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BALDUINlA. n.17, p. 7-10, 15-VI-2009

o USO DA MADEIRA NAS REDUÇÕESJESUÍTICO-GUARANI DO RIO GRANDE DO SUL.

6 - IMAGEM DE SÃO LOURENÇO MÁRTIRl

JOSÉ NEWTON CARDOSO MARCHIORF MARIA CRISTINA SCHULZE-HOFER3

RESUMOA madeira da imagem de São Lourenço Mártir, integrante do acervo do Museu das Missões, foi anatornicamenteidentificada como Cedrelafissilis Vellozo, espécie arbórea conhecida popularmente como "cedro", no suldo Brasil.Palavras-chave: Anatomia da Madeira, Missões Jesuíticas, Rio Grande do Sul, escultura de São Lourenço.

SUMMARY[Wood utilization in the Jesuitic-Guarani Missions from Rio Grande do Sul state, Brazil.6 - Anatomical identification of Saint Lawrence Martyr's sculpture].The wood of Saint Lawrence Martyr's sculpture, housed at the Missions Museum (São Miguel das Missões,Rio Grande do Sul state, Brazil), was anatomically identified as Cedrelafissilis Vellozo, a species namedcedro (spanish cedar) in the region.Key words: Wood Anatomy, Jesuitic Missions, Rio Grande do Sul state, Saint Lawrence's sculpture.

INTRODUÇÃODe autoria desconhecida e grandes dimen-

sões (222 x 97 x 77 cm), a imagem de São Lou-renço Mártir integra o acervo do Museu das Mis-sões (São Miguel das Missões, Rio Grande doSul). Oca pela parte de trás, a escultura foi rea-lizada com vários blocos de madeira encaixa-dos e representa uma figura masculina jovem,de cabelos curtos e postura elegante, com narizde feição européia, mas boca e rosto de traçosindígenas. Como vestimenta, vê-se uma túnicalarga, casula, sapato e manto com figurasfitomórficas (Figura IA), de policromia infe-lizmente perdida. Restaurada em 1990/1991 porAriston Correia Filho, a imagem recebeu pro-duto preservativo.

O presente trabalho, que trata da identifica-ção anatômica da imagem de São LourençoMártir, visa a contribuir para o conhecimentosobre o uso da madeira nas reduções Jesuítico-Guarani do Rio Grande do Sul.

I Recebido em 30-10-2008 e aceito para publicação em27-11-2008.

2 Engenheiro Florestal, Dr., bolsista de Produtividade emPesquisa do CNPq - Brasil, Professor Titular do Depar-tamento de Ciências Florestais da UFSM, RS, Brasil.balduinia@mail.ufsm.br

3 Arquiteta, Ora., IPHAN - Instituto do Patrimônio His-tórico e Artístico Nacional. schulze-hofer@gmx.de

MATERIAL E MÉTODOSO material estudado consiste de uma amos-

tra de madeira (Figura lB,C), retirada da parteposterior e inferior da imagem. Os trabalhos demicrotécnica e fotomicrografia foram realiza-dos no Laboratório de Anatomia da Madeira doInstituto Nacional de Pesquisas da Madeira, emLohbrügge, Hamburgo (Alemanha); os autoresagradecem à Sra. Eda John, pela colaboraçãonestas tarefas.

Da amostra de madeira foram preparadoscorpos-de-prova, orientados para a obtenção decortes anatômicos nos planos transversal, lon-gitudinal radial e longitudinal tangencial. Oscorpos-de-prova foram amolecidos por fervuraem água, incluídos em polietilenoglicol 2000, eseccionados em micrótomo de deslizamento(modelo American Optical), regulado para aobtenção de cortes com espessura nominal de20 /-lm.Os cortes anatômicos não sofreram co-loração; no caso dos radiais, parte deles foi tra-tado com hipoclorito de sódio, com vistas a sa-lientar a visualização de eventuais estruturascristalinas nas células lenhosas. As fotomi-crografias da Figura 2 foram tomadas comcâmera Olympus AX, em diferentes aumentos.

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FIGURA 1 - Imagem de São Lourenço Mártir. A - Fotografia da imagem missioneira. B, C - Amostra (frente e verso) demadeira coletada.

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DESCRIÇÃO DA MADEIRAMadeira porosa, de Magnoliophyta ou

Angiospermae Dicotyledoneae (Figura 2A-E).Anéis de crescimento marcados por faixas deparênquima marginal (Figura 2A). Porosidadedifusa (Figura 2A).

Vasos pouco numerosos (6-9/mm2), circula-res ou ovais, de diâmetro pequeno a grande (60-300 11m), geralmente solitários, menoscomumente geminados ou em múltiplos de 3-4unidades, e com abundante óleo-resina (Figura2A). Linhas vasculares retilíneas (Figura 2C).Placas de perfuração simples, horizontais ou li-geiramente oblíquas. Pontoações intervascularesalternas e poligonais, de 5-10 11mde diâmetro,com abertura elíptica inclusa, por vezescoalescente.

Parênquima apotraqueal marginal, em faixasregulares de 1-7 células de largura, mas tam-bém apotraqueal difuso e paratraqueal escasso(Figura 2A,B). Séries parenquimáticas axiais de2-6 células, com abundante óleo-resina e, porvezes, com cristais romboédricos de oxalato decálcio.

Raios pouco numerosos (4-7/mm), muito bai-xos até baixos, com menos de 25 células de al-tura e predominantemente bi-tri-tetrasseriados,com escassos uni e multisseriados (Figura 2E,F). Estrutura radial homogênea até heterogênea,reunindo células procumbentes, no centro, e umafileira marginal de células quadradas ou pelomenos mais altas, nas margens (Figura 2D).

Tecido fibroso proeminente, de fibraslibriformes curtas a longas, estreitas a médias ede paredes muito delgadas a delgadas (Figura2B, D, F).

ANÁLISE DA ESTRUTURA ANATÔMICAA descrição anatômica acima exposta con-

duz, facilmente, à identificação do materialcomo pertencente ao gênero Cedrela(Meliaceae), mediante chave dicotômica deTortorelli (1956): lenho fundamentalmentevascular; madeira sem estrutura estratificada;

vasos com perfurações simples; vasos lenhososcom pontoações alternas; ausência de canaisintercelulares; poros em disposição nãodendrítica ou ulmiforme; raios lenhosos bi amultisseriados, com escassos unisseriados; po-ros em número inferior a 45/mm2; parênquimaprincipalmente apotraqueal; raios lenhosos commenos de 1mm de altura; parênquima marginalsempre presente; poros pouco numerosos; e fi-bras com lúmen de Y2 a % do diâmetro total.

A checagem da estrutura observada com des-crições anatômicas de Cedrelafissilis (Mainieri& Chimelo, 1989; Tortorelli, 1956), bem comocom lâminas da referida espécie, integrantes doacervo do Departamento de Ciências Florestaisda Universidade Federal de Santa Maria, escla-rece, finalmente, a identidade botânica do ma-terial: a imagem de São Lourenço Mártir foi re-alizada em madeira de cedro ou cedro-verme-lho: Cedrela fissilis Vellozo.

A respeito do cedro, cabe salientar que nãoexiste na flora regional espécie mais dócil paraesculturas e obras de talha, aliada à boa durabi-lidade natural e acabamento. Comparado ao pi-nheiro-brasileiro (Arauearia angustifolia (Bert.)Kuntze), espécie utilizada na imagemmissioneira de São José (Marchiori & Schulze-Hofer, 2009), a madeira de cedro é indiscuti-velmente superior, sob quaisquer pontos de vis-ta. De odor agradável, essa madeira tambémaceita muito bem a aplicação de pigmentos, pres-suposto em esculturas com policromia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MAINIERI, C., CHIMELO, 1. P. Fichas de caracte-rfsticas das madeiras brasileiras. São Paulo:IPT, 1979.418 p.

MARCHIORI,1. N. C., SCHULZE-HOFER, M. C.O uso da madeira nas reduções Jesuítico-Guaranido Rio Grande do Sul. 3 - Imagem de São José.Balduinia, Santa Maria, n. 15, p. 1-4,2009.

TORTORELLI, L. A. Maderas y bosques argenti-nos. Buenos Aires: ACME, 1956.910 p.

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FIGURA 2 - Fotomicrografias da madeira da imagem de São Lourenço Mártir. A - Seção transversal, mostrando porosidadedifusa, vasos pouco numerosos de diâmetro pequeno a grande, parênquima apotraqueal marginal em faixas e fibras deparedes finas. B - Mesmos aspectos do campo anterior, com maior aumento. C - Raios fracamente heterogêneos, linhasvasculares retilíneas e fibras de paredes finas, em seção radial. D - Mesmos aspectos do campo anterior, com maioraumento. E - Parênquima axial com várias células por série e raios pouco numerosos, predominantemente 2-4-seriados,com menos de 25 células de altura, em seção tangencial. F - Mesmos aspectos do campo anterior, com maior aumento.

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