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2 ANAIS ELETRÔNICOS Juciene Ricarte Apolinário, Rodrigo Ribeiro de Andrade (Editores)

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    ANAIS ELETRÔNICOS Juciene Ricarte Apolinário, Rodrigo Ribeiro de Andrade (Editores)

  • 3

    Campina Grande, Junho de 2018

    II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO

    E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE

    UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA

    27, a 30 de junho de 2018, Campina Grande, PB, Brasil

    2018@Copyrigth UFCG

    Impresso no Brasil

    Todos os direitos reservados

    FICHA CATALOGRÁFICA

    II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - (27, a 30 de junho de 2018: Campina grande, PB - Brasil)

    DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS: Caderno de Resumos do II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS

    /Juciene Ricarte Apolinário e Ofélia Maria de Barros (Org.). – Campina Grande 2018. ISSN:

    1. História. 2. Etno História. 3. História Indígena. 4. História da Educação 5. História Ambiental. 6. História e Direito.

  • 4

    Instituições executoras

    Programa de Pós-Graduação em História – UFCG

    Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – UFCG

    Núcleo de estudos e Assuntos Afro-Brasileiros e Indígenas - UEPB

    Instituições Internacionais apoiadoras

    Centro de Humanidades - CHAM, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal;

    Universidade Pablo Olavide, Servilha, Espanha;

    Instituições Nacionais apoiadoras

    Programa de Pós- Graduação em Antropologia (UFPB)

    Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

    Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Goiás, UFG,

    Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

    Programa de Pós-Graduação em História da Universidade da Universidade Rural do Rio de Janeiro

    Programa de Pós-Graduação Universidade Federal do Amazonas

  • 5

    Comissão Organizadora

    Coordenação Geral Profa. Dra. Juciene Ricarte Apolinário (PPGH-UFCG, Brasil | CHAM-UNL, Portugal)

    Comissão Organizadora Profa. Dra. Edjane Dias Esmerina da Silva (UFCG) Prof. Dr. José Gabriel Silveira Corrêa (UACS-UFCG) Prof. Dr. José Pereira de Souza Júnior (UEPB, UFCG) Profa. Dra. Mércia Rejane Batista (PPGCS-UFCG) Profa. Dra. Ofélia Maria de Barros (NEAB-I-UEPB) Profa. Dra. Rosilene Dias Montenegro (UFCG)

    João Paulo Peixoto Costa-IFPI

    Jorge Eremites de Oliveria-UFP

    José Gabriel Silveira Corrêa (UFCG)

    José Otávio Aguiar (Pós-Doutor – UFCG)

    Maria Regina Celestino de Almeida

    (PPGH-UFF)

    Mariana Albuquerque Dantas – UFRPE

    Naybe Gutierrez Montoya - UPO,

    Sevilha, Espanha

    Patricia Melo Sampaio – (UFAM)

    Sel Guanaes (UNILA)

    Sônia Maria Missagia (UFES)

    Taciana de Carvalho Coutinho (UFAM)

    Tonico Benites Ava Guarani Kaiowá –

    (UFGD)

    Vania Maria Losada Moreira - UFRRJ

    Alunos (História- UFCG/UEPB)

    Adauto Santos da Rocha

    Adriana Monyke Nascimento de Alencar

    Adriano Ferreira Dos Santos

    Alcione Ferreira Da Silva (Professora)

    Alex Alves Campelo

    Alex Pereira da Silva

    Aline Praxedes De Araújo (Professora)

    Betânia Maria De Andrade Paiva

    Carla Edylane Felix Arruda

    Cézar Da Silva Ferreira

    Cibelle Jovem Leal

    Darciley Gomes de Oliveira

    Dênis Barbosa Pequeno

    Edvânia da S. Nascimento

    Erik Carlos Monte de Carvalho

    Erykles Natanael de Lima Vieira

    Éverton Alves Aragão

    Fernanda Borges de Brito

    Comissão Científica

    Almir Carvalho Junior - UFAM

    Almir Diniz de Carvalho Júnior - UFAM

    Angela Domingues (UL)

    Ângela Maria Vieira Domingues –

    Universidade de Lisboa – CHAM-UNL,

    Portural

    Antonio Carlos Amador Gil – UFES

    Brigitte Thierion – Universidade

    Sorbonne, Paris 3 - França

    Carlos Paz - FCH-UNCPBA/ Argentina

    Carmen Alveal -UFRN

    Celso Gestermeier do Nascimento –

    UFCG

    Edson Silva – UFPE/ PPGH-UFCG

    Estevão Martins Palitot (UFPB)

    Fernanda Sposito – Pós-Doutoranda -

    USP

    Fernando Antonio de Carvalho Dantas –

    UFG

    Francisco Cancela (UNEB)

    Giovani José da Silva (Unifap/ Brasil)

    Hermilia Feitosa Junqueira Ayres –

    UFCG

    Izabel Missagia de Mattos (UFRRJ)

  • II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

    6

    ISSN:

    Fernanda De Oliveira Thomaz Lemos

    Franciny Raquel Torres

    Jamilly Jéssica Martins Fernandes

    Jessica Kaline Vieira Santos

    Jesus Alves de Oliveira Quintans

    Joanan Marques de Mendonça

    João Eudes do Nascimento Alves

    João Igor de Andrade Vital

    José Acácio Pessoa de L. Neto

    Karine Stefany da Silva Martins

    Karolina Kelly G. Lins

    Laís De Oliveira Neves

    Leandro de Aquino Lima Ropinasse

    Liélia Barbosa Oliveira

    Luana Souto Cavalcanti

    Lucas Gomes Medeiros

    Lucas Santos Ribeiro Leite

    Luísa Nunes Mendonça de Lima

    Luiz Fernando Oliveira Sousa

    Maria do Socorro Reis Melo

    Maria José Elaine Costa S. Pereira

    Maria Valéria Pereira

    Matheus Henrique da Silva Alcântara

    Michel Alves de Almeida Ricarte

    Natiele Fernanda de Souza Barbosa

    Naum Filipe Nicácio Alves

    Nayara Silva Furtado

    Rafaela Costa de Azevedo

    Rayan Fernandes Pereira

    Renally Rodrigues Leão

    Robson da Silva Leandro

    Rodrigo Ribeiro de Andrade

    Rosa Michele Vieira de Oliveira

    Taynara Alves Batista Pequeno

    Victoria Cecília de Lima Ramos

    Virgínia Genuíno Lira

    Wendy Nicollas Diniz Cibalde

    Whindson Senna Da Silva

    Yona Kaluaná F. de Sousa

  • II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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    ISSN:

    II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA,

    DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

    REALIZAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE E UNIVERSIDADE ESTADUAL

    DA PARAÍBA

    27, 28 e 29 de junho de 2018, Campina Grande, PB, Brasil

    Local Abertura : Auditório de Extensão José Farias

    Universidade Federal de Campina Grande

    APRESENTAÇÃO:

    O II Congresso Internacional Mundos Indígenas - diálogos sobre história, direito e

    educação – abrangendo o período correspondente ao início do processo colonial (séculos

    XVI) e incluindo os dias atuais, objetiva ampliar uma diversificada de rede colaborativa nos

    âmbitos nacional e internacional desenvolvendo discussões interdisciplinares sobre

    história dos povos indígenas da América. Para tanto, pretende-se ampliar diálogos entre

    investigadores da temática em destaque para que se construam possibilidades de caminhos

    teórico-metodológicos inovadores sobre a pesquisa acerca dos povos tradicionais ao longo

    do processo colonial até o tempo presente. Nos últimos anos os estudos sobre a temática

    indígena na América vêm obtendo contribuições oriundas das áreas de conhecimento, tais

    como antropologia, arqueologia, história, educação e direito, proporcionando avanços

    promissores no tocante a visibilidade do protagonismo ameríndio, através das suas variadas

    formas de agenciamentos diante das pressões e violações dos seus direitos ao longo dos

    mais de 500 anos. No Brasil, mais especificamente, a partir dos anos 1990, a história

    indígena vem se legitimando enquanto uma dimensão fundamental na produção de

    conhecimento, sendo escolhida como tema de dissertações e teses nos diversos programas

    de pós-graduação em nosso país, tendência que também se verifica na América-Latina. O

    diálogo interdisciplinar contínuo e o uso de múltiplas fontes históricas, assim como, de

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    ISSN:

    variadas temporalidades permite-nos negar a tese do historiador oitocentista Francisco

    Adolfo Varnhagen de que para os índios não haveria história, mas apenas etnografia [o que

    implicaria em assumi-los enquanto conjuntos humanos vivendo num estado inferior]. O

    mais importante é que uma das preocupações da historiografia recente sobre os mundos

    indígenas é não construir mais uma imagem do “índio genérico”, ou apenas vítima dos

    primeiros contatos com os europeus, “dizimados” e “assimilados”, ou seja, em processo de

    desaparecimento. Ao contrário, nos últimos anos, as pesquisas vêm destacando as ações

    indígenas que nos revelaram que cada unidade indígena possui um caráter étnico, que lhes

    permite construir e acionar um posicionamento frente ao não-indígenas nos diferentes

    espaços de fronteiras e em novas territorializações pós-contato nas américas portuguesas,

    espanhola e inglesa. E, mesmo que negados no plano discursivo, os povos indígenas

    continuavam e continuam existindo e se mostram de forma organizada politicamente,

    afirmando as suas etnicidades e reivindicando a legitimidade das suas memórias e histórias.

    Profa. Dra Juciene Ricarte Apolinário – PPGH-UFCG-, Brasil CHAM-UNL, Portugal

    Coordenadora Geral do II COIMI/2018

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    ISSN:

    Sumário APRESENTAÇÃO: ......................................................................................................................................7

    GT 1 – ESCRAVIDÃO INDÍGENA E ESCRAVIDÃO NEGRA: AGÊNCIAS CONECTADAS NOS ESPAÇOS

    COLONIAIS. ............................................................................................................................................ 14

    JUNTA DAS MISSÕES NA CAPITANIA REAL DA PARAÍBA: UM DESDOBRAMENTO DA

    ADMINISTRAÇÃO COLONIAL ........................................................................................................15

    ALDEADOS DE PIRATININGA - MORADORES iNDÍGENAS E ADMINISTRADOS DE SÃO PAULO

    COLONIAL (1694 - 1775) ...............................................................................................................30

    ESCRAVIDÃO E DIREITO NO BRASIL: O PROBLEMA DO ANACRONISMO .......................................44

    GT 2 - POLÍTICAS INDIGENISTAS E INDÍGENAS ENTRE OS SÉCULOS XVI AO XIX NO BRASIL E NA

    AMÉRICA LATINA: SUAS ESPECIFICIDADES DIANTE DAS RELAÇÕES INTERÉTNICAS E PODERES LOCAIS

    ............................................................................................................................................................... 58

    MECANISMOS PARA RESISTÊNCIA ADAPTATIVA INDÍGENA E SEUS ENTRAVES: POSSIBILIDADES E

    DIFICULDADES NO SISTEMA COLONIAL PARA O ÍNDIO DA CAPITANIA DO RIO GRANDE, NO

    SÉCULO XVIII ................................................................................................................................60

    FORTIFICAÇÕES E ALDEAMENTOS NA RIBEIRA DO JAGUARIBE: POLÍTICAS INDIGENISTAS E AÇÃO

    INDÍGENA NO FINAL DO SÉCULO XVII. ..........................................................................................68

    FAMÍLIA E CASAMENTO INDÍGENA: UMA ANÁLISE HISTORIOGRÁFICA ........................................84

    INDÍGENAS BANDIDOS A INICIOS DEL SIGLO XIX EN CUBA: ENTRE LA REALIDAD Y EL MITO ........96

    O PORTO DE ARAPUTANGA ........................................................................................................ 105

    GT 3 – RECONHECIMENTO DOS TERRITÓRIOS INDÍGENAS NA AMÉRICA: LUTAS, CONQUISTAS E

    RETROCESSOS ENTRE OS SÉCULOS XX AOS DIAS ATUAIS ................................................................... 115

    TERRA, TERRITÓRIO E TERRITORIALIDADE NO MOVIMENTO INDÍGENA COLOMBIANO ............. 117

    CULTURA & DESENVOLVIMENTO UMA PERSPECTIVA ETNOGRAFIA DOS IMPACTOS

    SOCIOAMBIENTAIS E CULTURAIS: O CASO DOS TABAJARAS DO LITORAL SUL DA PARAÍBA. ...... 128

    MARCO TEMPORAL, UMA REFLEXÃO INICIAL DE SUAS IMPLICAÇÕES ANTROPOLÓGICAS ......... 136

    GT 4 – MISSÕES RELIGIOSAS E POVOS INDÍGENAS NA AMÉRICA: SÉCULOS XVI AO XXI .................... 148

    A ESTRATÉGIA TIRIYÓ/TARËNO NO CONTEXTO DE MISSÃO NO ESTADO DO PARÁ, ENTRE AS

    DÉCADAS DE 1960 E 1980 ........................................................................................................... 149

    OS LADOS DA CRISTIANIZAÇÃO INDÍGENA: COLONIZADO E COLONIZADOR .............................. 163

    O CORTE DO ARAME E O CIMI. ................................................................................................... 172

    OS DEMÔNIOS INVADEM O NOVO MUNDO: A FÉ CRISTÃ E OS INDÍGENAS BRASILEIROS DO

    SÉCULO XVI................................................................................................................................. 185

    ENSINO SUPERIOR PARA POVOS INDÍGENAS NO BRASIL: DESAFIOS E PERSPECTIVAS ............... 194

    GT 5 – EXPERIÊNCIAS DO ENSINO E PESQUISAS DA EDUCAÇÃO SUPERIOR INDÍGENA NA AMÉRICA

    ENTRE OS SÉCULOS XX E XXI ............................................................................................................... 209

  • II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

    10

    ISSN:

    PRODUÇÕES ACADÊMICAS EM EDUCAÇÃO NO TERRITÓRIO POTÎGŨARA – É POSSÍVEL

    PESQUISAR E ESCREVER SEM VISIBILIZAR DISCURSOS E IDENTIDADES RACIALIZADAS? ............. 210

    AQUI, NADA É FÁCIL: FORMAÇÃO DE REDE DE SOLIDARIEDADE ÉTNICA POR INDÍGENAS

    POTIGUARA NA UNIVERSIDADE CONTRA PRECONCEITOS RACIAIS ............................................ 224

    AÇÕES AFIRMATIVAS PARA ALUNOS INDÍGENA NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL E SUDESTE

    DO PARÁ-UNIFESSPA .................................................................................................................. 234

    MEMÓRIA, HISTÓRIA E PATRIMÔNIO: O CASO DA IGREJA DE SÃO MIGUEL ARCANJO DO POVO

    POTIGUARA ................................................................................................................................ 249

    AGÊNCIAS INDÍGENAS EM ALDEAMENTOS MISSIONÁRIOS: FACES DOS PODERES COLONIAIS NA

    CAPITANIA DE PERNAMBUCO E SUAS ANEXAS (SÉCULOS XVII-XVIII) ......................................... 263

    PROJETO DE LEITURA E ESCRITA ................................................................................................. 275

    HISTÓRIAS EM QUADRINHOS; LINDAS POTIGUARAS ................................................................. 275

    PROJETO DE LEITURA E ESCRITA: FABULAS POTIGUARA ............................................................ 284

    GT 6 –DIREITOS INDÍGENAS E DIREITOS HUMANOS NA AMÉRICA ENTRE O SÉCULO XX AOS DIAS

    ATUAIS ................................................................................................................................................. 297

    A CONSTITUIÇÃO FEDERAL COMO GARANTIA DOS DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS .............. 298

    EDUCAÇÃO INDÍGENA E EDUCAÇÃO ESPECIAL DO POVO XERENTE: INTERFACE ......................... 302

    ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA GWYRA PEPO: CONFLITOS E RESISTÊNCIAS ................................ 313

    GT 7 - HISTÓRIAS INDÍGENAS E PERSPECTIVISMOS AMERÍNDIOS ..................................................... 324

    SINTAGMAS COSMOLÓGICOS E UM PERSPECTIVISMO AMERÍNDIO: SOBRENATUREZA E

    CONHECIMENTO ENTRE OS ÍNDIOS TUXÁ DA BAHIA .................................................................. 325

    INTERESSES DE UMA ETNO-HISTÓRIA ANCESTRAL, .................................................................... 334

    A CABOCLA BRAVA FRANCISCA GOMES DE SOUSA .................................................................... 334

    ANÁLISE JURÍDICA DOS DIREITOS HUMANOS E DIREITO AMBIENTAL NA PROTEÇÃO A CULTURA

    INDÍGENA E O USO DOS RECURSOS NATURAIS EM SEU MEIO AMBIENTE SUSTENTÁVEL ........... 348

    DIÁLOGOS COSMOLÓGICOS: UMA NARRATIVA DA CRIAÇÃO BÍBLICA DO GÊNESIS ENTRE OS

    CRISTÃOS E A NARRATIVA DO MITO DA CRIAÇÃO PELOS ÍNDIOS BRASILEIROS APAPOCÚVA-

    GUARANI .................................................................................................................................... 364

    ENSINO DE LEITURA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES DELÍNGUA PORTUGUESA À LUZ DE

    DOCUMENTOS OFICIAIS QUE REGULAMENTAM A EDUCAÇÃO INDÍGENA ................................. 372

    GT 8 – POVOS INDÍGENAS DA AMÉRICA ENTRE O SÉCULO XVI E O XXI: PROCESSOS DE MESTIÇAGENS,

    QUESTÕES RELIGIOSAS, IDENTIDADES E RECONHECIMENTO ............................................................ 387

    PARTICIPAÇÃO DOS INDÍGENAS ARIÚ PARA FORMAÇÃO DO POVOAMENTO DE CAMPINA

    GRANDE ..................................................................................................................................... 388

    OS ÍNDIOS XUKURU DO ORORUBÁ E A CONSTRUÇÃO DO XEKER JETÍ NA SERRA DO ORORUBÁ –

    PE ............................................................................................................................................... 402

  • II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

    11

    ISSN:

    “MARACATU NÃO É PAR, É ÍMPAR”: PRÁTICAS CULTURAIS, IDENTIDADES E ESTRATÉGIAS NO

    MARACATU RURAL DE PERNAMBUCO (2000-2014) ................................................................... 412

    MEMÓRIA E IDENTIDADE: POVO POTIGUARA DA PARAÍBA ....................................................... 427

    GT 9 - DIRETÓRIO DOS ÍNDIOS E SUA DIVERSIDADE DE EXECUÇÃO NAS DIFERENTES CAPITANIAS DO

    BRASIL E GRÃO PARÁ E MARANHÃO ENTRE OS SÉCULOS XVIII E XIX ................................................. 446

    O DIRETÓRIO DOS ÍNDIOS E A DINÂMICA SOCIOESPACIAL NA MISSÃO DO GUAJIRÚ: DE SÃO

    MIGUEL À VILA NOVA DE ESTREMOZ DO NORTE – CAPITANIA DO RIO GRANDE ....................... 447

    PROCESSO DE TERRITORIALIZAÇÃO E A POLÍTICA POMBALINA: APONTAMENTOS SOBRE A

    EREÇÃO DA VILA DE ÍNDIOS DE PORTALEGRE, CAPITANIA DO RIO GRANDE DO NORTE (1761) . 455

    GT 10 – O ENSINO DA TEMÁTICA INDÍGENA E OS 10 ANOS DA LEI Nº 11. 645/20008: EXPERIÊNCIAS,

    DISCUSSÕES E PROPOSTAS ................................................................................................................. 469

    OS INDÍGENAS XUKURU-KARIRI EM PALMEIRA DOS ÍNDIOS/AL: ENTRE MIGRAÇÕES, RETORNOS

    E RETOMADAS DO TERRITÓRIO .................................................................................................. 470

    “TERRA VERMELHA”: O ENSINO DA HISTÓRIA INDIGENA ATRAVÉS DA FONTE

    CINEMATOGRÁFICA. ................................................................................................................... 481

    RELATO DE EXPERIÊNCIA: ENSINO DA TEMÁTICA INDÍGENA NA FORMAÇÃO SUPERIOR EM

    SAÚDE ........................................................................................................................................ 492

    EDUCAÇÃO FÍSICA E CURRÍCULO: POSSIBILIDADES DE (RE)SIGNIFICAÇÃO DA CULTURA CORPORAL

    DO POVO INDÍGENA POTIGUARA-PB ......................................................................................... 500

    A LEI 11.645 NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INDÍGENA .............................................................. 517

    OLHARES SOBRE EXPERIÊNCIAS NA AULA DE HISTÓRIA INDÍGENA: DESAFIOS, MEMÓRIAS E

    ESQUECIMENTOS. ...................................................................................................................... 529

    POR UMA EDUCAÇÃO ÉTNICO-RACIAL: A QUESTÃO INDÍGENA NO ENSINO FUNDAMENTAL II .. 540

    AS REPRESENTAÇÕES DOS INDÍGENAS APÓS A LEI 11.645/2008 E AS ESTRATÉGIAS PARA

    DESCONSTRUÇÃO DE ESTEREÓTIPOS ......................................................................................... 553

    TÓPICOS EM HISTÓRIA DOS ÍNDIOS NO BRASIL: RELATO DE EXPERIÊNCIA NO IFRN – CAMPUS

    AVANÇADO PARELHAS ............................................................................................................... 563

    OS POVOS INDÍGENAS NA ESCRITA DA HISTÓRIA DO BRASIL: O ENSINO SUPERIOR E A

    RENOVAÇÃO HISTORIOGRÁFICA ................................................................................................ 578

    EXPERIÊNCIAS IDENTITÁRIAS DOS ESTUDANTES INDÍGENAS NA UFT – CAMPUS DE PALMAS .... 591

    A PRÁTICA DOCENTE À LUZ DA LEI 11.645/2008. UM ESTUDO DE CASO .................................... 602

    QUAL O ÍNDIO QUE VOCÊ CONHECE? IMAGENS SOBRE OS ÍNDIOS EXPRESSAS POR ESTUDANTES

    DO COLÉGIO DE APLICAÇÃO/UFPE ............................................................................................. 617

    ÍNDIO EDUCA: NOVAS TECNOLOGIAS PARA O ENSINO/APRENDIZAGEM DA HISTÓRIA INDÍGENA

    NO ENSINO BÁSICO BRASILEIRO ................................................................................................. 625

    A FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DO PROFESSOR QUE ATUA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E

    ADULTOS INDIGENAS ................................................................................................................. 633

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    12

    ISSN:

    A PRESENÇA DA TEMÁTICA INDÍGENA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: PROBLEMATIZANDO PRÁTICAS

    PEDAGÓGICAS EM ESCOLAS PRIVADAS, DEZ ANOS APÓS A LEI Nº 11.645/2008 ........................ 648

    SAÚDE, DIVERSIDADE E CULTURA: A EXPERIÊNCIA DAS RODAS SOBRE SAÚDE DOS POVOS

    INDÍGENAS ................................................................................................................................. 654

    GT 11 - AUTONOMIAS, ETNICIDADE E NAÇÃO. OS NOVOS MOVIMENTOS INDÍGENAS NA AMÉRICA

    LATINA A PARTIR DE 1980 ................................................................................................................... 664

    LA GUERRA DE CONQUISTA SOBRE EL CAMPO MEXICANO: RESISTÊNCIAS, IDENTIDADE E

    TERRITORIALIDADE ZAPATISTA .................................................................................................. 665

    “AQUI É TODO MUNDO ÍNDIO KARIRI”: PROCESSO DE AUTOAFIRMAÇÃO ÉTNICA DE

    MORADORES DO SÍTIO POÇO DANTAS NA CIDADE DE CRATO-CE .............................................. 674

    GT 12 - PATRIMÔNIO CULTURAL E QUESTÕES INDÍGENAS: ARQUIVOS, MUSEUS E BIBLIOTECAS NA

    TESSITURA DAS MEMÓRIAS ................................................................................................................ 688

    A COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA EM JOGO: UM DEBATE ENTRE HISTÓRIA PÚBLICA E JOGOS

    DIGITAIS ..................................................................................................................................... 690

    UM OLHAR SOBRE O MUSEU INDÍGENA JENIPAPO-KANINDÉ: MEMÓRIA E IDENTIDADE ÉTNICA

    ................................................................................................................................................... 714

    HISTÓRIAS INDÍGENAS E MITOS RESTAURADORES: ................................................................... 727

    RUÍNAS, SANTOS E FESTAS NA ETNOGÊNESE DO POVO POTIGUARA ......................................... 727

    HISTÓRIA E MEMÓRIA DA AFRO-JUREMA: O TOMBAMENTO DO SÍTIO DE ACAIS (ALHANDRA-PB)

    ................................................................................................................................................... 728

    GT 13 - HISTÓRIA AMBIENTAL E ETNOHISTORIA INDÍGENA ............................................................... 747

    ANÁLISE JURÍDICA DOS DIREITOS HUMANOS E DIREITO AMBIENTAL NA PROTEÇÃO A CULTURA

    INDÍGENA E O USO DOS RECURSOS NATURAIS EM SEU MEIO AMBIENTE SUSTENTÁVEL ........... 748

    A GUERRA DOS BÁRBAROS: LEVANTE INDÍGENA E HOLOCAUSTO NO NORDESTE COLONIAL.

    POESIA E RESISTÊNCIA NOS FOLHETOS POPULARES. .................................................................. 762

    REFLEXÕES SOBRE A ESCRITA DA HISTÓRIA AMBIENTAL REFERENTE À CAÇA AS BALEIAS NO

    BRASIL COLONIAL ....................................................................................................................... 775

    ANÁLISE QUALITATIVA E QUANTITATIVA DOS LAUDOS DE CITOLOGIA CERVICAL DE 2016 DA

    POPULAÇÃO INDÍGENA ALDEADA DE ETNIA POTIGUARA DO ESTADO DA PARAÍBA. ................. 793

    AVALIAÇÃO DAS ANÁLISES BACTERIOLÓGICAS DA ÁGUA DAS ALDEIAS INDÍGENAS DE ETNIA

    POTIGUARA DO MUNICÍPIO DE BAIA DA TRAIÇÃO NO ANO DE 2016. ........................................ 805

    OS AMBIENTES E A ECOLOGIA DOMÉSTICA ENTRE OS POTIGUARA DA ALDEIA JARAGUÁ, PB. .. 815

    LOUIS-FRANÇOIS DE TOLLENARE – (1816 - 1818) E SEUS OLHARES SOBRE OS ÍNDIOS ............... 821

    GT 14 - PROTAGONISMO INDÍGENA E INQUISIÇÃO NA AMÉRICA ...................................................... 827

    ÍNDIGENAS MADINGUEIROS DENUNCIADOS AO SANTO OFÍCIO NA CIDADE DO NATAL: O CASO

    DE JOSÉ RODRIGUES MONTEIRO E MANUEL PEDRO (1755-1762) .............................................. 828

  • II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

    13

    ISSN:

    O PROTAGONISMO INDÍGENA: AS TRANSFORMAÇÕES CONCEITUAIS NO DECORRER DO TEMPO

    ATRAVÉS DO CINEMA ................................................................................................................. 840

    GT 15 - INDIGENAS E QUILOMBOLAS NO BRASIL: RESISTÊNCIA, IDENTIDADE, CULTURA E TRADIÇÃO

    ............................................................................................................................................................. 853

    A FORMAÇÃO DO GRUPO DE PRODUÇÃO AUDIOVISUAL BURDUNA FILMES ............................. 854

    ESCOLA KIRIRI COMO LUGAR DE RESISTÊNCIA: ESPAÇO ARQUITETÔNICO NA CONSTRUÇÃO

    IDENTITÁRIA ............................................................................................................................... 866

    MESTIÇAGEM EM PERSPECTIVA: O MOVIMENTO DOUTRINÁRIO VALE DO AMANHECER SUAS

    INFLUÊNCIAS AFROBRASILEIRAS E INDIGENAS ........................................................................... 880

    A GUERRA, OS QUILOMBOS E OS CORONÉIS DE PRINCESA: PERCURSOS DE MEMÓRIA E

    RESISTÊNCIA ............................................................................................................................... 888

    GT 16 - HISTÓRIA INDÍGENA E ARQUEOLOGIA NAS AMÉRICAS .......................................................... 897

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    ISSN:

    GT 1 – ESCRAVIDÃO INDÍGENA E ESCRAVIDÃO NEGRA: AGÊNCIAS

    CONECTADAS NOS ESPAÇOS COLONIAIS.

    Profa. Dra. Patricia Melo Sampaio (UFAM)

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    ISSN:

    JUNTA DAS MISSÕES NA CAPITANIA REAL DA PARAÍBA: UM DESDOBRAMENTO

    DA ADMINISTRAÇÃO COLONIAL

    ARAÚJO, Lana Camila Gomes

    Universidade Federal de Campina Grande

    [email protected]

    APOLINÁRIO, Juciene Ricarte

    Universidade Federal de Campina Grande

    apoliná[email protected]

    Introdução

    Desde o início do processo colonizador, a atividade missionária esteve

    intrinsicamente relacionada aos processos de expansão territorial europeia. Acreditava-se

    que a aliança entre a Coroa e a Igreja era uma das maneiras mais eficazes para manter as

    conquistas territoriais e que a catequização indígena, haveria novos e obedientes súditos

    para o rei.

    Reconhecendo a importância da atividade da atividade religiosa das mais diferentes

    ordens presentes na América Portuguesa, como jesuítas, carmelitas, franciscanos, etc, frente

    às causas indígenas, a Coroa criou em 1655, na cidade de Lisboa, uma Junta específica para

    tratar das missões religiosas: Junta Geral das Missões ou Junta dos Missionários ou Junta da

    Propagação da Fé, em virtude de sua natureza. (Mello, 2003, p. 2).

    Na América Portuguesa, as primeiras Juntas que se estabeleceram foi no ano de

    1681, nas capitanias do Rio de Janeiro e Pernambuco, configurando-se enquanto um

    desdobramento tipológico da estrutura interna da administração central na época colonial.

    As novas Juntas ficaram responsáveis em atender as demandas respeitantes às questões

    missionárias religiosas envolvendo os homens e mulheres indígenas, além das decisões

    sobre escravidão e liberdade destes.

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    ISSN:

    Ocorre que as temáticas envolvendo os povos indígenas, foram por muitos anos

    deixadas de lado pela historiografia oficial. Os indígenas foram invisibilidades da escrita

    oficial da história do nosso país. Restando, apenas, as narrativas que os inseriam como

    coadjuvantes dos grandes feitos dos colonizadores. Somente em meados da década de 80 se

    intensificaram os estudos sobre as culturas indígenas, possuindo ainda muitas lacunas sobre

    a História indígena e, consequentemente, sobre a Junta das Missões, especialmente de

    forma localizada nas antigas capitanias.

    Logo, pesquisar sobre a Junta das Missões na Capitania Real da Paraíba envolve

    muitos desafios, pois envolve discussões sobre Administração Colonial, Relações

    Interétnicas, Agenciamentos Indígenas, e ainda lidar com uma historiografia cheia de lacunas

    sobre a nossa própria história, sem mencionar a responsabilidade de abordar temáticas

    ainda pouco visitadas pelos pesquisadores.

    Sabemos que estudar o período colonial não é tarefa fácil, principalmente porque o

    acesso às fontes é restrito e estas, escassas. A maioria das fontes são documentos oficiais

    que precisam além de ser compreendidos em suas diferenças quanto a sua tipologia (cartas,

    certidões, consultas, despachos, provisões, requerimentos, etc), exigem do pesquisador,

    conhecimento, experiência, técnicas para transcrição paleografia e o que julgo ser mais

    importante: persistência.

    Isso porque a documentação não é meramente transcrita ou traduzida, ela precisa

    ser analisada, e muitas vezes, inclusive, à contrapelo, em favor daqueles que foram

    silenciados durante o processo do registro oficial. Sendo assim, este trabalho é apenas uma

    parte das pesquisas que tenho me dedicado ao longo dos últimos oito anos.

    As primeiras Juntas das Missões

    No final do reinado de D. João IV, era crescente o entendimento de que o meio mais

    eficaz para a conservação dos domínios ultramarinos portugueses era cuidar da propagação

    da “fé católica” nas novas conquistas ultramarinas. Para tanto, a Coroa por intermédio da

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    ISSN:

    Igreja necessitava manter os seus missionários atuantes nas recentes possessões, a fim de

    poder garantir a autoridade do reino lusitano, ameaçada por outras potências estrangeiras.

    Para tanto, foi necessária a criação de um organismo ligado à administração central que

    tratasse exclusivamente das questões referentes às missões ultramarinas e onde os

    missionários das conquistas pudessem recorrer e apelar. (MELLO, 2007).

    Em 1655, foi criada a primeiras Junta das Missões, conhecida também como Junta

    Geral das Missões, em Lisboa. A nova instituição colonial, desmembrou-se da estrutura

    interna da administração central e seria, a partir de então, responsável por tratar dos

    assuntos que envolvessem o processo de cristianização dos nativos das colônias portuguesa.

    Estavam entre as suas várias competências: examinar a legitimidade dos cativeiros dos

    indígenas e apreciar como instância final as apelações das causas de liberdade dos índios.

    No que se refere a constituição da Junta Geral das Missões, é importante destacar

    que esta atuava em consonância com outros órgãos políticos-administrativos, como o

    Conselho Ultramarino. E, outra especificidade é que, apesar da Junta das Missões ser um

    projeto institucional para tratar sobre as missões e condições dos homens e mulheres

    indígenas nas colônias, a Igreja não foi inserida na sua criação, mas apenas em um segundo

    momento, como aponta Mello (2007).

    Discorre ainda Mello que em 1678 foram expedidas ordens aos Governadores Gerais

    e ao Vice-rei da Índia que enviassem para a Junta de Lisboa, sobre o estado das missões e os

    progressos cristãos na colônia oriental. As respostas agradaram ao Rei, que tomou

    conhecimento do aumento da propagação da fé nas Índias e o estimularam a constituir o

    estabelecimento de outras Juntas Ultramarinas, constituindo em Goa, a primeira Junta das

    Missões subordinada à Junta Geral das Missões do Reino. E, posteriormente, foram criadas

    Juntas das Missões em Angola, Pernambuco, Rio de Janeiro e Cabo Verde, bem como na

    Bahia (1688), no Pará (1701), em São Paulo (1746) e novamente no Rio de Janeiro (1750),

    estas, instituídas por Carta Régia de 7 de março de 1681.

    A adaptação dos religiosos e administradores coloniais à Junta das Missões foi

    complicada e complexa. A nova instituição político-religiosa se caracterizava enquanto um

    novo projeto, com dinâmica específica, mas que não foi claramente explicitada em

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    ISSN:

    documentos oficiais. Um ofício1 do Rei de Portugal à Inquisição de Goa – África, onde foi

    instalada a primeira Junta das Missões fora de Lisboa, revela a preocupação do reino em

    enviar um visitador para as partes do norte, para conceder recomendações acerca das

    missões e outros assuntos.

    A necessidade de se estabelecer uma Junta das Missões na Capitania Real da Paraíba

    As capitanias coloniais enfrentavam dificuldades para julgar as causas de liberdade

    dos índios perante a Junta das Missões, especialmente, devido as grandes e longas distâncias

    entre uma Junta e outra. Em uma provisão(minuta)2 datada de 13 de março de 1733,

    enviada ao ouvidor-geral da Paraíba, Tomás da Silva Pereira, o Rei Dom João V reconhece

    que a distância entre a capitania da Paraíba e Pernambuco acabavam dificultando os

    processos da Junta das Missões.

    Porém, enfatizava o rei sobre a importância de cada ouvidor e capitanias seguir a

    jurisdição, devendo agir dentro de suas competências, averiguando sumariamente se era

    justa, ou não, a liberdade dos índios que nela se achassem cativos. Ademais, continuava o rei

    a afirmar que esse era o único meio pelos quais poderiam ser defendidos os direitos dos

    cativos, pois “sua incapacidade e pobreza não lhes dera lugar para se defender por meios

    ordinários”.

    Vale salientar que, fora encontrado, durante o processo de pesquisa, uma provisão3

    (minuta) do rei D. João V ao ouvidor geral de Alagoas, do dia 13 de março de 1733, com teor

    praticamente idêntico à provisão acima mencionada, na qual deixa claro o rei que a

    subordinação perante as Juntas é uma ordem expedida para todos os ouvidores do estado

    do Brasil, para que eles conheçam sumariamente as causas de liberdade dos índios, cabendo

    a Junta das Missões de cada distrito a sentença final.

    1 OFÍCIO a Inquisição de Goa. 24/03/1692. Lisboa, Portugal: [s.n.]. D.01 2 PROVISÃO (minuta) do rei D. João V, ao ouvidor-geral da Paraíba. AHU-Paraíba, mç. 28, doc. 53, 13 de

    março de 1733. AHU_ACL_CU_014, Cx. 8, D. 691. 3 PROVISÃO (minuta) do rei D. João V ao ouvidor-geral de Alagoas, 13 de março de 1733.Anexo: 2ª via. AHU,

    Alagoas Avulsos, Cx. 1, Documento 83.

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    ISSN:

    Mello (2003) alude que as formações das Juntas eram bem heterogêneas, estando

    presentes representantes de esferas de poder diferentes: justiça, finanças e religião. De

    acordo com a autora, cada capitania possuía uma composição. A maioria das Juntas eram

    compotas por Ouvidores Gerais, Provedores da Fazenda e Bispos ou Vigários Gerais, na

    ausência dos Bispos. Todavia, a sede do governo-geral do Brasil, a capitania da Bahia,

    apresentava necessidades singulares, pelas quais o governador desta, solicitou ao reino que

    as Juntas fossem compostas ainda por Prelados Superiores de cada ordem religiosa que

    possuíssem missões; pedido, que foi autorizado no ano de 1696.

    A atuação dos missionários na Capitania Real da Paraíba perante a Junta esteve

    restrita a subordinação a Junta da capitania de Pernambuco, a qual tinha como competência

    analisar as questões indígenas em sua capitania e nas anexas (Alagoas, Paraíba, Rio Grande e

    Ceará, subordinadas ao bispado de Pernambuco). Vale destacar que, apesar de associarmos

    na maioria das vezes o projeto de catequização indígena aos jesuítas, outras ordens

    religiosas como a dos Carmelitas descalços, Beneditinos, Franciscanos e Capuchos de Itália,

    também estavam envolvidas no projeto colonizador missionário.

    Em provisão4 do ano de 1600, do capitão-mor da Paraíba, servindo o mesmo de

    provedor-mor da Fazenda Real, Feliciano Coelho de Carvalho, ao feitor e almoxarife da

    Fazenda Real da mesma capitania, Fomes dias, ordenou o pagamento da quantia de 46 mil

    réis ao padre Frei Anastácio, presidente dos padres da Ordem de São Bento, destinado este

    valor para os serviços de doutrina e cristandade dos “gentios aldeados”.

    Os povos originários aldeados eram aqueles colocados nos aldeamentos, espaços

    próprios pensados e criados pelos colonizadores, para agrupar os homens e mulheres

    indígenas, de várias etnias em um único espaço. Os aldeamentos objetivavam a perda da

    identidade dos indígenas com o local de origem, que poderia provocar mudanças nas

    práticas culturais indígenas e novas ressignificações. Mas o que pretendiam que era a perca

    da etnicidade os colonizadores não conseguiam, pois como afirma João Pacheco de Oliveira

    (1999) o processo de nova territorialização ocorria, mas não subsumia as etnias indígenas5.

    4 Provisão (treslado) do capitão-mor da Paraíba, 13 de março de 1600. Paraíba AHU-Paraíba, cx. 1.

    AHU_ACL_CU_014, Cx. 1, D. 2. 5

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    ISSN:

    Além do mais, não se perde nem cultura, nem identidade, nem etnicidade, pois ambas estão

    em constante transformação e se dão também entre os contatos, adquirindo novas

    ressignificações.

    Para facilitar a dita civilização dos índios, a localização dos aldeamentos ficava

    estrategicamente próxima aos assentamentos portugueses e mais distantes das demais

    povoações, sob forma de defesa, como aponta Cavalcanti (2009).

    Cem anos depois, em decreto6, o rei Dom Pedro II ordenava ao Conselho Ultramarino

    consultar o papel que fez o ex Capitão-mor da Paraíba, Manuel Soares de Albergaria, sobre

    as missões da capitania. Além de propor que a Junta das Missões se encarregasse de

    algumas dessas missões aos padres da Companhia de Jesus, oferecendo aos missionários

    côngrua7 e casa de residência.

    Manuel Soares de Albegaria, enquanto Capitão-Mor da capitania da Paraíba ficou

    conhecido por incentivar as lutas contra o “gentio tapuia do sertão”, oferecendo munições e

    gentes, ao Capitão-Mor dos Sertões das Piranhas e Piancó, Teodósio de Oliveira Ledo. Em

    outro episódio de 16998, o Capitão-Mor Albegaria, incentivava a precaução a uma possível

    luta contra a nação de tapuias, denominados Ariu, que estavam aldeados em um lugar a que

    chamavam a Campina Grande.

    A consulta descrita aponta que os Ariu tinham sido levados ao aldeamento chamado

    de Campina Grande por Teodósio de Oliveira Ledo em 1697 e foram aldeados junto a

    quarenta Cariri, sob a perspectiva que queriam viver como vassalos de Vossa Majestade e

    reduzirem-se a Santa Fé Católica. Mesmo assim, com receio e para acompanhar tal

    transferência, ordenava o capitão o envio de dez soldados e o conserto das armas, para que

    combatessem aquela “grande quantidade de índios”.

    6 DECRETO do rei D. Pedro II, 6 de novembro de 1700. Obs.: consulta reg. CU, cód. 265, fól. 155v-156.AHU-

    Paraíba, cx. 5, doc. AHU_ACL_CU_014, Cx. 3, D. 238. 7 O termo “côngrua” é originalmente um adjetivo. Se referia a um auxílio financeiro concedido pela Fazenda

    Real às ordens religiosas no território ultramarino. A finalidade das côngruas eram manter a estrutura

    eclesiástica, viabilizar uma ação pastoral e construir, conservar a ornamentar os templos. Dessa maneira,

    garantiam ao clero condições materiais que lhe proporcionassem uma vida decente na Colônia Portuguesa.

    LIMA (2014) 8 CONSULTA do Conselho Ultramarino. 3 de setembro de 1699. Anexo: 2 docs.AHU-Paraíba, cx. 5, doc.

    AHU_ACL_CU_014, Cx. 3, D. 226.

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    ISSN:

    A documentação discorre como a administração colonial associada ao sistema do

    Padroado criavam meios de punição aos indígenas que não aderissem ao seu projeto

    colonial. Mas também, principalmente, revela como os homens e mulheres indígenas

    resistiam diante da imposição colonizadora, mesmo sendo severamente punidos, até

    mesmo, com a morte.

    De acordo com Medeiros (2008), as nações indígenas do sertão da Capitania da

    Parahyba vivenciaram diversas situações relativas ao contato no século XVIII: guerras,

    acordos de paz, redução, participação militar nos conflitos com outros grupos indígenas e o

    impacto que a política pombalina teve no processo de desenraizamento espacial e cultural

    das identidades étnicas existentes e a construção de novas identidades. E, os indígenas da

    região como Icó, Xucuru, Cariri, Corema, Pega, criaram mecanismos diferentes de resistência

    para se inserirem no espaço dentro de uma ordem colonizadora.

    Medeiros (2008) elenca, a partir de análise documental, que em 1709, por exemplo,

    Teodósio de Oliveira Ledo enviou uma carta ao Rei de Portugal, relatando que os Pega e

    Corema “inquietavam” os moradores, pelo fato de serem uma grande nação e com mais de

    mil e tantos arcos. O rei, por sua vez, respondeu ao referido Capitão-Mor dos Sertões das

    Piranhas e Piancó, que se fosse preciso, declarasse guerra contra estes tapuias. Além da

    proteção com os arcos, os documentos evidenciam uma frequência de furtos aos moradores

    das redondezas dos Piranhas, pelos tapuias da região.

    Outra forma de resistência pode ser verificada a partir dos conflitos de terras. A

    Coroa Portuguesa, preocupados em dominar o território colonial, tomaram as terras dos

    nativos, sobre repressão e guerra, ocasionando destruição e mortes. A tomada de terras

    associava-se também, ao projeto missionário sob orientação da Junta das Missões, na

    formação dos aldeamentos e na transferência dos tapuias de uma região para outra.

    Diante disso, como estratégia de sobrevivência, aponta Medeiros (2008), algumas

    nações indígenas passaram permitir a ocupação de suas terras aos colonizadores em troca

    de uma relação de paz, podendo ser entendidas como uma estratégia de sobrevivência

    étnica.

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    ISSN:

    Na disputa por posse de terras, em certidão de 17529, do ouvidor-geral da Paraíba,

    José Ferreira Gil, este comprovava ter encontrado, durante a correição executada no sertão

    do Piancó, os Tapuias da nação Panati, os quais se recusavam a ir para onde a Junta das

    Missões determinara. Conforme tal documentação, a Junta das Missões enviou ordem para

    transferir os Panati para terras na travessia do Pajaú, mas os nativos se recusavam e tal

    situação se agravava porque no distrito onde estavam, não havia missionários.

    Vale salientar que apesar de fazer parte de um projeto antigo da colônia, no século

    XVII, muitas etnias indígenas ainda não faziam parte dos aldeamentos. A escassez de

    missionários nas aldeias do sertão da Paraíba foi constante na primeira metade do século

    XVIII. Em 1715, por exemplo, o capitão-mor da Paraíba, João da Maia Gama, escreve ao Rei

    de Portugal, informando que a nação dos Korema, Panati, Fagundes, Icós, Pega, Kanindé e

    Kaburé, se achavam sem missionário, embora a maior parte deles já tivessem tido.

    (MEDEIROS, 2008).

    Cavalcanti (2009) afirma que muitos foram os pedidos dos religiosos para

    administrarem aldeamentos que não tinham missionários, como no exemplo acima citado,

    no qual o capitão-mor da Paraíba solicita religiosos, especificamente aqueles observantes da

    Nossa Senhora do Carmo da Reforma. Em documento datado de 17 de abril de 1747, o prior

    do Carmo da Paraíba, João de Santa Rosa afirmava sobre as condições de vida dos índios do

    sertão e dos problemas para realizar a catequização, ressaltando que o principal embargo

    era o estado de “barbárie” em que estes índios se encontravam.

    Por estar a capitania da Paraíba sujeita à Junta das Missões do bispado de

    Pernambuco, há vários documentos sobre a atividade missionária na Paraíba nos arquivos de

    Pernambuco. Sendo assim, de acordo com Medeiros (2008), em 1746 foi publicada na

    Descrição de Pernambuco um quadro contendo a distribuição das aldeias no sertão da

    capitania da paraíba pelas ordens religiosas e os povos indígenas por elas missionados.

    9 CERTIDÃO do ouvidor-geral da Paraíba. 25 de janeiro de 1752. AHU-Pernambuco. AHU_ACL_CU_014, Cx.

    16, D. 1321.

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    ISSN:

    Relação das ações missionárias nas aldeias da Capitania da Paraíba, 1946

    Região Aldeia Missionário Povos

    Paraíba Jacoca Beneditino Caboclos de língua geral

    Paraíba Utinga Beneditino Caboclos de língua geral

    Mamanguape Baía da Traição Carmelita da

    reforma

    Caboclos de língua geral

    Mamanguape Preguiça Carmelita da

    reforma

    Caboclos de língua geral

    Mamanguape Boa Vista Religioso S. Teresa Canindé e Xucuru

    Taipu Cariris Capuchinho Tapuia

    Cariri Campina Grande Hábito S. Pedro Cavalcanti

    Cariri Brejo Capuchinho Fagundes

    Piancó Panati Religioso de S.

    Teresa

    Tapuia

    Piancó Corema Jesuíta Tapuia

    Piranhas Pega Sem Missionário Tapuia

    Rio do Peixe Icó Pequeno Sem Missionário Tapuia

    Tabela 2: Documento Informação Geral da Capitania de Pernambuco em 1749, publicada nos Anais da Biblioteca Nacional. Revista do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano, Recife, 11, p. 168/180, 1904 e Anais da Biblioteca Nacional, v. 28, p.117/496,1906. In.: MEDEIROS, Ricardo Pinto de. Contatos, conflitos e redução: trajetórias de povos indígenas e índios aldeados na Capitania da Paraíba durante o século XVIII. Anais do II Encontro Internacional de História Colonial. Mneme – Revista de Humanidades. UFRN. Caicó (RN), v. 9. n. 24, Set/out. 2008. Disponível em: < www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais>. Acesso 03 mai. 2016

    Além da dificuldade em relação a ausência de missionários nas aldeias Piranhas e Rio

    do Peixe, os problemas em relação a catequização dos povos indígenas ia além. A dinâmica

    da colônia não se restringia a relações de dominação. Pelo contrário, os indígenas reagiam

    incentivando rebeliões, por exemplo, e ainda incitavam os negros africanos a se unirem em

    prol da sobrevivência de seus povos.

    A resistência era entendida como desordens e violências, tendo como um dos

    motivos mais decorrentes a falta de demarcação das terras, a Coroa Portuguesa solicitava10

    10 CARTA do capitão-mor da Paraíba. Paraíba, 27 de abril de 1736. AHU_ACL_CU_014, Cx. 10, D. 800.

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    ISSN:

    a demarcação das terras dos índios e a colocação de marcos nos limites da capitania com a

    de Pernambuco e a do Rio Grande.

    As formas de resistência indígena podem ser diversas. Freire (2012) ao investigar as

    atuações missionárias dos carmelitas descalços em Boa Vista – capitania da Paraíba, no

    século XVIII, revela que, apesar da repressão missionária colonial desta ordem religiosa em

    relação as práticas culturais dos indígenas, estes mantiveram um ritual tradicional, honrando

    suas tradições e desalinhando o tecido do projeto colonial, causando-lhe manchas, fissuras,

    nódoas.

    O ritual da jurema sagrada, de acordo com a historiadora Freire (2013) era prática

    cultural dos indígenas Kanindé e Xukuru, que mesmo com a intervenção secular eclesiástica,

    não abandonaram suas tradições. Incomodados por não cessarem com essa atividade

    indígena, os carmelitas descalços representados pelo governador de Pernambuco, Henrique

    Luís Pereira Freire, enviam uma carta ao Conselho Ultramarino do rei D. João V, informando

    sobre o “uso que fazem os índios de uma bebida chamada Jurema”.

    De acordo com as pesquisas de Freire (2012), este caso fez criar uma Junta das

    Missões no ano de 1739, especificamente para discutir como após a transferência desses

    povos do sertão para o litoral, a catequização e o intenso compromisso dos religiosos na

    catequização, dos indígenas considerados feiticeiros continuavam com tais práticas

    heréticas. Por não se renderem aos interesses colono-missionário, o desfecho foi a prisão

    dos índios em Mamanguape por suas práticas religiosas julgadas transgressoras.

    Este caso juntamente incentiva o debate sobre a insuficiência da Junta das Missões

    de Pernambuco frente a demanda da capitania da Paraíba. Assim, no ano seguinte, o

    capitão-mor da Paraíba, Pedro Monteiro de Macedo, escreveu ao rei de Portugal, Dom João

    V, sobre a necessidade de estabelecer na capitania uma nova Junta das Missões, com um

    requisito: que fosse independente do governo de Pernambuco.

    O interesse na instalação de uma Junta decorria de vários interesses políticos e

    religiosos internos. Para tanto, nos propusermos a fazer uma análise minuciosa da

    documentação acima mencionada no capítulo seguinte, partindo do pressuposto de que

    ainda há muito o que se discutir quando se trata de história indígena na nossa região. E,

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    ISSN:

    também, de que além de um artifício da Igreja e da administração colonial, a Junta das

    Missões atuava enquanto um “Mecanismo de acesso à justiça colonial utilizado pelos índios

    na primeira metade do século XVIII, através da análise das apelações de sentenças de

    liberdade de índios proferidas nas Juntas das Missões. (Mello, 2005, p.1)

    Mello (2005) ao elucidar sobre atuação da Junta das Missões na capitania do Pará e

    Maranhão concluiu que ao desvendar o quotidiano desse tribunal, cuja diligência estava no

    ajustamento dos contraditórios interesses da sociedade local, onde se entrecruzavam

    colonos, índios, missionários e autoridades coloniais, estava longe de ser um espaço

    privativo do poder dos colonos missionários ou da defesa inflexível dos seus interesses,

    convergindo as demandas de todos os setores da sociedade colonial.

    Assim, buscou-se analisar a documentação entendendo o século XVIII como um

    período de instabilidade e complexidade cultural, social, política e econômica,

    diferentemente do que propôs a historiografia dita oficial, pretendeu-se verificar as

    vulnerabilidades do sistema colonial frente as diversidades das questões indígenas, como.

    No sentido que, apesar da documentação analisada compor o registro das atividades

    por parte das autoridades civis, militares e eclesiásticas, é possível verificar a submissão

    financeira da Igreja ultramarina à Coroa decorrente do direito de Padroado e suas

    consequências bastante perniciosas para a estruturação da Igreja na Colônia e para as

    relações entre o clero e sua população. Revelando que, a atuação das diversas ordens

    religiosas em relação aos povos indígenas relacionava-se com a criação e promulgação da

    legislação indigenista.

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Apesar do Capitão-mor Monteiro de Macedo solicitar em 1739, ao rei Dom João V, a

    criação de uma Junta das Missões na capitania da Paraíba independente de Pernambuco, e

    informar sobre as reais necessidades para a nova Junta, seu pedido lhe foi negado.

    Rejeitando o pedido, a Coroa Portuguesa continuou a subordinar a capitania da Paraíba à

    Pernambuco, nos assuntos relacionados as missões religiosas.

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    ISSN:

    As primeiras Juntas das Missões na América Portuguesa foram criadas em 1681, se

    constituindo enquanto um desmembramento tipológico da estrutura interna da

    administração colonial, a fim de tratar sobre os assuntos relacionados ao projeto missionário

    religioso dos povos indígenas nas colônias portuguesas, bem como os assuntos

    correspondentes a escravidão e liberdade destes povos.

    Assim, caracterizou-se enquanto um instrumento colonial o qual legislava sobre os

    povos originários, tendo como princípio expandir a fé católica a partir da catequização dos

    homens e mulheres indígenas. A preocupação em converter o nativo estava além de um

    interesse social, mas, sobretudo econômico, pois “docilizar” o “gentio” permitiria não

    somente a inserção deste como vassalo do rei e pagador de impostos, mas também a

    utilização de sua mão de obra nos negócios do pau-brasil e açúcar, por exemplo.

    Na capitania da Paraíba não foi formada uma Junta das Missões, pois era

    subordinada a Junta da capitania de Pernambuco. A subordinação causava, não somente

    conflitos de ordem religiosa e intelectual, mas principalmente política, pois fazia com que a

    Paraíba tivesse que recorrer sempre a jurisdição de Pernambuco para solucionar seus

    próprios problemas internos. Além do mais, havia disputas de poder entre os políticos da

    Paraíba e Pernambuco, o que levou ao capitão-mor Monteiro de Macedo solicitar a criação

    de uma Junta na Paraíba. Sem êxito, os assuntos missionários da Paraíba continuaram sendo

    avaliados e julgados pela Junta das Missões de Pernambuco.

    A documentação analisada revela que mesmo com os investimentos religiosos os

    missionários tiveram muitas dificuldades em catequizar os povos originários. Eram

    frequentes as emboscadas e levantes dos indígenas da região. Vale destacar que muitos

    homens e mulheres indígenas resistiram a participar dos projetos religiosos ressignificaram

    os ditames do Estado, e principalmente se configuraram como agentes de sua própria

    história.

    FONTES

    Arquivo Histórico Ultramarino – Paraíba

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    ISSN:

    Arquivo Histórico Ultramarino – Pernambuco

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    ISSN:

    _________. Fé e Império: a Junta das Missões nas conquistas portuguesas. EDUA: Amazonas, 2007.

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    ISSN:

    ALDEADOS DE PIRATININGA - MORADORES iNDÍGENAS E ADMINISTRADOS DE

    SÃO PAULO COLONIAL (1694 - 1775)

    RAMOS, Antonio Martins

    Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

    [email protected]

    Introdução:

    O objetivo deste trabalho é o estudo do lugar social dos moradores indígenas de São

    Paulo colonial, que através do espaço urbano dos aldeamentos e das condições jurídicas

    determinantes de seus regimes de trabalho, constituía-se na prática, em efetivo estado de

    escravidão. O período em foco é o século XVIII, quando da existência do regime legal

    denominado "Administração", que regularizou práticas de tutela e trabalho compulsório

    praticadas desde o século XVI, fazendo dos aldeamentos (dos jesuítas ou da Coroa) locais de

    referência para a habitação e requisições de mão-de-obra dos índios. Dessa forma, além da

    investigação histórica a respeito da sociedade paulista dentro da ordem colonial, destaca-se

    também a própria história urbana de São Paulo, onde a relação entre o núcleo da cidade, os

    aldeamentos periféricos e o contexto colonial geopolítico da Capitania relaciona-se ao

    funcionamento do sistema colonial da América portuguesa como um todo.

    Embora proibida pela Igreja e pelas leis das Coroas de Portugal e Espanha, a escravidão

    indígena foi uma realidade nas Américas, onde encontrou formas de se manifestar que não

    contrariassem diretamente a letra das leis, mas atendessem aos interesses, em geral

    conflitantes, da Coroa, dos colonos e dos padres missionários. Assim sendo, busca-se

    encontrar o ponto de vista dos índios, que desprezado pela historiografia tradicional, não os

    colocava como sujeitos agentes neste contexto. Nesta forma de abordagem metodológica,

    que busca uma aproximação com os estudos culturais e a antropologia, define-se o conceito

    de "resistência adaptativa", ao se considerar a integração social dos povos indígenas como

    resposta ativa à realidade colonial, e não enquanto mera submissão.

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    ISSN:

    Problematização e desenvolvimento:

    Na busca pelo lugar do indígena dentro de uma determinada sociedade, surgem questões

    de identidade étnica, social e cultural, sujeitas às variações de contexto histórico. Em

    primeiro lugar, não se deve, a rigor, generalizar a vasta amplitude étnica, nativa ou mestiça,

    no termo aglutinante "indígena", que singulariza a diversidade cultural podendo deixar de

    lado não só fatores históricos determinantes, como também descaracterizar identidades

    individuais e coletivas, considerando-se também que o termo "índio", no singular, surgiu e

    serviu aos propósitos coloniais, mesmo quando associado aos etnônimos que lhes foram

    atribuídos. Faz-se necessária uma identificação dos povos ocupantes do espaço, no caso, o

    núcleo de Piratininga, considerando as interações dinâmicas de fatores tais como,

    originalidade, mestiçagem, fixação e deslocamento, cujas indicações são dadas pelas formas

    dos termos que ficaram nos registros, como por exemplo, mamelucos, caboclos, tapuias,

    servos, paulistas, homens-bons, entre outros diversos.

    Um termo que se usa de forma um tanto desapercebida é o de "morador". Em geral,

    refere-se aos habitantes brancos das vilas. Levando-se em conta porém, que somente uma

    determinada parcela dos habitantes era formada por colonos europeus, e grande parte por

    mestiços, verifica-se que este conceito merece uma revisão. Uma possível solução pode

    estar na dimensão social atribuída aos espaços, que diferenciam os conceitos de vila, cidade,

    aldeia, aldeamento. Dessa forma, emerge a questão do aldeamento enquanto espaço de

    segregação, determinada pela permanência dos índios em confinamento ou liberdade,

    restritos ao lugar social a eles impostos pela legislação, ou como habitantes mais livres, de

    acordo com fatores como graus de parentesco ou ações e atividades de trabalho. Resta saber

    em que sentidos o termo "morador" possa ter sido usado nos contextos jurídicos e sociais da

    época.

    De qualquer forma, as leis referentes à questão da escravidão tinham efeitos

    discriminatórios que influenciavam o cotidiano, colocando o chamado "índio" numa posição

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    ISSN:

    subalterna que, quando muito, apenas variava de intensidade. Um traço característico do

    século XVIII em especial, foi a vigência do regime de "administração", que legalizou, na forma

    portuguesa, o uso e a posse da mão-de-obra indígena. É sabido que na prática, serviu a

    propósitos não muito diferentes da escravidão direta, mas essa contradição, resultante de

    um dado cultural que impedia a servidão indígena, levou a conflitos e situações diversas que

    envolviam não somente os portugueses (governantes, colonos, sertanistas, missionários)

    mas também os "administrados", que procurando encontrar seus espaços sociais dentro da

    ordem colonial, criaram formas diversas de resistência, incluindo-se o ajustamento às

    normas vigentes e suas possibilidades.

    Nasce daí uma forma de reação que não depende apenas do conflito, mas da negociação,

    da conciliação e da concórdia: a resistência adaptativa. Naturalmente que, numa ordem

    social marcada pela opressão, esta não oferece alternativas aos oprimidos. Porém num

    contexto que relativiza a escravidão, considera os índios aliados como súditos, e acima de

    tudo, depende deles para seu próprio funcionamento, surgem alternativas de espaços

    sociais, que mesmo numa margem estreita, oferecem opções de vida que podem ser

    negociadas. A presença do branco, por si só, pode também não representar uma ameaça

    direta de conflito tão diferente dos próprios contatos intertribais.

    Os estudos de história cultural mais recentes já abandonaram a ideia de culturas puras e

    extáticas, considerando o multiculturalismo em constante movimento, que no caso

    americano, segundo Stuart Hall, surgiu ainda antes da expansão europeia, através dos

    deslocamentos e migrações dos povos, quando o colonialismo veio intensificar este

    movimento. (Hall, Stuart. 2003, p. 51). Assim sendo, o espaço dos aldeamentos e das

    próprias vilas coloniais pode ser entendido como um amálgama cultural indígena-europeu,

    onde o processo denominado de "aculturação", pode ter tomado sentidos diversos, que não

    somente o da submissão.

    Isto não significa, porém, que a resistência adaptativa tenha sido uma forma de solução

    contra a dominação opressiva trazida pelos brancos. Outra questão são seus resultados. É

    preciso dimensionar as consequências, por exemplo, do advento do Estado entre os índios,

    elemento a eles completamente estranho. (Clastres, Pierre. 2003, 217.). Enquanto as

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    ISSN:

    sociedades primitivas tinham formas de produção econômica que, no entendimento da

    cultura ocidental, possam ser vistas como de subsistência, a vida nos aldeamentos, conforme

    indica Pasquale Petrone, foi marcada pela miséria. (Petrone, Pasquale. 1995, 324.). Resta

    saber até que ponto tais categorias são resultados dos filtros culturais da visão do homem

    branco, e o que representava para os índios adaptados, efetivamente, a vida nos

    aldeamentos e vilas.

    Ao se tratar das condições jurídicas e sociais dos moradores indígenas, sejam eles

    aldeados, administrados, servos ou escravos, estamos tratando não apenas do quadro social

    de Piratininga, mas também do próprio lugar ocupado por São Paulo na história colonial, no

    período em que a vila se constitui em cidade e a capitania define seus horizontes

    geográficos. Isto porque os indígenas, nas diferentes condições de origem e adaptação no

    entorno do espaço paulista, foram eles sujeitos predominantes, ativos e fundamentais em

    todos os movimentos da história colonial paulista, não obstante o declínio populacional que,

    de forma tão drástica, seguiu-se ao final da colonização.

    Ao movimento de mudanças legislativas e administrativas, que paralelamente concorreu

    ao processo de evolução histórica de São Paulo (centro missionário jesuíta, núcleo de

    apresamento indígena, centro de exploração mineradora), as consequências sociais sobre os

    grupos indígenas são indicativos de todo este processo que, a rigor, constituía-se num

    conflito entre liberdade e escravidão. Este conflito foi determinante não apenas na

    configuração da ordem social colonial, mas também na própria formação geográfica e

    urbanística paulistana, com seus bairros e municípios descendentes dos diversos

    aldeamentos. Neste aspecto, cada aldeamento teve suas atribuições pelas suas

    particularidades, mas também cumpriram um papel comum de espaço, urbano ou rural,

    relativo à disputa pelo controle dos índios.

    Quando ao final do século XVII esta disputa tornava-se acirrada, instituiu-se a legalização

    do regime de administração, regularizando uma situação comum de escravidão prática.

    Embora todos os testadores paulistas proclamassem a liberdade dos seus índios, eles eram

    herdados, dados em dote e doados. Continuavam a ser considerados como mercadorias, pois

    eram comprados e vendidos, apesar da proibição da Coroa. Uma das formas de burlar as leis,

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    seria por exemplo, a de declarar que não eram os índios a ser vendidos, mas os seus serviços

    (Nazzari, Muriel. 1999, 32.). "Em São Paulo, os indígenas eram inventariados como peças de

    'serviço forro', 'servos da administração' e 'administrados', expressões que camuflavam a

    obrigação ao trabalho forçado sob a máscara da prestação de um serviço pessoal ao colono,

    em que este último aparecia como responsável pela tutela do serviçal." (Davidoff, Carlos.

    1982, 37.). Através destas expressões contidas nos documentos, podemos traçar um quadro

    de representações do que foram formas de eufemismo da escravidão.

    Até 1758, quando a administração foi abolida, a legislação passou por mudanças em

    direção à liberdade indígena, mas apesar disso, pouco se mudou nas formas de relação de

    trabalho e convivência social, como se pode verificar pela documentação do período. Em

    1728 passou a ser ilegal herdar, deixar em testamento, ou dar índios em dote, o que

    afetando diretamente o direito de propriedade em caso de morte do primeiro administrador,

    constituiu uma quase "sentença de morte" à escravidão indígena. Apesar disso, mesmo

    depois da lei de 1758, que decretara a liberdade plena, muitos índios ainda permaneciam em

    situação de dependência de seus antigos senhores, e o próprio termo "administrado"

    continuava a ser encontrado em documentos e inventários paulistas, como por exemplo, no

    caso do Mosteiro de São Bento, que mostra que os monges ainda possuíam índios

    administrados ou mesmo escravizados. (Nazzari, Muriel. 1999, 36.).

    O espaço dos aldeamentos, enquanto não simplesmente local de habitação dos índios,

    mas como centro de referência de "busca e aluguel de serviços", continuou cumprindo essa

    função pelo século XVIII, apesar das mudanças de leis, do declínio populacional e da

    secularização. Originalmente, na concepção jesuíta, seriam espaços de proteção, onde o

    projeto colonial se manifestaria, em primeiro lugar, pela conversão, condição fundamental à

    formação dos súditos reais. "Nas aldeias, nomes pelas quais aquelas comunidades passaram

    a ser chamadas, os índios eram forçados a viver de acordo com a lei natural e as leis civis, e,

    em contrapartida, estavam protegidos da escravidão nas mãos dos colonos." (Eisenberg,

    José. 2000, 112.) Mas dada a violência dos apresamentos, e a forma de relação social

    interna de Piratininga, com a requisição da mão-de-obra indígena como verdadeiro

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    ISSN:

    combustível econômico de São Paulo, o cotidiano fez destes espaços lugares de significados

    ambíguos para os aldeados.

    Estabelecidos ao redor do núcleo da vila, assentados à relativa distância, e integrados

    entre si por caminhos, o estudo dos aldeamentos traz uma nova dinâmica à história urbana

    paulistana, ao se considerar a rede de integração entre as aldeias entre si, a vila de

    Piratininga, e os distantes destinos dos sertões, sejam os do apresamento (missões do

    Paraguai, do Guairá e do Prata) ou das minerações (Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais). Em

    todos os casos, as diversas etnias aldeadas cumpriam funções sem as quais não seria possível

    o funcionamento do próprio sistema colonial. Na relação em que ao mesmo tempo se

    dependia dos índios, e estes eram subjugados, o aldeamento foi a forma e o modelo colonial

    português adotado para este fim. Dessa forma o aldeamento não se compõe como alheio à

    vila, mas pelo contrário, integrado a ela, assim como o administrado em relação ao

    administrador. Evidentemente, a relação é desigual, mas o lugar de seu espaço no contexto

    urbano é também o espaço social do morador indígena que habitava em ambos, entre a vila

    e a aldeia.

    Assim podemos afirmar sobre o morador indígena, considerando o equívoco de se

    generalizar o indígena aldeado, dada a variedade de funções sociais e atividades que

    cumpriam. Certamente os que eram recrutados para as expedições ao sertão ausentavam-se

    da cidade tanto quanto os sertanistas, mas a diversidade de ofícios e trabalhos domésticos a

    que eram requisitados são indicadas nos documentos de forma numerosa. Além disso, é

    certo que muitos dos administrados residiam nas casas dos moradores. O que nestas fontes

    se revela também, de maneira evidente, é a utilização do termo "morador" para se referir de

    forma exclusiva à população branca.

    O morador indígena de Piratininga foi, portanto, aquele que em detrimento de sua

    condição desfavorecida, encontrou seu espaço social dentro do espaço urbano, no que se

    pode considerar como forma de resistência adaptativa. Uma forma de atuação comum,

    como indicada nas fontes, era o recurso à defesa jurídica, colocando-o como sujeito atuante

    mais próximo ao seus direitos enquanto súdito. "De fato, no alvorecer do século XVIII, a

    despeito da regularização da relação senhor-administrado através de uma carta-régia de

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    ISSN:

    1696, os índios começavam a conscientizar-se das vantagens do acesso à justiça colonial,

    sobretudo com respeito à questão da liberdade." (Monteiro, John. 2009, 215.). O conceito de

    resistência adaptativa deve incluir formas diversas, ligadas ao relacionamento social a partir

    de vínculos legais, de trabalho, e até mesmo afetivos, como se pode deduzir a partir das

    relações de trabalhos domésticos: "Outro setor que se percebe uma presença significativa do

    trabalho indígena é o dos serviços caseiros, de grande variedade. Ama-de-leite; ajudar a criar

    crianças; e também o serviço prestado por crianças." (Petrone, Pasquale. 1995, 218.). Assim

    Pasquale Petrone cataloga exemplos de atividades exercidas pelos aldeados, entre os demais

    moradores: "Diversidade de ofícios: louceiros, barbeiros, costureiros, sapateiros, tecelãs,

    seleiros, oleiros, carpinteiros, músicos, pedreiros, pintores, lavradores, boiadeiros, alfaiates,

    sacristãos, artesãos diversos, caçadores, pescadores, guias, carregadores, guarda-costas,

    estafetas, damas-de-companhia, etc."(idem, 220.).

    A busca pelo lugar social do morador indígena, portanto, relaciona-se com seu próprio

    movimento de procurar a integração. Esta integração como forma de resistência, procurava

    afirmar sua identidade cultural de indígena ao mesmo tempo que a de súdito real e cristão, e

    em sua luta de resistência, encontrava no aldeamento a ambiguidade de um espaço de

    exclusão e integração, como uma espécie de periferia de um sistema social que reiterava a

    ambiguidade nas leis que criavam a figura do súdito-administrado, entre a liberdade e a

    escravidão.

    - Justificativa e conclusões:

    Na história da América colonial, a escravidão imposta aos povos indígenas ocorreu dentro

    de particulares formas de alteridade assumidas pelos europeus, que muito a diferenciavam

    da escravidão africana. Enquanto aos negros era infligida de forma aberta e direta, sem

    muitos escrúpulos quanto à legitimidade moral, aos nativos americanos foi necessário que se

    idealizassem formas que justificassem não somente o cativeiro, mas a própria dominação

    colonial sobre o espaço territorial do qual eram originários, a fim de possibilitar uma

    determinada ordem social favorável aos objetivos do sistema colonial.

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    ISSN:

    Considerados pela Igreja católica como fortemente aptos para a conversão, e pelas coroas

    de Portugal e Espanha como legítimos súditos reais, os vários e tão diversos povos indígenas,

    de forma generalizante, foram logo submetidos a legislações específicas que buscavam

    definir modelos de enquadramento social que, salvo as diferenças de interesse dos principais

    agentes (missionários, colonos, exploradores, governantes), justificavam suas ações como

    necessárias a uma forma de dominação que se via como civilizatória-salvacionista, detentora

    de uma cultura que se auto-considerava superior. (Agnolin, Adone. 2007, 244.). Tais

    legislações, que tomaram diferentes formas nas colônias portuguesas e espanholas,

    submetiam-se à decisão tomada pela Igreja de se proibir a escravidão indígena. Assim sendo,

    valiam-se de termos e conceitos correlatos, tais como, servidão, trabalho compulsório,

    encomienda, administração, e até mesmo a justificativa de escravidão em casos específicos,

    como principalmente, pelo conceito da "guerra justa".

    Desde os primórdios de sua fundação pelos jesuítas, a vila de São Paulo de Piratininga

    esteve diretamente envolvida nas ações metropolitanas relativas aos índios, tanto em

    relação à catequese jesuíta, quanto pelo apresamento e cativeiro das etnias e grupos

    considerados idôneos para tanto. Tão logo desde cedo, no século XVI, tais interesses

    entravam em conflito, opondo principalmente colonos e missionários, mas envolvendo

    também moradores, governantes locais, a coroa portuguesa, e também os vizinhos

    espanhóis, além é claro, dos próprios índios, cujo ponto de vista tem sido pouco considerado

    até pela historiografia mais recente. Documentos da Câmara de vereadores já indicavam

    episódios relativos a estes conflitos, que pela sua abrangência e significados, acabaram por

    influenciar até mesmo nas mudanças legislativas coloniais, contribuindo para aquilo que se

    tornou tão característico das leis portuguesas sobre a questão indígena: sua constante

    oscilação entre escravidão e liberdade.

    Coube aos jesuítas, dada a predominância do poder da Igreja em relação às coroas, o

    protagonismo da criação do que seria o principal sistema de ordenamento social dos

    diferentes grupos indígenas, que viria a organizar a forma de exploração da mão-de-obra

    indígena: o modelo do aldeamento. Apesar disso, dados os interesses conflitantes dos

    demais colonos, o aldeamento não constituiu-se, em São Paulo, como espaço eclesial

  • II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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    ISSN:

    fechado, mas inserido numa ordem pública que reservava diferentes funções para os índios:

    serviços temporários e trabalhos compulsórios, que sob diversas formas, chegavam até

    mesmo a formas veladas de escravidão. Além disso, havia também os grupos indígenas

    considerados hostis, que apresados através de expedições qualificadas como "guerras

    justas", eram diretamente submetidos à escravidão. Até 1609, os índios de São Paulo podiam

    ser escravizados legalmente, e "até 1693, quando uma bandeira de São Paulo descobriu ouro

    em Minas Gerais, os índios eram a principal presa que traziam para casa". (Nazzari, Muriel.

    1999, 28.).

    Desde o início do século XVII, já haviam surgido várias expedições cujo objetivo principal

    era a busca de ouro, que se acreditava existir em abundância em São Paulo. (Silva, Maria

    Beatriz Nizza da. 2009, 42.). No entanto o objetivo prático, até para o funcionamento das

    próprias expedições, era mesmo o apresamento indígena. Inicialmente, a mão-de-obra

    indígena era usada na mineração. Apesar disso, sua obtenção era um problema, pela

    dificuldade em se lidar com os índios (documento de 1612, idem, 43.). Vigorava neste

    período a legislação de Felipe II (decretada em 30/07/1609 e reiterada em 10/09/1611), que