anais de d. joão iii, by frei luís de sousa

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Chronicle of John III, king of Portugal (1521-1557). Volume 1.

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Page 1: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa
Page 2: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

Todos os eæemplaresconl d, rubrica,

Desta obra tiraram-se 100 eæenplaresem papel Leorne, il,a, Com,panhi.a il'o Pa-pet d,o Prailo, numerad.os e tubrbados.

sd,o a.utentlcadosdos editores

1PRoPRIEDADE DA

LIVR,AR,IA SÂ DA COSTA_EDIÎORA

Composto e impresso na secçâo de (Linotypesr

de O Jornal do Cométci,o e iloa Col6nl'as-Rua Dr. Luiz de Almeida e Albuquerque, 5

LISBOA

Îi

PREFÂC IO

I[anuol da Sousa Coutinho é dos ûItimoset:amflnrrs rlaquela raça de hornens, tdo emuuHfi ,,u n,ttssa l(tnasc(t,rtça,, que manelja.ua?n,c'tnn igilill ltntnlidilo û lrt'rtn r. a csf>ada: sol-dedo p ë'n'rllur huuttttisf rt. Il las jd o seu fimpranunt ln )( t t t ot t l r t t l t l t t t l1 ' , , , , ,u l to, qûtc t leueriaca/ffterlailr enlrc ilôs ltulrt o srt.culo de Seis-t1l*ts,s: tt lrurlr li ltvaln. () x'u ztulto ad,qui,re

fttls lndu tt rtil ltv lt uln sinr,bolo. Exami,-,têtttu l.t dr lttltt.

[i lnnuel ile ,\rtu,sn Coulinho, nascido emSmtarltl fun tt.q.i, loi fi lho de Lopo d.eSoilsd ('ttultnhrt, qur lmlalhara na Âfrica e na.tndla, e em huriltu ilr nlnnnùo cn,genho lite-nliltt, ,\ett li l lut hrnlttu. dllt o dtnor das letras.Ndo sr sill)( ao cul,o se lcria estudado nall'nhtorsidadr de Coimlya; sabe-se porém queitt,lcruoml>cu bruscamente os estudos parasttgui,r a uid,a das &rrnas. Fê-lo, segrndo

VIT

Page 3: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

parcct;, no prôprio ano da morte d.o pai,rnorle trtigica, que deueria ter abalado forte-mante o ânimo do môço: ao desrnontar docaualo, lresl>assara-se desastradamente coma 'l>rôf>ria csl>a,da. Taltscz por i.sso ,nes!fl,o ojotrt'rn Mtntu'l dc Sousa decidisse entral sèri'a-trxt'tt.lt: na t'ido 1 ganhar o fdo (onl, os seusltraços.

Nlïo loi lcliz na sua eslrcia de soldado.Viajando, logo cm r577, num barco da ordemde Malla, con1, lurno nâo se sabe para onde,

foi caplurado por moiros na costa da Sardenha e leuado, com outros, para Argel. En-controu no seu cati,uei,ro o célebre Mi,guel deCeruantes, com quern se tomou de amizadec do qual apreci,ari,a 6 a'gud,o espïrito e a gra'n-drza tlc ulutû, tâo de sobra m,anifestados nasauenLruas rla'l>risdo argelina. O escritor espa-nhtil comcrnolou nunra. clas suas obras êsteenconlro. ()uant lo saïu,, cm t6r7, em Lisboa, asu,a ntntela Los trabajos clc Pcrsiles y Sigis'muntla, os lci,lores portugueses ti'uetam oca-siào de ler nela a histôria romântica dos amo-res d.e Manuel de Sousa Couti,nho. Pura inuen-

çdo de Cetuantes? Ou, como nos parece, wtfi

fundo de uerd,ade engrinaldado de /o?na-nesco? A hi,stôria é esta, contada, no capituloto do liuro I desta nouela:

VII I

Vezi.nho d,os Pcrciras. Manuel de SousaCoutinho a.rnou a lilha unica d,essa ca.sd,D. Leonor l)r:rciru. Ital.indo-a em casamentoao hai, lti-lhc rrsfond.id,o que era muitom,ôçt: (lut' fl tl.cixasse esperar mais dois anos,solt ltrttrttt. 'ss& que a formosa Leonor lhe fica-riu rrs(ruatl,a. Nessa altura o rei mand,ou-os(t/'t,il u,rn,a. lortaleza ern A-t'ri,ca. Dois anosilrlxtis, tlt rt'grcsso a Lisboa, aui,saram o rnoçor'nttrnrtrrrrltt tlr rltttt str.a. noiua lhe seria entre-F. l t . ' , , r ' : , \ t ' , l t t t t t i t1.1 '1t lvr ' tx imp, n,A igrejA d,aI l t t t l r r '1, ' I ) t ' t t , , , l ' r t ' l tsy1111-çr hnidamente,t t t t i l t t r r t t t t l tTt t t l t t ' i t , t l t , l t " , l t . ( 'ht ,yado o diat lnt t l t l t l t te, l t t t . ' t t t r t t t l r t t t t t t t iyrr j t r t r t t t r t t t t , t t l , l t ,crts 's l t l11111' t t ' t t l t ' r l r ' l t t , t , t t t . ,nt t , , t l i l t , lht , t l , isSe

It st ' t s . r l ' r ' l ' , t t t l t , l ) t ' t r . , . 1, . . , , , t r l t is l i t r iu t , ra ldo( t t ) l , tnt . i t t l , ' t ln(" , t t t , t ( , t t t , l t t t l t ( )cruanlcs, ao

ct t l t l t l l t t , t t 1 i l1t , ' t t t , l l r r t t t t t ' l t l t Srt t tsa dAuA Urn,

[ ! ln l l t l t " ,11' , l t111t, l t ' t l t t t t t r t ' cui i l tnOrlO pOr

l rn nl ' t t , , , ,11,, ' l 111, ' t t l r ' ut t , ; l r t rq ' t t los t ic ios do cat i -

l t . f l t t t , r t l t l ts 111y111t ' , , l t t t t ' l t t t ' n,a.morado, ter iAtr l t ' t l r l r r t t t t I t t t t t l t i l t t l t r t r t t 1111,111ttu nt tcnl , l t fA iLet t t t t t t t I ' 1, ,1, , , t t 1, t t l t t t t l t ' ( ' t , r t t t t t l r :s Al tOUe|-I t l t t t r t r t ' , t t t t t l r t l ,ur l o t t ' l . t ' l t r i : : t t t ' , l runslortnAn-, l t t u, tr l i t r t l t t t t t l t t-o. l l , lorrrr t lo antor, sô urn

I ' t t r l t t l : ' t t r ts. . .

.4 l,risîrt, dc Manuel de Sousa loi breue, -

Page 4: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

o suliciente pa,ra conhecer os ril,ouros e o seLt,e ntr anh a d, o ô di o r eli gi o s o . P er mitir am-lh e que

fôsse a Valencia negociar o seu resga'te, dei,-xando como f>cnhor o seu irmdo André d'eSowsa Cou\inho, quc fôra capturado a.on1,(snl.o I,otn'lto. Conscguido o resgate, Manueldr Sou,sa loi uiuor />ara Valenc'ia, emquamtoo st:t,t, (ontltan,hciro Ceruantes, tnenos afazen-dado, con,linuaua na f>risdo de Argel, de quesô sairia dois anos mais tarde.

Dera-sc cm, agosto de 1578 a tremendaderrota de Alcdc'er-Quibir; por ld tinham

ficado presos seus 'i,rmdos Rwi, Lopes e Lopode Sousa. Manuel de Sousa dei,xou-se ficarn& ci,dade de deli,cias que era Valencia,procurando es(luecer, no cerrado conuf'uio das

lclras, os i,nforltinios do seu pais. Viuia entâoeslrdlam,t:rt,l,c Ligado ao con'hecido h,u,manistaa cionlisla .faintc l;alcào, quc lhe Yenouou o

con,hr:cirncnlo dos aukrcs a'ntigos c lhe expli-

cou tlcl,itlanrcnLe a l)oética rLe Hordcio. Aquela

uida de ôci.o literdri'o nd'o podia porém con-

tinuar: reclarnauam-no ct' pd'tri'a, cheia de

confusdo, e a fami'Iia embaraçada. Parte em

t57q de Valenci'a Para Portugal'Ndo se sabe bem qual a sua atitude na

importante qwestdo da sucessdo que diuidi'a

entdo o pai,s. Temos contudo elementos para

X

at' irmar qu,e essa al.i lu,de ndo leria sido<'patriôtica't, conlo tl i t ' ianns hoje, sem grand.e

/'tr o/'tri ctl a t I r t I t' r x I tr t s sfu t " Il e c en tes d o cu,rnen-Ios, /ttr,ltli.rurl os ltt'lrt I'adre Franc'isco ManuelAlut's, t ' l irtrrlrts do arquiuo de Simancas, rnos-lrrttt ttrts o ltrvLt.t.gwês seruind,o ern r58o, noIt 'ttt l trt das alk:raçôr,.s, o.s interesses do preten-

tlt 'rt l t t 'sltatrhrtl, crtm,o alcaide de Marialua et trlr i1,i,, ttt ir r la g'nl,c da sr4a. cornarca. Mai,st t , , t ( t l . 'nt l ( r t l t r t ' . \ t ' t l ts l t r . : . : : XIanuel de Sousa,t t,ntu tt l:, tuttlt ' ttrtt i ttr itr rltt gt'rt. l ,rt f idalga, uns

l t t t t I t t t t l t t t l t ' t . " , t ) l t l r t , ' ; l t r t r : ; t i ' r t l i t l t t in lerê.sse,r . t t t r l r ' l ' , t t l t , l r t r l r t t ( ' t . ' , .1t ' (u l l : ( ' i r t t , t l t t t ' r l l , i r isl ) , t1,çt l , " i t . t l t t r ' t l t " , t t t t l t t , t l t ) r l r ' l ' t t r l t t1,11l . l ' t l t ts

I t1r1g,, ' , , : l r t t \ t t , t lnt . l , t t t r . i l l r i r t f ' t1, , , l r t l l t t t , fc i

t " f t3111is1' !

t i ' r r ' l t t t , r ' t , t ' , t ' l 'u t t l t t , t t t . \ dt Junho

, l r . | . i , t r . . . t t l , r t r t n l t ' t t r ) 111 .y14t$1x10 l , t l , is d,e

I t ' l l q t t

I r t t t . , , \ ' ; r r t t t l t t t i t t r r tst t tutu. lo cotn urna

"t .n l t t , t l t I t t t t , l t l l l t r t l t t l t ' t t t r ,1, ' y i l lut ta, u iuua

, lc. l l 1, , ,1, , , l t ' I ' r , t l t t l . t t l , t t t t t r lo t t ,a l la la lha de

. l l t r i , t ' t I ' t t t t u l r l r t , , t r 'u luut t ( t r l t i .u ida, rcslaua

r l l t t ' t t t l l te ' l t l t , l t t ly , , l , r , t l t t l : t t t :s / i t r r 'ssr s l t ,Culn-

l t t t l t t , t t t , , t i t , ' t , t " ,1, ' , l l t t , t t : tuui l ( , '0r1.0 t ' t ' ,g ia

r l t ' I t r l r l t t t t . ' t t ' ( ) ,1, ' 1 ' , , \ t s, ' r l t i tot t t .o ;Xt fd idOt r , r l r , r l , r l l r t (u lu ' r l i l t t " s i l i r t i l i t uua , , lq1s. ;dor) it ' t r t t t t t l r t t , l , t ts l t rùtr , dc z8 de Abr i l de t589,r ' ruro rnorto. Logo, o c&satnento fez-se sem

XI

Page 5: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

difi.culdades, apesar d.e existirem filhos cres-ci,dos d.o primeiro matrimônio. Nada nos d.i,zque êste casamento tiuesse sido por a.rnor;antes tudo indica que foi, um daqueles enlacesà antiga porluguesa, errN çlue um honesto cdl-culo se combinaua a. uttna discreta estima. Oamor uinha coln o casar... Manuel de Sousando era ri,co: o casarnento conl, d uiuua afa-zendada era um1& boa perspectiua e estauadentro dos costumes do tempo.

Viueùam entdo eyr, Lisboa nutnas casa.s aS. Roque. No uerào iriam passar a urna casade recrei,o que possuiqrn ern Almad,a. Ndo seconhece a. sua. uida até ao fim do século.Manuel de Sousa,ailministrau& a.s proprieda-des da mulher e, nurna exi,stência que lhe dei-xaua largos uagûfes, dedicaua-se certamentea tv ab alhos liter drios.

Por r5qq ou, t6oo cncontramo-lo instalad.oern Alnoada, corno ca,l>i,tào-môr da uila, à testad,c 7oo pe?ies e roo ca,ualeiros. Ateaila a pesteem Li,sboa, tôda a gente e a pr6fria Côrteacud,ia a Almada, em busca de melhores a,res.Dd-se entd,o urn graue conflito entre o capitd.o--môr e os Gouernad,ores do Rei,no. Êle prô-prio, em latim aqui, trad,wzi,do, nos conta od.ramdtico incidente:

oA minha uida decorria li,ure de cuidados

XII

e qudsi ttisti,ca, embora o rei me tiuesse dadoo comando de 7oo lrt'ôcs e de wns roo cau&-Iei,ros, prontos a u,m, sinal rneu, qunndo fôssenecessdr'io. Ittvtirn os ()ouernadores do Reinotr ans I rrir a tn a. c ôr le par a Almada. Distribuemctt.l.rt si us cas&s da uila; e co?zl,o restauam asttinltas, mais numerosas e com rnai,s cômo-d,os, l,a,rtt,lnç.m as reqwisi,taram. Esta exigênci,a,t't 'ttt ' l(rlrtru rlu,tu,a iniqna au\oridad,e, contra orlirrilt, l,,l lri,,, (,s ?r,so.\ insl,iluïclos e as leis cle-ttttttl ltstttttt\ r/rrs lossos zr,rls, in.dicaua perfei-ldt t l t , t t l t t luf t t . l , l t ' l t ' . \ , ( : ( ) tn a rocord,açâo

, l l t l t t i l t l f i t ln t , r lht u l r , t \ t t , l t t t t l ' r t t t t tnt t t : l tor l t t -

nf l )nf i l l l t ââl t1 s, ) t l l r , t t 1tç '11, '1, , , t lu r i r l , io

ht l tHât l le l t le nt t t t l t i l l r r r l r t ; t ' ; t l t t t ' t i t t , t t st ' fort ' t t l l l l i l t l t t q l , . ' t ' t t t tnr l ty. t t t t t l . ' l ! )1,1 ' ' , ' , t .an, les,alA r l r \ r l l t . t , r l t te i l r l , , t r ' t t t , u\u/ t t l t t t t l t ' r da m.agis-

helntn l , i l l , l t n l , , t t ' , , t , t '1t i l r I tDt( t t t ingança pes-

unl l ) r t tst t i t l r t t l r t ' t l rur tn l . in,dr ia a.xal taçdo,

l i lrlr' l ,,\ ttttttltrrt I 'trrdts // ('.s.s/l injùria comniltt,/, t lnmttli ltt tnt'ltttt.rtrl\srt: foram-sedlnl \ t t , ' t t t f t t , r t t t t ' t t t t ' t . ( tsn.

, ' f t l , l l t t t i l l i l [ l l i l ,nt t l t l t , \ . , r rsa o cslranhoI t r \ t t t l r l iu l t r l t t11t t I l , t ' i , l ' t ' i t r ut , t ryat la, nol ' r t l i l t i r t ùs Olryus t l r . lu i , t t t , t ' I , ' t t l .c î i , . Cotno settl , uùtt tt ,nor,(u a ,sso () tri l .nl,ol da pdtriat,tt rltlitt tttt u.surf>ador, cotno por muito temposr ltrrtsou, ,nas urno, uelha quesï,lia com os

XIII

Page 6: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

()oucrnarlores, rJe carticter pessoal. Estd ai'nda

Irv inuesliger o nt'otiuo dessa zange, que o

It:z tlcslrrûr nrr11x vt'l>ente de ira a sua proprie-

tlarlc. E'vn ktdo rt caso, temendo interpreta-

1:îios rn,a,l(ttola.s da. rsl.ranha ati'tud,e, loi l'ogo

,lqv 1:tnt,l.t.t, dda ti t:ôrlt: tlt: Madrid, ond'e teria

tt, tt ti 1ir t s lto d,rr tt st t s.Iiri luutvàttelm,t'n'l,r: al,entlido, pois o

't)(ttt,os, !L('ss( r'n,(tstno u,no de t6oo, dirigir em

Iisltatt lta l>aci,ficancanlt: a publicaçd,o das

obras rlo seu grand,e amigo e mestre JairneFalcito. Atias os seushons seruiços por ocasi'do

d,a peste beno o mereciam: Manwel de Sowsa

nd.o se limi,tou a tratar de Almada durante a

epi,d,emia; seruiu de guarda-môr da satit'de ile

Lisboa nessa ocasido e teue o desgôsto de uer

que o mal se pegou à sua prôf>ri'a filha- Os

tl o c u m c n I o s r e u el a d o s ùltim arn e nt e p eI o P ad'r e

I;rancisco trIanuel Alues di'zem textualmente :

uscruiu no mais a/>crlaclo do mal' acudindo

ftt:sxtaln+ente a tôdas as cûsas atacadasn.A sua uida, desde entd.o até que plofessou'

em fit4, anda enuolta ern mi,stério. Sabe-secontudo qwe foi à Arnérica, a rôgo, a,o queparece, de seu irrndo tod'o Rodrigues Couti-nho, que uiuia no Panan'td, e lh,e acenaua, corn

esperanças de grand,e lortuna no comércio.Ndo sabernos para onde -foi entdo; sabemos

xIv

porém que andou no Ri,o da Prata e no Peru,

e ai, se dedi'catta art comércio de gado' que

mandaua 'ltara AnS4ola. Escreueu entdo uno

foorna lal.in'o, Navcgaçâo Antârtica, de que

iu,ltliznt,trt l,t' rcsLam pouquissimos uersos ; por

êltts sa.lttrtrt,os que o pobre Manuel de Sousa'

alligido nuno rwtr de cuidad,os, longe da

frttria, susl>iraua de saiidades pela espôsa e

fn'l,n lillt,a qucrida.()s tt,t 'gtit:i,os n,âo lhe teriam corrido tdo bern

(ottt() x('u irtttîio l,ht' 'frofclizara. Pelo seu tes-

Ir t t t t r i l l t t , l t ' i lu r ' t t t t ,y 's l , r ' ras t l 'o f>rr t lessar, ern 5cle 5e' letul t r r t t l t ' t ( t t ,1 , ronl tssn-sr i lute d 'or a

l , l r l t ' t , t t l . ' , t t . t , t l , ' t l r t l l t r t ,1, ' l t t t t t ' i t ' t t ' I lu l l ,asar

3lg I t t+ ld, . i .a t t l l l t r t t l t ' I i , , t t t , l l ( , l ' t ' r t t , cha-

l l lo i r t I 'e ' l t t t t i l , l , , , \ tut l r t ( ' r t t : t l t ' l 'u i l i lha ' d,e

dtt t t l ln l t t t t t l , r t r l t l t t t i t t . I ' t l t t twstr to i ,nstru-

i l t r - i l l r t r l t ' t l r t r tu l i l t t , . ' , t l ( 1t( t t Ios qu,e urn impor-

t t t l l lc : t t t l , t ' l : .1, , t ( t t l l t t l t rmtulos ( lue mandara

t,nt'n . ' lnsyilt l i)rr ulvct'ndirb ' l>elo Gouernador

e: l l ,c, ndtt l inhu silo ltayt alt i àquela data.

ltrtT tlttt ' lrnlxt, utorvc-lhc a sua. ûnica

f t lhn, ,4t t t ,1, ' Ntvonht. Nî i t t sc sabe se a

luu.rslt tutl lr it tt sltrltrrtnrltu' lttn,ga dos seus,

rf,, .s. ', j l t l t ' utt lt,u, ussis!.irt t 'rtt, l tcsna à horri-

ttr l, rt ' ttu. A ltartir d[.sst; mornenl'o, desfeita a

ûuirt ru.zâo que os al>cgaua a êste lnundo, os

rlrris r'sy'rt.l,^o s considerar-se-iarn perdidos para

XV

Page 7: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

t:lt:. fi êsse profundo desâ.nimo, êsse lremendo

senlimento d'e abandono, taluez mais acen-

tuado ern Madalcna de Vilhena, cria'da nutnd.

atmoslera dc ntisLici'smo, que explicam o

ditstirr:io dos dois cônjuges, feito por mùtuo

t:rrttst tt,l,i,ttttn,kt cm t6t.1 : Manuel de Sousa

t:il,lrrnr, rt(ss(' (t'to ltara tt tttoslt' irtt de S. Domi'n-

grts tlt l lrn,ficu, a csf>ôsa l>ara o conuento do

Sal:ru,rttt 'ttlo, ltou'co anLcs fttn,dado pelos con-

d,cs tlt: Vintioso.O caso nâo cra nol)o e naquele tem,po d'e

crisc />odia dizer-se alé lreqùente; pouco

hauia que D. Luis de Portugal e sua mwlher

D. Joana de Mendonça, condes de Vi,mioso,amigos de Manctel de Sowsa, tinham feito o

rnestno. A uida parecia ndo oferecer chd'o

segulo fara cerlas almas desiludidas. Incapa-

zcs dc rcagir contra a cslranha fatalid'ade que

ùrtfrn,diu sôltrc as consciôn'cias, buscauam a

tia mais lricit t, n'tais 'purificadora: refugi'am

do mundo, corrcndo a an'i 'quilar-se na dus-

lcra sanlidadc tla uida monâstica. Assi'm suce-

deu com Manuel de Sousa, assim sucedera

com muitos outros. lComo se ter'i,a pois gerado

essa lenda românti,ca, ern que Garrett fareiou<tôd.a a simplici'dade d,uma fdbula ttdgica

anLigau, e urdiu à sua roda a obra-prima do

teatro />ortuguês, o drama Frei Luis de Sousa?

xvI

Iî l ir. An,lritt ' i , t, dtr l incarn,açào, quem, no

l,yt,l icirt t l ttt ' tr lt i ts t ' tn r66z à 2." Parte da

l f is l r i r i r r rkr S. l )ot t t i r tgos, t tos conta pela pr i , -

t , t t ' t t ' t t ' t t t ' : " t t " t t

t : , 's l i t t t t e rnister iosa histôr i 'a,

l l t ' , ,unt t ' ' , t ' nt ' , lo ' I lnt , d ia wrn romeiro uindo

t l r t l t ur t , r t tnt l t t f r r r tcurot t D. Madalena de

I ' t l l t , r r , t , ' , / isr , l l tc que en,cott t rara na Pales-

l t , t t t i l i l t l ,or l t r l t t t ls r lue lhc man.daua fecor-

, l t t7, ' , , " , , I ) . l l ut lu l t ' t r r t l t " i t t : t t tn sobressal to e,

1,1 '1111111rt i t t l r t r t t t t r f i i t 's r lo l tonoem', uer i f icot t

t tn l 'u ' ,1t I t " t t t t t ( ' t l I t ' . l l ( ( ' : ; t ' I r t t I t l ' t ta rLc I ) . Jodo de

l ' , t t l t t l " t l , ' , t ' t t l , t t t r t , i r , , t t t t t r i t l t t . l lml i tn, o

l t t t t i t t r l t ' , l l t t , t t t t l ,1, . \ , ,11' ,11 , I ; r t ' i l t t rqc Lrt t t ' -

l lnh, t . l t , t t t t i l t ' 1, , t , l :u i l t ' t t ' , t t l t t r lo ' , f r ' l fu l t ts C

lr l tc, r l I t tn l t t t t t t t l l l r r r l r t l t r r t t I r t t l ut ' , , , ; l ) . . l r t i t t t

, l r l t , t t l t t l ' r l l , lc l r t l l l r l r t , ' l t t r t l

I t t t t , t r t t t t t , , r t t t l r t t t t ' , l r : i l t i i t , l t ' l l l l t t , t l ,c l t lerrrr11:, , ;

l l t t l t r . 1,1 ' , l r l r t t t " ' , t l l r t l r t r l r t l r l tv I r is lacLos,

lûnl l , ' l t r t t ' , t t l t r , t ' t l r l l r t ,x, l , r t l l t ( t i t t t for la: os

r. , , t i . l r t l 1,11 1r ' , t l t t l t t t t " , t l t ' t l t . t ( i ludt ' , r 'onl ,an)eî-

I t tz l t1t l | ç t t t r t t t l t ' , t ' t t " t t ( ' l ( t ( l t tS t : tn t (n7 nA

t f l i , r ' / r t , / , ' I t , , ' l1.1lr , r1o' . r l l l ' r ' t 's i l t 's y Sigis-

l f l t i l l r ! ! f t t t t t t l t t t t t t t t t ' i l t . ' l r i ' t '1 , t '0 eslranho

tt t \ l t t t , | i l t I ' t r t t t , t l , ' . t t , , i t t t ' t ' t t r l idr i t t , f>Ofulr t l t r t r t ' , t l i ' l t t t r t t t , , t l t t ' ,ut t l , r i t l , r iu l ru l iLaçdo.

| , . t r t t t , r r l t t t ' , , l t t t , t t l r i t t t t t ' t ' t t l t r r lu t lc lantasia., \ ' t t t l t t , t t r t l ' , t t t l l l t r t l l t l t t t ' t t l ) ( )1to t t isse no diUôr-

r t r , t l r ' t ( t t I , , , , , , ( ( l t l t t t ' l ( t u. l . t l rabada de Deus

XVII

Page 8: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

utt', f 'or|us tla aLmar, coril 'o o escrilor definetr.tntt crisr: scmclhante à sua, vn&s urn mistériortrrrt'Kud.o dc l,ra.gridia, conl' lortes laiuos d'etr t . t 'ssiat t istr to i l t loci tça moral do tempo.Assi. t t t : ; r ' l t ' r i t t Iorutar lo, t lnanto a nôs, a lendat l r ' l ' ' t ' . l n is t l t ' Sottsu.

l l l r t t l t t l , t t t ' t r r t t t t t t t t t l t t , l l fanucl de Sousa

l,tts.stttr t 'nlîi() a uiurr l>a.ra ])cus, ne sua celat l r ' ,S. l ) r t t t t . i t tgos. I incontendaran.t- lhe ost',tl('rtuos, (urgo lrara que o antigo guarda--rttrir tlu srnldt: oslau& beno qualificado. Entre-I,an,lo, t:tn t(tt6 lalecia o cronista da Ordem,I;r. Lu,i,s de Cacegas, que deixaua un1,a grande .soma de materi,ai,s sôbre a hi,stôria dos domi-n,icatr,os cru Poù,ugal e sôbre a uida do arce-lislto tlc Ilruga. Iir. Bartolonxeu d,os Mdrtires.I;ti, i,rtctrnr,litlo fdos scu,s suf>eriores de pôr emortltttt, t: osl.ikt arlut:lt: monlà,o inlorme de pape-

l,atls. Aos (xt rntros nào t'ra l,arafa grata, e rnuito,r't(n,os ltaru qu.cur, dccidira septtltar na cel&d.r tn,rtrt,Kr: Lôdas as gloriolas mundanas. Con-

formou-se, e ndo teue mais qwe obedecer. Oantigo humanista ia reuelar-se por sob o glos-

seiro burel do frade. A histôri'a do arcebispoocabou por apai'xond-lo; e em Maio de r6t9,

dcl>ois taluez de ter uisi,tado alguns lugares,para melhrv infor'ncaçdo, assistia à impres-

XVII I

sdo do lùtrrt (t)t, Viana do Castelo, cuja(,âr,n,arn sr li,tr lt.u iu,teressado uiuancente felattlvru.

.4 Vir l , r ,1, At ' . "5 i rpo de Braga ca,usouIt tut l t r i r r r f 'v , ' r r i i , , . O uul to histôr ico, que tantol , t t l l r r t t . t uo ( ,on,c i l io c le Trento, achaua-se aîrl,, i rr ' :r ' \ rt ' t l tt: ir lo a ,proporçdes loumildementeIt tr ttttrtttrs, in.l lrtttt,udo rle amor cristdo, uisita-tlrtr ' .11'111r,, rltr.s lxtlvcs c al/>estres aldei,as d,a' ' t t t t t l t t t t , " ; r ' . , l l t r i .s l t t r t l t , , r , t j1, t , eclesidst i ,co,l ' r l , r , t t t t i , , t , , , ' l l , ' t t t t t t l r r ' I t t l to, b ispo del ' t ' , r ' t t , t t t t l r t t ' t l t t t t t r t ( ' \ ( ' ( ' l ( ,n l . t , l iograf ia dot " . t t l l t t t , l t t t t " t t t l t ' t t ' , , , t t t ( t , ' . l l ' ' , , . Lt t is t lc Stn, lsa

; '+ l t l t , t t l t 'ut l t r . l , , t t , t , ' l t t t t t t t l t l t . , t l l t , t : ( )s l ,gsa,-l l l t ' l l l : ' l r '1,5," , t l l t t t t t t t t I ' t , ' l t t t l , , at t )11(,y( lO &S? i l l t t t t ' , ! ' l r t " ,1 11,1 ' , . tn l t , , t t t t t l t t t ,St : t . td.CLA l l ,ASt l t r tn l r l l 11'1, . ,1, ' l l t t t t r t , , t t , . . \ r io t lcc lùtancente

c", ! i ' . ' , r r l l i t l t t ' , n l i l t r l t ' t t , ; ( l l t t ' t t tu is lAZem AUUI-I t l , r t t ' i l t r t t t l r t t ' t t t t t .s l t t l tvntosura do seUt, , l t l r t , ' l l ' , , ' t t ' t t t ' l t t , t t t t l r i l l . t t t t t t ' t t ,k t afect iuO d,O

lt t t t nt t .nt , t l t rnt t t l t l , ' , t t r r i t rc l i .naçào f ;ara o d,emi-

t tu l l t t r t , t t t , , t t , t t l t ' r r t l r , , l t t 11tu, l r i l i r . Luis d,e. t i r t11111 , l t l t ' , l r t ' , t ' r i l t t t l l l t ' t , ( ,1, s( ,1, . . . so ac&sol \ ' , t , r f f t t t ' , , , . i1tr '1.

I ' t unl t t , r \ / i r l , r r lo r \ r . r . r , l r is1xt , oq:14pt16_se d,e11r, i r r t 1 l1t l l r . , l , l r i t r r l r ' S. l )orrr i r rgos, que dei_\ t t t t t t t t l t t t r t t r t l t i t l t t . A f>r im,c|ra parte saï ,U emr(t , i , l i , , , ' u l i r t t tot t r int lo, o ncesnl ,o est i l is ta

Page 9: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

u,tlnr,irduel, quc faz soltar 610 sew birSgrafo' o

lisf>o tl,e Viseu, o seguinte jwsto elogio: rNd'o

rno rcc,n rL,t dt: acltar wm'a sô passagem de

intcligtrt,t;ia t:utsl'rtsa; e em tôd'a a parte pro'

r:etJo t:otttrt tt crtrrrntk: seren6L' que cami'nha

st'trtfvl: igu,al, st.nt lof>ar cttr, ltenedos e se des-

lttttltu.r tlt cnl.r,ttlttf>ûs,,- L Ltnxa exa'cta defini'

(' i io tltt rk.rssit:isrtttt dr l;t '. [-tr' is de Sousa, no

tluul st: rr,ttl'a rutl, cst'în'çtt f>ara o e,nortecimento

i/a t:xln't,ssio, c11't, ludrt concorde aos preceitos

cldssicos e ù ausleri,dade do seu apagarnento

t;risldo. lSeleza iguàt e dtscreta' e wtn ndo sei'

qwê de swauidade melancôlica, que perpassa

atraués dessa disciplina uoluntdria da forma:corno se sentem os getni'dos da carne apertada

entrc cilicios.

.[d '1>rit1>riarnert,le crttno hi'storiador' o frad'etltt S. l)ontitr'gos rr"ttclaua certa esl'reiteza d'e

tisl.a.s. t:n,aLLccr;n'drt dcsntcdidamente os seus

ht:rriis, de modrt (11,{,c <<os sews liuros ndo pi'n'

lan't, ltont.r:tls, ref>resenLam aniosn. Tatnbém é

tle nolar o uso e abuso do mi'lagre- O foragid'od,a uiria, ressentido ainda dos seus espinhos,

embebia-se de gôsto no transcendente' Mas,

coi.sa cur'i'osa: sdo essas hi,storietas mi'lagrentas

qwe d,do uil,teza e colorido ao seu esti,Io.

Em rt de Maio de fi27 uatnos encontrar

Fr. Luis d'e Sousa no colégio de S' Tomds

XX

de Madrid. Aï foi uisitad,o pelo marquês deCastelo Rodrigo, nesse dia, coln a, incwmbên-cia, da /tarlc do rei,, de escreuer de nouo aVirlir rlc l). .foâo III, <por se terem achado,to'tt(trtt,t 'nl( cousas de que d,antes ndo haui,anttllri.u, ( que era razdo ter êste rei escri,toresdolvud.os, como tinham os rei,s qwe com êlec(,tt,(o/r(/û./tor. A I de NoUembro, aindA emMatlritl, rtcclia uma carta do rei, com datatl( . 'tt tlr'ott,lu,lrytt, confirmand,o a, sud no?neA-

l'ùtt 1lr ltitlttritrtltr rlaqurlc rei,. Ao prouincialdn ( ) t t le ' t t t l t t i r t rr t t t t t 'nt lat l t t que desocupas-sêtt t t t r t t t t t t l ! , . , t lç ' t t t t l , ' t t ' ; o l , r iy , t t f i t t 's r lh,c des-

tet t l ç l t t i t t ' \ \ . i r t t t t t ' , ' ,1 ' , l r i l t t l t t f t11v11 t ls lc l ra-

belh ,l ldt \ u, tr t , 1, t : I , ' t ' . l t t , ls dr Sousa obede-

i .5 'n . ' l t l t t r ' l t ' t , t ' l l t t t t l t '72 anos Corneçou a,t t i l r i ' t t r r l t r t ' t t t t t t ' t t l i l1: i i r t e meteu rndos à obra.Fnt tf,tt ou ,n.('sttt,o t6jo estaua jd pronta at " l tnt l r t l t , .x Anrr is de D. Joâo I I l , que abran-ëtt, tt\ ttttt),i (lLtc decorriam de t5zt a 1539,lt'nlttluttltt. u. csf>aços, ia continuando a sual l l , . l r i r i ; r r l t : S. Domingos. Mas ndo podiatlttrttr ttttti l,o queln estaua (.no inuerno d,aittrlttt r lazia id <ntimero d,e anos sôbre',c'ltttlrtn, corno êle prôprio diz nos Anais( l ' r r t ' l r ' l l , cap. r . ' ) . A morte, culo chama-rttt'rtl.o

-jd lhe soûua nas orelhasr, ueio final-

XXI

Page 10: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

lmclxte em Maio dêsse ano de t6jz, nd'o o

deixando concluir a sua obra.

Ii r.s.sr o[rya hiskirica, os Anais de

D. .foiro III, dc rlue fôra incun't'bid,o no ultimo

tlua,rlr:l tla cxistência, qu,e />ublicamos hoie etn

2." etliç:do. O ncanuscr'ito, que se consideraua

/>erdido, "foi cncontrado por Alexandre Her-

culano na Biblioteca .da Ajwda e dado à

estampa em t844. É uma ediçd'o fiel, como

seri,a de esperar do seu editor. O manuscrito,que ao princî,pi,o é perfeitamente legïuel, na

letra elegantf,ssima do prôprio Sousa, é depois

u,m borrdo i'nforme de letra rniuda e a'cres-

centada, muito dilicil de decifrar. Segundo

nosso cosl,unte, consulldnoos o prôprio autô-

gralo da Ajuda e corrigimos em, utïrios pontos

a ediçdo de Herculano, que alids segwi'tnos na'

integra, incluindo as notas acumuladas no

lim, que possuem euid'ente interêsse hi,stôri'co.

As notas de fim de pdgina, do prôpri,o Fr. Lwî's

de Sousa, e por uezes ainda do editor, ufr'o

metidas entre colchetes.Infelizmente, a obra qu,e, enn segunila edi'-

çào, apresentamos ao pwblico é um ,nonu-

mento mutilado. Da prirneita Parte, que de

XXII

lôrJa a ccrlcza lit'rtu cortcluïda, laltam algunst'u.fri lulo, ,t.tts l i t,rt,s 2." e 5.o e ainda os l iurosI iuuis t r st ' l l t t i r t t r t , i . " , que ser iam preswmàuel-t t t r ' t t l t ' t t t t t i , , t tnt ( ) . I ) iz Herculano, e a nôSlt t t t t l t , ' t t r t t ( t ' , t t ' ,1( t t 'ssa esperançû., q6e é poSSi-t t t ' l r t t t t t / , l t ' l r r t t r t t t t l ia a obra, cOm algUmilr l t r t , l r t r t r t ' , l t i l t l i l l t :cas de PortugAl e Espa-t t l t r t l ' ' , / ' , ' r , ' t t t , , t l , r ry /sst : acaso fel iZ.

fi l tt lr lttt l tt . ' t,t l)()r,û, cssa obrA histôrica, àt l t t t t l \ t ' t t , i t t i t t t l ,ur l u nl t , rna, l ,cr ia l de inuest iga-

l t l r t ,11, r t , , t t t t l i t t t t t r l r ' t t t ' l i ,s la t ' l iss ico, aqwi maisI tut t , t t l t t t r l r t 111y11,1 ( ) t ' t l i lo r t î to | rnr a doçurat l t l lT:r t t t t t t " t l r \ r t l1t l r ' , , t l t t Vir l ; r r lo Al ' r .c l l i5pg gAt l f f

" f r , t l i t r l r , ' , I l , t t t t t l l . r , , , r t . t t t t t r t r1*-sc

I t l r l lz t l t l , l l t . t l f i , t , l t t \ l t t t t t t t , l t , t t t l , t , t ' t t t ' . : t 's utnTIt ler t l r l ; i t l t , i l . ' , t tu ' , t t , \ t t t ut l t t l t t . ' tnus I sempret l t t t t td I t t t t t ' t 1ùr ' t ' t ' l t '1 ' t l r t r ' t t t r ' ï t ' t t t , l t lar iSSi,mA,àrt / r , r r r l i t f . ' : i . , \ , t tnt t l r t f t t fO, Utn,A nOtA d,e

t l t l l t t t t t t , , , t r u, , r t , l r r t t r t f t rofçngào para o jôgot l t , f ,4 l ,11'1, , , , ( ) l rut l r dominicano faz gôstoFilt t le,,,r tt ' ttt ' t ' (ts t ' tn,rcrias afri.canAS, ern que€rr rlr., l ttt l tttr ltt san.!:ue português. O pobreatlttt,tt i l t,,ul)r(tt,-sc-ia às uezes que foi. caua-it ' tr,, t ' I 'rtt ' l t , () o Se'u, esti lo parece Ani,mar-Se.t .",,..t rt 'rttrt laçdo,' Tnas sempre o ?nes?noe", l , l t1r t . . ) ,n(srno cast igo da forma, a ?nestnaztttt 1,111 rrltrrlt ' c fro/>riedade das incagens, otttt",tttu lrtttt l igcirArnente ArCAïzante no d,iZer.

XXIII

Page 11: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

Dizia o Padre Antônio Vieira, outro grandeescvitor, na aprouaçd.o que redi,giu para a 3."Parte da Histôria de S. Domingos, em z8 desetembro de t(t77: uA propriedade com que

lala em tôdas as matérias é como d,e quern aaprentlcu na escola tlos olhos: nas do /na'/ enaucgaçdo lala conto (luem o passou muitasuczts, nas da gucrre coTno queln exercitou asoînros, nas tlas côrlcs c paço como cortesdoe desen,ganatlo; e nas da perfeiçdo e uirtudesreligiosas como religioso perfeito... A arte de

falar com propri,edadq em tudo o que abraçaùa hi,stôria ndo se estuda nas Academias de

Ciências, sendo na [Jniuersi'dade do Mundor.Perfeitarnente acevtado : o/& essa experiênciada uida, êsse conhecimento do mundo, que

cleixort. na alma u'no fuauo de desilusôes, e?nnen.ltttnr,a olva mt:lhor se espelham do que nos

Aniris <le D. .JoZto IIL

R,ODR,IGUES LAPA

xxlv

{ A I ' f ' l ' l t l . o I

l l r t rnr lntonlrr n prrrrrnir , r r r i , rç. io del-rei D. Joâo

f l l r i -= l t r r t t Ih, t t , r , r l 11111111n trr i l r t i tn l i t . r ,s : t t tos t lolp l t tgr l t , r l : ,1 1,1 I | f l r r t11, l , r , r ,1t , r l t i t

l r t , , ; , i r ) i t , (1, . s( ,I t | l l l l tsr 'a a r . | t l l .11rr ! l11 r l l r l t , t r , r rur r l r , l , , r i . l r rg l i lê l t i l t ta l l . t l l i l r l r , f i , l l r t t i l l t r t l I , r r l l r r , 1xrr , r r r r r l l rcr a

I l t l l t t l==4 l l f , ' , r l r r . l , l i l l r , r r r r , r r , , r r lo.r l t t , is C:r tô l i_l l rÊ , l t * . Fh, I t t t r r i l l ln l r , t r r l r r t , . r .otr l r r , r . t , r . : t . l )or se_t l l t t r l . t l , ' t , l r , l , , rs ql1, 1r i l11, ,1 t r , r r , t r l t ; r r l ; [ <; t tc fcz emfi t ' t ' ra. . r luJl l l l \ f r l r t r r t l i ig r . r t1 , , Jrr i r r r : i1rc l ) . Afon-Ett , l i l l l , r l r , l l , l l t f , r l ' r r r , l ; r r r r r lo. l io i conscguinte_

ld i l lFt l l ts l t t lar l ' , I ' r ' r l r l , l l r r , r r l ls r1r ,snt .s rc is emItr ler l r , I l r t l r l t t r , l l r r l \ . , r l l tv t , t : l : r l r . ; r l rsolulo senhorHe-. l r erqt t l t , te r r l ' , r l r , i t r r , r r l r , Ni i l ro l t ,s c Sic i l ia.

f le l l l re, r t1rr iq I l l l r t r l r , r l lu, ; i r i r r rc i ro f i lho, ol r l l l t t l l rF l t l l l tg l r , l , r l t ,1rr , r , l1 , , r l l r l r ; r21, t :m sinal

fg r la t ' l t t r i t ln t ' l l , t t l l r t ; r r : r l r r i l r r l r l r . l ; r l r r l t r , t . r lOS eSteS11, l11rr i r . r l r ' 11111' i l r t t l r r l r r , l r l r , i l ( ) r , : i t t { . t ,ss() f . MaS DaS_

ANAIS DA VIDA, REINADOCOVÊRNO DO PRUDENTISSIMO

l{i l D.

'OAO i l t

I .AI . I IL PRIMEIRA

LIVRO I

' t t i l . t . t t t t i l l t r r r r , / i . . : , t . l i l t i ( l ; r l t t r . t t te.

Page 12: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

cot.ticç/To DE CLASSICOS SÂ DA COSTA

sou tudo como sombra e representaçâo de ùa abre-viada tragédia. Porque estava decretado no tribu-nal divino haverem-se de trocar as mâos no parti-cular da monarquia. Começou a passar no faleci-

5 mento da princesa, que foi no mesmo dia que tinhadado ao mundo o principe D. Miguel. Infelice se-nhora em ambos os casamentos: no primeiro coma morte desastrada do marido; no segundo com aprôpria; nâo menos triste, por ser na flor da idade

ro e quâsi repentina, que a clo marido, polo acidentedo cavalo.

Acabou de passar de todo a representaçâo coma morte do principe D. Miguel, sucedida antes desair das mantilhas e do primeiro leite das amas.

15 Assi se achou el-rei D.'Manuel, dentro de dousanos, sem mulher e sem filho e perdida de todoa esperança da grande monarquia, de que se viraadorado por senhor. Muito de bronze fôra o peito,a quem nâo quebrantara tanto mal junto. Enxer-

zo gou-se o abalo em que, sendo-lhe tratado segundocasamento com a infante D. Maria, irmâ da prin-cesa defunta, deixou de lhe clar orclhas muitos dias,com saber que nâo havia em Espanha outro quetâo bem lhe estivesse, espantado ainda, ao que

z5 se pode crer, e receoso dos sucessos do primeiro;e emfim o vêo a aceitar, obrigado mais de bom con-selho e necessidade que de gôsto. Porém logo lhemostrou o sucesso quâo errados sâo muitas vezesos discursos do juizo humano, e que o fôra o seu,

3o se mais dilatara tais vodas; porque com elas encheusua casa e reino de copiosa e fermosissima geraçâo.

aotn sabey: embora soubesse.d,iscursos: raciocinios,

ANArS D1, r) . JO,4O rI I

l ' l r r t r r r r t i t t i r i t r l t i r l ) . M;rr i r r t , r r r L isbcn por f im doir t r0 r l r , t r r i l r , r l r t r r r l r I t r lo: ; , r . vôo iÙ l t l r r i r sr :u pf imeirol i l l ro rro r l l r 1o, l , l l i r : . r l iurr t la- [ t : i r i r , : r scis dias doIrrÊr i r l l i i l t r l r r , , i1,r , l r r , r r l rot : rs dcspois de mea noi te.Felr ' l l l r l r t l l r r l r l l ) . . f o iur , r1ue, sucedendo a seuir i t i r r , r I l r r , r , lot l l rcr , i r r r dos reis dêste nome et lÊr i t r l r t l l i l l r r r lo. i r l r rc sc <:ontam na suCessâo del-r . l l l r \ l , r r r ' ,n Arrr i r l r rcs, c t :ntre os que louvamos

rlr ' p,1,11,,1, ' , , r . r , r r . r ' l r . l r lcs v i r t r rdcs no mundo, se lheI t : i l r l1,1l t r , i o ; r t i t r r r , i t r l I r rg:rr , fo i , Sem a nenhumlir?r,rnrrH i r l . t r rvo, r r rn r los pr. i r r r t : i r -os: cuja histôr iar I r t i l . i r , r t i l t l r l r r t r , . t t tr . \ ,( '1., t | io lxrr rx: iosa curiosidadei l i t r . , l i l i r l r i r . r l i l r l , l , l r ' r t t , r ( r1rrr , i i ; r r : orr t r . l t cousa fôraI l l l i r l l t r r i r l r r r l r , r ' r , ' r l r r r ln r , l r r lu( . r .s l ; t t r ros) , ln i ts por_r l l iF Hi l l r I rÉ l t t i t i l r l i l r l i l t i , , t t r , , i lx , t l i t , sr .gt t t t r l0 ct , r :o,+le r ; t t t . Èt Êi t r t l r l r -+,1 r , t ' r l i r , r l r r r l r , r l r .

' l t r , t , t . t ; ( ) r i r lc sct t

le l i l l t l r e i*r l r ! t . F Fi l r , i l ! t r , r r l r l r r i l t t , t r . t f . i l ( l t ) l . r , t t , l t t < l i -i i i lgei lA+ l i r t l r t i i i l r t , t l l i r l '11, ' , , r . r r , l r , l r t , r r l , rs Por rrrui-*4= l r ts l iq=

f lc- l t , t t t t i ln r l lpr , t l l , ru I r t r l lu i l ; ; ro r t rorLt ( lue usa-ia l l l l lÊjr t in r t l l l l lnb, r l r r ' lgr p l i r r<: ïp iO dC Se dafi l r1| l t r , r l ] , r r , { 1111 lnrr i t , i r , r r r r ' l l I r r t l r ,s t ,st : r . i tos; mOdo mUitor,rrr f r , r ' r r l r .n l r , ; r r , r , r r l r , l i r rç i lo r las ntatér ias e c larezadF l r l l r r l , I r r r l , r re ' r r ros rro pr imciro ano de seu rei-$âr l i l l r ILr I t l i l ( ' ; t ( . l t iu ' r 'nos digno de memôria do*e:*r1lr r l r ' l l r pr f r r r . i lxr : lempo que, por ser muitoIH;1pt ' r l rr l r tr ,r ir .nl(. , (rnl ( luc nos faltam os velhos que,r l l r , i l r r , , i l , r r r r r . ; r lé i r<puclcs que nos puderam dar no-lL lrr r|r, . ilil\illi n:cr'bidac pOr relaçâO de SeUS paiS,r le fôt1ir rros lr : i <lc fazer f icar mais curtos do querlr:qr ' l r ln{r l i r .r lo <;rrc por ventura se promete de nossa

| 1, tt tt \ lrt l l ,o: l lor mOtiVO, pOf faZâO.,rr . l , i l t l . ' t i l , i l : l rOdef iam.

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23'29,

3

Page 13: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

u)r.Lc(:,r0 DE CLASSICOS SA DA COSTA

rliligência quem nos faz escrever: icomo se contrao que a fôrça dos anos tem jâ nâo s6 esquecido massotèrrado, valera, pera o tirar à luz, cuidado ou es-tudo humano!

5 Soou pola terra, no domingo, cinco dias do mês,lâ sôbre tarde, que cntrava a rainha em dores e sig-nificaçôes de parto. Espcrtou a nova o amor naturalque os portugucscs tcm a scus reis, os clesejos que

tlnham <lc principc, c a clcvaçâo gcral da cidade-ro Juntou-sc tôda com o clcro, religiôes c prelados que

havia, ctn ùa devota c comprida procissâo, acompa-nhacla clc tanta cera c lumes, que tornavam em diaas trcvas da noite. Foi-se com ela ao mosteiro deS. Domingos, a pedir misericôrdia na Capela de

15 Jesus pera o perigo da sua rainha, que todos haviampor prôprio; porque a todos fazia medo e agourotriste a lembrança fresca dos mal logrados principes,D. Isabel e D. Miguel.

Mas o Senhor piadoso foi servido de converter os

zo môdos em ûa nova e nâo cuidada alegria, dando

ao rcino rtm fermoso principe e à rainha fôrças e

saticlc; coln (luc a cidadc c o reino todo trocou a

tristt 'zir t ' ttt alvoroços t ' contcntamcnto, os receios

cm fcstas, quc sc afirrna foram as maiores e mais

z5 custosas que em muitos tempos se nâo tinham visto-

em nacimènto de principe, competindo entre si todos

os estados de gente a çluem daria maiores sinais

do que cada um estimava aquele bem. -

E-passaram tanto adiante' que se pode crer fize-

30 ram ènveja dentro no infemo ao inimigo do género

humano; porque no mesmo dia se armou no ar ùa

tormcnta de âguas, trovôes, raios e coriscos tâo

. ,1 N.4 IS 1)1, D. IO.î .O I I t

l r l t ; rotr l i t t , i t i ; r r r ntr l i t r t t , , , l , r o r l i l r lor lo, com tama-nlr ; r l r i r rn r , l r ' t l r r r , r l r t l t r r r r l , r r r"rrr : r . j t r lgtrv l r l )or menos,1tr , l l r r r r r l r r r l r , ,p11t ln ' . l r l l t r r : r is , r l t tc vclrr lo todaviar l l l r ' l l r l l I ' l , l i , r l t t r t t l t l r t , t t 1 t t r l l tCt l t i t l t tet t tO SantO e

i l t tu l l r l l l r , t , , , l r l t r ' , , lot \ ' :1 ' os efei tos dôlc, guarda-t ' i l i l l r r r , r r r r l r r r , I i l l r , r r r l isrrro outro género de prOdi-t , i , r '1rr l " t l , ' I , , r r : , r . logo nos Paços, sem se saberr , l r r r l ' r t r " r r , , r : , : , i t 'onto passou a tempestade sem,l , r r , r r , l , r , l , , , ro: ; : ; i r . ; r rdcls, que a sabiam refer i r a cau-

, , , i , r r n,r l r r r , r r , , l l r r r r l rém foi apagado o fogo antes del,r i , r r l ,uto r lc 1;1;115ids1oçâo; e julgado, emquanto

' l r r ' , r r . por ' lxrr tc das luminâr ias e festas daqueler l t , r

),J;r( { u () 1>rincipe D. Joâo nos paços do Castelo.r ' , 1,, ,r l rrrrrt izado na capela dêles, que é de invocaçâo

,1, S. l l l iguel, por D. Mart inho da Costa, arcebispo,1, l r ; l roa, e levado a elanosbraçosdoduquedeBra-r,, ,rrr, ,r , D. Gemes, acompanhado, pera madrinhas,, l r r , r i r rha D. Lianor, i rmâ de seu pai e mulher del-

ir ' r , .r l ) . . |oâo segundo, e da infante D. Breit iz, sua,rr,r, rnir i del-rei seu pai. Para padrinho chamour I rr,i o cmbaixador de Veneza Pedro Paschaligio,

' | | rr . r l r côrte se achava, dandolhe aquela honra emn,ur(. (la sua repriblica, que representava. E como

.i5 rr! i l l l lo( '( i muitas vezes, algùas cousas que se fazem,r (;r : ;() ou com leve ocasiâo sairem tâo acertadas,I r,nro qc com madureza e conselho traçadas fôssem,

l, .ur.( ( .u um género de pron6stico da grande prudên-I r,r , ( ln(: clcspois resplandeceu neste principe, dar-se-

t, , l l rr . l ror pai espir i tual o nome e representaçâo derrrrr l , .slrrt lo, que por toclas as idades teve fama e, ' l ' r , r : , r l r ' prudcnt issimo.

t,t, srsrrdos.' homens rle saber e experiência.ro, religiôes: ordens religiosas,

+

Page 14: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

5

corlcç;lo Dri cLasslcos sa DA cosTA

'l'ratando-se de ama de leite, como era jâ muitoirccito a el-rei Alvaro da Costa, que. o servia deguarda-roupa e polo tempo adiante subiu a seu ca-mareiro-môr, lez parecer a afeiçâo que estaria bemao filho o quc agraclava ao pai. DeuJho por amo;c vêo pera o paço pcra o criar Breitiz de Paiva, suamulhcr. Tltnto pock: o gôsto dos reis e o respeito deum valirlo, <1ur:, t:rnto (luc sc tratou de .Alvaro da(lost;r, niro lrouvt: <lrrcrn rluviclassc cla bondade doIr:itc, <lt ' r lrrc prrn<lia a vi<la do principe, nem dêle1rt'rlissc ('xirnlos, conro fôra rlrzâo. Porém Alvaro da(losta unrava lirnto a scu rei c cra juntamente tâosisrrcl<-r, que, sabcndo quc se lhe sccava o leite, fezoTicio de fiscal contra si. E antes que o defeito sesintisse na disposiçâo do briado, pediu a el-rei quepassasse a criaçâo a Felipa d'Abreu, mulher de Ber-tolameu de Paiva, seu cunhado; e assi se fez.

Era Bertolameu de Paiva cidadâo de Lisboa, delimpo e honrado sangue. E Felipa d'Abreu acaboude criar o principe com grande cuidado: em que nâoê razâo ficar-nos em silêncio o têrmo, com que estadona contava despois que dera fim a sua criaçâo.Costumam as amas, quando é tempo de divertiremos meninos daquele pasto, que a continuaçâo e na-tureza f.azem saboroso, pôrem nos peitos cousasamargosas, cujo asco, provadas, lho faça aborrecer.Nâo quis Felipa d'Abreu ofender o principe, apli-cando-se cousa que lhe desse nem um leve desabri-mento; e fiando mais da capacidade, que jâ nêle seconhecia, que dos enganos e artificios ordinârios,

IO

r5

25

3o

z, oceito: est\mado.15, ariad.o: criança amamentada'

z8-z<), tlcsubvimento: incômodo, desprazer'

6

ANA 1S r)L D. JOAO I I I

r l i r . ; r l , l l r l r r t t r r l l r ( l i t r l r , r ln l , io l t t t r rpt i r los t rês anos e

r i l r .o) r l l t r ' l ) r i l r ' t r r r l I r r r l ro r l r . S. A. rkr ixar aquele

l t rut l l l r ' l t l l r l l r t l , r t r r r r r l t , r ' , , r1rrr , r l t 's t l iz i l r j i l c le sua

tr l l r l r . r t r , r i r l r r , r l r r t l , r r r lo l i issc scrvi tk l n i io the

Irrrr l r r r , r l , ' r r 1r l l r r l ' , r l r t rn:r l ' l t r ; t t t : s6 isto bastara

l f i , l { l l r , ' t r , l r r l r r i l t i r r . t lo i l t :U' t r r , tn pccl i r mais. Gran-i l t .

' l r r l r r , r r l , , , l r l r l r r r l r r r r l r r r l t 'c r :onstância pera eml! i i l l ' l l r r . t i t l | | r ' i , r l i l r , , .1: t r . t tc l t t ' r ' t : i l t com certo aviso,

'11 , r l i lnr t \ , t l r ' \ r ' t , r { l l , , r l i t c t i : rç io cm sonhos, que

r l l l I l r i t l t r , r t r r r ' ' , , Inr t ( l l t , por l i l r scr fôrça de imagi-l l , l r : i r r ' r l r l i l , r , r t , t r lo r l t " , r . to r l r . l : t .

t r \ l ' l l l l l , ( ) l l

| +t t t t t t l r r l l r r rÉr l r r r tnr ( r11 lç1. , o;rr l r r r ipc D. loâopet f te i* le l t r r r lêqlct t 11r l11l- i ( - )111' 1111,. ,111'" , tCvef!aE Fl l t t re l raa le l tac r , nrrrr r lF rrrrr l ' . . , r r . . l incia.Fi in ' la H FHnt 'Fl l r " ' '1,1, ï ' ; ; ; , , ""r1r( ' r ' r r l ; r scrra

I ' ,= l i l l | | r r : r t i l l l l , " r l t , , r l r r r r r , r r ro. , , l t i l t t0 r l t t t : DeUS

tl ' i 1,1i l r r l t r r l l l l r r r ,n l , t r ' t . r , l i , l r . r , , r r ; ro t l rn l l r r em lho

fqe*; i t r t r r t l i l r t l t r t r l r ' i lo r , t r , r ' t ' l r r , f l l r l r st tcessor. É

f ! i=fr , l l l r l t l l , ' ,1t , r l r ' ; r1r '1 ' t '11r, ,16 t ' t : i t . t t t t : l l ! COntfa a Va-

l i : * lar l t r l r ' , r l l r r , t t , r r . : i , ( l l t ( ' o l t ' t t tJ lo, pai de mudan-

!4Ë | | t i l l l ' t , r \ r ' l r ' , r i l t \ / r ' i l1;r ( ' lu lz c()r ts ig<1. Pouco pas-cqr q r l r . l l r 'ur ,

, , ; , r f r r r ' ipc, r ; tutrr<lo a el-rei lhe pare-' I f ,n l r . l t lu , l r ' ' , r l t , , l ; rzt , r ' : r ôslr : r 's t i lo. Chamou a côf-

drt l r 'e l , 1rrrr l r , , , r r , i l tôs r .s l l r t los t : r r t L isboa no outonor l i l , r t t i l r l r , t . ,o 1, r r . r ' r ' l r t , r r lx)r s( t i t J)cssoa em nome do

lr t l r r , r l r r ' [ ! r l i l r ,u i l r 'n l ( )s ( : In( ' t ra l { ( }ns ordinâr ias, noslrrr . r r . r l l ( . r ' , l r . lo, t r : r S;r l i t <krs Lcôes.

l \1,r , r r , i , , lor r . l lc i n l ( . l t ( )s cuic ladoso na guarda ei1 l l r r r r I n ' , l ro, lo pr ' l r r t : ipc que em lhe segurar a suce]

Page 15: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

IO

LO|.L.CÇIO Dri CLA,SSrcOS SA DA COSTA

sâo. Para guarda, tanto que começou de andar,lhc deu Gonçalo Figueira, fidalgo honrado, que oacompanhava de dia sem nunca o pérder de vista,respeito dos desastres e perigos daquela idade. Paracomeçar a ler, nâo csperando que comprisse quatroanos,encomendou o cuidado a um sacerdote velhoe sisudo, seu capelâo, que juntamente com a liçâodo alfabeto lhe ia dando outra do leite, que naquelaidadc sc pocle dar c reccber das cousas da fé e cris-tanclade. O que cumpriu tâo bem Alvaro Rodrigues,quc assi sc chamava o sacerdote, que mereceu des*pois por ôste serviço dâlo el-rei à emperatriz, suairmâ, quando foi a casar, pera deâo da sua capela.

Mas é ponto de considerar e que deu muito quefalar na côrte, que razâo teria el-rei pera se desviardo estilo de seus passados, trocando o cargo de aio,que usavam dar aos principes logo na primeira ida-de, em cargo de guarda ou olheiro s6mente. De queteve pera isso motivos dignos de seu grande jufzo,a ninguém deve fazer drivida. Porém saber quaisforam, se n6s o pudessemos descobrir, preço acre-centariam a esta hist6ria: visto como o fim de tôdasas qllc so cscrevcm é avisar a todos os estados e acada unr no quc lhc podc tocar.

1l fazcndo na matéria um breve discurso, bem sedeixa ver que dar aio a ta idade de três anos, quehavia de ser pessoa de autoridade e grandeza, comose esperava e usava, era mais honrar a pessoa doaio que acudir à necessidade do principe minino:era oficio de nome, mais que de sustância; maisocioso que importante, e ûa despesa muito crecida,

r5

25

3o

4, resfei.to dos.' por causa dos.

lNAIS ]) I i I ) . TO,qO I I I

, , r . t r r t r t ' t r l r t t t r r i l r l l t , " , ' , r ' t r , ' t t t I r t , l t l i r r r yr t t 'scnte: em,; t t r ' : , i i l r t r ' l t t r l r r r l r ' t ' t , t r ' l t l t r otrr . i t l { ' r : r t <; t tc os ta is, i l0,1, r i l t ' l t l r ' r I i l i l i l1,r ' r \ | , ' r ' , , l0 l l i l l l ( ' i l t s i l l l t ' t l l t . t l t tc les

, t t t r r ! r l t , t t t11,1 l11l l , r , , , r t t r r l , r r l I j t t izrr r , r l is t : t t t 'so, t t t l f is

1t t t r l l r , , l , , r l , l t t ' t | : , l t l r ' , r ; t t l l l t t : V( l l l l : t iml l f inf i f ,

l r i l i r t l r r r l i r l t , r r . , r l r lo rr ' : ; lx ' i lo t : ObediênCia, tar r . t l ' r , i t i ' i , . i " , I t r ' , l l11i l t r .11l() <l t : 1Spfr i tOS, qUe mUitO

, l r =,1t . r l , r r r r r , i r r l r r r r r r ' : i l , r r i r r ; ic lo pera nandar e go-! r i l r , i l , ' , r t r l r l ' , r r l , r r l r ' . I )0rr1rro o cargo de aio de um

l ' | r i l r t l ' , r ' . , , r ' t i l r r , r , l l { , t l t : tôclas aS acçôes pol i t icas,

' l i l r , r , ,1 l r , r ' r r i l i , l t ' t ; r l r | t : t rd idas, ComO se bUSCa mes-Ir , l r r r , r , r l t r r l l r r ; r l ; r l i ru l c outras al tes; e por issoi l r r r \ r i l r r l i l r l , r l t r r r ' : ; t t r : jhe nâO fal te, pOrém COm

r l r t r , , l r r , l r l r r r r ; , , , r . .ur()s: r luero dizer que o pr incipe

l ' , i l1r ' r l , r r l r ! : r i l r ! .o l r r ' r ; r : rs t 'ntender, CapaCidade pera

â= : r ! r l l l , r r r r . , l r l r lo l ) ( , t i [ se nâo deixar cat ivar doâir , +t , l r t t , l : r r , r I l t , t r . i i rnpel ioSO ou menos pru-, l : l i l r

l l , r . , l r r r n,r t r '1, , , r l r r r , l r i r i i r ; também pareCeu novi-

' l< ' l ' l r ' r l , l , r t r I r r , r vrr ' ;Lo Paço, pera dar ' l içâo de

e-:r l r r | , r " l ' t l l r l l l r . , t t r t t pObfe hOmem, qge, pOI

l* , l t ' . , , r r r , r , ' , l r r r l r ; r r .st :o la aberta na Cidade. Cha-

l r : r i , r i i r l \ l , r r l i r r r Alorrso. I )o que col ig imosduascou-

=4i l r r r r r r , r , , l r r r . r l r ,v i l r . scl insigne na arte; segun-r l , r

' i l r , r r , r r ' l r . rv l t i ; r l r r l l lo l rotncm nobre, que o fôs-

=, i t i l , r | ) , r r ' , r r r r , . r . r . i l t ; t ( l l l ( ,1( ' tcnt l to toclos os nobresl+fr l , r , r , ,ut t t , t ' , { . l , to l ) l }u{{} : ' rs l t ' t t ' l ts , r . :< lm<l sc fôra

i i r , l , r , l r r l t | ' , , t l r ' i l , r | i l r l to l ; r , ; : ; r ' ; r l r t t t r ; i | " . Vir : i ( ) c t : t l l l la

r l r r nr ' . l r ' r l i l ln , l t l t , , t t t r t t t i l , , ' : : rnr)s c t t t . jo r t ' t l t ( : t l i r t

' i r 1| ru, r ' , r i , r i ' : ; l r l ) r lnr r | ( ' , ; ro l ; t l rot t l t r ; t tc, 11119.111;15

' l r t , t i i l i l , i l , ,u ' i l l r r ' l , rz | t i : , l r ' l t l r l ; r ' r r l iu l l ls : rs boas

, t t l r ,

\ ' , rn l ' . , l r ) . : : ( t { , ( i ; t o l ) r i r tc ipt ' t ' t l t 'scclbr ia muito, r l . r , l r r r n lo t . 1r t ' r : r l r r r lo l r ; r l r i l i r l lLt lc c engenho.

é,

Page 16: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

I

I

Col.ttC(:ÂO DE CLÂSilCOS SA DA COSTA

'[ ratou el-rei de o aplicar aos estudos de gramâticac latinidade e darlhe nêles pessoas autorizadas peramestres. Foram, na gramâtica, Diogo Ortiz de Vi-lhegas, famoso letrado e prègador, castelhano de na-

5 çâo e muito nobre, que com outro irmâo viera a êstereino acompanhanclo a princesa D. Isabel e ficaramambos nêle; o Diogo Ortiz foi despois bispo de Tân-gcrc e, andando o tcmpo, de Viseu; e o irmâo, quese chanrava Iîernâo Ortiz dc Vilhegas, fez casa e

lo rnorgatlo c casou com D. Maria de Tâvora, filha de.f oâ.o 'lclcs dt: 'fâvora; c dêle decendem os TâvorasOrtizes de Portugal.

O outro mestre foi o doutor Luis Teixeira, filhodo doutor Joâo Teixeird, chançarel-môr que fôra

15 del-rei D. Joâo segundo. Era Luis Teixeira vindode fresco de Itâlia com fama de homem eminente,tanto nas letras humanas, em que fôra ouvinte deÂngelo Policiano, como no direito civil, sôbre queescrevera doutamente. Dêstes dous mestres ouviu

zo o principe vârios livros de latinidade. Do segundochcgou a tomar principios da lfngua grega e ouvirlrarte da Instituta, que é porta e entrada pera o es-tu<lo do clireito civil; e era justo conhecer tal portarlucm havia de julgar err.n trono supremo vidas e fa-

z5 zcndas de muitos.Para tudo teve o principe bom natural, acompa-

nhado de grande memôria, que é ùa das partes quemais se requerem nos que estudam qualquer ciência,

r.5-r8. Os filhos do Dr. Joâo Teixeira foram efectiva-nrt:rrte discipulos do grande humanista italiano, que emr7 rlo Agosto cle 1489 escrevia de Florença uma carta ao(lhanct:lt'r, tcstcmunhando a sua aplicaçâo nas letras.Clf. 'I 'c6filo l)raga, Poetas palacianos, 3o4-3o6.

IO

. tNA r5 I )1, : I ) . IO.rO I I I

r l i l r ' , ' , r ' ; l ' i ' r l l r ' \ ' l ' t . l i l l l l r l l r , l r , , lo, t l l l ( ' l l r ( . l r l lh iam OS

lr i t , , , , r l r ' i l r l t i l l t ( l l l r ' | [ ' r l t l l t t , t l t t " r ' l l l l ( ,1( ' : l l

: r i t la<lc ju-

r , t r t l , r , i l 11'1 11;1, ,11r I r , r , r l l r ' \ ' i l , l l l l i l t ls i l l t : t l t t t ô l t l

' l r l l r t l ( t i i l l r l l l ' l l , , l t l l t t , l t , . , t , r , l r t l ( l ( ' l i I l i t : l r t ' t : t l t t t ; l t 'L-

I l r l l r r I r r t r l l r l r r l l , , r l , t l , r l t t r t , l ; t r l t ' t : t l t l < l t t t ras : t r t t :s,

r l { f t '

| i l i , . , i l ; , r l r l r " r ' ; r , t t

,1r t t ' sr l t tbt- 'sse : pr inc\ la l '

f r r l { , , r . - l r ' r l r r r r , r l t , , r ' , , r l l r l t t t ' ' fomhs de TôffeS,

I l : ' ,1r , , , r l r ' . l r , r , l to lo l 'o, l l r t : lcu alguns pr incipios,

,1=,=t , l r r ! i l t " \ i l i l r ' i l l r ' : ; r los Pl : tnctas como da cons-

i l r l i l i l t , , r , t '1 i l r i l i l i l ( lo, ( '1 i l t ( ' l r i [ e mafes, que foi COn-

I r i l r r r r l r l , r l , t ' l i l r ' r ' r r l t ' t t tk :ssc a grande parte que t i -

t r l l l , l ,

l " ' r r nr ( l r ' lot lo i 's t t : cuidado se lhe nâo pegou mais

I l l r r r . r l , r , . r r r r r : l i t t i rç i to pcra as letras e letrados, em

l1 l , r i l l , r l , r , i l r , ( l t l ( ) achamos posto em mem6ria que,

t l r , r l '1, , '

n()sso celebrado cronista da Asia, Joâor l , l t ,n" . , { r }n ' rpunha por l )assa-tempo a fâbula do

-=! r r / , , , nttrt t tr l .o, a f im de pol ir o est i lo, pera vir ai. :r r , ' I r ,r ' , r ' r ' rdades dos {eitos portugueses, guerras

:.! ! | ' , t lnrr ' . , r l :L Asia, com que despois espantou o

lrr ' r , l r , , l r r r l r ; r o pr incipe tanto gosto da l içâo dela,r lrr rr rr11l1'1 i1q lomar-lhe os cadernos e de sua mâo

i 1", ' ur 'rr( l i rrrr lr>. Que nâo pode ser mais claro indi-i i , , , l ' . r | l r( ,1' lLos l ivros; que todavia valeu muito a

{l f =lr r ' i l r0, l)() l ' ( lue, vindo a reinar, fez que f loreces-=!n rr, l . t 'orn grandes avcntagens tôdas as boasIt l t , , ( r ) .

l t r rrrr ' , ,ur:r rn:rrrt : i r l r quc aquela leve apl icaçâo closr, . tu, l , , ' , , , r . rv iu:ro pr incipc c le f icar afeiçoado a ôles

trr lù | | , , r l r . r r r l t ' , ; rssi d0 t rato c lôstcs mestres e das prâ-

r t \ l . r r r r r . l St 'vt ' r i tn de l iar ia, chantre t le Évotet , na

| , , , , t . 1, , ' r , t t l , l inrros. l

Page 17: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

I

tl

corttcçI) DE cLAssICos sÂ. DA cosTA

ticas mais altas que com êles tinha da doutrina cristâ(que em tudo eram doutos) vêo a criar ùa grandedevaçâo e amor a tôdas as cousas da Santa MadreIgreja. O que mostrou largamente por todo o dis-

5 curso da vida em tôdas as ocasiôes que se lhe ofe-receram, como ao diante veremos. Mas é muitode estimar o que de seus primeiros anos ach4mosposto em memôria nas Crdnicas da Provincia deS. Domingos dêste reino. Conta-se nelas que, nâo

ro tendo êste principe mais que onze anos de idade,procurou, como outro Salamâo, levantar um temploa Deus e dar um convento a esta Ordem (r).

Havia entre os bosques e matos incultos de Almei-rim, a duas léguas da vila, ûa pequena ermida, que

15 el-rei D. Manuel mandara edificar por encomendae legado do testamento del-rei D. Joâo segundo, seuprimo: casa de devaçâo e romagem, consagrada àVirgem Mâi de Deus, com titulo de Nossa Senhorada Serra, tomado o nome da aspereza de um monte

zo vizinho, onde em tempos antigos fôra achada ûaimagem sua. Visitava-a o principe algûas vezes, emcompanhia clel-rei seu pai, qundo o gôsto da caçaos levava nos invernos àquela recreaçâo real da vilae coutadas dc Almeirim.

25 Um dêstes anos, tendo jâ os onze que atrâs dis-semos, encheu-se de zêlo de ver a pobreza com queali se agasalhava um retrato da Rainha dos Céus,sendo terras, em que êle e seu pai iam buscar entre-timento, com gôsto e muita despesa. E achando-se

jo um dia ambos na ermida, pediu-lhe licença pera

l(t) Crônica d.e S. Dontingos d,a. prouincia de Portugal,P. I I , I iv . ô, cap. 16.]

I2

ANAI I) t i I ) . JOAO I I I

l r r t r r l r r r ' t r r ' l r r r r r r r t r ror : l r , i l r r l l t l l i l . i iosos. Niro lembra-

r , i r l t r l i ln t r r i t is r t r , l r t i t t r igr t , r l t t r ' o l . t ' t v i r ;o t l l t Scnhora.

l l l i rH u, , t t gr t t l t l t tu l r l l t . t t tp l l l l t r ' por l i l r st ' t v i t ' t l r rnbém

111' l r r , t t t g i t l t t l l l r r , l , , l i r ' t { l pr lhr , i l l ; r l l i r t t ts r l i i ts <: t t t s:rnta

I r l t t l r , l t tgBrr l t r t : l t l r t l r r t t t t t l l l r ' l r l ro l i r , 'o t ln c i l r t t r ; c cst i -

t t ta l r ln t t t i t l l l r ' ;F l r r r ' l r r r , t l r ' t t r ; ; io rkr 1>r ' i r lc i i rc, con-

tcr le i t l f re çr l l r r ' t rL,r r , , t t t 1 iô ' ,1o. l ' , o 1r l ' inci l lc o teve

let t*r i r l t ' l ! i . rp l ' t ! l r l r t l r lu l l t t ; t lx t ' t ' t t t ; i i .o.I l r*nlr t1 ! i t r l t t l l r , r l r t r t t t t t t l t ;ot t ; t l l t t t :nder com

f: t t ie l r t t r r+ r ' l t r t t , r t , r , t , l r t t : : r ,1. ' l l i l t l t ' l t t l t t l t ' t r r : r t t t lou jun-

lét i t rn let la la, r i t l l i r i i t lq l l t l t ' r , l l ' r ' : i r l l i r lvcnar ia,

âl t t l t r r l l r r ' i f ; ; r l l , l r l l l l r l t t t l l l l , r - , l ; t l l , t ; t o t l t 's t l jo de

tel a l l r ta l : ' l l , t . ,1t t , ' l l r , '1, ' r , t i : t l l l ( ' l ' l l t t t lo o t : t t ida-

de t le 1r*f i r . i l141 er l l l l r l r Hl ' l t l l l l i t3 i l , r l l l l ' l l i l v t ' t ' t l ; l r l r r

l i iêAt l rer f l t tËl t t t 'n i t r l t t l te 1t t -1,1 r ' t l l r l l i l l l l { ' r i l , At ' l l ( l i i l l l l

dfei e Ë la l l lhe Êrt Êr4=lr t r l ' r l ' i l r t l r ' l t ' j t r r 11i) ; lo r l r r

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ë f f ia i fa yp1{6r le l r t t t t l t=t r '11 l r r1 l ' t ' l t t ; t i r i pr t l ,s l l t tos' Ï* .

f f i t f tg F+r iqt i r l t l t l i l l i l ' l t l t l ' r ' l l r r ' l i l r ' , o l : l ( ' t l l ( r ( )m-

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i ! j c fe l ; i la: ;s . ' t i , , i , l : r lp-=el i l I r ; r r ' l r l r l l l l ' r r

t l : i r . t t i=Fsi l t , r t i lÈi l r . ts l r l er pt t l , l , t

l . i i f i |e ie= al i te l te= l , l r r r , l l r r t l r l r r l r " l l l l l ' ( l r ' \ ; t an-

lg l i i :1 : l , , r l l i e l ' e, ,

t - I ' t r t r t t t t l i t t t t r , , t l l -1. r t , l ,=r l , t r r l r1 ' t , :s ivo das

l l lÊi , r '=- i ! i= j r i * t l t t t r l , r= r . r t ! l r l . l | i l , l , r r ' r l t lo , l | l i re i LUisE' Li lE =t r i lÊÉ

,t i \ ' .1: =. . , , I ' ig,r r l r , | r r l r l \ t , r !1 ( l ' ; rs l ( ) - gôStOl.

r3

Page 18: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

COLECÇÂO DE CLA"SSICOS SA. DA COSTA

panhia dos reis, ora sds, quando sucedia tornaremcansados e moidos (que o môr passa-tempo da vidahumana se acha, no fim do dia, comprado comquebrantamento de corpo e fastio da vontade),

5 achavam aqui alivio de trato cortês e santo, comreligiosos letrados e discretos. E se era tempo in-vernoso, tinham abrigo de casas recolhidas e bomfôgo nas chaminés (r).

Assi teve breve remate o convento e {icou logoro povoado dos mesmos frades de S. Domingos, que

jâ dantes serviam a ermida, por doaçâo que delalizera o mesmo rei ao convento de Santarém. Masnâo se contentou o principe s6 com o rn-aterial depedra e cal; tratou de lhe alcançar de seu pai

15 renda: com a qual e com outra que lhe ajuntoudespois que sucedeu na corôa, se ficaram susten-tando vinte religiosos. E no mesmo tempo que aobra corria, lhe procurou de Roma indulgências,que o Papa Leâo Décimo lhe mandou por um bre-

?o ve que se guarda no convento: pelo qual constaque foi expedido no ano de r5r4 e impetradas asgraças a instância do prfncipe.

l(r) Crônica de S. Dontingos da prouincia de Portugatr;P. I I , l iv. 6, cap. 16.l

r4

ANArS Dn D. IO.4O rrr

CAI' f ' I 'ULO I I I

De alguns perigos que o principe passou emÈuâ moe lrlâ(lc, D;1 se conta como el-rei lhe deur a!râ! Ë quam loram os oficiais dela; e comoe ÉomëE.rr a lntroduzir nas matér ias de govêrno: orr lpnou t ;ue assist isse com êle em ûa cer i -ff ifutlâ tlos reis antigos, gue se usava em véspara

de Natal

Nr'io loi bastante a grande vigia, que el-rei man-rlrrvlr. tr:r na guarda do prfncipe, pera o livrar derrnr notâvel perigo, de que ninguém julgou quesirlssc com vida. Era entrado em doze anos e pou-

5 Hnva com el-rei a Santos-o-Velho, nas casas querk,spois foram de D. Luis de Lencastre. Havia ne-lrrs fra varanda alta e mal reparada, donde, andan-rlrr com pouco resguardo, caiu abaixo. E quandollrr,acudiram, foi achado de todo ponto desacorda-

Irr rkr t: sem fala e com ûa ferida na testa, de.que lhelorria muito sangue. Pareceu o caso mortal e en-r'ltcrr a côrte de sobressalto e confusâo, porque nâolornilva ern si; e neste estado passou o dia todo e attoitc seguinte.

t5 Mas o mesmo Deus que permitiu o desastre, perarrrostrar que êle é o que guarda a cidade, nâo sol-rlarlos nem muralhas, foi servido de consolar seuspnis c a seu povo, amanhecendo ao outro dia es-lrrr'lo c com sua fala; e cobrou brevemente fôrças

lsl r. nnritlc, ficando-lhe sd na testa, por cima do ôlhorlirr.ito, um sinal da ferida: sinal que bem se dei-havn vcr, mas sem nenhûa deformidade. Outroperigo tcve despois, em que sua vida nâo estevelrrlr(l$ arriscada. E ficando em memôria que foi

r5

Page 19: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

i ' l

COLLCÇAO DE CLASSICOS SA" DA COSTA

de doença, e em Almeirim, nâo fazem nenhûa osque o escrevem de que anos era.,Foi salteado deum prioriz com veemência de febre e dores, que ochegou a têrmos de se cuidar que acabava. Acudiu

5 Deus com sua miseric6rdia, como no mal passado:deu-lhe vida e breve convalescência.

Passava o prfncipe dos doze anos. Mostrava emtudo o que fazia tanto assento e entendimento, queclaramentc vencia e anticipava a idade. E. com tudo

to nâo acabava el-rei de se determinar em lhe darcasa, contra o costume antigo dêste reino. Do quenacia falar-se vâriamente na côrte e pola cidade,e às vezes pesadamente. Sâo os reis ùas paredesbrancas, em que se atrevem a pôr riscos e carvâo

15 de juizos temerârios até a mais vil osc6ria do povo.Uns diziam que, como a malicia ia em grande cre-cimento e cada dia se refinava mais, nâo se satis-fazia el-rei dos sujeitos que o tempo lhe oferecia.Outros queriam interpretar que devia sintir no prin-

zo cipe algûa fraqueza secreta, que lhe tolhia fiâ-lode criados. E na verdade êstes se enganavam; e s6os primeiros discorriam melhor. Porque el-rei tinhagrande conccito do principe e conhecia que, poden-do fiar muito dêle, convinha todavia fazer mais

z5 reflexâo na escolha daqueles a que o havia d'en-tregar.

E que esta fôsse a causa, porque dilatava auto-rizâ-lo com casa e companhia de oficiais e minis-tros, viu-se bem na calidade e partes dos que lhe

Jo nomeou, quando lhe pareceu tempo, que foram

prioriz: pleuresia.pesad,anzente: em desabôno do rei.

AIi IAIS I)L I ) . JOA.O I I I

l i r is , r l r r r , ; - l r , r i r l tn l t r l r , r ' r ' ; t t lgot t s;r i l r a eleiçâo de

;gl l r r r r l I r , t t t r r l t t t i l ; t t l r i l l ' . lot : t t t t r ls s|guintes: paraI Al t r t l r , ln rrrr i t I I l . , iu r l r . l l lc t tcscs, l i lho terceiror lo r n l r r l r , r l r , I r r r r l rur l r l r l r ' , por sangue ( , l )ar tes pes-

1 urr l l l r l r , r , t r l r l r l l r r r l r r l v l t lor um dos l r r imt ' i rosI111r, r rq r l , r ,1r l r l , l r ' r r lx) . Para mordomo-môrl l f r , ' l r r r l , t ' , r l r , r , r , , t r r l t . de Portalegre, cujos de-Fcnr i r t r l r , r l r i l , ' r l r r r l ro j r . 0 mesmo CargO na CaSal leal l ' , r r , r 1,r , r r r l : r r r r r i l Luis da Si lveira, a quem

lrr ; r l , l l r r r r ; r r , , l r " , l ,or : ; r l r rc vôo a fe inaf, feZ COnde de5, i r , l l r , r t ) , rn,r is rr r i r r is t ros foram D. Luis de Me-irr . , : r , l r l l r , r lo ( 'orr t le l ) r ior , a l feres-m6r; Joâo deI r t l r r t , ryrrr l , ; ,or l r , i r r r - rn<ir ' ; Cr istôvâo de Melo, a lcai-r l r , r r r , r r l l Sr,rprr , t r rcstr t : -sala; D. Pedro Mascare-

t I l l l l : r , , r ' , l t t l r t ' l t t t r r r t ' r t ' ; I ) . . f<tâo clc Alarcâo, caçador-*rrr l , , r1 i r . r l t , Mt, lo, r r rorr tc i ro-nrôr; e veador da

r r- : i l i r r r l ,opr,r i ; t , r l ; r i io r l l t s t r i r ctpcla Diogo Fer-H-trr l r t , r l r r l r l , t , r r r t : r r j ( ) l r r6 iat . crr t rou pouco des-

l ' t i , : , ' r r r . r ; l l r ' l ) iogo Olt iz c lc Vi lhegas. Dos of i -{ , , r i : t r . r rnr , t r .s, ( . ( ) l r ro também o cram na cal idade

ri;r , . 1,, , , ,r . , nio l i t :ou mais mem6ria que saber-seei : i r r , l , r nnr, rns partes que convinham para oi 4! i , , ' ' l i l r l r ; r r , ' i i r dc scrvir , bem prOporcionadO àE=t r1l l r , t r l r

' , t i l ; l i ( ) l ' ( 'S.

t - l * r l r r r1r . o 1rr ' l r rc ipt : teve junto de si nr imeror iE r i i , r '1, , , r I r i l r r i los 0l l ros que notassem suas acçôes,

r | t i l i l , r l r l , r ' ; r ; t t r . I t i ro l t ' t t t t rome cSpfei ta nOS pr in-: : i l t ,= , I r r t . ' , r l i r ( l ( , r los st i l l r l i tos-- t :ncheu-se logo a!et i+ , l , r l , r r r r , r r l l l l rs. ( ' .orr t r lu ' : r r r r ( l r rc cra. tâo benigno

t r i Fnl t i r . r , i r l l ' , r ' l ; i1 <l t 'Sl tSS6tt t l t l l t t16 t tnr tOdO t fatO,

t l i lÈ r , l t , r r r l r . r r r r . r r l t , r 'otrv i r l i r tu ' t r : t st ' r ' : r tnado e ser-

I l , , t t l , . r l t t , r l i r l r t r l r ' : i , v i l l t t r l t 's .

1t , l r , r t t l t , t t , / . ' , r / / ' . : , i l ry iu l l r . l r t l l t t t ' , ruui t iss imo.J,

13,

r7T6

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C)LLCÇ/TO DE CLÂ.SSrcOS SA DA COSTA

vido com gôsto. Mas que sem saberem como, mis-turava com aquela afabilidade um jeito e composi-

çâo tal, que se nâo lazia menos respeitar por graveque amar por brando. E o que mais espantava

5 era, que o mesmo que representava o sembrante,se lhe enxergava nas palavras: que, sendo em qual-quer matéria agradâveis e suaves, tinha tal modoem as pronunciar, que thes juntava notâvel majes-tade. Porque, sem ter defeito na bôca nem vicio

ro na lingua, adquiriu por arte e uso falar devagar'e com tanta pausa, que falando parecia que se es-cutava e ia pesando o que dizia.

Conformava com êste modo de proceder, nâose ouvir nunca de sua bôca palavra âspera nem

15 de movimento de ira,-que é a cousa que maisabate na grandeza real e mais afea sua autoridade.E ainda quando acontecia ver algum êrro ou des-concêrto nos que o serviam, via-se-lhe claramentenos olhos que o notava e sintia; mas o silêncio e

zo dissimulaçâo era tal, como se o nâo entendesse.Assi, para quem errava nenhum castigo haviamaior que aquela dissimulaçâo: porque calando re-prendia e olhando castigava. Mas era muito de no-tar o como se havia c'os ministros maiores: tratava

zj com respeito grande os velhos, contemporizavac'os de menos idade, agasalhava os mancebos, hon-rava a todos.

E porque das afeiçôes dos principes tira o mun-do fundados indicios pera julgar de seu entendi-

;o mento, é de saber que dos criados maiores se afei-

çoou ao guarda-m6r Luis da Silveira, que, por par-tes de avisado e grande cortesâo, tinha nome nacôrte; e dos moços fidalgos que o serviam, qtttreram muitos e do melhor do reino, conheceu cm

1N.4 / ,S l ) t , ; l ) . IO,4O I I I

l ) . Atr l r ' r1 io r l l Alrr l l r ' , r ; t t l r l r ' : i1 rois fo i pr imeiror i l t t r l r , r l r r I r | t r l { t i l l i l , l t r t , ' , l l to r , l ) l t t l ( , r i lx ' l ' i t O aven-l ' t l r t l t l l t r r l i l , r t ' l l t t r l l ' r l : t , l ( . ,1. l )ot1 ' r r r t 'ot t t l l t l t l iSt in-r , r l r r lur , r r r t t r I t t l ' , , l , r i ' r lv t ' iut t t l t t : tv l t l rs rr l r t6r ias

: , l t , r I t !=r . l l r r | , ! i l ' i l i ' l i l r r , t , ( r l l t t ( ) t 'o l t t I t0t i lc t t t t , l t t fa-r l r r r . l r r l i+. ,1, l l , ' \ t r lot t io l i i rva as tnais lcvt :s c dc

-=r, l Er ' i - t , r l l r ' , r r t l r . , ; r r r . l rot l t : r r r { rs t l izcr quc Luis dai i l l r r . i r , r r t , r r , l ' , r r r r r in io, ( luc t iovefnava os exérci-l r r . , l r . \1, r , r r r , l r r , ; l ) . Ant6nio o Efést ion que

l r i i l l l l t l i : l

I ' r r t r r l r l i l r , r r l r ,s lo i g i r t r l r : r t tc lo nome de al to juïzor l , t r r l r l l r . r l r . : , t .u 1lr . i r ro s l rbcr como no sangue,, l i l r . , l i l r l r r r , (1 i l ( .sr : Por l t : ( ) l lC[ [ rCCCr neSte pf inCipe.l ' , ' ; ,111, , r r , r l r , r t l r r r l t . , j r r t r t r r t r t lo-sc cm el-rei D. Ma-

r i i l i l r I l , r r r l ; | l l r , l t lo l ]utrs l r rxr .s vt : r r t t t ras, Como Sabe-rrr , , , , , l r , r r r t r r l r r : r t r r : r is p l r t ct ' r , t t t t t t ' t t , r : t 'c lor polas par-t , r l r '1 i r ; r r r r l r . f . iovr,rr r ; r r lor ' , <1rrr : t rô l t ' jLrntou a natu-l ! r lLr t r r l r . \ , r . t r l ro ; r < t t i t l l t r r l t tc t l l t mesma ma-l , t r , r r l l ( . os l i l l r i l r l tos r los lcôcs, 1>cudurados ainda

=,r r l , r l r ' ,1,r r l l rs rrr i is , j r i . t r rostrarn pcso na catadura,l i l r , . , r t r , t , i l1; t i l l ts , l r , r ' t 'z i r t tas unhas, assi hâ muitos

l ' r l r r r l r ' : i l i l l r r r r lc t l i t l se foram todos !-que porl r r l r r r ' / , r r l rcr , r r r s i i l r ios, c faz nêles o sangue e a, , i l r | , , , t r ) o (1i l ( ' ; r orr t l i l gc: t t tc nâo alcança senâo com

= i r r l r l , r r . r1rr . r rûrr t i : r r , lorrgos anos de exercic io.r \ l r 1 i r , r r ' , r r , r , r , l rc i ( ' ( )nr v(rr ta l f i lho, como mestre

, i l1 ' , r ' r l , i or ; l r r r r l rcns tkr unt bom discfpulo. Maslr t r r , t r r r . t r l r , l ro l lx t ' o l r ' : r r l ro oci ts i i ro, cm que porr r l l l t , r o lo l r lu l r t r r t ' t ros t : t r l t :nt l i t lo. Lntretanto

i , i l , i l r r r . i l ( 0 i l \ i t ( .o i lc( , ( . l l l i \ , ' r t r tct-- l l t<t dado casa e

' . ' , l l t t t l i tZ i l ( ) , l i l ( ) l tV() .

| | , , , r r t l t r l r l is l i t t l tTo: conr r ;sta di ferença.

rqt8

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C)UICÇ/TO DE CLASSICOS SA DA COSTA

ôle mostrado tâo bons principios na administraçâodela, que começasse a exercitar-se nas matérias degovêrno pûblico, pera que era nacido. Chamava-oel-rei seu pai pera tôdas as que se ofereciam, jâ de

5 justiça, de fazenda, jâ de mercês; e, vendo-o assis-tir com atençâo e aplicaçâo, juntava suas adver-tências. E como âguia que provoca os filhos avoar, quis que assistisse com êle pessoalmente emûa celim6nia dos reis seus antecessores, que se bem

ro estâ jâ hoje desusada, mostra-nos o cuidado que ti-nham ele venerar com abstinência priblica a vés-para do nacimento de Nosso Senhor Jesu Cristo.

Creo que nâo serâ desagradâvel ao leitor, sequerpor mem6ria do bom tempo da côrte portuguesa.

z5 Escrevê-la-emos como a deixou lançadannos papéisde sua secretaria Antônio Carneiro, pai de Perod'Alcâçova, conde da Idanha, onde diz que foiesta a primeira em que o principe assistiu com el--rei seu pai. E passou assi: Era véspara do santo

zo dia de Natal, ano de 1516: sairam el-rei e o prin-cipe da guarda-roupa a horas de cea, acompanha-dos do cluquc cle Bragança e dos condes d'Ode-mira, de Vila-Nova, de Tarouca e de Borba. Esta-va a mesa coberta, sôbre um estrado de dous de-

25 graus. Sentou-se el-rei a ela e o principe ficou empé sôbre o estrado, à mâo direita del-rei, no topoda mesa. No primeiro degrau ficou o duque e abai-xo, no châo, os condes.

Vêo logo a consoada a el-rei, com porteiros da câ-

16-19. A utilizaçâo das Memôrias de Antônio Carneiro,secretârio de D. Joâo II e D. Manuel, assim como de seufilho, secretlrrio de D. Joâo III, confere grande interêsstrà histôria de Fr. Luis de Sousa.

20

I

aÈi

l ,v . l / , \ ' l ) t , ; l ) . I0Âo I I I

i l t i t t l t , t | ' iF r l ' r i l t r r ' rs, i r t i i l l l r ru r ' ; r i rs*rv i l t t tes, portei-! l l i l r i t , I t tcql l r , ,ut l l r , r ' , ' r t '1, , t t ' ( , ( ' ( | t t ( l ( : r l t ' Tarouca,i l l r l r l r r i l I i l l t { i t , r r l r r r l l r , rz i i r i r lo i r l l r r r ' : l deu ao

rt l l t r l l r : I t r ' l , t l t l i ; r r ' , lntnrt t t t lo i t , sc Pôs <lc joe-l l t , ,a l r t t t i 5,1q1 1111rr r l i l r l r ; ( ' o t :or t tk: r l t : Vi ' l i r -Nova,ÈEtt | 4t t t4tFl t r r l r t , l l r l r ' l r lgot t l i iL ahnofada pcla os

inel l l ,-- f : e1,rr l r r l lvr. o Pt ' f t tr : ipt: até cl-rei beberE Èts l ts i ,er i ! l l t i r t I r l t r i l ; t r l i t ; r , t , r r t l io l l - re tornou a tomarê l l , r l l r r r n tu l r l r , ntr , t ( l ( )nto. t t rdr . Lcvantada a con-=lar l r r r l r - l l r i , r ' f i r ; r r lo Pr( t t t : i1rc r l l t mesma maneirat l t t r , \ ' l r t i r r t r l { . l t t , t , r , r ' t t r r t r r r is r l i l 'c ' rcnça que trazer,r l l r r l l r r r r r \ , r ' , r lnr , ( ) r lu i r l i r r l t . r t : ro duque de Bra-

H!t t l ! r t , rp l ' l l r , r l lvr ' - l ' , o pt ( r r r : ipc se deceu ao pr i -r r , l l r t l r , l : r r r t r lo l r l t i r rLr t r r i lotucl t t a consoada; e,i t r r t l r t r i l r l | | r l t l r ' i l i l l i r ! ;u, r i r , lo l i lo i l ; rc i t t l l t l to pr imeifOIt tg, t t , t t t , l r l r l l r ' \ ' r ' r i ( 'nr l ) t l r r Pr" ; ( ' s( ,nr l ) r ( ) d-rei ot l t t t l | | l i l l l r t r l r t l t

Vfrr r1| 'n111 11,, l t | i l l l , i l i r ( l i t r l r r r l t t t l t t t ' c <los Cclndes,i l i l r , r ' t r i l r t l i l , r i r , i l l ( , i i , ; rcorrrPi t t t l t i r r l t r . r lc l lof te i fOS dettr . r | t r r , I r , i r r l ' , r t i l i l r i , i t f i t r t los t : passavantes, por-l t , t tn l l r ' r t , r r r r , : ,1 t l s l t l l r r , vc; tdot s6mente, porque of f r f r l l f ! nrrrr l , , r r ro rrrr 'n ' s( : l ) i tssr)u aos condes. E f ize-l r i l i l r r i l i r i ; r { ' r , ' r , r 'ôrr t ' i r rs i t r , l - r t ' i . Vinha a Consoada dOrl t t r i l t l r l r , r r r l l r l r r , los t :onr lcs, com distância de ûai t l r r l r r r r l r . l rorrco nlr is <lc r lous passos. Era o querr l r ' r r t i r r t t t r l i r l ; r l6 io scrt . l , l ntn moço f idalgo do du-r1i l r , l r , r ' i r r ' ; r lnr lur p l i r lo 1l ' r l r rcrro de servir ûa toa-l l r ' r , l , r l r r i r r l ; r ; r r r ; r r ; r l , r ' r r r r ' l r t 'grrni lo a consoada aor l r r r ; r r r , , lnnrolr o: ; r ,u \ , t ' r r r lot 'c lha. tcrvt t sem maisr ' t l t r r ' r t l t l r r ; t t r , i ' i r r r r ror lc l t r tLr inr l i r rar , :âo c le cabeçar | i l t l r I

r l / . / ' r " r i r . l . l l r t ( ) l t r . tcvt ' i r t l isposiçâo,

ta

_ -_-J)l

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r lI

I

cot.ticÇ,To DE CLASSICOS 5,4. DA COSTA

Iispantou-se o reino, sintiu-se o principe. Estra-nhava o povo ver um rei, por muito prudente re-putado, sem dar mais tempo ao nojo e memôriade ûa rainha de tanto merecimento, ôomo era a de-

5 funta, (cousa que até entre a gente popular causaescândalo) pôr em obra casar-se, e em idade cre-cida, com a casa cheia de herdeiros; e sôbre tudo,com barbas brancas, buscar mulher muito moçae com fama de fermosa pera madrasta de oito fi

ro lhos; obrigar-se a si e aos seus a gastos supérfluose desnecessârios.

Sâo os portugueses de seu natural tâo livres delingua pera dizerem o que sentem a seus reis nasocasiôes de honra, como sujeitos pera darem a vida

15 por êles a todo tempo. Culpavam o casamento emtôdas as conversaçôes e corrilhos. E lembra-me ou-vir aos velhos que procurara el-rei nesta ocasiâopor trazet a sua opiniâo certo fidalgo antigo e jâretirado da côrte, e êle the respondeu com um modo

zo de parâbola, ttque o matrim6nio serviria ao reino decuspir sangue em prato d'ouror.Sôbre estas razdes,que tôdas obrigavam ao principe a magoar-se poloque tocava ao povo e à reputaçâo de quem o ge-rara, acudiam a lhe fazer guerra as do interesse

z5 pr6prio: que eram tomar-se-lhe a dama, que jâ emespirito era sua, e querer seu pai pera si em segrê-do e como a furto a mesma mulher que pera êletinha muitas vezes publicamente pedido.

Ajuntava-se representar-lhe o entendimento e a3o idade de dezesseis anos, mal sofrida jâ e ardente

pera semelhantes matérias, que o mesmo pai con-fessava culpa no segrêdo que com êle usara emtamanha resoluçâo. E todavia devemos-lhe louvor,porque sabendo sintir, nunca por palavra nem obra

.4NAIS DE D. TOÂO I I I

rnostrou a seu pai sinal de sintimento nem des-gôsto. Mas como é ordinârio, quem faz qualquerofensa julgar sempre escândalo no ofendido - por-que a consciência da culpa r6e no coraçâo e gera

5 receios - quis el-rei, despois que o casamento foipriblico, defendê-lo com dar a entender que temerarrovidades da parte do principe e das condiçôes doshomens que o aconselhavam. E isso lhe fizera fôrçal)era se querer prevenir e armar contra êles com o

,(, novo parentesco. Assi o afirmam os cronistas da-rluele tempo (r): que bem se deixa entender quise-|irm sanear o conselho ou apetite juvenil do pai àcusta do filho, fantesiando culpas, em quem atécntâo nem um minimo sinal se tinha visto de deso-

r , ; l rcdiência.Entretanto vinha caminhando pera Portugal a

rrova rainha, desgostada também, como é de crer,rl:r. troca do esposo, por mais oficios que em ser-vit;o del-rei laziam alguns ministros, afirmando que,

.'r, r,(, llâo era nos anos, em tôdas as mais partes dey1t'rrtileza, entendimento e boa disposiçâo, fazia o1r,ri grandes ventagens ao filho. E pera serem cridosr lrrtavam do filho tantas insuficiências, que chega-r',rrrr a pôr-lhe nomes indignos.

éi Vt'o a entrar a rainha por Castelo de Vide emlitrr rlo ano seguinte de r5r8, e el-rei a foi encon-Ir'rr t ' r 'cceber na vila do Crato, acompanhado do;rrirrr ' ipr'. Contava muitos anos despois D. Brites

'l, l \ l lrrr ' lonça, ùa das damas que com ela vinham, ,lr ' ,,pois casou com Manuel Côrte-Real, que a boa

trl ' !r ' l lrorit, vcndo aqui o principe, como espantada

i r , t t r , , , ,L i , ' , De yebus gest is Ei ix l l lanuel is Reg., L iv,: I r , , ' , i , , , f ) . lV, cap. z6 e 34 da saa Crônica. l

?a-1 2Ë.

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c}uicÇrto DE CLASSICOS SA DA COSTA

do que lhe tinham dito e do que via por seus olhos,clizià pera as damas com ironia e ao parecer nâosem mâgoa: Este es eI bouo?

Era o principe neste tempo entrado nos dezessete

5 anos, de gentil presença, alegre e. amâvel sem-brante, ma- te-perudo de um certo rigor de virilida-de, que criava respeito e reverência em quem o via'Em meâ estatura, grande proporçâo de membros:muita graça nos olhos e na boca; olhos entre ver-

ro des e àzuis; boca vermelha; rosto alvo e de boacôr. Notava-se-lhe o Pescoço um pouco curto e a

cintura grossa; mas nâo que chegasse a desar.Posto no châo, estando ou andando, em tudo eraairoso, grave e composto. E devemoslhe os portu-

rj gueses que, trocando nesta conjunçâo tôda a côrte,e até a pessoa del-rei, o trajo português polo cas-telhano è framengo, êle nem agora nem despoisquis aceitar nunca tal mudança. Galante e custoso,mas à portuguesa, acompanhou seu pai; e chegan-

zo do à ràinha se humilhou pera lhe beijar a mâo,

com a sinceridade e cortesia de quem a reconhe-

cia por mâi e senhora, que ela lhe nâo quis dar por

muito quc o principe instou e porfiou no cumpri-mento.

25 Mas o ânimo del-rei nâo quietava, desejando dar

a entender ao mundo que nâo fundara mal seusreceios, pera que se cresse que o casar.nacera de

3. Ainda sob a impressâo das mâs inlormaçôesque lhe tinham dado do principe, preguntava (se ert.t

aquele o pateta>.12, desar: lealdade, desprimor, defeito.13, estando: estando em Pé, Parado.18, custoso: ricamente trajado.

z6

tNArs DE D. IOÂO rr I

rrccessidade mais do que de gôsto(r). E lançandornâo de ûa leve ocasiâo de culpa em Luis da Silveira,t:onselheiro do principe e mais do seu seio quelodos os outros criados, o mandou sair da côrte c(lue sem sua licença a ela nâo tornasse. Bem se

,1 t:ntendeu na terra o lanço; e o principe nâo ignorourlue êle era o que fazia mal a Luis da Silveira e(lue sua verdadeira culpa era nâo poder êle prfnciperlcixar de sintir o novo estado del-rei. Porém, comolilho obediente e muito cristâo, sofreu o tiro que o

ll l1'.iu no criado, cobrindo e dissimulando êste se-gundo desgôsto, a que nâo podia resistir, com tantaprudência e fingido descuido, que em nenhûa cou-st se lhe enxergou por isso escândalo ou descon-lirLnça de seu pai. E o mesmo estilo seguia nas cou-

t1 srrs maiores e em tôdas as que entendia serem de. :;,'u serviço e gôsto.

O que mostrou bem quando por abril do anor52r se recebeu a ifante D. Brites com os embai-rrrrlores do duque de Sab6ia em virtude de sua pro-

:rr r ru'rrçâol Viu a el-rei muito empenhado no gôsto,h:ste dia; procurou acompanhâ-lo, louçâo e gen-lrl lromem. 56 nâo pôde acabar consigo deixar olr;rjo natural polo estrangeiro, como entâo fez quâsil.r l;r â côrte. Ficou em lembrança que ia de trâs

;1 ,lr lr,, vestido em um pelote de brocado de pôlo,| ',rr rnangas trançadas, cortado sôbre setim pardo:r, ' 'prrrla d'ouro cingida e coberta ûa capa frisada;l1r,r rrr dc duas voltas com seu firmal de prêço. Tudo,rr u:ro português da,quela idade (z).

1 t , ) l , ' ,an" is"o de Andracla, P. I , cap.6<Iasua Crônica. f.,.i, rtcobar consigo; decidir-se.

11. '1 l i lancisco de Andrada, P. I , cap. 4 da sna Crô-' ' i , , , , , I

tI

I2,t

II

, l

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cor.ticÇÂo DE cLAssrcos sA DA cosTA

CAPITULO V

Morte del-rei D. Manuel. Sucessâo do pr incipeD. Joâo. Solenidâde com que' fo i levantado e

iurado por rei

Foi êste ano de r5zr rico e prdspero de festascom o casamento da ifante D. Beatriz; mas tâopobre e estéril dos fruitos da terra, nâo sô em Por-tugal mas por tôcla Espanha e até em Africa, que

5 deu manifesto e triste agouro da infelicidade emque havia de acabar.

Três anos havia que el-rei D. Manuel era casa-cio, - que tantos correram do fim de novembro der5r8, em que se recebeu na viia do Crato, até outro

rc tal dia do ano de r52r - quando aos cinco dias dedezembro do mesmo ano, em ûa quinta-feira, foiacometido de ûa febre ardente, com inclinaçâo asono. Era doença que andava na cidade; paravaem modorra; matava a muitos.

15 Descontentaram-se os médicos; fizeram tristespronôsticos. E el-rei, receoso do que em si sintia,mandou que se desse aviso ao principe, que nomesmo dia pola manhâ partira pera Almeirim emcompanhia dos ifantes D. Luis e D. Fernando,

.?o seus irmâos, com tençâo de se entreterem até a festanos passa-tempos daqueles bosques. Sobressaltadoscom o recado, porque quando partiram ficava el--rei sem mal nenhum nem suspeita dêle, deram-sepressa a caminhar, de maneira que, recebendo a

?5 nova ao sâbado, tâo tarde que era jâ mea noitequando o correo chegou, tempo invernoso e diascurtos, entraram ao domingo em Lisboa. Acharama ,el-rei mui afadigado e os médicos desconfiaclosde sua vida.

Ars DIt D. JOÂO I I I

Acudiu o principe com tudo o que o tempo e arloenca davam lugar. Primeiro procurou a:liviarscu pai, pronosticar-lhe a vida e saûde, que todoslraviam mister, nâo se apartando de sua cabeceira

r) um momento. Segundâriamente, pera the ficar maisrrerto e se achar a tôda hora com os médicos e fazer(,xecutar o que ordenassem de beneficio e medica-rrrentos, deixou o quarto em que morava e mandoulrrzer aposento em ùa câmara junto dei-rei. Porém

r,r o mal crecia; e el-rei, nâo duvidando que o cha-nrava a riltima hora, armou-se pera ela como bom. rnuito cat6lico cristâo com todos os sacramentosrlrr Santa Igreja; e à sêista-feira, treze dias do mês,roveno dia da infermidade, deu a alma a seu Cria-

r'i ,lor. llostrou o principe com gravissimo sentimento{r llruito que amava a el-rei seu pai. Porém, como

' lrrrlo dependia jâ dêle, tratou logo de fazer dar,rrnrprimento ao testamento, quanto à sepultura

' { ri{:rquias e ao mais que tocava ao bem de sua1,, ,rlrrrL, segundo o tempo dava lugar. Fizeram-se-lhe

:,rrlr 'n('S oficios no mosteiro de Belém e em todos osrrr , r is <la c idade.

,'\,r rluarto dia despois do falecimento se ordenou,r r ' ' r irndnia antiga do pranto, que estâ à conta dos

€1 rlrrr ' lrrt 'siclem no govêrno popular da cidade. A or-rl.'rrr I' saircm os vereadores da Câmara a pé, arras-Itulrlo grandes capuzes de d6 e com varas negrasr,r'i ilr;ios, acompanhando ira grande bandeira ne-Fr;r, (pr(' irtdo nos ombros do alferes da cidade, que

fd r lr r'.r :r r:;rvalo, vai arrastando as pontas por teffall ir,,11 1,111 n)cm6ria que servira nêste acto Nunâl-r r r, I 'r 'r l i lr, f i lho de Rui Dias Pereira, que fôra

. . q l l ' r , , , r l r . l r r , i D. Manuel em tempo que era duque).Iir,,t,r .rrl.rrr l) irsseam as ruas principais da cidade,

z8 29

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to

r5

C0LLCç,îO DE CLASSICOS SA DA COSTA

seguidos dos senhores e fidalgos mais nobres dacôrte. Param em três lugares notâveis, onde se que-bram três escudos, que levam sôbre as cabeças mi-nistros honrados da Câmara. Os escudos negros, eao quebrar de cada um sôa ita voz alta e triste, lem-brando ao povo que saiba sintir a falta de um se-nhor, que nos anos do seu govêmo foi valerosocscudo de suas terras e contra os inimigos delastrouxc sempre bandeiras levantadas.

E tal é o riltimo oficio, com que a repriblica se-cular scrve e honra neste reino a memôria dos reisdefuntos. O costume antigo era dar-se tanta pressanesta solenidade, que ao terceiro dia de enterradoo rei que acabava, se ent€ndia na festa do levanta-mento do sucessor. Desta vez houve inconvenientesque dilataram ùa e outra; e assi como a primeirase fez ao quarto dia, vêo a lazer-se a segunda aoseisto, em que se contaram dezenove do mês, polamaneira seguinte:

Saiu o principe vestido em ùa opa roçagantede brocado, forrada em martas, sôbre gibâo de telade prata; cinto e adaga d'ouro; colar de pedraria;gorra grande de veludo preto, de mea volta. Aidade de vinte anos em que estava entrado e suanatural gentileza acrecentavam graça e ar a tudo.Pôs-selhe diante o ifante D. Luis, com o estoquede Condestabre levantado; e com êle todos os se-nhores e fidalgos da côrte, que enchiam a sala. Es-tava ao pé das escadas um fermoso cavalo ruço,

4, Os escudos negros. Entenda-se: <Os escudos sironegrosD. À elipse do verbo é freqriente no estilo descri.tivo de Frei Luis de Sousa.

3o

TNAIS DE D. JOAO I I I

selado à brida, guarniçôes de brocado rôxo e ouro.Cavalgou nêle o principe e tomou-o de rédea oifante D. Fernando, vestido em um pelote de setimavelutado preto, aberto polas ilhargas, e sua gorra

., preta de duas voltas.

Junto aos estribos de ûa e outra parte levavamnas mâcs as pontas da opa D. Antdnio de Ataide,lavorecido do principe, e D. Diogo de Castro (r),crue ainda entâo o serviam em corDo. Em roda tôda

r,t li" nobreza do reino a pé; mas corn esta distinçâo:que os grandes iam todos à mâo direita, e à esquerdaos oficiais m6res da Casa Real e os ministros daCâmara da cidade. Eram os grandes, que forampresentes: D. James, duque de Bragança, o Mes-

r , tre de Santiago, duque de Coimbra, e com êleI). Joâo, seu filho, duque de Tôrres Novas; D. Fer-rrando de Meneses, marquês de Vila-Real comI). Pedro, conde d'Alcoutim, seu fi lho; D. Joâo,tc Vasconcelos, conde de Penela; o conde da Feira

,, l). Manuel Frojaz Pereira; o conde de Portale-lirr: D. Joâo da Silveira; D. Martinho de Castel-lrltnco, conde de Vila Nova; e D. Vasco da Gama,,,rrde da Vidigueira, almirante dos mares da India.

lam a cavalo o ifante D, Lufs, que levava o es-.' ' , lr)(l lrc, vestido de capa curta de capelo, sobre-saio

,ll sctim preto, gôrra de duas voltas: o cavalo cas'l,rnlro. Moderaram-se os gastos em todos, tanto

1,,,1o nojo fresco, como pola brevidade do tempo.llrrr cspaço adiante do infante ia o velho Conde

I ( | ) lirirncico de Andrada, P. I, cap. 7 da sta Crô-, : t , , t ( ; r : ; l i lho diz Dot 'n l " rancisco Lobo, em um tnanus-, t t l , , l

ttojo: luto.

3r

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cor.tic(;,4o DE cLAssrcos sa DA cosTA

Prior D. Joâo de Meneses também a cavalo, quelevava o estandarte real e Ïazia êste oficio por seufilho D. Luis, ausente na fndia, que era alferes--m6r do principe. Guiavam o acompanhamento

5 reis d'armas, arautos e passavantes, com suas cotasd'armas e divisas, e porteiros de maças todos acavalo; e logo apôs êles muitas trombetas e cha-ramelas e atabales também a cavalo, cercados detanta multidâo de povo que parecia estar todo o

ro reino junto.Começavam a abalar contra as portas da Ribeira,

quando o principe, lembrado das lâgrimas da rai-nha e fazendo reflexâo que lhas poderia acrecentaraquele estrondo festival, fez primeiro acto de fi-

15 lial piedade, como a venerava por mâi e senhora,mandando que fôssem em silêncio até se desviaremtanto do Paço, que se nâo ouvissem nêle. Com estaordem se foi demandar o convento de S. Domingos.Apeou-se o principe, chegando ao alpêndere, queen-

zo tâo era coberto e tomava tudo o que ainda agoradivisam as paredes velhas, e estava por tôda partede panos de seda e ouro paramentado.

Aqui foi recebido clo cardeal D. Afonso, seu ir-mâo, que o esperava com todos os prelados que na

z5 cidade havia, e ievado a um espaçoso teatro, quecom oito degraus de altura se levantava junto àporta da igr"j", no qual havia outro mais recolhi-do de dous degraus de subida, çlue cerrava com aparede, cobertos um e outro de ricas alcati{as. E

jo neste mais alto ùa cadeira de brocado, arrimada aum grande e fermoso docel do mesmo. Tomou o

rr, contra: em direcçâo de.

32

ANAIS DE D. JOAO I I I

principe a cadeira; e ficaram em pé junto dêle osinfantes D. Luis e D. Fernando: D- Luis com oestoque à mâo direita; D. Fernando à esquerda.O cardeal no teatro baixo, sentado em cadeira de

q veludo.I-ogo subiu o conde de Vila Nova, camareiro-

-rndr, levando nas mâos um cetro d'ouro, que pôsnas do principe sem outra cerimônia. Entretanto,tinha tomado o canto direito do teatro grande que

trt çaia sôbre o povo o Conde Prior com seu estan-ciarte; e do esquerdo começou ûa eloqûente prâticao cloutor Diogo Pacheco, declarando em voz altac inteligivql e" todo aquele grande ajuntamentocomo, sendo falecido da vida presente o gloriosis-

r ; sirno rei D. Manuel, pertencia a herança e sucessâorlêstes reinos ao muito alto e muito poderoso prin-t:ipe D. Joâo, que ali tinham presente, assi por di-nrito de filho primogénito, como por estar juradoIror todos os três estados do reino em vida de seu

'rr lni. E por tanto era ali vindo pera jurar por sual)('ssoa o que em seu nome el-rei seu pai muitos;rrros atrâs tinha jurado: que era haver-lhes de guar-{liu (: rnanter todos os foros, graças e privilégios em,1rrt viviam, e governâ-los com inteireza e justiça; e

;i ;rrrrlrunente receber dêles as homenagens ordinâriasrll lxrns vassalos.

('oncluindo o doutor, levantou-se o cardeal e',rrlrrrr uo estrado do principe, que se levantou tam-lrrrnr, t: ambos juntos se chegaram a ùa cadeira pe-

i" rltrr, i l lr, cm que estava sôbre almofada de brocadorrrrr rrrissal aberto, e em meo dêle ûa cruz d'ouro.l, 1r'1;11y5, ambos de joelhos, jurou o principe queI rrrlrr it i :r. tudo o que em seu nome oferecera o dou-l,,r , ( ()nr tôdas as particularidades que apontava,

JJ

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cot.LcÇ,4o DE CLASSICOS S,{ DA COSTA

que o cardeal ia lembrando, como era o que lhe to-

-"o" o juramento, e o principe repetindo' Tornou-se

o principe a assentar; e o cardeal deceutambémperao seu lugar. Entâo se chegou o ifante D' Luis ao

5 missal, e passando o estoque à mâ9 esquerda, pôs a

direita sôËre a crltz e foi pronunciando as palavras

seguintes, que D. Ant6nio de Noronha, escrivâo

da'puridade lhe dizia e êle referia: - <Eu, o infante

D. Luis, juro a êstes Santos Evangelhos e a esta

to Cruz.- qo" ponho a mâo, que eu recebo por se-

nhor e reiïerâadeiro e natural o muito alto, muito

excelente e muito poderoso prfncipe, el-rei D' Joâonosso senhor, e the faço preito e homenagem se-

gundo foro e costume dêstes seus reinosrr' E isto

15 àito, se foi a el-rei e lhe beijou a mâo' Nêste ponto

o conde alferes-m6r, que a tudo estava atento'

desenrolou o estandarte e ficou com êle nas mâos

estendido e solto sem mais o recolher'Foi segundo a jurar o infante D' Fernando' que'

zo pondo os" joelhos Lm terra e ambas as mâos sôbre a'Cruz.

disie sômente: - <E eu assi o jurorr' E por

esta maneira juraram todos os Srandes e senhores

de titulo; e àpôs o juramento chegava cada um

a el-rei e metia ambas as mâos juntas entre as suas

24 (que é o acto de outra obrigaçâo que chamamos- Èo*.nug"m) e logo lhe beijava a direita' Achamos

em um Iivro da secretaria de Ant6nio Carneiro que

mandou el-rei que os senhores e tftulos fôssem a

jurar por suas precedências, o que, se fez na forma

ao seeuinte: foram juntos o duque de Bargança e rt- MJst." de Santiago. Jurou o duque primeiro, e pri'

lNArs DE D. IO.4O rrr

meiro beijou a mâo a el-rei; foram juntos o mar_quês de Tôrres Novas e o de Vila Real, e jurou pri_meiro o de Tôrres Novas e primeiro beiiou a mâo aSua Alteza; logo foi jurar ô conde de Alcoutim s6

5 e beijar a mâo. Seguiram o conde de penela porsi s6 e trâs êle o conde da Feira por si s6 e o da Vi_digueira também s6. Despois foàm juntos o condecle Portalegre e o de Vilà Nova. E jurou primeiroo de Portalegre. . . . . . . . . nâo assist i raà. . . . . . .

tt) Despois dos titulares tomou o cardeal juramentopor si s6; e tanto que foi a el-rei, seguiram os pre_lados e logo os ministros maiores dà justiça, Jiâotla,Silva, regedor da Casa e Côrte aa Supticiçao,c D. Alvaro de Castro, governador da ào Civel

t,; c todos os mais fidalgos que eram presentes. Emirltimo

_ lugar subiram os -

vereadorôs, que eraml). Pedro de Castel-branco e Joâo Fogaça e JoâoItrandâo; que, sendo perguntaâos polo"escrivâo dapuridade se juravam.o mesmo, reiponderam pala_

='rl vras formais: - <Nôs os vereadoies desta cidaderlt: Lisboa, como a mais principal que é do reino,luramos o mesmo)), E beijando a mào a Sua Altezarr;r forma dos mais, teve fim a solenidade do iura-I I t ( . t ) to.

?1 fintâo, levantou a voz o rei d,armas portugal,, lxrclind.o atençâo, com repetir três vezes u pà1"_lr;r cle linguagem antiga: Ouvide! ouvide! ouvidel

Icvantou a sua quanto pôde o alferes_môr, di_,,r,rrrlo outras tantas vezes: _ Arraial, arraial, ar_

frt rrriirl polo muito alto e muito poderoso principer,l rr, i D. Joâo terceiro, nosso senhor! RecebèramàsI'rrrrrliras palavras os reis d,armas, arautos e pas_.il\',Ullcs;

_9 cog grande alegria e vozes .* grituli,r, lrr rrrplicando muitas vezes: rrarraial! arraiaù ar_

r, c.o1no e/a': Pois era'

3rl, Bargança no ms.

J+ 35

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( 'ot,t,(:\;,Io I)t i cI.ISSICOS SÂ DA COSTA

raialbr. A que responderam juntamente, tocandosem cessar, todos os instrumentos que havia de cha-ramelas, trombetas e atabales, que tudo atroavame alegravam

5 Deceu el-rei pera a igreja acompanhado na for-ma em que subira e com o cetro na mâo. Estavamà porta o cabido da Sé e os capelâes da capela realde ûa parte; e da outra a comunidade do convento,acompanhando ao capelâo-m6r D. Fernando de

ro Vasconcelos, bispo de Lamego, que, vestido ernpontifical, tinha nas mâos ûa santa reliquia. Adian-tou-se o cardeal, tomou a reliquia e dando-a a bei-jar a Sua .Llteza, caminharam todos em procissâopera ra Capela de Jesu entoando um alegre Îe

z5 Deum lawd.amus. Fez el-rei oraçâo e o capelâo-m6rdisse algûas oraçôes pertencentes à solenidade.As quais acabadas, Sua Alteza se pôs a cavalo nâodeixando o cetro; e diante em seu lugar o alferes--mdr, que a espaços bradava rrArraial! Arraial! Ar-

zo raialtD juntando as mais palavras com que come-çara, de que os reis d'armas rerpetiam as primeiras;e os ministris confundiam tôdas com o rumor con-tinuado de seus instrumentos (r).

Esta cerimônia é tradiçâo dos antigos que foiz5 recebida e teve origem daquela que os povos de

Portugal usaram, quando, juntos no campo de Ou-

22, mini,stris: menestréis, tocadores de instrumentos.[(r) Antônio de Castilho em um manuscrito.] O

Chantre de Évora Manuel Severim de Faria tinha comu-nicado a Fr. Luis de Sousa o comêço da crônica deD. Joâo III, feita <elegantissimamenterr, por Antônio deCastilho, além de outros documentos, entre os quais unsComentârios de cousas de Arzila do tempo de Antônio daSilveira, escritos por Pero de Andrade Caminha.

?6

1," tAIS DE D. IOÂ.O I I I

rirlue pera darem batalha a cinco reis mouros, pro-r'l;rmaram por rei ao infante D. Afonso Anriques:lr:rim6nia favorecida primeiro com manifestos si-rrais e mercês do céu e logo com gloriosissima vit6ria

,, t: mortâldade de infinitos mouros; e por isso cornluzâo usada e nunca esquecida na coroaçâo dossucessores.

Recolheu-se el-rei polos mesmos passos por queviera, mandando cavalgar todos os senhores que o

rrr {oram acompanhando a pé; e nâo se descuidando,<luando foi perto da Ribeira, de mandar guardar omesmo silêncio nos ministris que à ida advirtira.

CAPTTULO VI

Lembra-se el-rei do seu convento da Serra deAlmeirim. Sustenta os conselheiros velhos deseu pâi. Trata de dar obediência ao Papa, e darconta de sua sucessâ:

: i,$:".tpes da cristan-

Para bem estreado principio de seu reinado, quisel-rei que começasse êste dia por lembranças do seu

r5 mosteiro de S. Domingos da Serra de Almeirim, obrade suas mâos, como atrâs fica dito. Quando, entradona câmara, lhe chegaram a tirar dos ornbros a opade brocado, mandou que fôsse inviada aos fradesda'Serra, pera se aproveitarem dela em algum orna-

lo mento do altar. Pareceu bem êste cuidado por pie-dade cristâ. Mas nâo foi de menos estima e piedade{ilial o que os homens viram e notararn no primeiroConselho que ajuntou. Festeja o mundo, na suces-sâo dos reis novos, descomposiçôes e queda de mi-

:.5 nistros validos, ûas vezes por aborrecimento, que

JI

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cor)icçrt0 DE cLassrcos sA DA cosTA

naturalmente segue os poderosos, outras sô pologôsto de ver novidades. Esperava-se ruina certa emalguns dos que nêle entravam, especialmente noconde de Vila Nova e em D. Alvaro da Costa, como

5 sabidamente culpados diante del-rei polo terceirocasamento de seu pai. Mas nâo s6mente lhes nâotirou seu lug.ar antigo, antes os ouviu com boa graçanestc dia; e polo tempo adiante os manteve e con-sr:rvou nêle.

ro lioi acto êstc com que el-rei acreditou de novoa opiniâo que o mundo tinha concebido de seu bomjuizo; pois sendo tâo moço, mostrou que sabia esti-mar a companhia, conselho e parecer dos velhos,contra a esperança de muitos mancebos, que se pro-

15 metiam do trato e brandura, que nêle até entâo ti-nham achado, subirem logo ao mais alto grau desua graça. Assi como frustrou a estes, fez espantoaos mesmos velhos, que se davam por perdidos.

Foi primeira consideraçâo neste Conselho, despoiszo de assinar dia pera as exéquias de seu pai, que que-

ria fôssem solenissimas e sem dilaçâo celebradas,dar sua obediência à Sé Apost6lica e juntamenteaviso aos reis amigos da cristandade de sua suces-sâo; e nâo esqueceu tratar-se das naus que seria

z5 bom aperceberem-se pera ir à India no março se-guinte. Despacharam-se logo correos; e pera o quetocava ao Pontifice Romano se mandou comissâoa D. Miguel da Silva, que naquela côrte assistia porembaixador de Portugal, de quem a hist6ria farâ

3o ao diante mais larga mençâo. Com a India pareceuque houvesse moderaçâo, visto ô grande poder comque no mesmo ano fôra despachado por governadorD. Duarte de Meneses.

Para as exéquias mandou el-rei juntar em Belém

tNArs DE D. JOÂO I I r

todos os prelados que se achavam na cidade e comêles tôdas as religiôes e o cabido da Sé e sua capela;e foram celebradas com tôda a pompa que ao de-funto se devia, faltando s6 nelas a majestade e ar-

-5 quitecturas de eça levantada e a assistência dos maisprelados do reino. Porque foi cousa que o defuntoem seu testamento advirtiu que nâo houvesse, comaquela santa humildade, que o obrigou a mandar-selançar em ùa sepultura rasa e châ. O que por entâo

ro se cumpriu, com tudo o mais que tocava a execuçâodo testamento e partes espirituais dêle. Porém, cor-rendo os anos, nâo consintiu a piedade do filho queficasse naquela humildade um pai tâo glorioso e aquem tanto deviam êstes seus reinos: e fez trasla-

15 eJar seus ossos ao lugar dignissimo em que hojeestâo, como ao diante veremos.

Neste tempo deixou el-rei a morada dos Paços daRibeira, ou por se aliviar do nojo a si e à rainhacom a diferença do sitio, ou porque jâ se deviam

30 começar a sintir na cidade as mortes apressadas eprincipios de peste, que pouco despois se declararamdemasiadamente. Passou-se primeiro à parte de En-xobregas, pera as casas de D. Francisco d'Eça; epouco despois pera Santos-o-Velho; mas nâo pera

?5 descansar ou se poupar, antes assistindo sempre aogovêrno ordinârio e ao que devia a sua obrigaçâo eaos homens, fazendo recreaçâo do que era ocupaçâoe trabalho. Do que fazem prova alguns papéis, quenesta conjunçâo achâmos por êle despachados, de

io que apontaremos alguns.Ern z4,dêste mês de dezembro do ano em que

zz, Enxobregos: Xabregas.

i938

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cor.t;cç)Fo DL cLÂSSrcOS SA DA COSTA

vamos de r52r mandou fazer e assinou duas cartas:ûa a D. Afonso de Vasconcelos, filho mais velho doconde de Penela, do cargo de capitâo dos ginetes,que lhe pertencia por renunciaçâo que nelà fizera

5 !op_o_ Soares, propietârio dêle, com iicença del-reiD. Manuel, por casar com D. Guimar sua filha;outra a D. Joâo de Alarcon de seu caçaclor-môr,polos serviços de D. Elvira de Mendoça, que fôracamareira-m6r da rainha D. Maria, sua mâi. Assi

ro teve fim o ano de r5zr, e entrou o de 1522 comnovos c nâo menores cuidados.

CAPTTULO VII

Do estado das cousas do reino e suas conquistas

Para clareza da hist6ria, quisera propôr aos olhosdo leitor, como em um painel de- bù pintura, omodo de govêrno que êste reino e suas ôonquistas

r5 tinham na entrada dêste ano, que é de Cristo r5zee primeiro do reinado del-rei D. Joâo. E ainda luenos cansâmos em procurar a cetteza de tudo, sâo asc9lsas tâo antigas, que nâo pedirei perdâo se emalgûas se nos achar falta. Administràvam o ecle_

zo siâstico D. Diogo de Sousa, arcebispo primaz deEspanha e senhor de Braga em Entrè-Douro e Mi_nho; em Lisboa e Estremadura o ifante D. Afonso,arcebispo de Lisboa; em Alentejo D. Afonso de por_t-ugal, bispo de Évora, filho de D. Afonso, marquês

a5 de ValenÇa, gue naceu primogénito do primeiro du-que de Bragança, D. Afonso. Reluziaentreestespre_lados, com roupas de escarlata e grandes virtuàes,o ifante D. Afonso, irmâo del-rei, a quem o papa

' | 1r / ,4 1S DE D. JOÂO I I I

l-câo Decimo honrara com o capelo de cardeal emirlade quâsi pueril.

Governavam a justiça secular com cargo supre-rno: o regedor Joâo da Silva, na Relaçâo de Lisboa,

,) por renunciaçâo que nestes dias fez nêle o velho Ai-res da Silva, seu pai; e na Casa do Civel D. Alvarotle Castro. Eram vèdores da fazenda real o condede Penela e D. Martinho de Castel-branco, conde deVila-Nova, que juntamente fazia o oficio de cama-

r, 1si16-rn$r del-rei, e D. Francisco de Portugal, con-de do Vimioso. Sustentavam-se ern Africa oito fôr-

ças, guarnecidas de muita gente de pé e de cavalo,representaçâo de boas cidades, honra de portugue-ses, cotn gasto supérfluo da corôa de Portugal, pro-

r 5 veito e segurança das terras vizinhas de Andaluzia,freio e terror nâo pequeno da Mauritânia. Seu sitionas ribeiras do mar, pera mais temidas e mais defen-sâveis.

Caem as quatro sôbre o mar Atlântico, que sâo.'o Cabo de Gué, Safim, Azamor e Mazagâo. As outras

quatro ficam da bôca do estreito pera dentro, onde oMediterrâneo com pouca distância faz divisâo entreEspanha e Berberiâ. É primeira a famosa cidadede Ceita; segue Alcâcere, que, a diferença doutro

.'1 lugar do mesmo nome, chamam os bârbaros Seguer,que é o mesmo que ((pequenol. E pouco adiante Tân-ger e Arzila. Tôdas oito tinham govêrno e capitâoparticular de por si, sem reconhecer outro superior

.rr-r2, f6rças: f"ortalezas,r6-rj, Seu sitio nas ribeiras d,o ntar. SuÏ>entende-se o

vtrl;o <rera>, A elipse é processo freqiiente no estilo nar-r ; r1 ivo dos lnais.

24, Ceita: Ceuta.

4r40

Page 32: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

cor.ttcç1ïo DE CLA.SSTCOS SA DA COSTA

mais que a el-rei em Portugal. Eram capitâes: cleSafim D. Nuno Mascarenhas; de Azamor, GonÇaloMendes Sacoto; de Mazagâo, que ainda era cousapouca, Ant6nio Leite. A Tânger governava D. An-

5 rique de Meneses, irmâo de D. Duarte, que destacidade foi tirado pera governador da India; a ArzilaD. Joâo Coutinho, filho do conde de Borba. A estaspraças podemos juntar o Castelo de Arguim, cujositio ainda que afastado por grande nrimero de lé-

ro guas, c por isso de menos nome, fica na mesmacosta- contra o sul.

Scguem adiante as povoaçôes de Cabo Verde, queos antigos chamaram Promontdrio Arsinârio; e daicomeçam a coffer as novas e estendidas provincias

15 da Eti6pia ocidental, vârias em sitio, em linguageme trato, mas de ûa s6 côr dos homens (sâo todos ne-gros) , que à indristria do grande ifante D. Anri-que deve êste reino. Nestas se contava a cidade deS. Jorze da Mina, praça de grande utilidade, polo

?o resgate continuo de muito ouro; e a Costa de Mala-gueta, rica de um género de especiaria dêste nome,gue, antes de descoberta a pimenta da fndia, nâotinha menos estimaçâo e valia que ela. Contavam-setambém a ilha de S. Tomé, prôspera por infinito

25 açtucar, com os reinos de Congo e outros vizinhos,ricos por muitas vias, mas prinéipalmente por seremcomo sâo fonte perene de inumerâveis escravos.

No mesmo tempo se continuava o descobrimentoda costa contrâria: costa da terra América, ou Novo

Jo Mundo, que o primeiro descobridor, PedrâlvaresCa-bral, chamou Santa Cruz e o vulgo Brasil, pola esti-ma que faz de um género de madeira dêste nome,de que tem abundância. É a terra por tôda partefresquissima de aryoredos, abundante de mantimen-

ANAIS DE D. TOÂO I I I

tos, talhada de muitos rios de âguas excelentes e al-guns dêles tâo grandes que sâo navegâveis pola terrad.entro muito nûmero de léguas. As serras criam es-meraldas, amatistas, cristais e ouro; o mato é rico

5 de muitas fruitas e eryas medicinais, como sâo; ca-nafistola, sarça parrilha, tabaco e almécega. O mar,sôbre grande abundância de bons pescados, lançapor tôdas as praias muito âmbar. E sendo com istoo clima todo de ares benignos e salutiferos, dava

.ro pera o diante esperanças de maiores interesses. De-sejava el-rei D. Manuel a trôco dêles doutrinar osnaturais, levando-lhes a noticia do Santo Evange-lho; mas cossârios estrangeiros, principalmente fran-ceses, nos davam grande estôrvo, acudindo muitos

15 aproveitar-se do suor alheio. Era necessârio anclarcom as armas nas mâos contra êles, por nâo toma-rem pé na terra.

Por diferente modo se governava o que el-rei pos-suia na India Oriental. É estado de tâo grande im-

zo portância, como se sabe, por autoridade e crédito dedescobrimento, por nûmero e grandeza de cidades,por grossura de trato e rendimento;eporissoguardâ-mos tratar dêle pera em riltimo lugar. Tinha sucedidoneste govêrno êste ano em que vamos a Diogo Lopes

:5 de Siqueira, D. Duarte de Meneses, filho mais velhode D. Joâo de Meneses, conde de Tarouca e Priordo Crato, 'despachado por el-rei D. Manuel com ûagrossa armada no mesmo ano de sua morte.

Capitaneavam as fortalezas maiores: D. Garciaio Coutinho, a de Ormuz) Jorze d'Albuquerque, a de

cossdrios: corsârios, piratas.por ndo tontarent: para nâo tomarem.

r3,t6,

4i,2

Page 33: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

coLECÇAo DE CL.4SSTCOS SA DA COSTA

Malaca; Sancho de Toar, a de Sofala com Nloçam-bique. Estas reconheciam por superior, com tôdasas menores, a D. Duarte. Eram as menores Cochim,Chaul, Colombo, na ilha de Ceilâo, Cananor, Cou-

5 lâo e Calicut. Destas iam crecendo, em corpo de ci-,dades e opulência de trato, Cochim e'Chaul. As ou-tras quatro, com mais a forla\eza de Pacém, levan-tada na ilha de Samatra, junto a Malaca, nâo pas-savam de praças de armas pera cautela de paz com

ro amigos e freo de rebeldes na guerra. E nâo fazemosmençâo de Goa, por ser metrdpoli e cabeça de tudoo que tinhamos na India, e côrte e assento ordinâriodos governadores dela. E tal era o estado em queel-rei recebeu a corôa de Portugal e suas conquistas.

r5 Mâquina grande, bem necessitada de um valeroso esâbio governador, se considerarmos que ficava sendoPortugal com todo seu povo e rendas um ponto, eponto indivisivel, comparado com tamanha circun-ferência e tanta diferença de terras.

zo Conheceu el-rei o peso que tomava às costas. Eêste foi o primeiro sinal que deu pera se esperar quepoderia com êle. Porque estava certo que naceriade tal conhecimento levantar os olhos a Deus (comoem sua mâo estâo os coraçôes dos reis, êle os menea

25 e governa), pedir-Ihe socorro, pera nâo faltar emparte nenhûa de sua obrigaçâo. Na entrada clêsteano chamou os dous ministros da justiça supremos,Joâo da Silva e D. Alvaro de Castro; e com pala-vras graves e eficaces encomendou a ambos a boa

3o e 'diligente execuçâo do que tinham a seu cargo:no criminal, castigo de malfeitores, extirpaçâo de vi-cios, manter a terra empazi no civel, fazer correr ascausas sem dilaçâo e sem queixas, clar a cada umo seu.

44

AltArs DE D. JOÂO I I I

-E se é verdade-acrecentava-que a pr in-cipal obrigaçâo do rei é guardar justiça, bem sesegue que estais vôs outros iguais comigo no cargo,pois em vossas mâos tendes vida, fazenda e honrade todos aqueles que Deus tem fiado de mi. Se lhesacudirdes com a vigia, cuidado e pontualidade quedeveis a essas varas que tendes nas mâos, nâo tenhoeu melhor oficio que v6s, nem vôs ficais sendo me-nos que reis; e nâo so reis, mas tamMm deuses, quepor tais vos nomea quem s6 é verdadeiro rei e ver-dadeiro Deus de tudo.

I\{as nâo consintirei eu que, se isto é honra, comoé, ma leveis v6s tôda, e, se é trabalho, como tam-bém é, sejais sds a padecêJo. Eu serei convosco,tôdas as vezes que me puder desocupar de negôciosmais pesados . E fazei conta que assi como os desem-bargadores a que presidis vos tem por oiheiros, peraespeculardes como cada um em seu oficio procede,assi me haveis de ter r'6s e êles por vigia, pera espiare saber o que fazeis todos: segundo isso também,fazer honra e mercê a todos. E assi vos mando queo dieais ambos em vossos tribunais.

Nâo disse el-rei mais, mas seguiram obras o dito:porque logo limitou dias, em que assistia com estesministros e mandava em sua presença julgar algûascausas. E porque achamos em autor estrangeiroo sucesso de ùa, que afirma passou diante del-rei'sem nos apontar o ano, e parece que cairâ bem noprincipio dêste, nâo serâ razl.o guardarmo-la pera

uigia: vigilància, cautela.especular: ver, examinar.

to

r8,

45

Page 34: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

IO

r5

coLr,cÇÂo DE CL.4SSTCOS 5.1 DA COSTA

mais longe (r). Refere que julgando-se por êsteinodo um processo de certo delinqùente, vieram aemparelhar-se os votos de sorte que ficava no del-reicondenâ-lo ou assolvê-lo. Esperando todos com al-voroço o juizo del-rei: - ps, - disse - segundo oque tenho entendido da graveza da causa, acho queos que condenastes êste homem, julgastes justa esâbiamente; e nisso fôra bem que concordâreistodos. Mas, por que se nâo diga que por voto de reimorreu vassalo, eu me conformo corn os que lhe dâovida. Até aos mais severos foi agradâvèl o juîzo,lembrando-se alguns dos curiosos terem lido que eralei entre os lacedemdnios em sernelhante caso ficara sentença era favor do acusado (z). Assi se notoue contou logo por exemplo de ûa bem consideradapiedade real.

Nâo igaoro que se conta igual sentença clel-reiD. Joâo segundo, em ûa causa semelhante; massendo possivel passar o mesmo sucesso polas mâosde ambos, como adiante veremos em outras, parece--me justo nâo encontrarmos testemunho de aulor tâograve. Ao que juntaremos outro muito sabido dêsterei e nâo menos pio (S).

Achou pôsto em costume sinalar no rosto os mal-feitores, cortando orelhas e pondo-se ferro a ladrôes,

i(r) Marques Augustiniano, Gobernad,or Christiano,liv.

-I, cap. 19. Êste caso diz o Chantre que foi del-rei

D. Joâo I I . l

[ (z) Alexander ab Alexandro, Gerzeal Dierutn, liv. III,c:rp. .5. ]

2r, enconlra,rnlos: contestarmos.[(.1) Mariz, Ditilogos d,e utiria histôria, na vicla <]ôste

rei , r l i r i logo 5. ]

46

25

ANArS DE D. JOÂO I I I

quando o crime merecia menos que fôrca. Acudiuo bom rei a esta ctseza um dia, que se achou emjunta com os desembargadores; e mandou que daliem diante se nâo usasse mais, advirtindo que era

5 um género de tolher aos homens o tornar sôbre sie emendar a vida, tocando cada dia com as mâoso sinal de sua infâmia. E parecia demasiado rigore sem razâo notar com pena perpétua quem estavaem tempo de poder, emendado, ser de grande honra

ro e serviço da repriblica; pois se sabia que de capitâode salteadores viera Rômulo a ser fundador de Ro-ma; e o nosso Viriato português a ser libertador deEspanha (r) e, polo menos, famoso vingador desuas injûrias: que por isso lhe deram nome os mes-

rj mos romanos de Rômulo espanhol.De primeiros dias dêste ano achamos duas cartas

passadas por Sua .Llteza de dous importantes car-gos de sua casa: foi ûa de seu mordomo-m6r, aD. Joâo da Silva, conde de Portalegre; outra a

zo D. Pedro Mascarenhas do offcio de estribeiro-môr:cargos que um e outro faziam em seu serviço, quan-do era principe.

Poucos dias adiante entrou em Lisboa o bispo deCidade Rodrigo, D. Joâo Taveira, que despois foi

z5 arcebispo e cardeal de Toledo, inviado a el-rei polocardeal Adriano, bispo de Tortosa, que assistia nogovêrno de Espanha, por ausência do emperadorD. Carlos, em companhia do almirante e condesta-bre de Castela. Era o fim de sua vinda visitar el-rei

30 e a rainha viûva, como bons vizinhos, da mortedo pai e marido. E quâsi no mesmo tempo chegou

[(r) Tito Livio, Décadas. F-loro.]

30, d,a ntorte: por rnotivo da morte.

Page 35: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

Ir

coLECÇÂO DE CLA-SSrcOS SA DA COSTA

aviso de Roma de ser eleito pera sucessor de S' Pe-

dro êste mesmo Adriano, por morte do Papa Leâo

Décimo, falecido na entrada de dezembro pr6ximo

passado.

5 Tratou el-rei logo de lhe fazer solene embaixada:

e despachoo com ela Aires de Sousa, comendador

de Sànta Maria d'Alcâçova de Santarém, a quem

entregou fermosissimo presente pera Sua Santidade,qo. ù" ûa cruz feita do Santo Lenho, em queCristo

.o .ror.o Redentor padeceu, que pouco havia o Preste

Joâo, rei dos abexins, mandara a el-rei D' Manuel

em precroso e srngular dom. Ao presente ajuntou

oferà de o mandar acompanhar com ûa boa arma-cla, que logo inviaria pera a passagem de ltâlia, que

r S era 6em fôsse por mar' pera tardar menos a se

achar na santa ôidade e escusar entrar por França'

Era requerido polo sagrado colégio dos cardeais que

abreviasse quanto fôsse possivel sua partida, e êle'a procurava por se desviar do emperador, que jâ

.zo ;e-dizia vinhà pera Espanha a tôda pressa. Alcan-

çou-o Aires de Sousa em Saragoça de Aragâo, ca-

minhando jâ pera o mar de Catalunha.Ali fez sua embaixada que Sua Santidade mostrou

ser-lhe gratissima, recebendo e venerando o Sagrado

,25 Lenho èom alvoroço e devaçâo de.varâo santo, qual-

na vendade era; e estimando muito a promessa da

armada que o embaixador afirmava ficar-se apres-

tando. Entre as cousas que Aires de Sousa levavaa cargo tratar com o Pontifice de parte del-rei, foi

3o ia pedir-lhe pera o ifante D. Luis a administraçâodo Èriorado do Crato. Era dignidade e prebenda da

Ordem de S. Joâo de Malta, devida a valerosos

cavaleiros, em preço do sangue que derramam pola

fé, a mâos de infiéis.

+8

ANAIS DE D. JOAO I I I

O Pontffice era escrupuloso: achavalhe dificul-dade. Mas quem havia de negar a um rei, e pera talprincipe? Concedeu a graça. E ainda que nas letrashouve defeito, com que por entâo se nâo deram à

5 execuçâo, por serem pouco prâticos nas matérias ,da Criria Romana os ministros por quem correram,e o Papa deixou Espanha com tanta pr€ssa, quenem houve tempo pera emendar'o êrro, nem perachegar a nossa armada, despachada jâ e encomen-

ro dado o govêrno dela a Duarte de Lemos, senhor daTrofa, com tudo, a graça nâo deixou de ter seuefeito, com quanto acudiram de parte da religiâograndes contradiçôes, que, se bem embaraçaram eretardaram o neg6cio algum tempo, emfim indo a

r.5 Roma o doutor Joâo de Faria, que despois foi chan- 'çarel-môr dêste reino, despachou tudo de maneiraque o ifante entrou em posse do Priorado e o gozouemquanto viveu.

CAPITULO VII I

Queixa-se o conde de Marialva a el-rei do mar-quês de Tôrres Novas. Dâ-se conta da razâo da

queixa e sucesso dela

Corn nova e estranha contenda entrou na ,côrtero e diante del-rei, nêste principio de seu govêrno, o

conde de Marialva, D. Francisco Coutinho. Era oconde um dos primeiros senhores do reino, e que en-tâo mais valia por preço de pessoa, autoridade deanos, que passava de setenta, por grandeza de esta-

,'5 do, por grossura de rendas e dinheiro. Dês do tempodel-rei D. Afonso quinto, nenhûa ocasiâo houveradeguerra com Portugal em Espanha nern fora dela,

4.9

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COLI:CçÂO DE CLASSICOS SA DA COSTA

em que nâo fôsse dos mais arriscados por valor debraço e dos mais lustrosos por magnificência decompanhia e despesa. Assi, em tôdas aS matérias depaz e guerra, era o primeiro voto dêste tempo. De

I mais do estado de Marialva, poderoso de grandesterras e muitos vassalos, possuia pola condessaD. Brites de Meneses, sua mulher, o condado deLoulé, no Algarve, e tinha o cargo de meirinho-mdrdo reino.

ro Considcrando isto, el-rei D. Manuel, como era tâoprudcntc e sâbio, tratou com êle darlhe pera genroum de seus filhos e assentaram cue seria o ifanteD. Fernando, seu filho terceiro; e, sôbre a promessareal, procederam contratos pera o matrim6nio haver

15 efeito, tanto que o ifante tevesse idade competente.Sendo o neg6cio priblico, e juntando-se encarregâ-loel-rei por sua morte ao prfncipe nâo s6 de palavra,mas por clâusulas expressas de testamento, vêo ànoticia do conde que o marquês de Tôrres Novas,

zo filho mais velho do Mestre de Santiago, publicavaque de muito antes dos contratos del-rei estava clan-destinamente casado com D. Guimar, que assi sechamava a filha do conde; e afirmava havê-la depedir por justiça.

25 Foi isto cousa que feriu o conde no întimo daalma, sintindo igualmente tomâ-lo tal sucesso sôbresetenta anos e êsses cercados de infirmidades. Maso que mais cuidado lhe dava, era imaginar que odescobrir-se o marquês em tal tempo, ao que se nâo

3o atrevera em vida del-rei D. Manuel, poderia serem confiança de um rei de tâo pouca idade como

15, tanto que: logo que.

5o

êle. E fra e outra cousa o traziam gravissimamenteofendido e descontente. Emfim .r"o_-se a el-rei e pe_diu-lhe quisesse ouvi-lo em conselho; e, sendo adiri_tido, falou desta maneira: _ Jâ que as leis de por_

5 tugal devassaram o fôro antigo àe Espanha, poloqual os cavaleiros agravados doutros ïediam'aosreis, em lugar de oferecerem libelos, carrrpo, apra_zados pera manterem com lança suas queielas,'bei_jarei as mâos a Vossa Altezi far"r-me justiça do

r{) marquês de Tôrres Novas: o qual conira minhavontade, contra as leis dêste reino e assento queel-rei que Deus tem, vosso pai, tem tomado, pie_tende ser casado com D. Guimar, minha fitha, Ëha_mando casamento legitimo aquele que nem Deus

15 ordenou nem minha filha confessa, mas inventous6mente sua cobiça e a falsidade de quem o querenganar.

Nâo fizeram verdadeiramente mais afronta oueesta os infantes de Carrion às filhas do Cide Éui

:o Dias, com quem eram casados. porque, se asdeixaram no campo desornparadas, erarn seus mari-dos; tomavam vingança de si e de sua honra prô_pria, da qual podiam usar bem ou mal, como dadaum faz do seu. Menos é isto que difamar ûa donzela

z5 inocente, s.em outra fôrça de-amor mais que desejode minha fazenda. Acudi, senhor, a demasia tàopesd1. E nâo seja esta querela minha o primeiroexemplo de sem-justiça vossa, pois tendes na terralugar de Deus, pera ma nâo nigardes. Entenda o

1r marquês que, deixando el-rei, que Deus tem, minhafilha jâ desposada, nem ela

-podia querer outra

ANArs DE D. JOÂO I I I

S, d,euassatant: dissolveram, desacataram.

5r

)

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COLITCçi\O DE CLASSICOS SA DA COSTA

cousa senâo o que fôsse seu serviço, nem o mal'-

quês del'era ter outro gôsto. Trate,Vossa Altezaêste meu neg6cio, nâo como contenda e litigio de

um estado, inda que êle assi o preten'de, mas como

5 ùa cousa de tôda minha honra, contentamento da

vida e salvaçâo da minha alma.Mas que falo de rni? Infelices setenta anos, se

sôbre tanto sangue, como derramado tenho, em

serviço <Ie três reis, vossos antecessores, houver de

ro duvidar cle me valerdes em tamanho agravo: agra-

vo que, sendo todo meu, se bem se cuida, é igual

ofensa de um rei, que ontem enterrâmos, sendo emmenoscabo da mulher, que êle com muito gôsto

escolheu pera nora; e desacato vosso e dos vossos

rj anos: poii essa mulher é esposa de vosso irmâo;-

e devJ cuidar quem pretende tirar-lha, que ou lhe

quereis mais que a vosso irmâo, ou que a pouca

iôade vossa vos encurta os espfritos e farâ que

sofrais vassalos insolentes e descomedidos'2J Aqui se viu quanto poder tem a razâo. Naciam

^, p"lurrt"t do cônde de um peito rnilitar, sem mais

estùdo ou concêrto do que lhes dava sua indina-

Çâo e dor. Afirma-se que fizeram em el-rei notâvel

âbalo "

mâgoa. E mostrou-a nos efeitos, porque

e5 juntamente mandou prender logo, no castelo ao"

marquês e sair da côrte ao Mestre de Santiago, seu

pai. Mas era a causa eclesiâstica, e el-rei muito

temente a Deus; e ainda que lhe tocava tanto por

seu irmâo, nâo bastou isto pera que impedisse os

jo têrmos judiciais. Com estes correu o marquês nojuîzo da igreja a tôda a fôrça: alegando pera com

ôl-rei que, sendo principe, the dera licença pera

procurar estas vodas; e pera justificaçâo do casa-inento juntando provas e testimunhos. Durou a

INArS DE D. IOÂO rr I

causa emquanto o conde viveu, que foi té o anode r52g; e emfim, reduzindo-se todo o pêso dela àdeclaraçâo e depoi'mento de D. Guimai, foi dadasentença contra o marquês. Porque nem suas pro_

.5 vas foram havidas por bastantes, nem o descàrgoda licença del-rei, quando nâo tinha mais que dezei-seis anos, se teve por legitimo; antes por êle se lhe9?Tegava culpa, por alcançada em tempo que aidade del-rei era demasiado verde e do ieino nâo

/(r possuia mais que eqperanças.E pera que nâo tornemos a falar nesta matéria,

é de saber que o infante casou e el-rei lhe deu osenhorio e tftulo de duque da Guarda e a vila deAbrantes, com muitos outros lugares grandes; e

r5 teve filhos e tanto gôsto dêles e da condessa in-fante, que lhe aconteceu, subindo ambos fia escada,em tempo que andava pejada, lançar-lhe êle mâodos chapins, pera que tevesse menos pena na subi-da. Assi o ouvimos aos antigos, gente digna de todo

:o o crédito. Mas que diremos aos juizos de Deus?Alevantava-se um dia o infante, estando na vila daAzinhaga, e disse desassombradamente pera quemo vestia: - Sonhava-me esta noite em Abrantes, evia sair de minha casa três tumbas cobertas de ne-

-'5 gro ùa trâs outra. Ao segundo dia lhe chegou reca-do de ser falecida a senhora D. Luisa, riltimo pe-nhor, que sô tinham, porque jâ entâo lhe erammortos dous filhos varôes. Era por outubro do anode 1534. Acudiu depressa a ôonsolar a infante.

17, pejada: grâvida.22, d,esassotnbrad,amen,te: intpassivelnente, sem re-

ceio.z6-27, penhor: filho.

5352

J

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c)uicçÂo DE cLassrcos s,{. DA cosTA

Adoeceu logo e faleceu aos sete de novembro se-guinte. E a condessa sua mulher foi apôs êle, semse meter entre a morte de ambos mais tempo quequanto houve de 7 de novembro até 9 de dezem-

5 bro. De sorte que em dous meses e seis dias teveseu cumprimento o sonho das três tumbas. Porquea primeira, que foi da filha, saiu aos três de outu-bro, e a irltima, da mâi, em nove de dezembro.

Dôstc succsso achâmos mem6ria entre os papéisro da Orclcrn clc S. Domingos, tocantes ao convento

de Nossa Scnhora da Consolaçâo de Abrantes, queé dcstir rcligiâo; porque na capela-môr dêle foramcnterrados todos três. E a condessa de LouléI). Brites, mâi e sogra dêstes infantes, guardadapera

15 ver tantos males juntos, enriqueceu com magnifi-cência real o convento, dando-lhe da sua capelamuita pr:ata; e de suas rendas duzentos mil réis dejuro, que é o sustancial de que vivem aqueles reli-giosos. Assi o escrevemos na nossa Histôri,a d,e

zo S. Dorningos, na fundaçâo dêste convento (r).Deram estas mortes assi repentinas grande oca-

siâo a discursos, querendo cada cabeça julgar porelas a razâo do casamento, por verem dentro decinco anos nâo sô mal lograda, mas perdida e apa-

z5 gada a ilustrissima casa de Marialva, subida tâoalto pera sintir mais a queda. Ignorância e cegueirad'o entendim,ento humano, que se atreve a fiar dosseus palmos a medida do mar profundissimo dosconselhos divinos: sendo assi que veremos nos anos

3o adiante entrado êste mesmo marquês em desgôstoquâsi semelhante ao que quis dar ao conde.

l ( r )Crônica de S. Dotningos, P. I I , l iv . 6, caps. z e 3. ]

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. , INAIS DE D. IOA.O I I I

CAPITULO IX

Despacha el-rei ûa embaixada a el-rei Fran-cisco de França; recebe outra do emperadol

D. Carlos, rei de Espanha

No meio destas contendas caseiras foi el-rei avi-sado de França que andava naquela côrte um JoâoYarezano, de naçâo florentino, requerendo naviose companhia pera um novo descobrimento que se

5 oferecia fazer nas partes da fndia, com promessasde muita riqueza, e em partes, onde portuguesesnâo tinham chegado. Era o aviso certo, por ser dehomens nossos, que tinham assento e neg6cio emParis. Deu cuidado a el-rei a emprêsa do florentino.

lo Juntou-se saber que nos portos de Normandia seaprestavam armadas de franceses, com voz priblicade quererem passar às terras novas do Brasil efundar povoaçôes. ûa e outra cousa pareceu quepedia mandar-se homem prôprio a França. No-

r 5 meou el-rei por seu embaixador a Joâo da Silveira,filho de Fernâo da Silveira. Reinava em FrançaFrancisco de Valois.

A comissâo foi, despois de visitar o francês e lhedar conta de sua sucessâo nestes reinos, confirmar

io as pazes e alianças dos reis antecessores de ambasas corôas; e logo lembrar-lhe quam alheo era de tâoantiga irmandade, roubarem-se os vassalos e ma-tarem-se uns aos outros como inimigos, onde querque se topavam no mar. O que era tâo ordinârio

.'5 de parte dos franceses, que se queixavam geral-mente os nossos nâo acharem mais cruéis inimieos

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coLtîcÇ.4o DE CLASSICOS SA DA COSTA

em tôdas suas navegaçôes. Sob color de amrza"de,eram dêles acometidos, roubados e mortos comtanta crueza, que s6 pera se defender dêles (queoutros inimigos nâo achavam no mar) usavam ar-

j mas, artilheria e gente de guerra. Donde aconteciaàs vezes obrigar a dor e afronta os acometidos amenearem as mâos em sua justa e natural defesa;e como o céu ajuda sempre a melhor causa, ficaremos acometedores sem vida e sem navios. Assi cre-

ro ciam ôdios, e, sendo os reis muito amigos, eram ossrlbditos inimicïssimos. O que tudo se evitariacom mandar el-rei Francisco que nenhum vassaloseu navegasse pera as conquistas de Portugal, nemêle desse orelhas a estrangeiros vâos e mintirosos,

rj que lhe ofereciam o que era impossfvel cumprirem.Isto remediaria disc6rdias futuras; e pera o pre-sente, se algfias queixas havia dos portugueses,mandassem ambos os reis fazer diligentes pesquisasem suas terras e se restitufssem de parte a parte as

zo fazendas roubadas.Esta embaixada se encontrou quâsi com outra

do francês, que, sabendo da morte del-rei D. Ma-nuel, despachou no mesmo tempo pera êste reinoa Honorato de Cayz, gentil-homem saboiano, que

z5 jâ oûra vez pot sua ordem estivera câ. A razâo desua vinda, despois de visita e confirmaçâo de pazes,era a mesma que em outro tempo o trouxera a êstereino. Desejava Francisco dar sua filha, Mada-ma Carlota, a el-rei D. Joâo, nâo so por lhe estar

3o bem o parentesco, mas polo desviar de Espanha,com quem jâ andava de quebra sôbre os Estaclos

r, sob colov: com aparências, com falsas mostras.3r, andaua de quebra: andava em briga.

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,h,.Itâlia. Respondeu el-rei com rnostras de gôsto atudo o que Honorato lhe propôs. Jurou as pazes,liante dêle; e Honorato se obrigou que el_rei seust'nhor faria o mesmo dentro do têrmô e diante da

', l)cssoa que el-rei D. Joâo sinalasse. euanto aollato do casamento, vistos os poderes que trazia,l)areceu nâo serem bastantes. polo que, julgandor) saboiano da boa sombra e gasahàdo com querlel-rei era ouvido que podia esperar bom efeito

r r r 11gls, se- despediu a reformar suas procuraçôes e peralornar logo.

Entretanto caminhava de Frandes pera Espanhao emperador D. Carlos, tendo despachado em mar-ço dêste ano a Portugal por seu ômbaixador Mon-

16 siur de La Xaus, seu camareiro muito aceito e doseu Conselho. Assi nos constou por carta sua, feitaem Brucelas, em dezesseis do mesmo mês. Era acornissâo geral e pûblica visitar el-rei da morte deseu pai; jurar de novo as pazes e a,lianças antigas

.',, dêstes reinos. Mas trazia outra secreta ê nâo Àe-nos encaregada, de ver se poder-ia acabar com el_-rei juntâJo com o emperador em ûa liga e confe-tieraçâo perpétua contra França.

Espraiou-se el-rei em fazer honras ao embaixa-,!,; dor; jurou as pazes. Porém quanto à confederaçâo,

clespois de grandes palavras de amor e cortesia,c significaçôes do muito que desejava o aumento det,stados e grandeza do emperador, seu primo, res-pondeu que, visto como seu primo tinhà a êle e a

1r ôste reino tâo pronto pera the acudir em tôd,a oca-

r / \ / , {1s DE D. IOÂO I I I

2r, encarregada: empenhada, insistente,24,

- Espraiou-se.. esmerou-se com largueza. Bela ex-

pressâo do Fr. Luis de Sousa.

Jt

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siâo, como pedia o parentesco que por .tantas vias

os iigava a ambos, parecia desnecessârio de man-

dar-lie por ora maiôres declaraçôes, e fazêlas el-

rei de Pôrtugal priblicas contra um principe 99 ql'

5 nâo tinha lStanà, antes boa e amiga respondência;

e no prrmerro ano que tomava o go-vêrno de seus

reinos, seria dar qoà direr ao mundo, que referi-

ria a leviandade e ier moço ùa resoluçâo tâo grande

como era romPer Suerra com um rei cristâo,

ro muito poderoso e amigo e sem ser provocado,

quanclo a prolissâo dos reis de Portugal era sô fa-

,.t go.t.J a infiéis. Antes julgava que nenhûa

cousa estava melhor a Espanha e a tôda a cristan-

dade, que ficar êle neutral nesta sua tâo grande

15 disc6rdia, pera em todo tempo poder ser medianeiro

de paz e concêrto entre dous tamanhos monarcas'Sôbre esta reposta tratou el-rei de contentar o em-

baixador com joias e peças ricas; de que êle e um

filho que trazia consigo se deram por tâo satisfeitos,

20 como se no neg6cio levaram todo bom aviamentoque cumpria a quem os tinha inviado.

CAPITULO X

' Embaixada del-rei D. Joâo ao emperador' Dâ-se

conta da viagem que fez Fernâo de Magalhâesa Maluco; e da razâo e sucesso dela

Também se encontrou quâsi com esta embaixadaoutra del-rei D. Joâo pera o emperador. Trazia Sua

AlTeza diante dos olhos as lembranças que el-rei seu

coLLCÇîO DE CLASSICOS S'4. DA COSTA

5, resfondência: trato, relaç6es.

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l). Carlos, rei de Espanha, por ser eleito emperad-or,; <le Alemanha. Pareceu a el-rei que nâo havia que

(,sperar, senâo mover logo a prâtica; e escolheupc.ra isso o guarda-môr Luis da Silveira (se jâ nâoloi que êle se fizesse eleger, segundo o que entâo va-'lia) . Como o negdcio era de tanto peso e tanto do

trr gôsto del-rei, determinou Luis da Silveira mostrarcm Portugal e Castela ûa estranha e nova fonfarrice;luntou parentes e amigos e criados, com que fez iacornpanhia de cento de cavalo, com tania prata descrviço e ginetes de destro e paramentos de casa ri-

|,, (:os, que fez aparato e estado de mais que homemparticular. 56 nos trajos nâo houve demasia, porquerlurava o d6 da morte del-rei D. Manuel.

A tôdas as cousas que passam do termo ordinârio(: natural chama o povo <monstrosl; e monsttos

du scûlpre foram de mau agouro pera a casa onde se:rciram. Seu pai, Nuno Martins da Silveira, senhorrla casa de Gdis, homem sisudo e muito entrado emrlias, lhe pronosticou logo haver-se de perder, masIundado em diferentes principios. Como velho e prâ-

d,' lico nas côrtes e condiçôes dos prfncipes, lembiou-lhe que fazia temeridade em se alongai del-rei; qus,

sc h4yj4 maldiçâo pera os que fiam em principe, porrrruito amigo e muito que seja do sêo, lque sérial)cra os que se ausentassem e estando longe fiassem

, INAIS DE D. IO.4O I I I

p;ti lhe fizera morrendo, de buscar um tal consorteifante D. Isabel, sua irmâ', que fôsse o primeiroir rlante D. lsabel, sua irmâ., que fôsse o primei

l maior senhor da cristandade. Era-o iâ neste temtPo

rr, lonlarrice: fanfarrice, jactância.11, gi.netes de destro: que se trazem à mâo direita.zE, séo.' seio; sey do seio significa rser da intimi-

, l . r , lc . l .

5a

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COLDCÇ,4O DE CLASSICOS SA DA COSTA

de sua graça? Se ao perto sâo os prfncipes homens,como nds, e por isso vârios e mudâveis, ;que seriaa cem léguas de distância e muitos meses de ausên-cia ?

S - Quanto maior grandeza - dizia - fôra atua, se el-rei te ama, fazeres tu embaixadores, çluenâo sê-lo? Quanto maior descanso lograr sua graça'em casas frescas de verâo e bem abrigadas de in-verno, quc andar caminhos, trafegar serras e mon-

ro tes, contemporiar com parentes e criados? Nâoquisera fadar-tc mal, mas se me nâo mente o que

sei clo mundo, tu vâs pera nâo tornar. Quero dizerque el-rei é moço e fica com moços; a igual'dade das

iàades pode muito; teus anos sâo mais crecidos; faço

15 conta qoe por muito que lâ ganhes, hâs-de perder

câ tudo.

Jâ entâo havia filhos que' em nacendo, se persua-

diam saber mais que seus pais: nâo houve cousa que

fizesse trocar o gôsto da jornada ao novo embaixa-zo dor. 56 lhe fez algûa dilaçâo ûa nâo esperada novi-

dade. Chegou aviso a el-rei de ser aportada no CaboVende ùa das naus, com que o português Fernâo de

Magalhâes saira de Castela em serviço do empera-

dor. Tinha dado muito que cuidar e que sintir em

z5 Portugal a determinaçâo dêste homem; mas em-quanto tardava o firn dela, esperava-se que ou o

cbmeria o mar, ou o trataria de maneira que nos

desse vingança da pouca lealdade que teve com suapâtria. A razâo em que fundou desnaturar-se de

3o itortugal e o sucesso de sua viagem é tudo tâo sabi-do, que nos forra longa digressâo.

g, lralegar: petcorrer.ro, contenxpoviar: contemporizar, acomodar-se.

6o

Foi o caso, em breves palavras, que, senclo ho-rnem de bom sangue e com foro honrado na Casal(eal, pretendeu por serviços que tinha feito nafndia e em Azamor, em Afiica, que el_rei lhe man_,1 dasse acrecentar sua moradia. É- moradia ûa levecontia de dinheiro e cevada, sinalada de temposantigos a tôdas as famflias nobres do reino {ueacompanham a côrte, com tal regra que anda

-depais a filhos, sem crecer nem subir aqïeh que ûa

trt ys7 se sinalou, se nâo é mui raramente. E estima_semais pola dignidade de. que se acompanha, por serdegrau pera cousas maioies, q*. polu sustância dorendimento. Pediu Magalhâes^êste acrecentamento;e contentava-se com meio cruzado por mês mais do/ ' ; que jâ possuia (r) .

;Que mistérios de estreitezas fazem os reis muitasy,._1:t "T

cousa.s que pouco importam, sendo pro_dlglos de prodigalidades em outras ! Nâo hoïvecousa que dobrasse a el_rei, ou por nâo devassar.'(, aquele assento da antiguidade e abrir porta, por quemuitos quisessem entiar, oo porqo. tambêm, se_gundo se afirma, tinha el_rei ."tpâ. dêle do tempoque assistira em Azamor. Deu_s-e por agravado oportuguês; e como da navegaçâo tinha ciência e.'i experiência, foi-se a Castela,-pediu navios a el_reiD. Carlos, oferecendo-lhe duaô cousas,

"-bu, "orr_tra Portugal: primeira _ descobrir viagem para asilhas de Maluco, mais- curta qo" u ,or*j segunda _rnostrar em boa razào d,e matemâtica que caiam

t,r aquelas ilhas na demarcaçâo dos reinos al, C"rt.f".

. . r ) , iAIS DE D. IOÂO I I I

i ( r ) Joâo de Barros, Asia, Déc.I I I , l iv . 5, caps. g e 9.1rg, deuassay: infringir.

iilir

1i1rI

I

I

6r

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(;orttcçÂo DD cL4.ssrcos sa DA cosTA

Deixou-se vencer da cobiça e das promessas D. Car-los, como de cousa certa e nâo duvidou dar-lhe cin-co navios e boa companhia de gente, de que o no-meou por general.

5 Acometeu o português sua viagem animosamente:foi costcando primeiro as terras do Brasil, contrao sul, até se pôr em altura de... graus, onde des-cobriu um espantoso canal, polo qual navegandofoi sair ao mar de ponente, que hoje chamamos

ro Mar Pacifico. Mas pagou em sua pessoa e nas dernuitos dos mais principais companheiros o des-ser-viço que se atreveu a lazer a seu rei natural. Por-que, andando de ilha em ilha buscando novas dasde Maluco, foi morto em ûa, onde certos bârbaros,

rj que em dous recontros tinha vencido, lhe armaramcilada.

Vendo-se os que ficaram vivos sem a cabeça queos trouxera e muito diminuidos de n'itmero, deter-minaram reduzir-se a dous navios, com os quais

20 em fim de muitos meses chegaram a tomar terrac:m Maluco e alcançar carga de cravo e outras es-pt:ciarias clel-rci dc Tidore; e um dêles, fazendovoltacorrtra o Cabo de Iloa Esperança, despois de muitasmortes c trabalhos de fome e sêde e falta de tudo,

z5 chegou ao Cabo Verde, onde sendo com piedadeagasalhado, porque fingiu virem das Antilhas, toda-via entendida (que nâo pôde estar em segrêdo) anovidade da viagem, colheu a justiça da ilha deSantiago ûa batelada de treze homens, que foram

3o inviados a Lisboa a bom recado. Os mais levanta-ram âncoras e desapareceram,

7, de... graus. O manuscrito, qge é um borrâo,tem por vezes destas lacunas.

6z

Em um e outro reino fez grande movimento estarravegaçâo: em portugal.de clesgôsto, de alvorôçocm Castela e maiores

"spe.arrçai do que na ver_

dade merecia. El-rei _d-espachou a tôda p."r." qu"_5 tro caravelas, que lhe fôssem buscar a nau: e iunta_

mente mandou a Luis da Silveira, que poi estacausa estava detido,. _que todavia fizeise iua jor_nada; porém advirtidô que em casamentos nâofalasse; s6 tratasse de visita e juramento à;, ;";;,ro e despois em pedir com tôda éficacia as espeôiariasque a nau trouxera, que jâ por êste temio tinhaferrado terra em S. Luèar. Mai isto seria como ma_téria distinta da sua embaixada, e que el_rei de novolhe_ encarregava por cartas:

,5 .,-?1"

o emp_erador, em conformidade das pazes,trnha obrigaçâo de mandar entregar tudo o !o"

"nau trazia, visto ser tomado em térras de que esta_y1m

"m posse pacifica os portugueses e eram conhe_

cidamente da nossa demarcaçâo-, assentada e recebi_;o da por amtras as corôas de.Éoftugal e Castela; que

sendo cousa injusta aproveitar_se-d" o- infiel vàs_salo..seu,-que jâ a Justiça Divina tinha castigado,por lhe devassar suas terras, nenhum remédià ha_via, pera sanear o maleffcio, senâo restituïndo o

:J q.ue mal fôra adquirido; que, se isto refusasse, fica-na dando a entender que estimava mais aquele pe_q^ueno interesse que o bem e sossêgo das confedera_çôes e alianças antigas.

A estas queixas, que Luis da Silveira sabia bem;o representar, replicava o emperador com outras, ale_

gando que lhe pagavam màl el-rei e seus vassalos,

, tNAIS DE D. IOÂO rI I

25, relusasse: recusasse.

6j

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COUiCÇTO DE CLASSICOS SA DA COSTA

o bom gasalhado que nossas naus achavam emtodos seus portos, com os vassalos lhe prenderemos seus navegantes no Cabo Verde e el-rei, sôbreos ter em ferros em Lisboa, mandar armada contftt

j a nau. E resolvia que o êrro da demarcaçâo deMaluco era tâo prejudicial à corôa de Castela, quenâo podia ceder o direito que tinha nela com boaconsciência; o mais que faria, por dar gôsto a el-rei,seria, scrltando-se os presos em Lisboa, consintir

ro quc de novo se visse a antiga ddlineaçâo por fidal-gos honrados e matemâticos d'ambas as corôas e secstivesse polo que sentenceassem. Sintido el-reidesta reposta, mandou a Luis da Silveira eue, semdar mais ponto no requerimento, se recolhesse pera

15 o reino.

CAPITULO XI

Fome crecida em Lisboa e por todo o reino.Meos que el-rei usou pera a remediar. Tremo-res de terra em Espanha e um muito espantosona l lha de S. Miguel , e soversâo de ûa grande

vi la dela

Padecia neste tempo o reino de Portugal cala-mitoso apêrto de fome. Porque, quanto mais corriao ano de. 22, em que vamos, tanto maior era o tra-balho. Crecia a falta, gastando e comendo o povo

zo êsse pouco pâo que havia. Castela nâo podia aju-dar, porque a esterilidade do ano de zr fôra igualnela. De França nâo vinha nada, respeito das guer-

22, respeito das: por motivo das.

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.. '1 t { /1S DL D. rOÂO I I I

guado: que nâo hâ fartar um mouro, se come emmesa alhea. Se quiseram valer-se das mâos, confor-me ao que a terra de si dâ, puderam viver sem regrae ter tesouros de trigo encovado pera muitos anos.

Achamos em lembranças de D. Antônio de Atafde,primeiro conde da Castanheira, que .nos foramcomunicadas polo conde de Castro, seu neto e doseu nome, e que quando isto escrevfamos, por no-vembro de 1628, caminhava pera Alemanha porembaixador extraordinârio ao emperador, que co-meçou el-rei a gastar neste provimento com tantali'beralidade, que se achou importara de dano perasua fazenda mais de cincoenta mil cruzados de ca-bedal dentro de pouco tempo. E assi o mandouSua Alteza significar aos Estados na terceira juntade Côrtes, que muitos anos despois iez em Almei-rim.

Ordinâria conseqùência é da secura do céu e fo-me da terra, corrupçâo de humores, novidade dedoenças, que param em peste. Porque a falta dobom mantimento |az lançar mâo do mau e extraor-dinârio de ervas do campo e raizes mal conhecidas,que, sendo por si nocivas, como lhes falta a misturado pâo, mantimento naturral e salutifero, ficam fa-zendo nos corpos efeitos de veneno. Assi aconteceuem Africa e em Portugal. E el-rei, começando-se asintir rebates em Lisboa, foi mudando estâncias.Primeiro se passou ao Barreiro, ordenando que arainha e ifante D. Isabel se aposentassem no La-vradio. Despois se foi alongando mais da cidade,icgundo crecia o mal nela.

2, quiseratn: quisessem.

j { }

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I

Mas nâo pâra sô a falta das ordinârias influênciasde humidade das nuvens em tirar os fruitos à terrae causar perniciosas infermidades. Também proce-

dem do mesmo principio os tremores de terra, que

5 de improviso assolam cidades e matam muitos rni--

thareJ de bomens, como êste a4o se viu em Espa-

nha e também em Parte desta corôa.Afirmam os que consideram com bom juizo as

causas naturais que os excessos de secura e quen-

ro tura Iazcm pcnetrâvul até o centro êste grande

colpo da tcrra: de maneira que recolhendo em suas

entianhas os ares afogueados que câ nos âbrasam,dâ ocasiâo a tomarem fogo os minerais que nelas

se criam de caparosa, enxôfre e mlitre, fâciles todos

rj em calida'de dè o receber. Donde nace çlue' vendo-

-se violentados fora de sua regiâo e fazendo fôrça

por tornar a ela, ou causam na terra os grandes

Èalanços, que chamamos tremores, ou arrebentamem novos e temerosos incêndios, ùas vezes em ter-

zo ras novas, outras vezes on'de a natureza lhes tem

abertos aqueles espantosos respiradouros, que cha-

mamos volc"tto., porque sempre estâo brotandofogo, como sâo em Nâpoles o monte Visilvio, em

Siàilia tltongibelo, e câ nas nossas ilhas dos Açores,

25 a que chamamos Pico, que, sendo em-si pequena,-

e i pico que lhe deu o nome ûa sô perlra redonda,que se vài às nûvens, fica fazendo oficio de um

fàrol perpétuo no meo do estendido Oceano'Neste âno em que imos, em zz de setembro,

3o houve um tremor na cidade de Granada e por tô-

coLECÇÏ) DE CLA.SSICOS S'4. DA COSTA

t.4, fa.ciles: iâcets' Forma clâssica alatinada'

22, uulcanos: vulcôes.

68

ANAIS DE D. TO.4,O I I I

ras que trazia com o emperador. Os pobres do reinoacudiam todos a Lisboa arrastando consigo suastristes familias, persuadidos da fôrça da necessi-dade que poderiam achar remédio onde estavam o

5 rei e os grandes.Mas aconteciam casos lastimosos. Muitos caiam

e ficavam mortos e sem sepultura polos caminhos,de fracos e desalentados. Os que chegavam a Lis-boa pareciam desenterrados, pâlidos nos sembran-

ro tes, débiles e sem fôrça nos membros. Dinheiro nâoaceitavam de esmola, porque nâo achavam quecomprar com êle. 56 pâo queriam; e êste nâo haviaquem o desse. Porque algum que às escondidas sevendia, era a quatrocentos e cincoenta réis o al-

15 queire; o centeo a duzentos réis; o milho a centoe cincoenta, que para aquele tempo era como umprodigio. Viu-se que era açoute do céu, em que,correndo muitos navios às ilhas dos Açores, ondeas novidades haviam sido mui floridas, uns se per-

zo deram tomando, à vista da barra de Lisboa, outros,forçados de tormenta, alijaram ao mar o trigo, porsalvarem as vidas.

Foi a origem dêste mal nâo acudir o céu comâgua em todo o ano de zr. Estavam os campos tâo

25 secos que, como em outro tempo se despovoou Es-panha por lhe faltarem as chuvas ordinârias, pare-cia que tornava semelhante desaventura. As terras,delgadas, se desfaziam em cinza; as grossas se aper-tavam e abriam em fendas até o centro. Assi em

jo geral nem no Alentejo, nem ,ro Algarve, nem

ro, d,ébiles: débeis. Forma clâssica, alatinada.

65

Page 45: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

na (r) Estremadura chegaram as searas a formar

espiÀ;. Em erva ,*"t"tÀ e se perderam tôdas' E

""i ii.Uo" se padecia jâ tanto no outubro de zr'

que acontec"o-parr","* muitos homens oito dias

c slm tocar pâo, iomenclo s6 carnes e fruitas' E por

janeiro e flvereiro do ano de zz em çlue vamos'

se averiguou morrerem muitos pobres à pura fome

polas ruàs e alPendres de Lisboa'Abalavam estas misérias as entranhas del-rei'

ro Mandou fazcr com tempo grandes diligências pera

<lue cleccssc de Antre-Dooio e Minho e da Beira'

tiin "

que se achasse de centeo e milho' E nâo

contente com isto, que todavia foi d-e muita im-

oortância, despachou navios à custa de sua fazen-

,.' à", .o- iet."i "

dinheiro, que fôssem carregar de

trigo à França e Frandes. Porque,-além das neces-

sid"ades .ar"ir,"r, obrigavam e pediam remdio os

tog"t* de Africa, onâe a falta de fruitos era tâo

crËcida, que por muitas daquelas fronteiras se vi-

,, ,rt "*

tamniai inteiras de môuros oferecer ao cati-

veiro à conta de lhe matarmos a fome'-Sao u. gentes da Mauritânia em geral de grande

temperança na comida; mais por costume e vileza'

qo"^po, ialta de gula: tendo terras larguissimas e

z5 igualmente fértiles, nâo aproveitam.mais delas que- q"uanto lhes parece que basta pera chegar de îia no-

;id"à" "

ooto. Assi vem a ser ignâvia e frouxidâo

" ""ot" que os faz temperados' Porque isto é averi-

cot,ttcÇÂo DE CLASSICOS SA DA COSTA ANAIS DE D. TO,1 O I IT

tos em bando os mininos de Vila Franca, diziam aûa voz que estava perto um dihivio, fim de to-dos e de tudo. O que sendo mal recebido dos pode-rosos e referido à prègaçâo do frade, pediram ao ou-

5 vidor que o tornasse a chamar e inquirir donde sa-bia o que prègava e apregoava.

Obedeceu êle ao segundo mandado, como aoprimeiro. Eram jâ zr do mês de outubro. Chegousôbre tarrde a casa do ouvidor. Querendo entrar,

lo mandou-lhe dizer o ouvidor que no dia seguinte oouviria. E êle tomou, palavras formais, ao criado:- Diz o senhor ouvidor que amanhâ me falarâ; eeu lhe digo que, pois agora nâo quer que pode,àmanhâ, se quiser, por ventura nâo poderâ. Pala-

rj vras foram estas, que o calamitoso sucesso que asseguiu logo deu ocasiâo a ficarem pera sempre comoimpressas em bronze na mem6ria dos homens.Cerrou-se a noite clara e serena, senâo quando,sendo as duas horas despois de mea noite, em tempo

20 qtre o sono mais senhor estâ dos membros e'sintidosde tôda cousa vivente, começou a estremecer a ter'-ra, com uns abalos e sacudimentos tâo impetuosos,que nâo ameaçavam menos que querer-se desatar esoverter no mâr tôda a ilha; e assi nâo deixaram na

z5 vlla casa nenhfla em pé. E logo, por que nâo esca-passe nada, quebrou de ûa serra vizinha ûa mon-tanha inteira de terra, lôdo e penedia, que, comolevada à .mâo, correu contra a vila e a cobriu tôdaaté o mar e até lançar no porto grandes penedos.

jo Emfim o terremoto assolou e o monte sepultoutudo que era vila: de sorte que ficou tôda um cam-

26, quebxru: desabou.

f(r) No manuscrito faltam tôdas as três particulas']

.r ià.itocan do escritor proviria talvez da- incerteza se

lr;r".'t;;T; pôr enz Alentejo ou zo Alentejo? Note-se po-

lir:r tluc Irâô hâ pr6priamente espaço em branco'

it, à contà ile: err' troca de';;', i,:it;ttt' férteis. Forma clâssica e alatinada'

667r

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()or.ricç:I0 DE cLassrcos sa DA cosTA

po raso, sem sinal de casa nem povoaçâo. lGrandepoder do Altissimo! Ficaram sd em pé algûas casi-nhas baixas, inda que tôdas abertas e destronca-das, de um pequeno arrabalde dividido da vila com

5 ùa ribeira que ao ponente a lavava; em que sesalvaram até setenta almas e com elas o nossô prè-gador. Salvou-se também o senhor da viùa, gover-nador e capitâo de tôda a ilha, Rui Gonçalves daCâmara, com sua mulher D. Felipa Coutinha e seu

ro filho Manuel da Câmara, que acertaram sair-seaqu.ola tarde pera ira quinta. Mas perdeu tôda a,mais familia, que foram dous filhos e duas filhase ta irmâ e muita riqueza e um bom aposento.

Todos os mais lugares da ilha padeceiam grandes.r5 infortrinios; cafram tôdas as igrejas grandes e mui-

tas casas, e em algûas acabaram famflias inteiras.E afirma-se que chegou o nrimero dos mortos acinco mit, ainda que alguns m€tem nesta conta osque levou a peste, que sucedeu ao terremoto. euem

eo quiser ver êste sucesso mais ao largo, lea a hislôriaque escrevemos da Ordem de S. Domingos parti_cular dêste reino (r).

das as povoaçôes que tocam na costa do mar, tâorepentino e violento, que clerribou grande nûmerode edificios: e entre êles â sumptuosa capela dosreis catôlicos, D. Fernando e D. Isabel. Juntamente

5 vêo ao châo ûa grande parte da cidade de Almeria,e a fort{}eza inteira; e nos lugares que tem seu sitioao long! do rio, que a lava, foi o mal tamanho, quese afirrfra ficaram debaixo dos ediffcios mais deduas rnfl pessoas mortas. Logo no outubro seguinte

ro ûa qui{ta-feira, zz do mês, sucedeu o terremoto daIlha dÉ S. Miguel. É S. Miguel a maior e mais ricade tôdas as dos Açores, que o ifante D. Henrique

ANArS DE D. JOAO I I I

descobrir e povoar pera êste reino. Ficoutôda assolada e sovertida debaixo da terra

r5 e mais populosa vila dela. Caso é dignosaber pera exemplo e compunçâo e polas cir-

ias que nele houve. Brevemente o diremos.va acaso na ilha (r) um religioso castelhano

de S. Domingos: seu nome frei Alonso de. Era prègador por titulo e por oficio: Nâo se

va onde o chamavam e queriam ouvir. Cor-muitos lugares da ilha, notou em todos far-

tur{ grande, vida deliciosa e ûa corrente de pros-nunca vista. Como tinha visto e lido

25 mufto, nâo lhe pareceu estado s€guro pera genteisfâ. Soube logo que nacia daquelas boas ventu-

ras\arder tôda a ilha em destemperança de gula; temeu-lhe castigo; começou a afiar acontra estes vicios, mas ferindo-lhe cada

[\r) Francisco Gonzaga, De origine seraphicae Relig.F;atzf iscanoruuz, Parte I I , f ls . rorz-ror3. E um manus-cl i to]que estâ em poder do chantre de.Évora ManuelSeve$m de Far ia. ]

maquéar.

13, aposento: casa de residência,l ( t ) Histôr ia d.e S. Dotningos, Parte

caps. 7 e 8.1

, f2

I I I , l iv . z.o,

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COLECÇAO DE CLASSICOS SA DA COSTA

dia as orelhas novas dissoluçôes de todo género degente e mais particularrnente dos ricos e podero-soes moradores de Vila Franca.

Era Vila Franca grande e formosa vila ie entâo5 como cabeça e côrte de S. Miguel. Repren$ia, gri-

tava, chorava a devassidâo das vi'das, o Eescuidodas almas, e rematava ameaçando com ca{tigos docéu. Residia o prègador em Ponte Delgad[, ondeprimeiro desembarcara, vila entâo sem norn{, agora

ro cidade e cabeça da ilha. Aqui prègava a m\ude, evendo que perdia o tempo e o trabalho, porq\re nâovia nem ouvia sinais de emenda, como o peitd, e vozdo prègador costuma a ser 6rgâo do Espirito $anto,inflamou-se um dia; e, ou fôsse que Deus nfoueie

r5 ponto lho revelasse, ou que seu entendimento\o ti-rasse por bom discurso, dizem que levantou { vozcomo um trovâo e, apontando nas serras que {inhadefronte, afirmou que elas vingariam os pecfdosda terra, e soverteriam ûa vila. \

20 Passou a farna da prègaçâo e ameaços a irilaFranca. Nâo duvidando os moradores que era {on-

" tra êles, nâo sô nâo tornaram sôbre si com emerlda,mas houve alguns que se deram por escandaiiza-dos e, pondo em prâtica lançar o prègador da teira,

z 5 acabaram com o ouvidor eclesiâstico que o rrf.n-dasse aparecer em Vila Franca e o castigasse. A@a-mos que foi frei Alonso a êste chamado em r7 deoutubro dêste ano em qlr.e vamos; e, dando dp sibastante satisfaçâo ao ouvidor, se tornou a P{nte

3o Delgada. Porém jâ neste tempo andava outroigé-nero de profecia mais temeroso. Afirma-se Oue,

iun-I

ANAIS DE D. TO,TO I I I

que, começando por ûa cousa muito posta em ra-zâo, que era nâo consintir Sua Alteza em se ir aifante minina pera Castela, rematavam em fazer'fôrça e necessidade de oadar com a mâi, pera reme-

5 diar tudo. E foi isto tanto em forma, que houve au-tos e se pediram certidôes. E nâo pararam aqui asbatarias: os procuradores dos misteres, que o sâodo povo e parte do govêrno da Câmara, nâo duvi-daram ir-se à rainha e propôrJhe a mesma maté-

ro ria: a que a boa senhora respondeu palavras gerais,sem fazer de si outra demonstraçâo, agradecendo--lhes o zêlo que representavam do bem pûblico doreino, a que se confessava nâo menos obrigada queêles.

t ç Neste estado estavam as cousas, quando Deusacudiu com o remédio. Chegaram cartas do empe-rador, em que pedia a el-rei com encarecimentodesse licença a sua irmâ pera se ir pera êle: perao que tinha despachados a Badajoz, pera a irem

;r.r buscar, o bispo de C6rdova e o conde de Cabra e odoutor Cabreira, seus embaixadores. Respirou el-reicom o gôsto dêste requerimento. Mas porque o em-perador ajuntava que seria razâo nâo deixar ir amâi sern a filha, rinica consolaçâo de seu triste esta-

-'5 do, pôs el-rei a matéria em conselho: no qual suce-dendo que, sendo vencido por votos que, pois sehavia de ir a rainha, fôsse também a ifante comela, s6 o conde do Vimioso D. Francisco de Por-tugal foi de contrârio parecer, provando com muitas

povos, receosos de que tanta riqueza se fôsse para Cas-tela, o cue recaïria inevitàvelmente sôbre êles e suas fa-zerrdas, pedem ao rei <que leixe mais dias pacer as bestas<las suas cârregasD.25, acabararn consegulram que,

Page 48: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

II

IO

coLECÇÂO DE CLASSICOS S,{ D.4 COSTA

e mui prudentes razôes que nâo cumpria ao serviçodel-rei sair ela do reino. E êste foi o segundo juizopûblico, em que el-rei rnostrou o grande entendi-mento de que Deus o dotara. Porque, como se te-vera sessenta anos de idade e outros tantos de ex-periência do govêrno de seus estados, assi soubepesar e conhecer os fundamentos do voto do conde;e haven'do-o por mais sustancial que todos os ou-tros, soube declarar que se conformava com êle,como ensinando jâ aqueles velhos, que nos conse-lhos dos principes a calidade e sustância dos pare-ceres se deve respeitar e seguir, nâo o nûmero.

Mas a rainha nâo podia acabar consigo haver-sede ir de Portugal sem a ifante, em que se consi-deravam dous interesses; um de amor natural,outro de fazen'da: um de ser ela o penhor que s6lhe ficara de um rei que tanto a amara, outro domuito que, tendo-a consigo, podia lograr de renda,jdias e dinheiro; e fa"zia grandes instâncias por queel-rei lhe nâo tolhesse levâ-la; e ia-se detendo cornesperanças de que o andar do tempo e seus rogosmitigariam a resoluçâo que se dizia estava tomada.Porém achou forte contraste em pessoa que maisobrigaçâo tinha de a servir e ajudar.

Residia em Lisboa com titulo de embaixador doemperador o secretârio Crist6vâo Barroso, que pri-meiro nâo tevera mais nome nem oficio que deagente. Dêste se afirma que por sua malicia torceuem mau sintido as dilaçôBs da rainha, significandoa seu amo que nâo podia julgar bem delas, visto oque se praticava no povo de que estaria bem a to-

r5

25

3o

ro, insinando no manuscrito.r3, acabat consigo. ' resignar-se.

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ANArS DE D. JO,4O I I I

CAPfTULO XII

Requere o povo de Lisboa a el-rei gue case coma rainha sua madrasta. 'Repugna el-rei. Pede oemperador que vâ a rainha Pera Castela e levea infant inha sua f i lha. Consente el-rei na ida da

mâi, mas nâo da f i lha

Em meio de tantas tempestades de desgostos,que tôdas iam quebrar suas ondas no peito del-rei,e êle procurava remediar a todo seu poder, trouxeo tempo outra, que lhe dava tormento continuo e

5 tanto mais penoso, quanto se sintia tomado entreportas e forçado a levâ-la sem remédio. É de saberque o duque D. Gemes, como velho e muito amigodo serviço del-rei, tratando-se do casamento quemelhor lhe estaria, mostrava com vivas e eficaces

ro razôes que nenhûa cousa convinha mais a el-reie ao reino que casar com a rainha sua madrasta,visto como, pera o ponto de se esperar dela suces-sâo, jâ viam que era moçâ e sabiam nâo ser estéril.

Pera o gôsto do povo, a todos tinha satisfeito suarS afabilidade e boa sombra e era geralmente amada;

e, sendo por estas partes o casamento muito de esti-mar, de se nâo efeituar, recreceram grandes incon-venientes, duros de levar e vencer. Deviam-se-l.hegrossas affas; e a ifante, sua filha, tinha grandes

Jo promessas de dinheiro e rendas, polas escrituras dodote de sua mâi. Se el-rei nâo aceitava o casa-

a2, Peva o Ponto de: pelo que respeita a, para oi im de.

17, recrecerarn: sobreviriam.tg, ifante: infanta.

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IrcoLECÇÂO DE CLASSICOS S,{ D.4 COSTA

e mui prudentes razôes que nâo cumpria ao serviçodel-rei sair ela do reino. E êste foi o segundo juîzopûblico, em que el-rei rnostrou o grande entendi-mento de que Deus o dotara. Porque, como se te-vera sessenta anos de idade e outros tantos de ex-periência do govêrno de seus estados, assi soubepesar € conhecer os fundamentos do voto do conde;e havendo-o por m'ais sustancial que todos os ou-tros, soubc declarar que se conformava com êle,como ensinando jâ aqueles velhos, que nos conse-lhos dos prfncipes a calidade e sustância dos pare-ceres se deve respeitar e seguir, nâo o nûmero.

Mas a rainha nâo podia acabar consigo haver-sede ir de Portugal sem a ifante, em que se consi-deravam dous interesses: um de amor natural,outro de fazemda: um de ser ela o penhor que sôlhe ficara de um rei que tanto a amara, outro domuito que, tendo-a consigo, podia lograr de renda,j6ias e dinheiro; e lazia grandes instâncias por queel-rei lhe nâo tolhesse levâ-la; e ia-se detendo comesperanças de que o andar do tempo e seus rogosmitigariam a resoluçâo que se dizia estava tomada.Porém achou forte contraste em pessoa que maisobrigaçâo tinha de a servir e ajudar.

Residia em Lisboa com titulo de embaixador doemperador o secretârio Cristdvâo Barroso, que pri-meiro nâo tevera mais nome nem oficio que deagente. Dêste se afirma que por sua malicia torceuem mau sintido as dilaçôgs da rainha, significandoa seu amo que nâo podia julgar bem delas, visto oque se praticava no povo de que estaria bem a to-

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ro, insinand,o no manuscrito,'r3, arabar consigo.' resignar-se.

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ANAIS DE D. JOÂO I I I

CAPÏTULO XII

Requere o povo de Lisboa a el-rei que case coma rainha sua madrasta. Repugna el-rei. Pede oemperador que vâ a rainha pera Castela e levea infantinha sua fi lha. Consente el-rei na ida da

mâi. mas nâo da f i lha

Em meio de tantas tempestades de desgostos,que tôdas iam quebrar suas ondas no peito del-rei,e êle procurava remediar a todo seu poder, trouxeo tempo outra, que lhe dava tormento continuo e

5 tanto mais penoso, quanto se sintia tomado entreportas e forçado a levâ-la sem remédio. É de saberque o duque D. Gemes, como velho e muito amigodo serviço del-rei, tratando-se do casamento quemelhor lhe estaria, mostrava com vivas e eficaces

tcr razôes que nenhûa cousa convinha mais a el-reie ao reino que casar com a rainha sua madrasta,visto como, pera o ponto de se esperar dela suces-sâo, jâ viam que era moça e sabiarn nâo ser estéril.

Pera o gôsto do povo, a todos tinha satisfeito sual5 afabilidade e boa sombra e era geralmente amada;

e, sendo por estas partes o casamento muito de esti-mar, de se nâo efeituar, recreceram grandes incon-venientes, duros de levar e vencer. Deviam-se-lhegrossas arras; e a ifante, sua filha, tinha grandes

J() promessas de dinheiro e rendas, polas escrituras dorlote de sua mâi. Se el-rei nâo aceitava o casa-

12, Perc, o Ponto de: pelo que respeita a, para ol i rn de.

17, recvecetanl,: sobreviriam.rg, ifante: infanta.

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()ol.LC()i0 DIt CL,{SSrcOS SA DA COSTA

l)rento, ficava sua fazenda em grande quebra: e, oque era pior, enriquecendo reino alheo com o quehavia de tirar do seu.

Nâo havia na terra quem tivesse por desacertado5 êste conselho senâo s6 a pessoa a quem mais tocava

e melhor estava, que era o m,esmo rei. Nâo lhesofria o ânimo haver de chamar esposa a quemdera o nome de mâi; haver de tratar por igual aquem reconhecera por senhora; e emfim nâo acaba-

to va com sua honr:stidade haver de tratar amores,inda qut: sirntos e castos, com a mulher que o fôrade scu pai. Parecia-lhe cousa fea pera seu nome,agravo pera o defunto e ajuntamento indigno deùa rainha de Portugal, inda quando em tôda a cris-

z5 tandade faltaram casamentos. Mas ique havia defazer quem tinha o reino todo contra si neste voto?

Escreve-se que remeteu o negdcio a Deus comânimo verdadeiramente cristâo, mandando celebrarmuitos sacrificios, pera que o Senhor piedoso, favo-

eo recedor sempre de bem ordenados pensamentos,encaminhasse os seus. Porém entre tanto eramgrandes as desconsolaçôes que padecia, jâ com afôrça dos conselhos dos grandes, jâ com requeri-m91to1 do povo de Lisboa, que chegou neste ternpo

z5 a lhe fazer um modo de protesto priblico por meodos magistrados da Câmara e com razôes por escri-to, que, ainda que populares e pouco polidas, aper-tavam tanto que parecia nâo tinham reposta. por-

g-ro, ndo acabaua com: nâo era comDativel com,r5, faltaram: faltassem.25. Esta carta, na verdade curiosissima, Delo seu

pitoresco popularismo, vem publicada em Franiisco deAndrada, Crônica ile D. loâo III, parte I, cap. 19. Os

74-

ANArS DE D. JO.4O rI I

e algtas de tamanha contia que em os tempos pre-sentes pareceram demasiadas. Apontaremos algûaspera que vejam os ministros dêste tempo que, en-curtando tanto a mâo como fazem c'os homens que

5 servem e trabalham, mais dano fazem à fazendareal com tal escaceza do que acrecentam nela, por-que de gente mal pagada e desfavorecida engano éesperar grandes cousas.

Tenças grossas: a Nuno de Mendonça, filho dero Joâo de Mendonça, 7o$ooo, a D. Lopo d'Almeida,

filho do Prior do Crato, D. Diogo d'Almeida,rro$ooo; a D. Ant6nia, filha de D. Joâo Pereira emulher do dito, 6o$ooo; a Pero Correa, filho de Ro-drigo Afonso, em dous padrôes, 9o$ooo; a D. Joâo

r i Pereira, filho de D. Fernando Pereira, Sogooo; aD. Diogo de Castro, 6o$ooo; a D. Antônio d'Almei-da, contador-m6r, em três padrôes, z2ofiooo, af.otaoutras; a D. Alvaro de Castro, filho de D. Garciade Castro, roo$ooo, afora outras tenças; a D. Fer-

, r nando, filho do conde de Faro, 16ogooo; ao dito,outra tença de z$6oo corôas, que fôra de Gomes deFigueiredo, provedor da comarca da Beira; aD. Inês de Melo, mulher que fôra de Gaspar Pe-reira, 86$ooo. Entre estes.assentos nâo é pera esque-

,'i cer, por cousa notâvel, um de 24o$ooo, dado aI). Fernando de Roxas, marquês de Denia. Alémdestas mercês proveu el-rei muitos cargos de suacasa e dos ifantes, com que honrava os homens e osajudava pera a vida.

ir) Em 9 de janeiro deu o cargo de seu aposentador--rnôr a D. Felipe Lôbo, filho do barâo, honrando-ocom a causa, que diz é sua bondade e discriçâo;tnas parece que viveu pouco, porque logo aos ca-lorze de março consta que tinha jâ outro aposenta-

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coLLCÇ,rO DL CLASSTCOS 5,4 DA COSTA

dor-môr, que era Manuel da Silva. Em rz de ja-neiro fez seu capelâo-m6r a D. Paulo, primeiro fi-lho de D. Diogo, conde da Feira, e aos 13 f"ez deâoda capela a Diogo Ortiz, seu mestre. O offcio de

5 caçador-m6r, que tinha dado em dezembro passadoa D. Joâo de Alarcon, deu licença a Antdnio detsrito, que jâ era proprietârio dêle, que o passass€a D. Anrique Anriques (devia ser falecido D. Joâode Alarcon) .

ro Deu o de reposteiro-môr a D. Jorze Henriques,clue muitos anos despois traspassou a Bernardimde Tâvora. O de contador-m6r proveu em D. Antô-nio d'Almeida, por casar com D. Maria, filha her-deira de Joâo Rodrigues Pais, cujo era êste cargo.

rj A D. Fernando de Castro, filho de D. Alvaro deCastro, corregedor da Casa clo Civel, fez seu vè-dor. A Vasco de Refoios, fidalgo de sua casa, fez seucevadeiro-m6r e mariscal. A Cristôvâo de Melo, al-caide-m6r de seu pai, mandou ficar com o cargo de

zo seu rnestre-sala, como o tinha quando Sua Altezaera prfncipe, e fez-lhe mercê das saboarias de VilaViçosa e confirmou-lhe dez mclios de trigo no almo-xarifado de Beia.

Ao conde D. Martinho de Castel-branco, seu ca-z5 mareiro-m6r, deu a vila de Vila Nova de Portimâo,

e que por seu falecimento ficasse a seu filho maisvelho e que pudesse dar todos os oficios de VilaNova e pôr juizes e tabeliâes. Ao mesmo, cento e

ro, Jorze ê a forma habitual, talvez popular, deFr. Luis de Sousa.

14, cujo era: de quem era.18, mariscal: marechal, graduado militar abaixo de

condestiivel.

8o

ANAIS DE D. TOÂO I I I

dos e a tudo nâo buscar e]-rei outro casamento, e acontinuaçâo com que jâ era visitada dêle. Nâo fal-tava el-rei em nenhum tetmo de boa cortesia comesta senhora: visitava-a amiude com â mesma sin-

5 ceridade e bom têrmo que aborrecia suas vodas; esucedendo ir-se do Barreiro pera Almeirim, deixouordenado que também eia com a ifante D. Isabelmudassem estância e se fôssem trâs êle, aco'mpa-nhadas do duque de Bargança e do barâo d'Alvito.

rt) Neste caminho chegou o Barroso a declarar suatençâo com tanto despejo, que se foi a Mugem,onde jâ estavam, e ali fez priblico requerimento àrainha que nâo passasse a Almeirim, deixando-seentender que o fazia de ordem que tinha do empe-

l5 rador. Sintiu-se a rainha do descomedimento e maisda tençâo que nêle se descobria; mas ouvindo falarem ordem de seu irmâo, quis antes sujeitar-se àdescomposiçâo do ministro, que arriscar a opiniâode sua inocência com o emperador, que lhe dava

.'o crédito. Parou, sem dar mais passo adiante'. Masdespediu logo o bispo de Cuba, seu capelâo-m6r,com cartas ao emperador, cheas de brio real, quei-xando-se dos desatinos de Barroso e de valeremmais com êle suas mintiras, por ser ministro, que

:5 as verdades, autoridade e honra de quem era rai-nha -, de quem era sua irmâ. E pera mostras demais sintimento, nâo tardou em despachar segundomessageiro, que foi o cavaleiro Bonedon, seu cria-do, marido de madama Tumbas, sua camareira.

1o Emfim venceu a verdade. Conheceu o emperadoros enganos de Barroso; lançou-o de seu serviço bem

18, d,escontposiçdo.' desacato, falta de respeito.

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oor.ticÇÂO DE cL,4sslcos sa DA cosTA

castigado e man'dou que se passasse a Lisboa em-.eu lugar o doutor Cabreira, que jâ estava emBadajoz.

Nâo seria sem prêço da histôria dizermos breve-

-5 mente donde naceu a ira dêste homem e a sua per-diçâo, que a seguiu: por que nâo haja nenhum mi-nistro quer faça armas da autoridade e mâo de seuamo, pclïr vingança de paixôes pr6prias. É poisrlt: salrur r;rrr: Cristôvâo Barroso antes de ter o titulo

7rr rkr t"rnba.ixirdor, achanc.ln-sc um dia na ante-câmaratkrl-rt.i, colrriu ir ca"bcça, onde todos os fidalgos por-ttrgrrcscs t:stavanr dcscobertos. Acudiu o porteiro--lnirr, a <1uem tocava a emenda: mandou-lhe que serlescobrisse. Alegou indisposiçâo da cabeça, e que

r-5 estava em sitio, que nâo era visto del-rei e que sepassaria pera outio mais desviado. Nâo lhe valeunada.. E de corrido e desconfiado ficou cheio depeçonlia, pera a vomitar em tudo o que tocassea Por.tugal, ccrmo vimos.

CAPTTULO XII I

zo Antes de sairmos do reino e nos passarmos àsconquistas que jâ chamam por n6s, parece conve-niente darmos conta de tôdas as mais matérias degovêrno em que achamos ocupado el-rei neste ano.Comc era o p::imeiro de seu reinado, procurou mos-

25 trar aos vassalos ânimo liberal e grandioso. E assiachamos que fez muitas mercês de juros e tenças,

r r , ondc: no momento em que.Gapltulo Xlll. Êste capitulo estâ numa fôlha sôlta,

tlc rn:i letra, e cheia de notas marginais, que foram apro-veitadas por Herculano e inseridas no texto.

78

ANAIS DE D, JOÂO I I I

dous mil réis de assentamento, e que pudese trazerbandeira quadrada. Mercê a Francisco d'Azevedo,filho do doutor Gonçalo d'Azevedo, desembarga-dor do Paço, da vila de Ponte do Sôr com jurdiçâo

5 civel e crime e as saboarias de Alcâcere do Sal. Aalcaidaria-m6r de Sines a Crist6vâo de Brito, vagapor morte de Anrique Moniz, filho de Diogo Moniz.A Pero Correa, fidalgo de sua casa, as saboariasda ilha de Santiago, corno as'tevera seu pai Rodri-

ro go Afonso. E ao mesmo, pera êle e pera um filho,tôdas as rendas e direitos da vila de Salvaterra deMagos, - as quais pouco despois resgatou, dando--lhe por elas as rendas e pensôes dos tabeliâes deLisboa. Doaçâo a Antônio de Miranda do lugar da

15 Maceira, com mero e misto império, assi como atevera seu pai Fernâo de Miranda. Licença aD. Isabel de Castro pera herdar a terra de CastroDairo, por morte de seu irmâo Diogo Pereira. Mer-cê ao conde de Vila Nova da dizima da cortiça que

?o sai polafoz; e a D. Joâo de Castel-branco, seu filho,o oficio de superior das aposentadorias de Lisboa,Évora e Santarém.

Proveu a capitania de S. Jorze da Mina emD. Afonso d'Albuquerque, por sua muita bondade

:5 e discriçâo. Proveu a Diogo d'Azambuja da capita-nia de Aguez, com seu regimento. Em z6 de de-zembro mercê ao mestre de Santiago, D. Jorze, fi-lho del-rei D. Joâo, pera pôr em tôdas suas terrasos juizes e tabeliâes que lhe forem necessérios. Mui-

-io tas outras mercês fez el-rei neste ano, mas estas porparecerem mais notâveis lançamos aqui, deixadasas outras.

tS, coln lnero e misto impérào.' com tôda a jurisdiçâo'

8r

Page 53: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

colJtcÇ,To DIi CLASSICOS SA DA COSTA

Agora diremos das pessoas que el-rei foi proven-

do io serviço dos ifantes seus irmâos' Deu o car-

go de moràomo-môr do ifante D. Luis a Brâs

îeles, filho de Rui Teles de Meneses, e o de seu

ç euarda-m6r a Rui Teles, que fôra mordomo-môr"

àa rainha sua mâi, em 19 de abril; e aos 25 do mes-

mo mês lhe deu pera escrivâo da puridade e chan-

çarel-môr a D. Jôâo Pereira; e pera seu tesoureiro-

-m6r Pero Boteiho, fidalgo de sua casa' O assento

rc da carta nâo diz ((m6nr.

Em zz de novembro achamos que proveu de

novo o cargo de mordomo-m6r do ifante em An-

dré Teles, àssi como fôra Rui Teles, seu pai' Em

B de setembro fez el-rei camareiro-môr e guarda-

15 -m6r do ifante D. Fernando a Vasco da Silveira; e

declara o assento que tevera o mesmo cargo Joséda Silveira, seu pai. Consta-nos que era neste

tempo mordomo-m6r da ifante D' Isabel' Rui

Telei de Meneses, porque em dezoito de janeiro

zo Droveu el-rei do ofièio de seu mestre-sala a Diogo

àe Melo, e manda a Rui Teles que o meta de posse

dêle. E em cinco de maio lhe nomeou por seu cape-

lâo-m6r o bispo do Porto, D. Jorze da Costa, que

despois foi em Castela insigne bispo de Osma'

CAPTTULO XIV

Dâ el-rei forma aos ifantes de como hâo deescrever pera dentro e fora do reino

25 Demos fim a êste ano de vinte e dous nas cousas-"

do reino, com fia acçâo mui polltica e acertada:

"* qo" el-rei deu foima aos ifantes seus irmâos'

8z

.4NAIS DE D. JO,îO rr t

de como lhes estaria bem escreverem aos senhoresde titulos e mais fidalgos do reino e também a al-guns principes e outras pessoas de fora dêle. Pare-ce-me muito semelhantê a outra, que el-rei D. Fe-

5 lipe segundo fez muitos anos despois, sendo jâSenhor desta corôa, que foi ûa das mais esti-madas de seu govêrno; sd com esta diferença: queel-rei D. Felipe fez formulârio geral, ou premâticade cortesias, pera todo género de gente; el-rei

ro D. Joâo, como tinha em casa, um povo de irmâos,tratou sô das cortesias, que lhe pareceu decenteusasse cada um dêles com os que eram vassalos domesmo reino e com alguns principes de fora; peraque entre os de casa se guardasse igualdade com

15 todos e nâo houvesse ocasiâo de queixa, sabendo.seque naciam de seu juizo e ponderaçâo; e com os defora mostrassem os infantes entre si conformidadede irmâos.

Assentou-se no Conselho que aos duques e mes-zo tres escrevessem dêste modo: Mui.to Honrado Senhor

Primo, sem saùdaçâo. E querendo dêles algûa cou-sa, nâo dissessem, Rogo, nem Peço por mercê,senâo singelamente: Peço; e no cabo nâo dissessem:Agradecerei, senâo Estimarei o que assi. fizerd.es.

e5 Alguns queriam que se escusasse o Muito Hon-rad,o, e nâo dissessem mais qtue Senhor Primo. Eêste têrmo pareceu melhor a el-rei.

Aos marqueses assentou o Conselho que disses-sem: Honrado Senhor Primo, ot Senhor Marquês

3o Primo. E êste segundo modo deu el-rei por melhor.Aos condes: Honrado Conde, Pr,imo, ou Sobri-

nho, se fôsse parente; e nâo sendo parente, sô-mente: Honrado Conde, Pedindo algûa cousa:Agradecerei, ot Agradecer-uos-ei.

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IO

r5

coLUcç,4o DE CLASSICOS SA DA COSTA

Ao Prior do Crato, como aos condes nâo paren-tes. E. nenhùa destas cartas teria saûdaçâo, nemnome de escrivâo que as fizesse, por mais cortesia,salvo quando fôsse carta de neg6cio que requeressedar-se fé.

Aos arcebispos: Reuerendo Senhor Arcebispo,sem saûdaçôcs. E pedindo-lhes algûa co:usr.; Rece-berei em singular graça.

Aos bispos: Rcuerendo Bispo, sem saûdaçôes, eMuilo agradeccrci,, ctc. S6mente ao bispo de La-nrcgo, D. Itcrnando, por scr parente: Muito Reue-rendo llis'fto Primo.

Aos {ilhos herdeiros do duque de Bragança e domestre dc Santiago, que nâo tevessem titulo, comoaos marqueses; e aos outros filhos que nâo fôssemherdeiros nem tevessem titulo, como aos condesparentes.

Aos fidalgos que tevessem parentesco com el-rei:Fodo Primo, oa Sobrinho, sem saùdaçôes; e Agra-ilecer-uo s-ernos ou Agradecer-u os-ei,.

Aos senhores de terras e aos do Conselho e a to-dos os mais fidalgos honrados: Fodo amigo; e comadvertências que dentro nâo houvesse saûdaçôes.E nos sobrescritos de tôda a pessoa, a que se nâodesse Honrailo ou Reuererudo, se poria no alto dêles:PoIo Cardeal, ou Polo Infante.

Ao emperador: Senhor, no alto da carta. E nosobrescrito, quando o cardeal ou infantes escreves-sem de sua mâo, diriam: Ao Maito AIto e Muito

r-2. Entenda.se: <Ao Prior do Crato far-se-ia comoaos concles nâo parentesl.

J, for ntais: para mais.

84

ANAIS DE D. TOÂ.O I I I

Excelente e Mu'fto Poderoso Senhor Emperad,or.E escrevendo por secretârio, diriam: Ao Muito Ex-celente Principe e Muito Poderoso Emperudor, Reide Castela, d,e Leâo, de Aragâo, das Duas Sicilias

5 e de Jerusalém.Ao duque de Bragança, poriam o Senhor Prirno,

um dedo acima da primeira regra e à ilharga; e anota seria falando-lhe por terceira pessoa. O so-brescrito diria: Ao Senhor Duque d,e Bargança,

ro ,neu Primo. Ao marquês: Senhor Marquês Primo,em regra. Ou, pera mais honra: Senhor MarquêsPrirno, sem o nomear.

Aos Nrincios do Papa: Muito Reuerend,o F-oôoBispo, se o fôsse, ou outro titulo que tevesse.

r 5 A todo embaixador estrangeiro, que nâo fôsse doreino, escreveriam como a conde.

Ao arcebispo de Braga, pola dignidade e autori-dade de suas câs: Senhor, em regra como o mar-quês; e no sobrescrito: Ao Senhor Arcebispo Primaz

zo de Espanha.Aos bispos e arcebispos estrangeiros, diriam: Se-

nhor Bispo, oa Senhor Arcebispo, e com tftulo deparente, se o fôsse; dando alguns riscos, começariaIogo a carta, sem nenhum espaço; mas se fôsse ao

-'.5 de Toledo ou aos prelados eleitores do Império,seriam tratados como duques parentes.

Assentou-se que as senhoras infantes seguissemo mesmo estilo sem nenhûa diferença, quando escre-vessem: salvo que às pessoas a que os infantes cha-

i{) massem Fodo Amigo diriam elas Fodo s6mente, ou:Eu, a ifante, uos inuio muito saiidaz, segundo fôs-se a calidade da pessoa; e às donas honradas semtitulo diriam Foâ Ami.ga, e às condessas Muito Hon-rada Fod; e à camareira-m6r da rainha, quando

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cor,Lc()ro DE cL{.ssrcos sA. DA cosTA

lhe escrevessem os infantes e infantas, the poriam:Senhora, em regra; e elas nâo usariam dos têrmosde Amo, nem Amado, nem Prezo, nem Prezad.o,com as pessoas que os ifantes o costumam.

5 Pois tratamos matéria de cortesias, bem serâ quefique neste lugar o como el-rei trocou, em fim dêsteano, as que costumava el-rei D. Manuel seu paifazer aos embaixadores do emperador e dos reisseus antecessores, e a razâo que pera isso houve.

ro Soia cl-rci D. Manuel, quando entrava o embaixa-dor pola sala, ou câmara, em que estava, levantar--so cm pé, e ao tempo de chegar junto dêle, pôr amâo no trarrete, como ameaçando a tirâ-lo; e assiem pé lhe beijava a mâo o embaixador, e êle lhe

15 tomava as cartas de crença. Por êste modo tinhael-rei D. Joâo seu filho recebido a Monsior de laChaux, que foi o primeiro que o emperador lhe in-viou, como temos visto.

Mas, chegando por fim de novembro dêste anozo de zz a Lisboa segundo embaixador, que foi o dou-

tor Cabreira, que vinha pera acompanhar e ser-vir a rainha D. Lianor, em lugar do secretârio Bar-roso, e entrando pola sala, onde el-rei estava, SuaAlteza se deixou estar assentado, até o doutor che-

25 gar a êle e lhe oferecer a carta que trazia de crençae começar a falar. Entâo se levantou e o ouviu empe. A razâo desta novidade teve fundamento emque el-rei foi avisado por Luis da Silveira, sendo

4. Esta longa digressâo sôbre a apertadissima prag-mâtica da côrte, pela qual se procunlva dar a cada umo seu lugar, nâo abona o sentido critico do nosso grandeescritor, que por vezes se perde em ninharias.

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ANAIS DE D. JOÂO I I I

embaixador em Castela, que nesta forma fôra re-cebido do emperadôr, Corno o emperador quis alte-rar os bons costumes dos reis de Castela, seus ante-cessores, deu-se por obrigado el-rei D. Joâo a fazero mesmo em sua côrte, e foi usando sem nenhùadiferença do mesmo estilo: visto como pola digrri-dade do império nâo era mais honrado que porfitrho e neto dos reis de Espanha.

CAPITULO XV

corno procedia a guerra contra os mouros deÂfr ica. em Azamor e Arzi la

É tempo de nos passarmos a Africa e contarmoszo alegremente, por fermoso e felice pronôstico dos

tempos del-rei, ûa insigne vitdria que o capitâo deAzamor alcançou dos mouros de Fez no rnesmodia em que Sua Alteza foi levantado por rei emLisboa. Era oapitâo Gonçalo Mendes Sacoto. En-

15 controu-se com o alcaide Latar e outros quatro alcai-des del-rei de Fez, que lhe vinham correr com nove-centas lanças, gente escolhida; foi o encontro a trêsléguas da sua cidade; e levando sô duzentos de ca-valo, nâo duvidou dar-lhes batalha; e foi tal o es-

.rrr fôrço com que nela se houve, que os desbaratou commorte de quatro alcaides, ficando senhor do campoe de grosso despôjo. E fez mais glorioso o sucessosaber-se pouco despois que na mesma conjunçâo'que estava jogando vitoriosas lançadas c'os ini-

;'5 migos da fé, recebia el-rei à porta de S' Domingoso cetro de seus reinos e obediência de seus vassa-los. Assi o mandou declarar Sua Alteza em um bra-sâo d'armas, que lhe deu, de que foi parte princi-

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cor.Lc\)Âo DE cL,4ssrcos sA DA cosTA r

l)al as quatro cabeças dos alcaides; e el-rei que oassinou com o seu cronista (r).

Entrou o ano de r52z com tamanho apêrto defome, nacido da séca do ano atrâs, por tôdà Africa,

5 que estando o rio de Azamor cheo de caravelas quedeviam ir buscar a carga dos sâveis, que se pes-cam, trocaram o cliscnho e carregavam de infinitosmouros 'rnoços c moças de bom parecer, pera leva-l-om ir Lisboa c a Scvilha. E no preço nâo havia

ro mollro (luc sc dcsavicssc com o comprador. porquernuitos s6 ltola comicla ofercciam ser escra\ros e sedcixavam embarcar. Seguiu a tanta miséria a maiordc tôdas, que foi contagiâo do ar, que levou a mui-tos, que ou com bom govêrno ou com trigo escon-

15 dido tinham passado o apêrto da fome; e esta seafirma que consumiu homens e alimârias com ter-rivel destrôço.

Era o capitâo de Arzila D. Joâo Coutinho, filhohendeiro do conde de Borba. Estava bem provido

zo de mantimentos, que el-rei D. Manuel antes de seufalccimento lhe tinha inviado, com tanta providên-cia, clue se nâo esqueceu de acudir até com trigotremês do campo dc Santarém pera as curtas se-menteiras dos moradores, em que logo começaram

z5 a entender, fazendo-se todos lavradores, como océu ia acudindo com suas âguas e temporais ordinâ-rios. Despois da grande vit6ria que alcançou diade Todos os Santos, primeiro dia de novembro doano passado de 5zt, desbaratando o valente alcaide

3o de Alcâcere, Cid Hamete Lar6s, que nâo especifi-

ANAIS DE D. TOAO I I I

camos por ser da obrigaçâo dos cronistas del-reiD. Manuel, todo seu cuidado era, como jâ sabiade certo que ardiam em Beste todos os lugares àroda, ver se poderia escapar de se the comunicar

5 a contagiâo na vila.A êste fim nâo consintia comércio de câfilas, evi-

tava safdas de almogâvares e, se algûa consintia,era com mandado expresso que de nenhfla maneirase embaraçassem nas povoaçôes dos mouros. Mas

ro por demais sâo as diligências e cautelas humanas,quando Deus quer castigar. A peste entrou por meiode três mouros, que a cobiça de uns almogâvaresdesmandados e sem ordem trouxe à vila; e com amesma violência que faz o fogo, onde tem aparelho

r 5 pera se atear, correu tMas as casas e matou tantagente, que o capitâo, por ver se achava remédiocom a mudança da morada, primeiro se passou docastelo pera ûas casas da vila e despois embarcousua mulher e familia pera o Algarve, o que também

zo fizeram muitos moradores. Assi ficou a vila quâsidespovoada, parte polos que levou o mal e partepolo destêrro voluntârio das familias que se ausenta-ram.

Êste estado triste das portas a dentro laziammais penoso os inimigos de fora; porgue vivia Ame-lix, atrevido e manhoso almocadém do Farrobo,que junto às portas da vila vinha esperar as ata-laias e gente desmandada; e quando de dia nâo po-dia fazer presa, valia-se do escuro da noite; e quâsinunca tornava com as mâos vazias, levar-rdo ho-

câlilas: caravanas,alnto gduares: guerreiros mouros.alntocadént: chefe militar.

25

jo

[(r) Brasâo d'armas dado por el-rei D.clc Julho de 1538.1

7, disenho: designio, plano, rumo.

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Joâo em 19 6,

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itiii

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cor.EcÇio DE CLA.SSTCOS SA DA COSTA

mens e moços, bois e vacas e outro gado. E emfimchegou a levar-nos três atalaias, homens de conta,que foram Ant6nio de É,vora, Gonçal'Eanes e JoâoTeles. Ârdia o capitâo de raiva, por lhe fazer tânta

5 guerra o ardil de um sô mouro; procurou armar_lheûa e muitas vezes; porém sabia tanto, que ao pa-recer adivinhava e conhecia as ciladas e escapavade tôdas. Mas foi Deus servido que foi cessanào adoença; e quando chegou dia de S. ;oao dêste ano

to de 5zz, se levantou bandeira de saride; e logo o ca_pitâo desejoso de tomar algûa satisfaçâo dasàstriciase danos de Amelix, determinou correr ao Farroboe serra de Benamarés. Lançou sua gente fora e, semachar encontro, trouxe desta primeira vez cem bois.

15 Dêste dia em diante foram saindo amiude osalmogâvares ,e fazendo boas sortes até a ponte deAlcâcere; e foi muito estimada ûa de pero de Me-neses, valente e arriscado mourisco e muito fiel ebom cristâo. Deu a traça Alvaro Rodrigues, o Den-

zo tudo, também mourisco. Safram trintà de cavaloà obediência de Pero de Meneses: vadearam a ri-beira de Alcâcere, por onde o Dentudo sabia quenâo havia guardas. E saltearam logo três mouios.de cavalo, que sendo guardas dormiam a sono solto"

z5 envolto_s_nas algeravias, e os cavalos paciam juntorlêles.

. H,aviam,se por seguros de poderem chegarali cristâos. Apds êstas deram sôbre outros trêsguardas de pé, que vinbam contentes com muitos

6-7, oo parecer: segundo paræe, parece que,r8, mouÀsco: mouro que tinha abraçaclo-a religiâo

cristâ.rg, traça: plano.25, algeruaias: trlnicas mouriscas.

qo

ANArS DE D. JOAO I I I

sâveis que tinham pescado: cle que os nossos seaproveitaram; e com êles e três cavalos e seis mou-ros cativos, fizeram volta em demanda da ponte,sem serem sintidos, nem haver rebate em Alcâcere,senâo despois gue a Passaram.

Mas nâo passaram muitos dias que se nâo aguasseo gôsto dêste sucesso com outro bem contrârio,como é ordinârio na guelra. El-rei de Fez, tantoque soube ser despachada na cidade a câfila ordi-nâria e mercadores pera Arzila, havendo que ti-nham na mâo boa ocasiâo de correr a Arzila, pôs-sea caminho trâs ela, avisando em secreto o alcaidede Alcâcere que o esperasse com sua gente na ponte.E foi sôbre a vila com tanta pressa e tâo calada-mente, que anticipou tôda noticia de sua vinda.Sucedeu ter o capitlo despedido no mesmo dia oitoalmogâvares dês da mea noite, a tomar lfngua, comordem que fôssem amanhecer sôbre Taliconte, queé um outeiro alto, junto da ponte de Alcâcere, don-de se descobre tôda a estrada que corre pera Alcâ-cere e até, o Zambujal de Algarrafa. Daqui, nâovendo cousa que temer, se foram melhorando; epassando adiante deram com ûas dez vacas quetomaram e, alanceando um mouro, que as pastorea-va, começaram de se vir com elas.

Cerrou-se entretanto a noite, tâo escura e esqui-va de chuveiros e cerraçâo, que lhes fez perder otino donde estavam e por onde haviam de ir; e foifôrça esperarem que amanhecesse. Descobriu-lhes aluz que lhe eram fugidas duab vacas; e a cobiça

t7, tomar lingua:tivando o inimigo.

tomar informaçôes, espionar, ca-

TO

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cor,LcÇrto DE cLasslcos sa DA casTA

de as nâo perderem fez que se apartassem quatroa buscâ-las; mas nâo correram muita terra quandoforam dar de rosto com o campo del-rei, de que nâose podendo desviar, foram logo mortos dous e dous

5 cativos. Os outros quatro sintindo de longe e maisa tempo a estorpiada da cavalaria, trataram de sesalvar cada um como pudesse. Puseram o rosto noFuradouro de Almenara; e foi cousa digna de con-sideraçâo quc, nâo tendo mais remédio pera esca-

ro par clc muitos mouros, que se soltaram da compa-nhia clcl-rei trirs ôles, que a bondade dos cavalos,sd aqueles sc perderam que os traziam mais ligei-ros.

Dêstes foi um Miguel Lopes, criado do capitâo,rj que levando o milhor ginete que havia em Atzila,

apertou tanto com êle na subida âspera do Fura-douro, que quando foi na terra châ, afracou e re-bentou, Chegaram os mouros e nâo houve nenhumque the perdoasse sua lançada: ficou logo morto.

zo E o mesmo lizeram ao cavalo, vendo que nâo erade servir. Nâo ia pior encavalgado Jorze }Ianuel.Era o cavalo mourisco, muito alentado e corredor;mas levava maior carga do que sofria tâo larga cor-rida como traziam. Era Jorze Manuel homem gran-

z5 de, grosso e pesado; vinha a cavalo abafando decansado; e emfim foi alcançado dos que o seguiam:e por sua boa ventura ficou vivo, porque se abra-

çou com êle um mouro, que tinha entre n6s um ir-mâo cativo, e o defendeu com gritos e até com a es-

jo pada e ajudando-o Muley Abrahem; como magnâ-nimo que era e nobre de condiçâo.

6, estorpiada: tropel.

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ANAIS DE D. TOÂO I I I

Assi de oito escaparam sô dous, foram mortostrês;e os outros três, sendo levados diante dcl-rei, man-dava que fôssem entregues aos parentes do pastordas vacas, pera se vingarem nêles, se nâo acudira

5 Muley Abrahem, que também os livrou aqui damorte. E é de saber, pera que entendamos qual éo 6dio dos mouros pera um cristâo, que tendo êsterei setenta anos de idade e sendo tâo grande senhor,como teve rebate dos almogâvares, correu três lé-

ro guas em noite fria e chuvosa, sô por lhe nâo esca-parem e ser êle o que os cativasse ou matasse.

Sâo os mouros grandes seguidores da vit6ria,quando a guerra os favorece, assi como fracos edesanimados, quando levam a pior. Nâo quis el-

15 -rei largar o pôsto do Xercâo, onde se achava,sem fazer novo acometimento. Mandara o capitâoda vila tomar as atalaias altas, pera ver se podiasaber se tinha el-rei despejado o campo; e confia-damente saiu fora e se foi ao facho desarmado, le-

::o vando-lhe um pagem sua lança e ûa saia,de malha:e mandou trazer w gaviâo pera lançar aos passa-rinhos. Nâo hâ drivida que foi isto pera em taltempo muito descuido ou mais confiança do neces-sârio. Porque os inimigos, como tinham seu rei

:5 consigo e estavam ufanos com o sucesso do diadantes, assi se vieram aos nossos, que eram trintade cavalo, que sairam com o adafl, que afirmavadespois o.. capitâo que nunca vira em mouros tâoardente arremetida

rg, facho: ïacho para avisar do inimigo.22, Pela eiix tal tempo. Note-se o uso da dupla pre-

posiçâo, que é um dos caracteres do estilo de Frei Luisde Sousa.

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I

I

couicç.4o DE cL,4.ssrcos sa DA coslA

Vinham diante três sobrinhos do alcaide de Alcâ-cere, cada um por si valentes cavaleiros. Aperta-ram tâo temerâriamente com os nossos, que aindaque o adafl f.ez volta sôbre êles, achou tapta gente

5 e tal inteireza nela, que lhe pareceu forçado fazerretirada por se nâo perder de todo; e assi se vêopera os valos, deixando morto de muitas lançadasum bom cavaleiro, que Bastiâo Alvares havia no-me, e de outras tantas o correeiro Atalaia e Sancho

ro de Rebelo. Era Sancho de Rebelo moço de grandesesperanças, natural da vila e filho de Pero de Re-belo, que quando em tempos atrâs foi o saco davila, morreu sôbre o muro, por nâo deixar o lugarque lhe fôra encomendado. Chegaram os mouros,

15 apertando com o adafl, a romper os valos e jo-gar de través lanças de arremesso; mas bem o pa-garam, porque a artilheria os começou a varejar aolonge com dano de muitos; e os nossos ârcabuzeirose bèsteiros, como era em gente junta, nâo faziam

zo tiro perdido-Houve de nossa parte muitos feridos e entre êles

o contador Fernâo Caldeira ficou com a mâo direi-ta cortada. Ensopando a lança em um mouro, vêono mesmo tempo sôbre êle um golpe de espada

e5 doutro mouro, de tanta fôrça, que lhe cortou odedo polegar e outros dous mais, até entrar polahaste da lança. Foi também ferido o adail de ùalança de arremêsso, que falsando-lhe as couraçaslhe passou o corpo de ûa parte à outra; e a trouxe

3o empenada emquanto durou a briga com assaz gen-tileza. Sôbre tarde apareceu el-rei com sua ban-

30, empenada: espetada no corpo como uma pêna,

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ANAIS DE D. IOÂO rr I

deira no facho a dar vista à vila. E daqui manda-ram Muley Abrahem e o alcaide visitar o capitâo,parte por cortesia entre êles costumada e parte peradarem principio ao resgate.dos cativos.

CAPITULO XVI

De ûa venturosa entrada que lez em terra demouros o capitâo de Azamor

5 Nâo foi grande feito pera um rei, nem grandeafronta pera ûa pobre vila, perseguida tanto de fres-co de males do céu e da terra, a morte e cativeirodos poucos homens que temos contado. Mas se al-gûa vangldria ensoberbeceu os mouros de Alcâcere

ro com êste nosso desar, bem lha fizemos abater, semse meterem muitos dias em meio. E ainda quea vingança fôra de mais gôsto, se a devêramoJ anossas mâos, lavando-as no sangue dêstes vizinhos,basta que foi tomada polas de nossos irrnâos, e em

r5 gente que tratava de obedecer e servir ao mesmorei de Fez, que nos fez o mal,

4... léguas de Azamor e... de Marrocos corre ûagrande e estendida comarca de boa e fértil terra,que os naturais chamam Enxouvia, muito abun-

;o dante de gente, rica de pastos e manti,rnentos. f,i-nha nela primeiro lugar, polos anos em que vamos,um xeque por nome Alimimero, tâo poderoso, quesô de gente sua e de seu serviço punha em campomil homens de cavalo; e juntava de vizinhos e ami-

zj gos que lhe obedeciam cinco mil, tôdas as vezes

22, xeque: chele rnoure.

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tI

COLITCÇ.4O DE CLASVCOS SA, DA COSTA

que lhe compria. E como conhecia suas fôrças,nunca s€ tinha humilhado a el-rei de Fez, ngmtratou de lhe dar obediência. Todavia andando otempo se vêo a persuadir que lhe estaria bem fazer

j com êle amizade e pazes, obrigado da cobiça depor esta via se fazer senhor do lugar de Tageste.Corriam medianeiros e recados de ûa parte à outra,por maneira que emfim de outubro dêste ano estavao neg6cio tâo apertado, que nâo faltava mais pera

.ro rematc, que ir o xeque ver-se com os comissiiriosdel-rci, em certo lugar que tinham aprazado.

Foi avisado de tudo Gonçalo Mendes Sacoto, queainda governava a cidade de Azamor; e parecendo--lhe conjunçâo de poder fazer um honrado feito,

15 emquanto durava a irresoluçâo dos concêrtos, epolo mesmo caso se vivia em tôda a Enxouvia comdescuido, como era cavaleiro de grande valor eânimo, nâo quis perder o que o tempo lhe ofereciaquâsi sem perigo e como jâ feito. Pôe a ponto

eo cento e oitenta de cavalo, que capitaneava; e vinteque lhe mandou de Mazagâo o capitâo AntônioLeite, a cargo de Ant6nio das Neves, seu cunhado,com que fez duzentos; e cem bèsteiros e espingar-deiros de pé. E juntando a êste nûmero cincoenta

z5 cavalos do xeque Acoo dos mouros de paz con-fidentes, e mil homens de pé, nâo duvidou acometeralegremente a entrada.

' Dous caminhos havia pera ela. Um pola corda,como dizem, outro polo arco; o primeiro pola praia

jo do mar, mais breve, mais seguro e defensâvel; osegundo polo sertâo, mais largo e com algûas desco-

mouros de paz conlidentes: mouros aliados i.-

ANArS DE D. JOA.O rIr

modidades de serra e bosques; porém pela mesmarazâo mais dissimulado pera o efeito: e assi foiseguido.

Partiu Gonçalo Mendes Sacoto um sâbado, pri-

5 meiro dia de novembro, e'tardou em chegar até atêrça feira, que foi amanhecer duas léguas àquem davila de Salé, donde começou a entrar polos aduaresinimigos, a tempo que Alimimero era ido a cerrarseus concêrtos. Polo que, como faltava cabeça

tc certa, a quem obedecer, e os nossos entraram quâsisem ser sintidos até estarem sôbre os aduares e dalicomeçaram seu assalto, com um temeroso ruido detrombetas e atambores e espingardaria e com vozesmisturadas de cristâos e mouros, que feriam o céu,

15 nâo havia em todo aquele grande povo senâo mêdo,desordem, terror e confusào. Todavia se foi jun-tando, entre sete xeques que na terra havia, um bomcorpo de gente, que, vindo encontrar os nossos,mostraram valor e ânimo em defender, desesperada-

zo mente e sem fazer pé atrâs, seu povo. Masforamdes-feitos e mortos todos, como gente tumultuâria e mal,apercebida. E entâo nâo houve mais de parte dosaduares que fugirern homens e mulheres, a quemmais podia, contra ûa ribeira que os atravessava,

25 cega de arvoredo e fragosa de penedia, que foi sal-vaçâo da maior parte do povo; e da nossa parteestenderam-se todos a roubar e fazer-se ricos.

Foi o saco grossfssimo, porque se em Berberiahavia algùa terra que estivesse inteira e prôspera de

;rr tudo o que entre mouros se possue e preza, era esta.

7, ad,uares: aldeias de mouros.25, cega de aruored,o: com espesso arvoredo.

25'amigos.

96 97

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coLECÇÂO DE CLASSTCOS 5.4. DA COSTA

Como gente poderosa e que se atrevia a viver forada obediência dos reis de Fez, nâo s6mente nâoeram garramados, mas êles garramavam e rouba-vam a seus vizinhos. Deu-se pressa o capitâo, como

5 prudente, em recolher os seus e carregar tôda apresa, que se pôde em poucas horas juntar, antesque se desse rebate ao longe. Afirma-se que se trou-xeram dous mil camelos e de gado vinte mil cabe-ças, afora seiscentos cativos, entre homens e mulhe-

ro res, em que entraram a mulher de Alimimero e asde dous filhos seus, que se salvaram da pelejamuito feridos.

De roupa houve fermoso despojo. Muitos capilha-res e marlotas de sêdas e panos finos; muitas cami-

.r5 sas 'de zarzagitania, que entre mouros sâo particularlouçainha; grande nûmero de alcatifas e jaezes decavalo custosos, estribeiras e cabeçadas de prata. Sôde dinheiro € prata lavrada acharam os nossos muitornenos que imaginaram e do que desejaram. Mas

zo esta parte tocou tôda aos mouros de pazes que nosforam acompanhar; que, como ladrôes de casa e que

' sabiam onde haviam de buscar e achar as cousas depreço, alcançaram o melhor. E afirmavam os cati-vos que foi fi.a mui grossa cantidade; da qual inda

z5 -nâo contentes, como a cavalgada caminhando to-mava ûa grande légua de distância e se lhes entre-gou pera alazerem andar, por quanto a nossa gente,

I

3, gawamad,os: sujeitos a tributos.13, capilhares: vestes de gala, usadas sôbre a mar-

14, marlotas: ûinicas de mouros.15, zarzagitania: tecido oriental?t6, louçainl'ta: louçania, arrebique,

98

AAIAIS DE D, TO,4O I I I

como homens de recado, vinha na retaguarda e emordem de guerra pera o que podia acontecer, apro-veitaram-se da confiança e da ocasiâo e vieram rou-bando como infiéis tudo o'que puderam. E ainda

5 que o capitâo como homem prevenido e que sabiaquâo pouco devia fiar de tal gente, mandou diantetomar um passo, que chamavam o Vau do Duque,ond€ houve às mâos duas barcas e alguns camelosque jâ levavam carregados dos furtos do caminho,

ro e polo tempo adiante foi tirando dêles muitas cou-sas de preço, - com tudo, como maiores ladrôes,sempre ficaram mais aproveitados que os nossos.

Nesta retirada, pera que tudo sucedesse pr6spera-mente ao capitâo Gonçalo Mendes, lhe vêo cair nas

15 mâos ûa quadrilha de doze almogâvares de pé, quese recolhiam pera Salé, donde eram moradores. Evendo-se perdi'dos com tal encontro, lançaram mâodas armas, a ver se, resistindo, teriam lugar de sesalvar entre ùas rochas que à vista estavam sôbre

20 o mar. Mas saiu-lhes o conselho errado: foram logomortos sete às lançadas; e os cinco que se renderamtardaram pouco em seguir os companheiros. Por-que se soube de três cristâos, que cativos levavam,que de fresco tinham salteado um barco de Castela

zS na rio de Azarnor, em que deixavam mortos novehomens. Correu logo ûa voz gemù que se nâo dessevida a nenhum. Ao que se juntou s€rem conhecidospor grandes almocadéns, manhosos e arriscados eque como tais tinham feito m'uito dano em gente

3o da cidade. Foi sua desgraça acharem tanto povojunto e tantas testemunhas de seus maus feitos, que

r, d,e tecado: prudentes, cautelosos.

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COLECÇÂO DE CLASSICOS SA DA COSTA

nâo pôde o capitâo estar pola boa lei da guerra eperdoar-lhes a vida, como quisera.

Diligência fizemos por alcarrçar os nomes daspessoas de mais conta, que neste feito se acharam,

S pera lhe darrnos memôria. Nâo pudemos descobrirmais que Francisco Botelho, Duarte da Cunha,Vasco da Silveira, Diogo Leite, Bastiâo Leite, ofeitor Martim Alonso de Fonseca e Carrion. Eraouvidor na cidade um bom letrado, a quem o ofi-

zo cio <Ja justiça c a profissâo dos livros desobrigavam,das cmprôsas arriscadas da guerra. Mas, vendoposto a cavalo seu capitâo, nâo houve cousa quelhe tirasse vestir num arnês, subir em um bom gr_nete, empunhar sua lança e acompanhâ-lo. E no

z-5 tempo da briga soube dar tâo boa conta de si, quemereceu lembrar-se dêle quem fez a relaçào que seinviou a el-rei; mas descuidou-se no nome, que porventura por muito conhecido nâo devia especifi-car e eu muito estimara saber, pera ficar n"r[". er_

eo critos, por gl6ria das boas letrai, que sabido é que. sempre deram lustre às arrnas. Mas por honra delas

e dêle e dos mais vencedores, lançàremos acui osnomes dos xeques desbaratados, que sâo os sËzuin-tes: Josef Ben Mahamed, Barahào, Ali-Ben i{ar_

25 bian, Josef Ben Bucibael Gueila, Mahemad Ben_-Abuu, Azus Ben Mahamed Ben Maleque, Hamed99" Maleque Barahao. Eram sete: po.èm dos que

' dêles e do povo morreram na refregâ nâo pudemosalcançar nomes nem nûmero

ANArS DE D. IOÂO rIr

CAPITULO XVII

Sucessos da lndia: Governador - D. Duarte deMeneses. Levantamento del-rei de Ormuz e

cêrco que pôe à fortaleza

Segundo a ordem que temos proposto, de darmosconta dos estados que reconhecem por cabeça o rei-no de Portugal e do que nêles achamos digno demem6ria, é tempo de dizermos algûa cousa do que

5 nesta conjunçâo se fazia polos nossos naturais emAsia, na conquista daquelas estendidas terras e ma-res da fndia, advirtindo primeiro ao leitor que se-guiremos nesta parte o famoso escritor Joâo de Bar-ros, emquanto nos durar escritura sua. E abrevia-

/o remos as matérias quanto a calidade delas consintir,visto andarem escritas por muitos autores.

Era chegado por governador D. Duarte de Mene-ses, filho herdeiro de D. Joâo de Meneses, condede Tarouca e Prior do Crato, tirado por el-rei

15 D. Manuel da capitania de Tângere, pera ir sucederna governança da India a Diogo Lopes de Sequeira.Tinha procedido D. Duarte em Tângere com créditode valente braço e maduro juizo, que se teve entâopola mais acertada eleiçâo que s€ podia fazer no

zo reino. Levou consigo ûa armada de doze naus commuita e boa gente, de que eram capitâes êle eD. Luis, seu irmâo, que neste tempo servia ao prin-cipe no cargo de monteiro-rn6li D. Joâo de Lima,filho de Fernâo de Lima, alcaide-m6r de Guima-

z5 rà,es, que ia pera capitâo da fortaleza de Calicut;D. Diogo de Lima, filho do visconde D. Joâo deLima, pera capitâo de Cochim; Joâo de Melo daSilva, filho de Manuel de Melo, alcaide-môr de Oli-

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vença, pera capitâo de Coulâo; Francisco pereiraPestana, filho de Joâo de Pestana, pera capitâo deGoa; D. Joâo da Silveira, filho de D. Marlinho daSilveira,- pera capitâo de Cananor; Diogo de Sepfl-

5 veda, filho de D. Joâo de Seprilveda, pera capitâode Sofala; Martim Afonso de Melo, filho de jorzede Melo, I-ageo d'alcunha; Gonçalo Rodrigues Cor-rea de Almada, armador da pr6pria nau em que ia;e Vicente Gil, filho de Duarte Tristâo, também

lo armador da sua nau; e Ant6nio Riio em um navio.com quc havia de acompanhar a Diogo de Seprilve-da a Sofala e ficar por alcaide-mdr e feitof deh,pera se vir no mesmo navio Sancho de Toar, quelâ era capitâo e acabava seu tempo.

rS Chegou D. Duarte com tôda esta frota em salvo.E p-orque o governador Diogo Lopes de Sequeiraresidia em Chaul, assistindo na obra da forlalezaque a[ fazia e the nâo podia ir logo dar entrega dagovernança, quis êle começar a exercitâ_la, pera

zo dar lugar aos capitâes, que haviam de vir nas nausde viagem pera o reino, de se aperceberem e pode_rem partir da India com cêdo, _ cousa que. iendoa mais entendida de quantas hâ na Indiâ, p"ru ,"ganfg a viagem, é desgraça nossa sem reméàio que

e5 nenhû.a menos se segue. Despachou primeiro seu ir-Tâo P. L-ufs, que levava por el-rei o cargo de capi_

. tâo-môr do mar, pera que fôsse assistir "*

Ct uoi "' Diogo Lopes de Sequeira se pudesse vir a Cochim

tratar de sua embarcaçâo.jo Estava a terra de guerra e havia mister grande

fôrça de nossa parte. Porque, sendo o sitio eirl que

COLECçÏO DE CLASSICOS SA DA COSTA

29, embarcaçdo: embarque.

ï02

ANArS DE D. IO.4O I I I

se fabricava cercado de inimigos, nâo andava o marmais pacifico, como adiante veremos; e aconteciaaos edificadores irem assentando com ùa mâo osmateriais e com a outra 'esgrimindo a espada ou

5 brandindo a lança. Conseguintemente foi D- Duar-te despedindo os fidalgos que vinham providos defortalezas por el-rei, cada um pera a que lhe tocava.Entretanto acudiu Diogo Lopes a Cochim. E por-que tinha provisâo del-rei pera nâo largar o cargo

zo emquanto estivesse na India, vêo a fazer a entregaa D. Duarte em 22 de janeiro de t5zz.

No fervor e pressa de sua partida e na carga deoito naus que o haviam de acompanhar entendiamambos os governadores com igual cuidado, quando

.r5 entrou no porto quem tho deu maior a êles e a todoo Estado da India. Foi Joâo de Meira, que vinhaem ùa caravela, em que andava de armada no marde Ormuz, mandado por D. Garcia Coutinho, capi-tâo da fortaleza, com aviso da mais estranha e me-

zo nos cuidada treiçâo daquele rei que se podia espe-rar, se entre mouros e pera com cristâos sâo de es-tranhar treiçôes. Passou assi:

Domingo, primeiro dia de dezembro do ano der52r, no maior silêncio da noite, deram no marsôbre dous navios nossos, que eram ûa galeota efla caravela, oito terradas de gente armada. Haviadescuido entrc nôs, como em terra de paz e de nossaobediência. Nâo se achavam mais na galeota quealguns marinheiros, que espantados do sobressaltoe picados das frechas dos acometedores, se lança-ram ao mar, e ficou logo em seu poder. Defenden-

entendiam: estavam ocuPados.tevrad,as: navios pequenos.

ro3

j

25

3o

r3,26,

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COLECÇÂO DE CLASSICOS SA DA COSTA

do-se melhor a caravela, contentaram-se com darfogo à galeota e começaram por ûa cantidade defolhada de palma (chamam-lhe ola) que acha-ram sôbre a craxia (fezeram conta que isto bastava

j pera arder o vaso), e deram volta pera terra.Apôs o fogo da ola, que levantou grande laba-

reda, como se fôra sinal de rebate concertado, come-çou a soar da tôrre alta do Alcorâo um som muitopicado de bacia d,e arame, que um mouro com fôrça

ro badalejava, juntando altas vozes, que diziam em sualingua: rrmata! matalr. Logo se foi ouvindo por tôdaa cidade ûa confusa chocalhada do mesmo arame ebacias, que, segundo se mostrou, foi segundo avisoem lugar de pffaros e atambores pera se juntarem

15 os conjurados, que eram todos os mouros que po-diam tomar armas. Porque logo foram acudindoem esquadras: uns a arrombar as portas dos portu-gueses, moradores da cidade; outros a.tomar as dafortaleza, pera estarem em cilada e colherem nelas,

20 como em rêde, os que escapassem da cidade.' Viviam entre os mouros grande nrimero de gente

nossa, como eram todos os oficiais da alfândega,que o governador Diogo Lopes de Sequeira dei-xara assentada; e muitos mercadores e chatins e

25 até soldados, que pertenciam à fortaleza e aos na-vios da armada. Iinham os mais sua morada em

, três partes distintas: uns em îia casaria grande, queos da terra chamavam Madrassal, outros em umhospital nosso; e o resto nas casas da feitoria. Aqui

3o foram acometidos com alarida e festa de gente que

ola.' fôlhas de palmeira.cra*ia- Tê,rmo de significaçâo desconhecida.chatins: comerciantes indianos.

r04

ANArS DE D. IOÂO I I t

fazia conta que tinham a presa certa. A ferro e fogodesfizeram os conjurados tôdas as portas; a nenhumportuguês perdoavam a vida; e aos que se defen-diam faziam saltar polas jànelas, ou afogar na fu-

5 maça que saia do fogo, que por muitas partes junta-mente puseram.

Era grande a revolta, grande o furor do povo;e o estrondo das armas e o sangue tanto, que re-presentava tudo ûa terra que assolavam cruéis ini-

ro migos. Neste conflito teveram remédio sô aquelesque se acharam com corpo de gentedecompanheirosou criados: tomaram suas annas, lizeram rosto comvalor aos traidores e, animados da desesperaçâo, sai-ram polo meio dêles em d'emanda da fortaleza, ma-

rj tando uns e ferindo outros. O feitor Inâcio de Bu-lhôes foi o primeiro qu€ se determinou com seusoficiais e criados a morrer antes no campo queafogado de fumo ou queimado do fogo; e por outraparte Manuel Velho com os seus fez outro tanto;

:o e todavia nâo passaram sem lhes custar muito san-gue e muitas feridas, nâo sô ao sair da estreitezadas ruas, mas também ao entrar na fortaleza, to-pando com outros inimigos e gente fresca e bemarmada.

.'t Passou-se a noite na fortaleza com grande des-consolaçâo e dor pola muita gente que nos faltava;até que a luz da manhâ foi descobrindo grandesnuvens de fumaça, que em novelos se subiam aocéu, das casas que todavia ardiam. Do que jul-

1r gando o capitâo que poderia inda haver algûa gente

29, todauia: ainda. Parece castelhanismo, com estasigni{icaçâo.

J'

4'

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COLECçAO DE CLA.SSICOS SA DA COSTA

nelas escondida, mandou vinte cinco valentes ho-mens, gue se atreveram a entrar polo meio dacidade levantada; e ainda que tôda junta foisôbre êles e houve de ambas as partes mortos e feri-

5 dos, salvaram alguns que acharam vivos no Ma-drassal.

Apds esta diligência, foi segundo cuidado do capi-tâo mandar a Francisco de Melo e Joâo de Meiraque recolhessem pera junto da lortaleza e debaixo

ro da artilheria a caravela e galeota de que eram capi-tâes. O que logo fizeram. Porque é de saber que ofogo da galeota, antes que penetrasse pola madeira,foi apagado, tanto que as terradas se afastaram,por um moço que dentro ficou escondido. E por

z5 mostrarem brio aos inimigos, foram-se logo aoporto e em seus olhos queimaram algûas naus demouros que nêle estavam e salvaram ùa nau deManuel Velho, que, carregada de tâmaras, estavade verga d'alto pera partir pera a India; e serviu

zo a ftuita pera sustentaçâo no cêrco e a madeira pera. reparo nas muralhas.

Mas era grande a confusâo entre os nossos. Por-que, além de nos faltarem mais de vinte portugue-ses, que entre o fogo e armas dos levantados pere-

25 ceram, havia notâvel falta de mantimentos e mu-niçôes; e tâo pouca âgua na cisterna que, por quea gente nâo desesperasse, vindo à sua notfcia, tomouo capitâo a chave e fechou-a. Do que tudo mandoularga relaçâo ao governador D. Duarte, despachan-

3, Ieuantada: revoltada.13, terrad,as: pequenos barcos de guerra, usados no

Oriente.

to6

ANArS DE D. IOÂO I I I

dolhe ao segundo dia Joâo de Meira na sua cara-vela, como temos visto.

Entretanto foi a fortaleza cercada por mar e terra.Porque el-rei, quando assentou levantar-se, tinha

5 mandado em segrêdo tomar a soldo na terra firmetrês mil frècheiros; e com estes e tôda a mais solda-desca que na cidade havia, ordenou suas estânciasem tôda razâo de guerm: de sorte qu€ no mar nosqueimaram as suas terradas a galeota, que do fogo

ro da primeira noite tinha escapado, sem lhe poder-rnos valer, como ficou desacompanhada da cara-vela. E juntamente se fizeram senhores de ûa naucarregada de mantimentos (que foi maior dano),que de Chaul vinha pera D. Garcia. E por terra se

z5 chegaram tanto aos nossos muros, que n-enhum ho-mem descobria a cabeça que logo nâo fôsse frècha-do. Ao que s,e juntava sua artilheria, que assestadaem lugares acomodados, por traça de um turco quefazia oficio de engenheiro, jogava de dia e de noite,

zo e o mesmo fazia um trabuco que tirava das casasdel-rei. Mas nenhfla cousa fazia tanto pavor, comoa falta que dissemos de âgua e vitualhas pera pas-sar a vida, e de p6lvora e mais muniçôes pera de-fender do inimigo; fazendo-se juizo que sem outras

25 armas nos poderia tomar às mâos, em caso quetardasse socorro.

Assi se foi passando o mês de novembro e dezem-bro, trabalhando os nossos de dia e de noite emlazer reparos e vigia contfnua; quando o Senhor

3o Deus foi servi'do consolar os cercados, na mesma

20, trabuco: engenhoatirar pedras.

(re guerra que servra para

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i t

*i],lil

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coLECç.4O DE CLASSTCOS SA DA COSTA

noite e hora de seu gloriosissimo nacimento em car-ne humana. Entrou em salvo e quâsi sem ser sin-tido, por meio de cento e sessenta terradas que sô-bre a fortaleza velavam, um parau cheo de boa

5 gente portuguesa e muitos manti.mentos, capitâoTristâo Yaz da Veiga, que, quando soube dô le-vantamento em Mascate, onde estava em negôciospera que fôra ali deixado polo governador DiogoT.opes de Sequeira, logo se determinou com o capi-

ro tâo-m6r Manuel de Sousa de Tavares e Fernâo VazSamache que se viessem todos três socorrer a seusirmâos.

Entâo contou como o rei infiel mandara recadoaos guazis das vilas de sua jurdiçâo que matassem

15 todos os portugueses; e, se nâo fôra em Mascate,onde o guazil com tôda a terra tomou a voz del-reide Portugal, todos os mais foram tâo pontuais namaldade, que, sem dar tempo de passar a fama deum lugar a outro, padeceram nas terras de Soar,

zo Calaiate e Baharém nrimero de cem portugueses,afora cativos. Entre os quais nos merece o escrivâoda feitoria de Baharém, Rui Boto, que honremossua memôria, ccymo êle honrou sua pâtria. Sendotentado com promessas de vida, se quisesse trocar

z5 a f.é de Cristo pola seita de Mafamede, abominoucomo born português e bom cristâo a oferta e es-colheu antes ser martirizado, como foi com muitose mui exquisitos géneros de tormentos; e todos pa-deceu nâo sd com valor e constância de valente

3o cavaleiro, mas com alegria de quem sabia por quem

ANAIS DE D. IOAO I I I

os passava e conhecia o prémio certo que com êlesgrangeava.

Nâo tardaram em chegar os dous navios, compa-nheiros de Tristâo Yaz, qae dêle se tinham apar-

5 tado com tormenta mais que três dias: amanhece-ram a terceira oitava de Natal, surtos, duas léguasda forlaleza, à parte da ilha de Quéixome. Sintiramlogo os cercados grande alvorôço entre os inimigos,aoercebendo-se muitas terradas pera irem sôbre eles;

zo e toman'do conselho no que em ial caso se devia fa-zer, porque sabiam que a nau de Manuel de Sousavinha falta de gente, que por se levantar de Ca-laiate, com fôrça de tempo, lhe ficara em terra amaior parte, assentaram que Tristâo Vaz no seu

15 parau, com seus soldados e muitos outros da forta-leza, que folgaram de o acompanhar, se fôsse darfavor aos que os vinham socorrer.

Nâo fez dilaçâo Tristâo Yaz em sair e com o remoem punho ir-se a tôda frîria dern-andar os navios;

30 nem tardaram em se ir trâs êle com a mesma dili-gência oitenta terradas atulhadas de soldadesca'Afirrn-a-se que vendo el-rei a temeridade com queTristâo Yaz em bom dia claro se atrevera a deixaro abrigo da fortaleza, dissera a Coge Mahamud, seu

:5 capitâo, que lhe fôsse trazer polas orelhas aquelesdoudos, ou desesperados, e encomendasse aos seusque nâo matassem nenhum; que todos queria vivos.

Quando êste capitâo acabou de sair, levava jâTristâo Vaz grande dianteira. Mas as terradas se de-

.io ram tenta pressa em vogar, que foram brevementecom êle. E logo lhe lançaram em cima tantas fre-

7, Quéixonte.zaçâo.

Veia-se mais adiante a sua locali-

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t4, t6, guazil: governador de localidade, entre os ârabes,

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COLECÇÂO DE CLASSICOS SA DA COSTA

chas que se nâo viu chuva de inverno mais espessa,ajudando-se, à volta delas, de algûas peças de arti-lheria que levavam. Porém êle, tanto que as tevea tiro e bem apinhadas, que até entâo nâo quis

5 perder p6lvora, começou a varejâ-las com sua arti-lheria e arcabuzaria, amiudando ûa carga sôbreoutra com tanto tino e sem perder tiro, como a gen-te e barcos eram tantos, que nenhum se atrevia aabalroâ-lo. Nesta pressa com que Tristâo Yaz pro-

ro curava ch,egar aos seus e os mouros a êle, foi abriga tâo travada e crespa, que cairam mortos dosinimigos mais de trinta, dos mais atrevidos, e entreêles o capitâo Coge Mahamud.

Chegou emfim Tristâo Vaz a juntar-se com Ma-.r5 nuel de Sousa; mas foi caso gracioso que êle lhe

mandava tirar c.omo a inimigo, receando-se quepodia o parau vir de falso e ser artificio de mourospera o enganarem; até que levantando-se TristâoYaz em pé, como era conhecido por de granrle esta-

zo tura, emfim foi recebido na nau. Como foram iun-tos, desesperaram os inirnigos de fazerem mais eieitocontra êles. Resolveram-se em mandar a terra oscorpos mortos, ou pera terem sepultura, ou peraver el-rei nêles o que se tinha trabalhado; e man-

e5 dasse que queria fizessem de novo.A vista dos defuntos vâriamente despedaçados

causou na cidade um tâo excessivo clamor e prantoque foi ouvido dentro na fortaleza e celebra.do comsom de trombetas e estrondo de alegres folias, com

30 qlJe os cercados davam graças a Deus pola witôriae procuravam acrecentar mâgoa nos traidores.

2, à uolta delas: a7êm delas.

ITO

ANArS DE D. JOÂO rrr

CAPTTULO XVII I

Acometem os mouros de novo as nossâs embar-caç6es: e sâo de novo desbaratados com segundae famosa vitôria. Despeja el-rei a cidade com

todo o povo, e manda-lhe pôr fogo

Nâo era menos em el-rei o sintimento. Abafavade indinaçâo e raiva, jâ contra os conselheiros dolevantamento, jâ contra os pobres soldados. Àque-les chamava verdadeiros traidores e destruidores

5 de seu estado, que o obrigaram com fundamentosde malicia a perder a paz descansada em que vi-via, Aos soldados, gente fraca, vil e sem honra,pois sendo tantos, que sô com o bafo podiam meterno fundo o nosso parau, nâo houvera nenhum que

ro lhe pusesse o pé dentro. - aQue esperança - dizia- poderei ter que subais vôs outros aqueles murosaltos, ou me rendais êsses encastelados, se em sal-tar o bordo de ûa pequena barca achastes dificulda-de? Logo, subindo a cavalo e com um bastâo na

r.; mâo, se foi à praia; e mandando que nenhum ho-mem ficasse em terra, lez sair de novo cincoentaterradas e embarcar nelas à sua vista a m6r partedos mires, que o acompanhavam (sâ.o mi.res os seusfidalgos ilustres). Mas primeiro usou de um têrmo,

io que lhe pareceu seria poderoso pera esforçar atodos.

Mandou vir duas mesas. ta lez luzir de ouro eprata em vârias moedas; a outra cobrir de touca-dos de mulheres, Era costume dos persas, usado

.'5 naquele tempo, ao homem que lana vileza na guer-ra, enfeitarem-no com um daqueles toucados, perasinal de perpétua infâmia. Prometia o rei ûa cousa

l * - . : . !*d

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COLECçÂO DE CLASSICOS SA DA COSTA

e outra a todos; mas de rnelhor vontade a prata eouro e em cima honras e mercês aos que entrassemos nossos navios. E ap6s isto subiu-se a um tesosôbre o mar, donde fôsse visto dos que iam e êle

5 pudesse notar o que faziam. Voavam, nâo rema-vam as cincoenta terradas, que levavam a flôr dacôrte, até se juntarem com as oitenta; e fizeram umcardume que coalhava o mar.

Estavam os da fortaleza pendurados sôbre asro muralhas, suspensos e receosos e considerando que

se Deus nâo acudia com suas miseric6rdias, pareciaimpossivel valerem-se contra tamanho poder trêspequenos navios, em mêo do mar, que, segundo boaconta, devia haver pera cada soldado nosso vinte

15 ou mais mouros, E assi os encomendavam a Deus,como quem fazia conta que na salvaçâo dêles con-sistia a daquela fortaleza e de todos. Mas Manuelde Sousa deixando-se estar surto, emquanto tarda-va a viraçâo, com que havia de demandar o anco-

eo radouro da fortaleza, apercebia-se pera o assalto,com atracar a fusta e parau ao bordo da nau, cadavaso de sua parte, tâo juntos e apertados, que senâo pudessem alargar e ficassem em estado de ha-ver passagem de um a outro e poderem-se socor*

25 rcr, havendo necessidade. Assi fez um género debarbacâ e reparo de muito efeito pera os costadosda nau; e ordenou mais, pera se poder servir daartilheria pera tôda a parte, que as prôas da fustae parau ficassem contra a popa da nau, e por cima

30 corresse s6mente a mar€agem das velas da nau, de

2, entra,ssem: acometessem,

3, faso.' monte.

I12

pondo pé dentro.

, , t I rArs DE D. JOÂO rI I

maneira que s6 elas levassem tôdas três embarca-çôes. Dada esta traça, como todos três capitâescram mui esforçados cavaleiros e tinham consigogente animosa e determinada, esperavam alegre-

i mente o inimigo, que nâo tardou èm cnegar qiâsiao mesmo tempo que soltava as velas a viraçâo, quecomeçava a assoprar,

Foi o acometimento dos mouros bravo e teme-rârio e como de gente que estava aos olhos de seu

to principe e nâo lhe esqueciam suas promessas eameaças. A primeira cousa foi despedirem dos arcostantas nuvens de setas, à volta de muito fogo e ba-Ias de artilheria, que todos os três navios ficaramcravados e juncados delas, e feridos a môr parte

i5 dos nossos que na fusta estavarni que como erarasa e sem mais reparo que seus peitos, recebiamnêles tôda a frècharia. Neste passo se lançou sôbrea prôa da fusta Rayz Sabadim, que tinha pola ma-nhâ prometido a el-rei finezas de sua pessoa, e fa-

:o zendo-as de r,nerdade, se meteu polos nossos comseis companheiros que levava escolhidos, tâo ardi-damente que, entrados polo esporâo e por cima daartilheria, corneçaram a subir polo bordo da nau,nâo faltando outros, que o exemplo obrigava.

-t 5 Acometimento foi êste bem merecedor de ûa gran-de h.rz; mas nâo o foi menos a defensâo. Dignosuns e outros soldad'os, que teveram diante os reispor quem trabalhavam. pue por muito que se es-force a pena dos que relatamos.os sucessos da guer-

Jr) ra, sempre fica defectuosa na representaçâodovalor,

à uolta da.' de mistura com.Iuz: autéola de gl6ria.d,efectuosa no manuscrito da Aiuda.

26,5ur

TI3

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COLECÇAO DE CLASSICOS SA DA COSTA

das feridas, do sangue, das mortes. Porém aqui nâohavia mais testimunhas que os mesmos que, comoem desafio e praça aprazada e cerrada, pelejavam.Porque o fumo da artilheria e arcabuzaria tinha o

5 céu e tôda a armada coberta de espessa escuridâo.Estava muito ferido Femâo Vaz Sarnache e colntudo sustentava o pew dos mouros no baixo dafusta; e Manuel de Sousa lazia o mesmo no bordoda nau, pelejando todos pé a pê, a vivas cutiladas,

ro e lança varada com tanta fiiria e teima de ambas aspartes, que mal se podia discernir donde ficariaa vit6ria. Aqui se lançou Tristâo Yaz de um saltodentro na fusta, e trâs êle outros valentes soldados;e ferirarn nos mouros de sorte que em fim os fize-

rj ram despegar do bordo da nau, e largar a fustacom morte de muitos.

Jogava entretanto a nossa artilheria, levandocabeças, pernas e braços, arrombarxdo terradas emetendo muitas no fundo; e fez crecer o pavor entre

zo os inimigos, de sorte que houveram por seu partido. ir-se alargando de nôs. E todavia, como a viraçâo. refrescava e ia levando os navios pera a fortaleza,

nâo deixavam de se ir trâs êles frèchando e tirando;até que sendo jâ o dia gastado e todos bem cansa-

25 dos, o vento e maré meteu os nossos debaixos da ar-tilheria, que logo começou a lazer maior terror,

, disparando peças grossas e obrigou o inimigo a seafastar de todo e ir tomar repouso, que bem haviamister. Houve entre os nossos trinta e tantos feri-

3o dos e nenhum morto, senâo foi um grumete negro,caso sem drivida milagroso, como se pode julgardo nLrmero de frechas que se colheram nos nossosnavios e das que despois a maré foi levando à praiada fortaleza; que foram tantas, que acho escrito

I14

ANArS DE D. IOÂO Ir I

deram muitos dias lenha pera se queimar na forta-leza. Dos inimigos se soube d'espois que forammortos, neste segundo assalto, oitenta e muitos maisferidos.

j Na lortaleza entraram com triunfo de louvorese espanto l\{anuel de Sousa e seus companheiros.E côm tudo o capitâo D. Garcia, convèrtendo osdescuidos passados, de que muitos o culparn, emûa mui considerada providência,chamou no dia se-

ro guinte a conselho e propôs aliviar a fortaleza detôda a gente inritil, como escravos, mulheres e mi-ninos, que ajudavam a diminuir a âgua e consumiras poucas vitualhas que havia, nâo sendo de ne-nhum bom serviço no perigo presente. Dizia que

r5 embarcassem todos no navio de Manuel de Sousae fôssem caminho da India. Nâo sucedeu aqui oque é ordinârio nos mais dos conselhos: que em pro-pondo e .eclarando sua vontade o que preside,todos correm trâs seu gôsto. Era tempo de neces-

zo sidade: ela ensinava a esquecer adulaçôes. Deter-minadamente o contradisseram os mais e melhorentendidos.

-Duas vitôrias-diziam- ganhâmos ontem, ca-da ûa delas tâo famosa, que onde quer que fôrem

z5 contadas, ou serâo havidas por fabulosas ou demilagre, como na verdade devemos confessar. Seestas, por beneffcio do Senhor, que no-las deu, esocôrro dêstes três navios, nos tem rendido sermossenhores do mar, cem que juiZo cabe desfazermo-

jo nos dos mesmos navios, despedindo com essa genteo maior e melhor dêles e encurtarmos o nrimerodos defensores dêstes muros, pois de fôrça the ha-vemos de dar muitos pera sua defensâo? ;Que que-reis que digam estes mouros, senâo que de puro

II5

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coLECÇÂO DE CLASSICOS S.{. DA COSTA

mêdo começamos a despejar esta praça, poucos epoucos, - pois fazer tal despejo nâo tem outrasigaificaçâo? Se vitoriosos damos sinal de fragueza,;pera quando guardamos o brio e valor português,que nos maiores trabalhos costuma refinar-se mais?O que cumpre é que donde estes traidores nosacometiam até agora, sejam de hoje em diante den6s acometidos. Estâo cheos de covardia com o queontem exprimentaram. Nâo entrarâ navio - quemuitos hâo vir cada hora - que lhes nâo tomemosnas barbas: sobejarâo nâo s6 mantimentos, masriquezas de mercadorias. E se fôr faltando a âgua,ao seu despeito a iremos tomar dentro a Quéixome;que isto, senhor, é certo: emquanto formos senho-r,es do mar, sempre o seremos da terra.

Nâo houve mais, ap6s estas razôes, senâo quelogo assentaram que, providos os três navios deboa gente, fôssem destruir e queimar a armada dasterradas inimigas. Saiu com êles o capitâo-m6r Ma-nuel de Sousa e foi sôbre elas com tanto terrordos mouros, que por fugirem o perigo as arrima-vam tanto à terra, qr-re o navio grande, com re-ceio de dar em sêco, ficava tâo longe que lhes nâopodia danar. Mas os outros dous vasos tomarambastante vingança: porque, vindo demandar o portoum Darau cheo de fazendas, em seus olhos lho abal-roaàm, sem nenhûas das terradas se atreverem asocorrê-lo e o foram d'escarregar na fortaleza.

Desesperados os inimigos de bom sucesso no mar,tornaram com tôdas suas fôrças a continuar a bata-

TO

Il

I

r5

20

25

3o

13, ao seu despeito.' apesar dêles, contra êles.24, danar: causat prejuizo.

rt6

Tff ,4 1S DE D. IOÂO I I I

ria dos muros; e foram ordenando de novo ûasestradas cobertas pera se chegarem a n6s sem pe-rigo; e tendo feito disto quanto lhes pareceu bas-tante pera se poderem arrimar e escalar a muralha,

5 amanheceram um dia sôbre ela com grande nûmerode altas esc,adas e começaram a subir por elas osmais valentes, que foram rnuitos. Acudiram os nos-sos ao perigo e a botes de lanças e chuças fizeramcair uns sôbre outros, com que muitos foram mor-

ro tos. E logo soltando sôbre os mais grande golpede panelas de p6lvora, queimaram tantos, que malde seu grado largaram o pôsto os que ficaram li-vres do fogo, deixando o châo alastrado de corposmortos e das suas escadas.

rS Devia el-rei confiar muito neste escalamento.Deixou-se entender em que, despois que viu o poucoefeito dêle, nâo tentou nenhûa cousa mais contra afortaleza; e foi tomando novos conselhos e todosde mais perdiçâo sua: por que se veja em que pa-

20 ram treiçôes. Resolveu com o xeque seu sogro eMahamed Morado, seus principais conselheiros eprivados, passar a cidade com todos os moradores

çrera outra terra e outro sitio. Era a imaginaçâo ediscurso que, deixando êles a cidade êrma, farfa-

zj mos n6s outro tanto à fortaleza. Porque, ficandoOrmuz sem gente, nâo tinhamos n6s pera que sus-tentar muros e soldadesca em terra deserta.

O sitio que escolheram foi a ilha de Quéixome.Fica Quéixome à vista de Ormuz, em distância de

;o três léguas. Jaz sôbre a costa da Pérsia e tâo arri-mada a ela, que a cinge como ûa faxa; porque sen-

20, *eclt no manuscrito.

I17

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COLECÇTO DE CLASSICOS SA DA COSTA

do em demasia estreita, se estende ao longo da terrafirme por espaço de quinze léguas; tem muitas eboas âguas e fertilidade bastante, mas os ares sâopera a saride pestilenciais. A tal terra trouxe a de-

5 sesperaçâo e fôrça de maus conselhos êste miserâ-vel prfncipe. Mandou com pregâo priblico declararsua mudança e amoestar que todos o seguissem comfamiiias e fazendas e que pera isso teriam embarca-çâo franca. Com lâgrimas e desconsolaçâo foi rece-

ro bido do povo tal dito; mas executado logo. Porqueel-rei se passou ùa noite caladamente e pera queo povo fizesse o mesmo, deixou sessenta terradas,pera sua embarcaçâo e um capitâo com mil e qui-nhentos frècheiros pera guarda. Êste foi lVlir Corxet,

J5 que soube ser tâo astuto, que pera os nossos nâoimpedirem a passagem, procurou prâtica com D.Garcia, vendendo-se-lhe por amigo; e lançando asculpas da guerra aos privados del-rei, fazia-lhe crerque o ficar êle na terra, erra a fim de tratar pazes,

20 pera que afirmava ter ordem e comissâo del-rei.Entre estes enganos, que muito valeram ao mou-

' ro pera acabar de fazer a transmigraçâo em salvo,amanheceu o dia r9 de janeiro, que mostrou aosnossos um espectâculo que a todos fez mâgoa. Ar-

z5 dia tôda a cidacle em fogo, que durou quatro diasinteiros com tal violência, que temeram os da for-taleza se lhe comunicasse dentro. E com tudo inda

' o Mir Corxet vêo demandar o capitâo, e continuan-do em sua malicia afirmava que o fogo fôra posto

jo a caso; e que no trato das pazes nâo haveria drivi-da. Porém passado o quarto dia, em que tudo o

30, a, caso: casualmente.

t t8

AtlAIS DE D. JOaO I I I

melhor da cidade estava feito brasa e cinza, se

c.mbarcou com toclos os seus. Entâo sairam muitos

dos nossos a ver de perto o lastimoso estrago da

cidade, feito por mâo de seus naturais e de manda-

ç clo de seu rei. Outros foram buscar suas pousadas,

a ver se achavam inda algûa fazen'da da muita que

todos tinhami mas tudo era ou trevado, ou feito

carvâo. Contentaram-se com acharem algûas jar-

ras de mantimento e cisternas de boa âgua, que fo-

ro ram de muito Proveito.Aliviada poi esta maneira a lortaleza do cêrco,

e remediada na sustentaçâo, respiraram os nossos;porque nâo tardou em chegar largo

-provimentoàe todo o necessârio, em um navio da fndia e nou-

r5 tro galeâo, em que vinha por capitâo D. Gonçalo-

Coutinho, primo de D. Garcia e filho de D. Diogo

Couiinho, mandado de Chaul polo capitâo-môr do

mar D. Luis de Meneses. Assi pareceu bem a D'

Garcia que se fôssem Manuel d'e Sousa e Tristâo

zo Vaz a Curiate, a ver se podiam livrar de cati-

veiro a gente de Manuel de Sousa.

CAPITULO XIX

Avisa o governador a seu irmâo D. Luis que

acuda ao socorro de Ormuz. Faz novo capitâo

em Chaul. Despacha outros caPitâes pera vâriaspartes. D. Luis navega Pera Ormuz

Pouco havia que D. Luis era chegado a Chaul,quando teve aviso do governador, seu irmâo, que

cumpria ir-se com tôda diligência a Ormuz, a so-z5 correr D. Garcia Coutinho. Porque além da neces-

sidade que obrigava, ia jâ nas naus de viagem a

I Iq

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nova do cêrco e levantamento; e polo abalo quehavia de fazer em Portugal era bem darem-se maisplessa em sa'lvar aquela praça, que despois de Goaera a maior e melhor parte do Estado da India.

j Que por ora se fôsse com os navios que levara deseu cargo; e que, pera aparecer mais poderoso aoslwantados, seriam com êle antes de chegar a Or-muz mais três naus, que ficava despachando como novo capitâo Joâo Rodrigues de Noronha, que ia

ro suceder a D. Garcia. Que pera guarda da fâbricaque se lazia em Chaul, proveria de novo gente enavios.

Era D. Luis homem de guerra; sabia quantopode nela a boa diligência; quis, emquanto se apres-

rS tava pera partir, anticipar parte do socorro, comdespachar no me$no dia que teve o aviso do go-vernador a D. Gonçalo Coutinho com um galeâob-em provido de gente, vitualhas e muniçôes (r). Eêle, passados poucos dias, se partiu ap6s D.'Gon-

zo çalo, Ievando consigo três galèôes e quatro fustase ûa caravela, de que eram capitâes, êle e Rui Vaz

, Pereira, Antônio de Lemos, Nuno Fernandes cleMacedo, Anrique de }{acedo, seu irmâo, Dnartcde Taide e Pero Vaz Trevassos.

zS Como D. Luis deixava Chaul,tratouogovernadorde segurar a obra que ali Lazia, por duas maneiras:primeira, porque teve aviso que o dano que os

. nossos recebiam na guerra que lhes fazia Aga }Iaha-mud, capitâo de Miliquiâs, procedia de trazer na-

3o vios de remo leves e ligeiros, ordenou mandar dozefustas, que juntas com a mais armada que lâ ha-

coLECçÂ.O DE CLASSTCOS 5.4. DA COSTA

[(r) Barros, Décaila III, liv.

r20

VII, cap. 4.1

l , 'v / /s DD D. JOÂO I I I

via, guardassem a costa, repartidas em três esqua-tlras, a cargo de três capitâes, que logo nomeou,true foram D. Vasco clc Lima, Francisco de Sousa'Iavares e Martim Correa. Foi a segunda tirar o

5 cargo da nova lortaleza a Anrique de Meneses, pro-vido por Diogo Lopes de Sequeira, seu tio, irmâocie sua mâi, e pôr nêle Simâo d'Andrade, conhe-cido, quando moço, por val€nte cavaleiro; e agora,que era entrado em dias, por virtuoso e sisudo; ao

ro que se juntava estar muito rico de ûa viagem quelizera à China e ser tâo amigo do serviço d'el-rei,que das doze fustas, que temos dito, tinha êle feitoas seis à sua custa.

Justo e acertado provimento, se o nâo danarar 5 fazer o governador sem-justiça ao primeiro provi-

do, que a possuia legitimamente, por privilégio queos governadores tem de darem a quem lhes pareceas fortalezas que fundam de novo. Mas o que maisafeou o caso e afiou as linguas dos murmuradores

-'o contra o governador foi que misturou com a datada fortaleza del-rei neg6cio prôprio, contratandocasamento de ùa filha bastarda com Simâo d'An-drade. Mostrou logo Simâo d'Andrade ser dignodo cargo e de cousas maiores. Passando por Dabul

-'.5 com as fustas que dissemos, foi avisado serem en-tradas no rio duas galés de rumes. Mandou da bôcadêle dizer ao capitâo da cidade que lhas entregasse,com apercebimento que, havendo tardança, êle asiria tomar sem por isso lhe ficar.devendo nada.

.jo A recado tâo resoluto nâo houve réplica; entre-gou as galés. E porque soube que ficava em Chaul

28, cont. apercebitilento que: Iicando entendido que'

I2T

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coutcÇÂo DE cLassrcos sa DA cosTA

dio, tal era o aviso, segrêdo e dissimulaçâo, comque as encaminhou, que no p{rblico as culpas eramalheas: êle sempre se ficava venden'do por inocenteao povo e até aos nossos.

5 Porém, vendo agora que se chegava dia de juizopera êle com a vinda e poder de D. Luis, e come-çando a temer o mesmo os mais cûmplices, porqueo mesmo rei os havia de acusar e descobrir, primeirovieram a entrar em brigas enrtre si, querendo, ao

ro que se pode crer, sanear cada um sua causa, comcarregar culpas ao companheiro, de que resultouficar mal ferido o maior valido del-rei, que era MirHamed Morado e Rayz Xarafo tomar ânimo peranova treiçâo, persuadindo a Rayz Xamisser, seu

15 rrmâo, e Rayz Geilal, que convinha pera salvaçâode todos tirarem do mundo a seu amo e senhor, opobre rei Torunxâ: que, morto êle, nâo tinham quetemer culpas, nem acusador: porque despois de en-telrado, nem poderia descobrir crimes alheos, nern

zo defender-se dos que sôbre êle amontoariam, comoem quem era rei e cabeça e senhor de todos. Assivai ûa maldade chamando e às vezes necessitandooutra. Era o rei froxo e pouco acautelado; tinharnos dous entrada com êle, como nobres que eram;

.a5 executaram sem dificuldade a trei$o. Acudiu Xa-rafo, empossou-se da familia e tesouros; publicouque morrera naturalmente, como era jâ notôrio queandava enfermo; e fez levantar por rei um moçode treze anos, charnado Mahamud Xâ, filho del-rei

3o Ceifadim passado. Êste ficou rei em titulo e Xarafona sustância.

Espantado D. Luis de tantas novidades e receosode outras maiores, levantou ferro de Soar a tôdapressa. Navegando, apareceu ûa terrada que se vi-

r24

, , tNAIS DE D. JO"4O I I I

rrha contra a frota, demandando a capitana. Che-gada a bordo, viu-se nela um fnouro que na repre-scntaçâo e geito mostrava ser. pessoa honrada, querlisse vinha inviado polo novo rei Mahamud Xâ

5 com visita e presente pera o capitâo-môr. Mandou--lhe dizer D. Luis que se fôsse a Ormuz, que lâ oouviria. Mas nâo era bem desembarcado, quandofoi o mouro com êle levando sua carta e presente.Nâo quis D. Luis ver ûa cousa nem outra, senâo

rrr em sala priblica, diante de muitos fidalgos e solda-dos; e respondendo à vista com palavras de corte-sia, tomada do presente ûa pouca de verdura, man-,dou ao'messageiro que tornasse a levar o mais.

Nâo duvidaram os presentes que seria o maisr 5 outro género de verdura com que Xarafo costumava

resgatar suas insolências, quero dizer fôrça de moe-da ou peças de grande valia; e ficaram pasmadoscomo de grande novidade. A obra foi de D. Luis;mas o conselho naceu de Inâcio de Bulhôes, feitor

.'rr de Ormuz, a quem ê razâo darmos o louvor dela.Como se criara em casa do conde Prior, pai deD. Luis, quando D. Garcia o mandou avisar a Soardas alteraçQes que contâmos, lhe escreveu êle pou-cas regras que diziam assi:

.:.5 rrFui criado do conde vosso pai em Portugal e souaqui ministro del-rei. ta e outra cousa me obrigaa escrever-vos; e d'a,mbas fio que rne dareis cré-dito. Vindes remediar a melhor praça da Indiae vingar o sangue de cento e vint'e portugueses, mor-

.r() tos à treiçâo e a sangue frio. Faço-vos saber queestamos jâ no tempo que um gentio profetizou, que

r, capitana: nau em que vai o capitâo.

r25

,J

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iicoLt,cÇÂo DE cLassrcos sa DA cosTA

os portugueses ganhando a India como cavaleiros,a perderiam como mercadores; quis dizer: por faltade verdade e sobejidâo de cobiça. Nâo basta, se-nhor, ser limpo de mâos e de condiçâo; convém

5 também parecê-lo. O primeiro serve pera acertaro negôcio, o segundo pera conservar reputaçâo. Câestâ tudo em estado, que nâo hâ mouro que cuidehaveis cle scr dc ferro pera o seu ouro, nem cristâoquc o croa. I.'ilho sois de bom pai e criado em boa

ro escolu. A<l sribio basta pô-lo na estrada e deixâ-lo.Dt'tts vos guitrdtr.r,

I)cscontcntc ficou Xarafo dêste modo de proce-dcr, parccendo-lhe que o havia com homem que oentendia e conhecia suas manhas; e todavia nâo

z5 desesperando delas, fez segunda visita, em queajun-tou carta sua a outra del-rei, acompanhadas ambascom peças de sêda rica da Pérsia. Era o argumentodas cartas ambas um s6: desculpar os males pas-sados, carregâ-los todos sôbre o rei morto. Respon-

zo deu D. Luis corn palavras gerais e corteses, comona primeira visita, apontando em resoluçâo quepera quietaçâo e boa ordem de tudo se viesse el-reie o povo pera a sua cidade. E sem tomar nada dopresente, despediu o embaixador.

zS Fazia-se de mal a Xarafo meter-se em poder dehomem tâo inteiro e limpo, e cercado de tamanhaarmada; e como sua consciência o argûia, represen-tando-lhe d'antemâo muitos géneros de perigos, nâose resolvia nem atrevia a tornar pera Ormuz. O que

3o entendendo D. Luis, por serem passados oito diassem nenhûa conclusâo, se passou em primeiro de

rJ, que o hauia: que tratava.

rz6

ANArS DE D. JOÂO I I t

junho com tôda a armada a Quéixome. Onde, des-pois de tentadas em segrêdo algûas traças por haveriL mâo a pessoa de Xarafo, que nâo houveram efei-to, e fazendolhe no pLrblico honras e gasalhado, em-

5 fim forçado do estado das cousas e do muito quecumpria tornar-se a povoar Ormuz e dissimular porora com o passado, por se nâo arriscar o presentee futuro, porqu€ jâ se soava que Xarafo trazia emprâtica passar-se pera Chilao, com o rei e seus te-

,() souros, lugar da costa da Pérsia donde era natu-ral, vêo a concertos de paz, que se assentou naforma seguinte:

Que el-rei com tôda sua côrte e povo se passassea Ormuz; que pagasse de pâreas ordinârias vinte e

rJ cinco mil xerafins; e a êste respeito o que se devessedos tempos atrâs; que governasse seu reino sem oscapitâes da fortaleza se entremeterem com êle, nemna fazenda nem na justiça; tornasse todos os cati-vos; e pagasse a seus donos as fazendas tomadas,

:o ou queimadas na noite do levantamento.Assinaram-se estas condiçôes por el-rei e D. Luis

e o governador Xarafo. E logo vieram muitas peçasricas de ouro e pedraria, ûas que Xarafo apartoupera irem a Portugal a el-rei e à rainha, em seu

-'5 nome e de Mahamud Xâ; outras que ofereceu aD. Luis e êle as aceitou desta vez por cortesia, masdando ordem que fôssem entregues ao feitor Inâciode Bulhôes, que as mandou tôdas a Portugalcom as que se dera.m pera el-rei, nas três naus com

.i() que viera Joâo Rodrigues de Noronha, que D. Luisdespachou logo pera Cochim tanto que assinou aspazes, porque eram parte das que haviam de irpera o reino com carga de especiaria, capitâes Lopod'Azevedo, Duarte de Atafde e l\{anuel Velho, por

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II

I

COLECÇÂO DE CLASSICOS SA DA COSTA

Pero Trevassos, que tinha a capitania da terceirae ficou em Ormuz doente.

O sucesso que teveram foi perder-se em Mascatea de Duarte de Ataide com um temporal que lhe

5 deu sôbre âncora. Acabou nela muita gente nobre,entre outros o capitâo e um filho seu e D. GarciaCoutinho. As duas chegaram a Cochim em paz epartiram com sua carga pera o reino em entradado ano de 23, como adiante veremos. E D. Luis

to nâo tardou em se ir trâs elas, porque entrava a mon-çâo de ir esperar as naus de Meca sôbre a pontade Dio; onde andou sem encontrar mais que ûaque tomou, até que um rijo temporal o obrigoua arribar a Chaul, jâ em 16 de setembro, e pouco

15 despois passou a Goa.

CAPITULO xX (r)

Partem D. André Anriques a entrar na forta-leza de Pacém. Martim Afonso de Melo Couti-nho pera a China, Ant6nio de Brito pera Maluco

Antes que desembarquemos a D. Luis em Goa,parrece que levarâ a hist6ria a sua verdadeira or-dem se relatarmos primeiro todos os mais sucessos,que nestas partes orientais teveram os nossos, em-

zo quanto dura o ano de r1z2 qve nos vai correndo.E por esta tazâo faremos agora ûa breve memdriada viagem que vieram a fazer nêle três capitâes,

[(r) Aqui parece que deve entrar o primeiro desba-rate que teve Jorze d'Albuquerque em Bintâo, acompa-nhado de Antônio de Brito, que parece foi na entradadêste ano de 5zz. Nota à margem ilo manwscrito,)

tz8

AI,1 AIS DE D. TOA.O I I I

despachados por el-rei D. Manuel cada um a seuefeito: D. André Anriques a entrar na capitania dePacém; Martim Afonso de Melo Coutinho a fundarùa fortaleza em terras da China; Antônio de Brito

5 outra em Maluco.D. André Henriques, filho de D. Henrique Hen-

ques, senhor da vila das Alcâçovas, passou à Indiaem companhia do governador D. Dqarte de Mene-ses, provido por el-rei D. Manuel da fortaleza nova

ro de Pacém. ,Chegou a ela em maio. Foi entregue dacapitania em 23 do mesmo mês, por Antônio deMiranda d'Azevedo, que a servia. Era o sitio nacosta da grande ilha de Samatra, em terras do rçinode Pacém, vizinha da mesma cidade que dâ o nome

15 ao reino e à fortaleza; terra opulenta de muitosgéneros de mercadorias, mas de ares pestiferos peraos que nâo sâo naturais: porque jaz debaixo clat6rrida zona, em cinco graus pouco mais ou m€nosà banda do norte.

zo O estado em que D. André a recebeu era'de guer-ra, rota e cruel, que Raia Abrahemo, rei do Achém,lhe fazia; guerra de ôdio e raiva, nacida de quetendo feito muitos males em gente e navios nossos,e procurando fazê-los maiores contra esta fortaleza,

z5 ûôra nâo sô rebatido em vârios acometimentos, comque a tentou, mas ficara nos mais dêles vencido eafrontado e com muita gente morta. Ajuntava-seque aspirava a fazer-se senhor dos reinos de Pedire Pacém, nossos aliados; e os artificios e treiçôes

Jo qu€ sabia inventar lhe davam disso grandes espe-ranças e nenhû.a cousa achava comprir-lhe mais quelançar da terra os portugueses, receando que em-quanto nela durassem, poderia algûa vez acudir talsocorro de Malaca, que lhe acont€cesse o qu€ ao

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COLECÇ,TO DE CLASSICOS SA DA COSTA

reino velho de Pacém e perder como êle estado evida.

No tempo que D. André chegou, tinha jâ despo-jado de tôdas suas terras ao rei de Daia e entrado

j tanto polas de Pedir, que o pobre rei nâo se atre-vendo a esperâ-lo na cidade, cabeça do reino, sevêo meter na de Pacém e favorecer-se de D. Andrée da fortaleza. Assi ficou Abrahemo senhor de dousreinos: porque na hora que o rei de Pedir saiu da

ro cidade, tâo vencidos tinha os melhores dela comdâdivas e promessas, que foi recebido sem nenhùacontradiçâo. E com tudo, havendo que tinha feitopouco, por lhe ter escapado a pessoa do rei, foimaquinando rûa traça pera o haver às mâos, com que

15 de caminho pudesse fazer algûa boa sorte contra osportugueses da fortaleza. Despejou a cidade, tantoque foi senhor dela, fingindo nos modos que era lan-çado à fôrça polos naturais. E logo concertou comos mais honrados que escrevessem a seu rei e se-

zo nhor verdadeiro, que soubesse como êles o tinhamfeito fugir da cidade; e à lei de bons vassalos, esta-vam prestes pera o receber nela; e que podia virnâo sô pera reinar, mas também pera destru(r seuinimigo Abrahemo; o que poderia fazer ligeiramente

z5 ajudando-se das armas portuguesas.Enganou-se o despojado, como é fâcil de crer o

que se deseja. Mas foi maior a culpa de D. André,que devera ser menos confiado. Concertaram quefôssem oitenta portugueses em ûa fusta e algùas

3o lancharas (sâo lancharas embarcaçôes de remo ra-sas e ligeiras), acompanhadas de duzentos mourosamigos: capitâo de todos D. Manuel, irmâo de D.André. Foi seu rei por terra com bom nrimero degente sua e alguns elefantes de guerra; entra na

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. .1 ) iArs DE D. IO.4.O I I I

sua cidade, com verdadeira alegria do povo igno-rante, falsa e fingida dos grandes, que o tinham en-ganado com suas cartas. EDtram os nossos no rio;começarn a consultar como iriam sôbre o arraial de

5 Abrahemo, quando chega recado a D. Manuel quese pusesse em salvo, porque estavam todos vendi-dos. Foi o caso que entre tanta gente falsa houveum bom espirito, que aquela manhâ madrugou maisque o sol, a avisar a el-rei de Pedir que soubesse

/o que todos os seus mais amigos estavarn conjuradospera o entregar a seu inimigo Abrahemo, na horaque saisse a acometê-lo; e fal conta lhe deu de tôdaa treiçâo que lhe estava armada, que o pobre reicaindo tarde em que fôra em demasia crédulo, se

15 saiu dissimuladamente com dous elefantes e algfiapouca soldadesca que o pôde seguir, avisando jun-tamente a D. Manuel que fizesse o mesmo.

Quando Abrahemo soube ser descoberta a cilada,e que lhe escapara o rei, foi-se com todo seu campo

:o sôbre os portugueses. Tinha muitas lancharas es-condidas polo rio acima, bem providas de gente earrnas, com ordem que a certo sinal dessem sôbre afusta e suas lancharas. Trabalhava D. Manuel jâpor se livrar da garganta do rio, mas era trabalho

;5 per.dido, porque a conjunçâo de maré vazia tinhaas embarcaçôes em sêco e sem poderem dar passo,sujeitas a frècharia e todo género de arremêsso, queos inimigos disparavam sem cessar, de ûa e outramargem do rio, que além de correr muito estreito

.i() na paragem em que estavam, ajudava a violênciados tiros com as barreiras altas, e com as mesmasos emparava da nossa artilheria, que jogava debal-de. Assi estiveram desesperados, vendo-se ferir ematar sem remédio, até que tornou a enchente da

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COLECÇAO DE CLASSICOS SA DA COSTA

âgua. Mas entâo começou nova briga, decendo con-tra n6s a tôda fûria as lancharas escondidas, queerarn em grande nûmero e bem remadas e ajuàa_ram a vitôria com tâo grande perda nossa, que sô

5 dos portugueses foram mortos trinta e cinco e entreêles D. Manuel que os capitaneava.

Encheu-se D. André de malencolia; e foi caindona conta que entrara em praça mais aparelhadapera perder honra que pera a ganhar. Abria os olhos

to e via que era tôda de mad,eira e tal que, com sernova no feitio, estava gastada e velha na sustância.A causa estava clara: penetrada a madeira dasâguas do céu, que neste clirna sâ'o continuas e gïos-sas, e logo ferida da veemência do sol, abre, troce,

15 apo'drece e em pouco espaço d,e tempo fica inritil.Colsiderava que o havia com um inimigo podero-so, inquieto e atreiçoado e que nos amigos filtavamfôrças e prudência. Prejudicou ao corpo a fôrçade cuidado, ajudada dos ares grossos e maus. Caiu

20 em cama; e resolveu-se em escre\,'€r ao governadorque provesse a ïottaleza de gente e capitâo: de gen-te, porque pera com tais inimigos e terra tâo malsâ, era pouca a que tinha; de capitâo, porque, se-gundo o estado de sua doença, tinha pouca espe-

25 raîça de vida.Emquanto D. André espera sucessor, passaremos

com Martim Afonso de Melo Coutinho à ôhina. Eraa ordem que levava del-rei D. Manuel ir-se ao portode Tamou e,. procurando amizade com o rei daquela

3o grande provincia, edificar nêle ou noutro lugar, que

.1 N,4/S DE D. JOÂO rrr

rnais acomodado parecesse, ûa fortaleza em que êleficasse por capitâo (r). Facilitava o negôcio termandado Fernâo Peres d'Andrade um embaixadorao mesmo rei, que foi Tomé Pires; e nâo havia até

q entâo novas do mal que lhe saira a jornada.Leripu pera o efeito quatro navios, de que eram

capitâes, êle e Vasco Fernandes Coutinho e Diogode Melo Coutinho, seus irmâos, e Pedro Homem, {i-lho de Pedro Homem, que fôra estribeiro-m6r del-

/() -rei D. Manuel. Juntararn-se-lhe mais em Malaca,donde saiu em dez de julho dêste ano, duas velasde Duarte Coelho e Ambrdsio do Rego. Por agostochegou à ilha de Tamou e entrou no porto acompa-nhado de Diogo de Melo e Pedro Homem, com

r; tanta confiança e descuido como se entrara na barrade Goa. E foi na pior conjunçâo que pudera ser;porque em terra andavam os chins encarniçados naprisâo do embaixador Tomé Pires e seus compa-nheiros e muito mais no roubo de seu fato e fazen-

:o da, que era muita e boa; e no mar corria a costaûa armada grossa da mesma provincia, por sermonçâo em que acudiam àquele porto navios devârias naçôes a lazet seu trato.

Procurou Martim Afonso tomar lingua da tera::5 mandou um barco e outro ao general da armada.

Nâo lhe tornando nenhum, entendeu que estavatudo de guerra e que fizera êrro em se meter noporto. Determinou sair-se ao mar largo. Nâo espe-ravam mais os chins que ver . o movimento que

ict lazia. Tanto que viram que os nossos se faziam à

f (r) Barros, Décad,a III, liv. VIII, cap, 5.1rg, Jato: os bens mdveis de uso pessoal.

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7-8,1n

cai,nd,o na conta: tecothecendo.atreiçoad.o : traiçoeiro.

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coLDCç,î.O DE CLA.SSTCOS SA. DA COSTA

vela, foram sôbre êles com todo seu poder, dispa-rando muita artilheria. Era o partido mui desigual;e acrecentou a desigualdade um desastre: deu fogona pôlvora no navio de Diogo de Melo, voaram às

5 cobertas pera o céu e foi tôda a gente ao mar, unsmortos, outros nadando. Era pedro Homem tâoanimqso, que lhe nâo tolheu a vista de tantos ini-migos mandar alguns homens no batel, v€r se po_diam salvar Diogo de Melo; e foi parte a falta dê-

ro les, pera ser acometido com mais ousadia dos chins,e com menos dificuldacle entrado.

Era Pedro Homem de corpo agigantado e de fôr_ças-e ânimo igual. Pelejou de maneira que, se o nâoacabara um tiro de fogo, contra quem nâo valem

.r5 fôrças nem esfôrço, pudéramos dâ-lo por vencedorde um exército inteiro. E isto é certo, qus teveramtanto que fazer os chins com êle s6 e com o seu na_vio, que isso valeu a Martim Afonso pera nâo en-tenderem com êle. Assi vendo que nâ6 tinha outro

eo remédio, se fez à vela pera doncle viera e chegoua Malaca meado outubro do mesmo ano; e dai se

' passou à India na monçâo.No mesmo tempo qui Martim Afonso navegava

da ïndia pera Malaca, a dar cumprimento à malz5 estrea'da viagem que acabamos de contar, se d.espe-

dia Ant6nio de Brito no cabo de Sincapura (r) -de

Jorz-e d'Albuquerque, capitâo de Malàca, pèra ir' fundar fortaleza nas ilhas de Maluco, por màndado

del-rei D. Manuel, que, sendo convidàdo por car-jo tas de dous reis destas ilhas. pera mandar edificar

ANArS DI i D. JOAO I I I

nelas ùa praça forte, como tinha em muitas terrasda fndia, ordenou que fôsse Jorze de Brito com na-vios e poder bastante. Na capitania dêles, porque

.forze de Brito foi morto em ûa saida que fez naq ilha de Samatra no porto de Achém, entrou por su-

cessâo Ant6nio de Brito, seu irmâo.Os navios foram seis; os capitâes dos cinco: Fran-

cisco de Brito, Jorze de Melo, Pero Botelho, Lou-renço Godinho, Gaspa.r Galo; êle do sêisto. A gente

lo passava de trezentos homens. Entrou polo estreitode Sabâo; e seguindo sua viagem, arribou com umtempo forte à ilha de Banda, que é jâ do senhoriode Maluco, onde deu pendor aos navios peguenos,que haviam mister reparo, por haver muito tempo

rj que navegavam. Daqui foi demandar as ilhasdeMa-- luco e primeiro a de Bachâo, a cujo rei determinoudar castigo, por ûa maldade que naceu de traçasua, em que foram mortos alguns soldados do jun-

co de Simâo Correa. Pareceu que convinha assi àzo nossa reputaçâo. Saiu em terra Simâo d'Abreu:

queimou ûa aldea e matou muitos moradores.As ilhas de Maluco, tâo nomeadas polo fruito do

seu cravo que sô elas dâo no mundo, sâo cinco; etâo pequenas que a maior nâo passa de seis léguas

zS em roda. Sendo tôdas juntas conhecidas polo nomegeral de Maluco, cada ûa tem tarnbém outro parti-cular. Jazem de norte a sul ùa ante outra. A pri-meira é Ternate, a segunda Tidore, as outras trêsMoutel, Maquiem e Bachâo. Sua situaçâo é de-

5o baixo da Equinocial e tâo vizinhas à linha, que

g, seisto no manuscrito.13, d.ar pend,or: inclinar sôbre um lado, para fazer

reparaçôes ou limpeza.

1i5

9, loi parte: foi causa, motivo.[(r) Barros, Décad.a III, liv. 4, cap. 5.]

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Ternate se nâo afasta dela mais que por mêo grau.Os mareantes contam trezentas ieguas de viiçmdelas a Malaca. No tempo que Ant6nio de Bïtochegou, eram as três governadas por reis: Ternate

5 por Cachil Boâhat, minino de sete anos, filho deBuleife, qu-e primeiro e com mais instânôia reque_reu a fortaleza; Tdore por Almansor; Bachâo porLaudim.

Desembarcou Antônio de Brito em Ternate comro grande alvorôço da rainha viûva e festa de todo o

povo, persuadindo-se ela e êle que ficava Ter_nate envejada e aventajada de tôdàs as mais ilhasem honra e proveito com a nossa vizinhança e for_taleza-; e procurando em que nâo houvesse iardança

15 na fâbrica, esoolheu Antônio de Brito pera lançaiaprimeira pedra o^dia dg S. Joâo Bautista, z4 d"junho dêste ano. Chegado o aiâ, apareceu com,.tôdaa gsnte e armada posta d,e festa, coroados êle e osmais dos homens com capelas de flôres e ervas chei_

zo rosas, colhidas por devaçâo do santo na mesmamanhâ; e assentou por sua mâo a primeira pedra. na fortaleza, que por respeito da feJta ficou cïm onorne S.-Joâo. Foi o sitio sôbre o porto que é juntoda cidade, em um arrecife qo" â.o firiae funna_

z5 mento à obra. Trabalhavam os portugueses, ajuda_vam os da terra, creciam as parédes.

.-

_ Mas é granrde a inconstância do juizo humano., Longe estava a fâbrica de chegar a sua perfeiçâo,

quando a rainha e muitos dos seus, como se acorda_jo ram de pesado sono, se começaram a culpar de te-

rem tomado sôbre o .pescoço um terrivei jugo na-quela fortaleza. C_recia o desgôsto a passoslguaiscom a fâbrica. Enxergou-se e- quj os naturaiscomeçaram a faltar no fervor primeiro. E Almansor,

COLECç,4O DE CLASSICAS SA DA COSTA ANArS DE D. JO.4O I I I

rei de Tidore, fomentava o descontentamento darainha sua filha: fazialhe crer que Cachil Daroes,irmâo bastardo do rei minino, que por êle gover-nava a terra, tinha jâ mais poder no reino que el-

5 -rei seu filho e a poucos lanços se faria rei com ofavor que tinha no capitâo e fortaleza; e o quecumpria, era, antes que ela estivessé mais defensâ-vel, fazer-lhe a gu€rra e procurar logo algum meiode darem a morte ao capitâo.

ro Tratou-se de tentar veneno. Aprazou Almansorum famoso banquete: chamou o capitâo; mas êleandava sôbre aviso: fingiu doença e escusou-se. Se-guiu logo outro género de guerra, que foi reprêsasecreta nos mautirnentos que vinham à praça, de

15 que os nossos se sustentavam. Tanta era a faltaque, havendo na fortaleza muitos doentes, nâo seachava ûa galinha por nenhum dinheiro. Determi-nou-s€ entâo o capitâo em um feito, ao parccercruel, mas mui necessârio pera o estado presente,

?o que foi com autoridade de Cachil Daroes, que sem-pre achou fiel, trazer a pessoa do rei moço e seusir'mâos e mâi pera a fortaleza. A mâi, sintindo-seculpada, retirou-se com tempo pera a serra; os mo-

ços vieram; e sendo tratados com a cortesia devida,:5 quietou o povo e segurou a lottaleza. Mas porque

Almansor, rei de Tidore, era o principal movedordestas alteraçôes, publicou o capitâo guerra contraêle. Dela faremos relaçâo no ano de 23, em quesucedeu.

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COLECÇÂO DE CLA.SSrcOS SA DA COSTA

CAPITULO XXI

Do sucesso que tiveram as naus de carga queêste ano despachou o governador D. Duartepera o reino; e âs que do reino partiram pera

a fndia

Como é parte principal da hist6ria clareza e dis-tinçâo de tudo o que nela se trata, tenho tençâo dedar um capitulo cada ano ao nûmero das naus, queacharuros despachadas da India pera o reino; e no

5 mesmo dar conta das que do reino sairem pera aIndia com a relaçâo de suas viagens. E porque, deordinârio, as que se despacham no Oriente temseu aviamento mais temporâo, diremos sempredestas em primeiro lugar; e no segundo das que

.ro partem de Portugal.Achamos que despachou o governador D. Duarte

a seu antecessor Diogo Lopes de Sequeira por fimdo mês de janeiro dêste ano de 5zz; e entrou DiogoLopes em Lisboa a salvamento com oito naus, de

15 que eram capitâes êle e D. Aleixo de Meneses, Ruide Melo de Castro, D. Aires da Gama, Manuel deLacerda, André Dias, Sancho de Toar, Pero pua-resma. E porque €m março do mesmo ano tinhachegado a nau rrAnunciadar de Bertolameu Floren-

zo tim, de que era capitâo seu filho, Pero Paulo Mar-chone, foram por tôdas nove naus as que êste anoent'rara,m em Lisboa com carga de especiaria. Masnâo podemos deixar de dizer, que sendo tantas asnaus tôdas bem carregadas na fndia, a maior parte

rg, Florentim: Florentino.

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ANAIS DE D. JOÂO I I I

dtr pimenta de algûas se achou em Lisboa mais terraque pimenta. Porque além de quebrar no pêso, asetenta por cento, era tal em sustância, que chegan-do neste primeiro ano do govêrno del-rei D. Joâo,

5 nâo teve gasto a contia de duas naus, senâo quatroou cinco anos despois de seu falecimento, que entâolhe fez venda nâo haver outra na casa (r).

Deu-se a culpa a André Dias, alcaide de Lisboa'que el-rei D. Manuel mandou à Ïndia no ano de

to r12o com grandes poderes pera êle s6 negociar apimenta; ao que se pode entender, com algûa des-confiança dos ministros da India. Êste homem sedeixou enganar, aceitando pimenta verde e carre-gando-a sem reparar nisso, sendo ponto que mais

rc deveria ponderar. Desejou parecer grande oficial€m carregar muita contia; da bondade, ou nâo fezcaso, ou a nâo entendeu. A causa de serem muitosquintais na carga de Cochirn e mui poucos na des-carga de Lisboa foi que, como nâo era colhida de

zo vez nem madura, chupava-se, secava e sumia-secom a quentura pr6pria e do navio e longa viagem:e assi vinha ùa a quebrar desmedidamente e outraa resolver-se em terra e 1É.

Por abril dêste ano se despacharam de Lisboa25 pera a fndia três naus; e nâo foram mais, assi por-

que o novo govêrno trouxe consigo ocasiôes e neg6-cios a que foi fôrça acudir pri'meiro, como porqueo grande poder que o governador D. Duarte levarano ano atrâslazia escusado rneter no presente maior

,'o cabedal. Foram os capitâes D. Pedro de Castel-

[fr) Barros, Décaila III, liv. VI, cap. ro.]zb. ocasiôes: momentos criticos.

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-branco, filho de D. Pedro de Castel-branco; Diogode Melo, que ia pera suceder na capitania de Or-muz, na vagante de Joâo Rodrigues de Noronha, eD. Pedro de Castro, filho de Estêvâo de Castro. E

5 nâo houve entre êles capitâo-m6r.Par'tiram de Lisboa tarde e sô D. Pedro de Cas-

telo-branco passou à India; os companheiros inver-naram em Moçambique. Tomou D. Pedro a barrade Goa; e foi o primeiro que levou a nova do fale-

ro cimento del-rei D. Manuel e sucessâo del-rei D.Joâo. Enxergou-se no extraordinârio sentimentoque houve em todos os portugueses moradores daIndia, que nâo eram os reis de Portugal senhoressômente dos corpos dos homens, mas muito mais

15 das almas e vontades. E podemos contar esta porùa das maiores boas venturas de tais reis.

Agora digamos o que aconteceu aos que inver-naram. Era capi'tâo e feitor de Moçambique Joâoda Mata. Estando a seu cargo arrecadar as pâreas,

20 qloe dous mouros, senhores das ilhas de Zanzibare Pemba, ali vizinhas, pagavam cada ano, fazialhedificultosa a cobrança serem êstes mouros mal obe-decidos de muitos vassalos, que tinham nas ilhasde Querimba, de cujo serviço e fazendas se ajuda-

25 vam, pera poderem cumprir com seus pagamentos.Viu que tinha estas duas naus ali ociosas; pediuaos capitâes quisessem dar um salto na povoaçâode Querimba, que era a maior e mais rebelde, emvirtude do favor que tinha del-rei de Mombaça;

jo que qualquer pequeno castigo bastaria pera a re-duzir à sujeiçâo de seus senhores.

Pareceu aos capitâes que se pedia cousa justa.Porérn sd D. Pedro de Castro aceitou a empresa.Embarcou consigo até cem homens, repartidos por

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um navio em que andava por capitâo daquela costa

Pero de Montôrroio e polo batel grande e esquife

da sua nau e Por outras duas.embarcaçôes da terra'

que chama n ?ambucos; juntaram-se-lhe muitos fi

5 dalgos, que folgaram de servir el-rei naquele feito'"

qo"-fot"rn D. Roque de Castro, seu irmâo, D' Cris-

t-6vâo, seu primo, D. Anrique Deça, Cristôvâo de

Sousa, que ia entrar na lortaleza de Chaul e ou-

tros. Assi acompanhado, lançou-se na praia de Que-ro rimba, defrontè da povoaçâo, que jaz esten ida

por ûa fermosa châ; e dando parte da.gente a Cris-

i6nâo d" Sousa, pera que desse ao inimigo polas

costas rodeaudo o lugar, acometeu a terra; mas nâo

achou descui'do nela.15 Tinham consigo de socôrro um sobrinho dei-rei

de Mombaça, com boa gente: defenderam-se com

tanta ousadia e fervor, que foi a briga de muito san-

gue. Mas apertando os nossos, foram-se retirando'

J, posto o rosto no mato, deram com Crist6vâo de

:o Soùsa, com quem pelejararn de novo de maneira

que o ferirarn-a êle e a Nuno Freire e Luis Macha-

do e muitos outros. Por fim, foi o lugar saqueado

de muita e boa fazenda que nêle havia e despois

queimado. Porém nâo se paSou o gôsto da vitôria sô

15 ôr.r a dôr clas feridas, que estas.sâo as que dâo

honra na guerra: outra houve maior, que foi per-

der-se tudo quanto tinharn recolhido de riqueza'

Foi tanta à cobiça no carregar as embarcaçôesque estavam em sêco e tâo pouco o tento, que,

-;c quando tornou a maré, trabucaram tôdas e ficou-

o *"t senhor do saco. E ainda nâo parou aqui a

AIiAIS DE D. IOi-o I I I

30, trabucarattt: voltaram-se,

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COLECÇAO DE CLASSICOS SA DA COSTA

desgraça: na volta pera Moçambique acharam tantotrabalho de tempos contrârios e de forne e sêde,qae f.ez a jornada de assaz merecimento. E todavia,antes de darem vela pera a India viram fruito dela,

5 porque acudiram a humilhar-se a D. Pedro tôdas asilhas rebeldes. Chegada a monçâo, partiram ambasas naus juntas e foram ancorar na barra de Goa,onde se perdeu a de D. Pedro, que chamavam r<Na-zaré>. F'ra muito velha e ûa das maiores que se fi-

ro zeram no reino. ûa e outra cousa foi parte peranâo poder sustentar-se contra um furioso tempo,que a cometeu.

to, foi P.arte pera: contribuiu, foi razâo.

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ANAIS DE D. IOAO I I I

LlvRo l l (1)

c andar Rayz Xamixir a rnonte e desterrado emgalardâo do que por seu mandado e promessas fi-zera, loi tanto seu sintimento que determinou ir-selogo pera a fndia sem esperar por seu irmâo: e assi

5 o fez, tomando por achaque ir esperar as naus deMeca, na ponta de Dio. Porém, como era agostoe os tempos ainda verdes, foi forçado tornar a arri-bar a Ormuz. E emfim pa.rtiram juntos pera a ïn-dia. E vieram a Goa, onde o governador, em pago

ro da injusta pensâo com que deixava carregado uminocente, achou perdidas as terras firmes de Goa,que rendiam muito maior contia ao Estado, comoveremos no capitulo seguinte.

CAPITULO X

Perdem-se âs terras firmes de Goa. Vern novasao governador de ser achado o corPo do Apôs-

tolo S. Tomé

Justiça quer Deus que guardemos âo grande e15 ao pequeno, ao mouro e ao judeu; e como Êle é

justissimo, ordena que, quando nela faltamos, ou senâo logre o mau interesse, ou se perca muito maispor vias nâo cuidadas. Rendiam as terras firmes deGoa cem mil pardaus. Êstes se perderam no mesmo

20 arro que se acrecentaram 35ooo a um rei de treze

(1). No manuscrito da Ajuda faltam quâsi nove capi-tulos do livro II da Parte I. É possivel que ainda apare-çam um dia pelos arquivos de Portugal e Espanha.

5, achaque: Pretexto.

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COLECçÂO DE CLASSICOS SA DA COSTA

anos, de cuja pessoa nâo havia culpa nem razâode queixas. Chamamos terras firmes de Goa tôdasaquelas que abraçam a ilha ao longo d'âgua e cor-rem polo sertâo dentro até certo limite. Estas ga-

5 nhou Rui de Melo, sendo capitâo de Goa; e loi otitulo saber-se que em tempos antigos eram tôdasdos senhores da ilha.

O modo com que se sustentavam e se arrecadavao que rendiam era o mesmo qu€ agora se usava.

ro Repartidas as terras em oomarcas, que chamavamtenadarias, havia ûa como cabeça de tôdas aondedas mais se acudia com o tributo (erao nomecociue-rad,o) e um capitâo que com gente cle guerra as cor-ria e guardava, e pola mesma razâo tinha titulo de

rj ienadar-môr. Servia neste tempo o cargo FernâoRodrigues Barba, provido por Francisco Pestana,capitâo da cidad,e, com quem tiaha razôes de pa-rentesco. Eram seus oficiais, pera boa arrecadaçâodas rendas, Joâo Lobato, tesoureiro, e escrivâo Al-

20 yaro Barradas. Êle, acompanhado de vinte e cincode cavalo e setenta soldados de pé, andava o maisdo ternpo no campo; e pera quando convinha maisfôrça trazia a soldo seiscentos peôes da terra, cana-rins. Eram três as tenadarias principais, Pondâ,

z5 Mardor e Margâo. Estas tinham seus particularestenadares, E Fernâo Rodrigues, quando descansa-va, era ordinârianrente na de Pondâ, porque tinha-mos nela fortaleza.

Nesta posse e estado se vivia, quando entrou por3o elas um capitâo del-rei de Bisnagâ com cem cava-

los e quatro mil de pé, a fim de nos lançar fora.

6, tttulo: piretexto, motivo.

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1NArs DE D. JOAO I I l

Acudiu Ferrrâo Rodrigues: acha-os recolhidos emum sitio fragoso de penedias: lança-lhes diante oscanarins. Estes os descompuseram de maneira quelhe ficou fâcil entrâ-,los e desbaratâ-los com morte

5 cie rnuitos e prisâo de mais de duzentos, que levoucomo em triunfo à cidade, entrando no rnesmo ca-valo do capitâo inimigo (chamava-se Tamerseâ),porque o seu lhe foi decepado na briga.

Nâo tardou el-rei de Bisnagâ em mandar novoro capitâo e maior poder de cavalaria, tanto pera ga-

nhar as terras que pretendia serem suas, como perase satisfazer da afronta de Tamerseâ. Trazia êstesegundo duzentos de cavalo, em que havia vinteacobertados, e três mil de pé. Começava a Lazer al-

1j gurn dano. Porém havendo vista de alguns nossos,que se iam a êles como descobridores do carnpo,tamanho terror entrou em todos, que, sem esperargoipe de espada, viraram as costas; e èle lez omesmo.

:o Seguiu a estes capitâes, passados trinta dias, ou-tro de mais brio e mais fôrça, inviado polo Hidal-câo, com quatrocentos de cavalo e cinco mil de pé,que entrou polas tenadarias cobrando à fôrça asrendas e matando os portugueses que achava nelas.

..:c Fazia jâ neste tempo oficio de tenadar-m6r Fer-nand'Eanes Souto Maior, que D. Duarte de novoprovera. Era bom cavaleiro: nâo duvidou sair-lhesao encontro e rnostrar valor. Nâo passava o nûme-ro dos que levava de vinte cinco de cavalo e sete-

.io centos de pé, de que sô eram portugueses cincoenta,e os mais gentio da terra. E com quanto os seus

r.t, acobeviados: defendidos com rnalhas.

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COLDCÇ,4O DE CLASSICOS SA DA COSTA

canarins, na primeira vista do inimigo, assombra-dos de ver tanta gente, o desempararam e se puse-ram em salvo, como gente vil e que nâo tem porafronta fugir, êle se vêo retirando e pelejando em

5 voltas até se recolher em Mardor, a um tempo queali havia feito a modo de fortaleza.

Lançaram-se sôbre êle os inimigos pondo-lhecêrco, até que no segundo dia lhe entrou de socorrocom fustas Ant6nio Correa polo rio de Goa-a-Velha

ro e os fez levantar. Mas nâo lhe sofieu o ânimo aFernand'Eanes ficar sem vingança dos dous dias decercado; juntou a gente de Antônio Correa com osseus poucos e com outros sessenta bèsteiros e espin-gardeirosfcom que nesta conjunçâo se vêo aêleJoâo

15 Lobato; seguiu-lhes a trilha; fez conta que, comoiam com presunçâo de senhores do carnpo e vito-riosos, estariam co,rn descuido e sem reèeo de se-rem buscados; e assi aconteceu pontualmente,

Descansavam ao longo de um "it"iro,

sôbre a ervazo vende, uns comendo outros dorrnindo, sem nenhûa

ordem de guerra. Aqui os salteou com tamanho im-peto, que despois de ûa acesa briga, que todaviamanteveram um espaço, foram rotos e desfeitos epostos em vergonhosa fugida todos os cinco mil,

z5 deixando o campo alastrado de gente morta. Masnâo sem sangue dos nossos, de que foram mortoscinco de cavalo na primeira arremetida e quatro,de pé e feridos quâsi todos e com êles o tenaclar--môr.

30 Agora é de considerar que, com tôdas estas vit6-rias, se nos foram da mâo estas terras, porqire, comoo Hidalcâo confina com elas e é senhor de grandepoder e começava a estar jâ desabafado das guer-ras dos reis seus vizinhos, houve de nossa Darte

ANAIS DE D. IOÂO I I I

receo de que quebrâria as pazes que connosco ti-nha, se de novo o escandalizâssemos. Assi, sendon6s os vitoriosos, perdemos as terras como vencidos.

Acudiu Deus nesta conjunçâo aos seus fiéis da

5 India com ûa nova bastante a temperar maioresdesgostos, qual foi a que Manuel de Frias, capitâoda costa de Coromandel, trouxe ao governadorD. Duarte: de se ter descoberto e achado o corpodo bem-aventurado apôstolo S. Tomé no sftio da

ro mui antiga cidade de Meliapor, sete léguas do portode Paliacate. Mas porque nas cousas desta calidadenâo é razâo contentar-se a pessoa a quem tocamsenâo com mui exactas averiguaçôes, el-rei D. Joâo,que sôbre todos era o que mais desejava o descobri-

15 mento das santas reliquias, estimando muito êstebom principio que D. Duarte dera, assi em o pro-curar como em lhe reparar a capela em que jaziame nomear capelâes que nela as ficassem honrandocom santos sacrificios, nâo se houve por satisfeito

zo até qu€ no ano de 1533, governando a India Nunoda Cunha, foi tirada polo capitâo de Paliacate ûatâo miuda e copiosa inquiriçâo de tudo o que cum-pria saber-se do santo, por um interrogat6rio queel-rei inviou, que tirou tôda a drîvida e foi causa

:j que desde entâo começasse a correr muita gentedevota a lazer sua morada à sombra do sagradoapôstolo, pelo que nos pareceu conveniente suspen-dermos tôda a narraçâo que aqui era devida peraa fazermos por junto chegando àquele ano. E por

jo ora passaremos a outras cousas que chamam porn6s.

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COLECÇ,TO DE CLASSICOS SA. DA COSTA

CAPITULO XI

Sucessos desastrados do capitâo e fortaleza deMalaca

Caso é digno de consideraçâo que, sendo o go-vernador D. Duarte grandemente bem afortunadono govêrno que teve de Tângere em Africa, se lhetrocasse a ventura na Asia, de maneira que em todos

5 os três anos que lhe durou o cargo quâsi nâo temosque escrever 'senâo desbarates, mortes, desastres esucessos avessos de mar e terra, entre aqueles quependiam de seu govêrno; e sendo verdade que foimuito temido dos mouros de Berberia. vêo a ser

to tâo pouco respeitado dos da India, que chegaram,em um tempo que se achou em Cochim, passaremà vista da cidade e dêle com seus paraus e lança-rem contra a terra foguetes voadores, que subiam aocéu em modo de escârneo e desprêzo nosso.

15 Que acomp.anhe as pessoâs a boa ou contrâria

. ventura, é cousa que ieva razâo e que cada dia ex-primentamos; porém que venha a trocar-se c'oslugares e depender dêles, mistério é e dos maisencobertos que a natureza em si tem. Mas sejam as

20 causas quais forem, os efeitos dêste govêrno nosobrigarn a crer que pode haver tais trocas. Partedelas temos visto atrâs; parte veremos no presente

' capftulo e em outros.Bintâo é ûa ilha no mar de Malaca, distante da-

z5 quela cidade quarenta léguas. Esta escolheu o rei,

j, auessos: adversos, contrârios.t7, expri,ntentamos é a forma corrente do ms.

r48

ANAIS Dt i D. lO.îO I I I

que foi de Malaca, pera passar seu destêrro e lazerassento de guerra contra os poltugueses, despoisque o lançâmos do primeiro em que se tinha fortifi-cado (r). Chamava-se Pago; e foi o capitâo dêste

5 feito Antônio Correa, tâo venturoso em desbaratarreis, que poucos anos despois fundou nela ûa po-voaçâo cercada de muros e baluartes de ùa madeiraforte e incorruptivel, guarnecidos de muita e boaartilheria, e fortificou o rio, por onde se vai a ela,

ro com um género de estacada, por tal maneira dis-posta que ficava sua entrada maravilhosamente de-fensâvel. Daqui fazia seus saltos com muitas lan-charas que trazia no mar; e o que era de maior pre-juizo: tolhia tôda provisâo de mantimentos aos nos-

15 sos, ùas vezes tomando os navios que lha levavam,outras entrando no porto e queimando os que acha-va nêle.

Sintido destas afroutas o capitâo Jorze d'Albu-querque e doutra maior que teve o ano atrâs, quan-

zo do pretendeu entrar o rio e tomarlhe a fôrça emcompanhia de Ant6nio de Brito, donde tornou des-baratado e com muita gente mofta, tratou êste anode se vingar de tôdas. Deu-lhe boa ocasiâo o mês deabril, com um aviso que nêle terte de serem entra-

z5 das no rio de Muar, a sete léguas cle Malaca, umgrosso nlimero de lancharas de Bintâo. NavegavaDuarte Coelho em um navio seu a descobrir, porordem que tinha del-rei D. Manuel, de tempo atrâs,a enseada de Cauchim China, que os chins chamam

3o reino de Cacho. Como vinha correndo a costa, hou-ve vista daquela armada: entrou em Malaca pera

[ ( r ) Barros, Década I I I , l iv . I I I , cap. 5. ]

r49

Page 87: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

' ll

coLECÇ,4O Dn )LASSTCOS SA DA COSTA

avisar.o _capitâo e ser companheiro se determinasse

acometê-la.

,^9.9:T11 forze d,Atbuquerque a tôda a pressaoez embarcacôes de que deu a capitania_.0, "5 D. Sancho HËnnques, seu cunhado: iriam nelas atéduzentos homens. A oJd_em qrr, t"rrura_ era que ocapitâo-môr no seu galeâo

" boart" ôelho na suanaveta e Manuel de Berredo em ûa galeota fôssem

_^ I"rgo ao mar,- pera fazerem

".", "ortlrri*igos qoeJo eram navios de mercadores e os convidareir a virao mar; e as sete ao longo da terra, pera que, sain_do a armada do rio, nào tevesse'.Ërpol, guaricla

nêle.Todo êste bom conselho desordenou ûa trovoa_t 5 da, que, estando prenhe de vento, io-o.o tâo forte-mente- na_ conjunçâo que as sete iam chegando àbôca do rio,-que ûas jossobraru- fogà e outras Ie_

vou a fûria do vento polo rio acima el como à mâo,as meteu em meo da armada inimiga, onde os nos_20 sos, cercados dela e descompostos ào impeto e ma-rulho do mar, que tudo era ôntra êles, ioram a môr. parte mortos; e teve-se por dita poderem_se reco-lher em salvo pera Malaci D. S"nc'Ào e Duarte Coe_rno, porque as lancharas eram quarenta, como des_z5 pois se soube, e nâo deixara de os

".àrn.t., o capi_

tâo de Bintâo, parduca Raja, se oo Jàru fé dêlesou tho nâo tolhera contentar_se com lhe ficarem ses_

, senta e tantos portugueses no rio, uns afogados ou_tros mortos a ferro.30 Nâo teveram fim os infortrinios de Malaca nosque temos referido,.nem D. Sancho Henriques pôde

escapar de acabar às mâos dos mouros aà gintao,se bem escapou dêles no rio de Muar. pode tantono mundo um bafo de prosperidade que, andando

ANAIS DI D. TOÂO I I I

êste rei aborrecido de seus vizinhos, na hora que oviram favorecido de bons sucessos contra os nossos,assi creceu em reputaçâo que levou trâs si até osreis que mais profissà"o ïaziam de nossa amizade.

5 Foi um dêstes o rei de Pâo, provfncia da costa deMaiaca, que, sendo dantes confedelado e amigo nos-so, pera penhor e segurança de seu ânimo lhe ofe-receu ûa filha por mulher. Aceitou o mouro o pa-rentesco e imaginando logo que por meio dêle pode-

tLt ria iazer algûa sorte importante contra Malaca, as-sentou com o sogro quê estevesse o neg6cio em se-grêdo, até o tempo dar de si cousa que fizesse o ma-trimônio célebre, que nâo tardou muito.

Como a cidade de Malaca nâo tem remédio der5 sustentaçâo senâo de carreto, em lhe faltando na-

vio de mar em fora, padece muito. Vendo-se Jorzed'Albuquerque cercado de necessidades, despachouD. Sancho Henriques no galeâo em que andava,acompanhado de outros dous navios, que fôssem

:o buscar remédio ao reino de Pâo. Estava o parentescotâo secreto e a amizade c'os nossos inda tâo corren-te, que carregou D. Sancho os dous navios e despe-dindo um trâs outro, quando ficou s6s se achou ùamanhà cercado de trinta e cinco lancharas de Bin-

:5 tâo, que el-rei de Pâo tinha escondidas em o rio.Estas o acometeram tâo repentinamente, que semse poder valer foi morto êle e D. Ant6nio, seu irmâo,com trinta portugueses. Eram êstes dous irmâosfilhos de D. Afonso Henriques, senhor de Barba-

io cena. Sucedeu o caso, entrada do mês de novembrodêste ano.

Com o mesmo engano de falsa amizade e com asmesmas lancharas colheu êste inimigo rei de Pâopouco despois, como em rêde e à treiçâo, ùa nau

r50T5I

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coutcÇ,,To DE CLASSTCOS 5,4 DA COSTA.

que Jorze d'Albuquerque mandara a Siâo com dousjuncos a buscar vitualha. Era capitâo um Andréde Brito, que da fndia viera a mercadeiar. Da voltade Siâo quis entrar no porto de pâo, ignorando o

5 que era passado com D. Sancho. Como hâ poucoreparo contra acometimento nâo esperado e sribito.foi salteado e levado à espada co- todos os lieus,sem escapar homem.

Grande caso é que em nenhûa cousa pusesse Jor_ro ze d'Albuquerque mâo ou conselho por êste tenipo,

que lhe saisse bem. E nâo duvido que hâ de fiiaraborrecida esta hist6ria por tantos desastres, a quernler por gôsto, pois a mi, que por obrigaçâo u

"rcr.-vo, me quebrantam e causam tanto horror, que es-.15 tou desejando fugir de os contar. porérn ia"_^,

fôrça, pera nâo deixar nenhum, ûa lembranÇa cleque pode haver polo tempo adiante algum Assuero,que sequer em noites mal dormidas mande ler estesAnais; e, vendo que esta é a mais certa mercacloria

?o qre os pobres portugueses vâo buscar à India por. honra do rei e do reino, sirva a liçâo de ter dêles

lâstima e, à conta de tanto nûmero de mortos, fol-gue de fazer mercê aos poucos que tornam vivosde tâo longos e perigosos destêrros. É, qualquer rei_

?j no um corpo, cujos membros sâo todos os .parti_cuùares moradores dêle. Claro estâ que sempre iesul-

, tarâ consolaçâo pera os membros rnaltraiaclos daque se der aos que menos padecem.

Tanto brio deram as perdas referidas a Laxa_30 mena, capitâo-m6r del-rei de Bintâo, que entron nc

porto de Malaca e acometeu com suas lancharas umnavio de Simâo d'Abreu, chegado de pouco de lta_luco. E porque treze homens que dentio estavam seclefenderarn com valor, acabou com o fogo o que

.1 1/ , , {1S DE D. rOÂO I I I

nâo pôde com o ferro: arrimoulhc a um costadoum junco vazio que estava no porto, deuJhe fogo,fez que ardessem ambos.

Morria Jorze d'Albuquerque por se vingar, por-.i que, como era muito cavaleiro, vinha a julgar por

descrédito as adversidades em que nâo tinha culpa.

Quis usar do conselho do inimigo contra o mesmoinimigo. Êle vinha tolher-nos os mantimentos comsuas lancharas; achou-se com nrimero de navios;

ro determinou tomar com êles a bôca do rio de Bintâoe fazer que the nâo entrasse barco. Manda D. Gar-cia Henriques, seu cunhado, com sete velas pera oefeito, com ordem que de nenhùa maneira tentasseo rio, que jâ tinham exprimentado ser impene-

15 trâvel pera os navios de quilha. Estava Laxamenarecolhido em um cotovelo que o rio laz na entrada;lança-lhe duas manchuas por negaça. Nâo enten-deu D. Garcia o artificio; pareceu-lhe soberba eatrevimento: despediu dous caravelôes que as fôs-

-'() sem tomar. Mas nâo tinham tocado a bôca do rio,quando se descobre Laxamena, tâo vivo e prestesno remo, que antes de poderem os no-csos fazer voltanetn valer-se das armas foram todos mortos.

17, t t ranchuas: pequenos barcos do C)r iente

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I

I

COLECçÂO DE CLASSICOS SA DA COSTA

CAPÏTULO XII

Cêrco da fortaleza de Pacém, que obrigou aosdefensores a desemparâ-la e darem-lhe fogo.Guerra em Maluco contra el-rei Almansor de

Tidore

Nâo corriam com mais prosperidade as cousas daguerra e matérias de govêrno em outra lortalezavizinha e por outro Henriques administrada. TinhaD. André Henriques, capitâo de Pacém, mandadopedir ao governador no ano atrâs lhe inviasse suces-sor e gente que defendesse aquela praça, polas ra-zôes que deixamos contadas. Despachou o gover-nador no mesmo navio a Lopo d'Azevedo com al-gùas cousas necessârias pera provimento da forta-leza e ordem pera D. André lha entregar. ChegouLopo d'Azevedo a Pacém por junho dêste ano. EraD. André vârio em suas deter,minaçôes; e vindo ater diferenças com Lopo d'Azevedo sôbre adver-tências imçrortarntes, que lhe fazia, se vêo a decla-rar com êle que lhe nâo havia de entregar a forta-leza.

Despedido e embarcado Lopo d'Azevedo, nâo sepassaram muitos dias que D. André se arrependeude sorte, que a fortaleza q:ue deixou de entregar a

zo qaem tinha poderes do governador, vôo a pedir aAires Coelho, seu cunhado, que a aceitasse comoalcaide-m6r que era dela; e êle se embarcou e fez àvela. Tinha êste homem uns vinte mil pardaus, quehouve de ûa nau de mouros, que tomou quando

z5 vinha pera Pacém. Tanto pode o amor de poucafazenda, se um homem começa a vencer-se dêle,(bem se diz que é género de idolatria) que. com re-

ANAIS DE D. JO,4O I I t

r:tro de os nâo poder lograr a,li com quietaçâo, seltreveu a flazer a desordenada entrega,

Viu cercada a cidade de Pacém de um poderosocxército e muitos elefantes por Raiz Abraemo; viu-a

5 tomada sô com três combates; entendeu que todorrquele poder lhe havia de cair logo às costas: quisrusar, inda que tarde, da licença que tinha do gover-nador pera ir pera a ïndia. Era homem animosoAires Coelho e exercitado na guerra dos mouros de

to Tânger, donde era natural, e filho de Gonçalo Coe-lho, alcaide-m6r dela: nâo duvidou aceitar o tra-balho. Mas entrou logo num mar de cuidados, por-que sôbre ter pouca gente e muita dela enfêrma,eram os mantimentos mui poucos e a gente pera

r5 os gastar demasiada, porque se tinham metido cornêle os reis de Daia e Pedir e Pacém, e tinha por pa-drasto ùa fôrça, que D. André com pouco recatodeixara fazer a um ministro pouco fiel de el-rei dePacém, quâsi encostada à nossa. Assi começou a pa-

;rr decer um apertado cêrco por tôdas as vias, de foracom assaltos amiudados de grande nfimero de ini-rnigos, dentro com fome e falta de muitas cousesnecessârias à defensâo, que fazia mais pavor quea guerra.

,ti Correram dias: defendia-se valerosamente, senâoquando, ûa noite dâ sôbre a ûortaleza o exército in-fiel junto. É costume nestas partes, quando os bâr-baros connosco tem briga, escolherem a noite es-cura e de melhor vontade a que é mais chuvosa,

l() porque a escuridâo tira a nossas armas a pontariae a chuva tolhe o lavor da pôlvora. Foi o combate

17, lôrça: fortaleza.

3r, Iauor: trabalho, eficâcia.

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COLECÇAO DE CLASSICOS SA DA COSTA

de tanta fôrça que os inimigos se fizeram senhor€sde um baluarte com tôda a artilheria dêle. Masnèste tempo acudiu Deus aos nossos, porque ama-nhecendo viram duas naus ao mar, que demanda-

5 vam a fortaleza. Despediu logo Aires Coelho ûa al-madia a lhes fazer saber o trabalho em que estavae o apêrto daquela noite. Eram os capitâes Bastiâode Sousa e Martim Correa, que com licença do go-vernador faziam viagem mercantil pera Banda. E,

Jo como gente de valor, nâo esperaram ser muito roga-dos; antes, desembarcando, deram logo vista aoinimigo e o lizeram desalojar da borda do rio comassaz dano.

Entrados na fortaleza, foram entendendo em repa-t 5 rar o dano que os mouros tinham feito e entulhar

ùas minas que acharam abertas. Gastados nisto oitodias, entrou outro navio no porto, de que os mouroslomaram ocasiâo pera se afastarem da fortalezatanto espaço, que deram a entender levantavam o

zo cêrco', mas alegranclo-se todos, sô Martim Correaconheceu ser ardil de guerra e persuadiu que sedobrassem as guardas e vigias, fundado em seremos inimigos quinze mil homens de peleja; e os nos-sos até trezentos e cincoenta, os mais doentes e

z5 feridos, todos cansados do contino trabalho. E nâodurtidava que tinham os mouros disto aviso certopolos escravos que cada hora nos fugiam pera êles.Saiu o pron6stico certo e o conselho tâo acertado,que na mesma noite, duas horas ante manhâ, foi

jo a lortaleea cercada em roda de oito rnil dos melho-res do exército e acometida com tanto silêncio, comose nâo foram mais que dez homens.

Foi o combate geral, trazendo diante mais de sete-centas escadas feitas de ûas canas mociças (cha-

t5u

4TJAIS DE D. IOÂO ITI

rrrarn-lhe bambws), que juntamente sâo leves dernenear e fortes pera sustentar. Valeu aos nossost:starem àlerta e terem repartido entre si quatro ca-pitâes os quatro lanços da quadra da fortaleza, que

t cram Aires Coelho, Bastiâo de Sousa, Martim Cor-rea e Manuel Mendes de Vasconcelos, capitâo-m6rdo mar de Pacém; porque os mouros, arvoradassuas escadas, se abalançaram a subir atrevidamentepor tôda a roda da fortaleza com tanto impeto, que

rrr mais de ûa hora durou ûa acesa briga, procurandoêles fazer-se senhores da corôa do muro e os nossosfazendo-os ir de salto das escadas abaixo, em quehouve infinitos mortos, porque logo sucediam outrose outros de refrêsco sem nos darem hora de repouso.

r5 Neste ponto trouxeram sete elefantes contra o lançode Aires Coelho, que arrimados juntamente e todosa um tempo à escada da fortaleza, que era de ma-deira fortissima, assi a torceram e inclinaram peradentro como se fôra ira sebe muito fraca de varas

.'r) Verdes e lama.Foi aqui a revolta e a grita grande, porque os

defensores largaram a escada e acudiram de suasestâncias Bastiâo de Sousa e Martim Correa a tempoque Aires Coelho, com ùa chuça que tinha nas

.'5 mâos e muitos soldados com lanças, descarrega-vam valentes botes sôbre as trombas dos elefantes.Mas era tempo e trabalho perdido, porque nadamostravam sintir, até que os dous lhes arremes-saram riuitas panelas de p6lvora, cujo fogo os fez

i,) em todo desobedientes a quern os governava e seforarn pisando e trilhando os seus, sem pararem,até muito longe.

2r, reuolta: tumulto, barafunda.

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Page 91: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

I

IIII

coLECÇÂ.O DE ÇLA.SSICOS SA DA COSTA

Amanheceu o dia e descobriu tia espantosa mor-

tandade de mouros: estava o campo alastrado de

tantos corpos mortos que nâo seriam menos de dous

mil, sinal da teima com que todos pelejaram. O tra-

5 balho desta noite, inda que entre os- nossos nâo

houve nenhum morto, sendo muitos os feridos, mos-

trou-lhes, fazendo bom discurso' çlue, se o inimigo

continuasse o cêrco, a lortaleza se nâo poderia de-

fender, porque a gente que tinha estava impossibili-ro tada deàoença e faltas de tudo. O socôrro nâo podia

ser outro senâo de Malaca com a monçâo que haviade tardar seis meses. Assi, sem mais opressâo que a

que tinham dentro de casa seriam vencidos e to-

mados às mâos.rS Soube-se entanto que o navio que entrara era de"

D. André, arribado por achar tempos contrârios,

a quem, tanto que entrou na fortaleza, Aires Coe-

lho restituiu logo o cargo dela. E juntos todos assen-

taram que a diviam despejar e queimêr, salvando

zo artilheria merida, que podiam levar enfardelada por

dissimulaçâo e sobrecarregando a grossa pera aÛe-

bentar. Èxecutou-se o conselho e começou o fogo

a fazer bom efeito; mas os inimigos acudiram a

tempo que ainda salvaram ûas peças grossas, a que

z5 nà"o tinha chegado o fogo; colheram muita e boa

Iazenda, parte deixada na fortaleza, Parte na praia:

oue como toda a retirada tem parte de fugida, ordi-

ttario é acompanhar-se com efeitos de mêdo, tratan-

do cada um ier o primeiro a salvar a vida mais que

3o a acudir ao interèsse da fazenda e obrigaçâo da

honra.

ANAIS DE D. IOÂO rr I

Emquanto se pelejava em Pacém, nâo faltavamcuidados, guerra e desastres também na nova for-taleza de S. Joâo, em Maluco. Deixâmos Antdniode Brito, no fim do primeiro livro, com guerra pu-

5 blicada contra Almansor, rei de Tidore; agora dire-mos brevemente como procede a dêste ano. O pri-meiro auto que fez, despois de com trombetas lhamandar denunciar, foi mandar publicar em Ternateque daria prémio certo, em panos da feitoria, por

ro cada cabeça que se lhe presentasse de qualquervassalo de Tidore. Foi guerra tâo cruel que em pou-cos dias lhe rendeu grande vingança. Porque, comogente orgulhosa e muito sujeita ao interesse, ia-seem suas embarcaçôes, faziam saltos em Tidore, car-

15 regavam de cabeças dos miserâveis, e em poucotempo se contaram dados neste emprêgo mais deseiscentos panos.

Mas nâo the sucedeu tâo bem o segundo intento.Emquanto se juntavam e punham em armas os vas-

:o salos de Ternate, que Cachil d'Arroes tinha manda-do armar todos pera irem sôbre Tidore com poder,despediu Ant6nio de Brito dous capitâes em umzambuco e outro navio de remos, que se fôssem lan-çar sôbre o porto de Tidore e lhe tomassem quanto

:5 de fora entrasse. Eram os capitâes Jorze Pinto daSilva e Lionel de Lima. Tendo-lhe feito muito danoalguns dias neste género de cêrco, eis que ûa manhâaparece ao mar ûa caracora (sào caracoras naviosde remos muito ligeiros), que fazia geito de deman-

.1o dar o porto. Lançou-se a ela Jorze Pinto, por que

7, auto: acto, procedimento.zg, fazia geito: parecia, tinha ates, î.azia mençâo.

r5q

7, jazenilo bont' d'iscurso: raciocinando bem'

27, tern Palte: tem aspecto, tem um Pouco'

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Page 92: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

COLLCçÂO DIJ CLASSTCOS S DA COSTA

lhe nâo escapasse e a caracora fingindo temor dosnossos, apertou corftra ûa enseada da mesma ilha,que na entrada tinha ùa calheta onde o mar cobriaum arrecife de tâo pouco fundo, que nâo podiam

5 nadar nela navios de quilha.Ia Jorze Pinto a voga arrancada trâs a caracora,

e jâ com a prôa sôbre ela, quando se sente encalharsôbre o recife e ficar em sêco; foi laço mortal peraêle e pera seis portugueses e outros quarenta remei-

Jo ros, que todos foram mortos e as cabeças cortadas,acudindo muitos paraus inimigos que dentro na en-seada estavam escondidos pera o efeito, que, pin-tado, nâo pudera sair mais a seu sabor. E sendo assientre êles, entre os nossos nâo cessavam desgraças,

15 que foram: em dous acometimentos que fizeram denovo contra a ilha, tornaram-se com os capitâes malferidos e sem efeito de consideraçâo. Eram os capi-tâes Martim Afonso de Melo Jusarte e Francisco deSousa; e as feridas ambas foram de ûa mesma es-

zo pingarda meneada por mâos de homem nosso, tâoembaraçado e pouco destro, que de ambas as vezesIhe tomou fogo fora de tempo. Do que Antdnio deBrito chêo de paixâo e temendo que lhe viesse alaltar a gente pera defender a fortaleza, que era sua

z5 principal obrigaçâo, esteve em pensamentos de dei-xar a guerra; porque entre todos os portugueses queali se achavam com êIe nâo passavam de cento evinte e muitos deles cortados de cloença dos mausares da terra,

30 Mas Cachil d'Arroes, que de seu era valente ho-mem e tinha por afronta sua e nossa ficar Almansor

rr, Paraus: barcos de guerra indianos.

roo

ANAIS DE D. JOAO I I I

vitorioso, fez tantas instâncias corn Antônio deBrito, que todavia consintiu em que se procedessenela; e foi Deus servido que fôsse a vingança tal,acompanhando Martim Correa c Lioncl cle Lima a

5 Cachil d'Arroes, que entraram Tidore e lhe toma-ram, a escala vista, a melhor vila da ilha, que cha-mavam o Mariaco, com morte de grande nûmerodos melhores; e emfim obrigaram Almansor a sehumilhar e pedir paz, qûe Ant6nio de Brito lhe nâo

ro quis conceder.Êste riltimo acometimento lançamos aqui, inda

que sei pertencia ao ano seguinte, por nâo quebrardespois o fio em casos que nele temos de mais sus-tância.

CAPITULO XII I

Relaçâo das naus que na entrada dêste anodespachou D. Duarte pera o reino; e das que

no mesmo partiram do reino pera a .fndia

rS As naus que êste ano tornaram pera o reino, se-gundo boa conta, em primeiros dias de janeiro, fo-ram as duas que atrâs dissemos que partiram de Lis-boa em maio de 523, com ordem pera tornarem comespeciaria. E nâo achamos mem6ria nos escritos'da

eo fndia se vieram outras em sua companhia, nem nosdizem nada do sucesso das duas. Deviam chegarem paz, pois se fôra outra cousa, a dor do mal fazque nâo esqueça o escrever-se.

De Portugal mandou despachar el-rei, em novee5 de abril, fermosa frota, e nela o conde da Vidi-

6, a escala uista: de assalto, com escadas encos-tadas aos muros.

ûr

Page 93: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

II

Il l

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coLECÇ.4O DE CL,4.SSrcOS SA DA COSTA

gueira, almirante do mar da India, que sendo velhoe tendo passado o Cabo de Boa Esperança duas ve-zes de ida e duas de vinda, nâo duvidou deixar aquietaçâo em que vivia e arriscar-se a terceira em

5 serviço de seu rei. Deu-lhe Sua Alteza, sôbre asmercês que lhe tinha feitas de juros e tenças e outrascousas no ano atrâs de que temos feito relaçâo, otitulo de,viso-rei.

A frota foi de catorze velas: as nove naus grossas,ro e as cinco caravelas latinas. Eram capitâes das naus

D. Anrique de Meneses, filho de D. Fernando deMeneses que chamavam o Roxo, que ia nomeadopor Sua Alteza pera capitâo de Ormuz, Pero Masca-renhas, filho de Joâo Mascarenhas, que ia pera ca-

15 pitâo de Malaca; Lopo Yaz de Sampaio, filho deDiogo Sampaio, que levava a capitania de Cochim;Francisco de Sâ, filho de Joâo Rodrigues de Sâ,alcaide-môr e veador da fazenda do Porto, o qualel-rei mandava que fôsse à Java fazer ia fortaleza,

zo na parte que chamam a Sunda; D. Simâo de Me-neses, filho de D. Rodrigo de Meneses, provido dacapitania de Cananor; e D. Jorze de Meneses e An-tônio da Silveira de Meneses, filho de Nuno Martinsda Silveira, senhor de Gois, que ia pera capitâo de

z5 Sofala; e D. Fernando de Monroy, filho de D. Afon-so de Monroy, craveiro que foi da Ordem de Alcân-tara em Castela, que levava a capitania de Goa; eFrancisco de Brito, filho de Simâo de Brito, quehavia d'andar por capitâo-m6r das naus da carreira

3o da ïndia pera Ormuz. Os capitâes das caravelaseram Lopo Lobo, Pero Velho, Cristdvâo Rosado,Rui Gonçalves e Mossem Gaspar, de naçâo malhor-

32, malhorquim: da ilha de Maiorca.

r62

ANAIS DE D. IOAO I I I

quim, que,levava o cargo de condestabre-m6r dosbombardeiros, pera o serviço na ïndia.

Partiu o conde em 9 cle abril com esta armada,em que iriam até três rnil homens, dos quais muita

5 pa.rte eram gente ilustre e criados del-rei e morado-res de sua casa. Saido da barra. achou tâo bonstempos que, quando foram 14 de agosto, lançouferro em Moçambique; donde, com breve detença,tornou logo a sua nar/egaçâo. Mas antes de passar

ro daquela paragem, sempre perigosa polas muitasilhas de que é serneada, perdeu duas naus; a deFrancisco de Brito, sem deia parecer cousa algûa,e a de Fernando de Monroy, que salvou a gente.Das caravelas se perdeu também a de Crist6vam

15 Rosado; e a gente do rnalhorquim se levantou con-tra êIe e o matou, e pera cobrir uminsultocomoutromaior, desapareceram da companhia e foram-seonde o pagaram com as vidas, como adiante severâ. Prosseguiu o conde sua navegaçâo, sintido da

zo perda mas nâo espantado, por quâo ordinâria é nes-tas viagens. Mas logo sucedeu caso que tem maisde admirar e menos que sintir.

ûa quarta-feira, véspara de Nossa Senhora deSetembro, sendo oito horas da noite, tempo calma,

?j começou-se a sintir em todas e cada ùa das nausum tâo desusado movimento, que tudo o que haviasôbre o convés, de caixas e outras cousas, assi joga-va e corria a ùa parte e outpa como se fôra tormentadesfeita; e nâo atinando os homens com a causa, -

3o qual julgava que eram aguagens sôbre baixos e res-tingas e mandava fazer sinal com artilheria aoscom-

12, parecer. aparecer, saber-se,

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Page 94: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

r

{,OLLCÇ,4O Drt CLASSICOS SA DA COSTA

panheiros, qual acudia ao leme, quai à bomba, qualà sonda, qual dando-se por perdido buscava barrilou tâboa pera salvaçâo e em todos era a confusâoe pavor tâo geral como em certo naufrâgio, - foi

5 Deus servido que passou dentro de um quarto dehora, e o conde, como marinheiro velho, entendendoser tremor da terra, que quando se abala por causasnaturais, é fôrça que sinta o mar que lhe fica emcima o mesmo efeito, saiu ao convés dizendo ale-

lo grementc: - Nâo hii quc temer, amigos: treme den6s o mar da Inclia, sinal que também suas terrasfazcm o mcsmo, pronristico é dc r-itôrias.

Notou-se que deu o sobressalto saride a muitosque iam ardendo em febres; e a um miserâvel foi

15 causa que, sem ser bom nadador, quis prevenir amorte de naufrâgio com a ir buscar na âgua, lan-çando-se de salto ao mar. Cessou aquele espanto eterror; mas logo sobrevêo outro, qul foi um chu-veiro de âgua tâo grossa e tâo extraordinâria, que

zo passou polo encarecimento que dizemos de trchovera cântarosr>. Tal foi que, se no primeiro se temeu

' naufrâgio, neste segundo temeu-se dihivio, porqueassi se alagavam todos os navios, que parecia que-rerem as âguas do céu sovertê-los nas do mar.

25 Passados estes mêdos, deu alegria geral encon-trar-se ûa rica nau de Meca, que D. Jorze de Mene-ses fez amainar; e pouco despois foi surgir tôda a

, frota junta no porto de Chaul.Em r5 de junho dêste ano foi por capitâo-mdr às

go ilhas Garcia de Melo Anes, coudel-m6r dos bèstei-ros, a esperar as naus da ïndia.

.ro-rr, Entenda-se: rque excedeu prôpriamente o exa-gêro de quando dizemos que chove a1ântarosr.

r64

ANAIS DE D. TO.4.O I I I

CAPITULO XIV

Trata el-rei de seu casamento com a i fanteD. Caterina, irmâ do emperador. Manda comis-sérios a Castela pera assentarem as condiçôes

dêle

Dous anos havia que o poder e liberdade real,junta com o fervor da mocidade, traziam a el-rei

. distraido com mulheres, de que houve filhos, comoadiante diremos, vicio da fraqueza humana, a que

5 os moços, por mui prudentes que sejam, sabem malresistir; mas caindo na conta que ofendia a Deustanto mais gravemente quanto em mais alto estadoêle o tinha posto, jâ com o efeito das culpas, jâ como mau exemplo delas, inda que as suas nâo chega-

70 ram nunca a fazer afronta a vassalo, nem a mulherfôrça, determinou todavia trocar o estado de sol-teiro em casado, que era o mesmo que vestir armascontra o fogo da natureza e contra a libeidade dasocasiôes. Sô the fazia contradiçâo ùa lembrança da

.r5 palavra que el-rei seu pai lhe tomara morrendo:que tal nâo faria sem primeiro casar a ifante D. Isa-bel sua irmâ.

Porém, julgando que no casamento dela haviade presente muitas dificuldades, que procediam das

20 guerras em que o emperador andava embaraçadocom França, que era a pessoa em quem tinha pos-tos os olhos e s6 lhe parecia digno consorte daifante, ordenou de nâo suspender mais os grandesdesejos que sabia tinham geralmente todos seus

6, caindo na conta: arlverlindo, reflectindo.

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I

I

I

COLECÇAO DE CLASSICOS SA DA COSTA

vassalos de o verem quieto, em estado de lhes darum principe pera sucessor. E como havia muitosdias que em Portugal e Castela corria a prâtica deque estaria bem a ambas as corôas contrafr_sematri_

5 mdnio entre el-rei e a ifante D. Caterina, irmâ doemperador, nomeou Sua Alteza por seus embaixa-dores, pera o irem assentar e concluir em Castela,a Pero Correa, senhor da vila de Belas, e o DoutorJoâo de Faria, ambos do seu Conselho. E mandou_

ro -lhes dar duas procuraçôes bastantes pera delas usa_rem segundo as ocasiôes quc o negdcio de si desse,feitas ambas polo secretârio Antônio Carneiro, ûaem 13 de abril dêste ano em que vamos, outra em12 de maio.

15 Acharam osembaixadoresoemperadoremBurgos,que como jâ sabia ao que iam, nomeou por suaparte e da ifante, sua irmâ, outros dous comissâ-rios, que foram Mercurino Gatinara, seu grandechançarel e Fernando de Vega, comendadàr_môr

20 em Castela da Ordem de Santiago: pera que, jun_tando-se com os embaixadores, disculissem todàs amatéria e se efeituasse o que d,acôrdo dos quatroem conformidade resultasse. E deu-lhes soa- pro-curaçâo, feita em 6 dias de julho do mesmo ano

25 por Francisco de Los Cobos, seu secretârio e notâriopriblico nos reinos de Castela.

Sendo juntos, foi primeiro cuidado reverem_se e' examinarem-se de parte a parte as procuraçôes dos

principes constituintes; e aihando_rè "-

tudo bas_3o tantes, foram logo procedendo no neg6cio e tanto

continuaram nêle que aos dezenove àias de julhovieram a conformar-s€ em todas as condiçôes domatrimdnio e no mesmo dia se fez delas eicriturapriblica por mâo do secretârio Francisco de Los Co-

bos, em que foram testemunhas o marichal de Bor-

gonha, niordomo-m6r do emperador c o comenda-

dor... e monsieor de la Chaux.Foram as condiçôes principais: Que el-rei D- Joâo

5 tomasse à sua conta procurar da Sé Apostôlica a

dispensaçâo dos estreitos parentescos que entre os

coritraenies havia; que alcançada e sendo vinda'

o emperador dentro de dous meses mandaria a

ifante-até a raia d'ambos os r€inos e ai a mandaria

to el-rei buscar; que o dote seriam duzentas mil do-

bras de ouro castelhanas do preço que tevessemquando se fizesse o pagamento; e o pagâmento se-

ria em termo de três anos, um têrço cada ano, e o

primeiro têrço se daria um ano despois de consu-

15 mado o matrimônio e os outros dous têrços nos dous

anos primeiros seguintes; que da soma maior do

dote si descontaria todo o ouro, prata e j6ias que

a ifante consigo levasse; que el-rei daria de arras

à ifante o têrço de tôda a contia do dote' que eram

zo sessenta e seii mil seiscentas e sessenta e seis dobras

e dous têrços, dobras da mesma valia e peso dasque havia de receber em'dote; que o emperador

nroveria a ifante de todo o môvel de vestidos e. itavios de sua pessoa e casa conforme a cuja irmâ

25 era e a com quem casava; e lhe daria mais dous

contos de maravedis de renda em cada um ano pera

a ajuda do govêrno e sustentaçâo da sua casa, as-

seniados em terras e lugares onde o pagamento

fôsse certo e seguro, e el-rei pera o mesmo efeito lhe

3o daria as terras que de presente eram possuidas pola

ANAIS DE D. JOEO I I I

3. A reticência indica uma lacuna no ms.

24-2t, conlorme a cuja irmd era: letdo em vista a con-

diçâo real de seu irmâo.

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Page 96: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

ÇoLECÇ/TO DE cL.4ssrcos s,{ DA COSTA

rainha D. Lianor, sua tia, e estavam obrigadas àrainha de França D. Lianor, t;;;qo" viessem avagar por falecimento rielas, e e-quanto nâo vagas,_

sem lhe pagaria_em cada um."o'!o",.o contos de5 réis - com tal declaraçâo qu",

"À irâg""ao, se des-contaria dos _quatro :olt9i tôda aqulh *_u qouas terras rendessem. Foi riLltima .uplioUçao qr"ï;novo se aprovassem as pazes antigâs qoé frurri"

"rr_tre ambos os princines: à* ".,,r;.

rï-i i.

- F;;; ;;ru#iàT'i;i: ii'#-i 1îiîïijT:,dassem tôdas as v_ezes que lhes fôsse necessârio àdefensâo dos estados q,i" tmn"_ ïi, nrp"nfr" utambém em Africa, em^conformiàua"-0". capitula_çôes antigas que limitavam sitios e-tùures.

rS Celebràda âssi a escritu*, l"Àr"r."i"m os embai-xadores pera a vila de forâ"riir.ur,-lïra" o empe_r-ador_se tinha passado, . "*-* irJJ."ç" aos dezdias do môs de agosto jurou a ifânte D. Caterinaem mâos do arcebispo dé Toledo O. Àtor.o de Aze-zo vedo, chançarel_môi de CasteË ô.,"t""to que adispensaçâo viesse, ela se casaria por palavras de

- presente com el_rei D_. Joâo de pôrtugàI, oo .o_:,"_l_lTt""l" procurador-. E logo àr-"Lb"i""aor.,rtzeîam outro tal juramento nas mâos do mesmoe5 prelado, prometendo em nome à.fo"iio" cumpri_ria da sua parte todas as ."pit"f"là", e condiçôesque continha a eseita sorenidade Jïïi'i J,";#î"".iî-ffi mlcom geral contentamento do emperador e de tôda

io sua côrte e satisfaçâo igual de el_rei e àiàgrias pÉUti_cas de todo êste re1no, -quando po, *i* dos embai_xadores se publicou.

ANArS DE D. IO.4O rrr

CAPITULO XV

De algûas cousas que el-rei mais fez nesteterceiro ano de seu reinado

Neste ano se assentou entre el-rei e o emperadorque pera bem de paz houvesse junta de astr6nomose juristas e mareantes de ambas as corôas, entreElvas e Badajoz, sôbre revista da demarcaçâo de

5 Maluco; e, sendo juntos, se apartaram semefeito (r).

No mesmo ano em 9 de fevereiro fez el-rei doaçâoao conde de Tentriguel das terras do CarvalhalMeâo, têrmo d'Agueda, e do Minhocal, têrmo de Ce-

ro lorico, e do Coudessoiro e o Minhocal no ribeiro doMeiono, têrmo de Covilhâ, e d,a Lizira de Tâvora,têrmo de Aguiar da Beira; e declara que lhas dâcom tôda jurdiçâo civel e crime, mero e misto impé-rio, assi como as teveram Rui Vaz Coutinho e seu

15 filho Joâo Rodrigues Coutinho.Passou-se carta de viso-rei ao conde D. Vasco

da Gama em 27 de fevereiro de t524. Em rz defevereiro proveu o oficio de capitâo e anadel-m6rdos espingardeiros em Henrique de Sousa, do seu

:o Conselho, renunciado nas mâos de Sua Alteza porMartim de Freitas, fidalgo de sua casa, por sessentamil réis de tença que the deu.

Em 6 março de r5z4 era marquês de Vila Reale conde d'A]coutim D. Pedro de Meneses.

15 Fez em ro de setembro mercê a D. Joana da Sil-

[(r) Antdnio de Herrera, Histôria d,as lnd,ias; Déca-d,a III, livros VII e IX.l

r63r6o

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coLECÇÂO DE CL"{.SSTCOS SA DA COSTA

va, mulher de Vasqueanes Côrte-Real, veador quefoi de el-rei D. Manuel, de duas mil coroas de tèn-ça, - val cada coroa r2o réis: sâo z4o$ooo réis. Aseu filho Manuel Côrte-Real, confirmaçâo da saboa-

5 ria preta e branca das ilhas Terceiras, em 15 desetembro.

Em t7 de fevereiro, a D. Rodrigo de Melo, condede Tentriguel, o privilégio de desembargador daCasa da Suplicaçâo.

ro Em rB de fevereiro, a Joâo Rodrigues de Sâ,polos muitos serviços dêle recebidos fez mercê daalcaidaria-m6r da cidade do porto, com tôdas suasrendas e direitos, assi como a teve seu pai.

Em r4 de dezembro, mercê a D. Lopô d,Almeida.z5 fidalgo de sua casa, de lhe dar a capitania de So-

fala.Em rB de de fevereiro, ûa tença de 6$ooo dobras

a D. Felipa de Castro, filha de D. Diogo de Castro,do Conselho del-rei D. Manuel.

20 No riltimo de junho, mercê a Garcia de Sâ doofïcio de veador da fazenda do Porto, por razâo deo ter comprado a seu irmâo Francisco de Sâ.

Em z4 de maio, tença de z$8oo coroas a D. Anade Mendonça, comendadeira de Santos, filha de

25 Nuno Furtado.Em 6 de dezembro, carta por que el-rei fez mercê

a Rui Lopes Coutinho, seu moço fidalgo, filho deFernâo Coutinho, de trinta mil réis, polos muitosserviços que o dito seu pai Iez em Africa, onde mor-

jo rc1J na batalha da Enxouvia.Em rB de fevereiro, o oficio de mestre-sala a

Cristôvâo de Melo, filho de Henrique de Melo, assie pela maneira que o serviu o dito seu pai.

Em 6 de outubro, mercê de cem mil réis de tença

ANAIS DE D. IO.4O I I I

a D. Francisco de Sousa, filho de D. Felipe deSousa, do seu Conselho.

Em ro de setembro, confirmaçâo da capitania deMazagâo em Ant6nio Leite, cavaleiro de sua casa;

5 nomeaçâo de capitâo de Arzila em Ant6nio da Sil-veira a requerimento do conde de Redondo, quepediu licença pera vir ao reino a tratar de seus re-querimentos.

Em 3o de janeiro, tença de quarenta moios dezo pâo à condessa de Borba.

Em tz de novembro, tença de duas mil coroas aD. Isabel de Noronha, mulher que foi de Nuno Vazde Castel-branco.

Em 8 de junho, carta de privilégio e brasâo d'ar-15 mas a Sebastiâo Pinheiro, por mostrar descender da

linhagem dos de Pina e dos Pinheiros.Neste ano, estando el-rei em Évora, tomou assen-

to de mudar o estilo que usavam os reis antigosnas cartas e provisôes que passavam, dizendo: Nds

zo e,l-rei, e mandou que em tôdas se falasse por têrmosingular, dizendo: Eu el-rei, e disso mandou passarsua provisâo pera aviso dos secretârios em r8 dejunho.

E logo em julho seguinte, porqrie se ia devassan-e5 do demasiadamente o uso das sedas em todo o gé-

nero de gente, acudiu Sua Alteza com ûa premâticaem que as defendeu rigorosamente com certas limi-taçôes em pessoas e cantidades, modos e guarniçôes.E mandou que se começasse a guardar e executar

3o de Éltimo de agosto do mesmo ano em diante. E no

26, pretnriti,ca: lei que27, d,efend,eu: proïbiu,

procurava corrigir abusos.f ixou o uso (?).

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It 'i

coLECÇ.4O DE CLASSrcOS SA DA COSTA

restante dêste ano mandou pôr em ordem as cousasque cumpriam pera a solenidade de seu recebi-mento e negociar a dispensaçâo de Roma, que à suaconta estava, e nomeou pera irem buscar a rainha

5 e tomar entrega de Sua Alteza" na arraia aos ifan-tes D. Luis e D. Fernando; e mandou ao duque deBargança se fizesse também prestes pera ir assistircom êles na entrega e a virem acompanhando. Eêle por fim do mês de dezembro se passou com a

ro côrte à vila do Crato, pera ai esperar â rainha.

CAPITULO XVI

Corre el-rei de Fez a Arzila por algûas vezes.Perigo em gue o conde capitâo esteve corn

o alcaide de Alcâcere

Neste ano correu el-rei de Fez quatro ou cincovezes a Arzlla; e ainda que das mais nâo fez efeitoconsiderâvel, porque o conde tanto que sabia desua vinda dizia com galantaria que polo que se de-

15 via à sua pessoa real nâo seria nunca descomedidoem lhe tolher o campo e deixava-se estar recolhidoe em boa guarda, todavia da riltima que tornoulhe cairam nas mâos oito almogâvares.

E foi o caso, que sendo el-rËi ido a Mequinês azo ver seu irmâo Moley Nasser na doença de que mor-

reu, corria a fama que fôra socorrer ao xeque Omar,senhor de Tafilete, e que a êsse fim levara consigo

7, Bargança no ms.13, tanto que: logo que.18, almogduares: soldados, por via de regra cava-

leiros, experimentados em escaramuças com o inimigo.

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ANAIS DE D. TOAO I I I

os alcaides fronteiros de Arzila. Quis o conde cer-tificar-se e tomar lfngua do que havia c deu licençaa Estêvâo Fernandes que fôsse fora com sete com-panheiros, limitando-lhe os lugares até onde havia

5 de chegar e que, achando-se tudo de paz atê a ri-beira de Taliconte e o Xercâo, pudessem emboramontear. Mas foi sua desgraça que, tratando jâ dese retirar, houveram vista de três mouros de péjunto do ribeiro do Alberge: arrancaram contra

ro êles e colheram um, çlue perguntado pera ondeiam, disse que pera el-rei, que naquele ponto che-gava ao Xercâo, sua ordinâria estância quando noscorria.

Deram-se os oito por perdidos, porque os dous15 morrros que lhes escaparam foram correndo dar re-

bate no campo de el-rei, o que logo entendeiam porver muita gente espalhada polo campo, uns a to-mar-lhes o Outeiro das Vinhas, que era por onde sepodiam furtar pera Tângere, outros a talhar os ca-

eo minhos da vila, com que nâo teveram outro remédiosenâo largar os cavalos e embrenhar-se no Soveral;mas sintindo no dia seguinte grande rumor de genteque os buscava, porque acudiram os bârbaros dasèrra, como câes a caça de coelhos, determinaram

z5 sair-se em demanda da vila cada um como melhorpudesse, entregues ao beneficio da ventura; mas elanâo valeu mais que a Gaspar Fernandes, que foitâo sofrido, que em cinco dias que o campo del-reiesteve sôbre o Soveral, nâo quis desembrenhar-se e'

jo como os mouros desapareceram, aparec€u êle efoi-seem salvo à vila. Os sete, inda que se dividiram, fo-

ram todos cativos, porque todos acharam inimigosem grande nûmero nos caminhos que tentarâm.

Festejou el-rei o sucesso, porque, como deixava

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coLECç.4O DE CLASSTCOS SA DA COSTA

seu irmâo enterrado, vêo correndo a Arzila perafazer algum oficio por sua alma com sangue cristâo,que êles chamam fazer gazua. Mas sôbre tudo esti-mou ver entre os cativos a Joâo Vaz, mourisco,

5 irmâo de Gonçalo Yaz, que logo determinou matar;e nâo the valeram grandes instâncias com que oconde acudiu logo a Muley Abrahem, pedindo-lhe avida e oferecendo por êle qualquer dos mouros quetinha cativos, que eram alguns que el-rei e êle muito

ro desejavam libertar. E a isto juntava que dissessea el-rei que por JoâoYaz se nâo podia dizer que demouro se tornara cristâo, porque no tempo que fôracativo era tâo minino, que quâsi nâo tinha conheci-mento de nenhûa lei.

15 Nâo bastou nada, nem um grande presente dedôces que a condessa mandou a el-rei: foi entregueaos cacizes, que executaram nele um novo génerode martirio, que foi cobrindo-o todo de linho e es-tôpa, brearem-no despois com ûa sorte de breu, que

eo chamam (mera)), com que curam os camelos, e assilhe deram fogo e ardeu bem-aventuradamente, por-que sendo presentes dous cavaleiros que o condemandara com seus requerimentos a el-rei e a MuleyAbrahem, esteve tâo animado do espirito do Senhor

25 q.uie, esforçando-o êles, êle os requereu que fôssemtestimunhas em Arzila de como morria na fé deCristo e que s6 sintia nâo lhe darem a morte comtamanhos tormentos, como a tinham dado em tem-pos atrâs a seu irmâo Gonçalo Yaz. É cousa certa

jo que lhe trouxeram diante a mâi que o parira e mui-tos presentes, e a todos torceu o rosto, dizendo em

ntouvisco: mouro convertido ao cristianismo.cacizes: sacerdotes entre os mouros,

r7+

ANAIS DE D. JO,rO I I I

altas vozes que outros parentes nâo conhecia senâoa Jesu Cristo e a Santa Maria.

Passado êste caso, que o conde muito sintiu, quisMuley Abrahem ver-se com o conde de paz, ou pera

5 desculpar o feito, ou pera o conhecer e tratar deperto; e saiu do arraial com mil de cavalo e a suabandeira de Xixuâo vermelha e outras duas; e tantoque foi onde chamam os mastos, mandou que paras-sem e s6 com seis de cavalo se foi pera o conde, que

ro o esperava na praia com sua gente posta em ala. Vi-nha o mouro vestido em um pelotâo de veludo par-do, cingido um cinto mourisco largo e um rico tre-

çado em tiracolo, sem mais arrnas que fla lança eadarga, que lhe levava diante um lacaio, que acom-

15 panhavam alguns outros com mandis e cabrestos dedestro. Disse-se que vinha entre os seis o filho del-rei, disfarçado, e osmaiseramumirmâodeAbraheme um primo e outros principais.

O conde se apartou com outros seis companheiros;zo êle todo armado em um arnês, salvo a cabeça que

cobria com ûa gorra e nela ûa pruma; os seus comsuas couraças e adargas. Juntos com suas cortesias,caminharam ambos pera o adro, onde andaram pas-seando um espaço, acudindo tôda a gente do mouro

25 a ver os dous capitâes juntos; e era bem de ver oconde, porque em seu tempo nâo houve homemmais gentil-homem, armado e a cavalo. Vieram-selogo a êles seis pagens da condessa, com pratos econfeiteiras de doces e âgua; foi Abrahem tâo bom

3o cortesâo que comeu e partiu com os companheiros eo que sobejou lançou em sua barjoleta e na dos com-

3r, barjoleta: bôIsa, al{orie.

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COLECÇA.O DE CLA.SSICOS SA DA COSTA

panheiros e querendo beber saltou do cavalo emterra e pôs a talha na bôca e assi se satisfez. E logolançou mâo na algibeira e deu valia de cinco cruza-dos a cada um dos pagens.

5 Passadas estas vistas, correu o alcaide d'Alcâcereà vila em tempg que o conde era saido a montear àsaldeas: onde correu grande risco de se perder, se oalcaide fôra tâo atrevido que decera a lhe atalhar abôca do rio doce; que, se ofizera, nâopuderaoconde

.ro juntar-se com os nossos, que, como bons cavaleiros,o foram buscar. Cegou Deus êste inimigo, conten-tando-o com levar três soldados bèsteiros que ôconde tinham safdo e sete ou oito moços que anda-vam fazendo lenha.

CAPITULO XVII

Como Bastiâo Nunes rendeu com ûa caravelaem que andava no Estreito a ûa nau de cossâ-rios que o cometeu; e Vasco Fernandes César

" tomou um bergantim de mouros

r S Sâo muito anexas aos lugares de Africa tôdas ascousas que sucedem no mar do estreito de Gibral-tar; principalinente as dêste tempo em que el-reiD. Joâo tinha cuidado de o mandar guardar com

, navios armados e governados por pessoas de conhe-zo cido valor. Achou-se um dia s6 com a sua caravela

em que andava de guarda naquela paragem o capi-

r2-r3, que à conde tinharn saïilo: qttc tinham sa{do aoencontro do conde. Note-se o emprêgo, pouco freqilentero autor, de forma popular ô, em vez d.e ao.

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ANAIS DE D. TOA.O I I I

tâo Bastiâo Nuges, e logo lhe deparou sua boa sorteentre Tângere e Tarifa ùa nau de guerra que, ven-do-o s6, se inviou a êle, como a prcsa que tinha porcerta; mas achou-se cnganada, porque o português

5 se defendeu de sorte quc de pcometido se fez acome-tedor, e de combatido, combatente, e emfim a ren-deu e ficou senhor dela.

Posta neste estado e começando os soldados a darsaco ao que havia, acudiu o capitâo, que era fran-

to cês, às manhas de seus naturais, dizendo que seurei era irmâo do de Portugal e nâo era justo queseus vassalos fôssem roubados por portugueses, queêle protestava haver-lhe de fazer restituïçâo do na-vio e das fazendas que trazia.

rJ Era Bastiâo Nunes mais valente que cobiçoso:contente da honra que tinha ganhado, mandou so-brestar no saco e levando a nau a Arzila f.ez en-trega com inventârio a dous moradores de tudo oque havia, com obrigaçâo de darem conta aos mi-

eo nistros del-rei quando lhes fôsse pedida, e êle avisoulogo a Sua Alteza do sucesso; e por que se visse comquanta mais pontualidade e justiça procedia doque os franceses connosco usavam em semelhantesacontecimentos, deu licença a um dos soldados fran-

zj oeses que fôsse seguindo o seumessageiroaPortugal.Mas o soldado teve tâo mâ sorte no requerimento,como na briga; porque el-rei mandou que a nau efazenda ficasse por represâria, em lugar do galeâoque o ano passado fôra tomado por franceses a

3o Vasco Fernandes César, e que logo se entr€gassea nau ao mesmo Vasco Fernandes, que, de pouco

25, rnessageiro: mensageiro, enviado.

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coLECÇ.40 DE CLASSTCOS SA. DA COSTA

havia, era chegado ao teino, despois de fugir daprisâo de França.

Com esta nau e duas caravelas ficou Vasco Fer-nandes continuando êste verâo sua assistência no

5 Estreito, onde um dia yêo amanhecer com êle umbergantim de mouros: deviam cuidar que eram na-vios de trato mancos. Começaram as caravelas avarejâJo com a artilheria. Quando entenderamcom quem o haviam, deram volta pera terra a voga

ro arrancada até entrarem pola bôca do rio Taga'darte, junto a Arzila. Donde sendo vistos, acudiramos moradores por terra e Vasco Fernandes mandouos batéis com cada um seu berço polo rio dentro;e emfim os mouros vararam em terra e se lançaram

zj ao monte do porto de Alfeixe como melhor pude-ram, e o bergantim vêo pera Arzila.

CAPTTULO XVII I

Despacha o governador D. Duarte ûa armadapera o Estrei to do Mar Roxo; e êle parte se-

. gunda vez pera Ormuz

Mas é tempo de nos passarmos à India seguindoa ordem que começâmos, e darmos conta do quenela sucedeu êste terceiro e riltimo ano do governa-

zo dor D. Duarte. Como tinha assentado consigo darsegunda vista a Ormuz e gastar lâ outro inverno,

7, ,nancos: incompletos na aparelhagem ou na tri-pulaçâo.

g, conz quern o hauiam: com que tratavam.13, berço: peqtena peça de artelharia.

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ANAIS DL D, {A,4O I I I

tanto que despachou as naus da cspeciaria pera oreino, segundo atriis cleixamos contado, deixou emCochim seu irmâo D. Luis com podcres de gover-nador, com ordem dc guardar a costa no verâo e

5 residir ali no inverno. E, êle se passou a Goa, dondepartiu pera Ormuz, viagern escusada, e que, polascircunstâncias que dela se contavam, Ihe carregougrandes culpas diante del-rei e dos homens. Dizia-seque levava todos seus navios carregados de pimen-

ro ta de Coulâo e Baticalâ e de gengivre de Cananor,. emprêgo de muito valor pera em Ormuz. Antes de

partir de Goa despachou Eitor da Silveira pera oEstreito.

D'ambas as viagens daremos razâo neste lugar15 e primeiro da do Silveira, que saiu primeiro. Co-

meçou Eitor da Silveira a sua por fim de janeiro,levando nove velas, a saber: quatro galeôes e quatronavetas e um bergantim, em que, fora gente de mar,se contavam setecentos homens. Eram capitâes dos

eo galeôes, êle e Ant6nio de Lemos, Nuno Fernandesde Macedo e Manuel de Moura; das navetas Duartede Melo, Ant6nio Ferreira, Alvaro de Castro e Hen-rique de Macedo, e do bergantim Fernâo Carvalho.Encomendava el-rei ao governador com grandes en-

e5 carecimentos em todas suas cartas que mandassebuscar a Maçuâ o embaixador D. Rodrigo de Li-ma, que fôra ao Preste; e como D. Lufs tinha idono ano atrâs àquele porto em conjunçâo que lhe

15-16. À margem destas palavras encontra-se escritopor Sousa no manuscrito da Ajuda: <Esta viagem risca-mos, porque a nâo escreve Joâo de Barros, a quem segui-mosr. Como porém nada aparece riscado, Iferculano en-tendeu, e muito bem, manter o p:rsso.

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cot.rtcç:/io Drt cLAssrcos sA DA COSTA

1âo foi possivel esperar por êle, mandava agoraEitor da Silveira ao mesmô efeito.

A derrota que 1evou foi pera fazer aguada a Saco_tarâ e daf ir-se na volta do Estreito,- onde encon_

5 trou muitas naus de mouros com carga de roupasde Cambaia, que mandava queimar ôm seus do_tos, como gente sempre inimiga, despois de bal_dear as fazendas na nossa ar-aàa. euiô juntamentedar ùa vista à cidade tâo nomeada àe Aâem, a ver

ro se chegaria cm conjunçâo de fazer d,e caminho al_gum bom serviço ao Estado das Indias.

Foi surgir nela a tempo que no porto havia mui-tas naus de mouros, tôdas ricas e fôdas carregadas,porque nâo teveram lugar com a vinda repéntina

rj das nossas nem pera fugirem nem pera pôrem suasfazendas em terra. Deràm-se por perdidos, porqueacertaram a terem novas do que Eitor da Silveiravinha fazendo aos que encontrava de sua naçâoe lei, no mesmo dia que êle apareceu. Mas o rei lires

eo mandou que estivessem de bom ânimo, que êletinha traça pera os salvar; e logo despediu um barcoao capitâo-m6r, dizendo que, sè vinhà de paz, acha_ria naquela cidade^ todo bom gasalhado e serviço,porque estimava fazer pazes por seu meio com

z5 el-1ei de Portugal e fazèr-se sôu vassalo, mas sequtsesse guerra, defenderia sua casa como era obri_8ado.

- Alegrou-se Eitor da Silveira com a embaixada,

f_undando nela, como moço e muito altivo que era3o de pensamentos, pocler ganhar a honra de fazer

ANAIS DE D. TO,4O I I I

tributâria ûa tal cidade. Como moço, deixou-se le-var do engano sempre ccrto das vcrdadcs mouris-cas, e como altivo, nIo quis pccli l conselho aos ho-mens antigos da India quc vinhatu na armada, por

5 que fôsse sô sua tôda a glôria <1o feito que imagi-nava. Respondeu ao mouro quc lhe mandasse ùapessoa de confiança, com quem pudesse capitularas condiçôes de paz que pedia. Nâo tardou em apa-recer um regedor da terra, cercado de muitos bar-

ro cos cheos de refrescos de tôda sorte pera todas asnaus e presente rico e particular pera o capitâo--môr.

Chegados a concêrto de pazes, ficou capituladoque o rei de Adem se faria vassalo del-rei D. Joâo

rj 3.o de Portugal, por assento gravado em chapad'ouro, ao uso da India. E em reconhecimento devassalagem daria todos os arlos ùa corôa d'ouro dcpeso de dous mil xerafins, e seria condiçâo que osportugueses que a seu porto viessem nâo pagariam

zo mais direitos de suas fazendas que o meo do quepagavam as outras naçôes; e êle, capitâo-m6r, ofe-recia em nome del-rei de Portugal segurança a tôdasas naus de seu porto e que as dos naturais de Adempoderiam navegar seguramente por onde quisessem.

2j Destas e outms particularidades se fizeram escritu-ras por ambas as partes.

Em cabo de quinze dias vêo a corôa feita e comela novos presentes pera todos os capitâes da arma-da e a chapa d'ouro por el-rei assinada. Mas nâo

jo parou o infiel vendo a facilidade com que nos iamos

18, xerafim: moeda incliana com o valor aproxi-mado de 3oo a 36o réis.

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17, acêltara,ln a teretn: calhou terem.2r, traça: meio astuto, habilidade.

rEo

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COLIiL'ç.IO Dt:. CLASSrcOS SA DA COSTA

enganando e fiando dêle; imaginou outra traça peralhe

. ficar pinhor eT qle se pagasse largamËnteipediu ao capitâo-m6r o-berganûm"com viù portu_gueses a que ofercceu promessas de grossas pagas,

5 como quem nenhûa determinava cumprir.'ùtziaque o havia mister pera efeito de lhe fùer arribarao porto tôdas as naus que passassem. Tâo con_tente estava Eitor da Silveira de si e do que tinhafeito, que nenhûa cousa soube negar: ficou o ber-ro gantim c o mesmo capitâo Fernâi Carvalho comos_vinte portugueses qùe nêle traz\a.

. Deu logo velas peia Maçuâ, que era o fim daviagem, e foi ancorar no porto p-or fim de março-Aqui teve informaçâo que-o lugàr em que D. Iio_.r5 drigo residia era tâo distante q"ue nâo poderia virem menos de vinte cinco dias; e iançando conta que,se tantos esperava, ficava arriscadà a invernai noEstreito, que era cousa de muito perigo, porque nâopodia deter-se mais que até vintè de'abril, aos seiseo do mesmo mês fez .roit" pera a India e ioi encontraro governador D.

-Duarte, que jâ vinha de Ormuz,

. na costa de Dio, donde se fôram. E tal foi "

d;;;de Eitor da Silveira. que, enganado de sua opiniâoe-das palavras do"rei mouro,"perd"o .o* êle {uinzee5 dias, que, se os nâo.perdera, pudera .t.gu, a tempode trazer a D. Rodiigo cle Maçuâ; e por dous milxerafins de um tributà fingido e sem iundamento,

, perdeu a muita riqueza qùe pudera interessar dasnaus dos mouros,, perdeu !O{à a despesa daquela

30 arrr;,ada, e sobretudo ficou obrigado o Estado a man_dar despois outra em busca deb. Rodîgo. E o que

ANAIS DE D. JOAO I I I

pior é: que o rei, falsando a palavra e fé que tinhadado, tanto que Eitor da Silveira saiu ultimamentedaqueles mares, prendeu F-crnio Carvalho com osseus vinte companheiros e todos matou com cxqui-

5 sitos géneros de tormentos, salvo alguns quc quise-ram negar a fé.

Mas se nesta viagem houve as peldas que temosvisto, da do governador D. Duarte nâo resultarammelhores fruitos, sendo ambas de muito grande

ro custo pera o Estado e em tempo que os mouros deCalicut, sem nenhum mêdo de nossas armas' coa-lhavam o mar de paraus e como senhores dêle leva-vam a Cambaia tanta pimenta que carregavam asnaus de Meca com gravissimo prejuizo da fazenda

t5 real de Portugal. O que achamos que lez foi mandarBaltesar Pessoa por embaixador a Pérsia, que porchegar em tempo que faleceu logo o Xâ Ismael ese fazer nova eleiçâo de um sobrinho seu por nomeXâ Thamas, tornou sem nenhum bom.despacho.

zo Bem sei que Joâo de Barros pôe esta embaixadana primeira jornada que o governador fez a Ormuz;mas outros a pôem neste lugar. O governador sevêo pola costa de Dio e dai tocou Charil e Goa edespois Baticalâ. E ultimamente se foi a Cochim,

z5 jâna entrada de dezembro, onde fez enlrega do Es-tado ao conde almirante, seu sucessor, em quatrodias do mesmo mês.

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28, interessar: lucrar, ganhar.

18z

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COLDCç/TO DE CLASSrcOS SÂ DA COSTA

CAPITULO XIX

Entra o conde almirante em Coa; passa aCochim. Dâ-se. conta do qr" i " ia" caminho,e navios que despachOu contra cls mouros guenavegavam especiarias; e dos muitos qr" iorsua ordem e de D. Henrique J" N4",,r"r". foram

togo castigados

,j1T-ï n"e ressucita a fndia e o crédito primeirooos portugueses dêste ano em diante e começam osmouros a sintir que tem na India o seu açoute an__ 1i8o,

tanto no gorrêrno do Almirant.", .l.rro dos mais5 governadores que logo lhe suced".am. Assi se alenta

:-1Ig: o espï19 pera escrever, como vejo que seantmam os capitâ_es pera trabalhar e vencer. En_trou o conde em Goa por fim do mes ae setembro.E como era homem muito activà;;;ig" da justiça,ro acudiu a muitas cousas togo, qo" ie-q'ieriam brevi_dade e diligência; e

-nâo sË ;râ;;";;â; da justiça,

tirou da capitania da cidade ; F;;;;.". pereira. P":,u11, poi queixas_que dêle achou, e proveu nela. _p. Henrigoè de MËn.ses.15 t-ogo caminhou- pera Cochim, e por lhe nâo ficarnada por fazer, deu vista a C"""ior,'o.rde meteude posse da fortaleza

" D. Sil;;-âL M".r"r"",

"q_uem fez entregar um mouro cossârio chamado BaluHacém, qoe .rd"va tâo sotto ;;;;Ë;r", e obrasto ? .nosso dano que, tendo feito muitos males, sefazia chamar capitâo_mô, ao-_ur. ËJi'f,."r"rrt. quuo rei de Cananoi fez ao conde dêste inâuro, que ti-nha preso, e êle. mandou a D. ii_à", que lhoteve a bom recado

-até conhecer de suas culpas.z5 Daqai passou a C,alicut, o"à;b.-jrào o" rirnu

ANAIs DE D, IO.4O I I I

estava com ùa guerra surda com os mouros, e saruem terra pera ser visto clôles; l)or(luc afirmavamque era fama falsa e lançacla polos nossos dêle estarna India pera tcrror cla gcrtte igttorante; e providrs

5 algûas cousas, foi-sc a Cochim.Nesta jornada sc lhe puseram diante muitos pa-

raus de mouros com mostras de que o nâo tinhamem conta. Ardia em raiva o ânimo do conde, mal so-frido em semelhantes demasias, de sorte que man-

ro dou a seu filho D. Estêvâo e Ant6nio da Silva eTristâo de Taide e outros fidalgos que nos batéis dassuas naus lhos fôssem castigar. Abaixo de Cana-nor correram trâs oito que fizeram varar em terra,onde houve alguns mortos e muitos feridos; e junto

15 a Panane deram caça a outros doze, com que teve-ram briga mui acesa e de perigo; porque, varandoos mouros na praia, juntou-se a gente da terra adefendê-los, e sendo dêles muitos mortos, ficaramferidos dos nossos Antdnio da Silva de Meneses,

zo Manuel da Silva, d'alcunha o Galego, e Joâo deCar-dona, e mortos dous. E porque lhe parecia que nâoconhecia a India, polo desafôro e soberba que vianos mouros, ordenou muitas armadas juntas peraacharem por tôda a parte quem os domasse e re-

a5 duzisse à humildade antiga.Foi a primeira de duas galés e ûa galeota, capi-

tâo-m6r Jer6nimo de Sousa e companheiros Fran-cisco de Mendonça o Velho e Antdnio da Silva deMeneses, com ordem que, despois de proverem a

12, lltos lôssem no ms. Era mais regular os lôssem.Note-se que no manuscriTo lhos tem um ponto baixo, sinaltalvez de futura correcçâo.

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I

t l

C0LECÇAO DE CLASSrcOS 5.4 DA COSTA

D. Joâo de Lima em Calicut de cousas necessârias,que lhe iam em ûa caravela de sua companhia,ficasse naquela paragem pera freo dos paràus da-quele Malabar. E saiu o provimento bem acertado;

5 porque dentro de pouco tempo destruiu mais dequarenta, cujo capitâo era o mouro Cutialle, quepor mandado do Samorim saia de Coulete a tolheros mantimentos que navegavam pera a nossa forta-leza. Em segunda armada mandou Simâo Sodré

ro com quatro velas às ilhas de Maldiva, em busca deuns mouros que faziam guer-ra a certos senhores dasilhas, nossos amigos, e também pera fazer vir cairoa Cochim, que é principal muniçâo pera as nausque partem pera o reino.

r S Partiu Simâo Sodré e encontrou seis fustas, deque

"era capitâo urn mouro dos principais de Cana-

nor: desbaratou-as e ficaram-lhe na mâo duas. Emterceiro lugar despachou pera a costa de MelindeFernâo Martins de Sousa com duas embarcaçôes;

eo e juntamente mandou mais duas galeotas a ;ei6ni-mo de Sousa, pera que igualasse em ligeirèza osparaus de mouros e ficasse com mais fôrça. E fo-ram-lhe bem necessârias; porque logo teve novasque no rio de Braçalor estavam oitenta paraus car-

z5 regados de pimenta pera irem vender a ôambaia àsnaus de Meca e foi pelejar com êles. E por ser sô-bre tarde quando os acometeu, tomando doze comseu recheio, os mais se tornaram ao rio, onde osencerrou pera lhe tolher a navegaçâo da pimenta.

3o Porém nâo foi a vit6ria sem custo, porque foramdos nossos feridos muitos e mortos quatro.

ANArS DE D. JOÂO I I I

No mesmo tempo, tendo novas D. Henrique deMeneses, capitâo de Goa, quc à vista da cidade pas-savam cada dia muitos paraus, caminho de Cam-baia, assi o sintia que sc dcsfazia de dor, tcndo llor

5 afronta sua tamanho atrevimcnto; e se lhe fôra licitopola gbrigaçâo do cargo, nâo lhe pedia seu grandeânimo menos que ir em pessoa tomar por seu braçosatisfaçâo dêles. I\{as via-se com as mâos atadas,porque o viso-rei, na passagem que fez por Goa,

ro tinha levado todo género de navios que havia noporto. E com tudo achou-se um dia tâo vencido da ,paixâo, que correndo a ribeira em pessoa e achandodous paraus, que carregavam sal pera a cidade, logoos comprou e mandou armar; e porque na mesma

15 conjunçâo entrou Antônio Correa de Dabul comtrês paraus e ùa galeota, com que fez seis vasilhas,cheo de contentamento e boa esperança, por lheparecer que tinha ûa grande armada, deu a capita-nia-mdr com a galeota a D. Jorze lelo, seu sobri-

zo nho, filho de D. Joâo Telo de Meneses, e das maisfez capitâes Antdnio Correa, Paio Rodriguesd'Araujo, Alvaro d'Araujo, seu irmâo, Joâo Cal-deira, de Tângere, e Duarte Denis, de Carvoeiros,

Eram todos homens de feito: mandou-os sair emz5 dra do ap6stolo S. Tomé, que, como é patrâo nosso

nas parles da India assi guiou aD. Jorze, que ondechamam os Ilheus Queimados, junto de Goa, lhedeparou trinta e oito paraus carregados de especia-ria, capitâo dêles um mouro de Calicut por nome

t6, uasilhas: vasos de guerra.2+, d,e feito: decididos, prdprios para um feito de

annas.

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12, cairo: cord.as feitas de filamento de côco.

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coLECÇÂo DE CLASSrcOS 5,4 DA COSTA

China Cutialle. pelejou com êles, tomou quatro ef.ez dar à costa a môi parte aos -"i.;

; "s

bandeirascom qu-e festejou a vit6ria foram de mouros enfor-

_ cados das vergas das embarcaç0.r, f..u terror e

_5 exemplo; e nâo tardou em o fazer saii segunda vezcom sô três dias de descanso; e valeu aliligênciapera dar com ûa nau de Calicut, acompanhaâa denove.paraus de gu.rrrda, dos quais houve semelhantevrrorla: tomados alguns, fez dar a nau à costa.

. C]APITULO XX

Morte do conde almirante. Sucessâo de D. Hen-rique de Meneses

ro Procedia o conde nas cousas atrâs ditas com asua veemência natural e sem dar hora de repouso aseu espirito. Mas o corpo, carregado de anos e que_brado dos trabalhos e navegaçôe-s antigas, vêo a sin-tir com demasia

.os cuidJdos pr"."itÀ. Adoeceurj gravemente; e conhecendo que o chamava a ultimahora, fez juntar diante d.e_

'ri ",

iiààfgo. "

p".ro",mai.s,principais que na cidade ." ;;Ë;;_, com o:aprr,ao

crela, que era Lopo yaz d,e Sampaio, e mos_rrando os poderes que el_rei lhe dera em sua parti_,o 91,^d_":l,gou

que por sua morte ficasse governan-

^":_1 .loi" o capitâo Lopo yaz, até tomar posse dogoverno aquela pessoa que se achasse nomôada nospapéis secretos, que em mâo do veador da fazenda

Afonso Mexia tinha depositados.25 Eram estes três pa.tentes, cerradas e seladas com

ANAIS DE D. TOAO I I I

t,t l ,

as armas reais, das quais a primeira tinha por so-brescrito ûa regra assinada da mâo de Sua Alteza,que dizia: - Sucessâo do Conde Almirante; e asegunda e terceira nâo tinham mais escritura nem

5 titulo no sobrescrito que duas palavras: - Sucessâosegunda - em ûa e - Sucessâo terceira - na ou-trà, com o sinal ordinârio de Sua Alteza abaixo' Eporque o veador da fazenda da India é a segundapessoa dela despois do governador em todas as ma-

ro térias da fazenda real, é costume estarem em seupoder estas lntentes, que, polo efeito em que ser-vem, sâo chamadas sucessôes. Ajuntou logo a estadeclaraçâo mandar fazer um auto dela por tabaliâoprlblico, em que o veador da fazenda e os fidalgos

15 è mais pessoas de importância assinaram e Ïrzeramjuramento de obedecerem €m tudo, assi ao quesaisse nomeado pola patente de Sua Alteza, comoa Lopo Vaz, emquanto o tal norneado tardasse emtomar posse do Estado.

20 Nesta conjunçâo chegou a Cochim D. Duarte; eporque sôbre a matéria de sua embarcaçâo e sôbrea entrega do govêrno teve o conde alguns desgostoscom êle e com seu irmâo D. Luis, como era impe-tuoso e ardente no que lhe parecia ordem de justiça,

2J de maneira lhe agravaram o mal e encurtaram osdias da vida, que vêo a falecer aos vinte e cinco diasde dezembro dêste ano de 524, dia em que celebra-mos o glorioso nacimento de Jesu Cristo, nosso bem.

Sepultado o conde almirante, juntou Lopo Yaz

3o de Sampaio, como governador, nas mesmas casas€m que o conde falecera, tudo o que em Cochimhavia de fidalgos, cavaleiros criados del-rei e mais

25, serrad,as no ms. 23, Conxo era: Pors era.

ûq

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COI,ECÇ,TU DE CLÂSSICOS SA DA COSTA

gente nobre; " "oT 1 solenidade que o caso requeria

fez abrir diante de ^todg. 1 pate'nte !". U"nà po,titulo <rSucessâo do Conde Alirirante>.'À qo"t ."iJà

, aberta e lida polo secretârio da India, se achou no_

5 meado por seu -sucessor

no govêrno do EstadoD. Henrique de Meneses 1r). Ëespactrou_tne l,ofoY-az

1m tôda cliligência com a novâ cinco velas, de

-gue deu a capitania-môr a Francisco de Sâ,

"o_ or_crem que desse de caminho aviso a .ferônimo dero Sousa na bôca clo rio a" S.açaior, Ënde estava,

sôbre o grande nrimcro de paraus que nêie encur_ralara,_ pera se ir acompanhar o gorr"'À"ao..D. He_nrique, recebiào o avisË d;;;u sucessâo,

nem se deu muita pressa e1 partir nem em seguir15 a viagem despois de partido,'porque quis cfrJgara .Cochim a tempo qud achasse p".t'iàur-u, naus dorelno; que, como D. Duarte e D. Luis eram seus pa_rentes e sabia que estavam escandalizados dos ter_mos_ com que o conde os fizera embarcar, foi_se de_zo tend.o na viagem, porque oao qo"ri" Jâminuir umponto, por razâo do sangue, ,no que o conde, seguin_do a.obrigaçâo de justiçà

" au, dra.r, que trazia deel-rei, contra D. Duarie ora.rr"r"--n Ë verdade,

nâo.foi a. detença ociosa nem a" pÀ"o'fruito, se_gundo adiante veremos, inda que Jpii_"iro intentoz 5 f9i o que temos dito, e a essa conta cle caminho man-dou suas vias de cartas pera "t_r.i

jr-rr"os de via_gem. Mas porque vêo a êntrar em Coctril em 4 detevereiro do ano de vinte cinco, daremos aqui fima.êste capitulo e com êle ao seguna, fi"i. desta his_

3o tôria. E no seguinte se ve-râ qiao l.- "Lpregadase de sewiço de Deus e del_rei fora_ .o", demoras.

[ ( r ) Barros, Década I ]1, l iv . IX, cap. g. l

r90

ANArS DE D. IOA.O rrr

LtvRo i l l

CAPI' I 'LI I -o I

Das naus que êste ano partiram com carga dalndia pera o reino; e das que do reino forampera a lndia, e o sucesso que ûas e outras

teveram

Sairam de Cochim êste ano de r5e5 polo mês dejaneiro pera o reino, com a carga ordinâria de espe-ciarias, a nau S. Jorze, em que embarcou D. Duar-te, que acabara seu tempo de governador, e a nau

j Santa Caterina de Monte Sinai, que se deu a seu ir-mâo D. Luis, e a de Duarte Tristâo Armador, emque s€ embarcaram os filhos do viso-rei, que êlemandou se tomassem pera o reino. Nâo achamosnoticia que fôssem despa.chadas mais naus; mas

/o porque consta que o conde viso-rei tinha feito fôrçaa D. Duarte que se viesse na nau Castelo, e tam-bém tinha despachado outra com cartas a el-rei,que partiu em primeiro dia de dezembro, capitâoFrancisco de Mendoça, parece que deviam sair

15 cinco por todas. Destas sabemos que teveram infe-lice viagem as dos dous irmâos, ûa procurada equâsi acinte, a outra muito desastrada.

Contam que dos rigores que o conde usou comD. Duarte, que foram muitos, além de o mandar

zo ir preso em m€nagem e com ordem de nâo desem-barcar em Lisboa sem recado expresso del-rei, re-sultou temer-se que havia diante de Sua Alteza tâograves culpas suas, que justamente o laziam vacilarnos conselhos; e ninguém deu disto sinal mais claro

?j que seu irmâo D. Lufs, porque dês do dia que am-

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i

COLECçÂO DE CLASSrcOS SA DA COSTA

bos se ftzetam à vela em Cochim, êle o nâo desa-companhou de dia nem de noite, vigiando-o sem-pre iom grande cuidado; e fazia-o de melhor von-tade, porque enxergava, no modo que levava de

j navegar, que era sua determinaçâo nâo passar na-. quele ano ao reino e fazerse arribado a Moçambi-

que: sendo' assi que onde todos os navegantes dese-jam velas dobradas e ainda asas pera chegaremcom cedo a vencer o cabo temeroso de Bôa Espe_

ro taîça, êle ao revés ora mandava tomar as velas degâvia, ora levantar a vela grande nos palancos; e sede noite sobrevinha qualquer chuva, inda que fôssesem vento, logo fazia amainar tôdas as velas, e aolevantâ-las dava tanto vagar que se perdia muito

rj tempo, nâo bastando arribar a êle muitas vezesD. Luis e lembrarlhe com brados que perdiam ayiagemi e emfim chegaram tâo tarde ao ôabo que,a fôrça de ponentes, que jâ acharam mui frios eâsperos, arribaram a Moçambique ambos.

20 Como o tempo deu lugar de tornarem a navegar,sairam ambos os irmâos com o mesmo cuidado:D. Duarte de ir muito devagar e D. Luis de o vi-giar e apressar. Mas, passadà o Cabo, tomando .iâmal D. Duarte as diligências de seu irmâo, man-

z5 dou-lhe dizer que êle se ia entrar na Aeuada deSaldanha, porque ia falto d,âgua, que êle D. Luisnâo perdesse viagem e se fôsse embora em demandada ilha de Santa Helena e que ai se juntariam.D. Luis ou parecendoJhe que tinha feito assaz em

3o ïazer passar o Cabo a seu irmâo, ou cansado de o

a ffuça. Note-se que a é preposiçâo.Ponentes: ventos que sopram do poente.

ANAIS DE D. ïOAO I I I

seguir mais, se foi em demanda do reino aonde nâochegou € se teve por perdido com tormcnta, sucessoordinârio nesta viagem; mas polo tempo adiante sevêo a saber que, firzendo a nau tanta 6gua que se

5 ia sem remédio ao fundo, cncontrou nesta costa dePortugal com um navio francês, do qual querendo--se valer como de amigo e pedindo-lhe ajuda e re-médio, os que nêle vinham lho deram de verdadei-ros inimigos, porque entrando a falsa fé se fizeram

ro senhores dela, e despois de baldearem em seu na-vio o melhor e mais precioso, por que nunca viessea luz tamanha treiçâo, lhe puseram fogo e a fize-ram arder com tudo e com todos os que dentro vi-nham.

15 Averiguou êste sucesso no ano de 38 Diogo da Sil-veira, que andando por capitâo-m6r na costa €colhendo um cossârio francês, alguns soldados porsalvarem as vidas lhe ofereceram descobrir o quetemos referido e ajuntaram que o capitâo com que

so ali vinham fôra companheiro na tomada da naue era irmâo do traidor a quem D. Luis se encomen-dara. Posto êste a tormento, confessou tudo, e Diogoda Silveira fez que o pagasse com a pena de taliâo,ficando queimado vivo com o navio e companha,

s5 pequena consolaçâo pera a perda de D. Luis, masjusto castigo. D. Duarte, sem tomar a ilha de SantaHelena, se vêo buscar a costa do Algarve e snrgiuna barra de Fârâo. E logo mandou ao piloto quefôsse tomar Sesimbra; mas êle pôs a nau na bôca

go da barra de Lisboa e ali se desembarcou com o maisque pôde de sua fazendai e estas demoras forarp

28. Fdrdo: Faro.

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COLECç,4O DE CLASSICOS SA DA COSTA

ocasiâo. de se perder a nau, levantando-se um tempotravessia que sem remédio a ilez ir à costa.

De Lisboa sairam pera a India no mesmo anoquatro naus, capitâo-môr Felipe de Castro, filho

5 de Alvaro de Castro; os mais capitâes eram D. Lo-po d'Almeida, filho de D. Diogo d'Almeida, priordo Crato,.que ia pera entrar por capitâo de Sofalaem lugar de Diogo de Seprilveda, que acabava seutempo; Diogo de Melo e Francisco de Anhaia, filho

ro de Pero de Anhaia (r). Dêstes se foi perder o ca-pitâo-môr com a sua nau <Co1po Santo> na costa deArâbia, junto ao cabo de Roçalgate, onde por mâvigia foi a nau varar em terra; e Francisco deAnhaia se perdeu também com a nau rrS. Vicenterr à

15 saida da barra de Lisboa. Neste ano de z5 foi porcapitâo-môr d'armada da costa Fernâo Correa, comûa nau e quatro caravelas e tornou Garcia de Meloàs ilhas com a nau <Santa Caterinal e outros setenavios.

CAPÏTULO I I

Entra a rainha D. Caterina em Portugal. Espera-ael-rei na vila do Crato. Aï se recebem, e passam

pera Almeirim

20 Entrado o ano de 1525, ardia o reino em aperce-bimentos de festas, começados dês do ano atrâl perao recebimento da rainha e continuados neste pottôda a nobreza do reino com custo, riqueza" e varie-dade de librés, desejando cada um mostrar naquele

r-2, temPo tlauessda: vento contrârio.f (r) Joâo de Barros, Dëcad.a III, liv. X, cap. Ll

r94

ANAIS DE D. TOÂO I I I

exterior concêrto o muito que dentro na alma esti-mavam o gôsto de seu rci e o bcm do reino. E tantoque se soube que a rainha abalava dc Valhadolid,caminharam os ifantcs corn grande c luzido acom-

5 panhamento pera Elvas; c o duquc de Bargançapor outra parte, seguido de seu filho e do comenda-dor-m6r de Cristo, seu sobrinho, e de um grandenûmero de fidalgos e criados, - aparato quâsi reale estilo ordinârio desta grande casa em todas as oca-

ro siôes que se acha de serviço dos reis e honra do rei-no, - se foi juntar com êles na me$na cidade. Equando foram 14 dias do mês de fevereiro, se acha-ram todos na ribeira de Caia, que é a raia de am-bos os reinos.

rS Vinha a rainha da parte de Badajoz, acomparùra-da do bispo de Siguença e do duque de Béjar, se-guidos ambos de muita nobreza e fidalgos princi-pais de Castela, todos lustrosos e custosos em diver-sidade de trajos, sêdas e côres e nrimero de criados.

zo Sendo juntos o bispo o duque com os ifantes e mos-trados de parte os poderes que uns e outros traziampera a solenidade da entrega, foi logo executadaà vista de infinito povo, que a ela concorreu de am-

5, Barganço no ms.8-rr. Esta simpatia pela casa de Bragança provém

de que Fr. Luls de Sousa era intimo amigo do Duque,con o qual se ca teava desde Bemfica, Dizem os biôgrafosque ros grandes actos da sua vida, o duque de Bragançanâo deixava de consultar o amigo. Pena é que nâo apa-reçam essas cartas de Fr. Luis de Sousa.

18, custosos: ricos, preciosos.2o-2r, mostrad,os d,e Pa,vte: mostrados um ap6s outro,

separadamente. Herculano supôs que faltasse alguma coisano manuscrito, e pôs <de parte a parter.

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coLECÇÂO DE CLASSrcOS SA DA COSTA

bos os reinos, com ûa universal e extraordinâriaalegria de todos. E porque o modo e ordem destaentrega saiu tôda do juizo del_rei e temos viva acarta que Sua Alteza escreveu a Damiâo Dias, que

5 acompanhava os ifantes como notârio prlblico egeral dêstes reinos pera o que se oferecesse, pare_ceu-nos mais acertado lançâ-la aqui como estâ emseu original, que fazermos descriçâo do como pas.sou.Eéaquesesegue:

ro <Hei por bem que tôdas as pessoas que invio99m os ifantes, meus irmâos, vào logo sàindo deElvas, todos juntos com êles e nâo Jpartados emmagotes; e que no lugar onde se houvér d,e fazer aentrega da rainha, se deçam todos a pé e a pé bei_

15 iem todos a mâo à rainha e assi como'cada u-m me_lhor o puder fazer, sem nisso haver precedência;e despois de beijada a mâo se tornarâo a pôr a ca_valo. Despois de todos beijarem a mâo, se àdiantarâo duque e se decerâ a pé pera beijar a mâo; e tanto

20 qtu: fôr a pé, a rainha lhe mandaiâ que torne a ca_valgar, e assi a cavalo lhe beijarâ . àâo, e despoisde beijada se tornarâ a pôr a par dos ifantes meusirmâos; e despois de ser junto iom êles, se decerâoos ifantes e se porâo a pé, e a rainha lhes man-

25 da{a que cavalguem e lhe irâo beiiar a mâo a ca-valo. O filho do duque

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"o-..rdador_m6r, seu

s_obrinho, beijarâo a mâo a pé à rainha antes doduque

-lha beijar. Beijada À mâo polos ifantes,

como dito é, êles se retirarâo um pouco, ficando o3o mals junto da rainha que fôr possivel; e se vierem

o duque de Béjar e o bispo de Siguença, que vi_nham. acompanhanç11o a rjinha p".à a Lntregaremna raia, nos lugares da mâo direita e da outra-parteda rainha, nâo lhes dando êles lugar, esperarâo até

ANArS DE D. IOÂO I I I

se fazer a entrega; e como {ôr feita, tomarâo logoseus lugares, a saber, o ifante D. Luis no me-lhor lugar. Os ifantes, dcspois de beijada a mâo,nâo cobrirâo suas cabcças, salvo quando lho man-

5 dar a rainha, e ela serâ avisada pera os mandarcobrir logo.

De tudo o que dito é houve por meu serviço vosmandar êste regimento pera, antes da saida dacidade de Elvas, saberem as pessoas principais e

ro tôdas as outras o que nisso ordeno e mando, e terdescuidado pera que assi se faça. E pola muita con-fiança que de vôs tenho quis dar-vos disso cuidadoantes que a outrem; e por isso fazei-o assi bem,como de vôs confio.l

15 Por outra carta mandou el*rei alguns aponta-mentos a Pero Correa, senhor de Belas, concernen-tes à decência desta entrega, com ordem que os te-vesse em todo segrêdo, e em caso que por mandadoda rainha fôsse perguntado por algùa cousa, res-

zo pondesse conforme a êles, mas isto como quem davaseu parecer e nâo como que tinha instruçâo sua,pera que a rainha pudesse fazer aquilo de que te-vesse rnais gôsto. Como êste fidalgo foi um dos em-baixadores e procuradores que assistiram na con-

2j clusâo e escrituras dêste matrimônio em Castela eera jâ conhecido da rainha, mandou-lhe el-rei tam-bém que ao tempo da entrega estivesse junto dela,pera lhe dar a conhecer as pessoas que lhe fôssembeijar a mâo e nâo errar no gasalhado e honra que

jo a cada um por sua calidade se devia.Em remate desta solenidade despediu a rainha

r , e como: e depois que,

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COLECÇÂO DI:. CLASST}S SA DA C1STA

com palavras de m-uito respeito e cortesia o bispoe duque e fidalgos de sua cômpanhia, que se torna_Lt-

p"3 Badaioz; e ela com os ifantes se reco-rneu a r,lvas e logo caminhou pera o Crato, onde

5 el-rei a. esperava; e passados poo"o, dias se foramjuntos à vila de Almiirim,- de$ovoando_se os luga_res até muito longe com alvorôço de verem e feste_Jêrem a sua rainha. E como entre os portuguesesé tâo entranhâvel e natural o amor de seus reis,

-ro creceu grancfementc polo tempo adiante pera comela em todo o reino, por-que Îoi descobrindo rarase herôicas virtudes, grand" zelo e piedade cristâ,grande brandura e afabilidade

". obr", c palavras

pera. com grandes e pequenos, a que juntava fazer.r5 mercês a uns e procurâ_Ias del_rËi pËra outros; e

ganhando as vontades dos vassalos, gànhar tambéma del-rei, que muito estimava êste b-om têrmo.

Era a rainha de dezoito anos de idade perfeitosquando entrou neste reino,_porque naceu em r5 de

zo janeiro de r5o7 na vila aË Tôrquem"a". ,lrJo*"Sua Alteza consigo alguns criados, que neste reinopassaram muito adiante em cargos e èstimaçâo, me_recida por partes de entendiitento e prudência.Foram: no eclesiâstico, Juliâo d'Alva, p"i,f. À}r"J

z5 e Ro^drigo Sanches; os Jeculares, Felipe de Aguilar,etc. Como foi condiçâo do contrato, qo"

"rn Castela

2i !":,que as pessoas que a viessem âcompanhando

rlcanam logo gozando do privilégio de naturais,todos foram admitidos ,ro qu. cab"ia em suas cali_

3o dades, como adiante .r.remàs.

ANAIS DE D. JOA.O I I I

CAPI'TULO I I I

Trata-se do casamento do emperador com ai fante D. lsabel . Vem de Castela embaixado-res pera celebraçâo dos contratos e despos6rio'

Chama el-rei a côrtes os estados do reino

Resultou da vinda da rainha começar-se a tratarcom calor do casamento da ifante D- Isabel como emperador. El-rei o desejava polo amor que lhetinha e pola lembrança da palavra que el-rei seu

5 pai lhe tomara morrendo, e a rainha o procuravacom eficâcia, obrigada em todo extremo das exce-lentes partes que achava na ifante, das quais a ex-periência e trato familiar fazia grande aventagemà f"*" que dantes tinha delas. Tratado o negdcio

ro por cartai e recados dos embaixadores que em Cas-iela e neste reino assistiam, emfim se vêo a apertartanto, que pera se lhe dar conclusâo com solenidade

de escrituràs e dos mais autos que em semelhantesmatérias se costumam, ordenou o emperador man-

t5 dar a êste reino particulares procuradores e embai'

xadores.Por outra parte, vendo el-rei que sôbre o grande

gasto que dJvinda da rainha e sustentaçâo de sua

àasa the recrecera, tinha por d'avante outro maior,

20 q17e cumpria lazer no dote e ida da ifante, assentou

cha-ar èôrtes pera se ajudar de seus povos nesta

ocasiâo. E na èntrada de julho mandou fazet cha-mamento geral dos estados pera a vila de Tomar,pera o4de se vêo logo de Évora, onde fôra ter o

z5 verâo; e porque em Tomar começou a haver doen-

ças de mâ calidade e principios de peste, Passou-seà Tôrres Novas, e nesta vila se fizeram as côrtes.*

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coLrtcÇ,.To DE CLASSTCOS SA. DA COSTA

Juntavam-se os estados na igreja de S. pedroa tratar das cousas que se ofereceram pera beneficiodo reino e em serviço del-rei. No que tocava ao reinofizeram muitos apontamentos de cousas que cum-

5 priam trocar-se ou fazer-se de novo pera bom regi-mento e assossêgo da terra que propuseram a el--rei, das quais, porque nâo saiu a hz o efeito delassenâo treze anos adiante, no.de 38, despois doutrascôrtes que el-rei juntou em Évora no de 1535, nâo

ro faremos aqui mençâo, guardando-as pera o ano emque se publicaram e forirm impressas. No que tocavaa Sua Alteza ordenaram serwi-lo com cento e cin-coenta mil cruzados, pagos em dous anos.

No mesmo tempo que as côrtes corriam, entra-rS ram em Tôrres Novas monsior de Ia Chaux, Carlos

Popet, e Joâo de Estrinhiga, cavaleiro do hâbito deSantiago, pera rematarem por escrituras a prâticaque corria do casamento da ifante D. Isabel. Man-dou el-rei juntar com êles D. Ant6nio de Noronha,

zo irmào do marquês de Vila Real, que tinha o oficiode seu escrivâo da puridade, e Pero Correa, polaexperiência que jâ tinha de semelhantes matérias,ganhada em Castela nos contratos da rainha. Doque os quatro assentaram se vêo a. celebrar escri-

z5 tura em 17 de outubro dêste ano de 1525.Foram condiçôes principais de parte del-rei que,

tanto que o emperador alcançasse dispensaçâo doSumo Pontifice, logo mandaria a ifante a um doslugares da raia, qual o emperador nomeasse, até

3o riltimo de novembro primeiro seguinte; e que se

15, nl,ostor îo ms. Francisco de Andrada na Cr6-nica d,e D, Joâo III usa a forma ntonsiour.

2AO

daria em dote à ifantc novt:ccntils mil dobras d'ou-

ro castelhanas de 365 mar:Lve<lis :r <lobrir, nos tem-

pos e lugares e tno<los rltttl logt't 'liclrriLtll clcclaradns;na qual contia crttrat'ilrn.r 2.3$<Û(r tlobrits, <1uc tanto

j vahàm os oito cont<ls ttovt:t:ctttos oitcttta mil c tan-

tos réis quo a. ifantc ltcrdara da rlrittha sua mâi;

e se descorrtariam da soma maior dêste dote ccntoe sessenta e cinco mil duzentas e trinta e duas do-

bras, da mesma valia de 365 maravedis, que o em-

ro perador estava devendo a el-rei Pera-cumpdmentoâo dote da rainha; e assi mais 5r$369 dobras, do

mesmo preço e valia, que tantas se montavam em

cincoentà mil cruzados d'ouro, que o emperador de-

via a el-rei por outros tantos que el-rei D. Manuel

rj the emprestira no tempo das alteraçôes de Castela,que chamaram <comunidadesl.

Da parte do emperador prometeram os embaixa-dores de arras à ifante trezentas mil dobras, que era

o terço de tôda a contia do dote; e outras quarentazo m1l, a que despois juntaram mais dez mil, pera sus-

tentaçâô de sua casa, Pagas tôdas 5o$ooo em cada

um ano e assentadas em rendas de cidades e vilas,que logo se decLararam e hipotecaram' com outrasparticularidades e miudezas que pera esta hist6ria

25 escusamos referir. No dia seguinte foram os quatroprocuradores diante del-rei, que os esperou em casaâa rainha, acompanhado dela e da ifante; e, Iida a€scritura, jurou de cumprir tudo o que nela se con-tinha. E logo D. Fernando de Vasconcelos, bispo

ANAIS DE D. JOÂO I I I

16. A guerra das comunidades, que se tinham le-

vantado contra Carlos V, de r5zo a 1522, e que foi mar-

cada pelo 6dio ao estrangeiro e pela recusa, de novostributos. Foi por fim sufocada pela artelharia real.

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coLECÇ/rO Dtt CLASSICOS SA DA COSTA

que entâo era de Lamego e capelâo-mdr del-rei, to-mou juramento à ifante que cumpriria tudo o queà sua conta estava lazer pera bem daquele con-trato; e o mesmo juraram em nome do emperador

5 monsior de la Chaux e Joâo de Estûnhiga em mâosdo bispo. O que sendo assi concluido e dado tam-bém riltimo ponto no neg6cio das côrtes, pareceu ael-rei passar-se pera Almeirim, como lugar maisacomodado de paços reais e largueza, pera se fazer

lo a cerimônia que faltava do despos6rio.Chegaclo el-rei a Almeirim, logo em primeiro dia

de novembro, sendo jâ noite, saiu à sala, que esta-va armada de rica tapeçaria de ouro e sêda, comum fermoso docel de brocado de pêlo no topo: vi-

15 nham com êle a rainha e a ifante, e sendo presentemonsior de la Chaux, o bispo de LamegoD. Fernan-do de Vasconcelos, que junto estava a Suas Altezas.,disse em voz que de todos foi bem ouvida estas pala-vras:-Entre o muito alto e muito poderoso rei, nosso

zo senhor, e o muito alto e poderoso rei senhor D. Car-los, emperador dos româos, rei de Alemanha e Cas-tela, etc., é concertado e contratado que o dito se-nhor emperador haja de casar com a muito alta emuito esclarecida princesa, a senhora ifante D. Isa-

z5 bel; sôbre o qual concêrto foram feitos juramentos,que, dispensando o Santo Padre pera o casamento

, se poder efeituar, os ditos senhor emperador e se-' nhora ifante se receberiam por palavras de pre,

sente. E por ora ser vinda a dispensaçâo, quer el-reijo nosso senhor que Vossa Alteza (falando com a ifan-

te) cumpra por sua parte o dito juramento, por-que o dito senhor emperador pola sua o quer cum-

ANAIS DE D. JOAO I I I

prir por Carlo de Popet, seu embaixador e procura-dor neste caso; e Vossa Alteza dirâ estas palavras:- Eu a ifante D. Isalrcl, por v6s, Carlo Popet ev6s mediante, como cmbaixador e procurador pera

5 êste caso de D. Carlos, empcrldor dos româos, reide Alemanha e Castcla, etc., recebo ao dito D. Car-los, emperador, por meu marido bom e lidimo e medou por sua mulher, como manda a Santa MadreIgreja de Roma. - E pondo o bispo os olhos em

:o Carlo Popet, disse: - E vôs, magnifico embaixa-dor, direis estas palavras: - O muito alto e muitopoderoso senhor D. Carlos, emperador dos româos,rei de Alemanha e de Castela, etc., pol mi, CarloPopet, seu embaixador e procurador neste caso, e

15 eu mediante recebo a vôs, muito alta e muito escla-recida princesa ifante D. Isabel, por sua mulherboa e lidima e se dâ por vosso marido, como mandaa Santa Madre Igreja de Roma.

Acabado êste acto, a ifante, feita ûa grande in-eo clinaçâo ante el-rei até pôr os joelhos em terra, lhe

pediu a mâo e lha beijou, porfiando el-rei por lhanâo dar e ela pola tomar, e o mesmo fez com a rai-nha. Logo beijaram a mâo a el-rei e à rainhaosifan-tes por esta ordem: foi primeiro o ifante cardeal

e5 D. Afonso, segundo o ifante D. Luis e ap6s êle osifantes D. Fernando e D. Anrique, e o riltimoD. Duarte. Trâs os ifantes [izeram o mesmo osembaixadores Carlo Popet e Joâo de Estrînhiga; a

r, 3, ro, 13, 28, Carlo no ms.27, ?rds: depois de.28. Por vezes a Esttifriga falta o til, que resolvemos

à portuguesa em nh. Aliâs, a forma Estùnhiga tao'bémaParece.

203

2t, rom6os: romanos,

202

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f-

COLECçAO DE CLÂSSICOS SA DA COSTA

quem s€guiram todos os senhores e fidalgos que€ram presentes. E todos despois beijaram tamUema mâo à emperatriz.

Pareceu a el-rei festejar êste dia com sarau real5 e o seguinte com banquete, pera que foram convi-

dados os embaixadores. O saiau s"iomeçou sentan_do-se el-rei e a rainha debaixo do docel em almofa_das de brocado, com a emperatriz entre ambos.Dançou a rainha com a emperatriz, el-rei com

ro D. Ana de Tâvora e os ifantes D. Luis e D. Fer_nando com as damas da rainha; e foi a festa detanta majestade que nâo teve fim menos das duashoras despois de meia noite. O jantar foi com amesma e maior pompa. Sentou-se el-rei à mesa

15 e junto dêle o cardeal, logo os ifantes D. Luis eD. Fernando e apôs êles monsior de la Chaux e notopo Joâo de Estunhiga. O serviço foi que aos em_baixadores vinha tudo cortado da copi e o servi-dor da toalha thes punha os pratos e seus criados

eo lhes traziam de beber. E na mesa nâo houve maisoficiais que os del-rei e dos ifantes; e nâo houveâgua às mâos pera os embaixadores.

Parecia.que nâo faltava nada pera a emperatrizse poder ir pera Castela; e de parte det-rei estava

e5 prestes tudo o que convinha pera a jornada; massendo visto o breve da dispensaçâo por pessoas

, curiais e doutas, assentaram que convinha passar_-se em mais ampla forma, vistos os muitos vinculosde parentesco que entre os contraentes havia. E assi

jo toi forçado haver dilaçâo €mquanto se explica outrobreve, que vêo na entrada do ano seguinie. E neste

ANAIS DI ' D. TOÂO I I I

meo faleceu a rainha D. Lianor, tia clel-rei e mulherdel-rei D. Joâo Segunclo, crrju rnortc fcz todaviaamainar muito no quo sc tpcrcebia dc festas epompa de atavios.

CAPÏTULO IV

De algûas cousas que el-rei mais fez êsteano; e como recebeu a rosa, que o sumo Pon-

tif ice lhe mandou

5 Dêste ano é fla notâvel acçâo del-rei, que o condeda Castanheira contava com gôsto despois de sua

_ morte. Vendo o emperador que tinha em Portugalsua irmâ por rainha e muito amada del-rei, e que'esperava cêdo ter consigo a ifante D. Isabel por

ro mulher, pareceu-lhe conjunçâo de haver a suasmâos alguns homens de conta, que por culpas dascomunidades andavam retirados neste reino. Man-dou pedi-los. Pôs Sua Alteza o negôcio no Conselho.Eram os que assistiram nêle o duque de Bargança

15 D. Gemes, o marquês de Vila ReaI D. Estêvâo, eD. Martinho, conde de Vila Nova e camareiro-m6r,e outros, velhos e honrados; el-rei de z3 anos. As-sentaram todos que os devia entregar e êle disseque nunca Deus quisesse que tamanho mal fizesse

zo a seus vassalos, porque isto era tirar-lhes todo orefiigio, pera quando algum êrro fizessem. Cairamos velhos na conta; lançaram-se aos pés del-rei em

17, foi gae.. consistiu em que.

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rr-:rz, Por culpas das comunidades: por culpas naGuerra das comunidades.

22, na conta: na verdade, na verdadeira razâo.

205

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If rCOLLCçÂ) DE CLASSICOS SA DA COSTA

graças do voto e da tençâo dêle, confessando queos alumiava.

Estando el-rei em Évora, em 6 d'abril dêste ano,confirmou o oficio de capitâo-môr dêstes reinos a

5 D. Antâo d'Abranches, do seu Conselho, assi comoo fôra seu pai o conde d'Abranches, com privilégiopassado aos dezoito do mesmo mês, que pudessechamar a tôda hora todos os homens que quisesse,assi de pé como de cavalo, pera serviço de Sua

ro Alteza, e aos que nâo acudissem pudesse tomar eapropriar pcra si scus bcns e fazenda.

Em zt d'abril, cm Évora, fez chançarcl-môr dajustiça, oficio vago por morte de Pero Rui da Grâ,ao doutor Joâo de Faria, do seu Conselho e desem-

15 bargador que jâ era do paço. E dâ el-rei por razâodesta mercê suas letras e lealdade e o serviço quelhe fez em Castela no trato de seu casamento coma rainha D. Caterina.

Em a de maio confirmou o titulo de conde deeo Abrantes a D. Lopo d'Almeida e a vila de Abrantes

com seu castelo e alcaidaria-môr.Em 8 d'agosto, em Tomar, comprou a Martim

Afonso de Sousa a vila de Prado e a tornou a unirà Corôa, por quatro mil cruzados, eue Sua Alteza

z5 lbe tinha emprestado pera compra de certa fazenda.Em rz de setembro, na vila de Tomar, confirmou

, ao marquês de Vila Real, D. Pedro de Meneses,as vilas de Freixieiro e Abreiro e o castelo da vilade Viana, foz do Lima.

30 Em 14 de setembro, doaçâo das saboarias dePortalegre a D. Joana de Tâvora, mulher que foide Martim Yaz de Gouvea, pai de Pero de Gouvea.

Em 9 de novembro, capitania de Safim dada aGarcia de Melo, do seu Conselho, capitâo e anadel-

zo6

ANAIS DD D. TO.î"O I I I

-môr dos bèstciros rlc tnoutc; t: tlli por razâo a bon-dade de sua p(jssou. t: ttruitos scl-vit,:os <lc Âfrica e dasarmadas.

Em z6 clt: Sctcrrrlrro, <:iLpitiruia da fortalcza de

5 Calicut a l irLrrr; isco rlc Sousa tlc 'I:rvarcs, com4oo$ooo réis tl'orclclird<,r; c <luc erttraria na vagantede D. foâo de Lima.

Em 6 de dezembro, licença a D. Ant6nio de No-ronha, seu escrivâo da puridade, pera comprar o

ro castelo de Linhares a Francisco de Almeida, pornoventa e sete mil réis de tença, que o dito D. Ant6-nio nêle trespassa.

No mês de dezembro entrou por Almeirim umprelado, camareiro do Sumo Pontifice Clemente Sé-

15 timo, com um presente que os papas costumam in-viar aos reis beneméritos da Santa lgreja, que é ûarosa sagrada; e trazia com ela ùa indulgência e jubi-leu pera el-rei e pera mais cem pessoas que Sua Al-teza nomeasse. Foi recebida com a cerem6nia se-

eo guinte: Sairam todos os capelâes del-rei à porta dacapela com cruz alçada e cantando devotamente ohino rrTe-Deumr, etc., receberam o prelado que tra-zia a rosa e o levaram até o altar, onde a pôs. Deceudespois el-rei à missa, e sendo acabada, tomou a rosa

25 da rnà.o do messageiro e ouviu a oraçâo que, dan-do-a, rezou.

Chamava-se êste prelado Antônio Ribeiro, queno nome mostrava mais ser espanhol gue romano'e tudo podia ser, mas de certo nâo nos consta. El-rei

3o lhe fez mercê de trezentos cruzados: nâo achamosclareza nas memdrias donde esta tiramos, se foramde renda ou pensâo, se dados por ùa vez de con-tado. Em cousas tâo antigas nâo pode haver maiscertez.a que propormo-las assi como as achamos.

207

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ïângereAnt6nio

da Si lveira

Da guerra de Tângere nâo houve escritores, comoda de Arzila; mas achâmos ûa carta na secretariada Tôrre do Tombo, escrita a el-rei polo capitâoD. Duarte dc Mencscs, que por maior nos declara

5 o sucodido nos três anos que jâ tinha comprido emseu cargo; e despois de dizer que tinha servido ostrês anos, acrecenta, palavras formais: <ros quaistrês anos sâo mais de sete polos trabalhos e perigosque neste tempo passei, em que el-rei de Fez me

ro apressou mais que a nenhum capitâo que câ esti-vesse êste tempo. Êle me correu por sua pessoa oitoou dez vezes e pôs minha pessoa em mui grande pe-rigo, ferindo-me o cavalo com muitas azagaiadas,que parecia um touro caffegado de garrochas, e assi

.r5 as arrnas derribadas das mesmas lanças. Esteve sô-bre mi oito dias, afora me correrem os alcaidesoutras tantas vezes, em que passei muita afronta eopressâo. Pois, senhor, quem em três anos tantaafronta e perigo passou, jâ agora setâ rezâo de fol-

20 gar o derradeiro quartel de sua vida, que sou velho, e cansado das armasr. É feita a carta em zz de

abril dêste ano.Atrâs deixamos apontado ,como requerendo o

conde de Redondo a Sua Alteza pera vir tratar de

4, por maàor: por alto, resumidamente.ro, aplessou: âtacou, afligiu.

20E

ANArS DE D. JO.r .O I I I

seus requerimentos; quc lhc atalhara o desbaratede D. Manuel dc Mcncscs, scu sobrinho, e a neces-sidade que entâo havia dc s(ra pcssoa cm Arzila,pera onde partira tlcixando todos cm apôrto, proveu

5 el-rei da capitanilr., cm lugar do conde, a Antdnioda Si lvcira, f i lho. . . . . . . e pr imocom-irmâo da condessa. Mandou-lhe Sua Alteza dartrês navios no Algarve pera sua passagem e foi en-trar em Arzila por dezembro e na ûltima semana do

to Advento, levando consigo sua mulher D. Genebrade Brito e alguns fidalgos pera fronteiros, que fo-ram D. Fernando de Noronha, avô por mâi dequem isto escrevia, e D. Jorze de Noronha, irmâode D. Fernando, e D. Joâo de Sande, Fernâo d'Al-

.r5 vares Cabral e seu irmâo Ant6nio Cabral, com osquais havia jâ na vila mais de cem lanças.

Quis o conde entregar-lhe o govêrno; mas êleusando de cortesia afirmou que tal nâo aceitariaemquanto êle se nâo embarcasse, e que estimaria

zo tardasse muito na embarcaçâo, porque tanto maisse aproveitaria de sua doutrina naquele estudo dasannas. Aconteceu logo vir Amelix, o atrevido, comos seus companheiros do Farrobo, desejoso de lazeralgum salto e saber que gente viera nos navios, de

25 qtTe havia nova em Alcâcere. E sucedeu-lhes, de

6. Sousa deixou para mais tarde a averiguaçâo dapaternidade de Antônio da Silveira. Completamos o seutexto informando que era filho de Jorge da Silveira, vè-dor da fazenda do duque de Viseu D. Diogo, e de D. Mar-garida Furtado.

L2-r3. Manuel de Sousa Coutinho era filho de D. Mariade Noronha, dama da rainha D. Catarina. Curioso aqueleemprêgo modesto do imperfeito: aescreviar, em vez de((escreveD.

C)LIiCÇ,ifo DIt CLASSICOS SA. DA

CAPITULO V

Cuerra de Africa. Capitâes: emD. Duarte de Meneses: em Arzila

COSTA

I

I

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r4209

l-'l

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coLECç,4O DD CL,4.SSICOS SA. DA COSîA

dous atalaias que eram fora, cativar um que cha-mavam Diogo Neto; do que sintido o conde, man-dou no dia seguinte Artur Rodrigues que fôsse cor-rer ao Farrobo, pera que soubesse Amelix que tanto

5 o havia de perseguir até que um dia lhe pagassepor junto quantos desgostos lhe tinha dado muitosanos havia. Trouxe Artur Rodrigues pem sanear aperda do atalaia dous mouros e duas mouras e vintevacas; e um dos mouros era dos valentes do Far-

ro robo e companheiro de Amelix.Soube cl-rei em Fez do novo capitâo; e quis logo

provar a mâo com êle, lembrado da vitôria quetevera" do Meneses, € que, quando menos, lhe fica-riam na mâo alguns almogâvares, que jâ polo cos-

15 tume tinha certos, como atrâs contâmos, e sobretudonos faria o mal de nos comei as eryas e pera sio bem de fartar seus cavalos e poupar a cevada.Era o tempo que o campo mais fermoso estava deerva, muito verde e crecida, por ser em fim de

zo.março. Deceu com seu acostumado segrêdo, masdesta vez foi sintido; porque deram nova dêle unsmouros que, andando descuidadamente no Côrregoe Almenara crestando abelheiras, foram tomadospor uns monteiros nossos.

25 E o conde, tanto que se certificou davindadel-rei,mandou disparar três peças grossas, sinal pera que

' todo homem se recolhesse. E logo no dia seguinteteve mais certeza por um mouro, que vêo ganharos vinte cruzados que o conde dava a todos os que

jo traziam aviso de ser entrada no campo gente grossa.Êste afirmou que el-rei estava com seu arraial no

7, sanear: remediar.23, abelheiras: colmeias.

2ro

ANAIS DI ' D. TOÂO I I I

lxrsto dc 'falitxrnlt,; (! uir rn(:stna noitc despachou ot : tutr lc t rnt l l i rn:o i l l ) . l ) r r i r l t r : corn et nova a Tân-,{or ' ( : ; l )ct ' i r otrr l r , t ' l " r r , i r : t r r r r i r r l rorr , t .anto <1uc enten-t l t r t t , t l t ts ctrr t l r , l rs r1rrr , v ia, r :nt Ârz, i la scr dcscoberta

j ur t i r v i t t r l i r ; t t r i ts nt ' l r i r r r r lo os nrcsrnos sinais crn ' l 'ân-gr,tr., ruio l lr lr lorr t,rrr sc lorntrr sôbre Arzila.

lI caso cligno dc ficar em lembrança o que em umdia dêstcs sucedeu a D- Jorze de Noronha com ovalente Amelix. Estava D. Jorze doente de sezôes:

ro nâo consintiu o conde que cavalgasse, por muitoque o desejou, por se lhe nâo agravar o mal. Saiuo conde deixando-o na cama, e ficando acompa-nhado do médico; mas êle disse ao médico que sehouvesse repique nâo haveria febre nem frio que the

15 tolhesse acudir ao campo. O que sendo ouvido polomédico, lhe aconselhou que, pois assi o determi-nava, seria melhor irem-se ambos passeando devagar até o facho, que nâo despois que repicassem,coffendo. Pareceu bem a D. Jorze a razâo; mandou-

eo -lhe dar rim dos seus cavaloi e foram-se ambos de-vagar, caminho do facho.

Nâo chegavam bem às tranqueiras quando o fa-cheiro, gritando quanto podia, deixou cair o facho,e vindo-se pera a vila, disse a D. Jorze que aç ata-

zj laias do Côrvo vinham com pressa demandar ovale; porque sete ou oito mouros os vinham ata-lhando. Apertou D. Jorze as pernas ao cavalo efoi-se correndo pera onde o facheiro dizia, se nâo'quando, chegado à tranqueira de baixo, viu um

jo mouro abraçado com o atalaia, que ao parecertrabalhava como em luta polo cativar e tomar vivo,

18, facho: sinal de luz que se acendia para dar re-bate do inimigo.

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COI.ECÇtr} DE CLASSICOS SA DA COSTA

c ôle forcejava por se defender com quanto estavacercado de outros sete ou oito mouros.

Saiu D. Jorze fora da tranqueira e bradou-lhedizendo: -Larga! Larga! E pondo a lança em nm

5 dos mouros que o vêo receber deu com êle em terrae foi-se aos que estavam abraçados; e por nâo ofen-der ao cristâo largou a lança e levando da espadadeu ùa boa ferida pola cabeça ao mouro, que foicausa que, sintindo-se ferido, largou o que quisera

ro cativar; c com um golpe de trcçado lhe cortou meamâo c juntamente lhc fcz ûa grande ferida na ca-beça. Porém assi ferido teve lugar de se salvar erecolher à tranqueira, ficando D. Jorze e o doutore outros dous cavaleiros que lhe acudiram pelejando

15 c'os mouros até que o conde os vêo recolher, sintidode ver D. Jorze, que deixara ardendo em febre,mesturado c'os mouros. E como inda nâo sabia aboa sorte que tinha feito, the disse com aspereza:

- Pera fazerdes desmancho ficastes na vila. E pas-20 sando por êle disse pera Ant6nio da Silveira: -

Alcanceai-me, senhor, todo homem que virdes sairtrâs mi, que vou por êste doudo. Dizia-o porD. Joâo de Sande que, envejoso de D. Jorze, se iametendo nos mouros desalembradamente no milhor

z5 avalo que havia em Africa. E o conde ia tâo rai-voso que nenhum homem achou diante de si quenâo fizesse debruçar sôbre o pescoço do cavalo àscontoadas.

Recolhido D. Joâo e os mais, entrou o conde da

3o tranqueira p€ra dentro, onde Ant6nio da Silveiraestava jâ metido com tôda a gente. E foi sisudo

leuando ila espada: erguendo a espada.ilesmancho: desordem, acto de indisciplina.contoadas: pancadas com o cabo da lança.

2r2

ANAIS DE D, JOAO I I I

conselho, porquc ()s rrollros, como muitos, chega-ram furiosamcntr: irlé os vokrs c dcspediram muitaslanças d'arrem0sso. Mirs (:()rno o valo cstava coroadode espingnrrkriros, lcv:rrlrn irt lrolr surriada dc setast: pclorrros. Vt.rrt lo-sr' o <:olrrlc' r lcntro de suas tran-<;rrr: i lrrs sr:rrr rl i irro, {cz tanrbém recolher os arcabu-zciros r: lx\sttriros, c, arrimando-se às portas da vilacom tôda a gcnte, porque os mouros vinham carre-gando em grande nûmero ao laranjal e da banda dapontinha e à fonte de Alvaro Gabriel, deu lugar aque do muro fôssem visitados de muitos pelourosda artilharia, de que forçadamente haviam de rece-ber dano; e emfim se meteu na vila, dizendo a An-t6nio da Silveira que sempre que el-rei viesse lhehavia de fazer cortesia-

Despois de descansados, soube o conde o casode D. Jorze e lhe louvou muito a boa ventura desalvar um tâo bom homem como era Cristôvâo Ro-drigues, o Chamiço, que assi se chamava o atalaia,

zo e d,e mâos de tâo valente mouro como era Amelix,que êste era o que tinha em braços. E foi o casoque o Chamiço lhe tinha escapado outra vez, e destacolhendo-o em parte onde o poderia matar, nâoquis senâo tomâ-lo vivo. E vindo trâs êle dizia-lhe:

e5 - Velho, agora me pagarâs a ousadia com queoutra vez me encontraste e escapaste.

Velho era o Chamiço, mas tâo duro e robusto,que vendo-se atalhado de oito mouros, dos melho-res do Farrobo, e que seu companheiro Francisco

3o da Mota, deixado o cavalo, se embrenhara na Ca-naveirinha da fonte de Lengano, onde escapou,

3l;, Lengano. Grafia duvidosa;Longano,

também poderâ ser

21?

TO

I1

19,28,

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COLECÇTo DI:. CLASSICOS SA DA COSTA

ôle pondo a lança debaixo do braço determinouromper por êies; mas Amelix, como desejava to-mâ-lo vivo, abateulhe a lança e abraçou-se comêle e neste estado os achou D. Jorue, que ficou bem

5 envejado polo sucesso de todos os mais {ronteiros;que na verdade êste era o caso, porque os lidos nashistdrias antigas se lembravam que os capitâessoiam coroar aqueles que tal taziam de fla corôade...... que chamavam civica, mais estimada que

lo as d'ouro, polo muito que mais valia salvar umcompanheiro e cidadâo na guerra que fazer qual-quer outra grande façanha.

CAPÏTULO VI

Como se vieram fazer cristâos dous mouros, umsurdo e mudo, outro sâbio e valente cavaleiro.E como foi morto Amel ix em Arzi la; e cat ivo

em Tângere o mouro Abenaix

Embarcado o conde, ficou a terra em apêrto,porque se diminuiu a gente de cavalo, assi pola

15 que êle trouxe sua, como por alguns moradores queo foram acompanhando pera terem favor em seusrequerimentos. Ajuntou-se ficar escandalizado doconde o alcaide de Alcâcere, por represa que lhe

9. Como havia vârias coroas, destinadas a premiaros autores de grandes feitos, Sousa hesitou e deixou paradepois o apurar de que coroa se tratava. A <coroa civical,dada ao que salvava a vida dum cidadâo em combate,era constituida de uma grinalda de fôlhas de carvalho,com fruto.

2r4

ANArS DE D. IOÂO I I I

lez em ûa câfila até se pagar (?) de certas dividas;o que foi causa dc ccrrar dc todo os portos e nâodeixar vir outra. E assi sc padecia muito na vila,porque com as câfilas corria o comércio e trato e

5 resgates e todos sc aproveitavam, c com elas se sa-: biam novas dos disenhos do inimigo ou pera sair

confiadamente ao campo, ou pera se Suardarem.E foi pior, porque nesta cegueira de cousa' man-dando o capitâo gente fora, nâo puderam tomar lin-

10 gua. Mas acudiu Deus com um caso assaz extraor-dinârio e todo nacido de sua divina providência,por que lhe devemos dar infinitas graças.

Havia em Alcâcere um mouro, oficial de armeria,que tinha por cativo outro, que de nacimento era

15 surdo e mudo. Êste cativo amanheceu um dia nasportas da vila e trazido diante do capitâo, confun-dia a todos com a prisâo dos dous sentidos, que eraial que nenhûa cousa falava nern dava sinal de ou-vir; s6 por acenos e geitos se deixava entender que

eo queria que o levassem à igreja e lhe dessem o santobautisms. Entendeu-selhe mais que nâo haviagente de guerra no campo, nem mais que homense mulheres que andavam segando. Com tal novaassi escura e cega, deu o capitâo licença a dous al-

z5 mocadéns que saissem com dezoito de cavalo àparte de Benagofrate. Entretanto mandou bautizaro novo h6spede, e porque dos cativos se soube quealimpava e estofava bem um capacete e de pre-

r, pagar. A. grafia do manuscrito nâo estâ clara,parecendo passar.

6, disenhos: designios, planos.24-25, almocadéns: capitâes.

2r5

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coLECÇ,4O DE CLASSTCOS S.{. DA COSTA

sente estava vaga a praça de armeiro, foi providonela e a serviu muitos anos.

Tomaram os almocadéns com seis cativos, trêsmouros, duas mouras e um minino. Festejou-se en-

5 tâo a presa por ser a primeira despois de ido oconde; mas logo se estimou mais por um grandebem que dela resultou. E foi assi que, havendodous meses que Ant6nio da Silveira fazia o oficiode capitâo, um dia que as atalaias sairam contra

ro onde chamam a Atalaia Ruiva, û.a delas, que muitose adiantou, topou com um mouro bem armado ea cavalo e de tal presença e geito, que, voltandoe dando rebate, nâo parou correndo até a Atalainha,onde jâ estavam três de cavalo. O mouro sossegada-

15 mente se foi pera êles e lhes perguntou quem era ocapitâo e como se chamava, dizendo êles o nome.- Ide - tornou o mouro - ao senhor capitâo edizei-lhe que o mouro de seu primo Eitor da Sil-veira o vem buscar, ,e eu fico que êle vos dê boas

zo alvissaras, e nâo deixeis de lhas pedir.Foi o capitâo, ouvido o recado, a recebê-lo até a

carreira do Almirante, imaginando que fôsse algumalfaqueque que trazia novas de portos abertos, quemuito desejava. O mouro se apeou e chegou a êle

z5 dizendo que havia dias que trazia na vontade ser-vi-lo e que saira aquele dia por almocadém comcatorze de cavalo, que desejava entregar-lhe porpenhor do ânimo que tinha de morrer na fé deCristo, e os trouxera até o Zambujeiro, donde to-

3o mando dêle algûa suspeita fizeram volta; mas queo tempo daria outras ocasiôes em que o mostrassecom ventagem. Fez-lhe o capitâo muita festa, assi

23, alfaqueque: emissârio, mensageiro.

zt6

ANAIS I)L D. IOÂO I I I

pola boa tençiro conr (l l lc vilr lr:t, como porque oconheceu clo tctnlxr t lo r ' : t l ivrr i t 'o; c l i t l rç l t t t tJoJhe osbraços ao l )cs(:o( ' ( ) , t t t ; t t t t l t t t t l l t t , r l t t t : lor l t l tsst l i r caval-gar c so fÔssc l r l t ' r t i t r ' ; tp i lo: t , ( l t t ( : s( ' r r t l .o l t r t ' t i lva. c le

5 l l r t : lazcr l to l tnr r ' 1 i ; ts i r l l r ; t r lo. At l t r i r l t ' r l i r t t l t l ( t ( ) l t lost t i r t t t t t l l t t ' t ' r ' l i l l ro t 's l l tv : t t t t t ' l t t ivos t r t t t r t l rot l t : r t lcI , ' t : r ' r r iLo ()r l r l r i l r r , ( l l r ( ) , s( : . l l tos dcsscm, também osfaria t:r ' istiros.

Vêo o capitâo da guarda jâ de noite; e sabendoro o que passava, lhe prometeu dar-lhos, e logo o pôs

à sua rnesa e mandou agasalhar de suas portas adentro; e assi foi dêle sempre tratado até o bautizarcom a mulher e filho e lhe dar ûas boas casas navila. No bautismo se chamaram, êle Diogo da Sil-

r 5 veira, ela Genebra de Brito e o filho Ant6nio deBrito. Pagou Ant6nio da Silveira pola mâi e filho aFernâo Caldeira cento e cincoenta cruzados, queSua Alteza mandou despois se dessem de sua fa-zenda.

20 Êste homem, sendo mouro, foi cativo no ano de17 e comprado por Eitor da Silveira, filho do cou-del-m6r, que entâo estava em Arzila por fronteiro.Mas êle era tâo rico que logo foi resgatado por dozequintais de cera, porque nâo possuia menos que

25 duas mil colmeas na serra de Benagofrate, e quantoao sangue era dos melhores do lugar de Zahara,e tâo cavaleiro que os alcaides fiavam muito dêle.Era de gentil disposiçâo, grande de corpo, muitoalvo e poucas carnes, regrado em comer e beber e

30 tâo bem entendido e de boa prâtica, que se faziaamar e estimar por ela. Fazemos tâo meirda relaçâodêste homem, assi pera louvarmos a ProvidênciaDivina, que quâsi num mesmo tempo deu luz a umsurdo e mudo pera vir buscar a salvaçâo e junta-

q.

l|

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coLricÇ.T.o DE cL.4.ssrcos sa DA cosTA

mente tirou das trevas e cativeiro de Babilônia ogrande entendimento de Diogo da Silveira, comotambém polos grandes bens que por meo dêste ho-mem vieram a Atzila, que iremos contando, tanto

5 que dissermos como acabou Amelix, que nâo foimenos ventura pera Arzila e Tângere que a vindade Diogo da Silveira.

Era fim do mês de setembro e dia de S. Miguel,quando Amelix com dezoito ou vinte de cavalo se

ro descobriu ûa manhâ correndo contra onde chamamos Codeços trâs as nossas atalaias. Ia Artur Rodri-gues dando-lhe costas com dez ou doze de cavalo;recolheu-as, conheceu que era Amelix e nâo s6 esti-veram à vista, mas também tiveram prâtica. Dizen-

15 do-lhe Amelix afrontas e êle desejando vingar-se,emfim o trouxe até junto donde jâ vinha o capitâo;e ali, juntando-se com êle D. Jorze de Noronha eD. Joâo de Sande e outros cavaleiros da companhiado capitâo, voltou sôbre Amelix, que vendo gente

zo de capacetes e bem armados, se foi retirando apres-sadamente pera o porto de Alicacapo, com prop6sito

' de tornar sôbre êles, se o seguissem e se alongassemdo capitâo; mas nesta volta que fez, adiantando-secom dous primos seus e pondo todos três as lanças

25 nos nossos, achou tanta fôrça em dez ou doze dacompanhia de Artur Rodrigues, em que entravamos fronteiros nomeados e Jorze Manuel, que pouco

' havia saira de cativo, que sem se poder valer de suadestreza e valentia, ficaram passados de muitas lan-

3o çadas êle e os dous primos; e os companheiros ven-do que assomava o guiâo do capitâo, se puseramem fugida; mas nela foram mortos muitos e umtomado vivo: os mais, deixando os cavalos, se sa"l-varam embrenhados.

zt8

ANArS Dri D. IOAO Ir I

Assi foi êste dia ntrrito ak:grc pera o capitâo, por-<1uc lhe trouxeram st:trr citlrc(:irs rlc valentcs mourosc entre clas a clc Amclix c rrrn cntivo c trcze cava-los, cm <pc hnvirr lirrrnosos ginctcs. D o clc Amelix

5 tnntt<lorr o r:ir; l i l i io :r cl-rr. i, m:ris pola. {ama de seurlotur, r;ttt, ;xrr lt:t 'rrrosrrlt: cra castanho, compridoc rlc ; lorrcn triplr; tnais dc guerra que de côrte. Arnortc <lc Amelix se teve por grande vit6ria, por-que ern tôda a terra de Africa nâo havia mouro mais

ro valente nem mais manhoso na guerra. Afirma-seque por sua mâo e indûstria tinha mortos e cativosmais de cem homens de cavalo em Tângere e Arzila;e porque a virtude até nos inimigos é fermosa e deestimar, sabe-se dêste mouro que nunca trouxe mais

15 iu:mas que sua lança e adarga e seu treçado. Erahomem pequeno e de poucas carnes; e assi desar-mado era sempre o dianteiro €m nos acometer e nosfazia mais dura guerra êle so que tôda a vizinhançade Alcâcere e Xixuâo. Com isto, nâo havia ânimo

eo mais afidalgado: todo o cativo que levava, p'nhaconsigo à mesa, consolava-o, e primeiro que o le-vasse a Mdey Abrahem, como era obrigado, lhefazia tratamento de irmâo, nâo de prisioneiro.

Neste mesmo dia se perdeu em Tângere outroe5 grande e afamado almocadém, também natural de

Farrobo, que muita e continua opressâo lhe dava:chamava-se Ali-ben-aix. Foi colhido polos nossosem parte que lhe mataram a môr parte de sua qua-drilha, que era tudo gente de prêço, e êle ficoucativo

30 com outros quatro ou cinco.

rr, tinha mortos e catiaos: tinha matado e cati-vado.

2rg

' t ' t. t

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Page 122: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

coLLCç)ÂO DE CL.4.SilCOS SA DA COSTA

CAPITULO VII

De ûa entrada que fez Diogo da Silveira, deque se houve grande Presa

Tirado tamanho inimigo como era Amelix, ficouArzila tâo desafogada, pera que se veja quanto valum s6 homem e quâo pouco valem muitos homens,que um mês inteiro estiveram como em Pâscoa e go-

5 zando de toclos os interesses do campo como senho-rcs clêlc, cnchcndo a vila de carnes de montaria,mel, ccra c lcnha. Mas, chegado o fim de outubro,pediu licença Diogo da Silveira pera ùa saida, deque se lhe representava haveria proveito.

ro Sairam vinte homens em dia sinalado de Todos osSantos; e entre êles Ant6nio Freire, pessoa de muitorecado, a quem o capitâo encomendou que nâohouvesse ninguém que saisse da ordem de Diogoda Silveira. Foi a saida pola porta da ribeira e o

15 caminho contra Benagofrate, e foram-se lançar dabanda de Zahara junto do lugar e ali estiveram es-

. perando que rompesse a alva; mas era a manhâ tâoesquiva de âgua grossa do céu e escuridâo da terra,que, enfadados os mais da companhia, obrigaram a

eo Diogo da Silveira a que fôssem, antes de tempoe conka sua vontade, emboscar-se no lugar que êletinha nomeado, que seria a propdsito pera o feitoque pretendia.

Era alto dia: nâo saia gado nem homem; se nâoe5 quando, começando a estiar um pouco a fôrça da

ANAIS Dl i D. IOÂO I I I

chuva, viram sair um lato rkr vncus, ctn que have-ria perto de corenta, quc logo rtx:olltcra.m; c Diogoda Silveira ordenou (luo conl ckts sc saisscm forada scrnt, porqu() nllnl nloln()lrlo loi totnitclo <l rcbate

j por tôdas ts a.klcas t: jrrtrtos corttra os nossos rnaisdc ccur horrrcns rk: 1>é, (luc acompanhados de sctede cavalo, sc metiam desatinadamente com os nos-sos e, conhecendo a Diogo da Silveira, lhe diziammil injririas e rogavam pragas, que Diogo da Sil-

lo veira lhes pagava com bom conselho, dizendo-lhesque eram doudos em seguirem a pé gente de bonscavalos e bem armados; e êles respondiam que que-riam morrer todos, s6 por se verem vingados de umtâo mau homem, inimigo de sua lei e de seu sangue.

15 Mas Diogo da Silveira, nâo curando de mais razôes,mandou que quatro de cavalo se fôssem tangendoo gado e êle despachou um cavaleiro ao capitâo avi-sando-o como tinha fermosa presa na mâo, porqueos mouros vinham cegos e jâ no campo, passando

zo .è'lef.e e Seinete e chegando ao Alborge.Tomou o aviso ao capitâo jâ em Almenara, duas

léguas da vila, donde com um trote cerrado se vêocom tôda a gente juntar com Diogo da Silveira noAlborge. Aqui foi de ver a teima dos sete de cavalo,

zj que estando jâ à vista do capitâo e podendo-se sal-var, pelejaram tâo denodadamente, que morreramtodos sem fazer pé. atrâs. Os de pé, vendo-se perdi-dos com a vinda do capitâo, tomaram por partidorecolherem-se a uns pardieiros e canaveal da aldeia

r, fato: rr,an.ada.2a, Tomou o aui.so ao capitâo: o aviso encontrou

o capitâo.

221

'|

I

, II-fII'fro, sinelad,o no ms. Contudo nâo esùi bem claro.

t2. recado: circunspecçâo, prudência.

Page 123: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

cot.ti()()lo DIt cLassIcos sa DA cosTA

do Alborge; mas pouco thes aproveitou; porqueD. Jotze de Noronha, D. Joâo de Sande e os maisfronteiros, fazendo inveja a tôda a companhia, semeteram entre êles recebendo muitas lançadas em

5 suas pessoas e seus cavalos; e seguindo o exemploos moradores, nâo ficou nem um de todos os centoque nâo fôsse morto ou cativo.

O capitâo, despojados os mortos e arrecadados oscativos, reccbeu a Diogo da Silveira com grande

ro amor, vr:nclo-o ccrcaclo de muitos parentes e amigos,ern sinirl do ârrimo Iicl c cristâo, uns prcsos e outrosalanceados. Ii tratando de se rccolher, achou que osvivos eram corenta e sete e os mortos sessenta, alémde sete cavalos e das vacas que jâ iam diante. Foi

rj fermoso dia e com que a terra teve muito proveitoe alegria, mas a honra tôda Diogo da Silveira; eassi tratou o capitâo de ihe Ïazer fr,a grande aventa-gem entre todos os cavaleiros. E foi que, sabendopor relaçâo de Ant6nio Freire que entre os cativos

eo estavam dous primos seus, que eram o Almessure,que em tempo do alcaide Larôs fôra adail de Alcâ-cere, e outro seu irmâo mais velho, de quem êleDiogo da Silveira tinha recebido boas obras em tem-pos atrâs e desejava agora mostrar-se agradecido

25 corn lhe dar liberdade, chamou por êle diante detôda a companhia e disse-lhe: - Tudo isto, Diogoda Silveira, é vosso: se a todos quereis soltar, todos

' seremos contentes; e quando algum nâo fôr, eu deminha fazenda lhe pagarei suas partes.

.;o Ficou o homem tâo alegre com esta honra eoferta, que humilhando-se até lhe beijar a estribeira,disse que nâo queria mais que aquele que tinha aliconsigo, que indo pago de obrigaçôes que the tinhaantigas, serviria também de ir negociar o resgate

ANAIS DE D. TOAO I I I

rlos mais. Queria o cirpit i io <1trc l 'ôssc primeiro àvila e tornassc [)(rrir ()s s('us rrrrrito gcnti l-homem evcst ido c lc gl i i ; t r ras rr i io l t r l torr r ; r r r r rn a.dvir t iu quellrc f ir.r ia trisso rrr:1 olrr ';1, r;ur: ;t.rrlcs l lrr: cstaria rnelhor

5 ir nl srur. lr lgt.r 'trvi lr t:olrcrto {s sangue e lôdo, queniro r:onr l;r. is l;rvorcs <1uc o fizessem suspeito e odio-so aos scrrs. O que parecendo acertado, tirou o ca-pitâo o barrete vermelho que trazia na cabeça e lhodeu, o que também fizeram alguns moradores e o

ro mesmo Diogo da Silveira, com que o cativo se foimais rico d.e barretes que de companheiros, masalegre pola liberdade que tâo temporâ alcançara.Chegados todos à vila e recebidos com a festa egôsto que é de crer, o capitâo, despois de vendida

.rj a presa, mandou que a Diogo da Silveira, além daparte que lhe tocava, como a todos os mais, sedesse um dos mouros de maior conta e o melhorcavalo da presa; e assi se fez.

CAPTTULO VII I

Guerra da fndia. Parte o governador D. An-r ique de Meneses pera Cochim; desbarata decaminho muitos paraus de mouros; destruePanane; queima os navios do pôrto de Cal icut

Mas chama por nds a Asia com maiores vit6riaszo de mouros que as que nos fez escrever Africa. Nâo

lhes foi o ano de 525 favorâvel nestas duas partesdo mundo. Chegado Francisco de Sâ a Goa e dadaa nova e papéis que levava a D. Anrique de Mene-

S, algeraaia: trinica usada pelos mouros.

22?

I

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COI.LCÇÂO DE CLA.SSICOS SA DA COSTA

ses, pagou-lhe êle a diligência com o fazer capitâodaquela cidade em seu lugar; e embarcado nos na-vios em que êle vêo, fez-se à vela pera Cochim aosdezessete de janeiro, deixando-lhe ordem que com

5 tôda a brevidade aûnasse os mais navios que pu-desse e deles desse o cargo a Cristôvâo de Brito,alcaide-m6r de Goa e filho de Rui Mendes de Brito,pera andar em guarda da costa até Dabul contra osmuitos de mouros que por ela ferviam.

ro Partido D. Anrique de Goa e sendo tanto avantecomo Baticalâ, deram ùa manhâ com êle trinta eseis paraus. Levava êle, além dos navios com queFrancisco de Sâ o fôra buscar, os que Jerdnimo deSousa tinha consigo sôbre Braçalor, com os quais

.r5 deixando aquele rio se foi recebê-los ao caminho.Pelejaram os mouros, como era[I muitos, valerosa-mente, mas chegando quâsi nas suas costas D. Jor-ze de Meneses com um galeâo em que vinha de Co-chim, foram desbaratados fâcilmente: deram uns

zo à costa, outros foram fugindo; ficaram em poder. do governador dezessete. Aos z6 de janeiro entrou

o governador em cananor; e porque se arreceouque o rei lhe pedisse a vida do mouro Ballahacém,que entregara ao viso-rei, antes de lhe dar lugar

25 pera o requerimento o mandou enforcar de fra pal-meira, sem querer 3o$ pardaus que oferecia por si.

Fez espanto esta apressada execuçâo em todos osmouros; e ficando mais queixosos del-rei, que fôçacausa original dela, que do governador, determina-

jo ram por vingança passar-se além do rio de Cananor,a um lugar chamado Tramapatâo, que era covil decossârios e favorecido da vizinhança del-rei de Ca-licut; mas saiu-lhes mal o conselho; porque, certi-ficado de sua ida o governador por aviso do mesmo

22+

rci, mandou contra ôlcs l,lilor tla Silveira com duasgalés e um bcrgantirn c rrio sri lncntc lhes cntrou erlucimou o lugar. rlc ' l 'r.nrrurlxtt iro, rlrc é cluas léguasabaixo dc ( larr : r t ror . r .orr l r l r C:r l i r : r r t , c quantas cm_

5 l r i r l t ' i rçôcs rrc l r : r r r : l r r r t t , r r r ; rs sul- l i r rc lo pol t r io acima(lu(!trn()u orrlrrrs lr.ôs Jugarcs, incla que nâo foi semrnrrilo tr';rbirlho c sangue dos nossos, porque os mo_radonrs os tinham fortificado com trincheiras e arti-lheria e nâo foram covardes na defensa.

ro -

Daqui foi dar vista a Calicut com tôda sua arma_da; e provendo a fortaleza de algùa5 cousas, se pas-s-ou de pressa a Cochim, por

"scusar ali a prâtica

de pazes, que se entendià querer tentar com êleo governador da cidade; e entrou em Cochim em

rS 4de fevereiro, mandando diante avisar aLopoyazde Sampaio que nem da cidade queria festas, vistoo falecimento do viso-rei, nem à. p.ruo. nenhûasenhorias, porque r.*nio pagava de Ëonras empres-tadas e acidentais. E logô começou a entender no

eo apercebimento de ûa grossa armaâ., com que deter_-minava correr a costa do Malabar e tolhei de todoa navegaçâo aos mouros.

No meo dêstes cuidados recebeu cartas do capitâode Goa, Francisco de Sâ, com relaçâo do suèesso

a5 qug tevera a armada, que lhe mandâra fazer e en_tregar a Crist6vâo de Brito e alguns mouros cativosque lhe mandava pera testimunhas dele. E foi assiqu-e, partido o governador, armou a tôda pressa setevelas, que eram ûa galeota e seis fustas e catures;

3o e dando a galeota a Cristdvâo de Brito, capitâo_-m6r, e os mais vasos a paio Rodrigues d'Aàujo,

ANArs Dri D. IO,4O Ir I

18, se ndo pogaua.- nâo gostava. Arcaismo.29, catures: pequenos barcos de guerra indianos.

225

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coLECÇ.4.O DE CLASSTCOS SA DA COSTA

Alvaro d'Araujo seu irmâo, Duarte Denis de Car-voeiros, Jordâo Fidalgo, Bertolameu Bispo e JoâoCaldeira de Tângere, se lançou pola barra fora.

Foram êles correndo a costa até o rio Zemgtizar,5 que entra no mar cinco léguas àquem de Dabul,

onde se detiveram dous dias, obrigados da fermo-sura do rio e necessidade de mantimentos, com queos da terra lhe acudiam largamente. Soube o tena-dar de Dabul, inimigo nosso, de sua chegada e de,

to tença, do nrîmero da gente, que eram pouco maisde cem homens e as vasilhas fracas e pequenas,por aviso que teve por terra. Pareceu-lhe que tinhapresa certa: arma duas galeotas e sete fustas; metenelas trezentos homens, gente escolhida, e um va-

.r5 lente rume por capitâo; manda-lhe que vâ petejarcom os nossos. Saia do rio Cristôvâo de Brito aotempo que os mouros chegavam, que o acometeramno mar largo com impeto e alvorôço de gente quenâo duvidara da vit6ria; e assi foi tanta a frècharia

zo e atcabrzaia de sua parte, que no primeiro rompi-mento nos feriram e mataram muitos homens; e

. Crist6vâo de Brito, falsando-lhe duas frechas umgorjal forte que levava, atravessado delas o pes-coço, foi um dos que primeiro morreram. Mas cre-

25 pev a ira nos portugueses, em lugar de afrouxaremcom a perda do capitâo, e apertaram tâo furiosa-mente c'os inimigos, que todavia se mantinham com

, braveza e brio, que durou a briga desde pola manhâaté as nove horas do dia e sem mostrarem sinal de

jo fraq:ueza; foram a m6r parte mortos a ferro ou afo-gados n'âgua e alguns cativos com seu capitâo.

Nâo se tinha visto, muitos dias havia, batalhanaval mais porfiada. Assi morreram dos nossos de-zessete e ficaram feridos quâsi todos. Foi novo géne-

zz6

ANAIS DI i D. TOAO I I I

ro de triunfo, o r:irpil i io rnorto c vencedor em om-bros clc sctts solrl irrlos, krvir,ttr lo cli irutc banhados emsitl lguc os r:ntivos c crrtlc 0ltrs rrrir is tnrtiulo rluc todoso cil l l i t i io lul 'co, r; ltt: lx)u(ri ls lronls dcspois, vcmdo-se

.{ tur i t lx t t ' r l i tx l i r t i r l r ts, sorr l r r : 1 l r : r l i r o btut isrno c ganharo r:étt. ( it irtrrk: lôr'çrL cliL plcdcstinaçiro. Assi foramr:nterrrrt los jrrrrtos urn S. !rancisco o vencido aos pésdo vcnccdor'. Estimou o governador o sucessoquanto era razâo e folgou c'os navios e gente, de

ro que Francisco de Sâ nomeara por capitâo-môr, emlugar do defunto, a Manuel de Magalhâes.

Com estes navios e com os que tinha consigo eoutros que foi ajuntando fez o governador cincoentavelas, entrando neste nûmero z7 catarcs de um ca-

15 pitâo vassalo del-rei de Cochim, que era o arel dePorcâ, que se embarcou em serviço do estado commuita gente malabar. Eram os capitâes principaisdos nossos navios: Pero Mascarenhas, D. Simâo deMeneses, D. Antdnio de Meneses, D. Jorze de Me-

20 neses, D. Jorze Telo de Meneses, Simâo'de Melo,

" Jorze Cabral, Joâo de Melo da Silva, Rui Yaz Pe-reira, Jer6nimo de Sousa, Ant6nio da Silva de Me-neses, dous Franciscos de Mendonça, o velho e omoço, D. Jorze de Noronha, Aires da Cunha, Fran-

e5 cisco de Vasconcelos, Nuno Fernandes Freire, Dio-go da Silva, Ant6nio d'Azevedo, Gomes de SoutoMaior, Ant6nio Pessoa, Rodrigo Aranha, Aires Ca-bral e alguns moradores de Cochim; e havia entretodos dous mil homens de guerra.

30 Com esta armada saiu o governador em rB de fe-vereiro e aos 25 surgiu sôbre Panane, que é ûa das

15, arel: capitào de pôrto no Malabar.

227

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'l

COLECÇÂO DE CLASSICOS SA. DA COSTA

principaig povoaçôes que el-rei de Calicut tem nestacosta; e sem embargo de a achar cercada de fortestrincheiras e terraplenos, guarnecidos de muita egrossa artilheria e gente bem armada e bastante pera

5 a defensa, pôs a sua em terra e acometeu o lugarpor duas partes, em que foi tamanha a fôrça e es-fôrço dos nossos, que subindo por cima das trinchei-ras e artilheria, puseram em desbarate os inimigos,queimaram o lugar e todos os navios que havia no

to tio, que eram muitos. Testimunhou a boa resistên-cia que os mouros fizeram, o sangue dos nossos;porque foram mortos nove e feridos mais de coren-ta, de que os principais foram Jorze de Lima, Simâode Miranda e Paio Rodrigues de Araujo. Sem des-

rj cansar passou o governador no dia seguinte a Cali-cut e the queimou dez ou doze velas, que no portoestavam; e no mesmo tempo D. Joâo de Lima, sain-do com a soldadesca da fortaleza, andou polos ar-rabaldes da cidade pondo-lhe fogo por muitas

zo parles.

. CAPÏTULO IX

Acomete o governador o rio e povoaçâo deCoulete, de que alcança fermosa vit6ria

O caso de Panane facilitou no ânimo do governa-, dor o que trazia imaginado contra Coulete; porque

lhe parecia necessârio quebrar nele os brios e so-berba dos mouros de Calicut e artificios do Samo-

zS r:m, que faziam tanto caso desta praça que a tra-ziam por provérbio de ameaço contra n6s, dizendoem sua linguagem -Uxar Cooùete -, que era omesmo que <guarda de Coulete)).

zz8

ANAIS DD D. JOAO I I I

Mas o que êle tinha por nccesshrio e nâo muitodificultoso, quando qrris pôr cm cnn-sclho a ordemque teria no assnlto, l) iu'({)(!u ir rnrritos clos que jun-tou quc scrii l lcrrrr,r ' i<lirclr: r. lcscnrbnrcar a<1ui como

5 crn l)anlru(:, l)or(lur r:rl rrt:gdcio muito mais arris-cackr, visto o sftio c lbrtificaçâo tlo lugar; o sitiomais sollrarrcciro c a fortificaçâo aventaiada à dePanane; e sobretudo com vinte mil solâados dosmelhores e mais determinados do Malabar pera lha

:o defenderem, afora um grande nûmero de navios,providos todos de muita e boa artilheria; que nestaarmada estava junto todo o poder da Tndia; e erasorte muito perigosa e desnecessâria e contra o ser-viço del-rei, oferecê-lo a tanto inimigo junto, por ir

15 queimar ûas casas palhoças; que o trabalho passadoem P,anane devia antes abrir os olhos pera comCoulete, que nâo dar confiança: e assi resolviamque bastava pelejar no mar e de nenhum modo sairem terÏa.

20 Era D. Anrique sôbre maneira esforçado e igual-mente prudente: tomou um meio com que satisfezaos que se prezavam de sisudos e ficou em pé aopiniâo que tinha de em todo caso saltar em terra,o que fez mandando sair por ûa parte D. Simâo de

25 Meareses, seu primo, com trezentos homens, e êledesembarcando por outra s6 com cento e cincoenta,deixando tôda a mais gente no mar. Estâ Couleteseis léguas de Calicut contra o norte, assentadosôbre ûa barranceira alta, que laz um reduto a

3o modo de mea lua e ficando a subida ingreme polapraia. Tinha no alto um muro de madeira terraple-

29, barranceira: ribanceira, terreno alto.

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t i lr )r i lI

coLricÇ^o Drt cLASSrcos sa DA cosTA

nado, guarnecido de muita artilheria, e nas portasoutra tal fortificaçâo, que, como de traveses, sepodiam ambas ajudar. Ào sopé estavam os navioscom as popas em terra e com tâo boa ordem em

5 tudo, que justamente se fazia anecear.Mas D. Anrique, cujo peito nâo sabia dar lugar

a nenhum temor, pedindo a todos com poucas pala-vras que fiasse cada um de si naquele feito tantocomo êle fiava dêles, porque sô o ir com descon-

zo fiança lhes poderia danar muito mais que todo oMalabar junto, fcrrou tcrra na parte direita da for-tificaçâo inimiga, onde cstava o capitâo dela; e comoia acompanhado dos melhores fidalgos, cavaleirose soldados da armada, pelejaram êles com tanta

.r5 fôrça e esfôrço diante de seus olhos, que breve-mente caiu a seus pés o capitâo mouro atravessadode muitas lançadas com outros três, que despoisse soube que tinham jurado em seu Alcorâo de mor-rerem com êle. No mesmo tempo acometeram os

zo nossos navios de remo aos paraus, e foi RodrigoAranha o primeiro que ganhou a honra de aferrarum e levar à espada todos os mouros dêle; a quemseguindo os mais navios no$sos, era a briga tâo te-merosa em mar e terra, que tudo ardia em fogo e se

z5 resolvia em sangue.D. Simâo tardou na volta por encavalgar o lugar

da parte esquerda; mas em chegando apertou tâovivamente com os que tinha diante, que eram omaior peso dos mouros, porque imaginaram que

3o vinha com êle o governador, que com morte de

tlaueses: baluartes com defesa combinada.encaualgar: atacar subindo.

230

ANA / ,S l )1, ; l ) . . l o i l 0 I I I

r r r r r i loË x,ul lor t n lot l l lh 'uqâo, al vorrr t r rkr t rc l r Hr: t tg6; t t i i lns e gt l l r r r r r l r r , l l r ' r r i r r , r i l l i l r l i l r , r ' r r r l i r r r lôr l r rar l t te ln lnt t l l i r l i ln a1r t rôe rr t r r f i tg l r l r r r ' l l r 'nt t o l lovrr t ' -t t* t r f t r t l t t l r r l t r t l i l t , i l l t l s l r1ql1i lg i l r r l t tgrr t . Mi l t r r ' tu i l r r le

.1 l t rÉFËt | l r t t l r r r r t l i l l r r ' l t i l l t to i lF, r r l l r r l i l r t r ' l t l l l t l i t l i l l ) loFl( lI tet .er l lu, r f l l t t I l t r t t i l r tVi i l t t r r { r i l td l i t l , i i l r ' t , l l ioHo l , 'nt . .t t ' l t 'a; r ' l r r t r t tn l r , t l r lon r ; r r r r r r , r r l r r l o i lo, r t i l t ( l i ln HRlol t ln t ' r r t r r t r r t t i lot l i r l r r l l ios. l lcr :o l l rcr t t r t sr : r ' i r r r roct t l t ic lrês lt irvios, os rrir is rlêlt:s ca.rr.cga<los rlc <:slxlcitri ir,

,t(, (lr.ro cstavarn pcra ltzer viagem, c trczenta.scscssctttitpcças de artilhcria de tôda sorte e grandc nûmerorlc espingardas; e queimou-se o lugar com quâsicem navios, que nâo serviam pcra nosso trso; (losinimigos acabaram tantos, <1uc fir:orr () rnirr ' o ir turra

r5 semeada dc corpos nr<lrtos.

, Dcu tnatéria rlt: t ' iso tos vr:ncc<.lonrs, <klslxris rl irvitdria, a prudônciu ou prrsilanirnirl iult: rkr ir.rr: l t l t:Porcâ, que, como se fôra ali pcra vcr a lrrigt c rrâ,oter parte nela, se pôs de parte sem fazcr ncnhum

eo movimento. Mas levou boa paga, porque o gover-nador, despois de lhe mandar fazer sinal com o pe-louro de um berço, que lhe foi quebrar ira pcrna,por remate o despediu com todos os seus. Daqui sefoi o governador a Cananor curar os fcridos, ontlc

z5 o rci como em parabens da vit6ria lhe ofcrcccu umfermoso colar d'ouro e pedraria, que accitou polonâo desgostar, mas com tençâo de o rrrn.urlirr nel-rei D. Joâo, como Iez, em companlriir <ltr rrrn fiode pérolas e peças de sêda, que na mcsnra conjun-

jo çâo lhe chegaram de parte del-rei d'Orrnuz, corn queaquele rei escrevia ao conde viso-rci dcfrrnto.

3o-3r. Entenda-sc: (com quc aquclt: rr:i firz.ia anom-panhar a catta que cscrcvia ao condc viso-rei>.

23r

Iti ,

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COLECÇÂO DE CLASSICOS SA DA COSTA

Neste mesmo tempo navegava Ant6nio de Miran-da pera o Estreito com terceira armada, que ia emdemanda do embaixador D. Rodrigo de Lima, queestava com o Preste. Desta tinha o conde Almi-

5 rante dado o cargo a seu filho D. Estêvâo e porsua morte o deu Lopo Yaz de Sampaio a Antôniode Miranda, que chegando a Baçorâ teve novas queandava por aqueles mares ûa caravela às presas, quelogo buscou e tomou e achou ser a mesma que da

ro companhia do conde Almirante se levantara; eprendendo a todos os que ncla andavam, vierama pagar vâriamente, inda que tarde, sua infideli-dade.

Pondo a prôa na cidade de Adem pera recolher15 as pâreas do contrato e pazes de Eitor da Silveira,

encontrou e tomou ûa nau da mesma cidade, dondese lhe lançou um negro ao mar e em linguagemportuguesa pediu que o tomassem. Êste contoucomo, tanto que Eitor da Silveira safra do Estreito,

20 loram os portugueses do bergantim que ali deixarapresos e mortos com vârios tormentos - todos osque nâo quiseram negar a fé.

Nâo se fiou Ant6nio de Miranda no negro; man-dou vir à sua nau os mouros principais; ameaçados

25 com tormento, confessaram châmente a maldade.Avisou-os logo que tratassem do seu resgate, che-gando-se à vista da cidade. Nâo tardaram comis-sirios em ir e vir, porque os presos eram dos me-lhores e mais nobres de Adem: concertou-se o res-

7o gate em trinta mil pardaus; contado e recebido opreço, mandou-os Antdnio de Miranda tornar à suanau e logo dar-lhe fogo e queimâ-la com todos, emandou significar aos moradores que quando seu

232

re i , com ser rcr i t r l lor inst t t t t t r in olr t i l ; t t rkt l r t t t t t ' t t tcr

verdade, usarn lt l içfrt l ( 'oll l ( lH ltotltt; ' i trrsea, lt l lo rio

espantasstr t l t l i l t ' l t t t t r l ' t t t t ' l l t r t t t l t ' l r l l l l i l t ! l t l l tot t lnt tgparticlrl irtrrs.

j Assi , l r t tzot t t l r l r :ot t r r i ;1o t t l l r t i tc t tH rk ' r l t t i t tz t ' t t l tose qucir t t i t . t t r lo pt ' i t t t t ' i to lor lo$ os tutv i r ts r l t t t ' t to l tot l r rhavia, quc cr : tnr t t t t t i tos, v i t tgot t t r t t t p i t r l l r rn l r t lg i

dades e treiçôes dôste rci, <1ttc nio forartt s(r trtttdano dos do bergantim, mas de muitos outros lxrr-

ro tugueses. Daqui se fez à vela pera a Ïndia sem ir a

Màçuâ em busca de D. Rodrigo, assi por ser: jâ

muito entrado o mês de abril, como porque foi ctrr-tificado que €m Judâ estavam levantaclas vintc girlfis

de rumeÀ e pareceu temericlatle a todrls os cnpitircsrj entrar e fazer clctcn<,:a cm ttctl l ttttn lxrl lo rla,<lttt lo

, mar com tais inimigos c tnio vizitrlros ttt: lc.

CAPITULO X

Recolhe-se o governador a Cochim; despachaPero Mascarenhas pera Malaca e D. Simâo deMeneses a correr a costa. Dâ-se conta dos prin-

c ip ios do cêrco da fortaleza de Cal icut

Com as vit6rias de Panane e Coulete paroc(rll ltogovernador que, pera o que ficava que fazcrttttrltrFln,ôosta, era jâ escusada sua assistônci^ 1' f11i-9tr 1'lotr[

zo Cochim, donde despediu pera Malaca Pettr Mttu'tr-renhas, que de Portugal vêo nomcldo l)r:l'il I'rrpiiilrrdela em lugar de'Jorze cl 'Albuqll(!r(lt l(!, r ltr l l i tr lrttacabado seu tempo; e mlrnclou t I) ' Sittt i tr rL' Mtr"

ANAIS Dt i D. I0Â0II I

r, aorn sel rei: apelsttr tlil suil trotltliçit'o tlo rol'

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COLDCçÂ-U DE CLASSICOS SA DA COSTA

neses que andasse na costa alimpando-a de ladrôes,até que o inverno o obrigasse a tornar-se juntar comêle em Cochim.

Partiu D. Simâo, e sem lhe ficar rio que nâo visi-5 tasse até Mangalor, entrou neste e queimou-lhe a

cidade com dez ou doze navios que dentro estavam;e passando adiante, acompanhado jâ do galeâo deFernâo Gomes'de Lemos e das duas galeotas de seuirmâo Gomes Martins de Lemos e Antdnio da Silva,

ro foi-se correndo a costa, onde lhe aconteceu encon-trar três ou quatro vezes com embarcaçôgs de mou-ros que desbaratou fâcilmente. Mas foi fermoso diao que teve na festa da Pâscoa, em que se viu cerca-do de setenta paraus, dos quais tomou vinte e fez

rS dat muitos à costa, ficando o mar tinto de sanguee as praias cobertas de gente morta; feito de estima,se o nâo deslustrara um desastrado acidente.

Levava Domingos Fernandes um catur muito li-geiro: meteu-se animosamente polo rio Marabu den-

zo tro, trâs os que fugiam; parec€u a D. Simâo que iameo perdido com o alvorôço de chegar aos mouros;

. mandou a Gomes Martins de Lemos que lhe fôssevaler com o seu catur; e foi em tâo forte hora, quedeu em um sêco, aonde sem remédio foi morto Às

z5 frèchadas polos moradores do rio, que acudirampor ûa e outra margem a favorecer os que fugiam,e com êle D. Manuel de Lima, filho de D. Afonso de

, Lima e quantos no batel iam, em que entraramsete portugueses, afora estes dous fidalgos.

30 Esta perseguiçâo de D. Simâo, sôbre as perdas

23, ern tdo forte hora: em hora tâo infeliz, tâo de.sastrada,

234

ANA /S r) t i D. JOAO I I I

r l t . l ' iur iut t r n ( l r t t l r , l r ' , lntz i r t t t r l i io t ; t tcbrantado er l rgr :orr lu l r ln o Srt t t tot ' i t t t , r l t t r l l tc Pl t t t r t : i i t , s t :gundo ogtntrr l r t i l ' t t t r r , t r r r l r ' turv io$ t l t t r ' l i t r l t i t prr l r l i r lo, quelr tovlnrr . t r ln v l t in rr r ,g l i l lo r l r . t r i io lxrr lct l l t ' no mar

, l l l l i t l l l ln t t tn l t r ' l t t t t t 111' I t ' r t t ' t t r lot t 'g. ( l r r i r l l t t t r lo t to rctné-r l io r la Intr lo$ t t tn l l r i r , t t i r v i t t l ; i t t tç i t t l t :1c5, r lut l igual-t r rot t te t lenc. invir , r l r . l t , r ' r r r i r rou-so (rrn t l r tar dc l )az como govcrnittlor: (:r'ir, ir, tctrçlo que, sc a alcançasse com;rs condiçôcs <1uc à sua reputaçâo convinham, ces-

trr sariam os males presentes, e pera se vingar nâo fal-tariam polo tempo adiante ocasiôes; se lha nâodesse, empregaria todo seu poder em nos fazer tantodano por tôda parte, que ou de cansados lha pedis-semos, ou seu ânimo ficasse satisfeito com nossas

r5 perdas.A êste fim cscolhcu um gentio, homem principal,

seu nome Lambea Morij, que mandou ao governa-dor, pedindo-lhe que tevesse fim tanta morte dehomens, tanta destruiçâo de lugares e lograssem

eo ambos Êa paz quieta em que consistiam .todos osbens da vida; que, se estava sintido dos encontrosque seus vassalos de Calicut tinham com D. Joâode Lima, tôda a culpa era do mesmo D. Joâo, porser homem de dura condiçâo, mal sofrido e âspero,

25 qlre nâo so culpas leves, mas até pensamentos casti-gava com rigor; e se o seu governador, que deixaraem Calicut, se desmandara em algûa cousa contraa fortaleza, fôra parte escandalizado das bravezasde D. Joâo e parte por estar êle Samorim longe em

jo certa guerra ocupado; que pera terem fim e fica-

S, manchua: pequera embarcaçâo indiana de mas-tro e vela quadrada.

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--.1

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coLECÇrtq DE CLA.SyCOS SA DA COSTA

rem sepultadas de pade a parte todas as desaven-ças, lhe mandava pedir paz e devia êle govemadorestimar pedir-lha um prfncipe tâo poderoso e senhorde tamanhos reinos, que por muitas perdas que

5 tevesse as podia reparar brevemente, o que nâoseria tâo fâcil, em um revés da fortuna, a quemtodo o seu poder tinha em pouca gente e poucosnavios, sujeitos à braveza do mar e inconstânciadosventos.

ro Era o governador de seu natural homem sêcoe de poucas palavras: cortou as do gentio, fazendodelas pouco caso, com quanto lhe entendia os finse a fuaqueza das desculpas; e vindo às condiçôesda paz, foram tais as que propôs, que o gentio se

15 despediu sem assentar em nada. E dizem que o Sa-morim teve por dita negar-seJhe; porque, como sechegava o inverno, que em tôda a costa da Indiaentra em primeiros dias de maio, cerrando-se todasas barras dos rios com a fôrça das ondas do mar,

20 qlJe as entupem com asareasquenelesajuntameficainritil todo serviço dos navios, lazia conta que nestetempo se faria senhor da nossa lortaleza de Calicut,com que acudiria a seu crédito diante dos potenta-dos da ïndia e satisfaria pera consigo a seu 6dio.

25 Assi pôs logo por obra o cêrco da fortaleza, man-dando primeiro que tudo um capitâo com dez milhomens e ordem que cingissem a fortaleza em roda,de tia cava de vinte cinco palmos de largo, de sortequ€ os dous extremos dela chegassem a beber no

30 mar. Era engenheiro desta obra um renegado, de,

12, corn quanto: por quanto.29, beber. Bonita expressâo metaf6rica, por (tocar)r.

236

ANAIS Dlt D. JOAO I I I

naçâo siciliano, qll(: sc jitt:tnvit aprt:ttclcra a arte nocôrco e tomada rlc l{rxlcs. , l ' ,stl. lrrnrl irda t:sta praçant costa br i rvr t r l t t t ' t 'ot t r : r l t : t to l ' tc i t . st t l , scm terporto ncnt nltrigo otrrlc possiun cstitr tt i tvios scgu-

5 ros, Sr'r l lrc l icrrttr ;x:gir.rlos tttrs ru'rcr:i l irs c pcdras,c<lrtatIits t lc it lgtttts ciLrta.is, lror oltt lt: lroclcrn <:tttrarnavios pequenos, mas tudo tâo exposto e patenteaos ventos, que a tôda hora arrebenta neles o marem frol e s€mpre tolhe desembarcaçâo pacffica. Fi-

ro ca-lhe a cidade nas costas à parte de levante, o marao ponente.

Tinha D. Joâo consigo trezentos hornens e suapessoa era tal que valia por outros tantos, corno seconta del-rei Antigono, quando quis romper ûa

15 batalha naval, que, sendo-lhe dito que as naus dosinimigoq eram com excesso mais que as suas, res-pondeu: - E a quantas dessas comparais v6s mi-nha pessoa? E o mesmo podiam bem dizer muitosparentes seus e outros fidalgos e valentes cavaleiros

eo e soldados que o acompanhavam!Lançou-se a cava, custando antes de ter perfei-

çâo muito sangue dos inimigos e também dos nos-sos; porque D. Joâo, ûas vezes por crédito, outraspor raiva, saia a êles a meûde e matava e feria tan-

25 tos, que o engenheiro por emparar os que traba-lhavam, cobriu a cava com vigas. Mas nada bastapera impedir obra de muitas mâos. Na entrada dejunho estava a cava de todo aberta: e em cadaponta, das que se olhavam de través sôbre a praia,

g, em frol: fazendo flores de espuma, espada-nando com fôrça.

23, por crédito: por amor da gl6ria, para adquirirfama.

237

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COLITCçÂ} DE CLASSrcOS S.{ DA COSTA

fundada ûa valente plataforma, coroada de tâogrossa artilheria, que havia nela peça que jogava

pelouro de seis palmos em roda. Estas fazia o sici-liano pera tolher a entrada do socorro; e pera Ros

ji bater a lortaleza acompanhou a cava com outroscinco baluartes em lugares acomodados com sua ar-tilheria assestada, obra de que prometia tanto, que

o mesmo Samorim, que, cercado de noventa milcombatentes se vêo nesta conjunçâo sobr'ela, disse

ro entre os seus que bastantes eram pera a cobrir ealagar s6 com punhados de tcrra'

E todavia D. Joâo, querendo mostrar ao Samo-rim que nenhum caso fazia daquele grande poder,saiu um dia a dar no æmpo, onde foi tanto o nrl-

rj rnero de homens e armas que vieram sobr'êle, quecorreu sua pessoa muito risco e foi necessârio me-neaïem bem as mâos êle e os seus pera se recolhe-rem em salvo.

CAPITULO XI

Começa-se a bater a fortaleza. Acode-lhe ogovernador com vârios socorros; e Érlt imamente

com sua pessoa

Era dia do nosso santo português Ant6nio dezo Pâdra, treze do mês de junho, quando el-rei de Ca-

licut mandou que se começasse a bater a fottaleza.Mal sabia o bârbaro que dia êscolhia pera se pro-nosticar bem de tôda a empresa: dia pera os nossoscheo de boa esperança, sem embargo que nâo havia

14, a dar: a dar golPes, a escaramuçâr.

238

ANAIS Drt D. IoA.O I I I

pcito tâo constantc r;uc cltrixtssc clc sintir grande pa-vor com o qut: trclc sc virr. 'l'ôrln :r manhâ nâo tevernais claricltt lc <lrrc ir rlrrr: rl irviun <-rs rclâmpados errfttzi lnr r ' lo logo: lrrrkr <l rrlr is clru unt gfosso c cscuro

5 l t t t t to, r l r r t r t 'o l r l i i r o r : i rcrr i t r l r l t r l i r r t i r lcza, corn tama-ttlur t.strrrrrrkr rl ir ir l l i lhcrit c grita dos cerca<Iores,<yuc <lt:rrtrrr rlos rrossos muros nâo havia homemquc so <luvissc um ao outro. E nâo era maravilha;porque a terra tremia, o mar se empolava, o ar ron-

ro cava como em ûa semelhança do Juizo Final.Tinha D. Joâo repartida a fortaleza em estân-

cias, de que eram as principais pessoas D. Vasco deLima, Jorze de Lima, Rui de Melo, Antônio de Sâseu irmâo, Joâo Rebelo feitor, Duarte da Fonseca

r5 e Antônio de Serpa, ambos escrivâes da feitoria,cada unl com gente ordenada, que de contino nelasassistia. Sô D. Joâo ficava livre com outra de so-bressalente pera acudir onde o chamasse a neces-sidade. Acabou com o dia aquela horrenda trovoa-

zo da e mostrou o seguinte que fôra a dos inimigosterror sem efeito e a nossa lhe fizera gravissimo da-no: porque os seus pelouros davam em paredesfirmes e os nossos sempre matavam ou feriam, dan-do em meo daquela multidâo de gente, que cobria

z5 montes e vales. Todavia pareceu a D. Joâo quecumpria pedir socorro: avisou em fia almadia o go-vernador; e êle despachou logo duas caravelas comcento e quarenta homens, que pelejando com as on-das e tormenta do inverno, chegaram perto da for-

jo taleza. Atreveu-se a desembarcar com trinta e cinco

3, relâmpailos: relâmpagos.guesa, ainda hoje popular.

Forma muito portu-

239

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l7-

COLECÇîO DE CLA.SSICOS SA DA COSTA

companheiros Crist6vâo Jusarte, capitâo de ùa; mascom tanto trabalho pola fiiria do mar, que saframcom a âgua polos peitos e pelejando sempre c'osmouros, que como cardume de golfinhos se foram

5 misturar dentro nela com os nossos, com a como-didade que tem de andarem sempre nus.

Tinha D. Joâo feito um género de couraça compipas e terra, que corria da porta da fortalezaaté o arrecife, obra muito acertada, assi pera reparo

lo do socorro, quando lhe viesse, como pera danificaro inimigo com a atcabuzeria por entre elas. Foi cor-rendo pola couraça D. Vasco de Lima a recolher osamigos; mas carregou sôbre êle tanta gente do campoe pelejou tâo determinadamente, que quâsi houvera

rj de entrar, de volta com os nossos. E custou a brigaficarem mortos quatro da companhia do Jusarte emuitos feridos, entre os quais foi Manuel Cerniche,que por Î:azet limeza e salvar um amigo, que ficavacercado de mouros, foi passado de tantas frechas e

eo lançadas, que dentro de poucos dias morreu, fican-do o amigo vivo.

Nesta conjunçâo se viu D. Joâo mui afadigado;porque os inimigos entendendo que estaria ocupadocomo estava com os do socôrro, arremeteram ao

25 muro pola parte da terra, arrimando-lhe muitas es-cadas e subindo ousadamente por elas, até queacudindo-se com muitas panelas de p6lvora foram

8, terfa. Esta palavra, sugerida por Herculano,falta no manuscrito.

r4-r1, que qudsi houuera d,e entrar, ile uolta corn os,tossos. Parece significar: (que a gente do Samorim estevequâsi para entrat na fortaleza, envolvida em combatecom os nossosD.

18, fazer fineza: mostrâr valor, nobreza de alma.

240

ANArS DE D. JO.4O I I I

derribados e abrasados. O callitiro cla outracaravela,nâo se atrevcnclo a rkrscrubitrcar, lcv<lrr carta deD. Joâo peri[ o gov<'rtrit,r lot:, (.rln (lrr(r l lrr: cl izia que(:om rncnos r le r l r r in l rcrr tos sokl t r r los l l r t : n i ro man-

j r l iLssc t t t . r t t l r r r r r r s(x ' ( ) r ' ro, lx) t r (1t l ( : < lc l i r . t r tos t inha ne-ccssir l i r r l r , , st , l i r r r r rkr o rrrrr i to t l lL l - r i r l l ro dc v ig i i rs, can-saço c lctir las drrs rlrrc t inha consigo; c também quecom rnclros gcutc cra tcmeridade acometer a desem-barcaçâo. Nâo tardou o governador em lhe mandar

.ro êste nûmero, a cargo de Francisco Pereira.Pestanae Antônio da Silva, em sete navios; mas estava omar tâo levantado e tempestuoso, como era na fôrçade inverno, que levou cada navio pera sua parte.

Tinha o Samorim avisos continos de todos os mo-15 vimentos que o governador iazia: e entendendo que

se aprestava pera socorrer os cercaclos, determinouapertar com a f.ortaleza, por tantas vias, que se fi-zesse senhor dela antes de sua vinda. Aqui mostrouo siciliano todas suas habilidades, porque ordenou

zo trabucos com çlue lançava pedras de desmesuradagrandeza dentro na fortaleza, e tantas que nâo havianela lugar seguro; e no mesmo tempo fez mover ûaserra de terra, trabalhando na obra o campo todo,que igualava a nossa muralha, e dela nos matavam

z5 e feriam muita gente. Ao que juntou abrir ûa minatâo secreta e bem lançada, que fôra total destruiçâoda praça, se Deus Nosso Senhor, misericordioso

3, dezia no ms. Adoptamos geralmente a grafiadizia.

acometer a d,esetnbarcaçdo: faz.er o desembarque.como era.: pois era.trabucos: engenhos de lançar pedras.rnoaer: erguer, levantar.

24r

8,T2,

20,22,

r6

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COLECÇÂO DE CLÂSSICOS SA DA COSTA

sempre nos rnaiores apertos, nâo movera o coraçâode um moço português, que andava lançado c'osinimigos, pera dar aviso dela, o que fez cantando,porque nâo teve outro meio.

5 Assi era o trabalho incomportâvel em todos, por-que sôbre as vigias continuas, baterias e pelejas detôda a hora e,andarem com a enxada na mâo con-traminando, nâo havia pera viver mais sustentaçâoque um pouco de arroz cozido na âgua. Mas em meo

ro de tantas incomodidades e na maior fraqueza doscorpos, andava o espirito honrado tâo vivo, que,como se foram de bronze, nâo havia em nenhumqueixa, nem ainda sentimento. E esta constânciafoi parte pera lhes resultar dela um nâo cuidado

.r5 alivio.Viu o Samorim que continuando longos dias o seu

engenheiro em artificios, nâo ganhava palmo deterra da fortaleza e era infinita a gente que tinhaperdido e cada dia perdia: doendo-se dos seus, vêo

:o a remediar os nossos, porque mandou cessar todogénero de artificio e declarou que sô por fome nosqueria flazer a guerra, guerra segura pera os seus,e pera os nossos de rnaior dano.

Eram jâ neste tempo mortos dos cercados cin-z5 coenta; mas os vivos estavam inteiros e generosos

de sorte que, chegando Antdnio da Silva sô, de-fronte da fortaleza e despois Eitor da Silveira comsete navios, mandou-Ihes D. Joâo dizer que escusa-va gente e sô lhe mandassem provisâo de p6lvora e

3o mantimentos; o que Eitor da Silveira lez larga-mente, mas a poder de ferro e fogo.

14, Ioi parte pera: contrjbliu para.

ANAI.S DE D, TOÂO I I I

Poucos dias despois chegou Francisco PereiraPestana; e quercnclo provcr os lrossos dc arroz e dealgûas cousas <;rrc lrazit, ir:crtou t:sLiv a noitetâo clara conl a ltur, t lrur acutl iu todo o oampo ao

5 arr t :c i fc c tn i r t i r r i r r r r t : i t tco t los nossos; c D.. |o i ro deLima, <1ttc iL tudo r.lrrcria scrnpre scr prescnte, f icouferido t:rn îiu llt:rna com perigo, de maneira que àscostas o meteu Jorze de Lima da porta pera dentro,e foi necessâno fazer cama alguns dias. Trocou

"ro Francisco Pereira as horas e mandou com outroprovimento um parau pola sésta. Tâo bravo andavao mar, que nâo podendo tomar bem a bôca da cou-raça, perdeu cinco marinheiros entre mortos e ca-tivos: e saindo D. Vasco de Lima pera o recolher,

15 achou na cavâ lançado em cilada um capitâo ini-migo, com quem teve ùa mui crespa briga: e entremuitos feridos ficou Jorze de Lima com ûa arcabu-zada pola cabeça, inda que sem perigo; e nâo larga-ram os inimigos o campo senâo por morte de seu

zo capitâo, que D. Vasco matou por sua mâo.Ia o inverno no cabo, e esperava-se cada horaque

apar€cesse o governador com todo o poder da India,quando o Samorim tentou ûa obra, que fôra a maisdanosa de quantas tinha feito, se Deus a nâo reme-

z5 diara com sua providência. Tinha D. Joâo levan-tado um forte de madeira sôbre a porta da fortalezapera segurança da entrada; manda-lhe o Samorim

3, a noi,te, A exprt.ssiro Ierlta rro rn:rnuscrito e foisugerida por I{ercul:uro. li porém rluvi<loso que Sousadeixasse de escrever um:r p:rlavra tâo vulgzrr como eranoite. Talvez antes a coilrilÇa, a rlue Sousa proouraria onome especial e técnico, ou t'ntio 'a fortaleza, jâ nomeadaaclma.

243

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COLLCçI) Dt:. CLASSICOS SA DA COSTA

dar fogo com tanta pressa e tamanho nrimero deatiçadores, que nâo havia remédio humano perase poder apagar nem tolher. Nesta conjunçâo apa-receu Eitor da Silveira com os seus sete navios, dis-

5 parando contra o campo muita artilheria. Os mou-ros como €speravam jâ polo governador, imaginan-do que seria êle, correm todos à praia, largam oforte e assi deram tempo aos cercados pera lança-rem tanta terra sôbre o fogo, que Lez efeito d'âgua

ro eoabafoueapagou.Apds liitor cla Silveira chegou Pero de Faria com

vinte e cinco velas, que o governador, diligentissimoem acudir a sua obrigaçâo, mandou diante; e êle tar-dou pouco. Tnzia vinte velas e nelas mil e quinhe-

.r5 nhos homens de peleja; e apareceu sôbre Calicutaos vinte dias de setembro.

CAPITULO XII

Junta o governador conselho sôbre o que devefazer no socôrro da fortaleza; manda pedir a

' D. Joâo de Lima seu parecer. Resolve-se comêle em desembarcar e dar batalha ao Samorim

Surgindo D. Anrique defronte da fortaleza e detodo aquele grande exército inimigo, procurou pri-meiro que tudo saber o estado da fortaleza; e logo

'zo metido em um barco com alguns capitâes e pessasde mais conta, foi dando vista ao campo dos mou-ros e notando o assento, sitio e ordem dêle; apdsesta diligência quis ouvir os pareceres dos capitâes,fidalgos e soldados velhos sôbre o como se deviam

z5 haver naquela ocasiâo que ali os tinha juntos comtodo o poder da ïndia.

A.NAIS DE D. TOA.O I I I

Eram capitâes dos navios mais principais e maio-res D. Afonso de Mrrncscs, D. Iorze 'felo de Mene-ses, D. Jorze rlc Mcnt'scs, D. .forzc de Castro,D. Pedro Castel-blrtnco, lorzc Cabral, D. Diogo de

J Lima, D. l l 'r ' istâo <k: Nororrhir, Joâ.o clc Mclo da Sil-va, Artt(urio tl ir Silvt ' ira, l ir:r 'nâo Gomcs de Lcmos,Ant6nio tlt: Lcrnos, Antônio da Silva de Meneses,Ant6nio d'Azevedo, Manuel de Macedo, Anrique deMacedo seu irmâo, Jorze de Vasconcelos, Duarte

ro da Fonseca, Antônio Pereira, Rodrigo Aranha. Eratambém chegado da sua jornada do Estreito Ant6niode Miranda com os navios de seu cargo; e juntostodos, que passavam dè sessenta, laziam temerosavista no mar, como também a laziam na terra com

Jj sua multidâo os bârbaros. Feito sinal de Conselho,acudiram todos à capitana. E, sendo juntos,propôs o governador que bem sabiam o fim peraque ali eram vindos, que era socoffer aquelalortaleza a pesar do Samorim; o como isto se faria

20 com mais crédito do Estado da India e do rei aquem serviam, convinha que consultassem e assen-tassem.

Começada a tratar a matéria, houve grande va-riedade de pareceres, muita altercaçâo e porfias, por

25 ftm das quais tomando a mâo um do,s presentes, aquem o valor da pessoa, sangue e obras davamconfiança pera falar livremente, dizem que falouassi: - Em dous meios se resolvem todos os de-bates que aqui sâo passados: um é sairmos em terra,

3o pondo os peitos às bombardas de tantas trincheiras

a6, capitana: nau do comandante.25, totnando a mdo: lomando a sua vez, intewindo.

245244

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COLECÇ;ÏA DE CLASSICOS SA DA COSTA

e baluartes como neles vemos assestadas e descercara foftaleza"; outro é metermos nela tanta gente, mu-niçâo e mantimento, que fique fornecida pera mui-tos meses. Ao primeiro meio vejo aqui inclinados

5 alguns, e quanto a mi 6 mais quererem parecer Va-lentes e gentis homens no votar, que ordinâriamenteé caminho de perdiçâo, ou cuidarem que agradam aquem tudo quer levar ao fio da espada, que nâopolo entenderem assi. Porque, senhores, se n6s

ro quâsi sem risco podemos fazer inexpugnâvel estapraça,, iporquc ha.vcmos clc querer por cobiça deum nomi vâo de honra pôr a perigo todo o Estadoda India, que no poder que aqui temos consiste?porque havemos de querer perder muitos homens,

z5 onde podemos executar o a que vimos sem perderum sô? Debalde e sem fruito é o feitio que se fazpor muitas mâos, quando por ùa s6 se pôde fazer.E nâo me alegue ninguém com as valentias de Pa-nane e Coulete: se Deus lâ nos quis guardar, equem

zo nos promete o mesmo em Calicut? Quanto mais,que o havemos aqui, se consideramos o mar, com

. ûa costa brava, onde o rô1o das âguas quebra sem-pre naquele arrecife, e havemos de sair com âguapolos peitos, descompostos e meio vencidos. Se con-

e5 sideramos a terra, temos nela sessenta mil homensque nos esperem e sete baluartes que rodeam essafortaleza, tâo bastecidos de artiiheria que s6 a que

, daqui estamos vcndo no monte de Cota China hôu-vera de bastar pera nos fazer prudentes. Canhôes

3o reforçados sâo; e devera-nos lembrar que, sem teï

16,

240

feitio: obra, feito, façanùra.que o hauemos aqui: que lidamos aqui.

ANAIS DE D. JOAO I I I

êstes contra si, pagou neste mesmo lugar o Mari-chal com a vida a zombaria que fazia dêstes naires;e nâo eram tantos os que lha tiraram, como aquivemos. Por onde meu parecer é quc sem mais por-

5 fias sigamos o segundo meio; meio sisudo, meio se-guro e mais de scrviço del-rei que o primeiro.

Enxergavam todos no sembrante e olhos de D.Anrique que o que se dizia era mui contrârio aoque em seu coraçâo tinha; mas, como era muito

ro prudente e sofrido, deu fim ao Conselho daqueledia dizendo que seria razâo, antes de se resolverem,ouvir o parecer de D. Joâo de Lima e dos fidalgose soldados qlre com êle estavam e pelejavam comaqueles inimigos havia três meses e meio. E escre-

rj veu a D. Joâo que the inviasse ûa pessoa que lhedeclarasse seu voto, pera tomar com êle assento naconfusâo que na armada havia. Despachou D. Joâona mesma noite com sua reposta a Jorze de Lima,que se atreveu a embarcar em fla pequena man-

zo chlJa; e teve tal ventura que, sendo buscado commuitos pelouros de artilheria, que a montâo se tira-vam do campo contra a ardentia que levantava oremo ao ferir na âgua, foi o barquete colhido e ar-rombado de um, que o fez nadar a êle e o indio que

25 O TemAvA.Chegado à capitana, quando o governador

soube quem era e que sôbre a fama que tinha ga-nhado de valente no cêrco, se oferecera ao risco

r-2, o Mayiohal. D. Fernando Coutinho, que, aoassaltar Calecut em 3 de janeiro de r5ro, perdeu a vidacom muitos outros portugueses. A desordem do ataque,a fanfarronice e a vergonhosa cobiça provocaram êstedesaire.

22, ard,entia: fosforescência, luminosidade da âgua,

247

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248

coLECÇ,îO DE CLASSTCOS SA DA COSTAI

presente, nâo se cansava de lhe dar louvores; masmuito mais creceram despois que ouviu o voto quetazia de seu tio e dos mais cercados, que era con-forme o que em sua alma desejava. Nâo tinha Jorze

5 de Lima neste tempo mais de vinte anos, mas acom-panhados de grande esfôrço e muitas fôrças. No diaseguinte, que. foi terceiro e riltimo dos conselhos,sendo juntos os costumados, mandou-lhe o gover.-nador que declarasse a resoluçâo que trazia de seu

ro tio e dos mais cercados. Levantou-se e disse assi:- D. Joâo e seus companheiros até o rninimo detodos vos fazem saber por mi que o alvorôço, quecom a vossa chegada e com a vista de tâo fermosaarmada receberam, nâo é outro senâo esperarem

rj que lhes deis licença pera saltarem por cima dêssesvalos e trincheiras e irem vingar-se dêsses inimigos,que ou seja pola ira e 6dio que lhes merecem, oupolo costume que tem de medir com êles as lanças eespadas cada hora, nenhûa estima fazem de tôda

zo sua multidâo e tem por certo que na hora que vi-rem estendida por aquelas praias tanta e tâo boagente como aqui trazeis, v6s por ûa parte e êles poroutra, por muitos que sejam, nâo poderâo deixarde ser desbaratados e desfeitos e ficareis com tia vi-

z5 tôria que seja principio e fundamento de ganhardesoutras muitas por tôda a ïndia. Porque nâo hâ dri-vida senâo que todos os potentados dela estâo hojecom os olhos postos neste cêrco, pera julgarem dosucesso e estimaçâo que devem fazer das arrnas por-

3o tuguesas. Se nos virem prudentes e muito recataâos,estâ certo que por fracos nos hâo de ter; e hâo deficar assentando que Panane e Coulete, ouforam cousas feitas a caso, ou que todos nossosbrios nâo sâo mais que pera entre rios quietos

AI, IAIS DD D. TOA.O I I I

e contra navios miuclos, gcrrtc pouca e lugaresfracos; c que on<kr h1r îiit ;l<tttcit tlc mais fôrçanâo valemns ttirt l i t. Assi, st 'tt l tori:s, vos pedem<lt t t r vos t t i io ct tvcjc is r t vt ' rs Incslnos e a êles

5 l1r , g l6r ' i r r i t r to l l i r l , r l r tc tct t t lcs crct ' ta na hora que pu-sct ' r l t 's os 1r/ ,s ct t r lc l l ' l r ; t : r lc sr ta l tar tc vos oferecem,se lllt (lll(!nl sr: <:sparrtc daquelas bocas abertas deferro c l>xtnzc, vomitadoras de fogo e mortes, e quepor tais tem os nômes de leôes e serpes e culebrinas,

ro que nôs seremos os primeiros a lhes pôr em cimaos pés e encravâ-las. E isto é o que sentem e o quepedem e o que de si vos prometem.

Assi ia dizendo Jorze de Lima, quando feriu asorelhas de aquela junta ûa extraordinâria grita de

15 todos os navios da armada, que respondia a outramaior, que em tena Lazia retumbar montes e vales,Era o caso que viram sair da fortaleza um corpo degente e assaltar de sribito o baluarte mais temerosode Cota China e, apesar de todo o campo que sôbre

zo êle se ajuntou, levarem-lhes a artilheria Que neleestava. Foi feito grandemente louvado na armadae que muito alegrou a D. Anrique, de cujo juizo seafirma que procedera por tirar os receos que s6aquele sitio fazia aos que mais contradiziam o sair

25 em terra, e que por sua ordem avisara Ant6nio deAzevedo ao capitâo D. Joâo que o tentasse, man-dando-lhe a isso um criado que fôra e viera a nado.

Passado aquele acidente e cessando o estrondoda nossa artilheria, que jogou contra os inimigos

30 por tôda a roda da fortaleza até que teve fim a em-presa, tomou entâo o governador a mâo, e sem maisdeixar falar a Jorze de Lima: - Ao parecer - disse- que nos mandam tâo bons soldados, parecer pro-vado com a experiência de muito tempo que hâ que

2t/ \

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coLECÇÂO DE CLÂSSTCOS S.4 DA COSTA

pelejam com estes bârbaros, nâo vejo que deminuirnem acrecentar: sd vos lembrarei, senhores, em con-firmaçâo dele, o que me passou por estas mâos quetodos deveis de ter ouvido e por ventura vos esque-

5 ce: No ano de 5oB foi saqueada Arzila em Africapor el-rei de Fez, com tanta potência de gente comoo Samorim aqui tem: ficou sd o castelo por entrar,em poder do conde de Borba D. Vasco Coutinho.Acudiulhe D. Joâo de Meneses, meu tio, general

ro de ùa armada que el-rei D. Manuel tinha feito peraAzamor; e tendo o mouro levantados outros baiuar-tes, com tanta e rnelhor artilheria neles da que aquivemos; e havendo de ser a saida por mais perigosoarrecife e mar de muito maior friria, nenhûa cousa

15 foi parte pera lhe estorvar pôr sua gente em terra;e foi o primeiro que a tomou D. Tristâo de Meneses,meu primo, que ganhou os trezentos cruzados, queD. Joâo tinha prometido de prémio a quem pri-meiro pusesse os pés em terra: e nâo fui eu dos

zo derradeiros neste perigo, em cuja consideraçâo ficamui leve o que aqui vemos: porque lâ o haviamoscontra gente armada e a cavalo, e câ com indiosnus, se bem melhores frècheiros que os alarves. Oscasos passados sâo verdadeira doutrina pera os pre-

z5 sentes e por vir. Naquele perdi o mêdo ao marulhodo mar e armas da terra; e achei que as se{pes eleôes da artilheria sâo muitas vezes mais carraneaspera espantar os demasiado prudentes ou muitoreceosos, que pera danar os valerosos e atrevidos;

3o e esta foi a causa por que nâo duvidei acometer

15,23,

250

loi parte: foi causa, motivo.alarues: ârabes, mouros.

ANArS DE D. IOÂO rr I

Panane e Coulete, que êsses braços tâo honrada-mente destruiram; e agora com tào bom voto comotemos ouvido e como é o de muitos fidalgos queaqui estâo, sairei com o nome de Deus em terra,

5 sem mais dar orelhas a contrârio parecer. Por tanto,tratemos dos modos de sair, que no efeito lançadoestâ o dado.

E assi concluiu. E porque o fidalgo que mais con-tradizia esta resoluçâo, disse ainda, comg magoado

ro dela e na confiança de seu braço, que lâ iriam e severia o que cada um fazia, ratificou o governadorcom juramento o que tinha dito e acrecentou pro-messas de trezentos cruzados ao primeiro que diantede Jorze de Lima se lançasse em terra.

CAPÏTULO XII I

Sai o governador em terra; dé batalha ao câmpodo Samorim; e despois de o desbaratar, 'derr iba

a tortaleza

r 5 Ap6s a determinaçâo que o governador declaroude desembarcar com todo seu poder nas praias deCalicut e descercar a forta)eza, seguiu o efeito polamaneira seguinte: Ordenou primeiro que tudo me-ter dentro na fortaleza um bom golpe de gente pera

eo dous efeitos: um pera que o Samorim imaginasseque nâo era sua tençâo mais que socorrer os cerca-dos com soldadesca e assi estivesse mais descuidado;outro pera que assaltando os cercados as trincheiras

rs, golpe de gente: trôço' de gente.

25r

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coLECÇ,î.O DE CLASSTCOS 5.4. DA COSTA

com poder grosso, lhe ficasse a desembarcaçâo, se-nâo de todo franqueada, ao menos mais fâcil.

Logo na mesma noite meteu cento e cincoentahomens a cargo de Eitor da Silveira e no seguinte

5 outros cento e cincoenta, que levou D. Diogo deLima, primo de D. Joâo; que com assaz trabalhoentraram uns e outros. E quando vêo no quartod'alva, mandou fazer am sinal de fogo na gâvea doseu galeâo, com que os da fortaleza, que estavam

ro àlerta e o esperavam, lançaram por ûa ponte Eitorda Silveira com os de sua companhia e por outraD. Vasco com duzentos soldados, que tocaram annatâo apertada e com tanta fiiria e grita assaltaramos inimigos dentro de suas trincheiras, que conver-

rj teram a si todo o exército. Levava cada capitâomuitos homens diante de si com panelas de pôlvora,gue, como davam sôbre corpos nus, que êstes bâr-baros nâo usam mais vestido que o natural com quenaceram, abria o fogo lalgo caminho e abrasava

eo tudo.Entretanto saltou o governador em t€rra com

todo o resto dos seus, quâsi sem resistência comoo imaginara; e logo mandou a D. Jorze de Menesese a D. Jorze Telo de Meneses, ambos seus primos,

25 qlJe com sessenta homens cada um acometessem asbocas da cava, um a do norte, outro a do sul, comfôrça de pôlvora em muitas panelas, pera fazerempraça aos que vinham de trâs. E tanto que os des-pediu, mandou dar às trombetas, aqueresponderam

3o as de D. Joâo, e trâs elas se levantou ûa tamanhagrita e vozes de todos os nossos e até dos da frota,

r4-r5, conuerteyaln a si: lizeram voltar para si.

252

ANAIS DI ' D. TOAO I I I

chamando por Santiitgrl, <1ttt: ctltt l ttndindo-se aquelegrande nûmcro tlc inirnigos, ir i. cottt a grita que che-gava irs IluvcIrs, jr i r:ottt o t ' l tttto ttrtttt:rrtso clas trom-bctrrs, r l r ru r lc r l ivr : t 's i t .s 1l : t t tcs soi tvrLrt t , j r t com o es-

5 t t 'ot t r lo rLt i r r l i l lurr i ; r , ( l l t ( ' t r iut t ' t 'ssr t l , i t c l t r jogarpor tôrlt ir rrrt l l t la l i lr ' trt lcz,lt c coll i tt ' c t:rtvolvcr a luzda manhâ, nâo havia cntre ôlcs capitâo que sou-besse mandar, nem soldado que atinasse aonde de-viam acudir.

ro Entretanto os dous Meneses, cada um por suaparte, iam despejando a cava à fôrça de p6lvora efogo, instrumento mais odioso pera êste gentio quetodas as outras nossas arrnas; mas os que delas sedesviavam subindo-se nos seus valos, achavam es-

15 pingardas, lanças, bombas de fogo, com que eramferidos e mortos pola gente dos dous capitâes, Sil-veira e Lima, que feitos senhores das estâncias quetomaram à sua conta, uns lançavam a pôlvora quenelas achavam sôbre os inimigos dentro dag cavas,

zo outro nâo esquecidos do dano, que tinham recebidodos trabucos, foram dar-lhe fogo, e de caminho,achando recolhidos e em som de defensa um corpode inimigos dentro em ûa grande casa, que emtempo de paz servira de almazém do gengivre ao

z5 feitor da fortaleza, tanto fogo the deram que arde-ram juntos mais de trezentos; e em um baluarte,que tinha duzentos apostados a defender a artilhe-ria, foram mortos todos com seu capitâo e com orenegado siciliano; e sucedeu que tendo estes pera

3o disparar ûa bombarda grossa, foi Deus servido dar-

22, eln sol1r, de defesa: ctttn utostras de querer de-fender-se.

253

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coLECç,4O DE CLASSICOS SA DA COSTA

-lhe tal torvaçâo, que lhe nâo tomou fogo; e semdûvida fôra grande dano pera os nossos, se otomara-

Estava o governador parado em um posto alto5 da praia, de que bem divisava tudo o que se fazia

no campo; assi dispunha e ordenava dos que. con-sigo tinha, mandando uns e detendo outros e dan-do louvores a todos, porque em tanto nûmero degente nâo houve homem de nossa parte que neste

ro dia deixasse de mostrar grande valor. Nem se tinhavisto até cntio ntr ïndia fcito mais bem ordenado,nem melhor obedecido e executado. IJcm tomara eupoder particularizar as obras de cada homem e decada braço, mas em caso tâo baralhado, que.foi

15 como ûa batalha campal, mal pode descer a miu-dezas quem pretende seguir a pl:reza da verdadee nâo escreve fingimentos ociosos. Com tudo, nâodeixaremos de dizer como esteve quâsi perdidoD. Vasco de Lima, por se empenhar tanto contra

zo sm caimal, que com quatrocentos naires se reti-rava pera a cidade, que ficara sem vida, se Eitorda Silveira the nâo valera.

Pelejava D. Vasco com ûa espada de duas mâos,acompanhava-a com grandes fôrças, nâo dava

z5 golpe que fôsse menos que de morte. O mesmo acon-tecia a D. Jorze de Meneses com outra tal espada,porém foi-lhe cortada a mâo direita quando maiorterreiro lazia;, e pera salvar a vida, fez troca comum companheiro tomando-lhe ûa espada pequena,

3o e esgrimindo-a com a esquerda. Afirma-se que seacharam corpos inimigos cortados em claro polomeio e que foram tantos os mortos que passaram de

20, caimal: chefe malabar.

254

ANAIS DE D. TOÂ.O I I I

três mil; entre os nossos pcrclcram a vida mais detrinta, sem haver entre ôlcs pcssoa not:ivel, e foramferidos duzentos c trinta.

Nestc tempo o govcrrrador, vrrndo tluc nâo havia.5 jâ t:rn torlo o (:lnrpo rprt:nr f izr,ssc tosto, quis tratar

dc sc forti l i t ' ir l sôlrrc irs nr()slnirs trinchciras rl<l ini-migo: o que logo pôs por obra, mandando vir dosnavios tôda a marinhagem com pâs, cestos e enxa-das, que fazendo bastante assento pera o nosso

ro artaial, foram cobrindo os mortos com a terra dosvalos que êles tinham levantado e livrando aos na-vios da corrupçâo do ar que se podia temer. Gas-tou-se nesta obra o que ficava do dia, nâo havendocapitâo nem fidalgo que quisesse isentar-se do tra-

15 balho dela e em levar os feridos às naus pera seremmelhor curados.

Na mesma tarde apareceu diante do governadorum mouro de parte do Samorim, que disse vinhapedirJhe tréguas de quatro dias pera tratarem cou-

?o sas que a ambos estariam bem. Era êste mouro CogeBequi, muito conhecido por tâo bem inclinado aosportugueses, que lhe tinha el-rei D. Manuel feitomercê de ûa tença de vinte mil réis. Concedida a tré-gua, tlatou-se de pazes; mas gastaram os dias sem

25 avedguar nada, porque o governador propunha taiscondiçôes, que o Samorim as tinha por afrontaspera sua autoridade. Emquanto iam e vinham re-cados, entendia o governador em armar cavaleirosa muitos que o pediam, recebendo de todos os para-

.?o bens da vit6ria; e refcrindo-a êle aos braços dêles,sem pera si querer mais que o gosto dela, assi en-chia a todos de honra e louvores; e em especial deumuitos a Jorze de Vasconcelos, que foi o capitâoa quem D. Joâo de Lima deu o cargo de ir ganhar a

2 5.q

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COLECç);LO DE CLASSICOS SA DA COSTA

artilheria do baluarte da Cota China; e assi a Bel-chior de Brito, filho de Jorze de Brito, copeiro-m6rdel-rei D. Manuel, que foi o primeiro que pôs ospés sôbre a bombarda mais grossa, que era um ca-

5 melo, e aos mais companheiros que foram no feito.Mas vendo que perdia o tempo em esperar bôa

conclusâo com o Samorim, como sabia que o condealmirante levara ordem del-rei pera derribar a for-taleza, determinou fazè-lo com tôda brevidade: é

zo dando mostras aos mouros que a queria reformar,mandou-a picar por dentro em pontos e meter-lhepôlvor'a cm cetto lugarcs; c no mesmo tempo fezrecolher quanto havia nela e no arraial pera a frotaem modo que nâo foi sintido. E ùa ante-manhâ

u5 guando menos o cuidaram os inimigos, apareceuembarcado com todos os seus, despejada a forta-leza e ardendo as estâncias. Fez grande espa.nto emtodo Calicut esta novidade: acudiu logo o povo comalvoroço e pouco recato, uns por curiosidade de ver

zo a lortaleza, outros com ccibiça de haver às mâosalgfla cousa que poderia ficar de proveito.

Entretanto lavrava o fogo por baixo da terra etanto que chegou aos lugares da pôlvora, lez umespantoso terremoto, levantar-rdo nos ares e fazendo

25 voar grandes panos de muro e os baluartes inteiros,em que morreram grande nûmero de homens e ou-tros ficaram miseravelmente feridos e aleijados. Efoi o negôcio tâo bem feito, que de todo aquelegrande edificio nâo ficou mais em pé que um cunhal

jo da tôrre da menagem e parte de ûa parede. Postapor terra a fortaleza, fez-se o governador à vela peraCochim, despedindo primeiro pera Goa Pero deFaria com os navios que dali trouxera pera conti-nuar na guarda da costa do Malabar.

256

ANA.TS DE D. JOÂO rr I

CAPITULO XIV

Guerra de Malaca. Sucessâo de Pero Mascare-nhas naquela capitania e de D. Garcia Anri-

ques na de Maluco

Emquanto o governador D. Anrique discorria vi-torioso por todos os rios e costa do Malabar, pele-java Jorze de Albuquerque em Malaca com todasas incomodidades de fome, doença e assaltos de ini-

5 migos, como se padecera verdadeiro cêrco. Tinha--lhe aliviado grande parte do trabalho a boa vindae socorro com que chegara da ïndia, por julho doano passado, Martim Afonso de Sousa, filho de Ma-nuel de Sousa. Levara êste fidalgo consigo seis velas

ro com titulo de capitâo-m6r do mar de Malaca; e eramos capitâes que seguiam sua bandeira Alvaro deBrito, André de Vargas, Antônio de Melo, VascoLourenço e André Dias.

Tanto que Jorze de Albuquerque se viu com gente15 fresca, que seriam até duzentos homens, e boa pro-

visâo de muniçôes, quis empregâ-la em pôr cêrcoa el-rei de Bintâo, em vingança de quantos maleslhe tinha feito. E mandou a Martim Afonso que sefôsse lançar sôbre a bôca do seu rio, onde tantas

eo desgraças tinha experimentado. Porém MartimAfonso, seguindo o conselho dalguns moradores quelevava consigo de Malaca, nâo quis esperar a con-junçâo das doenças, que naquele sitio matam comopeste, e foi-se pola costa fazendo a gueffa aos ami-

zj gos de Bintâo a fogo e sangue, de que também tinhaPlalaca recebido dano e afrontas. Naceu desta guerrajuntarem-se todos os escandalizados em um corpoe darem ajuda ao rei de Bintâo pera mandar sôbre

257r7

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coLECÇ,4O DE CLASSICOS SA DA COSTA

Malaca, com mil e trezentos homens em vinte lan-charas, o seu capitâo Laxemena.

Em z5 de março dêste ano, dia fermoso pera todocristâo pola anunciaçâo que nele celebramos da Vir-

5 gem Mâi de Deus, apareceu ante-manhâ Laxemena-

sôbre o sitio de Upa, que é junto à povoaçâo dosmouros, e lançou em terra um golpe de gente' Eramjâ horas de missa e estava a ela Jorze de Albuquer-que, quando lhe chegou o aviso da armada inimiga

ro e da gente quc lançara cm terra. Pera acudir a ûacousa c <lutra, mandou o fcitor Garcia Chainho quefôsse por terra com oitenta homens encontrar os de-sembarcados, e a Martim Afonso de Sousa queacudisse por mar com outros tantos em duas fustas

rj que sô havia no porto; êle capitâo de fla e JoâoVaz Serrâo em outra. Teveram boa ventura os pri-meiros, porque os bintaneses que estavam em terra,tanto que houveram vista dos nossos que cuidavamachar dormindo, sem quererem com êles provar a

zo mâo, se tornaram a mais que de passo a sûâs €ûl-barcaçôes. Mas nâo aconteceu assi a Martim Afonso:desejoso de se encontrar com Laxemena, por verse era tâo valente como ardiloso,lez apertar o remoe foi-se a êle a voga arrancada, chamando todos voz

zS em grita por Nossa Senhora, cujo era o dia.Nâo refusou o mouro o encontro; mas lembrado

de seus ardis, alargou-se ao mar e, logo partindo aarmada em duas esquadras, vêo receber os nossos

2c., a mais que d,e passo: precipitadamente. Maneira

ir6nica de dizer.24, cï aoga arrancaila: com tôda a fôrça dos remos.

25, cujo era o dia: a quemeraconsagradoaqueledia"2b, refusou: recusou, esquivou'

258

ANAIS DE D. JOÂO Ir I

c tomâ-los em meio, fazendo conta que dêles lhenâo escaparia homem com vida. Começou-se a brigacom tanta vontade e ânimo de ambas as partes,como se fôra desafio aprazado dentro de estacada

5 firme, ou em praça priblica ùa naumaquia por passa--!g-po representada. Passado o primeiro fogo daar-tilheria, que os nossos empregaram bem arromban-do logo algflas lancharas com morte de muitos mou-ro.s, entrou o segundo de espingardaria e panelas de

ro p6lvora, que desta gente nua é mais temido quetôda outra arma. Lançavam-nas os portugueses delugar superior e abrasavam navios, ioldaâos e re-meiros, que desesperados se iam remediar e afogarna frialdade das âguas.

15 Passado tambéù êstc fogo, vôo o negdcio àsmâos. Despediam os inimigos infinito nrimcro desetas; e com elas e com as mais armas pelcjavamtâo ardidamente, que nos derribaram morto naprôa da sua fusta a Joâo Vaz Serrâo e junto dêle

eo Aires Coelho de Tângere, que fôra alcaide-m6r dePacém. E na fusta do capitâo-môr mataram Gon-çalo de Ataide, seu cunhado, e Duarte Borges eoutros homens de menos nome; mas êles venderamhonradamente suas vidas, porque durando a briga

z5 até, os deixar a luz do dia, foi tanta a mortandadedos mouros, que Laxemena, tanto que a noite cs-cureceu, se foi retirando ao rio de Muar pera refa-zer as lancharas e o que escapou do desbarate.

E nâo ficaram os nossos melhor parados com La-jo xemena se confe5sar vencido: tais estavam de can-

sados e feridos, quando a noite os dcspartiu, que

zg, m.elhor parados: meLis l;em dispostos.

259

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COLECÇAO DE CLASSICOS SA DA COSTA

nâo havia braços que remassem nem mâos que ma-reassem os navios: que quâsi nâo houve homem aque nâo custasse muito sangue a vitôria; e o capi-tâo-m6r Martim Afonso de Sousa a pagou com tan-

5 tas feridas, que vêo a morrer delas em terra.A esta vitôria seguiu logo outra, com que a Vir-

gem Gloriosa.quis consolar a perda dos bons homense muito sangue que houve no seu dia. Estava cer-cado el-rei de Linga, em ôdio nosso, por ser amigo

ro e confcclcrado da f.ortalaza, por dous capitâes dorei dc llintiLo. li Linga na costa dc Samatra. Eranros capitâcs Raianara e o Laxcnrctra; o trûmero doscercadores dous mil soldados e oitenta lancllaras.Soube Jorze de Albuquerque o trabalho do amigo:

15 nâo quis faltar-lhe sendo requerido: arma dous na-vios, despacha-os com oitenta homens, (nrimero ume outro bem escançado no recontro que acabamosde contar) a cargo de Alvaro de Brito e BaltasarRoiz Raposo de Beja.

zo Chegaram à boca do rio de Linga a tempo que osinimigos, com aviso que teveram do socorro, vi-nham todos alegres correndo ao mar largo em bus-ca dos nossos e fazendo conta de vingarem nelesa afronta passada. Juntaram-se os nossos navios

z5 tâ,o atracados um no outro, que ficaram como umsô e logo começaram a varejar os inimigos com suaartilheria, com que fizeram neles maravilhoso es-trago, porque se nâo perdia tiro; e vindo às mâos,foi tanto o valor com que se mantiveram contra tâo

3o excessivo nûmero de embarcaçôes e homens, que

17, bem escançad,o.' bem sucedido. Isto é: <aindaûoi uma sorte conseguir reûnir aqueles homens e naviosn.

z6o

ANArS DE D. IO.4O rI I

claramente se viu fôra. mais milagre de Deus queobra de fôrças humanas. Porque os inimigos perde-ram ametade das embarcaçôes, ùas queimadas, ou-tras metidas no fundo, e da gente mais de seiscentos

-5 homens, sem da nossa parte faltar mais que um s6,inda que houve muitos feridos.

Mas nâo era em mâo del-rei de Bintâo dar ùa horade sossêgo à fortaleza. Crecia na indinaçâo com asperdas e temia minguar em crédito c'os vizinhos,

ro sendo priblico que o havia com poucos homens eêsses cortados de doenças e mortos de fome. Passa-ram dias: vêo a saber que estavam os nossos tâodeminuidos em nûmero, que eram poucos mais decem homens os que havia na cidade pera poderem

15 tomar armas, de que alguns eram enfermos. Deter-mrnou cercar-nos por mar e terra: {oi o conselhoforjado entre Laxemena, que andava desvalido dorei e desejava tornar a sua graça, e um renegadoportuguês, cujo apelido antes de negar a fé era

eo Avelar. Dizia êste Avelar a el-rei que, se queriade ûa vez acabar os portugueses, lhe desse gentepera os combater por terra e Laxemena lhe tolhesseos mantimentos e comércio do mar.

- Foi esta guerra tâo prejudicial e apertada, que

z5 chegou a valer ûa ganta d,e arroz, què e na meaida nâo grande, dez cruzados, e ûa galinha dous. Esendo o mar fechado por êste modo, o Avelar porterra fazia as suas entradas e acometimentos, ùasvezes como rebates de almogâvares e outras com

20, ût'):ta ro ms,25, ganta: merJJda drr Malaca, quc cquivale apro-

ximadamente à canada; pêso <le z4 onfas.zg, rebates: surt idas.

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coLECÇÂ] Dri cL{.ssrcos sa DA cosTA

fôrça de gente, com que se padecia muito trabalhopor ser necessârio manter estâncias e vigia conti.nua. E com tudo, em dous recontros que teve con-nosco, se désenganou el-rei do pouco que podiam

5 contra os portugueses sua fôrça e manhas; porquelhe matâmos gente e tomâmos embarcaçôes. E assicessou por algum tempo de nos perseguir.

Neste estado estava Malaca quando chegou a elaPero Mascarenhas, que partiu de Cochim em B de

ro maio dôstc ano, clespachado por D. Anrique comquatro vclas, cm <1ue lt:vava trezentos e cincoentahomens e muitas r: boas muniçôes. Tanto que PeroMascarenhas tomou posse da capitania e conheci-mento do estado e cousas dela, logo se determinou

ri em nâo tomar hora de repouso até destruir e acabarde todo êste tirano de Bintâo. Porque, segundo asinquietaçôes que nos dava, temia poder-se perdernela o comércio, que era s6 o que lhe dava riqueza,poder e lustre, acudindolhe de todo êste Oriente,

20 como a ùa feira continua, todo género de mercado-rias e mercadores mouros e gentios, que agora polosdanos que recebiam começavam de se ausentar ebuscavam outras terras.

Para princfpio de guerra quis correr com o estilo25 que Jorze de Albuquerque usara, tolhendoJhe pri-

meiro os mantimentos que lhe entravam polo rio, peradespois de enfraquecido por fome ficar mais fâcilde render por armas. Mandou a isto um galeâo edous navios de remo, de que deu a capitania a Aires

3o da Cunha, filho de Rui de Melo da Cunha, seu ca-pitâo-mdr do mar. ÛIas êle achou tal corrupçâo de

z, estâncias: postos de guarda.

202

ANArS DE D. IOÂO rIr

ares no sitio, que se tornou com a m6r parte dagente morta. E assi começou Pero Mascarenhas aexprimentar as miserias, fomes, infermidades efalta de tudo quâsi no mesmo grau de seu ante-

5 Cessor.No mesmo tempo que estas cousas colriam em

Malaca era chegado a Maluco D. Garcia Anriques,cunhado de Jorze de Albuquerque, com provisâoque alcançara do governador D. Duarte pera ir

to suceder a Ant6nio de Brito, que, se bem nâo tinhaacabado seu tempo, requeria sucessor com instân-cia, por ver que estando em gueffa continua comel-rei de Tidore quâsi dês do dia que fundara aquelafortaleza, nâo havia de nenhûa parte quem se doesse

.r5 dela nem dêle, ou the acudisse com algum favor.E com tudo, quando viu o sucessor em casa, foi

maior o desgosto de se ver tirar, que de padecer oque padecia. Houve fogo de paixôes, bandos e re-querimentos, nâo faltando atiçadores como é ordi-

zo nâno, até que, como fidalgos sisudos que amboseram, se vieram a compor em que Antônio de Britothe largaria o cargo, tanto que tevesse acabado umjunco que fazia peru trazer sua casa e fazenda: e assio cumpriu. E ainda que sôbre a detença que fez em

e5 deixar a terra, que foi até fim dêste ano em quevamos, se tornaram a atear novos desgostos, serviuo tempo que estiveram conformes pera acordaremde mandar descobrir as ilhas dos Celebes, em quese dizia haver ouro.

jo Distam estas iihas sessenta iéguas de Maluco.Partiu ao descobrirnento o almoxzrri{c' da fortaleza

r8, band,os: disputas de partidos.

263

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em ta fusta; tocou em três ou quatro; mas achou agente tâo sisuda, ou tâo ociosa dè sua liberdade que,1en$o panos que levava em sinalderesgateedenian_da do ouro (deviam ter notfciadago.rràquecustava

5 a Maluco o seu cravo) em nenhûa'foi reCebido commenos que arcos e frechas e ânimos alterados. poloque d,eterminando fazer volta pera Maluco, ao des_viar das ilhas lhe deu um temporal que o levou aum mar largo e desabrigado, no quai correndo da

ro pôpa semprc contra o nascente bàas trezentas lé_guas, s()gun(lo tr cstimativa clo piloto, foi dar em ûafermosa ilha, frcsca dc arvoredà c gr.ancle dc terras,de gente branda, simpJes

" ,.m *âHcia; t_rs corpos

bem feitos e enxutos, barbas largas a nosso modo,15 alegres na vista e tâo bem assomÉrados que parecia

estarem na primeira inocência natural.Mostrando-selhe metais, feno, estanho, cobre

e ouro, s6mente do ouro significaram ter noticia; eace_navam pera ûa alta serra contra o ponente,

zo onde o havia. Mas o que fez mais espanto aos nos_sos foi verem que tinham grandes

" bem lavrados

. paraus, nâo tendo uso de ferro. Ao que responde_mm, perguntados, com mostrarem espinhas àe pei_xe, que faziam efeito de todos os ,rosios instrumen-

z5 tos de ferro e aço. Aqui se detiveram quatro mesescomo em suas casas até entrar a monçâo; e demar_ca.da a ilha e posta na carta de mareai com o nomede Gomes rl.e Siqueira, que era o piloto, tornaramem salvo a Maluco, jâ entrado o ano seguinte.

coLECÇ,4O Dn cLAssrcos sa DA COSTA

14, en.*utos: pouco gordos, musculosos.

ANAIS DE D. IOA.O I I I

CAPITULO XV

Das naus que êste ano partiram da fndia pera oreino e do reino pera a fndia, e sucesso que

ùas e outras teveram

Entramos em ano novo e é tempo de darmos ra-zâo, segundo nosso costume, das naus que nele vie-ram da India e das que no mesmo partiram dêstereino. Cinco naus achamos que despachou de

5 Cochim, na entrada dêste ano de 26, o governadorD. Anrique com a carga ordinâria de especiariapera o reino. Os capitâes foram D. Diogo de Lima,filho do visconde D. Joâo de Lima, Diogo de Se-prilveda, que acabara de servir de capitâo de Sofala,

ro Joâo de Melo da Silva, D. Joâo de Lima e Diogode Melo. Destas cinco se perderam duas: a de Joâode Melo da Silva em tal paragem que nunca maisse soube dela; a de Diogo de Melo, pera fazer maislastima, à vista e ares da pâtria na barra de Lis-

rj boa; mas salvou-se a gente tôda.No mesmo ano mandou el-rei despachar em Lis-

boa cinco naus pera a Ïndia sem lhes nomear capi-tâo-m6r. Os capitâes que as levaram foram Fran-cisco da Anhaia, Tristâo Yaz da Veiga, Vicente Gil,

:o armador, Antdnio d'Abreu, que ia provido da capi-tania-m6r do mar de Malaca, e Ant6nio Galvâo. Astrês naus primeiras chegaram a Goa com pr6speraviagem por fim de agosto. Das outras duas inver-nou em Moçambique Antdnio d'Abreu; c Ant6nio

:5 Galvâo, porque saiu de Lisboa no môs de maio,

8, bisconde no ms.

z6<

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COLECÇîO DE CLASSICOS SA DA COSTA

tomou sua denota por fora da ilha de S. Lourençoe foi dar entre as ilhas de Maldiva, o que tudo fbicausa de chegar muito tarde à India.

-

De algûa gente nobre, que nestas naus e nas doj ano passado se embarcou pera serviço de seu rei e

da pâtria, achamos ûa memôria na ôasa da India,que indistintamente aponta os nomes dos homenssem particularizar armada nem naus. E confessoque me faz escrûpulo deixar de lhes dar fama nestes

ro escritos; porque, além de nâo haver crdnica de rei,se é desacompanhada de vassalos, nâo merecemmenos honra os que com generosa determinaçâo seofereceram aos perigos do mar e inclemências docéu, ficando ora sorvidos das ondas com naufrâ-

15 gios, ora consumidos de doenças dos ares pestiferosde climas_destemperados, què aqueles qui especi_ilcamente louvamos ou por morrerem animosamentepassados das lanças e ferro inimigo, ou por ganha_rem, grandes vit6rias. Que, se é verdade que diante

zo do juizo- dos que bem entendem e que côm justospesos sabem avaliar as cousas, nâo tem menos preçoùa vontade determinada pera emprender feitos hi_r6icos,_ inda que desfavorecida do sucesso, que ovalor daqueles que venturosamente os acabam,'obri_

z5 gaçâo me parece dos que nos encarregamos dêsteoficio de escritores, fazermos igualmefte mem6riade uns e outros, tôdas as vezes que em registos tâoautênticos como sâo os da Casa aà India se nos des_cobrirem.

30 Os que se embarcaram êstes dous anos sâo os se-guintes: Joâo da Cunha, filho de Rui da Cunha,Manuel da Silva, filho de Ant6nio da Silva de pom_beiro, Aires da Fonseca, irmâo de Garcip de Castro,Alvaro Coutinho e Fernâo Coutinho e Àntônio Cou_

ANArS DI i D. JOÂO I I I

tinho, filhos de Francisco Coutinho, Simâo de Sou-sa, filho de Duarte Galvâo, D. Ant6nio de Castro,filho de Jorze de Castro, Jorzc Paçanha, filho deLourenço Paçanha, Fcrrrâo da Silva, filho dc Gon-

5 çalo Rodrigues de Magalhâcs, Manucl de Siqueira,Antônio Moniz, filho dc Jorze Moniz, .|oâo de Melo,filho de Alvaro da Cunha, fronteiro-m6r do Algarve,D. Francisco de Castro, filho.de D. Antâo d'Alma-da, Francisco de Melo, filho de Francisco de MeIo

ro Câceres, D. Fernando de Eça, Lopo Botelho, JoâoCoutinho. filho de Francisco Coutinho. E o titulodo caderno, em que estâo lançados - <rl-ivro dosanos de 1525 e 1526, dos fidalgos que neles passa-ram à Ïndiari.

15 Nestas naus mandou el-rei novas provisôes peraa sucessâo da governança da India, que foram causade.. .

Neste ano foi às Ilhas por capitâo-m6r Garcia deSâ com três naus e sete caravelas a esperar as naus

zo da India.No mesmo despachou el-rei a primeira armada

que foi em seu tempo ao Brasil: capitâo-m6r Cris-tdvâo Jaques. Foi correr aquela costa e alimpâJade cossârios, que com teima a continuavam polo

e5 proveito que tinham do pau brasil. E eram os mais,dos portos de França do mar Oceano.

A ret icência s iRni f ica. r r r ruL l r rcuna no manuscr i to.do rnav Oceano: do Al lânt ico.

17.26,

266 267

it-

Page 146: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

No fim do ano passado deixâmos recebida a ifanteD. Isabel em Almeirim com o emperador CarlosQuinto, por meo de seu procurador Grlos depopet.Agora temos segu,ndo recebimento, porque se impe_

i g9y e vêo segunda dispensaçâo do papa ClemeirteSétimo, na forma que convinha pera iirar todo oescnlpulo que se oferecera na primeira, de que selez auto com o treslado do Brive, assinado polosembaixadores Popet e Estrlnhiga. E logo aos

^vinte

ro dias de janeiro dêste ano em que o"-oJ d,e 526, îezo segundo despos6rio o m'esmo bispo de Lamegocom as mesmas palavras e solenidade que fizerao primeiro.

E como el-rei tinha prestes e a ponto tudo o que.r5 convinha pera a ifante se poder ir, sinalou p"râ a

partida o penriltimo dia do mesmo mês de iâneiro.No qual saiu de Almeirim ûa terça feira atompa-nhada del-rei seu irrnâo, que por se achar indispo-stoe nâo deixar a rainha, que andava mui vizinha a

?o seu primeiro parto, chegou até a Chamusca, por, onde era o caminho, e dai se tornou. passaram càm

ela os ifantes D. Luis e D. Fernando, que na raiahaviam de fazer a entrega, e o rnarquès de Vila--Real, que ia por embaixador e pera à entregar ao

e5 emperador.Foram celebres e grandiosos os gastos que o mar-

quês fez-nesta jornada, de que achamos ielaçâo em

C0LECÇAO DE CLASSICOS SA, DA COSTA

CAPÏTULO XVI

Segundo recebimento da ifante D. lsabel, comSua partida

Badajoza chegada de nova dispensaçâo.

pera Castela e entrada em

ANArS DE D. JOA.O I I I

Memdrias que temos do prirneiro conde da Casta-nheira: famoso acompanhamento de criados e gentede pé e de cavalo e ricas librés; quarenta azêmalasde sua recâmara, com reposteiros quarteados de

5 branco e preto e bordados, ç no meo a sua divisa doâleo; e a da sua cama com reposteiro de veludocarmesi com bandas de tela d'ouro; vinte quatroalabardeiros vestidos de suas côres e vinte e quatromoços da câmara a cavalo.

ro Em 14 de fevereiro dêste ano se fez a entrega daemperatriz no rio de Caia; e havia um ano pontual-mente que no mesmo lugar e no mesmo dia de 14de fevereiro fôra entregue a rainha .D. Caterina aosmesmos ifantes, pera vir casar com el-rei D. Joâo.

15 Saiu Sua Majestade a emperatriz da cidade de Elvasem ûas andas de brocado descobertas, cercadas deoito moços da estribeira, vestidos de jaquetas debrocado e calças de grâ, e outros oito de calçasbrancas e jaquetas de veludo negro, e trQs ps.gsng

eo vestidos de tela d'ouro.Iam diante o rei d'armas Portugal e o arauto Lis-

boa, com suas cotas d'armas sôbre roupas de velu-do forradas de setim alionado e quatro porteiroscom maças de prata douradas, e com êles o aposen-

25 b.dor, que levava as tâbuas, pera quando Sua Ma-jestade houvesse de passar-se à mula. fam a destroùa mula com andilhas de prata, guarniçôes de telade prata sôbre veludo alionado, e ûa faca pomba

dleo: arimaT alado.

faoa: cavalo pequeno e forte.pomba: branca.

6,28,28,

26g268

Page 147: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

COLECç,4O DE CLASSICOS SA DA COSTA

com guarniçôes de tela de prata, fundo de brocadode pêlo e guarniçôes d'ouro e seus telizes; o damula de veludo avelutado carmesi; o da faca develudo avelutado amarelo. Os dous ifantes iam de

j ûa € outra parte das andas à gineta, vestidos emsaios e capuzes de coutrai frisado e barretes redon-dos pretos, sinal de d6 pola morte da rainha D. Lia-nor, sua tia.

Chegados ao rio de Caia, passou-se a emperatriz-ro à mula pera receber os senhores castelhanos. Ali

parados e feita com trabalho ùa grande praça, por-que havia povo sem conto, foram chegando os se-nhores castelhanos que vinham peftr a receber, ediante deles a companhia e aparato que cada um

t 5 trazia.Vêo primeiro a do duque de Béjar D. Alvaro de

Estûnhiga. Eram oito trombetas, cinco charamelas edezoito pagens, todos bem encavalgados, parte mu-las, parte cavalos. Os ministris de roupas verrne-

:o lhas, barradas de veludo preto, as mangas esquer-das entretalhadas de preto e nelas uns AA negrosatrocelados de branco. Os pa.gens com saios de grâbarrados de veludo preto, e os AA'bordados nos pei-

. tos e nas costas. As bandeiras dos estormentos dosz5 ministris de damasco branco, bordadas de chaparia

de prata e nelas suas aûnas bordadas, que sâo flabanda negra em campo de prata e ûa cadea d'ouroque atravessa o escudo. Entraram logo do arcebispo

2, telizes: panos da sela.6, coutyai: pano de Coutrai.

rg, ministtis: tocadores de instrumentos.22, atrocelad,os: atorçalados, ornados de torçal de

sêda branca.

270

ANAIS DE D. TOA.O I I I

de Toledo, D. Alonso de Fonseca, doze trombetas,seis charamelas e três mulas de atabales. Todos ves-tiam roupas vermelhas barradas de veludo verde,as mangas esquerdas bordadas de verde e atrocela-

5 das de amarelo, bandeiras dos estormentos dos mi-nistris de damasco carmesi franjadas d'ouro comsuâs armas bordadas, que sâo cinco estrelas de san-gue em campo d'ouro.

Seguiam ûas andas de veludo preto cercadas dero vinte e quatro lacaios, vestidos de calças e jaquetas

de grâ, com suas gonas sem guarniçâo; e cincomulas a destro, guarnecidas duas de veludo car-mesi, ûa de rôxo, outra de lionado e outra de preto.Entrou o duque de Calâbria, trâs muitos senhores

15 que lhe faziam companhia, vestido em roupa de se-tim preto forrada de martas, saio de veludo pretocom barrete de volta de pano, em ûa mula guarne-cida de negro. O arcebispo à sua mâo direita comroupas de carmesi forradas em martas, barr'ete ver:

zo melho, mula guarnecida de cannesi. O duque de Bé-jar da outra parte em um ginete castanho, bemguar-necido de jaez largo, a sela lavrada de fio d'ouro,sua mochila da feiçâo das antigas. Êle vestido emsaio de setim preto, capuz de coutrai frisado, bar-

z5 rado de veludo preto. E porque trazia dô, barbacrecida, que lhe dava muita autoridade.

Os que diante dêste senhor iam eram D. PedroSarmento, bispo de Palencia, o conde de Riba-gorça e D. Afonso d'Azevedo, conde de Monte-rei

jo eD. Afonso da Silva, conde de Cifuentes. Êstes se-nhores com outros muitos vinham com o arcebispo

25, trazia iIô: estava de luto.

27r

Page 148: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

e outros com o duque de Béjar, todos bem acompa-nhados, seus pagens e lacaios vestidos de suas iô_res, exceito o conde de Cifuentes, que vinha de luto.Passando a ponte qesta ordenançï, ap"uoa*_s" e

5 chegavam a beijar a mâo à emperatriz. Ultima_mente chegaram e se apearam o dùque de Calâbriae o arcebispo e duque de Béjar; e ela fazendo_lhesmuita honra, foi mais particular a que fez ao deCalâbria. Tornando a iavalgar forarn_se pera os

ro ifantes e, mostrado o-.poder {ue traziam dô empe_rador, que foi visto c lido, troôou_se todo o acompa_nhamento.

_ l-)espediram-se os ifantes de sua irmâ e o ifante

!. Luis pôs ao duque de Calâbria em seu lugar e o15 de grâ, com suas gorras sem guarniçâo; e cinco

do arcebispo ficou o^duq re_ de Béjar; àa do duquede Calâbria o marquês dé Vita_Reai com o embaixa_dor monsior de la Chaux, e da outra parte Joâo deEstunhiga. E nesta ordem se fez a entàda em Bada_

zo joz. Foi recebida debaixo de pâlio, que levaram emdoze varas doze regedores di cidadê. Houve arcostriunfais e no dia seguinte touros e canas e desafiosde justas. Daqui caminhou pera Sevilha, onde entrou:-... d: março, onde foi o recebimento com ap:lxa_

z5 tos conformes ao grande poder daquela rica cidadee ao muito amor que tem a seus principes.. ram por mordomo_mdr da emperatriz Rui Teles

de Meneses e por veador,Joâo de Saldanha. É pontode_notar que mandou el_rei corresse por sua conta

3o todg o gasto da emp_eratriz até chegarào lugar ondese houvesse de recèber com o emlerador é quinze

COLECçÆO DE CL,4SSICOS SA DA COSTA

. 24. A reticência marca uma lacuna no manuscrito.A imperatriz entrou em Sevilha

"" ;ri""I;;;J"'ru..ço.

272

ANArS DE D. JOÂO rI I

dias despois de recebida. Êste gasto levava a cargoFernâo d'Alvares d'Andrade e assi todo o paga-mento do dote da emperatriz, que o soubc governarcom tanta destreza e prudência, que a cmperatriz

5 em Castela e el-rei em Portugal se houvcram pormui bem servidos dêle. Mandou-lhe el-rei dar regi-mento em 3r de janeiro do que havia de fazer; emque o advirte que nâo se gastem cada mês mais demil cruzados em compras e esmolas e alugueres de

ro bestas; e que €m despesas extraordinârias, que aemperatriz mandar, despenda até trezentos cruzâ-dos. Nâo limita tempo.

Consta dêste regimento que, além dosreisd'armase porteiros de maças, acompanhavam a emperatriz

15 charamelas, trombetas e atabales.

CAPITULO XVII

Nacimento do principe D. Afonso; e algûascousas notâveis que el-rei fez êste ano

Sâbado, z4 de fevereiro, foi o primeiro parto darainha D. Caterina em Almeirim, festejado de seuspais e por todo o reino como era razâo, por nacerdêle o principe D. Afonso, que assi quis el-rei que

zo houvesse nome; mas durou pouco êste gôsto (comosâo breves todos os da terra), porque o principefaleceu dentro dos anos da inIância. De 16 de marçohâ ûa carta, que o emperador despois de casadoem Sevilha escrev€u a el-rei, que me pareceu digna

8, aduirte: adverte. Por isso adoptâmos,modernizar, a grafia do manuscrito ad,uirtir.

r8

sem a

273

Page 149: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

de- a lançarmos n-este lagar d.e uerbo ad. uerbum,pola grande satisfaçâo q-ue mostra do casamento.r,,lz assr:

r<D. Carlos &c. Al serenissimo, muy alto y muy5 excelente rei mi *ly.ca:g._y muy amado pii-o !,

l:ï"î,"; Et marquéi de Vilâ_real"y n"yf"i"ryari-

tonro d'Azevedo, vuestros embaxjdor"i, m" dieronyuestra- cartà, y me hablaron y dixeron de vuestraparte el contentamiento que de la conclusion de milo casamiento y nuevo deudo que havemos tomado

1î:{-r: _e1e he por muy ciertoiyo lo tenfo tan gran_

oe_que no puede ser mayor y doy muàhas graciasa Nuestro Sefror p-or a,verfo guiaao y efectuado,como mâs largo lo. he dicho alos dichos marqués,15 Ruy Teles y Antonio d,Azeveao,ï ù;;'"" esro meremitto. De Sevilla a 16 de Marzo'ie 526. _ yo,El-rei.>

Na entrada dêste ano confirmou el_rei a D. Ant6-nio d'Atafde os lugares de povos, Cart".rfrei"a ueo Chileiros, e lhe fez inercê qo, poa"rr" iàzer eleiçaodos oficiais da câmera e dâ, o, oficù âe tabeliâes9om9 e a quem lhe parecesse. Êstes lugares herdaraD. Ant6nio de D.. . . . . . . . seu t io.

No mesmo ano ilez S. A. mercê a D. Franciscoz5 Lobo, seu pagem da lança e fitho âo barâo d,Alvito,de sessenta mil réis de ténça

" d". *b;;;as de To-mar, Tôrrres Novas, SourË e po-U"t.---

No mesmo deu a -capitania das ifn", a" Maldiva

a Cristdvâo Leitâo, fidâlgo de sua ";.

-

COLECÇÂO DE CLASSICOS SA DA COSTA ANArS DE D. JOÂO I I I

No mesmo fez mercê de mil c duzentas coroas detença a Francisco de Faria, fidalg<l dc sua casa, queforam de seu pai Antâo cle -t'aria, camareiro e vè-dor-m6r (sâo palavras fnrnrais da carta) del-rei

5 D. Joâo segundo e de scu Cottselho.E a D. Pedro de Meneses, marquôs dc Vila-Real,

confirmou ûa tença de quatrocetttos e cincoenta milréis.

E a D. Francisco de Portugal, conde do Vimioso,ro confirmou outra tença de trezentos mil réis.

Em zo de outubro deu S. A. a jurdiçâo civel ecrime da vila de Linhares a D. Ant6nio de Noronha,seu escrivâo da puridadei e juntamente o titulo deconde da dita vila em sua vida.

r5 Neste ano deu S. A. trezentos mil réis de assenta-mento a D. Afonso de Lencastro, filho do Mestrede Santiago.

E deu a alcaidaria-mdr de Alanquer a Luis da Sil-veira, seu guarda-mdr, polo modo que a teve Rui

eo Gomes d'Azevedo, filho de Gonçalo Gomes, quelha vendeu.

E deu cento e dous mil e oitocentos e sessenta equatro réis d'assentamento ao conde de RedondoD. Joâo Coutinho.

25 Deu trezentos mil réis de assentamento a D. Joa-na de Mendoça, duquesa de Bragança; e deu centoe sessenta mil réis de tença a D. Guimar, mulherque foi de Rui Dias de Sousa, pai de Aires deSousa.

jo E deu cento e cincoenta mil réis dc tença a Tristâoda Cunha, do seu Consclho.

Em zz de novembro {cz S. A. mcrcê da vila doPrado a D. Pedro dc Sousa, dc juro e herdade peratodo sempre, a qual mcrcê declara que lhe faz polos

275

_,- ,"3.,. fguj narece haver um êrro de Sousa. D. Ant6-nro de Ataide herdou êsses lugares ao ."o .o-U.tià"o. f"r_nando de Ataide.

274

Page 150: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

COLECÇÂO DE CLASSICOS SA DA COSTA

muitos e notâveis serviços que dêle recebeu emAfrica, em muitas capitanias onde serviu muitohonradament€, com muita gente de pé e de ca-valo, fazendo grandes gastos e despesas de sua fa-

5 zenda; e diz que a vila é a mesma que S. A. houvepor compra de Martim Afonso de Sousa. E junta-mente ihe fez mercê do titulo de conde da dita vila.E aos 17 de dezembro lhe mandou passar carta deassentamento de conde, de cento e dois mil oitocen-

:o tos e sessenta e quatro réis.

CAPITULO XVII I

Guerra de Africa e sucessos de Arzila. Cati-veiro de Lourenço Pires de Tâvora; morte de

Alvaro Pires, seu irmâo

Entra segundo ano dé Ant6nio da Silveira emArzila com o de 526 em que vamos. Em principiosde janeiro, tendo nova, por dous mouros de cavaloatalhadores, que Artur Rodrigues, almocadém, por

.-rj sua indristria cativou, que estava o campo de paz,determinou sair fora e foi-se lanÇar com sua bandiirae guiâo em Bena-mandux, à entrada da bôca de Be-na-marés; e foi a corrida tâo larga o desembaraçadade inimigos, que alguns de cavalo chegaram a UOca

zo de Benamede e se fez ia boa presa de cem cabeçasde gado vacum e sete ou oito mouros. Estimarà ocapitâo o sucesso, por ser a primeira vez que lan-çara a bandeira fora, se lhe nâo aguara o gôlto dêlea morte de Afonso Pinheiro, atalaia, que seguindo

14, atalhailoyes: exploradores do campo.

276

uns três mouros de pé e decendo-se do cavalo por

lhe nâo escaparem em ûa ribeira onde pretenderam

salvar-se, vêô a braços com um e no mesmo tempo

o acometeu outro por detrâs com um punhal e o

5 feriu de maneira, que quando os companheiros che-

garam a socorrêlo estava jâ em estado quclhesmor-

reu nas mâos.Pouco tempo despois vêo el-rei de Fez correr a

Tângere e à vila e sem fazer maior feitio que tomar-

ro -nos-ûa atalaia e matar oufta, se recolheu' Porém

o mal que êle desejou fazer tevemos logo despois de

.o" *ort" por mâo! de Muley Abraher-n e.do alcaide

de Alcâcerè, seu cunhado. Acabou el-rei Mahamet

sua c"rrei.a mortal passada esta riltima corrida e fa-

rj l€cendo deixou mandado que no reino lhe sucedesse" d" pr"r"r,te seu irmâo Muley Boaçu-,--e despois

-damorte de Boaçu entâo tomasse a seu filho maisvelho

Muley Hamel, a quem p9r bo-r.Il direito pertencia

logo.- Foi sementeira de disc6rdias, 6dio .e mortes'

zo màis que disposiçâo de homem sisudo.Tomou Boàçu-posse do reino, com efeito' Hamet

ficou-se com as esperanças de longe' Do que sendo

muitos mouros principais mal contentes, era um

deles Muley AÈrahem, filho de Ali Barraxa'

zç alcaide de Xixuâo e Targa, e teve ânimo pera

nâo acudir ao chamado de Boaçu, antes escre-

veu a Muley Hamet, com quem de tempos atrâs

professava àmizade, que se-êle fôsse rei, como era

iazâo, tinha em Muley Abrahem vassalo ficl e amigo'

3o Mas como esta matéria era de tanta instância' quis

ter conforme consigo o alcaide de Alcltccre pera o

ANAIS DE D. JOAO I I I

g, feitio: obra, Ieito.

2rn

f :

Page 151: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

que podia suceder; -porque, além deterpormulherûa

irmâ sua chamada Sidoli, merecia o alcaide ser esti_mado por sua pessoa e valor. pera êste efeito tratouque s€ vissem; e por tirar ocasiâo de suspeitas ao

5 novo rei, assentaram correrem ambos a Arzjla ecomunicarem-se, no_ campo, bastante capa peracobrir a determinaçâo ma]s secreta-.

Era fim de maio e dia de Corpus Christi, queêste ano caiu aos- z9: vieram_se ;unta, e lançar àmro cilada no palugal, ,ôbr" o porto a" at"_"d;iq;;;sitio tâo vizinhà da.vila, qu. o ut*niava ùa peçagrossa de artilheria (chamaïam_lhe rro Leâor,t,'q;;agora estâ em Tângere. Daqui despediram o almo_cadém Alibenaix com vinte -e

dous de cavalo, que15 se fôsse esconder no porto e, saindo as atalaias, cài-r€sse a elas até as tomar, ou as eucerrar dentro nastralqueiras. porém ao recolher-se nâo tomassempolo mesmo porto de Alemoquiqu., *, por outroque chamam do Canto, que ê mais além quâsi umt" !!:_de

besta, p"r. qo.,.âinao afgun, nossos a êtes,rnesrcasse a gente da cilada através e nâo escapasse. nomem.

Isto assi assentado, vêo a suceder tudo em favordos mouros, como se com um compasso o estiverame5 traçando e disenhando. Sairam ataiaias; foi ûa des_cobrir a ribeira: arrebenta Alibenaix cfm os seus:vem tomâ_la sôbre o vale do facho à vista do adail.

, Nâo tinha o adail Joâo tttoniz consigo'Àai, que seis-

ou sete companheiros: reconhecerrdî "",

Alibenaix30 com gente do Farrobo, foi_se trâs êles pouco a

coLECÇ.4O DE CLA.SSrcOS S,4 DA COSTA

.r.9,. -Campo, na ed._de lferculano. No ms. escreveu_-se inicialmente canto. Veja_se t.J"

" ."g"i.'"'

"

278

ANAIS DE D. JOAO I I I

pouco, dando lugar a que se lhe viessem juntandoalguns cavaleiros.

Nâo se esqueceu neste passo Alibenaix do que lheestava mandado: podendo passar a ribeira polo

5 porto vizinho, foi-se demandar o do Canto, que foium sinal manifesto, se os nossos teveram discursoe olhos abertos, que tinha costas quentes, pois alar-gava o caminho que podia encurtar. Chegava nestetempo o capitâo ao facho com alguns de repique,

lo e vendo ir o adail nas Lombas do Côrvo trâs os al-mogâvares, passou o vâle e foi-se pôr sôbre o Côr-vo, onde se lhe foi juntando tôda a cavalaria davila. Mas notando daqui que o adail, com algunsdesmandados que o seguiam, corria contra o porto

r5 do Canto, (pareceu que lhe revelava o coraçâo operigo que podia haver), despediu Alvaro Pires deTâvora com vinte de cavalo, mandando-lhe quedissesse ao adail que por nenhum caso passasse oporto e se recolhesse logo.

zo Nâo falta quem diga que Alvaro Pires'tomou alicença, pedindo-a e negando-Iha o capitâo, géneroinfelice de mostrar valentia e vicio natural de por-tugueses, que muito dano lhes tem causado em todasas partes, desculpado, se tem desculpa, com um

25 impeto de côlera, que nâo sabe ter rédea nem temerperigo. Fez enveja a remetida de Alvaro Pires atodos os que ficavam. Nâo quisera ficar nenhum.Acrecentou o alvoroço ia voz de dous atalaias, quevieram gritando: - Mouro tomado! Mouro tomado!

3o - Aqui nâo houve homem que tevesse mâo emsi, como se o mouro tomado fôra principio e sinal

inteligôncia, esperteza.

ra-l&i:al-, L"&: :

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COLECÇ,4O DE CLASSICOS SA DA COSTA

de desbarate ou cativeiro dos mais, sendo tanto aorevés, que a retirada era irem cevando e levandomanhosamente o adail à cilada. Soltaram_se do ca_pitâo mais de quarenta, sem lhe valerem brados

j nem mandados, nem ferir muitos de fortes contoa_

9i:: " torg3 os primeiros D. Joâo de Sande e logo

Lourenço Pires e Manuel da Silveira.Notava Alibenaix o fio da gente, que despegava

do capitâo; e pera ihe f.azerlobiça e meter mais-ro cristâos na rêde, rsou nova manhâ, que foi fingir

que levava mêdo, dc <1rrc dc.u clous sinâis: primeirî,soltar o nosso atalaia quc levavam cativo; iegundo,fazer ia breve detençâ além do porto, como quequeria voltar, e logo tornar a picar-,

"o*o qo.* io_

15 gja. Jâ neste passo o adail ia àaindo no deimanchoda corrida; e suspeitando mal dos têrmos que viuem Alibenaix, começou a requerer que ninguéï pas_sass€ o porto; mas eram jâ tantos com êie e todos

zo ser homem velho,-nâo-s6 passou logo, mal gritavaque passassem todos. No meo dos brados aé ;oaoCoelho e passagem que muitos tentavam, eis quevem dar volta contra o porto, a rédea solta e cômgrita até o céu, Alibenaire seus almogâvares; e apôs

z5 êles começam a dar vista de si os alJaides com mile quinhentos de cavalo, que nâo trazi.aÀ menos.

Desfazia-se em tanto J vila em dar rebate com, muitas bombardas. E o bom velho, querendo tornar

a tomar a ribeira, pagou primeiro quà todos a teme_

2, ceuando: engodando, acenando com a isca.15, ta calnd.o: ia reflectindo.rS, d,esnancho: precipitaçâo, tolice.

z8o

ANAIS DE D. JOÂo I I I

8, rnais' Âssim llarocc t'slilr no manuscrito'

c:ularro lèu tneo.

z8r

?

ridade com ficar logo morto; e o genro, que fez de-

tença e procurou âe o rccolhor, foi ferido de ta

tania, que lhe passou o c()rl)o ent claro; e a briga

a" it"'ooo aqui iâo crespa c t:stavam os nossos tâo

5 sôfregos e embebidos ncla, rluc quancl-o qulscram' d".pàg"t e buscar o capitâo, comctcndo a subida

das L"ombas, aonde se clcteve grande espaço' e foi

mais sua detença pera salvar a muitos, acharam jâ

tudo atalhado do poder das alcaides, e foram cativos

ro e mortos muitos. Foi morto Vasco Lourenço Aljo-

farinho, pola fraqueza do cavalo que caiu com êle'

Chegou ao capitâà D. Joâo de Sande, porque trazia

o *îlhot ginôte que havia em Africa, havendo jâ

diante delè muitos mouros. Logo mataram Joâo15 Dias do Conde, alcaide-môr de Arzila, e Duarte

Pais' criado del-rei' e Joâo Marinho; e foram cativos

Toào Yaz Aliofarinho e Francisco Lionardes; ficara

inorto atrâs"Alvaro Pires, que acabou pelejando

e foi cativo seu irmâo, muito ferido'

20 A detença que o capitâo fez nas Lombas, assi

como foi ptoltôito." pera muitos dos desmandados'

que a êle se vinham recolhendo, como dissemos'

pudera ser também ocasiâo de se perder, se nâo

lo*"ç"tu a retirar-se à fôrça dos brados de Fernâo

z5 Caldeira e de Pedro Lopes e outros, que afirmavam

ser temeridade e desatino deter-se mais em tal lugar'

E falaram bem a tempo, que logo foi sôbre êle ta-

manho nûmero de inimigos, que lhe foi fôrça voltar

sôbre êles; e dizendo - r<Voltalrr - em voz alta, se

3o misturou animosamente c'os mouros, sem mais com-

-_,. ..5.

Page 153: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

COLECÇÂO DE CLASSICOS SA DA COSTA

panhia que d€zoito ou vinte cavaleiros que o ouvi-ram.Pelejavam todos com grande valentia, quandosai d'antre os mouros ûa Ïança d,u.r"*.rro contra

5 o capitâo, tâo bem.guiada, qie .oft-r"ao o cavalopolos testos e ficando_lhe emperrada nos ossos, deucom êle morto em terra. Foi lr"nà"ïgrita dos nos-sos.vendo o capitâo a pé e acùdiram ioaos com novoesfôrço a ter oi mouros; mas logo .rbtr;;oJi;:ro lhe deu um criado ..u, porà* 3 "".t"

a" sua vida,l:19u"

ficou logo morto diante de seu senhor: glo-nosa morte pera um bom criado.posto o capitâi acavalo e carregando os mouro, ;;; nova firria,tomou emfim as- tranqueir"r, tur.nao_os afastar a.r5 poder de muitas lançadàs.

CAPITULO XIX

P9 qr" mais sucedeu êste dia, e como foi cativoManuel da Sitveira e se ,;' i";raî o adail eoutros, e o alcaide d'Alcâcere rn"nio, desafiarao capitâo

Emquanto o capitâo pelejava e despois procuravarecolher-se e os seus as_tranqueirar, .iâ"il e Fernâoda Silva, Manuel da Silveiia "6iJgâ-ou Silveira,que com outros seis ou sete foram"o. a".rJ"irË, t,

.1T" _9: porto sairam d vârzea,

"*ao la tomado demlmrgos o caminho das Lombas, deteràinaram ir_se

,asros.. casco da cabeça.a te/: a conter.tranqueiras: cêrca que defende a fortaleza.

ANArS DE D. JOÂO I I I

ao longo da ribeira de Bugano, a ver se poderiamtomar a atalaia alta e haver vista do Soveral. MasAlibenaix e os seus, que vinham vitoriosos, aperta-ram tâo rijo com êles, que o cavalo de Manuel da

5 Silveira, que jâ vinha muito cansado, quando foramjunto da fonte de Bugano acabou dc desfalecer detodo.

Aqui foi nova briga e entre os mouros nova con-tenda. Manuel da Silveira nâo queria morrer sem

zo vender bem a vida: dos mouros uns trabalhavampor lha tirar, outros polo tomar vivo, como as ar-mas e ûa marlota de grâ rosada que sôbr'elas ves-tia lhe davam sinal de ser pessoa nobre; emfim aca-baram de o render com três lançadas perigosas,

z5 alora outras muitas de que o defendeu a bondadedas armas; mas durou tanto a sua resistência e acontenda dos mouros, que os companheiros tiveramlugar de se alargar e nâo serem mais seguidos, e em-fim se salvaram e entraram na vila ao quarto d'al-

20 va; porém com assaz trabalho, porque o adail sevasava em sangue das feridas e vinha mui desfale-cido. E com tudo sarou delas, mas perdeu o cargode adail, que o capitâo proveu logo, dando-lhe tôdaa culpa do desmando que houve na briga.

25 Melhor sucedeu a Diogo da Silveira. Viu que lhecansava o cavalo; nâo quis apertar com êle: apea-se,mete-o na ribeira em um pégo até os peitos, cobertode muitas canas, que ali cria a âgua; lança-se àvista dêle em um bisnagal. Descansaram tôda

3o noite ambos e quando viu tudo quieto, foi-se

II, COInO AS ArlnAS: 7)OrS que âs Armas.12, ,narlota: capa curta.zg, bisnagal: campo plantado dc bisnagas.

283

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o,9,

14, J

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COLECÇ,4O DE CLASSICOS SA DA COSTA

vila no dia seguinte, com grande gôsto do capitâo,que deu boas alvissaras a quem lhas pediu de suachegada.

Mas nâo é pera ficar em silêncio outro caso do5 dia da b1S9 A3e muito lhe mitigou ao capitâo o

desgosto dela. Estava nas tranqueiras cheo àe pai-xâo e raiva:, parte pola falta que julgava lhe fizeiamos seus em nâo voltarem todos com êle, quando oschamou; parte por ver nas pontas das lânças dos

ro mouros as cabeças dos nossos que foram mortos norecontro; quando viu chegar um mouro e pedir I_cença pera lhe falar, que mandado dizer o que que_ria, falou assim: - O alcaide meu senhor vos-fazsaber que êle estâ naquele facho descontente do

rj pouco que hoje fez e muito desejoso de entrar emcampo convosco, ou de corpo a co{po, ou de tantospor tantos. Se aceitais a oferta, êle segura o campoe promete cumpri-la.

, Nenhûa cousa pudera entâo suceder que mais

zo desassombrara ao capitâo da malencolia com quese achava. Aleg_remente e sem nenhûa alteraSo:- Cavaleiro - disse - de mi tendes cincoenta cru-zados e um capilhar d,escarlata, se fazeis com o al-caloe que cumpra o que dizeis; que eu de minha

25 pa*e estou prestes e me vou pera êle. E chamandot- Jglo de Deus, um cavaleiio que fôra cativo doalcaide cinco anos, mandou-lhe que fôsse com omouro e dissesse a seu amo que aôeitava o desafioe lhe dava a escolha dos partidos que cometia; e que

20, malencolia no ms. Iferculano interpretou <rme-lancolia>.

_ 23, capilhar: trajo de gala mourisco que se pôe sô-bre a marlota

284

ANAIS DE D. JOÂ.O I I I

285

Tqil

nâo tardassem na execuçâo, pois estavam no campo

e com as armas nas mâos. Ji pondo as pernas ao

cavalo, encaminhou pera o facho, dizendo a todos

que esperassem em Deus vingar a mâgoa daquele

5 di", se o mouro cumprissc qualquer das condiçôesque oferecera.

Mas o alcaide teve bom padrinho em Muley

Abrahem, que sabendo o que passava se vêo a êle

cheo de c6lèra e o reprendeu âsperamente. E logo

ro chamou Joâo de Deus e lhe disse com termo bran-

do e cortês: - Dizei-me ao senhor capitâo que por

mercê lhe peço que nâo faça caso das palavras vâs

de meu cunhadô, que é homem mais montanhêsque entendido em lànços de aviso e cortesia, e jâ

15 estava conhecido de seu êrro e bem arrependido de

lhe ser pesado nesta conjunçâo. E acrecentou que

naquela hora lhe traziam vivos Lourenço Pires de

Tâvora, Francisco Lionardes e Joâo Vaz; se outrosviessem, lho avisaria e todos seriam bem tratados.

zo Recebido êste recado polo capitâo, tornou a des-pedir Joâo de Deus com reposta de comprimentos;mas o-fim era saber da gente que faltava. Foi Joâode Deus alcançar os alcaides jâ sôbre as Lombas,onde achou com êIes Manuel da Silveira, ferido das

e5 três lançadas que dissemos, de que ùa foi assazperigosa por ser por baixo do braço direito e os al-ôaidés tâô contentes de si por terem cativo um primodo capitâo, o que haviam por grande vitôria, quelogo dali despediram o Benganemi, mouro muito

3o conhecido em Arzila e estimado em Alcâcere, comnova visita ao caPitâo.

Era a sustância afirmar-lhc que no meo da boaventura que Deus lhes dera aquele dia, sintiamcomo amigos e bons vizinhos a pena que teria dos

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coLECÇ,4O DE CLASSrcOS 5.4 DA COSTA

cavaleiros perdidos, que lhe pediam a aliviasse comsaber, como tâo exprimentaào, que êstes eram osfruitos que a fortunà da guerra a'"-.i au"u, usando, ""1Pt". _mudanças, jâ olhando a uns com alegre5 rosto, jâ com triste e carregado a outros; qo"

"B*.esta certeza e esperança de alcançar um àia me-rnor, desse passagem _ao desgosto do presente. E

î^.-r,iTt"l da parte de- Muley Abrahem, que therazra saber que muitos dos nossos, que se aôharamro no recontro do porto com os ,eo almogâvares,

eram lançados ao campo, mas que os nâo mandariabuscar nem esperar.

Esta palavrJ cumpriu Abrahem com pontualidade,porque na verdade nâo se ptezava *.rio, de brando

-r5 e cortês na paz, que de oâl"roro "u

lo"rru. Assi omostrou na mesma noite corn LourËnço pires deTâvora; poroue trazendolhe ;-;;;i" îra crrrz!-ourg.aË

rel?quias,-que se achara a seu irmâo Âl_varo Pires, quando foi despojado d;.;;;u e armas,zo logo lha maïdou entregar com tais palavras, quemuito lhe aliviaram "

Àâgoa ao _orio -"

a de suaprisâo.

CAPITULO XX

Corre o capitâo Antônio da Silveira a serra deBenamarés; toma ûa aldea. Conta_se a var ie_dade de vida de )9âo.d-a Siir"iÀ, iorrisco, e smiserével fim que teve

. Nâo passaram muitos dias que o capitâo dese_jando mostrar aos mouros que se achavam poucoe5 quebrantados êle e os. seus ào ,o."rro-que acaba_To"r d9 co_ntar, determinou ir sôbre n"

"fa-"", de que

Joâo da Silveira mourisco a." "

,i"ltr"*" toi o "l-

ANAIS DE D. TOA.O I I I

mocadém. Desejava o capitâo omiziar êste novoconvertido com os seus naturais pera se poder fiardele, e lançou por isso mâo da ocasiâo com maisvontade. Achava-se na vila entâo o almocadém de

5 Tângere Francisco de Meneses com cincoenta decavalo, companhia luzida com que viera visitarAntônio da Silveira de parte do seu capitâo, poladesgraça passada. Pediu-lhe Ant6nio da Silveira queo quisesse acompanhar na empresa, do que sendo

lo contentes êle e os companheiros, guiou Joâo daSilveira pola boca de Benamarés a ûa aldea quechamam Allinaçar.

Chegados a ela, mandou o capitâo apear algunsde cavalo, que com uns vinte soldados que iam

t5 de pê, cercaram quatro ou cinco casas por estaremespalhadas e muito distantes ûas das outras. Por issofoi a presa pequena, que pudera ser muito grande.Cativaram-se dezessete almas, com algûas vacas eéguas e muito gado mirido: o que tudo recolhido, se

zo tornou o capitâo à vila sem contraste nem impedi-mento; e pagando aos de Tângere suas partes, aven-tajou o almocadém na sua com liberalidade, quefoi bem empregada, porque D. Duarte, sintidodele fazer tal ida sem ter ordem sua, o castigou com

e5 pnsâo, de que naceu vir-se Francisco de Menesesdespois de solto pera Arzila e haver algùa quebraentre os dois capitâes.

Mas como contâmos que Joâo da Silveira mou-risco foi o que deu a aldea e o que guiou os nossos

omiziar: inimizar.contraste: estôrvo, perigo, percalço.quebra: zanga, tJ issençâo.

I ,

20,26,

287286

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COLECÇÂO DE CLASSICOS SA DA COSTA

a ela, nâo serâ desagradâvel contarmos também avariedade de sua vida e miséria de sua morte, peraexemplo da. constância com que deve perman-.c.rna fé quem foi tâo ditoso que, chamado por Deus,

5 entrou no nûmero dos seus fiéis e no grémio santode sua igreja. Ficou o capitâo tâo satisfeito de comoêste homem.procedeu na cavalgada, que tendo-o jâpor fiel, visto o que fizera contra os seus, quis obri-gâ-lo mais; e tanto que foram na vila, mandou-lhe

lo dar cincoenta cruzados em dinheiro pera comprarcavalo e armas; c clo seu quinto lhe deu dous boise duas vacas e o casou com ùa mulher viriva, moçae honrada, que tinha de seu ùas casas e bom enxo-val.

15 Em meio desta prosperidade, a que se juntavaser estimado e honrado do capitâo e de todos osfronteiros, o tentou o inimigo do género humanoe o achou tâo fraco, que se mandou preitejar com oalcaide, por m€o de um mouro de neg6cio que anda-

20 ya na vila, que, se lhe desse seguro se iria pera êle elhe entregaria ûa companhia de almogâvares; e, emsinal de comprir o que dizia, lhe mandou um capa-cete que o capitâo the tinha dado. Embebido nestatraça, como todo traidor é fraco, entrou em cuidado

25 qtre o capitâo lhe podia perguntar polo capacete, enâo lhe dando bôa razâo, viria a alcançar seus desig-nios. Assi, sem ninguém o obrigar, se foi ao capi-tâo e armou ûa mintira sôbre o capacete, com queo capitâo ficou suspeitoso e descontente e longe-de

jo o lazer cabeça de almogavaria de importância.

18, preitejar: comprometer, combinar.24, traça: atdil.

288

ANAIS DE D. TOAO I I I

Dêste pensamento passou a outro, que foi inten-tar matar Diogo da Silveira ou Artur Rodrigues'fazendo conta que qualquer cabeça destas, que le-vasse, s€ria estimada dos mouros como feito her6ico,polo grande 6dio que a êstes dous mouriscos tinham.Mas nâo lhe sucedendo, porque ambos estavam avi-sados de seus parentes de Alcâcere que se guardas-sem dêle, emfim desapareceu um dia do campo ese foi presentar ao alcaide em Alcâcere, onde sendofestejado do filho de Cid Naçar, nâo foi bem vistodo pai. Passados poucos dias começou a imaginarno muito favor que tinha em Arzila e no pouco quelhe fazia o alcaide; juntavam-se lembranças da mu-lher, que por virtude e bom parecer era merecedorade melhor fortuna; tudo pensamentos da terra, ne-nhum do céu.

Determinou tornar-se pera os cristâos; e mandan-do prometer ao capitâo outra quadrilha de almogâ-vares mouros, como prometera ao alcaide de Alcâ-cere, e nâo podendo cumprir a promessa por incon-venientes que houve, emfim entrou um dia polaporta da vila e de sua casa. Mas ique diremos à ins-tabilidade e pouca firmeza da natureza humana?No mesmo momento que se viu senhor do que tantodesejava, logo aborreceu tudo; logo lhe fez saùdadea vida mourisca e nâo o teve em segredo. Começoua persuadir a mulher que se quisesse ir com êle; ecomo a nâo pôde mover, saindo um dia a montearcom um moço sobrinho dela, tanto que se viu longeda vila, tomou-lhe a espada e lança, e posto no ca-

6, rtâo lhe suced,cndo: nâo conseguindo o seu in-tento.

TO

I5

25

30

289

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coLECÇÂO DE CLASSTCAS 5.4 DA COSTA

minho d'Alcâcere, à fôrça o levou diante de si e fezpresente dele a Cid Naçar; mas nâo passaram mui-tos dias que pagou esta traiçâo com a vida; porquehouve quem o acusou diante do alcaide que pre-

5 tendia entregar almogâvares ao capitâo de Arzila,e o alcaide, nâo querendo perder tempo em averi-guar a verdade, mandou-o pendurar de ûa amea.

CAPITULO XXI

Cuerra da lndia. Parte o governador de Cochimpera Cananor, despois de despachar Eitor daSilveira pera o Estreito, e a outros capitâes pera

outras partes; morre em Cananor

Deixâmos pa entrada do ano ao governadorD. Anrique em Cochim, despachando as naus de

ro carga que foram pera o reino. É tempo de tornar-mos a êle e vermos o que fez e ordenou e mandounos breves dias que despois teve de vida. TraziaD. Anrique traçado em seu peito fazer jornada sôbre

' a ilha e cidade de Dio, mas com tanto segrêdo, que15 nunca se abriu com ninguém, nem se soube seu di-

senho senâo despois de sua morte; e pera mais dis-simulaçâo, como os apercebimentos que fazia de na-vios e muniçôes eram grandes e nâo podiam estarescondidos, despachou armadas pera vârias partes,

tzo com ordem aos capitâes que o esperassem em para-gens a prop6sito de seu intento, dandoJhes a en-tender que queria ir tomar Adem.

15-16, d,isenho.' designio, projecto.17, apercebiuxentos: preparativos.

290

.4NlrS Dtt D" t rOÂO I I I

A primeira deu a Eitor da Silveira, que foi dequatro galeôes e ùa caravcla e ùa galeota, e no p(tbli-co declarou que ia a bttscar o cmbaixador D. Ro-drigo de Lima às terras clo Pt'c'stc t' ('ltl segrôdo lhe

5 mandou que anclasse no rosto do Catxr de -b'artaqueaté quinze dc março, no qual tcmpo scria com êle;e em caso que o niro fizesse, erttàcl se fôsse deman-dar Maçuâ e tomar o embaixador. Despachou tam-bém Antônio da Silva de Meneses a Dio com pre-

ro texto de trazer roupas pera Malaca, mas o fim prin-cipal era reconhecer o rio e lortaleza e sondarem abarra. E pera mais certeza mandou por outra viaPero Barreto ao mesmo efeito e com êle o piloto-m6rdo Estado. Com Jorze Cabral tratou que, despois

15 de o acompanhar até Cananor, iria esperâ-lo emcerta parte, tempo limitado, com a sua galeota ecinco catures. Mas porque dêstes inviados sô a via-gem de Eitor da Silveira teve efeito, porque as maisforam atalhadas com a morte de D. Anrique, parece

zo razâo nâo passarmos adiante sem dar primeiro contadela.

Partiu Eitor da Silveira em 2 de fevereiro. Eracapitâo do galeâo em que êle ia Nuno Barreto, e dosoutros três, Manuel de Macedo e Anrique de Mace-

zS do, seu irmâo, e Francisco de Mendonça. A galeotalevava Francisco de Vasconcelos, e Fernâo de Moraisa caravela. Navegou direitamente em demanda deSocotorâ, onde fez aguada; e dai passou ao Cabode Fartaque, sôbre o qual andou até os vinte de

jo março, tomando mais cinco dias além do prazo,ao que juntou pera mais desengano outra diligência,que foi encostar-se à costa cla Arâbia e da cidadede Dofar, a ver se cncontrava com algum navio ourecado do governador.

29{

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coLECÇ4q DE CLÂ.SSTCOS SA DA COSTA

Teveram mêdo da armada os moradores de Do-far, com ser a terra forte e bem murada, e pondosuas fazendas e o que mais estimavam em côbro,tomaram as armas e com elas acudiram à praia tâo

5 soberbos, que os nossos se houveram por obrigadosa pedirJhes conta dêste género de rebolarias. Sai-raût em terra trezentos e cincoenta homens, que oslizeram dar as costas com morte de muitos e com amesma arremetida foi entrado e tomado o lugar, que

ro todavia custou a vida a dous dos nossos e boa c6piade sangue a mais dc vinte, sem se achar cousa devalia que o pagasse. Nâo sendo tempo de rnais tar-dar a Maçuâ, foi lançar ferro naquela ilha em pri-meiros d'abril; e porque achou estar connosco de

ri guerra, mandou rodear c'os batéis os portos poronde o povo se poderia embarcar pera a terra firme;mas tendo-se anticipa.do muitos na fugida, todaviainda colheu bom golpe deles no mar, e melhor sacona vila que em Dofar. Havia muitas roupas, que

20 em Arquico foram de proveito, dadas a troco demantimentos e escravos.

Pediram paz despois de saqueados pera evitaremmaior castigo, oferecendo trezentos pardaus de pâ-reas em cada um ano. Outorgou-iha Eitor da Sil-

z5 veira com anticiparem logo o primeiro pagamento.Melhor andaram os moradores de Dalaca, outra ilhavizinha e terra de mais sustância: vieram com rem-po comprar a paz, deram-se por vassalos del-rei de

6,23-24,

25,Parem.

292

rebolarias: farroncadas, bravatas.pdreas: contribuïçâo, tributo.Otorgou-lha no ms.con. antioiparem: com a condiçâo de anteci-

ANAIS DI: D. lO,4O I I I

Fortugal, com reconhocimt'nto de três mil pardausde pâreas, de que logo contaram primeira paga.Terçou por êles a humildadc com quc souberam ne-gociar e o gôsto que o capitiro-m6r tcvc de deixar

5 tributârias duas ilhas em môr contia e com maiscerteza pera o diante do rlue noutro tempo lhe acon-teceu com Adenr.

Passados alguns dias que o embaixador D. Ro-drigo de Lima tardou, e recebido na armada com

.lo outro que o Preste inviava a Portugal, levantou aarmada âncoras aos 28 de abril e foi tomar a ilhade Carnarâo, donde, feita aguada, desembocou oEstreito; e com muito trabalho de temporais e faltade âgua, tomou Mascate e dai se foi invernar a Or-

15 muz, aonde chegot aos z6 de junho.Ap6s a partida de Eitor da Silveira deu o gover-

nador tanta diligência em prover tudo o que cum-pria pera a empresa que trazia na imaginaçâo, quetardou pouco em sair de Cochim; mas primeiro lhe

20 pareceu lazer ia diligência importante pera suasaride. Corrialhe humor a ûa perna, que lha in-chava e lhe tolhia a ligeireza e liberdade que haviamister pera o exercicio das grandes ocupaçôes emque se empregava. Procurou remédio: fez consul-

25 tas com médicos e cirurgiôes: assentaram que dandouns botôes de fogo se iria purgando aquele humorcomo por fonte, e enxugaria a perna. Nâo duvidouda cura, com quanto foi violenta e chea de dores,e o que pior é, pouco proveitosa.

30 No rnesrno tempo quis ouvir Cidc Alli, messageirode Melique Hyaz, senhor tlc Dio, qtre bem entendia

Ttrçou por i/{'..:.' ;rl)rov(iitou-)hes.l tç l jp5 ,1, / r ,gr , ; |1,11i ;15 r le fogo.

29.?

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COLECÇÂO DE CLÂSSICAS SA DA COSTA

vinha mais por espia que embaixador singelo. O ne-g6cio de Calicut tinha espantado muito todos os po-tentados da India, em especial os que possuiam esta-dos e terras vizinhas ao mar. E como o melique

j era um dêstes e em saber e sagacidade se aventajavaa muitos, foi o primeiro que quis com capa de visitae ofertas de paz ver se podia penetrar os disenhosque o governador de novo tinha. Presentou-lhe omouro muitas peças ricas, despois dos comprimentos

-rc que trazia dc amizade e paz. As peças mandou ogovernador (luc tornassc a levar, tomando s6 umassento forrado de madre-pérola, peça de mais lus-tre que valia, com tençâo de a inviar a el-rei nasprimeiras naus que fôssem pera o reino, como des-

"r5 pois lhe foi. E em retorno desta lhe mandou dar al-gùas de preço; e ordenoulhe que o seguisse até Ca-nanor pera lâ o despachar, que foi um modo de oenganar, como dizem, com a verdade, a fim que porûa parte se assombrasse com a grandeza dos apara-

zo tos e por outra, vendo que dêle os riâo escondia, sedesimaginasse de serem contra seu amo.

Partiu o governador de Cochim com dezessetevelas e, determinado em ir de caminho alimpando acosta de inimigos, mandou entrar D. JorzJde IVIe-

zj neses no rio de Chale, duas léguas de Calicut, queabrasou a povoaçâo e quantas embarcaçôes haviano rio. E a seis léguas de Cananor, dando novas oscatures que levava diante de terem visto paraus norio de Maine, fazenclo algazarras contra or nosros

4, nteliqzte: che{e mouro.r J, de as inuiay no ms-15, lhe foi,: lhe foi enviada (ao rei).2a, alga:artas: bravatas, desafios.

2q4-

ANAIS DE D. JOAO I I I

e outras mostras de soberba, sintido do atrevimento,nâo se contentou com menos que ir em pessoa vera barra e disposiçâo do rio; mas csta fragueirice,junta a fla grande indinaçâo que tomou do enganodos catureiros, porque achou que nem a foz tinharemédio de entrada, nem parecia possfvel que taisparaus pudessem por ela ir, dc sortc lhe assanhoua chaga, que quando sôbre tarde a quis curar, en-cheu de mêdo o cirureiâo achando-a cercada den6doas negras.

Chegado a Cananor, foi rogado dos médicos quelogo desembarcasse pera se tratar da cura em terra,como convinha, mas inda os entreteve muitos dias,com que acrecentou o mal de maneira, que nâo

15 estando jâ capaz de remédio, com quanto o marti-ûzaram com muitos cautérios, aos dous dias despoisd.e estar em terra, que foi aos 23 de feverèiro, pas-sou a melhor vida. E nâo foi pequena ajuda peraabreviar a presente, estando jâ no extremo dela,

eo chegar-lhe recado dos dous primos D. Jorze Teloe D. Jorze de Meneses e de Pedro de Faria, quetendo encerrados no rio de Bacanor cem paraus car-regados de pimenta, quando cuidaram de os des-baratar e queimar, teveram tanta desgraça na en-

25 tTada e acometimento, que se tornaram pera a barracom perda de cuarenta homens e muitos feridos.

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COLECçA.O DE CLASSICOS SA. DA COSTA

CAPÏTULO XXII

Abre-se a segunda sucessâo da governança:acha-se nela Pero MaScarenhas. Por serausente, abre-se a terceira, que nomea LopoYaz de Sampaio. Aceita o cargo, e vai pelejarc'os paraLrs Ou tr.il?:; fica vencedor, e parte

Falecido o governador D. Anrique e sepultado nacapela de Santiago da igreja de Cananor, pôs-sologo por obra entre os capitâes e fidalgos que comêles se achavam abrir-se a segunda sucessâo, das

j três que o conde alrnirante levara à ïndia. Achou-senomeado Pero Mascarenhas, capitâo de Malaca,que foi causa de grande confusâo pera todos, consi-derando que, se por êle haviam de esperar, ficavao Estado sem cabeça pera mais de um ano, porque

ro a monçâo de navegar pera Malaca era por maiodo ano presente e a de vir de Malaca pera a fndia

' entrava jâ no ano seguinte. Havendo variedade deopiniôes no que se devia fazer, levou Afonso Mexiatodos os fidalgos a seu parecer, que foi abrir-se a

15 terceira sucessâo, com um assento que assinarame juraram, que quem quer que nela saisse por go-vernador nâo usaria do cargo rnais tempo que até

' a vinda de Pero Mascarenhas. Aberta a sucessâo,viu-se que era nomeado nela Lopo Y,.az de Sampa.io,

zo capità,o de Cochim. Aceitou Lopo Yaz o govêrnocom a condiçâo e juramento que os mais fidalgortinham consintido na abertura da sua sucessâô,

Era Lopo Vaz por natureza diligente e de sua po$olmuito valeroso; nâo tardou em seguir a ordem qUl

ANAIS DE D. TOA.O I I I

D. Anrique levava de alimpar a costa de cossârios.Saiu de Cochim com sete velas, de que eram capi-tâes, da galé bastarda, em que êle ia, D. Vasco deLima, e das mais, Manuel de Maccdo, Henrique de

5 Macedo, seu irmâo, Diogo da Silveira, Manuel deBrito, Diogo de Mesquita, seu irmâo. E correndocom êste intento a costa, achou cartas em Cananorde D. Jorze Telo e Pero de Faria, que todavia esta-vam sôbre a barra de Bacanor, como atÉs disse-

ro mos, em que o avisavam que os mouros se faziamprestes pera navegar, e eram tanta gente e navios,que nâo tinham ambos bastante fôrça pera lhesdefender a saida.

Encheu-se de alvoroço pera îazer sua esta empre-rj sa e despachou a Goa um catur dos mais ligeiros

que trazia, com recado a Antônio da Silveira eCristôvâo de Sousa, que ambos com seus dous ga-leôes se viessem em continente pera Bacanor, ondeos esperava; e mandou a Manuel de Brito que com

zo o seu se fôsse logo juntar com D. Jorze e Pero deFaria, e os avisasse que nâo teria mais detença queem quanto se provia de mantimentos e mais muni-

çôes. Era capitâo-mdr da armada de Bacanor omouro Cotiale, que, sendo informado como o go-

z5 vernador o ia demandar, determinou esperâ-lo emem tema, com dez mil homens que ajuntara entreos seus e os moradores do rio, que animosamenteo seguiam.

Chegou Lopo Vaz determinado em peltrjar; mas

todaui,a: 'a\nda,em oonl inentel imcdiatamcnte.

8,r8,

296

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coLECçÂO DE CLASSTCOS SA DA COSTA

achou contra si a maior parte dos capitâes e fidul.gos de sua companhia: tantas consideraçôes faziatttsôbre o grande nûmero e fortificaçâo dos inimigon,tanto risco fantesiavam na empresa, como se n[0foram êles os mesmos que tinham, pouco havia,desbaratado todo o poder de Calicut diante clololhos de seu rei, abrasado Panane e destruido Cou.Iete. Fundava nisto serem fingidos todos os receioûque lhe punham e nacerem mais de emulaçâo ouenveja da glôria, que a êle Lopo Yaz se aparelhavn(como nos feitos de guerra sempre a m6r honra fic&com o capitâo), que nâo temor de inimigos tantarvezes vencidos; e nâo quebrando um ponto do qucconsigo trazia assentado, tanto que foram com êlgAnt6nio da Silveira e Cristdvâo de Sousa, que achottconformes com sua opiniâo, foi-se um dia ante-ma.hâ, a horas quefazia bom luar, reconhecer pessoal.mente o estado do rio e fortificaçâo inimiga.

Achou que de ùa e outra margem do rio continut.vam grandes e fortes trincheiras de madeira, qrtoterraplenadas e guarnecidas de muita artilheria, r0.presentavam impossibilidade de passar sem perigoa todo o género de embarcaçâo. Ao que se juntnvêterem por êste modo estreitado o canal em demarh,E por lhes nâo ficar nada pot fazet, corriam fll .1tranqueira a tranqueira por baixo d'âgua uns vhfr I

dores grossos, pera que, chegando a êles as nolttlembarcaçôes e sendo de terra entesados, sossobfllrsem. Achou mais que, em ûa volta que o rio rlcntfÊfazia, onde a terra sai com ûa lingua sôbre a égutrtinham levantado ûa cêrca de pedra e terra bËlËentulhada e rebatida, de altura quâsi de um 6tldade homem, provida de boas peças de artilhoricr QËla modo de baluarte de três faces jogavam todC: :H

2q8

ANAIS DE D. IOAO I I I

través ûas das outras. E como gente que devia fazermuita conta dêste forte, juntaram-lhe estacadas aolongo da praia e outros viradores sumidos dentrona âgua nas partes onde julgavam que os nossos

5 poderiam tentar sua desembar.caçâo.Nâo espantado Lopo Yaz da fortificaçâo e artilhe-

ria inimiga, porque, chovendo sôbre êle e outrosdous catures com que foi espiar o rio ûa tempes-tade contfnua de pelouros, passou ida e vinda sem

ro receber dano, mandou primeiro que tudo cortartodos os viradores que atravessavam o rio pera darpassagem franca a nossas embarcaçôes, e logo fezembarcar em três grandes batéis, dos que D. Anri-que tinha mandado lazer pen a jornada de Dio,

.r5 trezentos homens, a cento por cada um, a cargo dePaio Rodrigues de Araujo e Manucl clc Brito, e ou-tros trezentos em bargantis, pera saltareln dc umgolpe todos juntamente em terra; e mandados ôstesna dianteira, êle os foi seguindo com todo o restcr

zo da gente e navios de remo, em que havia mil solda-dos portugueses, afora remeiros e marinhagem decanaris e malabares.

Eram horas que o sol começava a apontar sôbre ohorizonte, quando os nossos, ao som de muitas trom-

z5 betas, com grita que feria as nuvens, nesta ordemcomeçaram a entrar o rio, com tanta fôrça e vivczano remo, que mais pareciam voar polos ares quecaminhar por âgua. Tinha o governador notado umlugar junto ao baluarte que acertou a ficar livrc das

jo estacadas e embaraços que cingiam os mais: mandouum catur guiar a êle os batéis dianteiros, e pera di-

r7, barganl is: bergant ins, barcos pequenos

299

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1i

)}LECÇA.O DE CLASSICOS SA D-4 ()O\'.|'A

vertir os inimigos fez sinal de acometer a ûa lllrrtoe logo tornou a outra que êles nâo cuidavam. Arclirneste tempo o rio todo em fogo e trovôes das bom'bardas de terra e da nossa espingardaria, e a frèchn'

5 ria dos rnouros era tâo espessa, que cobria o sole nos feria grande nrimero de gente em todos ognavios. Mas, passando os batéis a abordar com obaluarte polo posto que dissemos e lançados nêleos primeiros trezentos e ap6s êles os que iam nos

ro bargantins, foi tal abraveza com que menearam osbraços e armas, que por muito ânimo que os defen'sores mostraram, fiados em sua multidâo e na fôrçade suas tranqueiras, foi o baluarte entrado e ga-nhado.

rS Entretanto o governador, tendo ameaçado que-rer acometer ûa tranqueira, aonde coffeu logo grossonrirnero de gente, despediu Pero de Faria que pas'sasse ao posto em que estavam os paraus e lhesdesse fogo, que era o fim principal da empresa,

eo Aqui foi a maior fôrça da peleja, com ùa desusadafiiria e teima dos mouros, obrigados do amor dafazenda; mas acudiu por ûa parte Antônio da Sil-veira e por outra o governador, e à fôrça de lança-das e espingardadas os fizeram retirar e ver de longe

z5 a labareda de suas embarcaçôes e pimenta, que tudo,,ficou feito cinza em poucas horas com morte dQmuitos. tl.;{

Pera com os nossos foi grande o favor do céu;'|',porque sendo feridos oitenta e cinco, nâo houvo

3o mortos mais que quatro. Ficou em poder do gover.nador tôda a artilheria do baluarte e tranqueiras,

r, d,àuertir: desviar a atençâo.

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ANAIS DE D. TOÂ.O I I I

que passou de oitenta peças; os paraus queimadosforam setenta e tantos. Dos inimigos que morreramse nâo averiguou o nûmero, mas ninguém duvidouem ser muito grande, vista a constância com que

5 resistiram. No iugar mandou o governador que senâo tocasse visto ser del-rei de Narsinga, com quemtinhamos paz. Daqui partiu pera Goa, onde despoisde algûa contradiçâo que F-rancisco de Sâ lhe fez,emfim foi aceitado por governador; e despachando

ro armadas de importância pera vârias partes, mandouûa nau a Malaca a Pero Mascarenhas com novas desua sucessâo e provimento de roupas de Cambaia,que o governador D. Anrique em sua vida mandarabuscar a Dio.

CAPtrTULO XXII I

Parte Lopo Vaz pera Ormuz e torna pera alndia. Entende em prover as fortalezas poianova que tem dos Rumes. Ei tor da'Si lveiratoma algûas naus de Meca. Pero Mascare-nhas, tomado o titulo de governador, vai sôbre

Bintâo

15 Eram tantas as queixas que el-rei d'Ormuz e Xa-rafo, seu guazll, tinham feito ao governador D. An-rique e agora faziam a Lopo Yaz, qae êle se deu porobrigado a ir ouvi-las pessoalmente, navegar forade monçâo e com menos armada do que convinha

zo a sua autoridade. Levou cinco velas, que foram ûagalé bastarda, em que êle ia, de que fez capitâo

't6, guazil: governador entre os mouros.

30r

Il

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coLECÇÂ{) Dri ()L.4SSICOS SA DA COSTA

D. Vasco de Lima, e três galeôes, capitâes dêlesD. Afons,o de Meneses, Manuel de Macedo e Ma-nuel de Brito, e um bargantim pera serviço. Chegoua Ormuz em 3 dias de junho: achou que Diogo de

5 Melo tinha preso ao Xarafo em vingança das quei-xas que [izera a D. Anrique, na confiança do pa-rentesco que tinha com êle Lopo Yaz: o que logoremediou soltando o Xarafo e tornando-lhe o cargode guazil.

ro Nestas cousas entendia o governador, quando en-trou no porto Eitor da Silveira aos z6 do mesmomês de junho, da volta da sua jornada do MarRôxo; e lhe entregou o Zagazabo, embaixador doPreste, que êle recebeu com particulares honras e o

15 mandou agasalhar e prover do necessârio com muitalargueza. E logo no mês de julho despediu Eitorda Silveira que se fôsse lançar sôbre a ponta de Dio,a esperar as naus que navegam do Mar Rôxo pcraCambaia: e êle, passados poucos dias, em que rece-

eo beu sessenta mil pardaus de resto das pâreas que cl--rei devia dos anos atrâs, deixou Ormuz e tornortpera a fndia. Entretanto em Charil, soube que Eitorda Silveira fizera presa de três naus, com que cn-trara no mesmo porto, além de um zambuco, (luo

zj também tomou e meteu no fundo.Aqui também soube as primeiras novas dt nF,

mada que os turcos tinham no Mar Rôxo, derlntpolos mouros que o Silveira tomou nas ltn.ur (lêMeca; todavia pera se inteirar delas despcdiu 'l'rll.

30 teo de Gâ em um bergantim, que fôsse at(: t pnrt.gem de Adem espiar o que havia. Tornou il)'hl{o

24, zambuco: barco de carga asiâtico.

302

"4 1r/ .4 1S DE D. IO.4O I I I

de Gâ brevemente com certeza de licarem os turcosna ilha de Camarâo levantando ùa fortaleza: o quefoi causa de despachar logo um navio a Portugal,em que dava o aviso a el-rei, e como homem de

j guerra empregar todo seu cuidado em prover asfortalezas que se podiam temer, ùas com fâbricasnovas, outras com côpia de muniçôes.

Entretanto tinha chegado a Pero Mascarenhas,por diferentes vias, a nova da sua sucessâo na go-

ro vernança do Estado, declarada e aceitada por todosos fidalgos da Ïndia. E êle aceitou, tomando com so-lenidade o juramento de governador na igrejamaior;e criou logo secretârio e ouvidor geral e proveu dacapitania da cidade a Jorze Cabral, que foi um dos

rj que se adiantaram a pcdir-lhe as alvissaras da suces-sâo. Posto logo em caminho pera a India, foi Deusservido estorvar-lhe a ida pera remédio daquela ci-dade: veio-lhe tâo forte tormenta estando surto sôbreos ilheus de Pulo-puar, que tomou a arribar com

eo mastros quebrados e muito trabalho. Assi; vendoque jâ nâo tinha monçâo senâo por fim do ano pre-sente, ou principio do seguinte de t527, e que s,eachavam ali com êle muitos navios e muitos fidal-gos e bôa gente, de que se podia aproveitar, deter-

z5 minou acometer Bintâo; e tendo posto em ordemcom segrêdo e cautela tudo o que cumpria pera aempresa, partiu com vinte velas um domingo z3 deoutubro.

Eram capitâes, do galeâo em que êle ia, Alvaro3o de Brito; e das mais Aires da Cunha, Alvaro da

Cunha, seu irmâo, Antônio da Silva, Antônio deBrito, D. Jorze de Meneses, Francisco de Sâ, Duar-te Coelho, Simâo de Sousa Galvâo, Joâo RodriguesPereira Pâssaro, Francisco de Vasconcelos, Jor-

30.i

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coLECçÂO DE CLASSICOS SA D'4 (:o,\',|'A

dâo Jorze, Francisco Jorze e Fernâo Serl'io rl0Évora. Êstes todos em navios portugueses. As trr:ri*embarcaçôes eram lancharas da terra, que levitvrtttla seu cargo Jorze d'Alvarenga, Diogo de Ortlclits,

Joâo Esteves, Vasco Lourenço, Fernâo Pires c Girs"par Luis. Havia nesta frota quatrocentos soldaclrnportugueses e seiscentos malaios.

Chegado'à ilha, foi primeiro trabalho desembara-

çar o rio de um grande nrimero de estacasque tolhiarta entrada, obra de muito riscoefadiga;masnomaiol'fervor dela deu novo cuidado apareccrcm ao milt'trinta lancharas que vinham demandar o rio, e eramde socorro que mandava el-rei de Pâo ao genro.Mandou Pero lfascarenhas contra elas Duarte Cotl-lho com cinco navios e ap6s êstes Aires da Cutrltttcom outros, que apertaram com elas de mancir0,que, desbaratadas, trataram de se salvar em Ûa illtcvizinha e todavia ficaram em poder dos nossos mithde doze, bom pronôstico pera o que ficavir porf.azer.

CAPITULO XXIV

Acomete Pero Mascarenhas a cidade de Bin-tâo. Canhada e saqueada, p6e-lhe fogo. D. Car-c ia Anr iques, capi tâo de Maluco, saquâl I

queima a c idade de Tidore

, Determinou Pero Mascarenhas ver por Hlltr llllttao sit io e fortif icaçâo da cidade e achou (l ltt 'r ' lrt l l t l 'cada de madeira muito grossa, com ûa t 'sl itt ' t tr ln t lttbrada de paus a pique, tâo alta como ttlll ttttttn F{eita tôda a dentes de serra, que ficavatn tttlttt tlfazendo traveses, e estes defendidos cotn tnttlln trlll

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ANArS DD D. JO.4O rI I

lheria. A pouco mais dc mil passos da cidade haviaùa ponte sôbre o rio, que lrâo scrvia s6 de dar pas-sagem de ûa praia à outra, mas também de fortifi-caçâo; porque, além de cstar furrdada sôbrc vigasgrossas de um género de madcira, quc por sua gran-de fortaleza chamamos pau ferro c os naturais baz-bwzano, tinha sôbre a parte esquerda levantado umbaluarte da mesma madeira e igualmente providode artilheria, que ficava mais defensâvel com um gé-nero de fortificaçâo natural de um espesso bosquede ârvores grossas e entre si mui enredadas (cha-mam-lhes mangues) que dês da loz até por cima daponte, porque se criam na âgua salgada, lhe fica-vam como rnuro.

Na parte contrâria, <1uc é lr <lirt ' i ta t lo rio, orrrlc acidade estava assentacla, na distârrt: i;t r lrrr: r l isst:t 'rroscorria dela contra a ponte, havia ù;r grarrrlr: plirr,:iraberta e desabafada, que vinha lazcr porto r{) r'io.Nesta tinha el-rei posta tôda sua defensâo, t:orrroquem sô por ela temia de ser acometido. llra rrrngrande baluarte terraplenado e neie fôrça dc gt:ntce artilheria; e soube-se despois que estavam reparti-dos nestes fortes e polos muros da cidade sctc rnilcombatentes.

Pero Mascarenhas, entendendo que lhe convinhausar de manha contra terra por natureza e arte tâodefendida, intentou um ardil que s6 seu grande en-tendimento pudera inventar e seu valor e ânimoefeituar. Em todo outro homem fôra julgado portemerârio mais que prudente. Cerrando-se o dia,mandou ordenar um reparo de pipas cheas de terra

6-7. A palavra barbuzano nâo estâ completa(bar... ano), porque o cânto da fôlha estâ hoje rasgado.

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coLECÇÂO DE CLASSICOS SA DA CASI'A

na margem do rio e ao longo da praça, que era portoe serventia da cidade, pera fazer crer aos inimigosque por ali havia de tentar o assalto, que era omesmo que êles tinham entendido, porque d'outra

5 parte se nâo temiam. Para mais os divertir, fczmeter neste forte, que guarneceu de alguns falcôcs,todos os malaios com seus capitâes e alguns solda-dos portugueses que os governassem, descobrindo--lhes que tinha disenhado outro lugar pera assal-

to tar a terra e assentando com êles os sinais que ha-viam de fazer quando fôsse tempo.

Logo, cerrando-se a noite, lançou um golpe degente na margem esquerda do rio ûa légua abaixoda ponte, e com suas guias diante começou a cami-

15 nhar rio acima. Era o caminho por si em extremotrabalhoso; acrecentava a dificuldade ser por entreos mangues, que do meo pera baixo cria cada ummuitas raizes, com que tolhem o andar em bom diaclaro, quanto mais polo escuro da noite e por terra

;o alagadiça, qual esta era tôda. Mas tudo vence utnânimo determinado. Cansados e moidos e enlamcir-dos, chegaram os nossos, antes que a alva rompcssc,ao pé do baluarte. Dormiam os defensores a lrorrrsabor, parte cansados da vigia da noite, parte conr

z5 descuido de poderem ser acometidos por tal lug;rr,E quâsi nâo sintiram os nossos senâo despois <1rreos viram sôbre si. Espertou-os a grita e estrondo rlptrombetas, que segundo a ordem que estava rlurlrt,soavam temerosamente por vârias partes; c (,{rll

;o maior terror da estância dos malaios, como (lr'lunmais gente e maior nÉmero de vozes.

Assi perdido o tino aonde haviam de acu<lil econfusos com a novidade nâo esperada do a<:orrrr'llmento, foi entrado e ganhado o ?orte da Donrô, r, r,

,4NATS DE D. TOÂO I IT

primeiro que pôs os pés em cima foi Aires daCunha: custou-lhe a honra ficar mal ferido de umzarguncho. Deram logo os nossos com um postigoque fechava na ponte; e aberto, encaminharam por

5 êle até irem entrar a cidade. lîizeram o mcsmo porsua parte os capitâes malaios com sua gcntc; masPero Mascarenhas, quer-cndo haver às mâos o reiinimigo e que tanto mal nos tinha feito, tirou contrao sitio de sua morada com o maior corpo da gente.

ra Era o rei fugido; porém achou um capitâo seubem acompanhado de mouros e tâo esforçados to-dos, que foi necessârio aos nossos menear bem asmâos pera os desfazer; porqrle emquanto nâo sou-beram que el-rci cra irlo, ptlcjavatn o nrorri lr)l sem

15 sinal de fraqueza. Fcrido ji'r clc tluas csping:Lrtl;r<1as,o capitâo, que Laxaraja sc chatnava, tcvc ;rviso daausência e entâo tratou dc salvar a vida, o rlrrt: l izc-ram também os que o seguiam e tôda a rnrris soklu-desca, deixando em nossas mâos a cidade conl gros-

ao so despojo, de que foi a melhor parte um graudt:nûmero de peças de artilheria, que eram poucirsmenos de trezentas, mais estimadas porque mttitusdelas nos tinha tomado êste tirano nos recontros cdesgraças que atrâs ficam contados. Seguiu fogo

zS ao saco, e ao fogo ficar feita cinza, como era tôdade madeira.

Emquanto Pero Mascarenhas alegra Malaca como triunfo de Bintâo, serâ razâo darmos conta doque entretanto passava em Maluco D. Garcia An-

3o riques, que em rz de janeiro dêste ano entrava emposse daquela fortaleza. Vendo-se com pouca gente,pola muita que com seu antecessor Ant6nio de Brito

3, zarguncho: azagaia, iança de arremêsso.

30Ô 307

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ÇjLECÇÂO DE CLÂSSICOS SA. DA COSTA

se embarcara pera Malaca e com poucas fazendaspera paga dessa que lhe ficara, assentou paz comel-rei Almansor de Tidore; e foi condiçâo dela quedentro de seis meses primeiros seguintes entregaria

5 certas peças de artilheria, que seus vassalos tinhamtomado de ûa fusta de portugueses.

Vêo êste iei a morrer de sua doença, e havendodiscôrdia entre os filhos sôbre a sucessâo, pareceua D. Garcia bôa ocasiâo de lhes mover guerra; e

ro mandando pedir aos que tinham o govêrno lhecumprissem a promessa da restituiçâo da artilheria,visto ser expirado o tempo com a morte de Alman-sor, porque logo lha nâo mandaram, inda que pe-diam cortêsmente alguns dias de tempo pera a en-

rj tregarem, lhes mandou apregoar guerra e lha fezcom tanta pressa e fôrça, que na mesma noite queteve êste recado, como de Ternate à cidade de Ti-dore nâo hâ mais distância que ûa pequena légua,foi sôbre ela e a saqueou e queimou. Vitoriosos tor-

20 naram os nossos; mas desacreditados grandementona reputaçâo que dantes tinham de guardar fé opalavra, que é parte pr6pria de quem professa alei e verdade cristâ.

E daqui podemos crer que naceu permitir Doul25 qae perdesse despois D. Garcia em Cochim tud€

quanto tinha adquirido neste cargo, que passavl d!cincoenta mil cruzados.

FIM DO TÔMO I

20-23. Êste passo dâ a medida da imparcialidnrlo rltFr. Luis de Sousa. Na sua prdpria caridade cristfi otrcptl.tra os estimulos de tolerância cavalheiresca corh rpro Ju[los actos dos seus perconagens.

22, parte: virtttde, qualidade.

3c.8

Cap{tulo

D

1NDICE DO TÔMO I

PARTE PRIMEIRA

PâginaLIVRO I

I - Do nacimento e primeira cria-çâo del-rei D. Joâo.. . . . . . . . . . . . . . r

II - Como foi juraclo em côrtes oprlncipe D. Joirr-r por hcrdeirodêstes reirros. Quc mr.s l rcs tcv<rnas primeiras letlars c rras dt:mais sustâ,ncia. Fun<l:r () con-vento de Nossa Sen'lrol'rr. dtSerra d 'Almeir im . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

III - De alguns perigos que o" prln-cipe passou em sua mocidade.Dâ-se conta como el-rei lhe deucasa e quem foram os oficiaise como o começou a introduzirnas matérias de govêrno e orde-nou que assistisse com êle em ûacerimônia dos reis antigos, quese usava em véspara de Natal,.,

IV - Morre a rainha, mâi do prln-cipe. Trata el-rei e pôe por obracasar terceira vez. Dâ-se contacomo se houve o principe nestaocasiâo

V - Morte del-rei D. Manuel. Suces-sâo do principe D. Joâo. Soleni-dades com que {oi levantado ejuraclo por rei . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

VI - Lembra-se el-rei do seu con-vento d:r Serra de Almeirim;

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Pâgi.na

sustenta os conselheiros velhosde seu pai. Trata de dar obe-diência ao Papa e dar conta desua sucessâo aos principes dacristandade amigos 37

\IIi - Do estado das cousas do reinoe suas conquistas , . . . . . . . . . . . . . . . . . 40

\'III - Queixa-se o conde de Marialva ael-rei do marquês de Tôrres No-vas. Dâ-se conta da tazào daqueixa e sucesso dela. . . . . . . . . , . . . . . 49

IX - Despacha el-rei ûa embaixadaa el-rei Francisco de França:recebe outra do emperadorD. Carlos, rei de Espanha...... 55

X - Embaixada del-rei D. Joâo aoemperador. .Dâ-se conta da via-gem que fez Fernâo de Maga-lhâes a Maluco; e da razâo esucesso de1a.. , . . . . . . . . . , S8

XI - Fome crecida em Lisboa e portodo o reino. Meos que el-reiusou pera a remediar, Tremoresde terra e um muito espantosona ilha de S. Miguel e soversâode ûa grande vi la de1a.. . . . . . . . . , .

XII - Requere o povo de Lisboa a el-rei que €se com a rainha suamadrasta. Repugna el-rei. Pedeo emperador que vâ a rainhapera Castela e leve a infantinhrsua filha. Consente el-rei na ldada mâi, mas nâo da f i lha ., . , , , . , ,

XIII _XIV - Dâ el-rei forrna aos ifantoa do

como hâo de escrever pera don-tro e fora do reino... . , . . ,

XV - Como procedia a guerra contraos mouros de Africa em Azrmore Arzila

TNDICE

Pâgina

XVI - De ûa venturosa entrada que fezem terra de mouros o capitâode Azamor

XVII - Sucessos da lutlia: govcrnatlorD. Duarte de Meneses, Levanta-ruento del-rei de Ormuz e cêrcoque pôe à fortaleza.... ror

XVIII - l\cometem os mouros de novoas nossas embarcaçôes e sâo denovo desbaratados com segundae famosa vitdria. DesPeja el-reia cidade com todo o povo emanda-lhe pôr fogo rrr

XIX - Avisa o governador a seu irmâoD. Luls que acuda ao socorro

' tle Ormuz. B'az novo capitâoem CharîI. Despacha outrog ca-pitâes pera vâriaspartes. D. Lulsnavega pera Ormuz rI9

XX - Partem D. Aodré Henriques arentrar na fortaLeza de Pacém;ùIartim Afonso de MeIo Couti-nho pera a China; Antônio deBrito pera Maluco r28

r XXI - Do sucesso que teveram âs nâusde carga que êste ano dospachouo governador D. Duarte pera oreino; e as que do reino parti-ram pera a India r38

LIVRO I I

Capitulo IX - . . . r43r X - Pesdorn-ep ns tcrr&s firnros clo

(loel. Vctrt rrovas ao gov<rntodorde sor iùchatlo o cor'l)o clo A;És-tolo S. l'ornd r43

- XI - Sucess<-rs <losu,strados tlLr capitâoc fortaleza tlt Maloca t48

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Capitulo

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Capitulo

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INDICE

Capitulo XII - Cêrco da fiortaleza de pacém,que obrigou aos defensores a de-sempanir-la e darem-lhe fogo.Guerra em Maluco contra el-ieiAlmansor de Tidore

D XIII - Relaçâo das naus que na entra-da dêste ano despachou D. Duar-te pera o reino, e das que nomesmo partiram do reino peraa fndia. . . . . . . . . . . . . . . . . . , , . . . . . . . . . . - . .

D XIV - Trata el-rei de seu casamentocom a ifante D. Caterina, irmâdo ernperador. Manda comis_sârios a Castela pera assentaremas condiçôes dêle

) XV - De algûas cousas que el-rei maisfez neste terceiro ano de seureinado

r XVI - Corre el-rei de Fez a Arzila ooralgûas vezes. perigo em qu6 oconde capitâo esteve com o al_caide de Alcâcere

D XVII - Como Bastiâo Nunes rendeucom ûa caravela em que andavano Estreito a ûa nau de cos-sârios que o cometeu; e VascoF'ernandes César tomou um trer-gaûtim de mouros

rt XVIII - Despacha o governador D. Duar.te ûa armada pera o Estroitodo Mar Roxo; e êle parte segun.da vez pera Ormu2.. . . . . . , . , , . , . , . , . ,

D XIX - Entra o conde atnirantc ottlGoa; passa a Cochim. I)ô.rrconta do que fez de camlnho,e navios que despachou contrtos mouros que Davegavam 0rp6.ciariras; e dos muitos quô 1rofsua ordem e de D. Henriquo drMeaeses foram logo caetlgndgl,,,

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Pâgina

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INDICE

Pâgina

Capltulo XX - Morte do concle almirante. Su-cessâo de D. Henrique de Me.neses . . . . . . . . . . r88

Capitulo

LIVRO I I I

I - Das naus que este ano partiramcom carga da India pera o rei-no; e das que do reino forampera a fndia e o sucesso queûas e outras teveram r9r

II - Entra a rainha D. Caterina emPortugal. Espera-a el-rei na vilado Crato. Al se recebem e pas-sam pera Almeir im . . . . . . . . . . . . . . . rg4

r III - Trata-se do casamento do empe-rador com a ifante D. Isabel.Vem de Castela. embaixadorespera celebraçâo dos contratos edesposdrio. Chama el-rei a côrtesos estados do reino rgg

n IV - De algûas cous:rs que el-rei maisfez êste ano; e como recebeu arosa que o Sumo Pontifice lhemandou zos

u V - Guera de Africa; capitâes: emTângere D, Duarte de Meneses;em Arzila Antônio da Silveira... 2o8

,, VI - Como se vieram fazer cristâosdous mouros, um surdo e mudo,outro sâbio e valente cavâleiro.E como foi morto Amelix emArzila; e cativo em Tângere omouro Abenaix . . . . . . . , , . , , . . , . . . , . . 2ra

D VII - De ûa entrada que Iez Diogo daSilveira, de que se houve gran-de presa z2o

)) VIII - Guen'â da lndla. Parte o gover-nador D. Anrique de Menesesnera C<rchim: desbarata de ca-

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TNDICE TNDICE

PÉgina

Capitulo XVII - Nacimento do prlncipe D. Afon-so; o algûas cousas notâveis queel-rei fez êsto ano 273

XVIII - Guerra dc Âfrica e sucessos deArzila. Cativeiro de LourençoPires dc'l'âvora. Morte de Alva-ro Pircs, scu irmâo 276

XIX - Do que mais sucedeu êste diae como foi cativo Manuel da Sil-veira e se salvaram o adail e ou-tros, e o alcaide d'Alcâcere man-dou desafiar ao capitâo ......... 282

XX - Corre o capitâo Antônio da Sil-veira a Serra de Benamarés: to-ma fia aldea. Conta-se a varie-dade de vida de Joâo da Silvei-ra, mourisco, e o miserâvel fimque teve 286

XXI - Guerra da India. Parte o gover-nador de Cochim pera Cananor,despois de despachar Eitor daSilveira pera o Estreito e a ou-tros capitâes pera outras fartes;morre em Cananor 2ga

XXII - Abre-se a segunda sucessâo dagovernança; acha-se nela PeroMascarenhas; por ser ausenteabre-se a terceira, que nomeaLopo Vaz de Sampaio. Aceita ocargo e vai pelejar c'os parausde Bacanor: fica voncodor opârte J)era Goa . , , . . . . . . . . , . . . . . . . . , 2t) t l

XXII I - Parte Lopo Vlz 1x' t ; r ( ) r r t r t tz r .torna poro n f t r r l in. l , ) r t let t r lo otnprovor ruJ forlnloztu ;roln rrovlrquo l ( r tn rkrr l { t t t t tnx, l l l lor r lnSilvolrrr lornn nlgiltll rrnrrr rloMoctr . l 'oro Mtt lcr t t t , t t l t t t l , lot t t ; t -t lo o l l l t tkr r ln govt ' t t t t t r l t t r , vairôlrr r . l l ln l l lo 3or

minho muitos paraus de mou_ros; destrue Panane; queima osnavios do porto de Calicut..,...

IX - Acomete o- governador o rio epovoa@o de Coulete, de que al-cança ferrrosa vi tdr ia . . .L. . . . . .

, X-Recolhe-se o governador a Co-chim: despacha pero Mascare_nhas pera Malaca e D. Simâode Meneses a correr a costa.Dâ-se conta dos princlpios docêrco da lortaleza de Calicut ...

Xl-Começa-se a bater a fortaleza.Acode-lhe o governador com vâ-rios socorros e ûltimamente comsua Pessoa

XII - Junta o governador conselho sôbre o que deve tazer no socôrroda fortaleza; manda pedir a

P. Joao de Lima seu parecer,Resolve-se com êle em-desem-barcar e dar batalha ao Samo-rim

XIII - Sai o governador em terra; dâbatalha âo campo do Samorime, despois de o desbaratar, der-r iba a for ta leZa . . . . . . . . . . , , . , , , . . . . .

XIV - Guerra de Malaca. Sucessâo doPero Mascarenhas naquela capi-tania e de D. Garcia Anriquesna de Maluco

XV - Das_naus que êste ano partiramda India pera o reino e do reinopera a fndia e sucesso quo taae outras teveram

XVI - Segundo recebinento da ifantoD. Isabel, com â chegada denova dispensa@o. Sua partidapera Castela e entrada ém Ba-dajo2,, . , . , , . .

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223

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Capitulo

3r4

233

238

, ) i. t '244

25r

257

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e68

..'.

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Page 170: Anais de D. João III, by Frei Luís de Sousa

1r

l, TNDICE

I

I

pâgina

Capitulo XXIV _ Acomete pero Mascarenhas a ci_dade de Bintâo. Ganhada e sa_queada, pôe-lhe fogo. D. Garci:aAnriques, capitâo de Maluco,saquea e queima a cidade de

i Tidore . . . . . . . . 3o4

3ro

CoRRECçôES E ADTTAMENTOS

Pâg. 4, l . 15 - lo ia-sr" uJcsur.

>, 25, l . zg - le i ; l -sc: <Mendoçar.

) 35, l. S. O manuscrito neste ponto estâ ilegivel,por muito safado. A letra é por vezes, comoaqui, verdadeiramente microsc6pica.

,> 79, l. z8-zg. O passo nâo é claro. Ilerculano inter-pretou: <de sua casa e dos infantes. Honravaos homens e as ajudas de custor. Fundamo-nosn. nr imairn r^eclacçao, que parece ser a quedamos no texto.

)) ror . l . 26. No ms. <bisconder.

)) ro9, 1. 3o. No ms. <bogarr.

,t r2r, l. 19. Note-se o jôgo de palawras: <<afeou ocaso e afiow as linguas dos murmuradoresl.

r 163, l. 24. Assim estâ no manuscrito: <tempo cal-ma>, isto é, <tempo de calma>.

t rJJ, L 3r. Herculano interpretou bajoceta. A formado ms. nâo é inteiramente clara, porque tam-bém se poderâ ler bajoleta, ou mesmo bayoleta,

tt 2r2, l. 2r - leia-se: <Alanceai-me>.

,, 224, l. z6 - leia-se: <3o$ooor.

, 253, l, zo - leia-se: <outrosr.

t 264, l . z- le ia-se: <,c iosa>.

), 272, l. t5 -..1 substitua-sc por: rtifantc I)' Iicrll:rndo

ao arcebispo l lo s( t t . I )a l l l r r t t : ' r .

I.tilrt

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