anais eletrônicos ephis vol. 1

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Anais Eletrônicos Vol. I Simpósios Temáticos: 01 - Culturas, poderes e trabalhos no Brasil nos séculos XVIII e XIX 02 - Família e História: perspectivas e abordagens 03 - História da Historiografia e Teoria da História Belo Horizonte 2012

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  • 1. Anais EletrnicosVol. I Simpsios Temticos:01 - Culturas, poderes e trabalhos no Brasil nos sculos XVIII e XIX 02 - Famlia e Histria: perspectivas e abordagens 03 - Histria da Historiografia e Teoria da HistriaBelo Horizonte 2012

2. 1 OrganizadoresAna Marlia CarneiroFabrcio Vinhas Manini AngeloGabriel da Costa Avila Mariana de Moraes SilveiraMariana Sousa BracarenseRaul Amaro de Oliveira Lanari Warley Alves Gomes Anais Eletrnicos do I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG I Ephis: Volume I1 edioISBN: 978-85-62707-34-6Belo Horizonte Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas FAFICH / UFMG2012Anais do I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG EPHIS | Belo Horizonte, 23 a 25 de maio de 2012 3. 2I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG I Ephis23, 24 e 25 de maio de 2012Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas - FafichReitorCllio Campolina DinizVice-reitor Rocksane de Carvalho Norton Diretor da Fafich Jorge Alexandre Barbosa Neves Vice-diretorMauro Lcio Leito Cond Chefe do Departamento Cristina CampolinaCoordenadora do Colegiado de Graduao Adriana RomeiroSubcoordenador do Colegiado de Graduao Luiz Duarte Haele Arnaut Coordenador do Programa de Ps-Graduao em Histria Ktia Gerab BaggioSubcoordenador do Programa de Ps-Graduao em Histria Jos Newton Coelho MenesesAnais do I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG EPHIS | Belo Horizonte, 23 a 25 de maio de 2012 4. 3RealizaoPrograma de Ps-Graduao em Histria da UFMG PPGHISComisso Organizadora Ana Marlia Carneiro (mestranda,UFMG)Fabrcio Vinhas Manini Angelo (mestrando, UFMG) Gabriel da Costa vila (doutorando, UFMG) Mariana de Moraes Silveira (mestranda, UFMG)Mariana Sousa Bracarense (mestranda, UFMG)Raul Amaro de Oliveira Lanari (doutorando, UFMG) Warley Alves Gomes (mestrando, UFMG) Design GrficoDbora Lemos Apoio Universidade Federal de Minas Gerais UFMGFaculdade de Filosofia e Cincias Humanas FAFICHPrograma de Ps Graduao em Histria da UFMG PPGHISAnais do I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG EPHIS | Belo Horizonte, 23 a 25 de maio de 2012 5. 4 ndice Anais Eletrnicos Vol. IApresentao....................................................................................................................................... .. 07Simpsio Temtico 01: Culturas, poderes e trabalhos no Brasil nosSculos XVIII e XIX.......................................................................................................................... .. 08Segurana, economia e moralidade: as fugas de escravos em Minas Gerais e So Paulo (1871 1888)Adriano Soares Rodrigues............................................................................................................................. ...08Entre datas e festejos: a emancipao de Montes Claros e a polmica do 3 de JulhoAparecido Pereira Cardoso e Cristiane Aparecida Nunes Oliveira........................................ ..23A insero poltica dos intelectuais romnticos e o debate sobre a escravido e afora de trabalho: o caso de Francisco de Salles Torres Homem (1831-1839)Bruno Silveira Paiva......................................................................................................................................... ...32Cartografia do distrito diamantino: as representaes do espao de extraoe dominaoCarmem Marques Rodrigues...........................................................................................................................48Das teias de traies ao desejo local de reconhecimento pela Coroa Portuguesa nasInconfidncias MineirasCleidimar Rodrigues de Sousa Lima............................................................................................................61Traos da mineiridade: influncia nas atividades econmicas dos sculos XVIII e XIXDaniela Almeida Raposo Torres e Paula Belgo Moraes.......................................................... .........71Labor mecnico: oficiais mecnicos arrematantes de obras junto ao Senado da Cmara deMariana, sculo XVIIIDanielle de Ftima Eugnio..............................................................................................................................87Higiene, Controle e Disciplina no Asilo de Meninos Desvalidos - Rio de Janeiro(1875-1894)Eduardo Nunes Alvares Pavo........................................................................................................... ............97Splicas, suplicantes e suplicados: a relao e concepo do trabalho dos (des)empregadosimigrantes ao longo do segundo reinado (1840-1889)Elizabeth Albernaz Machado Franklin de Sant Anna e Marconni Marotta.......... .............107Matei e no me arrependo: a libertao antecipada em Itajub pelo soslaio cativoFbio Francisco de Almeida Castilho............................................................................................. .............118Vivendo da arte mecnica: a importncia social dos artfices em Mariana nosculo XVIIIFabrcio Luiz Pereira............................................................................................................................... .............134Formao militar e amparo aos desvalidos na Companhia de Aprendizes Militares deMinas Gerais (1876-1891)Felipe Osvaldo Guimares.................................................................................................................. ...............145Uma proposta comparativista no estudo da apropriao do Iderio Liberal durante o IIReinado (1831-1842/ 1871-1888)Glauber Miranda Florindo.................................................................................................................................155Aprendendo o ofcio da pintura em Minas Gerais (sculo XVIII e XIX); mestres, aprendizes eescravosHudson Lucas Marques Martins....................................................................................................................163Vadiagem, civilidade e crime: a casa de deteno como espao educacional (1870-1880)Jailton Alves de Oliveira............................................................................................................ ........................178 Anais do I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG EPHIS | Belo Horizonte, 23 a 25 de maio de 2012 6. 5A evoluo econmica regional e o papel dos imigrantes na zona da Mata mineira: o caso deJuiz de Fora no sculo XIXJoanna Darc de Mello Croce e Marcus Antnio Croce........................................................ .............194O Mundo da Justia no Imprio Portugus: Um Estudo Sobre os Pareceres Jurdicos deToms Antnio Gonzaga. Larissa Cardoso Fagundes Mendes................................................................................................ ....220Na esteia de um regressismo conservador: Joaquim Jos Rodrigues Torres e a presidncia daprovncia do Rio de Janeiro (1834-1836)Lvia Beatriz da Conceio................................................................................................................ ................229A Faco ulica e seus posicionamentos sobre a escravido e a fora de trabalho naimprensa peridica do Rio de Janeiro (1832-1834)Lucas Eduardo Pereira Silva............................................................................................................ ................246Paulo Rodrigues Duro: atuaes e redes relacionais de um camarista de Vila do Carmo naprimeira metade do setecentos mineiroLucas Moraes Souza.............................................................................................................................. ................262Categorias, anncios e imagens: o negro no Brasil ao final dos oitocentosLuiz Gustavo Vieira Santos............................................................................................................. .................277Ferreiros, Mestres de Forja, Fabricantes de ferro, engenheiros, operrios: consideraes sobreo trabalho e a histria social dos trabalhadores em metais em Minas Gerais e Rio de Janeiro(1812-1900)Marcus Vincius Duque Neves........................................................................................................ ................293Alm das Senzalas: amizades e legadosRoseli dos Santos.................................................................................................................................... ................310Simpsio Temtico 02: Famlia e Histria: perspectivas e abordagens............ ... .324A me de famlia: construo de um ideal no jornal O Sexo FemininoBrbara Figueiredo Souto................................................................................................................ ...................324Desejando deixar por socorridos por sua morte: Famlias de padres: o caso do Vigrio Joo da Costa Guimares (1819-1836)Edriana Aparecida Nolasco......................................................................................................... .....................331Memrias, vestgios e trajetrias que compem a histria de famlias cativas em Conceiodos Ouros Sul de Minas GeraisElizabete Maria Espndola e Viviane Tamris Pereira..................................................... ...............347Reproduo natural e populao escrava de Piranga na segunda metade doOitocentosGuilherme Augusto do Nascimento e Silva............................................................................... ..............362Paulistas e Emboabas: quando se tornaram mineiros?Isaac Cassemiro Ribeiro....................................................................................................................... .............378Bigamia e nulidade de casamento no Brasil do sculo XIXIsabela Guimares Rabelo do Amaral........................................................................................... .............393A conformao da elite marianense e sua relao com a fora armada particular:1707-1736Izabella Ftima Oliveira de Sales.................................................................................................... .............405Estrutura de Posse de Escravos e Famlia Escrava nos Plantis de Guarapiranga: composiodos plantis e transferncias inter-parentela (1807-1885)Lucilene Macedo da Costa e Tiago Pereira Leal...................................................................... .............419Expostos: das estruturas domiciliares representao social Mariana, 1737 1828Nicole de Oliveira Alves Damasceno...........................................................................................................435Parentelas de Forros: A constituio familiar entre os alforriadosMariana (1727-1838) Anais do I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG EPHIS | Belo Horizonte, 23 a 25 de maio de 2012 7. 6Rogria Cristina Alves.......................................................................................................................... ...............448Redes de sociabilidades da Famlia Ferreira Lage: a formao da coleo de fotografiasoitocentistas no acervo do Museu Mariano Procpio Juiz de Fora (MG)Rosane Carmanini Ferraz................................................................................................................... ...............462Simpsio Temtico 03: Histria da Historiografia e Teoria da Histria........... .. 475Fundamentos da cincia da Histria a partir do pensamento de Jrn RsenAna Paula Hilgert de Souza............................................................................................................... ...............475Hegel e a Razo moderna radicalizada no EspritoAugusto Leite............................................................................................................................................. ...............485Paul Ricoeur e a narrativa historiogrfica: para alm do debate epistemolgico, a dimensoticaBreno Mendes.............................................................................................................................................. .............493Michel Foucault e a historiografia ps-moderna da ertica gregaDaniel Barbo................................................................................................................................................ ..............508O caso de negao do Holocausto na EspanhaDaniela Ferreira Felix..........................................................................................................................................525Contenes contemporneas em torno do crontopo da modernidadeDavidson de Oliveira Diniz.................................................................................................................. .............538Aproximaes entre a Histria e a Histria das Cincias: As teorias da historiografia dascincias e o estudo da astronomia de Abraham ZacutoGeraldo Barbosa Neto............................................................................................................................. .............547Consideraes sobre o Tempo Presente na Histria EconmicaJoo Paulo de Oliveira Moreira............................,............................................................................ ..............556Teoria e narrativa histricas na English Historical Review de 1886 a 1902.Leonardo de Jesus Silva......................................................................................................................... ..............570Pensando a Literatura: o romance e suas possibilidades de anliseMarcelle D. C. Braga................................................................................................................................... ...........581Histria das Ideias: entre apropriaes e ressignificaesMarcelo Monteiro dos Santos............................................................................................................... ..........590A literatura redescoberta: contribuies de Roger Chartier e Jean Starobinski para a anlisede fontes literriasMarcus Vinicius Santana Lima............................................................................................................. ..........602A Lei da Boa Razo (1769) e a Jurisprudence: uma anlise do Iluminismo por meio dasCulturas PolticasSofia Alves Valle Ornelas.......................................................................................................................... .........612Identidade narrativa em Evaldo Cabral de Mello: Rubro veio e a ipseidade de Pernambuco edo BrasilWalderez Simes Costa Ramalho......................................................................................................... .........623 Anais do I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG EPHIS | Belo Horizonte, 23 a 25 de maio de 2012 8. 7 ApresentaoO I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG uma iniciativa discente, quetem como objetivo principal promover um dilogo aberto e democrtico entreos alunos de ps-graduao e de graduao em histria e reas afins. A intenode realizar o evento surgiu a partir da conscincia das limitaes do espaodedicado aos debates entre jovens pesquisadores em muitos grandes eventos.Propomos, ento, um encontro feito por e para estudantes, voltadoessencialmente para a troca de experincias, informaes, inquietaes o que,acreditamos, muito pode contribuir para a atividade por vezes to solitria que a pesquisa.Por uma grata surpresa, o evento alcanou dimenses muito maiores do queimaginvamos inicialmente e cresceu em quantidade e qualidade. A propostainicial de cinco Simpsios Temticos voltados a proporcionar uma maiorinterao entre os alunos do Programa de Ps-Graduao em Histria da UFMGadquiriu dimenses nacionais, atraindo participantes de diversas instituies ede muitas reas afins que se distriburam em dez Simpsios Temticos quecontemplam uma grande variedade de temas e de recortes temporais, emestreita relao com os movimentos mais recentes da historiografia.Para a realizao do evento, contamos com o apoio constante de muitas pessoase instituies. Por isso, gostaramos de registrar os nossos agradecimentos aoPrograma de Ps-Graduao em Histria e Faculdade de Filosofia e CinciasHumanas da UFMG, s Professoras Ktia Gerab Baggio e Adriana Romeiro, aosalunos do PPGHIS/UFMG e, em especial, queles que enviaram propostas deSimpsios Temticos. Agradecemos tambm a todos que se inscreveram eacreditaram no projeto do encontro e aos convidados que se dispuseramgentilmente a participar do EPHIS: Professor Fernando Novais, ProfessoraMiriam Hermeto, Ricardo Frei e Leandro Eymard.Comisso OrganizadoraAna Marlia CarneiroFabrcio Vinhas Manini AngeloGabriel da Costa AvilaMariana de Moraes SilveiraMariana Sousa BracarenseRaul Amaro de Oliveira LanariWarley Alves Gomes Anais do I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG EPHIS | Belo Horizonte, 23 a 25 de maio de 2012 9. 8Simpsio Temtico 01:Culturas, poderes e trabalhos no Brasil nos sculos XVIII e XIXSegurana, economia e moralidade: as fugas de escravos em Minas Gerais e SoPaulo (1871 1888) Adriano Soares RodriguesLicenciado em Histria pela UFV [email protected]: O presente trabalho tem como objetivo estabelecer uma anlise sobre as fugas deescravos e sua possvel contribuio para a reorganizao de um mercado de trabalho nasprovncias de Minas Gerais e So Paulo, entre os anos de 1871 e 1888. Buscaremos abordarqual o tratamento dado pela elite imperial a esta questo, atravs da anlise de textospublicados em alguns dos principais peridicos destas localidades. Alm disso, tambmutilizamos anncios de fugas de escravos, que no s nos permitem esboar o possvelperfil dos foragidos, como tambm, sua possvel direo e consequente insero nomercado de trabalho.Palavras-chave: Escravido, Imprensa, Reorganizao do Mercado de TrabalhoSummary: This article aims to provide an analysis on the leakage of slaves and theirpossible contribution to the reorganization of a labor market in the provinces of MinasGerais and So Paulo, between the years 1871 and 1888. Which seek to address thetreatment of the imperial elite to this question by analyzing some of the texts published inleading journals of these places. In addition, we also use ads leakage of slaves, which notonly allow us to outline the possible profile of the fugitives, but also its possible directionand subsequent insertion into the labor market.Keywords: Slavery, Press, Restructuring the Labour MarketDebate Ideolgico Acerca das Fugas de Escravos nos Peridicos do Sculo XIX:A primeira parte deste trabalho busca identificar a perspectiva veiculada pela elitepoltica mineira e paulista, em seus peridicos, acerca das fugas de escravos, entre os anosde 1871 e 1888. Inserimos este ponto por acharmos que seria importante perceber se a fugapoderia ser utilizada como objeto de discusso sobre a emancipao dos escravos, abolioou permanncia do sistema escravista.Grande parte da produo historiogrfica sobre a escravido, que trabalha comnosso recorte temporal, utiliza os peridicos para falar dos crimes, motins e revoltas deescravos. De incio, pensamos que um fator to corriqueiro nas pginas de annciosAnais do I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG EPHIS | Belo Horizonte, 23 a 25 de maio de 2012 10. 9poderia ter sido abordado como ponto de discusso, tambm, nos editoriais e artigos deoutras sees dos jornais. No entanto, no decorrer do processo de pesquisa, notamos queas fugas quase nunca era mencionado pelos autores. Os temas ligados aos escravos, emambos os jornais das provncias estudas, alm da seo de anncios de fugas e vendas,ficavam em sua maioria restritos s pginas de Noticirio, onde eram dadas informaessobre os crimes que teriam sido cometidos por escravos. Os cativos apareciam nasprimeiras pginas dos jornais quando eram citados assassinatos ou outros crimes que osenvolviam, mas, as suas fugas quase nunca foram mencionadas nos textos argumentativos.Eram mencionados ou eram objetos de artigos, quando havia alguma discusso nasassembleias provinciais ou geral sobre temas ligados escravido. Era comum aparecerempropostas de emancipao e abolio dos escravos, principalmente nas "sees livres" dosjornais. As opinies eram diversas e em sua maioria eram publicadas sob pseudnimos ouanonimamente.A exemplo disto, em novembro e dezembro de 1880, acerca da situao dosistema escravista e da ao dos chamados abolicionistas, em So Paulo, um autor chamadoDr. L. P. Barreto, escreveu uma srie de quatorze artigos, no jornal A Provncia de So Paulo,onde busca possveis solues para a questo da mo-obra nas fazendas paulistas. Segundoele, os abolicionistas eram aliados a uma metafsica revolucionria1. Criticava, ainda, aatuao dos lavradores, que estariam mudos na attitude de quem se reconhece culpado oumedita uma vingana inconfessavel. Ele traa uma possvel sada para a emancipao, quedeveria ser antecedida pela supresso da religio do estado, a realizao do casamento civil,a secularizao dos cemitrio, a elegibilidade dos no catlicos, a imigrao europeia etc.Ele cita que a reforma na lavoura poderia ser feita da unio da ordem com o progresso.Mas, como podemos perceber os escravos no aparecem como protagonistas nestasargumentaes, a questo que move seus artigos a busca por solues aos problemasligados fora de trabalho na lavoura. Mesmo que os escravos, ou a sua libertao, fossema fonte dos problemas da fora de trabalho nas lavouras paulistas, eles quase no somencionados.Neste mesmo jornal, A Provncia de So Paulo, sete anos mais tarde, aos 20 dedezembro de 1887, ou seja, a pouco mais de cinco meses da assinatura da lei que libertariaos escravos, foi publicado um artigo, assinado por O Solitario, onde apresentado mais1Os abolicionistas e a situao do paiz. A Provincia de So Paulo. So Paulo: 20/11/1880, N. 1721, seoQuestes Sociais, p. 1.Anais do I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG EPHIS | Belo Horizonte, 23 a 25 de maio de 2012 11. 10um plano de conduo da emancipao escrava onde no s os escravos so citados, comotambm so, os possveis fugitivos. O autor faz oposio s medidas tomadas na assembleia da SociedadeLibertadora, que teria decidido pela libertao total dos escravos sob prestao deservios, em no mximo trs anos. Fica claro no trecho a seguir, um dos pontos que maisaparece nos jornais de ambas as provncias e que expressa, de certa forma, um possvelmedo que a elite tinha sobre a libertao dos escravos, a moralidade e a vadiagem doslibertos.Se eu pudesse ter alguma influencia na questo suscitada, apresentaria o projetoque segues:Art. 1 - Da data da promulgao da presente lei , ficam livres todos osescravos existentes no Brazil. 1 - A lei ser acompanhada do regulamento indispensvel do trabalho livre. 2 - Os libertos sero obrigados ao servio, em os quaes tem estadoempregados e po[r] espao de tres annos, mediante um salario modico,conforme suas edades, habilitaes e sexo. 3 - Os fugitivos sero forados a recolherem-se s suas antigas occupaes. 4- Os vagabundos sero recrutados ou remettidos para as colonias militares.2 Como j falamos acima, projetos como este, eram publicados com frequncia.Dificilmente tinha uma semana em que no era publicado pelo menos um artigo compropostas para a soluo da falta de braos, defendendo ou no o sistema escravista. Masno podemos deixar de citar este, pois um dos poucos que toca no nosso objeto, mesmoque s em uma frase. O inciso terceiro nos leva a perceber que h uma preocupao com a situao dofugitivo, que possivelmente incomodava essa elite, j que ele deveria ser inserido nalegislao. Vale lembrar a importncia disto. Uma vez que a fuga no era consideradacrime, escravo poderia fugir quantas vezes achasse necessrio, ele no estaria cometendonenhuma infrao. Porm, acoitar, ou seja, esconder ou tomar um escravo fugitivo comoseu, era considerado crime, pois caa sob o direito propriedade que o senhor tinha sobre oescravo. Da a explicao para a frase encontrada em, praticamente, todo anncio de fugade escravos: protesta-se com todo o rigor da lei contra quem o acoutar. No inciso quarto, h uma clara preocupao com a moralidade, ou seja, osescravos vagabundos deveriam ser submetidos ao poder do Imprio, afim de no ficaremociosos. Viso semelhante a esta, tambm, encontramos em um artigo publicado num2 SOCIEDADE LIBERTADORA. A Provincia de So Paulo. 20/12/1887, N. 3817, seo Seco Livre, p. 2. Anais do I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG EPHIS | Belo Horizonte, 23 a 25 de maio de 2012 12. 11jornal da provncia de Minas Gerais. NO Liberal Mineiro de 3 de Maro de 1888, h umartigo onde o autor expressa a juno dos dois pontos que levantamos acima, as fugas e amoralidade. Ao que parece, o Partido Liberal de Minas Gerais teria recebido crticas e sidoresponsabilizado pelo exodo de trabalhadores servis que tem procurado a capital comorefugio para sua sorte miseranda.3 E o autor faz uma retratao em nome do jornal querepresenta o partido. As fugas a que o autor se refere, na verdade no so as mesmas que lotaram aseo de anncios. Seria a sada de escravos que teriam sido, recentemente, libertos dasfazendas. A fuga das fazendas, sem o necessrio treinamento dos escravos sua novacondio seria uma ameaa moralidade e defende que seria necessrio que os novoslibertos passassem um tempo nas fazendas, at se acostumarem com a liberdade, por issodefende, a libertao condicional aos escravos. Mas, toda a sua preocupao com a moral desencadeada tambm, como vimos nos jornais paulistas, por uma preocupao com aeconomia e com a reorganizao do mercado de trabalho.O preparo dos trabalhadores servis para o gozo da liberdade, nos propriosestabelecimentos agricolas em que serviro durante o tempo do seu captiveirosem esperanas, o systema que nos parece mais patriotico e efficaz nasactuaes condies economicas da nossa provincia.4 Como podemos perceber, no trecho citado, o autor demonstra claramente que afuga das fazendas causa um impacto econmico na provncia. E, mesmo se declarandoinsuspeito causa do abolicionismo, defende uma medida que seria encaixada mais como chamado emancipacionismo, que defenderia a liberdade gradual ao escravo. A abolioimediata estaria gerando o grande xodo nas fazendas. Este autor diz ainda que,Em tal disposio de espirito, demittindo de ns qualquer co-participao emactos menos regulares que se hajo praticado, diremos todo nosso pensamentoa tal respeito: pensamos que, se um crime ante a moral e um erro economicoaltamente fatal ao paiz a perdurao do elemento servil, no menoscondemnavel deslocar o trabalhador dos estabelecimentos onde lhe ir procurarbrevemente a liberdade para se o atirar peior escravido, a do vicio nastavernas e nos prostibulos, caminho que o levar direto s prises.5 A fuga das fazendas causaria um impacto econmico e um desastre moral nascidades, j que os libertos no saberiam como usufruir da sua liberdade entregando-semeramente ao cio. E, chega a um ponto interessante, o da segurana, que nos permitedialogar com a pesquisadora Clia Maria Marinha Azevedo.3 AS FUGAS DAS FAZENDAS. O Liberal Mineiro. Ouro Preto, 03/03/188, N. 16, [seo inlegvel], p. 2.4Idem.5Idem. Anais do I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG EPHIS | Belo Horizonte, 23 a 25 de maio de 2012 13. 12A autora analisa o imaginrio das elites no final do sculo XIX. Diz que,principalmente, a partir da dcada de 1880 os negros teriam iniciado revoltas e insurreiesem massa, andando armados pelas fazendas e dispostos a tudo para se verem livres docativeiro, (AZEVEDO, 2004: 176) que ela chama de onda negra, cuja violncia gerouum medo nas elites. O fenmeno teria criado uma presso que teria sido responsvel porfaz-las tomar as medidas que levariam ao fim da escravido. Segundo a autora, pelaprimeira vez na histria da escravido na provncia [So Paulo] presencia-se um momentode acerto geral de contas e nisto os brancos poderiam levar a pior. (AZEVEDO, 2004:176). Sendo assim, a abolio teria sido uma medida de segurana das elites, frente slutas dos escravos.Encontramos alguns artigos no A Provncia de So Paulo, que falam de supostoscrimes e revoltas cometidas por escravos, mas como nosso objetivo tratar das fugas, nodemos tanta ateno a eles.Se analisssemos as duas fontes citadas por ns sob a tica de Clia Azevedo edos historiadores que partilham da sua viso, concluiramos que o autor daquela propostapara a abolio na provncia de So Paulo propunha uma medida para tentar manter osnegros subordinados ao poder dos brancos, ou seja, tratar-se-ia de uma tentativa decontrole sobre a possvel onda negra, que ameaaria as elites. Portanto, o artigopublicado pelo jornal mineiro expressaria claramente o medo que as elites teriam daspossveis revoltas que surgiriam das aglomeraes dos escravos, mesmo aqueles queestivessem libertos sob prestao de servios, j que ainda estariam sob poder do seusenhor.No entanto, no pensamos assim. Vemos que tais pontos defendidos pelos artigosque expomos so mais passveis de uma anlise voltada, no para um medo do negro, maspor uma preocupao com a fora de trabalho e com o destino deste mercado. Mesmo queexpressem com clareza a questo moral, como enfatizamos, e que citem o abalo deestabilidade da ordem social, parece-nos ser mais claro uma questo econmica, onde asegurana e a moralidade so usadas como ponto de argumentao, do que um medo defato.Por exemplo, voltemos ao artigo dO Liberal Mineiro, As Fugas das Fazendas. Oautor diz que no v sem desgosto e apprehenses a agglomerao, na capital, deelementos que lhe podem perturbar a segurana e tranquillidade, apresentando umapreocupao com a ordem e com a segurana. Mas isto nos parece mais uma maneira deAnais do I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG EPHIS | Belo Horizonte, 23 a 25 de maio de 2012 14. 13defender que os escravos ainda no esto prontos para serem liberados das fazendas, ouseja, uma tentativa de mant-los no trabalho. Como o autor mesmo diz, seria necessrioum preparo dos trabalhadores servis para o gozo da liberdade, nos prpriosestabelecimentos agrcolas. Do contrrio causaria danos econmicos provncia devido situao em que se encontrava a oferta de trabalho. Percebemos que sua argumentao,baseada na falta de preparo dos escravos para se tornarem livres, usada como umajustificativa para prolongar o sistema escravista, j que os deixaria mais tempo ligados oudependentes dos senhores. Para ele, como j citamos, esse sistema parece mais patritico eefficaz nas actuaes condies econmicas da nossa provncia. E uma maneira de causarmenos impacto economia da provncia seria deixar os escravos na fazenda exercendo seustrabalhos para os senhores, sob condies. Se fossem declarados livres incondicionalmente,provavelmente abandonariam seus postos de trabalho. Assim sendo, preparar os escravospara a liberdade seria uma maneira de fazer com que a fora de trabalho ficasse nasfazendas por mais tempo.Como argumentamos anteriormente, em poucos momentos as fugas de escravosforam objetos nos artigos dos jornais paulistas e mineiros que pesquisamos. No entanto, omesmo no ocorre com a seo de anncios, onde foram publicados milhares de apelos desenhores querendo capturar seu escravo fujo. sobre esta fonte riqussima que focaremosnossos olhares agoraOs Anncios das Fugas:Os anncios de fugas de escravos foram frequentes em quase todos os jornais dosculo XIX at meados da dcada de 1880. Independente da posio poltica do peridico,conservador, liberal ou republicano, ele estava l. Era usado como ferramenta de busca dossenhores, que ampliavam seus limites de busca para toda a populao leitora, os annciostraziam descries fsicas e comportamentais dos fugitivos, ora com informaesdetalhadas, ora muito rasas dependendo do grau de conhecimento que o senhor tinha doseu escravo. Nos anncios de fuga, os senhores traavam um verdadeiro retrato falado doescravo a que ele pretendia capturar.O nmero de escravos fugitivos que encontramos nos anncios no pode, nemdeve ser considerado como o nmero real de fugas. O autor Flvio dos Santos Gomes, quetrabalha com a questo das fugas, argumenta que muitos escravos fugiam apenas por algumtempo e acabavam voltando para as fazendas. s vezes, eles fugiam apenas por poucosAnais do I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG EPHIS | Belo Horizonte, 23 a 25 de maio de 2012 15. 14dias, iam pra cidade, ficavam nos ajuntamentos e rodas de escravos, danavam e jogavamcapoeira. Por ora, alguns escravos tinham laos familiares fora da fazenda a quepertenciam, ento, acabavam fugindo para visit-los, mas depois voltavam. Acostumadoscom essas fugas temporrias, anunci-las era praticamente a ltima medida que o senhortinha na procura do cativo. (GOMES, 2003) Trabalhamos com anncios e artigos de cinco peridicos, sendo quatro de MinasGerais (Dirio de Minas 1873-1878, A Provncia de Minas 1878-1888, A Actualidade 1878-1881e Liberal Mineiro 1882-1888) e um paulista (A Provncia de So Paulo 1875-1888). O anncio era publicado a fim de que obtivesse qualquer informao sobre oparadeiro do fugitivo. Mas, o exerccio da captura gerava uma srie de contratempos aquem no via a escravido com bons olhos. Indcio disto so alguns textos queencontramos nA Provincia de So Paulo de pessoas reclamando da captura de escravos. No dia 7 de Agosto de 1880, foi publicado nA Provincia de So Paulo, um pequenotexto, sem autoria declarada, onde o autor reclama da dedicao da fora policial caa defugitivos.Ao exm. chefe de policiaRoga-se a sua exc. o favor de pr cobro ao espirito mercantil com que o chefede um certo posto de urbanos s trata de aceitar especulaes para ganhargratificaes por negros fugidos; ainda em cima distrahindo camaradas comtaes caadas, com sacrificio do interesse publico, e vergonha para algunssoldados que tem brio e no apreciam sujar a farda naquele triste officio.consolao6 Neste caso, o autor diz que um posto inteiro seria destinado a busca de fugitivos,que seria uma funo nada honrosa. Encontramos outros artigos como este argumentandoque, enquanto, alguns praas ficavam somente a procura de escravos fugitivos e dasrespectivas recompensas, os crimes continuam ocorrendo e os criminosos soltos.7 Estes trechos nos fornecem indcios de que para algumas pessoas as fugas norepresentariam uma ameaa segurana e ordem, pelo contrrio, a dedicao da forapolicial captura de fugitivos causaria alguma instabilidade. Segundo Ademir Gebara,8 algumas posturas municipais, foram criadas paradiferenciar fugitivos das demais pessoas. Esses escravos que se destacavam, pelasvestimentas, por comercializar produtos ou vender sua fora de trabalho sem autorizao6 Ao exm. chefe de policia. In: A Provincia de So Paulo. So Paulo: 07/08/1880, N. 2168, seo SecoLivre, p. 1. Grifos no original.7A Policia e os escravos. In: A Provincia de So Paulo. So Paulo: 22/09/1883, N. 2553. p. 1.8 Sobre posturas municipais e fugas ver: GEBARA, A. Escravos: fugas e fugas. Revista Brasileira de Histria, v.6, n. 12. So Paulo: mar./ago. 1986.Anais do I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG EPHIS | Belo Horizonte, 23 a 25 de maio de 2012 16. 15do senhor, eram recolhidos cadeia e seu senhor tinha um tempo determinado para retir-los. Alguns anncios eram parecidos e com poucas informaes detalhadas.Encontramos um caso curioso em So Paulo. Um negro livre teria sido preso comofugitivo. E, algumas pessoas escreveram indignadas ao jornal dizendo que o sujeito tinhafamlia e trabalhava. E, no seria s porque era parecido com um foragido que deveria serpreso, sem antes fazer uma investigao de quem se tratava. Os autores clamaram aodelegado e s autoridades que garantissem a liberdade dos cidados, ainda mesmo dosdesconhecidos. 9 Neste caso, um negro livre teria sido preso por ser semelhante a um escravoforagido e, segundo a carta enviada ao jornal reclamando de sua priso, a investigaonecessria para a concluso de que se tratava ou no de um foragido no teria sidorealizada. Isto nos leva a pensar sobre os meios que buscados para obter um maior controlesocial. Para isto, teriam contribudo as posturas municipais que tentariam estabelecer regrasde comportamento dos escravos nas cidades, a fim de diferenciar potenciais fugitivos dosoutros escravos. Os anncios tambm contribuiriam, j que colocariam a populao emalerta para identificar um sujeito descrito. Como o porte de muitos escravos era parecido e muitos anncios no eram claros,acreditamos que possveis erros como os denunciados no trecho que citamos acimapossam ter ocorrido. Este caso eventual nos d uma dimenso de como teria funcionado astentativas de controle social, o que nos leva a pensar, mais uma vez, que com a insero denovos elementos na sociedade, ou seja, a quebra dos dois polos, escravo e livre, o controleteria se tornado mais difcil. Por este motivo, escravos foragidos que fossem maisqualificados poderiam infiltrar-se nesta sociedade, fugindo dos olhos da captura. importante ressaltarmos que a utilizao dos anncios de fuga como fonte depesquisa histrica rara ou usada como fonte complementar a ela. Um dos primeirosautores a utiliz-la foi Gilberto Freyre em seu Escravosnos Anncios de Jornais Brasileiros doSculo XIX, lanado em 1979, onde ele faz uma anlise etnolgica/antropolgica dosanncios. Identifica neles as origens tnicas dos escravos, verticalizando sobre os africanos.Como j dissemos, os anncios so um verdadeiro retrato falado do fugitivo, ento, Freyre9 Priso injusta. In: A Provincia de So Paulo. So Paulo: 16/10/1878, N. 1097, seo Seco Livre. p. 1. Anais do I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG EPHIS | Belo Horizonte, 23 a 25 de maio de 2012 17. 16foca-se nas descries fsicas, observando os smbolos e sinais que possam lig-los a umdeterminado grupo tnico. J na vertente historiogrfica posterior a Gilberto Freyre, a chamada escolasociolgica paulista dos anos 1960, que faz grandes crticas a este autor que teria umaviso paternalista e harmnica sobre a escravido, os anncios so utilizados comoargumento para enfatizar o carter violento da escravido. Sendo assim, tambm ficampresos s descries fsicas dos escravos, prestando ateno aos sinais de castigos einformaes sobre o comportamento agressivo de alguns escravos. Sendo que suaagressividade seria gerada, justamente, pela violncia do sistema escravista. Esta vertente acredita que a elite agiria de forma articulada e teria planejado todoprocesso de emancipao, onde a fuga teria contribudo para a criao de um mercado detrabalho livre diminuindo, assim, os impactos do fim da escravido no processo produtivo.Fazem parte desta gama de pensamento, autores como: Emlia Viotti da Costa, 10 Florestan 11Fernandes e Fernando Henrique Cardoso.Fazem anlise semelhantes a eles, autoresposteriores como, Suely Robles Reis de Queiroz 12 e Ademir Gebara. 13 Por volta dos anos 1980 surge outra viso historiogrfica, a chamada histriasocial da cultura, que tenta explicar o processo de emancipao da escravatura atravs da14luta entre senhores e escravos. So autores desta vertente: Stuart Schwartz, Clia Maria 15 16Marinho Azevedo,Sidney Chalhoube Flvio dos Santos Gomes17. A maioria dadocumentao que esta vertente utiliza so processos criminais e artigos de peridicos,onde esses historiadores buscam indcios para o que eles chamam de luta dos escravos. Aao dos escravos deixaria de ser um ato inconsciente gerado pela violncia do sistema10Ver: COSTA, Emlia Viotti da. Da Senzala Colnia. 2 ed. So Paulo: Livraria Editora Cincias Humanasltda, 1982._______________. O Escravo na Grande Lavoura. In: HOLANDA, Sergio Buarque de. (org.). HistriaGeral da Civilizao Brasileira.2 ed., So Paulo: Difel, 1969. P. 135-188.11 Ver:CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e escravido no Brasil meridional:o negro na sociedade escravocratado Rio Grande do Sul. 2 Ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1997.12Ver: QUEIROZ, Suely Robles Reis de. Aspectos Ideolgicos da Escravido. In: Estudos Econmicos. Vol. 13,N1, So Paulo: 1983. p. 85-102.13Ver: GEBARA, A. Escravos: fugas e fugas. Revista Brasileira de Histria, v. 6, n. 12. So Paulo: mar./ago.1986.14Ver: SCHWARTZ, Stuart B. Escravos, Roceiros e Rebeldes.Bauru, Edusc, 2001.15Ver: AZEVEDO, Clia Maria Marinho. Onda Negra, Medo Branco. 2 ed. So Paulo: Annablume,2004.16Ver: CHALHOUB, Sidney. Vises da Liberdade: uma histria das ltimas dcadas da escravido na corte. SoPaulo, Cia das Letras, 1990.17Ver: GOMES, Flvio dos Santos. A Hidra e os Pntanos: Mocambos, Quilombos e Comunidades de Fugitivos noBrasil (sculos XVII-XIX). So Paulo: Editora UNESP, 2005.;____________. Experincias Atlnticas. Passo Fundo: Universidade de Passo Fundo, 2003. Anais do I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG EPHIS | Belo Horizonte, 23 a 25 de maio de 2012 18. 17escravista, passando a ser vista como uma luta consciente onde o escravo busca nos seusatos os caminhos para a liberdade. Sabemos que at meados do sculo XIX havia, praticamente, dois elementos nasociedade escravista, sendo eles escravos e homens livres. Portanto, seria muito fcilidentificar um fugitivo. Com a insero de novos elementos na sociedade - comoimigrantes -, com o processo de urbanizao e com a criao, expanso e demanda de ummercado de trabalho livre, aps a primeira metade do sculo XIX, ampliou-se a dimensode oportunidades para que o escravo obtivesse sucesso em sua fuga. Inclusive vendendosua fora de trabalho. Em certos anncios explcito que o fugitivo tinha pretenses de trabalharlivremente, pois, fugiam levando ferramentas de trabalho. Vendendo sua mo-de-obra, ofugitivo teria mais chances continuar em fuga. Como dissemos anteriormente, odesenvolvimento econmico e urbano permitia que ele interagisse com este mercado e coma comunidade sob o aspecto de um homem livre.No eram apenas os escravos urbanos que fugiam e vendiam sua fora detrabalho. Sim, trata-se de escravos que tinham um ofcio especfico, mas, o ponto a serdiscutido que os cativos das fazendas tambm tinham especializaes no trabalho e, aofugirem, procuravam se valer disso. H de ser considerado tambm que eles poderiamempregar-se, no necessariamente, no espao urbano, por ter ofcios tipicamente rurais,como podemos perceber nesses dois anncios do dia 05 de maro e 14 de setembro de1882, publicados no A Provncia de Minas:[...]fugio da fazenda de Lamas, freguesia da cidade de Montes Claros, o escravode nome Marcelo, pardo, idade de 30 annos (...) tem costume de viajar comtropa (...) tambm acostumado a trabalhar em cortume de couros [...]18Fugio da fazenda da Providencia, termo de Queluz, o escravo Luiz, creoulo, de20 anos (...) trabalha de pedreiro e de carpinteiro [...] 19 Importante lembrarmos que com o anncio o senhor quer capturar seu fugitivo,por isso ele traa uma descrio de tudo que pode ligar um suspeito a seu escravo, ento,citar que ele possui ofcio no necessariamente quer dizer que ele v ser um trabalhadorlivre, mas sim que h essa possibilidade. Nos dois casos citados acima, o senhor faz questode frisar o ofcio do escravo fugido. Isso nos leva a pensar que estes escravos poderiamvender sua fora de trabalho, mesmo sendo originrios de fazendas.18FranciscoCoutinho Dures. Escravo Fugido. In: A Provncia de Minas, Ouro Preto, n 90, 05/03/1882.19 Antonio Moreira da Cunha. 400$000. In: A Provncia de Minas, Ouro Preto, n 115, 14/09/1882. Anais do I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG EPHIS | Belo Horizonte, 23 a 25 de maio de 2012 19. 18 Em alguns casos, a possvel incorporao ao mercado de trabalho fica ntida. Osenhor supe at em que tipo de estabelecimento o escravo provavelmente iria oferecerseu trabalho: provvel que [o fugitivo] procure sentar praa em alguma cidade dointerior, ou que se ajuste em algum hotel, por ser perfeito cozinheiro. 20 De certo, a expanso econmica possibilitou ao escravo obter maior sucesso nasua fuga. Muitos iam trabalhar, nas cidades, como j foi dito, ou na construo dasestradas-de-ferro. Como podemos notar em dois anncios do A Provncia de Minas, de 18de janeiro e 1 de fevereiro de 1883:Fugio da fazenda Ribeiro do Ouro, freguesia de Matheus Leme [regio centralde Minas Gerais] [...] o escravo Jos, [...] 21 annos de idade. J fugio uma vez efoi encontrado indo para os lados da confuso [...]. Desconfia-se que esteja nosprolongamentos da estrada de ferro. 21O escravo Manoel, crioulo, de idade de 20 a 22 anos, [...] dado embraguez,bom pagem e optimo copeiro, que fugera no dia 14 de Novembro e havia sidopreso na dia 25 de Dezembro de 1882 na linha ferrea Rio Verde, ondetrabalhava com o nome de Antonio Pedro, fugio de Novo antes de ser entreguea seu senhor [...]. Consta que [...] seguio para a linha ferrea de Pedro II afim detrabalhar alli, e levou a roupa em um mallote de viagem que furtou na via ferreado Rio Verde [...].22De Jos Pedrosa da Silva Campos, fugiu em dias do mez de Outubro proximopassado, o escravo Aniceto, de cr preta, altura regular, ps grandes, fallafanhosa, idade 30 e tantos annos; [...] Gosta de andar bem vestido, assim comode passear em praas. E Bahiano. Julga-se com probabilidade estar trabalhandoem alguma estrada de ferro ou estao. 23Nesses trs casos fica explcita a relao dos escravos com o mercado de trabalholivre. Fogem uma, duas, trs vezes para se empregarem na construo de estradas de ferro.Observamos que em Minas Gerais e em So Paulo, no perodo da expanso ferroviria,muitos anncios traziam informaes como estas indicando que o escravo estariatrabalhando na feitura das ferrovias, um dos meios de absoro de fora de trabalho. notvel a diferena entre os anncios mineiros e paulistas. Antes, importantelembrarmos que apesar de falarmos Minas Gerais, restringimos nossa pesquisa ao centro daprovncia, pois analisamos jornais da capital, Ouro Preto. O mesmo ocorre em So Paulo,quando analisamos um jornal publicado, tambm, em sua capital e que restringe a20Antonio Alves F. Campos. 200u000 de gratificao. In: A Provncia de Minas, Ouro Preto ,n 104,11/06/1882.21 Jos Alves Ferreira Silva. 200$000. In: A Provncia de Minas, Ouro Preto, n 135, 18/01/1883.22 Francisco Carneiro Santhiago. Atteno. In: A Provncia de Minas, Ouro Preto, n 137, 01/02/1883.23 SO CARLOS DO PINHAL. In: A Provincia de So Paulo, So Paulo, n 45, 02/03/1875, p. 3. Anais do I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG EPHIS | Belo Horizonte, 23 a 25 de maio de 2012 20. 19publicao de anncios de fugas das zonas cafeeiras do chamado oeste paulista e alguns dovale do Paraba.A primeira diferena na quantidade de informaes que vm em cada anncio.Os publicados em Minas so majoritariamente mais detalhados e especficos, sorelativamente maiores que os de So Paulo. Enquanto a maioria dos anncios paulistastraziam apenas informaes fsicas dos fugitivos, os anncios mineiros nos informam sobreo comportamento, qualificao e hbitos dos escravos. Estas informaes tambmconstam nas publicaes de So Paulo, mas em Minas Gerais a riqueza de detalhes bemmaior, o que nos permite dizer que havia um maior conhecimento dos anunciantes sobreos fugitivos. Uma vez que ambos querem captur-los, quanto mais informaes foremcitadas, maiores as chances de captura. Por isso, praticamente impossvel que o senhorno coloque no anncio tudo aquilo que ele saiba sobre o escravo.Esta discrepncia de quantidade de informaes entre as duas provncias pode teruma explicao ligada ao tipo de economia a que cada provncia se dedicava no perodoestudado.Como So Paulo, grande produtor de caf, tinha uma economia ligada plantatione possua grandes fazendas produtoras que demandavam um grande nmero de escravospara a produo deste ncleo, seria muito difcil o senhor, ou o responsvel pelos escravos,conhecerem um a um dos seus escravos detalhadamente. Alm disso, segundo algunsautores, So Paulo foi um dos maiores centros de absoro da mo-de-obra advinda dotrfico interprovincial de escravos, muito forte nos anos 1870-80 (COSTA, 1982), epercebemos que vrios fugitivos eram recm chegados das provncias do Norte, sendoassim os senhores no teriam muito conhecimento sobre eles.No caso de Minas Gerais, mesmo sendo a provncia que tinha o maior nmero deescravos do perodo, os plantis de cada fazenda, na regio em que pesquisamos (OuroPreto, ou seja, regio central de Minas Gerais), eram bem menores que os da provnciapaulista. Assim os senhores tinham mais contato com escravos e saberiam mais detalhesdos fugitivos.Na historiografia sobre a economia mineira no sculo XIX, h um forte embatesobre o tipo de atividade econmica desenvolvida e o apego desta provncia escravido.De um lado est Roberto Borges Martins que afirma ter sido desenvolvida em MinasGerais uma economia voltada para o consumo interno, cujo apego mo-de-obra escravaseria explicado pelo grande nmero de terras livres para a produo, sendo assim seriaAnais do I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG EPHIS | Belo Horizonte, 23 a 25 de maio de 2012 21. 20melhor para o homem livre produzir nestas terras e possuir escravos de que vender suafora de trabalho. (MARTINS, 1983: 181-209) Em contrapartida, do outro lado da discusso, Robert Slenes diz que, realmenteMartins acerta quanto fala da questo das terras e do apego escravido, mas erra quandoconsidera que sua economia no era exportadora. A justificativa utilizada por Slenes paracriticar Roberto Martins que havia de fato pequenas propriedades que produziam milho,algodo, atividades pecurias etc., para o consumo interno. Mas, exatamente a que estariao erro de Martins ao desconsiderar a relao desta produo com a cafeeira no sul e zonada mata mineira. Uma vez que ela seria direcionada para o consumo na zona cafeeira, quededicava quase que exclusivamente ao caf, o apego escravido estaria relacionado comuma produo exportadora. (SLENES, 1988: 449-496) No podemos discordar ou concordar de nenhum dos dois porque no fizemospesquisa sobre o tema. Fato que ambos concordam que parte de Minas Gerais, a queanalisamos, produzia com pequenos plantis onde seria possvel um contato maisindividualizado do senhor com o escravo. Isto significa que em Minas seria possvel que osenhor conhecesse melhor o seu escravo, devido a um plantel pequeno, comparado slavouras cafeeiras de So Paulo, cujo nmero podia ultrapassar duzentos escravos porplantel. (SLENES, 1999) Acerca dos ofcios dos fugitivos, a quantificao dos anncios nos possibilitacomparar as duas provncias. Em Minas Gerais, por exemplo, os anncios que constavamalguma especificao sobre os trabalhos exercidos pelos escravos chegam a 68% do total,enquanto os de So Paulo no ultrapassam 38%. bvio que, praticamente, todos osescravos desempenhavam alguma funo produtiva, seno no seriam escravos. O quequeremos dizer que aqueles fugitivos que possuam alguma qualificao especfica, ou atmais de uma (e nesse caso Minas sai na frente de novo, j que 72% dos escravos que tmofcio citado, possuem mais de uma especializao; em So Paulo este nmero cai para22%) tm mais chances de ser absorvido pelo mercado de trabalho livre, e assim, obteremxito na sua fuga. Como base nestes dados, podemos dizer que os escravos da provncia de MinasGerais tinham mais oportunidades de permanecerem em fuga, de no serem identificadoscomo fugitivos, j que se camuflariam na sociedade, diminuindo as possibilidades decaptura.Anais do I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG EPHIS | Belo Horizonte, 23 a 25 de maio de 2012 22. 21Concluses:Concluses que chegamos que tanto em Minas Gerais quanto em So Paulo, asquestes ligadas fuga no eram frequentes nos jornais. Quando era citada, vinha ligada aoutros fatores como a reorganizao do mercado de trabalho. Em ambas as provncias, ela uma preocupao relacionada falta de mo-de-obra nas lavouras. E, objeto dediscusso quando se fala na questo de braos para as lavouras, ficando no meio do embateentre os defensores do sistema escravista e os do emancipacionismo e abolicionismo.Quando analisamos os anncios, vimos que h indcios de vrios motivos para osescravos verem na fuga uma maneira de buscarem sua liberdade e que muitos encontramna venda sua fora de trabalho um meio para driblar sua captura e permanecer fugido. Issos teria sido possvel com o avano do processo de urbanizao e expanso econmica queinseriram outros elementos na sociedade - como o imigrante - fazendo com que quebrassea sociedade composta, meramente, por livres e escravos.Observando o aspecto da qualificao do escravo fugitivo, notamos que em MinasGerais os escravos cujas fugas foram anunciadas nos jornais, eram mais qualificados que osde So Paulo. O que significa que eles poderiam ter mais chances de permaneceremfugidos, j que seria possvel encontrar na venda de sua mo-de-obra uma forma desobrevivncia que no despertasse tanta ateno das pessoas para lhes entregarem aos seussenhores.Bibliografia:AZEVEDO, Clia Maria Marinho. Onda Negra, Medo Branco. 2 ed. So Paulo: Annablume,2004.CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e escravido no Brasil meridional:o negro na sociedadeescravocrata do Rio Grande do Sul. 2 Ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1997.CHALHOUB, Sidney. Vises da Liberdade: uma histria das ltimas dcadas da escravido na corte.So Paulo, Cia das Letras, 1990.COSTA, Emlia Viotti da. Da Senzala Colnia. 2 ed. So Paulo: Livraria Editora Cincias Humanasltda, 1982.______. O Escravo na Grande Lavoura. In: HOLANDA, Sergio Buarque de. (org.). Histria Geralda Civilizao Brasileira.2 ed., So Paulo: Difel, 1969. P. 135-188.FREYRE, Gilberto. O escravo nos anncios de jornais brasileiros do sculo XIX. 4. ed. rev. 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Na Senzala, uma flor: esperanas e recordaes na formao da famlia escrava, Brasil Sudeste, sculoXIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.Anais do I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG EPHIS | Belo Horizonte, 23 a 25 de maio de 2012 24. 23Entre datas e festejos: a emancipao de Montes Claros e a polmica do3 de JulhoAparecido Pereira Cardoso Mestrando em Histria pela Unesp [email protected] Aparecida Nunes OliveiraMestranda em Histria pela Unimontes [email protected]: Montes Claros viveu ao longo da dcada de 1950 entre a esperana e afrustrao. A elite local imbuda na ideologia do governo JK esforou-se para inserir acidade dentro dos projetos do Plano de Metas do governo federal. A comemorao do 3 dejulho de 1957 foi o ponto alto desse processo onde as lideranas polticas buscaramprojetar a cidade enquanto polo regional carente de investimentos. Nesse sentido, o textovisa articular a comemorao em questo cultura poltica inerente ao perodo em que elafoi instituda.Palavras-chave: Comemorao, cultura poltica, governo JK.Summary: Montes Claros lived throughout the 1950s between "hope and frustration." Thelocal elite imbued with the ideology of the JK government struggled to enter the cityprojects within the Plans goals of the federal government. The commemoration of the July3, 1957 was the culmination of this process where political leaders sought to project thecity as a regional center in need of investment. In this sense, the text aims to articulate thecelebration in question to the political culture inherent in the period in which it instituted.Keywords: Celebration, political culture, the JK government.Na madrugada do dia 16 de outubro de 1832, os habitantes do ento Arraial deFormigas foram acordados com 21 tiros. O motivo da comemorao que saudava onascente dia estava localizado um ano antes, quando em 13 de outubro de 1831, a RegnciaTrina por meio de resoluo elevou categoria de vila o povoado de Formigas. Para omemorialista Hermes de Paula, o dia de 16 de outubro figura como um dia de festa paranossos antepassados, uma vez que poltica e administrativamente foi concedida autonomia vila de Formigas, que se tornou sede de um vasto municpio no norte da provncia deMinas Gerais. (PAULA, 1979: 15)Na mesma ocasio em que as lideranas polticas de Formigas festejavam ainstalao da vila, os habitantes da Barra do rio das Velhas protestaram com veemncia anova condio daquele lugarejo como sede de cmara e termo.Anais do I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG EPHIS | Belo Horizonte, 23 a 25 de maio de 2012 25. 24Data de 2 de agosto de 1833 um longo abaixo-assinado enviado presidncia daprovncia, onde os moradores da preterida Barra do Rio das Velhas lanaram uma srie dequeixas. Para eles, a Barra tinha mais condies de ser vila uma vez que sua localizaohidrogrfica favorecia em muito o desenvolvimento da vila e termo a serem ali instalados.No documento, o juiz de paz do distrito Antnio Hiplito Gomes de Magalhes afirmouque a Barra estava localizada na margem de dois rios navegveis o So Francisco e dasVelhas ficaria tambm em posio geogrfica privilegiada, pois ficaria no meio das vilasde Formigas, So Romo e do Salgado. Alm disso, a cmara promoveria odesenvolvimento de uma regio de grande movimentao mercantil e de produo agrcolae pecuria.24Em 1855 as lideranas da Barra do rio das Velhas ainda reclamavam a elevao deMontes Claros condio de Vila, e esperavam ansiosos a necessidade da criao de umcentro municipal na mais importante posio desta provncia, a qual a da Barra do Riodas Velhas e dos seus dois majestosos rios. 25O recuo histrico-temporal apresentado nos pargrafos anteriores denota ossentidos que os polticos do sculo XIX atriburam s localidades com status de vila e aosanseios que muitos tinham em ter sua regio inserida na mesma categoria. No entanto, apartir da segunda metade do sculo seguinte o ser vila no mais preocupava os polticos daregio norte de Minas, uma vez que esse termo passou a ter outro sentido e significado nanomenclatura da diviso administrativa da federao e dos municpios brasileiros. (COSTA,1970: 19)Se a elevao de Formigas condio de vila proporcionou reclamaes doshabitantes da Barra do rio das Velhas em fins de 1832, o mesmo no ocorreu quando a leiprovincial n 802 de 3 de julho de 1857, que atribuiu vila de Montes Claros a categoria decidade. Na correspondncia dos juzes de paz das vilas de So Romo, Januria e do distritode Barra do rio das Velhas com destino ao governo da provncia de Minas Gerais a partirde 1857 no aparece nenhuma reclamao quanto ao novo status atribudo a MontesClaros. (PAULA, 1979: 17)24 ABAIXO-ASSINADO dos habitantes do distrito e freguesia da Barra do riodas Velhas pedindo a suaelevao condio de vila. Barra do rio das Velhas, 19 de dezembro de 1832.Arquivo Pblico Mineiro.Seo Provincial, SP/PP 212, Caixa 187, doc. 8.25 ABAIXO-ASSINADO dos habitantes do distrito e freguesia da Barra do riodas Velhas pedindo a suaelevao condio de vila. Barra do rio das Velhas, 23 de dezembro de 1855.Arquivo Pblico Mineiro.Seo Provincial, SP/PP 213, Caixa 231, doc. 5.Anais do I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG EPHIS | Belo Horizonte, 23 a 25 de maio de 2012 26. 25Segundo a estudiosa Fernanda Borges, a elevao de um distrito categoria de vilatinha mais importncia do ponto de vista poltico administrativo do que a atribuio dostatus de cidade. Tanto em Portugal continental como em suas colnias, o status de cidade implicava a concesso de certas prerrogativas de carter honorfico s aglomeraes de maior importncia do ponto de vista poltica ou militar. Embora se deva destacar o fato de que uma vila ser elevada categoria de cidade nem sempre significava a agregao de alguma prerrogativa poltica suplementar. (MORAES, 2007: 60)O Brasil depois de alcanada a sua independncia herdou de Portugal a forma deorganizao administrativa dos municpios. Era reconhecido por parte da administraomunicipal de Montes Claros at 1957 o fato de que as comemoraes acerca daemancipao poltica deveriam ocorrer no dia 16 de outubro. Em 1932 o centenrio domunicpio de Montes Claros foi lembrado em meio a festejos que duraram alguns dias.Como se explica ento o 3 de julho como data da emancipao poltico-administrativa eno mais o 16 de outubro? (PEREIRA&OLIVEIRA, 2003: 2)Segundo Laurindo Mkie Pereira e Marcos Fbio Martins de Oliveira, a ideia de secomemorar o centenrio da cidade foi lanada em 1955 quando foi divulgada nos jornaislocais da poca. O maior entusiasta da proposta foi o mdico e memorialista de MontesClaros Hermes Augusto de Paula, que assinalou a importncia das comemoraes a seremfeitas em 1957: Duzentos e cinquenta anos de fundao. Cem anos de cidade. 1957 ser, para ns, um ano de significao especial. Ser uma oportunidade para relembrarmos os feitos de nossos antepassados e um convite para celebrarmos novas realizaes. (PAULA, 1979: 3)Os mencionados historiadores assinalam que Hermes de Paula no criou nenhumarelao direta entre o aniversrio da cidade e a emancipao poltica e administrativa deMontes Claros. O 3 de julho s foi adquirindo o significado de data da emancipao poltica amedida em que a efemride foi se consolidando no calendrio das festividades da cidade.A data com o passar do tempo foi sendo reconhecida: pelas instituies pblicas,pelos escritores, polticos e pela imprensa com o momento em que se comemora a criaodo muncipio. Exemplo disso o artigo de der de Oliveira Martins Jnior, entosecretrio de Gabinete do prefeito Lus Tadeu Leite, publicado na Gazeta Norte Mineiraem 3 de julho de 2009.No texto repleto de elogios cidade, o secretrio parabenizou Montes Claros, quenaquele dia estava completando 152 anos de emancipao poltica e administrativaAnais do I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG EPHIS | Belo Horizonte, 23 a 25 de maio de 2012 27. 26(MARTINS JNIOR, 2009: 13). Alm desse artigo no seria difcil encontrar livros,reportagens e outros tipos de publicaes em que o 3 de julho passou a ser visto como tal.Nas palavras de Laurindo Mkie Pereira e Marcos Fbio Martins Oliveira a festa decentenrio em 1957 Insere-se no contexto de entusiasmo caracterstico do perodo o desenvolvimento levado a efeito pelo Plano de Metas do Governo Juscelino Kubitschek - e reflete a vitalidade da pecuria local, maior fora econmica e brao direito da Prefeitura Municipal na promoo do evento. Mas, alm disso, foi uma estratgia cuidadosamente planejada para construir a imagem de uma cidade moderna e pacfica, de um povo ordeiro e trabalhador e, por fim, atrair investimentos do Estado e da Unio (abertura e melhoria das estradas, construo de hidreltricas, ampliao/melhoria dos servios de telefone, gua e esgoto, e apoio para a criao de um frigorfico na cidade. (PEREIRA&OLIVEIRA, 2003: 4)O questionamento acerca do 3 de julho em Montes Claros foi levado pblico pelaprimeira vez pelos historiadores Marcos Fbio Martins de Oliveira e Tarcsio RodriguesBotelho em 1988, quando escreveram uma srie de artigos para os jornais que circulavamem Minas Gerais enfatizando a importncia do dia 16 de outubro.Em 2001 outros artigos levaram a questo novamente ao pblico, e segundo osautores do artigo A inveno do 3 de julho em Montes Claros, a partir desse momento a forma detratar a questo comeou a mudar. Um jornal da cidade no mesmo ano assinalou que Aemancipao poltica de Montes Claros foi aprovada no dia 13 de outubro de 1831, foiconcretizada em 16 de outubro do ano seguinte, quando ocorreu a eleio da primeiraCmara Municipal; j outro artigo publicado no jornal Hoje em Dia em 16 de outubro de2001 trazia o seguinte ttulo: Emancipao de Moc completa 169 anos sem comemoraesoficiais. (PEREIRA&OLIVEIRA, 2003: 8)Da imprensa a questo chegou Cmara Municipal e, no ano de 2001, foi objetodo Projeto de Lei de autoria da vereadora Ftima Macedo cujo ponto central era oreconhecimento de 16 de outubro como a data da efetiva emancipao de Montes Claros.Aprovado pelos vereadores o projeto se transformou na lei 2.995 (de 5 de abril de 2.002) ereconheceu o dia 16 de outubro como o dia do municpio.(PEREIRA&OLIVEIRA,2003:8)Ao propor uma anlise sobre o significado do 3 de julho do ponto de vistahistrico, no estamos aqui levantando uma bandeira de protesto contra as comemoraesque ocorrem nesse dia e muito menos buscando uma retomada antiga data. Mas torna-senecessrio reconhecer que de fato o 16 de outubro foi a data em que se concretizou aemancipao poltico-administrativa de Montes Claros.Anais do I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG EPHIS | Belo Horizonte, 23 a 25 de maio de 2012 28. 27A data de elevao categoria de cidade no teve nenhum efeito do ponto de vistajurdico e legal na Vila que j existia desde 1832. No se adicionou nenhuma prerrogativalegal e muito menos alterou a organizao poltica do municpio. No estado de MinasGerais, o caso de Montes Claros considerado sui generis, pois comemora a data deelevao de sua sede municipal categoria de cidade, em detrimento da data em que foiconquistada a sua emancipao poltica.Na primeira metade do sculo XX, uma reviso na legislao acerca da organizaoadministrativa do Brasil, alterou significativamente os parmetros para a criao de distritose formao de novos municpios. Em consonncia com essa nova legislao, ao ser criadoum novo municpio, o distrito que seria a sede, automaticamente era elevado categoria decidade, logo no ato de sua instalao.Seria possvel pensar o 3 de julho como uma tradio inventada no contexto deuma determinada cultura poltica? O estudo dos professores Laurindo Mkie Pereira eMarcos Fbio Martins Oliveira j demarcaram o 3 de julho como sendo uma tradioinventada. Agora nos resta identificar o contexto das comemoraes do Centenrio nobojo de uma determinada cultura poltica. Alm de ter se consolidado como principal datacomemorativa do calendrio das festividades de Montes Claros nas ltimas cinco dcadas,o 3 de julho pode ser entendido tambm em uma perspectiva mais ampla, isto , inserir adata no contexto nacional do momento em que ela foi criada.A historiadora Ana Maria Ribas Cardoso ao analisar a produo dos intelectuaisligados ao ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros) durante o governo de JuscelinoKubistchek assevera ser possvel delinear alguns aspectos que constituem a cultura polticaque formata os anos JK (CARDOSO, 2006: 1), notadamente os que se referem personalidade de Juscelino como grande estadista e ao projeto desenvolvimentista por elelevado a cabo, no slogan 50 anos em 5 e no Plano de Metas. O nacional-desenvolvimentismo, manufaturado na fbrica isebiana, representou a argamassa quemodelou a cultura poltica na segunda metade dos anos cinquenta e correspondia ilusoque h muito movia a intelligentsia brasileira: a de imaginar-se protagonista da revoluosinnimo de progresso (CARDOSO, 2006: 2). Juscelino teve o ISEB como grandeelaborador e divulgador da ideologia do seu governo, de forma a mostrar o Brasil arcaicofrente ao Brasil que caminhava para o progresso. Para ngela de Castro Gomes, o conceitode cultura poltica apresenta grande plasticidade, dado ao fato de ele permitirexplicaes/interpretaes sobre o comportamento polticos dos atores sociais, individuaisAnais do I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG EPHIS | Belo Horizonte, 23 a 25 de maio de 2012 29. 28e coletivos, privilegiando-se seu prprio ponto de vista: percepes, vivncias,sensibilidades. (GOMES, 2005: 47-48)A primeira vez em que o 3 de julho foi festejado se inscreve na cultura poltica dogoverno JK. Trata-se de uma poca em que o Brasil viveu perspectivas muito intensas deprogresso, desenvolvimento, estabilidade poltica e liberdade de imprensa. Nessa poca, opas sentia-se confiante no progresso, apesar do pouco investimento governamental na reasocial como educao, sade e saneamento bsico. O Plano de Metas, cuja sntese foi aconstruo de Braslia criou uma aura de euforia, apesar das deficincias e contradies domodelo desenvolvimentista. O otimismo verificado durante o governo de JK refletiu-se tambm na rea cultural, onde uma onda de ideias novas se propagou pelos mais variados campos do conhecimento. O projeto urbanstico de Braslia e as linhas arrojadas de suas construes foram a consolidao de uma arquitetura moderna que vinha sendo desenvolvida no Brasil havia algumas dcadas, como o complexo arquitetnico da Pampulha, projetada por Oscar Niemeyer, em Belo Horizonte em 1943. (SANTOS, 1998: 234)Os grupos polticos de Montes Claros o PSD e PR usaram a imprensa paradivulgar as ideias do discurso desenvolvimentista, pois era de interesse destes que osbenefcios e investimentos do Plano de Metas alcanassem o norte de Minas, eprincipalmente Montes Claros. De acordo com Laurindo Mkie Pereira, os jornaislegitimaram a ideologia oficial e procuraram construir a imagem de uma cidade moderna,pacfica e civilizada. (PEREIRA, 2002: 39)Com o intuito de atrair a ateno do governo federal as festividades do 3 de julhode 1957 foram marcadas pela euforia e expectativas frente s benesses que poderiam sertrazidas. Um ano antes, quando o executivo municipal criou a Comisso Organizadora dasFestividades do Centenrio. Foi uma semana de espetculos. A cidade estava preparada: as ruas centrais foram caladas, as ruas dos bairros prximos ao centro foram cascalhadas, os jardins das praas estavam bem cuidados, pontes foram construdas sobre o rio Vieira (que corta quase toda cidade), as construes velhas ostentavam pinturas novas, a passagem de gado pelas ruas do centro, velho costume local, foi proibida e o majestoso parque estava pronto. Durante o centenrio, realizaram-se o I Congresso do Algodo, espetculos pirotcnicos, cavalhadas no estdio Joo Rebelo, diversas solenidades religiosas e esportivas, um desfile, histrico-folclrico, diversas palestras acercas dos homens importantes de Montes Claros e a exposio agropecuria. As solenidades oficiais contaram com as presenas do governador Bias Fortes e do presidente Juscelino Kubitscheck. (PEREIRA&OLIVEIRA, 2003: 5)Torna-se importante salientar que a Sociedade Rural de Montes Claros teve papeldecisivo das comemoraes de julho de 1957, uma vez que o Parque de Exposies,Anais do I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG EPHIS | Belo Horizonte, 23 a 25 de maio de 2012 30. 29inaugurado no momento do centenrio foi a principal obra construda. Essa relao ficouindelevelmente marcada nos calendrio das festividades de cidade, pois o 3 de julhocoincide com a Exposio Agropecuria de Montes Claros.FIGURA 1 JK sendo recepcionado pela populao no Parque de Exposies de Montes Claros Fonte: www.montesclaros.comA visita de JK na ocasio do Centenrio foi a oportunidade para as elites locais semostrarem antenadas ao momento de euforia propiciada pelo projeto desenvolvimentistado governo federal. O momento seria propcio para solicitar recursos e obras com oobjetivo de projetar sobre a cidade o interesse e o desejo pelo progresso. FIGURA 2Anais do I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG EPHIS | Belo Horizonte, 23 a 25 de maio de 2012 31. 30Montes Claros em 1953 Fonte: www.montesclaros.com A partir de 1957, o 3 de julho foi inserido nos calendrio das festividades domunicpio. Se neste ano a comemorao estava justificada no centenrio do status decidade atribuda a Montes Claros, com o passar do tempo, a data passou a ser reconhecidacomo a da emancipao poltica do municpio. Sobre essa mudana, torna-se necessrioinvestigar se houve por parte do Executivo municipal a implementao de medidas legaiscom o objetivo de suprimir as comemoraes do 16 de outubro, ou se as datas chegaram aser comemoradas alguns anos depois das festividades do centenrio da cidade.Consideraes Finais Montes Claros viveu ao longo da dcada de 1950 entre a esperana e a frustrao.A elite local imbuda na ideologia do governo JK esforou-se para inserir a cidade dentrodos projetos do Plano de Metas do governo federal. A comemorao do 3 de julho de 1957foi o ponto alto desse processo onde as lideranas polticas buscaram projetar a cidadeenquanto polo regional carente de investimentos. A aura de cidade sem problemas criadapelo Executivo Municipal destoava dos dilemas que vivam a populao antes e tambmdepois das festividades: deficincia de fornecimento da eletricidade, ausncia desaneamento e insuficincia na distribuio de gua potvel continuaram a afligir apopulao. Enquanto tradio inventada, as comemoraes do Centenrio da Cidadeforam criadas em consonncia com o desenvolvimentismo do governo JK e foi seconsolidando com o passar dos anos, no como o aniversrio de criao da cidade e simcomo o de emancipao poltica. Somente na dcada de 1960 que os efeitos prticos dainterveno do Estado como promotor da industrializao comearam a ser sentidos. A Anais do I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG EPHIS | Belo Horizonte, 23 a 25 de maio de 2012 32. 31viabilizao da infraestrutura energtica e de transportes e os incentivos fiscais daSUDENE atraram regio investimentos industriais em volume expressivo. Entretanto,a regio no assistiu passivamente ao espetculo do perodo. A cidade de Montes Clarosfoi o centro de mobilizao das elites regionais em um esforo conjunto para atrarem osinvestimentos do Estado e se inserirem na poltica desenvolvimentista.Referncias Bibliogrficas:Fontes:ABAIXO-ASSINADO dos habitantes do distrito e freguesia da Barra do Rio das Velhas pedindo asua elevao condio de vila. Barra do Rio das Velhas, 19 de dezembro de 1832. Arquivo PblicoMineiro. Seo Provincial, SP-PP 212, Caixa 187, doc. 8.ABAIXO-ASSINADO dos habitantes do distrito e freguesia da Barra do Rio das Velhas pedindo asua elevao condio de vila. Barra do Rio das Velhas, 23 de dezembro de 1855. Arquivo PblicoMineiro. Seo Provincial, SP-PP 213, Caixa 231, doc. 5.MARTINS JNIOR, Elder. Parabns, Montes Claros. Gazeta do Norte, 3 de julho de 2009, p.13.Bibliografia:CARDOSO, Ana Maria Ribas. Oficina do mito: o ISEB nos anos JK. Anais... Rio de Janeiro, 2006.COSTA, Joaquim Ribeiro. Toponmia de Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1970.GOMES, ngela de Castro. Histria, historiografia e cultura poltica no Brasil: algumas reflexes.In: Bicalho, Maria Fernanda Batista; GOUVA, Maria de Ftima Silva; SOIHET, Rachel (Orgs).Culturas polticas: ensaios de histria cultural, histria poltica e ensino de Histria. Rio de Janeiro:Mauad, 2005.MORAES, Maria Fernanda. Dos arraiais, vilas e caminhos: a rede urbana das Minas coloniais. InRESENDE, Maria Efignia Lage de; VILLALTA, Luiz Carlos (Orgs). Histria de Minas Gerais asminas setecentistas. Belo Horizonte: Autntica-Companhia do Tempo, 2007, v. 1.PAULA, Hermes de. Montes Claros, sua histria, sua gente e seus costumes. Montes Claros: Pongetti, 1979.PEREIRA, Laurindo Mkie; OLIVEIRA, Marcos Fbio Martins. A inveno do 3 de julho emMontes Claros. UNIMONTES CIENTFICA. Montes Claros, v.5, n.1, jan-jun.2003.PEREIRA, Laurindo Mkie. A cidade do favor: Montes Claros em meados do sc XX. Montes Claros:Editora Unimontes, 2002.SANTOS, Joaquim Ferreira dos. 1958: o ano que no deveria terminar. 5 ed. Rio de Janeiro:Record, 1998.Anais do I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG EPHIS | Belo Horizonte, 23 a 25 de maio de 2012 33. 32A insero poltica dos intelectuais romnticos e o debate sobre a escravido e afora de trabalho: o caso de Francisco de Salles Torres Homem (1831-1839)Bruno Silveira PaivaMestrando em Histria pela UFSJ Bolsista CAPES/REUNI [email protected]: Esta pesquisa busca lanar luz sobre o debate acerca da escravido e dasalternativas da fora de trabalho entre os anos de 1831 a 1839 no Brasil Imperial. Nestemomento, em que o Brasil se lanava na corrida para se constituir como uma naomoderna, a questo envolvendo a relao entre um Estado-nacional de carter liberal e aescravido era temtica importante nos discursos dos homens pblicos. Na historiografiabrasileira contempornea h duas vertentes de anlise, uma que aponta a existncia decompatibilidade entre os termos nao, liberalismo e escravido para o Brasil do sculoXIX, e outra que aponta a incompatibilidade entre os termos aps a independncia. Apartir destas diferentes perspectivas de anlise, esta pesquisa busca traar outras posturasinternas elite, que mostram uma relao tensa e dbia entre nao e escravido,impedindo tanto uma sntese que minimize as tenses internas como umaincompatibilidade entre os termos. Sendo assim, com a finalidade pensar a posturaantiescravista, compartilhada por muitos homens pblicos do Brasil Imperial, temos comoobjeto central da pesquisa os escritos de Francisco de Salles Torres Homem, nosperidicos em que foi redator durante os anos de 1837 a 1839, no caso o Jornal dos DebatesPolticos e Literrios no ano de 1837 e Aurora Fluminense em 1838 e 1839.Palavras-chave: imprensa peridica, escravido, nao.Resumen: Esta investigacinpretendearrojar luz sobreel debateacerca de la esclavitudy lasalternativas dela mano de obraentre losaos1831a1839 enel Brasil imperial. En estemomento, en la que Brasilfue lanzadoen la carrerapara calificar comouna nacin moderna,el tema que involucra ala relacin entre el Estado-nacin de carcter liberal y laesclavitudfuetema importante enlos discursosde los hombres pblicos. En lahistoriografabrasilea contempornea, hay dos formasde anlisis: unoque apunta alaexistencia decompatibilidad entre lostrminosde la nacin, el liberalismo y la esclavitudalaBrasildel siglo XIX, y otroque apunta auna incompatibilidad entrelos trminosdespus dela independencia. A partir de estasdiferentes perspectivas deanlisis, estainvestigacin tienecomo objetivoelaborarotras posicionesdentro dela lite, que muestran una relacin tensayambiguaentre la nacin yla esclavitud, evitando tantouna sntesisque reduzcan al mnimolastensiones internascomouna falta de coincidenciaentre los trminos. Por lo tanto,con el findeque lapostura anti-esclavitud, compartida por muchoshombres pblicosdelBrasilImperial,tenemos como el objeto central deestudio delos escritos deFranciscodeSallesTorresHomem, en lasrevistas en las quefue editordurante los1837aos para1839,elsi elDiariode los debates polticosy literarios en1837 yAuroraFluminenseen1838 y 1839.Palabras clave:prensa peridica, esclavitud, nacin.Anais do I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG EPHIS | Belo Horizonte, 23 a 25 de maio de 2012 34. 33Introduo Esta pesquisa26 busca lanar luz sobre o debate acerca da escravido e dasalternativas da fora de trabalho entre os anos de 1837 a 1839 no Brasil Imperial. Nessesanos, que fazem parte do perodo regencial (1831-1840), poca marcadamente agitada econturbada da histria do Brasil, as discusses em torno do que viriam a ser o Estado-nacional brasileiro se faziam presentes em todas as instncias da sociedade, sendo o debateacerca da escravido elemento determinante na formao da identidade nacional. Nesse momento, em que o Brasil se lanava na corrida para se constituir como umanao moderna, a questo envolvendo a relao entre um Estado-nacional de carter liberale a escravido era temtica importante nos discursos dos homens pblicos do pas. Nahistoriografia brasileira contempornea, alguns trabalhos j apontam a existncia decompatibilidade entre os termos nao, liberalismo e escravido para o Brasil do sculoXIX, sendo um dos autores de destaque dessa posio Rafael Marquese. Por outro lado,temos a perspectiva de Jos Murilo de Carvalho, que aponta a incompatibilidade entre ostermos aps a independncia. A partir dessas diferentes perspectivas de anlise, a presentepesquisa busca traar outras posturas internas elite, que mostram uma relao tensa edbia entre nao e escravido, impedindo tanto uma sntese que minimize as tensesinternas quanto uma incompatibilidade entre os termos. A fim de pensar a postura antiescravista, compartilhada por muitos homenspblicos do Brasil Imperial, temos como objeto central da pesquisa a anlise dos escritos deFrancisco de Salles Torres Homem nos peridicos em que foi redator durante os anos de1837 a 1839, no caso o Jornal dos Debates Polticos e Literrios (JDPL) no ano de 1837 e AuroraFluminense em 1838 e 1839. Para alm desta anlise interna, que prioriza o texto e as representaes ali contidas,sero explicitados pontos referentes sua insero em condies sociais, econmicas epolticas da poca, por serem fatores determinantes na produo do discurso sobre atemtica da escravido. Dedicaremos ateno principalmente s redes de sociabilidade pelasquais ele circulou, pois seu estudo fator central para a histria intelectual, permitindo umareconstituio da evoluo do meio intelectual em questo. Entre as redes de sociabilidade26O presente artigo resultado de uma pesquisa de iniciao cientfica desenvolvida na Universidade Federalde So Joo Del Rei (UFSJ) entre agosto de 2010 e julho de 2011 sob orientao do Prof. Dr. Danilo JosZioni Ferretti Anais do I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG EPHIS | Belo Horizonte, 23 a 25 de maio de 2012 35. 34que aqui nos interessa, temos a Sociedade Defensora da Liberdade e Independncia(SDLIN) do Rio de Janeiro.Discusso bibliogrficaNa conformao dos diferentes projetos para a nao, a temtica da escravidoaparece como elemento determinante na formao da identidade nacional, conformeapontado por Istvn Jancs e Joo Paulo Pimenta. Pois o escravismo era a varivel adeterminar o horizonte mental desses homens, igualando-os quanto a esse ponto, para almdas diferenas de vises de futuro e da cultura poltica que professavam (JANCS;PIMENTA, 2000: 172). Vemos, portanto, que estes autores apontam a proximidadeexistente entre nao e escravido no Brasil Imprio.Seguindo esta linha historiogrfica, que aponta para a compatibilidade entre ostermos nao, escravido e liberalismo no Brasil do sculo XIX, temos Rafael Marquese.Ao estudar as prticas e discursos legitimadores do escravismo no Brasil oitocentista,afirma a incorporao, sem grandes tenses e contradies, nos projetos das elites polticaspara a elaborao do novo Estado-nacional, a continuidade da escravido, sendo esta umprojeto para o futuro. O entrelaamento entre uma nao de carter liberal e a escravido,segundo Marquese, se daria principalmente pela reafirmao do princpio colonial dasoberania domstica, na qual a gesto dos escravos caberia somente aos senhores, com oEstado interferindo apenas em caso de insurreies ou assassinatos. Este argumento erareforado nos discursos da economia poltica da poca, que tinha como um dos pontoscentrais, defender a separao entre a esfera de ao do Estado e a dos agentes econmicosindividuais.Como desdobramento da perspectiva de Rafael Marquese, temos o trabalho de seuorientando Tamis Parron. Se pautando na anlise das falas parlamentares tanto no Senadoquanto na Cmara dos Deputados, pleiteia a existncia de uma poltica da escravido.Constituda a partir de uma rede de alianas polticas e sociais costuradas em favor daestabilidade institucional da escravido (PARRON, 2009: 11-12), que fazendo uso dosrgos do Estado procuraram beneficiar os interesses das classes senhoriais. E seria a partirda ascenso do movimento do Regresso, em 1835, que esta prtica ganharia sua basepoltica. Primeiramente sob a forma da poltica do contrabando negreiro (1835-1850), surgindoposteriormente a poltica da escravido na era ps-contrabando (1850-1865).Anais do I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG EPHIS | Belo Horizonte, 23 a 25 de maio de 2012 36. 35Em posio contrria aos autores acima referidos, temos a perspectiva de JosMurilo de Carvalho, visto que ele aponta para existncia de incompatibilidade entre nao eescravido. Segundo este autor, aps a independncia, a escravido passa a ser tratada nomais por autoridades coloniais, mas por cidados preocupados com a formao da nao,a liberdade no vista como problema individual, mas como questo pblica(CARVALHO, 1998: 35). Sendo assim, entra em pauta a dimenso da razo nacionalcomo principal fora de crtica a escravido, que no caso brasileiro, substituiu o papel docristianismo e dos ideais ilustrados na crtica a escravido em outros contextos.Mesmo reconhecendo a contribuio dos estudos acima referidos, o presentetrabalho busca ampliar o quadro de referncias para o tratamento da temtica escravista noBrasil Imprio. Sendo assim, daremos enfoque a outras posturas internas a elite, trazendopara o debate o posicionamento de grupos que entendiam nao e escravido comoelementos paradoxais, buscando assim reintroduzir o carter contraditrio e tenso darelao entre estes dois termos nos moldes do liberalismo.A ateno dada ao mundo texto se faz imprescindvel no presente trabalho, vistoque ele central para a histria intelectual, pois esta passa obrigatoriamente pela pesquisa,longa e ingrata, e pela exegese de textos, e particularmente de textos impressos, primeirosuporte dos fatos de opinio, em cuja gnese, circulao e transmisso os intelectuaisdesempenham um papel decisivo(SIRINELLI, 2003: 245).Mas a histria intelectual no se pauta somente na anlise interna do texto, elaprivilegia tambm uma abordagem externa a ele, pois necessrio saber em quaiscondies econmicas, polticas e sociais que propiciaram sua elaborao e eventuaisressignificaes. E nas palavras de Dosse: a histria intelectual s me parece fecunda nomomento em que pensa juntos os dois plos (DOSSE, 2004: 299).Da decorre a necessidade de darmos ateno as redes de sociabilidade pelas quaisTorres Homem circulou, pois de acordo com Sirinelli, as redes de sociabilidade nos dizemsobre microclimas que organizam o mundo intelectual, permitindo uma reconstituio daevoluo de tal meio. E, assim entendida, a palavra sociabilidade reveste-se portanto deuma dupla acepo, ao mesmo tempo redes que estruturam e microclima quecaracteriza um microcosmo intelectual particular(SIRINELLI, 2003: 252).E para Dosse, esta abordagem nos permite desfazer da idia bourdieusiana desociabilidade apenas como estratgia de otimizao dos interesses e conquista de poder.Coloca outros parmetros em jogo, fazendo valer a complexidade e a contingncia doAnais do I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG EPHIS | Belo Horizonte, 23 a 25 de maio de 2012 37. 36campo intelectual. Assim, a leitura em termos de interesse pode ser substituda por umaabordagem que valorize o campo intelectual como campo magntico, sobretudo em tornodo conceito de afinidade eletiva, como faz Michael Lwi(DOSSE, 2004: 303).O jornalista como intelectual no Brasil Imprio e suas sociabilidadesA figura do homem pblico de letras, intelectual que exercia atividades de jornalista(redator) ou panfletrio (gazeteiro), surge entre meados do sculo XVIII e incio do sculoXIX. Com heranas da Repblica das Letras, em conjunto com as noes de modernidadepoltica, entre elas a liberdade de expresso em espaos pblicos, ir fazer uso da imprensade opinio, tambm surgida neste contexto, para propagar suas idias. Este novo atorhistrico estava imbudo de pretenses tanto polticas como pedaggicas, o tipo doescritor patriota, difusor de idias e pelejador de embates e que achava terreno frtil paraatuar em uma poca repleta de transformaes(MOREL, 2005: 167).Mas a existncia de um meio intelectual, no qual o jornalista estaria imerso, exigia aexistncia de um espao pblico. No Brasil, a cidade do Rio de Janeiro um dos espaospblicos em transformao no sculo XIX, portador de uma dimenso poltica e deextrema importncia para se entender os princpios da nao que estava se forjando. Frenteao papel marcadamente poltico que a opinio pblica recebe, os jornalistas iro seapresentar como porta vozes da mesma. Eles seriam os agentes propagadores doesclarecimento em vrias direes, visando construir uma opinio, reforando a concepode que estariam imbudos de uma misso civilizadora, esclarecedora e pedaggica.No Brasil, a vacncia do trono em 1831 aps a abdicao de D. Pedro I, significouum relativo enfraquecimento do poder monrquico, a partir da, a opinio pblica seapresenta com tom mais exacerbado, fruto no s do crescimento da imprensa peridica,mas tambm pela proliferao de associaes filantrpicas, manicas e patriticas. E sersobre um destes espaos de sociabilidade emergentes, a Sociedade Defensora da Liberdadee Independncia do Rio de Janeiro (SDLIN), que passaremos a dedicar ateno, visto sereste local um dos principais ncleos de aglomerao dos adeptos do liberalismo moderado,entre os quais se encontra Torres Homem.A Sociedade Defensora da Liberdade e Independncia foi a pioneira entre estasnovas formas de associao de carter poltico, surgida primeiramente na cidade de SoPaulo, em 29 de maro de 1831, e posteriormente atingindo todo o pas. A SDLIN do Riode Janeiro foi fundada em 10 de maio de 1831 sobre a tutela do exaltado Antonio BorgesAnais do I Encontro de Pesquisa em Histria da UFMG EPHIS | Belo Horizonte, 23 a 25 de maio de 2012 38. 37da Fonseca, que aps a abdicao se converteria momentaneamente em moderado. Elafuncionaria, tendo como objetivos primordiais a defesa da liberdade e da independncianacional, princpios estes evocados de forma vaga. Porm, segundo Marcello Basile, elacontribuiria para a preservao da ordem e da tranqilidade pblica, to periclitante napoca, constituindo-se em sustentculo da Regncia no seio do espao pblico(BASILE,2004: 85). Assunto que diretamente nos interessa, e sem dvida o mais polmico, a questo dotrfico negreiro para o Brasil, foi colocada em pauta por Evaristo em janeiro de 1832. Eleento props a criao de uma comisso para averiguar e denunciar os abusos contra a leide 7 de novembro de 1831, que proibia o comrcio de escravos. O mesmo teor tinham asemendas propostas por Camara Lima e Janurio da Cunha Barbosa, o primeiro queria porparte da Regncia, sanes mais severas aos navios negreiros, e o segundo, pleiteava oenvio de uma representao ao governo afim de protestar acerca da entrada ilegal deafricanos (BASILE, 2004: 102-103). As propostas acima referidas deram fruto ao requerimento enviado Regncia emfevereiro de 1834, tendo como pontos principais o desrespeito ao tratado anglo-brasileirode 1826 e lei antitrfico de 1831. Denunciavam a continuidade do trfico por toda a costabrasileira, a conivncia de autoridades locais subornadas, pediam a ampliao da pena depirataria para pessoas de outras nacionalidades, e tambm a necessidade de espalharinformantes por toda a costa, que ficariam encarregados de falar para onde estariam indoos africanos desembarcados e acionar os cruzeiros para a interceptao dos naviosnegreiros (BASILE, 2004: 104). Apesar da discordncia de qual a melhor forma para combater o trfico deescravos, havia na Defensora, a heg