violência escolar: o professor sob ameaça · vitavelmente é refletido em sala de aula. para ela,...

Post on 26-Jan-2019

214 Views

Category:

Documents

0 Downloads

Preview:

Click to see full reader

TRANSCRIPT

Suplemento de Educação16Suplemento Especial / Folha Dirigida Outubro de 2013

Violência escolar: o professor sob ameaçaPesquisas mostram que a violência no ambiente escolar é um problema que atinge em cheio os

professores, seja da rede pública ou particular, por meio de casos de desrespeito que se multiplicam e sematerializam em histórias dramáticas. Omissão dos gestores e falta de investimentos agravam quadro

Fonte: Pesquisa Violência nas Escolas o olhar dos professores (Apeoesp)

5

5

5

6

10

39

Furto

Discriminação

Agressão física

Bullying

Assédio moral

Agressão verbal

Casos de agressão mais relatados por professores (%)

A VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS EM NÚMEROS

Fonte: Pesquisa Violência nas Escolas o olhar dos professores (Apeoesp)

24

44

65

29

47

55

Fundamental I Fundamental II Médio

Vítimas de agressão, por sexo e segmento (%)

homens Mulheres

LÍVIA MENEZESLivia.menezes@folhadirigida.com.br

sala de aula, que era para serum ambiente de estudo, emmuitos casos se assemelhaa um ringue. Esse é o re-trato das escolas brasilei-ras onde a violência con-tra professores faz parte

do cotidiano. Os docentes são, em mui-tos casos, as vítimas e os estudantesos agressores.

Segundo pesquisa divulgada peloSindicato dos Professores do EnsinoOficial de São Paulo (Apeoesp) emmaio deste ano, 44% dos professoresda rede estadual paulista já sofreramalgum tipo de violência na escola. Aagressão verbal é a forma mais comumde ataque, tendo atingido 39% dosdocentes, seguida de assédio moral(10%), bullying (6%) e agressão físi-ca (5%). O estudo mostra ainda quequem mais sofre violência escolar sãoos professores do sexo masculino quelecionam no ensino médio: 65% de-les foram agredidos de alguma forma.

“Os professores são mais direta econstantemente atingidos porque li-dam mais tempo com os estudantesnas salas de aula, mas há muitos ca-sos de agressões contra diretores, fun-cionários e outros profissionais. É pre-ciso dizer também que os estudantestambém são atingidos por colegas”,afirmou a presidente da Apeoesp, MariaIzabel Azevedo Noronha.

Segundo dados, quatro entre dez pro-fessores já vivenciaram algum tipo deviolência dentro da unidade escolar.Muitas vezes estes profissionais solici-tam licenças médicas, transferência paraoutras unidades escolares ou abandonama profissão. Este tipo de situação provo-ca insegurança em todo o corpo docen-te e na comunidade escolar, resultandoem um ambiente propício a mais ocor-rências violentas, ocasionando em pre-juízos ao processo educativo.

“Na pesquisa, os professores consi-deram que os alunos são os principaisautores, mas também as principais ví-timas da violência nas escolas. Todo oambiente escolar é atingido pelas si-tuações de violência. No momento, es-tamos desenvolvendo mais três pesqui-sas. Duas sobre violência (o olhar dospais e os olhar dos estudantes) e outrasobre qualidade do ensino”, explicoua presidente da Apeoesp.

Os professores e pesquisadores na áreasão unânimes em afirmar que o cerneda indisciplina está na falta de educa-ção em casa, prejudicando o processoensino-aprendizagem. O estudante nãoassimila regras básicas de convivênciasocial, acha que tudo é permitido, in-viabilizando a aula. Os pais ou respon-sáveis transferem à escola o papel deeducar seus filhos, não apenas no quese refere à transmissão do conhecimento.“Os professores apontaram na pesqui-sa que consideram as indisciplinas dosalunos, a falta de respeito, a desvalori-zação da sua própria profissão, a faltade interesse dos alunos pelos estudos,presença de drogas e álcool e a falta departicipação da família, entre outros,também como formas de violência”, ex-plicou Maria Izabel Azevedo.

A pesquisa concluiu que a solução parao problema da violência nas escolasenvolve uma aliança estratégica entreprofessores, pais, estudantes, o poderpúblico e a sociedade. E que é precisodesenvolver dentro de cada escola pro-jetos de esclarecimento, prevenção ecombate à violência, mas que para te-rem sucesso precisam do apoio das fa-mílias e da comunidade.

Desvalorização da carreirado professor agrava o quadroJá no Grande Rio, uma pesquisa rea-

lizada em 65 escolas públicas e parti-culares, sendo 13 do Rio de Janeiro, 43de Niterói, sete de São Gonçalo e duasde Itaboraí, por 150 alunos da Facul-dade de Educação da Universidade Fe-deral Fluminense (UFF) e coordenadapela professora Marília Etienne Arre-guy, revela também dados alarmantes:68% das instituições analisadas apre-sentam alguma forma de violência e85% não têm psicólogos. Maus-tratos,

brigas entre colegas e conflitos comprofessores foram as ocorrências maiscomuns. O estudo “Relações entre Psi-cologia e Educação- mapeamento daspráticas” foi desenvolvido entre 2010e o final de 2011.

“A principal forma de violência é afalta de reconhecimento. Tendemos apensá-la, em geral, como um fator con-creto e visível, mas há outras formas, aprincípio invisíveis, porém muito maisgraves. A pior forma de violência estáligada à manutenção de um estado das‘coisas como elas são’, como se não fossepossível mudar, melhorar e criar novassociabilidades”, afirma Marília Etien-ne Arreguy, enfatizando a violência sim-bólica, acerca das diferenças entre clas-ses sociais, a que estão expostos os pro-fessores. “É necessário observar, portanto,as formas silenciosas e instituídas daviolência na nossa sociedade, que hi-pervaloriza aspectos estéticos e finan-ceiros de uma minoria de ricos reuni-dos numa ilha (de caras) e que atribuisalários sem o mínimo parâmetro deequivalência entre diferentes profissões(ex.: modelos, jogadores de futebol, ju-diciários X professores, empregados as-salariados, profissionais de limpeza,etc.), estabelecendo uma diferença abis-sal entre pessoas, como se uns fossemintrinsecamente melhores que os ou-tros. Todas as profissões são importan-tes. A educação é o que funda toda cul-tura”, afirmou.

Segundo a pesquisadora, cada vez maiso professor é desvalorizado, e isso ine-vitavelmente é refletido em sala de aula.Para ela, o problema da falta de autori-dade dos educadores está ligado à deca-dência do modelo tradicional de ordeme autoridade, que foi abalado nas últi-mas décadas. “Quando o professor nãosabe mais ao certo qual é o seu poder,os alunos percebem. Diante da falta deidentificação com uma figura que deve-ria ser um modelo, ademais, ao seremsubmetidos a uma figura falha e comautoestima em baixa, as crianças e jovensse ressentem e podem “atacar’ seu pro-fessores, verbal e fisicamente, afora odesprezo e desinteresse em suas aulas,o que é muito pior”, explicou.

Falta de profissionaisde apoio dificulta soluçãoDe acordo com Marília Arreguy, a pes-

quisa mostra que há diferenças nas for-mas relatadas de violência quando secomparam instituições federais, esta-duais e municipais, havendo mais pre-cariedades, em geral, nas duas últimas,o que gera mais situações objetivas deviolência. “Muitos professores parecemter medo de falar sobre (os casos de vi-olência que sofrem), por receio de per-derem seus contratos ‘precários’ quandonão são concursados. Atualmente, es-tamos avaliando a presença ou não depoliciais militares nas escolas e a opi-nião dos professores é muito díspar emrelação a isso. Ainda pretendemos es-tudar mais esse fenômeno antes dedivulgar dados”, disse.

A pesquisadora lamentou a ausênciade profissionais de psicologia e de as-sistência social dentro das escolas, so-bretudo nas públicas, e concluiu que aviolência crescente nessas instituições deensino é acentuada pela falta de apoioaos alunos, na sua maioria, pobres.

“O que vimos como um fator muitoamplo (e sinal de uma violência objeti-va do sistema contra o ensino), no estu-do divulgado em 2012, foi a escassez,senão absoluta ausência de psicólogose assistentes sociais nas escolas públi-cas, o que é muito grave, quando se tra-ta de uma cultura tão empobrecida e,diríamos, do ponto de vista psicológi-co, machucada e humilhada como é anossa. O descaso com a pobreza e osgraves desníveis sociais que estrutura-ram desde sempre a sociedade brasileiraproduzem marcas profundas nos sujei-tos, sendo fonte de sofrimento, confli-to e atuação agressiva nas crianças, prin-cipalmente, dos adolescentes, que pas-sam a ser um sintoma encarnado de umadoença social muito maior. A figura dedestino dessa revolta, muitas vezes, éo professor, que está na linha de frenteda educação, já que muitos pais, atual-mente, não têm tempo para dar aten-ção aos seus filhos”, afirmou.

Segundo Marilia Etienne, muitos têmmedo de relatar agressões que sofreram

Maria Isabel: muitos professores entramde licença médica por causa da violência

GABRIEL SALLES

DIVU

LGAÇÃO

Professores relatam histórias dramáticasJá virou rotina a violência contra pro-

fessores, mas muitos dos casos não sãoregistrados. Professora das escolas mu-nicipais Olegário Mariano e RobertoSilveira, Valquíria Cordeiro conta quenos primeiros anos de magistério en-frentou uma série de pequenas agres-sões por parte dos alunos.

“Um dos casos de agressão que sofri,sendo este moral, foi por parte um gru-po de alunos do 7º ano do ensino fun-damental. A situação aconteceu apósuma guerra de bolinhas de papel, boaparte direcionada a minha pessoa. En-tão, resolvi dar aula em voz baixa, fa-zendo com que um grupo pequeno che-gasse mais próximo para ouvir. Os alu-nos que fizeram a agressão com boli-nhas ficaram em silêncio por um tem-po, mas depois voltaram a dificultar aaula. Ao fim do dia fui convidada acomparecer a direção da escola paraesclarecer um vídeo que os alunos fi-zeram, no qual eles me denunciavampor não dar aula. A reação da direçãofoi chamar os pais e destruir o vídeo,alegando que a ação das crianças era cri-me”, afirmou, acrescentando que esco-la era de classe média alta na BaixadaFluminense. E relata outro problema deagressão verbal, que aconteceu numaescola da rede estadual do Rio.

“Um aluno do 9º ano do ensino fun-damental, após ser chamado a atençãopelo comportamento inadequado emsala, sentou–se e começou a dizer coi-sas do tipo: ‘depois acorda com boca cheiade formigas e não sabe por quê!’, entreoutras frases de ameaças, faladas demaneira não direta’”, explicou. Segun-do Valquíria, a situação de agressão di-reta e indireta é constante dentro dassalas de aula, por alunos de várias fai-xas de idade. Ela afirma já ter sido acu-sada de agressão por um aluno de 6 anos,que cursava o 1º ano do ensino funda-mental. “Ele alegou que por desobedi-ência às minhas ordens, eu o peguei pelacamisa e o obriguei a entrar na fila comas demais crianças. Mas que depois deter visto o rasgo na camisa eu mandeique ele mesmo costurasse”, afirmou,explicando que não encostou na crian-ça e que ele estava se arrastando no chão.

“Ele criou toda uma história, que a mãeacreditou, para se livrar de algo que eletinha feito”, finalizou.

A professora Julia Lopes também re-latou um caso de violência sofrido porela durante a aplicação de uma provana rede pública. “Os alunos estavam fa-lando e eu pedindo para que não falas-sem. Um aluno então comentou a res-posta de uma das questões e eu tirei aprova dele. Nesse momento ele retru-cou que outras pessoas também esta-vam falando e proferiu um palavrãocontra a minha pessoa. O encaminheipara a direção da escola”, afirmou. Aprofessora conta que depois disso, doisalunos começaram a falar e atrapalhara prova, e ela pediu que se calassem.

“Esses mesmos alunos começaram aprovocar uma aluna da sala dizendo quea matariam e jogariam para os cães co-merem, em tom de brincadeira, mas éóbvio que isso não é brincadeira que se

faça. Pedi repetidas vezes que parasseme dessem o direito dos demais concluí-rem as suas avaliações”, diz a professo-ra, lembrando que, em seguida, come-çou a chorar por ser xingada.

“Então um dos meninos começou a rire a dizer que eu gostava de sofrer, euestava feliz em passar por aquilo porqueeu era professora deles. ‘Ela está gostandodisso’, ‘Ela gosta de sofrer’, ‘Vai dar aulaem outra escola, porque aqui a senhoravai ser tratada assim’”, explicou. JúliaLopes conta que após duas semanas, amãe do aluno veio falar com ela e disseque o filho não era assim, que ele setornou uma pessoa agressiva para sedefender das agressões dos colegas. “Eume senti humilhada por um rapaz de 14anos, enquanto estava tentando ensinar.A sensação que fica é de que é difícilseguir adiante. O aluno que me humi-lhou foi transferido de turma e o outrosaiu da escola”, concluiu.

ProfessoraValquírialembra comtristeza dosdias em quesofreu com odesrespeitopor parte deestudantes

ARQUIVO

PESSOAL

A

top related