ana carolina aquino de sousa

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ANA CAROLINA AQUINO DE SOUSA 1 O IMPACTO SOBRE A PESSOA DO TERAPEUTA DO ATENDIMENTO AO CLIENTE BORDERLINE Orientador: LUC MARCEL A. VANDENBERGHE UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS 2004 1 Bolsista CNPQ

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  • 1ANA CAROLINA AQUINO DE SOUSA1

    O IMPACTO SOBRE A PESSOA DO TERAPEUTA

    DO ATENDIMENTO AO CLIENTE BORDERLINE

    Orientador: LUC MARCEL A. VANDENBERGHE

    UNIVERSIDADE CATLICA DE GOIS

    2004 1 Bolsista CNPQ

  • 2ANA CAROLINA AQUINO DE SOUSA

    O IMPACTO SOBRE A PESSOA DO TERAPEUTA

    DO ATENDIMENTO AO CLIENTE BORDERLINE

    Dissertao apresentada ao Programa deMestrado da Universidade Catlica de Goiscomo requisito parcial para a obteno dottulo de Mestre em Psicologia.

    Orientador: LUC MARCEL A. VANDENBERGHE

    UNIVERSIDADE CATLICA DE GOIS

    2004

  • iAGRADECIMENTOS

    Agradeo ao orientador Luc pela sua ateno, compreenso, disponibilidade e

    compromisso.

    s terapeutas e clientes que tornaram o trabalho possvel.

    Aos assistentes de pesquisa (especialmente, Daniele Pereira e Silva, Artur Vandr

    Pitanga e Juliana Brasiliense Vilela) pela colaborao imprescindvel na transcrio e digitao

    das fitas.

    Aos colegas mestrandos pelas contribuies dadas nas discusses tericas e prticas.

    Em especial, minha famlia que contribuiu para a execuo e concluso deste deste

    trabalho.

  • ii

    A sensao de estar construindo uma

    casa no meio de um furaco.

    (Cukier, 1998; p. 91; referindo-se ao atendimento ao

    cliente borderline)

  • iii

    SUMRIO DE TABELAS

    Tabela 1. Critrios Diagnsticos do TPB...........................................................................13

    Tabela 2 . Esquema de participao das terapeutas na pesquisa........................................76

    Tabela 3. Sentimentos mencionados por T1, pela sua cliente durante todo o processo de

    coleta de dados....................................................................................................82

    Tabela 4. Sentimentos mencionados por T2, com relao ao seu cliente, durante toda a

    coleta de dados .................................................................................................121

    Tabela 5. Sentimentos relatados por T3, com relao sua cliente, durante toda a coleta

    de dados............................................................................................................141

    Tabela 6. Sentimentos relatados por T4, com relao sua cliente, durante todo o

    processo de coleta de dados.............................................................................179

  • iv

    SUMRIO

    Agradecimentos ....................................................................................................................i

    Epgrafe ...............................................................................................................................ii

    Sumrio de Tabelas ............................................................................................................iii

    Sumrio ...............................................................................................................................iv

    Resumo ...............................................................................................................................ix

    Abstract ................................................................................................................................x

    Introduo ............................................................................................................................1

    1. O Borderline ........................................................................................................3

    1.1. O Surgimento do Termo Borderline..........................................................3

    1.2. Comportamento Interpessoal .......................................................................8

    1.3. A Formao da Personalidade Segundo o Behaviorismo Radical .............11

    1.4. A Classificao Topogrfica ......................................................................13

    1.5. Millon e a Inovao da Noo de Psicopatologia ......................................16

    1.6. A Formao do eu (ou self) Segundo o Behaviorismo Radical .............18

    1.7. Fatores Etiolgicos do Transtorno de Personalidade Borderline................20

    1.7.1. O Desenvolvimento do Self: o papel da aprendizagem....................20

    1.7.2. Fatores Sociais ..................................................................................24

    1.7.3. Fatores Biolgicos ............................................................................26

    1.8. O Impacto Interpessoal dos Padres Borderlines ......................................27

    2. O Papel da Relao Teraputica ........................................................................30

    2.1. Terapias Validadas Empiricamente: Ps e Contras ...................................30

    2.2. Relacionamentos Teraputicos Apoiados Empiricamente .........................37

    2.3. A Relao Teraputica como um Instrumento de Mudana ......................45

  • v2.3.1. Comportamentos Clinicamente Relevantes .....................................48

    2.3.2. Condutas do Terapeuta .....................................................................50

    2.3.3. Transferncia e Contra-transferncia ...............................................50

    2.3.4. A Necessidade da Superviso ..........................................................56

    2.3.5. Estratgias de Mudana ....................................................................59

    2.3.5.1. Desafios e Tentativas de Soluo.......................................62

    2.4. Conduo de Pesquisas Sobre a Relao Teraputica ...............................67

    3. Objetivos ..............................................................................................................71

    Mtodo ...............................................................................................................................72

    Participantes .............................................................................................................72

    Materiais ...................................................................................................................72

    Procedimento ............................................................................................................73

    Anlise de dados .......................................................................................................78

    Resultados ..........................................................................................................................81

    Terapeuta 1 ...............................................................................................................81

    1. Sentimentos mais freqentemente relatados pela terapeuta 1 (T1) e

    estratgias utilizadas para o manejo das contingncias que os geraram.................83

    1.1. Incompetncia .....................................................................................83

    1.2. Maternal e/ou medo de fazer mal cliente .........................................88

    1.3. Raiva ....................................................................................................93

    1.4. Desvalorizao ..................................................................................101

    1.5. Dificuldade de trabalhar ....................................................................104

  • vi

    2. Comportamentos Clinicamente Relevantes da Terapeuta na Relao de

    Superviso ............................................................................................................106

    2.1. Comportamento de dar razes, quando confrontada por Mestranda,

    que referia-se possvel sada da cliente .........................................106

    2.2. Desespero ......................................................................................110

    3. Principais Alvos da Superviso .......................................................................115

    3.1. Enfraquecer CCRs1 da cliente...........................................................115

    3.2. Se vulnerabilizar na relao teraputica ............................................116

    3.3. Modelar Tatos de Eventos Privados...................................................118

    Terapeuta 2 ......................................................................................................................120

    1. Sentimentos mais freqentemente relatados pela terapeuta 2 (T2) e estratgias

    utilizadas para o manejo das contingncias que os geraram.................................122

    1.1. Averso/ vontade de no atend-lo mais ou de se distanciar

    .............................................................................................................122

    1.2. Alvio .................................................................................................127

    1.3. Culpa .................................................................................................128

    1.4. dio e/ou Raiva .................................................................................130

    1.5. Dificuldade de trabalhar ....................................................................132

    2. Comportamentos Clinicamente Relevantes da Terapeuta na Relao de

    Superviso ......................................................................................................133

    2.1. Comportamento Desesperado............................................................133

    3. Principais Alvos da Superviso .......................................................................135

    3.1. Se vulnerabilizar na relao teraputica.............................................135

    3.2. Apontar Similaridades Funcionais ....................................................135

    3.3. Usar Tticas de Intervenes Produtivas ..........................................136

  • vii

    Terapeuta 3 ......................................................................................................................140

    1. Sentimentos mais freqentemente relatados pela terapeuta 3 (T3) e estratgias

    utilizadas para o manejo das contingncias que os geraram.................................142

    1.1. Dificuldade de trabalhar.....................................................................142

    1.2. Desvalorizao/Desrespeito ..............................................................148

    1.3. Desmotivao/ Frustrao/ Vontade de no atender mais a

    cliente..................................................................................................155

    1.4. Distanciamento ..................................................................................162

    1.5. Insegurana.........................................................................................167

    2. Comportamentos Clinicamente Relevantes da Terapeuta na Relao de

    Superviso ............................................................................................................172

    2.1. Comportamento de dar razes........................................................172

    3. Principais Alvos da Superviso ........................................................................175

    3.1. Enfraquecer CCRs1 da cliente ..........................................................175

    3.2. Vulnerabilizar-se na relao teraputica ...........................................172

    3.3. Tentativa de Fortalecer CCR3 ...........................................................176

    3.4. Evocar CCR2 .....................................................................................177

    Terapeuta 4 ......................................................................................................................178

    1. Sentimentos mais freqentemente relatados pela terapeuta 4 (T4) e estratgias

    utilizadas para o manejo das contingncias que os geraram.................................180

    1.1. Incompetncia....................................................................................180

    1.2. Sentimentos Contraditrios ...............................................................184

    1.3. Impacincia / Irritao / Raiva...........................................................190

    1.4. Dificuldade de Trabalhar / Impotncia ..............................................195

    1.5. Desnimo............................................................................................198

  • viii

    2. Comportamentos Clinicamente Relevantes da Terapeuta na Relao de

    Superviso .......................................................................................................200

    2.1. Comportamento de dar razes.........................................................200

    3. Principais Alvos da Superviso ..................................................................201

    3.1. Enfraquecer CCRs1 da cliente...........................................................201

    3.2. Vulnerabilizar-se na relao teraputica ...........................................203

    3.3. Validao X Mudana........................... ............................................203

    Discusso ...............................................................................................................................204

    Referncias Bibliogrficas .....................................................................................................210

    Anexos ...................................................................................................................................223

    Anexo 1 ......................................................................................................................224

    Anexo 2 ......................................................................................................................226

    Anexo 3 ......................................................................................................................228

    Anexo 4 ......................................................................................................................230

    Anexo 5 ......................................................................................................................232

    Anexo 6 ......................................................................................................................235

  • ix

    RESUMO

    O presente trabalho um esforo em explorar sentimentos que o atendimento ao clienteborderline provoca em terapeutas, a partir de uma viso analtico-funcional. Primeiro, a relaoteraputica descrita como um instrumento de mudana que pode promover mudanas norepertrio do cliente. Esta abordagem parte do pressuposto de que se o indivduo se comporta emrelao ao terapeuta da mesma maneira que o faz no seu dia a dia com outras pessoas, essesambientes so funcionalmente idnticos, e que, portanto, se um deles for mudado, esta alteraoafetar os demais. Alm disso, os sentimentos que os comportamentos do cliente provocam noterapeuta (fenmeno conhecido na literatura psicoterpica como contra-transferncia) podemservir como dicas sobre o que outras pessoas do seu cotidiano sentem. Desta forma, a relaoteraputica seria um contexto que possibilita o aprendizado ao vivo para o indivduo, j que ocomportamento pode ser reforado ou enfraquecido imediatamente aps a sua ocorrncia.Participaram deste trabalho, quatro terapeutas comportamentais que atendiam clientesborderlines. Elas realizavam os atendimentos semanalmente com sesses de uma hora dedurao. Relatos de sentimentos dos terapeutas foram gravados durante entrevistas semi-estruturadas e durante supervises mensais com cada terapeuta separadamente. Todas asgravaes foram transcritas e exploradas de acordo com os mtodos da teoria fundamentada nosdados. Os resultados apontaram que os terapeutas percebem a ocorrncia de comportamentosclinicamente relevantes e de contra-transferncia na relao teraputica. Tentou-se, nassupervises, levar as participantes a utilizar dos seus prprios sentimentos em relao ao cliente,como dicas para atuar de modo a promover mudanas no repertrio do cliente. Elas relataram quemuitos dos novos comportamentos adotados por elas, foram punidos pelos seus clientes sendoisto coero para continuar reagir de forma complementar aos seus comportamentos. Asterapeutas, que voltavam a se comportar de modo mais seguro para si reforaram oscomportamentos problemticos dos clientes. Tal comportamento contra-teraputico parecerelacionado com a esquiva experiencial. Os resultados sugerem que ateno particular para ospadres interpessoais durante a sesso poderia evitar que a relao teraputica chegasse a manteros problemas do cliente e que um melhor proveito das respostas encobertas do terapeuta para estefim possvel.

    Palavras-chave: contra-transferncia, transtorno de personalidade borderline, relao teraputica.

  • xABSTRACT

    This research is an effort to explore, from a functional analytic perspective, the feelingsthat dealing with borderline clients causes in therapists. First, the therapeutic relationship isdescribed as an instrument that can promote changes in the clients repertoires. This approachconsiders that if an individual behaves in relation to a therapist in the same way as he behaves inhis daily life in relation to other people, these settings are functionally identical. So, changes inone context, will affect the others. Besides, the clients behaviors cause feelings in the therapist (aphenomenon known in psychotherapy literature as counter-transference) that can be used as cuesabout how other people feel in the clients daily life. So, the therapeutic relationship would be acontext that makes in-vivo learning possible for the client, since the behavior can be immediatelyreinforced or weakened after its occurrence. Four behavioral therapists, who worked withborderline clients, took part in this research. The sessions were conducted weekly and lasted onehour each. Reports by the therapists concerning their feelings were recorded during semi-structured interviews and during monthly supervisions with each therapist separately. Allrecordings were transcribed and explored according the methods of grounded theory. The resultsindicate that the therapists noted the occurrence of clinically relevant behaviors and counter-transference in the therapeutic relationship. During supervision it was tried to lead theparticipants to use their own feelings (about the client) as cues to promote changes in clientsbehaviors. They reported that their clients punished many of their new behaviors they werecoerced to continue reacting in ways that were complementary to the clients behaviors. Thetherapists what went back to behave in a way that was safe for them reinforced the problembehaviors of their clients. This counter-therapeutic behavior seems related to experientialavoidance. The results suggest that particular attention to interpersonal interactions during thesession is important. It could avoid that the therapeutic relationship maintains the clientsproblems and can make it possible to take better advantage of the therapists private responses.

    Key-words: counter-transference, borderline personality disorder, therapeutic relationship.

  • 1O presente trabalho trata do que hoje chamado de Transtorno de Personalidade

    Borderline, sob a perspectiva analtico-funcional. imprescindvel ressaltar, entretanto, que o

    termo Borderline emergiu dentro da abordagem psicanaltica, num contexto histrico especfico

    que o possibilitou.

    Partindo do princpio de que o comportamento de um organismo, bem como de um grupo

    funo de sua histria, torna-se primordial uma anlise histrica do termo Borderline. Isso

    significa reportar histria dos comportamentos dos cientistas da poca e de suas prticas para a

    produo do conhecimento. Andery e Micheletto (1999), apontam a necessidade de que sejam

    criadas condies para que a anlise histrica constitua um elemento essencial dentro da Anlise

    do Comportamento.

    O conhecimento da histria consiste em identificar quais as variveis que esto

    controlando o comportamento de um indivduo, em particular, ou de uma comunidade verbal, em

    geral. Assim, uma anlise histrica do termo Borderline leva identificao de variveis que

    controlaram o comportamento dos estudiosos que o tornaram um conceito diagnstico. Deve-se

    reconhecer que os cientistas (assim como qualquer ser humano) se comportam em funo de uma

    dada comunidade verbal. Por isso, outro elemento constitutivo de um estudo histrico a

    identificao e caracterizao das prticas da comunidade verbal em questo, ou seja, da

    identificao de metacontingncias. Em outras palavras, necessrio descrever as prticas da

    comunidade verbal relacionadas com o comportamento de conhecer dos cientistas (Andery &

    Micheletto, 1999). Alm disso, imprescindvel destacar a relevncia no s das contingncias

    scio-verbais, mas tambm das econmicas e empregatcias envolvidas, j que tambm podem

    ser responsveis para a modelagem do uso de um termo cientfico. Enfim, trata-se de considerar o

    conceito de borderline como produto de exposio a um contexto complexo.

  • 2A utilizao do termo conhecer identifica um tipo diferente de comportamento. Skinner

    (1953), define o conhecimento como um comportamento verbal que se estabelece devido ao

    reforamento social, ou seja, mediado por um outro organismo. Deste modo, o conhecer pode

    ser traduzido em termos de regras, sendo estas instncias de comportamento verbal de descrever

    contingncias. Assim, o conhecimento cientfico pode ser caracterizado como um conjunto de

    regras construdas pelo cientista, que passa a controlar a ao de uma comunidade (Andery &

    Micheletto, 1999).

    Todos estes elementos ficaro evidentes na anlise que se segue da perspectiva histrica

    do que hoje denominado Borderline.

  • 31. O Borderline

    1.1. Surgimento do Termo Borderline

    At o sculo XIX, a psiquiatria lidava com a loucura atravs do encarceramento em

    asilos. As pessoas eram colocadas nesses ambientes devido aos defeitos que apresentavam em

    sua razo. Foi somente com Pinel, que reconheceu no s a existncia de pessoas loucas, mas

    tambm das que mantinham certos aspectos da razo, que tornou-se possvel atentar-se a

    indivduos que, embora apresentassem disordens comportamentais e emocionais, mantinham o

    senso da realidade (Mack, 1975).

    Em 1905, Kraepelin (apud Mack, 1975) escreve que existiam diversas combinaes e

    estados limtrofes, que podem ser definidos como uma fronteira entre insanidade e condies

    normais ou apenas estranhas. Autores hoje considerados precursores da psiquiatria moderna

    (Kretschmer, 1925, Kasanin, 1933, e Schneider, 1920, apud Millon, 1981) apontavam a

    existncia daqueles pacientes, cujo equilbrio emocional sofria grandes oscilaes, podendo

    chegar a um estado de fria mesmo diante de circunstncias banais; pensamentos suicidas,

    queixas hipocondracas, pessimismo, impulsividade e irritao extrema. Estas descries

    compuseram, posteriormente, a base para o estabelecimento de critrios diagnsticos do

    borderline no Manual Diagnstico e Estatstico de Transtornos Mentais (DSM).

    Ao mesmo tempo em que a psiquiatria atentava s psicopatias e apontava a existncia de

    estados limtrofes, a psicanlise estava desenvolvendo um conjunto de conceitos e uma prtica

    cientfica que, mais tarde, iriam possibilitar falar sobre uma personalidade borderline. No incio,

    porm, a maioria das pesquisas dentro da abordagem psicanaltica, envolvia distrbios

    considerados neurticos em pessoas relativamente bem adaptadas socialmente (Mack, 1975).

    Na dcada de 30, tinha-se mtodos especficos para o tratamento de pacientes

    classificados como neurticos ou psicticos. Esta classificao estava bem definida a partir da

  • 4teoria freudiana, que havia desenvolvido um modelo explicativo da formao da personalidade,

    em termos destas duas estruturas. Englobava as defesas do ego, esclarecendo diferenas

    fundamentais entre os mecanismos de defesa de pessoas neurticas ou psicticas (Mack, 1975;

    Millon, 1981).

    Comeou a ficar evidente a existncia de um grupo de pessoas que no se conformavam a

    esta dicotomia. Eram indivduos que apresentavam sintomas neurticos (como a ansiedade,

    depresso, compulses, obsesses, distrbios emocionais etc), mas que numa anlise apurada,

    no se encaixavam neste diagnstico. Alm disso, apresentavam episdios psicticos, mas que

    diferentemente do esquizofrnico, quebravam com a realidade apenas temporariamente.

    No final da dcada de 30, Adolf Stern publica o primeiro artigo formal da designao

    borderline (Mack, 1975, Pfeiffer, 1975, Millon, 1981). A partir da dcada de 40, apareceram

    mais esboos conceituais deste grupo residual. Deutsch denomina de as-if personalidade,

    aqueles indivduos que se comportam como se mantivessem uma relao genuna e completa com

    a realidade. como se respondessem adequadamente s circunstncias da vida, mas transmitiam

    a sensao de que havia algo no verdadeiro no seu comportamento. Alm disso, a autora aponta

    tambm a caracterizao de uma pseudo-afetividade, em que, apesar de aparentemente tudo estar

    bem, internamente h uma vivncia de vazio (Pfeiffer, 1975).

    Nos anos 50, Wolberg e Frosh (Millon, 1981) e principalmente Knight (Mack, 1975;

    Pfeiffer, 1975; Chessick, 1974; Millon, 1981) so citados como autores que contriburam com a

    descrio da categoria limtrofe.

    O primeiro estudo sistemtico de pacientes borderlines foi publicado em 1968 por

    Grinker e seus colaboradores (Mack, 1975; Pfeiffer, 1975; Chessick, 1974). Talvez uma maior

    contribuio foi o interesse em questionar a que se devia a emergncia da sndrome

    caractersticas especficas da cultura, como o stress da vida urbana, o aumento da ansiedade

  • 5existencial, bem como as vrias mudanas tanto na estrutura familiar como na social. Deste

    modo, chamaram a ateno para o funcionamento do paciente em relao ao seu ambiente social.

    Alm disso, apontaram a necessidade de estudos que tratassem no s do relacionamento me-

    criana, como os trabalhos psicanalticos at ento, mas tambm de outros membros da famlia

    (Mack, 1975).

    O contexto histrico em que o conceito do borderline emergiu e as contingncias que

    controlaram o comportamento dos autores acima referidos, pode ser retomado. Havia uma

    definio de patologia em termos neurticos ou psicticos de um lado, e a existncia de pessoas

    que manifestavam uma combinao de caractersticas tanto neurticas quanto psicticas, de outro

    lado. Foi necessrio elaborar uma entidade distinta que englobasse esse novo grupo, que poderia

    ser descrito, com os termos existentes na poca, como estando na fronteira entre o neurtico e o

    psictico da a utilizao do termo borderline. Pode-se perceber que o comportamento de

    escrever dos investigadores a respeito dos pacientes, estava sendo controlado por aquele contexto

    histrico. Estratgias para que fossem entendidos dentro daquela comunidade verbal especfica,

    isto , falando de pacientes que no se conformavam teoria existente foram moldados pelas

    contingncias sociais. A comunidade verbal psicanaltica pde reforar novas formulaes,

    medida que conseguiam falar de modo coerente com as convenes psicanalticas, a respeito do

    que estava acontecendo nos consultrios.

    Partiu-se para a formulao de relaes objetais proposta por Klein que permitia melhor

    falar sobre a instabilidade apresentada pelo borderline, j que a teoria freudiana ortodoxa

    dificultava a descrio das contradies extremas apresentadas pelo grupo de pessoas que no

    eram nem psicticas, nem neurticas. A teoria kleiniana com seus conceitos de ciso, objetos

    bons e maus, e identificao projetiva, possibilita falar sobre a instabilidade apresentada pelo

    borderline.

  • 6Segundo Fairbairn (1952, apud Guntrip, 1974), por exemplo, o paciente esquizide tem

    perigosos impulsos. Seu ego infantil e dependente. Isto se d, de acordo com o autor, devido a

    uma falha na relao objetal materna, em am-lo por ele mesmo. A no ser que as relaes

    objetais fossem boas suficientemente para manter a criana em contato genuno como o mundo

    externo, poderia vir a ser mais e mais dominada pelo medo, e perder o contato com a realidade

    externa, voltando-se para o mundo da fantasia.

    Nos anos 60, tais formulaes foram integradas por Otto Kernberg, em sua representao

    conceitual da personalidade borderline. Props uma nova teoria das relaes objetais que

    enfatizava a importncia das relaes com pessoas significativas em geral. Esta se tornaria o

    veculo mais importante da popularizao do conceito de borderline. Desde o nascimento, as

    relaes com estas pessoas, sob o impacto de afetos fortes seriam internalizadas como memria

    afetiva. As pessoas absorveriam o que ocorre ao seu redor. O ego armazenaria informaes,

    integrando-as e aprendendo a selecionar o que importante, bom, ruim, til e perigoso. Assim,

    tornaria possvel o controle do prprio corpo e, gradativamente, um mundo interno vai sendo

    construdo. A possibilidade de falhas nestes processos podia explicar de maneira mais elegante

    do que a teoria tradicional, o quadro clnico do paciente borderline (Kernberg, 2003a; 2003b).

    Um excelente artigo sobre o impacto das idias de Kernberg sobre a psicanlise americana

    The Seeds of the Self (Kernberg, 2003a). Aponta um aspecto interessante do contexto

    histrico dos anos 60, em que a psicanlise estava marginalizada, sendo portanto, retirada dos

    cursos de psiquiatria. Uma forte crtica era que a psicanlise era lenta, com alto custo e que no

    estava sendo eficaz. Pode-se imaginar uma comunidade cujas perspectivas de emprego e seu

    status cientfico, estavam ameaados.

    A psicanlise estava sendo ameaada. As contingncias de sobrevivncia desta cultura

    cientfica favoreceram mudanas nas prticas do grupo de estudiosos e clnicos que constituem

  • 7a psicanlise. Isso ocorreu a partir da proposta de Kernberg que, ao criar uma Nova Psicanlise,

    argumentava pertencer a outra linha psicanaltica.

    Vale ressaltar que, ao construir um saber o cientista (como descrito acima) est sob

    controle (embora nem sempre tenha conscincia disto) no s do objeto que est analisando, mas

    tambm de sua histria em particular, que moldou uma ou outra forma de pensar, e ainda, deve-se

    considerar que est inserido numa sociedade, que refora certas linguagens na descrio dos

    objetos que estuda.

    Percebe-se que os novos psicanalistas quando no conseguiam mais ser compreendidos

    apresentaram um novo discurso para se restabelecer. Estas foram, portanto, as contingncias

    scio-verbais, empregatcias e econmicas da poca que controlavam o comportamento dos

    autores. O investigador controlado pelo pblico (isto , pelos colegas, pelas instituies) e pelos

    resultados de dados comportamentos verbais, que quando no so eficazes, requerem a adoo de

    uma reviso tanto conceitual, quanto metodolgica, que tenham melhores resultados. Isto no

    significa, contudo, que os integrantes da cultura cientfica utilizem conscientemente estas

    estratgias. A anlise proposta a de seleo por conseqncias, o que quer dizer que so as

    contingncias que reforam as prticas culturais mais eficazes. Neste caso, trata-se de novas

    prticas verbais que esto sob controle do objeto da teorizao (a realidade no consultrio) e a

    evoluo scio-cultural.

  • 81.2. Comportamento Interpessoal

    Ficou claro que a organizao da personalidade borderline surgiu como termo, no seio da

    comunidade psicanaltica. Prossegue-se a verificar como terapeutas comportamentais se

    interessaram pelo conceito.

    Mais ou menos na mesma poca de Kernberg, surge uma teoria (a do Crculo

    Interpessoal) que trouxe os pr-requisitos para o tratamento, dentro da psicoterapia

    comportamental, dos transtornos de personalidade. Abaixo, segue-se uma breve descrio.

    Segundo Leary (1957), h uma variedade de comportamentos interpessoais que compartilham

    de alguns elementos comuns, podendo por isso, ser distribudos em classes de comportamento

    representadas como segmentos de um crculo. O autor props oito categorias para descrever

    todos os padres interpessoais possveis, sendo que seria freqente um indivduo favorecer mais

    alguns segmentos do que outros. Pode-se associar seus comportamentos interpessoais com a

    noo de personalidade, de modo que a rigidez, inflexibilidade e o uso excessivo de estratgias

    pertencente a um segmento particular, produzidas intensamente, podem ser caracterizados como

    mal ajustamento ou transtorno de personalidade (Leary, 1957).

    Um ponto central no trabalho de Leary (1957) a idia de que os comportamentos

    interpessoais so operaes empregadas pelas pessoas com a finalidade de manter relativo

    conforto, segurana, e de se livrar da ansiedade nas interaes com as demais. Para isso,

    necessrio induzir respostas complementares nos outros aprendemos a treinar os outros a nos

    responder de modo que supram as nossas necessidades. Passamos, portanto, a utilizar estratgias

    que so eficazes para obter os comportamentos que desejamos dos outros. Assim, a no

    complementaridade pode passar a ser evitada, j que adquire valor negativo devido resposta

    emocional de ansiedade ou desprazer que ficou a ela associada.

  • 9Posteriormente, Kiesler (1986) elaborando idias de Leary, props 16 categorias para

    descrever os diferentes padres interpessoais possveis, mantendo tambm que a caracterstica

    bsica do comportamento interpessoal (categorias ou segmentos do crculo) mal adaptativo a

    sua rigidez e inflexibilidade, ao invs do uso de vrias estratgias interpessoais dadas diferentes

    situaes, como ocorre com uma pessoa bem adaptada.

    A maior contribuio do trabalho de Kiesler (1986) para a presente discusso a noo da

    necessidade de que o terapeuta observe o impacto do cliente sobre ele durante a sesso. Uma vez

    tendo identificado quais os segmentos utilizados pelo cliente, o terapeuta pode prever quais as

    reaes que ele prprio ir experienciar, isto , pode antecipar as reaes interpessoais

    complementares.

    No contexto teraputico, a complementaridade ocorre quando o terapeuta responde ao

    cliente com comportamentos interpessoais recprocos em termos de controle e afiliao. Se ao

    contrrio, o terapeuta reagir de modo no complementar (enfraquecendo comportamentos

    problema), denomina-se de anti-complementaridade. Algumas vezes pode ocorrer tambm a no

    complementaridade parcial, em que o terapeuta reage complementando apenas uma dimenso (ou

    afiliao ou controle) e no a outra (Kiesler, 1986).

    Dos trs tipos de reaes do terapeuta apontadas acima, pode-se classificar o primeiro

    como sendo o mais confortvel para o cliente, o segundo como o mais aversivo, e o ltimo, com

    nvel mdio de desconforto. Uma vez que o comportamento do cliente mais rgido e extremo do

    que o do terapeuta, o cliente tem mais poder de determinar a natureza da relao teraputica.

    Alm disso, nas primeiras sesses, o terapeuta freqentemente no pode evitar emitir respostas

    complementares , reforando assim,os padres rgidos do cliente (Kiesler, 1986).

    imprescindvel notar o crculo vicioso que mantm comportamentos desadaptativos. As

    reaes dos outros confirmam ou validam suas experincias. Num dado momento, podem por

  • 10

    exemplo, se sentir maltratados pelo cliente e no conseguir parar de dar respostas

    complementares, que reforam os comportamentos dominadores do cliente. Assim, geram

    mensagens que, por sua vez, provocam ansiedade no cliente, que mais desesperado ainda, tenta

    utilizar as mesmas estratgias, na tentativa de corrigir as reaes aversivas dos outros. De modo

    similar, o terapeuta vivenciar sentimentos aversivos, a no ser que detecte o padro interpessoal

    do cliente, para ento, interromp-lo, evocando estratgias diferentes e respondendo

    diferentemente, no emitindo respostas complementares s estratgias rgidas e extremas

    (Kiesler, 1986).

    No incio do processo, o terapeuta inevitavelmente d respostas complementares ao cliente,

    que podem manter sua comunicao mal adaptativa. Por esta razo, o terapeuta deve detectar o

    que o cliente evoca nele, e em seguida, emitir comportamentos que no so complementares, e

    compartilhar diretamente com o mesmo, o impacto de seu comportamento (do cliente) sobre ele

    (o terapeuta), fornecendo assim, informaes a respeito dos indesejveis efeitos de seus

    comportamentos sobre os outros, e ao mesmo tempo, ensinando uma nova forma de agir com

    eles. O cliente aprende, ento, a tornar seu comportamento mais flexvel e menos extremo

    (Kiesler, 1986). A relao teraputica , portanto, uma arena na qual as mudanas podem ser

    facilitadas, ponto este, bastante semelhante proposta do presente trabalho, cujo enfoque

    analtico-comportamental, como ser elucidado posteriormente.

  • 11

    1.3. A Formao da Personalidade Segundo o Behaviorismo Radical

    A viso do behaviorismo radical mostra similaridades acentuadas com o modelo

    interpessoal. Ambos rejeitam a existncia de um eu interior que dirige a ao do outro. Reagem

    contra o pressuposto que haveria um eu, ou seja, uma fora que impulsionaria o outro eu (o

    que se comporta), a agir. Na viso rejeitada por ambos, observa-se a ocorrncia do

    comportamento, e infere-se a existncia de uma entidade (a fora propulsora) como causa do

    mesmo. Essa concepo pode ser observada, por exemplo, com o termo personalidade, que

    tratado como um eu que responsvel pela ocorrncia de comportamentos. Explica-se, por

    exemplo, que uma pessoa tem comportamentos delinqentes porque tem uma personalidade anti-

    social (Skinner, 1953), quando, na realidade, este conjunto de comportamentos delinqentes,

    denominado de personalidade anti-social e, portanto, a causa no pode ser atribuda

    personalidade.

    Numa linguagem behaviorista radical, pode-se definir o eu como um conjunto de

    respostas funcionalmente unificado, sendo que o importante explicar a unidade funcional desse

    conjunto, estabelecendo as relaes existentes entre estas respostas e suas variveis de controle

    (estmulos discriminativos e conseqncias). Conclui-se, portanto, que a personalidade

    aprendida (Skinner, 1953).

    Personalidade consiste no repertrio comportamental de cada um, e multideterminado.

    Skinner (1953) apontava a importncia de entender os trs nveis de seleo do comportamento:

    filognese, ontognese e a cultura. Esses trs fatores se combinam e interagem durante toda a

    vida formando o que chamamos de personalidade. Ao nascer, apresentamos comportamentos

    inatos (reflexos). Mas desde o momento inicial as contingncias comeam a influenciar a

    probabilidade futura dos nossos comportamentos. Podemos observar isso j nas primeiras

    interaes de uma me com o seu beb. Se a me espera a criana chorar para dar-lhe alimento,

  • 12

    esta aprender que atravs do choro ganha comida. Entretanto, se a me a amamenta antes que

    chore, por imaginar que pode estar com fome, o que a criana aprender ser muito diferente o

    alimento ser, neste caso, contingente aos comportamentos que para a me so dicas de que o

    beb est com fome.

    Falar em personalidade significa apontar uma tendncia a se comportar de uma dada

    maneira em funo de uma histria passada de reforamento, que individual. Refere-se,

    portanto, a um conjunto de comportamentos que ocorrem de forma consistente em muitas

    situaes. Estes padres consistentes so resultantes de um ambiente com contingncias

    consistentes ao longo do tempo. Os pais, por exemplo, no mudam radicalmente na maneira de

    lidar com os filhos no dia a dia. A cultura valoriza padres consistentes de comportamentos

    porque til para predizer como vo se comportar e facilita a manuteno do funcionamento da

    sociedade (Parker, Bolling, & Kohlenberg, 1998).

    H, entretanto, aquelas pessoas que no so muito previsveis, e que por isso, podem ser

    consideradas como apresentando um transtorno de personalidade. A inconsistncia tambm deve

    ser entendida a partir de uma anlise funcional. Se, por exemplo, uma criana tem pais que ora

    so atenciosos, ora no, ou que s vezes afirmam o seu intenso amor, e outras a punem

    severamente, cresce esperando as mesmas atitudes de outras pessoas, e pode inclusive, comear a

    observar pistas que podem ser irrelevantes (isto , no relacionadas com os estmulos

    antecedentes dos comportamentos dos pais) para identificar se os pais esto irritados ou no. Ao

    crescer, elas podem funcionar como estmulos discriminativos para comportamentos

    considerados contraditrios e confusos diante das pessoas (Parker et al, 1998).

  • 13

    1.4. A Classificao Topogrfica

    O DSMIVTR (APA, 2003), o quarto Manual Diagnstico e Estatstico de Transtornos

    Mentais, um manual descritivo que foi criado para descrever sintomas, adotando uma

    linguagem clara, para facilitar o diagnstico, com a pretenso de ser a-terico. Distancia-se de

    uma viso contextualista, como a de Skinner, medida que preocupa-se com a descrio

    topogrfica dos diversos transtornos. A seguir, apresenta-se como o manual descreve o

    transtorno de personalidade borderline, para ento, discutir brevemente se esta anlise pode ser

    integrada uma viso behaviorista radical.

    De acordo com o DSMIVTR (APA, 2003), no Transtorno de Personalidade Borderline

    (TPB), o indivduo apresenta um padro instvel no que se refere a relacionamentos

    interpessoais, auto-imagem e afetos, padres constantes de impulsividade, que esto presentes

    em uma variedade de contextos, tendo incio na idade adulta, preenchendo cinco ou mais dos

    critrios citados abaixo (Tabela 1).

    Tabela 1. Critrios Diagnsticos do TPB, segundo o DSM-IV-TR (APA, 2003).

    Critrios Diagnsticos1. Esforos para evitar um abandono real ou imaginrio so pessoas intolerantes solido;2. Padro de relacionamentos interpessoais instveis e intensos, em que a pessoa alterna entre

    extremos de idealizao e desvalorizao;3. Perturbao da identidade instabilidade constante da auto-imagem ou do sentimento do eu;4. Impulsividade em duas ou mais reas, prejudicando significativamente a sua vida (sexo, abuso de

    substncias, comer compulsivo etc);5. Comportamentos, gestos ou ameaas de suicdo ou de comportamentos automutilantes;6. Instabilidade afetiva oscilao freqente de humor;7. Sentimentos crnicos de vazio;8. Raiva intensa ou dificuldade em controlar a raiva;8. Episdio de ideao paranides relacionados ao stress sintomas dissociativos intensos.

    Uma pergunta relevante : ser til uma classificao como a apresentada no DSMIV

    TR (APA, 2003), dentro de uma proposta, cujos pressupostos so skinnerianos? Trabalhos

    publicados vm demonstrando seno a adeso, ao menos o uso coloquial por alguns terapeutas

    comportamentais, desta classificao topogrfica (Linehan, 1993; Kohlenberg & Tsai, 2001;

  • 14

    Conte & Brando, 2001; Guimares, 2001; Craske & Barlow, 1999; Vasconcelos, 2002; Martone

    & Zamignani, 2002; Ingberman, 2001; Lotufo Neto, 2001; etc).

    Skinner (1953) j apontava para a importncia de uma anlise funcional para entender o

    comportamento. O DSMIVTR (APA, 2003), ao classificar cada transtorno de acordo com

    critrios especficos, atenta para uma anlise topogrfica, e no funcional. Assim, poderia

    questionar-se que este uso significa convergir em pontos de vista freqentemente considerados

    opostos (Koerner, Kohlenberg & Parker, 1996; Cavalcante & Tourinho, 1998).

    Devido aos princpios filosficos do behaviorismo radical, pode-se apontar objees ao

    uso de um manual classificatrio. Uma delas refere-se ao obscurecimento da individualidade.

    Pessoas caracterizadas ou classificadas em uma mesma categoria diagnstica podem apresentar

    comportamentos diferentes, ou preencher critrios diferentes. Alm disso, um sistema

    classificatrio pode gerar estigmatizao em funo do rtulo recebido. Finalmente, cabe

    ressaltar que o sistema classificatrio no diz nada sobre o que est mantendo o problema. Numa

    anlise comportamental o mais importante a identificao de variveis controladoras do

    comportamento, pois so estas que direcionam a interveno. Uma anlise topogrfica pode

    distanciar a possibilidade de uma anlise funcional, uma vez que ao identificar s a topografia

    corre-se o risco de punir uma melhora do cliente (Kohlenberg & Tsai, 1987; 1994; 1995b; 2001;

    Koerner, Kohlenberg & Parker, 1996; Cavalcante & Tourinho, 1998).

    Suponha, por exemplo, dois clientes. O primeiro cliente traz a agresso como um

    problema em sua vida, e que portanto, precisa ser mudado. O segundo, entretanto, busca a terapia

    devido sua dificuldade em expressar seus sentimentos. Imagine que ambos apresentem diante

    do terapeuta, o comportamento agressivo. Considerar este comportamento como um problema

    para o primeiro cliente seria adequado, embora o mesmo no seja verdadeiro para o segundo, que

  • 15

    ao ser agressivo est sinalizando uma melhora, pois apresenta dificuldades em expressar

    sentimentos. Portanto, embora a topografia seja a mesma, a funo diferente.

    Algumas vantagens prticas so apontadas, contudo, por Koerner et al (1996) para a

    utilizao de um sistema de classificao diagnstico. Pode alertar o terapeuta para ocorrncias

    de problemas e melhoras dentro da sesso. Dar nomes para classes de respostas auxilia na

    identificao de comportamentos similares entre si. Ressalta-se que, sendo os transtornos de

    personalidade sinnimos de problemas difceis de tratar, um processo diagnstico que os

    identifique, leva o terapeuta a uma maior tolerncia s lentas mudanas (ao invs de comportar-se

    impacientemente com a demora dos progressos) e aumenta a probabilidade de que reforce as

    pequenas melhoras, pois considera que a obteno da sade um processo contnuo. Portanto, a

    concluso de um diagnstico til porque pode ter impacto sobre as mudanas no repertrio do

    cliente. Pesquisas sobre transtornos de personalidade enfatizam a continuidade entre o saudvel e

    o patolgico, e assim, terapeutas influenciados por estes dados, podem ser menos susceptveis a

    estigmatizar o indivduo, ou seja, so mais sensveis natureza contextual do transtorno e ao

    reforamento de melhoras. Contudo, como ficar evidente nas prximas sees, do ponto de vista

    behaviorista radical, o sistema classificatrio deve ser complementado com uma anlise

    funcional. Por isso, sero discutidos e descritos a seguir uma viso analtico-comportamental a

    respeito da formao do eu normal e borderline.

  • 16

    1.5. Millon e a Inovao da Noo de Psicopatologia

    Sob influncia da conceitualizao do diagnstico de organizaes de personalidade de

    Kernberg, da proposta do crculo interpessoal (de Leary) e das abordagens de aprendizagem

    (incluindo a teoria de Skinner), Millon (1969/1979), que tambm participou da construo do

    DSM, props uma abordagem atravs da aprendizagem biosocial. imprescindvel notar que

    antes dele, os behavioristas no tiveram facilidade para tratar dos transtornos de personalidade.

    Acreditava que a personalidade era formada por fatores biolgicos combinados e interagindo

    reciprocamente com as experincias, no decorrer da vida. Assim, se a criana alegre e

    adaptvel, torna-se mais fcil cuidar dela, e ento, a me teria uma atitude positiva. J se a

    criana ansiosa e nervosa, os cuidados dispensados consomem mais tempo, e a me pode reagir

    com desnimo e/ou hostilidade. H investigaes que demonstram este jogo recproco de

    influncias (Gewirtz & Boyd, 1977).

    Defendia que a criana inicialmente explora o ambiente, apresentando grande

    flexibilidade e mutabilidade dos padres de comportamentos. Na sua interao com as pessoas,

    seus comportamentos vo sendo selecionados pelas conseqncias que os mesmos provocam.

    Portanto, as experincias levam ao aprendizado de estratgias adaptativas que passam a

    caracterizar nossa maneira de nos relacionarmos com os outros ou seja, nossa personalidade. Os

    comportamentos persistem em funo de uma histria de reforamento intermitente, e por isso,

    so altamente resistentes extino (Millon, 1969/1979).

    A etiologia da psicopatologia explicada seguindo o mesmo raciocnio. Tanto a

    normalidade quanto a patologia devem ser consideradas como pontos num continuum. Isso

    significa que no h como definir uma linha divisria clara entre o normal e o patolgico, uma

    vez que o comportamento pode ser adequado em um dado momento, e no em outro, dada a

  • 17

    circunstncia. Pode-se definir, contudo, alguns critrios que sugerem a ocorrncia de

    funcionamento patolgico (Millon, 1969/1979; 1981):

    9 Inflexibilidade Adaptativa: consiste no uso rgido de um repertrio estreito de

    comportamentos diante de diversas e variadas situaes.

    9 Crculos Viciosos: se engajar em comportamentos que pioram suas dificuldades, trazendo

    mais conseqncias auto-derrotantes.

    9 Estabilidade Tnue: o indivduo susceptvel a experienciar situaes estressantes, pela

    escassez das novas estratgias interpessoais.

    Ao apresentar estes trs elementos, a vida da pessoa torna-se mais complicada, j que

    estes perpetuam os problemas.

    A influncia do trabalho apresentado por Millon inegvel para a psicopatologia, j que

    foi convidado posteriormente a escrever o esboo de critrios operacionais dos distrbios de

    personalidade no DSM III, e principalmente, inovou a viso tradicional de normalidade e

    patologia, reinterpretando-a em termos de processos de aprendizagem que poderiam gerar

    nveis diferentes (num continuum) de sade ou desadaptao, abordando-a em termos de

    comportamentos privados e interpessoais, tornando assim, os transtornos de personalidade

    acessveis terapia comportamental. At ento, o conceito era puramente psicanaltico.

    Segundo Millon (1969/1979), o funcionamento da personalidade pode ser analisado, a

    partir da combinao de dois elementos:

    9 Os comportamentos interpessoais: so de fundamental relevncia porque dependendo

    de como se relaciona com as pessoas, dadas reaes que evocam nas mesmas, sero

    modeladas, sendo que elas, posteriormente, influenciaro a permanncia,

    estabilidade, melhora ou piora da patologia atual do indivduo.

  • 18

    9 Os tipos de reforadores procurados: se positivos ou negativos, onde (se em si mesmo

    ou nos outros), e ainda, quais estratgias utilizadas para a sua obteno (ativamente

    ou passivamente).

    Props uma taxonomia de transtornos de personalidade, baseado nestes princpios, com

    suas respectivas explicaes etiolgicas (Millon, 1981).

    No presente trabalho adotou-se a compreenso do cliente borderline elaborada nesta

    viso. O ponto central a ser considerado que embora sejam utilizadas diversas estratgias pelo

    borderline, cuja finalidade a busca permanente para evitar rejeio, atravs de estratgias

    extremas e incoerentes, perpetua as dificuldades da pessoa e impedem esforos por uma vida

    melhor, j que fracassa em alcanar suas metas, resultando assim, em relacionamentos marcados

    por hostilidade, ansiedade e conflitos, que conseqentemente, conduzem comportamentos ainda

    mais desesperados (Millon, 1981).

    1.6. A Formao do eu (self) Segundo o Behaviorismo Radical

    Kohlenberg e Tsai (1987), propuseram a Psicoterapia Analtico-funcional (FAP),

    fundamentada no behaviorismo radical. Nos anos subseqentes (1991/2001; 1995a) apresentaram

    sua formulao do desenvolvimento do eu. Na teoria proposta, o eu emerge inicialmente

    como uma unidade funcional a partir de unidades maiores diretamente aprendidas, como estou

    com calor, estou com fome, estou aqui tendo em comum, portanto, o eu estou. Uma vez

    estabelecidas unidades funcionais como eu estou, eu quero, a criana passa a utilizar uma

    srie de combinaes de palavras que nunca havia dito ou ouvido anteriormente. Posteriormente,

    emerge o eu como referncia, primeiro sob controle de estmulos pblicos, depois privados.

    Deste modo, a experincia do eu explicada atravs da identificao e descrio do que

    experienciado.

  • 19

    Koerner et al (1996) apresentam algumas caractersticas importantes da viso de self

    proposta pela FAP:

    9 A experincia do self paralela ao desenvolvimento do uso de nomes e pronomes

    pessoais, como por exemplo eu, me Paula.

    9 O uso destes nomes e pronomes ensinado pelas pessoas que cuidam da criana, que

    modelam, reforam ou punem respostas, conforme consideram apropriadas ou no.

    9 O uso destes auto-referentes no pode ser ensinado diretamente. So aprendidos

    indiretamente a partir de sentenas como estou com fome, estou com sede, estou

    com calor etc, atravs de um tipo de aprendizagem que Skinner (1957) denominou de

    subproduto da aquisio de respostas maiores, contendo elementos idnticos. Ou

    como Koerner et al (1996) preferem emergncia.

    9 A emergncia, conforme apontado no pargrafo anterior, progressiva. A progresso

    de unidades maiores a menores tem sido observada em crianas aprendendo a falar.

    De acordo com Kohlenberg e Tsai (1991/2001; 1995a), o conceito de self engloba ainda

    diferentes caractersticas. O self no fsico, no sentido em que refere-se a algo que difere do

    corpo. resultante de contingncias externas as pessoas com as quais um indivduo convive

    modelam seu repertrio, e que em um dado momento, deixa de ser sujeito ao controle dos outros.

    Este o momento em que a pessoa passa a se ver como nica e constante, mesmo que as

    circunstncias s quais exposta estejam em constante mudana, pode-se ouvir afirmaes sobre

    o eu. Isto foi possibilitado a partir da comunidade verbal que refora a palavra eu repetidas vezes

    diante de situaes nas quais o indivduo estava se comportando.

    O eu depende de experincias pblicas, mas medida que ocorrem concomitantemente

    com eventos privados, estes podem passar a controlar o uso da palavra eu quando uma pessoa

  • 20

    fala sobre si mesma. Uma vez que a aprendizagem do eu complexa e imprecisa, ocorrem

    necessariamente, falhas neste processo. O indivduo pode ser exposto experincias em que o eu

    no colocado sob controle de eventos privados, mas apenas de eventos pblicos, o que pode

    levar instabilidade e dependncia (Conte & Brando, 2001). Portanto, pode-se dizer que em um

    desenvolvimento normal as afirmaes do eu so inicialmente controladas por eventos pblicos e

    que posteriormente, ficam sob controle de eventos privados.

    Pode-se concluir dizendo que, dependendo da experincia passada, as pessoas sero

    sensveis a diferentes contextos, o que explica o fato de duas pessoas reagirem diferentemente

    diante de uma mesma circunstncia. Embora haja a crena de que essas diferentes reaes surgem

    de dentro do corpo, tais fatores no so os nicos a serem considerados, inclusive porque h

    evidncias de que a experincia pode alterar aspectos fisiolgicos (Parker et al, 1998). Cada

    organismo exposto uma histria de reforamento, que nica e, por isso, a mesma situao

    evocar diferentes respostas, em pessoas diferentes.

    1.7. Fatores Etiolgicos do Transtorno de Personalidade Borderline (T.P.B.)

    1.7.1. O Desenvolvimento do Self: o papel da aprendizagem

    Os clientes com diagnstico de T.P.B., em geral, trazem ao terapeuta, sentimento de

    impotncia e confuso, pois afirmam no saber quem so, do que gostam ou do que esperam da

    vida. Seus comportamentos (tanto pblicos quanto privados) tendem a ser contraditrios entre si

    e mudam rapidamente. comum desistirem do tratamento ou no aproveitarem bem a terapia.

    Diante de situaes de escolhas, tendem a ter dificuldades para tomar decises. freqente a

    tentativa de suicdio em funo da intensidade do sofrimento. Muitas vezes, relatam crises de

    identidade (Conte & Brando, 2001). Deve-se lembrar, entretanto, que para um diagnstico

  • 21

    comportamental, mais importante que a topografia, analisar as funes destes comportamentos

    na vida de uma pessoa, em particular.

    O cliente relata, geralmente, eu me sinto vazio. Segundo Kohlenberg e Tsai

    (1991/2001; 1995a), tal declarao ocorre em funo da falta de estmulos discriminativos

    privados que controlam o eu. Quando a experincia do eu depende de estmulos externos, a

    pessoa pode se sentir instvel e insegura. Assim, a sensao descrita como vazio pode ser

    entendida a partir da ausncia de estmulos externos, que antes estavam presentes. Alm disso, a

    ausncia destes estmulos externos pode levar sensao de despersonalizao. Com isso, a

    pessoa pode isolar-se, criando um contexto para ser ela mesma, livre do controle dos outros.

    Muitas podem passar a esquivar-se tanto fisicamente quanto emocionalmente dos outros, pois

    assim, no do oportunidade para que estes as controlem. Temem perder a sua identidade ao se

    envolverem (Melges & Swartz, 1989; Conte & Brando, 2001; Livesley, 2000).

    Kohlenberg e Tsai (1991/2001) apontam que a pessoa torna-se capaz de identificar

    quaisquer mudanas nos comportamentos dos outros, e estas servem como estmulos

    discriminativos para que ela mude sua forma de pensar, sentir e ver em relao ao eu. Pessoas

    com o eu sob controle de estmulos pblicos no sabem o que querem, o que podem fazer e o que

    sentem, a menos que outras digam-lhes o que fazer e o que permitido sentir (Parker et al, 1998).

    Por apresentarem pouco controle privado sobre a experincia do eu, a pessoa pode achar

    intolervel ficar s. De acordo com Kohlenberg e Tsai (1991/2001), o fato de temerem a solido

    se explica no s pela invalidao, mas tambm pela experincia de negligncias, em que suas

    necessidades bsicas no foram atendidas. Enfim, pais que ao no fornecer suporte emocional

    quando imprescindvel criana, ou que a deixavam s, tornaram a experincia do eu

    assustadora, acarretando assim, na idade adulta, em buscas incessantes pela companhia de outras

    pessoas.

  • 22

    A pessoa, muitas vezes, busca evitar o sentimento de vazio, atravs de encontros casuais.

    Porm, medida que ocorre uma aproximao mais ntima, a pessoa fica com raiva, sente-se

    sufocada e se afasta. Seus comportamentos podem variar. comum apresentarem raiva excessiva

    (ou exploses) e repertrios de esquiva. Podem ir do extremo da idealizao do outro at a

    desvalorizao. comum expressarem necessidade de ateno e de intimidade, mas aps um

    pequeno perodo de tempo, rejeitar intimidade, podendo at pr fim a relacionamentos.

    Se baseados em idias esboadas por Millon (1969/1979; 1981) Wasson e Linehan

    (1993), Linehan (1993), Linehan, Cochran e Kehrer (2001), e Korner e Linehan (2002), apontam

    que indivduos com T.P.B. apresentam uma vulnerabilidade biolgica que os leva a ser

    extremamente sensveis a estmulos emocionais. Em geral, vm de famlias em que seus relatos,

    quando crianas, em relao sua prpria experincia, eram invalidados. Assim, ao relatar as

    suas experincias, especialmente as negativas, foram ridicularizadas, ignoradas ou dito-lhes que

    no estavam sentindo raiva, por exemplo, quando, de fato, estavam. Alm disso, os pais deixaram

    a mensagem de que os pensamentos, sentimentos e emoes devem ser controlados, o que

    invalida a vivncia de dificuldades e o carecimento de apoio. Por fim, a criana foi punida de

    alguma forma, por manifestar opinies e preferncias que fossem conflitantes com as dos pais.

    As respostas da criana que estavam sob controle privado no foram reforadas positivamente,

    mas sim punidas, o que levou ao reforamento negativo de auto-relatos inadequados, pois para

    evitar conseqncias aversivas, a criana passa a experienciar o self a partir de estmulos

    externos, o que a torna extremamente sensvel ao humor e aos desejos dos outros.

    Gunderson, Kerr e Woods (1980) realizaram um estudo que apoia as explicaes

    etiolgicas para a formao do borderline. Investigaram se havia caractersticas especficas que

    pudessem ser identificadas em famlias borderlines. Para isso, foram comparadas famlias de

  • 23

    borderlines com famlias de pacientes psiquitricos diagnosticados como esquizofrnicos e

    neurticos.

    Dentre as caractersticas especficas das famlias de borderlines, pode-se ressaltar o

    investimento dos pais na relao conjugal, em detrimento da relao pais e criana, sendo esta,

    negligenciada pelos mesmos, pois o casal tende a se atacar, utilizando a criana, e portanto, no

    oferecendo-lhe ateno, empatia, apoio e proteo necessrios, nem os cuidados bsicos. As

    relaes interpessoais so marcadas pela hostilidade e dominao. A me tende a ser no

    afetuosa. A criana deixada de lado pelos pais, j que centram-se nos seus problemas conjugais.

    A relao entre pais e filhos tende a ser pobre e distante. Este achado sugere uma possvel

    explicao para a percepo que o borderline apresenta sobre os seus pais como sendo um grupo

    unido e/ou indiferenciado (Gunderson et al, 1980). Alm disso, apoia as explicaes de Linehan

    da importncia da negligncia para o desenvolvimento deste transtorno.

    A negligncia, muitas vezes, leva hospitalizaes da criana. Os pais, que no esto

    aptos a lidar com este problema, podem tornar-se amargos e nervosos. Deste modo, a criana

    pode aprender desde cedo, a ser responsvel em cuidar de outras pessoas e da prpria casa

    (Gunderson et al, 1980).

    Uma anlise acurada de psicopatologia nas mes de borderlines, demonstrou a presena

    de diversos transtornos como esquizofrenia, TPB, depresso, alcoolismo, alm de outros

    comportamentos como autoritarismo, infidelidade, sarcasmo, brigas, abusos verbais ou fsicos e

    punio inadequada aos comportamentos da criana. comum, entretanto, encontrar

    psicopatologias em ambos os pais, principalmente depresso na me, que preocupada com seus

    problemas maritais, no se disponibiliza criana, rejeitando-a e levando-a a sentir-se

    desapontada. Assim, de modo geral, os resultados sugerem falta de envolvimento dos pais com

    suas crianas (Gunderson et al, 1980).

  • 24

    Os resultados de Gunderson et al (1980) so importantes porque foram replicados por

    outros estudos empricos de Soloff e Millward (1983) e Livesley (2000) que destacam os mesmos

    fatores da histria de desenvolvimento que contribuem para a formao do borderline.

    Paris (2000) e Fornagy e Target (2000), revisaram estudos mais recentes acerca da

    influncia da aprendizagem na formao do borderline, que tambm confirmam os resultados

    supracitados.

    1.7.2. Fatores Sociais

    Kreisman e Straus (1989) e Armony (1998) analisaram como a cultura atual favorece o

    desenvolvimento do TPB. O avano tecnolgico requer cada vez mais o compromisso individual

    com estudo e trabalho solitrios, sacrificando assim, a socializao. Alm disso, o aumento da

    taxa de divrcio, da utilizao de babs, da dificuldade em alcanar relacionamentos ntimos mais

    estveis, da necessidade de mudanas geogrficas devido s presses econmicas, contribuem

    para uma sociedade instvel, com solido, sentimento de vazio, ansiedade, depresso e

    dificuldade em confiar.

    O conforto outrora fornecido por vizinhos, familiares e papis sociais consistentes fora

    perdido, piorando os relacionamentos interpessoais e o isolamento, j que no se conta com o

    apoio de um grupo estvel e/ou presente (Kreisman & Straus, 1989; Armony, 1998).

    A sociedade de muitos modos um mundo de contradies. Somos levados a acreditar e

    defender a paz, embora as ruas, os filmes, os esportes, a televiso etc sejam marcados por

    agresso e violncia. Fala-se em solidariedade, mas na prtica, o capitalismo ensina o

    individualismo. A liberdade de expresso valorizada no discurso e punida na prtica. Ensina-se

    um mito: a polaridade. As coisas so boas ou ruins, certas ou erradas, brancas ou pretas. Contudo,

  • 25

    embora o mundo no seja to exato assim, as pessoas so levadas a acreditar que sim (Kreisman

    & Straus, 1989; Armony, 1998).

    Com as constantes guerras e mudanas, a continuidade histrica perdida. O passado

    desvalorizado. O suicdio tem sido uma maneira freqente de lidar com a ameaa do presente,

    revelando como o futuro visto de modo pessimista. Isto predispe a uma orientao para o

    agora, que vista no borderline. Este, vive quase uma amnsia cultural, sem lembranas felizes

    que possam confortar em tempos difceis, ou de erros cometidos, o que o leva a repeti-los j que

    no pode aprender com eles (Kreisman & Straus, 1989; Armony, 1998).

    No de se causar estranheza o fato de que o TPB seja mais freqente em mulheres. No

    passado, elas tinham essencialmente um curso de vida: se casar, ter filhos, cuidar destes e do lar.

    Hoje, necessita conciliar todos estes papis com seu trabalho fora de casa, ou s vezes, tomar

    decises sobre o que priorizar, o que pode torn-las confusas e estressadas sobre quem so ou o

    que querem. J os homens, tiveram que fazer poucos ajustes em suas vidas. No precisam

    desempenhar tantos papis e no sofrem tantas presses sociais como as mulheres.

    Concomitantemente ao aumento da liberdade feminina, as responsabilidades tambm foram

    maximizadas (Kreisman & Straus, 1989; Armony, 1998). Portanto, todos os fatores sociais

    ressaltados aqui devem ser considerados, uma vez que contribuem com as contingncias

    familiares e interpessoais relacionadas com o desenvolvimento do TPB.

  • 26

    1.7.3. Fatores Biolgicos

    Embora o desenvolvimento do T.P.B. seja relacionado com fatores na histria de vida do

    indivduo, admite-se a probabilidade de predisposio biolgica. Apesar de no existir nenhum

    marcador gentico ou biolgico, como um teste sangneo ou um gene, algumas pesquisas tm

    demonstrado resultados interessantes (Kreisman & Straus, 1989; Siever & Davis, 1991; Paris,

    2000; Fonagy, Target & Gergely, 2000; Livesley, 2000):

    9 Desequilbrios Bioqumicos

    H uma correlao entre comportamentos impulsivos e anormalidades no metabolismo de

    serotonina. Esta relao apoiada pelo fato de que certas medicaes tm aliviado os sintomas no

    T.P.B. Contudo, o que ocorre uma melhora, sendo que muitos dos sintomas ainda persistem.

    Comportamentos auto-destrutivos, como abuso de comida, lcool ou outras drogas, e

    auto-mutilao, podem ser vistos como tentativas de obter efeitos calmantes. A auto-mutilao,

    por exemplo, como qualquer outro trauma fsico, resulta na liberao de endorfina, trazendo a

    sensao de relaxamento.

    9 Fatores Neurolgicos

    O T.P.B. tem sido associado a certas desordens neurolgicas, como: Distrbios de

    Aprendizagem, Transtorno de Dficit de Ateno e Hiperatividade, Epilepsia, Traumatismo

    Craniano e Encefalites. Alm disso, atividades anormais de ondas cerebrais no lobo temporal,

    sugerem possveis disfunes, com produo tambm anormal de neurotransmissores durante os

    testes.

    Finalmente, parece haver uma atividade distinta de ondas cerebrais, durante o sono, na

    maioria dos pacientes com diagnstico de T.P.B, conhecida como latncia REM: um curto

    perodo de tempo precedendo a chegada dos sonhos, uma caracterstica bem documentada em

  • 27

    pacientes deprimidos. Estes padres foram encontrados na maioria dos borderlines, estando

    deprimidos ou no.

    9 Fatores Genticos

    Um ou ambos os pais de borderlines tambm apresentam estas caractersticas. Parece

    sensato admitir que pelo menos uma vulnerabilidade a frustraes, traumas e eventos estressores

    herdada, que interage com fatores no ambiente no qual o indivduo est inserido. Todavia, a

    inferncia tem sido a de que os padres borderlines sejam ensinados de pais para filhos, ao invs

    de transmitidos geneticamente. So necessrios mais estudos que envolvam uma grande amostra

    de gmeos idnticos. Alm disso, avaliaes sistemticas dos pais ao longo da infncia deveriam

    ser feitas.

    1.8. O Impacto Interpessoal dos Padres Borderlines

    Do ponto de vista analtico-comportamental de maior importncia o impacto dos

    padres borderlines sobre as pessoas de sua convivncia. Os seguintes pontos (resumidos de um

    site de apoio famlias de borderlines: //members.aol.com/BPDCentral/bpdlist.html), do a idia

    de como a convivncia com algum com personalidade borderline, afeta os prximos.

    9 Voc esconde o que realmente voc sente ou pensa, porque tem medo da reao dela. Isso

    tem se tornado to automtico, que voc tem encontrado dificuldade at mesmo para

    identificar o que voc sente ou pensa.

    9 Se sente como se estivesse pisando em ovos, e que no importa o que voc diga ou faa,

    ser usado contra voc.

    9 Se sente o centro de toda a ira e violncia que no faz sentido, alternando periodicamente,

    em que a pessoa age perfeitamente normal e amavelmente.

    9 Se sente manipulado, controlado ou at mesmo como se tivesse mentido algumas vezes.

  • 28

    9 Sente que ela o v como mau ou como bom, deseja que ela aja como costumava agir,

    quando ela demonstrava am-lo e pensava que voc foi perfeito e que tudo foi

    maravilhoso.

    9 Sente que ela uma hora uma pessoa carinhosa e amvel, outra hora, algum que parece

    to rancoroso que voc mal reconhece, tentando descobrir, qual delas real. Espera que

    essa seja uma fase que logo passar, mas no passa, ento voc se sente como se voc

    estivesse em uma montanha-russa emocional cheia de altos e baixos.

    9 Tem medo de pedir coisas no relacionamento, porque voc ser considerado como

    exigente demais, ou que voc no importante ou que h algo errado com voc.

    9 Voc comea a se perder no terreno da fantasia, porque ela sempre o colocou para baixo

    ou rejeitou seu ponto de vista. Ela age to completamente normal na presena de outra

    pessoa, que ningum acredita em voc, quando voc expe a situao.

    9 Nada que voc faz est correto, e quando voc tenta fazer suas vontades, ela

    imediatamente muda suas expectativas. As regras continuam mudando, e no h nada que

    voc faa que tenha xito. Voc se sente desamparado e encurralado.

    9 Voc se sente culpado de ter feito coisas que voc nunca fez, ou de ter dito coisas que

    voc nunca disse. Voc sente-se incompreendido, e quando tenta explicar, ela no acredita

    em voc.

    9 Sendo constantemente diminudo, ainda quando voc tenta se afastar do relacionamento a

    outra pessoa tenta impedi-lo disso de vrias formas, com declaraes amorosas,

    promessas de mudanas radicais, e ameaas.

    9 Tem dificuldade para planejar compromissos sociais, porque a ela imprevisvel, seu

    humor instvel, desanimada, e comporta-se impulsivamente.

  • 29

    9 s vezes ela pede desculpas por seu comportamento, tentando convencer que esse tipo de

    comportamento normal.

    O impacto supracitado, tambm tende a ocorrer com o terapeuta, uma vez que a relao

    teraputica um contexto interpessoal. A proposta do presente trabalho focalizar exatamente

    isto: o impacto dos padres borderlines sobre a pessoa do terapeuta.

    Na prtica clnica, percebe-se muitas vezes, que o cliente repete padres comportamentais

    do seu dia a dia na sua relao com o terapeuta, sendo que este, pode utilizar da relao

    teraputica para produzir mudanas no repertrio do cliente. Com clientes com diagnstico de

    Transtorno de Personalidade Borderline, o terapeuta pode encontrar alguns desafios. Poder

    sentir-se inclinado a se comportar exatamente como as pessoas do cotidiano do cliente se

    comportam, bem como sentir-se de modo semelhante ao que as mesmas sentem. Desta forma, o

    terapeuta pode no s utilizar destas emoes para produzir mudanas no repertrio do cliente,

    como tambm, como ferramenta para conduzir o processo da anlise funcional.

    Outro ponto interessante que o indivduo borderline ao pensar na possibilidade de se

    expor a um processo psicoterpico, pode acreditar que medida que se revelar ao terapeuta, pode

    perder o controle sobre si e sobre o ambiente, e de reforadores obtidos com a manuteno de

    condutas inadequadas. Alm disso, o cliente tambm pode identificar, no decorrer do processo,

    possveis ganhos e alvio de seu sofrimento. Com isso, o cliente pode apresentar comportamentos

    tanto de esquiva quanto de aproximao na relao teraputica, sendo imprescindvel, o

    entendimento por parte do terapeuta das funes do comportamento de resistir para cada

    indivduo em particular, para que possa ajud-lo a bloquear sua esquiva e a tornar-se mais

    consciente (descrever as relaes funcionais) dos comportamentos que podem estar contribuindo

    para a manuteno das suas dificuldades (Conte & Brando, 2001). De acordo com a abordagem

    da FAP (como ser exposto adiante), o terapeuta utiliza-se do impacto das dificuldades do cliente

  • 30

    sobre a sua pessoa, para ento, propiciar oportunidades de mudana a partir do estabelecimento

    de uma relao teraputica intensa e genuna.

    2. O Papel da Relao Teraputica

    A relao teraputica tem sido tratada como desempenhando um papel bastante

    importante, embora nem sempre primordial, em diversas abordagens de psicoterapia. A

    abordagem comportamental durante muito tempo considerou a relao teraputica como

    secundria para o desenvolvimento da terapia (Eysenck, 1959). O foco era sempre a aplicao de

    tcnicas a fim de propiciar mudanas de comportamentos nos clientes. Conte e Brando (1999) e

    Shinohara (2000) apontam que nesta corrente tradicional, a relao teraputica era a circunstncia

    que permitia a mudana, atravs da utilizao de um corpo terico e tcnicas especficas. Este

    pensamento chegou no seu auge com o movimento que ficou conhecido como Terapias

    Validadas Empiricamente, liderado por Diane Chambless.

    2.1. Terapias Validadas Empiricamente: Prs e Contras

    O movimento em torno das Terapias Validadas Empiricamente (T.V.E), que colocou em

    maior evidncia resultados de pesquisas a respeito de terapias que funcionam, gerou muitos

    manifestos, especialmente daquelas terapias cujos resultados encontrados no foram positivos.

    A seguir so discutidos argumentos contra este movimento, e suas respectivas defesas a favor

    do mesmo.

    Garfield (1996), tomando o significado da palavra validar` no dicionrio, argumenta que

    ao invs de apontar uma dada terapia como declarada vlida legalmente, o mais apropriado seria

    a utilizao da palavra efetiva`, uma vez que a mesma quer dizer produzir resultados ou ter

    efeito sobre. Assim, defende que a tentativa de avaliar uma terapia como vlida seria prematura.

  • 31

    O movimento promoveu o uso de manuais de treinamento especficos e padronizados para

    a terapia, o que reduziria a variao entre terapeutas, permitindo assim, uma possibilidade maior

    de comparar seu treinamento e desempenho. Manuais especficos so desenvolvidos para

    desordens especficas. Implicitamente, estaria a desconsiderao das experincias clnicas

    adquiridas pelos terapeutas como desencadeadoras de mudanas (Garfield, 1996; Wampold,

    Mondin, Moody, Stich, Benson & Ahn, 1997a ; 1997b).

    Garfield (1996) e Wampold et al (1997a ; 1997b) referem-se dificuldade em oferecer um

    tratamento padronizado, j que clientes que apresentam o mesmo diagnstico no so idnticos,

    alm do fato que uma mesma tcnica pode produzir resultados diferentes em pessoas diferentes.

    Isto porque outros aspectos do cliente devem ser considerados, como por exemplo, sua identidade

    tnica, situao de vida, experincias anteriores em psicoterapia, expectativas em relao

    mesma, percepo a respeito do terapeuta. Assim, todos estes fatores podem ter um impacto

    sobre o processo teraputico e seus resultados.

    Garfield (1996), Havik e Vandenbos (1996) e Wampold et al (1997a ; 1997b) destacam

    que as pesquisas tradicionais na rea de psicoterapia, ao utilizar um manual especfico de

    treinamento preocupando-se em aumentar a integridade da terapia que ser avaliada, deparam-se

    com um problema particularmente importante: o da validade externa. A questo levantada : Os

    resultados encontrados nas pesquisas seriam relevantes para os clnicos, uma vez que a realidade

    na qual, estas so feitas, diferente da realidade clnica? Os manuais no abarcariam a

    complexidade do tratamento e das interaes terapeuta cliente.

    Havik e Vandenbos (1996) e Garfield (1996) ressaltam que os pacientes nas pesquisas so

    altamente selecionados, com o fim de eliminar aqueles com mltiplos problemas. Na prtica

    clnica h uma alta comorbidade. Alm disso, h diferenas individuais entre terapeutas. Deste

    modo, focalizar em tcnicas significaria limitar-se a um aspecto apenas do processo teraputico,

  • 32

    deixando de explorar outras variveis, como aquelas envolvidas na relao teraputica, como a

    capacidade do terapeuta em comunicar-se e em compreend-lo, o seu apoio e encorajamento

    fornecido, a ajuda dada ao entendimento a respeito de si mesmo. Deve-se considerar que embora

    as psicoterapias difiram-se notavelmente em suas teorias e tcnicas, resultados teraputicos

    similares so encontrados, o que corrobora a importncia de fatores na relao terapeuta cliente.

    Talvez esta seja uma das razes pelas quais, uma dada psicoterapia pode ser eficaz para um

    grande nmero de pessoas, mas no para todas.

    Chambless (1996), defende o movimento. Inicia sua discusso afirmando que a revolta

    demonstrada contra o movimento das terapias validadas justifica-se com esta denominao

    dada, uma vez que uma escolha mais apropriada poderia ter sido feita, como por exemplo,

    intervenes apoiadas empiricamente. Entretanto, como o movimento ficou conhecido com o

    primeiro nome, sua troca conduziria a confuses.

    O primeiro esclarecimento dado por Chambless (1996), que ainda que no se conhea

    todos os elementos que constituem a eficcia de uma psicoterapia, no se pode descartar as

    variveis j identificadas. Psiclogos podem ser treinados a utilizar tratamentos demonstrados ser

    efetivos. Embora manuais no reflitam completamente o setting teraputico, tm muito a oferecer

    pois a cincia avana medida em que um conhecimento mais especfico obtido. Isso no

    significa que o terapeuta deva seguir inflexivelmente o protocolo de tratamento do manual. De

    fato, eventos inesperados so comuns e merecem ateno. Portanto, a agenda programada deve

    incluir espaos para eventuais necessidades que possam aparecer. Crits-Christoph (1996) tambm

    sustenta este argumento.

    necessrio notar que a questo de se um tratamento que envolva fatores inespecficos

    ser melhor ou igual aos de protocolos, emprica. A idia apresentada por Garfield (1996) de que

    no h nenhuma diferena entre os resultados obtidos por diferentes terapias, deve ser segundo

  • 33

    Chambless (1996) analisada cautelosamente, uma vez que historicamente as pesquisas nem

    sempre foram conduzidas com rigor necessrio. Isto no significa, contudo, que no h

    necessidade de considerar a importncia dos fatores inespecficos. A maioria dos manuais

    teraputicos indica a relevncia da relao terapeuta cliente, cujas caractersticas devem

    envolver: apoiar, no julgar, e ser caloroso e afetivo. As qualidades interpessoais, entretanto, no

    seriam suficientes, embora necessrias.

    Do que foi dito at aqui, percebe-se a defesa de duas posies. De um lado, aqueles que

    afirmam que o conhecimento acumulado dos fatores especficos (tcnicas) diz pouco para o

    trabalho e sucesso clnico, sendo este mais influenciado pelos fatores inespecficos. De outro

    lado, os que apoiam a necessidade de conhecimento empiricamente validado.

    Na tentativa de um consenso, Fornagy e Target (1996) apontam as vantagens e

    desvantagens das duas posies apontadas acima, e propem um modelo de integrao. O

    argumento apresentado que regras clnicas a ser seguidas so importantes, mas devem ser

    combinadas com experincia clnica e sensibilidade, sendo que estas devem ser monitoradas a

    fim de revelar os espaos em branco entre o conhecimento de tcnicas padronizadas e os fatores

    inespecficos, para que se possa determinar quais as necessidades do clnico quanto ao seu

    treinamento e educao, levantando os componentes essenciais para um tratamento efetivo.

    Do que foi tratado nesta seo, pde-se perceber que a revolta contra o movimento das

    terapias validadas, em parte parece consistir na incompreenso da proposta do mesmo. O

    manifesto parece ter sido despertado pelo nome do movimento, que poderia conduzir idia de

    que somente aquelas terapias ali includas que eram dignas de crdito e merecimento, sendo

    todas as demais, no efetivas. Contudo, o movimento parece no rejeitar em momento algum, a

    relao teraputica (ou fatores inespecficos), ressaltando sua importncia inclusive para que as

    tcnicas possam ser aplicadas e o cliente esteja motivado a pratic-las. Alm disso, toda cincia

  • 34

    se constri a partir de pequenos passos, ou seja, no possvel conhecer de uma vez, todos as

    variveis envolvidas na determinao de um dado fenmeno.

    Por outro lado, interessante notar que toda a discusso gerada pela proposta deste

    movimento implicou pontos positivos, uma vez que os clnicos que defendiam a importncia da

    relao teraputica no processo de mudanas do cliente, sentiram-se ameaados, sendo obrigados

    a defender seus pressupostos face aos dados empricos trazidos pelo outro ponto de vista.

    Passaram, assim, a buscar apoio emprico para justificar sua posio. Portanto, o movimento

    impulsionou os psiclogos a pesquisar, com mais rigor, quais as variveis na relao teraputica

    que propiciam mudanas no repertrio do cliente.

    Luborsky et al (2002) e Wampold et al (1997a, 1997b) ressaltam a existncia de

    diferenas mnimas entre resultados obtidos por diferentes tipos de tratamentos, corroborando

    com anlise feita por Rozenzweig nos anos 30, que ficou conhecida como Dodo Bird Verdict.

    Retirado de Alice no Pas da Maravilha, Dodo Bird era um pssaro que ao final de um

    concurso alega que todo mundo ganhou e, portanto, todos devem ser premiados. Assim, esta idia

    foi transposta para os resultados obtidos com as pesquisas para indicar que todas as terapias eram

    eficazes. Com isso, o termo Dodo Bird Verdict passou a ser freqentemente utilizado, de modo

    que pesquisadores continuaram a publicar artigos em defesa ou contra idia.

    Meta-anlises recentes como as de Wampold et al (1997a; 1997b;) Luborsky et al (2002)

    e Messer e Wampold (2002), apoiam o veredicto do Dodo Bird.

    Schneider (2002) no contrape-se nem aceita que todos ganharam. Embora admire os

    esforos feitos pelas meta-anlises, seu ponto de vista de que muitas questes ainda no foram

    respondidas satisfatoriamente. Os dados acumulados seriam restritos, tanto em termos do

    processo teraputico, quanto no que se refere metodologia empregada para analis-los. Sendo

    assim, um delineamento qualitativo rigoroso elucidaria quem de fato est ganhando, ao

  • 35

    apresentar uma rica anlise das experincias teraputicas, utilizando medidas como entrevistas

    (com terapeutas, clientes e pessoas significativas na vida deste), inventrios, instrumentos

    fisiolgicos etc.

    Crits-Christoph (1997), Howard, Krause, Saunders e Kopta (1997) e Klein (2002)

    tambm concordam com a necessidade de mais investigaes, devido falta de demonstraes

    controladas acerca dos benefcios fornecidos pela relao teraputica. Deste modo, explicitam a

    importncia de avaliar meticulosamente estes estudos sobre tratamentos eficazes.

    Beutler (2002), Crits-Christoph (1997), Howard, Krause, Saunders e Kopta (1997)

    questionam tambm ao que exatamente pode-se atribuir os efeitos positivos da relao

    teraputica. Falta identificar quais variveis esto presentes neste relacionamento que podem

    conduzir a melhoras no repertrio do cliente. Alm disso, consideram que se os defensores do

    Dodo Bird tivessem identificado apenas a existncia de ingredientes comuns a todos os

    tratamentos, no haveria tanta polmica, pois seria reconhecido que os mesmos contribuem para

    as mudanas, ao invs de afirmar equivalncia entre diferentes tipos de tratamento. A admisso

    de equivalncia entre os tratamentos inconcebvel porque estes so oriundos de diversas teorias.

    importante notar tambm que modelos tericos semelhantes podem ocasionar diferentes

    resultados devido divergncias encontradas entre as populaes estudadas, terapeutas e settings

    teraputicos.

    Chambless (2002), Rounsaville e Carrol (2002) tambm contrapem-se ao veredicto do

    Dodo Bird, afirmando que esta idia traz perigosas implicaes para a prtica clnica. Dentre os

    argumentos mencionados, a primeira autora aponta que ao longo de seus 30 anos de trabalho, tem

    encontrado inmeros clientes que, aps anos de tratamento, no obtiveram grandes mudanas, e

    por isso, foram responsabilizados, como se fossem resistentes mudanas ou que no

  • 36

    tentaram o suficiente. Ao ser exposta terapia comportamental, a maioria (70%) teve seus

    problemas resolvidos.

    preciso, segundo Chambless (2002) e Howard et al (1997) fornecer o tratamento correto

    para um dado cliente. Se os estudos mostram a superioridade de uma tcnica, em detrimento de

    outra, o clnico estar sendo anti-tico, ao usar a menos efetiva. Deste modo, o praticante deve ser

    conduzido pelo que j se conhece acerca da eficcia de tratamentos.

    Finalmente, imprescindvel ressaltar que publicaes como as de Luborsky et al (2002)

    e de Wampold et al (1997a, 1997b) parecessem ignorar a anlise da generalidade dos dados

    encontrados.

    Embora o veredicto do Dodo Bird tenha sobrevivido por dcadas e seja baseado em

    alguns suportes empricos, seu impacto no extenso sobre a prtica, treinamento e pesquisa,

    pois estes continuam a enfatizar o desenvolvimento e evoluo de tcnicas psicoterpicas cada

    vez mais especficas (Nathan, Stuart & Dolan, 2000; Rounsaville & Carrol, 2002).

    Uma crtica a respeito das meta-anlises que o conhecimento de mdias de efeitos no

    diz nada sobre quando, onde, por que e como a terapia funciona. De fato, na prtica clnica o

    tratamento fornecido depende dos efeitos esperados. Se o cliente no consegue responder a um

    dado tratamento, recomenda-se o uso de diferentes tcnicas ou de outro psiclogo, o que implica

    avaliar as variveis que podem interferir no tratamento, dados estes, que so excludos numa

    anlise de mdias (Rounsaville & Carrol, 2002).

    A presente dissertao prope-se a contribuir para a discusso no sentido reivindicado por

    Schneider (2002), analisando em mais detalhes a experincia teraputica.

  • 37

    2.2. Relacionamentos