anais do i congress od etc

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1 A TERAPIA COMUNITÁRIA A TERAPIA COMUNITÁRIA A TERAPIA COMUNITÁRIA A TERAPIA COMUNITÁRIA NO BRASIL O BRASIL O BRASIL O BRASIL Trabalhos apresentados no I Congresso Brasileiro de Terapia Comunitária MORRO BRANCO – CEARÁ MAIO /2003 ÍNDICE APRESENTAÇÃO ................................................................................................................. 4 Adalberto Barreto ................................................................................................................................. 4 REFLEXÕES E CONCEITUAÇÕES SOBRE A TERAPIA COMUNITÁRIA REFLEXÕES E CONCEITUAÇÕES SOBRE A TERAPIA COMUNITÁRIA REFLEXÕES E CONCEITUAÇÕES SOBRE A TERAPIA COMUNITÁRIA REFLEXÕES E CONCEITUAÇÕES SOBRE A TERAPIA COMUNITÁRIA............................ 7 TERAPIA COMUNITÁRIA E O CONCEITO DE COMUNIDADE. UMA CONTRIBUIÇÃO DA SOCIOLOGIA ................................................................................. 8 Lia Fukui ................................................................................................................................................. 8 Liliana B. Marchetti ............................................................................................................................. 8 Maria da Salete Leite Vianna ............................................................................................................ 8 TERAPIA COMUNITÁRIA EM VÁRIOS CONTEXTOS: A PESQUISA E A ESCRITA .............................................................................................................................. 14 Maria Eneida Fabian Holzmann .................................................................................................... 14 TERAPIA COMUNITÁRIA COMO INSTRUMENTO DE APROXIMAÇÃO ENTRE A UNIVERSIDADE E INSTITUIÇÕES/ORGANIZAÇÕES DA COMUNIDADE.... 30 Margarida Rêgo ................................................................................................................................... 30 TERAPIA COMUNITÁRIA E ESPIRITUALIDADE ..................................................... 34 Antônio Leiva ....................................................................................................................................... 34 IMPLANTAÇÃO DA TERAPIA COMUNITARIA NO BRASIL IMPLANTAÇÃO DA TERAPIA COMUNITARIA NO BRASIL IMPLANTAÇÃO DA TERAPIA COMUNITARIA NO BRASIL IMPLANTAÇÃO DA TERAPIA COMUNITARIA NO BRASIL............................................... 40 SEMELHANÇAS QUE FAZEM DIFERENÇA NA TERAPIA COMUNITÁRIA ...... 41 Liliana Beccaro Marchetti ................................................................................................................ 41 Lia F. G. Fukui .................................................................................................................................... 41 Maria da Salete Leite Vianna .......................................................................................................... 41 TERAPIA COMUNITÁRIA: UMA EXPERIÊNCIA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ............................................................................................................................... 48 Maria da Graça Pedrazzi Martini ................................................................................................... 48 Cleusa C. Casarin Andrello2 ........................................................................................................... 48 TERAPIA COMUNITÁRIA: RELATO DA EXPERIÊNCIA DE IMPLANTAÇÃO EM BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL......................................................................... 60 Henriqueta Camarotti ....................................................................................................................... 60 Fernando Rafael Silva ....................................................................................................................... 60 Débora Medeiros ................................................................................................................................. 60

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Page 1: Anais Do i Congress Od Etc

1

A TERAPIA COMUNITÁRIA A TERAPIA COMUNITÁRIA A TERAPIA COMUNITÁRIA A TERAPIA COMUNITÁRIA NNNNO BRASILO BRASILO BRASILO BRASIL

Trabalhos apresentados no I Congresso Brasileiro de Terapia Comunitária

MORRO BRANCO – CEARÁ MAIO /2003

ÍNDICE

APRESENTAÇÃO ................................................................................................................. 4 Adalberto Barreto ................................................................................................................................. 4

REFLEXÕES E CONCEITUAÇÕES SOBRE A TERAPIA COMUNITÁRIAREFLEXÕES E CONCEITUAÇÕES SOBRE A TERAPIA COMUNITÁRIAREFLEXÕES E CONCEITUAÇÕES SOBRE A TERAPIA COMUNITÁRIAREFLEXÕES E CONCEITUAÇÕES SOBRE A TERAPIA COMUNITÁRIA ............................ 7

TERAPIA COMUNITÁRIA E O CONCEITO DE COMUNIDADE. UMA CONTRIBUIÇÃO DA SOCIOLOGIA ................................................................................. 8 Lia Fukui ................................................................................................................................................. 8 Liliana B. Marchetti ............................................................................................................................. 8 Maria da Salete Leite Vianna ............................................................................................................ 8

TERAPIA COMUNITÁRIA EM VÁRIOS CONTEXTOS: A PESQUISA E A ESCRITA .............................................................................................................................. 14 Maria Eneida Fabian Holzmann .................................................................................................... 14

TERAPIA COMUNITÁRIA COMO INSTRUMENTO DE APROXIMAÇÃO ENTRE A UNIVERSIDADE E INSTITUIÇÕES/ORGANIZAÇÕES DA COMUNIDADE.... 30 Margarida Rêgo ................................................................................................................................... 30

TERAPIA COMUNITÁRIA E ESPIRITUALIDADE ..................................................... 34 Antônio Leiva ....................................................................................................................................... 34

IMPLANTAÇÃO DA TERAPIA COMUNITARIA NO BRASILIMPLANTAÇÃO DA TERAPIA COMUNITARIA NO BRASILIMPLANTAÇÃO DA TERAPIA COMUNITARIA NO BRASILIMPLANTAÇÃO DA TERAPIA COMUNITARIA NO BRASIL ............................................... 40

SEMELHANÇAS QUE FAZEM DIFERENÇA NA TERAPIA COMUNITÁRIA ...... 41 Liliana Beccaro Marchetti ................................................................................................................ 41 Lia F. G. Fukui .................................................................................................................................... 41 Maria da Salete Leite Vianna .......................................................................................................... 41

TERAPIA COMUNITÁRIA: UMA EXPERIÊNCIA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ............................................................................................................................... 48 Maria da Graça Pedrazzi Martini ................................................................................................... 48 Cleusa C. Casarin Andrello2 ........................................................................................................... 48

TERAPIA COMUNITÁRIA: RELATO DA EXPERIÊNCIA DE IMPLANTAÇÃO EM BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL ......................................................................... 60 Henriqueta Camarotti ....................................................................................................................... 60 Fernando Rafael Silva ....................................................................................................................... 60 Débora Medeiros ................................................................................................................................. 60

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Aida Rodrigues .................................................................................................................................... 60 Ricardo Lins ......................................................................................................................................... 60 Patrícia Barros ..................................................................................................................................... 60 Julia Camarotti Rodrigues ............................................................................................................... 60

TERAPIA COMUNITÁRIA E ALCOOLISMO ............................................................... 77 Juliana Castro Jesuíno da Silva ..................................................................................................... 77 Vera Lúcia Pereira Muniz .................................................................................................................. 77

A TRAJETÓRIA DE IMPLEMENTAÇÃO DA TERAPIA COMUNITÁRIA NA CASA DO ESTUDANTE DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA ................................. 89 Maria do Socorro Gomes .................................................................................................................. 89 Ariadna Nunes ..................................................................................................................................... 89 René Boechat ....................................................................................................................................... 89

MOBILIZAÇÃO E DESDOBRAMENTO DE UM GRUPO PARA UMA PRÁTICA DE TERAPIA COMUNITÁRIA ......................................................................................... 95 Maria da Salete Leite Vianna .......................................................................................................... 95 Lia Fukui ............................................................................................................................................... 95 Liliana Beccaro Marchetti ................................................................................................................ 95

TERAPIA COMUNITÁRIA DE PORTA EM PORTA .................................................. 103 Carla Cramer...................................................................................................................................... 103 Maria Eliza Buzetti Spinelli ........................................................................................................... 103

TERAPIA COMUNITÁRIA – ESTADO DE PAZ, GOVERNO DE SI MESMO ..... 108 Lisiane Falleiro Vargas .................................................................................................................... 108 Maria Lucia de Andrade Reis ........................................................................................................ 108

BUSCANDO SOLUÇÕES EM CONJUNTO : UMA EXPERIÊNCIA EM TERAPIA COMUNITÁRIA .................................................................................................................. 117 Vera M. Carvalho Faria ................................................................................................................... 117 Carla Cramer ...................................................................................................................................... 117 Daniela Bertoncello de Oliveira ..................................................................................................... 117 Maria Eliza Spinelli ........................................................................................................................... 117

TERAPIA COMUNITÁRIA PARA SOROPOSITIVOS ................................................ 121 Antônio Bezerra ................................................................................................................................. 121 David Lopes ........................................................................................................................................ 121 Maria Gorette Moura ....................................................................................................................... 121 Martha Malta ..................................................................................................................................... 121

EXPERIÊNCIAS E DEPOIMENTOS DOS TERAPEUTAS COMUNITÁRIOSEXPERIÊNCIAS E DEPOIMENTOS DOS TERAPEUTAS COMUNITÁRIOSEXPERIÊNCIAS E DEPOIMENTOS DOS TERAPEUTAS COMUNITÁRIOSEXPERIÊNCIAS E DEPOIMENTOS DOS TERAPEUTAS COMUNITÁRIOS ...................... 128

ABRINDO A CAIXINHA PARA O NOVO SABER: APRENDIZAGENS COM A TERAPIA COMUNITÁRIA ............................................................................................... 129 Vera Maria Carvalho Faria ............................................................................................................ 129

ARTICULANDO TEORIA E TECENDO ABORDAGENS .......................................... 138 Marli Olina eSouza ........................................................................................................................... 138

RESUMOSRESUMOSRESUMOSRESUMOS ........................................................................................................................... 142

TERAPIA COMUNITARIA NA ATENÇAO BASICA ................................................... 142 Naly Soares de Almeida .................................................................................................................. 142

A RELAÇÃO ENTRE STRESS, AUTO-ESTIMA, TRABALHO CORPORAL E A POSTURA DO GESTOR EDUCACIONAL: UMA PROPOSTA DE IMPLANTAÇÃO

Page 3: Anais Do i Congress Od Etc

3

DE UM PROGRAMA PREVENTIVO NA ÁREA DE SAÚDE FÍSICA E MENTA COMUNITÁRIA NA FFM-FAEPA(MESTRADO EM GESTÃO EDUCACIONAL . 143 Rejane Maria de Araújo .................................................................................................................. 143

A TRAJETORIA VOCACIONAL DO TERAPEUTA COMUNITÁRIO..................... 144 Miriam Barreto ................................................................................................................................... 144

A DEMANDA DE SAÚDE MENTAL PRESENTE NOS ATENDIMENTOS DO PSF: UM ESPAÇO PARA A TERAPIA COMUNITÁRIA? ................................................... 144 Sandras Fortes ................................................................................................................................... 144

É CÔMODO ACREDITAR NO QUE NOS CONSOLA.... ........................................... 145 Geraldo Sales ..................................................................................................................................... 145

TERAPIA COMUNITÁRIA NA FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE: UMA EXPERIÊNCIA NO BRASIL CENTRAL ............................................................. 146 Mauro Elias Mendonça ................................................................................................................... 146

Page 4: Anais Do i Congress Od Etc

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APRESENTAÇÃO

Adalberto Barreto

Durante muito tempo a compreensão do estresse foi menosprezada na sua

importância capital como gênese do sofrimento humano. Em algumas situações,

buscava-se os recursos centrados na medicina curativa não incluindo a

compreensão multifacetada das questões envolvidas nesse sofrimento. Hoje com a

ênfase nas articulações disciplinares e na inclusão do saber popular, o

tratamento do estresse e suas conseqüências não se restringe apenas a

abordagem medicamentosa, estende-se sua abordagem a várias técnicas, novos

atores, inúmeras compreensões que, de forma interdisciplinar, combatem os

desgastes da vida urbana, as questões de sofrimento psíquico e ampliam o

arsenal terapêutico existente.

Com as transformações sociais decorrentes da globalização tecnológica, o

estresse tornou-se moeda corrente e deixou de ser privilégio de uma classe social

para tornar-se um problema de sociedade. Hoje, populações inteiras são

submetidas a situações geradoras de muito sofrimento, como o desemprego, a

desagregação da família, a violência, a exclusão, o abandono.

Tornando-se um problema da sociedade, compete a ela agir e inter-agir em

todos os níveis: primário, secundário e terciário. No Brasil , o nível primário

sempre foi relegado a um segundo plano. A saúde mental ficou sempre nas mãos

de estruturas manicomiais fechadas e centradas na doença, onde os profissionais

especializados mantinham o modelo hospitalocêntrico e desumano.

As instâncias sociais que se ocupavam deste problema, geralmente

terapeutas de inspiração religiosa, o faziam de forma marginal e sem muito

conhecimento da real problemática psicossocial que pudesse gerar consciência

das implicações humanas e contextuais na gênese do sofrimento humano e dos

dramas sociais.

Page 5: Anais Do i Congress Od Etc

5

Em face desta realidade, o Departamento de Saúde Comunitária e a Pró-

Reitoria de Extensão da Universidade Federal do Ceará - UFCE, desenvolveu o

Modelo de Atenção Primária em Saúde Mental e criou, na Favela Pirambu-

Fortaleza, o Projeto Quatro Varas. Nesse Projeto foram envolvidas as lideranças

comunitárias numa proposta de participação sem distinção de credo e com

recursos da cultura local. Surgiram assim as atividades da massagem

terapêutica, argila, ervas medicinais, arteterapia e a Terapia Comunitária, num

movimento de promoção da saúde global da comunidade.

Fazendo parte do Projetos os participantes recebem 2 tipos de formações:

1º Curso de Terapia Comunitária Sistêmica Integrativa

Nesse Curso, profissionais das várias áreas, agentes comunitários, lideranças e

pessoas leigas da comunidade, dinamizando sua própria experiência de vida,

capacidade de aprender com o sofrimento – Capacidade Resiliente - e a

disponibilidade para a construção de vínculos solidários, são capacitados para

intervirem na mediação das crises familiares e comunitárias, constituindo grupos

de auto-ajuda e promovendo a inserção social de indivíduos e famílias.

2º Curso de Abordagem Corporal Terapêutica:

Curso destinado às lideranças comunitárias já engajadas no acolhimento e apoio

às pessoas com sofrimento psíquico. Nessa formação, os participantes aprendem

a perceber o homem na sua dimensão bio-psico-social, ampliando o seu campo

de intervenção, geralmente restrito a uma dimensão espiritual, para uma ação

que considere a multiplicidade da expressão do sofrimento. São capacitados

também para o aprendizado de técnicas de massagens terapêuticas, intervindo

assim em situações de estresse individual e suas conseqüências.

Surge assim o Terapeuta comunitário, novo ator social, que assume as

ações de atenção primária de saúde em suas comunidades, para prevenir os

efeitos do estresse e as articular com os outros níveis (secundário e terciário) que

é da competência do profissional especializado.

Page 6: Anais Do i Congress Od Etc

6

Em 1997, este programa, que a princípio era circunscrito ao Ceará, se

entendeu a todo o país, inicialmente através da Pastoral Nacional da Criança

(CNBB), graças a convênio firmado com a UFC e atualmente em parceria com

Universidades, Prefeituras e Organizações não governamentais, criando-se assim

uma rede de 6000 terapeutas comunitários atuantes em 19 estados da

federação.

O I Congresso Brasileiro de Terapia Comunitária realizado, em 2003,

em Morro Branco–Ceará, reunindo multiplicadores dessa Rede Solidária de vários

cantos do Brasil, permitiu a troca de experiências sobre este trabalho, o

delineamento de linhas de pesquisas futuras e o planejamento de ações

mobilizadoras das competencias individuais, familiares e comunitárias. Tivemos a

alegria de colher frutos das sementes plantadas há 17 anos na Comunidade de

Quatro Varas - Favela do Pirambú em Fortaleza – Ce.

Este livro, traz um pouco da amostragem do que está sendo feito nos

diversos contextos do Pais e dos centros multiplicadores.1 Temos consciência de

estarmos fazendo um trabalho de aranha, que tece fios invisíveis mas eficientes

na reconstrução do tecido nacional, tão fragmentado pela exclusão de populações

inteiras que ainda não ascenderam a sua cidadania.

Espero que a leitura destas experiências seja para você, caro leitor, um

convite a fazer parte da construção desta teia solidária que a Terapia Comunitária

possibilita.

Adalberto Barreto

1 No Brasil temos hoje onze Centros Formadores de Terapeutas Comunitários ( vida lista em anexo)

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7

REFLEXÕES E CONCEITUAÇÕES SOBRE AAAA TERAPIA COMUNITÁRIA

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8

TERAPIA COMUNITÁRIA E O CONCEITO DE COMUNIDADE. UMA CONTRIBUIÇÃO DA SOCIOLOGIA2

Lia Fukui3 Liliana B. Marchetti4

Maria da Salete Leite Vianna5

PALAVRAS-CHAVE: Comunidade; Conceito de Comunidade; Terapia

Comunitária; Conhecimento

RESUMO

Neste relato as autoras discutem a contribuição da sociologia à produção

de conhecimento para a terapia comunitária. A sociologia entende por

comunidade um grupo heterogêneo, informal, com predominância de

contatos face a face e com interesses comuns. A bibliografia brasileira

distingue duas vertentes: uma em que a comunidade é entendida com base

na prática política – desenvolvimento de comunidade, comunidades eclesiais

de base, comunidade solidária – e outra que entende comunidade como base

de produção do conhecimento – a visão crítica e construtiva da prática. A

terapia comunitária liga-se à segunda vertente na medida em que associa o

conhecimento acadêmico ao saber, aos valores e as práticas populares,

numa tentativa de qualificar visões do mundo diversas e complementares.

Objetivo

O objetivo desta comunicação é fazer uma apresentação e algumas

considerações sobre os descaminhos e as pistas que percorri a partir da prática

da Terapia Comunitária. Minha formação de socióloga e terapeuta comunitária

fez-me colocar algumas questões conceituais que tentei esclarecer percorrendo a

bibliografia sociológica.

2 Tcendo.sp - Nemge –USP e-mail: [email protected]

3 4 5

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I - Os descaminhos

De um ponto de vista empírico entendo por comunidade um conjunto

diferenciado de pessoas, com uma organização informal, com a predominância de

contatos face-a-face e com uma base de interesses comuns.É importante distinguir

comunidade de associação que é uma organização mais formal, com estatuto,

quadro administrativo, dirigente, reconhecimento legal.

Estes conceitos, embora operacionais e provisórios, me permitem distinguir os

agrupamentos, como por exemplo, um grupo de vizinhança que pode ser

entendido como uma comunidade. A reunião de um grupo diferenciado de

pessoas para falar de seus problemas e de suas angústias, num local específico

caracteriza-se como uma comunidade que existe enquanto dura o encontro e

transforma-se em rede de relações no momento em que o encontro acaba.

A Terapia Comunitária no interior de uma escola, um hospital ou outra

instituição também caracteriza-se como a comunidade no momento do encontro

e desfaz-se para transformar-se possivelmente em rede de relações a partir do

momento em que o encontro termina..

.Uma primeira dificuldade aparece na medida em que esses conceitos empíricos

não estão ancorados em nenhuma teoria e, portanto, são restritos.

Como é entendida comunidade segundo o senso comum?

No Dicionário Houaiss o verbete comunidade tem 15 significados diferentes

Logo, na linguagem empregada pelo senso comum o termo é vago, impreciso e

abarca um grande numero de significados.

O significado do vocábulo comunidade se complica quando tornamos o

substantivo simples em substantivo composto: comunidade monástica,

comunidade terapêutica porque aí estamos nos referindo a grupos que tem uma

organização formal, uma hierarquia e que portanto fogem ao significado inicial

do termo por nós empregado. Complica-se mais quando tomamos valores,

crenças e mitos que permitem que pessoas se identifiquem mas sem uma base

territorial ou outra referência precisa: comunidade de orquidófilos, ( uma

associação) comunidade de liberais, comunidade litorânea, comunidades de

língua portuguesa, comunidade judaica, comunidade cristã.

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No senso comum o significado é amplo, vago, confuso na medida em que

mistura, muitas vezes o que conceituamos como associação ou instituição.

Como os sociólogos têm abordado o conceito de comunidade?

Um exame sumário da bibliografia sociológica sobre o tema mostra que o

termo tem sido objeto de preocupação das mais diferentes teorias e isto desde os

clássicos da Sociologia conceituando comunidade em oposição à sociedade

TONNIES,1887 ou tomando-os como termos complementares CUVILLIER,1950 ;

WEBER, 1944. Todos esses autores estavam preocupados em caracterizar os

pequenos agrupamentos humanos em contraposição aos grandes agrupamentos

regidos por relações formais e institucionalizadas.

Na bibliografia brasileira o termo comunidade sempre esteve atrelado ao

termo sociedade como partes complementares e interdependentes.As

perspectivas teóricas de abordagem variaram bastante mas sempre tiveram como

denominador comum a ligação conceitual como uma forma de entender a parte -

a comunidade , no todo - a sociedade. FERNANDES 1975. Os chamados estudos

de comunidade que caracterizaram pesquisas sociológicas na década de 60

procuraram entender como a vida de pequenas localidades podia , ao mesmo

tempo, ser parte de um todo e ser explicadas por este todo. Neste sentido, as

intrincadas relações raciais numa cidade do interior paulista foram estudadas

por NOGUEIRA,1962.O aparecimento da especulação imobiliária numa cidade

litorânea associada ao desenvolvimento da classe media e ao início do turismo

foram pesquisadas por SIMÃO, 1958. Esta linha de pesquisa esgota-se e

diversificou-se em outras temáticas que abordam mais diretamente os conflitos e

as tensões entre grupos específicos.

O tema comunidade desaparece da pesquisa empírica e vai, a partir da

década de 70, aparecer associado à prática política.

Na década de 70 as preocupações com as questões agrárias e a modernização da

agricultura levaram à formulação de programas de desenvolvimento de

comunidade. Partia-se do pressuposto que as populações rurais ancoradas em

relações baseadas na tradição tinham resistência à mudança e que cabia aos

profissionais provocar a difusão de inovações, a modernização econômica das

populações rurais fazendo-as focalizar a produtividade e a racionalidade. A

avaliação, através de trabalhos empíricos, dos descaminhos do chamado

Page 11: Anais Do i Congress Od Etc

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desenvolvimento de comunidade permitiu uma recolocação dos problemas de

pesquisa demonstrando até que ponto as populações rurais haviam sofrido, com

o processo de modernização, ao mesmo tempo, um processo de “desenraizamento

e da migração para as cidades ou para as vilas pobres próximas das grandes

fazendas de onde saíram deslocados para cenários de poucas oportunidades e de

nenhuma qualidade de vida” MARTINS, 2002:219

Na década de 80 a partir das colocações da Teologia da Libertação

formulam-se as comunidades eclesiais de base que buscam mobilizar as

populações rurais contra a opressão sócio-econômica com um ideal democrático

de participação social BETTO, 1981. O progressivo abandono pela igreja, da

prática das comunidades eclesiais de base substituídas pelas organizações de

renovação carismática mostram os reveses que implicam a pratica política,

mesmo dentro de uma instituição como a Igreja Católica. Reveses, limitações e

empecilhos foram amplamente analisados por BARAGLIA,1991; PRANDI,1997;

PIERRUCCI,1997.

Na década de 90 surge a comunidade solidária como base para a implantação

de uma política social pelo Estado que procura quebrar as relações de

clientelismo e implantar programas e projetos com o propósito de desenvolver o

capital social das populações desprivilegiadas CARDOSO,FRANCO, OLIVEIRA

2000. Até o presente, é pequena a produção de conhecimento sobre o tema.

Estudos pontuais, no entanto, fazem uma avaliação crítica das práticas atreladas

a esta formulação de política social, que por sua vez, também está sujeita aos

reveses e limites institucionais governamentais e político-partidários. FONSECA

,2001

Em suma, ao que tudo indica, chegamos a um descaminho na conceituação

sociológica pois comunidade aparece atrelado à pratica política ou então a

formas vagas e imprecisas que tem múltiplos significados e que são de pouca

valia para um entendimento mais preciso e emprego mais rigoroso do termo.

II - As pistas

A Terapia Comunitária é uma prática terapêutica solidamente ancorada na

Teoria Sistêmica, na Teoria da Comunicação e na Antropologia Cultural

destinada a prevenção na área da saúde e a atender grupos heterogêneos, de

organização informal, num contato face-a-face e que demonstram um interesse

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comum que é o alívio de seus sofrimentos e a busca de bem estar. Nesse sentido

e, na medida em que associa o conhecimento acadêmico ao saber, aos valores e

às práticas populares, numa tentativa de qualificar visões do mundo diversas e

complementares, identifica-se à produção de conhecimento.

BARRETO,BOYER,2003; CONTINI,1995. Conhecimento idealmente livre de

pressupostos, dogmas e preconceitos de origem outra que não sejam os da

própria produção de conhecimento e que tem como característica essencial a

possibilidade de ser sempre, quando necessário, questionado, reformulado,

reavaliado. Parte-se do princípio que a produção de conhecimento, oriunda do

saber acadêmico é a “construção de um ponto de vista sobre um ponto de vista”.

Neste sentido, nas Ciências Humanas, busca-se sempre um conhecimento

abrangente, complexo, que compreende o saber do outro, compreende os seus

limites e que busca incessantemente uma melhor compreensão do ser humano

em toda sua complexidade e ciente de que qualquer conhecimento parte sempre

de formulações provisórias, temporais, sujeitas ao ideário e ao imaginário de um

momento , de uma época, de uma circunstância de uma idéia de ciência.

Conhecimento que - uma vez adquirido - estará pronto a ser questionado,

reformulado, reavaliado na busca perene de maior abrangência..

Conclusão

Daí a pergunta: Qual o conceito de comunidade da Terapia Comunitária?

É uma indagação que a comunidade de terapeutas comunitários poderá

responder.

Bibliografia BARAGLIA, Mariano – Poder na igreja e as comunidades eclesiais de base. Tese de Doutoramento FFLCH-USP, 1991 BARRETO, Adalberto;Boyer, Jean-Pierre – O índio que vive em mim.São Paulo. Terceira Margem,2003 BETTO, Frei - O que é comunidade eclesial de base. Coleção Primeiros Passos. São Paulo. Brasiliense, 1981 CARDOSO, Ruth; FRANCO, Augusto; OLIVEIRA, Miguel Darcy – Um novo referencial para a ação social do Estado e da Sociedade: sete lições da experiência da Comunidade Solidária. In: PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – Seminário “Estratégias Inovadoras de Parceria no Combate à Exclusão Social” 24 e 25 janeiro 2000. CONTINI, Eliane – Un psychiatre dans la favela. Marsat. Les empecheurs de penser en rond.Editeur Synthelabo. 1995 CUVILLIER, Armand - Manuel de Sociologie. Paris. Armand Colin, 1950. - Dicionário Houaiss da língua portuguesa.Rio Objetiva 2001

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FERNANDES, Florestan – Comunidade e sociedade no Brasil. São Paulo. Editora Nacional,1975 FONSECA, Ana Maria Medeiros da – Família e política de renda mínima. São Paulo.Cortez, 2001 MARTINS, José de Souza – A sociedade vista do abismo. Novos estudos sobre exclusão, pobreza e classes sociais. Petrópolis. Vozes, 2002. NOGUEIRA, Oracy – Família e comunidade: um estudo sociológico de Itapetininga.Rio. CBPE/INEP/MEC 1962 PRANDI, José Reginaldo – Um sopro do espírito: a renovação conservadora do catolicismo carismático.São Paulo. EDUSP/FAPESP, 1997. PIERRUCCI, Flávio –As religiões no Brasil Contemporâneo. São Paulo EDUSP/FAPESP, 1997. REDFIELD, Robert – Peasant society and culture. Chicago. University of Chicago Press, 1971 SIMÂO, Aziz, GOLDMAN, Franck – Itanhaen: estudo sobre o desenvolvimento econômico e social de uma comunidade litorânea. São Paulo FFCL-USP 1958. Weber, M – Economia Y Sociedad. México. Fondo de Cultura Econômico. 1944.

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TERAPIA COMUNITÁRIA EM VÁRIOS CONTEXTOS: A PESQUISA E A ESCRITA

Maria Eneida Fabian Holzmann PALAVRAS CHAVES: Terapia Comunitária; Reflexões ; Terapia Familiar

RESUMO No primeiro momento desse texto, após situar as bases históricas do

meu trabalho em terapia comunitária, apresento um resumo do livro Multifamílias: construção de redes de afeto, escrito em parceria com Silvia Grassano, para contextualizar o processo de nossa terapia comunitária com o sistema de um lar social, mostrada a seguir. No segundo momento, estão algumas informações gerais sobre dois outros projetos de terapia comunitária com os quais estou envolvida: “Debate em Família”, que está sendo implementado nas 1400 cidades de índice de desenvolvimento humano mais baixos do país e “Intervenção sistêmica para o desenvolvimento e potencialização da comunicação de grupo multifamiliar de menores institucionalizados por ato infracional” - projeto de tese de doutorado. Finalmente, no terceiro momento, compartilho com o leitor minha experiência com a escrita, tentando provocar/usufruir de novos movimentos de escritura e de escritores da terapia comunitária.

Minha história

Meu nonno, após o serviço na roça, fazia um trabalho de alfabetização comunitária no qual os alunos eram responsáveis pelo pagamento do querosene utilizado na iluminação das aulas. Além disso, atendia as pessoas quando necessitavam. Meu pai aos 22 anos iniciou-se no atendimento a famílias “carentes” através da Sociedade São Vicente de Paulo. A primeira coisa que os integrantes da associação lhe disseram foi que, antes de ajudar às famílias, ele estaria se ajudando, sendo o maior beneficiário desse trabalho.

Minha avó materna teve uma morte trágica após um aborto provocado. Deixou filhos de seis meses, três, doze, treze, quinze e dezoito anos, e minha mãe, casada e grávida da segunda filha. Como filha mais velha, fui preparada para cuidar de meus irmãos caso minha mãe faltasse. Ela foi uma grande incentivadora de meus estudos, tanto na música como na escola. Inventou um jogo no qual meus irmãos e eu ganhávamos uns tostões caso falássemos português correto. Estudava muito para ter seu reconhecimento.

Aos 12 anos iniciei-me no ensino de piano (eu era a aluna mais adiantada de minha professora e a substituía quando necessário). Ganhava um dinheirinho dando aulas particulares em minha casa. De professora de piano transformei-me em professora do curso de Pedagogia (Universidade Federal do Paraná), psicomotricista de crianças e orientadora de pais.

Há algum tempo coordenava um grupo de pais e tinha o desejo de juntar os pais e os filhos. Uma cena/reflexão contribuiu para meu definitivo ingresso na terapia familiar. Lembro-me de ter olhado, após uma sessão, uma sala de

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atendimento onde se viam seis ou sete cadeiras em círculo. Pensando na família reunida para conversar, resolvi que iria me preparar e integrar a minha proposta de jogos espontâneo-criativos na terapia familiar. Pensei em como o jogo seria bom para a família e também como seria bom jogar com a família. Assim iniciei minha formação em terapia de família, no curso onde eu já era professora. A prática confirmou a validade desse desejo (Jogar é preciso, 1998).

Em 1996 assisti a um vídeo de Adalberto Barreto sobre terapia comunitária. De novo senti que desejava e poderia fazer esse trabalho comunitário.

Em todas minhas disciplinas na Universidade Federal do Paraná, de onde me aposentei recentemente, desenvolvi uma proposta de escuta, de afeto, de ação, utilizando os jogos espontâneo-criativos em cursos de graduação ou pós-graduação. Meu trabalho era com a comunidade acadêmica (grupos de vários tamanhos, cursos e disciplinas), e sempre precisei de muita coragem e ousadia para realizá-lo, pois muitas vezes não era entendida pelos outros professores. No início de 1999 transformei o grupo de crianças de famílias de baixa renda em grupo multifamiliar.

Vários tipos de experiência com grandes e pequenos grupos confirmaram a validade desse desejo de compartilhar minha experiência e de aprender nos grupos comunitários. A grande busca é o movimento de uns ajudarem aos outros, de reciprocidade.

Recentemente busquei o significado mais profundo de minha ação com famílias em uma disciplina do curso de doutorado do Núcleo de Família e Comunidade da PUC-São Paulo, com o objetivo de clarificar meu projeto de tese. Relacionei toda essa história com outras minhas e consegui definir que o centro de meu interesse é desenvolver e potencializar famílias resgatando familiares ausentes - característica de meu trabalho comunitário atual. Projetos de Terapia Comunitária

Atualmente coordeno, em parceria com Silvia Grassano, um grupo de terapia comunitária em um lar social. Denominamos esse grupo de pedagógico-terapêutico. Ele faz parte de um projeto mais amplo, cujo objetivo é promover e reintegrar as famílias que têm crianças institucionalizadas. Essa experiência está colocada no livro Multifamílias: construção de redes de afeto (GRASSANO & HOLZMANN, 2002). Multifamílias; construção de redes de afeto

Para contextualizar a nossa terapia comunitária, apresentarei um resumo do livro. Nele, Sílvia e eu utilizamos a metáfora da construção para expor o processo voluntário de intervenção sistêmica na implantação e implementação de um lar substituto, durante um período de três anos e meio - 1999 a 2002. O lar é um condomínio fechado em um terreno de 5.000 metros quadrados, estruturado em três casas com capacidade, cada uma, de abrigar uma família substituta, composta por um casal de educadores familiares e oito crianças de zero a sete anos.

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Através do livro buscamos compartilhar a experiência vivida em grupos multifamiliares, a qual permitiu chegar à construção de uma rede de afeto composta por todos os subsistemas que compõem a instituição: famílias substitutas - crianças abrigadas e casais responsáveis - famílias biológicas, diretoria do lar e nossa equipe de terapeutas familiares.

O projeto foi executado pela equipe de terapeutas familiares da Clínica de Terapia Integrada (Curitiba), da qual as autoras fazem parte. O foco: desenvolver e potencializar as famílias das crianças abrigadas enfatizando seus recursos, história, valores.

No primeiro capítulo, “Construção das fundações”, apresentamos um breve histórico do lar e de nossa participação. Nossos primeiros passos: encontros visando a integração da equipe com os fundadores e coordenadores, assim como o início da assessoria ao lar, na discussão das questões mais inquietantes dessa fase; pesquisa de campo em instituições de abrigo; a definição de nossa fundamentação: teoria sistêmica, construtivismo social, rede social, abordagem sistêmico-integrativa, grupos multifamiliares e jogos espontâneo-criativos. Finalizamos o capítulo com nosso projeto de intervenção sistêmica, no aspecto psicológico e educativo, para a implantação e implementação do lar substituto.

No segundo capítulo, “Construção da contenção”, descrevemos a seleção de casais e os processos de treinamento e integração dos casais contratados pelo lar.

No terceiro capítulo, “Habite-se/construção da rede substituta”, estão situados os momentos de inauguração das três casas, de encaminhamento das crianças e de participação das famílias de origem. Contamos como desenvolvemos o trabalho terapêutico oferecido a cada família substituta, incluindo nesses atendimentos as famílias biológicas. Objetivamos com isso integrar reciprocamente casais de educadores e crianças, assim como integrar e promover a criança abrigada e sua família biológica. Nossa meta sempre foi construir laços afetivos entre o lar e as famílias de origem, na busca da reintegração familiar e na possibilidade de o lar se converter num ponto de apoio e de desenvolvimento permanente para essas famílias e suas crianças. Pensamos que as famílias reintegradas poderiam ajudar outras famílias a recuperar seus filhos. Contamos o primeiro processo de reintegração familiar.

No quarto capítulo, “Construção da mudança/mudança de construção” explicamos como fomos trabalhando o sistema de modo iniciar a terapia comunitária que denominamos grupo pedagógico-terapêutico e o movimento gradativo de reintegração familiar. No quinto capítulo, contamos sobre a fundação da associação das famílias do lar e o início e funcionamento do grupo de casais. Finalizamos questionando o grande aumento de crianças institucionalizadas e nos desafiando mais efetivamente ao trabalho de prevenção. Nossa terapia comunitária / Grupo pedagógico-terapêutico

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Denominamos o grupo de pedagógico-terapêutico porque, tendo como pano de fundo o desenvolvimento humano, desempenha dupla função: oportuniza aos participantes “conhecer as fases do desenvolvimento humano para melhor acompanhar o crescimento das crianças, mas fazendo-o através da história de seu próprio desenvolvimento, da reconstrução das narrativas sobre as situações difíceis do passado, de modo a evitar repetir com seus filhos e com outras pessoas atitudes inadequadas que presenciaram na infância. Entrando em contato consigo mesmos, os pais e educadores podem se pôr no lugar das crianças e entender suas alegrias e seus sofrimentos, seus sonhos e suas frustrações” (GRASSANO & HOLZMANN, 2002, p. 88). Nosso movimento foi “contribuir para a construção de uma rede que pudesse funcionar em um novo paradigma de parceria, cooperação e crescimento mútuo. As crianças poderiam ter simultaneamente o apoio da instituição e o da família para o seu crescimento sadio” (p. 89). Enfatizamos, nessa proposta, os recursos das famílias, o que a família tem de positivo. Assim, nossos objetivos eram capacitar os casais de educadores, os pais biológicos, as famílias reintegradas e a diretoria, bem como nos capacitar, como terapeutas, para o exercício de nossas funções; integrar o sistema, formando uma rede de apoio ao processo de abrigamento (crianças e lar) e, principalmente, ao processo de reintegração familiar/manutenção da criança no seio da família para tentar evitar a reincidência. Identificação do grupo

Compõem o grupo cerca de 35 famílias - famílias que têm os filhos abrigados, famílias reintegradas, três casais de educadores e a diretoria do lar. Freqüência e duração das reuniões

Temos reuniões mensais de duas horas. Os participantes são convidados e lembrados da data do encontro pelos casais de educadores e por uma família reintegrada. As famílias recebem vale-transporte para sua locomoção quando necessitam de ajuda. Durante o mês, cada família substituta participa de mais duas sessões: uma sessão terapêutica com as crianças e suas famílias biológicas e uma sessão com o grupo de casais. A freqüência média é de 23 pessoas. Espaço

Utilizamos a sala de uma das casas do lar como espaço do grupo. No momento do encontro, uma equipe de voluntários cuida das crianças no pátio. Fases do encontro Para melhor entendimento, usarei a denominação das fases empregada por Adalberto Barreto. Acolhimento Recebemos as pessoas, perguntamos como estão, quais as novidades, se gostariam de falar sobre a sessão anterior e colocamos as regras do encontro e dos jogos: cada um fala de si, as pessoas se escutam umas as outras, joga-se sem compromisso com o sucesso, só joga quem quer jogar, no jogo não tem certo nem

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errado e neste espaço a gente não machuca, nem causa nenhuma espécie de dano ao outro, não se machuca, nem permite que o outro lhe cause dano. Em seguida, fazemos jogos de aquecimento com música e movimento. Problematização Na maioria das vezes o tema vem espontaneamente. Alguém já começa a contar. Exemplos: 1) uma educadora diz: “Senti muito ciúme e fiquei chateada porque Rosana (menina reintegrada que ficara por dois anos sob os cuidados dessa educadora) veio de visita ao lar e foi primeiro na casa da Clarisse e só depois foi na minha.” 2) fala de madrasta de família reintegrada: “Parei de estudar- fiquei com tanta raiva da professora que, para não esgoelar ela, saí da escola.” 3) “Meu filho (reintegrado) roubou R$ 5,00 de minha bolsa e gastou com lanche para ele e outras crianças na escola – o que é que eu faço?” Contextualização Exemplo do último encontro (o projeto continua acontecendo) No caso do sentimento de raiva, lançamos o mote “como fazemos quando estamos ou ficamos com raiva”. Todos nós falamos - alguns contaram que antes bebiam e agora saem de perto; outros se afastam, dão um tempo e depois conversam; outros falam muito e depois se arrependem, eu contei que sempre saía da situação para não brigar e que hoje converso e parei de fingir que não está acontecendo nada. Uma mãe diz que ficava quieta e com mágoa. Silvia contou que uma amiga afirma que a água da mágoa embolora a gente. Atualmente todos tentam dar um tempo. Falamos sobre as direções possíveis da raiva: para fora, de modo destrutivo ou criativo; para dentro, gerando doenças ou se voltando contra a própria pessoa, que se auto-agride. Propomos, neste momento, o jogo de espadas (HOLZMANN, 1998, 5.º capítulo) para vivenciar a situação simbolicamente, na brincadeira, exercitando um modo criativo e construtivo de lidar com a raiva. A proposta visa a criação de novas estratégias relacionais na vida. Em primeiro lugar, cada um construiu uma espada ou bastão de jornal da maneira que quis. Todos experimentaram bater a espada na cadeira, na parede, no chão. Em seguida, a sugestão foi bater com raiva ou como bem entendessem em uma bola plástica de inflar (como bola de piscina - não machuca). Foi uma grande diversão e a maioria bateu na bola com muita força e com muito barulho. Depois, explicamos o jogo de espadas em duplas, no qual cada um fica com sua espada em diagonal, de modo que o embate aconteça entre espadas. Somente se bate na espada - não se encosta no corpo do outro. Enquanto um avança caminhando, o outro recua; depois trocam de papel. Um de cada vez escolhe a intensidade - se quer pimenta, pimentinha ou pimentão. O parceiro deve rebater conforme o pedido, deve reconhecer a força do outro. Fizemos vários tipos de duplas. Todos nós jogamos, com exceção de uma mãe, que quis ficar olhando. Terminado o tempo do jogo (cerca de cinco ou dez minutos), conversamos sobre a experiência. Todos gostaram muito, inclusive a mãe que não jogou. Vimos que as pessoas que geralmente reagem na situação de raiva perceberam-se mais relaxados após o jogo e, as que saem de perto, se sentiram mais vivas e alegres. Para reflexão/acomodação da experiência, foi entregue lápis de cera e uma folha de sulfite para rabiscarem ou desenharem do jeito que quisessem. Enquanto desenhavam, cantaram a música “Entre tapas e beijos”. Acabado o tempo

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(aproximadamente cinco minutos), as pessoas que quiseram mostrar seu desenho ou rabisco o fizeram. Nossa questão então foi: Como estamos ensinando nossas crianças a lidar com a raiva? Juntos acertamos que refletiríamos e talvez trabalharíamos o tema no encontro seguinte. Terminamos com cada um dizendo uma palavra: união, alegria, amizade, reunião muito boa, consideração, paz... Fechamento Na maioria das vezes, oportunizamos ao grupo a escolha do modo de terminar o encontro (na maioria das vezes, eles escolhem orar, cantar - gostam da música “Oração da família”, do padre Zezinho) e finalizamos com cada um dizendo uma palavra sobre o significado do encontro. Reflexão Depois que fizemos a formação com Adalberto Barreto, integramos de modo mais efetivo as músicas e o mote para dinamizar o compartilhamento das sabedorias do grupo. Pessoalmente um dos aspectos mais significativos para mim foi a leveza. A leveza da dança, uma vez que a responsabilidade de encontrar soluções para as dificuldades é de cada um e de todos e o objetivo é ampliar a experiência e dinamizar processos de mudança. Percebo-me mais leve e mais forte. Aprendi um pouco mais a trabalhar em rede e sinto que, devagar, está acontecendo o processo de ajuda mútua no sistema lar. Estamos todos, passo a passo, fluindo nas ações/reflexões de “ cuidar-se”, “ cuidar do outro” e “ser cuidado”. Outros projetos 1- Projeto “Debate em Família” Participo do “Debate em Família” como responsável pelo tema “família”. A palavra “debate” nessa proposta identifica encontro de pessoas para ajuda mútua, para resgate de valores, para melhora da auto-estima, para a construção de uma vida com mais cooperação, integração e autonomia. O projeto está sendo realizado nos 1400 municípios com os índices de desenvolvimento humano mais baixos do país, em parceria do governo federal, estadual, municipal e outras instituições. Desenvolvimento do projeto Foram convidados sete especialistas nos seguintes temas: família, geração de renda, documentação, educação, meio ambiente, saúde reprodutiva e violência doméstica. Após reuniões de integração dos coordenadores com os especialistas, estes elaboraram textos, formatados em uma cartilha de apoio, intitulada “É conversando que a gente aprende: caderno do dinamizador”. O material serviu de base para a capacitação dos multiplicadores, dos dinamizadores e das famílias. Tem como foco uma postura de respeito, escuta, afeto, criatividade; de ação e reflexão, sempre valorizando os saberes dos multiplicadores, dos dinamizadores e das famílias. Capacitação

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Os especialistas, juntamente com a coordenação do projeto, em Curitiba, capacitaram, durante uma semana, 80 multiplicadores indicados pelos estados, com exceção de São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul – aí não há municípios que se enquadrem nos critérios estabelecidos. A coerência da teoria com a prática e a postura de escuta, respeito, criatividade vivenciada no projeto sensibilizaram fortemente os multiplicadores. Quando voltaram às cidades de origem, capacitaram dinamizadores, os quais são moradores das cidades-alvo e nelas realizam alguma ação de liderança. Para a realização dos debates com as famílias foram utilizadas estruturas de outros projetos, como o Portal do Alvorada. O planejamento propõe cerca de dez reuniões com a comunidade. A escolha dos temas - família, educação, geração de renda, documentação, saúde reprodutiva e meio ambiente - foi baseada em pesquisas sobre a realidade desses municípios e pretendeu uma primeira organização, para posteriormente abrir espaço para outros assuntos de interesse da comunidade. Primeira avaliação A primeira avaliação das reuniões das famílias - realizada com os 80 multiplicadores, uma especialista e a coordenação - mostrou resultados entusiasmantes. Os multiplicadores, na maioria, criaram novas estratégias e avançaram na qualidade do processo. Gravaram CDs em que cantam e refletem sobre os diferentes temas, entraram em contato com outras instituições (ONGS, escolas, associações) para ajuda e formaram redes de apoio. Quanto ao dinamizadores, integrados e auxiliados pelos multiplicadores conseguiram resultados supreendentes, tanto nas parcerias com as prefeituras quanto na mobilização das famílias para participarem ativamente do próprio processo de desenvolvimento. Por exemplo, em uma pequena cidade, a prefeitura teve que mandar com urgência reforço de funcionários para o correio porque um grande número de pessoas foi fazer seus documentos um dia depois do “Debate em Família”. Em outra cidade, o secretário da Ação Social, no início contrário ao movimento de reunir famílias, tornou-se o maior articulador para a efetivação da proposta, após o debate sobre o tema “família”. Características do “Debate em Família”

“A proposta de ação é fundamentada na intersetorialidade e na descentralização. Pressupõe parceria do governo federal, estadual, prefeituras envolvidas e entidades da sociedade civil interessadas em desenvolver um trabalho conjunto com as famílias.” “Por meio de programas governamentais e ações locais, espera-se que as famílias - núcleos naturais para a implantação de projetos de melhoria de qualidade de vida e do desenvolvimento sustentável - possam estar construindo o seu próprio projeto de autonomia.” (Projeto Debate em Família) Foi desenvolvido em 2002 sob a responsabilidade da SEAS - Secretaria de Estado de Assistência Social, da Secretaria de Estado da Criança e Assuntos da Família - Paraná e do Centro Nacional de Formação Comunitária. 2- Projeto de intervenção sistêmica para o desenvolvimento e potencialização da comunicação para grupo multifamiliar de menores institucionalizados por ato infracional

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Minha tese de doutorado, em andamento, abrange um grupo multifamiliar de adolescentes institucionalizados por ato infracional, no educandário onde cumprem medida socioeducativa. Nesse projeto, busco resgatar e promover a família, desenvolvendo e potencializando a comunicação através de jogos espontâneo-criativos. A meta é integrar a família e oportunizar seu desenvolvimento, de modo que se diminuam as chances de reincidência. Na fundamentação, privilegio os conceitos da sistêmica, resiliência, abordagem sistêmico integrativa, teoria da comunicação, construtivismo, rede social e dos jogos espontâneo-criativos. Os adolescentes são convidados a participar do projeto, assim como sua família. Não existe nenhum ganho para o processo de liberdade, a não ser o ganho do processo vivenciado. Compõem o grupo seis famílias, sendo permitida pela instituição a entrada de até quatro familiares de cada adolescente. No total, serão realizadas dez sessões quinzenais, com duração de duas horas, em sala situada dentro do pavilhão do educandário e preparada para o projeto. A média de freqüência até o quarto encontro foi de 22 pessoas. Participam das sessões três técnicas e um professor da instituição, os quais formam a equipe de apoio à pesquisa (gravação em vídeo, fotos, participação em reuniões de planejamento e avaliação, além de auxílio à coordenação do grupo). Para que escrevo? Uma grande amiga, Yara Rodrigues Avelar, escreveu - e eu tive o grande prazer de editar - o livro intitulado Superação das dificuldades da escrita/superação das dificuldades através da escrita (2000). Hoje, está muito claro, para mim, que escrevo para superar minhas dificuldades. Para aprender. Escrevo na emoção da experiência: vou conversando comigo mesma, vou escrevendo de qualquer jeito, não ligo para nada. Às vezes, se não acho a palavra que quero, escrevo várias outras similares e até invento palavras. Quando só tenho palavras soltas, escrevo em forma de poesia. O texto fica confuso, mas eu entendo. Não me importo se tem nexo, tem ordem: vou descrevendo a experiência, refletindo, expressando minha emoção, colocando lembranças, histórias que vão aparecendo em minha cabeça. Escrevo porque tenho necessidade. Vivo um processo. Tenho prazer de colocar a emoção no papel, de refletir sobre o que vivi, principalmente para não perder o momento vivenciado, para não esquecê-lo. Fico envolvida com a escrita e nem vejo o tempo passar. Nos dias seguintes, vou lendo e arrumando, ampliando, completando, corrigindo. Muitas vezes fico muito tempo em um texto - meu primeiro livro teve treze revisões. Mais tarde, quando leio o que escrevi, fico espantada: – Puxa, fui eu mesma que escrevi isso? O pior, ou melhor, é que sempre tenho dúvidas sobre a qualidade de minha escrita. Sinceramente, não sei se as pessoas vão adorar ou rejeitar. Em meu livro Jogar é preciso, conto sobre um texto que, mesmo depois que o apresentei, levei muito tempo sem saber se era bom ou péssimo; se era pertinente ou não ao tema solicitado (uma mesa-redonda ). Só mais tarde tive retorno. Outra coisa: na maioria das vezes, demoro para compreender qual foi a dificuldade superada em determinado texto. Eu gosto muito do processo de construir textos, apesar de que muitos deles levam muito, mas muito tempo de gestação. Muito ensaio e muita enrolação até

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começar a escrever mesmo. Este texto só consegui escrever depois de o prazo ter se esgotado, com quase dois meses de ensaio. Agora que comecei, não consigo terminar: sempre tem jeito de melhorar, complementar, questionar... Lembrei-me agora de uma poesia de Yara Rodrigues Avelar Por onde começar? Por onde começar? Pelo começo, diriam uns, Pelo desejo, diriam outros. Pela deficiência... pela eficiência... Pela ponta (do iceberg). Pelas beiradas (como no mingau quente). Pelo nó (dó) maior... pelo todo... pela parte... Pela cena... pelo foco... pela idéia... Por qualquer ponto, inclusive pelo ponto final. Pela possibilidade. Minha possibilidade vem de minha história, de minha emoção, de meus conhecimentos, de cenas, experiências... Como terminar? M. Eneida Fabian Holzmann Como terminar? É o mais difícil... Nunca está bom: exigências... minhas, dos outros. Mais minhas do que de especialistas. De minha mãe? Termina-se quando o prazo termina? A vista cansa? As costas e o corpo doem? Quando se lê o texto e se reconhece que tem começo, meio e fim?

Mas não se pode também começar pelo fim e terminar pelo começo? Termina-se pela deficiência? Pela aprendizagem? Termina-se com nova abertura ou nova possibilidade? A construção do texto é um processo, e processo tem fim? O processo vai fluindo, fluindo e sozinho mostra um novo começo? A cada arrumada, o texto melhora e, melhorado escancara outras possibilidades... No final da construção do texto sempre descobrimos algo novo: idéia, conceito, princípio, sistematização...A teoria avança. Como parar? A construção do texto é como uma brincadeira - não dá vontade de terminar. Só

que tem tempo de brincar e tempo de parar. Tempo de escrever e tempo de

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compartilhar, para poder continuar escrevendo... aprendendo... superando

dificuldades... através da escrita.

Terminar? Compartilhar? Mostrar-se? Separar-se? Doar-se? Entregar sua criação para o mundo? Des-autorizar-se? Referências Bibliográficas AVELAR, Y. S. R. Superação das dificuldades da escrita/superação das dificuldades através da escrita. Curitiba: Integrada, 2000. GRASSANO, S. & HOLZMANN, M. E. F. Multifamílias: construção de redes de afeto. Curitiba: Integrada, 2002. HOLZMANN, M. E. F. Jogar é preciso: jogos espontâneo-criativos para famílias e grupos. Porto Alegre: Artmed, 1998. PROJETO DEBATE EM FAMÍLIA. É conversando que a gente aprende: caderno do dinamizador. Cenafoco/SEAS- Centro Nacional de Formação Comunitária/Secretaria de Estado da Assistência Social & Secretaria de Estado da Criança e Assuntos da Família- Paraná. Brasília: 2002.

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TERAPIA COMUNITÁRIA E A REDE DA SAÚDE MENTAL

Augusto César de Farias Costa6

PALAVRAS CHAVES: Rede Pública de Saúde; Terapia Comunitária; Reforma Psiquiátrica; Reforma Sanitária.

RESUMO

A iniciativa da realização do I CONGRESSO BRASILEIRO DE TERAPIA COMUNITÁRIA, buscar atualizar e discutir a Saúde Mental diretamente em seu nascedouro e fora do circuito oficial, além de estimulante, possibilita promover e aferir sensivelmente a energia e a sabedoria da sociedade brasileira criando a possibilidade real de torná-la permeável a transformá-la. Isso demonstra o amadurecimento da nossa sociedade e a conscientização acerca da necessidade de construirmos, agora, um futuro consistente. Os protagonistas, desse processo, no caso a população brasileira aqui tão bem representada, em função de sua legítima condição de maiores interessados, certamente fornecerão as alternativas mais próximas das necessidades reais de saúde mental para o nosso povo.

A CONJUNTURA PLANETÁRIA

A crescente tensão presente no mundo atual, denota a emergência de

contidos impasses seculares visíveis nas questões como má distribuição de

renda, disputas étnicas, nacionais e religiosas. O congestionamento provocado

por essas necessidades vem se agravando desde que o Capitalismo Financeiro

preconizando o “Estado Mínimo” e associado ao processo de “Globalização”,

provocaram o surgimento da recessão econômica, da exclusão, do desemprego e

da miséria no interior dos lares, especialmente aqueles sem privilégios.

Esta desigualdade vem fazendo surgir fenômenos sociais onde, em defesa

de suas tradições, os povos começam a enfrentar essa nova ordem que se

anuncia. Em resposta, as sociedades econômica e tecnologicamente mais

potentes, vêm tentando destruir essas manifestações mediante o uso da força. O

cenário de disputa pela hegemonia política, religiosa e cultural, ressuscita o

antigo enfrentamento Ocidente X Oriente e oculta as causas estratégicas,

políticas e econômicas, historicamente, as verdadeiras razões desses conflitos.

Concomitantemente, explosões de violência e as ações terroristas fazem emergir a

6 Augusto Cesar de Farias Costa*- Médico Psiquiatra - Gestalt-terapeuta

Vice-Presidente da Associação Brasileira de Etnopsiquiatria e Psiquiatria Social

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insegurança e incerteza, que, adentrando o emocional das pessoas faz a crise

ficar ainda mais grave.

Como subproduto, uma importante redução no investimento em Políticas

Públicas passou a ocorrer no mundo inteiro. O resultado se apresenta no

padecimento ainda maior das populações dependentes desse modelo de

economia, no campo e na periferia das grandes cidades. Gerações estão sendo

sacrificadas pela fome, doença e falência das expectativas existenciais. Além

disso, o retraimento do Estado vem abrindo espaços que vêm sendo ocupados

pelo crime organizado, conferindo ao mundo, neste conjunto, uma qualidade de

vida cada vez pior e um conseqüente agravo à saúde mental.

A REFORMA PSIQUIÁTRICA

Gostaria de inicialmente fazer uma breve reflexão sobre o louco e o sentido

deste evento.

O domínio e controle daquilo que lhe é desconhecido, intrigante e

ameaçador vem pautando a orientação do desenvolvimento da humanidade. O

comportamento singular, diferenciado, tido como loucura, que se manifesta nas

pessoas se insere nesse contexto. Por ser até hoje um mistério indecifrado, a

relação da sociedade com esse conjunto de diferenças tornou-se a história da

tolerância para com a diferença entre as pessoas.

Na impossibilidade em se decifrar esse mistério o ocultamento impôs-se

como única forma possível, e, foram estabelecidos como representativos da

loucura os emblemas da INCAPACIDADE, IRRESPONSABILIDADE e

VIOLÊNCIA, tornando-se estes os quatro grandes eixos de preconceito, exclusão

e intolerância por onde ela é vista até os nossos dias.

A ruptura com o hospital psiquiátrico e sua substituição por serviços

abertos orientados para a reinserção social, concebida e viabilizada por Franco

Basaglia na Itália, no final dos anos ‘60, fez surgir a Psiquiatria Democrática e

um movimento mundial que se denominou Reforma Psiquiátrica. A revisão das

concepções e práticas relativas ao louco e à loucura em vários países,

especialmente europeus, vêm promovendo substanciais modificações em suas

formas compreender e lidar com essa diferença.

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Ao conceber o louco como sujeito de direito, tornou-se imperiosa a

necessidade de buscar um novo locus social para a loucura. Dessa maneira um

novo campo de conhecimento começou a se organizar. Esse campo, recebeu

contribuições da Saúde, Antropologia, Filosofia, Sociologia, Comunicação, Direito,

Pedagogia e Disciplinas afins. Esse novo espaço de saber vem se ampliando e

consolidando em um conjunto interdisciplinar complexo conhecido por Saúde

Mental.

Em nosso país, a organização do movimento social, ainda durante o

período militar no final dos anos ’70, tornou possível o enfrentamento com

setores conservadores, à esquerda e à direita da sociedade brasileira, no sentido

da transformação do modelo assistencial e da atitude para com os indivíduos que

padecem de sofrimentos psíquicos.

Enquanto emergente desse contexto, o Movimento Nacional da Luta

Antimanicomial vem viabilizando a construção de uma mudança cultural em

nossa sociedade e do modelo asilar/carcerário na atenção à pessoa em sofrimento

psíquico. Essa intervenção é que vem de fato deslocando aqueles eixos onde estão

assentados os maiores obstáculos à Reforma Psiquiátrica.

A REFORMA SANITÁRIA E A CRIAÇÃO DO SUS

Durante o processo determinado pelo golpe militar de 1964, o convívio

democrático em praticamente todos os aspectos da vida nacional estava

interditado. No que tange especialmente ao campo da Saúde, o modelo

assistencial, também era carregado de contradições e injustiças. Os

trabalhadores desse setor, de forma sistemática, iniciaram a elaboração e o

encaminhamento de críticas à instituição e começaram a propor mudanças ao

modelo. Esse processo, mais conhecido como Movimento da Reforma Sanitária,

juntamente com todo o movimento em prol da redemocratização do Brasil,

resultou, entre outros frutos, na formulação e início da construção do Sistema

Único de Saúde - SUS.

Incluída no Capítulo da Seguridade Social, no conjunto das políticas de

Previdência e Assistência Social e referenciada às definições de Saúde como

“direito de todos” e “dever do estado”. Os conceitos incluídos no texto

constitucional e sua regulamentação mediante as Leis Orgânicas 8080/90 e

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8.142/90 (Controle Social) constituem suas bases legais e fixam Princípios

Doutrinários (Universalidade, Equidade, Integralidade) e Organizacionais

(Resolutividade, Intersetorialidade, Humanização, Participação Popular,

Descentralização, Hierarquização, Regionalização, Financiamento, Controle

Social) para seu cumprimento.

A constituição desse sistema é complexa e interdependente,

compreendendo as instituições públicas em seu três níveis: União, Estados e

Municípios. Essa construção, conhecida como “ Reforma Sanitária ” ou “

Municipalização da Saúde ” é ainda acrescida por serviços comunitários,

privados e filantrópicos vinculados ao governo.

A REDE DA SAÚDE MENTAL E A TERAPIA COMUNITÁRIA

A substituição do hospital psiquiátrico por uma rede de serviços

territorializados, diversificados, regionalizados e hierarquizados orientada não

exclusivamente para uma mera supressão de sintomas e sim para a efetiva

recontextualização e reabilitação psicossocial, retoma a tolerância para com a

diferença entre os humanos.

O objetivo principal desse conjunto de proposições é criar uma nova

perspectiva que perpasse a clínica, as propostas de suporte social, a formação

dos técnicos, a legislação e, fundamentalmente, a criação do novo referencial

social para a loucura. A recontextualização das suas diferenças, a preservação de

sua identidade e cidadania, o envolvimento e participação ativa no tratamento por

parte dos familiares e responsáveis, a horizontalidade nas relações e a

interdisciplinaridade, subvertem a lógica manicomial levando o hospitalismo e a

dependência para a desinstitucionalização e a autonomia.

A complexidade dessa transformação vem se manifestando ainda na

criação de novas estruturas de atenção, constituída por Serviços de Atenção

Diária em Saúde Mental de base Territorial (Caps/Naps) ; Equipes de Saúde

Mental em Hospitais Gerais; Residências Terapêuticas; Empresas Sociais;

Recursos Comunitários e Jurídicos com funcionamento em rede. Essa

configuração, fazendo surgir um novo patamar de qualidade para os Serviços

Públicos de Saúde, onde não se deve ter unidades isoladas e sim, co-

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responsáveis, garantem aos usuários e familiares, idosos, adultos e crianças, o

atendimento de qualidade.

Para ser criativo é necessário saber transitar entre as polaridades de

transgredir e ajustar. A capacidade de criação que o nosso povo demonstra torna

pujante e veloz os processos sociais que ocorrem na nossa sociedade. O Poder

Público, refém de muitos interesses, raramente consegue interpretar esses sinais.

Mesmo quando busca se deslocar na direção daquilo que a população aponta,

não consegue ter a mesma agilidade - menos ainda antecipar-se - na elaboração

de políticas que proporcionem a satisfação das necessidades da comunidade.

A Terapia Comunitária (TC) serve de exemplo demonstrativo da capacidade

de criação e organização do nosso povo. Ela não pode ser entendida apenas como

um "procedimento terapêutico em grupo com caráter de Atenção Primária em Saúde

Mental desenvolvido na comunidade através de equipes institucionais ou

voluntárias".

Contextualizando o seu conceito, ela vai mais além do que uma técnica

psicoterápica grupal para os pobres. Sua importância se manifesta não só no

atendimento àquelas pessoas em sofrimento psíquico. Ela realiza um resgate

muito mais profundo, indo além das questões eminentemente psíquicas,

costurando e fortalecendo o campo das múltiplas identidades culturais do nosso

povo, seja ele de qualquer grupo étnico, social, religioso e social. Além disso,

possui a energia necessária para continuar promovendo a intervenção cultural

nas referências tradicionais sobre a loucura, ainda presentes no imaginário da

sociedade brasileira.

A relação entre a TC e a rede de Saúde Mental se estabelece naturalmente

nos campos operacional, político e ideológico. Entretanto, na forma como se

conceitua e no que se propõe a realizar, é fundamental que as características

próprias da TC sejam diuturnamente preservadas.

Outrossim, a participação da Terapia Comunitária não pode se restringir

apenas à rede da Saúde Mental. Ela deve ser muito mais abrangente, pois envolve

a conscientização da população e proporciona o resgate do coletivo nos processos

sociais. Dessa maneira, a TC contem os ingredientes necessários para, junto com

outras iniciativas, contribuir de forma relevante para a transformação social.

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“ POR UMA SOCIEDADE SEM MANICÔMIOS ! ”

“ PELA VALORIZAÇÃO DAS DIFERENÇAS ! ”

" PELA PRESERVAÇÃO DAS CULTURAS ! "

“ POR UMA SOCIEDADE ÉTICA ! ”

" POR CIDADANIA ! "

" POR JUSTIÇA ! "

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TERAPIA COMUNITÁRIA COMO INSTRUMENTO DE APROXIMAÇÃO ENTRE A UNIVERSIDADE E INSTITUIÇÕES/ORGANIZAÇÕES DA

COMUNIDADE7

Margarida Rêgo

A comunicação que ora fazemos refere-se à Universidade Católica do

Salvador-UCSal.

Há mais de doze anos, conhecemos e vimos acompanhando a experiência

da Comunidade Quatro Varas, em Pirambu, Fortaleza, através do Professor

Adalberto Barreto,o qual faz parte do Quadro de Professores do Curso de

Especialização e Formação em Terapia Familiar, ministrado pela Universidade

Católica do Salvador-UCSal-, em convênio com o Centro de Orientação Familiar-

COFAM.

O fato de sermos Assistente Social despertou nossa atenção para a

validade da Terapia Comunitária, como instrumento de integração de grupos e de

comunidades, com vistas à elevação da auto-estima, conscientização dos direitos

humanos e concretização da cidadania.

Parece um paradoxo referir que o fato de sermos Assistente Social nos

sensibilizou com relação à Terapia Comunitária e, ao mesmo tempo, dizer que a

Escola de Serviço Social da UCSal não era local propício para, imediatamente,

lançar uma proposta de implantação de projetos de Terapia Comunitária.A

explicação se deve ao fato de o Serviço Social atuar, primordialmente, com os

aspectos sócio-políticos, derivando daí, a realidade do termo “Terapia” contribuir

mais para fechar do que para abrir espaços na Escola e, provavelmente, em

Associações de Serviço Social. Nada de estranho, pois, que, apesar de sermos

antiga professora na Escola de Serviço Social, sendo fácil nossa penetração no

âmbito universitário, encontramos algumas dificuldades – todas elas superáveis e

superadas, felizmente – com vistas à compreensão da Terapia Comunitária.

Sabe-se que as universidades valorizam, prioritariamente, o saber

científico. O saber advindo de práticas populares é bastante questionado antes de

ser acreditado e valorizado.

7 Universidade Católica de Salvador -UCSal

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Apesar de tudo isto, o projeto de implantação de capacitação em Terapia

Comunitária é, hoje, uma realidade na UCSal, com o nome de Curso de Formação

de Facilitadores de Redes Sociais de Apoio. Evitou-se ,estrategicamente ,neste

momento,enfatizar o termo “Terapia”. Através deste Curso, a UCSal propiciará a

implantação de programas de Terapia Comunitária em, aproximadamente, 15

(quinze) organizações em Salvador, dispondo-se a supervisionar o trabalho das

mesmas durante a realização do Curso (1 ano).

Gostaríamos, agora, de compartilhar os passos que foram dados e que

tornaram possível esta feliz realidade:

1o � Sempre que oportuno, em Reuniões de Professores e outros acontecimentos

da vida universitária, quer com professores, quer com estudantes, abordamos o

valor da Terapia Comunitária como prática social que contribui para a promoção

da cidadania.

2o � No Curso de Especialização e Formação em Terapia Familiar que

coordenamos, introduzimos a capacitação concomitante, ( não oficialmente,como

um curso), em Terapia Comunitária, utilizando o espaço destinado às atividades

técnico-vivenciais relativas à pessoa do terapeuta.

3o � Realização de sessões públicas de Terapia Comunitária, na UCSal, com

ampla divulgação das mesmas, coordenadas pelo Professor Dr. Adalberto

Barreto, as quais contaram com grande participação de estudantes, professores e

pessoas da comunidade.

4o � Formação do Grupo de Estudo sobre Terapia Comunitária, reunindo

concluintes do Curso de Terapia Familiar que realizaram a formação

concomitante em Terapia Comunitária e já estão desenvolvendo atividades com

grupos diversos da comunidade.Do grupo participam quatro professoras da

ESSUCSal

* Observação: O fato de o grupo contar com 4 professoras –mestre e

especialistas – com possibilidade, ainda, de agregar mais duas, fortalece a

penetração e a influência do mesmo no ambiente universitário.

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Atividades do Grupo de Estudo:

� Leitura e discussão de material teórico relativo à Terapia Comunitária.

� Dramatização de sessões de Terapia Comunitária, focalizando acertos e

erros na sua condução.

� Discussão de vídeos sobre sessões de Terapia Comunitária.

� Auto-supervisão grupal dos trabalhos de Terapia Comunitária,

realizados pelos participantes do Grupo de Estudo.

5o � Elaboração do Projeto do Curso e discussão do mesmo com o Grupo de

Estudo, envolvendo-o na sua execução, definindo responsabilidades:

� Pessoa que coordenará o Curso (deverá ser Professor da UCSal);

� Pessoas responsáveis para administrar as disciplinas curriculares;

� Pessoas que deverão entrar em contato com as Instituições e

Organizações da Comunidade para viabilizar o Curso, realizando parcerias;

� Pessoas responsáveis pela supervisão dos trabalhos de Terapia

Comunitária a serem realizados pelos alunos do Curso, nas Organizações /

Instituições que os inscreveram.

* Observação: O Projeto do Curso define que os alunos serão apresentados pelas

Organizações/Instituições, em número mínimo de três, devendo as mesmas

propiciar a implantação de programas de Terapia Comunitária, no âmbito de sua

competência. Cabe à UCSal, a responsabilidade da supervisão dos trabalhos de

implantação dos projetos em cada Organização / Instituição , durante a vigência

do Curso, podendo ser estendida a supervisão após o mesmo, mediante contrato

específico.

6o � Aprovação do Projeto pela Escola de Serviço Social.

7o � Encaminhamento do Projeto à Reitoria da UCSal. Neste momento, os

professores envolvidos no Projeto foram estimulados a utilizar os vínculos com os

setores da UCSal que poderiam influir na aprovação do Projeto.

8o � Elaboração da Planilha de Custos e definição das responsabilidades da

UCSal e das prováveis Organizações / Instituições convenentes.

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9o � Busca de Parceiros (Organizações / Instituições), para efetivação do Projeto

e estabelecimento das negociações necessárias.

10o � Realização do Projeto.

No momento, estamos realizando contatos com Secretarias do Estado e

ONGs, divulgando Terapia Comunitária e o Curso da UCSal, que prepara seus

agentes.

A resposta das Organizações contactadas tem sido estimulante, sendo

gratificante o acolhimento ao Projeto, com a afirmação de que o mesmo vem

atender a reais demandas, no momento sócio-político.

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TERAPIA COMUNITÁRIA E ESPIRITUALIDADE

Antônio Leiva PALAVRAS CHAVES:Espiritualidade; Religião; Terapia Comunitária.

RESUMO

A espiritualidade é alimentada principalmente pela Religião, já que esta é uma ponte que tem por finalidade levar-nos à fé autêntica em Deus. A Igreja, na verdade, não é o prédio onde está instalada, mas sim seus integrantes, tanto religiosos como leigos. Visa, em última analise, a uma íntima comunhão com o Criador, por meio da fé e da confiança no Pai. Portanto, a sintonia com o Pai, a confiança e o repouso mental daí resultantes, promovem a cura do espírito. O terapeuta, por seu turno, também visa à cura da espírito, e para atingir esse desiderato têm de apoiar-se inclusive na fé em Deus, como ensinava Jung. Seus seguidores, assim como os profissionais mais eficientes na área da Psicologia adotam tal premissa. Conclui-se, então, que as funções do terapeuta e as do religioso se entrelaçam, tangenciam e integram, quando adotam e recomendam o apoio na espiritualidade para a cura. Somos seres essencialmente espirituais, encarnados temporariamente num corpo físico. E como tal, desaparecem as diferentes: negro, branco, magro, gordo, homem, mulher, brasileiro, estrangeiro. Todos unidos na equação da igualdade, que faz desaparecer os preconceitos e emergir o amor incondicional, desarmando os espíritos e trazendo a paz. Francisco de Assis afirmava que todos somos parte de uma imensa vida. Deus, normalmente, age conosco e não em nosso lugar. Faz isso também por amor, para que cresçamos e nos aperfeiçoemos. Assim, Jesus chamou Deus de pai cerca de 170 vezes, demonstrando essa parceria. Mas uma vez o chamou de “Abba, Pai!”, quer dizer, paizinho. São os milagres. Isso quer dizer que, quando não podemos mais, Deus pode, e aí pedimos com fé e acontece o milagre.Exemplos: Um cirurgião conhecido nosso, havia exaurido seus recursos técnicos durante a cirurgia. A pessoa estava morrendo. Pediu a Deus e a hemorragia se estancou, salvando a paciente. Em minha própria vida tenho observado alguns milagres. Experiência científica: dois grupos de doentes foram selecionados, para uma experiência, sem o saber. A um deles foram dirigidas orações, ao outro não. Observou-se sensível melhora no primeiro. Conclusão: A consciência e o sentimento de que um Pai amoroso cuida de nós propicia a paz, a tranqüilidade, o descanso e a cura. A oração é a comunicação com Deus e a expressão amorosa dessa confiança. A TC, sendo praticada caritativamente, com amor portanto, revela ainda mais a matriz espiritualista como eficaz na cura ou no alívio da dor psíquica. Estaria na linha da orientação bíblica: “Buscai primeiro o reino e tudo o mais vem por acréscimo”.

O terapeuta visa à cura do espírito, e para atingir essa meta tem de apoiar-

se inclusive na fé, como ensinava Jung. Os seguidores dele, assim como os

profissionais mais eficientes na área da Psicologia adotam tal premissa.

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A espiritualidade, por sua vez, é alimentada principalmente pela Religião, já

que esta é uma ponte que tem por finalidade levar-nos à fé autêntica em Deus. A

Igreja, na verdade, não é o prédio onde está instalada, mas sim seus integrantes,

tanto religiosos como leigos. Visa, em última analise, à comunhão com o Criador,

por meio da fé e da confiança no Pai. Portanto, a íntima sintonia com o Pai, a

confiança e o repouso mental daí resultantes, promovem a cura do espírito.

Conclui-se, então, que as funções do terapeuta e as do religioso se

entrelaçam, tangenciam e integram, quando adotam e recomendam o apoio na

espiritualidade para a cura.

A Terapia Comunitária, por seu turno, tem como premissa a aplicação da

psicologia da solidariedade e do afeto, gratuitamente, às pessoas e comunidades

carentes. Por ser gratuita, é um ato de caridade, e a caridade praticamente se

confunde com o amor. Sendo Deus amor, fica evidente a inter-relação da Terapia

Comunitária com a espiritualidade, e mais ainda, com o Criador.

Porque quando fazemos as coisas visando ao bem do próximo, com amor

portanto, estamos atraindo as luzes do Espírito Santo, o Reino, e tudo o mais

vem por acréscimo.

Uma outra premissa da Terapia Comunitária é a conscientização de que as

carências são, na verdade, competências. Essa afirmativa encontra apoio na

Carta de S. Paulo aos Hebreus (2, 14-18): “...Por isso devia fazer-se em tudo

semelhante aos irmãos, para se tornar um sumo-sacerdote misericordioso digno

de confiança nas coisas referentes a Deus, a fim de expiar os pecados do povo.

Pois, tendo ele próprio sofrido ao ser tentado, é capaz de socorrer os que agora

sofrem a tentação.”

Ainda outra premissa da Terapia Comunitária, segundo a qual quando

resgatamos aqueles que sofrem do mesmo mal que nos afligiu, nos auto-

resgatamos junto, encontra igualmente base na Bíblia, na recomendação do

Mestre de que devemos fazer aos outros o que queremos que façam para nós.

Somos seres essencialmente espirituais, encarnados temporariamente num

corpo físico. E como tal, desaparecem as diferenças: negro, branco, magro, gordo,

homem, mulher, brasileiro, estrangeiro. Todos unidos na equação da igualdade,

que faz desaparecer os preconceitos e emergir o amor incondicional, desarmando

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os espíritos e trazendo a paz. Francisco de Assis afirmava que todos somos parte

de uma imensa vida.

Na vida de todos nós acontecem fatos que nos levam a perguntar a nós

mesmos: “trata-se de coincidência, ou de milagre?”. Se somos pessoas de fé,

enxergamos tais fatos com os olhos da alma: faremos com mais persistência esse

questionamento, acabando por entrever nele, freqüentemente, mais um milagre.

Exemplos de tais acontecimentos na vida das pessoas contam-se aos milhares.

Relataremos apenas dois.

Mês de abril. Marcado mais um “Galeto” em prol das obras da Igreja. Retiramos

seis convites para tentar colocá-los entre os amigos. Dois deles resolvo oferecer a

um casal que programara visitar-nos, exatamente no dia daquele almoço. Ela é

minha colega de trabalho, advogada na Advocacia-Geral da União. Entreguei-lhe

os tickets numa quarta-feira. Passada uma semana, perguntou-me se eu de fato

lhe havia entregue os boletos. Afirmei que sim, com certeza. Passa-se mais uma

semana, e aí sou eu a perguntar-lhe se os encontrou. Ainda não. O que fazer:

falar com o pessoal da Igreja para substitui-lo? Não, porque outros poderiam tê-

los encontrado e se utilizarem deles. Eu já estava propenso a adquirir mais dois

convites, e entregá-los. Com ônus em dobro.

Finalmente, na manhã da terça feira da semana em que se realizaria tal

almoço, conversando com um amigo, falamos sobre o Livro de Tobias, pouco

conhecido, de minha parte, na Bíblia. A conversa girava em torno da interação

psicologia/espiritualidade. Na parte da tarde desse mesmo dia, visito a sala

daquela colega. A mesa estava repleta de processos, empilhados. Papel para todo

lado. Estava assim justamente porque ela determinara à sua secretaria que

tentasse localizar os convites. Em cima de uma das pilhas de papéis, o livro dos

livros, a Bíblia. Fechada. Enquanto eu falava com ela, toca o telefone e ela

começa a atender. Demora um pouco e eu, para não perder tempo, abro sua

Bíblia. Caiu na página inicial do livro de Tobias. Mas vi ali também uns

papeizinhos, perdidos no meio das páginas. Não os reconheci, de início, mas daí a

pouco me conscientizei de que se tratava dos convites. Mostrei-os a ela, que ficou

estupefata. Terminado o telefonema, sua primeira palavra dirigida a mim foi:

“milagre”. Também acredito que tenha sido.

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Na semana seguinte, por sugestão de um de meus filhos, fui com ele ao

Seminário de Vida no Espírito. Dentre hinos e louvores, falou-se muito numa vida

una, numa imensa vida, da qual fazemos parte, como cantava Francisco de Assis.

Hora do almoço. Fomos comer no “peso”. Em geral como bem menos que

meu filho, que costuma fazer um prato alentado. Na fila do alimento, não

estávamos perto um do outro. Encontramo-nos na mesa, onde ele já estava

sentado. Pus a nota, com o peso registrado, sobre a mesa. Depois de alguns

minutos, ele perguntou: “Pai, esta é a sua nota ou a minha?” Quando respondi

que era a minha, ele procurou a dele, comparou-as e afirmou, quase paralisado:

“715 gramos cada uma!”. Iguais, pensei, e poderiam variar de 300 a 1000

gramos. Quantas alternativas! “Que coincidência”, pensei inicialmente. Mas daí a

pouco me lembrei, com emoção, de que todos somos partes de uma imensa vida.

Foi, sem dúvida, mais um milagre. Milagre da comunhão. Graças a Deus. A

Sagrada Escritura registra esta promessa de Jesus Cristo segundo a qual “Tudo o

que pedirdes ao Pai em meu nome, acreditai que já o recebestes, e o recebereis”

(Evangelho de João).

Deus, normalmente, age conosco e não em nosso lugar. Faz isso também

por amor, para que cresçamos e nos aperfeiçoemos. Assim, Jesus chamou Deus

de pai cerca de 170 vezes, demonstrando essa parceria. Mas uma vez o chamou

de “Aba, Pai!”, quer dizer, paizinho. São os milagres. Isso quer dizer que, quando

não podemos mais, Deus pode, e aí pedimos com fé e o milagre acontece.

Mantendo abertos os olhos da alma, verificaremos que os milagres

realmente ocorrem, e não são tão raros assim. Para nós, cristãos, enxergá-los e

identificá-los, mesmo naqueles acontecimentos aparentemente triviais, não

deveria ser difícil. Porque a Palavra de Deus, revelada por meio da Sagrada

Escritura, garante ao ser humano que crê, a faculdade não somente de perceber

tal realidade, mas também a de executar prodígios, e até mesmo realizar

milagres.

Com efeito, no Evangelho de Mateus (Mt 17.20), Jesus Cristo nos confere

essa prerrogativa: “... se tiverdes fé, como um grão de mostarda, direis a esta

montanha: Transporta-te daqui para lá, e ela irá; e nada vos será impossível”. Em

João, 14.13, o Divino Mestre confirma essa faculdade: “E tudo o que pedirdes ao

Pai em meu nome, vo-lo será dado, para que o Pai seja glorificado no Filho”.

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Também em Mateus 21.21 nos certificamos de que o Salvador reitera tal

possibilidade, quando afirma: “... Se tiverdes fé e não hesitardes, não só fareis o

que foi feito a esta figueira, mas ainda se disserdes à montanha: Levanta-te daí e

atira-te ao mar, isso se fará...”.

Um desses milagres aconteceu na sala de cirurgia de um Hospital público

de Sobradinho-DF. O médico, jovem à época, realizava intervenção em

determinada paciente. Toda sua equipe a postos, cada um desenvolvendo a tarefa

que lhe competia. De súbito, uma imprevista hemorragia interna!... Iniciam-se

os procedimentos de praxe em tais casos, administrando-se, de imediato, a

transfusão de sangue. Baldado esforço, a hemorragia não estancava. O tempo

corria, o ambiente era tenso, o estoque de sangue disponível no Hospital chegara

ao fim, e a hemorragia continuava.

O médico continuava lutando por sustentar a vida da paciente, cujo

sangue celeremente se exauria. Agora, já nem sangue brotava, mas tão-somente

um líquido claro-avermelhado (soro). Os instrumentos que mediam os sinais

vitais da paciente já iam mostrando aquela temida linha reta, indicativa de que a

vida estava por um fio. Mais ainda: os olhos começavam a apresentar a

aparência vítrea, que denuncia morte iminente.

O jovem médico, entretanto, não desistia. Continuava tentando manter a

vida naquele corpo. Seus colegas de trabalho chegaram a adiantar-lhe que estava

operando um cadáver. Viu-se, então em tamanha aflição, sem outro caminho a

não ser invocar fervorosamente Deus para que ajudasse a paciente; que cessasse

a hemorragia. Foi o que fez. Somente ele permanecia no local. Repentinamente,

como por encanto, estancou-se o fluxo de líquido, e o corpo começou a apresentar

sinais de vida; com as linhas verdes dos aparelhos entrando em movimento.

A cirurgia então, obviamente, prosseguiu até o fim, com grande pasmo dos

integrantes da equipe. Terminado o trabalho, o cirurgião retornava ao lar. Mas

ainda preocupado, imaginava: “amanhã certamente estará morta. Com tudo que

aconteceu, é humanamente impossível que sobreviva”.Mas qual não foi sua

surpresa quando, retornando ao Hospital no dia seguinte, encontrou-a sentada

na cama, em seu quarto, apresentando todos os sinais de recuperação!

Esse cirurgião é o Dr. Dimas, um dos dirigentes da Renovação Carismática

Católica em nossa Igreja do Pai Nosso. Já era um homem de fé, e com essa

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manifestação do poder divino, passou a tê-la em maior profundidade ainda. Hoje

faz questão de divulgar o fato, para maior honra e glória de Deus.

Recentemente foi feita uma experiência científica quanto ao poder da

espiritualidade, mais especificamente da oração: dois grupos de doentes foram

selecionados, para essa prática, sem o saber. A um deles foram dirigidas orações,

ao outro não. Observou-se sensível melhora no primeiro. Conclusão: A

consciência e o sentimento de que um Pai amoroso cuida de nós, propicia a paz,

a tranqüilidade, o descanso e a cura. A oração é a comunicação com Deus e a

expressão amorosa dessa confiança. A Terapia Comunitária, sendo praticada

caritativamente, com amor portanto, revela ainda mais a matriz espiritualista

como eficaz na cura ou no alívio da dor psíquica. Estaria na linha da orientação

bíblica: “Buscai primeiro o Reino e tudo o mais vem por acréscimo”.

Finalmente, observa-se que o vertiginoso desenvolvimento da ciência e da

tecnologia verificado nas últimas décadas, projetou-se quase que em sua

totalidade no aspecto material. Urge que os valores maiores, transcendentais,

espirituais e com ênfase ao desenvolvimento do coração – rumo ao amor

incondicional -, acelerem seu desenvolvimento, para alcançar aquele outro

progresso obtido pela ciência materialista.

A Terapia Comunitária se apresenta como um instrumento valioso e

inspirado, que muito ajudará a humanidade em sua progressiva caminhada de

reconstrução do ser humano, desvendando o amor rumo ao radioso porvir.

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IMPLANTAÇÃO DA TERAPIA COMUNITARIA NO BRASIL

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SEMELHANÇAS QUE FAZEM DIFERENÇA NA TERAPIA COMUNITÁRIA8

Liliana Beccaro Marchetti

Lia F. G. Fukui Maria da Salete Leite Vianna

PALAVRAS-CHAVE: Terapia Comunitária; Grupos; Psicologia; Grupos.

RESUMO

Neste relato as autoras discutem a sua experiência com cinco diferentes grupos de terapia comunitária em São Paulo. A vivência com estes grupos permitiu às autoras identificarem como denominador comum a primazia do discurso centrado no eu (self), através do qual a comunicação da experiência pessoal potencializou a socialização e a formação de redes. Embora distintos na composição, os grupos foram igualmente soberanos na escolha das suas metas e objetivos; a maioria das vezes definiram-se de maneira implícita e respeitosa os limites e o grau de aprofundamento das sessões; e os participantes fizeram conluios que determinaram o timing e as necessidades de cada grupo. O terapeuta comunitário precisa estar atento a estas semelhanças para que seu trabalho seja efetivo. Estas percepções se desenvolvem no decorrer da terapia e são completamente explicitadas no momento da avaliação.

1. INTRODUÇÃO

A terapia comunitária é uma técnica simples de trabalho em grupo,

solidamente ancorada na teoria sistêmica, teoria da comunicação e antropologia

cultural. Foi desenvolvida pelo Prof. Dr. Adalberto Barreto, docente de Medicina

Social da Universidade Federal do Ceará, que trabalha no tema desde 1987,

reconhecido internacionalmente e divulgador da técnica por vários estados

brasileiros.

A terapia comunitária surgiu da necessidade de atendimento a grandes

grupos de pessoas com problemas e sofrimento psíquico. Trata-se de um

procedimento terapêutico de caráter preventivo em saúde mental (atenção

primária), fomentador de cidadania e que permite a construção de redes

solidárias. Vem sendo desenvolvida em comunidades carentes e em contextos de

precariedades fundamentais, através de equipes institucionais públicas, privadas

e/ ou voluntárias. 8 Grupo TCendo.sp – Nemge – USP / Rua Campevas, 447 – Perdizes São Paulo - SP- CEP 05016-010 – Telfax. 3672 2426 e-mail: [email protected]

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Trata-se de uma técnica inovadora e de fácil aplicação, que atinge um

grande número de pessoas, tornando-se desta forma uma ferramenta de

promoção de saúde. É um instrumento valioso para se diagnosticar e atender as

carências, lacunas de conhecimento e problemas emergentes específicos de

grupos nos mais diferentes lugares. Mostra-se também um procedimento

privilegiado para a divulgação de informações e para uma efetiva comunicação

com a população.

Neste trabalho procuramos trazer algumas reflexões baseadas na nossa

experiência com cinco diferentes grupos em que pudemos experimentar os

fundamentos e o formato da terapia comunitária. Pensamos desta forma

contribuir para a prática da terapia comunitária e também para a reflexão do

terapeuta comunitário sobre a sua prática para que esta se torne cada vez mais

efetiva e agregadora de conhecimento.

2. MÉTODOS 2.1.CARACTERIZAÇÃO DA EQUIPE

Nossa equipe é composta por três profissionais com formações distintas.

Uma assistente social, uma psicóloga terapeuta de família e uma socióloga. Além

de sólida experiência em nas respectivas áreas apresentávamos em comum o

conhecimento do trabalho com grupos e um desejo enorme de fazer a terapia

comunitária. Então iniciamos nosso trabalho de terapia comunitária a partir da

formação em Morro Branco, no Ceará, em Agosto de 2001.

2.2. CARACTERIZAÇÃO DOS GRUPOS Todos os grupos se realizam em São Paulo na capital: três no bairro do Rio

Pequeno, um no bairro do Alto da Lapa e o último no bairro de Pinheiros. Abaixo

apresentamos o sumário das características dos grupos:

Grupo da Natividade - Capela da Natividade – início Agosto de 2001 Reunião: todo 4º sábado do mês das 14h às 15:30h

Endereço: R Álvaro Osório de Almeida altura da Av N.S. Assunção, 450- Vila

Butantã

Característica do Grupo: Comunidade de bairro de classe média baixa, além de

líderes comunitários de bairros vizinhos e alguns representantes da favela

vizinha.

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Desenvolvimento: Este grupo procura diminuir o preconceito de classe.

Grupo “De bem com a vida” – Paróquia São Mateus – início Julho de 2002 Reunião: toda 1a quinta feira do mês das 14h às 15:30h

Endereço: R Prof. Jose Maria Alckmin 254 - Fone: 11-3719 56 79

Característica do Grupo: 3a Idade

Desenvolvimento: Este grupo procura aliviar problemas, estabelecer vínculos

produtivos e significativos, ampliar sua rede. O grupo funciona como referência

para cuidar de pessoas que precisam de ajuda no bairro.

Grupo “Pacientes, Familiares, e Interessados em Epilepsia com Transtorno Mental” – IPQ do Hospital das Clínicas – FMUSP – início Setembro de 2002 Reunião: toda 2ª segunda feira do mês das 14h às 15:30h

Endereço: IPQ do HCFMUSP, 2º andar na enfermaria da Neurocirurgia Funcional.

Característica do Grupo: Grupo de pacientes, familiares, equipe do Projepsi e

pessoas ligadas aos portadores de epilepsia com transtorno mental.

Desenvolvimento: Este grupo procura aumentar a socialização de pessoas que

além de epilepsia têm um transtorno mental, aumentar sua rede, que para

maioria não existe, estabelecer vínculos e exercício da cidadania. Iniciou-se uma

discussão para a criação de uma associação.

Grupo “Cuidando do Cuidador” - Paróquia São Patrício – início Novembro de 2002 Reunião: toda 1ª quinta feira do mês das 17h às 18:30h

Endereço: Av. Otacílio Tomanik, 1555 - CEP 05363-101 – fone: 11-3768 32 03

Característica do Grupo: Grupo de líderes comunitários

Desenvolvimento: A demanda deste trabalho foi a abordagem de problemas de

relacionamento existentes nos grupos de trabalho da paróquia: competição,

ciúmes, e outros. Este grupo esta se iniciando.

Grupo no CEAF – início Dezembro de 2002 Reunião: quinzenal, às quinta feiras das 14h às 15:30h

Endereço: Rua Japuanga, 235 – Alto da Lapa – fone: 11-3022 3840

Característica do Grupo: É um grupo de fila de espera para atendimento

institucional específico em terapia familiar.

Desenvolvimento: Neste grupo o objetivo é a diminuição da tensão da espera.

Também é um trabalho inicial.

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Observando-se acima é possível verificarmos as diferenças na composição

dos grupos. É importante salientar que seus objetivos e metas vão se delineando

ao longo da terapia comunitária, assim como seus limites, timing, necessidades,

grau de envolvimento e desenvolvimento.

2.3. PROCEDIMENTOS

A metodologia adotada para todos os grupos é a mesma.

Adotamos o modelo de terapia comunitária desenvolvido pelo Professor

Doutor Adalberto Barreto, que se constitui num grupo aberto do qual participam

pessoas nas mais variadas situações, que buscam a resolução de problemas

pessoais. Dele podem participar pessoas nas mais variadas idades, com

problemas gerais e/ ou específicos. Pode ser realizado em instituições religiosas,

centros comunitários, centros de saúde, hospitais, escolas, associações de

moradores, sindicatos e outros.

A freqüência de reuniões é mensal (exceto no caso do Ceaf em que é

quinzenal), por aproximadamente 2 horas, podendo dela participar qualquer

pessoa.

Seguimos de maneira cuidadosa a seguinte estrutura:

1. ACOLHIMENTO (7min): Ambientar o grupo, definir a terapia comunitária e as

regras para o funcionamento do grupo. Passar a direção ao diretor do dia.

1.1.AQUECIMENTO (8min): aquecer o grupo para trabalhar, dando-se algum

exercício, brincadeira, etc.

2. ESCOLHA DO TEMA (5min): levantar todos os temas, anotar e resumir para

que o grupo possa fazer a escolha do que será discutido. O grupo escolhe o tema

a ser discutido, que será apresentado pelo protagonista do problema.

3. CONTEXTUALIZAÇÃO (15min): Este é o momento de entender o problema da

pessoa. Ela vai explicar, contar seu problema e todos podem fazer perguntas que

a ajudem a esclarecer a dor dessa pessoa. Preparam-se pelo menos dois motes

(pergunta chave que vai permitir a reflexão do grupo sobre o sentido do

comportamento na situação problema, para facilitar e tornar consciente o que a

pessoa está querendo comunicar). Somente quando os motes estiverem prontos

passa-se para a próxima etapa. Níveis possíveis de Mote: individual, familiar,

comunitário e social mais amplo.

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4. PROBLEMATIZAÇÃO (30 a 40min): Neste momento o protagonista ouve, fica

em stand by. Coloca-se o mote para motivar as pessoas do grupo a trazerem suas

experiências, vivências e principalmente as resoluções criativas das suas

situações-problema.

5. TÉRMINO (10min): Ritual de agregação e conotação positiva. Terapeuta pede

ao grupo para ficar de pé. A pessoa que está em stand by vai receber uma

conotação positiva do terapeuta que em seguida convida o grupo fazer o mesmo.

Para finalizar o grupo é chamado a dizer o que levará para casa daquela sessão e

o que aprendeu.

A equipe ao final de cada sessão faz uma avaliação do trabalho que

chamamos avaliação à quente. Avaliações à frio são realizadas em reuniões

periódicas para reflexão e avaliação do trabalho da equipe. Além disso, ao cabo de

10 sessões de cada grupo, sistematicamente, fazemos um levantamento, uma

avaliação com todos os participantes dos grupos, para orientar, nortear e verificar

o andamento do nosso trabalho.

3. RESULTADOS

Os resultados se mostram em vários níveis.

Aquecimento - A maneira como se opera o acolhimento dos participantes é

de primordial importância para o bom andamento do encontro. Nas primeiras

reuniões sentíamos necessidade de, após o acolhimento, realizar algum tipo de

dinâmica que envolvesse o grupo, daí o aquecimento dentro do acolhimento.

Condução - direção do grupo – ocorreu sem problemas. Os membros da

equipe se alternavam na direção a cada sessão. Uma pessoa se encarregava do

acolhimento, a outra da direção, a terceira complementava o trabalho das duas

primeiras caso necessário, com o cuidado de não interferir na atuação de quem

estava na direção. Atualmente filmamos, então a terceira pessoa encarrega-se da

filmagem.

Dificuldades – Inicialmente foram em relação ao mote. O mote genérico foi

sempre colocado e, portanto o mais usado. O mote simbólico quase não foi

empregado no início, mas com a prática ele vem surgindo em nossas atuações.

Outra dificuldade foi estabelecer elos das questões apresentadas num âmbito

mais amplo, isto é, as dimensões que os problemas assumem no âmbito da

comunidade e da sociedade, por exemplo, o alcoolismo quando abordado no

Page 46: Anais Do i Congress Od Etc

46

grupo, não chegou a ser discutido ou apresentado em suas implicações sociais

mais amplas. Outra dificuldade que se impôs foi o furor interpretativo de quem

tem experiência com psicoterapia, que necessita aprender a operacionalizar a

interpretação, fazendo dela algo comum e passível de ser comunicado, portanto

um grande treino para os psicólogos e afins. A experiência vem mostrando que à

medida que treinamos resolvemos todas estas dificuldades.

Diferenças dos grupos – Apesar das diferenças nas composições dos

grupos a terapia comunitária pode ser levada a diferentes lugares.

Músicas - Serviram de abertura para o trabalho em grupo e para

finalização. No decorrer da terapia comunitária foram poucas as músicas

apresentadas apesar de contarmos com dois participantes que tocavam violão,

num dos grupos. Parece ser uma característica da nossa equipe, que é mais

verbal. A falta de música foi preenchida com piadas e ditos populares que

proporcionavam ao grupo alívio das tensões e permitiram gestos de solidariedade,

compreensão e aceitação das situações relatadas.

O que poderia ser melhorado – Os grupos precisam de um nível maior de

organização e vínculo para chegar a desenvolver ou colocar questões de ordem

comunitária. Ficamos apenas nos relatos individuais. Há uma solidariedade que

se instala, um sentimento de grupo, de pertencimento que se esboça, mas que

não chegou ainda a uma reflexão sobre os problemas que atingem a todos além

do âmbito familiar. Interpretamos que isto ocorreu talvez porque os grupos estão

em momentos diferentes de desenvolvimento comunitário. Apenas o grupo da 3ª

Idade, chegou a estabelecer uma rede de relações comunitárias, que vem se

formando e sendo referência para o cuidado de pessoas necessitadas na sua

comunidade no bairro.

Equipe - Embora esta constituição multiprofissional em alguns momentos

acarrete uma forte sensação de uma torre de Babel, a diversidade enriquece a

discussão, promove o desenvolvimento pessoal e profissional e cria possibilidades

inusitadas de entendimento e compreensão das situações levantadas.

4. CONCLUSÃO

Esta maneira simples de abordar problemáticas faz da terapia comunitária

um grande instrumento de apoio, solidariedade e cidadania.

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47

Consideramos a primazia do discurso centrado no eu (self), através do qual

a comunicação da experiência pessoal e emocional potencializa a socialização e a

formação de redes, ser o denominador comum, ponto convergente do trabalho na

terapia comunitária. A importância de o indivíduo estar entre pessoas de um

grupo, dizer seu nome e colocar na 1ª pessoa do singular a sua colocação, seja

ela um comentário ou uma experiência cria uma identidade e um sentido de

pertencimento que nenhuma outra situação promove.

As diferenças na composição dos grupos, não impedem a soberania dos

grupos na escolha das suas metas e objetivos.

Durante o trabalho vamos percebendo que se definem de maneira implícita

e respeitosa os limites e o grau de aprofundamento das sessões.

Os participantes fazem conluios que determinaram o timing dos temas e as

necessidades de cada integrante e do grupo.

Estas percepções se desenvolvem no decorrer do trabalho e são

principalmente explicitadas no momento da avaliação, em dois tempos, avaliação

à quente e à frio, que fazemos na equipe.

Portanto aquilo que parece ser diferente tem semelhança, e o semelhante

ocorre na diferença, fazendo da experiência com a terapia comunitária uma

aprendizagem rica e plena em desenvolvimento tanto para aquele que participa

dela, assim como para aquele que a pratica, o terapeuta.

O pressuposto básico, a diferença, é inerente. Cada um é um.

5. BIBLIOGRAFIA Ausloos, G – A competência das famílias – Lisboa, Climepsi Editores, 1996.

Barreto, A – Manual do terapeuta comunitário da pastoral da criança – Movimento Integrado de Saúde Mental Comunitária – Universidade Federal do Ceará – Departamento de Saúde Comunitária, 1997

Barreto, A; Boyer, JP – O Índio que vive em mim – O itinerário de um psiquiatra brasileiro – São Paulo, Terceira Margem, 2003.

Pichon-Rivière, E – O Processo Grupal – São Paulo, Martins Fontes, 2000.

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TERAPIA COMUNITÁRIA: UMA EXPERIÊNCIA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA9

Maria da Graça Pedrazzi Martini1 Cleusa C. Casarin Andrello2

PALAVRAS CHAVES: Terapia Comunitária, Rede Pública de Saúde; Secretaria da Assistência Social; Equipe Multiprofissional.

RESUMO A Terapia Comunitária surgiu na década de 80 idealizada pelo Dr. Adalberto Barreto. Desde então, vem procurando contribuir para o resgate, a valorização e a competência da comunidade, da família, do indivíduo, na superação das dificuldades e no exercício da cidadania. A Prefeitura de Londrina, Paraná, através de iniciativa da Secretaria da Assistência Social, em parceria com as Secretarias de Saúde e da Mulher, iniciou capacitação de técnicos em outubro de 2002, buscando o envolvimento de 61 profissionais, sendo: 28 assistentes sociais, 08 psicólogos, 08 enfermeiros, 06 educadoras sociais, 05 auxiliares de enfermagem, 03 terapeutas ocupacionais, 01 psicopedagoga, 01 médica e 01 auxiliar de creche. São objetivos da implantação da Terapia Comunitária, como mais uma estratégia de intervenção e ferramenta de trabalho: realizar diagnóstico da cidade para mapeamento da situação psíquica interativa das comunidades; promover a articulação dos serviços públicos nas diversas áreas de atendimento; buscar a superação da cultura da ajuda; e ampliar a perspectiva de humanização e a construção coletiva no enfrentamento a pobreza. Até o momento foram realizadas 290 terapias comunitárias, em diversas regiões da cidade, abrangendo zonas urbana e rural. Uma das propostas é que a Terapia Comunitária possa ser adotada e consolidada no âmbito das políticas públicas do município nesta gestão, e ampliada nos próximos anos.

A atual gestão municipal tem como fio condutor na sua política social a

busca da inclusão social e do resgate da cidadania, para tanto, investiu na

9 Prefeitura do Município de Londrina, Estado do Paraná 1 Maria da Graça Pedrazzi Martini, Pedagoga, Psicopedagoga da Secretaria Municipal de Educação- Londrina, Coordenadora da Terapia Comunitária, Psicopedagoga Institucional do Projeto Viva a Vida da Secretaria Municipal de Assistência Social, e-mail : [email protected], endereço: Rua Coronel Camisão, 380 apto 131, Jardim Europa, CEP 86.015-690. Londrina-Pr 2 Cleusa Cristina Casarin Andrello, Psicóloga e Gerente de Apoio à Mulher do CAM- Centro de Atendimento à Mulher da Secretaria Municipal da Mulher- Londrina, Coordenadora da Terapia Comunitária em Londrina e-mail [email protected], endereço: Rua Francisco Marcelino da Silva,616, Parque Itatiaia, CEP 86047-160. Londrina-Pr

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ampliação das políticas sociais, no aprimoramento técnico, na implantação de

ações integradas, no envolvimento da comunidade e na edificação do ser

humano, levando-o a resgatar a fé em si mesmo. A Terapia Comunitária vem ao

encontro desta mudança paradigmática no modelo de intervenção, fazendo do

assistido um parceiro nas decisões políticas do município. Em função disso, a

Terapia Comunitária se apresenta como ferramenta de trabalho que suscita na

comunidade o resgate da produção de conhecimento, na superação das

dificuldades baseadas nas experiências de cada indivíduo. Sendo assim, rompe

com o caráter clientelista e meritocrático e resgata o capital sócio-cultural da

comunidade tornando-a co-autora das decisões e das políticas sociais.

A família é considerada pelos estudos nas áreas social, antropológica,

psicológica e psicopedagógica, como um sistema que possui um importante papel

no desenvolvimento da sociedade, e como tal, as primeiras experiências com a

Terapia Comunitária já têm contribuído para fortalecer o grupo familiar, bem

como a comunidade e a rede de serviços, possibilitando uma ação integrada de

transformação social. Consideramos de fundamental importância fortalecer os

vínculos afetivos e o sentimento de pertença da família e da comunidade,

promover o desenvolvimento comunitário, ao mesmo tempo em que mantemos

uma ação efetiva através da Terapia Comunitária e outras intervenções técnicas

que possibilitem o exercício de participação social, para que, mais tarde, os

membros destas possam atuar nos mais diversos grupos sociais.

Um dos primeiros e mais relevantes estudos que reconheceu o poder do

amor e dos relacionamentos, no sentido de modificar os efeitos prejudiciais de

comportamentos não-saudáveis, foi realizado em Roseto(Ornish,1998), uma

cidade ítalo-americana, e tem sido utilizado há mais de cinqüenta anos. O estudo

constatou que Roseto apresentou um baixíssimo índice de mortalidade por

ataque cardíaco durante os primeiros trinta anos de estudo, quando comparado

com Bangor e Nazareth, duas outras comunidades vizinhas. Os fatores de risco

de doenças cardíacas como o fumo, dieta com alta taxa de gordura, diabetes etc.,

tinham a mesma incidência na cidade de Bangor e Nazareth. As três

comunidades eram servidas pelo mesmo hospital / médicos e pelo mesmo

fornecimento de água. Os pesquisadores levantaram a hipótese de que a

estrutura estável de Roseto, a ênfase na coesão familiar e a natureza de apoio

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50

mútuo da comunidade podiam proteger os habitantes contra doenças cardíacas

e conduzir à longevidade. A hipótese estava correta. No fim da década de 1960 e

início da de 1970, Roseto passou por um processo de mudança que partiu de

uma comunidade de três gerações de famílias extremamente fiéis à religião, aos

relacionamentos e aos valores tradicionais, a uma comunidade com menos

coesão. Esse abandono dos laços de família foi acompanhado de um aumento

significativo em mortes por doenças cardíacas. Durante esse tempo, o índice de

mortalidade chegou ao nível das comunidades vizinhas.

A força do apoio social foi comprovada no “Estudo da Finlândia” onde

mais de treze mil pessoas foram estudadas, num período de cinco a nove anos.

Os homens socialmente isolados apresentaram um risco de morte duas ou

três vezes maior do que os que se sentiam socialmente conectados com a

comunidade.

Um outro estudo semelhante desenvolveu-se com três grupos de três

comunidades do leste de Boston, Massachusetts; New Haven, Connecticut e dois

municípios rurais no Lowa, com pessoas de 65 anos ou mais, a fim de verificar se

o isolamento social aumenta os riscos de mortalidade para homens e mulheres

idosos. Depois de cinco anos as pessoas sem elos sociais das três comunidades

apresentaram um risco duas ou três vezes maior de mortalidade comparado ao

risco das que tinham no mínimo quatro elos sociais. (Ornish,1998)

O que tem em comum o “Estudo de Roseto” e o “Estudo da Finlândia”

com a Terapia Comunitária?

Ambos vêm solidificar a importância de fortalecermos os vínculos afetivos

e a força curativa do apoio social. Através da Terapia Comunitária possibilitamos

a construção de uma sólida rede de apoio às famílias e a comunidade.

Os efeitos do apoio social visando ao fortalecimento dos vínculos afetivos,

ao sentimento de pertença e ao resgate da identidade cultural da comunidade

são imensuráveis, pois o amor e a construção de uma rede de apoio familiar e

social, promovem a sobrevivência. Dar e receber amor são atos afirmativos da

vida.

Nos grupos de Terapia Comunitária há produção de uma “energia social”

que é o somatório das participações individuais e que, quando bem direcionada,

deixa esses grupos mais “ego-resilientes”, pois conseguem se situar melhor e se

Page 51: Anais Do i Congress Od Etc

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adaptar nas suas interações (Celia, 1997). Ao atuarmos como terapeutas

comunitários, descobrimos a nossa própria capacidade de resiliência ao mesmo

tempo em que promovemos a do grupo. Segundo Maldonado (1997), resiliência

significa “capacidade de pessoas, grupos e comunidades minimizarem ou

superarem os efeitos nocivos das situações difíceis e das adversidades sem se

desestruturarem”. As pessoas resilientes conseguem enfrentar dificuldades em

momentos de crise sem se desestruturarem como uma árvore flexível cujos galhos

dobram num vendaval, mas não se quebram.

Buscamos, através da Terapia Comunitária, trazer a família para um

espaço de diálogo interativo que a faça sair de si mesma, da sua dor, da

paralisia do seu potencial criativo, resgatando o papel de cuidadora, geradora e

mantenedora do amor. Como nos lembra Barreto, “não podemos esquecer que

é a parte sadia que fica ao redor da ferida que vai ajudar na

cicatrização.”

Em função disso, devemos pensar em promover reflexões na

comunidade, cujo foco seja a participação efetiva na sociedade, resgatando o

sentido de semelhança, de confiança e de esperança. A medida que a

comunidade pensa coletivamente em seus problemas e nas suas soluções, reflete

também sobre seus direitos e deveres, sobre a utilização da rede de serviços

existente em seu bairro, o seu papel em relação a ela e, efetivamente, as

possibilidades de participação ativa na construção da cidadania. Começa a

edificar a própria vida. Isso significa, não só desenvolver o afeto entre as pessoas,

o que por si só já seria gerador de grande mudança na vida de cada um, mas

através da possibilidade das pessoas dialogarem e interagirem entre si, possam

construir uma perspectiva própria de vida e redescobrir o próprio sentido dela.

Pretendemos dialogar com a perspectiva, os sonhos, o desejo, o potencial criativo

e cognitivo de cada um, mas principalmente, com a essência divina que habita

em cada ser humano através do exercício da cidadania .

A tarefa não é fácil, pois encontramos nos bolsões de pobreza na periferia

da cidade de Londrina e na zona rural, muitas vezes, pessoas arrancadas de seu

lugar de origem, à margem da cidade como se não tivessem autorização para

participar da sociedade. Nada lhes pertence, nem a cidade, nem a casa. Não há

direito ao emprego, à escolaridade, pois seus filhos não conseguem aprender

Page 52: Anais Do i Congress Od Etc

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nessa escola que está aí, e nem direito à própria cultura que anestesiou-se pelo

medo, depressão, alcoolismo, drogas e pela fragilidade dos vínculos afetivos

decorrentes da ausência do sentimento de pertença. A parte sadia do ser

humano fica soterrada pela violência cotidiana, pelo estresse da fome, pelo

desemprego e pela flagelação da vida humana, abrindo espaço para a Lei de

Talião: “olho por olho, dente por dente”. A vida passa a acontecer no improviso, a

sobreviver um dia de cada vez, a buscar a comida de hoje, a pinguinha de hoje

(anestesiar –se para agüentar a espera indefinida do dia de amanhã), não há mais

planos ou sonhos... A vida é feita do “agora ”.

Diante da leitura simplificada dessa realidade onde as pessoas são

abortadas da sociedade e principalmente desconectadas do seu próprio “EU”, a

Terapia Comunitária busca, junto às famílias na comunidade na qual estão

inseridas, estimular o potencial criativo de cada um abrindo espaço para que as

pessoas descubram que são sujeitos de transformação social e que, refletindo e

buscando soluções em grupo, ganham força pra tomarem novamente as “rédeas”

da vida em suas mãos, saindo do papel de vítimas e investindo na construção da

própria felicidade rumo à cidadania.

“O pior inimigo de nós mesmos somos nós mesmos. Quando se toma

consciência disso, passamos a estar mais atentos, exigentes e a sermos mais

responsáveis e deixamos de estar culpabilizando os outros pelas coisas que não

estão dando certas.” (Barreto)

Portanto, buscamos, através da Terapia Comunitária, atuar no campo das

causas das questões que afligem a comunidade no seu cotidiano, pois sem um

espaço que proporcione momentos de reflexão envolvendo a família e a

comunidade, o foco da administração pública ficaria apenas nos sintomas como:

distúrbios de conduta, problemas orgânicos, drogas, agressividade e violência

urbana e doméstica. Desta forma, por muitos anos, temos atuado como

bombeiros sociais buscando conter um foco de fogo aqui, enquanto outro se

alastra rapidamente ali, sem nenhuma possibilidade de apagá-lo por completo.

Esse é o desafio da proposta da Terapia Comunitária na Cidade de

Londrina. Desafio à mudança de paradigma na comunidade, ou seja,

abandonar a visão linear dos problemas centrada nas pessoas e nos problemas

individuais, para uma visão circular que penetra nas reais possibilidades de

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mudança das famílias a da comunidade. Na abordagem sistêmica, a família e a

comunidade passam a ser entendidas como integrantes de vários sistemas

(familiar, religioso, escolar, social,etc..) e que cada um desses sistemas interfere

no seu dia-a-dia. Desejamos integrar todos esses sistemas com a finalidade de

edificar uma sólida rede de apoio social que dê suporte aos movimentos de

mudança da comunidade decorrentes da prática da Terapia Comunitária.

E com tal objetivo, em outubro de 2002, iniciou-se em Londrina, cidade

do Estado do Paraná, a formação dos técnicos da administração pública, pela

Universidade Federal do Ceará, ministrada pelo Prof. Dr. Adalberto Barreto.

Londrina é a terceira cidade do Sul do País em população, cuja contagem

do Censo do IBGE em 2000 foi de 446.822 habitantes. Em sua economia

predomina o setor terciário, Comércio e Serviços, sendo também pólo de uma

região essencialmente agrícola.

Para que tenhamos idéia da importância do trabalho aqui proposto, vale

informar que quanto à realidade social do município, a população chefe de

família com renda de até 2 salários mínimos corresponde a 41.016 famílias ou

160.354 pessoas (IBGE 1996).Na Cidade há 8.973 famílias distribuídas em 57

favelas, assentamentos e ocupações, o que corresponde 45.516 pessoas (COHAB

1999) em situação de extrema pobreza, ou seja, 10% da população de Londrina

vive em situações precárias.

A capacitação dos servidores municipais está acontecendo em 04 módulos,

abrangendo parte prática e teórica. Após o 1º módulo os 61 profissionais

formaram 20 grupos de 03 elementos cada, para iniciarem a Terapia

Comunitária nas comunidades. A formação dos grupos privilegiou a

intersetorialidade e a interdisciplinaridade, ou seja, buscou-se incluir, quando

possível, um elemento de cada secretaria e/ou de formação técnica distinta. Para

definir a riqueza desta integração, parafraseamos Adalberto Barreto “Cada uma é

rica naquilo que a outra é pobre. Será dessa diferença básica, respeitando as

especificidades de cada ciência que poderemos construir redes de prevenção, cura

e inserção social”.

Com o objetivo de traçar um perfil da situação psíquica das comunidades a

cidade de Londrina foi dividida em seis regiões : Norte, Sul, Leste, Oeste, Centro e

Rural. Os grupos que têm sido beneficiados pelas Terapias Comunitárias são :

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- mulheres, adolescentes e crianças abrigadas, em situação de risco; mulheres

em situação de violência atendidas pelo Centro de Atendimento à Mulher;

hipertensos, diabéticos, gestantes, idosos, pacientes que procuram unidades

básica de saúde; saúde mental( adultos e adolescentes), pacientes da

Comunidade Terapêutica-Espaço Vida (usuários de drogas), cuidadores do

programa de internação domiciliar; doentes portadores de câncer;

comunidade do Projeto Ação Comunitária; clubes de mães e associações de

moradores do bairros atingidos; coordenadores, pais, crianças e adolescentes

do projeto Viva a Vida – atendimento de crianças e adolescentes em situação

de risco, idade de 07 a 14 anos; usuários do Projeto Sinal Verde – abordagem

de crianças, adolescentes e adultos moradores de rua; usuários do Programa

Bolsa Escola Municipal ; usuários do Programa Renda Mínima; adolescentes

atendidos pelo POP – Programa de oficinas pedagógicas para

profissionalização de adolescentes em situação de vulnerabilidade social,

idade atendida de 14 a 18 anos; crianças e adolescentes em situação de risco,

alojadas na Casa Abrigo.

As Terapias Comunitárias têm sido realizadas semanalmente, nos grupos

discriminados acima, em horários e locais fixos, atendendo as regiões que foram

priorizadas. Os terapeutas comunitários recebem supervisão mensal da

Psicóloga e Terapeuta Comunitária Inês Kizlek de Curitiba, Paraná, para diminuir

as dificuldades, repensar estratégias e para realimentação da motivação pessoal.

A partir das Terapias Comunitárias realizadas pelos grupos, destacamos os temas

mais freqüentes propostos e trabalhados nas comunidades :

REGIÃO NORTE: Temas Propostos : Desemprego, solidão

Temas Trabalhados : Desemprego , Conflito Familiar

REGIÃO SUL: Temas Propostos : Alcoolismo/agressão, Luto

Temas Trabalhados : Alcoolismo/agressão, Tentativa de Suicídio e Dependência

de Drogas

REGIÃO LESTE : Temas Propostos : Alcoolismo, Conflito Conjugal

Temas Trabalhados : Conflito entre pai e filho, Alcoolismo e Sofrimento por

doença

REGIÃO OESTE : Temas Propostos : Preocupação com os filhos, Luto e depressão

Temas Trabalhados : Preocupação com os filhos, Depressão

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REGIÃO RURAL: Temas Propostos : Alcoolismo, Preocupação com os filhos

Temas Trabalhados : Alcoolismo, Luto

REGIÃO CENTRAL: Temas Propostos : Alcoolismo, Problema de saúde

Temas Trabalhados : Alcoolismo, Problema de saúde

Após os primeiros módulos de capacitação teórica, os técnicos têm

realizado a vivência prática, e de posse dos dados levantados, a administração

pública, representada pela Secretária de Assistência Social, as Secretarias

parceiras e a coordenação geral, têm analisado a possibilidade de expansão do

trabalho da Terapia Comunitária em outros grupos a serem formados.

No decorrer da vivência prática, os terapeutas comunitários se depararam

com algumas dificuldades, que foram elencadas em supervisão e serão

encaminhadas da seguinte forma :

- divulgação através de : mídia, artigos nos jornais, cartazes nos transportes

coletivos, confecção de folders / banners / logomarca, mapa da cidade

Londrina para identificação dos locais onde acontece a Terapia Comunitária;

reunião mensal para supervisão e sessões de fita de vídeo; convite para

profissionais da área de antropologia para palestras sobre Londrina;

estratégias para envolvimento das lideranças negativas da comunidade que

dificultam o desenvolvimento das terapias: 1.convite às lideranças de todas as

regiões para participarem de terapia específica em local neutro com estrutura

de apoio e acolhida; 2.evitar confrontos diretos; 3.buscar articulações e

alianças com novos elementos; 4.realizar terapias com motes elaborados,

promoção da auto-estima e valorização da dedicação, especialmente

lideranças antigas; 5.troca de equipes nas regiões que são de origem de

atuação.

- a coordenação geral solicitou aos grupos : relatório contendo mapeamento dos

aparelhos públicos da região onde é desenvolvida a terapia comunitária

(Escolas, Unidades Básicas de Saúde, Pastorais, Igrejas, Associações

comunitárias, Grupos e Sindicatos); a partir do mapeamento realizado,

desenvolver campanhas de sensibilização/informação da proposta, junto aos

aparelhos públicos através de reuniões e contatos com lideranças e chefias

dos aparelhos; que mantenham as terapias em horários e locais fixos, e no

caso de mudança que informem; que avaliem a possibilidade de realizar

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terapias domiciliares, em casos esporádicos, de forma que não comprometam

a chegada do novo participante ao local previamente divulgado. Que estas

sejam realizadas de forma itinerante e/ou articuladas com a comunidade;

que identifiquem a partir dos vínculos estabelecidos entre equipe e

participantes, elementos colaboradores para atuarem na comunidade;

solicitem a colaboração dos agentes comunitários de saúde, professores,

padres, pastores, líderes religiosos, e participantes das terapias comunitárias

entre outros, para divulgação junto à comunidade do dia e horário das

terapias; que planejem encontros com lideranças locais, utilizando-se de

recursos audiovisuais, confraternizações para informações gerais e terapias,

de forma a envolvê-los na construção da rede.

- a coordenação geral pediu as seguintes providências aos secretários

municipais envolvidos: que divulguem junto aos outros secretários do

município, a proposta de terapia comunitária, com o objetivo de

intersetorialidade, para efetivar os serviços em rede e no âmbito das políticas

públicas; que tenham conhecimento dos calendários programados das terapias

comunitárias de seus servidores para que estes não sejam prejudicados em

razão de serviços agendados; que haja apresentação oficial dos terapeutas às

autoridades.

Segundo relatos em terapias realizadas, alguns participantes já

conseguiram redimensionar a afetividade, a solidariedade e o sentimento de

união, sentindo-se identificado e apoiado pela comunidade. O que temos

conseguido de avanços neste curto espaço de tempo é reforçar os valores

culturais e universais, valorizando as potencialidades, resgatando a auto-estima

e conseqüentemente a fé em si mesmo. É evidente também o fortalecimento dos

vínculos afetivos entre as pessoas da comunidade evidenciada através da

organização comunitária para receber os terapeutas semanalmente, pelos relatos

de agradecimento e crescimento pessoal. Os profissionais afirmam que as

pessoas estão menos agitadas no cotidiano dos atendimentos, há uma maior

desenvoltura para falar no grupo, mais segurança nas argumentações dos

participantes e maior concentração durante as terapias. Está havendo revelação

do potencial criativo dos participantes através da produção de músicas e poesias

e motivação para aprender a tocar violão, além de participação em cursos

Page 57: Anais Do i Congress Od Etc

57

promovidos a partir das necessidades levantadas em terapia, tais como :

confecção de velas, aperfeiçoamento em serviços domésticos, culinária de soja,

argila, entre outros.

Alguns encaminhamentos já foram realizados ao final das terapias tais

como: atendimento a mulheres em situação de violência, assistência social e

jurídica, programa de renda mínima, atendimento médico, psiquiátrico ou

psicológico, unidade básica de saúde, conselho tutelar, guarda-mirim, programa

Fome Zero, regularização de documentação pessoal, visitas domiciliares em caso

de nascimento de crianças, depressão, doenças e luto.

As dificuldades enfrentadas se referem a pouca participação da

comunidade quando não há algum beneficio em contrapartida, como uma cesta

básica, por exemplo. A cultura de ajuda e a prática assistencialista foi uma

constante em administrações anteriores e a comunidade pressiona para que o

poder público volte a funcionar como antes. Outra dificuldade é o medo da

represália dos traficantes que lideram a região e reforçam a “lei do silêncio”. Em

outras localidades impera a apatia e o desânimo dos participantes, quando não,

algumas posturas, ora de desdém, ora agressiva ou provocativa. No trabalho com

adolescentes a dificuldade está sendo desenvolver a terapia de forma simbólica

para o grupo possa chegar a usar a fala para na resolução dos problemas.

A tendência, quando não temos uma visão sistêmica, é ceder a pressão do

sistema vigente de forma a perpetuar a cultura de ajuda, dizendo que “o povo é

assim mesmo, não quer saber de mudança, etc”. Quando desistimos,

retroalimentamos a cultura de ajuda, não esperamos o tempo necessário para a

mudança. Os Terapeutas Comunitários em formação não se sentem preparados

para transformar as sensações dos participantes em sentimentos, tampouco ouvi-

los sem a angústia da necessidade de resolução imediata dos problemas

apresentados. Alguns terapeutas verbalizam sentimentos de impotência e

demonstram resistência, advindos da própria formação técnica quando ficam

diante de fatos como assassinato, aborto, tráfico, morte por drogas,

espancamento, violência contra mulheres e crianças, abuso sexual, desemprego,

suicídio, etc. Os técnicos também têm sofrido com a mudança de paradigma, pois

foram formados para resolver problemas com técnicas e metodologias

diversificadas. Estas seriam responsáveis por provocar mudanças no indivíduo,

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58

num movimento de fora para dentro. Na abordagem sistêmica o movimento é ao

contrario. Ele ocorre de dentro do indivíduo para fora. Uma construção interna

leva tempo, não aprendemos a esperar, fomos preparados para apresentar o

maior número de soluções em um menor tempo. Também estamos em busca de

equilíbrio entre os benefícios que a Terapia comunitária traz e o chão firme de

nossas técnicas. Momento mágico é esse chamado crise. Alguns vão enfrentá-lo,

vivê-lo e fazer de suas angústias, medos, dúvidas e certezas, matéria-prima de

mudanças. Outros não.

Portanto, a atual administração, ao utilizar a Terapia Comunitária, busca

aprimorar tecnicamente seus funcionários para ampliarem sua visão

humanística, interativa e sistêmica da sociedade, dos indivíduos e de suas

organizações, e melhorar a qualidade dos serviços já desenvolvidos. Além de

promover uma reflexão sobre suas ações, buscando uma prática participativa e

integrada na construção de redes sociais. A Terapia Comunitária tem contribuído

para isso com a formação de novos grupos na comunidade, utilizando e

valorizando os recursos locais, fortalecendo os vínculos familiares e comunitários

e realizando uma ação intersetorial.

A administração pública vem sendo protagonista de um novo modelo de

intervenção social ao promover a participação comunitária, fazendo emergir

desejos e necessidades de forma a exercerem e viverem melhor seu estado de

cidadania e qualidade de vida. A Terapia Comunitária vem ao encontro deste novo

modelo à medida que nela há um despertar de novas idéias, resgate de valores e

cultura, culminado numa força que deriva da própria emergência dos potenciais

da comunidade. É através da observação, escuta pedagógica e terapêutica, que a

terapia vem viabilizando espaços físicos e psicológicos, que potencializem as

atividades individuais e coletivas existentes nos grupos humanos, para buscarem

sua auto-realização.

Por fim, acreditamos que esta prática inovadora venha a se incorporar nos

serviços públicos já existentes de forma eficaz e duradoura, assim como venha a

ser uma boa semente depositada num solo fértil, cuja colheita seja profícua e

abundante, no sentido da produção de qualidade de vida nas comunidades,

quando estas mesmo na adversidade, poderão estar fortalecidas para o

enfrentamento das dificuldades e/ou problemáticas sociais e consequentemente

Page 59: Anais Do i Congress Od Etc

59

aptas para a busca coletiva de soluções para seus problemas através de

discussão/reflexão/ação.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

BARRETO, Adalberto. O manual do terapeuta comunitário, capítulo II- material apostilado

BARRETO, Adalberto. Construindo Redes Sociais de prevenção ao abuso de drogas – Texto proferido em Conferência.

ORNISH, Dean. Amor e sobrevivência: a base científica para o poder curativo da intimidade. RJ, Rocco,1998.

CELIA,Salvador, in ZIMERMAN, David E. e OSORIO, Luiz Carlos e colaboradores. Como trabalhamos com grupos. Porto Alegre, Artes Médicas, 1997.

MALDONADO, Maria Teresa. Os construtores da Paz. São Paulo, Moderna, p.38, Coleção Polêmica, 1997.

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60

TERAPIA COMUNITÁRIA: RELATO DA EXPERIÊNCIA DE IMPLANTAÇÃO EM BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL10

Henriqueta Camarotti Fernando Rafael Silva

Débora Medeiros Aida Rodrigues Ricardo Lins

Patrícia Barros Julia Camarotti Rodrigues

PALAVRAS CHAVES: Terapia Comunitária; Psicologia Comunitária; Rede de Saúde Mental; Voluntariado; Promoção de Saúde; Atenção Básica de Saúde Mental

RESUMO Este trabalho descreve a implantação da Terapia Comunitária na

cidade de Brasília, Distrito Federal (DF) / Brasil.A Terapia Comunitária está sendo implantada em Brasília/DF desde setembro de 2001 pelo Movimento Integrado de Saúde Mental Comunitária do Distrito Federal (Mismec DF) e atualmente abrange 240 terapeutas comunitários em formação e 40 grupos de terapia comunitária funcionantes no DF. Neste texto estamos levantando as primeiras informações e reflexões no período dos 18 primeiros meses da experiência, logicamente aproveitando as reflexões feitas pelo desenvolvimento da Terapia Comunitária que está sendo implantada no Brasil há 18 anos.

1- INTRODUÇÃO

A Terapia Comunitária (TC) é um procedimento terapêutico em grupo com

finalidade de promoção da saúde e atenção primária em saúde mental. Funciona

como fomentadora de cidadania, de redes sociais solidárias e da identidade

cultural das comunidades carentes, através de equipes institucionais públicas,

privadas ou voluntárias.

Ao longo dos 18 anos de implantação da TC no Brasil avaliamos a

importância de uma reflexão em dois níveis. A primeira se refere aos fatores

causais que levaram e que mantém uma grande parcela da população brasileira

em situações de carências fundamentais e de miséria existencial. E a segunda

trata dos mecanismos de reversão dessa situação, identificando os caminhos de

transformação, de resgate da cidadania perdida, da identidade cultural e da auto-

estima.

No primeiro nível de reflexão, que são os fatores causais e de manutenção

das populações em estado de carências fundamentais e de pobreza extrema,

10 Movimento Integrado de Saúde Mental Comunitária do DF - MISMECDF

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mister se faz remontarmos aos primórdios da construção da sociedade brasileira,

desde o tempo da colonização até o momento. De forma sintética, afirmamos que

a população brasileira sempre foi alvo de autoritarismos, manipulações e

empobrecimento de muitos em benefício de poucos. Essa marca tem

acompanhado as várias fases de nossa história e mesmo com roupagens

diferentes se mantém bem viva até o presente momento, quando a maioria não

consegue ascender de sua condição de pobreza e de abandono social .

Referindo-se ao segundo ponto, - os mecanismos de reversão desta

realidade - as equipes de saúde, de educação, de trabalhadores sociais, etc. - que

atuam nas comunidades carentes, têm se esbarrado cotidianamente com

dificuldades extremas principalmente no tocante aos caminhos para atingir essa

população carente e na forma de abordá-la. Com grande freqüência delineiam-se

situações de carências e miséria existencial tal que as pessoas perdem a

possibilidade de apreender novas habilidades, gestar sua autonomia e direcionar

suas próprias vidas, esperando dos “provedores” tudo pronto, desejando receber

“o peixe e não a vara de pescar”.

As instituições públicas, as organizações não governamentais e também as

entidades religiosas, no intuito muitas vezes de ajudar, se utilizam do

procedimento de “dar pronto” para conseguirem chegar até essas populações.

Nesse ponto, também somos conscientes de que algumas dessas instituições se

utilizam desse mecanismo de atuação social para, de certa forma, manipular e

obter benefícios políticos, de poder, de aumento do número de fiéis.

A TC é uma proposta e um procedimento que visa romper com o

paternalismo e com a manutenção da miséria existencial das populações na

medida em que investe basicamente na capacidade dessa população de se auto-

gerir, resgatando a identidade cultural e os valores de cidadania e de auto-estima.

Entende-se ainda que a TC está intrinsecamente articulada com as

medidas de promoção da saúde entendendo aqui essa promoção como fazendo

parte das medidas eficazes de proteção das populações e do grupos de risco

(OPAS, )

2- A TERAPIA COMUNITÁRIA (TC)

2.1- Histórico da TC

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A Terapia Comunitária surgiu no ano de 1987, em Pirambu, uma das

maiores favelas de Fortaleza/Ceará/Brasil (280.000 habitantes) como resposta a

uma crescente demanda de indivíduos com sofrimento psíquico que buscavam

apoio jurídico junto ao Projeto de Apoio aos Direitos Humanos da favela. Aírton

Barreto, advogado que coordenava esse projeto, percebeu que a grande demanda

da comunidade residia nas questões sociais e nos problemas psicológicos,

relacionamentos familiares e sofrimentos psíquicos. Baseado nesta percepção o

Sr. Barreto convidou o seu irmão Dr. Adalberto Barreto, psiquiatra, teólogo,

antropólogo e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do

Ceará, para atender essa população.

No início, o atendimento era individual e realizado no próprio Hospital

Universitário da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará.

Com o aumento da demanda, o Dr. Adalberto e seus alunos mudaram o

atendimento para a própria comunidade. Esse professor, desde o início,

percebeu que não poderia trabalhar na favela do mesmo modo como

trabalhava no hospital ou no consultório, prescrevendo remédios e abordando

as pessoas individualmente. Entendeu que a lógica de consultas médicas não

responderiam às necessidades daquelas pessoas nem qualitativa quanto

quantitativamente. Concluiu que a criação e o fortalecimento de uma rede

social era prioridade naquele grupo, já que a maioria era imigrantes que

deixavam suas comunidades de origem, geralmente no interior do país, e se

agregavam desordenadamente nas periferias das grandes cidades em

condições de miséria e sem apoio do estado (Barreto, 96).

Em decorrência dessa vivência e em meio a situações tão contraditórias,

Dr. Adalberto Barreto, construiu a metodologia da Terapia Comunitária

buscando a participação de todos os envolvidos nos grupos e das suas

contribuições. Possibilidades estas de sugestões que ajudaram a clarear o

impasse enfrentado pelos terapeutas: como resolver a enorme demanda com

poucos profissionais e problemas tão diversos e imbricados na vida cotidiana

daquelas pessoas?.

Ficou claro desde então que a Terapia Comunitária tinha o intuito maior

de ser um espaço de fala do sofrimento, de prevenção dos efeitos do estresse

cotidiano das pessoas de baixa renda, resgatando-lhes a condição fundamental

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de auto-estima para implementar as mudanças necessárias. Lembra-se aqui a

citação de Luiz Fernando Dias Duarte que a enfermidade está intimamente

relacionada com a cultura, portanto, não se pode esperar que a causa, o

tratamento e até mesmo a doença seja formatada igualmente para os

diferentes contextos sociais. As pessoas são essencialmente diferentes em

manifestar seus sofrimentos, em diferentes contextos sociais e culturais.

Atualmente o Projeto 4 Varas tem se expandido, ocupa um espaço com

várias edificações na Favela Pirambu, servindo como sede dos encontros

semanais comunitários e como oficinas especializadas nos “problemas do corpo

e da alma” como denomina o Dr. Barreto, tais como, vivências de estímulo a

auto-estima, oficinas de massagem, fabricação de fitoterápicos, Casa da Cura,

Casa de Arterapia, Casa da Memória, Escolinha Comunitária, Oficina de

Teatro. Essa ações se tornaram um modelo de atenção primária em saúde

mental, incluindo como aliados as lideranças comunitárias e pessoas

interessadas em ser multiplicadores (Barreto, s/d 3). Esse Projeto é

praticamente auto-suficiente; tudo que é produzido nessas oficinas é vendido e

a renda serve como retorno aos oficineiros e para compra de material de

trabalho. Existem também cursos técnicos e de especialização para os

moradores, que os permitem exercer trabalhos remunerados.

O termo “Terapia Comunitária” foi sendo utilizado na medida que os

grupos eram realizados e refletidos nas discussões com os alunos da

Universidade.

Hoje a Terapia Comunitária esta implantada em 19 estados brasileiros.

A partir das experiências nos vários cantos do Brasil, constata-se que o mais

importante é transformar o unitário em comunitário, o individual em coletivo.

2.2- Embasamento teórico da TC

A Terapia Comunitária está embasada teoricamente em quatro pilares

fundamentais: 1- Teoria Sistêmica ; 2- Teoria da Comunicação; 3- Antropologia

Cultural e, 4- Resiliência. Esses referenciais estão imbricados numa interrelação

consistente e indossociável para a compreensão da metodologia da TC.

2.2.1- Teoria Sistêmica

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A Teoria Geral dos Sistemas, criada pelo biólogo alemão Ludwing Von

Bertalanfly(1976), na década de 20, busca entender como as partes e os todos se

interrelacionavam, independentemente das disciplinas nas quais eram

observadas.

Essa Teoria afirma que as crises e os problemas só podem ser entendidos e

resolvidos se forem percebidos como partes integradas de uma rede complexa,

cheia de ramificações, que ligam e relacionam as pessoas num todo que envolve a

biologia (corpo), a psicologia (mente e emoções) e a sociedade. Tudo está

interligado, e cada parte influencia na outra (Bertalanffly & cols, 1976).

A abordagem Sistêmica é uma maneira de abordar, de ver, de situar, de

pensar um problema em relação ao seu contexto. Essa abordagem permite

perceber a pessoa humana na sua relação com a família, a sociedade, com seus

valores e crença, contribuindo, assim, para a compreensão e transformação do

indivíduo. A consciência da globalidade, sem perder de vista as várias partes do

conjunto a qual pertence permite compreender os mecanismos de auto-regulação,

proteção e crescimento dos sistemas sociais e vivenciar a noção de co-

responsabilidade.

A Terapia Comunitária apóia-se nesta vertente científica como cerne de

intervenção na comunidade de forma ampla e completa, aproveitando a rede

existente e, permitindo que o problema seja refletido pelo grupo sob todos os

ângulos dentro de um determinado contexto.

2.2.2- Teoria da Comunicação

A Teoria da Comunicação se apresenta como um dos pilares da Terapia

Comunitária. Esse referencial teórico surgiu a partir das idéias do antropólogo

Gregory Bateson, que fundamentou o conceito de informação para as práticas

relacionais e circulares, e da teoria da comunicação humana de Watzlawick

(1967), autor da proposta dos axiomas da comunicação

Segundo Watzlawick(1967) as proposições básicas dos processos de

comunicação interferem diretamente nos processos comportamentais, são elas:

Todo comportamento é comunicação

Toda comunicação tem dois lados: o conteúdo e a relação

Toda comunicação depende da pontuação

Toda comunicação tem dois aspectos: a comunicação verbal e a não verbal

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Toda comunicação entre pessoas é feita de forma simétrica ou complementar

Na Terapia Comunitária são utilizados os princípios básicos da Teoria da

Comunicação proposta por Bateson e Watzlawick. Como todo sintoma tem valor

de comunicação e sempre esconde algo importante, Barreto(s/d 1) entende que as

queixas, problemas apresentados estão comunicando um desequilíbrio familia

e/ou social - alcoolismo, atos de delinqüência juvenil, somatizações sofrimentos

psíquicos, etc. Nas sessões de Terapia muitas vezes é lembrado o ditado popular

“Quando a boca cala os órgãos falam” no sentido de estimular as pessoas a

falarem de seus problemas. Os sintomas comunicam algo não expresso, não

verbalizado. O terapeuta comunitário pode ajudar o grupo a expressar algo

sofrido e não verbalizado até então.

2.2.3- Antropologia Cultural

A Antropologia Cultural ressalta os valores culturais e as crenças como

importante fator na formação da identidade do indivíduo e do grupo. Barreto

(Barreto, s/d 2) afirma que essa área dá subsídio para a construção das redes

sociais que inclui ação intrasetorial, interinstitucional, valorização dos recursos

locais, fortalecimento dos vínculos, apoio a dinâmica familiar. De acordo com

Barreto (1994) a transformação social só será possível quando considerar duas

vias: a via vertical, do conhecimento cientifico, e a via horizontal da realidade

socioeconômica e cultural das pessoas.

2.2.4- Resiliência

O termo Resiliência tem sido utilizado pelo criador da Terapia Comunitária

como a capacidade dos indivíduos, famílias e comunidades em superar as

dificuldades contextuais, produzindo um saber que tem permitido aos pobres e

oprimidos sobreviverem através dos tempos. O termo surgiu da Física e no

dicionário da Língua Portuguesa está definido como: “a propriedade pela qual a

energia armazenada em um corpo deformado é devolvida quando cessa a tensão

causadora duma deformação elástica. Resistente ao choque, elástico“ (Ferreira,

1986 p.1493)

Na elaboração da TC, Dr. Barreto entende que a Resiliência apresenta as

seguintes características: 1. valorização da experiência pessoal; 2. se desenvolve

por uma interação entre o indivíduo e seu ambiente; 3. não deve substituir as

políticas públicas/sociais, mas inspirá-las e até mesmo reorientá-las; 4. senso de

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humor como forma de transformar o trágico em lúdico; 5. exige um espírito

construtivo; g. importância para encorajar e estimular a capacidade de

aprendizado das pessoas; e, 6. valoriza a competência de indivíduos, famílias e

comunidades.

Finalmente Dr. Barreto entende que a história pessoal e familiar de cada

indivíduo funciona como fonte importante do conhecimento que confere

segurança, competência e um saber.

Em relação ao aprendizado e ao saber do próprio terapeuta comunitário, o

criador da TC afirma que:

a- as crises, sofrimentos e vitórias de cada um são a matéria prima para

um trabalho de auto-conhecimento e auto-aceitação necessários para a função

que irão exercer como terapeutas comunitários.

b- todo este material vivencial, refletido, torna-se fonte de conhecimento

quando articulado com outras fontes de saber.

3.3- A metodologia da Terapia Comunitária

3.3.1- Os objetivos da TC

1- Desenvolver atividades de prevenção e inserção social de pessoas que

vivem em situação de crise e sofrimento psíquico;

2- Promover a integração de pessoas e comunidades no resgate da

dignidade e da cidadania, contribuindo para redução dos vários tipos de

exclusão;

3- Promover encontros interpessoais e intercomunitários objetivando a

revalorização de suas respectivas histórias, o resgate da identidade, restauração

da auto-estima e da confiança de si; e

4- Reforço do vínculo entre as pessoas, respeitando sempre o referencial

cultural de cada um e as variadas possibilidades de alternativas e soluções.

3.3.2- O Funcionamento

Na Terapia Comunitária os grupos são abertos, qualquer pessoa da

comunidade pode participar e em qualquer momento. Podem ser realizados na

comunidade através de instituições religiosas, centros comunitários, centros de

saúde, hospitais, escolas, associações de moradores, residências na comunidade,

etc. Os grupos são semanais ou de acordo com uma periodicidade pré-

estabelecida, com duração da sessão em torno de duas horas. Está sempre aberto

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para novos participantes começando sempre com uma breve explicação do que é

a Terapia Comunitária e uma integração de grupo. As pessoas podem participar a

qualquer dia, não é necessário lista de freqüência e nem exigência de

assiduidade. Entendemos ser um espaço fundamentalmente democrático

(Barreto, 97).

Nos grupos de Terapia Comunitária podem participar pessoas sofridas das

mais variadas situações psicoemocionais, problemas psicossomáticos, temáticas

gerais ou específicas - hipertensos, diabéticos, gestantes, dependentes químicos,

HIV positivos, adultos, idosos, crianças e adolescentes, pessoas amigas,

próximas, parentes, vizinhos, colegas de trabalho, etc.

A sessão da Terapia Comunitária se desenvolve percorrendo as seguintes

fases: 1- Acolhimento; 2- Escolha do tema; 3- Contextualização; 4-

Problematização e, 5- Finalização.

No Acolhimento procura-se ambientar o grupo, colocando as pessoas bem à

vontade e confortáveis, de preferência em círculos. Dar boas vindas a todos,

pedindo aos novos participantes se apresentarem. Iniciar com músicas de boas

vindas, cantar "parabéns" para os aniversariantes da semana e fazer vivências

que integrem o grupo. Nesse momento o terapeuta comunitário apresenta uma

síntese do que é a Terapia Comunitária e discorre sobre as regras ou condições

para o funcionamento do grupo: 1- Promover o silêncio, estimular a escuta; 2-

Falar sempre na 1ª pessoa do singular - eu - expressar a própria experiência

daquilo que se vivencia; apresentar as próprias soluções encontradas; 3- Não

fazer discurso, não dar conselhos ou sermão; 4- Entre as falas os participantes

podem sugerir uma música, um provérbio ou um ditado popular que esteja

pertinente ao assunto comentado; 5- Os participantes podem convidar familiares,

vizinhos ou amigos para o grupo.

Na Escolha do Tema a fala fica aberta para os participantes apresentarem,

de forma sucinta, os problemas ou situações que estão gerando preocupação.

Após a exposição dos problemas, o grupo se manifesta escolhendo o tema

daquela sessão e dizendo sumariamente o porquê da escolha.

Na fase de Contextualização é solicitado à pessoa cujo tema foi escolhido

que explicite o problema ou situação apresentada. A pessoa em foco detalha a

situação e, nesse momento, todos, inclusive os terapeutas, podem fazer

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perguntas para esclarecer melhor a questão. As perguntas vão ajudando na

reordenação das idéias, quebra das certezas e portanto na criação de

disponibilidades para mudanças. Então o terapeuta condutor deve estar atento

para extrair dos depoimentos da pessoa escolhida o MOTE ou os MOTES.

O MOTE é uma pergunta chave que vai permitir a reflexão do grupo

durante a terapia. É um instrumento de transformação do problema a partir da

dimensão individual para a dimensão grupal. Momento em que a terapia DE

grupo se transforma em terapia DO grupo. Representa o ponto de encontro entre

os participantes da terapia, aquilo que liga, solidariza, exprime a mesma

humanidade dentro de cada um.

Um vez extraído o MOTE, o terapeuta reenvia-o para o grupo por meio de

pergunta do tipo: “quem já viveu um situação parecida e o que fez para solucioná-

la ?” (MOTE tipo curinga) ou mesmo faz uma síntese do sentimento da pessoa

que expôs o problema, repassando para que o as pessoas do grupo coloquem

suas vivências sobre aquele sentimento (MOTE tipo simbólico).

No momento em que o MOTE é retransmitido para o grupo chega-se na

fase da Problematização. Nesse fase, o grupo se coloca atendendo à solicitação do

MOTE, sempre falando de sua própria experiência. O grupo torna-se envolvido

com o problema e as alternativas apresentadas passam a ser do próprio grupo.

Entende-se que o grupo alcança então, uma compreensão diferenciada do

problema assim como a própria pessoa que o expôs, pode vê-lo em diferentes

vieses e compreensões.

Na Finalização ou Término, é proporcionado um ambiente de interiorização,

de clima afetivo para que as pessoas se sintam apoiadas pelos outros. Pode-se

fazer um círculo onde cada um se apóia no outro e ficam se balançando. Músicas

de suporte são cantadas. O terapeuta procura fazer conotações positivas a todos

que se expuseram ou apresentaram seus sofrimentos e pede para que os

participantes falem das coisas boas que mais lhes tocaram e admiraram.

A sessão da TC termina com os agradecimentos dos terapeutas e com

convite para os próximos encontros.

3.3.3- O Terapeuta Comunitário

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A formação de terapeutas comunitários está acessível aos profissionais das

áreas da saúde, educação, trabalhador social, agentes sociais e pessoas que

queiram se dedicar ao trabalho comunitário. O terapeuta comunitário é antes de

tudo uma pessoa que busca a melhora da sua comunidade através de um auto-

resgate de suas próprias vivências e competências e da sensibilidade para

compreender o outro.

O terapeuta comunitário não é necessariamente um especialista, carreador

de um conhecimento a priori, é acima de tudo um facilitador cujo conhecimento

não ocupa um status privilegiado diante da comunidade.

Entende-se no referencial da TC que quando esses ingredientes são

trabalhados tornam-se fontes de competência para um trabalho terapêutico que,

aliado a um saber teórico, transformam-se em fatores de mudança e segurança

pessoal no desempenho do trabalho comunitário.

O trabalho realizado pelo terapeuta comunitário baseia-se na proposta de

um ambiente de escuta provocando a mediação para prevenção e inserção social.

Ao estimular o fortalecimento dos vínculos entre as pessoas e ao possibilitar que

elas compartilhem suas experiências, abre-se espaço para uma reflexão de todo o

grupo em que esses três elementos são trabalhados.

Para que essa escuta seja terapêutica pressupõe-se uma formação teórica e

uma revisão de sua própria história de vida, indicando uma compreensão

amorosa das histórias de vida das pessoas atendidas.

O terapeuta comunitário não faz interpretações e análises baseadas em

explicações teóricas. Esse profissional é um agente facilitador das reflexões,

soluções e compartilhamentos trazidos pelo grupo. Não objetiva mudar atitudes,

comportamentos ou pensamentos das pessoas. Distingue-se aqui

fundamentalmente das propostas terapêuticas centradas na interpretação e na

mudança de comportamento.

4- A TERAPIA COMUNITÁRIA NO BRASIL

A Terapia Comunitária está implantada em 19 dos 27 estados brasileiros da

Federação – Acre, Pará, Rondônia, Ceará, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Paraíba,

Bahia, Rio Grande do Norte, Piauí, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul,

Distrito Federal, Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul, São Paulo. No

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70

momento existem cerca de 2.500 terapeutas comunitários formados pela

Universidade Federal do Ceará em parceria com o Movimento Integrado de Saúde

Mental Comunitária do Ceará (Mismec-CE).

Inicialmente, a formação desses terapeutas foi veiculada pela Pastoral da

Criança, órgão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, sendo

utilizada como instrumento de abordagem e atendimento para os familiares e

pais de crianças carentes assistidos por aquela entidade. Atualmente os

MISMECs estão sendo ampliados a vários estados brasileiros, existindo inúmeros

grupos em formação promovidos por prefeituras das cidades, governos de

estados, universidades e organismos não governamentais.

A proposta atual é incorporar a TC como instrumento de Promoção à

Saúde nos Programas de Saúde da Família e de Ações Básicas em Saúde dos

diversos níveis de política de saúde pública. Algumas experiências brasileiras de

TC estão articuladas aos serviços de atenção em saúde mental como, por

exemplo, a experiência do Centro de Atenção Psicossocial- CAPS do Tucuruí-Pará

(Gondim, 2000).

Pelas diferenças regionais e pelas tantas influências culturais existentes no

Brasil, a TC tem recebido contribuições valiosas que têm servido como

enriquecimento e ampliação das várias possibilidades.

5- A EXPERIÊNCIA DA IMPLANTAÇÃO DA TC NO DISTRITO FEDERAL

Em Brasília/DF, cidade criada para ser a capital brasileira a partir de

1960, a situação se apresenta com componentes específicos no tocante à ação

comunitária. É uma cidade jovem com 42 anos de existência, formada

basicamente de imigrantes. Nela convergem várias culturas, pessoas vindas de

regiões diversas do país, que se mudaram para lá por motivos de transferência do

serviço público federal, para fazer parte dos trabalhadores da construção da

cidade, além de muita gente que veio em busca de “uma vida melhor”.

Ferreira Neto e Garcia (1987) define comunidade como: “a reunião total de

idéias, interesses e recursos, em determinado espaço geográfico em que as pessoas

interagem buscando soluções dos seus problemas para realização do bem comum “

(Ferreira Neto e Garcia, 1987. p. 9). Este autor considera comunidade o grupo

que apresenta os seguintes requisitos: 1- uma certa contigüidade espacial,

aproximação habitual dos membros que permita entre eles os contatos diretos ou

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a utilização de serviços básicos comuns; 2- a consciência de interesses comuns,

que revele aos membros a possibilidade de, unidos, atingirem objetivos que,

isolados, não alcançariam; 3- a participação em uma obra comum, que é a

realização desses objetivos e a força de coesão interna da comunidade.

De acordo com esses critérios, Brasília/DF ainda não parece apresentar as

características fundamentais para a estruturação de comunidades. Eis alguns

elementos evidenciam essa percepção: 1- a organização arquitetônica de Brasília

a partir de um projeto rigidamente planejado e calcado em interesses

administrativos parece prejudicar a contigüidade espacial e a aproximação

habitual dos seus membros; 2- o fato de que a cidade é constituída por

imigrantes de diferentes culturas e procedências geográficas cria uma dificuldade

a mais para o estabelecimento de interesses comuns; 3- a participação em uma

obra comum tem sido muito fragmentada e em alguns lugares ela só ocorre de

forma pontual; na distribuição do espaço prioriza-se a setorização prejudicando

assim o ajuntamento humano.

Diante da realidade descrita, a Terapia Comunitária se propõe em

Brasília/DF a ajudar os grupos humanos a se constituírem realmente como

comunidades; tem funcionado como instrumento de agregação, criação de

vínculos e de redes sociais.

5.1- Grupos de Terapia Comunitária no DF - levantamento dos dados, temas

mais freqüentes e dificuldades encontradas

No curso deste segundo ano de funcionamento, o projeto de TC em Brasília

conta com 240 terapeutas comunitários e 40 grupos atuantes (Tabela 01).

A partir dessa experiência inicial foram levantados dados de 82

questionários colhidos de sessões de TC no período de 20 de setembro a 10 de

outubro de 2002 (Figuras 01,02,03,04) Num total de 902 participantes, o número

de homens foi de 320 (35,5 %) e de mulheres foi de 582 (64,5 %). Em relação à

faixa etária, entre 842 pessoas, 107 (12,7 %) eram crianças, 195 (23,2 %)

adolescentes e 540 (64,1 %) eram adultos. No total de questionários, 350 (39,7 %)

pessoas eram participantes de primeira vez e 531 (60,2) eram retornos aos grupos

( Figura 03).

Levantou-se também os principais temas trazidos pelos participantes e são

eles: (i) perdas de entes queridos ou doenças em si e/ou na família (10,1%); (ii)

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alcoolismo e/ou drogas em si ou na família (7,6%)); (iii) desemprego e problemas

no trabalho (8,9%); (iv) dificuldades pessoais (16,5%): falta de confiança em si,

insegurança, baixa auto-estima, dúvidas; (v) problemas interrelacionais com

filhos, cônjuge ou irmãos (22,8%); (vi) violência doméstica (3,8%); (vii) problemas

na escola ou queixas dos serviços públicos (7,6%); (viii) melhoria após terapia

(5,1%), (ix) adoção ou abandono (5,1%) e (x) outros (12,7% (Figura 04).

5.2- Articulações Institucionais da TC

5.2.1- A TC e a rede pública de saúde: atenção básica, programa de saúde da

família, rede de saúde mental

A Terapia Comunitária se insere na rede de Saúde Pública como um

procedimento terapêutico em grupo com caráter de promoção da saúde e atenção

primária em saúde mental.

A implantação da Terapia Comunitária em Brasília/DF, consolidada em

mais de 40 grupos (vide TABELA 1) está sendo realizada nos diversos espaços da

sociedade, tais como, centros de saúde, igrejas, templos, hospitais, escolas,

associações bairros e de moradores, centros de desenvolvimento social, entidades

de assistência, grupos especializados em Justiça Terapêutica de Tribunal

Judiciário. Essa prática tem possibilitado ao contexto comunitário a abordagem

dos sofrimentos básicos das populações de baixa renda que não têm condições de

arcar com o ônus de uma terapia. Os serviços básicos de saúde, educação e de

assistência social do governo têm sido insuficientes para abarcar essa modalidade

de atendimento, tornando-se então precárias as ações de saúde e assistência à

criança, à família e à comunidade. Na maioria dos casos os atendimentos das

instituições oficiais são direcionados aos problemas já instalados: doenças

cronificadas, relacionamentos familiares adoecidos e vínculos sociais esfacelados.

A Terapia Comunitária vem maximizar e universalizar instrumentos que

levam à prevenção dos problemas e das doenças psíquicas, das somatizações, da

violência familiar e das situações de crise intrafamiliar e intracomunitária cada

vez mais presentes em nossa sociedade. Na rede pública de saúde, a Terapia

Comunitária tem por objetivos criar um cinturão de atenção, cuidado e

prevenção, ser multiplicador do atendimento, identificar e encaminhar aos

centros especializados as situações graves de transtornos psíquicos, servindo de

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elo e favorecendo o envolvimento multiprofissional da rede com uma proposta de

atenção básica em saúde mental.

A Terapia Comunitária integra as práticas da atenção básica de saúde por

meio das equipes do Programa de Saúde da Família (PSF), equipes dos Centros e

Postos de Saúde, Hospitais Gerais e Serviços de Saúde Mental.

Na experiência de Brasília/DF os grupos de Terapia Comunitária tem

participado: 1) das ações de atenção primária ou de promoção da saúde em

grupos com gestantes, idosos, adultos, adolescentes e crianças com

problemáticas emocionais; 2) ações de prevenção secundária com grupos de

pessoas que apresentam distúrbios específicos ou crônicos em assistência

contínua, tais como, diabéticos, hipertensos, idosos, HIV+, distúrbios de conduta,

dependência química.

Como exemplo de aplicação da TC num Centro de Saúde Pública citamos o

Centro de Saúde da Candangolândia-cidade satélite de Brasília-DF. Nesse Centro

é oferecida uma atenção integral ao indivíduo e aos seus familiares. A população

que demanda esse espaço, em sua grande maioria, é de baixa renda, apresenta

problemas de alcoolismo e drogadição, delinqüência e outros males sociais cada

vez mais freqüentes na atualidade.

Assim, a Terapia Comunitária veio associar-se aos princípios que norteiam

a assistência à saúde integral e articula-se com a prática cotidiana do

atendimento na unidade de saúde, acolhendo as pessoas portadoras de sintomas

clínicos, somatizações e transtornos mentais, em especial episódios depressivos

leves e moderados.

O convívio articulado entre o citado Centro e a prática da Terapia

Comunitária vem reafirmar a TC como um instrumento poderoso de melhoria da

qualidade de vida das pessoas e de seus familiares que rotineiramente demandam

os serviços do centro de saúde, assim como, um introdutor importante de uma

nova prática de abordagem integral na rede básica de saúde, fortalecendo a

construção do vínculo com sua população de referência.

5.2.2- A TC e as áreas Sociais, Educacionais e de Justiça

Nos Centros de Desenvolvimento Social do DF (CDS), as terapias

comunitárias estão sendo realizadas com as pessoas que recorrem aos

atendimentos relacionados à assistência social e jurídica, especialmente para as

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crianças e adolescentes com dependência de uso de substâncias e que estão sob

a jurisdição da Vara de Infância e Juventude do Tribunal de Justiça. Esses jovens

se encontram, na maioria dos casos, sob medidas sócio-educativas por

cometimento de delitos, medidas de proteção ou em situação de risco social. As

terapias comunitárias são realizadas também com os familiares desses jovens que

demandam apoio e continência para que consigam lidar com a crise e superá-la.

Na rede educacional pública a criação dos grupos de Terapia Comunitária

tem sido estimulada pelos professores e diretores de escolas com a finalidade de

facilitar a abordagem das dificuldades de aprendizagem, comportamento

inadequado e relacionamentos agressivos entre os alunos, propiciando assim a

melhoria da qualidade de comunicação entre toda a rede discente, docente, pais e

profissionais inseridos no contexto da escola.

5.3- Movimento Integrado de Saúde Mental Comunitária do Distrito Federal -

MISMEC-DF

O Movimento Integrado de Saúde Mental Comunitária do DF-MISMEC/DF

é uma sociedade civil sem fins lucrativos, de duração indeterminada, com sede e

foro em Brasília-DF/Brasil, filiada ao Movimento Integrado de Saúde Mental

Comunitária de Fortaleza/Ceará (MISMEC-CE) criado por Dr. Barreto.

Neste um ano de existência o MISMEC-DF tem trabalhado intensivamente

nos grupos formadores de terapeutas comunitários e articulando as experiências

com encontros, suporte e supervisões da prática, orientações, articulações com as

instituições parceiras na disseminação de grupos e abertura de espaços para o

funcionamento da TC.

6- CONCLUSÃO

O referencial da TC carreia em seu bojo uma proposta de mudança

paradigmática de atuação na comunidade. Preconiza que as soluções deverão

surgir da própria comunidade, tornando mais real e possível a participação das

pessoas envolvidas no processo.

Entende-se que diante de toda mudança paradigmática, surjam reações

contrárias, oposições e dificuldades, até porque terá de romper a inércia secular

do paternalismo das instituições sociais.

Refletindo sobre o primeiro ano desta implantação, concluímos que: 1- A

experiência tem demonstrado aceitação, adesão e satisfação por parte da

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comunidade de Brasília/Distrito Federal; 2- Os depoimentos e o alto índice de

retorno às sessões de Terapia Comunitária permitem antecipar a dimensão do

impacto positivo dessa abordagem na vida dos participantes. 3- Por ser Brasília-

DF uma cidade essencialmente formada por imigrantes, acreditamos que a

Terapia Comunitária seja um instrumento importante de criação de vínculos e de

redes sociais. 4- Gradualmente as instituições de saúde, educação e justiça têm

solicitado a participação da Terapia Comunitária no atendimento de sua

demanda e esse fato decorre da facilidade de aplicação e confiabilidade da

metodologia da TC e pela multiplicidade profissional dos terapeutas comunitários

envolvidos. 5- Pretende-se desenvolver novas pesquisas quantitativas e

qualitativas para a avaliação e mensuração do impacto da Terapia Comunitária

na qualidade de vida e na saúde mental dos participantes.

7 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Barreto, A (1994). Os espíritos que governam o Brasil, 500 anos depois. Conferência apresentada no congresso Brasileiro de Psiquiatria. Goiânia -GO Barreto, A (1996). A Aranha e a Comunidade tecem suas teias. Belém – PA: Papers do CEPIG, ano 1, No 4, set/1996. Barreto, A (1997). Manual do Terapeuta Comunitário da Pastoral da Criança. Fortaleza : Mimeo Barreto, A (s/d 1). Aspectos culturais específicos dos sintomas de possessão e a relação terapêutica. Fortaleza: Mimeo Barreto, A (s/d 2). Construindo rede sociais. Caxias do Sul: Conferência Secretaria de Saúde da Prefeitura Municipal de Caxias do Sul-RGS Barreto, A (s/d 3). Terapeuta Comunitário: novo ator social. Fortaleza- Ceará: Mimeo Bertalanffy, L.V. & cols. (1976) Teoria dos Sistemas. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas Ferreira Neto,A & Garcia,S (1987). Desenvolvimento Comunitário. Rio de Janeiro: Bloch. Ferreira,A.B.H. (1986). Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. Gondim,M.F.A. (2000) A comparative study of the English and Brasilian Mental Health System Focusing on the Role of the User´s Involvement. University of Kent, Dissertação de Mestrado, Canterbury Watzlawick, P. & Helmick Beavin, Janet e D. Jackson, Don (s/d), Pragmática da Comunicação Humana, São Paulo: Editora Cultrix. OPAS (s/d) Promocion de la salud: uma antologia. Publicacion Cientifica no 557

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Relação entre os Gêneros

64,5%

35,5%

Homens Mulheres

Figura 01 – Gráfico ilustrativo da relação percentual entre os gêneros encontrada nas sessões de Terapia Comunitária

Relação de Grupos Etários

64,1%23,2%

12,7%

Crianças Adolescentes Adultos

Figura 02 – Gráfico ilustrativo da relação percentual entre os grupos etários encontrada nas sessões de Terapia Comunitária

Relação entre retornos e 1a vez

39,7%

60,3%

1a. Vez Retorno

Figura 03 – Gráfico ilustrativo da relação percentual entre as participações de primeira vez e os retornos nas sessões de Terapia Comunitária

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TERAPIA COMUNITÁRIA E ALCOOLISMO

Juliana Castro Jesuíno da Silva11 Vera Lúcia Pereira Muniz12

PALAVRAS CHAVES : Alcoolismo; Terapia Comunitária;Núcleo Psicossocial; Justiça Terapêutica; Juizado Especial Criminal.

Resumo

Esse trabalho tem como objetivo apresentar a Terapia Comunitária, como metodologia aplicada no NÚCLEO PSICOSSOCIAL FORENSE do Juizado Especial Criminal – TJDFT com bebedores-problemas e dependentes de álcool, que praticaram ato considerado crime ou contravenção penal, considerados delitos de menor potencial ofensivo. Apresentaremos os eixos teóricos que fundamentam a Terapia Comunitária - construção metodológica do psiquiatra, antropólogo e professor universitário Adalberto Barreto - a teoria geral dos sistemas, a teoria da comunicação, a antropologia cultural e o conceito de resiliência, conforme vem sendo utilizado na terapia familiar. Abordaremos temas referentes às questões do alcoolismo, tais como os conceitos e a relação do abuso do álcool com a prática da violência nos contextos familiares e sociais. Destacaremos, também, a visão de Adalberto Barreto da relação da cultura e alcoolismo desenvolvida no artigo intitulado ALCOOLISMO E CULTURA: AS INCORPORAÇÕES ASSASSINAS. Finalizando, faremos uma síntese do trabalho desenvolvido no NUPS, buscando mostrar como a Terapia Comunitária tem possibilitado aos participantes uma reflexão acerca de suas relações e experiências pessoais, favorecendo a identificação das próprias competências para transformação da realidade vivenciada. A equipe psicossocial do NUPS contribui, assim, para a construção de um novo paradigma na Justiça, no qual os indivíduos que cometeram atos infracionais relacionados ao consumo do álcool são reconhecidos num contexto amplo, no qual, ao se conscientizarem dos próprios problemas, têm a capacidade de redefini-los, sendo responsáveis pelas suas escolhas e pelos seus atos.

TERAPIA COMUNITÁRIA COMO PREVENÇÃO E CUIDADOS DA SAÚDE

MENTAL A Terapia Comunitária, criada pelo psiquiatra, antropólogo e

professor universitário Adalberto Barreto, representa uma revolução na prática da prevenção e cuidados da saúde mental da coletividade. Segundo ele, a “sociedade tem seus problemas, mas possui, também, recursos para solucioná-los". Através da valorização do comunitário ao invés do unitário, socializa-se o tratamento em saúde mental. Em artigo publicado na revista “Uniceub em revista”, Luciano Rodrigues ressalta que “a terapia comunitária evoluiu e consolidou-se como modelo normativo específico. Não possui direção

11 [email protected] 12 [email protected]

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única como acontece em tratamentos tradicionais. Os pacientes participam na proposição de soluções para seus males”. Estabeleceu-se um novo paradigma, no qual os sofrimentos provocados pelas descobertas da impotência dos homens, são prenúncio da construção de um grande quebra-cabeça, onde a saúde possa ser percebida na sua dimensão relacional interativa. Todas as disciplinas e especialidades integram-se na construção desse paradigma. Ele enumera alguns desafios que os profissionais deverão consolidar:

� “Trabalhar mais a solidariedade em face de um mundo cada vez mais individualista, competitivo, excludente e catastrófico;

� Aceitar a diversidade como um valor para sermos mais tolerantes e mais eficaz em nossas ações. Enquanto as diferenças forem vistas como sinônimo de ignorância ou inferioridade, seremos intolerantes, sectários e nada eficazes.

� . Ultrapassar as fronteiras conceituais de esquemas pré-fabricados e que estão a serviço da dominação de mentes e dependências tecnológicas, que nos aprisionam em nossas convicções, escolas, instituições, consultórios, que nos impedem de construir o novo, de procurar nos conhecermos, admitirmos nossa impotência, nossos limites e capacidades para então nos abrirmos aos outros, fazendo apelo a outras referências teóricas e culturais.

� . Ampliar a noção de família no seu sentido biológico, para um outro que inclua nossos empregados e funcionários. Não se constrói um modelo novo e novas relações sociais se não combatermos as injustiças e desigualdades que nos rodeiam.

� Resgatar os valores culturais, crenças, hábitos, para reforçarmos nossa identidade cultural. O adquirido (a educação) não pode nunca amordaçar, destruir o nosso lado inato. O grande desafio é como aceitar o novo sem negar o velho, como aceitar a modernidade sem negar a tradição.

� Reaprender a resgatar o afeto, descobrir a humanidade do outro. Fala-se em inteligências múltiplas. Não será pela diabolização do outro, do diferente, que iremos resolver os problemas. Precisamos construir redes de solidariedade”.

A terapia comunitária tem por objetivos desenvolver atividades de prevenção e inserção social de pessoas que vivem em situação de crise e sofrimento a integração de pessoas, o resgate da dignidade e da cidadania, contribuindo para a redução de vários tipos de exclusão; promover encontros interpessoais e intercomunitários, objetivando a revalorização de suas respectivas histórias, a identidade cultural, a restauração da auto-estima e da autoconfiança.

A fundamentação dessa metodologia está alicerçada em quatro grandes eixos teóricos:

� a teoria geral dos sistemas;

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� a teoria da comunicação;

� a antropologia cultural;

� a resiliência.

A teoria geral dos sistemas foi elaborada e sistematizada pelo biólogo Ludwig von Bertallanffy a partir da década de 20. Depois da teoria psicanalítica e da teoria behaviorista como a terceira grande contribuição à busca de uma teoria unificada do comportamento humano. Bertallanffy foi pioneiro da idéia de que um sistema era mais que a soma de suas partes, ressaltando a importância de se concentrar no padrão dos relacionamentos dentro de um sistema ou entre os sistemas, e não na substância de suas partes. Aplicadas à terapia familiar, estas idéias – de que um sistema familiar deveria ser visto como mais do que apenas uma coleção de palavras, e que os terapeutas deveriam concentrar-se mais na interação entre os membros da família do que nas qualidades individuais – tornaram-se os princípios centrais do campo.

A mudança fundamental proposta pela teoria sistêmica diz respeito à substituição do modelo linear de pensamento científico (padrão causa-efeito) pelo modelo circular (padrão interativo).

Na teoria da comunicação humana, Gregory Bateson abriu os caminhos para os estudos da pragmática da comunicação humana com seu trabalho precursor sobre a relação entre a patologia comunicacional e a gênese da esquizofrenia, elaborando o conceito de “duplo vínculo”.

A teoria da comunicação apresenta cinco axiomas:

1. Todo comportamento é comunicação.

2. Toda comunicação tem dois lados: o conteúdo e a relação.

3. Toda comunicação depende da pontuação.

4. Toda comunicação tem dois aspectos: a comunicação verbal e a comunicação não-verba.l

5. Toda comunicação entre pessoas é feita de forma simétrica (baseada no que é parecido) ou complementar (baseada no que é diferente).

A antropologia cultural considera o grande conjunto de realizações de um povo ou grupo sociais, como referencial a partir do qual cada membro desses grupos se baseia, retira sua habilidade para pensar, avaliar, discernir valores e fazer suas opções no cotidiano. (Adalberto Barreto, 1997).

Esse referencial cultural nos ajuda assumir nossa identidade como pessoa e cidadão, rompendo com a dominação do outro, com a exclusão social, que muitas vezes nos impõem uma identidade negativa baseada nos valores de uma outra cultura que não respeita a nossa. (A. Barreto, 1997).

Tendo como referência à antropologia cultural, surge uma corrente da psiquiatria, chamada de etnopsiquiatria ou psiquiatria cultural, que “estabelece correlação entre certos fatos étnicos e os distúrbios mentais e como cada etnia encontra soluções para seus problemas. Ela se baseia em alguns pressupostos como: a íntima ligação dos fatores culturais com os transtornos

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mentais; a constituição policultural de nossa sociedade e do desenvolvimento de técnicas psicoterapêuticas baseadas nas experiências de curandeiros tradicionais” (Marcos de Noronha, 2002).

Finalmente, o último eixo teórico, "Resiliência é a capacidade humana para enfrentar, superar e sair fortalecido ou transformado por experiências de adversidade".

A resiliência tenta entender, como crianças, adolescentes e adultos são capazes de sobreviver e superar adversidades, apesar de viverem na pobreza, em ambientes de violência familiar, doença mental dos pais e catástrofes, tais como guerras, terremotos, etc. O estudo desse aspecto de intervenção psicossocial tenta promover os processos que envolvem o indivíduo e seu ambiente social, ajudando a superar os fatores de risco e buscando uma melhor qualidade de vida.

O terapeuta comunitário, conhecendo os objetivos da metodologia e os eixos que dão sustentação teórica capacita-se então para entender todas as questões do sistema, desde o sistema menor (o indivíduo), até o sistema maior (a família), ao maior ainda (comunidade). Percebe-se que todo comportamento é comunicação, e se tudo é comunicação, tudo também é código e o código reenvia à cultura. Então, todo sintoma é uma comunicação inconsciente, codificada culturalmente para expressar um sofrimento. O terapeuta comunitário tem sempre a perspectiva da “Ecologia do Espírito” que é a luta contra a poluição dos pensamentos negativos que o sistema de informação usa para paralisar as pessoas, incutindo a falta de esperança, o sentimento de culpa e bloqueando a evolução do ser humano. Através da terapia comunitária, a pessoa vivência pensamentos positivos sobre si e sua relação com os sistemas, revitalizando a capacidade de reação e mobilização das energias vitais em função de uma transformação holística (física, mental, emocional, espiritual e social) a nível pessoal e social.

ALCOOLISMO

O alcoolismo pode ser definido como uma síndrome multifatorial, com comprometimento físico, mental e social (Edwards e Gross, 1976; Edwards e al, 1976). O conceito de alcoolismo é complexo e variado, dependendo muitas vezes de fatores regionais como: tradição, religião e obviamente, legislação.

Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), alcoólatra é um bebedor excessivo, cuja dependência ao álcool chegou a ponto de criar transtornos em sua saúde, física e mental, nas relações interpessoais e na sua função social e econômica, e que por isso, necessita de tratamento.

O alcoolismo é uma doença de evolução crônica, progressiva ocasionada pelo consumo regular e periódica de álcool, determinando freqüentemente um aumento no consumo da substância bem como o surgimento de uma série de sintomas comportamentais, emocionais e fisiológicos, provocados pela privação do consumo, levando aos usuários experimentarem intenso

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sofrimento. Pesquisas sugerem que fatores fisiológicos, tais como hereditariedade e metabolismo, tem um papel importante na determinação de quem se torna um alcoólatra. Ainda não se identificou os fatores que predispõem 10% de todos os bebedores a se tornarem alcoólatras.

O desenvolvimento da doença se dá em ritmos diferentes de pessoa para pessoa, de acordo com suas características físicas, emocionais e psicológicas, grau de tolerância do álcool e tipo de bebida ingerida. É importante salientar que o alcoolismo não escolhe, classe social, grau de instrução, raça, cor, religião, sexo, idade, etc....

Sinais e Sintomas

As bebidas alcoólicas agem no cérebro de maneira muito semelhante aos anestésicos utilizados nas salas de operações de hospitais.

Os principais sintomas são:

� deterioração psicológica e física; � incapacidade de controlar a ingestão de álcool; � desejo compulsivo de ingerir álcool; � estreitar o uso do álcool com atividades básicas da vida pessoal; � negligência progressiva dos prazeres e obrigações em favor do

álcool; � uso persistente do álcool apesar dos efeitos nocivos; � aumento da dose para obter efeitos antes atingidos por dose

menor; � incapacidade de raciocínio; � sonolência; � movimentos lentos e descoordenados; � diminuição de reflexos; � desleixo com aparência; � agressividade; � tremor.

A síndrome de Abstinência (falta do álcool no organismo), é caracterizada por tremores, irritabilidade, convulsões, alucinações e delírios. O sinal mais evidente é, quando, o indivíduo passa a beber logo pela manha, ao primeiro gole o tremor vai desaparecendo, iniciando assim um ciclo difícil de reverter.

Para o estabelecimento de uma melhor compreensão do conceito, podemos definir que o beber “normal” pode ser considerado quando a pessoa conhece seu nível de ingestão sem precisar monitorá-la e sem sensação de esforço ao faze-lo. Se ela é capaz de dizer “Não quero mais, obrigado”, deverá fazê-lo sem ter a sensação de estar fazendo um esforço férreo. Ela deve ser capaz de pensar sobre a companhia e a conversa ao invés de pensar ou se preocupar com a bebida, com a próxima dose ou com não beber a próxima dose. Para entendermos melhor este conceito de beber normal,

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devemos considerar também dimensões de quantidade/freqüência, exemplo: dois copos de chope, uma dose de bebida destilada, dois copos de vinho é um teto razoável para alguém que está bebendo socialmente sem que isso acarrete uma alteração no estado de consciência. Alguns outros critérios subjetivos podem ser considerados como: velocidade ao beber e circunstância em que o álcool está sendo ingerido (Edwards e col., 1999)

Podemos definir “beber problemático” como o ato de ingerir bebida alcoólica em grande quantidade, uma vez ou de maneira esporádica, ocasionando algum dano ao indivíduo, de ordem pessoal (coma alcoólica, constrangimentos variados) ou de ordem social (como brigas em bares, acidentes no trânsito, etc). O beber problemático fica evidenciado quando observamos que nem todo mundo que bebe pesadamente torna-se um dependente. Algumas pessoas podem ser mais vulneráveis ao álcool do que outras em função de sua configuração constitucional, do seu metabolismo e mesmo das influências ambientais. Neste grupo excluem-se os indivíduos que apresentam alguns dos critérios abaixo relacionados que caracterizam e definem o álcool como dependência.

Com relação ao conceito de dependência alcoólica Edwards afirma genericamente que "a dependência significa fundamentalmente uma relação alterada entre a pessoa e o seu modo de beber”. Em seguida, apresenta um conjunto de critérios diagnósticos, que caracterizam o que ele denominou de síndrome de dependência do álcool. Esse conceito foi estendido para as demais substâncias. Os critérios da síndrome de dependência são os seguintes: percepção subjetiva da compulsão para beber; aumento da tolerância; sintomas de abstinência; alívio ou evitação dos sintomas de abstinência; estreitamento do repertório; Saliência do beber; reinstalação após a abstinência.

A família e o alcoolismo

O alcoolismo está indiscutivelmente inserido em uma rede de interações familiares. O beber pesado e problemático do marido influencia o comportamento da esposa que por sua vez influencia o do bebedor estabelecendo uma espécie de ressonância. Além disso, como diz Edwards (1999) os filhos não são apenas recipientes passivos do que se faz a eles, e sim participantes ativos no processo, o que já aumentaria significativamente a rede de pessoas prejudicadas pelo álcool.

Uma família tende a apresentar uma série de comportamentos que servirão para regular a vida diária, tais como estratégias para resolução de problemas, rotinas e rituais. Nas famílias onde há um alcoolista estas estratégias podem ficar comprometidas uma vez que haverá sempre a necessidade de acomodar-se às conseqüências adversas do beber crônico.

Ultimamente vários estudos têm sido realizados nesta área e há evidências que viver em um “ambiente alcoolista” afeta negativamente os descendentes dos alcoolistas. Observa-se também que os filhos de alcoolistas

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experimentam tensão e maior competitividade com seus colegas, como também, dificuldades em construir e manter amizades. Segundo Mclachlan, Walderman e Thomas (1973) o modelo oferecido por pai ou mãe alcoolista pode distorcer o processo de socialização da criança, que passa a adotar, intencionalmente ou não, formas inadequadas de relacionamentos interpessoais, apresentando déficits em todas as dimensões da comunicação, como clareza e auto-referencia (ver pesquisa publicada na Revista-Psicologia: Reflexão e critica, V. 11, n.1 Porto Alegre 1998). Percebe-se que uma das grandes dificuldades encontradas é que o mundo vivido dos filhos de alcoolistas encontra-se num sistema fechado, o de auto-alienação. Balmert (1987), investigou o fenômeno de filhas de pais alcoolistas que casam com alcoolistas e observou que as mensagens que as filhas receberam dos pais afetaram suas vidas e suas percepções dos relacionamentos com eles e que essas mulheres tinham uma tendência a comunicarem-se dentro de padrões rígidos. É como se elas tivessem aprendido um repertorio lógico limitado que dificulta a manutenção de conversações satisfatórias com pessoas significativas.

A VISÃO DE ADALBERTO BARRETO SOBRE ALCOOLISMO E CULTURA O professor Adalberto Barreto, no texto intitulado Alcoolismo e Cultura: as incorporações assassinas, afirma que o homem procura através da educação e do trabalho, realizar-se e transformar o mundo. Educação e trabalho tornam-se, então, dois meios de crescimento pessoal e social.

Através da educação os homens herdam experiências, incorporam informações e fazem parte de uma história que evolui. É pela educação que se conhece o passado e prepara-se para o amanhã.

Porém, nem todos os brasileiros têm acesso a estes dois instrumentos de transformação. A educação, muitas vezes. Visa conformar os homens às regras e valores convencionais, não oferecendo espaço para a criatividade ou para a contestação. É uma educação baseada no “fazer coisas”, no atingir metas e nunca no “ser mais”, no desenvolver aptidões, no transformar realidades. Esta forma de educar esvazia o homem de sua capacidade criativa, subjugando-o ao controle de outros, sem chances de ser reconhecido como sujeito e criador de coisas e de vidas.

Quanto ao trabalho, a falta e o excesso, fazem do homem objeto sem importância. A falta de trabalho re-envia a idéia de que não se é importante, surgindo a incorporação de menos-valia, de inexistência, de desvalorização e de exclusão. O excesso de trabalho torna o homem peça de reposição de uma máquina que escapa ao seu controle. Coisifica a existência, fragmentando os elos que une o trabalhador à sua família, amigos, sociedade e aos valores de sua cultura a que conferem uma identidade pelo pertencimento. As relações humanas ficam mecanicizadas, esvaziando os homens da capacidade de ter prazer, de amar, de retribuir, de cuidar de si e dos outros.

Desta forma, o homem marginalizado e desvalorizado, pela carência ou pelo excesso dos meios de transformação, encontra impedido em desenvolver-se plenamente. Ele não tem mais acesso satisfatório aos mecanismos integradores e socializantes da cultura e procura outras formas de “incorporações” onde a química de substâncias assume o papel central. O álcool e a droga passam a ser

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investidos como o elemento redentor, capaz de provocar a tão desejada e nunca materializada “metamorfose”. É no álcool, na cachaça, na “lourinha” que o homem desvalorizado busca a transformação que não consegue no dia-a-dia de seu trabalho ou de sua vida. Beber cachaça é incorporar um dos símbolos do homem por excelência, no país do machismo. O álcool confere um status social e, por sua ação estimulante, produz transformações instantâneas: encoraja os tímidos, alegra os tristes e faz do fraco um forte destemido. Desta forma, o homem desvalorizado tenta reverter sua posição, tentando impor-se e lutando contra o sentimento de menos-valia e de aniquilamento.

Algumas questões são colocadas pelo professor Adalberto Barreto:

� Até que ponto a embriaguez alcoólica é o reflexo de um estado permanente de um outro tipo de embriaguez, decorrente de uma intoxicação interior que ataca alma e a dignidade do homem?

� Não seria esta embriaguez provocada pelas condições sub-humanas em que vive o homem trabalhador ou de um jovem marginalizado, quando não consegue se afirmar como homem pelo trabalho, pelas realizações de seus projetos pessoais e familiares?

A “metamorfose” provocada pelo álcool é efêmera e desencadeia um sentimento de revolta e repressão da sociedade, como também, de frustração e exclusão do indivíduo. Substitui-se, assim, o processo saudável de “incorporações integradoras” do indivíduo à sociedade por “incorporações assassinas” que intensificam a desagregação e desencadeiam o processo de anomia social.

Adalberto Barreto finaliza estas reflexões questionando como uma sociedade que não cumpre seu papel maior de promotora da vida, poderá exigir de seus membros o respeito às normas de convivência social. Qual a legitimidade tem a sociedade para chamar de cidadãos aqueles que ela não estimula a criatividade, não premia o trabalho com um salário digno, não oferece uma educação que permite ao indivíduo integrar-se no processo de desenvolvimento nacional e realizações pessoais?

A TERAPIA COMUNITÁRIA E ALCOOLISMO - A EXPERIÊNCIA DO NÚCLEO PSICOSSOCIAL FORENSE-NUPS/TJDF

O NUPS (Núcleo Psicossocial Forense) do Tribunal de Justiça do Distrito Federal foi criado em maio de 2000. É composto, atualmente, por assistentes sociais, psicólogos, socióloga e antropóloga e tem como função assessorar os magistrados dos Juizados Especiais Criminais (JEC).

A clientela do NUPS são autores e vítimas de violência, que cometeram alguma infração penal considerada pela Lei nº 9099 de 26 de setembro de 1995, como sendo de menor potencial ofensivo, ou seja, aquelas cuja pena máxima prevista não ultrapasse dois anos e a lei não preveja procedimento especial. A grande maioria se caracteriza como violência intrafamiliar.

O trabalho tem como objetivo geral motivar as partes para uma mudança na forma de relacionarem-se, com vistas à interrupção do ciclo de

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violência. Utiliza-se como referencial teórico, principal, a teoria sistêmica e como metodologia de trabalho os atendimentos individuais, familiar e grupal.

No ano de 2001 foram atendidos no NUPS o total de 451 casos (do JEC) - conjunto de pessoas que formam o processo – autor(s) e vítima (s). A partir de uma pesquisa, tendo por base uma amostra tomada aleatoriamente de 10% dos casos atendidos no respectivo ano, obtivemos os seguintes dados:

• quanto à expectativa do trabalho a que seriam submetidos no NUPS, 18,3% responderam que esperavam melhorar a relação com os filhos; 8,2% melhorar o relacionamento conjugal; 26,5% interromper o ciclo de violência; 24,5 resolver problemas de alcoolismo, abuso de drogas, cumprir determinação judicial; e, 22,4% não informaram.

• 22% das partes foram encaminhadas para tratamento de alcoolismo; 9% para dependência química; 40% para apoio terapêutico e 11% para acompanhamento psiquiátrico.

Com base nestes dados, podemos observar que, apesar de serem os magistrados e conciliadores quem define as pessoas que serão atendidas pelo NUPS, o abuso ou dependência de bebida alcoólica é percebido como problema em 24/% dos casos encaminhados por, pelo menos, uma das partes, em geral pela vítima.

Os dados acima reforçaram a necessidade de um trabalho mais direcionado às pessoas em situação de abuso de bebida alcoólica ou em situação de dependência, pois entendemos que o alcoolismo possui multideterminações. Contudo, a interação indivíduo-meio social é fator preponderante na evolução para um beber problemático ou dependência alcoólica.

Um trabalho direcionado ao usuário de bebida alcoólica, tanto na prevenção como na recuperação deve considerar questões, tais como: - como o uso de álcool é percebido pela comunidade e/ou na família? - como a família age diante de uma situação de abuso ou dependência de álcool? - qual o espaço destinado nessa comunidade para falar dos projetos e conquistas, individuais e coletivas? - como o indivíduo e a família são acolhidos em suas dores e sofrimentos? etc.

Pensamos a Terapia Comunitária como proposta metodológica para o NUPS ao percebermos que o número de casos classificados como violência intrafamiliar e envolvendo abuso de álcool por, pelo menos, uma das partes, tem se sobressaído nas estatísticas do NUPS, necessitando de uma abordagem mais direcionada para essa clientela, visto que, via de regra, os acordos firmados na etapa de conciliação ou a punição do autor, bebedor problema ou dependente de bebida alcoólica, não tem sido suficiente para prevenir a reincidência, muito menos para reparar a vítima, que na maioria das vezes recorre à Justiça como uma última possibilidade de ajuda, para aquela família.

As partes, autores e/ou vítimas, ao chegarem ao NUPS, sempre por encaminhamento de juizes ou conciliadores, são atendidas por um técnico que, percebendo que o abuso de bebida alcoólica é o principal determinante dos conflitos, faz o encaminhamento para a Terapia Comunitária, que acontece, quinzenalmente, nas dependências do NUPS/Juizado Central Criminal.

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Considerando que a Terapia Comunitária foi inserida como proposta metodológica do NUPS, temos como objetivo de trabalho garantir à pessoa considerada um bebedor problema ou em situação de dependência e seus familiares, um espaço de escuta e acolhimento, possibilitando aos participantes a contextualização da situação vivenciada, o resgate da auto-estima, visando à extinção da violência como padrão de comunicação e a reconstrução dos vínculos familiares e sociais.

Segundo Luiz Carlos Osório (1997), "como ser humano é gregário por natureza e somente existe, ou subsiste, em função de seus inter-relacionamentos grupais e, numa dialética constante, mantém-se na busca de sua identidade individual, grupal e social é que o trabalho num grupo terapêutico poderá servir de apoio à reestruturação de um novo estar no mundo. O campo grupal se constitui como uma galeria de espelhos, onde cada um pode refletir e ser refletido nos, e pelos outros. Nos grupos terapêuticos, essa oportunidade de encontro do self de um indivíduo com o dos outros configura uma possibilidade de discriminar, afirmar e consolidar a própria identidade, bem como, ser um continente das angústias e necessidades de cada um e de todos".

Os motes que relacionaremos a seguir, utilizados nos quatro primeiros meses de Terapia Comunitária, reforçam a nossa percepção de que os sentimentos de perdas e abandonos são os mais freqüentes nas experiências compartilhadas no grupo. Esses sentimentos muitas vezes são decorrentes do processo de exclusão social a que vêm sendo submetidas essas pessoas, aliados à ruptura ou empobrecimento de laços afetivos devido a uma história de vida marcada por movimentos migratórios, bem comuns à realidade da população do Distrito Federal.

Motes:

• Por que tenho dificuldade de dizer não?

• Quais os danos que o consumo do álcool traz a minha saúde?

• Por que precisei dos limites da lei?

• Qual a vitória/conquista que me trouxe mais alegria?

• Qual ou quais são meus projetos de vida?

• Perda de documentos significa perda de identidade?

• O consumo de álcool compromete minhas relações familiares?

• Ao vivenciar uma grande perda, quais são os meus sentimentos?

• Qual o meu sentimento diante da experiência da presença de um meio de

comunicação (televisão) no NUPS?

• Quais as minhas competências?

• Quais os abandonos que já sofri e onde busquei forças para superá-los?

Refletir sobre as possibilidades de transformação pessoal e social é o grande desafio da Terapia Comunitária no NUPS, se considerarmos que a maioria

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da clientela são homens em idade produtiva, que estão fora do mercado formal de trabalho ou desempregados, em outras palavras, sem acesso aos bens e serviços na sociedade, principalmente, ao trabalho e a educação, onde reside suas reais possibilidades de torna-se agente de mudança.

Percebemos que a Terapia Comunitária tem se constituído num espaço de referência para os participantes iniciarem um processo de restabelecimento do convívio social, através de práticas inerentes a metodologia, tais como, ouvir o outro, ser ouvido, dar e receber afeto, agradecer, etc. É importante ressaltar que a falta dessas práticas é queixa comum nos conflitos conjugais e familiares (falta de diálogo, falta de carinho, solidão), e a Terapia Comunitária tem ajudado nessa reaprendizagem. Infelizmente, a participação do casal ou dos filhos ainda é muito reduzida.

Identificamos como resultado positivo do trabalho a redução do consumo de bebida alcoólica nos bebedores-problemas, a melhor vinculação ao tratamento das pessoas consideradas dependentes e a melhoria nas relações familiares.

A equipe psicossocial do NUPS contribui, assim, para a construção de um novo paradigma na Justiça, no qual os indivíduos que cometeram atos infracionais relacionados ao consumo do álcool, são reconhecidos num contexto amplo no qual ao se conscientizarem acerca dos próprios problemas, têm a capacidade de redefini-los, sendo responsáveis pelas escolhas e pelos atos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. EDWARDS, Griffith e outros. O Tratamento do Alcoolismo: um guia para profissionais de saúde. Porto Alegre: Artmed, 1999.

2. ZIMERMAM, David e OSORIO, Luiz Carlos. Como trabalhamos com grupos. Porto Alegre: Artmed, 1997.

3. NICHOLS, Michael e SCHWARTZ, Richard. Terapia Familiar: conceitos e métodos. Porto Alegre: Artmed, 1998.

4. OSORIO, Luiz Carlos e VALLE, Maria Elizabeth. Terapia de famílias: novas tendências. Porto Alegre: Artmed, 2002.

5. MOLINA-LOZA, Carlos Arturo. Conhecer e compreender a família brasileira: chaves para uma terapoética da família. Belo Horizonte: Artesã, 1998.

6. BARRETO, Adalberto. Manual do terapeuta comunitário da pastoral da criança (apostila). Fortaleza, 1997.

7. OSORIO, Luiz Carlos. A violência nossa de cada dia. Porto Alegre: Gruppos, 2001.

8. OMER, Haim. Autoridade sem violência: o resgate da voz dos pais. Belo Horizonte: Artesã, 2002.

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88

10. MOREIRA, Isaura. Relação terapêutica involuntária: repetição da violência ou espaço produtivo para mudanças. Salvador: 2002. Artigo apresentado no V Congresso Brasileiro de Terapia Familiar.

11. ADALBERTO BARRETO. Alcoolismo e cultura: as incorporações assassinas. (on line). Disponível na internet via www.url: http://www.abratef.org.br. Arquivo capturado em 20 de agosto de 2002.

12. RODRIGUES, Luciano. Terapia Comunitária. Tribuna do Brasil. Brasília,22/9/02. Caderno B. Página B3.

13. RODRIGUES, Luciano. Terapia Comunitária. Uniceub em revista, Brasília, número 1, página 10, maio, 2002.

Page 89: Anais Do i Congress Od Etc

89

A TRAJETÓRIA DE IMPLEMENTAÇÃO DA TERAPIA COMUNITÁRIA NA CASA DO ESTUDANTE DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA13

Maria do Socorro Gomes Ariadna Nunes René Boechat

PALAVRAS-CHAVE: Terapia Comunitária; Qualidade de vida; Diversidade geográfica e cultural; Convivência; Conflito; Isolamento; Distanciamento afetivo-familiar; Auto-Estima; Solidariedade; Integração; Participação

RESUMO

O presente texto visa apresentar algumas reflexões sobre o processo de

implementação da Terapia Comunitária na Casa do Estudante Universitário

– UnB a partir de outubro de 2002. Inicialmente faz-se um breve histórico

da origem e do funcionamento da Casa de Estudante Universitário, em

seguida apresentam-se resumidamente os principais projetos que visam a

melhoria da qualidade de vida dos moradores da casa, incluindo se aí o

Projeto de Terapia Comunitária. Destaca-se que atualmente na CEU residem

cerca de 400 alunos oriundos de diferentes cidades do Brasil, bem como de

outros países, em especial, da África. Essa diversidade de origem geográfica

e cultural dificulta a convivência e interação dos moradores, provocando

algumas vezes conflitos e isolamento. Percebe-se, ainda, que esses alunos

apresentam baixa condição socioeconômica e um distanciamento afetivo-

familiar que interferem em sua auto-estima. Neste sentido a Terapia

Comunitária tem estimulado o estabelecimento de novos vínculos de

solidariedade e integração, assim como a participação dos estudantes nas

atividades da CEU. Conclui-se que a Terapia Comunitária tem contribuído

para a construção de uma nova consciência coletiva, favorecendo a melhoria

das relações inter-pessoais, bem como a maior participação no processo de

co-gestão da CEU.

1- Introdução

A Casa do Estudante Universitário de Graduação- CEU, da Universidade

de Brasília-UnB constitui-se em um dos programas da Assistência Estudantil, é

Composta por 02 blocos, com 96 apartamentos que alojam cerca de 400 alunos

13 Diretoria do Desnvolvimento Social-DDS do Campus Universitário Darcy Ribeiro

Page 90: Anais Do i Congress Od Etc

90

vindos, em sua grande maioria de cidades do interior do Brasil, além de

estudantes estrangeiros, principalmente africanos.

Para ingresso na CEU, o aluno participa de processo de seleção

socioeconômica, realizado por uma equipe de assistentes sociais, no qual se

prioriza o encaminhamento daqueles oriundos de família de baixa renda.

Os alunos selecionados passam a residir no Campus Universitário nas

proximidades do Centro Olímpico - C.O. onde se localiza a CEU, geograficamente

afastada tanto dos demais prédios do Campus, quanto da própria cidade de

Brasília.

Outra característica peculiar da CEU diz respeito ao espaço físico. Os

apartamentos foram construídos de forma a não possibilitar a privacidade dos

habitantes, onde a exceção dos banheiros, os demais espaços são coletivos,

alojando entre 4 e 5 estudantes.

Até 1991, a CEU recebia o nome de C.O. ou alojamento estudantil, ou seja

a própria concepção de CASA só foi inserida no início dos anos 90, sendo que sua

utilização no cotidiano da vida no campus só foi consolidada nos últimos 5 anos.

Os moradores eram encaminhados conforme a disponibilidade de vaga

sem se levar em consideração os perfis do apartamento e do novo morador, até

1999, fato que tornava a sua inserção no apartamento, muitas vezes confusa,

acarretando problemas de adaptação.

A estrutura física, aliada aos procedimentos de encaminhamento dos

novos moradores levavam ao estabelecimento de relações muitas vezes

conflituosas pela heterogeneidade de valores e princípios dos alunos, que recém

saído de seu contexto familiar, em adaptação com o mundo acadêmico e com a

própria cidade, passem a conviver com outros alunos vindos de diferentes

culturas e estilos de vida.

2. A Participação Estudantil.

Em relação a participação, os moradores da década de 80 instituíram a

primeira Associação de Moradores do Alojamento Estudantil- AMAE que dentre

outras conquistas, inseriu o princípio da co-gestão na resolução 08/91 e o

conceito de Casa do Estudante.

Page 91: Anais Do i Congress Od Etc

91

Já na década de 90 a participação dos moradores tornou-se precária, as

sucessivas diretorias que não concretizavam seus mandatos e os processos

eleitorais confusos resultaram em uma desmobilização geral no final da década

de 90. Tal quadro afetou diretamente o processo de administração da CEU,

trazendo uma alienação com relação à própria condição de sujeito histórico dos

alunos e um individualismo crescentes.

A necessidade de construção de uma nova consciência coletiva, de um

espaço de formação humana e integral dos alunos/moradores, tornando o estar

na CEU efetivamente um processo educativo, levou a DDS a redimensionar o

Serviço Social da CEU, que a partir de 1999, passou a desenvolver programas

com os seguintes princípios:

• Propiciar maior humanização no processo de seleção e

encaminhamento dos novos

moradores.

• Criar espaços para a integração e participação dos moradores através

do

desenvolvimento de atividades coletivas.

• Trabalhar preventivamente as questões de “crise”.

3. Programas e Projetos Desenvolvidos.

A partir do referencial acima mencionado, foram desenvolvidos os

seguintes Programas e Projetos .

3.1- Projeto Cultural Espaço Livre.

Projeto Cultural Espaço Livre foi estruturado da realização de a

partir de reuniões

com moradores para definição do próprio projeto, e pesquisa sobre áreas de

interesse. Teve como objetivo criar espaços de integração sociocultural e de lazer

mediante a realização de:

• Oficinas integrativas de Biodança; dança de salão; yoga; arte-terapia;

música e capoeira.

• Eventos tais como: saraus, shows, palestras, filmes dentro outros, que

marcaram a abertura e encerramento dos semestres letivos.

Page 92: Anais Do i Congress Od Etc

92

As oficinas funcionaram por um semestre e foram encerradas por falta de

público, exceto a de música que chegou a constituir um grupo musical - Virada-

do-saci- realizando inclusive apresentações dentro e fora do Campus.

A oficina de capoeira passou a integrar a programação cultural aberta a

toda a Comunidade Universitária, por falta de público interno.

A baixa participação dos moradores nas atividades propostas por eles

mesmos, levou a equipe a repensar sobre os instrumentos necessários para a

mobilização e envolvimento dos moradores. O projeto foi suspenso por um

período e retomado posteriormente apenas com as atividades de abertura e

encerramento do semestre.

3.2- O Programa de Qualidade de Convivência.

O Programa de Qualidade de Convivência, busca trabalhar

preventivamente os processos de seleção, encaminhamento e acompanhamento

dos novos moradores, além de estruturar novas formas de organização coletiva.

É desenvolvido nas seguintes etapas: • Projeto Encontro entre os candidatos – são realizadas reuniões entre as

assistentes sociais

e os candidatos, onde são apresentadas as condições gerais do programa e,

através da aplicação de técnicas de dinâmicas de grupos, os alunos tem a

oportunidade de expressarem suas expectativas e necessidades com relação a

moradia.

• Projeto Realização de Visitas aos apartamentos com novas vagas com a

finalidade de

identificar o perfil organizativo dos mesmo. Para encaminhamento, dentro do

possível pelo princípio da afinidade.

• Recepção dos novatos – realizada em reunião que conta com a

participação dos

selecionados, dos representantes dos apartamentos com vaga e da DDS. 3.3- Projeto de Criação Constituição do Conselho Comunitário.

Page 93: Anais Do i Congress Od Etc

93

A desarticulação da entidade representativa dos moradores aliada a

necessidade de interlocução direta da DDS com os mesmos, apontaram para uma

nova alternativa de participação que foi o Conselho Comunitário. Criado com

uma estrutura organizacional flexível e informal que possibilita a participação

de todos os moradores na apresentação de propostas e mesmo realização de

atividades coletivas. Foram instituídos Grupos de Trabalho para os seguintes

temas:

• Reformas e melhorias no espaço coletivo da CEU

• Oferta de serviços – Loja de Conveniência, Curso de Línguas,

Laboratórios de informática,

• Integração e lazer

O Conselho Comunitário também referendou a proposta de realização do

grupo de Terapia Comunitária, que passou a ocorrer uma vez por semana em

dias alternados às reuniões do Conselho.

3.4 - Projeto de Criação de um grupo de Terapia Comunitária.

A Terapia Comunitária surge então no contexto acima mencionado, como

uma importante tecnologia social. Dois profissionais da DDS foram capacitados

em curso de formação, custeado pela UnB, que passaram a atuar de forma a

complementar as atividades do conselho fortalecendo sua consolidação.

O trabalho de TC teve início em outubro de 2002. Desde sua

implementação, é possível verificar a melhora da qualidade das relações

interpessoais entre os participantes. Dentre os motes ( temas) abordados

destacamos:

• sentimento de Pertença;

• sentir-se estrangeiro;

• isolamento

• perda da identidade cultural

• falta de contato afetuoso.

A utilização de músicas, poesias, relaxamento e toque entre os

participantes, foram instrumentos utilizados como mecanismos de dinamização

dos processos, de aproximação e aprofundamento dos laços de solidariedade

entre os membros, que passaram a compartilhar seus problemas individuais com

Page 94: Anais Do i Congress Od Etc

94

o grupo e verificar que estes eram comuns a todos os participantes. E Apontar , a

partir daí sugestões coletivas para a sua superação.

Neste sentido as reuniões de TC na CEU, interferiram diretamente na

melhora de qualidade do contato nas reuniões do Conselho, que a partir da

necessidade identificada de maior aproximaão entre os moradores desenvolveu

dois eventos com a clara intenção de promover a integração entre os moradores

pelo estabelecimento de laços sociais e culturais peculiares a realidade da CEU.

Foram eles:

• O plantio de árvores frutíferas no Pomar de CEU- organizado com vistas

a mobilizar o maior número possível de moradores que em sistema de

mutirão realizaram , num final de semana, o plantio, seguido de lanche

coletivo. Durante a realização do evento foi feito um pequeno ritual

com a reflexão sobre o “lançar raízes no chão onde se pisa e a relação

disto com a vida na CEU.

• Sarau de Encerramento do Semestre que contou com a participação de

músicos, poetas, dançarinos, artistas de circo e artistas plásticos, todos

moradores que durante toda a noite se revezaram em apresentações

para um público empolgado e participativo. Toda a concepção e

organização do mesmo ficou sob a responsabilidade dos moradores.

Toda a organização do evento contou com reflexões sobre os objetivos

dos mesmos onde a tônica sempre dizia respeito ao fomento da vida comunitária.

Para a divulgação destes, foram organizadas visitas dos membros do Conselho

aos apartamentos para o convite aos demais moradores.

Concluindo, acredita-se que esse conjunto de projetos, bem como a

utilização da TC tem possibilitado aos moradores da Casa o resgate de sua auto-

estima, a uma melhora em sua qualidade de vida, alem de oportunizar uma

maior consciência de cidadania e coletividade, tornando o morar na CEU um

referencial importante no processo de formação humana e mesmo profissional

dos participantes.

Page 95: Anais Do i Congress Od Etc

95

MOBILIZAÇÃO E DESDOBRAMENTO DE UM GRUPO PARA UMA PRÁTICA DE TERAPIA COMUNITÁRIA14

Maria da Salete Leite Vianna Lia Fukui

Liliana Beccaro Marchetti PALAVRAS-CHAVE: mobilização, terapia comunitária

RESUMO

Nesse relato pretendemos explicitar a mobilização de um grupo na região oeste de São Paulo, bairro do Butantã, na capela católica conhecida como Capela da Natividade. O interesse de implantar a terapia comunitária levou-nos a contatar as lideranças religiosas. O primeiro encontro ocorreu devido ao interesse da Pastoral da Criança que efetivou o primeiro convite. Formou-se então um grupo de moradores da região mobilizados através de contatos pessoais e telefônicos. A mobilização deste grupo foi facilitada devido à presença de uma assistente social conhecida na região, onde reside há mais de 38 anos e na qual participa, como voluntária, de seis grupos. O principal desdobramento foi a concretização de 5 grupos além da região da Capela da Natividade. A partir do grupo de origem cinco freqüentadores estão sendo capacitados, fizeram o Módulo I com o Adalberto em São Paulo. A mobilizadora foi procurada por padres, diretores de creches da região e técnicos das ONGs onde trabalha, para implantar a terapia comunitária em suas instituições. A divulgação desse trabalho foi feita boca a boca, tendo despertado o interesse do Conselho Tutelar da região e de outros centros comunitários afastados do local do grupo inicial. Outro desdobramento foi a concretização da formação do Grupo TCendo-sp, composto pela assistente social Maria da Salete Leite Vianna, pela psicóloga Liliana Beccaro Marchetti e pela socióloga Lia Fukui. O Grupo TCendo-sp foi acolhido pela Pró-Reitoria da USP, através do NEMGE

O modelo das Quatro Varas influenciando a implantação do grupo na Capela Natividade do Senhor.

A Capela Natividade do Senhor encontra-se no distrito do Butantã,

região do bairro do Rio Pequeno que tem como divisas por um lado a

Universidade de São Paulo, por outro a rodovia Raposo Tavares e, em suas

proximidades, a cidade de Osasco.

A região do Rio Pequeno é formada geograficamente por morros e vales.

Nos morros há casas e edifícios de classe média e nos vales concentram-se as

“favelas”. A capela atende à população do morro e da favela, localizando-se no

início dessa última.

14 TCendo.sp – Nemge -USP e-mail: [email protected]

Page 96: Anais Do i Congress Od Etc

96

As origens do bairro, assim como as da favela são antigas; ambos

constituíram-se há cerca de 39 anos. Os moradores dos dois locais, tanto por

serem em número reduzido como pelo isolamento da região em relação à

metrópole conheciam-se, interagiam e estabeleciam relações de vizinhança. “O

barro era o mesmo para todos” não havia iluminação pública, nem asfalto, nem

água encanada ou esgoto e telefone. Com o decorrer dos anos a ocupação das

áreas foi se modificando; com as melhorias do equipamento urbano acentuou-se

no bairro a classe média. A favela, situada em área pública invadida demorou

mais para receber esses melhoramentos e foi inchando cada vez mais, o que

colaborou para uma separação cada vez mais acentuada, que apareceu

acompanhada pelos preconceitos recíprocos existentes entre os moradores de

ambos os locais.

Moradora que sou de um dos morros dessa área e freqüentadora da

Capela Natividade do Senhor, vejo o constante fosso entre esses dois lados sociais

ampliar-se cada vez mais. Ao tomar, pois, conhecimento do projeto das Quatro

Varas e inteirar-me dos objetivos da Terapia Comunitária - um trabalho social

que objetiva eliminar as tensões do cotidiano, facilitar a inserção social e o

resgate da cidadania através de sua capacidade transformadora, acreditei que

poderia utilizar esse recurso como facilitador da integração favela-bairro; ou seja,

acreditei que reunindo pessoas com diferentes maneiras de pensar, com crenças

e idéias diversas poderia provocar uma ação conjunta para alcançar objetivos,

desejos e vencer algumas dificuldades dessas pessoas. Acreditei, enfim, que as

pessoas pudessem interessar-se em falar, em trocar opiniões e procurei

concretizar essas idéias utilizando para isso minha experiência anterior como

membro participante de movimentos estudantis políticos e religiosos e como

assistente social. O trabalho realizado ainda não correspondeu a essa

expectativa, mas teve outros resultados:

1-divulgação da Terapia Comunitária em São Paulo 2-formação de cinco grupos em que essa terapia é realizada 3- consolidação do grupo Tcendo São Paulo, constituído pelas expositoras

deste trabalho e consolidador de outros cinco grupos.

4-expansão do trabalho nas instituições da região.

Ora,..” conhecendo -através das palavras de Lanna Bleicher- o fato de que a

abordagem da Comunidade tem por base um Território e a Comunidade que nele

Page 97: Anais Do i Congress Od Etc

97

vive; ou seja, tem por base as relações sociais entre as pessoas, as instituições, as

organizações e a interação realizada em determinado espaço e de que são essas

relações que determinam as características dessa proposta (abordagem) e suas

perspectivas futuras ...” iniciei a mobilização ( aqui considerada como uma

estratégia de comunicação para se efetivar um trabalho social através de

abordagem, aproximação) para a Terapia Comunitária através do convite

espontâneo de uma líder da Pastoral da Criança- Ana Arakaki-, da Paróquia

Santíssima Trindade- cujo pároco é o padre Jorge “Rocha” Pierozan e que se

situa na região Oeste da cidade de São Paulo, capital, na região acima descrita e

à qual pertence a já citada Capela Natividade do Senhor.

Ana e eu conhecemo-nos trabalhando como voluntárias no Centro de

Assistência e Espaço Gente Jovem da Comunidade Assunção (Favela da

Assunção), no Butantã. Foi ela quem me ajudou a entrar em contato com as

lideranças da Capela Natividade do Senhor.

Realizei, então, com pessoas ligadas à Terapia Comunitária como Lia Fukui

e Liliana Beccaro Marchetti uma reunião de apresentação à qual estavam

presentes também essas lideranças da capela Natividade do Senhor. Algumas

apoiaram a idéia, outras se calaram.

Em conseqüência desse primeiro encontro, travamos contato com a então

coordenadora paroquial da Pastoral da Criança, que apresentou diversas

propostas, não aceitas por mim devido à imposição e à exclusão de pessoas e

lugares.

Prosseguimos.

Comecei a convidar pessoas ligadas à Capela, à comunidade ali próxima e

também a outras pessoas fora do bairro para um encontro –o primeiro- de

Terapia Comunitária propriamente dita. Vieram pessoas do meu relacionamento

de bairros distantes: Jardim Arpoador, Santo Amaro, vieram também pessoas da

comunidade e da Capela.

A mobilização prosseguiu através de contatos pessoais espontâneos na

vizinhança do bairro, através do boca-a-boca dos participantes dos encontros e

ainda de líderes religiosos. E assim foi nos dez primeiros encontros; eu, como

assistente social que participava como voluntária em alguns segmentos da

comunidade, tive essa atividade facilitada.

Page 98: Anais Do i Congress Od Etc

98

Fatores que geraram essa interação, além das sessões mensais de

Terapia Comunitária realizadas nas salas anexas à Capela Natividade do

Senhor:

1- ser membro freqüentador da Capela Natividade do Senhor

2- ser atuante como voluntária nas Obras Sociais da Paróquia São Mateus

3- pertencer ao Conselho de Obras Sociais da Paróquia São Mateus.

4- ser voluntária e responsável pela triagem das famílias que procuram

atendimento no projeto de Terapia Familiar do Centro de Assistência

Psicológica a Famílias de Baixa Renda e mobilizadora do projeto Cine

Família da mesma instituição porque, enquanto distribuía convites para o

Cine Família falava da Terapia Comunitária.

5- ser moradora daquele bairro há mais de trinta anos e lá ser conhecida

como Assistente Social.

6- ser aluna do curso de Teologia da Paróquia

Com a entrada da nova coordenadora Paroquial da Pastoral da Criança,

Leda Rita Cintra Ferraz, as sessões de Terapia Comunitária foram

oficializadas, sendo cedido o salão da comunidade para essas reuniões, com

dia e horários próprios e foi também divulgada essa terapia na favela

Assunção. Firmava-se com esses gestos, o apoio que a Pastoral da Criança

da Paróquia Santíssima Trindade dava ao grupo de terapia e se firmavam

ainda as possibilidades de ajuda que os líderes e assistidos por essa Pastoral

poderiam receber do grupo de Terapia Comunitária.

Com esse apoio e a conseqüente divulgação e interação com outros

setores, nosso caminhar tornou-se mais intenso e rápido:

- partindo do grupo da Capela Natividade do Senhor, cuja

implantação se deu em agosto de 2001, através de uma mobilização

realizada no boca-a-boca, começamos a atender outros convites.

- dos padres que me procuraram, o primeiro que atendemos foi

padre João Borges, da Paróquia São Mateus, onde foi iniciado o segundo

grupo de Terapia Comunitária. Esse grupo que se nomeia “De Bem com a

Vida” estabeleceu-se a partir de julho de 2002.

- a seguir atendemos a padre João des Champs da Paróquia São

Patrício, em um chamado decorrente de conhecimento que travei com

Page 99: Anais Do i Congress Od Etc

99

uma de suas lideranças, Mary Falciano, no curso de Teologia da Paróquia

Santíssima Trindade. O grupo atende por “Cuidando do Cuidador” e

estabeleceu-se a partir de novembro de 2002.

- as decorrências se aglomeram e, em uma delas, atendemos na

Terapia Comunitária do grupo Natividade do Senhor pessoas da Creche

Assunção, que nos convidaram para ali iniciarmos o terceiro grupo.

- mais uma decorrência, mais um convite: como freqüentadora da

comunidade da capela Natividade do Senhor, conheci a diretora da Creche

da Santíssima Trindade, aceitamos seu convite e formou-se o quarto grupo

de terapia.

- fui então procurada por um jovem com militância político-

comunitária na Associação Comunitária Práxis e Democracia de Osasco,

que ouvira falar de nossos encontros na capela Natividade; veio assistir-

nos e nos convidou para desenvolver um trabalho com desempregados em

seu município (vizinho do Butantã) . Essa proposta, entretanto, encontra-

se em estudo não tendo ainda se concretizado o trabalho por falta de

tempo da equipe.

- fui então convidada por pessoa das minhas relações, diretora de

um Centro Comunitário do Jardim São Luís, Santo Amaro, para também

ali formar um grupo de Terapia Comunitária; projeto ainda em estudo.

- passo a freqüentar também o Projeto Esperança (Pensionato para

portadores do vírus HIV), recebidos com preconceito pela comunidade, que

os ignora e isola .Quebrar esse isolamento foi um desafio que aceitei, o que

já trouxe para nossas reuniões de Terapia Comunitária da Capela

Natividade do Senhor três portadores dessa síndrome; fato inédito porque,

até então, embora Projeto e capela se situem em um mesmo terreno, os

aidéticos permaneciam reclusos em sua moradia, vítimas do já assinalado

preconceito.

- novos setores e eis mais uma vez o boca-a-boca rendendo seus

frutos: assim o Conselho Tutelar procurou-me através de alguns de seus

membros para encaminhar famílias com crianças rebeldes e adolescentes

em “liberdade assistida” (LA) para o grupo de Terapia Comunitária, do

qual os próprios conselheiros freqüentemente participam.

Page 100: Anais Do i Congress Od Etc

100

- sendo eu e Lia Fukui voluntárias na triagem do projeto Terapia

Familiar do CEAF, esta última teve idéia de atender a demanda das

famílias, que se encontram na fila de espera do atendimento, formando

um grupo de Terapia Comunitária na instituição.

- Liliana Marchetti, psicóloga e companheira na implantação do

grupo da Natividade, atendendo familiares e portadores de epilepsia no

seu exercício profissional, mobilizou a formação de um grupo de Terapia

Comunitária no IPq do Hospital das Cínicas da Universidade de São

Paulo.

- Finalmente, em decorrência da participação de Lia Fukui no NEMGE

concretizou-se mais um grupo: o TCendo.sp, que recebeu a acolhida da

Pró-Reitoria da Universidade de São Paulo.

Ação Multiplicadora

A ação multiplicadora do grupo da capela Natividade, que gerou cinco

novos grupos, portanto, não parou por aí, já que o grupo TCendo SP também foi

gerado a partir dessa primeira experiência e gerou, ele próprio, mais cinco

grupos:

TCendo Estudando

TCendo Formando

TCendo Encontros

TCendo Comunicando.

TCendo Informando

As companheiras Liliana Marchetti e Lia Fukui usaram suas competências

para a concretização destes grupos.

A essa altura do caminho, com vários grupos já estabelecidos e novas

terapeutas sendo formadas a partir de nosso grupo inicial, pergunto-me: por que

fiz esse percurso?

A resposta surge de vários pontos e também de minha formação como

assistente social, que não me deixa esquecer:

- da consciência da exclusão social a que muitos são submetidos e da

eficácia da Terapia Comunitária como integradora e facilitadora da inserção

social.

Page 101: Anais Do i Congress Od Etc

101

- da consciência da baixa auto-estima em indivíduos que perderam seus

valores e suas crenças.

- da consciência do social influenciando o emocional sendo esse emocional,

por sua vez, submetido a pressões como o desemprego e suas conseqüências, as

drogas e a desorganização, inclusive familiar, que daí advém.

- da necessidade de ser partícipe e pensante para ser uma cidadã.

Este relato suscitou-me dúvidas sobre a adequação da prática e teoria

das tendências atuais do Serviço Social, considerando que o Serviço Social

Comunitário foi transformado em implementação das políticas sociais e de

direitos, aqui permanecem as minhas dúvidas sobre a metodologia usada por

mim, porque como assistente social dos anos 60, fiz somente o que aprendi

Através do grupo da Natividade, quatro frequentadores estão participando

do Grupo de Capacitação em TC no NEMGE. Este grupo estabeleceu uma rede de

interação amistosa na qual fui incluída e percebe-se com nitidez o

desenvolvimento das suas competências mobilizadoras, trazendo novos

frequentadores para o grupo da Natividade.

Perspectivas Futuras

O modelo do Projeto das Quatro Varas que descobri que me influenciou relatando

esta experiência, permanece como uma meta a ser alcançada, ou seja a

aproximação da favela com o bairro. Pergunto-me porque não procurei grupos já

existentes na região para implementar a prática. Durante este relato descobri: a

semelhança geográfica do bairro onde moro e onde se localiza a favela e o espaço

comunitário da Capela da Natividade lembrou-me inconscientemente talvez o

Projeto das Quatro Varas. Concluí que escolhi um caminho menos fácil. A

presença reduzida no grupo da Natividade de crianças e mães da favela em

contraposição à presença mais numerosa de moradores do bairro e de outros

distantes, de lideranças religiosas de classe média, ainda me traz insatisfação,

embora isto tenha ajudado a divulgação da TC em São Paulo.

Prosseguir com estratégias de aproximação, estimulando a formação de

um grupo de mães na creche da comunidade, inserida na favela, é uma das

minhas metas. Outras estratégias tenho discutido com diretoras do Espaço Gente

Page 102: Anais Do i Congress Od Etc

102

Jovem (CJ) e com minhas companheiras do grupo TCendo SP, objetivando a

inserção deste trabalho nesta comunidade.

Bibliografia

BARRETO, Adalberto. “Manual do Terapeuta Comunitário da Pastoral da Criança” BLEICHER, Lana. "Participação Popular e Controle Social em Saúde". Brasília, UnB, in: Curso de Especialização à distância em Odontologia em Saúde Coletiva, módulo 7. 1999. 8 p http://www.pol.org.br/pesquisa /resposta pesquisa.cfm?d area=54 BOYER, Jean Pierre e BARRETO, Adalberto “Um índio que vive em mim”. FERREIRA, Maria Amália Dorsch, CORDÓN, Jorge “Abordagem de Comunidades nas Práticas de Saúde”

Page 103: Anais Do i Congress Od Etc

103

TERAPIA COMUNITÁRIA DE PORTA EM PORTA15 Carla Cramer

Maria Eliza Buzetti Spinelli

PALAVRAS CHAVES: Terapia Comunitária; Comunidade; Favela; Igreja

Católica; Recursos Técnicos; Potencialização; Auto-estima; Solidariedade

RESUMO

Relato da experiência que está sendo realizada em Curitiba, na favela da Vila Parolim, desde maio de 2002, em reuniões de Terapia Comunitária. Contamos inicialmente com a participação dos membros do Clube de Mães da Capela São Sebastião e expandimos para a comunidade da favela. Através da realização dos encontros cada vez na casa de um membro da comunidade, possibilitou-se que as pessoas de outras religiões tivessem acesso aos encontros e aumentou a nossa inclusão na comunidade. Inovamos o modelo, introduzindo técnicas na Terapia Comunitária que concretizam, através de objetos, os sentimentos de acolhimento e potencialização que são vivenciados nos encontros, objetivando a manutenção destas sensações, o aumento do retorno e permanência das pessoas nos encontros grupais.

Esta experiência de grupo surgiu com a idéia de introduzir a Terapia

Comunitária na favela da Vila Parolim em Curitiba e iniciou-se com o apoio da

líder religiosa da Capela São Sebastião, com quem já havíamos estabelecido uma

relação anterior proveniente de outros trabalhos voluntários, e que poderia ser a

apoiadora ideal para o desenvolvimento deste trabalho na comunidade.

Aproveitamos o Dia das Mães para fazer a divulgação da Terapia

oferecendo lanche e brindes como atrativos à comunidade. Assim se formou um

grupo composto principalmente pelos membros do Clube de Mães da igreja e os

encontros passaram a ocorrer nas segundas- feiras, quinzenalmente, no salão

paroquial.

Apesar de, em todos os encontros salientarmos o caráter não religioso ou

excludente das sessões de Terapia Comunitária, percebemos que a participação

se restringia aos membros da Igreja Católica.

Visando abranger maior número de pessoas e desvincular a Terapia

Comunitária do contexto religioso, resolvemos realizar os encontros nas casas dos 15E-mail: [email protected] ; [email protected]

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participantes. A idéia surgiu conversando sobre a ida da capelinha de casa em

casa, e pensamos na Terapia Comunitária de casa em casa ou de porta em porta;

com a proposta de que a dona da casa convidaria os vizinhos mais próximos, e,

alternando as regiões dentro da favela, conseguiríamos alcançar várias pessoas,

divulgando melhor o nosso trabalho. Naturalmente os participantes foram

escolhendo casas próximas a pessoas que estavam enfrentando dificuldades e

que poderiam se beneficiar dos encontros.

A próxima casa é escolhida ao final do encontro e divulgada por todos.

Esta inovação mostrou um aumento no compromisso de participação, diversificou

as pessoas que compareciam e percebemos maior expressão de afetividade e

acolhimento no grupo, bem como uma valorização e potencialização das anfitriãs.

Também nos sentimos mais incluídas na comunidade, saindo do papel de

especialistas que se dispunham a compartilhar em um espaço neutro do salão

paroquial e entrando pelas suas portas, conhecendo de fato sua realidade e as

agruras de seu dia-a-dia.

Caminhando pela favela, com esgoto à céu aberto nos inserimos no

cotidiano da comunidade, sabendo com mais detalhes de fatos como a violência,

os assassinatos, as drogas e a lei do silêncio que nos garante o dia de amanhã,

ficamos mais expostos à comunidade se fazendo conhecer e conhecendo.

Acreditamos que quando fizemos a mudança de espaço físico, do salão

paroquial da igreja para as casas da comunidade, alteramos mais concretamente

a posição da terapeuta especialista, nos sentindo mais em posição de igualdade,

sendo mais um membro do grupo como qualquer outro. Estar nas casas da

comunidade facilita a desmistificação da figura do psicólogo pelo grupo, e reforça

o princípio da Terapia Comunitária que valoriza “o saber da comunidade”,

devolvendo a eles a responsabilidade por suas vidas, e suas escolhas.

Estar nas casas facilita o alcance do objetivo maior da Terapia Comunitária que é

a potencialização das pessoas para lidarem elas mesmas com suas dificuldades,

pois não dependem nem de um espaço físico para as reuniões acontecerem e sim

somente da organização do grupo. Garante-se assim a autonomia e auto gestão

das próprias comunidades; pois como diz Pedrinho A. Guareschi “Quem vai por

um tempo, para prestar um serviço, para partilhar seu saber, não pode retirar

das comunidades esta prerrogativa fundamental de liberdade e autonomia. A

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auto gestão é o ápice de relações genuinamente democráticas, onde há

participação de todos”.

Temos consciência que com o aumento do número de pessoas que

participam, e as mudanças climáticas com a chegada do frio, teremos que rever a

Terapia Comunitária de Porta em Porta, mas deixaremos a decisão para o grupo e

se tivermos que voltar a um espaço neutro poderemos avaliar os efeitos no grupo

da Terapia de Porta em Porta.

Outra inovação que procuramos desenvolver neste trabalho foi, através de

recursos, transformar em algo concreto (uma metáfora) os sentimentos do

encontro, para que perdure, durante o intervalo entre os encontros, a sensação

de potencialidade e acolhimento vividas ali.

Acreditamos desta forma colaborar para o retorno das pessoas, uma vez

que levam para casa um objeto que seja simbólico do resultado da terapia, como

por exemplo a caixinha com as ajudas do grupo; ou o feijão plantado no algodão,

uma lembrança viva da experiência de potencialização que vivem tão pouco no

seu dia a dia, e que demoram para serem internalizadas, uma vez que o comum

é terem vivências de desvalorização, fracasso e impotência perante a vida.

Esta inovação foi introduzida em função do questionamento quanto aos

motivos que levavam as pessoas a não retornarem na próxima reunião de Terapia

Comunitária embora no encontro mostrassem claramente que se sentiam bem,

acolhidas, potencializadas, ouvidas. Refletimos o quanto a vida destas pessoas é

feita de coisas perecíveis e que duram pouco, como o papelão das paredes de

suas casas, as roupas usadas e desgastadas que ganham, e o alimento que

termina no mesmo dia e que muitas vezes não sacia a fome e, infelizmente se

acostumam que as coisas não têm permanência.

Tentando modificar esta realidade pensamos em perpetuar, através de

objetos, os sentimentos vividos nos encontros, assim quando eu olho, ou quando

vou molhar a mudinha de feijão plantado no algodão, vou alimentando dentro de

mim a certeza de que as coisas crescem e se desenvolvem e podem se manter e

continuar, ou quando vou até a caixa com as ajudas do grupo e retiro um objeto,

estou resgatando a sensação de pertencer a um grupo com que posso contar e

incremento a sensação de não estar só.

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Os aprendizados e benefícios com a prática da Terapia Comunitária são

altamente significativos para a vida profissional e pessoal do terapeuta,

começando com a maior leveza no trabalho deixando de lado (com muito custo) a

posição de especialista e acreditando na sabedoria do outro.

A união, a solidariedade, o contar com o outro, o não estar sozinho tiram o

terapeuta clínico da solidão e abandono, dando uma nova visão para a profissão

de ajuda.

Acreditar mais na força do compartilhar, dividir, falar dos problemas,

encontrando elo no grupo, tornando-nos iguais nos sofrimentos e recuperando a

auto-estima.

Num mundo onde se privilegia o individual voltar-se para pertencer ao

grupo, compartilhar, vem preencher uma lacuna existencial. Ter algo a aprender

com todos, valorizar a diversidade, diminui a competitividade e o receio da

rejeição dando sensação de liberdade e valorização.

Se sentir igual num mundo de iguais, nem maior nem menor mas

respeitado na sua individualidade e ao mesmo tempo em comum com o grupo

vem conciliar o inconciliável: “Ser indivíduo e pertencer.”

Observamos alguns resultados pessoais e melhorias para a comunidade

em conseqüência da Terapia Comunitária apesar do pouco tempo de atuação. No

nível pessoal os participantes se sentem ajudados e aliviados nas suas

dificuldades, alguns passam a conviver melhor com sua família, maridos, filhos,

outros encontram coragem para desfazer casamentos fracassados e viver com

maior dignidade.

Percebemos que a adaptação das pessoas ao modelo de Terapia

Comunitária foi um processo que se desenvolveu ao longo do tempo, agora

procuram ouvir muito mais umas às outras e se mostram ansiosas para

compartilhar e colaborar com suas vivências pessoais.

Observamos ainda que o retorno após decorridos quase dois meses de

férias foi superior às nossas expectativas no que diz respeito ao número de

pessoas presentes e ao fato de não ter sido necessária a introdução de atrativos

para este retorno, mostrando que a comunidade se manteve mobilizada durante o

período em que não ocorreram os encontros de Terapia Comunitária.

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Na comunidade, como por exemplo no Clube de Mães, observamos um

aumento do engajamento das pessoas com a igreja e suas atividades, como pôde-

se observar pela organização do Natal das crianças que era uma atividade

anterior ao início da Terapia Comunitária. Neste ano a participação da

comunidade foi maior, colaborando com as tarefas e assumindo funções no dia

da entrega dos presentes.

O grupo vem demonstrando solidariedade em atitudes concretas como

visitas à pessoas doentes, auxílio em momentos de crise e até pequenas

contribuições financeiras em situações de emergência, demonstrando

magnificamente o que Khalil Gibran nos dizia acerca da verdadeira generosidade

daqueles que dão o pouco que têm.

O grupo também vem alimentando o sonho de comprar um terreno na

região, para desenvolver neste espaço trabalhos geradores de renda, e uma

Escola de Ofícios, o que, embora em forma de sonho, mostra a união e confiança

no grupo. Se acreditarmos que “Sonho que se sonha só, é só sonho, mas sonho

que se sonha junto é realidade”, como diz Madre Tereza, um dia concretizaremos

os efeitos da Terapia Comunitária num Centro de Trabalho e Escola de Ofícios da

Vila Parolim.

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TERAPIA COMUNITÁRIA – ESTADO DE PAZ, GOVERNO DE SI MESMO16

Lisiane Falleiro Vargas17 Maria Lucia de Andrade Reis18

PALAVRAS CHAVES: CAPS; Serviço Saúde Mental; Política de Educação; Adolescentes

RESUMO A partir de agosto de 2002, implantamos a Terapia Comunitária em dois serviços da PMPA que atuam com adolescentes em situação de rua, sendo um vinculado à política de Saúde, na Casa Harmonia e o outro à política de educação, na EMEF Porto Alegre. Destacamos, dentre outros, alguns problemas que apareceram nas sessões realizadas, de agosto de 2002 a fevereiro de 2003, (2 na Casa Harmonia e 1 na EPA): uso de drogas; violência; discriminação; morte; projeto de vida; rua; família; sexualidade. São incontáveis os progressos que temos percebido. Desde a integração entre as áreas de saúde e educação, até a emoção de ver a “gurizada” explicitando, em espaço protegido, seus dramas pela primeira vez, sem contar o que isso significou no processo de reordenamento/credenciamento da Casa Harmonia como Centro de Atenção Psicossocial pelo Ministério da Saúde. Além dessas, observou-se outras repercussões nos adolescentes e jovens: ressignificação do processo terapêutico e da relação com as instituições no imaginário desses participantes; reconhecimento da Terapia Comunitária como espaço prazeroso para desabafar; relação de vínculo e de confiança; autenticidade; (re) construção da fala enquanto possibilidade de (re) elaboração dos conflitos vivenciados. Em relação às profissionais, destacamos: dimensão humana do trabalhador social; reconhecimento da Terapia Comunitária como espaço de reflexão e transformação do modo de vida dos sujeitos (adolescentes, jovens e profissionais); ressignificação por parte das equipes da imagem que tinham dos guris; prazer em trabalhar, contrastando com a frustração com a qual estavam acostumadas; aumento de afetividade e intimidade com os guris; autenticidade.

1 – Cenário/contexto:

No Brasil, com a entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente

(ECA), em 1990, iniciou-se um processo de reordenamento institucional nas três

esferas (federal, estadual e municipal).

16 Autor: Ítalo Rovere, poeta cearense 17 CAPS Casa da Harmonia : [email protected] 51 322 7514

18 EMEF Porto Alegre : [email protected] 51 32121417

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Em 1991, Porto Alegre foi a primeira capital do Brasil a implantar o

Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) e os

Conselhos Tutelares. Simultaneamente a esse movimento, também houve, na

área da Assistência Social alterações profundas, com a nova Lei Orgânica de

Assistência Social (LOAS).

Esse novo cenário nas políticas sociais públicas, construído graças à

cidadania ativa de nosso país, trouxe vários desafios para o nosso município. O

maior deles, expresso no slogan – “CRIANÇA NÃO É MENOR, É A MAIOR

PRIORIDADE” (Pacto pela Infância – Porto Alegre/1994). Ou seja, assumiu-se o

desafio de travar uma ampla discussão que levasse à implosão do conceito de

menor, vigente desde sempre em nossos corações e mentes.

Historicamente, em relação às crianças e adolescentes que fazem das ruas

seu espaço de sobrevivência, a PMPA desenvolvia ações de enfrentamento dessa

problemática a partir de um ponto de vista “primeiro-damista”.

Implantou, em 1997, o PROGRAMA MUNICIPAL DE ATENÇÃO A

CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE RUA (PAICA-RUA) com o

objetivo de garantir o acesso aos direitos fundamentais da população infanto-

juvenil, em especial em situação de rua. O PAICA-RUA desenvolve ações

intersetoriais, através da participação das secretarias, departamentos e

fundações que atuam com as políticas sociais, com a coordenação da Secretaria

de Governo Municipal, que tem como tarefa precípua a articulação entre as

diferentes políticas e secretarias: Saúde (SMS), Educação (SMED), Assistência

Social (FASC), Cultura (SMC), Esporte (SME), Trabalho (SMIC), Meio Ambiente

(SMAM), Moradia (DEMHAB), Direitos Humanos (SMDHSU). Para o

desenvolvimento dessas ações, no período de 1997 até o ano de 2003, o PAICA-

RUA, construiu um modo de atenção assim caracterizado:

• Serviços Porta de Entrada: Assistência – Educação Social de Rua (ESR),

Acolhimento Noturno (NA), Casa de Acolhimento (CA); Saúde – Casa

Harmonia (CA); Educação – EMEF Porto Alegre (EPA); Cultura – Oficinas

Culturais (SMC); Esporte – Oficinas Esportivas (SME);

• Serviços Travessia: Assistência – Programa Família, Apoio e Proteção

(NASF, PETI e Família Cidadã), Serviço de Apoio Sócio-Educativo (SASE);

Educação – Escolas Municipais das comunidades e Centro Municipal de

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Educação dos Trabalhadores Paulo Freire (SMED); Saúde – Ambulatório

Pró-Jovem (SMS); Trabalho – Projeto Papel Social (SMC, SMIC, SMED,

DMLU, FASC);

• Política de Egressos: Assistência – Bolsa Jovem Adulto; Educação –

Escolas Municipais e Estaduais das comunidades e CMET Paulo Freire;

Trabalho – Grupos de Produção de Papel Artesanal e Jardinagem.

2 – Caracterização dos Locais onde desenvolvemos as sessões de Terapia

Comunitária:

• CASA HARMONIA

A Casa Harmonia foi criada pela Secretaria Municipal de Saúde em

novembro de 2000 para ser a “porta de entrada” no sistema de saúde a crianças e

adolescentes que fazem da rua seu espaço de vida ou sobrevivência.

Trata-se de um serviço de saúde destinado a crianças e adolescentes em

situação de rua que façam uso abusivo ou sejam dependentes de substâncias

psicoativas, para tratamento dos transtornos decorrentes do uso destas

substâncias e sofrimento psíquico, bem como atendimento de demandas clínicas

e portadores de doenças sexualmente transmissíveis e HIV. Objetiva também, ser

porta de entrada para o atendimento integral à saúde da rede básica até a rede

especializada e demandas de internação clínica ou psiquiátrica em hospitais

gerais, bem como de garantia de assistência farmacêutica.

Em novembro de 2002, a Casa Harmonia passou por um reordenamento para

ser credenciada pelo Ministério da Saúde como Centro de Atenção Psicossocial.

Conforme o “Projeto” escrito pela equipe naquela ocasião:

“Assim, a Casa Harmonia passa a visualizar que apesar de se constituir num espaço de acolhimento, de assistência social, de atividades de lazer e recreativas com vistas a uma reinserção na sociedade, precisa ser, antes de tudo, um espaço de saúde, no sentido de tratamento. Acolhimento, mas para inseri-los num projeto terapêutico que minimize a vulnerabilidade a que a rua os expõe, que reduza a transmissão do HIV e outras doenças, que trabalhe o desejo e a motivação para o não uso de substancias psicoativas, que minimamente reduza danos. Que atinja sua proposta de interdisciplinaridade, e de intersetorialidade mas atuando dentro de diretrizes da saúde, planejadas e fundamentadas em consonância com um plano de saúde nacional, estadual e municipal, e mais, com as estratégias delineadas por uma política de saúde mental. Certamente que atuando dentro dessa construção poderá dar respostas mais efetivas a nível intersetorial, mas

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acima de tudo, dar respostas ao conjunto da sociedade, incluindo aqui as próprias crianças e adolescentes excluídas, colaborando com o resgate do seu direito à cidadania”.

• EMEF PORTO ALEGRE (EPA)

A EMEF Porto Alegre (EPA) foi criada em 1995 pela Prefeitura Municipal

de Porto Alegre com o objetivo de garantir escolarização para as crianças e

adolescentes com história de vida nas ruas centrais da cidade.

Buscando dar conta desse desafio, a EPA contemplou em seu trabalho

pedagógico uma questão que é central para esse público: A SOBREVIVÊNCIA.

Assim, articulou e sistematizou as experiências desenvolvidas através da

implantação do NÚCLEO DE TRABALHO EDUCATIVO - NTE, com dois eixos:

EDUCAÇÃO AMBIENTAL, porque trabalha com a vida – criação, recriação e

COMUNICAÇÃO E CULTURA, porque contempla as diferentes linguagens e formas

de expressão e manifestação.

Para o desenvolvimento das atividades vinculadas ao NTE, sistematizamos

uma metodologia própria, assim organizada:

• PARA TODOS: Contempla o trabalho desenvolvido em sala de aula, com a

professora referência e/ou professor especializado, a partir de questões

demandadas pelo planejamento coletivo;

o OFICINA DE INTERESSE: São atividades oferecidas no turno inverso ao da

aula, sob a responsabilidade de professor especializado: EDUCAÇÃO

AMBIENTAL: Horta Escolar - Higiene e Beleza - Culinária - Papel Artesanal;

COMUNICAÇÃO E CULTURA: Cerâmica - Capoeira – Esportes - Música -

Informática - Videoteca - Comunicação Comunitária (TV - Vídeo - Internet -

Fotografia - Rádio - Cartum - Fanzine).

• CURSOS/NTE - EDUCAÇÃO AMBIENTAL: CURSO DE JARDINAGEM e

PAPEL ARTESANAL Todos esses cursos foram realizados em parceria, com a

participação de diversas secretarias.

• GRUPO DE PRODUÇÃO: A escola oferece espaço para realização de atividades

com o objetivo de geração de trabalho e renda. Atualmente existem dois

Grupos de Produção: “UNIDOS PELO VERDE”, constituído por jovens que

concluíram o Curso de Jardinagem e “PAPEL À MÃO”, constituído por jovens

que concluíram o Curso de Papel Artesanal.

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É importante salientar que, para a participação nessas atividades, bem como

nos cursos, o adolescente ou jovem deve estar devidamente matriculado e

freqüentando escola, não necessariamente a EPA, no turno em que foi

matriculado.

PEDAGOGIA DO ACOMPANHAMENTO/ TRABALHO EDUCATIVO - CURSO

E/OU GRUPO DE PRODUÇÃO: Para o desenvolvimento dos cursos a EPA

compromete-se com o acompanhamento dos adolescentes e jovens durante todo o

processo, na perspectiva da construção de Projetos de Vida que alterem

significativamente a condição atual de sobrevivência desses grupos. Nesse

sentido, procura-se criar metodologias que dêem conta de contribuir para esse

momento de transição para a maioridade pelo qual passam esses sujeitos.

o Avaliação individual semanal – aconselhamento (estabelecimento de metas a

curto e médio prazo – auto-avaliação) em grupo – mensal;

o Acompanhamento escolar, de saúde e social (documentação e moradia) e

Avaliação da Equipe Técnica.

3 – Temáticos emergentes nas sessões de Terapia Comunitária: Destacamos abaixo os problemas que apareceram durante as sessões de Terapia Comunitária, no período de agosto de 2002 a fevereiro de 2003, nas e sessões semanais que realizamos ( 2 na Casa Harmonia e 1 na EPA):

EIXO TEMÁTICO ASPECTOS LEVANTADOS USO DE DROGAS Muita droga – droga – crime – caixão – alcoolismo;

Uso de drogas; Droga – rua – roubo; Relação entre violência, sexo e drogas; Drogas – crack – roubo; Drogas; Drogas e morte; Drogas - efeitos; Droga – rua – liberdade; Crack e seus estragos.

VIOLÊNCIA Relação entre violência, sexo e drogas; Violência policial; Violência institucional e familiar

PRECONCEITO/DISCRIMINAÇÃO/ EXCLUSÃO SOCIAL

Morte – preconceito – discriminação; Preconceito – discriminação; Desigualdade; Discriminação.

PROJETO DE MORTE x PROJETO DE VIDA Morte – cursos – futuro; Morte – preconceito – discriminação; Drogas e morte; Perdas;

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Investimento/desperdício – fontes de energia vital; Não consegue acordar para trabalhar; Autocuidado; Morte de amigo; Morte; Mudanças/crescimento – perdas e ganhos – resistência à mudança.

RUA Rua – saída da rua; Droga – rua – liberdade; Droga – rua – roubo; Rua; Rua X espaço protegido.

FAMÍLIA Paternidade; Dor da separação da família; Abandono; Perda; Encontro com pessoas da família; Problemas financeiros e familiares - perda - abandono; Violência institucional e familiar; Ausência pai/mãe – separação da família – abandono; Separação da família; Problema de saúde familiar; Filho não planejado; Relação familiar – paternidade.

SEXUALIDADE e AFETIVIDADE Arreganho (sexo); Filho não planejado; Falta de namorada.

FINANCEIRO Falta de dinheiro. MORADIA Moradia 4 – Recursos/inovações introduzidos pela equipe na experiência

Em função das características do público destinatário, sentimos a

necessidade de introduzir outros recursos, além daqueles que constituem a

metodologia da TC, como: ludoterapia; massagem; relaxamento corporal;

vivências (dinâmicas, sonho dirigido, psicodrama, biodança,); ludoterapia; música

(rap, pagode); dança (brake); desenho.

Alguns destes recursos foram, muitas vezes, introduzidos por nós, a

saber, a massagem, o sonho dirigido, o psicodrama, a biodança, o relaxamento

corporal. Entretanto, muitas das inovações foram introduzidas pelos próprios

adolescentes, que, por exemplo, começavam timidamente e logo eram encorajados

por nós, a batucar numa lata de lixo, entoando um pagode. Disto depreendíamos

qual era o emergente do dia.

Em outras ocasiões, o grupo não chegava a um consenso quanto à linguagem a

ser utilizada. Assim, nos víamos diante de um caos que indicava que a sessão

poderia não acontecer de fato. Boicote? Por um lado, alguns dos adolescentes

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desejando falar, enquanto outros andavam pela sala atrás de brinquedos, logo,

sentando-se no meio da roda para inventar histórias, dramatizando-as com

bonecos e, posteriormente, por sugestão nossa, compartilhando suas histórias

com o grande grupo.

O criador da Biodança, Rolando Toro19, diz:

“(...) redefini o conceito de vivência como a experiência vivida

com grande intensidade por um individuo no momento presente, que

envolve a cenestesia, as funções viscerais e emocionais. A vivência confere

à experiência subjetiva a palpitante qualidade existencial de viver o ‘aqui e

agora.’ “ (p.30)

De tal conceito de vivência, gostaríamos de ressaltar a

importância de o terapeuta ter sensibilidade para garantir aos

integrantes do grupo que suas experiências subjetivas, durante a terapia,

possuam, de fato, “a palpitante qualidade existencial de viver o aqui-

agora.” Impregnadas deste espírito é que nos permitíamos introduzir

diferentes técnicas, sempre atentas ao momento grupal.

As sessões quase sempre eram encerradas com todos os

integrantes em roda de mãos dadas, na qual cada um respondia à

pergunta: “O que estou levando daqui hoje?” Tal dispositivo,

aparentemente singelo, sempre nos serviu como feedback, inclusive no

que se refere às técnicas por nós adotadas.

5 - Conclusões 5a) Reflexões e inquietações

� Movimentos dos adolescentes e jovens, no sentido de desconstituir

esse espaço através de boicote ou apresentação de excessos de

problemas.

� Engessamento: relação forma e conteúdo da TC

� Ação/pensamento: diálogo como mediação

� Moffat: enfrentar projeto de morte com projeto de vida

� Nem sempre consegue chegar na estrela

19 TORO, Rolando. Biodanza. São Paulo, Editora Olavobrás – Escola Paulista de Biodanza, 2002.

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� Invasão da Casa Harmonia para participar da TC

� Inclusão de familiares

5b) Repercussões

A partir do levantamento de problemas e temas apresentados nas

sessões de Terapia Comunitária, observamos alguns aspectos que, no nosso

ponto de vista, sinalizam repercussões no modo de vida tanto dos sujeitos

destinatários da nossa intervenção, quanto nas profissionais que desenvolveram

as sessões:

• REPERCUSSÕES NA COMUNIDADE:

ressignificação do processo terapêutico e da relação com as instituições no

imaginário dos adolescentes e jovens;

reconhecimento da Terapia Comunitária como espaço prazeroso para

desabafar;

relação de vínculo e de confiança;

autenticidade;

(re) construção da fala enquanto possibilidade de (re) elaboração dos conflitos

vivenciados.

• REPERCUSSÕES NAS PROFISSIONAIS:

dimensão humana do trabalhador social;

reconhecimento da Terapia Comunitária como espaço de reflexão e

transformação do modo de vida dos sujeitos (adolescentes, jovens e

profissionais);

ressignificação por parte das equipes da Casa Harmonia e EPA da imagem que

tinham dos guris;

prazer em trabalhar, contrastando com a frustração com a qual estavam

acostumadas;

aumento de afetividade e intimidade com os guris;

autenticidade.

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– NOME DA INSTITUIÇÃO/GRUPO ENVOLVIDO:

• Prefeitura Municipal de Porto Alegre (PMPA)

• Programa de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente em situação de rua

(PAICA-Rua)

• Escola Municipal de Ensino Fundamental Porto Alegre (EPA) / Secretaria

Municipal de Educação (SMED)

• Centro de Atenção Psicossocial para crianças e adolescentes em situação de rua

Casa Harmonia (CAPS CH)/ Secretaria Municipal de Saúde (SMS)

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BUSCANDO SOLUÇÕES EM CONJUNTO : UMA EXPERIÊNCIA EM TERAPIA COMUNITÁRIA20

Vera M. Carvalho Faria Carla Cramer

Daniela Bertoncello de Oliveira Maria Eliza Spinelli

PALAVRAS- CHAVE: Responsabilidade Social; Potencialização Pessoal; Trabalho

em Equipe; Rede Social; Comunidade Escolar.

RESUMO

Resumo da experiência realizada na sede do Intercef, nos meses de agosto a dezembro de 2002, com reuniões de Terapia Comunitária. Iniciamos a divulgação de nosso trabalho tendo em vista atingir os seguintes públicos-alvo : 4 escolas municipais e estaduais situadas próximas a sede do Intercef e clientes aguardando em lista de espera por atendimentos em nossa clínica social. Também comentamos com nossos alunos acerca da realização destes encontros, objetivando que eles encaminhassem pessoas que poderiam se beneficiar deste trabalho. À medida que os encontros foram ocorrendo pudemos perceber que a maior parte dos participantes era composta pelos alunos em formação na instituição, pessoas com nível de informação e financeiro adequados a buscar apoio psicoterapêutico em seus momentos de “crise” e que assim o faziam quando necessário. Porém, através de entrevistas posteriores, ressaltaram o quanto foram beneficiadas por participarem das reuniões de Terapia Comunitária. Tal percepção sinalizou-nos a validade de se manter os encontros para esta população e a necessidade de incluirmos em nossos cursos momentos destinados ao fortalecimento da rede e à potencialização de nossos alunos favorecendo assim uma formação profissional e pessoal mais completa.

O INTERCEF- Instituto de Terapia e Centro de Estudos da Família nasceu

do desejo de quatro terapeutas familiares, há 16 anos em Curitiba, para

desenvolver a formação em Terapia Familiar Sistêmica, numa experiência de

docência e troca profissional. Ampliou seus cursos, desenvolvendo atualmente,

além da formação em Terapia Familiar a formação em Assessoria Familiar na

Visão Sistêmica, ampliando a qualificação profissional para as áreas de serviço

social, educação e a prática sistêmica através da Clinica Social.

O encontro da equipe do Instituto com a Terapia Comunitária iniciou a

partir de estudo detalhado dos vídeos de terapia comunitária, produzidos pelo Dr.

20 INTERCEF – Instituto de Terapia e Centro de Estudos da Família – Curitiba PR [email protected] Rua Tapajós, 577. Curitiba – PR. (41) 338-8855

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Adalbeto Barreto e, também no encontro ao vivo e a cores com o mesmo numa

grande experiência com demais profissionais no Paraná, fortificada pelo convite

de participar da formação em terapia comunitária em Morro Branco (CE) no ano

de 2001.

Após a formação, o processo de amadurecimento, aconteceu com a

participação intensa em reuniões com os demais terapeutas comunitários da

“turma Morro Branco”, para a elaboração de um projeto conjunto em Terapia

Comunitária, visando a prática.

Questionamentos, revisões, encontros e desencontros de diferentes ordens, na

tentativa de buscar respostas de “um novo jeito de terapeutizar”, circulavam nas

falas, nas palavras escritas e propostas na ânsia dos terapeutas comunitários

recém formados em fazer circular o novo.

A necessidade de sair a campo implicava em necessidades operacionais e

reais de divulgação, com um novo público e um lugar para praticar a terapia

comunitária.

Este foi o exercício concreto mais difícil para um grupo de terapeutas que há

muitos anos realizavam suas atividades construídas e elaboradas num padrão

totalmente diferente da proposta da terapia comunitária.

Com a proposta pronta debaixo do braço, buscaram-se parcerias com

empresas, escolas, e com demais colegas terapeutas comunitários.

Com a iniciativa da equipe, em conjunto, com a coordenação, definiu-se a

proposta da “Terapia Comunitária – Buscando Soluções em Conjunto”, como um

projeto voluntário e de responsabilidade social da equipe do INTERCEF.

Definiu-se que, seria um projeto piloto para a prática da terapia

comunitária, funcionando quinzenalmente na sede do instituto por duas horas,

direcionado ao público das escolas municipais e estaduais próximas do instituto,

também direcionado aos alunos interessados e ao público em geral. Funcionava

com uma dupla de terapeutas comunitários, revezando a coordenação da

condução da terapia.

A divulgação foi por folders, aos clientes da Clínica Social do Instituto, à

rede de alunos e de profissionais.

A prática se deu em sete encontros de uma proposta piloto que teve a

estréia com um grupo de doze participantes e que a equipe considerou de grande

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119

sucesso, porque o mais importante era começar, assim justificando a grande

euforia de verdadeiramente experimentar a prática de algo, que era inicialmente

intrigante....Em cada encontro havia a expectativa somada à ansiedade para a

dupla de terapeutas, de que houvesse público para a prática. Em média 10

participantes por encontro. Havia empenho de toda a equipe para divulgar e

convidar novos participantes, e nunca se pensou em desistir.

O último encontro aconteceu antes do período de férias de final de ano das

atividades do Instituto, com a expectativa de continuidade pela equipe. A

avaliação da equipe foi positiva, otimista e de realização.

A experiência piloto se caracterizava por ter ocorrido na sede do

INTERCEF, um instituto de formação de psicoterapeutas, situado em um bairro

central da cidade de Curitiba, conhecida por ser arredia nos contatos e

exposições pessoais com etnias diversificadas.

Os resultados obtidos na experiência prática esteve marcado pela presença

de terapeutas e alunos dos cursos do INTERCEF, terapeutas de outras

instituições (ministério público, igrejas, escolas e clínicas). Haviam participantes

que viviam momentos de crise, alunos curiosos pela metodologia e alguns

clientes da Clínica Social.

Os temas que predominaram nos encontros, de uma forma ou de outra versaram

sobre “controle”, fazendo com que as terapeutas tivessem que exercitar um novo

paradigma.

No acompanhamento, por meio de entrevistas posteriores, junto às pessoas

que participaram, protagonizando nas reuniões e em conjunto com a equipe

perceberam-se pontos fortes e pontos menos fortes, proveniente do resultado

desta experiência.

Como pontes fortes a equipe apontou que:

* Os participantes foram beneficiados por compartilharem suas crises

* A equipe confirmou e validou a continuidade do projeto de terapia comunitária,

a partir da semente plantada.

* Houve a inclusão da prática nos grupos em cursos do instituto, como

fortalecimento de redes.

* A potencialização pessoal dos alunos na formação sistêmica.

Page 120: Anais Do i Congress Od Etc

120

* E ainda as possibilidades da prática das terapeutas comunitárias com a

equipe.

Os pontos menos fortes foram marcados por:

• Público restrito

• Não houve maior comunidade para a troca pela terapia comunitária na sua

proposta de origem

• A rede pessoal era pequena e houve pouco retorno para o segundo

semestre.

• O objetivo maior da terapia comunitária, em atingir as comunidades

carentes não se efetivou.

A percepção da aprendizagem oportunizada pela prática da terapia

comunitária,, mirou em um alvo e atingiu outro.

Houve necessidade de reposicionar o projeto, encaminhando-o para o

ambiente da escola diretamente. Fazendo o caminho de ir até o contexto da

escola, ocupando um espaço freqüentado pela família e pela comunidade.

Sendo assim, mudou também a forma de divulgação, demandando visitas às

escolas e explicando aos profissionais, aos alunos o que é a Terapia

Comunitária.

Com este movimento a experiência se tornou uma experiência pioneira para a

equipe do instituto; mostrou que se quer atingir a população carente, é

necessário ir onde ela está. Se se quer atingir a população escolar é necessário

ir até a escola. O INTERCEF divulgou junto à sua rede e atingiu exatamente

as pessoas que frenquentam seus cursos e programas.

Esta aprendizagem serviu para revisar e refletir sobre os paradigmas de

campos de aplicação da terapia e sobre os modelos de terapeutizar. Fortaleceu

o projeto da Clínica Social, a intenção de praticar a terapia comunitária em

outros contextos apoiados pelo desenvolvimento da efetivação do centro

formador em Terapia Comunitária na Rede Brasil.

Page 121: Anais Do i Congress Od Etc

121

TERAPIA COMUNITÁRIA PARA SOROPOSITIVOS21 Antônio Bezerra22

David Lopes23 Maria Gorette Moura24

Martha Malta25 PALAVRAS CHAVES: Soropositivo; AIDS; Terapia Comunitária; Promoção em Saúde.

RESUMO Transformar a dor em competência. Esta máxima do criador da Terapia Comunitária, Dr. Adalberto Barreto, está sendo constatada no trabalho realizado por integrantes do Centro Raízes com soropositivos, a maioria de mulheres com filhos, na instituição Sempre Viva, em Dois Unidos (periferia do Recife/PE), desde 15 de fevereiro passado (15/02/2003). Os encontros, coordenados por quatro terapeutas comunitários e que acontecem uma vez por semana, já apresentam resultados como o aumento da auto-estima dos usuários da TC. Seguindo as seis etapas da sessão, principalmente, no que diz respeito as regras da TC, o grupo “inovou” fazendo um uso maior de técnicas de massagem e de respiração, em outras palavras, mais utilização dos códigos tátil e sensitivo (transdisciplinaridade), no acolhimento. Para os terapeutas, este trabalho, embora tenha menos de três meses, reforça a reflexão de que a cura encontra-se em si mesmo (“Homem, conhece-te a ti mesmo e conhecerás os Deuses e o Universo”). Também constata de que usar o feeling é essencial para o progresso da TC, assim como fazer uso de todos os códigos sem pré-julgamentos. E, ainda, que o usuário da TC encontra respostas quando sente que participa de uma relação personalizada. Quanto aos benefícios da TC trazidos/levados para os soropositivos, o maior, dito por eles, foi que somente unidos poderão enfrentar e encontrar soluções para os problemas como baixa de auto-estima, preconceitos, moradia e trabalho, entre outros. Resumindo, uma das melhorias vista e comprovadas pelos terapeutas e usuários trata do reconhecimento da importância do coletivo, além da criação de perspectivas positivas em relação à vida. Exemplos: os soropositivos estão estudando (os que sabem mais ensinando a quem sabe menos) e a divisão de tarefas com mais aceitação. Em síntese, outra máxima, “só reconheço no outro, aquilo que conheço em mim”.

APRESENTAÇÃO

A AIDS ou “Síndrome da imunodeficiência adquirida” não é uma

doença com seus sintomas característicos, mas sim um conjunto de doenças

variadas podendo se manifestar de maneiras bem diferentes de indivíduo para

21 Centro Raízes – Centro de Estudos e Trabalhos de Apoio às Organizações Sociais [email protected] 22 [email protected] 23 [email protected] 24 [email protected] 25 [email protected]

Page 122: Anais Do i Congress Od Etc

122

indivíduo. É causada pelo vírus HIV (Human immunodeficiency virus), cuja ação

principal é destruir as defesas pessoais contra agentes estranhos ao nosso

organismo. No sangue há um batalhão de células brancas (linfócitos) que ajudam

a combater qualquer agente intruso em contato com o corpo. Existem três tipos

de linfócitos, sendo eu o vírus HIV tem preferência pelo “auxiliador”, que é

justamente aquele que ajuda a produzir mais células para combater o agente

inimigo. Com isso, quando uma pessoa adquire AIDS, seu organismo se torna

totalmente sensível a qualquer doença, “não tendo força necessária para eliminá-

la”.

A explicação de não ter força necessária para eliminar a doença não

é dada apenas pela ciência médica. Para os doentes da AIDS ou soropositivos,

como são chamados, ter que enfrentar cada dia um vírus, ainda sem cura, ou

seja, conviver com o fantasma da morte diariamente, mesmo com o avanço dos

medicamentos, faz a auto-estima estar sempre em baixa. E esta auto-estima

tende a ficar pior, pois o preconceito continua grande e devastador,

principalmente para as mulheres contaminadas com o vírus HIV.

Em Pernambuco, o primeiro caso de AIDS foi diagnosticado em

1983, tendo sido notificados até maio de 2001 um total de 4.804 novos casos

(incidência acumulada de 68,3 por 100.000 habitantes), sendo 3.693 (76,9%) do

sexo masculino e 1.111 (23,1%) do sexo feminino e um total de 2.353 óbitos

(49,1%). No entanto, o número de casos entre mulheres tem aumentado ano a

ano, levando a uma mudança de razão homem/mulher de 13/1 (treze homens

para cada mulher) em 1987 para 2/1 de 1998 a 2001. Outros números

relevantes: 82% dos casos acometem indivíduos na faixa de 20 a 44 anos,

pressupondo que muitas destas pessoas infectaram-se ainda na adolescência, e

80% da transmissão do HIV no Estado de Pernambuco dão-se através de relações

sexuais.

Os últimos números de casos de AIDS, fornecidos pela Coordenação

Estadual de Saúde, contabilizam 5.600 casos no Estado com 2.550 óbitos e mais

de 2.500 pessoas em tratamento. Existe uma estimativa que aproximadamente

30.000 pernambucanos sejam portadores do HIV assintomático e na sua maioria

desconhecendo sua condição de soropositivo. O crescimento no interior do Estado

Page 123: Anais Do i Congress Od Etc

123

e o tratamento concentrado na capital (Recife) geram problemas graves,

prejudicando a adesão e a assistência a pacientes.

Nesta luta em favor da vida, surgem algumas instituições não-

governamentais que realizam trabalhos que vão de apoio psicológico e jurídico à

assistência de soropositivos e suas famílias, além de trabalhos de prevenção e

ajuda de medicamentos. Dentro deste contexto, encontra-se a ONG Sempre Viva,

que também é a única que tem abrigo para portadores de HIV/AIDS de

Pernambuco, recebendo encaminhamentos de pacientes em situação de risco

social, carentes, abandonados ou que necessitam fazer convalescença. A

instituição, que tem a Casa de Apoio funcionando em Dois Unidos, bairro da

periferia do Recife, atualmente assiste: quatro crianças, quatro mulheres e dois

homens, sendo que um encontrava-se internado até o envio do resumo deste

trabalho (25/04/03).

DESENVOLVIMENTO

A escolha dos quatro integrantes do Centro Raízes para realizar a

Terapia Comunitária com soropositivos, embora não tenha sido fácil, foi

consciente. Isto, porque, no início (a primeira sessão foi no dia 15 de fevereiro de

2003), questionávamos o pequeno tamanho do grupo (não mais que dez pessoas,

entre adultos e crianças) e que contribuições poderíamos levar. Passados mais de

dois meses, nós entendemos que trabalhar com soropositivos tem que ser aos

poucos, pois embora numericamente o número de usuários para a TC seja aquém

do esperado, a riqueza de contrastes nas colocações e problemas apresentados,

deixou claro que este trabalho é apenas o início de uma história com

ensinamentos e lições para todos.

O primeiro ensinamento é que, assim como o vírus da doença, as

sessões têm os seus altos e baixos. Em uma semana (inicialmente as sessões

eram aos sábados, à tarde, depois foram transferidas para as quartas-feiras, à

noite) podíamos encontrar todos bem e falando maravilhas do mundo e na

seguinte, depararmos com o desânimo e a falta de vontade deles até em

participar da Terapia Comunitária.

É fácil entender a mudança de humores, levando em consideração

não apenas os dissabores da doença, mas os próprios infortúnios que cada um

Page 124: Anais Do i Congress Od Etc

124

passou na vida. Portanto, abrimos um espaço, já que o grupo é pequeno, para

primeiro contar um pouco da história de cada um.

Começamos por J.R.C., 24 anos, mãe de S., uma menina com 3

anos (negativou, pois a mãe fez o tratamento durante a gravidez) e de G, quase

um ano, que ainda se encontra em tratamento. Ex-profissional do sexo e ex-

interna da Febem, J.R.C. foi levada a se prostituir aos 14 anos, pela mãe adotiva,

que comandava o “comércio”, na Pracinha do Diário. Tentou sair desta vida, após

o nascimento da filha, mas retornou e já foi até jurada de morte. Encontra-se no

abrigo há mais de um ano. Apesar desta trajetória de vida, tem habilidades

manuais e adora assistir desenhos de Walt Disney. Seu sonho era trabalhar em

loja de brinquedos. Também adora vídeo-game, pois diz que “tira o estresse”.

A outra paciente mais antiga da sempre Viva é E.C.S., 25 anos, mãe

de G., quase um ano e que se encontra em tratamento. Mulher aos 15 anos,

quando também começou a fumar e foi abusada pelo filho da madrinha, no

Ceará, para onde foi levada criança, ainda tem lapso de memória e é analfabeta.

Detesta a cor rosa, mas gosta de desenhar corações, casa, o personagem da

Mônica e ela com o filho. Quando retornou do Ceará, chegou um dia depois do

pai biológico, que não conheceu e era alcoólatra, morrer. Interessou-se pelo irmão

biológico, motivo da sua expulsão pela família.

Já. S.M., 25 anos, aparenta bem mais, pois ela está numa cadeira

de rodas e sem dentes. O marido que também tem o vírus se recusa a fazer o

tratamento e não a quer mais em casa, que dividiu pela metade através de uma

parede. Nesta metade, atualmente mora sua filha de 12 anos que, às vezes, nos

feriados ou finais de semana, vai visitá-la. S.M. participa da TC com gestos, pois

se encontra com dificuldades para falar.

A Casa de Apoio Sempre Viva também abriga M.L.S., 38 anos e seu

filho M.S.T., 06 anos, ambos oriundos de Campina Grande (PB). Já esteve na

instituição outra vez, foi embora e depois retornou, onde se encontra desde março

passado. O abrigo ainda atende J.P., 58 anos, um senhor de poucas falas e que

sabemos pouco da sua vida. Quanto ao outro paciente: P.R., 39 anos, que se

encontra internado, foi trazido de um albergue da Prefeitura da Cidade do Recife,

uma vez que sofria preconceito, até por parte dos usuários e médicos do local.

Page 125: Anais Do i Congress Od Etc

125

Agora, começa a nossa “trajetória”: quase três meses de TC com

soropositivos assistidos pela ONG Sempre Viva. Seguindo as seis etapas da

sessão (acolhimento, escolha do tema, contextualização, problematização,

encerramento e avaliação), descobrimos que o acolhimento deveria ser explorado

através de uma maior utilização de técnicas de massagem e respiração, em

outras palavras, abrir espaço para os códigos tátil e sensitivo. O grupo percebeu

que estas dinâmicas desamarravam mais os usuários da TC, principalmente nos

dias em que o astral e a auto-estima andavam em baixa.

O uso de técnicas de visualização ou afirmações no encerramento

também vem colaborando para a continuidade dos trabalhos. Mais do que isto,

nós constatamos que a TC ajuda a verbalizar a emoção, ou seja, digitalizar o

analógico. Sendo assim, que as únicas regras que devemos seguir são as da

terapia (silêncio, não fazer julgamentos, não dar conselhos, falar usando a

primeira pessoa: eu e entre uma fala ou outra, sugerir músicas). Aliás, no que diz

respeito à sugestão das músicas, sentimos como a nossa maior carência, mas que

o humor do grupo tem superado a deficiência, afinal rir ainda é o melhor remédio.

Tudo isto, vem reforçar a reflexão de Sócrates: “Homem, conhece-te

a ti mesmo e conhecerás o Universo e os Deuses” ou a de Dr. Edward Bach sobre

o “cura-te a ti mesmo”. Também reforça que é essencial usar o feeling para

realizar a Terapia Comunitária, assim como fazer uso de todos os códigos sem

preconceitos ou pré-julgamentos. Partindo destes princípios, questionamos os

usuários, muito mais, em relação ou correlações dos sentimentos que eles

colocam do que as restrições provocadas pelos sintomas físicos da doença. Esta

tomada de ação possibilitou que algumas sessões, que estariam fardadas ao

desânimo e em se transformarem em um muro das lamentações, tenham

despertado as máximas do Dr. Adalberto Barreto, ou seja, “transformar a dor em

competência” e “eu só reconheço no outro, aquilo que conheço em mim”.

Entre os pontos mais importantes, destacamos a do usuário da TC

sentir que se encontra numa relação personalizada, o que faz com que a sua

auto-estima aumente e fiquem mais claras as respostas para os seus conflitos.

Foi possível perceber isto, principalmente, quando cantamos parabéns e quando

agradecemos nominalmente a participação de cada um. No caso dos

Page 126: Anais Do i Congress Od Etc

126

soropositivos, passa a ser um reforço maior, pois eles estão cansados de serem

parte de estatísticas e números.

E embora ainda tenhamos consciência do longo caminho para se

percorrer, podemos considerar que o maior benefício da Terapia Comunitária

para os soropositivos da Casa de Apoio Sempre Viva foi fazê-los refletir que

somente unidos poderão encontrar soluções para problemas como baixa auto-

estima, preconceitos, falta de moradia e trabalho, entre outros. Exemplos: os

soropositivos estão estudando (os que sabem mais ensinando a quem sabe

menos) e a divisão de tarefas com “mais aceitação”. Por fim, sentimos que as

primeiras sementes para as redes foram jogadas no início deste outono e

esperamos que a primeira colheita já possa ser recebida / percebida na próxima

primavera.

Como colocamos no início do desenvolvimento deste trabalho, que a

TC com soropositivos é o início de uma história com ensinamentos e lições para

todos, é chegado o momento de falar sobre quais os benefícios e aprendizados que

o referencial da Terapia possibilitou aos profissionais, além da análise da técnica?

E chega a primeira pergunta: se só reconheço no outro aquilo que conheço em

mim, qual ou quais os pontos em comum de cada integrante do Centro Raízes

com os soropositivos da Sempre Viva?

Bem, compartilhamos das máximas sejam de Sócrates, Edward

Bach ou Dr. Adalberto Barreto. Isto implica na busca pela cura e pela

compreensão do nascer, viver e morrer. Talvez sejamos presunçosos, mas

percebemos que a AIDS, a epidemia do final do segundo milênio, ainda sem

perspectivas de cura, trata, o tempo todo, do tema que nos foi omitido nas salas

de aula: viver x morrer.

Independente das origens e trajetórias de cada terapeuta do Centro

Raízes, reconhecemo-nos nos soropositivos quando percebemos que a realidade

deles está cada vez mais próxima de nós. Segundo a Organização Mundial de

Saúde, até 2005, toda família brasileira constará de um portador de HIV. Hoje,

graças aos deuses e orixás, não temos parentes, mas temos ou já tivemos amigos

muito valiosos e que nos fizeram impotentes diante do fantasma da morte. Por

outro lado, estes mesmos amigos, nos ensinaram a lutar, dia após dia, minuto

Page 127: Anais Do i Congress Od Etc

127

após minuto, juntamente com os soropositivos da Sempre Viva, e nos fizeram

refletir que apenas morre quem vive.

CONCLUSÃO “Começar de novo e contar comigo, vai valer apenas ter amanhecido,

ter se rebelado, ter...”. Esta música cantada por Simone é um pouco do

sentimento que fica cada vez que chegamos para realizar uma sessão de TC com

os soropositivos. Estamos nos preparando para atender mais pacientes, uma vez

que a instituição Sempre Viva assiste gestantes com vírus HIV, no bairro da

Torre.

No entanto, sabemos que uma coisa de cada vez para poder

promover consciência e mudanças. Nem sempre conseguimos transformar a dor

em competência, e que ter ciência dos limites de cada um faz parte do

aprendizado de qualquer terapeuta, mas, sobretudo, de qualquer ser humano,

que nasce, ama, vive e morre. E lembrando o amor, lembramos que este é o

principal ingrediente para realizar a Terapia Comunitária. A partir daí, surgem

outras palavras chaves: solidariedade, ética, compreensão, justeza, compaixão,

perdão, etc., etc., etc.

Alguns podem nos questionar, porque um trabalho com tão pouco

tempo de prática, os terapeutas quiseram apresentar? Há muitas respostas, entre

elas: que o hoje (o presente) é uma dádiva, que precisa ser compartilhada.

Amanhã será um outro dia e o ontem já se foi. Outra resposta é perceber que

somente quando passamos conhecimentos/informações, nós aprendemos mais e

de verdade. Como terapeutas (guerreiros), nós devemos ter a coragem para nos

mostrar, pois errar é um aprendizado, assim como se arriscar faz parte do

processo de todo curador.

Page 128: Anais Do i Congress Od Etc

128

EXPERIÊNCIAS E DEPOIMENTOS DOS TERAPEUTAS COMUNITÁRIOS

Page 129: Anais Do i Congress Od Etc

129

ABRINDO A CAIXINHA PARA O NOVO SABER: APRENDIZAGENS COM A TERAPIA COMUNITÁRIA

Vera Maria Carvalho Faria26 PALAVRAS CHAVES: Aprendizagens; Experiências pessoais; Terapia Comunitária; Modelos Terapêuticos; Potencialização; Acolhimento; Convivência.

RESUMO

Resumo da experiência individual de uma terapeuta familiar com o processo de formação em terapia comunitária. No período de aproximadamente dois anos, desde o estudo, passando pela formação até chegar a prática da terapia comunitária efetivamente em uma comunidade, desenvolveu-se um processo de aprendizagens em diversas dimensões, provocando inquietudes e questionamentos quanto ao papel profissional já estabelecido. Novo modelo de terapeutizar provocou a vivência de um novo paradigma, fazendo com que a interação com um “novo saber” acontecesse Aprendizagens pessoais, comunitárias e de grupo de trabalho, provocaram mudanças como: redirecionamento profissional, o encontro com a vocação social e a determinação pra incluir a prática da terapia comunitária num contexto clínico e social. Este processo mostrou que é necessário abrir e sair da “caixinha” , pessoal, profissional, tradicional, do saber pronto para um novo saber que se encontra em outros contextos com pouco acesso, mas repleto do saber da vida, da dor, da poesia, da competência de viver.

“Não há saber mais ou saber menos.

Há saberes diferentes.” Paulo Freire

Sabe-se que a educação é a ponte para o crescimento pessoal e

profissional, tanto para quem recebe, quanto para quem ministra o

conhecimento, de forma dinâmica e construtiva.

O resultado eficaz na aprendizagem não depende exclusivamente, do que se

aprende ou do conjunto de habilidades e conhecimentos prévios que possuímos,

mas essencialmente da percepção e consciência que temos sobre nossos

comportamentos e competências.

“Ter competência não significa só ter conhecimento. É também ter capacidade

emocional, para lidar com diferentes situações. É ter informação sobre diversos

assuntos e poder aplicá-la nos momentos adequados (Perronoud, Philipp).

26 Psicóloga, Terapeuta Familiar e Terapeuta Comunitária

Page 130: Anais Do i Congress Od Etc

130

O serviço do educador é descobrir o fio condutor nas suas comunidades de

aprendizagens, ocupar-se dos saberes destas comunidades e facilitar as pessoas

para compreenderem o que acontece ao seu redor, a partir do gostar de si

mesmo.

O educador deve “transitar no âmbito da construção de saberes e

competências, organizador de uma pedagogia construtivista, que garante o

sentido dos saberes criador de situações de aprendizagens, admirador da

heterogeneidade, regulador dos processos e percursos de formação”. (Perronoud

,Philipp)

Munida de uma bagagem com alguns saberes prontos, com formato

acadêmico e outros vivenciais fui trilhando um caminho profissional sempre

relacionado com a educação.

A busca tem sido conjugar saberes e competências que vão se acumulando

ao longo do tempo de estudo, de aprendizagens informais, de maturidade da vida

e das teorias que circulam e povoam os diferentes contextos em que atuo.

Adalberto Barreto diz que temos alguns saberes que nos autorizam a

realizar e fundamentar nossas ações: O saber acadêmico, o saber acumulado com

as experiências da vida e o saber da história pessoal.

Influenciada pela formação em Psicodrama Pedagógico, pela especialização

em Psicomotricidade Relacional e pela formação em Terapia Sistêmica tive

oportunidade de trabalhar na clinica e na escola simultaneamente com famílias,

com equipes de educadores e grupos de alunos em diferentes faixas etárias, do

ensino infantil à pós graduação.

Nos dois últimos anos, fui motivada a participar de um projeto de

capacitação de profissionais nas cidades do interior do Paraná que atuam com

Relações Familiares.

O contato direto em campo, com diferentes pessoas, culturas,concepções e

cidades, por meio da ministração de conteúdos na visão sistêmica, me despertou

novo interesse em atuar mais profundamente com a multiculturalidade e a

conjugação de diferentes níveis de conhecimento e práticas dos participantes de

cada grupo.

Nesta jornada tomei contato com um novo conteúdo e experiência com

grupos, genuinamente brasileira, nordestina e que resulta na mudança das

Page 131: Anais Do i Congress Od Etc

131

pessoas frente as suas crises. “É a Terapia Comunitária do Dr. Adalberto

Barreto”. Alguns vídeos e muita curiosidade me despertaram interesse em

conhecer melhor.

Oportunizada pelo encontro de encerramento em Faxinal do Céu no

Curso de Relações Familiares conheci o “tal Dr. Adalberto” , praticando a Terapia

Comunitária, o qual via nos vídeos, com imenso grupo de mais de 200 pessoas.

Priviligiadamente participei de uma reunião onde seletos terapeutas

familiares, que coordenavam o curso de Relações Familiares encontraram –se

com Adalberto Barreto para organizarem uma futura turma de formação em

Terapia Comunitária. Até então parecia uma grande onda de influência onde eu

ainda não tinha consciência da repercussão.

Agosto chegou e eu meio a contragosto embarquei para Morro Branco

acompanhada de uma turma de 23 profissionais, todos, sabedores de muitas

coisas. O impacto do cenário atípico e estranhamente maravilhoso, somados à

proposta de viver a essência pessoal que se encontra na criança interior de cada

um parecia não fazer parte da realidade.

Aos poucos a prática pessoal através das atividades do Cuidando o

Cuidador, brilhantemente facilitadas por Ghata e Adalberto (agora assim

carinhosamente reconhecido) e com o novo conhecimento foram transformando-

se em encantamento e inquietação. Ao mesmo tempo que, era simples e

concreto, provocava forte desconforto com os outros saberes que eu tinha na

bagagem e que me asseguravam uma forma de lidar eficaz, conhecida.

Tudo que eu sabia e ensinava sobre quebra de paradigmas bateu a minha

porta com muita propriedade.

Então como fazer? Só havia uma saída: desaprender para aprender,

despir-se do saber revestido de falas prontas, construídas sob o modelo

acadêmico e que pouco serviriam no momento.

Tive que buscar o saber dentro de mim, nas experiências pessoais, da

criança, da mulher, tive que fazer revisão das diferentes fases da vida, das

minhas emoções impressas nas minhas sensações e no meu corpo feminino e

masculino, com dores e prazeres. Estava já envolvida pela proposta da terapia

comunitária. Faltava conhecer de perto o campo de aplicação, na comunidade.

Veio então a experiência do Projeto 4 Varas onde tudo se originou.

Page 132: Anais Do i Congress Od Etc

132

Junto com o grupo de formação fomos participar da Terapia Comunitária e visitar

o projeto.

Com olhos, ouvidos atentos procurei compreender a dinâmica daquele

lugar e a transformação que acontecia nas pessoas que circulavam de um espaço

para o outro, da atividade de auto-estima, para as mãos mágicas dos

massoterapeutas da Casa da Cura, para a pesquisa na farmácia, na conversa

com os garotos dos cartões e a roda da Terapia Comunitária.

Quase ao final do dia fui surpreendida novamente pelo espetáculo do

teatro infantil do grupo José e Maria, onde uma adolescente encenava com a

alma, uma sertaneja que molhava a terra com suas lágrimas para poder plantar.

Me emocionei, até as lágrimas durante toda a apresentação.

Compreendi ali, naquele momento que, havia um encontro de saberes puros,

oriundos de dores, de desejos e de talento produto daquele lugar, daquela cultura

que afloravam na arte do teatro, oportunizando o desenvolvimento de talentos e

competências. Logo ao final ouvi a atriz mirim testemunhar-me que o teatro cura

e havia curado a sua vida.

Muitas reflexões, muitas discordâncias, questões, dúvidas, achismos e

opiniões que divergiam foram pauta de conversas do grupo de formação e

individualmente.

Ebulição da emoção e dos modelos adquiridos. Era necessário assimilar a

aprendizagem. Encerramos o primeiro capítulo deste processo de aprendizagem

com lua cheia e mar cor de prata....

O eco das vivências, os paradoxos e as contrastes de conhecimentos

fizeram parte por um bom tempo de reflexão e me mobilizaram para um novo

projeto de conhecimento que produziria um novo saber na minha bagagem:

desenvolver verdadeiramente o papel de Terapeuta Comunitária.

Participando das reuniões do grupo Morro Branco, contatando com Dr.

Adalberto, trocando experiências, ainda que iniciantes, tentativas de vivenciar a

Terapia Comunitária em alguma comunidade, fui cultivando o desejo de vivenciar

mais profundamente a experiência como as pessoas de 4 Varas.

Imaginava que vivendo o dia a dia do projeto, compreenderia melhor em

mim o processo de aprendizagem que desejava lançar-me no momento.

Page 133: Anais Do i Congress Od Etc

133

Me lembrei então, de uma fala de Lapierre no livro Simbologia do

Movimento e que diz: “a aquisição de conhecimentos se situa não como uma meta

em si, mas como parte integrante de uma dinâmica de afirmação da pessoa no

seio de um grupo social”.

Sendo assim me lancei em um novo movimento pessoal e profissional:

“Abrir a caixinha do Saber”.

Foi necessário organizar-me para ir até 4 Varas. Houve um ensaio de

aproximação justificado por acompanhar um grupo de alunas ao Morro Branco

que também se definiram pela Terapia Comunitária. Assim fiquei mais próxima

do possível.

Apenas em outubro de 2002 que fui até 4 Varas sozinha, com o objetivo de

vivenciar algumas experiências no cotidiano do projeto.

Havia um planejamento mínimo focado no grupo de teatro infantil com a

colaboração do Messias, coordenador do grupo.

O que significou esta experiência?

Primeiramente, a minha ousadia em sair da “caixinha” , da clínica, da

organização logística dos cursos que ministrava aulas, da sala de aula, do modelo

aprendido de terapeutizar, de dar aula. Tudo isto compõe o conteúdo da minha

caixinha de “doutora”, de psicóloga que detém um saber que me autoriza a

apontar para o outro o que fazer. Durante uma semana vivenciei todos os dias,

diferentes aprendizaens com o grupo de teatro José e Maria. Pela manhã um

grupo e a tarde outro, não com muitas crianças.

Professor Messias havia preparado minha vinda e assim me senti mais a

vontade quando cheguei.

Inicialmente pensei o que eu faria com eles?

Me preocupei, movida pelo saber do modelo pronto de professora, o qual

me assinalava que era necessário levar atividades planejadas. Deixei este saber

de lado, com certo ar de rebeldia e busquei o que eu sabia, na minha vivência

em psicomotricidade : Brincar. Brincar e jogar um pouco com as crianças e com

seus corpos. Imaginando que assim, poderia favorecê-los na expressão corporal

para o teatro. Imaginava ser esta uma boa intenção.

E assim foi. Novamente alimentada pelo saber de Lapierre que

afetuosamente afirma: “queremos trabalhar com o que há de positivo na criança,

Page 134: Anais Do i Congress Od Etc

134

interessar-nos pelo que ela sabe fazer e não pelo que ela não sabe fazer”. Lancei

mão do que as crianças traziam dia a dia, das suas histórias de suas fantasias,

de seus desejos, de sua vida, da sua família. Os saberes foram se misturando e a

afetividade transitando entre as relações que se estabeleciam e se aprofundavam

a cada dia.

Me deparei com a necessidade comum , minha e deles de conjugar o que

sabíamos fazer, das brincadeiras, das histórias infantis e que, as dores que

compartilhavam também fazia sentido para mim. A necessidade de tocar-se e ser

acolhido com afetividade era a mesma.

A partir do terceiro dia houveram outros contatos, embora rápidos com

outros grupos, de outras atividade que compõem o projeto: a equipe da farmácia,

o grupo de meninos do atelier, as massoterapeutas, o pessoal da administração.

Já me sentia fazendo parte, não esquecendo que o sentimento de pertença

é fundamental para o desenvolvimento das aprendizagens e para a

potencialização da auto-estima.

Tudo ia muito bem até chegar a quinta-feira, dia da Terapia Comunitária.

Na ausência de Dr. Adalberto fui convidada pela Cleinha para coordenar a terapia

em parceria com Seu Zequinha, figura marcante da terapia em 4 Varas.

Com frio na barriga, nervosa, preocupada em acertar disse não

inicialmente, mas era a grande oportunidade de praticar e aprender ao vivo. Foi

uma experiência, inesquecível. Marco concreto no processo que seu estava

vivendo.

Aliviada em dar conta da coordenação, celebrei a data.

Minha intenção inicial era tentar sensibilizar a família dos participantes do

grupo de teatro a freqüentarem pelo menos um encontro, no sábado, para poder

iniciar um relacionamento e que faria parte de um trabalho futuro com famílias.

Mesmo com a semana intensa em diferentes atividades, em conjunto com

Messias , fizemos o convite e enviamos pelas crianças.

Preparamos o salão e o lanche para receber as famílias. Poucos

compareceram, era feriado de finados....

Com os poucos adultos presentes realizei uma atividade de interação entre

pais e filhos e nova aprendizagem surgiu para todos.

Page 135: Anais Do i Congress Od Etc

135

Expectativas, desejos e trocas aconteceram entre a pais e filhos através da

resposta à duas questões;

O que os pais podem fazer para ajudar os filhos? e

O que os filhos podem fazer para ajudar os pais?

Após o compartilhar comemoramos e confraternizamos a amizade, e que

aprendizagens tivemos durante a semana. Novamente fui surpreendida pelas

manifestações de saberes e da demonstração de alegria em serem acolhidos

afetuosamente, valorizados na auto-estima e da verdadeira tristeza em não poder

continuar.

Fazia-se necessária a despedida.

Algumas crianças do teatro trouxeram em versinhos a despedida e a

demonstração de agradecimento do grupo e do seu professor, fruto do que tinham

vivido e que dizia:

“Abaixo dos nossos pés a terra, acima de nossas cabeças, há o céu que esconde a amplidão.

A pele reveste o esqueleto

no o peito há um coração.

A satisfação é o muito obrigado

por coisas boas que aconteceram nos momentos...

A partida não será a despedida

pois te trarás de volta nos mesmos ventos.

Sei que o inverno é frio,

mas o verão é quente deveras,

o outono é demorado,

mas te esperarei com flores na primavera.

Só não te peço que fiques,

pois o compromisso te chama apressada,

partirás na nuvem azul

e retornarás no céu rosado.

Enquanto a vida não se reduzir a pó

Page 136: Anais Do i Congress Od Etc

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a esperança me fortificará.

Não sei quanto vai ser o tempo

mas por ti hei de esperar”.

E assim, ao final de uma semana, minha bagagem estava repleta de

vivências, convivências, experiências e descobertas. Necessitava agora, um tempo

de acomodação para poder processar a aprendizagem.

Ao voltar para a “caixinha conhecida” , em outro contexto de

aprendizagem, procurei fazer o balanço da experiência de ter vivido o dia a dia

numa comunidade de aprendizagem diferente da referência que eu possuía.

Muitas foram as questões, algumas respondidas e outras ainda em

elaboração.

Algumas conclusões concretas e que me inspiram atualmente em definir

escolhas.

Qual foi a nova aprendizagem ?

Para o grupo das crianças na comunidade:

• Possibilidade de uma nova relação, com valorização do seu saber,

• Confirmação da arte como meio de expressão e comunicação das suas

idéias.

• Conviver com responsabilidade de organizar o espaço comunitário.

Aprendizagem pessoal:

• Aprender a conviver com a simplicidade e com os diversos limites impostos

pelo contexto.

• Lançar mão da criatividade, espontaneidade e afetividade para me

relacionar.

Aprendizagem do papel profissional:

• Confirmação da vocação para a psicologia social comunitária.

• Redirecionamento da atividade profissional, com objetivo de trabalhar com

o contexto prático e de formação em Terapia Comunitária, influenciando

“outras caixinhas” do meu relacionamento.

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137

• Construir o caminho para a tese de doutorado em Gestão da Educação,

voltada para a relação do saber do senso comum, ou saber popular, com o

saber acadêmico nos processos de educação das comunidades abertas.

O primeiro passo, do processo de desaprender para aprender foi dado e

concluo que, o maior ganho ainda está relacionado com a dimensão pessoal,

fundamentalmente necessária para determinar o próximo passo em direção à

prática da educação em comunidades por diferentes caminhos. Um dos caminhos

certamente é pela Terapia Comunitária.

Referências Bibliográficas:

BRANDEN, N. 2001; Auto-Estima, E. Saraiva, e Auto-Estima, Liberdade e Responsabilidade, 2000, E. Saraiva. GOLEMAN, D, 1998, Inteligência Emocional, Editora Campus. POLITY, Elizabeth; ROGOZINSKI, Evelyn; HABERKORN, Lea; GASPARIAN, Maria Cecília; LOBO, Silva de Vic Mônica; 1998, Psicopedagogia : um enfoque Sistêmico; Empório do Livro. MOSCOVICI, F., 1998, Desenvolvimento Interpessoal, Editora Jose Olympio. CAPRA, F.,1982, O Ponto de Mutação, Cultrix. VACONCELLOS, M.J.E.;2002, Pensamento Sistêmico- o novo paradigma da ciência, Papirus. CAMPOS, R.H.F, 2002, Psicologia Social Comunitária – da soliedariedade à autonomia, E. Vozes STREY, M.N e Colaboradores, 2001, Psicologia Social Contemporânea, E. Vozes. BARRETO, Adalberto; Apostila do Curso de Terapia Comunitária, 2000 MINUCHIN, P., COLAPINTO, J., MINUCHIN, S.1999, Trabalhando com Famílias Pobres - Ed. Artes Médicas . BARRETO, A., 2000, Apostila do Curso de Terapia Comunitária. LAPIERRE. A, 1986, Simbologia do Movimento – psicomotricidade e educação, Artes Médicas.

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138

ARTICULANDO TEORIA E TECENDO ABORDAGENS27 Marli Olina eSouza28

PALAVRAS CHAVES: Teoria; Resignificar; Desenvolvimento; Essência;

Sofrimento.

A Terapia Comunitária é um novo método de entendimento do existir

humano, desenvolvido pelo Dr. Adalberto de Paula Barreto. Quando dizemos

“método “ queremos nos referir ao significado original desta palavra, encontrado

no antigo grego. Método vem de META ÓDÓS. META quer dizer APÓS e ÒPÓS

significa CAMINHO. A expressão “após caminho”não se refere a “ estar além”, “

fora do nosso mundo”. Ao contrario , ela significa continuar um caminho que nos

conduz a ver o nosso existir, nossa realidade como realmente é, aproveitando das

adversidades para elaborar ou resignificar.

A Terapia Comunitária também não é uma nova teoria, se entendemos

TEORIA como um conjunto de hipóteses e suposições para confirmar modelos

pré- estabelecidos e baseado numa explicação causal e determinista. Este é o

sentido por exemplo da teoria freudiana, é uma teoria de construções causalistica

e determinista , independente dos fenômenos tais como se mostram , sem

considerar o meio circundante.

Por outro lado, se consideramos o conceito original do grego antigo onde

THEORIA quer dizer “plenitude de desenvolvimento”, podemos então dizer que

Terapia Comunitária é uma teoria. Partindo dessa noção do grego antigo de

THEORIA, não podemos avaliar a Terapia Comunitária comparando-a aos

sistemas e conceitos científico -tecnológicos que partem de afirmações pré-

estabelecidas.Também será inútil querer entender terapia Comunitária como uma

nova teoria psicológica que serve para completar as já existentes, a partir de um

ecletismo que constrói um mosaico conveniente de vários elementos teóricos. E

através, de um somatório de todos os elementos teóricos e da natureza se depara

com um grande manancial de possibilidades para a “cura”.A Terapia Comunitária

reúne vários elementos para entender e se aproximar mais da essência e do

existir humano.

27 Centro de Ensino e Atendimento Familiar - CAIF 28 Assistente Social e psicóloga

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139

Na Terapia Comunitária não trabalhamos doentes, e sim com sofrimentos, com

pessoas, nesse sentido trabalhamos para mobilizar recursos internos existentes e

não reconhecidos pelas pessoas.

Partindo dessa premissa e acreditando que podíamos desenvolver um

trabalho ampliado ás comunidades de Porto Alegre. Criamos o Projeto TEAR,

através dele uma equipe de terapeutas familiares e comunitários vem levando a

abordagem de terapia comunitária para o âmbito da Escola, Empresa, Instituição

Pública, como Prefeituras, Fóruns, principalmente em projetos de Ação

Social.Utilizamos essa abordagem no trabalho com a clientela encaminhada pelo

poder judiciário, dentro do Projeto da Justiça Terapêutica. Na área hospitalar

onde o trabalho “cuidando do cuidador” vem fazendo técnicos da saúde

descobrirem sua vocação para essa atividade de cuidar.

Nosso Centro estruturou um grupo que batizamos de “Equilibrando o

Peso”, a metodologia tem por base; técnicas da Terapia comunitária através de

exercícios da Biodança. O objetivo é atingir a individuação, resgate da auto-

estima e sentimento de pertença. Assim o peso interno equilibra-se com o

externo.

O CAIF por ser um Centro Formador em terapia Familiar e ter um foco

direcionado ao SELF do terapeuta, ampliou suas técnicas para chegar na pessoa

do aluno, ferramenta básica para a sua futura intervenção como terapeuta.

Por fim, temos a certeza que desta articulação sistêmica onde Terapeutas

Comunitários ampliam sua visão de grupos e de mundo e Terapeutas

Comunitários a garantia de contarem com os Terapeutas Familiares no apóio e

conhecimento da dinâmica familiar. Quem ganha são as pessoas que doentes ou

com sofrimento emocional recebem atenção e aconselhamento adequado num

espaço multidisciplinar, onde o trabalho principal é o resgate do seu próprio

mundo interior.

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Parâmetros que norteiam o trabalho:

Nossa proposta se volta enfaticamente em perseguir nos encontros técnicas

de jogos vivenciais, fundamentalmente na crença que o individuo é capaz e

possui condições necessárias para seu auto-desenvolvimento.

O foco é trabalhar as conexões entre o físico -mental-emocional e espiritual.

Despertar a sensibilidade que nos abre para o mundo. Por fim aprender a

equilibrar os diversos níveis de nossa dor.

EXPERIÊNCIAS DO CAIF:

Capacitação de Terapeutas Comunitários

Início:1999 em Parceria c/Dr. Barreto

Supervisão de Terapeutas Comunitários no Estágio na Comunidade da Vila

Fátima. (AFASO- Associação Familiar em Solidariedade)

Consultoria na implantação do Programa Família Cidadã no Município de

Gravataí e Formação em Terapia Sócio- Comunitária para os técnicos da

secretaria de Ação Social de Gravataí .

Implantação da Terapia Sócio-Comunitária nos Programas de cuidados ás

Famílias , adolescentes e crianças conforme ECA na Secretaria de Ação Social de

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Cachoeirinha, bem como assessorar equipe técnica em sua ação nos programas.

Terapia Comunitária a professores, estudantes e pais da Escola Estadual Gomes

Jardim da Ilha da Pintada em POA.

Assessoria em Terapia Comunitária do Projeto Risa de Cachoeirinha

Trabalho com grupo de multifamiliares encaminhados pelo Projeto CIARB do

FORUM CENTRAL de POA/ Modalidade de Terapia- Sócio-Comunitário

Capacitação para Trabalho Sócio Comunitário com Técnicos do Departamento

de Habitação da Prefeitura de POA e Implantação de projetos de Terapia

Comunitária com Lideres da Comunidade.

Em andamento: capacitação á funcionários da Secretaria de Ação Social das

Prefeituras de Gravataí, Cachoeirinha e Porto Alegre.

Cursos para Terapeutas Comunitários, sempre com inicio em março e julho.

Instituição Formadora:

Centro de Ensino e Atendimento Familiar -CAIF

Av. Nova York, 339- Auxiliadora -Porto Alegre/RS

Fones: 51- 33421234 www caif.caif.br

e-mail [email protected]

Coordenadora: As. Social e Psicóloga Marli Olina de Souza

e-mail [email protected] e [email protected]

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RESUMOSRESUMOSRESUMOSRESUMOS

TERAPIA COMUNITARIA NA ATENÇAO BASICA29 Naly Soares de Almeida

PALAVRAS CHAVES: Atenção Básica; Participação Comunitária; Saúde Mental; Redes Sociais; Terapia Comunitária.

RESUMO

Há um ano o município de Macaé, iniciou o Programa de Saúde Mental na Atenção Básica, tendo como área de atuação os PSF. Em agosto/2002 iniciamos a Terapia Comunitária na comunidade de Botafogo, uma comunidade carente ,violenta e com níveis de desesperança acentuados no que se refere a auto-estima e capacidade de gerir os seus próprios problemas através de seus recursos. A Terapia Comunitária funciona com um terapeuta comunitário, uma psicologia e duas agentes comunitárias do PSF- Botafogo, semanalmente com a freqüência de 5 a 21 indivíduos desta comunidade e de outras comunidades vizinhas. Muitos questionamentos e dificuldades estamos enfrentando neste processo de implantação da Terapia comunitária no PSF , apesar de termos claro a importância da introdução desta modalidade de atendimento em saúde mental na rede publica. Achamos que o principal desafio esta sendo diminuir a dificuldade dos profissionais e da população de pensar juntos, de construir juntos uma saída para os sofrimentos e problemas saindo do modelo assistencial onde a população fica a espera da solução. A Terapia comunitária vem se mostrando eficaz em estabelecer a melhora individual de casos desta comunidade assim como vem nos mostrando como funciona esta comunidade, quais as suas principais dificuldades, como a sua cultura vem sendo esquecida e desvalorizada, suas diversas religiões e crenças, ao mesmo tempo em que vai se criando uma teia de vínculos e de novas possibilidades ,onde o saber popular e o saber acadêmico podem dar as mãos na construção das redes sociais.

29 Programa de Saúde Mental o PSF de Macaé

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A RELAÇÃO ENTRE STRESS, AUTO-ESTIMA, TRABALHO CORPORAL E A POSTURA DO GESTOR EDUCACIONAL: UMA PROPOSTA DE

IMPLANTAÇÃO DE UM PROGRAMA PREVENTIVO NA ÁREA DE SAÚDE FÍSICA E MENTA COMUNITÁRIA NA FFM-FAEPA(MESTRADO EM

GESTÃO EDUCACIONAL30 Rejane Maria de Araújo

PALAVRAS-CHAVES: Gestor Educacional; Trabalho Corporal; Saúde Física e Mental Comunitária; Psicossomática; Stress e Auto-Estima do Professor.

O século XXI ressalta a importância de revermos a nossa práxis para que possamos atuar realmente como gestores educacionais comprometidos com as mudanças sociais. Sendo a saúde entendida como um bem estar físico, mental, espiritual e social e a gestão numa visão mais humanizada. Este trabalho tem como objetivo contribuir, através da implantação de um programa preventivo na área de saúde física e mental comunitária baseado na proposta do Projeto 4 Varas, UFC – MISMEC, para um melhor desempenho do gestor de acordo com o perfil que o século XXI propõe para que promova mudanças de novas paradigmas educacionais que possam atuar como agentes de transformação na sociedade. Faz uma abordagem sobre o perfil da educação e do gestor no século XXI, os fatores que interferem neste perfil entre estes – o estresse, a auto-estima, a importância do trabalho corporal como estratégia e contribuição para minimizar estes fatores. A metodologia utilizada para realização deste trabalho baseia-se em uma pesquisa exploratória, através da análise quantitativa e qualitativa dos dados obtidos. Foi desenvolvida na FAEPA - FFM – Patos-PB – BRASIL. Tendo sido utilizado como universo da pesquisa os acadêmicos concluintes do curso de Licenciatura Plena em Pedagogia – Semestre 2001.2. Como instrumentos de pesquisa foram utilizados questionários semi-estruturados com perguntas abertas e fechadas relacionadas ao tema em estudo. Os resultados obtidos nos permitiram concluir de acordo com os objetivos propostas pela pesquisa que os acadêmicos apresentaram o seguir perfil geral: predominância do sexo feminino, faixa etária jovem, exercem a função docente, atuando a nível de ensino fundamental, situação sócio-econômica entre 1 e 2 salários mínimos, tempo de serviço entre 5 e 10 anos, estado civil casado, apresentando sintomas físicos e psicológicos de estresse, boa auto-estima. Concordam que o estresse e a baixo auto-estima interferem na postura do gestor, apresentaram interesse em participar de um programa preventivo na área de saúde física e mental. Apresentam-se com o nível de auto-estima bom, embora as atitudes de auto-aceitação e a auto afirmação apresentaram escores mais baixos em relação as outras atitudes estudadas. Encontram-se na fase de resistência com relação ao estresse, apresentando predominância dos sintomas psicológicos (com relação aos questionários específicos), portanto constatamos através deste estudo a relação entre estresse, auto-estima, o trabalho corporal, a postura do gestor educacional e a necessidade de implantação de um programa preventivo na área de saúde física e mental comunitária. A função do gestor exige uma relação mais humanizada para que possam despertar no outro a satisfação no desempenho de suas funções.

30 Fundação Francisco Mascarenhas-FFM/ Faculdades Integradqas de Patos –UIL

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A TRAJETORIA VOCACIONAL DO TERAPEUTA COMUNITÁRIO31

Miriam Barreto PALAVRAS CHAVES: Terapia Comunitária; Psicologia Comunitária; Trajetória Vocacional. Esta pesquisa teve por objetivo conhecer a trajetória vocacional do terapeuta comunitário. Para tanto, foram revisadas teorias que abordam a interação indivíduo-ambiente. Utilizou-se entrevista individual não-estruturada, e para o tratamento e análise das informações recorreu-se a Bardin (1977). Foram entrevistados quatro terapeutas comunitários: dois do sexo masculino e dois do sexo feminino, com idade variando entre 42 e 50 anos. A seleção dos participantes considerou dois critérios: 1o) pessoas que possuíssem o Certificado de Formação em Terapia Comunitária, concedido pela Universidade Federal do Ceará (UFC); 2o) pessoas que atuassem em comunidades diferentes na grande Fortaleza. A análise dos dados apontou fatores importantes na trajetória vocacional dos terapeutas comunitários tais como: a identificação do fazer; a identificação com o seu ser; o autoconhecimento sob a forma do “quem eu sou”, traduzido em “do que sou capaz”. Além dessa constatação, a pesquisa revelou a influência do saber acadêmico aliado ao saber popular na trajetória vocacional, e ressaltou, ainda, a co-responsabilidade na prática desses terapeutas comunitários.

A DEMANDA DE SAÚDE MENTAL PRESENTE NOS ATENDIMENTOS DO PSF: UM ESPAÇO PARA A TERAPIA COMUNITÁRIA?32

Sandras Fortes PALAVRAS CHAVES: Programa de Saúde da Família; Ações Básicas de Saúde; Saúde Mental; Transtornos Mentais. Desde os primeiros estudos realizados em unidades gerais de saúde (Mari(1985),Villano(1998)) sabe-se que a freqüência de transtornos mentais dentre a população atendida nos níveis primários do sistema de saúde do Brasil se situa entre 40 e 50%. Nosso estudo esta sendo realizado na no Programa de Saúde da Família do Município de Petrópolis , Rio de Janeiro, utilizando o General Health Questionnaire (GHQ) como instrumento de busca de casos suspeitos de transtornos mentais, com uma posterior aplicação do CIDI, para traçar o perfil diagnóstico de uma amostra destes pacientes. O índice de casos suspeitos situou-se em torno de 55% (dependendo da unidade avaliada), um dos mais altos do mundo, quando comparados com dados da OMS. O perfil nosológico, embora não correspondendo a um estudo de prevalência real de cada transtorno, devido ao baixo índice de comparecimento (cerca de 40% apenas) demonstrou uma parcela significativa de casos de

31 Universidade Federal do Ceará 32 Universidade do Rio de Janeiro

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depressão, e de pacientes com transtornos relacionados á somatização (Transtornos Somatoformes/ Dissociativos/ Conversivos), além de uma quantidade surpreendente de Distúrbio de Stress pós Traumático, provavelmente devido á repetidas tragédias no município devido a enchentes e queda de barreiras. O atendimento á esta população com demanda de cuidados na área de saúde mental, que não aceita encaminhamento para atendimento em unidades especializadas, e que tem sido objeto de uma prescrição excessiva de medicação psicotrópica, com os riscos inerentes de dependência e tolerância, requer o desenvolvimento de novas técnicas de abordagem. Alguns trabalhos tem apontado a boa resposta ao uso de técnicas de terapia de grupo, de carácter comunitário, com o oferecimento de um espaço de suporte, elaboração, e reorganização pessoal e coletiva.

É CÔMODO ACREDITAR NO QUE NOS CONSOLA.... Geraldo Sales

...mas dificil é perseguir a verdade. Quantas verdades voce é capaz de suportar ?( Nietzsche ). Fazer Saúde Mental é juntar nós Doutores protegidos pelos capotes da contra transferência e dos psicofarmacos e enfilerados saímos da alienação universitária e nos misturarmos com tantos habitantes dos "guetos dos pobres", classificados de diferentes, carentes, loucos,incapazes e perigosos, e arcar com as consequências. Fazer Saúde Mental é garantir permanentemente atitudes básicas em relação a comunidade, trabalhando com ela principalmente o isolamento entre o saber cientifico e o saber popular, acreditando que toda sociedade humana dispôe de mecanismos terapêuticos válidos e culturalmente relevantes. É executar ações centradas no encontro com as pessoas que sofrem, criando espaços de trocas, para vivenciarem juntos o acolher , a melhora da dor e a esperança. A comunidade deve acerca-se dos espaços, com o menor gasto possivel de burocracia, assim como os profissionais devem envolver-se com a vida da comunidade com uma atitude solidária e de um serviço com ela ( nesse momento nasce o verdadeiro controle social ).A comunidade é um valioso parceiro na realização de um programa terapeutico seja ele do tipo individual ou de grupo, como é o caso da Terapia Comunitária, do Acolhimento com Alongamento e o Corpo que Fala, da Terapia Familiar Domiciliar e outros.A Saúde Mental tem que "perambular", funcionar da porta para fora e da rua para dentro dos serviços e das casas, acolhendo as pessoas com seus sofrimentos na mente, no corpo e na alma,onde o terapeuta com o toque ou com o mote, faz o corpo falar e liberar o que estar trancado, Onde a massagem faz "calar a mente"e o pensamento voa e as pessoas sabem que ampliar o fluxo da respiração emoções pressas na memória emergem e elas movidas, pela credibilidade em suas capacidades renovadas escalam as montanhas do sofrimento e da loucura fincando em seus picos a bandeira da CIDADANIA. E para encerrar , gostaria de lembrar aos ësquecidos" que Saúde Mental também se faz com Quirambolas e Índios.

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NA MINHA TERRA PARÁ NÃO ADIANTA SÓ ENTRAR NO IGARAPÉ. O IGARAPÉ TEM ENTRAR EM VOCÊ.

TERAPIA COMUNITÁRIA NA FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE: UMA EXPERIÊNCIA NO BRASIL CENTRAL

Mauro Elias Mendonça

Tendo em vista a possibilidade de utilizar a contribuição da estratégia da Terapia Comunitária Sistêmica – Método de Adalberto Barreto na capacitação de estudantes de saúde para análise reflexiva dos determinantes do processo saúde-doença e aprendizagem de conhecimentos, habilidades, competências, atitudes e valores do profissional de saúde no atendimento do indivíduo, da família e da comunidade historicamente contextualizados na perspectiva de intervenção em saúde (promoção e proteção da saúde, prevenção e detecção precoce de riscos e agravos à saúde, tratamento e reabilitação), foi elaborada uma proposta de introdução desta abordagem de forma experimental em um grupo de alunos na Universidade Federal de Goiás. O presente trabalho trata da descrição do modelo da medicina científica convencional, das propostas de transformação do ensino e do serviço no setor saúde e essencialmente de relato histórico, conteúdo e metodologia utilizada, análise e discussão de um ano da experiência de vivências em Terapia Comunitária na formação de profissionais de saúde.