros) e

pesquisas (atualmente integradas pelos Grupos Estudos ligados ao Mestrado em

Jornalismo).

Perfil do profissional – Além das orientações expressas no documento das DCN‟s,

que indicam às graduações em Jornalismo para o desenvolvimento das competências

habilidades, conhecimentos, atitudes e valores para o egresso em Jornalismo para o

pleno exercício profissional, o PPC do Curso de Jornalismo estabelece ainda que

o jornalista graduado pela UEPG deve estar habilitado para atuar nos mais diversos setores e segmentos, seja para planejar, produzir editar produtos em diferentes suportes técnicos, bem como identificar demandas sociais latentes, visando atender segmentos, sempre pautado pelo atendimento ao interesse público, tanto em nível local, regional ou global.

Perfil do professor – A convergência tecnológica impõe novos desafios para o

professor de jornalismo. Conforme expresso no PPC, além das habilidades técnicas e

competências teórico-pedagógicas, o formador deve estar disposto ao trabalho

40

TEIXEIRA, Tatiana. Projetos pedagógicos em tempos de mudança no jornalismo: desafios e alternativas. In: MACHADO, Elias. O ensino de jornalismo na era da convergência. Conceitos, metodologias e estudos de casos no Brasil. Salvador: Edufba, 2011. 41

Ibid, p.22.

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109

interdisciplinar no conjunto das disciplinas, o que o exige se desgarrar da velha prática

das disciplinas isoladas:

Assim, as atividades para as disciplinas não devem ser de iniciativa de um ou de outro professor em particular, mas, sim, passam a ser orientadas a partir do desenho proposto no conjunto do Projeto Pedagógico do Curso. A convergência tecnológica deve ser pensada “não apenas um processo produtivo ou tecnológico, mas como um processo cultural que exige da universidade a capacidade de antecipar-se, compreendendo-a em suas distintas dimensões”

42.

Vale destacar ainda que “a convergência não ocorre por meio de aparelhos, por mais sofisticados que venham a ser. A convergência ocorre dentro dos cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais com outros”.

43 (PPC,

2015)

Mudanças pontuais do PPC

Ênfase no Jornalismo como área específica de formação profissional e de

conhecimento – Comunicação fica concentrada no Eixo de Fundamentação

Contextual

Criação de disciplinas para produção de conteúdos (áudio, texto, vídeo) para

diferentes plataformas (impresso, rádio, tv e internet)

Criação dos Núcleos de Redação Integrada (I, II e III), responsáveis para

fechamento, pós-produção e publicação de diferentes produtos (jornal, revista,

site, telejornal, radiojornal, etc..)

Implantação do sistema de redações integradas – que perpassa pela integração

das diferentes disciplinas

Adequação e reelaboração de ementas

Criação de novas disciplinas – Métodos de Apuração Jornalística, Infografia,

NRI (I, II, III), Gestão de Produção Jornalística, Planejamento Estratégico em

Mídia, Gêneros Discursivos Jornalísticos, Jornalismo Especializado, Libras

(Língua Brasileira de Sinais)

Estágio Obrigatório, para 4º ano do Novo Currículo (em 2018) – 238h

Estágio Não Obrigatório , para turmas do 3ª e 4ª ano do Currículo em vigor

TCC - monografia e produto (somente individual, conforme DCN/2013).

Disciplinas práticas – sistema anual (2h/semanais)

Disciplinas teóricas – sistema semestral (4h/semanais)

42

TEIXEIRA. Ibid, p.29. 43

JENKINS, 2008, p.28, apud Ibid, p.29.

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Carga horária:

Formação básica 782

Formação Específica Profissional 2.074

Diversificação/Aprofundamento 102

Estágio Curricular Supervisionado 238

Atividades complementares 250

Total/horas 3.446

Considerações

Diante do PPC já em curso, os desafios para implementação da proposta requer dos

professores e estudantes do Curso de Jornalismo da UEPG a disposição para o trabalho

interdisciplinar, de forma que as diferentes atividades das disciplinas laboratoriais e

projetos de extensão possam convergir para um desenho esboçado para a convergência

jornalística, que significa pensar de forma integrada a produção de conteúdos (áudio,

texto, imagens, vídeos), que possam ser trabalhados para multiplataformas (jornal,

revista, rádio, tv, internet) – e não o contrário.

Referências

Diretrizes Curriculares Nacionais para graduação em Jornalismo. Conselho

Nacional de Educação. 27 de set 2013.

Projeto Pedagógico do Curso de Jornalismo da UEPG. Resolução CEPE 05 de fev 2015

JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2002.

TEIXEIRA, Tatiana. Projetos pedagógicos em tempos de mudança no jornalismo: desafios e alternativas. In: MACHADO, Elias. O ensino de jornalismo na era da

convergência. Conceitos, metodologias e estudos de casos no Brasil. Salvador: Edufba,

2011.

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O movimento “sala-rua” no ensino do jornalismo

Míriam Santini de Abreu44(FURB)

Resumo: O objetivo deste Relato é abordar uma experiência de ensino de Redação

Jornalística em uma perspectiva interdisciplinar, buscando também sair da sala para, em diferentes realidades sociais, melhor compreender, na prática, o que foi nela apreendido. A experiência demonstrou que o ensino de etapas como pauta, apuração e redação

beneficia-se, já nas fases iniciais, com a “experiência da rua” e o “face-a-face” com “o outro”, a fonte/personagem da narrativa jornalística.

Palavras-chave: Ensino do Jornalismo; Interdisciplinaridade; Redação Jornalística

Introdução

O artigo 2º da Resolução nº 1, de 27 de setembro de 2013, que institui as Diretrizes

Curriculares Nacionais para o curso de graduação em Jornalismo, discorre sobre a

estrutura do curso e ancora as considerações deste Relato de Experiência. Três incisos

são particularmente relevantes. A estrutura deve:

[...]

II - utilizar metodologias que privilegiem a participação ativa do aluno na construção do conhecimento e a integração entre os conteúdos, além de estimular a interação entre o ensino, a pesquisa e a extensão, propiciando suas

articulações com diferentes segmentos da sociedade;

III - promover a integração teoria/prática e a interdisciplinaridade entre os eixos

de desenvolvimento curricular;

IV - inserir precocemente o aluno em atividades didáticas relevantes para a sua

futura vida profissional;

[...]

Em minha experiência docente na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),

como professora substituta, nos anos de 2006 e 2007, em seis diferentes disciplinas45,

44

Tem graduação em Comunicação Social pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (1994), especialização em Educação e Meio Ambiente pela Universidade do Estado de Santa Catarina (2001) e mestrado em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina (2003). É professora no curso de Jornalismo da Universidade Regional de Blumenau (FURB). E-mail: [email protected]

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foi possível vislumbrar, na prática, o resultado de iniciativas que avaliamos como

contempladas nos incisos citados, consolidados em Resolução de 2013.

Essas iniciativas giraram em torno de disciplinas que envolviam, de modo mais

específico, pauta, entrevista, apuração e redação do texto jornalístico, inclusive nas duas

disciplinas optativas (ver nota 2). Buscou-se: 1 – aliar, ao estudo do jornalismo, olhares

de outras disciplinas; 2 – sair da sala de aula para melhor compreender, na prática, o que

foi nela apreendido. Conhecimentos no campo da história, da geografia e da linguística

deram a base teórica para essas iniciativas.

Interdisciplinaridade

Em três diferentes ocasiões que consideramos as mais produtivas para avaliar essa

relação ensino-prática, os estudantes de jornalismo visitaram áreas periféricas de

Florianópolis (SC) habitadas por populações de baixa renda: partes do Maciço do Morro

da Cruz (centro da Ilha), Vila do Arvoredo (Norte da llha) e bairro Monte Cristo (porção

continental da Capital).

O primeiro passo era conversar, antes da visita, com lideranças que pudessem

acompanhar a turma e falar sobre a comunidade. A turma também era instruída a ler

sobre o local para construir uma pauta antes da visita. O deslocamento para os locais era

feito em transporte público ou da Universidade. Na chegada às comunidades, havia mais

uma conversa geral e a apresentação da liderança, que era entrevistada de forma

coletiva. Em seguida, os estudantes eram orientados a percorrer o local e entrevistar

moradores.

Em sala da aula, o resultado das entrevistas também era avaliado de forma coletiva, e

surgiam dúvidas e inquietações que se relacionavam com temas caros ao jornalismo,

como objetividade, relação com as fontes, limites e potencialidades da apuração,

possibilidades de uso de recursos literários na construção do texto. Para além disto, a

45

Disciplinas ministradas: Redação I - Técnica de reportagem, entrevista e pesquisa jornalística; Redação II - A notícia; Redação III - A reportagem; Redação IV - O trabalho do redator; Optativa - Jornalismo ambiental - a relação sociedade x natureza no texto jornalístico; Optativa -

Reportagem e história.

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ida aos locais mencionados permitia que, em alguns casos pela primeira vez, os

estudantes tivessem a experiência de conhecer a realidade dos moradores das periferias

e suas histórias.

Avaliamos que essas iniciativas podem se potencializar ainda mais se houver um

trabalho prévio de leitura de textos que concretizem a perspectiva da

interdisciplinaridade, em especial de áreas afins ao jornalismo e que o alimentam, como,

por exemplo, história, geografia, sociologia e linguística.

No caso da relação entre jornalismo e história, um enlace rico para se trabalhar é a

chamada “história do presente”, “história próxima” ou “história imediata”.

Historiadores debatem as diferenças entre uma expressão e outra, mas as três, de modo

geral, designam o campo do “muito contemporâneo”, depois do primeiro terço do

século 20.

Nas leituras sobre o tema, é possível notar as semelhanças entre as dúvidas de

historiadores e jornalistas ao tratar desse “campo histórico”. Além da questão da

narrativa, o tema da neutralidade, da objetividade e da subjetividade também estão

presentes, preocupando os profissionais das duas áreas tanto do ponto de vista da

apreensão da realidade quanto de sua cristalização em um determinado discurso

(histórico ou jornalístico).

Essa discussão tem uma relação estreita com assuntos presentes tanto na academia

quanto no mercado no que se refere ao atual “estado de arte” de jornalismo. Um deles, a

qualidade do texto, seja ele uma notícia ou uma reportagem, fica certamente mais

enriquecido se forem levadas em conta as contribuições de áreas de conhecimento como

história, geografia, sociologia, literatura. Afinal, o fluir do tempo num espaço

geográfico, onde homens e mulheres “experenciam” o cotidiano e tecem narrativas, é a

matéria-prima do jornalismo. Há, portanto, um lugar de convergência entre jornalismo e

história, visto que a redação jornalística mais estreitamente vinculada à história permite

vários graus de aprendizagem: leitura crítica de livros e textos em geral, pesquisa em

arquivos, debates, formulação de pauta, entrevistas, redação de texto.

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Entre as várias faces dessa discussão, são particularmente enriquecedoras, para os

jornalistas, as que se referem à relação do historiador com as fontes de informação, a

construção do texto e a questão da linguagem. Como diz Benatti (2000:94) a “[...]

politização do todo discurso implica [...] que se pense o poder morando na linguagem,

constituindo e sendo constituído pelos jogos de linguagem”.

Nesse sentido, buscar interpretar o que circula no mundo é uma atribuição urgente que a

imprensa em geral, e os jornalistas em particular, estão deixando de lado. Mas é

importante destacar que essa interpretação não caminha no sentido das ciências

humanas tradicionais, como a história, a geografia, a sociologia. Essas ciências

produzem modelos universais para a compreensão do mundo. O jornalismo, por outro

lado, enriquece-se nelas para compreender a realidade pelo ângulo do singular, ou seja,

de como os fatos que ocorrem em diferentes contextos de tempo e de espaço se refletem

na vida das pessoas.

Aqui entram dois autores que podem também dar a base para incursões

interdisciplinares: os estudos de Adelmo Genro Filho sobre jornalismo e os do geógrafo

Milton Santos sobre a relação lugar-mundo. Genro Filho guiou suas pesquisas a partir

da concepção do jornalismo como uma forma de conhecimento cristalizada no singular,

o que vai permitir reflexões e práticas que tragam, para dentro do texto, o discurso de

atores sociais distantes das instâncias de poder, geralmente os mais ouvidos pelos

jornalistas.

Santos, por sua vez, em sua vasta obra, tem conceitos riquíssimos para se pensar a

prática jornalística, como o de formação socioespacial e espaço banal, o espaço da

vivência de todas as pessoas. Diz ele (2001:112)

Como sabemos, o mundo, como um conjunto de essências e de possibilidades, não existe para ele próprio, e apenas o faz para os outros. É o espaço, isto é, os lugares, que realizam e revelam o mundo, tornando-o historicizado e geografizado, isto é, empiricizado.

Mas - e esse mas faz toda a diferença - a possibilidade de experimentar, concretizar

esses discursos e práticas no cotidiano vai se revelar em situações únicas, porque o

lugar, por sua “espessura” histórica e geográfica, é único. São singulares suas histórias,

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e singulares as personagens que a vivem. E aí entra o jornalismo, alimentando e sendo

alimentado por outras disciplinas, mas concretizando toda a discussão em seu produto

específico, o texto jornalístico.

Conclusão

Um aspecto importante desse ato de “sair” da universidade e ir à “rua” é encontrar as

pessoas, ouvir suas histórias, ficar face-a-face com o outro, como assinala a jornalista

Elaine Tavares (2004). BAGNO (2003, p.17) também assinala que, de todos os

instrumentos de controle e coerção social, a linguagem seja talvez o mais sutil. Cada ser

humano, diz ele, tem a língua como parte constitutiva de sua identidade individual e

social. Nesse sentido, das práticas mencionadas nesse Relato, destacamos justamente a

riqueza que representou o movimento da entrevista com moradores das periferias.

Aqui, coloca-se a experiência como forma essencial de apreensão da realidade, processo

que hoje cada vez mais se esvai, em um cenário no qual as mídias tradicionais e as

novas mídias utilizam a própria internet como fonte de informação. Com isto, há um

crescente afastamento físico do fato investigado e da busca do entendimento através do

processo investigativo, das fontes primárias de informação e de sua profundidade e

espessura social e histórica.

Esse face-a-face é um elemento essencial da prática jornalística. O que “o outro” conta

ao jornalista é justamente o singular, o irrepetível. E unir esses relatos singulares ao

fluxo histórico, em lugares também carregados de história, é que pode enriquecer o

aprendizado nas disciplinas ligadas à produção textual.

Referências

ARAÚJO, Luiz Antonio. Pensando o jornalismo a partir de Benjamin. Comtempo.

Revista Eletrônica do Programa de Pós-graduação da Faculdade Cásper Líbero. Volume nº 4, Ano 4 - Outubro 12. Disponível em: <http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/comtempo/article/viewFile/8051/770

1>. Acesso em 09 abr. 2015

BAGNO, Marcos. A norma oculta: língua e poder na sociedade brasileira. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.

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BENATTI, Antonio Paulo. História, ciência, escritura e política. In: RAGO, Margareth;

GIMENES, Renato Aloizio de Oliveira. Narrar o passado, repensar a história. Campinas, SP: Unicamp, 2000. p. 63-103

GENRO FILHO, Adelmo. O segredo da pirâmide: para uma teoria marxista do jornalismo. Porto Alegre: Ortiz, 1989.

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência

universal. 7ed. Rio de Janeiro: Record, 2001. TAVARES, Elaine. Jornalismo nas margens: uma reflexão sobre comunicação em

comunidades empobrecidas. Florianópolis: Cia. dos Loucos, 2004.

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O desafio de elaborar projetos de trabalho de

conclusão no curso de Jornalismo da UFMA/Imperatriz

Denise Cristina Ayres Gomes46(UFMA/Unisinos)

Resumo: Este texto relata a experiência à frente da disciplina “Elaboração de Projetos

em Comunicação” (EPC) do Curso de Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo da UFMA, campus de Imperatriz. A disciplina é ministrada no sexto período e direcionada à elaboração de projetos para os trabalhos de conclusão de curso (TCC).

Dividindo-se entre teoria e prática, o conteúdo permite que os alunos iniciem o projeto um ano antes de apresentar o TCC e assim, podem se aprofundar na pesquisa. Há o

interesse crescente em projetos experimentais. Ao longo do tempo, muitos alunos mudam ou desistem do projeto, tendo que iniciar outra pesquisa.

Palavras-chaves: Elaboração de Projeto. TCC. Ensino. Jornalismo.

O curso de Comunicação Social – Habilitação Jornalismo da Universidade Federal do

Maranhão, campus de Imperatriz, iniciou as atividades em 2007 e enfrenta muitos

desafios, procurando se adaptar às dificuldades próprias da região. Ingressam 46 alunos

por semestre através do Sistema de Seleção Unificada (SISU). Ministramos Elaboração

de Projetos em Comunicação (EPC) para as turmas durante quatro anos, desde o

segundo semestre de 2010. Ao ingressar na universidade, assumimos a disciplina para a

segunda turma que cursava o sexto período.

A ementa da disciplina de 60 horas prevê o planejamento de projetos de TCC, produção

de pesquisa científica e realização de atividades de extensão. Devido ao curso enfrentar

problemas de falta de professores, infraestrutura e o grande número de alunos, a

disciplina foi direcionada apenas para o TCC. O regimento inclui as modalidades de

monografia, realizada individualmente, e projeto experimental, realizado de forma

individual ou em dupla. O documento indica onze linhas de pesquisa: teorias do

jornalismo; história do jornalismo; jornalismo impresso; radiojornalismo;

telejornalismo; jornalismo digital; fotografia jornalística; assessoria de comunicação;

comunicação e cultura; cibercultura; e mídia e poder.

46

Professora e pesquisadora da Universidade Federal do Maranhão (UFMA); doutoranda em Comunicação Social pela PUCRS, pesquisadora do G. Mídia – CNPQ, mestre em Ciências da Comunicação pela UNISINOS e jornalista. E-mail: [email protected]

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A disciplina estrutura o projeto de TCC e o objetivo é fazer com que o aluno desenvolva

o projeto durante o sexto período e tenha mais dois semestres para realizar o TCC. Os

alunos iniciam EPC com grande expectativa e temores. A maioria não sabe o que vai

estudar. Alguns discentes, que optam por projetos práticos, têm dificuldade em montar o

projeto porque desejam partir logo para o desenvolvimento do produto.

O pré-projeto nada mais é que um “manual” para que não se perca o foco do tema e nele estará definida a tua meta para resolver teu problema de maneira científica. Mesmo assim ainda existem alunos que resistam a esta definição. (COLOMBO; LEVY, 2011).

O livro “Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação” é a principal obra adotada

por explicar cada item do projeto e fazer um panorama das metodologias mais utilizadas

na área. Nas duas primeiras vezes que ministramos EPC, ao iniciar a montagem da

estrutura do projeto, observamos que os alunos precisavam ter conhecimento maior

sobre determinado assunto para então optar em pesquisá-lo. Por isso, invertemos a

montagem do projeto iniciando com o referencial teórico.

Cada aluno apresentava o tema em sala e, após discutir a viabilidade da ideia inicial

com o professor, partia para a pesquisa bibliográfica. Os discentes ficavam

encarregados de escolher dois artigos científicos da área de comunicação para serem

apresentados. Os assuntos deveriam ser correlatos ao tema do projeto. A partir da

definição do tema e de leituras sobre o assunto, os alunos tiveram mais facilidade em

desenvolver o trabalho.

As avaliações são parte do projeto. Cada item é montado com a orientação da professora

que dá explicações gerais para a turma e auxilia cada aluno ou dupla em particular. As

avaliações entregues são corrigidas e comentadas por escrito e oralmente em sala,

levando-se em conta as dúvidas, os avanços e as dificuldades dos alunos. Também são

avaliadas as competências dos discentes por meio do modelo de avaliação diagnóstica.

Faz com que o professor procure identificar e interpretar reações específicas do aluno, para alcançar o desenvolvimento do estudante na sua totalidade. É um processo dinâmico que visa ainda identificar as dificuldades dos alunos e trabalhá-las, além de ressaltar as suas potencialidades (ENRICONE; GRILLO, 2003, p.36).

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Tentamos instituir a pré-orientação em 2010 para direcionar os alunos durante o sétimo

período, mas houve dificuldades. Enquanto alguns aproveitavam a oportunidade, outros

somente davam prosseguimento à pesquisa no oitavo período. Ocorria também

sobrecarga de trabalho para os professores, por isso, a pré-orientação se tornou pontual

para os alunos e docentes que se interessassem.

Nos dois primeiros anos, observamos que as linhas de pesquisa estudadas e o tipo de

projeto estavam em consonância com o interesse dos professores. A maioria dos alunos

optava em fazer monografias sobre história ou newsmaking das emissoras de televisão

ou rádio ou analisar o conteúdo de algum tema regional. Os perfis dos professores

orientadores eram determinantes na escolha do objeto. Outra questão era a falta de

infraestrutura no curso. Como não havia disponibilidade de equipamentos para

empréstimo, somente câmeras fotográficas, os alunos eram desaconselhados a fazer

projetos experimentais. Exceção eram os livros-reportagem, devido à influência de um

professor apaixonado pelo gênero que orientava os trabalhos.

No decorrer de 2013 e 2014, a maioria dos alunos optou por projetos práticos. Isso se

deve à ampliação das vagas de estágio, à crescente estruturação do curso, ao

desenvolvimento acelerado da cidade e à profissionalização do mercado. O

desenvolvimento de jornal, revista, documentário, fotorreportagem, blog, site e,

principalmente, projetos de assessoria de imprensa, preponderou sobre o interesse em

realizar monografias. A maioria dos planos de assessoria foi desenvolvido para

instituições públicas. Poucos alunos se interessaram em realizar projetos para a área

privada porque os proprietários dos estabelecimentos não mostravam interesse ou não

tinham estrutura que justificasse a assessoria. Já as empresas de médio e grande porte

possuíam seus próprios profissionais ou eram reticentes quanto à aceitação de alunos

dentro da corporação.

Interessante observar que, metade dos projetos elaborados durante a disciplina acabou

se modificando no oitavo período. Os alunos precisavam apresentar o trabalho para

EPC, mas, ao continuar a pesquisa, deparavam-se com dificuldades e adequaram ou

abandonaram o projeto posteriormente. Grande parte dos problemas acontecia nas

pesquisas realizadas em dupla. Muitos discentes entravam em conflito, e a dupla se

desfazia podendo apenas um dos membros levar o projeto adiante. Não tendo condições

Page 120: ANAIS FNPJ Blumenau 2015 - III Fórum Sul-Brasileiro de Professores de Jornalismo

120

de arcar com todo o trabalho sozinho, o aluno era obrigado a readequar o projeto. O

colega da dupla partia para a elaboração de outro projeto ou se aliava a algum aluno que

também enfrentasse dificuldades.

Dificilmente os projetos práticos desenvolvidos na disciplina se tornaram produtos

mercadológicos. Alguns deles chegaram a ser lançados, mas não passaram da primeira

edição. Somente um livro-reportagem sobre a rádio Imperatriz acabou financiado pela

instituição de fomento à pesquisa do estado e foi editado com tiragem de 500

exemplares. Os demais ficaram restritos ao curso. Dois projetos de jornal impresso do

ano de 2013 se tornaram produtos e foram lançados no mercado em 2014. Os jornais

Folha Ribeirão e Daqui mantêm-se como os únicos veículos de municípios próximos a

Imperatriz.

Nestes quatro anos, observamos o crescente interesse dos alunos em desenvolver

projetos experimentais. A EPC é importante para que o discente estruture o projeto de

TCC com antecedência de um ano e tenha tempo suficiente para se aprofundar no

trabalho. A maioria, no entanto, dá continuidade à pesquisa apenas no oitavo período

quando se vê obrigada a desenvolver o TCC. Ainda que pelo menos 50% dos discentes

mudem completamente o projeto, a disciplina oferece base para a estruturação da

pesquisa. Consideramos que, com a melhoria da infraestrutura do curso, contratação de

professores e a adoção da grade curricular conforme as novas diretrizes, possamos

diminuir esse percentual e qualificar cada vez mais os trabalhos de conclusão de curso.

Referências

CASTELO BRANCO, Samantha. Os desafios dos projetos experimentais em

jornalismo. Dissertação de mestrado defendida na Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 1998.

COLOMBO, Macri Elaine; LEVY, Denize Piccolotto Carvalho. As dificuldades na

elaboração de um projeto experimental nos cursos de jornalismo. Congresso

Mundial de Comunicação Ibero-Americana - CONFIBERCOM, 2011, São Paulo. DUARTE, Jorge; BARROS, Antonio. Métodos e técnicas de pesquisa em

comunicação. 2 ed., São Paulo: Atlas, 2010.

ENRICONE, Délcia; GRILLO, Marlene. Avaliação: uma discussão em aberto. 2. ed.,Porto Alegre: Edipucrs, 2003.

Page 121: ANAIS FNPJ Blumenau 2015 - III Fórum Sul-Brasileiro de Professores de Jornalismo

121

Jornalismo e regionalidade: contribuição de dez anos do Ibes/Sociesc emBlumenau

Eumar F. Silva47

Ofelia Elisa Torres Morales48

Alexandre Gonçalves49 IBES/SOCIESC

O município de Blumenau teve seu primeiro curso de Jornalismo em 2007 com a oferta

do Instituto Blumenauense de Ensino Superior (IBES), que abriu uma oportunidade

para os trabalhadores que ainda atuavam sem formação, sendo que os formados na sua

maioria vinham de fora da região. O centro universitário movimentou o mercado dos

meios chamados de tradicionais como o jornal, o rádio e a televisão. Surge a

problemática das novas mídias como a internet e móbile mídia. Nesse panorama o

conglomerado midiático da região blumenauense também mudou, com o fortalecimento

das redes regionais como a RBS, que detém, desde 2007, os três jornais do estado

(Jornal de Santa Catarina, Diário Catarinense e A Notícia) assim como a significativa

incursão da Rede Record de Televisão na região, a RIC, entre outras iniciativas.

A instituição cumpre com o compromisso de formação regional no cenário midiático

em transformação de empresas de comunicação, profissionais, instituições de ensino e

jovens receptores. É importante, portanto, registrar as contribuições que, de alguma

forma, fazem parte do aprimoramento da construção do conhecimento acadêmico do

jornalismo na região de Blumenau. É importante destacar que em 2014 foi aberto o

segundo curso de jornalismo na região, dessa vez na Universidade Regional de

Blumenau - FURB. Com certeza, inúmeras mudanças favoráveis estão por vir para todo

o setor jornalístico.

Jornalismo: identidade e cenários midiáticos

47

Mestre. Coordenador do curso de Jornalismo do Ibes de 2010 a [email protected]. 48

Pós-doutora em Comunicação Social pela Cátedra UNESCO de Comunicação da UMESP. Doutora em Jornalismo e Mestre em Rádio e TV pela ECA-USP. Graduação em Ciências da Comunicação, com habilitação em Cinema, Rádio e TV pela Universidade de Lima, Perú. Professora e coordenadora do Curso de Jornalismo do Ibes no período de 2007 até 2009. [email protected] 49

Especialista. Cordenador do Jornalismo do Ibes em 2009. [email protected].

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122

O texto traz apontamentos para aprofundar a compreensão no campo da comunicação,

mais especificamente do jornalismo, com o objetivo de revelar os cenários midiáticos na

região catarinense, mais especificamente, blumenauense. Por isso, mergulha na corrente

com caráter crítico-profissional, nas palavras de Melo (2006, p.32), quem afirma que:

identificar no jornalismo a sua real natureza, que é a de uma profissão dotada de grande significado social e de profunda influência política. Estudar essa profissão, entendê-la, sistematizá-la, contribuir para que assuma um ritmo dinâmico, atualizando-se continuamente, é a meta que colocam de modo prioritário inúmeros integrantes da comunidade acadêmica. Com isso, abandonam conscientemente aquela postura subalterna de tentar enfocar o jornalismo sempre a partir dos parâmetros construídos por outras ciências e disciplinas que nem

sempre lhe dizem respeito. (MELO, 2006, p.32)

Nesse sentido, a abordagem propicia uma aproximação à natureza do jornalismo, a

partir dos jornalistas, na busca de sua identidade, de sua pluralidade e singularidade a

partir das pesquisas dos seus cenários. O período da graduação deve incentivar a

pesquisa motivando o desenvolvimento do espírito criativo, a postura ética e o senso

crítico, no planejamento e elaboração de pesquisas na área do jornalismo, vinculadas

aos desafios contemporâneos da profissão.

Buscar a identidade do jornalismo, em outras palavras: construir essa identidade, implica utilizar o arsenal metodológico alicerçado pelas ciências humanas (e não apenas por uma ciência em particular) para traçar os contornos da profissão e resgatar todas as suas dimensões

sociais e políticas. (MELO, 2006, p. 32).

A corrente de pesquisa no jornalismo com caráter crítico-profissional visa entender os

saberes dos jornalistas, sua identidade e quais seus pontos de vista no processo

jornalístico. Ou seja, indagar a especificidade do jornalismo como objeto de pesquisa.

Portanto, concorda-se com Cremilda Medina quando:

desafia o cerne da própria atividade profissional e procura respostas como: Quem é o jornalista? Como a sociedade se articula com a profissão? Quais as ferramentas de trabalho? O resultado dessas indagações, orientadas a partir do “ponto de vista dos que construíram dentro do próprio fenômeno – através de uma práxis e uma reflexão” (MELO, 2006, p. 33).

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O texto perfila-se na linha dos estudos crítico-profissional, seguindo a identificação de

Melo (2006). Os apontamentos pretendem desvendar qual é a identidade do jornalismo

regional revelada a partir do cenário do ensino jornalístico, no sentido de identificar os

profissionais da imprensa:

... a atividade é eminentemente ideológica. Apreender os fatos e relatá-los por intermédio de veículos de difusão coletiva significa, nada mais, nada menos, que projetar visões e mundo. E é exatamente isso que os jornalistas fazem cotidianamente. Atuam como mediadores entre os acontecimentos, seus protagonistas e os indivíduos que compõem um universo sociocultural (público

destinatário) (MELO, 2006, p.56).

Percebeu-se, inicialmente, a construção de uma identidade profissional nos jornalistas

blumenauenses, no sentido de pertencer a um grupo de especialistas que professam a

paixão pelo mundo da informação. Ou seja, a competência em aproximar-se à realidade

e poder ser mediador entre essas realidades e os leitores/telespectadores/ouvintes, por

meio da linguagem jornalística. “Os profissionais professam. Professam conhecer

melhor que os outros a natureza de certos assuntos... Os profissionais reclamam o

direito exclusivo à prática. ...” (HUGHES apud TRAQUINA, 2004, p.117). A prática

jornalística implica a técnica de apuração da informação e do uso adequado da

linguagem jornalística, entre outros elementos. “Os jornalistas professam; professam

saber o que é notícia e como escrevê-la.” (TRAQUINA, 2004, p.117)

A profissão de jornalista é regulamentada. “Para muitos, o jornalismo é uma profissão

que se aprende nas redações, na prática. No Brasil, desde 1979, exige-se o diploma de

faculdade específica para obtenção do registro que possibilite o exercício da profissão”

(TRAVANCAS, 1993, p. 32).

Contudo, em relação à academia, a relação teoria-prática no desenvolvimento da

profissão de jornalista, geralmente, causa polêmica. Existe uma grande divergência de

opiniões entre os teóricos e os práticos quando se fala nos conteúdos passados na

faculdade. Os práticos afirmam que o conteúdo não foi criado com base no ponto de

vista de um profissional da área. Os teóricos, a partir de seu intelectocentrismo, ou se

limitavam a negar a prática ou a consideravam indigna de sua consideração. Já os

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124

práticos, a partir de seu ferramentismo, não dispunham dos instrumentos necessários à

superação de sua ingenuidade (MEDITSCH, 1992).

É necessário que o futuro profissional de jornalismo compreenda a inter-relação da

comunicação e da pesquisa na construção de conhecimento. Destaca-se a INTERCOM,

Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação que, desde 1977,

apoiou a discussão das ideias e a pesquisa no País, ampliando para a comunidade

científica latino-americana (LOPES, 1999).

No que diz respeito à coordenação do curso de jornalismo do IBES destaca-se o

saudoso jornalista professor Fernando Arteche Hamilton, que liderou inicialmente a

equipe de professores, e que foi crucial na indicação dos caminhos que o curso

percorreria na sua trajetória. A coordenação do curso na construção do Projeto Político

Pedagógico facilitou a criação de estratégias de ensino-aprendizagem assim como

fortaleceu a dupla teoria-prática, sob a visão da técnica, a estética e a ética jornalísticas.

Por outro, a estrutura do currículo do curso de jornalismo fortaleceu a pesquisa na

graduação, a partir de várias linhas de pesquisa, especialmente, a linha de jornalismo

regional. A grade foi planejada sustentada pela pesquisa na graduação na disciplina

“Teoria e Métodos de Pesquisa em Comunicação”, no quinto semestre do curso, a partir

da qual prospectava-se os projetos que seriam desenvolvidos pelos acadêmicos

posteriormente. No sexto semestre, a disciplina “Projetos Experimentais em

Comunicação” (PEC), desenvolve os produtos laboratoriais, realizados de forma

individual ou em dupla, o qual inclui produto em diversos formatos além de relatório

teórico vinculando assim teoria e prática jornalísticas. E, no sétimo na disciplina

“Trabalhos de Conclusão de Curso” (TCC), os formandos desenvolviam, de forma

individual, monografia relacionada às linhas de trabalho na faculdade. As principais

foram: mídia regional, novas mídias, mídia e cidadania, e comunicação organizacional.

Contexto midiático regional

Os municípios do Médio Vale do Itajaí apresentam um perfil de desenvolvimento e

potencialidade para a expansão e crescimento dos meios de comunicação locais e

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regionais. A região do Médio Vale do Itajaí é composta por 14 municípios50 com

características econômicas variadas, mas com predominância nos setores industrial

(têxtil e metalomecânico) e agrário, este último com pequenas propriedades. São eles:

Apiúna, Ascurra, Benedito Novo, Blumenau, Botuverá, Brusque, Doutor Pedrinho,

Gaspar, Guabiruba, Indaial, Pomerode, Rio dos Cedros, Rodeio e Timbó. Em

Blumenau, a cidade polo, a indústria têxtil ainda predomina, mas já se desenvolvem

outros setores como o de informática (softwares para gestão).

Nesse sentido, um dado toma destaque principal: o curso de Jornalismo do IBES foi o

único oferecido nessa região, ao longo de dez anos. Dessa forma, configura-se o

potencial de crescimento e mercado de trabalho para os futuros jornalistas já que

somente na cidade de Blumenau existem um total de onze rádios, cinco jornais com

periodicidade constante, duas editoras com amplo leque de publicações desde moda,

saúde, negócios, entre outros, assim como quatro emissoras de televisão que geram

programação local e dois escritórios de emissoras televisivas filiais.

Além disso, inúmeras ONGs51, instituições públicas e particulares que são mercado

potencial de assessorias de imprensa. Destaca-se ainda o fato de Blumenau ser um pólo

têxtil, abrangendo empresas locais de prestígio nacional e internacional (exportações e

importações), entre outros setores de negócios da cidade.

Em relação às fontes informativas, as agências de notícias são fonte institucional que

articula, organiza e favorece informações centralizadas aos órgãos de imprensa. Nesse

sentido, a cobertura da imprensa tem uma particularidade por ser um discurso

jornalístico apresentado a partir de uma agência de notícias, a Agência RBS de

50

A Associação dos Municípios do Médio Vale do Itajaí (AMMVI), foi fundada em dois de agosto de 1969, com objetivo de ampliar e fortalecer a capacidade administrativa, econômica e social dos municípios associados e promover a cooperação intermunicipal e intergovernamental. Abrange 14 prefeituras, sete fundações, cinco autarquias, 22 fundos e duas Sociedades de Economia Mista. As atividades da AMMVI atingem aproximadamente 4.492.85 km/2 e uma população de 617.383 habitantes. 51

ABONG - Associação Brasileira de Organizações não Governamentais. Disponível em: www.abong.org.br/ Acesso em: 22 ago. 2008.

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Notícias52, em comum aos quatro jornais estudados, o “Jornal de Santa Catarina”, “A

Notícia”, “Diário Catarinense” e “O Pioneiro”, isto é, o conglomerado RBS.

Cenário midiático acadêmico dos profissionais jornalistas

Ao longo de dez anos, 140 estudantes de jornalismo formaram-se no IBES. Dessa

forma, parte-se do pressuposto que a relevância das monografias dos primeiros TCCs do

curso de Jornalismo53 é significativa pelo fato delas apresentarem um diagnóstico do

panorama inicial da área acadêmica na região, antes da existência da faculdade, numa

primeira fase de implementação dos cursos de jornalismo.

Ao mesmo tempo, o local, o regional e o global são lugares que devem ser discutidos

pela pesquisa na área da comunicação, para não cair nos ghettos acadêmicos ou nos

regionalismos, mas, sobretudo, pensar a partir da realidade próxima o panorama global.

A região é importante se relacionada com o contexto global, num movimento circular de

integração e interação da sinergia midiática. Nesse sentido, Lopes (2006, p. 27) destaca

o campo da comunicação como “um lugar estratégico para o debate da modernidade”.

Os Trabalhos de Conclusão de Curso em Jornalismo, em 2008

Nesse sentido, destacamos nesse texto, alguns apontamentos sobre vinte (20)

monografias da primeira turma dos formandos do curso de jornalismo do IBES. Para

tanto, tomaram-se como prerrogativas estudos de Lopes (1999), Fadul (2003) e Tondato

(2007), geralmente focalizando os cursos de pós-graduação e núcleos de pesquisa,

porém, ainda faz-se necessário mais estudos na graduação da comunicação.

52

Disponível em: < http://www.agenciarbs.com.br/agencianoticias/servlet/AgenciaNoticiasController> Acesso em: 11 nov. 2008.

53 O curso de Comunicação Social, habilitação em Jornalismo da SOCIESC-IBES em

Blumenau, Santa Catarina iniciou suas atividades em 2004, tornando-se o primeiro curso da região do Médio Vale do Itajaí (AMMVI). Blumenau foi pioneira em rádio e televisão no estado catarinense e exigia uma instituição de ensino superior na área jornalística. Na sua grade curricular existem três disciplinas que contemplam o processo de aprendizagem da pesquisa tanto na teoria como na prática jornalística e acadêmica. Nesse sentido, aliar a visão humanista, ética, cidadã e de responsabilidade social nos futuros jornalistas. O TCC é individual, obrigatório, e é requisito para obtenção do título de bacharel em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo.

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Analisou-se o universo jornalístico que foi repercutiu nos TCCs, criando-se categorias

para mostrar qual foi o campo observado em termos de práxis midiática como: recepção

da mensagem jornalística, perfil e identidade profissional, história da mídia, cultura da

comunicação e a análise do discurso jornalístico nos seus diversos suportes como

impresso, rádio, TV, digital, entre outros, como indica o Gráfico 1.

Gráfico 1 – Universo Jornalístico dos Trabalhos de Conclusão de Curso,

Jornalismo IBES SOCIESC (2008)

O Gráfico 2 mostra a procedência dos objetos de estudo dos TCCs. Pelo fato de ser a

primeira turma de formandos em jornalismo na região de Blumenau, Santa Catarina

(2008-I), observou-se o destaque do universo regional nas temáticas escolhidas (75%).

A relevância regional na escolha dos acadêmicos pode estar relacionada com o

pioneirismo da turma. Ao mesmo tempo, revela a identidade do mercado jornalístico

blumenauense antes do curso de jornalismo. Esse diagnóstico inicial mostra indicadores

da configuração desse mercado, dos profissionais e das empresas da região. (TORRES-

MORALES, 2009)

Gráfico 2 – Procedência dos Objetos de Pesquisa dos Trabalhos de Conclusão de

Curso, Jornalismo IBES SOCIESC (2008)

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128

O Gráfico 3 mostra as iniciais linhas de pesquisa reveladas a partir dos trabalhos

monográficos analisados, como jornalismo especializado (40%), inclusão social (35%),

cultura (15%) e linguagem jornalística (10%). (TORRES-MORALES, 2009)

Gráfico 3 – Linhas de Pesquisa dos Trabalhos de Conclusão de Curso, Jornalismo

IBES SOCIESC (2008)

Esses dados ratificam a identidade do curso no sentido de ter na sua matriz curricular

várias discplinas vinculadas à formação ético-comunitária. Da mesma forma, o ponto de

partida é o mercado regional, com a compreensão do contexto social, econômico,

político e cultural, por parte do futuro jornalista. A formação profissional engloba as

diversas técnicas jornalísticas e as várias funções desempenhadas pelos jornalistas na

sociedade contemporânea. Laboratórios próprios para a prática profissional atual

oportunizam a orientação em relação ao mercado. A prática também se encontra em

disciplinas da matriz curricular, seguindo a diretriz da teoria a partir da prática,

constante da organização didático-pedagógica do curso (TORRES-MORALES, 2009).

Gráfico 4 – Aspectos profissionais Abordados nos Trabalhos de Conclusão de

Curso, de Jornalismo IBES SOCIESC (2008).

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Nesse sentido, o cenário midiático relacionado à instituição universitária direcionada ao

curso de jornalismo, apresenta algumas considerações preliminares sobre os Trabalhos

de Conclusão de Curso da primeira turma de formandos do curso de jornalismo do

IBES SOCIESC, em Blumenau, Santa Catarina, com o objetivo de aproximar-se à

pesquisa na área de graduação de jornalismo, em 2008-I.

Toma-se como prerrogativa a Freire (1997, p.43-4) no sentido de que “é pensando

criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. O

próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal modo concreto

que quase se confunda com a prática”. Sendo ponta-pé inicial de reflexão sobre o

panorama, a consolidação do primeiro curso de jornalismo na região traz desafios na

área do ensino mas, sobretudo, na área da pesquisa da graduação em comunicação e em

jornalismo.

Transição na implementação acadêmica do perfil dos jornalistas na região

blumenauense

No território catarinense, Blumenau é pioneira nos meios de comunicação, já que

concebeu a primeira rádio (antiga PRC-4, hoje Rádio Clube), o primeiro canal de TV

aberto (antiga TV Coligadas, atualmente RBS TV Blumenau), o primeiro jornal off-set

(Jornal de Santa Catarina, hoje pertencente ao grupo RBS) (SIEMANN, 2008). No

entanto, esse pioneirismo não refletiu, num primeiro momento, em profissionais com

conhecimento acadêmico da comunicação social. Alguns migraram de outras regiões do

Estado ou até do País para a cidade blumenauense, colaborando para que os

profissionais da região se prendessem a hábitos repassados a eles, desde gírias no

momento da fala ou da escrita e até em outros desempenhos da função (SIEMANN,

2008). Identificar os cenários e protagonistas midiáticos envolvidos nessa região

repercute na compreensão da identidade do jornalista regional, em tempos de

convergências assim como mudanças relacionadas ao conglomerado da RBS, afiliada da

Rede Globo (configurando-se como oligopólio já que detém os três maiores jornais do

estado), incursão maciça da Rede Record e a presença do primeiro curso de jornalismo

nessa região. Pressupõe-se que as mudanças no perfil midiático repercutiram na

configuração de um novo mercado de trabalho para os jornalistas; as regras da oferta e

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da demanda mudarão as formas de conviver entre os protagonistas midiáticos (empresas

de comunicação, jornalistas profissionais e o público).

O mercado jornalístico blumenauense, sem dúvida, percorreu etapa inicial de

amadorismo e de implementação de rotinas profissionais, para uma fase cada vez mais

profissional, trazendo possibilidades positivas para a comunidade nessa área. Ao mesmo

tempo, a configuração de novos cenários midiáticos, disponibilizados pela Internet, por

exemplo, favorecerá novas mudanças na reconfiguração do campo dos jornalistas

profissionais na região.

É importante destacar que somente no primeiro semestre de 2014, surgiu o segundo

curso de jornalismo nessa região, vinculado à Universidade Regional de Blumenau –

FURB. Nesse sentido, reiniciam-se caminhos e percursos profissionais na área assim

como o destaca-se que o mercado atual já absorveu os profissionais da fase de

implementação e transição da formação acadêmica propriamente regional. Essa nova

configuração do mercado jornalístico traz novos desafios.

Ainda em relação à implementação da fase de transição e consolidação do ambiente de

formação acadêmica dos jornalistas profissionais na região blumenauense, as pesquisas

monográficas desenvolvidas, em 2008-I, no Curso de Jornalismo do IBES mostraram

algumas faces dos jornalistas na região de Blumenau, retratando essa etapa de transição

(DANEZI, 2008; JANA, 2008; SIEMANN, 2008). Com o advento do primeiro curso de

jornalismo nessa região, traçou-se pioneira aproximação relacionada aos jornalistas

especializados na área esportiva, aos repórteres cinematográficos e em relação aos

jornalistas especializados.

Segundo dados revelados por Siemann (2008), sobre jornalistas esportivos, identificou-

se, inicialmente, o perfil dos profissionais blumenauenses, sendo eles oriundos do meio

impresso, televisivo, radiofônico.

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Gráfico 5 - Perfil acadêmico dos jornalistas esportivos entrevistados no mês de

julho 2008, em Blumenau, SC.

Fonte: SIEMANN (2008)

O Gráfico 5 mostra que apenas 33% dos profissionais, ou seja, dois (02), dos seis

entrevistados, são diplomados. Os outros quatro profissionais ainda buscam formação

acadêmica, afirmando procurar seguir princípios básicos do jornalismo: verdade, ética e

responsabilidade, na hora de transmitir os fatos ao leitor, ouvinte ou telespectador.

Siemann (2008) realizou pesquisa qualitativa, com entrevistas em profundidade, junto a

esses profissionais. Quando perguntados sobre a questão da formação acadêmica, os

depoimentos desses jornalistas destacaram as seguintes questões, conforme sinaliza

SIEMANN (2008):

Respondente (1) – “Dizer que a formação acadêmica define a qualidade da cobertura, é uma meia verdade. Claro que algumas coisas amadoras que a gente vê, estão, talvez, na falta de formação. Não que a salvação para isso é todo mundo ser formado. Acredito que no jornalismo, ou o cara é bom, ou não é. O jornalismo é muito específico. Não adianta só tirar 10, ser o melhor aluno do curso. Cai numa redação e não dura uma semana. Nunca trabalhou numa redação, ficou o tempo todo na teoria. A prática esmaga ele”.

Respondente (2) – “Não dá para atribuir tudo a universidade. Não quer dizer que se começar a trabalhar 10 pessoas no jornalismo esportivo, todos formados no mesmo lugar. Vai muito da vontade, do

conhecimento e do interesse de cada um”.

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Segundo dados revelados por Danezi (2008), sobre os repórteres cinematográficos,

identificou-se, inicialmente, o perfil dos profissionais da imagem, sendo eles oriundos

do meio televisivo, das sete (07) emissoras da região.

Para desvendar qual é a identidade do perfil do repórter cinematográfico de Blumenau

teve como universo os profissionais da área que somaram vinte (20) pessoas. A amostra

na pesquisa qualitativa o tamanho da população a ser estudada é fixada pelo

pesquisador, sendo que a pesquisa qualitativa ”apenas pretende obter generalidades,

idéias predominantes, tendências que aparecem mais definidas entre as pessoas que

participaram no estudo.” (TRIVINOS, 2001)

Nesse sentido, do universo de vinte, foram entrevistados doze (12) profissionais, sendo

a metade ou mais dos profissionais de cada uma das emissoras da cidade de Blumenau

que são sete (7). Para manter a integridade das informações, os profissionais não foram

identificados pelo nome e, sim, como respondente A, B, C, na seqüência. A idade dos

entrevistados girou entre os 20 até os 53 anos, todos do sexo masculino. Durante o

levantamento dos dados para a pesquisa, a observação destacou que, na ocasião, o

universo dos profissionais da imagem na cidade, era do sexo masculino, não existindo

antecedente histórico de profissionais nessa área do sexo feminino (DANEZI, 2008).

Menos da metade dos entrevistados tinha alguma relação com a faculdade. Analisando-

se as entrevistas podia-se afirmar que todos sabiam do aperfeiçoamento teórico que

teriam se cursassem o ensino superior. (DANEZI, 2008).

Gráfico 6 – Perfil acadêmico dos profissionais da imagem entrevistados no mês de

julho 2008, em Blumenau, SC.

Nivel de Instrução

2

37

são graduados estão cursando a faculdade não tem formação acadêmica

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133

Dos 12 entrevistados: 7 não tem formação 3 estão cursando (2 Jorn. e 1 PP)

2 são formados (1 Letras e 1 Educ. Fís.) Fonte: Danezi (2008)

Com relação ao Gráfico 6, dos doze (12) entrevistados, dois (2) possuiam formação

acadêmica, um (1) em letras e outro (1) em educação física, três (3) estavam cursando a

faculdade, sendo que dois (2) na área de jornalismo e um (1) na área de publicidade e

propaganda, os outros sete (7) não tinahm formação acadêmica nem sequer começaram

a freqüentar a faculdade. Ou seja, 58,3% dos entrevistados não tinham formação

acadêmica. (DANEZI, 2008)

Ensinamentos sobre linguagem audiovisual como movimentos de câmera, planos,

enquadramentos, quebra de eixo, foco, iluminação são ensinados durante o curso de

jornalismo das universidades. Mas todos os entrevistados afirmaram que aprenderam

sobre estes quesitos com outros profissionais ou simplesmente exercendo a profissão.

Como vários repórteres cinematográficos blumenauenses relataram a Danezzi (2008):

Respondente (E): ”A maior escola que eu tive realmente foi na prática. Em Curitiba eu trabalhei com grandes profissionais e isso me ajudou bastante. No dia a dia as pessoas vão te dando toques quando tu faz uma coisa legal e quando tu não faz e ai tu vai te mudando né”. Respondente (I): “Eu não fiz curso, a maioria das coisas eu perguntei e fui atrás. Os caras que eu mais tenho respeito, por mais que muita gente não gosta dele foi o profissional de uma produtora, mas ele mostrou todos os detalhes de como fazer uma imagem quente, uma fria, função do shutter, mostrou na prática. Como eu não tinha muito contato com a câmera no dia a dia aos poucos eu fui aprendendo os recursos e lembrando o que ele e muitos falavam pra mim. Eu aia pegando o detalhe com os outros e aos poucos ia usando no dia a dia”.

Em Blumenau o único curso reconhecido pelo Ministério da Educação que atuava na

época na área de telejornalismo era o de Comunicação Social com habilitação em

jornalismo da faculdade IBES.

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Considerações finais

O cenário midiático regional apresentado registra as variáveis diversas na configuração

dos meios de comunicação em Blumenau, Santa Catarina. Destaca-se o fato de mudança

orgânica com o advento do primeiro curso de Jornalismo na região, o qual formou

academicamente muitos dos profissionais que já estavam trabalhando na área assim

como oportunizou a formação de novos jornalistas blumenauenses. Os dados mostram

que o contexto comunicacional na região blumenauense foi pioneiro em vários aspectos,

não somente em aspectos técnicos como o fato de implementar a primeira off-set do

estado catarinense como também inovou nos aspectos acadêmicos. O primeiro curso de

jornalismo, da instituição particular IBES SOCIESC trouxe a mudança radical na

aproximação aos profissionais da área, sendo que foi autorizado pelo MEC com

avaliação máxima, tomando em conta seu projeto político pedagógico, o qual teve como

eixo norteador as questões éticas, técnicas e de inovação estéticas. Vale a pena lembrar

que a sua grade curricular inclui disciplinas como Projeto Experimental em

Comunicação, no penúltimo semestre, na qual os alunos desenvolvem produtos

laboratoriais junto a relatório teórico-descritivo, e, para formar-se os alunos também

cursam, no último semestre, a disciplina Trabalho de Conclusão de Curso, quando

desenvolvem especificamente trabalho monográfico de pesquisa. Assim, prática e teoria

são discutidas e desenvolvidas de forma séria.

Seguindo essa linha de pensamento inovador, Blumenau preparou-se, dessa vez, para a

implantação do segundo curso de jornalismo na região, inserido dessa vez numa

instituição municipal, da Universidade Regional de Blumenau - FURB, o qual visa,

também, de forma pioneira, a implementação das diretrizes curriculares para o curso de

jornalismo do MEC. O curso iniciou suas atividades no primeiro semestre de 2014.

Dessa forma, a região catarinense de Blumenau mostra, mais uma vez, sua marca

pioneira na área da comunicação. O panorama comunicacional blumenauense,

disponibiliza caminhos de indagações para futuros estudos nessa região. Por um lado, o

acompanhamento do contexto atual do jornalismo blumenauense tendo como base o

seguimento e perfil dos egressos formados, já inseridos no mercado da região. Por outro

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135

lado, a partir de 2014-I, o cenário terá mudanças advindas do novo curso de jornalismo

na região. Por último, as indagações sobre os impactos das novas mídias no contexto

regional do jornalismo em Blumenau, Santa Catarina.

Referências

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Page 137: ANAIS FNPJ Blumenau 2015 - III Fórum Sul-Brasileiro de Professores de Jornalismo

137

O Uso do Facebook em disciplinas no curso de Jornalismo

Alessandra de Falco

Os avanços tecnológicos têm impactado diretamente na aplicação de ferramentas

digitais online, como as redes sociais, na prática de ensino do Jornalismo. Com o

objetivo de ampliar a interação dos alunos com o conteúdo de disciplinas, propostas

pedagógicas têm incluído o uso da Facebook como um meio para reflexão sobre a teoria

e ao mesmo tempo como instrumento para práticas. No curso de Comunicação Social -

Jornalismo, da Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ), este cenário pode ser

relatado como uma experiência enriquecedora.

O Facebook é utilizado para reunir os alunos, que podem se comunicar entre si, com a

professora ou monitores da disciplina neste espaço. Lá, também são disponibilizados, a

partir de um post fixo, hiperlink para projetos e documentos relacionados às disciplinas,

como blogs, Planos de Ensino e Cronogramas de disciplinas. Nesta rede social também

são compartilhadas notícias relacionadas às temáticas das matérias. Assim como são

criadas atividades como enquetes ou fóruns para comentários.

Em pesquisa realizada em março de 2015 com alunos que tiveram a experiência do uso

do Facebook como ferramenta de ensino e aprendizagem durante disciplinas da

Graduação em Jornalismo, 25 estudantes responderam a 15 questões sobre a aplicação

deste recurso, em um formulário elaborado no GoogleForms. Estes alunos cursaram

disciplinas como: Planejamento Visual Gráfico (2º período), Jornalismo Online - teoria

(4º período), Oficina de Jornalismo Online - prática (5º período). Em relação à estas

duas últimas, os alunos acham relevante o uso da ferramenta, uma vez que a mesma está

inserida entre as temáticas abordadas nas disciplinas.

Estas Unidades Curriculares do curso de Jornalismo, proferidas pela mesma professora,

utilizaram o Facebook como ferramenta educacional, a partir da realização de

fóruns/debates, postagem de atividades de opinião (obrigatórias), compartilhamento de

entrevistas, leitura e produção de textos, esclarecimento de dúvidas, divulgação de

trabalhos, distribuição de conteúdos relacionados às matérias, comentários dos

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trabalhos, realização de enquetes, divulgação de informações sobre as disciplinas (aulas,

datas, provas) e interação entre colegas e professora.

Alguns dos objetivos de uso do Facebook eram: facilitar o contato, a comunicação entre

membros do grupo, incentivando a interação; motivar a realização e o compartilhamento

de trabalhos, inclusive em grupos; facilitar os estudos e diálogos sobre as disciplinas;

possibilitar o acesso às informações, leituras e ferramentas das disciplinas pelos alunos,

assim como o acompanhamento do curso; divulgar oportunidades de vagas e cursos nas

áreas. E tudo isso disponível para todos, mesmo aqueles que perderam determinada

aula.

Os alunos citaram outras disciplinas do curso de Jornalismo da UFSJ que também

usaram ou o Facebook ou o Portal Didático da Universidade para distribuição de

conteúdo como: Teorias da Comunicação, Ciências da Linguagem, Jornalismo

Internacional, Teorias do Radiojornalismo, Jornalismo Impresso, Jornalismo Político,

Linguagem Fotográfica, Telejornalismo, Análise Crítica da Mídia, Metodologia de

Pesquisa, Jornalismo Científico, Documentário para TV, Comunicação Organizacional,

Comunicação Comparada, Assessoria de Imprensa, Práticas Discursivas e Jornalismo

Esportivo.

Nestas, os principais usos eram: divulgação de tópicos da disciplina; armazenamento de

arquivos; postagem de textos, atividades / trabalhos e recados; compartilhamento de

trabalhos produzidos em sala com os colegas; fórum de informações sobre a aula

(horários, provas, datas). Alguns alunos já tinham utilizado o sistema de grupos do

Facebook, mas sem o envolvimento do professor. Do total, 58% dos estudantes sabiam

que 20% da carga horária das disciplinas pode ser desenvolvida à distância, enquanto

que 42% não tinham esse conhecimento.

As perguntas da pesquisa, algumas fechadas e outras abertas, abordam as estratégias

empregadas no uso da ferramenta, considerações sobre a influência do uso deste recurso

no desenvolvimento das disciplinas, as atividades realizadas na rede social, a facilidade

de uso da ferramenta, assim como o objetivo desta aplicação e, por fim, aspectos

positivos e negativos no uso do Facebook como recurso pedagógico. Outro tópico foi o

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uso dos grupos para além das disciplinas, como iniciativa dos próprios alunos, para

focarem em trabalhos específicos do curso, sendo que a maioria, 81% faz esse uso.

No total, a maioria (81%) considera positivo o uso do Facebook, contra 19% que

consideram negativo. Os alunos consideram o Facebook como uma ferramenta de apoio

para organização e distribuição do material curricular. Alguns sugerem que o meio

poderia ser utilizado para realização de exercícios avaliativos. É considerada uma

ferramenta pártica, que possibilita o diálogo, o contato direto e rápido entre professor e

aluno, o que nem sempre acontece em sala de aula com todos. Destaca-se o fato dos

alunos estrarem sempre conectados e poderem acessar o Facebook em qualquer lugar.

Como já mencionado, a possibilidade da realização de fóruns, assim como de armazenar

arquivos relacionados às disciplinas (Planos de Ensino e Cronogramas), criando um

banco de dados, atrai os alunos. Assim como a facilidade de comunicação entre os

membros do grupo, o que torna as disciplinas mais “leves”, uma vez que é facilitado o

acompanhamento de tópicos relacionados aos Planos de Ensino. Outro ponto destacado

é o aumento da interação dos participantes em discussões sobre atividades realizadas em

sala de aula.

Outras vantagens do uso da rede social são: centralização de informações das

disciplinas, facilitando o acesso; possibilidade de tirar dúvidas não apenas com o

professor, mas também com os colegas; e o compatilhamento de atividades /

conhecimentos do grupo. Alguns comentam que como acessam o Facebook todos os

dias, acabam entrando no grupo da matéria, ou seja, é possível uma interação diária com

as temáticas, mesmo depois ou antes das aulas. Porém, como este contato acontece

muitas vezes primeiramente em busca de entretenimento, muitos afirmam que não

conseguem prestar atenção nas postagens nos grupos das disciplinas e se perdem em

relação às atividades.

Alguns estudantes comentam que a ferramenta possibilita a organização de conteúdo, o

acesso fácil e a troca em discussões. Apenas 1% considera difícil o uso do recurso, 4%

médio e 21% fácil. Em relação às críticas negativas, alguns alunos afirmam que os

assuntos da aula se dispersam em meio a tantos outros tópicos compatilhados no grupo

na rede social. Aqueles alunos que não possuem conta na rede social não concordam

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com o fato de se sentirem obrigados a participarem do ambiente para terem acesso aos

conteúdos extras relacionados às disciplinas, e se sentem prejudicados se não interagem.

A maioria concorda que o uso do Facebook torna as aulas mais dinâmicas e atrativas,

considerando inclusive o fato das novas tecnologias, incluindo as redes sociais, terem

papel fundamental na nova realidade de mercado dos jornalistas. Ficar antenado, a partir

de notícias relacionadas compatilhadas é outro ponto positivo levantado, conteúdo que

acaba complementando a matéria. As questões e resultados da pesquisa que gerou este

relato de experiência podem ser acessados aqui: http://migre.me/plTrZ.

Resumindo, os aspectos POSITIVOS na utilização do Facebook como recurso

pedagógico são: Facilita o contato entre aluno e professor (16), Permite a realização de

atividades à distância (16), Facilita o trabalho coletivo (13), Facilita a realização de

atividades (12), Potencializa comentários sobre os conteúdos (12), Facilita o acesso aos

trabalhos dos colegas (12), Contribui para acompanhamento da Unidade Curricular (11),

Motiva a realização dos trabalhos (7), Contribui para a assimilação do conteúdo (4) e

Contribui em todos os itens citados (1).

Já os aspectos NEGATIVOS são: Dispersa a atenção (21), Não interfere na

aprendizagem (2), Prejudica a qualidade dos trabalhos (2), Complica a realização de

atividades (2), Não é confiável (2), Perda de contato pessoal (1) e Às vezes tira um

pouco a atenção para outras coisas (1). Foi sugerido que o uso do e-mail poderia ser

mais satisfatório, assim como o uso do Portal Didático, que é uma ferramenta da

Universidade Federal, que oferece mais foco para as atividades relacionadas às

disciplinas.

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GP Produção Laboratorial (relato de experiência)

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Rotinas produtivas em formação: estratégia organizacional

do jornal-laboratório Foca Livre para 2015

Rafael Schoenherr (UEPG)

Manoel Moabis54

Este relato pretende sintetizar aspectos principais da estratégia de organização produtiva

e pedagógica do jornal-laboratório Foca Livre prevista para o ano de 2015, processo

iniciado no último mês de março e debatido com a equipe de estudantes matriculados na

respectiva atividade laboratorial. O laboratório de jornal impresso do curso de

Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa funciona articulado à disciplina

de Redação II, do segundo ano do curso.

Registra-se aqui, portanto, a proposta de organização do trabalho laboratorial ofertada

para debate com a turma de estudantes em março de 2015 com o objetivo de

compartilhar e dar a entender opções pedagógicas e produtivas possíveis no desenho

dos espaços laboratoriais e assim contribuir no levantamento de dados para pesquisas

sobre o ensino de jornalismo em jornal-laboratório nas escolas de jornalismo do país.

Indiretamente, o debate da experiência relatada permite ajustes e reconfigurações ainda

no percurso produtivo e pedagógico deste ano. Espera-se que novos relatos sobre a

atividade em andamento possam inclusive inspirar propostas de reencaixe do Foca Livre

no desenho que o curso de Jornalismo da UEPG passa a assumir em função do novo

currículo.

Transformações recentes na trajetória do Foca Livre

O Foca Livre possui mais de 20 anos de circulação ininterrupta. Inicia como tabloide e

depois assume o formato standard, que permanece até hoje. Em 2006, o jornal é

produzido pela última vez a partir do espaço de uma disciplina de jornal impresso. A

principal contingência na ocasião era a de comprimir o espaço-tempo do jornal aos

horários disciplinares. Nesse formato, não havia relação ou dinâmica articulada a outras

54 Professores colaboradores do curso de Jornalismo da UEPG.

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disciplinas. A turma operava dividida em seis editorias temáticas, uma equipe de edição

e outra de diagramação.

Já em 2012 e 2013, mediante outro currículo, o Foca Livre funciona como projeto

laboratorial, com possíveis articulações com a disciplina de Redação II, uma vez que

ambos os espaços são voltados ao segundo ano de jornalismo. Em um dos anos, operou-

se com seis editorias temáticas mais um grupo de editores e outro de diagramadores –

sempre em rodízio. Outra opção adotada foi de seis equipes com editorias temáticas,

uma equipe de editores-diagramadores e uma equipe de fotógrafos. Sendo que em 2013

procurou-se um diálogo mais próximo com a disciplina de Redação II para produção e

revisão dos textos. Ainda assim, os editores do Foca assumiam boa parte da tarefa de

revisão e formatação final dos materiais a serem publicados no jornal. Esses dois anos

marcam a retomada do foco principal do jornal nos temas da universidade, com

circulação dos 2 mil exemplares garantida nos dois campi da instituição em Ponta

Grossa.

Foca Livre 2015, divisão das editorias do jornal e proposta funcionamento

A equipe de produção do Foca Livre iniciou 2015 com 37 estudantes matriculados –

número sujeito a variações nas primeiras semanas de trabalho. Nas reuniões iniciais, a

turma definiu em conjunto com os professores do projeto laboratorial e da disciplina de

Redação II pelo seguinte modo de funcionamento:

divisão da turma em oito equipes, de modo a atender uma das exigências do

regulamento do projeto, que é oportunizar a participação de cada estudante em

todas as etapas produtivas do jornal. Adota-se o rodízio a cada uma das oito

edições a serem publicadas. Desse total, seis equipes são responsáveis por suas

respectivas editorias temáticas. Um dos grupos responde pela edição e

diagramação do jornal. E, por fim, uma última equipe assume os serviços de

fotografia e imagem.

Após avaliação de edições de anos anteriores do jornal e debate em sala, a

equipe definiu seis editorias temáticas: vida universitária (p. 3); cidadania 1 e 2

(p. 4 e 5); ciência e tecnologia (p. 6); política e economia (p. 7); cultura (p. 8). O

rodízio respeita essa ordem.

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A escolha dos estudantes que integram cada equipe foi definida a partir de

proposta dos professores em debate com a turma. Tentou-se assim evitar a

prática do sorteio ou da escolha livre. Baseou-se em critérios como: assiduidade

e produtividade nas primeiras reuniões do projeto; participação e experiência em

espaços de extensão que envolvam cobertura jornalística. O objetivo é o de

manter o equilíbrio produtivo entre as editorias – evitando, sobretudo, de

concentrar os estudantes com experiência em fotografia em somente uma

equipe, por exemplo. Ainda assim, não deixa de ser uma aposta. Mas com

resultados pertinentes, conforme verificado em 2012 e 2013.

Quanto à ordem do rodízio, tentou-se intercalar sempre que possível equipe com

quatro estudantes e outras com cinco, para evitar eventuais 'esvaziamentos' ou

concentrações. O ponto em que cada grupo inicia o rodízio foi definido pela

turma, uma vez que todos acabam passando por todas as etapas. A equipe que

inicia em edição/diagramação segue para fotografia, vida universitária, cidadania

1, cidadania 2, ciência e tecnologia, política e economia, cultura.

Ainda nas reuniões iniciais, foi debatida uma proposta de calendário de

produção válida para o semestre. O Foca Livre será fechado sempre na última

semana cheia de cada mês, circulando nos últimos dias de abril (Foca 1), maio

(Foca 2), junho (Foca 3), julho (Foca 4). O calendário prevê também reuniões de

pauta semanais, que por sua vez organizam entregas de texto e o trabalho de

apuração via disciplina de Redação II. Sempre na semana seguinte da reunião de

pauta, inicia o trabalho de edição (planejamento) e fotografia da respectiva

edição do jornal. O calendário do segundo semestre será apresentado em julho.

Quanto ao perfil editorial do jornal, optou-se por manter a conduta principal de

concentrar a cobertura jornalística sobre a realidade universitária, com foco na

UEPG, tendo a comunidade universitária por público-alvo principal – regra que

orienta a distribuição dos 2 mil exemplares durante oito edições mensais. O que

não impede trazer temas e acontecimentos da cidade para compor o diálogo com

o mundo universitário e suas fontes, perspectivas e avaliações. O Foca Livre

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2015 é, portanto, um jornal voltado para a cobertura jornalística informativa de

acontecimentos que impactam a realidade universitária, com ênfase na UEPG,

indicando possíveis interações com os acontecimentos da cidade de Ponta

Grossa (PR). A tomar pelas discussões iniciais sobre as editorias, pelo histórico

recente da publicação e pelas pautas apresentadas em duas rodadas iniciais de

produção, podemos sintetizar o perfil temático das editorias da seguinte forma55:

a) vida universitária: acontecimentos do cotidiano universitário. Vida nos campi

da UEPG. Estrutura dos campi. Iniciativas, espaços e ações de estudantes,

professores e funcionários. Outras universidades. Agenda. Eventos; b) cidadania

1: destaque para questões que revelem a interação entre a universidade e a

cidade de Ponta Grossa e região; c) cidadania 2: abordagem dos acontecimentos

da cidade pelo ângulo do espaço público, de sociedade e da cidadania; d) ciência

& tecnologia: acontecimentos da pesquisa e da extensão na UEPG e demais

universidades. Fomento, bolsas, técnicas, desenvolvimento, estudos,

levantamentos. Formação de pesquisadores. Produção de conhecimento.

Congressos, divulgação e popularização científica; e) política & economia:

gestão orçamentária, recursos. Fóruns de decisão. Espaços de participação

coletiva nas decisões da universidade. Demandas de setores constituintes da

UEPG. Movimento estudantil. Gastos. Custos da vida estudantil e dos

servidores. Realidade econômica da instituição e do seu entorno; f) cultura:

memória local e regional; artistas; produção independente; políticas e diretrizes

culturais; indicadores culturais. Cobertura de ações e eventos.

Foca Livre em diálogo com a disciplina de redação jornalística II

Neste ano, o jornal Foca Livre é produzido em parceria com a disciplina de redação

jornalística II que compõe a grade curricular do segundo ano no curso de jornalismo da

UEPG. A ementa da disciplina aponta para a discussão sobre “Gêneros jornalísticos:

opinativo, informativo e interpretativo. Técnicas de apuração, produção e edição da

notícia. Produção de notícia para jornalismo diário. Editorias e suas especificidades no

jornalismo diário (política, economia, ciência, meio ambiente, cultura, saúde, educação,

55 O perfil editorial do jornal será ainda avaliado pelo Departamento de Jornalismo (Dejor) e pelo Conselho Editorial do Jornal-Laboratório, em fase de constituição. Ajustes serão feitos nos próximos meses, sempre mediante avaliação com a turma de produtores do jornal.

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esportivo, etc.). Perfis jornalísticos. Desenvolvimento das etapas de produção em

projetos laboratoriais”.

O planejamento, que se encontra em execução, prevê que os estudantes matriculados no

projeto experimental produzam os textos noticiosos que fazem parte do conteúdo da

edição impressa do Foca Livre na disciplina prática de redação II. Já as demais etapas

do processo produtivo do jornal laboratório são realizadas no espaço destinado ao

projeto (edição, diagramação, circulação e avaliação do jornal).

Semanalmente os estudantes participam de uma reunião de pauta na qual fica definido o

enquadramento e os assuntos que serão cobertos pela equipe do Foca. Como a edição do

jornal é mensal, nem todas as pautas produzidas pelos estudantes ao longo do mês

estarão na edição final, mas podem ser aproveitadas em outras produções do curso,

como o Portal Comunitário56 ou Cultura Plural57.

A equipe de editores/diagramadores e a equipe de fotógrafos também é responsável pela

apresentação de pautas, porém nestes casos o trabalho consiste em colaborar com o

trabalho dos repórteres (editores) e também sugerir pautas fotográficas (fotógrafos). Na

disciplina de redação II essas equipes são avaliadas não pelo texto que escrevem, mas

sim pela capacidade de coordenar e executar as tarefas que lhe são destinadas na

produção do jornal. Os editores e fotógrafos também podem ser requisitados para

companhar algum assunto que seja de interesse do jornal, qualquer fato que possa ter

implicações nos assuntos que são relevantes para o jornal.

A disciplina de redação jornalística II ainda reserva duas horas semanais para discussões

teóricas sobre a prática jornalística. A proposta é discutir gêneros jornalísticos, técnicas

de apuração, produção e edição da notícia. Além disso, o espaço também contempla a

problematização sobre fontes e características do texto jornalístico. Os debates buscam

dialogar com as experiências vivenciadas pelos estudantes na produção do jornal.

56 O Portal Comunitário é uma produção de jornalismo on-line do Curso de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa que oferta conteúdo noticioso diariamente. Seu conteúdo está disponível em: www.portalcomunitario.jor.br 57 O Projeto Cultura Plural realiza cobertura das manifestações culturais de Ponta Grossa e região dos Campos Gerais. O Conteúdo é disponibilizado em: www.culturaplural.com.br

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Apontamentos parciais sobre o projeto jornal laboratório Foca Livre 2015

A partir da experiência do jornal Foca Livre neste pouco mais de um mês de

funcionamento, é possível realizar alguns apontamentos, ainda que iniciais, que indicam

como o processo tem funcionado. Um dos indicadores que chama a atenção é

reclamação da turma quanto ao ritmo de produção (elaboração de uma pauta por

semana), considerando que nem todos os assuntos estarão publicados na edição

impressa do jornal. Os questionamentos revelam um certo contrassenso em relação à

experiência de estudantes que já passaram pelo projeto Foca Livre e revelaram que o

jornal não consegue reproduzir o ritmo de uma redação “de verdade” uma vez que os

repórteres realizavam apenas uma pauta ao mês – assemelhando-se ao ritmo de revistas.

Ainda que pese a necessidade de reflexão sobre a produção, situação que dificulta a

reprodução do ritmo de produção de um jornal diário (de acordo com as críticas

apresentadas em outros anos), a reclamação quanto à produção de uma pauta por

semana demonstra que os estudantes encontram dificuldade em elaborar as pautas

devido a um certo desconhecimento em relação ao ambiente que cobrem e em relação

ao que caracteriza propriamente um fato jornalístico.

Outro apontamento possível até o momento diz respeito à dificuldade em enquadrar as

pautas sugeridas em assuntos recortados em situações concretas. Nas reuniões de pauta

realizadas até aqui, os estudantes demonstram interesse na cobertura de “grandes teses”

em detrimento a situações menos complexas e de apuração viável que interferem no

cotidiano da cidade e da universidade.

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O gênero telejornal: da teoria à produção

Suyanne Tolentino de Souza58(PUC-PR)

Resumo: O relato a seguir expõe o processo de elaboração de telejornais produzidos pelos alunos de Comunicação Social – Jornalismo, do 4° período da Pontifícia

Universidade Católica do Paraná. As produções foram realizadas com base no aprendizado teórico desenvolvido ao longo do semestre, tendo como principais referências Machado (2000), Rezende (2000) e Cannito (2010), em que cinco telejornais

foram produzidos de acordo com linhas editoriais previamente estabelecidos no contrato didático da disciplina.

Palavras-chave: telejornal, teoria, prática, jornalismo.

Introdução

Neste trabalho apresenta-se a descrição da produção teórica e prática de cinco

telejornais, dos onze produzidos pelos alunos do quarto período do curso de Jornalismo

da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Os produtos foram desenvolvidos na

disciplina de Telejornalismo sob a orientação da professora orientadora.

Ao longo do semestre, no desenvolvimento da disciplina os alunos estudaram os

aspectos históricos, teóricos e técnicos da televisão, as características do meio e de sua

programação com ênfase na produção de telejornal, a estruturação das emissoras e das

equipes e também a linguagem textual e imagética.

A disciplina conta com uma carga horária de 4 horas semanais, das quais duas são

teóricas e duas práticas, totalizando 80 horas por semestre. Após o segundo mês de aula

teve início a produção do primeiro telejornal que partiu da seguinte problemática: Como

os acadêmicos do curso de Comunicação Social Jornalismo podem contribuir para

divulgação de reportagens jornalísticas sendo ainda aprendizes do exercício

profissional?

58

Doutora em Educação, docente no curso de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

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Partiu-se da seguinte hipótese: a realização de telejornais pode melhorar o desempenho

dos futuros jornalistas na prática, de maneira a buscar a formação de um profissional

com ampla visão dos fenômenos sociais, apurado senso de investigação e sólidos

critérios em seu exercício profissional.

O objetivo geral da produção realizada é conhecer as etapas de pesquisa, produção e

finalização de um telejornal. Os objetivos específicos são: identificar as características

do veículo televisão, seus gêneros e formatações e discutir a produção jornalística

audiovisual.

Para fundamentar teoricamente o trabalho desenvolvido utilizou-se como referencial as

obras de Machado (2000), Rezende (2000) e Cannito (2010), além de artigos indicados

pelo professor no decorrer do semestre. Os textos foram trabalhados em sala

colaborativamente entre as equipes e a orientadora por meio de aulas práticas dialogadas

e teóricas.

Justificativa

A televisão trouxe imediatismo para a informação. Com diferentes possibilidades de

gênero, destaca-se o telejornal como um gênero jornalístico que se caracteriza

principalmente por ser factual. Um telejornal é composto por notícias de fatos que

aconteceram no dia, embora também apresente notícias intituladas de "gaveta", ou seja,

que não são factuais.

Um telejornal traz as principais informações reunidas em um só programa a fim de levar

aos telespectadores notícias sobre diversos temas como: educação, cultura, política,

economia, entre outros.

(...) o telejornal não pode ser encarado como um simples dispositivo de reflexão dos eventos, de natureza espetacular, ou como um mero recurso de aproximação daquilo que acontece alhures, mas antes como um efeito de mediação. A menos que nós próprios sejamos os protagonistas, os eventos surgem para nós, espectadores, mediados através de repórteres (literalmente: aqueles que reportam, aqueles que contam o que viram), porta-vozes, testemunhas oculares e toda uma multidão de sujeitos falantes considerados competentes para construir “versões” do que acontece (MACHADO, 2000, p.102)

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Segundo Machado (2000) e Cannito (2010), os repórteres fazem a mediação dos fatos

até os espectadores, e consequentemente o telejornal funciona como um efeito de

mediação. Por meio das notícias veiculadas, o telespectador chegará a suas próprias

conclusões a respeito delas, gerando opiniões que constroem a sociedade.

Ao longo do semestre buscou-se que os alunos que cursaram a disciplina percebessem

esse papel de mediação do repórter ao relatar um fato, mesmo que muitas vezes não

estivessem trabalhando com pautas factuais. Os alunos, na condição de repórteres

fizeram o papel de mediação ao relatar os acontecimentos para que os telespectadores

compreendessem e se informassem sobre os assuntos que foram tratados.

Proposta didática

Os telejornais que são o resultado do trabalho de investigação aqui apresentados foram

produzidos na disciplina de Telejornalismo que traz como ementa: Aspectos históricos,

teóricos e técnicos da televisão. Características do meio e de sua programação com

ênfase na produção de telejornal. Estruturação das emissoras e das equipes.

Equipamentos e usos. Linguagem textual e imagética. A disciplina é ministrada no

quarto período do curso.

Para realizar os telejornais intitulados “Jornal Comunicare”, os alunos de jornalismo

noturno foram divididos em dois grupos, turma A e B com 16 alunos cada. Nos grupos

formaram equipes compostas por três integrantes, nos quais dividiam as funções de

pauteiro, repórter, cinegrafista e editor. As funções de editor-chefe, produtor e

apresentador foram atribuídas conforme os alunos se voluntariavam.

Linha editorial

A linha editorial é abrangente e independente. Traz informação geral de âmbito regional

direcionada a cidade de Curitiba. Busca-se não limitar a criatividade do aluno, procura

incentiva-lo a novos desafios, a comprometer-se a realização de suas atividades com

rigor e imparcialidade. Compromete-se com os princípios éticos da profissão primando

sobretudo pela liberdade de expressão.

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O telejornal Comunicare segue o Manual de Redação da Sala de Notícias da PUCPR

que tem o objetivo de sistematizar as normas editoriais e de estilo dos produtos

audiovisuais produzidos pela instituição.

Descrição do produto

O Jornal Comunicare é um telejornal acadêmico que leva o mesmo nome do jornal

impresso realizado pelo curso de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica do

Paraná. Trata-se de um jornal laboratorial realizado exclusivamente na disciplina de

Telejornalismo, que busca sobretudo a aprendizagem do aluno. Entende-se que essa

aprendizagem é um processo e que se dá ao longo das produções de forma colaborativa.

Procedimentos adotados

O processo começa na reunião de pauta em que são apresentadas algumas editorias e

também trabalhadas sugestões de pautas. Nesse momento, todos alunos participam do

processo independentemente da função que irão ocupar em seus grupos. Na semana

seguinte, cada equipe teve que trazer sua pauta produzida e marcada.

Após a entrega das pautas à professora orientadora, os alunos foram às ruas para a

produção de reportagens. Os alunos tiveram o prazo de duas semanas para realizar o

material. Observa-se que durante esse período os alunos continuaram tendo aula teóricas

para complementar o que estava sendo realizado na prática.

As gravações dos telejornais de ambos grupos ocorriam em tempo real, com a utilização

de três câmeras e teleprompter. Torna-se importante destacar que os alunos também

atuaram como: câmera em estúdio, diretor de televisão, operador de teleprompter,

operador de áudio e operador de vt. A equipe técnica da instituição apenas acompanhou

e auxilio os alunos no processo de gravação do telejornal, o que pode ser considerado

um diferencial do que vinha sendo realizado ao longo dos anos tanto na PUCPR como

em outras instituições. Os alunos que realizaram essas atividades foram escolhidos ou se

prontificam a realizar essa atividade.

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Após a gravação de quatro telejornais e a realização de uma auto avaliação do material

realizado que ia além da nota atribuída pelo professor, mas que contemplava sobretudo

o que poderia ser melhorado nas edições realizadas, a última edição do “Jornal

Comunicare” ocorreu de uma forma diferente, sendo considerado, portanto, um

telejornal especial.

Na quinta edição os alunos tiveram que perceber a importância de uma pauta bem feita,

diferenciar a pauta de impresso da pauta de televisão e também estar mais próximo da

realidade que encontrarão no mercado de trabalho. Desta forma, optou-se por fazer um

telejornal, nos quais as reportagens teriam que ser realizadas em uma noite no período

das 19h às 22h.

Assim, optou-se por trabalhar com um tema específico, que no caso foi a noite

curitibana. As temáticas das pautas foram escolhidas pelas equipes e orientadas pelos

editores-chefes e pelo professor. Observa-se que mesmo com a dificuldade de marcar

entrevistas para o horário noturno, inclusive a dificuldade de encontrar temas relevantes

que ocorrem no dia de gravação e no horário propicio para a produção, esse foi o

telejornal que apresentou melhor resultado.

Quando as pautas foram entregues no dia da externa, a professora as trocava entre os

grupos, ou seja, as equipes não sabiam as pautas que iriam cobrir, o que contribuiu para

que fossem melhores produzidas do que as dos telejornais anteriores. Nesse sentido,

segundo relatos, foi possível perceber a importância do papel de cada profissional no

todo de um telejornal

Para a segurança e agilidade do processo os grupos foram divididos entre os alunos que

tinha carro e podiam oferecer transporte para o grupo, o que também foi considerado

um ponto positivo no sentido de fazer com que novas equipes fossem organizadas. Os

alunos deveriam retornar ao laboratório até as 22h com o off gravado e relatório de

reportagem preenchido. A edição foi realizada durante a semana e o fechamento e a

gravação do telejornal na semana seguinte.

A gravação do telejornal buscou trazer para o estúdio a leveza de um programa distinto

dos que já haviam sido gravados até então. Deste modo, o cenário mudou, a bancada

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deu lugar a sofás e estantes decorativas. Também o texto dos apresentadores recebeu um

tom mais leve e conversado com o espectador buscando leva-lo a uma viagem cultural.

Todos os telejornais gravados durante o semestre ficam disponível no Portal

Comunicare. (http://www.portalcomunicare.com.br/webtv/)

Considerações finais

Por meio da produção dos telejornais os alunos relataram que puderam aprender um

pouco mais da rotina de produção de um telejornal regional. Nos cinco jornais

produzidos, na turma de Telejornalismo noturno, cada equipe dividiu-se como as

equipes profissionais, seguiram as orientações da pauta e produziram as reportagens

conforme a linha editorial de cada telejornal.

A cada término da produção dos telejornais eram nítidas as evoluções das reportagens,

seja com imagens, textos, enquadramento e edição, o que comprova hipótese

anteriormente levantada. As experiências trouxeram bagagem para a produção de

telejornais, além de um conhecimento acadêmico que ajudará futuramente no mercado

de trabalho.

Durante as produções os alunos também relataram a importância de aprender a trabalhar

em equipe. Cada integrante tinha sua função e elas foram cumpridas por cada um, para

que as reportagens fossem entregues no deadline proposto para a produção dos

telejornais.

Referências bibliográficas

MACHADO. Arlindo. A televisão levada a sério. 4ª Edição. São Paulo: Editora SENAC, 2000. 245p.

REZENDE. Guilherme Jorde de. Telejornalismo no Brasil – um perfil editorial. São Paulo: Summus, 2000. 290p.

CANNITO. Newton. A televisão na era digital. São Paulo: Summus, 2010.

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Fotografia e Educação na “era digital”

Ricardo Casarini Muzy (FURB)

Resumo: A fotografia pode ser um poderoso instrumento no processo educativo de

crianças, jovens e adultos, principalmente nos dias atuais, onde as pessoas vivem

imersas em um “mundo digital”, onde a fotografia e as imagens são os principais

veículos. Compreender esse fazer e dele se apropriar pode transformar a relação na sala

de aula, na escola, nas universidades e em outros espaços informais de educação. Pode

também aproximar o educador da realidade concreta do educando, fazendo com que o

processo educativo aconteça de forma fluida e natural.

Palavras-chave : Processos educativos; Crianças; Jovens, fotografia

Desde muito tempo as imagens têm sido utilizadas para representar a “realidade vivida”.

Em tempos antigos, antes do surgimento do advento da fotografia, o papel de “revelar o

mundo” era cumprido por pintores e artistas plásticos, que através de telas, esculturas e

outras obras de arte tentavam representar a realidade vivida. Quase tudo o que se podia

mostrar em relação ao mundo podia ser representado por esses artistas: florestas, rios,

cachoeiras, animais, construções e edificações, pessoas, enfim, um variado número de

temas e visões frente à realidade.

Famílias nobres contratavam pintores para retratar sua vida, seus parentes e inclusive

seus bens materiais, o que comprova que desde há muito tempo o homem tem se

dedicado a “mostrar ao mundo” sua própria realidade, seus costumes, suas tradições e

principalmente a maneira como se veem e que pretendem ser representados e retratados.

Conta a história, que, desde os tempos remotos, por volta de 350 a.C., aproximadamente

a época em que viveu Aristóteles, na Grécia antiga, diversos químicos e alquimistas

faziam experiências com captação de imagens e, já nessa época, se conhecia o

fenômeno de produção de imagens através da passagens de luz em pequenos orifícios de

uma “câmera escura”, o que hoje são nossas câmeras fotográficas. Naquela época, a

câmera escura era um quarto isolado da luz, com um orifício aberto para o seu exterior.

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Nesse quarto escuro era possível reproduzir imagens da realidade através da luz, para

serem observadas e apreciadas naquele momento, mas essas imagens não podiam ser

guardadas para o futuro, pois ainda não se conheciam as técnicas para conservá-las.

A partir de 1500-1600, físicos e químicos da época já conheciam o processo de manter

imagens gravadas por algum tempo, através da exposição de emulsões de sais de prata à

luz do sol. Isso ajudou a dar um grande passo em relação ao “descobrimento” da

fotografia, já que seriam essas emulsões de prata que possibilitariam a captação,

reprodução e armazenamento das fotos.

A história da fotografia pode ser narrada de várias formas, muitos defendem que o seu

descobrimento foi coletivo, ou seja, desde de a época de Aristóteles, diversas estudiosos

e pesquisadores, em todo o mundo, caminharam em direção a esta descoberta. Mas, de

maneira geral, a história mais conhecida é a que atribui a primeira produção de

fotografia a Jean Luis Daguerre, na França, em 1839. Ele, durante horas, deixou uma

pequena câmera escura, com emulsão de sais de prata, exposta à luz da janela de seu

apartamento em Paris, o que proporcionou a captação de imagens dos telhados das casas

e prédios vizinhos. Assim foi produzida a primeira fotografia captada por Daguerre.

Tanto que inicialmente a “câmera escura” utilizada para produzir a fotografia foi

batizada de “daguerreotipo”.

A divulgação do descobrimento causou espanto e fascínio das pessoas. O comentário de

Jules Janin, 1839, explica um pouco deste sentimento:

A terra e o céu, ou água corrente, a catedral que se perde nas nuvens, ou então a pedra, o calçamento o grão de areia que flutua na superfície, todas as coisas, grandes ou pequenas, que são iguais perante o sol, vão rapidamente ficar gravadas nesta espécie de câmera escura que conserva todas as impressões (p. 57, 2009).

É interessante perceber que desde o começo de suas definições a fotografia já ganha

status de “representar fielmente a realidade”, ou seja, ela seria capaz de “conservar

todas as impressões”. Com esse “poder”, a fotografia foi se desenvolvendo e sendo

definida com a função de mostrar “exatamente” um momento da realidade em si. Ela é

capaz de congelar o tempo e guardar uma cena para ser vista, reproduzida e repetida

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quantas vezes se deseja. Philippe Dubois (1994) discorre sobre esse tema no livro: "O

Ato Fotográfico", explicando que,

primeiramente se reconhece a fotografia como o espelho do real. Este é o discurso da mimese, em que o efeito de realidade encontrado na fotografia se dava graças à semelhança entre este objeto e a imagem real, ou seja, o seu referente. No início, ingenuamente se considerava a fotografia como um "analogon" da imagem que buscava reproduzir. Aquela seria mimética por essência (p.141, 1994).

Com o passar do tempo, inúmeras interpretações e definições foram dadas a fotografia:

forma de arte, representação do real e do imaginário, maneira de se registrar, construir e

modificar a realidade. É certo que, a partir do surgimento da fotografia, foi se

modificando e transformando a maneira das pessoas verem e reconhecerem o mundo e a

realidade vivida. Em princípio através das imagens estáticas e, logo em seguida, através

das películas de cinema, que por sua vez poderiam captar imagens em movimento.

De acordo com Abbagnano, Santo Agostinho (NASCIMENTO E MORTE) dizia: “As

imagens são originadas por coisas corpóreas e por meio das sensações: estas, uma vez

recebidas, podem ser facilmente lembradas, distinguidas, multiplicadas, reduzidas,

ampliadas, organizadas, invertidas, recompostas, do modo que mais agrade ao

pensamento” (ABBAGNANO, 1998: 537). Explicação que nos leva a acreditar que as

imagens e fotografias produzidas sempre partem de uma intenção, que geralmente está

interligada com o que “mais agrade ao pensamento”. Ou seja, a intenção ou

intencionalidade do ato fotográfico, e a forma como este ato é organizado, refletem

além da realidade em si, a maneira como o fotógrafo, ou a pessoa que está fotografando

pretende registrar e mostrar a realidade vivida. Como enxerga e como pretende mostrar

a sua realidade de mundo para outras pessoas.

Andréia Vieira Zanella afirma: “É, portanto, a fotografia necessariamente uma

expressão daquilo que se quer (ou consegue) retratar, marcada pelo olhar de quem a

produz, pelo ângulo, intencionalmente escolhido ou não, pelas luzes e cores que se

transformam no percurso entre o acontecimento e a objetivação do seu registro” (p. 141,

2006).

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O fotógrafo, ou sujeito que está fotografando volta o olhar através do visor da câmara

fotográfica, que funciona como uma espécie de “janela para o mundo”. Nesta janela ele

escolhe em que direção quer olhar, que ponto de vista terá em relação ao objeto, pessoa

ou paisagem que quer fotografar e, dessa maneira, produz “recortes da realidade”,

sempre carregados de subjetividade, uma vez que essa realidade captada, ou

fotografada, faz parte da maneira como ele vê ou enxerga o mundo e sua realidade

vivida.

Assim, como explica Alberto Groisman: “A tomada da foto é um momento que somente

parece estar encerrado no clique mecânico. Está sim, incluído num ciclo e num círculo

técnico, estético, relacional e político das relações entre os envolvidos” (p. 126, 2006).

Técnico, por conta do domínio ou conhecimento que a pessoa tem da fotografia e de

todos os seus aparatos tecnológicos; estético, porque sempre está ligado com a forma, a

beleza e a composição estética do que se pretende retratar; e político, pela relação com o

olhar, o ponto de vista e a escolha do que se quer retratar e mostrar da realidade em si.

A evolução da fotografia fez com que os aparatos técnicos e mecânicos para sua

produção, que eram mais lentos e exigiam um pouco mais de conhecimento, dessem um

salto para o mundo instantâneo e digital, onde tudo é muito rápido e efêmero. As

emulsões de sais de pratas, que exigiam longas horas em estúdios e laboratórios

fotográficos, para sua revelação e ampliação, foram substituídas por códigos digitais, o

mundo dos pixels e megapixels, onde tudo é produzido instantaneamente e as imagens e

fotografias captadas podem ser gravadas, reproduzidas, modificadas, editadas e

compartilhadas no mesmo instante em que estão sendo produzidas.

Os jovens e crianças que já nasceram nessa “época digital” consideram isso como coisa

comum, ou normal, e em sua realidade cotidiana as imagens compartilhadas aparecem

como cena comum da vida e da realidade vivida. A internet, juntamente com o

fenômeno das redes sociais, amplia ainda mais essa “realidade instantânea” da qual hoje

as fotografias e imagens fazem parte.

Em relação à educação e ao processo educativo, parece plausível afirmar que: “O

surgimento de técnicas, instrumentos e formas de captação e reprodução de imagens

fotografadas e seu uso por pesquisadores modificaram sobremaneira o padrão de

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conhecimento, de certa forma porque imagens fotografadas tinham status de representar

a realidade fotografada” (p. 123, 2006).

Grande parte ou quase a maioria absoluta das crianças e jovens que estão no período

escolar e nas salas aulas das universidades fazem parte deste grupo que já nasceu no

mundo das novas tecnologias e as consideram coisas comuns.

Levando tudo isso em consideração, é justo e necessário que as pessoas envolvidas com

a educação se dediquem a observar e estudar a fotografia, as imagens e todos os

aparatos digitais e tecnológicos envolvidos com sua produção e reprodução.

Estando convencido que esta observação visa voltar os olhos para essa “realidade”, que

é construída e mostrada através da fotografia e das imagens e incorporada na

naturalmente na vida dos jovens educandos. Principalmente no que diz respeito a

capacidade de utilização da fotografia no processo educativo (escolar ou não).

Educadores e todas as pessoas envolvidas com a educação devem estar atentos a essas

mudanças e observar a capacidade da fotografia no processo educativo, não apenas em

relação a sua utilização por teóricos e pesquisadores da área da educação que usam da

fotografia como comprovação de uma realidade, mas também, em sua utilização pelos

próprios educadores e educandos, seja durante o processo educativo, ou no dia a dia, em

seus cotidianos, os aproximando assim de serem protagonistas de sua própria história.

O mundo das imagens, potencializado e propagado principalmente através da televisão e

da internet é um mundo conhecido pelas crianças e jovens educandos, comum, faz parte

de suas realidades e é tratado por eles de uma maneira natural. As imagens e fotografias

hoje representam para as pessoas quase que o mesmo que a realidade vivida e fica

impossível dissociá-las da vida real e de seus cotidianos.

Propostas de educação que envolvam o uso da fotografia, ou outras formas de

comunicação e mídia, dentro de ambientes formais e informais de educação ainda é

muito pequeno e, com isso, perde-se uma boa oportunidade de dialogar com uma

tecnologia que hoje já está completamente incorporada na vida das pessoas. Se educar

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pressupõe partir da realidade real do educando, a imagem, hoje, pelo menos no espaço

da cidade, é elemento prioritário.

Novas pesquisas revelam o exponencial crescimento do acesso às novas tecnologias,

principalmente a internet, na qual as pessoas das mais diferentes idades já estão

habituadas e familiarizadas a viverem no chamado “mundo digital”, onde as fotografias

e imagens são os principais veículos.

Portanto, nada mais natural que os educadores pudessem, desde a fotografia, que passa a

ser uma linguagem corrente no mundo virtual, potencializar o processo educacional com

práticas pedagógicas que envolvessem esse fazer. Retratar a vida em movimento,

dialogar sobre os eventos cotidianos e a relação do educando com o mundo, fortalece a

compreensão da realidade e abre a possibilidade de transformação. Quando, a partir de

uma imagem cristalizada, o aluno começa a perceber a sua rua, seu bairro, sua cidade,

essa narrativa congelada o coloca reflexivamente diante da realidade. E, a partir da

reflexão sobre o mundo, o educando pode formular novas possibilidades e maneiras de

organizar a vida.

A fotografia é hoje – mais do que nunca - um poderoso instrumento no processo

educativo de crianças, jovens e adultos. Compreender esse fazer e dele se apropriar

pode também transformar a relação na sala de aula, aproximando o educador da

realidade concreta do educando, fazendo com que o processo educativo aconteça de

forma fluida e natural.

Experiências e dados levantados, principalmente no que diz respeito à escola e ao

ensino formal, nos mostra que a maioria dos espaços escolares públicos ainda não estão

equipados e capacitados para realizar realmente um trabalho efetivo e eficiente em

relação a comunicação, o uso da imagem e a educação

Muitas escolas e até mesmo universidades ainda não possuem laboratórios de

informática adequados, e as que possuem, em muitos dos casos, não contam com

profissionais realmente capacitados para exercerem a função de um educador que

trabalhe com comunicação.

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Podemos observar que muitos profissionais da área de educação realmente não estão

capacitados, nem sequer recebem qualquer tipo de formação para atuarem nessa área da

comunicação, que hoje assoma como parte constitutiva da sociedade. Muitas vezes,

como a escola, as universidades e alguns outros ambientes educacionais ainda estão

alicerçados em estruturas e projetos pedagógicos ultrapassados, fica patente que

educadores e educandos vivem em mundos radicalmente diferentes no que diz respeito a

comunicação e as novas tecnologias.

Para uma educação eficiente nesta chamada “era digital” é necessário romper com essa

barreira e passar a utilizar esse poderoso instrumento, que é a fotografia, mais

amplamente nos processos educativos.

Projetos educacionais que envolvam fotografia podem ser aplicados em diferentes

ambientes educacionais, formais e não formais e envolver educandos de distintos níveis

sociais, intelectuais e pessoas de diferentes idades, sejam crianças jovens ou adultos.

Referências

ABBAGNANO, Nicola, “Dicionário de Filosofia”, Martins Fontes, 1998.

BARTHERS, Roland, A câmera clara. tradução: Júlio Castanõn. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

CORREA, Lenzi, ZANATA, da Rosi, ALVES, Ana Maria de Souza, MATOS, Marise Gonçalves, org, Florianópolis. Editora da UFSC, 2006.

DANTAS, Ivana Rêgo: “Ensino de Artes e Fotografia: Um Click na Educação”, dissertação de mestrado, Universidade de Sorocaba, em 2006.

DUBOIS, Philipe: “O ato fotográfico e outros ensaios”, Campinas: Papirus, 1994.

FANTIN, Monica, “Mídia-educação: conceitos, experiências, diálogos”, Florianópolis: Cidade Futura, 2006.

REUILLÉ, André, A fotografia: entre documento e arte contemporânea/ tradução

Constancia Egrejas, São Paulo. Editora Senac, 2009.

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O papel da pesquisa para desvirtuar a visão

tecnicista sobre o ensino do Jornalismo Digital

Clarissa Josgrilberg Pereira59

O presente texto relata algumas considerações e reflexões sobre a realização das

disciplinas de Jornalismo Digital e Plataformas Multimídias, em especial as ministradas

na Universidade Regional de Blumenau (FURB), que são de responsabilidade da autora.

O objetivo de discutir a prática na docência dessas disciplinas surge, especialmente,

para se pensar sobre a visão conflituosa que, muitas vezes, os alunos têm ao enxergar

disciplinas como as aqui apresentadas unicamente pelo viés tecnicista.

No primeiro dia de aula a autora questionou sobre as expectativas que os alunos tanto da

turma de Jornalismo Digital, quanto da de Plataforma Multimídias tinham sobre a

disciplina. As respostas em ambas as turmas foram unânimes: “espero aprender a

prática”, “acho que vamos adquirir domínios em programas (softwares)”, “vamos

colocar a mão na massa”. É comum que os alunos tenham essas visões, o que

demonstra, de certa forma, que há, por parte, deles, uma visão tecnicista da própria

profissão.

Não se defende em momento nenhum que as habilidades práticas não sejam

importantes, claro que são. Contudo desenvolver habilidades ferramentais não pode ser

o principal objetivo dos alunos e nem da disciplina. Vejamos alguns porquês desta

questão. O primeiro consiste na própria essência do curso que é bacharelado e não

tecnológico. Ou seja, ao cursar um bacharelado o aluno se defronta com um leque de

campo de atuação. Ele poderá escolher para qual área que ir, se quer atuar no jornalismo

digital, na assessoria de comunicação, no rádiojornalismo ou em qualquer outra

atividade relacionada à profissão. Diferente do tecnológico que o daria habilidade para

atuar em apenas um dos campos acima mencionados. Para Adriana Takahashi (2010,

p.388),

59

Professora de Jornalismo Digital da Universidade Regional de Blumenau (FURB) e doutoranda em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Bernardo do Campo (Metodista). E-mail: [email protected]

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Os cursos tecnológicos vêm atender a uma demanda do mercado por especialistas dentro de uma área de conhecimento e estão orientados por características como foco, rapidez e flexibilidade, enquanto as outras modalidades de ensino superior visam formar generalistas. Os CSTs são, portanto, cursos distintos das graduações tradicionais (Parecer CNE/CES no 436/2001), e seus concluintes ficam aptos a prosseguir seus estudos em nível de pós-graduação.

Ao buscar quais são cursos tecnológicos existentes que sejam relacionados à informação

e à comunicação encontramos o Catálogo Nacional de Cursos Superiores de Tecnologia,

feito pelo Ministério da Educação em 2010 que lista dez cursos relacionados à área, são

eles: Informação e Comunicação, Análise e Desenvolvimento de Sistemas, Banco de

Dados, Geoprocessamento, Gestão da Tecnologia da Informação, Gestão de

Telecomunicações, Jogos Digitais, Redes de Computadores, Redes de

Telecomunicações, Segurança da Informação, Sistemas de Telecomunicações, Sistemas

para Internet, Telemática (BRASIL, 2010).

Notamos que não há nenhum que seja mais específico à prática jornalística. Com essa

discussão inicial temos algumas hipóteses sobre a visão tecnicista do curso que os

alunos têm: 1- é motivo da inexistência de um curso tecnológico mais específico o que

gera a procura por um bacharelado, 2- é reflexo de uma visão errônea comum de que

teoria está desassociada da prática, 3 – é fruto de uma sociedade cada vez mais técnica e

menos reflexiva, 4 – é apenas uma visão amadora inicial sobre a visão, uma vez que os

alunos ainda estão nos semestres inicias do curso.

As hipóteses acima levantadas sevem de reflexão e de sugestão para investigações

futuras sobre o perfil dos ingressos do curso de Jornalismo e não cabem serem testadas

nesse espaço. O fôlego dessa discussão consiste nas formas de driblar essa visão

tecnicista dos alunos sem gerar uma aversão às disciplinas.

Além da explicação sobre a diferença entre curso técnico, tecnológico e bacharelado,

houve também a elucidação sobre vulnerabilidade da tecnologia e a frenética

substituição dela. Dessa forma, fazer uma formação pautada em capacitações para uso

de softwares consiste em fazer uma formação perecível. Antes, por exemplo, ensinava-

se diagramação em Pagemaker, depois em Indesign e logo mais haverá outros

softwares. A chave está, então, em ensinar a diagramação e planejamento visual para

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além dos softwares, de modo que os conceitos apreendidos possam de fato ser

compreendidos e aplicados independentemente do software em vigor. Dessa forma,

acredita-se em duas frentes de ações: proporcionar melhor relação entre teoria e prática

e estimular a iniciação à pesquisa.

É comum que os alunos não consigam visualizar a aplicação dos conceitos aprendidos,

para burlar essa dificuldade optou-se por trabalhar da seguinte forma: elucidar os

conceitos e, em seguida, desenvolver atividade prática sobre eles. Por exemplo, um dos

primeiros conteúdos ministrados em Jornalismo Digital é as características que

possuem, definidas por Palácios (1999). Após a elucidação dos conceitos foi feita uma

atividade em que os alunos deveriam identificar em um texto jornalístico as

características aprendidas. Tentando, assim, demonstrar a clara relação entre teoria e

prática, a qual, conforme aponta Aparecida de Souza (2001, p.7),

[...] teoria e prática constituem um todo único, produzido na dinâmica da evolução humana em um contexto e em um tempo. Não há prevalência de uma sobre a outra, há interdependência. Não há determinação de uma em relação à outra, há reciprocidade. Não há reticências de uma para a outra, há dinamicidade [...].

Não se pode dizer, em hipótese alguma, que tal ação é inovadora. Ela é há anos

defendida e está, inclusive, na sustentação de um dos primeiros cursos de Jornalismo

criados no país, o da Universidade de São Paulo. Conforme relatado na obra

“Comunicação Jornalística e Editorial”, que compõe a Série Ensino, editada pela

Universidade de São Paulo (USP) e organizada por José Marques de Melo e Carlos

Eduardo Lins, entre os objetivos da criação do curso de jornalismo, feita em 1967,

estava o de aliar teoria e prática, especialmente, por meio do jornal laboratório, que só

foi viabilizado em 1969.

Contudo essa relação é uma busca constante e, por vezes, dificultosa, essencialmente,

pelo excesso de conteúdo, pela escassez de tempo e, às vezes, pela ausência de

equipamentos e infraestrutura. Além dessa busca, há a tentativa de iniciar os alunos na

pesquisa, assim eles adquirem capacidade de solução de problemas, melhoram

interpretação, desenvolvem poder reflexivo entre outras habilidades que os capacitam

para o próprio mercado de trabalho. Todavia, em um país onde pesquisador precisa,

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164

quase que obrigatoriamente, ser professor muitas vezes é difícil fazer com que os alunos

compreendam desta forma.

Santos e Pinto, Santos e Campos (2009, p.2) discutem sobre a importância que a

pesquisa tem na vida de um graduando. Para eles, “a elaboração de uma pesquisa

cientifica é um critério de qualidade na formação do graduando em educação física e de

qualquer curso de qualquer faculdade, sendo considerada na maior parte das instituições

de ensino superior um processo obrigatório”.

Com base nas reflexões acima apresentadas e em algumas ações já demonstradas, a

estratégia final da disciplina é a de solicitar a elaboração de um produto jornalístico (um

blog para a disciplina de Jornalismo Digital e um site para a de Plataformas

Multimídia). Entretanto, esse produto precisa ser apresentado com toda a discussão e

apresentação teórica que justifiquem a elaboração do produto, a fim de que fique claro

que todo o processo foi pensado para sua melhor construção profissional e que qualquer

ação instintiva inicialmente tomada fora substituída pela pesquisa. Ao final do semestre

teremos esses resultados para então verificarmos quais foram as conquistas e quais as

deficiências que ainda precisam ser pensadas e solucionadas.

Referências

APARECIDA DE SOUZA, Nádia. A relação teoria-prática na formação do educador. Revista Semina: Ciências Sociais e Humanas. v.22. n.1. Londrina: UEL, 2001.

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