ac. tc n.º 574/14 (reduções remuneratórias)

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  • 8/11/2019 Ac. TC n. 574/14 (Redues Remuneratrias)

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    [ TC > Jurisprudncia > Acordos > Acrdo 574/2014 ]

    ACRDO N. 574/2014

    Processo n. 818/14

    Plenrio

    Relator: Conselheiro Joo Pedro Caupers

    Acordam, em Plenrio, no Tribunal Constitucional:

    IRelatrio

    1.O Presidente da Repblica requer, nos termos do n. 1 do artigo 278. da Constituioda Repblica Portuguesa (CRP) e dos artigos 51., n. 1, e 57., n. 1, da Lei deOrganizao, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), que o

    Tribunal Constitucional aprecie a conformidade com a Constituio das normasconstantes dos nmeros 1 a 15 do artigo 2. e dos nmeros 1 a 3 do artigo 4. do Decreton. 264/XII da Assembleia da Repblica, recebido na Presidncia da Repblica no dia30 de julho de 2014 para ser promulgado como lei.

    O pedido de fiscalizao de constitucionalidade apresenta a seguinte fundamentao:

    1

    Pelo Decreto n. 264/XII, a Assembleia da Repblica aprovou o regime que estabelece os mecanismosdas redues remuneratrias temporrias e as condies da sua reverso no prazo mximo de quatroanos.

    2

    Independentemente do juzo quanto ao mrito das solues contidas no Decreto em apreciao,importa garantir que da sua aplicao no resulte incerteza jurdica numa matria de togrande importncia para a economia nacional.

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    Com efeito, o Decreto em apreciao visa aprovar medidas destinadas ao cumprimento dasobrigaes internacionais do Estado, sobretudo no contexto da Unio Europeia, resultantes,em particular, do Pacto de Estabilidade e Crescimento e do Tratado de Estabilidade,Coordenao e Governao da Unio Econmica e Monetria (Tratado Oramental).

    4

    As normas em causa so suscetveis de violar princpios e normas constitucionais como oprincpio da igualdade, previsto no artigo 13 da Constituio e o princpio da proteo daconfiana, nsito ao princpio do Estado de direito constante do artigo 2 da Constituio, talcomo resulta da interpretao que destes princpios vem sendo feita pela jurisprudncia doTribunal Constitucional, em especial nos acrdos n. 353/2012, n. 187/2013, e n. 413/2014.

    5

    O presente pedido no visa pr em causa a necessidade e urgncia da adoo de medidas quegarantam o cumprimento das obrigaes internacionais assumidas pelo Estado Portugus mas,to-s, assegurar que, em face da existncia das dvidas de constitucionalidade mencionadasno nmero anterior, tais medidas passam o crivo da conformidade com a Lei Fundamental, demodo a instilar a necessria confiana nos agentes econmicos e sociais destinatrios destasnormas e preservar a credibilidade externa do Pas.

    O Presidente da Repblica requer o pedido de fiscalizao de constitucionalidade nosseguintes termos:

    Ante o exposto, e no deixando de ponderar a solicitao do Governo nesta matria , requeiro,nos termos do n 1 do artigo 278 da Constituio, bem como do n 1 do artigo 51 e n 1 do artigo 57da Lei n 28/82, de 15 de novembro, a fiscalizao preventiva da constitucionalidade das referidasnormas do artigo 2 e do artigo 4 do Decreto n 264/XII da Assembleia da Repblica, por violao dosartigos 2 e 13 da Constituio.

    2.O requerimento deu entrada neste Tribunal no dia 31 de julho de 2014 e o pedido foiadmitido na mesma data.

    3.Notificada para o efeito previsto no artigo 54. da Lei do Tribunal Constitucional, aPresidente da Assembleia da Repblica veio apresentar resposta na qual oferece omerecimento dos autos.

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    4. No dia 4 de agosto foi recebida no Tribunal uma carta do Primeiro-Ministro,requerendo a juno aos autos de vrios documentos, um dos quais uma Nota Tcnica

    sobre as questes suscitadas no presente processo de apreciao da constitucionalidade,tendo, na mesma data, o requerimento sido admitido e junto aos autos.

    5. Elaborado o memorando a que se refere o artigo 58., n. 2, da LTC, e tendo este sidosubmetido a debate, cumpre agora decidir de acordo com a orientao que o Tribunalfixou.

    IIFundamentao

    6. o seguinte o teor das normas que cumpre apreciar:

    Artigo 2.

    Reduo remuneratria

    1 - So reduzidas as remuneraes totais ilquidas mensais das pessoas a que se refere on. 9, de valor superior a 1500, quer estejam em exerccio de funes naquela data, quer

    iniciem tal exerccio, a qualquer ttulo, depois dela, nos seguintes termos:

    a) 3,5% sobre o valor total das remuneraes superiores a 1500 e inferiores a 2000;

    b) 3,5% sobre o valor de 2000 acrescido de 16% sobre o valor da remunerao total queexceda os 2000, perfazendo uma reduo global que varia entre 3,5% e 10%, no caso dasremuneraes iguais ou superiores a 2000 at 4165;

    c) 10% sobre o valor total das remuneraes superiores a 4165.

    2 - Exceto se a remunerao total ilquida agregada mensal percebida pelo trabalhador forinferior ou igual a 4165, caso em que se aplica o disposto no nmero anterior, so reduzidas em 10%

    as diversas remuneraes, gratificaes ou outras prestaes pecunirias nos seguintes casos:

    a) Pessoas sem relao jurdica de emprego com qualquer das entidades referidas no n. 9,nestas a exercer funes a qualquer outro ttulo, excluindo-se as aquisies de servios;

    b) Pessoas referidas no n. 9 a exercer funes em mais de uma das entidades mencionadasnaquele nmero.

    3 - As pessoas referidas no nmero anterior prestam, em cada ms e relativamente ao msanterior, as informaes necessrias para que os rgos e servios processadores das remuneraes,gratificaes ou outras prestaes pecunirias possam apurar a reduo aplicvel.

    4 - Para efeitos do disposto no presente artigo:

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    a) Consideram-se remuneraes totais ilquidas mensais as que resultam do valor agregado detodas as prestaes pecunirias, designadamente remunerao base, subsdios, suplementosremuneratrios, incluindo emolumentos, gratificaes, subvenes, senhas de presena, abonos,despesas de representao e trabalho suplementar, extraordinrio ou em dias de descanso e feriados;

    b) No so considerados os montantes abonados a ttulo de subsdio de refeio, ajuda de

    custo, subsdio de transporte ou o reembolso de despesas efetuado nos termos da lei, os montantespecunirios que tenham natureza de prestao social e nomeadamente os montantes abonados aopessoal das foras de segurana a ttulo de comparticipao anual na aquisio de fardamento;

    c) Na determinao da reduo, os subsdios de frias e de Natal so considerados mensalidadesautnomas;

    d) Os descontos devidos so calculados sobre o valor pecunirio reduzido por aplicao dodisposto nos n.s 1 e 2.

    5 Nos casos em que da aplicao do disposto no presente artigo resulte uma remuneraototal ilquida inferior a 1500, aplica-se apenas a reduo necessria a assegurar a perceo daquele

    valor.

    6 - Nos casos em que apenas parte da remunerao a que se referem os n.s 1 e 2 sujeita adesconto para a Caixa Geral de Aposentaes, IP, ou para a segurana social, esse desconto incide sobreo valor que resultaria da aplicao da reduo prevista no n. 1 s prestaes pecunirias objeto daqueledesconto.

    7 - Quando os suplementos remuneratrios ou outras prestaes pecunirias forem fixados empercentagem da remunerao base, a reduo prevista nos n.s 1 e 2 incide sobre o valor dos mesmos,calculado por referncia ao valor da remunerao base antes da aplicao da reduo.

    8 - A reduo remuneratria prevista no presente artigo tem por base a remunerao total

    ilquida apurada aps a aplicao das redues previstas nos artigos 11. e 12. da Lei n. 12-A/2010, de30 de junho, alterada pelas Leis n.s 64-B/2011, de 30 de dezembro, 66-B/2012, de 31 de dezembro, e83-C/2013, de 31 de dezembro, e na Lei n. 47/2010, de 7 de setembro, alterada pelas Leis n.s52/2010, de 14 de dezembro, e 66-B/2012, de 31 de dezembro, para os universos neles referidos.

    9 - A presente lei aplica-se aos titulares dos cargos e demais pessoal de seguida identificados:

    a) O Presidente da Repblica;

    b) O Presidente da Assembleia da Repblica;

    c) O Primeiro-Ministro;

    d) Os Deputados Assembleia da Repblica;

    e) Os membros do Governo;

    f) Os juzes do Tribunal Constitucional e juzes do Tribunal de Contas, o Procurador-Geral daRepblica, bem como os magistrados judiciais, magistrados do Ministrio Pblico e juzes da jurisdioadministrativa e fiscal e dos julgados de paz;

    g) Os Representantes da Repblica para as regies autnomas;

    h) Os deputados s Assembleias Legislativas das regies autnomas;i) Os membros dos governos regionais;

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    j) Os eleitos locais;

    k) Os titulares dos demais rgos constitucionais no referidos nas alneas anteriores, bemcomo os membros dos rgos dirigentes de entidades administrativas independentes, nomeadamente asque funcionam junto da Assembleia da Repblica;

    l) Os membros e os trabalhadores dos gabinetes, dos rgos de gesto e de gabinetes de apoio,dos titulares dos cargos e rgos das alneas anteriores, do Presidente e Vice-Presidente do ConselhoSuperior da Magistratura, do Presidente e Vice-Presidente do Conselho Superior dos TribunaisAdministrativos e Fiscais, do Presidente do Supremo Tribunal de Justia, do Presidente e juzes doTribunal Constitucional, do Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, do Presidente do Tribunalde Contas, do Provedor de Justia e do Procurador-Geral da Repblica;

    m) Os militares das Foras Armadas e da Guarda Nacional Republicana, incluindo os juzesmilitares e os militares que integram a assessoria militar ao Ministrio Pblico, bem como outras forasmilitarizadas;

    n) O pessoal dirigente dos servios da Presidncia da Repblica e da Assembleia da Repblica, e

    de outros servios de apoio a rgos constitucionais, dos demais servios e organismos da administraocentral, regional e local do Estado, bem como o pessoal em exerccio de funes equiparadas paraefeitos remuneratrios;

    o) Os gestores pblicos, ou equiparados, os membros dos rgos executivos, deliberativos,consultivos, de fiscalizao ou quaisquer outros rgos estatutrios dos institutos pblicos de regimecomum e especial, de pessoas coletivas de direito pblico dotadas de independncia decorrente da suaintegrao nas reas de regulao, superviso ou controlo, das empresas pblicas de capital exclusiva oumaioritariamente pblico, das entidades pblicas empresariais e das entidades que integram o setorempresarial regional e municipal, das fundaes pblicas e de quaisquer outras entidades pblicas;

    p) Os trabalhadores que exercem funes pblicas na Presidncia da Repblica, na Assembleia

    da Repblica, em outros rgos constitucionais, bem como os que exercem funes pblicas, emqualquer modalidade de relao jurdica de emprego pblico, incluindo os trabalhadores em processo derequalificao e em licena extraordinria;

    q) Os trabalhadores dos institutos pblicos de regime especial e de pessoas coletivas de direitopblico dotadas de independncia decorrente da sua integrao nas reas de regulao, superviso oucontrolo, incluindo as entidades reguladoras independentes;

    r) Os trabalhadores das empresas pblicas de capital exclusiva ou maioritariamente pblico, dasentidades pblicas empresariais e das entidades que integram o setor empresarial regional e local;

    s) Os trabalhadores e dirigentes das fundaes pblicas de direito pblico e das fundaes

    pblicas de direito privado e dos estabelecimentos pblicos no abrangidos pelas alneas anteriores;

    t) O pessoal nas situaes de reserva, pr-aposentao e disponibilidade, fora de efetividade deservio, que beneficie de prestaes pecunirias indexadas aos vencimentos do pessoal no ativo.

    10 - As entidades processadoras das remuneraes dos trabalhadores em funes pblicasreferidas na alnea p) do nmero anterior, abrangidas pelo n. 6 do artigo 1. da Lei Geral do Trabalhoem Funes Pblicas (LTFP), aprovada em anexo Lei n. 35/2014, de 20 de junho, bem como osrgos ou servios com autonomia financeira processadores das remuneraes dos trabalhadores emfunes pblicas referidos nas alneas q) e s) do nmero anterior, procedem entrega das quantiascorrespondentes s redues remuneratrias previstas no presente artigo nos cofres do Estado,ressalvados os casos em que as remuneraes dos trabalhadores em causa tenham sido prvia e

    devidamente oramentadas com aplicao dessas mesmas redues.

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    11 - O abono mensal de representao previsto na alnea a) do n. 1 do artigo 61. do Decreto-Lei n. 40-A/98, de 27 de fevereiro, alterado pelos Decretos-Leis n.s 153/2005, de 2 de setembro, e10/2008, de 17 de janeiro, e pela Lei n. 55-A/2010, de 31 de dezembro, reduzido em 6%, semprejuzo das redues previstas nos nmeros anteriores.

    12 - O disposto na presente lei no se aplica aos titulares de cargos e demais pessoal das

    empresas de capital exclusiva ou maioritariamente pblico e das entidades pblicas empresariais queintegrem o setor pblico empresarial se, em razo de regulamentao internacional especfica, daresultar diretamente decrscimo de receitas.

    13 - No aplicvel a reduo prevista na presente lei nos casos em que pela sua aplicaoresulte uma remunerao ilquida inferior ao montante previsto para o salrio mnimo em vigor nospases onde existem servios perifricos externos do Ministrio dos Negcios Estrangeiros.

    14 - A reduo remuneratria prevista no presente artigo no aplicvel aos trabalhadores dosservios perifricos externos do MNE, sempre que da aplicao desta reduo resulte inequivocamente aviolao de uma norma imperativa de ordem pblica local que preveja a regra da proibio da reduosalarial.

    15 - O regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisqueroutras normas, especiais ou excecionais, em contrrio e sobre instrumentos de regulamentao coletivade trabalho e contratos de trabalho, no podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos.

    Artigo 4.

    Reverso gradual da reduo remuneratria temporria

    1 - A reduo remuneratria prevista no artigo 2. revertida em 20% a partir de 1 de

    janeiro de 2015.

    2 - No oramento do Estado para 2016 e nos oramentos subsequentes, fixada apercentagem de reverso da reduo remuneratria em funo da disponibilidade oramental.

    3 - A reverso total da reduo remuneratria a que se refere o artigo 2. ocorre no prazomximo de quatro anos.

    7.A leitura conjunta dos dois artigos conduz ideia de que se combina (a) uma

    reduo remuneratria aplicvel no ano de 2014 aos trabalhadores pagos porverbas pblicas igual que vigorou at 2013, com (b) uma reduo remuneratria

    equivalente a 80% desta, em 2015, e com (c) um programa normativo, orientado

    para o fim das redues remuneratrias que vm atingindo aqueles trabalhadores,

    nos trs anos subsequentes.

    Explicitemos melhor.

    Em primeiro lugar, estabelece-se uma reduo remuneratria para os trabalhadores querecebem por verbas pblicas, no ano de 2014, semelhante estabelecida no artigo 19. daLei n. 55-A/2010, de 31 de dezembro, que aprovou o Oramento de Estado para 2011

    (OE2011).

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    Em segundo lugar, consagra-se legalmente a possibilidade de aplicao de reduesremuneratrias at 2018, ou seja, ao longo de mais cinco de um perodo de oito anosconsecutivos (2011 / 2018).

    Em terceiro lugar, estabelece-se para 2015 uma reduo remuneratria igual a 80% da

    aplicvel no corrente ano.

    Por ltimo, prev-se uma reduo remuneratria ao longo dos anos que compemo trinio 2016-2018 entre a aplicvel em 2015 e zero (n. 3 do artigo 4.), nada seconcretizando quanto diminuio anual da reduo em cada um dos trs anosque compem o trinio.

    O que de mais importante se sublinha neste programa que ele permite,objetivamente, dar como assente que as redues remuneratrias podem perdurarat 2018.

    8. Os parmetros constitucionais convocados pelo Presidente da Repblica numpedido cujo fundamento se limita ao confronto sumrio com a jurisprudncia anteriordo Tribunal Constitucional (Acrdos n. 353/2012, n. 187/2013, e n. 413/2014) assentam no princpio da igualdade, previsto no artigo 13., e no princpio da proteoda confiana, nsito no princpio do Estado de direito, constante do artigo 2., ambos daCRP.

    Comeando por este ltimo, a aplicao do princpio da confiana tem de partir deuma definio rigorosa dos requisitos cumulativos a que deve obedecer a situao

    de confiana, para ser digna de tutela. Dados por verificados esses requisitos, hque proceder a uma ponderao entre os interesses particulares desfavoravelmenteafetados pela alterao do quadro normativo que os regula e o interesse pblico quejustifica essa alterao. Dessa valorao em concreto, do peso relativo dos bensem confronto , assim como da conteno das solues impugnadas dentro delimites de razoabilidade e de justa medida, ir resultar o juzo definitivo quanto sua conformidade constitucional (Acrdo n. 396/2011).

    Assim, como se disse no Acrdo n. 128/2009, expressando entendimento reiterado emmuitos outros arestos:

    Para que haja lugar tutela jurdico-constitucional da confiana necessrio, em primeirolugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerarnos privados expectativas de continuidade; depois, devem tais expetativas ser legtimas,justificadas e fundadas em boas razes; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos devida tendo em conta a perspetiva de continuidade do comportamento estadual; por ltimo, ainda necessrio que no ocorram razes de interesse pblico que justifiquem, em ponderao,a no continuidade do comportamento que gerou a situao de expectativa.

    No caso em apreo, pode encontrar-se na reiterao da aplicao de medidas dereduo remuneratria conformadas como transitriasa instilao normativa de um

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    quadro de expectativa na melhoria, a prazo, da situao remuneratria dostrabalhadores pagos por verbas pblicas (destinatrios da norma), consubstanciadana reverso das redues salariais a que vm sendo sujeitos desde 2011.

    Legitimam esta expectativa o cumprimento pelo Estado Portugus do Programa de

    Assistncia Econmica e Financeira (PAEF) e o consequente termo do seu quadrode vigncia, assim como as melhorias da situao econmico-financeira, refletidasem vrios indicadores e, sobretudo, nas previses do Governo contidas noDocumento de Estratgia Oramental 2014-2018 (DEO): crescimento do produtointerno bruto (PIB), reduo da taxa de desemprego, previso de aumento da

    procura externa, nomeadamente (cfr. pp. 9 a 11). Poderia ainda acrescentar-se a jconsumada reduo do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas para asgrandes empresas, evidenciadora de disponibilidade oramental.

    Admitir como legtimas as expectativas de uma melhoria da situao remuneratriano implica necessariamente que essas expetativas, para poderem ser satisfeitas,

    incorporem um regresso aos nveis salariais de 2010, logo em 1 de janeiro de 2015.De todo o modo, ainda que tais expetativas existissem, a intensidade darepercusso, nesse ano, dos compromissos internacionais do Estado portugus,leva-nos a questionar se elas no teriam de ceder perante os constrangimentosinerentes a tais compromissos, nomeadamente dos decorrentes do Tratado sobre oFuncionamento da Unio Europeia (TFUE) e do Tratado sobre Estabilidade,Coordenao e Governao na Unio Econmica e Monetria (conhecido em

    lngua portuguesa como Tratado Oramental, designao que se passa a adotar)

    leva-nos a vislumbrar a inteno de refrear as expetativas criadas que, se supem a

    reverso das redues remuneratrias num horizonte no muito distante, j no

    abrangero a circunstncia desse prazo vir a ser necessariamente atingido em 1 de

    janeiro de 2015.

    Sublinhe-se que, no ano de 2015, no s perduram ainda os efeitos do PAEF porvia da fixao da meta do dfice oramental em 2,5% do PIB e do imperativo de

    fixao de medidas que suportem a estratgia de consolidao para a atingir (cfr.

    artigo 3., n. 8, alneas g) e h), da Deciso de Execuo do Conselho 2011/344/UE,

    na redao da Deciso de Execuo do Conselho 2014/234/UE), como ainda se faz

    sentir o efeito do procedimento de dfice excessivo. A consequncia lgica destas

    circunstncias, que acentuam a relevncia do interesse pblico subjacente, que as

    redues remuneratrias previstas para 2015 ainda se contm nos limites da

    confiana protegida.

    9. O trinio 2016 / 2018 convoca outras ponderaes, at pelo seu alcance de mdioprazo.

    O cenrio econmico de melhoria da situao econmico-financeira, refletida emvrios indicadores e, sobretudo, nas previses do Governo contidas no DEO,compe um quadro de algum alvio, que no deixar de se repercutir na situaodos trabalhadores pagos por verbas pblicas, podendo entender-se que devaabranger algo mais do que um mecanismo de reverso que deixa em aberto a

    possibilidade do nvel de reduo de reduo remuneratria se manter inclumeentre 2016 e 2018.

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    Cabe recordar que noAcrdo n. 396/2011o Tribunal deixou escrito:

    No se pode ignorar, todavia, que atravessamos reconhecidamente uma conjuntura de

    absoluta excecionalidade, do ponto de vista da gesto financeira dos recursospblicos.O desequilbrio oramental gerou forte presso sobre a dvida soberanaportuguesa, com escalada progressiva dos juros, colocando o Estado portugus e a

    economia nacional em srias dificuldades de financiamento () Do que no pode

    razoavelmente duvidar-se de que as medidas de reduo remuneratria visam a

    salvaguarda de um interesse pblico que deve ser tido por prevalecente e esta

    constitui a razo decisiva para rejeitar a alegao de que estamos perante uma

    desproteo da confiana constitucionalmente desconforme () As redues

    remuneratrias integram-se num conjunto de medidas que o poder poltico,

    atuando em entendimento com organismos internacionais de que Portugal faz

    parte, resolveu tomar, para reequilbrio das contas pblicas, tido por

    absolutamente necessrio preveno e sanao de consequncias desastrosas, naesfera econmica e social. So medidas de poltica financeira basicamente

    conjuntural, de combate a uma situao de emergncia, por que optou o rgo

    legislativo devidamente legitimado pelo princpio democrtico de representao

    popular.

    E, na mesma linha, quando novamente chamado a pronunciar-se sobre as reduesremuneratrias contempladas naLei do Oramento de 2013, o Tribunal reconheceu:

    Ora, no caso, h, por um lado, indcios consistentes da necessidade de manuteno de medidasde conteno oramental, e, por outro lado, por todas as razes j antes expostas, so patentesas razes de interesse pblico que justificam as alteraes legislativas, pelo que no se podedizer que estejamos perante um quadro injustificado de instabilidade da ordem jurdica.

    10. Uma concluso fica clara da leitura destes passos da jurisprudncia do Tribunal:foram inicialmente razes de absoluta excecionalidade tidas por muito relevantes, que

    conduziram o Tribunal ao entendimento de que as redues salariais ento apreciadasno ofendiam o princpio da proteo da confiana. Tais razes radicaramposteriormente na necessidade de respeitar os compromissos internacionais assumidospelo Estado portugus, ao subscrever o PAEF.

    O PAEF vigorou entre maio de 2011 e maio de 2014, projetando ainda os seusefeitos, como se disse, no ano de 2015.

    Atingido o ano de 2016, encerrado que foi o PAEF e finalizado, como se perspetiva, oprocedimento de dfice excessivo em curso, a formulao de idntico juzo, por via daidentificao de razes de interesse pblico muito relevantes e com peso prevalecente

    sobre as expetativas de regresso a um quadro de estabilidade da ordem jurdica, em termos

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    de justificar a medida no mdio prazo, luz do princpio da proteo da confiana, carecede outro fundamento.

    Segundo a exposio de motivos da Proposta de Lei n. 239/XII, que esteve na origem doDecreto n. 264/XII, a participao de Portugal na Unio Europeia e na rea do euro

    obriga ao cumprimento de requisitos exigentes em matria oramental, plasmados noTFUE, no protocolo, e nos regulamentos que desenvolvem o Pacto de Estabilidade eCrescimento e ainda no Tratado sobre Estabilidade, Coordenao e Governao na UnioEconmica e Monetria.

    Importa considerar tais razes, a que o Governo faz referncia especfica e que retoma edesenvolve na Nota Tcnica j mencionada (cfr. 4 supra).

    Com efeito, o Tratado da Unio Europeia (TUE) estabelece, no seu artigo 3., n. 4, aunio econmica e monetria, cuja moeda o euro, como um dos objetivos da Unio,objetivo desenvolvido nos artigos 119. e seguintes do TFUE, bem como nos Protocolos

    n. 4, relativo ao Sistema Europeu de Bancos Centrais, e n. 12, sobre o procedimento dedfices excessivos, bem como em disposies de direito derivado da Unio Europeia.

    Ora, uma das principais obrigaes dos Estados-membros neste domnio a de evitardfices oramentais excessivos (artigo 126., n. 1, do TFUE), competindo UnioEuropeia, atravs da Comisso, acompanhar a evoluo da situao oramental e domontante da dvida pblica nos Estados-membros, a fim de identificar desvios importantes.Nos termos do artigo 1. do mencionado Protocolo n. 12, o dfice oramental deverespeitar os valores mximos de referncia de 3% do PIB a preos de mercado e de 60%para a relao entre a dvida pblica e o PIB a preos de mercado.

    11. As normas de direito originrio tm vindo a ser desenvolvidas e concretizadasatravs de regras de direito derivado, designadamente regulamentos, entre os quais sedevem destacar, desde logo, os regulamentos que integram o Pacto de Estabilidade eCrescimento que prev medidas de superviso e coordenao das polticaseconmicas, em particular o artigo 2.-A da Seco 1-A do Regulamento CE n.1466/97 do Conselho, de 7 de julho, que previa como objetivo econmico de mdio

    prazo um rcio mximo de 3% do PIB para o dfice oramentale o Regulamento CEn. 1467/97 do Conselho, de 7 de julho, sobre o procedimento relativo aos dficesexcessivos.

    Estas normas foram alteradas e completadas, na sequncia da crise das dvidas soberanas,por um conjunto de diplomas que integram o chamado Six Pack, pacote legislativoeuropeu de 2011 sobre matria oramental, de que se destaca a previso do SemestreEuropeu para a coordenao das polticas econmicas e que inclui, entre outros, aapresentao e a avaliao dos programas de estabilidade e convergncia dos Estadosmembros (cfr. Seco 1-A, artigo 2.-A do Regulamento (CE) n. 1466/97, introduzidopelo Regulamento (UE) n. 1175/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 denovembro de 2011).

    A estas normas somou-se o denominado Two Pack, que integra dois regulamentos de

    2013 Regulamento (UE) n.472/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 demaio de 2013, relativo ao reforo da superviso econmica e oramental dos Estados-

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    Membros da rea do euro afetados ou ameaados por graves dificuldades no que dizrespeito sua estabilidade financeira e o Regulamento (UE) n.473/2013 do ParlamentoEuropeu e do Conselho, de 21 de maio de 2013, que estabelece disposies comuns

    para o acompanhamento e a avaliao dos projetos de planos oramentais e para acorreo do dfice excessivo dos Estados-Membros da rea do euro. Tratando-se de

    normas de Direito da Unio Europeia, quer sejam de direito originrio, quer de direitoderivado, vinculam o Estado Portugus, nos termos do artigo 8., n. 4, da Constituio.

    J o Tratado Oramental, assinado em 2 de maro de 2012, pelos Chefes de Estado e deGoverno dos Estados-membros da Unio Europeia (com exceo do Reino Unido e daRepblica Checa), diferente. Tendo entrado em vigor em 1 de janeiro de 2013, aps aratificao por 16 Estados-membros, 12 dos quais pertencentes rea do euro, este

    Tratado visa, essencialmente, reforar a disciplina oramental, atravs da introduo demedidas que garantam uma maior fiscalizao e uma resposta mais eficaz face emergnciade desequilbrios. O seu principal objetivo, como se afirma no prembulo, a adoo, coma maior celeridade possvel, por parte dos Estados-membros da rea do euro, de regras

    especficas, de natureza econmica e oramental, incluindo uma "regra de equilbriooramental" e um mecanismo automtico para a adoo de medidas corretivas, queconduzam a um cumprimento mais estrito dos critrios quantitativos introduzidos pelo

    Tratado de Maastricht, nomeadamente os respeitantes ao dfice mximo e ao limite de 60%do PIB para a dvida pblica.

    Sublinhamos o seguinte:

    a) Vrias disposies do Tratado Oramental tm origem em normas de direito derivadoda Unio Europeia ou, entretanto, passaram a fazer parte dessas normas:

    b) O Tratado no integra o ordenamento jurdico da UE ;

    c) O Tratado aplicvel na medida em que for compatvel com os Tratados em quese funda a Unio Europeia e com o direito desta;

    d) O Tratado no beneficia do estatuto que o n. 4 do artigo 8. da CRPconfere ao direito da Unio Europeia, sendo-lhe antes aplicvel odisposto no n. 2 do mesmo artigo, como fonte de direito internacional

    pblico que ;

    e)As regras constantes do artigo 3. do Tratado, relativas ao Pacto Oramental,foram integradas no direito interno portugus por via das alteraes que a Lei n.37/2013, de 14 de junho, introduziu na Lei de Enquadramento Oramental (Lei n.91/2001, de 20 de Agosto, posteriormente alterada pela Lei 41/2014, de 10 de julho);atravs desta integrao aquelas regras adquiriram valor reforado mas no,evidentemente, valor constitucional.

    Recorde-se ainda que Portugal se encontra sujeito a um procedimento de dficeexcessivo (cfr. artigo 126., n. 7, do TFUE), ao abrigo do qual foram aprovadas vriasrecomendaes por parte do Conselho, tendo-lhe sido estabelecida uma meta precisade reduo do dfice para 2,5 % do PIB, em 2015.

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    12.Independentemente de dvidas quanto vinculatividade destas recomendaesadotadas no mbito do procedimento por dfice excessivo , a verdade que elasno impem a Portugal medidas concretas e determinadas para controlo da

    despesa pblica e para reduo do dfice, antes se limitando a enunciar os

    objetivos ou metas, que, esses sim, devem ser obrigatoriamente cumpridos, por

    fora das normas indubitavelmente vinculativas da Unio Europeia, quais sejam asde direito originrio e de direito derivado acima citadas (no entanto, algumasmedidas concretas podem resultar das decises de execuo do Conselho no quadro doPAEF). Dito por outras palavras, a vinculatividade do Direito da Unio Europeianeste domnio no abrange os meios que os Estados-membros utilizam para atingir

    os objetivos ou metas que lhes so impostos.

    Assim sendo, o facto de se admitir que as normas adotadas e a adotar pelolegislador nacional com vista a prosseguir os objetivos acima referidos se devemconformar com as prescries da Unio Europeia no tem consequncias do pontode vista da aplicao das normas constitucionais. Pelo contrrio, num sistema

    constitucional multinvel, no qual interagem vrias ordens jurdicas, asnormas legislativas internas devem necessariamente conformar-se coma Constituio [competindo ao Tribunal Constitucional, de acordo coma CRP, administrar a justia em matrias jurdico-constitucionais (cfr.artigo 221. da CRP)]. Alis, o prprio direito da Unio Europeiaestabelece que a Unio respeita a identidade nacional dos seusEstados-membros, refletida nas estruturas polticas e constitucionaisfundamentais de cada um deles (cfr. artigo 4., n. 2, do TUE).

    Sublinhe-se, por ltimo, que neste domnio no h sequer divergnciaentre o Direito da Unio Europeia e o Direito ConstitucionalPortugus. Efetivamente, os princpios constitucionais da igualdade, da

    proporcionalidade e da proteo da confiana, que tm servido deparmetro ao Tribunal Constitucional para aferir daconstitucionalidade das normas nacionais relativas a matrias conexascom as que se apreciam nos presentes autos, fazem parte do ncleoduro do Estado de direito, integrando o patrimnio jurdico comumeuropeu, a que a Unio tambm est vinculada.

    13. Aqui chegados e retomando as ponderaes pertinentes apreciao do programanormativo face ao princpio da confiana, cabe reconhecer que, no ano de 2015, ocumprimento dos compromissos a que vimos aludindo pesa, de forma muito

    relevante, sobre as opes oramentais (o que no significa, evidentemente,que o peso desses compromissos no se faa ainda sentir nos anossubsequentes).

    Nas circunstncias atuais e perante a indeterminao do quadro normativo, no

    parece possvel encontrar elementos suficientemente claros para suportar um juzode inadmissibilidade constitucional, luz do princpio da proteo de confiana, de

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    medidas de reduo remuneratria, ainda que contrariando expetativas de umgrupo de pessoas repetidamente atingido no passado.

    E, mesmo que tal fosse possvel, o interesse pblico inerente ao cumprimento doscompromissos internacionais do Estado portugus ainda implica, neste perodo,

    eroso daquele princpio.

    Esta ltima considerao conduz-nos apreciao das normas em causa, agora luz doprincpio da igualdade, igualmente invocado pelo requerente.

    14.Tambm no que respeita ao princpio da igualdade, importa recordar brevemente asposies assumidas pelo Tribunal relativamente s medidas legislativas que,sucessivamente, foram atingindo os trabalhadores pagos por verbas pblicas.

    14.1.A urgncia das redues do dfice oramental explica uma atuao do lado dadespesa, mais eficaz do que uma atuao do lado da receita, pela rapidez dosefeitos produzidos. Nesta linha e retomando jurisprudncia anterior, l-se no Acrdon. 413/2014:

    Situando no mbito relativo pertinncia oramental daquelas retribuies e das medidas que asafetavam o fundamento material para a diferenciao introduzida na repartio dos encargos pblicos, o

    Tribunal entendeu ainda defensvel a assero segundo a qual, pela suacerteza e rapidez na produode efeitos, a opo tomada se revelava particularmente eficaz, numa perspetiva de reduo do dficea curto prazo, mostrando-se desse modo coerente com uma estratgia de atuao, cuja definiocabe[ria] dentro da margem de livre conformao poltica do legislador.

    14.2. Aquela circunstncia legitima alguma medida de sacrifcio adicional dostrabalhadores que recebem por verbas pblicas, sacrifcio que no consuma, por

    isso, um tratamento desigual arbitrrio; na verdade, estes so pagos por verbas

    pblicas, pelo que apenas a sua remunerao reduz, imediata e automaticamente,a despesa pblica. Pode ler-se no Acrdo n. 353/2012:

    Entendeu-se que o recurso a uma medida como a reduo dos rendimentos de quem aufere por verbaspblicas como meio de rapidamente diminuir o dfice pblico, em excecionais circunstnciaseconmico-financeiras, apesar de se traduzir num tratamento desigual, relativamente a quem aufererendimentos provenientes do setor privado da economia, tinha justificaes que a subtraam censurado princpio da igualdade na repartio dos encargos pblicos, uma vez que essa reduo ainda secontinha dentro dos limitesdo sacrifcio.

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    14.3. O sacrifcio adicional, porm, tem de conter-se dentro de limites estabelecidos luz do critrio da igualdade proporcional, no podendo ser excessivo quandoconfrontado com as razes que o justificam.Ou seja: o Tribunal, por um lado, indaga arazo de ser da diferenciao; por outro, avalia a medida em que a diferenciao concretizada. Assim, no Acrdo n. 353/2012:

    Nestes termos, poder concluir-se que certamente admissvel alguma diferenciao entre quem recebepor verbas pblicas e quem atua no setor privado da economia, no se podendo considerar, no atualcontexto econmico e financeiro, injustificadamente discriminatria qualquer medida de reduo dosrendimentos dirigida apenas aos primeiros.

    Mas, obviamente, a liberdade do legislador recorrer ao corte das remuneraes e penses das pessoasque auferem por verbas pblicas, na mira de alcanar um equilbrio oramental, mesmo num quadrode uma grave crise econmico-financeira, no pode ser ilimitada. A diferena do grau de sacrifciopara aqueles que so atingidos por esta medida e para os que no o so no pode deixar de ter limites.

    Na verdade, a igualdade jurdica sempre uma igualdade proporcional, pelo que a desigualdade

    justificada pela diferena de situaes no est imune a um juzo de proporcionalidade. A dimenso dadesigualdade do tratamento tem que ser proporcionada s razes que justificam esse tratamentodesigual, no podendo revelar-se excessiva.

    14.4. A justificao deste sacrifcio adicional encontra-se ainda sujeita a duasoutras condies: (a) a considerao de outras alternativas possveis de contenode custos; e (b) o carter transitrio da imposio do sacrifcio. Escreveu-se noAcrdo n. 187/2013:

    No s porque o tratamento diferenciado dos trabalhadores do setor pblico no pode continuar ajustificar-se atravs do carter mais eficaz das medidas de reduo salarial, em detrimento de outrasalternativas possveis de conteno de custos, como tambm porque a sua vinculao ao interessepblico no pode servir de fundamento para a imposio continuada de sacrifcios a esses trabalhadoresmediante a reduo unilateral de salrios, nem como parmetro valorativo do princpio da igualdade porcomparao com os trabalhadores do setor privado ou outros titulares de rendimento.

    Apreciando o OE2013, o Tribunal considerou que, no terceiro exerccio oramental

    consecutivo que visava dar cumprimento ao programa de assistncia financeira , oargumento da eficcia imediata das medidas de suspenso de subsdio no tinha jconsistncia valorativa suficiente para justificar o agravamento (em relao ao OE2012)dos nveis remuneratrios dos sujeitos que auferem por verbas pblicas. Assim, no

    Acrdo n. 413/2014:

    Constituindo o ano de 2014 um exerccio oramental condicionado ainda pelo esforo de consolidaooramental imposto no mbito do Programa de Assistncia Econmica e Financeira, no existem razespara alterar este entendimento (refere-se ao entendimento que o Tribunal tem expressamente assumidoem acrdos anteriores, no sentido de que, no presente contexto financeiro, continua a ser certamente

    admissvel alguma diferenciao entre quem recebe por verbas pblicas e quem atua no setor privado da

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    pendncia de um procedimento por dfice excessivo, que se segue a um perodo deassistncia econmica e financeira, ainda configura quadro especialmente exigente,de excecionalidade, capaz de subtrair a imposio de redues remuneratriasnesse ano censura do princpio da igualdade. Releva, nesse juzo, os termos maismitigados do sacrifcio imposto, por efeito da estatuio de redues

    remuneratrias inferiores em 20% s que so previstas para o ano de 2014.

    17.J o trinio seguinte2016/2018determina outra apreciao.

    Desde logo, ao contrrio do que ainda se poder entender relativamente aos anos de 2014 e2015, no estamos j perante interveno legislativa de ndole conjuntural e deresposta a situao de emergncia. Como decorre do DEO, o ano de 2017 aquele emque se prev que seja atingido o objetivo de mdio prazo, o que remete as razes em que sealicera o programa normativo em apreo, nessa dimenso, para a condio de opo

    estratgica, que encontra inscrio num quadro regularde atuao do Estado, aindaque dominado por exigncias de disciplina oramental e de racionalidadeeconmica.

    A prpria conformao do mecanismo de reverso das redues remuneratriassuporta essa concluso. Quanto ao ano de 2014, o legislador sinaliza, atravs daaplicao de redues remuneratrias no seu nvel sacrificial mais elevado, aausncia de margem oramental que permita evitar ou mesmo reduzir o sacrifcioimposto a um grupo de pessoas. J no que respeita ao ano de 2015, a medida dosacrifcio reduzida, o que significa que h segurana quanto verificao deespao oramental, independentemente da exigente meta do dfice e da

    pendncia de procedimento de dfice excessivo.

    Mas, da em diante, nenhuma percentagem de reverso fixadano n. 2 do artigo 4.do Decreto n. 264/XII, funcionalizando inteiramente as redues remuneratrias

    verificao de disponibilidade oramental por mais trs anos. A que acresce, nostermos do DEO, o propsito de condicionar a reverso da medida de reduoremuneratria reduo da massa salarial por efeito quantidade, obtida a partir dadiminuio do nmero de funcionrios pblicos (cfr. p. 40).

    Ora, tais razes no justificam, luz do princpio da igualdade, que asremuneraes dos trabalhadores pagos por verbas pblicas, e s destes, continuem

    a ser atingidas por redues durante esses trs anos. Perante a exigncia deigualdade na repartio dos encargos pblicos, no constitucionalmenteadmissvel que a estratgia de reequilbrio das finanas pblicas assente na reduoda despesa por via da continuao do sacrifcio daqueles mesmos trabalhadores.

    E, caso fosse necessrio responder segunda questo, note-se que, ainda que secontinuasse a tolerar tal escolha, chegar-se-ia ao mesmo juzo deinconstitucionalidade, tendo em conta que a frmula da reverso estabelecida nos n.s 2e 3 do artigo 4. possibilita, como se disse, o prolongamento do perodo de vigncia doscortes at 2018, sem que, simultaneamente, assegure uma recuperao progressiva efetivada reduo salarial. Trata-se, na verdade, simplesmente, da subsistncia, por mais trs anos,

    de uma reduo remuneratria que, em extremo, pode ser igual, at ao fim do trinio, a80% daquela que vem vigorando desde 2011.

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    Sublinhamos que no se pretende, evidentemente, pr em causa a boa f ou a retainteno do Governo, que ter genuna vontade de que as coisas se passem como

    prev.No se formula um juzo subjetivo sobre a inteno do legislador , antes severificando, simplesmente, que a norma no garante, por fora da sua prpriaformulao, que as coisas se passem, inevitavelmente, como ela estabelece rectius,

    como a Nota Tcnica explicita.

    18.Em suma, o Tribunal entende que o que os n.s 2 e 3 do artigo 4. garantem aosdestinatrios das suas normas uma reduo salarial incerta, de percentagemdecrescente absolutamente varivel entre 80% da prevista para 2014 e zero, no

    perodo entre 2016 e 2018.

    Ora, como se escreveu no Acrdo n. 353/2012, em passo j transcrito, a diferena dograu de sacrifcio para aqueles que so atingidos por esta medida e para os que no o

    so no pode deixar de ter limites () Na verdade, a igualdade jurdica sempre umaigualdade proporcional, pelo que a desigualdade justificada pela diferena de situaesno est imune a um juzo de proporcionalidade. A dimenso da desigualdade dotratamento tem que ser proporcionada s razes que justificam esse tratamento desigual,no podendo revelar-se excessiva.

    Nas circunstncias atuais, a medida da diferenciao subjacente frmula adotada nos n. 2e 3 do artigo 4., possibilitando, repete-se, a subsistncia, por mais trs anos, de umareduo remuneratria que pode ser igual a 80% daquela que vem vigorando desde 2011,ultrapassa os limites do sacrifcio adicional exigvel aos trabalhadores pagos por

    verbas pblicas, nada havendo de comparvel que afete outros tipos de

    rendimentos. Nesta medida, no possvel deixar de considerar que ofende oprincpio da igualdade.

    IIIDeciso

    Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:

    a) No se pronunciar pela inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos2. e 4., n. 1, do Decreto n. 264/XII da Assembleia da Repblica;

    b) Pronunciar-se pela inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 2.e 4., n.s 2 e 3, do mesmo Decreto, por violao do princpio da igualdade,consagrado no artigo 13. da Constituio.

    Lisboa, 14 de agosto de 2014 Joo Pedro Caupers Carlos Fernandes Cadilha LinoRodrigues Ribeiro (com declarao de voto) Joo Cura Mariano Ana Maria Guerra

    Martins Fernando Vaz Ventura (vencido quanto alnea a) da deciso, nos termosda declarao de voto que junto) Maria Lcia Amaral (vencida quanto alnea b)da deciso, conforme declarao que junto) Jos da Cunha Barbosa (vencidoquanto alnea b), nos termos da declarao que junto) Maria de Ftima Mata-Mouros (vencida, parcialmente na alnea a) e vencida na alnea b) de acordo com adeclarao junta) Catarina Sarmento e Castro (vencida quanto alnea a) da

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    deciso, nos termos da declarao de voto junta)Maria Jos Rangel de Mesquita(vencida quanto alnea b) da Deciso, nos termos da declarao de voto que sejunta) Pedro Machete (vencido quanto alnea b) da deciso nos termos dadeclarao junta)Joaquim de Sousa Ribeiro

    DECLARAO DE VOTO

    Votei a inconstitucionalidade das normas contidas nos ns 2 e 3 do artigo 4, em

    conjugao com o artigo 2, do Decreto n 264/XII da Assembleia da Repblica, comfundamento diferente do que foi adotado no Acrdo.

    Na sequncia dos Acrdos ns 353/2012, 187/2013 e 413/2014, a medida dereduo remuneratria estabelecida nas normas impugnadas confrontada com o princpioda igualdade proporcional, considerando-se que a diferenciao subjacente frmulaadotada no artigo 4 para a reverso dos cortes sa lariais ultrapassa os limites do sacrifcioadicional exigvel aos trabalhadores em funes pblicas, nada havendo de comparvel queafete os demais titulares de rendimentos, designadamente os provenientes dasremuneraes pagas pelo setor privado.

    Todavia, luz do objetivo definido para a medida sob escrutnio reduo dadespesa pblica , a comparao deveria ser estabelecida entre os titulares dosrendimentos do trabalho afetados pela reduo remuneratria e os titulares dosdemais rendimentos obtidos atravs de verbas pblicas. No havendo fundamentorazovel para tratamento desigual das vrias categorias de rendimentos, a universalidadedamedida imporia que fossem afetados, em igual medida e com as necessrias adaptaes,todos aqueles que obtm rendimentos provenientes do oramento de estado.Segundo o critrio escolhido, a razoabilidade na igualdade ou desigualdade de tratamentotem que se basear na comparao entre o grau de sacrifcio que a reduoremuneratria representa para os trabalhadores da Administrao Pblica e osacrifcio eventualmente imposto a todos aqueles que auferem rendimentos

    provenientes de receitas pblicas (v.g. contratos de diferente natureza). Elegercomo par comparativo os trabalhadores do setor privado ou os titulares derendimentos que no provm de receitas pblicas implica o (i) reconhecimento dealguma diferenciao entre quem recebe por verbas pblicas e quem atua no setor

    privado da economia, (ii) a necessidade de medir a extenso dessa diferenciao,(iii) e a ponderao da medida da diferena com a extenso da desigualdade detratamento. Ora, a determinao dessa diferena no pode ser feita com onecessrio rigor, porque no mesmo contexto de emergncia econmico-financeiraforam tomadas outras medidas que afetaram negativamente os demais titulares derendimentos, tornando-se assim difcil, num controlo de evidncia, averiguar a

    proporcionalidade da desigualdade.

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    A relao da reduo remuneratria com o fim visado pode ser confrontada comoprincpio da proibio do excesso, sem ser necessrio tomar em conta a desigualdadecom os rendimentos do setor privado. A primeira vez que a medida foi criadaoramentode 2011 a norma passou os testes da proporcionalidade, considerando-se que asredues remuneratrias, para alm de idneas e indispensveis, no se podiam considerar

    excessivas, em face das dificuldades a que visavam fazer face: justificam esta valorao,sobretudo, o seu carter transitrio e o patente esforo em minorar a medida do sacrifcio exigido aosparticulares, fazendo-a corresponder ao quantitativo dos vencimentos afetados (Acrdo n 396/2011).

    O carter transitrio e excecional da medida restritiva do direito retribuioconstituiu fundamento do juzo de constitucionalidade de norma idntica no oramento de2013 (Acrdo n 187/2013) e do juzo de inconstitucionalidade no oramento de 2014,neste caso apenas quanto ao agravamento da medida, por se julgar ultrapassado o limite desacrifcio exigido pela excecionalidade da situao econmico-financeira (Acrdo n413/2014).

    Da conjugao do artigo 2 com o artigo 4 do Decreto n 264/XII resultam asseguintes redues remuneratrias: (i) para o ano econmico de 2014, iguais sestabelecidas na LOE de 2011; (ii) para o ano econmico de 2015, iguais a 80% da aplicvelem 2014; (iii), para os anos econmicos de 2016 a 2018, a que for fixada em funo dadisponibilidade oramental, variando entre a aplicvel em 2015 e zero; (iv) para o anoeconmico de 2019, deixa de existir qualquer reduo remuneratria.

    No corrente ano de 2014, o Acrdo n 413/2014 considerou que a medida, namodelao inicial, no era excessiva, por se tratar de um exerccio oramental aindacondicionado pelo Programa de Assistncia Econmica e Financeira (PAEF), pelo que amesma ponderao no pode deixar de ser efetuada relativamente reduo prevista nas

    normas questionadas.

    Para o ano de 2015, atenta a justificao dada pelo proponente das normas, aindase pode considerar a existncia de circunstncias excecionais prevalecentes sobre osinteresses particulares afetados. Com efeito, existe pendente na Unio Europeia (EU),desde 2010, um Procedimento por Dfice Excessivo, interrompido com o PAEF, que

    vincula o Estado a pr termo situao que o justifica, reduzindo em 2015 o dficeoramental para 2,5% do PIB. Aceita-se que por esta razo a norma questionada ainda seencontra dentro do quadro de excecionalidade e transitoriedade que justificou as reduesremuneratrias nos anos anteriores.

    Mas o mesmo no se verifica com as redues previstas para o trinio de 2016 a2018. As redues remuneratrias foram impostas num contexto de grave criseeconmico-financeira que reclamava uma atuao rpida para garantir o financiamento doEstado. A gravidade da situao ordenava que se agisse de imediato, se fosse

    preciso custa de restries a direitos fundamentais.O risco grave e iminente dedefault foi evitado atravs da assuno de compromissos internacionais e europeusque visavam ultrapassar o estado de emergncia. A urgncia remetia, pois, para umestado de coisas absolutamente excecional que justificava uma intervenorestritiva nas remuneraes de quem aufere por verbas pblicas, dada a eficciaimediata na consolidao ou reduo do dfice oramental (Acrdo n 396/2011).Um tal registo permaneceu excecional com as necessidades a que pretendeu fazer face, em

    especial a de cumprir o PAEF e a de cessar o Procedimento por Dfice Excessivo.

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    Acontece que as normas impugnadas, no horizonte temporal referido,indiciam um estado de urgncia permanente que tende a tornar normal a medidade reduo remuneratria dos trabalhadores da Administrao Pblica . Com efeito,o excesso de perdurao temporal da medida generaliza a situao de urgncia quea ditou, sem resolver definitivamente a situao problemtica das finanas pblicas,

    uma vez que uma interveno em situao de urgncia no resolve duravelmente oproblema da sustentabilidade das finanas pblicas. Ora, a durao da medida por umperodo de oito anos, o correspondente a um quinto da vida ativa de umtrabalhador, transforma o transitrio em normal. As normas impugnadascomprometem-se assim na via de um provisrio permanente que excessivamenteonerosa para os afetados. Se a necessidade urgente de fazer face a uma situao de gravee extrema emergncia financeira no tornava excessivo o sacrifcio da remunerao, amesma ponderao no pode ser feita quando a temporalidade do excecional tendea impor-se como normal. Para os fins da consolidao oramental e da sustentabilidade alongo prazo das finanas pblicas, que so objetivos da responsabilidade nacional e deinteresse nacional, no razovel impor por oito anos consecutivos sacrifcios

    adicionais a um determinado grupo de cidados, sem que tenham sido criadasalternativas que evitassem o prolongamento da medida aps a cessao do PAEF.Neste contexto, a gravidade do sacrifcio que se impe nas normas questionadassobrepe-se ao fim que se pretende alcanar, em evidente desconformidade com o

    princpio da proibio do excesso.

    Lino Rodrigues Ribeiro

    DECLARAO DE VOTO

    Encontro-me vencido no que respeita pronncia de no inconstitucionalidade constanteda alnea a) da deciso, pois entendo que as normas contidas nos artigos 2. e 4. do

    Decreto n. 264/XII, as quais contm o essencial do regime de redues remuneratriasincidentes sobre um conjunto de trabalhadores, agentes e titulares de cargos pblicos, quetm em comum auferirem rendimentos atravs de verbas pblicas, para vigorarem peloremanescente do ano de 2014 e pelos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018 violam o

    princpio da igualdade (artigo 13. da Constituio) em todo o seu mbito deaplicao temporal.

    Com efeito, e em linha com o que referi em declarao de voto junta ao Acrdo n.413/2014 (tributrio do entendimento constante dos Acrdos 396/2011 e 187/2013, deque me afastei), agora que se mostra ultrapassada a situao de emergncia financeira

    por natureza temporria e de curto prazo - que precedeu e conduziu ao PAEF, e que

    tambm est no origem do incumprimento que conduziu ao Procedimento de DficeExcessivo em curso, considero que no existe justificao material vlida para que

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    se continue a diferenciar negativamente quem recebe por verbas pblicas,

    atribuindo a esse grupo de pessoas uma posio sacrificial de primeira linha na

    prossecuo do objetivo de reduo do dfice oramental e, em geral, de equilbrio

    das contas pblicas, que a todos, enquanto comunidade, envolve, interessa e

    beneficia. Tal tarefa, como o esforo associado de reduo da dvida pblica, diz

    respeito generalidade dos cidados, no existindo razes vlidas para que sejafeito recair com peso acrescido sobre os trabalhadores e agentes que recebem a sua

    remunerao por verbas pblicas, por confronto com os demais trabalhadores e

    titulares de outros rendimentos.

    Nessa medida, a infrao do princpio da igualdade que considero presente na medida dereduo remuneratria constante do artigo 2. do Decreto n. 264/XII atinge toda a suaexpresso sacrificial, pois considero-a, desde o ponto inicial do programa normativo queemana da articulao desse preceito com o mecanismo contido no artigo 4. do diploma,desprovida de justificao material bastante. Esse juzo atinge naturalmente aaplicao da medida no perodo remanescente do corrente ano de 2014 e tambm,

    por maioria de razo, a cumulao da reduo remuneratria nos quatro anossubsequenteso que potencia o sacrifcio -, independentemente do seu grau maismitigado - 80% do valor inicial - no decurso do ano de 2015 e, potencialmente, nosanos subsequentes, at 2019.

    Assim sendo, a linha argumentativa que suporta a pronncia de inconstitucionalidadeconstante da alnea b) da deciso, incluindo a indeterminao e contingncia quedecorre da conformao normativa do mecanismo de reversodecorrente dos n. 2 e3 do artigo 4. do Decreto n. 264/XII, condicionado ao preenchimento do conceitointeiramente aberto de disponibilidade oramental, constitui umplus,reforando ojuzo de inadmissibilidade constitucional, por violao do princpio da igualdade na

    repartio dos encargos pblicos, que decorre da repetida acumulada -desigualdade de tratamento na repartio dos encargos pblicos entre quem receberemunerao por verbas pblicas e quem aufere outros rendimentos.

    Nessa medida, por decorrncia lgica de fundamentos mais abrangentes, acompanho apronncia de inconstitucionalidade constante da alnea b) da deciso, incidente sobre a

    vertente do programa normativo de redues remuneratrias relativa aos anos de 2016,2017 e 2018.

    Fernando Ventura

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    DECLARAO DE VOTO

    Vencida quanto pronncia de inconstitucionalidade pelas seguintes razes:

    1. O Tribunal faz assentar o presente juzo de inconstitucionalidade namanuteno da sua prpria jurisprudncia sobre anteriores medidas legislativas queimpunham redues remuneratrias.

    Como sempre dissenti dessa jurisprudncia (cfr., por ltimo, a minha declarao devoto aposta no Acrdo n. 413/2014), no posso deixar de divergir de mais uma decisojurisprudencial que oferece, como nico ou principal argumento para o juzo deinconstitucionalidade, a autoridade de fundamentos passados que nunca

    compartilhei. A este ponto, no entanto, acresce um outro, que, no presente caso,assume acentuada relevncia.

    Se, nas decises anteriores a que acima me referi, o ponto nevrlgico dadissenso (tal como a entendi), se situava no devido traar de fronteiras entre acompetncia prpria do Tribunal Constitucional e a competncia prpria dolegislador ordinriotendo eu sempre concludo que, quando aplicada ao domnio dasredues salariais, a frmula da igualdade proporcional conduziria o Tribunal a ocuparum espao que nos termos constitucionais apenas ao poder legislativo pertence,

    por maioria de razo concluo que, no presente caso, a manuteno acrtica deargumentos sustentados no passado exponencia em muito o desequilbrio j

    existente entre o que, de acordo com a CRP, cabe jurisdio constitucional e oque pode e deve fazer o poder poltico, legitimamente mandatado. De formaalguma compreendo por que razo se entende que a Constituio probe que esteltimo possa desenhar uma poltica econmica no quadro de uma previso dequatro anos, onde, relativamente aos cortes salariais iniciados em 2011, seapresente como plano possvel o faseamento da sua progressiva reverso. Comono entendo que seja possvel aplicar a este mapa futuro e desse modocondicionando estratgias poltico-econmicas de mdio prazo a frmula daigualdade proporcional, com o seu teste do limite do sacrifcio. Qual o parcomparativo que, no quadro incerto de um plano poltico futuro (sem que se saibaquais so as decises que vo ser tomadas em domnios outros como os que

    pertencem poltica fiscal), pode ser eleito para efeitos de comparao? Qual amedida de diferena de tratamento [entre quem e quem] a ser apreciada sob o

    ponto de vista da proporcionalidade? Qual, enfim, o critrio seguro para aferir doseu excesso, da se extraindo o juzo de inconstitucionalidade?

    2. Mas para alm de todas estas dvidas, para as quais no encontrei resposta,um outro ponto h na fundamentao do Acrdo que merece a minha dissenso.

    Enquanto, nas suas anteriores decises sobre cortes salariais no setorpblico, o Tribunal decidiu as questes que lhe foram colocadas sem que na suaargumentao se tivesse sequer ponderado o mandato constitucional para com a

    integrao europeia (cf. artigo 7., n.os5 e 6 da CRP), a presente deciso, embora selimite a remeter para jurisprudncia anterior, dedica uma parte da sua fundamentao

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    descrio do quadro normativo de coordenao e governao da Unio Econmicae Monetria.

    Contudo, fica-se sem saber, afinal, por que motivo invoca agora o Tribunalesse quadro normativo, e qual a relevncia jurdico-constitucional que lhe confere.

    Na verdade, nenhuma concluso valorativa dele se retira quanto ponderao prpria a fazerno mbito da igualdade proporcional. Por que motivo se no tiveram em conta, nojulgamento sobre a questo de constitucionalidade, as constries externas Repblica, e que perduram para alm de 2015?

    Alm da relevncia constitucional conferida participao da Repblica na UnioEuropeia e s suas responsabilidades na realizao do projeto de integrao (cf. artigo 7.,n.os 5 e 6 da CRP), as quais constituem em si mesmas um valor da prpria ordem constitucional,seguramente que no ser jurdico-constitucionalmente irrelevante a consequnciaque para a Repblica Portuguesa poder advir do eventual incumprimento dessasmesmas responsabilidades. Ora, as Recomendaes especficas dirigidas a um Estado-

    Membro, no mbito de um procedimento por dfice excessivo, so atos jurdicos cujoincumprimento determina o acionamento de sanes previstas designadamente no n. 11do artigo 126. do TFUE. A essas sanes podero acrescer sanes especficasestabelecidas no artigo 5. do Regulamento (UE) n. 1173/2011 do Parlamento Europeu edo Conselho, de 16 de novembro, relativo ao exerccio eficaz da superviso oramental narea do euro.

    Mas mesmo margem de um procedimento por dfice excessivo, asresponsabilidades da Repblica decorrentes do quadro normativo de coordenao egovernao da UEM jamais podero considerar-se, uma vez mais face ao artigo 7., n.os5 e6 da CRP, jurdico-constitucionalmente irrelevantes.

    Do mesmo modo, no ser jurdico-constitucionalmente irrelevante aconsequncia que para a Repblica Portuguesa poder advir do eventualincumprimento do disposto no Tratado sobre Estabilidade, Coordenao eGovernao na Unio Econmica e Monetria (Tratado Oramental). De entre osdiversos requisitos de disciplina oramental a fixados importa realar o constante do artigo3., no qual se determinam as metas especficas a atingir pelo saldo estrutural anual dasadministraes pblicas de cada pas. inquestionvel o qualificado valor de interesse

    pblico que se deve atribuir ao cumprimento destas exigncias, particularmente se setiver em linha de conta o disposto no Considerando 25 do referido Tratado. Com efeito, ase prev que a concesso de assistncia financeira no quadro de novos programas ao

    abrigo do Mecanismo Europeu de Estabilidade ficar condicionada, a partir de 1 de marode 2013, ratificao do presente Tratado pela Parte Contratante em questo, e, logo queexpire o perodo de transcrio a que se refere o artigo 3., n. 2, do presenteTratado, ao cumprimento dos requisitos estabelecidos nesse artigo (itlico nosso).

    Ainda que as premissas na base das quais foram fixados tais requisitos possam serobjeto de controvrsia no espao pblico (poltico, cientfico e acadmico), nocabe evidentemente ao Tribunal pronunciar-se sobre a sua bondade.

    Assim, e qualquer que seja o princpio constitucional luz do qual se aprecie aconformidade constitucional de uma medida legislativaincluindo o princpio da igualdadenos termos da frmula da igualdade proporcional em caso algum pode deixar de

    integrar-se na ponderao o mandato constitucional para com a integraoeuropeia.

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    A isto acresce que, num quadro jurdico extremamente complexo, envolvendo nos uma pluralidade de ordens jurdicas, mas tambm uma pluralidade de instituies criadasa fim de assegurar o bom funcionamento da UEM, nos termos do disposto pelo artigo 3.,n. 4, do TUE e do Ttulo VIII da Parte III do TFUE, no cabe a um tribunalconstitucional nacional seja o Tribunal Constitucional de Portugal ou outro

    definir ou sequer condicionar a evoluo futura da UEM. Tal significa que no podedeixar de reconhecer-se s diferentes instituies, no mbito das respetivas competnciase, portanto, tambm, ao legislador nacional de cada Estado-Membro uma amplssimamargem de liberdade conformadora quanto adoo de medidas que se inserem noquadro de um esforo conjunto, europeu, de cooperao entre os vrios Estados daUnio, maximeentre os vrios Estados da Zona Euro, em ordem estabilizaofinanceira e econmica dessa mesma Zona (cfr. ponto 3 da minha declarao de

    voto aposta no Acrdo n. 353/2012).

    Maria Lcia Amaral

    DECLARAO DE VOTO

    1. Divergi do juzo adotado pela maioria quanto inconstitucionalidade dosartigos 2. e 4., n.s 2 a 3, do Decreto n. 264/XII, da Assembleia da Repblica,consideradas conjugadamente, por entender que as normas neles contidas nocomportam violao do princpio da igualdade, consagrado no artigo 13. da

    Constituio.

    2. Os cortes remuneratrios introduzidos pelo legislador naquele Decretodistinguem-se dos anteriores num duplo plano. Em primeiro lugar, apesar de tercarter transitrio (cfr. o artigo 1., n. 1), a medida em causa assume natureza

    plurianual, destinando-se a vigorar no s em 2014, mas tambm em 2015, 2016 e2017, at sua total extino em 2018. O mencionado artigo 4. estabelece as regrasa que deve obedecer a gradual reverso do corte remuneratrio. Em segundo lugar,o contexto no quadro do qual a reduo remuneratria efetuada tambm ele distinto,visto que, concludo o Programa de Assistncia Econmica e Financeira (PAEF),

    reabre-se para o Estado portugus a necessidade de estrito cumprimento dasregras europeias em matria oramental, plasmadas no Tratado sobre oFuncionamento da Unio Europeia, no Protocolo e nos Regulamentos que desenvolvemo Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) e ainda no Tratado sobre Estabilidade,

    Coordenao e Governao na Unio Econmica e Monetria (Tratado Oramental).Em sntese, esse adimplemento passa pela correo, j em 2015, da situao de deficit

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    excessivo em que Portugal se encontra (para -2,5% do PIB), e a partir da, pelaaplicao da vertente corretiva do PEC, algo que implicar o cumprimento de umatrajetria de ajustamento do saldo estrutural at atingir o objetivo de mdio prazoatualmente fixado em -0,5% do PIB (cfr. o Documento de Estratgia Oramental 2014-18, o Parecer Tcnico n. 2/2014 sobre o Documento de Estratgia Oramental 2014-

    2018, da Unidade Tcnica de Apoio Oramental, de 21.05.2014, e o Relatrio doConselho de Finanas Pblicas n. 3/2014, de maio 2014).

    3.Considerou maioritariamente o coletivo que os artigos 2. e 4., n.s2 e 3 doDecreto n. 264/XII, conjugadamente, na medida em que prevem que a reduoremuneratria dos trabalhadores do setor pblico permanea para l de 2015 em

    propores no totalmente especificadas, violava o princpio da igualdade, nas suasdimenses de igualdade perante os encargos pblicos e de igualdade proporcional.Manteve-se, pois, fiel ao standard j adotado noutra sede (cfr. os acrdos n.s

    353/2012, 187/2013 e 413/2014, disponveis em www.tribunalcontsitucional.pt), emvirtude do qual concluiu que, no obstante existir fundamento (particularismodistintivo) para alguma diferena de tratamento entre trabalhadores pagos por verbas

    pblicas e os restantes trabalhadores, a medida de diferenciao seria inequitativa edesproporcionada, no tendo as razes invocadas pelo legislador valia suficiente

    para justificar a dimenso de tal diferena, sobretudo tendo em conta apossibilidade de recurso a solues alternativas. O fim do PAEF e a atenuao docontexto de excecionalidade que o mesmo importava para as finanas nacionaisacentuariam a obrigao deste desfecho.

    No obstante as referncias por vezes feitas a um critrio de evidncia, o qual

    indiciaria um escrutnio de menor intensidade (cfr. o acrdo n. 353/2012), patente queo Tribunal se vem afastando progressivamente, desde o acrdo n. 396/2011, deum controlo da igualdade como aquele que nsito ao princpio da proibio doarbtrio. Esse afastamento surpreende-se, entre outros aspetos, na insistncia quanto existncia de solues alternativas maxime, no juzo quanto dispensabilidade dareduo remuneratria na prossecuo do objetivo de consolidao oramental circunstncia que indicia um entendimento sobre o teste da necessidadedificilmente compaginvel com a margem de apreciao de que o legislador devenecessariamente dispor em matrias complexas e que envolvem prognosesempricas e normativas.

    4. Mesmo tomando como adequado o standard adotado, no cerne da nossadivergncia encontra-se, porm, o modo como o coletivo apreciou a justa medidasubjacente manuteno do corte remuneratrio para os anos de 2016, 2017 e 2018, isto, o modo como ponderou o acrscimo de sacrifcio trazido pela reduo e os interesses

    pblicos convocados pelo legislador. Alguns aspetos merecem, neste ponto, a nossaparticular ateno.

    http://www.tribunalcontsitucional.pt/http://www.tribunalcontsitucional.pt/http://www.tribunalcontsitucional.pt/
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    4.1. Um deles prende-se com o peso a conferir ao interesse pblico subjacente reduo remuneratria. No se vem razes para contestar o juzo empreendido pelolegislador quanto necessidade de prosseguir na rota de consolidao oramental .Esse interesse ditado no s por obrigaes assumidas pelo Estado portugus noquadro da integrao europeia (cfr. o Tratado sobre Estabilidade, Coordenao e

    Governao na Unio econmica e monetria, aprovado pela Resoluo da Assembleiada Repblica n. 84/12, e incorporado na Lei de Enquadramento Oramental, na suaredao atual), mas tambm, independentemente de tais vnculos, por uma certaconceo de finanas pblicas, assente num direito financeiro responsvel e

    intergeracionalmente equitativo.

    Conforme avanado supra, o contexto de aplicao da reduoremuneratria em 2016, 2017 e 2018 no o contexto de excecionalidade ditado peloPrograma de Assistncia Econmico-Financeira. So, com efeito, inegveis eincomparveis os constrangimentos por este impostos como condio dofinanciamento das tarefas fundamentais do Estado portugus. Sucede, no entanto,

    que o esforo de consolidao oramental no se esgotou com aquele programa,resultando igualmente de outros compromissos que o Governo, naturalmente,ambiciona honrar.

    4.2.Por outro lado, a reduo remuneratria em causa, revertida nos termosdo artigo 4. do Decreto, no ascende a um nvel de onerosidade tal que permita

    continuar a sufragar a tese de que se est perante uma diferenciao de tratamento

    acentuada e signi f icativa entre trabalhadores do setor pblico e os demais.

    Na verdade, os cortes que se prefiguram valer para os exerccios de 2015, 2016,2017 e 2018 traduzem uma ablao significativamente menor do que aquela queesteve subjacente s Leis do Oramento para 2012, 2013 e 2014, e certamente menor,

    pressuposta a reverso, do que a introduzida por banda da LOE 2011.Acresce aindao facto de o Documento de Estratgia Oramental 2014-2018 no prever qualquerreduo da carga fiscal atualmente vigente leia-se, de medidas de alcanceuniversal, impostas pela via tributria e de salvaguardar, ainda, o progressivodesbloqueamento das progresses e promoes das carreiras nas administraes

    pblicas(cfr. o Documento de Estratgia Oramental 2014-2018, p. 41). Mais acresce asalvaguarda de a reverso total vir a ocorrer at 2018, ou seja, como se afirma no n.3 do artigo 4., no prazo mximo de quatro anos.

    5. Com base nestes elementos, sufragar-se-ia uma ponderao com diferentedesfecho, concluindo, por conseguinte, pela validade constitucional da medida previstanos artigos 2. e 4., n.s 2 e 3 do Decreto, conjugadamente, luz do princpio daigualdade.

    J. Cunha Barbosa

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    DECLARAO DE VOTO

    1. Votei a deciso de inconstitucionalidade das normas contidas no artigo 2. doDecreto n. 264/XII da Assembleia da Repblica, tendo em conta o seu mbito deaplicao apenas para os meses em falta do ano oramental em curso (2014), por

    violao do princpio da igualdade em razo dos fundamentos constantes j da

    minha declarao de voto aposta ao Acrdo n. 413/2014.

    No que respeita s normas que determinam a vigncia, nos anos subsequentes, dasredues remuneratrias previstas no artigo 2. em conjugao com o artigo 4.do mesmo Decreto, pronunciei-me no sentido de o pedido no dever ser conhecido,essencialmente pelas razes que de seguida passo a expor.

    2. o pedido que delimita o objeto do processo no tocante s normas que o Tribunalpode conhecer e que se cingem s normas cuja apreciao tiver sido requerida (artigo51., n.os 1 e 5, da Lei n. 28/82, de 15 de Novembro, relativa Organizao,Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional [LTC]). Dirigindo-se o juzo de(in)constitucionalidade dimenso funcional de uma norma, enquanto resultado dedeterminado ato legislativo, ele s pode incidir sobre a norma identificada no pedido eque no se confunde com o mero preceito legal que a incorpora.

    Como salientado por RUI DE MEDEIROS, a razo fundamental para no flexibilizar oprincpio do pedido na fiscalizao abstrata arranca da prpria caracterizao doTribunal Constitucional como rgo jurisdicional pela Lei Fundamental. () [A]desvalorizao da necessidade de iniciativa () agravaria incomportavelmente o

    perigo de transformao do Tribunal Constitucional numa superpotnciaconstitucional. () [Num] sistema que atribui s declaraes deinconstitucionalidade fora obrigatria geral, torna-se imperioso assegurar que o

    processo de fiscalizao da constitucionalidade no constitua, tanto do pondo devista material, como na perspetiva funcional, legislao (cfr. RUI DE MEDEIROS, Adeciso de inconstitucionalidade, UCE, 1999, p. 449).

    O princpio da correspondncia entre o pedido e a pronncia judicial pressupe, porconseguinte, uma rigorosa delimitao, pelo pedido, do tema a decidir e, portanto, adiscutir. A esta delimitao deve corresponder, grosso modo, a deciso do TribunalConstitucional. Nada disto se verificou no presente acrdo.

    Desde logo, o pedido incide sobre:

    - As normas constantes dos n.os1 a 15 do artigo 2. do Decreto n. 264/XII;

    - As normas constantes dos n.os1 a 3 do artigo 4. do Decreto n. 264/XII.

    E o Tribunal pronunciou-se sobre:

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    - As normas do artigo 2. em articulao com o n. 1 do artigo 4. do Decreto n.264/XII (alnea a)da deciso);

    - As normas do artigo 2. em articulaocom os n.os2 e 3 do artigo 4. do Decreto n.264/XII (alnea b)da deciso).

    3.O artigo 4. do Decreto n. 264/XII prev medidas de reverso gradual da reduoremuneratria temporria prevista no artigo 2. do mesmo diploma. Do seu teor

    possvel inferir um programa normativo orientado para o fim das reduesremuneratrias que incidem sobre os trabalhadores do setor pblico, a implementar aolongo de um perodo de quatro anos, o que pressupe a manuteno da incidncia decortes salariais nos prximos oramentos de Estado. Assim, as normas que determinama aplicao das redues remuneratrias aos anos subsequentes a 2014 resultam dainterpretao conjugada (na formulao do acrdo) dos artigos 2. e 4. do

    Decreto. No entanto, as referidas normas nada nos dizem sobre a dimenso dovalor da reverso para os anos subsequentes a 2015 (neste ano prev-se uma

    reverso de 20% da reduo prevista no artigo 2., no artigo 4., n. 1), ou sobre arelevncia do peso destas medidas, designadamente por comparao com outras

    medidas de reduo da despesa ou aumento da receita, relativamente a todos os

    oramentos subsequentes a 2014.

    Apesar desta indefinio normativa, o requerimento apresentado no inclui nenhumaconcretizao referente s dimenses normativas do artigo 4. que pretende ver sindicadas,deixando inteiramente ao Tribunal a tarefa de delimitao do seu alcance. AoTribunal Constitucional apenas cabe a apreciao de conformidade constitucional

    de normas ou critrios normativos que lhe sejam pedidos. No cabe, porm, aoTribunal substituir-se ao Requerente na delimitao da substncia normativa asindicar nos preceitos legais elencados como objeto do pedido. To pouco constituisua incumbncia a definio do regime que vigorar em funo do sentido das alteraesaprovadas com o diploma sob escrutnio.

    4. No que respeita fundamentao do pedido, o Requerente no vai alm damanifestao de dvidas referentes conformidade constitucional das normas emanlise com os princpios constitucionais da igualdade e da proteo da confiana, tendoem conta a interpretao dos mesmos que vem sendo feita pelo Tribunal Constitucional,em especial nos Acrdos n.os353/2012, 187/2013 e 413/2014.

    Porm, nos arestos mencionados o Tribunal no considerou qualquer tipo dereverso da reduo remuneratria como a prevista no artigo 4. do Decreto.

    Acresce salientar que foi sempreem considerao do contexto das leis oramentaisem que se inseriam que o Tribunal julgou as normas que introduziam reduesremuneratrias violadoras do princpio da igualdade proporcional por implicar umsacrifcio excessivo para o grupo de pessoas visado. Ora, o contexto oramental dosanos vindouros um dado que o Tribunal ainda no conhece (nem pode conhecer)

    pelo que no poder ser objeto de ponderao, no contexto do presente processo.

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    5. E, todavia, um tal conhecimento apresenta-se como pressuposto indispensvel anlise que nos pedida.

    De acordo com a exposio de motivos da Proposta de Lei n. 239/XII, que deu origem aoDecreto objeto do presente processo, as medidas de redues remuneratrias em apreosurgem associadas exclusivamente a objetivos de consolidao oramental esustentabilidade da despesa. No configuram instrumentos ao servio de um

    programa de reduo estrutural e permanente da despesa gerada pelo pagamentodas contraprestaes remuneratrias devidas no mbito da relao jurdica deemprego pblico. De facto, em termos de excecionalidade, no existem dvidas de queestamos, portanto, perante medidas de natureza estritamente oramental - cfr. Nota

    Tcnica do Governo, junta aos autos.

    Ora, sendo assim, s ser possvel avaliar a sua validade luz dos parmetros

    constitucionais convocveis diante do concreto contexto oramental em que elassurgirem.

    6. Nos termos do artigo 106., n. 1, da CRP, a Lei do Oramento elaborada,organizada, votada e executada, anualmente, de acordo com a respetiva Lei deEnquadramento.

    Ainda que sejam j conhecidas as metas de consolidao oramental a que Portugalse vinculou, bem como as regras oramentais europeias aplicveis , designadamente

    as referentes ao Procedimento de Dfice Excessivo e ao Objetivo de Mdio Prazo a atingirem 2017, sendo igualmente conhecidas as metas oramentais inscritas no TratadoOramental (o Tratado de Estabilidade, Coordenao e Governao da Unio Econmicae Monetria), no Direito da UE, e na Lei de Enquadramento Oramental, osinstrumentos normativos para as alcanar apenas sero concretizados anualmente,atravs das leis de oramento a aprovar pela Assembleia da Repblica,democraticamente eleita.

    Desconhecido o contexto oramental referente aos anos oramentais subsequentes a 2014,a que aludem as normas contidas no artigo 4. do Decreto n. 264/XII, onde se insere a

    vigncia das redues remuneratrias nos anos vindouros (por articulao do artigo 2. do

    mesmo Decreto), torna-se impossvel para o Tribunal analisar a respetivaconformidade constitucional, designadamente luz dos parmetros constitucionaisinvocados pelo Requerente, em especial do princpio da igualdade, princpio constitucionalconsiderado violado na jurisprudncia proferida na matria.

    7.Em face de tudo o que se vem de expor, inevitvel ser concluir que, nesta parte (asnormas relativas vigncia das redues remuneratrias ps-2014), o pedido no seencontra definido nem fundamentado de forma suficiente a poder ser apreciado

    pelo Tribunal Constitucional no respeito pela exigncia contida no n. 5 do artigo

    51. da LTC (que lhe exige que apenas se pronuncie sobre normas cuja apreciao

    tenha sido requerida).

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    Ademais, foi essa a soluo encontrada por este Tribunal para parte do pedidoformulado no processo de fiscalizao preventiva do Decreto n. 262/XII da

    Assembleia da Repblica, que correu termos em paralelo com este, baseado emrequerimento em tudo idntico ao do pressente processo. Afigura-se-meincompreensvel a diferena de tratamento para esteprocesso, quando as normas

    aqui apreciadas revelam um dfice de densidade normativa equivalente quelascujo conhecimento foi rejeitado nesse outro processo, pelo que, para serem objetode pronncia foram, afinal, desenhadas pelo prprio Tribunal.

    8. A fiscalizao preventiva constitui uma funo jurisdicional do TribunalConstitucional, residindo o seu escopo na garantia de que no entraro em vigor normasconstitucionalmente invlidas.

    Caracterizando-se a atividade do Tribunal Constitucional, como a de qualquer tribunal, pela

    passividade, no lhe cabendo decidir da oportunidade da sua interveno, constitui nus dorgo requerente, enquanto rgo detentor da iniciativa processual, o papel de selecionar oscasos em que se justifica a fiscalizao preventiva, fundamentando o pedido comargumentos que possam ser sindicados jurisdicionalmente. O respeito pelo princpio dopedido assim o exige.

    De outro modo a apreciao do Tribunal correria o risco de ser confundida com umafuno meramente consultiva, o que no se integra na competncia de administrar a justiaem matrias de natureza jurdico-constitucional que constitucionalmente lhe est atribuda(artigo 221. da CRP).

    9.Apesar de todas as dificuldades acima assinaladas, o Tribunal decidiu conhecer davalidade das normas conjugadas dos artigos 2. e 4., n. 1, do Decreto n. 264/XII da

    Assembleia da Repblica e das normas conjugadas dos artigos 2. e 4., n.os2 e 3, domesmo Decreto. Assim sendo, conclu pela inconstitucionalidade das mesmas no querespeita aos meses em falta do ano oramental em curso (2014), como acima comecei

    por salientar, e sou forada a concluir pela no inconstitucionalidade das normasrelativas reduo remuneratria ps-2014. Desde logo, porque as normas so detal forma vagas que impossvel nelas descortinar qual ser o valor da

    remunerao decorrente do n. 2 do artigo 4. do Decreto. Se assim, no vejo

    como aplicar os parmetros constitucionais convocados pelo pedido sobre umareduo, cujo valor desconheo. Mas, mesmo que tal no fosse o caso, cumpre-me

    referir que, sendo desconhecido o contexto oramental das normas em causa,

    referente aos anos oramentais subsequentes a 2014, me impossvel avaliar a sua

    conformidade com o princpio da igualdade uma vez que no possvel aplicar a

    frmula daquele princpio (igualdade ponderada), que julgo dever ser aplicadanesta matriauma vez que esta implica o conhecimento desse contexto.

    Esse conhecimento do contexto oramental tambm essencial para a aplicao doteste da ponderao, integrado no princpio da tutela da confiana (face s legtimasexpetativas dos trabalhadores remunerao a que tm contratualmente direito), bemcomo dos restantes parmetros que devem ser adotados em matria de restrio de direitosfundamentais.

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    Em suma, a minha concluso pela no inconstitucionalidade no mbito deste Decreto nosignifica uma mudana de posio relativamente que tomei nos Acrdos n.os 187/2013 e413/2014.

    Maria de Ftima Mata-Mouros

    DECLARAO DE VOTO

    I.

    Fiquei vencida quanto alnea a) da deciso. Considero inconstitucionais as normasconjugadas do artigo 2. do Decreto n. 264/XII da Assembleia da Repblica - queimpe redues remuneratrias com valores iguais aos estabelecidos pela Lei n.55-A/2010 -, e do artigo 4., n. 1 - que as admite at 2015, ainda que, nesse ano,reduzidas em 20%.

    Na sequncia do que afirmei em anteriores declaraes de voto (veja-se a Declarao aoAcrdo n. 187/2013, bem como a Declarao ao Acrdo n. 413/2014), importanteque se sublinhe que decorridos vrios exerccios oramentais consecutivos, no podecontinuar a servir de justificao s medidas de reduo remuneratria impostas aquem recebe por verbas pblicas a invocao de que estas seriam, ainda, a nicaopo com efeitos certos, seguros e imediatos para a realizao dos objetivosoramentais traados. Menos ainda poder defender-se que tendo a reduoremuneratria, com idnticos valores, passado o teste de constitucionalidade em 2011(Acrdo n. 396/2011), deva emitir-se um juzo de no inconstitucionalidade para os anosde 2014 e de 2015.

    Discordo do presente Acrdo quando sustenta que as legtimas expetativas deuma melhoria da situao remuneratria no implicam, necessariamente, que essasexpetativas exijam um regresso aos nveis salariais de 2010, logo em 2014 (nemmesmo em 2015).

    O decurso do tempo fez com que a excecionalidade e a transitoriedade dasredues remuneratrias, que sustentaram um juzo de no inconstitucionalidadequanto s normas que as impuseram em 2010, deixassem de poder ser invocadas.

    Como anteriormente escrevi, o perodo entretanto decorrido impe um acrscimo deexigncia no sentido de serem encontradas alternativas (conformes Constituio)que evitem o prolongamento da medida. No caso, a previso das normas agora emapreciao duplicaria o tempo de esforo, pelo que os (mesmos) visados acumulariamsacrifcios ao longo de 4 anos mais, num total de 8 anos! Encontra-se, por isso, hmuito ultrapassado o limite do sacrifcio admissvel, verificando-se a inexistnciade justificao suficiente para manter a assimetria a que so sujeitos os titulares

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    destes rendimentos, por um lado, mas a reduo remuneratria a que a deciso serefere falha tambm, independentemente da assimetria, em si mesma, o teste da

    proporcionalidade.

    Note-se que, como se afirmou em Declarao de voto ao Acrdo n. 187/2013, e como

    reconhece o presente Acrdo, o prejuzo sofrido por estes destinatrios ao longo dotempo no se limitou a redues remuneratrias reiteradas: sofreram, entre outrasmedidas, a supresso efetiva do subsdio de frias e de Natal em 2012; foramafetados pelo aumento do horrio de trabalho para 40 horas; pela reduo adicionalna compensao sobre o valor do pagamento do trabalho extraordinrio; pelaalterao das regras das ajudas de custo nas deslocaes em servio; pela proibiode valorizaes remuneratrias decorrentes de promoes ou progresses; peloaumento da carga de trabalho decorrente da reduo de efetivos e limites contratao; pelo aumento da contribuio para a ADSE; pelo agravamento fiscalque atingiu todos os trabalhadores (redues de escales de IRS, aumento dastaxas; imposio de uma sobretaxa de 3,5% no IRS; reduo de dedues coleta

    ).

    Os destinatrios das normas so agora sujeitos a um esforo adicional prolongadssimo,que se acentua se tambm tivermos em considerao o esforo j acumulado (i.e., aacumulao da ablao de rendimentos sofrida ao longo dos anos e outras medidassacrificiais decretadas).

    No se ignora que, findo o Programa de Assistncia Econmica e Financeira(PAEF), Portugal se encontra, de novo, sujeito a um procedimento de dficeexcessivo(artigo 126. do TFUE) e obrigado por metas - como a de reduo do dfice -,em virtude de vinculaes decorrentes, nomeadamente, do Direito da Unio Europeia e do

    Tratado Oramental.

    Mas, tal procedimento aberto, em 2009 pela UE, a Portugal (mas, ento, tambm Alemanha, ustria, Blgica, Eslovquia, Eslovnia, Itlia, Pases Baixos, Repblica Checa)foi imposto para cumprimento de objetivos que so, ainda assim, menos exigentes doque os definidos pelo PAEF a que Portugal veio a estar sujeito at maio de 2014 (eque, enquanto durou, fez suspender a vigncia do mencionado procedimento). Apesar daexistncia de metas, as vrias vinculaes que atualmente obrigam Portugal noimpem a adoo desta ou daquela medida em concreto para sua realizao, i.e.,no obrigam a que as metas sejam atingidas mediante reduo remuneratria dosque recebem por verbas pblicas.

    E, sobretudo, hoje, - como antes, durante a vigncia do PAEF - tais vinculaesno pem o legislador, na definio das medidas concretizadoras de tais objetivos,a salvo do escrutnio de constitucionalidade a realizar pelo Tribunal Constitucional.

    Escrutnio que, em matria de direitos fundamentais, deve ser especialmenterigoroso.Mesmo admitindo a possibilidade de afetao do direito remunerao aqui,no seu quantum -, o legislador sempre teria de apresentar uma justificaoespecialmente robusta que, como j antes escrevi, invocou em 2010 (condiesexcecionais e extremamente adversas; medidas seriam indispensveis aoreequilbrio das contas pblicas e apresentavam-se como mais eficazes do que

    outras, sendo o modo mais certo e rpido de obteno da verba imediatamentenecessria), e de respeitar os princpios constitucionais estruturantes.

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    Tambm por isso, no subscrevo a fundamentao do Acrdo quando, em matria dedireitos fundamentais, inverte, do ponto de vista metodolgico, o nus defundamentao, e sustenta (ponto 13) que um dos fundamentos para se decidir pela no

    violao do princpio da proteo da confiana (no caso, quanto ao ano de 2015) o nohaver elementos suficientemente claros para suportar o juzo de inadmissibilidade

    constitucional.

    Para que, at final de 2014, e em 2015 (como aceita o Acrdo) e nos anos subsequentesat 2018, se ponha em causa a remunerao (ainda que na mesma medida que em 2010),

    voltando a sacrificar-se os mesmos para alm do que j lhes foi imposto ao longo dotempo, teria de ser apresentada uma razo suficientemente forte. A questo est em saberse a procura do equilbrio oramental, do respeito pelo limite do dfice estrutural, e pelaratioentre a dvida pblica e o PIB podem, sem violao da Constituio, continuar a fazer-se