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1
Universidade Federal de Minas Gerais
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Programa de Pós Graduação em Antropologia / PPGAN
Das ostras, só as pérolas
Arqueologia pública e arqueologia subaquática no Br asil
Bruno Sanches Ranzani da Silva
Belo Horizonte
Abril de 2011
2
Bruno Sanches Ranzani da Silva
Das ostras, só as pérolas
Arqueologia pública e arqueologia subaquática no Br asil
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Antropologia (concentração em arqueologia). Orientador: Prof. Dr. Andrés Zarankin Co-orientador: Prof. Dr. Gilson Rambelli
Belo Horizonte
Abril de 2011
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306 Silva, Bruno Sanches Ranzani da S586d Das pérolas, só as ostras [manuscrito] : arqueologia pública e arqueologia 2011 subaquática no Brasil / Bruno Sanches Ranzani da Silva. – 2011.
237 f. Orientador:Andrés Zarankin Co-orientador:Gilson Rambelli Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas.
.
1. Antropologia – Teses. 2. Arqueologia – Teses. I. Zarankin, Andrés. II. Rambelli, Gilson.III. Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título
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To whom it may concern
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Agradecimentos
A ordem dos tratores não altera a rodovia. Fui escrevendo à medida que
minha cabeça foi lembrando.
À minha família, por tudo.
Aos meus orientadores, Andrés Zarankin e Gilson Rambelli, por toda a
confiança, paciência e instrução deste jovem padawan. Espero ter-lhes feito
valer o esforço.
Aos professores Carlos Magno Guimarães e Pedro Paulo Funari, pela
leitura atenta deste e de diversos outros trabalhos.
Além dos professores citados, gostaria de agradecer aos outros
docentes que também me acompanharam nas aulas do mestrado. Daniel
Simião, Andrei Isnardis, Cristóbal Gnecco e Mary Beaudry. Obrigado por
ampliarem meus caminhos entre antropologia e arqueologia.
Aos entrevistados e quase-entrevistados para esta pesquisa. Obrigado
pela paciência e interesse em meu trabalho. Peço desculpas por eventuais
inconvenientes e desencontros.
Além do Andrés, gostaria de agradecer sua família, Marcia e Lika, por
terem me recebido, e continuar me recebendo, com todo o afeto em BH.
Aos meus queridos colegas de turma, pesquisa, morada e salinha: Elis,
Igor, Evelyn, Roger, Loulou, Luis, Flávia, Fela, Barbi, Diogo, Ju, Fabiano,
Marianinha, Dani-socio, Carol, Xande, Nanda, João e Fernando. Obrigado por
me receberem tão calorosamente neste Belo Horizonte de Minas, com muita
cerveja, pão-de-queijo, bagunça, carinho e arqueologia.
Ao quarteto fantástico (eu incluso): Rui, Dani-Arq e Camila. Forever
Young! (rsrs).
Aos queridos calouros de antropologia, com quem já comecei minhas
ambições de orientação: Amanda, Dudu, Ciro, Gustavo.
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Aos meus irmãozinhos adotivos (aquela parte da família que a gente
pode escolher): Lalo, Lau, Galu, Bibico, Chopp e Fer.
Aos queridos amigos sulistas (natos ou incorporados), Loredana, Xico,
Lucio, Diniz, Iago, Edivânia, Ro e Paulinho. Obrigado pelas leituras atentas,
comentários, diversão, oportunidades, churrascos e doces portugueses.
À galerinha de Blu! Seus ítalo-alemãezinhos sapecas!
À Aninha, Angela e Alessandro, pela dezenas de vezes que me
salvaram o couro neste grande mundo burocrático.
Ao PPGAN e Capes pelo financiamento e apoio institucional desta
pesquisa.
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Los libros que leí, las teorías que frecuenté,
Se debieron a mis propios tropiezos con la realidad
Ernesto Sábato, “Antes del fin”
9
Resumo
Os conflitos entre a prática arqueológica e o público leigo se tornaram
importante ponto de discussão dentro da disciplina nos últimos 30 anos. Minha
proposta é buscar na arqueologia pública experiências e abordagens que
reconheçam o viés político do conhecimento arqueológico, pensar sobre a
responsabilidade social do profissional e promover a interação entre este
profissional e seus distintos públicos. Além de uma breve revisão da literatura
internacional sobre o tema, proponho-me a discutir sua aplicabilidade ao
contexto nacional. Particular atenção será dada ao caso da arqueologia
subaquática brasileira, cujos embates entre mergulhadores recreativos e
arqueólogos, mediados por uma precária legislação nacional de proteção ao
patrimônio cultural submerso, têm chamado a atenção de quem se interessa
pela preservação e pela pesquisa.
Palavras chaves: Teoria Arqueológica; Arqueologia pública; Arqueologia
Subaquática.
Abstract
Conflicts between the archaeological practice and the lay public have
become central issues to the archaeological discipline over the last 30 years.
My proposal is to search for experiences and approaches, following the public
archaeological perspective, that clarify the political bias of the archaeological
knowledge, its responsibility towards society and promote ways of interactions
between the discipline and its many different publics. I’ll conduct a brief review
of the international literature on public archaeology and discuss its applicability
to the Brazilian context. Particular attention will be paid to Brazilian underwater
archaeology case, since it has been long concerned with its conflicting
relationship with recreational divers, mediated by a weak legislation for the
protection of the underwater cultural heritage.
Key-words: Archaeological Theory; Public Archaeology; Underwater
Archaeology.
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Sumário
Indice de Ilustrações ............................. ................................................................... 11
1. Antecedentes – A fome antes do bolo ............ ................................................. 12
1.2. Patrimonium, Patrimônio, Patrimônios .......................................................... 14
1.3. Arqueologia Subaquática no Brasil ............................................................... 22
1.3.1. As primeiras braçadas ........................................................................... 23
1.3.2. A consolidação da pesquisa submersa .................................................. 27
1.4. Patrimônio civil rumo às profundezas ........................................................... 34
2. Introdução ..................................... ..................................................................... 36
3. Capítulo 1 - Arqueologia Pública Internacional . .............................................. 39
3.1. Entre o civil e o Estado ................................................................................. 40
3.2. Pós-processualismo e novos olhares............................................................ 52
3.3. Arqueologias Públicas .................................................................................. 60
3.3.1. Imagens e expressões de arqueologia .................................................. 62
3.3.2. Alcance e Educação .............................................................................. 83
3.3.3. Antropofagia arqueológica ..................................................................... 97
4. Capítulo 2 - Arqueologia pública e colonialismo no Brasil .............................. 110
4.1. O “gingado” brasileiro ................................................................................. 113
4.2. Elegendo identidades ................................................................................. 122
4.3. Arqueologia pública no Brasil ..................................................................... 134
4.4. Síntese ....................................................................................................... 156
5. Capítulo 3 - The final showdown : arqueologia subaquática, mergulhadores e comunidades ....................................... ................................................................... 157
5.3. Arqueologia subaquática – desafios e estratégias de atuação pública........ 182
5.4. Comunidades costeiras, arqueologia e o impacto do turismo ..................... 198
5.5. Ao território dos lugares .............................................................................. 210
6. Conclusão – Das pérolas, só as ostras .......... ................................................... 213
7. Referência bibliográfica ....................... ........................................................... 217
11
Indice de Ilustrações
Figura 1: No original o artigo diz, “Lei da selva - Lula na comemoração da demarcação da Raposa Serra do Sol, que feriu o estado de Roraima” (Coutinho et alii 2010). Foto: Manoel Marques. ...........................................................................Erro! Indicador não definido.
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1. Antecedentes – A fome antes do bolo
A iniciativa deste trabalho partiu de meu interesse pela arqueologia
subaquática, tema que havia começado a acompanhar ainda na graduação.
Com tal preocupação, meu objetivo inicial foi pensar as estratégias de atuação
do profissional de arqueologia frente ao conflito que envolve a prática
subaquática no país.
Gilson Rambelli (2009) resume de maneira precisa os problemas que
assolam a prática subaquática da arqueologia nacional. Primeiro, a ação de
caçadores de tesouros (brasileiros e estrangeiros) com forte influência lobista
nos altos escalões do governo (envolvendo o planejamento legislativo
nacional); segundo, a atribuição de salvaguarda e cuidados do patrimônio
cultural submerso à Marinha, ao invés do Ministério da Cultura (órgão de
competência pela proteção e manejo do patrimônio cultural “emerso”); terceiro,
a indiscriminação (possivelmente por influência legislativa) entre o resgate de
material para conservação e divulgação pública, e o resgate para leilão das
peças.
A meu ver, havia três “instâncias” que se envolviam com vestígios
humanos submersos e chocavam-se quanto a que destino dar a esses
vestígios. O Estado Nacional (1), em posição ambígua pela preservação do
patrimônio nacional, mas influenciável pelo lobby da “caça ao tesouro”, os
mergulhadores recreativos (2) interessados mais em aventuras e belas
paisagens do que em retóricas de pesquisa, e o(a) pesquisador(a)
arqueológico(a) (3), tomando parte de uma política internacional pela
preservação do patrimônio arqueológico submerso como patrimônio da
humanidade.
As comunidades costeiras (moradores locais próximos aos sítios
submersos) estavam ausentes no meu plano inicial, mas posteriormente discuti
alguns casos referentes aos impactos que as atividades arqueológicas e
turísticas podem exercer sobre estas populações e sua relação com os
vestígios humanos submersos.
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Nessa situação clara de conflito, as discussões sugeridas pela
arqueologia pública me pareceram pontuais. Em suas acepções mais
contemporâneas, a arqueologia pública tem como principal ponto de interesse
a relação entre a disciplina e o público não acadêmico.
A medida que caminhava minha pesquisa, fiquei cada vez mais
interessado em suas propostas e amplitude temática. Entre as polêmicas que o
conceito tangencia, dei-me conta (em especial depois do prolongado contato
com diversos arqueólogos durante as aulas, congressos e botecos do
mestrado) que o relacionamento entre o público não-arqueológo e a disciplina
não se resumia apenas à arqueologia subaquática. Tratava-se de um
movimento geral da disciplina no país, cuja entrada no mercado cultural tem
gerado questionamentos, sobre sua legitimidade, seus deveres, seus direitos e
sua ética.
Foi assim que este trabalho mudou um pouco suas dimensões. Ao
mesmo tempo em que não conseguia me desligar do tema subaquático, por
interesse próprio e por vê-lo como um exemplo central do que se passava na
arqueologia nacional, acabei me exaltando no interesse pelas diferentes
acepções da arqueologia pública no mundo e como esse conceito tem sido
usado no Brasil. Meu foco central dirigiu-se à compreensão da arqueologia
pública, tendo a arqueologia subaquática nacional como um estudo de caso.
Antes de dar início às delimitações e argumentos mais precisos do
trabalho (seus ingredientes e medidas), me foi sugerido (tomei-a de muito bom
grado) a redação desse pequeno “prólogo”, com os pontos fortes que me
levaram à concatenação desta produção: patrimônio e arqueologia subaquática
brasileira.
Em respeito à constante menção dos termos “patrimônio cultural e
arqueológico subaquático”, farei primeiro algumas considerações sobre o
conceito de patrimônio. Mais adiante (primeiro e terceiro capítulos) entrarei nos
aspectos legais da gestão patrimonial. Aqui, no entanto, me pareceu
necessário, inicialmente, uma breve reflexão sobre o significado histórico e
filosófico daquilo que a arqueologia tanto luta por defender. Em seqüência,
14
pretendo descrever uma breve história, justamente, da arqueologia subaquática
brasileira e sua defesa do patrimônio cultural submerso. Desde o final dos anos
de 1990, os embates entre representantes da comunidade científica e líderes
do Poder Público têm marcado a prática arqueológica submersa nacional. As
perguntas que fiz à este “prólogo” foram: o que tratar como patrimônio? E como
a arqueologia subaquática brasileira tem tratado o patrimônio?
1.2. Patrimonium, Patrimônio, Patrimônios
O conceito de patrimônio merece, antes de tudo, uma breve discussão.
Considera-se, em princípio, a origem do termo patrimônio: a raiz provém do
latim, patrimonium, que conjuga o substantivo pater (pai) e o verbo moneo
(levar a pensar, lembrar; mesma raiz na palavra monumentum), ou seja, uma
linhagem material (que carrega consigo algo de mnemônico) transmitida pelo
chefe familiar da aristocracia romana (FUNARI e PELEGRINI 2006). Sua
origem epistemológica nos sugere dois aspectos. Em primeiro lugar, sugere a
linhagem privada na qual se insere o patrimonium, relembrando a origem
aristocrática do termo e que ainda vemos sendo reproduzida, muitas vezes,
nos critérios de seleção do patrimônio nacional. Esse primeiro aspecto gera a
dúvida que deve ser constante, a meu ver, nos estudos sobre patrimônio
arqueológico: quem esse patrimônio representa? Em segundo lugar, sugere
uma conseqüência hereditária carregada de ancestralidade, a transmissão dos
caracteres sociais adquiridos e a preservação da memória das origens. A
ancestralidade tem gerado calorosas discussões em nossos dias por relegar
para segundo plano uma qualidade inerente às sociedades: sua dinamicidade.
Apesar de considerar a abordagem etimológica apenas como uma
pequena parte da argumentação conceitual, acredito que ela pode trazer, como
é o caso, importantes reflexões sobre os usos e abusos do termo em questão.
Pretendo desenvolver ao longo do texto essas duas reflexões sobre o
patrimônio, uma vez que se tornam essenciais na discussão sobre patrimônio
arqueológico, sua proteção e qual sua importância para os diversos grupos que
vivem e interatuam através dele.
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Para além de sua etimologia, lidar com a questão patrimonial em caráter
individual e familiar não é, em definitivo, a mesma coisa que lidar com a
questão patrimonial em caráter coletivo.
A coletividade não é a simples soma de indivíduos, assim como o todo não é a mera junção das partes, como afirmou, há 2.500 anos, o filósofo Platão. (...) As coletividades são constituídas por grupos diversos, em constante mutação, com interesses distintos e, não raros, conflitantes (FUNARI e PELEGRINI 2006, p. 9-10).
Nesse aspecto, concordo com o argumento dos autores sobre o
surgimento dos Estados Nacionais modernos e uma verdadeira revolução
encaminhada ao conceito de patrimônio. A revolução francesa, marco
essencial na história dos direitos humanos e do iluminismo, acaba com a noção
familiar e privada do patrimônio, dando frente ao patrimônio hereditário social e
coletivo da nação.
A Revolução Francesa viria a destruir os fundamentos do antigo reino. Ao acabar com o rei, toda a estrutura do Estado perdia sua razão de ser. A República criava a igualdade, refletia na cidadania dos homens adultos (FUNARI e PELEGRINI 2006, p. 15).
Uma outra autora, a arqueóloga espanhola Margarita Díaz-Andreu parte
de uma perspectiva muito interessante em que duas formas de coletividade são
derivadas desse processo revolucionário do final do século XVIII e começo do
XIX. A Revolução francesa de 1789 primeiramente politizou o conceito de
nação1, uma “soberania” considerada “como a união de indivíduos governados
por uma única lei, e representados pela mesma assembléia legislativa”
(Kedourie 1988:5 apud Díaz-Andreu 2000, p. 40). Esse nacionalismo, Díaz-
Andreu chama “cívico”;
Para o nacionalismo cívico ou político, o conceito “nação” estava ligado a conceitos herdados do Iluminismo neoclássico, que ora se associaram intimamente com a nação: cidadania, território, direitos e deveres iguais para todos os cidadãos,
1 Do latim nascor, éris – “nascer” (HOUAISS 2007). Também encontramos os vocábulos natio, ónis –
“raça, espécie, povo” (GLARE 2006).
16
educação universal e ideologia cívica (Smith, 1991: 9-10 apud Díaz-Andreu 2002, p. 8).
A segunda forma seria aquela atribuível aos movimentos de unificação
da Alemanha e Itália, carregando a soberania nacional com pressupostos
étnicos. Ou seja, uma nação que fosse, em primeiro lugar, culturalmente coesa,
com “costumes semelhantes e/ou uma língua compartilhada” (Díaz-Andreu
2002, p. 10); E, em segundo lugar, uma descendência comum. “Para tudo isso,
a História própria de cada nação tinha um papel fundamental legitimador”
(Díaz-Andreu 2002, p. 10).
A queda do Regime absolutista e a criação dos Estados Republicanos
alteram a sensibilidade sobre a participação da coletividade no
encaminhamento político do território, da economia e da história. Por um lado,
a conquista do acesso à direitos políticos por uma maioria não-aristocrática e
não-nobre é um dos grandes avanços das diretrizes iluministas e humanistas, e
permitem, a princípio, a maior proximidade ao que seria uma justiça social.
“Liberdade, igualdade e fraternidade”. Por outro, o surgimento do Estado não
mais centrado na figura do Monarca, mas sim na figura de seu coletivo
constituinte exige a unidade e o fundamento desse coletivo ao território em
distinção. “O líder da unificação Massimo D’Azeglio, constatou que ‘feita a Itália,
é preciso fazer os italianos’” (Funari & Pelegrini, 2006, p. 17). Na constituição
das novas nações étnicas é fundamental elencar os monumentos que serão
receptáculos da memória coletiva.
A experiência do nacionalismo étnico que começara na Europa no final
do século XIX culminaria nos horrores das duas Grandes Guerras e com o
Holocausto. A seqüência foi o desmantelamento das nações imperialistas, a
descolonização da África e Ásia e o realce das liberdades e direitos cívicos
garantidos pelo iluminismo, bem como o convívio e respeito às diversidades
(Funari & Pelegrini, 2006). Essas novas ideologias sobre a coletividade
convocam mudanças nas atribuições dos Estados Nacionais, que procuram
formular um novo enquadramento da identidade nacional, pautada
basicamente em dois pontos: 1) A demarcação do território geopolítico continua
sendo a fronteira dentro da qual o nascimento do indivíduo, ou seu grau de
17
descendência de um nascido, determina seu pertencimento ao país
(nacionalidade). 2) A tentativa, pós-holocausto, de ampliar o reconhecimento
da diversidade étnica dentro do território nacional e garantir seus direitos
cívicos através de políticas de estado.
Essa diferença entre Estado “cívico”, resultante de um coletivo
heterogêneo, e “étnico”, homogeneizante do coletivo, me parece essencial na
compreensão da atual condição dos Estados Nacionais Latino-Americanos.
Como no caso do Brasil, onde o direito e promoção da diversidade tem sido
carro-chefe das políticas públicas governamentais, dentre o que tange à
distinção, nomeação, preservação e aclamação do patrimônio nacional.
Dentro desse novo panorama das nações européias, o trato do
patrimônio foi movido por três características básicas: sua materialidade e
monumentalidade, sua beleza e exemplaridade, e sua regência por Instituições
Públicas (Funari & Pelergini 2006). Portanto, tratava-se de eleger, entre os
edifícios e objetos atribuídos à vivencia histórica nacional, quais seriam os
maiores, mais belos, e mais típicos do caráter único e grandioso da Nação. A
criação da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) em 1945
dão respaldo a essa empreitada nacional de respeito aos direitos do cidadão e
à diversidade cultural, direitos que são antes considerados humanos que
territoriais.
Em termos internacionais, as diferentes nações interagiam mais do que nunca, o que também contribuiu para a dissolução dos conceitos nacionalistas, apesar de os órgãos internacionais, como a ONU e a UNESCO, serem aglomerados de Estados nacionais e defenderem, em muitos casos, a nação como uma suposta unidade, sem contrastes internos. De toda forma, a convivência levou à eleição da diversidade humana e ambiental, como valor universal a ser promovido (Funari & Pelegrini, 2006, p. 23).
Assim, entre o final da 2º Guerra Mundial e os anos 1990, a ONU e
diversas nações investiram na construção de um aparato legislativo de
proteção patrimonial.
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A primeira Conferência Internacional para a Preservação dos
Monumentos Históricos aconteceu em 1931 em Atenas. Embora sua
“internacionalidade” tenha se resumido à presença de países europeus (Choay,
2001), a Carta de Atenas, documento gerado desse encontro, tornou-se
referência base à filosofia de preservação, valoração e conservação de
monumentos históricos e artísticos. Cita, inclusive, monumentos de interesse
arqueológico (parte da carta é dedicada aos trabalhos de restauro e
conservação da Acrópole Ateniense) (Sociedade das Nações, 1931). No
entanto, seu texto prezava demasiado por quesitos estéticos, recomendando a
derrubada de possíveis cortiços ao redor do monumento e enfatizava que nada
fosse construído em estilo semelhante ao monumento para não roubar-lhe a
atenção (Pelegrini 2006).
Posterior à Segunda Guerra-Mundial, as recomendações da ONU
começam a referenciar atenção cada vez maior à diversidade das acepções e
importâncias sociais do patrimônio. A Carta de Veneza de 1964 contou com a
participação de três países não europeus: México, Peru e Tunísia (Choay,
2001). Esse documento, conseqüente da II Conferência Internacional de
Arquitetos e Técnicos de Monumentos Históricos do ICOMOS, trata de normas
para a conservação e restauro de monumentos históricos, definindo-os como
(...) criações arquitetônicas isoladas assim como o conjunto urbano ou rural de testemunho de uma civilização particular, de uma evolução significativa, ou de um acontecimento histórico. Refere-se não somente às grandes criações, mas também às obras modestas que tem adquirido com o tempo uma significância cultural (ICOMOS 1964, p. 10).
Dando devida atenção às “obras mais modestas” que possuem
significado cultural e ao envolvimento da sociedade, a Convenção de 1964 já
inaugura uma nova postura política frente ao poder de representatividade social
do patrimônio. Da mesma forma, a Declaração de Amsterdam (1975) reforça a
inserção de conjuntos nas categorias de patrimônio e a viabilização de
“políticas de conservação integradas” (Pelegrini 2006, p. 4), bem como
“aconselha o envolvimento da população residente nos processos de
19
preservação, de modo a evitar a evasão dos habitantes em virtude de
processos especulativos” (Pelegrini 2006, p. 5).
Esse cenário internacional será muito ativo na redação de leis, normas e
recomendações de proteção e salvaguarda do patrimônio mundial. Algumas
são de extrema importância para a definição e gestão do patrimônio
arqueológico. Exemplos: (i) a 13ª Conferência Geral da Unesco em Paris, no
dia 19 de novembro de 1964, faz “recomendação sobre medidas destinadas a
proibir e impedir a exportação, importação e a transferência de propriedade
ilícitas de bens culturais” (Unesco, 1964 apud Funari; Domínguez, 2005, p. 13),
que exigem a proteção, dentre outros “bens culturais”, daqueles de “interesse
histórico, artístico ou arqueológico” (Unesco, 1964 apud Funari; Domínguez,
2005, p. 14); (ii) a “Recomendação acerca da Preservação de Propriedade
Cultural Ameaçada por trabalho Público ou Privado” (Chih-Hung, 2004)2, em
dezembro de 1968; (iii) a “Convenção sobre os Meios de Proibição e
Prevenção da Importação Ilícita, Exportação e Transferência de Posse de
Propriedade Cultural” (Chih-Hung, 2004), assinada em 14 de novembro de
1970 em Paris, que trata da “propriedade cultural” como aquela que “por
estatuto religioso ou secular, é especificamente designada por cada Estado
como sendo de importância para a arqueologia, pré-história, história, literatura,
arte ou ciência” (Unesco, 1970, p. única); (iv) a “Recomendação de Paris sobre
Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural”, de 1972, que define como
patrimônio cultural, em seu Artigo 1º, “elementos ou estruturas de natureza
arqueológica, inscrições, cavernas (...)” e “lugares arqueológicos, que tenham
valor universal do ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico”
(UNESCO, 1972)3.
Não somente cartas com propostas gerais, mas também alguns
encontros entre Nações Latino Americanas buscaram suprir as demandas
específicas de suas identidades e conjuntos patrimoniais, como a Carta de
2 Todas as traduções dos originais em lingua estrangeira são de minha autoria.
3 Mais documentos estão acessíveis gratuitamente do site da Unesco:
http://portal.unesco.org/en/ev.php-URL_ID=12024&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html
20
Machu Picchu em 1977, A Convenção de Tlaxcala em 1982 e a Declaração do
México de 1985 (Funari & Pelegrini, 2006). As convenções de Tlaxcala e do
México reforçaram o caráter popular do patrimônio e sua forma imaterial (ritos,
festas, danças) (Pelegrini 2006, p. 5), enquanto a Convenção de Machu Picchu
propunha a
(...) reintegração entre a arquitetura e as cidades em todos os seus elementos constitutivos, buscando a manutenção de sua vitalidade e significado contemporâneo, manifestando ainda preocupações com o impacto social gerado pela sobrevalorização das áreas restauradas e/ou revitalizadas e com os danos ao meio ambiente, anteriormente abordados na Convenção de Estocolmo (1972) (Pelegrini 2006, p. 5-6).
Em 1985, o reconhecimento do patrimônio arqueológico como um bem
que necessita de cuidados e medidas específicas para sua gestão levou à
criação de uma instância dentro do ICOMOS, o Comitê Internacional para
Gestão do Patrimônio Arqueológico (ICAHM, sigla do original em inglês4) (Elia,
1993 p. 97). O primeiro documento internacional a tratar especificamente do
patrimônio cultural arqueológico, a Carta da Lausanne, foi redigida por esse
órgão em 1990. Seu texto define o patrimônio arqueológico como “a porção do
patrimônio material a qual os métodos da arqueologia fornecem os
conhecimentos primários” (ICAHM 1990, Art.
1). Seu texto engloba também vestígios “sob
as águas”. A abrangência oferecida por essa
carta coloca a arqueologia em foco na
definição e manejo de um bem cultural
específico. A condição ontológica que liga
esse patrimônio à disciplina garante o direito de participação do público em sua
gestão (de proteção à integração nas atividades de pesquisa e gerência), e
conclama igualmente o Estado ao dever de manejo e respeito à memória
pública (ICAHM 1990).
Finalmente, no ano de 2001, durante a 31º Convenção Geral da
UNESCO em Paris, é redigida a “Convenção sobre a Proteção do Patrimônio
4 No original, International Committee on Archaeological Heritage Management.
“Patrimônio cívico”: O conceito de patrimônio tem tomado formas distintas no decorrer dos anos, e finalmente se transformou em uma parafernália jurídica de importância vital no manejo da memória e do espaço nacional.
21
Cultural Subaquático”. Em seu texto, fica definido o “Patrimônio cultural
subaquático” como
Todos os traços de existência humana tendo um caráter cultural, histórico ou arqueológico, que tenham estado parcialmente ou totalmente debaixo de água, periódica ou continuamente, durante pelo menos 100 anos, tais como:
i) Sítios, estruturas, edifícios, artefatos e vestígios humanos, em conjunto com o seu contexto arqueológico e natural;
ii) Navios, aeronaves, outros veículos, ou qualquer parte deles, a sua carga ou outro conteúdo, em conjunto com o seu contexto arqueológico e natural; e
iii) Objetos de caráter pré-histórico (UNESCO, 2001).
A Convenção da Unesco de 2001 igualmente estabelece a prioridade da
preservação do patrimônio material subaquático in situ (Art. 2, nº5) e a
proibição de sua valoração comercial (Art. 2, nº 7 e Regra 2, Anexo). Essa
convenção consagra os esforços da arqueologia subaquática mundial (nascida
nos anos 1960). Infelizmente, o Brasil ainda não ratificou a Convenção. Não
somente a ignora como aprova uma lei, um ano anterior à Convenção, que
viabiliza a atribuição de valor do patrimônio submerso de acordo com as
demandas do mercado (Rambelli 1997, 1998, 2002, 2004).
Apesar da curta explanação sobre cada uma das leis, algumas
considerações de âmbito geral que dizem respeito à minha argumentação
podem ser deduzidas. Primeiro, todas as cartas coroam a necessidade de
atuação dos Estados Nacionais signatários na gestão e proteção do patrimônio
cultural, bem como sua cooperação internacional através da UNESCO e de
alianças com outros países. Segundo, a importância da especialização e
profissionalização dos gestores desse patrimônio. Terceiro, a indicação de um
patrimônio depende da sua valoração pelos órgãos competentes e pelo Estado.
A promulgação de leis e recomendações sobre a gestão do patrimônio
arqueológico constitui a sedimentação de um grande e complexo aparato
jurídico através do qual as entidades especializadas, com respaldo de órgãos
públicos nacionais e supranacionais, irão atuar na determinação e gestão dos
espaços e vestígios materiais classificados como “patrimônio arqueológico”. Ou
22
seja, fica a cargo da disciplina arqueológica um papel imensurável na
construção de espaços de memória nacionais.
Isso não significa que esse papel seja uma novidade na agenda da
disciplina. Tanto os textos citados de Margarita Díaz-Andreu (2000, 2002)
quanto outros autores (Cf. Trigger 1984, Fowler 1987, Arnold 1996, Lima 2007)
trabalharam com o importante papel que a arqueologia teve na construção das
nações européias “étnicas”, através da descoberta de vestígios materiais do
purismo ariano nazista e da gloriosa ascendência romana do fascismo, para
citar alguns exemplos. Com a desestruturação dos nacionalismos étnicos, a
arqueologia é redirecionada para a gestão do patrimônio cívico focado em um
desenvolvimento da cultura humana, global e local.
As argumentações que aqui se tecem enxergam esses gigantes
regimentares como uma das respostas às demandas dos movimentos sociais e
um meio de abrir espaço oficial para as minorias. Assim, acredito na
importância da proteção desse “patrimônio cívico”, veículo de expressões de
diversas memórias sociais.
Ao mesmo tempo, nesse momento de credenciamento do poder da
arqueologia na participação dessa sociedade em luta, devemos prestar
atenção à responsabilidade que recai sobre nossas resoluções e relatórios. É
nesse momento que se começa a exigir a responsabilidade sobre seu papel
como mediador entre o público e essa parafernália jurídica encabeçada por
políticas humanistas internacionais.
1.3. Arqueologia Subaquática no Brasil
A questão do patrimônio submerso brasileiro me pareceu um excelente
caso para se pensar as políticas de proteção patrimonial, sua relevância social
e o papel da arqueologia neste cenário. Localizado em um espaço
extremamente ambíguo aos olhos do ser humano, envolvendo mistério e morte,
a apreciação do público pelos vestígios humanos submersos se misturam com
interesses particulares em grandes tesouros perdidos e entram em conflito com
profissionais da arqueologia que prezam pela proteção deste patrimônio
23
material. Esse relacionamento conflituoso entre público leigo e arqueólogos
desenvolve-se pelas tramas confusas da legislação nacional específica desse
patrimônio e as posturas evasivas do IPHAN e da Marinha. Entremeando a
discussão sobre o patrimônio arqueológico submerso, tratarei brevemente da
história da arqueologia subaquática no país com especial atenção à sua
participação na preservação da cultura material imersa.
1.3.1. As primeiras braçadas
O primeiro resgate de material arqueológico submerso acompanhado de
um arqueólogo foi realizado na costa baiana em 1977. O Galeão Sacramento
foi escavado na Baia de Todos os Santos sob coordenação do arqueólogo
Ulysses Pernambucano de Mello Neto. O Galeão Sacramento e uma
embarcação holandesa não identificada foram apontados por um pescador
baiano em 1973 (Cf. Jornal da Tarde. 29 de setembro de 1977), na mesma
época em que fora encontrado por dois mergulhadores recreativos (Cf. Jornal
da Tarde. 22 de setembro de 1976)5. A meu ver, a importância do Sacramento
não apenas reside em sua excepcionalidade, mas também em sua
exemplaridade da situação que na qual se encontra a gestão dos vestígios
materiais submersos.
Várias notícias de jornais já apresentam um dos lados do panorama
conflituoso que identifiquei no início do texto. Até o início dos trabalhos da
Marinha no fim de 19756, o Galeão Sacramento passou por alguns anos de
depredação por parte de mergulhadores recreativos e caçadores de tesouro.
Algumas atividades viraram motivo da imprensa local e nacional, com
manchetes relatando um verdadeiro esquema de contrabando de antiguidades.
Os próprios descobridores da embarcação, José Rebelo e Francisco Gordilho
(“Chico Diabo”) venderam um canhão holandês no Recife por CR$ 190 mil
antes que a Marinha pudesse intervir (Faustino, 1976). “Chico Diabo” também
5 O Jornal do Brasil oferece a data de 1973 (Faustino, 1976).
6 Carta do Comando do 2º Distrito Naval de Salvador, 20/09/1976. Material pesquisado e cedido pela
amiga Beatriz Bandeira, a quem muito agradeço.
24
fez alguns bons negócios com pratos de faiança, os quais vendeu por
US$ 1.000,00 a peça (Cf. O Globo. 13 de dezembro de 1976). Ambos haviam
difundido a presença de tubarões ao redor do naufrágio, como tentativa
“salvaguardar” sua descoberta (Cf. Jornal da Tarde. 22 de setembro de 1976).
Outra notícia que apareceu em diversos jornais da época foi a
apreensão de material arqueológico retirado do Sacramento. Seis canhões de
bronze 7 foram apreendidos no Recife pela Superintendência Regional da
Polícia Federal, em um ferro velho no aguardo de um carregamento que os
levaria a São Paulo, onde teriam já compradores (Cf. O Estado de São Paulo.
22 de setembro de 1976) e outros três estavam sendo procurados pela Polícia
Federal de Pernambuco (Cf. Jornal da Tarde. 27 de setembro de 1976). A
apreensão somente foi possível, como argumentarei mais adiante no terceiro
capítulo, devido à legislação já existente desde 1961 que determinam a posse
direta de “bens e sítios arqueológicos” à União. Além da legislação que rege a
posse sobre bens encontrados em costa nacional.
No entanto, a falta de regulamentação específica sobre a situação do
material arqueológico encontrado, levou (e ainda leva) a desentendimentos
entre os órgãos competentes. O Jornal da Tarde informou que o comandante
do 2° Distrito Naval, vice-almirante Fernando Ernes to Carneiro Ribeiro, “um dos
responsáveis diretos pela seriedade com que agora, afinal, está sendo
encarada atualmente a descoberta” (Cf. Jornal da Tarde. 27 de setembro de
1976) descobrira que há meses antes a Marinha permitira a remoção de
material submerso por mergulhadores e pescadores. E que somente tomou
ciência da situação quando vizinhos de um dos pescadores que guardava
consigo um torpedo, vieram reclamar o medo constante de uma explosão (Cf.
Jornal da Tarde. 27 de setembro de 1976).
Em cartas trocadas entre o comando do Serviço de Documentação
Geral da Marinha e o 2º Distrito Naval, existem informações sobre os trabalhos
7 O Jornal da Tarde diz que o Vice-Almirante Fernando Ernesto Carneiro Ribeiro anunciou que foram 9
canhões (Cf. Jornal da Tarde. 27 de setembro de 1976).
25
da Marinha desde 1975 e as pilhagens de material vendido à colecionadores
nacionais e estrangeiros 8 . No entanto, não nega que tenham sido essas
descobertas de grande valor histórico e inclusive lamenta que pouco do
material retirado do fundo tenha sido doado ao Museu Naval9.
Após esses casos notórios de depredo e pilhagem do patrimônio
nacional, a Marinha, orientada pelo Serviço de Documentação Geral da
Marinha sobre o rico acervo que jazia no fundo do mar, começou a realizar
etapas de intervenção e retirada de material ainda em 197510, logo antes da
contratação do “jovem arqueólogo” Ulysses Pernambucano (Cf. Jornal da
Tarde. 27 de setembro 1976). O acordo entre a Marinha, através do 2º Distrito
Naval, e do Ministério da Educação e Cultura, através do Conselho Federal de
Cultura (Cf. Jornal do Brasil. 15 de novembro de 1976) permitiu que os
trabalhos arqueológicos no Galeão começassem. A primeira etapa tem início
em setembro de 1976 e foi concluída em maio de 1977. Mobilizou 24
mergulhadores, o NSS (Navio de Socorro Submarino) e mais duas corvetas
(Purus e Caboclo) e duas embarcações auxiliares (Juruá e Javari) (Cf. O
Estado de São Paulo. 22 de setembro de 1976; O Globo. 22 de setembro de
1976).
Do navio holandês, pouco se sabe além de sua localização próxima à
ilha de Itaparica. O vice-almirante Fernando Ernesto Carneiro Ribeiro,
comandante do 2º Distrito Naval que coordenou pessoalmente as atividades do
Projeto de arqueologia supôs que o casco soçobrado em Itaparica fosse de
uma nau holandesa que fora destruída durante um ataque feito por Maurício de
Nassau à Bahia em 1637 (Cf. O Globo. 13 de dezembro de 1976), afirmando
8 Carta do Contra-almirante Paulo Guilherme Brandão Padilha ao Serviço de Documentação Geral da
Marinha. 07/04/1976. Material pesquisado e cedido pela amiga Beatriz Bandeira.
9 Carta do Contra-almirante Paulo Guilherme Brandão Padilha ao Serviço de Documentação Geral da
Marinha. 07/04/1976.
10 Carta do Comando do 2º Distrito Naval de Salvador, 20/09/1976. Arquivo do Serviço de
Documentação Geral da Marinha, 1º Distrito Naval – Rio de Janeiro/RJ. Material pesquisado e cedido
pela amiga Beatriz Bandeira.
26
que dos 20 canhões retirados, e que permitiram a identificação da nau como
holandesa, faltavam ainda 3.
Apesar da crítica concreta ao depredo por mergulhadores recreativos, os
trabalhos de arqueologia no Sacramento se limitaram à retirada de materiais do
fundo do mar como “ilustração da história trágico marítima”, nas palavras de
Gilson Rambelli, arqueólogo subaquático da Universidade Federal de Sergipe
(informação verbal)11. Apesar da notoriedade dos trabalhos no Sacramento, e
das apreensões de venda ilegal de material, não foram levados adiante
esforços pela reformulação das confusas políticas de manejo do patrimônio
cultural submerso.
Outra crítica feita aos trabalhos de Pernambucano foi sua opção por não
mergulhar. Ele acompanhou o trabalho de 24 mergulhadores (Cf. O Estado de
São Paulo. 22 de setembro de 1976; Jornal da Tarde. 22 de setembro de 1976;
Reportagem 1976a, Reportagem 1976b) desde a superfície. Já na década de
1960, início da arqueologia subaquática mundial, a importância do arqueólogo
em campo é reforçada.
Luiz Octavio de Castro Cunha foi outro arqueólogo que se envolveu com
arqueologia subaquática na década de 1980. Formado em arqueologia pela
Universidade Estácio de Sá em 1986, Castro Cunha cursou, no ano de 1988,
pós-graduação em História e Cultura Contemporânea, cuja conclusão se deu
com a redação de sua monografia “Arqueologia subaquática no Brasil e no
mundo: diferentes tecnologias” (Cunha, 2009). Como chefe da Seção de
Arqueologia Subaquática do Museu Histórico e Oceanográfico entre 1991 e
2003, tem publicado alguns poucos trabalhos em arqueologia subaquática (C.f.
Cunha 2009), entre eles um texto sobre o Galeão Sacramento, onde relata sua
participação na segunda etapa dos trabalhos em 1987 (Cunha, 1990).
11
Informação fornecida por Gilson Rambelli durante aula em 2008.
27
1.3.2. A consolidação da pesquisa submersa
No Brasil, Gilson Rambelli e o Centro de Estudos de Arqueologia
Náutica e Subaquática (CEANS, hoje vinculado ao Nucleo de Estudos e
Pesquisas Ambientais da Universidade Estadual de Campinas –
NEPAM/UNICAMP) têm sido a principal militância pela revisão dessa
legislação e pela proteção do patrimônio submerso nacional. Desde o final dos
anos 1990, eles têm publicado textos sobre a necessidade de mantermos
compasso com a legislação e parâmetros internacionais de proteção
patrimonial (Rambelli 1997, 1998, 2002, 2004; CEANS 2004).
Existe uma depredação contínua, sobretudo dos naufrágios marítimos, provenientes da pouca importância dada a esses bens culturais por parte dos órgãos responsáveis pela gestão patrimonial nacional.
(...)
Com um litoral que se estende por mais de 8.500 km, palco de milhares de naufrágios em quase 500 anos de história trágico marítima, com águas interiores que representam uma das maiores redes fluviais do mundo, temos uma certeza: O Brasil desconhece os bens culturais submersos em suas águas (Rambelli 1997).
Já em 1993, durante a VII Reunião Científica da Sociedade de
Arqueologia Brasileira em João Pessoa, Gilson Rambelli e Maria Cristina
Scatamacchia12 sentaram-se com autoridades da Marinha e do IPHAN para
discutir a arqueologia subaquática no Brasil (Rambelli 2008, p. 18). Maria
Scatamacchia treinou uma nova geração de arqueólogos subaquáticos no
MAE/USP, todos engajados na proteção do patrimônio submerso através da
atuação do CEANS.
Em 1999 Paulo Bava de Camargo começa seu mestrado no MAE sobre
as fortificações de Cananeia (Camargo 2002). Na tentativa de compreender
como se formou o sistema defensivo do Baixo Vale do Ribeira durante o
Segundo Reinado e na eventualidade da Guerra Cisplatina, Camargo pretende
12
Arqueóloga do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE/USP).
28
ir além dos vestígios dos fortins emersos, já bastante degradados ou de
construção menos resistente às intempéries do tempo (Camargo 2002). Os
canhões foram alguns dos poucos instrumentos de defesa que sobreviveram, e
parte hoje se encontra submersa. Além da busca pelos vestígios, considerar o
ambiente aquático foi um dos meios encontrados para entender a formação
desses sítios costeiros e ribeirinhos.
Flavio Rizzi Calippo iniciou também seu mestrado em 2000 sob
orientação de Scatamacchia com o tema de sambaquis com interface entre os
ambientes aquáticos e secos. Seu projeto é igualmente um experimento bem
sucedido da aplicação das metodologias de campo da arqueologia subaquática
a casos brasileiros. Uma adaptação do vibracoring, instrumento de coleta
sedimentar, para as necessidades do estudo dos componentes estratigráficos
de alguns sambaquis em Cananéia. A metodologia foi aplicada a sítios tanto
fora como dentro d’água, com o objetivo de “compreender a ocorrência desses
sambaquis e de contextualizá-los espaço-temporalmente em meio às
flutuações holocênicas do nível do mar” (Calippo, 2004, resumo).
Em 2000, a equipe composta por esses pesquisadores do MAE, Gilson
Rambelli, Paulo Bava de Camargo e Flávio Rizzi Calippo criaram o Centro de
Estudos de Arqueologia Náutica e Subaquática,
objetivando o levantamento, estudo, divulgação, conscientização, gestão, proteção e preservação do patrimônio cultural náutico e subaquático brasileiro e internacional (CEANS, 2010).
Já em 2002, Leandro Domingues Duran começa a freqüentar o Museu
em uma disciplina de Introdução à arqueologia subaquática e, em 2003,
começa seu doutorado em arqueologia subaquática no MAE, também sob
orientação da Scatamacchia, com um estaleiro baleeiro.
Gloria Tega, jornalista especializada em divulgação científica pela
Universidade de São Paulo tem contribuído desde o início dos anos 2000 com
os projetos de arqueologia subaquática e com o CEANS. Não somente com a
divulgação das atividades levadas a cabo pelos integrantes, mas também
29
agindo dentro dos meios midiáticos, na tentativa de entender estratégias de
conversão entre interesses do jornalismo e da divulgação científica (Tega 2004;
2010 – informação verbal13).
Em 2002, o CEANS passa a existir oficialmente como Centro de Estudos
vinculado ao Instituto Gaia, e em 2004 muda sua locação para o Núcleo de
Estudos Estratégicos da Universidade Estadual de Campinas (NEE/UNICAMP).
No ano seguinte, membros do Centro de Estudos passaram a ministrar aulas
no Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da mesma Universidade
(NEPAM/UNICAMP) relacionadas à “cultura material, relações sociais, políticas
públicas e meio ambiente” (CEANS, 2010). Hoje, o CEANS está locado no
NEPAM.
Sua atuação na luta pela proteção do patrimônio cultural subaquático
será marcante na arqueologia brasileira. Uma vez oficializado, o Centro de
Estudos passa a ser a Primeira Unidade de pesquisa especializada no tema
com apoio do Comitê Internacional sobre o Patrimônio Cultural Subaquático,
vinculado ao Comitê Internacional de Monumentos e Sítios
(ICUCH/ICOMOS/UNESCO) e com respaldo da Sociedade de Arqueologia
Brasileira (CEANS, 2010). Ele publicou em 2004 o “Livro Amarelo: manifesto
pró-patrimônio cultural subaquático brasileiro” (CEANS 2004) documento
gerado como repúdio às práticas de caça ao tesouro em águas nacionais e à
atual legislação (já promulgada em 2000) que transgride os interesses públicos
pelo patrimônio submerso, dando prioridade a interesses privados.
Deste modo, preocupado com as atividades que ameaçam o patrimônio cultural subaquático no Brasil e ciente da necessidade de medidas mais rigorosas e urgentes para impedir essas atividades, o CEANS/NEE apresenta este documento informativo – Manifesto – em defesa deste patrimônio cultural tão digno de atenção e respeito quanto sua contrapartida terrestre. O objetivo é contribuir com a sociedade brasileira munindo-a com informações pertinentes sobre o tema e chamando atenção para a necessidade da rediscussão da
13
Entrevista concedida por Glória Tega a Bruno S. R. da Silva via Skype Belo Horizonte-São Paulo, agosto
2010.
30
atual legislação que trata do patrimônio arqueológico subaquático em águas brasileiras (CEANS, 2004, p. 1-2).
Como parte das empreitadas do CEANS estão cursos de extensão sobre
mergulho consciente em escolas especializadas, disciplinas acadêmicas em
Universidades estaduais (no caso do NEPAM/UNICAMP) e particulares, bem
como presença militante em encontros da comunidade arqueológica buscando
respaldo de sua atuação em prol do patrimônio arqueológico submerso.
Em 2005 os participantes do I Simpósio Internacional de Arqueologia
Subaquática, evento organizado dentro o XIII Congresso da Sociedade de
Arqueologia Brasileira, apelam à assembléia geral da Sociedade com uma
Moção
(...) para que a mesma interceda junto às instituições públicas brasileiras envolvidas com esta temática com vistas a pleitear a reformulação da legislação aplicável ao patrimônio arqueológico subaquático, bem como a ratificação da referida Convenção da UNESCO para a proteção do Patrimônio Cultural Subaquático, como meio de promover uma proteção efetiva dos bens culturais submersos em nossas águas (Rambelli, 2005, p. 2).
Essa Moção levou adiante a proposta da Equipe e, em 2006, a deputada
maranhense Nice Lobão levou ao Congresso o Projeto de Lei nº 7.566 cuja
fórmula carrega os termos sugeridos no Livro Amarelo (Tega 2007). Ou seja,
visa derrubar a lei 7.594, bem como suas alterações da lei 10.166, permitindo
que o Brasil assine a convenção da UNESCO de Proteção do Patrimônio
Submerso.
Durante o XIV Congresso da Sociedade de Arqueologia Brasileira em
Florianópolis, do dia 30 a 4 de outubro, a comunidade arqueológica
subaquática se reuniu mais uma vez com um Simpósio de Arqueologia
Subaquática.
Na programação, dividida em duas partes, há exposição de trabalhos que estudam o patrimônio cultural subaquático em diferentes formas, como naufrágios, paisagens marítimas, gravuras rupestres submersas, vestígios arqueológicos submersos no Arquipélago de São Pedro e São Paulo (localizado no meio do oceano atlântico, a 1100 km de Natal) e
31
até a ocupação ao longo dos anos de uma ilha do litoral sul de São Paulo (Tega, 2007a).
No mesmo mês, entre os dias 27 e 28 de outubro de 2007, o Brasil
sediou uma reunião do Comitê Internacional sobre o Patrimônio Cultural
Subaquático (ICUCH/ICOMOS) por conta do II Simpósio Internacional de
Arqueologia Subaquática, cujo tema “Arqueologia Marítima nas Américas:
ocupações litorâneas, barcos e navios, portos e áreas portuárias” reuniu
pesquisadores de todas procedências nacionais e internacionais.
O evento pretende estabelecer novas perspectivas de pesquisas no Brasil e fortalecer a cooperação entre os países nos trabalhos sobre essa temática.
O Simpósio vem impulsionar o recém criado Núcleo de Estudos Avançados de Pesquisa em Arqueologia e Etnografia do Mar, em Itaparica, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal da Bahia (MAE/UFBA) (Tega, 2007b).
Ao final desse evento, o Comitê Internacional se reuniu e redigiu a Carta
de Itaparica, documento oficial recomendando ao Brasil à adoção da
Convenção da UNESCO para a Proteção do Patrimônio Arqueológico
Submerso (Tega, 2008).
Esse extenso – e tenso – debate sobre a proteção do patrimônio
arqueológico subaquático teve suas repercussões positivas junto ao poder
legislativo com o Projeto de Lei 7566. Desde 2008, o Projeto foi reestruturado
por discussões entre a Marinha do Brasil, o IPHAN e a comunidade
arqueológica e foi reapresentado ao Congresso pelo Senado como Projeto de
Lei nº 45/08 (Guimarães 2010 - informação
verbal14).
A PL 45/08 é a melhor opção que
temos até o momento para uma nova redação
que dê respaldo à proteção do patrimônio
arqueológico subaquático nacional. Enquanto
14
Entrevista concedida por Ricardo Guimarães a Bruno Sanches no Rio de Janeiro, dia 27 de abril de
2010.
As publicações em arqueologia subaquática nacional mostram uma maior dedicação em dois aspectos: defesa do patrimônio cultural e sedimentação da prática entre os pares.
32
isso, vale pensarmos em outras maneiras pelas quais a arqueologia pode atuar
pela defesa do patrimônio e pela representatividade social.
Além da equipe do CEANS, outros arqueólogos brasileiros têm
trabalhado com arqueologia subaquática na entrada do novo milênio. Francisco
Silva Noelli também é um arqueólogo brasileiro que se aventurou no campo da
arqueologia subaquática. Em 2004 ele passou a coordenar as atividades da
ONG Programa de Arqueologia Subaquática (PAS), uma empreitada sem fins
lucrativos que visava a pesquisa e a proteção do patrimônio cultural
subaquático em águas catarinenses (Viana et alii. 2004). Em 2002 a equipe
formada por Alexandre Viana, Marcelo L. Moura e Narbal Correa fundaram a
ONG PAS com o propósito de gerenciar a pesquisa de uma embarcação
encontrada por Alexandre Viana em 1989, na praia dos ingleses
(Florianópolis/SC) (PAS 2006). Essa era a embarcação à qual se dedicava o
Programa quando do ingresso de Chico Noelli à equipe.
Aceitei colaborar com a ONG PAS – Projeto de Arqueologia Subaquática -, após ver: 1) que o sítio sofria lenta destruição pelo impacto ambiental e antrópico; 2) que era uma área de pesca artesanal de arrasto; 3) que era área de interesse turístico que afetaria seu contexto no futuro; 4) a autorização da Marinha do Brasil; 5) o projeto da pesquisa; 6) o financiamento público da FAPESC fiscalizado pelo Tribunal de Contas de Santa Catarina; 7) as instalações; 8) os tipos de registro; 9) o trabalho de conservação; 10) o destino dos artefatos, a serem integrados a um museu público que se procura estabelecer em Florianópolis; 11) que havia uma exposição permanente na base de pesquisa da Praia dos Ingleses que, sem nenhuma propaganda, foi visitada por mais de 22 mil pessoas (incluindo inúmeras escolas e cursos universitários) (Noelli, 2010)15.
Sob coordenação de um arqueólogo, o Projeto conseguiu a anuência da
Marinha e do IPHAN, e em 2004 publicam sua primeira nota na Revista do
MAE/USP (Viana et alii. 2004). Os autores, ao mesmo tempo em que aderem
aos preceitos metodológicos e teóricos propostos pela academia para o
desenvolvimento de um trabalho arqueológico, fazem questão de demonstrar
15
Entrevista concedida por Francisco Silva Noelli via e-mail. Pelotas e São Paulo/Belo Horizonte. Junho
de 2010.
33
sua origem de fora da academia como um ponto fundamental das políticas
atuais de gestão de bens culturais.
A pesquisa de naufrágios, como alternativa à preservação, é assegurada pela Declaração de Sofia: “A Arqueologia é uma atividade pública, todos têm o direito de indagar sobre o passado para enriquecer suas próprias vidas, e qualquer ação que restrinja esse conhecimento é uma violação da autonomia pessoal” (Viana et alii 2004, p. 388).
Na mesma nota, o Programa já anuncia um segundo projeto de
mapeamento de sítios arqueológicos submersos na costa de Santa Catarina.
“Primeiro serão mapeados os naufrágios localizados pelas autoridades
marítimas, por pescadores e pela equipe do PAS” (Viana et alii 2004, p. 388).
Para o prosseguimento desse segundo projeto, os autores já apresentam uma
lista detalhada, baseada em leituras sobre a história naval no Brasil, de 13
categorias de sítios, mais que de naufrágios, que poderão ser encontrados na
costa brasileira e catarinense (Viana et alii 2004). Hoje o projeto já conta com
mais outro artigo publicado na Revista do MAE sobre os trabalhos realizados
entre 2004 e 2009 (Noelli et alii 2009), de igual rigor acadêmico, bem como
criação de revistas e educação patrimonial (que serão comentadas no terceiro
capítulo), publicações conjuntas sobre a história marítima de Santa Catarina
(PAS 2006) e convênio com a Universidade do Vale do Itajaí (Noelli et alii
2009).
Na cidade do Rio Grande, o arqueólogo Rodrigo de Oliveira Torres vem
atuando em arqueologia subaquática desde 2003, inclusive com propostas e
atividades de sítios escolas sobre arqueologia subaquática com excelentes
resultados.
Randal Fonseca é outro membro do CEANS com ampla experiência em
mergulho. Desde 2004 participa como estagiário em projetos de pesquisa no
NEPAM/UNICAMP, dentre os quais está o Projeto de Arqueologia Subaquática
no Arquipélago de São Pedro e São Paulo. Em seu artigo publicado em 2004
(Fonseca 2004), faz uma crítica muito pontual e consciente ao mergulho
recreativo, à arqueologia subaquática e à relação de ambos com a cultura
material submersa. Por um lado, defende a prática do mergulho autônomo, não
34
somente o recreativo, e sua relevância à sociedade moderna e à história
técnica da humanidade. Por outro, lembra que o mergulho recreativo tem sido
muitas vezes irresponsável com o patrimônio subaquático, e que instrutores
devem dialogar com seus alunos e equipe para o desenvolvimento de um
turismo responsável e para que uma prática tão cara ao mundo contemporâneo
não se torne danosa à história da humanidade.
Carlos Rios é um arqueólogo pernambucano, inicialmente formado em
ciências biológicas, mas que, posteriormente, seguiu carreira na marinha e no
estudo de arqueologia naval. Desde 2005 tem trabalhado com a temática.
Ingressou no mestrado em arqueologia de um naufrágio na costa
pernambucana, em Recife.
1.4. Patrimônio civil rumo às profundezas
Os Estados Nacionais hoje começam a utilizar esse aparato jurídico
como ferramenta para gerenciar a propriedade do espaço e da memória, em
um contexto social que exige sua atuação cada vez mais atenta às
reivindicações da diversidade. Como instrumento de execução da legislação o
Estado confia na palavra das ciências específicas a cada tipo de setor da
sociedade moderna. No caso do patrimônio arqueológico, cabe à arqueologia
trabalhar para sua indicação, preservação e representatividade, o que lhe
concede um papel fundamental nas políticas nacionais da memória e
territorialidade. O papel social e político da arqueologia e as contribuições da
arqueologia pública a essa discussão serão argumentadas durante este
trabalho.
As publicações em arqueologia subaquática nacional mostram uma
maior dedicação em dois aspectos: defesa do patrimônio cultural e
sedimentação da prática entre os pares. O Centro de Pesquisas em
Arqueologia Náutica e Subaquática, encabeçado por Gilson Rambelli, tem
marcado presença fundamental na campanha pela mudança da Lei e por uma
proteção efetiva do patrimônio arqueológico subaquático. Paralelamente,
outros pesquisadores têm buscado realizar trabalhos com caráter mais
35
científico e de representatividade pública, a revelia do descaso Estatal. Como
anunciado no início desta apresentação, alguns desses trabalhos, bem como
outras possibilidades, serão resgatados no último capítulo, dedicado à pensar
sobre a arqueologia pública no caso subaquático.
Eis a situação na qual nos encontramos de profundis.
36
2. Introdução
A situação da arqueologia subaquática brasileira, tal como apresentada,
me levou a buscar como objeto de pesquisa a relação que a disciplina e seus
profissionais têm desenvolvido com o público não arqueológico, em particular
com os mergulhadores recreativos. As arqueologia pública, com sua proposta
de auto-crítica, reflexiva da responsabilidade social do profissional e abertura
para temas relativos à sensibilidade para alteridade à disciplina, pareceu-me a
abordagem ideal para o problema em questão.
À medida que o estudo do tema se aprofundava, comecei a me
interessar cada vez mais pela arqueologia pública e o resultado foi que o texto
final da minha pesquisa ganhou corpo na revisão conceitual da arqueologia
pública no exterior, no Brasil e, conseqüentemente, sua aplicação na
arqueologia subaquática como estudo de caso.
O cerne da minha preocupação, e que me levou a buscar cada vez mais
exemplos de trabalhos de arqueologia pública, pode ser resumido em uma
troca de e-mails com Francisco Noelli (Silva 2010), um dos arqueólogos
entrevistados para este trabalho. Em conversa sobre o significado da
arqueologia pública e sobre o papel que cabia ao arqueólogo entre a
preservação patrimonial e os interesses sociais no presente, Noelli afirma que
não vê o arqueólogo como “negociador”, pois o patrimônio cultural não é
negociável, defendendo que, justamente aí, no momento em que a arqueologia
se insere no debate sobre os diferentes significados do patrimônio, é que
exercemos nosso papel social.
Apesar de estar em pleno acordo com essa perspectiva, e com a idéia
de que podemos contribuir com os significados do patrimônio através das
histórias e narrativas que criamos (Hilbert 2006, Bezerra 2009), não consegui
fugir à problemática do uso do espaço anterior à sua transformação em
patrimônio. Como tentei argumentar na apresentação, “patrimônio cultural” é
tanto um conceito científico quanto ferramenta jurídica, e sua etiqueta pode ou
não ser de interesse social, dependendo de quem seja esse social. A
37
arqueologia, em suas atribuições consultivas sobre a história, deve também
refletir sobre sua atuação na construção de lugares da memória (Nora 1984).
O objetivo deste trabalho pode ser definido como buscar na arqueologia
pública, conceito de gênese internacional, sugestões e exemplos que possam
levar à reflexão da prática arqueológica em contexto nacional, tendo como
estudo de caso a arqueologia subaquática nacional. Rumo ao desenvolvimento
desse tema, meu texto ficou dividido em três capítulos.
O primeiro visa construir um campo conceitual do termo “arqueológica
pública” e buscar dificuldades e soluções apresentadas por essa abordagem
em trabalhos cujo foco seja a relação entre arqueologia e o público leigo. Meu
entendimento da arqueologia pública fica bem marcado pela perspectiva que
ganha nos anos 1980, sob influência da arqueologia interpretativa.
O segundo capítulo tenta abordar, primeiramente, a relação de filiação
da disciplina arqueológica com o Estado nacional brasileiro e o uso que o
conhecimento arqueológico pode adquirir como consultoria para políticas
públicas, em especial, após a publicação da Resolução CONAMA nº 001/86,
que obriga a execução de estudos de impacto sobre o patrimônio arqueológico
em processos de licenciamento ambiental. Em sequência, faço uma breve
análise de alguns trabalhos de arqueologia pública, com o propósito de refletir
sobre a aplicação desse conceito no contexto nacional.
O terceiro e último capítulo pretende pensar os conflitos que cercam a
arqueologia subaquática nacional, através das propostas da arqueologia
pública. De início, discuto a legislação específica para a preservação do
patrimônio submerso nacional e seu caráter quase predatório sobre o mesmo
patrimônio que deveria proteger. Em seguida, uma breve análise de artigos
escritos por mergulhadores recreativos e publicados em periódicos
direcionados ao mergulho recreativo, me permitiu tecer argumentos sobre o
interesse desse público específico em vestígios materiais submersos.
Finalmente, uma discussão sobre os modos encontrados por profissionais da
área para concatenar os esforços preservacionistas e a apreciação desses
vestígios no mergulho recreativo, com especial atenção ao turismo
38
arqueológico submerso. Finalmente, tentei esboçar como o turismo submerso e
a prática arqueológica pode impactar na vida de comunidades costeiras, tema
que está praticamente ausente da literatura especializada em arqueologia
subaquática. Cabe lembrar que essa mesma lacuna na literatura me levou a
entrevistar vários arqueólogos subaquáticos em busca de suas experiências
não publicadas. Essas entrevistas aparecem, em sua grande maioria, na
“Apresentação” e no capítulo final.
39
3. Capítulo 1 - Arqueologia Pública Internacional
Na apresentação procurei argumentar em especial sobre dois pontos. O
primeiro é sobre a responsabilidade social do arqueólogo auferida pelas novas
políticas do patrimônio sugeridas nas convenções e recomendações
internacionais. Não podemos esquecer de que essas políticas são fruto de
mudanças ocasionadas por movimentos sociais posteriores à Segunda-Guerra,
como argumentarei brevemente neste capítulo. O segundo ponto foi o percurso
da arqueologia subaquática nacional, com especial atenção em sua luta pela
preservação do patrimônio subaquático brasileiro. Seu discurso de proteção de
um patrimônio civil em nome do aproveitamento coletivo, e conflito com as
partes que tendem a usufruí-lo como um bem privado (exploração de seu valor
de mercado) me levaram a pensar a arqueologia pública como conceito
fundamental para refletir sobre sua atual situação. Encontrei na arqueologia
pública um campo de debates rico para ponderar sobre a atuação social da
arqueologia e a necessidade de diferentes estratégias para atuar em prol do
patrimônio e da diversidade cultural.
Meu propósito com esse capítulo foi fazer da arqueologia pública um
objeto de estudo crítico, analisar suas possibilidades, aplicações e significados,
antes de poder usá-la como carro chefe em reflexões posteriores. A medida
que comecei a atentar para a concepção de arqueologia pública que
preponderava na arqueologia brasileira (educação patrimonial e
aproveitamento econômico do sítio arqueológico), fui tomado pelo interesse de
aprofundar minhas leituras sobre a arqueologia pública e suas referências
conceituais no exterior. Por fim, encontrei usos e aplicações do termo que vão
muito além do que se costuma ver no Brasil. Assim como espero contribuir
para a prática da arqueologia subaquática nacional, este primeiro capítulo e
sua seqüência foram pensados a fim de contribuir com o estudo geral da
arqueologia pública em nosso país. Espero fazer jus aos esforços dos
pesquisadores que me antecederam na aplicação deste conceito ao caso
nacional.
40
As perguntas que me guiaram pelo texto que segue foram basicamente:
O que seria exatamente arqueologia pública? Qual a extensão de seu sentido?
Como ela tem sido usada fora do Brasil?
Esse capítulo percorre três pontos principais. Primeiro fui à busca da
antiguidade do conceito e suas primeiras acepções, para seguir pelas
diferentes influências sofridas através dos anos, terminando com uma análise
de suas acepções modernas. Em segundo lugar, dedico um item à influência
da arqueologia interpretativa na virada conceitual da arqueologia pública, como
aproveito para deixar expressa minha afinidade com essa corrente. Finalmente
segue um item mais longo sobre diferentes acepções de arqueologia pública.
Apesar de ter dado preferência pela bibliografia de língua inglesa, por ser o
espaço de origem e de maior aplicação do conceito, alguns textos e
comentários sobre experiências na America Latina ou Brasil não foram
deixados de lado. Pretendo, no entanto, explorar mais a bibliografia sobre
arqueologia pública brasileira no próximo capítulo.
3.1. Entre o civil e o Estado
O atual interesse pela arqueologia pública surgiu de suas atribuições
mais recentes, entre as quais se vê que
O campo da arqueologia pública é relevante porque estuda os processos e resultados através dos quais a disciplina de arqueologia se torna parte de uma cultural pública mais ampla, onde contestação e dissonância são inevitáveis. (Merriman, 2004, p. 5).
A arqueologia pública me chamou atenção como ferramenta teórica e
postura política frente a situações que são inevitavelmente encontradas na
carreira do arqueólogo: conflito. A profissão do(a) arqueólogo(a) o(a) coloca em
uma posição delicada, pois tange realidades materiais que são sempre repletas
de vivências e significados sociais. O que para nós é um sítio arqueológico,
para grupos indígenas pode ser um lugar de valor espiritual e que garante o
clamo à terra, um incômodo para proprietários rurais não indígenas;
possibilidades de lucro para operadoras de turismo, paisagem para um bom
piquenique ou para o tédio; uma fonte de inspiração artística ou de estudo
41
colegial; um furo jornalístico ou empecilho para o desenvolvimento de
empreendimentos de engenharia (Colley 2002).
O propósito da arqueologia pública – ao menos a vejo dessa forma –
não é aniquilar a disciplina tendo em vista sua presença como “estrangeira”, e
muitas vezes ameaçadora, ao espaço onde trabalha. Mas sim reconhecer essa
posição particular como mais uma dentre as diversas outras possíveis sobre a
mesma paisagem16, e pensar como pode se relacionar com elas, de modo a
cumprir seu objetivo (seja um licenciamento ambiental ou uma pesquisa sobre
a ocupação indígena do Brasil) conjuntamente com os objetivos alheios.
Essa abordagem nos permite trabalhar com a multiplicidade de enfoques
que se vinculam ao termo em questão: divulgação, melhores relações com
meios midiáticos, sítios arqueológicos e revitalização econômica, valorização
de culturas ditas tradicionais, arqueologia e turismo, gestão de patrimônio
arqueológico, arqueologia e legislação, quebra de cientificismo da disciplina...
Enfim. Em vista dessa multiplicidade, dessa diversidade de regras que estão
sendo propostas para se praticar a arqueologia, acreditei que seria interessante
iniciar pela exploração conceitual dessa peculiar combinação de vocábulos.
De fato, trata-se um questionamento que partiu não somente de minha
curiosidade, mas de curiosidades alheias. Em todas as ocasiões que me
perguntaram de que tratava minha dissertação, costumava responder “trabalho
com arqueologia pública e arqueologia subaquática”. Interessante foi observar
que a expressão de dúvida aparecia tanto no rosto de arqueólogos quanto de
não arqueólogos. “Como assim arqueologia pública, arqueologia do Estado?”,
“Arqueologia dos espaços comuns?” Também por essa razão coube-me iniciar
por esse capítulo, respondendo às demandas mais freqüentes.
Segundo Tim Schadla-Hall,
(...) o termo ‘arqueologia pública’ primeiramente recebeu ampla atenção com a publicação de Charles R. McGimsey III, Arqueologia Pública em 1972. Esse volume, que recebeu
16
Considero como paisagem “a arena na qual e através da qual a memória, identidade, ordem social e
transformação são construídas, encenadas, reinventadas e transformadas” (Knapp & Ashmore 1999).
42
algum reconhecimento no Reino Unido e Europa na época, foi escrito ‘com dois públicos em mente... colegas de profissão... e o crescente número de legisladores e demais cidadãos que estão se tornando cada vez mais preocupados com a proteção dos sítios arqueológicos de seus estados’ (McGimsey1972: xiii) (Schadla-Hall, 1999, p. 147-8).
Do apontamento feito por Schadla-Hall, podemos, primeiramente,
atentar para sua origem nacional. O termo “arqueologia pública” surgiu do
inglês “public archaeology”. Como qualquer tradução, as tramas a serem
cruzadas de um significado ao outro sempre trazem seus perigos. Pedro Paulo
Funari e Erika Robrahn-González já chamaram a atenção para um desses
perigos:
No Brasil, a expressão Arqueologia Pública, surgida em âmbito
anglo-saxão, ainda é nova e pode levar a confusão. De fato,
público, em sua origem inglesa, significa “voltada para o
público, para o povo” e nada tem a ver, stricto sensu, com o
sentido vernáculo de público como sinônimo de estatal (Funari
& Robrahn-González, 2006, p.3).
Essas diferenças não aparecem tão marcantes nas definições fornecidas
pelos dicionários. O vocábulo em inglês “public”, visto como um adjetivo
(referente ao substantivo “arqueologia”):
1. pertencente a, ou relativo a população ou a comunidade como um todo: fundos públicos; incômodo público. 2. feito, construído, provindo de ação, etc., para a comunidade como um todo: acusação pública. 3. aberto a todas as pessoas: uma reunião pública. 4. da, pertinente a, ou estando a serviço da comunidade ou nação, especialmente um oficial do governo: um oficial publico. 5. custeado por financiamento publico e sob controle publico: uma biblioteca pública; uma estrada pública17.
17 Para tentar ser um pouco mais profícuo frente aos problemas de tradução supra-citados, coloco aqui o original em inglês da bibliografia: “1. of, pertaining to, or affecting a population or a community as a whole: public funds; a public nuisance. /2. done, made, acting, etc., for the community as a whole: public prosecution. /3. open to all persons: a public meeting. /4. of, pertaining to, or being in the service of a community or nation, esp. as a government officer: a public official. /5. maintained at the public expense and under public control: a public library; a public road. /6. generally known: The fact became public. / 7. familiar to the public; prominent: public figures. / 8. open to the view of all; existing or conducted in public: a public dispute. / 9. pertaining or devoted to the welfare or well-being of the community: public spirit. / 10. of or pertaining to all humankind; universal”.
43
6. de conhecimento geral: o fato tornou-se público 7. familiar ao público; proeminente: figuras públicas 8. aberto a vista de todos; que existe ou é conduzido em público: uma disputa publica 9. pertencente ou dedicado ao bem-estar da comunidade: espírito público 10. de ou pertencente a toda a humanidade; universal. (Dictionary.com 2010).
Enquanto que o vocábulo em português, “público”:
1. relativo ou pertencente a um povo, a uma coletividade 2. Relativo ou pertencente ao governo de um país, estado, cidade etc. Ex.: poder p., funcionário p. 3. Que pertence a todos; comum. Obs.: p. 43pôs. A privado. Ex.: lugar p. 4. Que é aberto a quaisquer pessoas. Ex.: conferência p., audiência p. 5. Sem caráter secreto; manifesto, transparente. Ex.: debate p. 6. Universalmente conhecido. (Houaiss 2010).
De fato, as semelhanças entre as entradas para cada um dos vocábulos
nessas duas línguas diferentes não dão conta das sutilezas que nossa
percepção cotidiana pode trazer desses termos. Por exemplo, se eu citar
“interesse público pela arqueologia”, a impressão transmitida seria de
“interesse do Estado pela arqueologia”, “questões políticas envolvendo a
arqueologia”, enquanto que, em diversos textos em inglês, essa expressão
(public interest for archaeology) faz referência aos interesses leigos que
cercam a disciplina.
A segunda observação que pode ser feita sobre sua origem é no aporte
conceitual. Schadla-Hall defende que o cerne desse novo termo que passa a
existir vem de outros existentes ainda hoje, mas que já haviam feito sua
aparição anteriormente ao termo “arqueologia pública”.
McGimsey estava, acima de tudo, preocupado com o manejo dos recursos arqueológicos, e a possibilidade de uma legislação combinada com programas de preservação, bem planejados e sérios, que pudessem proteger os recursos arqueológicos para o futuro. Desde o final dos anos 1960, o termo CRM18 (Manejo de Recursos Culturais) tornou-se cada
18 Do original em inglês “Cultural Resource Management”.
44
vez mais freqüente – e consequentemente os termos ARM19 (Manejo de Recursos Arqueológicos) e AHM 20 (Manejo de Patrimônio Arqueológico) passaram a ser mais usados. (Schadla-Hall, op. Cit., p. 148).
Cabe aqui um breve esclarecimento. De acordo com Ricardo Elia (1993),
a principal diferença entre Manejo de Recursos Culturais e Manejo de
Recursos Arqueológicos é basicamente sua amplitude e nacionalidade. O
termo “Cultural Resources” (Recursos Culturais) e “Cultural Resource
Management” são mais utilizados nos Estados Unidos como referente aos
sítios arqueológicos e patrimônio edificado (monumentos, edifícios). Enquanto
que o termo “Archaeological Heritage” (Herança/Recursos Arqueológica(os)) e
“Archaeological Heritage Management” são mais comuns na Inglaterra e
abordam com um viés predominantemente, embora não necessariamente,
arqueológico, deixando de lado o patrimônio arquitetônico (Elia 1993).
A arqueologia pública, afinal, nasce no contexto norte-americano como
uma referência às políticas de governo para a preservação do patrimônio
arqueológico. Não como ironia à sua compreensão de “voltada para o povo”,
pois se trata de uma postura em que a atuação do Estado como protetor do
patrimônio cultural é guiada pela ideologia de que ele próprio representa os
interesses gerais da população (Merriman 2004a). Sua voz fala por todos. Da
mesma maneira, o contexto arqueológico americano dos anos 1970 lida com o
passado (e presente) humano deixando de lado as diferenças entre homens e
mulheres de todo mundo, como uma postura condizente com o capitalismo
globalizante do país mais poderoso do mundo (Zarankin 2010 – com. pessoal)
e como uma postura filosófica de repulsa aos genocídios do Holocausto (Colley
2002).
Na busca de mais leituras, encontrei alguns poucos artigos americanos,
australianos e ingleses das décadas do final dos anos 1970 que fizessem
alguma menção ao termo “arqueologia pública”, numa tentativa de melhor
compreender qual sua situação conceitual no momento em que, como foi
19 Do original em inglês “Archaeological Resource Management”. 20 Do original em inglês “Archaeological Heritage Management”.
45
colocado por Tim Schadla-Hall, “arqueologia pública” teria recebido “ampla
atenção”.
Brian Fagan possui um artigo publicado em 1977 na American Antiquity
entitulado “Teaching archaeology to the great loving public”. Seu enfoque está
na educação e acusa de incapacidade o atual sistema de formação de
profissionais, que não consegue desvincular a disciplina arqueológica das
fantasias da “arqueologia alternativa”. O que aqui tomo como “arqueologia
alternativa” será tratado com um pouco mais profundidade adiante, inclusive
por se tratar de um fenômeno que perdura até a contemporaneidade, e reflete
a separação que existe entre a prática acadêmica da arqueologia e as distintas
visões do passado que são produzidas pelo público leigo, ou, no caso,
“amador”. “(...) o interesse público pela arqueologia ainda está entre nós, e de
fato está levantando, numa onda de escapismo, sérias indagações intelectuais,
caçada de potes e loucuras absolutas.” (Fagan 1977, p. 119).
A relação entre o público não acadêmico e arqueologia sempre foi uma
preocupação existente e constante. Mas o que está em jogo no artigo de Fagan
parece ser uma simpatia pelo público leigo ao mesmo tempo em que toma uma
postura paternalista frente à “arqueologia amadora”. Por um lado, ele faz clara
sua crítica de que
(...) a maioria deles [cursos introdutórios de arqueologia] são um convite ao estudante para adentrar um “grupo seleto” que sabe sobre arqueologia, a se tornar membro de um clube fracamente exclusivo, e demasiado especializado. (Fagan 1977 p. 121).
Por outro, menciona as “porcarias que os ingressantes devem ter lido na
National Geographic” (Fagan 1977, p. 120) e afirma que “o que é importante,
contudo, é que o conhecimento arqueológico que você ganhou com sua
experiência de pesquisa ajude-o a formar uma perspectiva intelectual sobre a
pré-história que seja útil para seus alunos.” (Fagan 1977, p. 123).
O texto de Brian Fagan não trata o público leigo de modo desrespeitoso,
mas de modo, talvez, infantil. A visão de arqueologia com a qual ingressam na
academia os estudantes, pode ser um pouco deturpada ou mesmo perigosa de
46
ser mantida dentro da cabeça de futuros pensadores, mas não deve ser
ignorada. É partindo dessa ideologia inicial que a arqueologia deve fazer-se
mais instigante e mais interessante, pois só o excitamento do exercício
intelectual pode levar os iniciados ao caminho dos mestres. Ao fim, o propósito
do esforço de Fagan parece estar bem explícito na passagem:
Mas será que concentramos suficientemente nosso entusiasmo em nossa clientela última – o público e o estudante leigo? Não deveriam eles também compartilhar de nosso entusiasmo? Esse sempre permanecerá como um dos derradeiros desafios da arqueologia, um dos quais poucos de nós temos considerado com o devido cuidado e tempo que o futuro de nossa disciplina necessita. (Fagan 1977, p. 124)
Nesse artigo, fica marcada a necessidade apresentada por Fagan de
desenvolvimento de uma relação mais compreensiva entre o arqueólogo e o
público leigo, interessado em suas práticas. Afinal, é justamente desse público
que vêm os interessados que irão continuar as obras de seus tutores. O
número crescente de estudantes nos cursos de introdução à arqueologia em
seu tempo está repleto de indivíduos que pretendem na arqueologia um
engrandecimento de sua experiência intelectual (Fagan 1977, p. 120). A meu
ver, essa “experiência intelectual” é extremamente relevante pois tange em um
ponto que me parece claro sobre essa proposta relacional entre arqueólogos e
não-arqueólogos: nem todo mundo quer ser arqueólogo; muitos apenas se
interessam pelo que fazem os arqueólogos. Como afirma Fagan, o Clube é
seleto, e nem todos possuem o desejo de ingressar. No entanto, não significa
que não existam desejos individuais e coletivos sobre o que o arqueólogo faz,
sobre o passado, sobre vestígios humanos, sobre aventura.
Gostaria antes de trazer dos textos de McGimsey e Fagan as razões
pelas quais partem para o questionamento da prática arqueológica de seu
tempo: a destruição maciça de sítios arqueológicos.
Hester Davis foi também uma importante antropóloga americana, com
diversas publicações na década de 1970 sobre o perigo de destruição do
patrimônio material indígena nacional. Em 1972, publicou um pequeno artigo
na revista Science (ainda hoje um dos mais prestigiados e populares periódicos
científicos do mundo) em que pretendia sintetizar as principais aflições da
47
arqueologia americana. De acordo com ela, “a crise atual possui duas causas
paralelas: (i) o ritmo de destruição, considerando que o número absoluto de
sítios que são destruídos continua a crescer, e (ii) fundos para resgate de
dados essenciais não estão aumentando.” (Davis, 1972, p. 267).
No mesmo ano da publicação de McGimsey, Hester Davis apresenta
essa crítica contundente ao ritmo acelerado de crescimento dos projetos de
“desenvolvimento” que destroem, em sua passagem, vestígios arqueológicos
importantes para a compreensão do passado indígena americano, para não
dizer de toda a humanidade.
Segundo Davis, nos anos 1920 e 1930 já era percebido pela arqueologia
o ritmo com que eram destruídos os sítios arqueológicos por atividades “não
arqueológicas” (Davis 1972 p. 267). No entanto, somente nos anos 1960 o
governo começou a criar políticas de gestão e leis de proteção do patrimônio
arqueológico.
John Jameson Jr. possui um artigo na edição de Nick Merriman (Public
Archaeology), não dos anos 1970, mas que trata do mesmo problema, o
crescimento da preocupação pública da arqueologia no cenário americano. De
acordo com ele, a idéia de Manejo de Recursos Culturais teria surgindo nos
anos 1930, quando da implementação de trabalhos arqueológicos na gestão de
grandes empreendimentos.
O fluxo de informação advindo projetos de licenciamento21 dos anos 1930, junto com os ambiciosos programas das bacias fluviais dos anos 1940 e 1960, alertou tanto o público quanto a comunidade científica para a magnitude de pesquisa e o potencial de informações perdidas pela construção descontrolada e desenvolvimento (Jameson Jr. 2004, p. 30).
São dessa época: (i) o Ato de Resgate de Represas22 de 1960; o Ato
Nacional de Preservação Histórica 23 de 1966, alegando que aos vestígios
21
No original, relief projects. Pelo contexto, pode-se inferir que tratem de projetos de licenciamento e
análise de potencial natural e cultural, bem como de impacto, num momento em que esses projetos não
eram necessariamente de obrigatoriedade do Estado.
22 Do original em inglês “Reservoir Salvage Act”, lei 86-523.
23 Do original em inglês “National Historic Preservation Act”.
48
materiais elegíveis pelo Registro Nacional deve ser prestado os devidos
cuidados; (ii) o Ato de Política Ambiental Nacional24 em 1969, exigindo a devida
atenção à vestígios arqueológicos frente a uma situação de impacto ambiental;
(iii) uma ordem presidencial, “Proteção e melhoramento do ambiente cultural”25,
de 1972, estabelecendo a demanda de que em todas as terras do Estado
sejam verificadas a presença de vestígios arqueológicos (Davis 1972, p. 268;
Raab et alii 1980, p. 540-541); e (iv) o Ato de Preservação Histórica e
Arqueológica 26 de 1974, estabelecendo um mecanismo de salvamento de
vestígios arqueológicos sob eminente destruição por obras federais (Raab et
alii 1980, p. 541).
Jameson Jr. coloca essas leis como de extrema relevância para a
constituição do aparato jurídico de preservação do patrimônio arqueológico
nacional, e suas criações aumentaram consideravelmente o investimento em
trabalhos arqueológicos e manejo de recursos culturais (Jameson Jr. 2004).
Em especial, o Ato Nacional de Preservação Histórica que cria
as fundações para um sistema de proteção de recursos centrado no Registro Nacional de Lugares Históricos, autorizou a criação do Conselho Consultivo do Presidente em Preservação Histórica, permitiu o estabelecimento de Marcos Históricos Nacionais, e proveu um mecanismo para o desenvolvimento de programas de preservação a nível estadual (Jameson Jr. 2004, p. 30).
O Registro Nacional de Lugares Históricos seria o “Livro do Tombo” para
a preservação de recursos culturais nos EUA. Como lembra a arqueóloga
americana Mary Beaudry, “Se você não está nele [Registro Nacional], você é
irrelevante” (Beaudry 201027, com. pessoal).
Em 1966, o governo americano aprova o Ato do Departamento de
Transportes que prevê a realização de prospecções e trabalhos de campo em
24
Do original em inglês “National Environmental Policy Act”. 25
Do original em inglês “Protection and enhacement of the cultural environment”, ordem exectuiva nº 11593, 13 de maio de 1972) 26
Do original em inglês “Archaeological and Historical Preservation Act”.
27 Informação fornecida por Beaudry durante curso em Belo Horizonte, em 2010.
49
propriedades listadas no ou elegíveis para o Registro Nacional (Jameson Jr.
2004).
Vimos, já na apresentação anterior, como os anos 1960 e 1970 foram
igualmente um momento de expansão das leis internacionais pela preservação
do patrimônio edificado e arqueológico. Enquanto a Europa enfrentava um
momento de reconstrução de sua estrutura devastada por duas guerras
mundiais, a América passava por um momento de expansão urbana e
modernização, tanto no Norte quanto no Sul (como a construção de Brasília
durante os anos 1950).
Hester Davis aponta para três maneiras de destruição dos sítios
arqueológicos: construção de obras de grande porte, preparo de terra na
agricultura e “caça ao tesouro” (Davis 1972). Em uma de suas edições do
“Fórum de arqueologia pública” no periódico Journal of Field Archaeology,
apresenta o caso Venezuelano que nos fornece também outros casos no
Uruguai, Argentina e Brasil (Wagner 1987). Sua principal crítica é ao
desenvolvimento acelerado de grandes empreendimentos irresponsáveis do
patrimônio arqueológico nesses países. Assim como em Davis, esses
empreendimentos, combinados com a “huaquería” 28 , formam os principais
problemas de preservação do patrimônio arqueológico latino-americano.
Retomando a ressalva de Funari e Robrahn-González (2006), quanto às
sutilezas que cercam os significados deste mesmo significante, no inglês e no
português, percebe-se que, na bibliografia arqueológica da época de seu
surgimento, em especial nas nações de sua concepção, a referência feita à
arqueologia pública é a de um grito às políticas públicas de governo para a
preservação de um patrimônio material que pertence ao público, a todos, e que
se vê ameaçado por grandes empreendimentos e por traficantes ou
colecionadores de antiguidades. Mais adiante, veremos que a mudança do
conceito de “arqueologia pública” acompanha variações na compreensão de
quem é esse “público” é como o Estado nacional com suas políticas públicas
podem representá-lo. Até esse momento, penso que a principal contribuição da 28
Termo em espanhol para se referir aos traficantes de antiguidades.
50
comunidade arqueológica em relação ao patrimônio cultural e sua
representatividade social é a oposição feita, e conquistada na lei, entre o
“público” e o “privado” (Sennet 1989).
De fato, volto à referência feita à Tim Schadla-Hall sobre a pouca
reflexão que faziam os “arqueólogos públicos” das necessidades de outros
grupos sociais que não estavam necessariamente representados nos direitos
cívicos. “Embora o propósito é servir o público, ele parece não ter nenhum
papel definido no processo – a visão do arqueólogo aparece como supremo.”
(Startin, 1995 apud Schadla, op. Cit., p. 149).
Existem autores que mencionam a importância da luta patrimonial em
nome dos povos indígenas. Mark Raab et alii (1980) escrevem sobre os
problemas de uma prática arqueológica surgida nesse período de
intensificação de obras públicas, “arqueologia de contrato”.
Informação científica trocada como mercadoria dentro dos limites de estreitas relações comerciais ou profissionais também ignora o interesse específico dos Nativo-Americanos (Johnson, 1977; Grady 1977:263-264) e de outros segmentos do público. A maior parte dos registros arqueológicos sendo investigados é de origem indígena. É incongruente que a história de um povo seja vista como informação passível de propriedade, especialmente por antropólogos. Nativo-Americanos têm um poder cada vez mais forte para barrar uma investigação arqueológica caso não estejam entre os beneficiários. Alternativamente, eles podem ser adeptos muito úteis da arqueologia de contrato se lhes for permitido o aproveitamento dos resultados arqueológicos. (Raab et alii, 1980, p. 548-549)
Na Austrália, R. P. Robins e G. L. Walsh fazem um comentário similar
quando defendem a devida tomada de iniciativa governamental para a
necessária alteração da legislação de defesa do patrimônio arqueológico.
Enquanto arqueólogos ao redor da Austrália estão cientes de suas responsabilidades com os sentimentos Aborígenes sobre seus parentes falecidos, em áreas onde não há mais Aborígenes para falar por ou proteger os enterramentos de casca de árvore uma política efetiva de manejo é necessária. (Robins; Walsh, 1979, p. 70).
51
Sarah Colley menciona que a arqueologia australiana, nascida dos
estudos do passado indígena anterior ao contato com os europeus29, entra em
choque com reivindicações indígenas desde os anos 1960 e 1970, quando a
luta por maior representatividade política e direito à terra começa a ter respaldo
na publicação de políticas de proteção ao patrimônio indígena e de respeito à
seus modos de vida (Colley 2002). Veremos mais exemplos dessa situação
mais adiante no trabalho.
A arqueologia pública até começo dos anos 1980 era compreendida
como uma luta pela preservação do patrimônio arqueológico material como um
bem cívico30, pelo qual deveriam zelar as forças políticas do Estado. Mais uma
vez, retomo os questionamentos articulados no primeiro capítulo sobre a
representatividade e hereditariedade do patrimônio arqueológico. Quem é
exatamente a conformação desse corpo cívico? Como as políticas públicas
representariam os interesses dos diversos grupos humanos englobados, em
teoria, pela representatividade Estatal? O patrimônio arqueológico deve ser
protegido também pelo bem dos Nativo-Americanos, mas qual o interesse
específico desses Nativo-Americanos e Australianos pelo sítios arqueológico?
Como eles interpretam esses sítios arqueológicos? Seria a mesma coisa que
os arqueólogos?
Em suma, nos anos 1960 e 1970 diversas leis internacionais e nacionais
(como vimos o caso dos EUA e veremos o caso brasileiro no capítulo seguinte)
foram promulgadas, e deve-se muito ao esforço de comunidades profissionais
sobre respectivos governos. Esses questionamentos não representavam ainda
o peso necessário dentro das discussões de patrimônio arqueológico,
entendido em seu princípio como um bem de caráter humanista e global.
Posteriormente, esse caráter global começará a ser destrinchado e indagado
sobre seu poder de alcance das diversidades étnicas e sociais. Vale ressaltar,
mais uma vez, a importância que esse aparato jurídico atribui á disciplina
29
Como também o foi nos EUA (Jameson Jr. 2004; Bahn & Renfrew 1998).
30 Vale lembrar da distinção entre cívico e étnico feito por Díaz-Andreu anteriormente. Nesse caso, uso o
termo “cívico” para referir-me à postura do Estado como “gestor de bens comuns”, e não mais aquele “pai de uma etnia nacional”.
52
arqueológica e define-lhe um novo espaço dentro das políticas de estado
contemporâneas.
3.2. Pós-processualismo e novos olhares
Os anos 1980 representaram, para a arqueologia, uma etapa no
surgimento de novas propostas, sugestões e revoluções interpretativas da
cultura material. De origem inglesa, o chamado pós-processualismo inseriu-se
na Academia com novas propostas teóricas e amplitudes temáticas
anteriormente inexistentes ou suprimidas: gênero, identidade, simbolismo,
colonialismo, oprimidos e poder (Trigger 2004; Johnson 2000). O retorno às
perspectivas históricas e a adoção de abordagens marxistas advindas do
revisionismo da Escola de Frankfurt marcaram fortemente os trabalhos da nova
trupe anglo-americana que encabeçou a arqueologia pós-processual (Trigger
2004). “Nos anos 1980 a arqueologia viu a emergência gradual de estudos
preocupados em interpretar significados culturais no passado que envolvessem
questões de poder e dominação, história e gênero.” (Hodder, 1999, xiii).
As discussões sobre a episteme, legitimidade e multiplicidade dessa
nova perspectiva são inúmeras, e não me cabe aqui colocá-las em tamanha
totalidade. Meu interesse em relevar as propostas interpretativas, como são
hoje mais evocadas, é em buscar a abertura temática e teórica rumo às
discussões da responsabilidade social do arqueólogo, de seus impactos sobre
o presente e ética profissional.
O início dos trabalhos ditos pós-processuais foi marcado por uma
oposição forte de autores britânicos aos trabalhos da arqueologia antropológica
americana denominada “Nova Arqueologia” (bem como a arqueologia analítica
do britânico David Clarke). As propostas da Nova Arqueologia, ou arqueologia
processual, foram construídas em contraponto ao excessivo historicismo e
seriação que preponderava na arqueologia européia até os anos 1960
(conhecida como histórico-cultural) (Trigger, 2004). O processualismo,
metodologia embasada nas “hard sciences”, considerando a sociedade como
homogênea e a cultura material como seu fiel reflexo, propunha a possibilidade
53
de conhecer com precisão processos humanos de comportamento no passado
que fossem passíveis de certa generalização (Shanks & Hodder 1998).
Certamente, a arqueologia processual possui seus méritos
metodológicos. No entanto, me aproximo mais da arqueologia pós-processual
pois ela “não precisa mais ser ‘nova’ e unidirecional, apresentando uma frente
unificada. Ela possui a maturidade para permitir o desvio, a controvérsia e a
incerteza” (Hodder 1999).
Assim, um dos rompimentos que mais me atrai no pós-processualismo é
justamente a frente que faz ao cientificismo do processualismo. Em sua afronta,
o pós-processualismo inaugura a liberdade das subjetividades dentro da
arqueologia.
As doutrinas e valores da “nova” arqueologia estão sob processo de desmantelamento; para muitos eles nunca foram aceitáveis. Livros tais como Symbols in Action de Ian Hodder (1982b), The Evolution of Social Systems (Friedman and Rowlands (eds.) 1978), Symbolic and Structural Archaeology (Hodder (ed.) 1982), e Ideology, Power and Pre-history (Miller and Tilley (eds ) 1984) tem demonstrado o valor e importância de novas orientações de pesquisa para a análise das relações entre práticas sociais e padrões de cultura material. (Shanks; Tilley 1992, p. 1).
Dentre as inúmeras influências que agiram sobre o pós-processualismo,
vou me resumir à citação de algumas que me parecem as mais centrais. Bruce
Trigger defende que o retorno às perspectivas históricas e a adoção de
abordagens marxistas advindas do revisionismo da Escola de Frankfurt
marcaram fortemente os trabalhos da nova trupe anglo-americana que
encabeçou a arqueologia pós-processual (Trigger, 2004). De acordo com Mark
P. Leone, Parker Potter Jr. e Paul Shackel (1987), “arqueólogos são
convidados a considerar a teoria crítica, entre outros motivos, pelo fato de que
interpretações arqueológicas apresentadas ao público podem adquirir
significados não intencionados pelo arqueólogo e não encontrados nos dados”
(p. 284). Entre as diversas propostas da arqueologia crítica está a
desmistificação do trabalho arqueológico, encarado como ideologia, através da
exposição aberta de todos os seus processos, deixando à clara vista os
métodos de análise e construção do conhecimento (Leone et alli 1987).
54
A influência do pós-modernismo e do pós-estruturalismo francês também
foi marcante nas novas propostas da arqueologia dos anos 1980. Matthew
Johnson nos dá um excelente panorama das propostas revisionistas
apresentadas pela “condição pós-moderna”.
A “condição pós-moderna” foi definida pelo filósofo francês François Lyotard como de incredulidade às metanarrativas. Lyotard sugere que a condição pós-moderna é o que caracteriza o conhecimento nas sociedades capitalistas ocidentais. Uma metanarrativa é um discurso sério que se apresenta como reivindicação à posse de uma verdade absoluta. (Johnson, 2000, p. 201).
Ela visa à desconstrução dessas metanarrativas que “se apresentam”
como detentoras da verdade absoluta e, conseqüentemente, do poder de
manejo das realidades sociais. A ciência é uma dessas metanarrativas e na
Academia segue-se o questionamento da disciplinaridade como produtora de
visões oficiais e superiores sobre as realidades sociais no presente e no
passado (Johnson, 2000). Cabe aqui assinalar três concordâncias entre o pós-
modernismo e o pós-processualismo essências para minha argumentação.
Primeiro, “a perda de confiança na Ciência, a crítica ao essencialismo, a
ênfase na diversidade de leituras e a dificuldade de fixar-se em um significado”
(Johnson 2000, p. 206). Segundo, o questionamento sobre a segurança
metodológica da disciplina: seria a arqueologia uma disciplina com métodos tão
específicos, distinta de suas similares nas ciências humanas? E terceiro,
O pós-modernismo sugere que exista um comprometimento com outras formas de conhecimento fora da esfera do que tradicionalmente se conhece como “arqueologia” ou “ciência”. (…) Não podemos simplesmente continuar escrevendo sobre o passado como “pensamos que deve ter ocorrido”, independentemente do presente. De fato, devemos atender ao contexto social, político e cultural da arqueologia (Johnson 2000, p. 206-207).
Essa preferência por uma posição política ao invés de uma suposta
neutralidade científica é uma das contribuições que mais me interessam do
pós-modernismo. A possibilidade de abrir a caixa-preta e mostrar seu complexo
funcionamento (Latour 2000) permitindo aí a inclusão de outros discursos no
fazer arqueológico é um meio de lidar com as situações de conflito, de
55
democratizar as formas oficias de construção de conhecimento, de dar voz a
setores sociais antes silenciados. O pós-processualismo parte do pressuposto
de que a ciência não nos traz a verdade, mas sim uma das possíveis
perspectivas sobre o objeto estudado, sendo assim subjetiva e aberta a
revisões (Shanks & Hodder 1995, p. 3).
No final dos anos 1990 e começo dos anos 2000, a arqueologia pós-
processual assume uma nova postura. Em 1995, Michael Shanks e Ian Hodder
publicam um texto em que tentam remanejar a imagem do pós-processualismo,
de maneira que passe a evocar mais as “maneiras correntes de pensar em
arqueologia” do que a oposição entre duas tendências. Assim, sugerem o
conceito “arqueologias interpretativas”, já que o interesse do artigo é pela
“interpretação em arqueologia” (SHANKS & HODDER 1998, p. 3).
O passado, mesmo quando foi presente, nunca se apresentou de
maneira homogênea, assim como tampouco se apresenta padronizado nos
dias de hoje. “A história é uma bagunça” (SHANKS & HODDER 1998, p. 9), o
cotidiano do passado é polissêmico, defendem os autores, e, portanto, cheio de
incertezas, conflitos e possibilidades. Citarei aqui apenas dois exemplos de
como a arqueologia interpretativa traz preocupações que são características da
arqueologia pública.
Um deles me foi indicado e pode ser encontrado numa obra igualmente
marcante entre as produções de arqueologia na pós-modernidade. Janet
Spector possui um artigo no livro Engendering Archaeology (“Colocando
gênero na arqueologia”), editado por Margaret W. Conkey e Joan M. Gero.
Nesse texto (What this Awl means – “O que este furador31 significa?”) (Spector
1991), a autora nos apresenta, como define, o desenvolvimento de seu método
de escrever arqueologia: de seus questionamentos sobre uma possível
arqueologia feminista aos questionamentos sobre uma arqueologia demasiado
colonialista.
31
Em inglês, o termo “awl” significa “um instrumento com ponta para perfurar pequenos buracos em
couro, madeira, etc.” (Dictionary.com 2010).
56
Seu primeiro interesse foi tentar descobrir a que ponto podemos
enxergar, e a que ponto se pode preservar, relações de gênero na cultura
material. Para isso, partiu de dados etnográficos e etnohistóricos, além do
desenvolvimento do que chamou de Task differentiation system (“Sistema de
diferenciador de tarefas”), que aparenta ser uma tábula que identifica
primeiramente as relações de gênero e funcionalidades a elas atreladas e, em
segundo lugar, as expressões que essas relações deixam na cultura material.
A continuação de sua proposta era tentar identificar os resultados dessa tábula
em um sítio arqueológico.
Durante os trabalhos de campo, encontrou um furador decorado de
maneira peculiar. O trabalho com descendentes dos indígenas que viveram em
Little Rapids (comunidade de seu trabalho de campo), com outros indígenas
Wahpeton e em contato com bibliografia sobre o assunto, a autora começa a
se questionar sobre a forma como deveria escrever as interpretações dos
dados arqueológicos: “Enquanto o diferenciador de tarefas chama atenção para
o gênero ele não altera o modo como apresentamos conhecimento sobre o
passado” (Spector 1991, p. 393). Sentindo o peso do eurocentrismo na prática
arqueológica contraposto à alternativa interpretativa que lhe fora ficando clara
durante seu trabalho (pela etnografia, etnohistória, contato pessoal com
descendentes) a autora elege uma forma diferente de condensar seus dados e
apresentar seu trabalho. Ela cria uma narrativa centrada em uma garota
indígena de grande importância em sua aldeia, cujo furador é um elemento de
expressão de suas habilidades manuais na juventude e representa sua
capacidade em tornar-se uma mulher central na vida comunitária. Através do
mesmo foco, ela tenta alcançar a imagem ridícula de um missionário que tenta
ensinar aos Wahpeton como plantar.
Primeiro, Riggs [o missionário] ofereceu-se para ensinar aos homens como arar como se eles nunca tivessem considerado a idéia, ou como se as mulheres estivessem dispostas a abandonar seus campos de milho. Suas idéias sobre o trabalho adequado que cabia a homens e mulheres lhes apreciam espantosas, e suas sugestões de ferir a terra, cortando-a com um arado era incompreensível. Finalmente, Riggs insultou-lhes inconscientemente ao sugerir que poderia substituir Mazomani como líder espiritual da comunidade.
57
(...)
Uma noite, enquanto guardavam o resto do milho colhido elas [mãe e filha] riram juntas, lembrando do “rezador” Riggs e suas idéias sobre homens plantando milho (Spector 1991, p. 398; 401).
De fato, a narrativa apresenta relações de gênero expressas nas
condutas cotidianas (resgatadas por documentação e oralidade) e marcadas na
cultura material (o furador decorado, peça central, mas não única, da narrativa).
Em contraponto ao seu próprio trabalho, ela nos dá detalhes da análise de
outro pesquisador, bem mais tradicional, do mesmo tipo de furador. A análise
tradicional se debruça mais sobre os dados quantitativos na formulação de
suas propostas. No entanto, o resultado é um discurso que trata a presença de
metal em aldeias indígenas, a exemplo, como prova de aculturação.
Por exemplo, um tema dominante em suas apresentações é que os furadores de metal produzidos pelos europeus são mais significativos que os instrumentos produzidos pelos indígenas. Essa história é incorporada as suas classificações, títulos de tabelas, e freqüentemente enfatizado ao longo do texto. Finalmente é reforçada quando os autores reiteram a significância dos de pontas de metal como marcadores de influências européias sobre indígenas e a desintegração da cultura nativa em suas discussões. Imagino que para mulheres Dakota (e certamente de outras tribos) essa história teria soado divertida, irritante, ou simplesmente errada, especialmente aquelas que inscreviam seus instrumentos de osso ou chifre como um modo de visualizar e expressar publicamente suas realizações (Spector 1991, p. 402).
Antes de uma arqueologia que fale sobre quantidades levando a um
perigoso estamento de aculturação, uma que fale de qualidades e se abra a
expressão de outras histórias e discursos. Sua proposta, condizente com a
corrente interpretativa, abarca questionamentos diretos sobre o rumo da
disciplina acadêmica. Que tipo de arqueologia queremos? Aquela que
responda às questões do colonizador branco ocidental ou dos povos
colonizados a lutar ainda hoje por seu passado? Seria melhor adotarmos uma
perspectiva mais metódica e, no entanto, mais excludente ou uma narrativa
diferenciada e, no entanto, menos precisa? Seria possível uma visão metódica
e includente? O texto da autora apresenta uma boa alternativa, a meu ver, para
essas questões. Pode ser que alguns ainda não aceitem tão bem a
58
fragmentação da Verdade, mas parece interessante, em nossos dias, que
aprimoremos propostas multivocais. Veremos um caso similar sobre a “cor” dos
antigos egípcios quando for comentar as propostas de “alcance e educação”.
O segundo exemplo é da arqueologia da repressão, presente na
produção, por exemplo, do arqueólogo Andrés Zarankin. Um de seus textos
conta sobre os trabalhos desenvolvidos em um Centro Clandestino de
Detenção (CCD), o Clube Atlético (na verdade, codinome para Centro Anti-
subversivo, CA), que funcionou de fevereiro a dezembro de 1977, em Buenos
Aires. Esse artigo, escrito com um sobrevivente de um CCD, deixa bem claro
seus objetivos:
Por um lado, buscamos entender a lógica de funcionamento e organização do espaço e a arquitetura deste dispositivo desaparecedor de pessoas. O segundo objetivo foi contribuir à construção de uma memória material. Ou seja, transformá-la em algo físico, para assim poder ser percebida de maneiras diferentes à palavra (falada ou escrita). Uma memória que possa ser tocada, cheirada, experimentada (Zarankin & Niro 2006, p. 179).
Nesse trabalho, participaram outros sobreviventes de CCD’s. Além de
atrelar indivíduos à reconstrução de um passado marcante em suas vidas,
oferece novas possibilidades interpretativas à cultura material, como vemos no
trabalho de Janet Spector, contemplando significações profundas aos signos
materiais de momentos extremamente carregados.
Usando métodos de análise espacial provenientes da arquitetura, os
autores propõem uma compreensão dinâmica do funcionamento do porão do
CA.
A aplicação destes modelos permite observar como elemento como organizativo do espaço, um parâmetro de maximização e operacionalidade dos procedimentos repressivos. Funciona como base desta estrutura, uma circulação restringida e controlada, além de um profundo isolamento dos ambientes.
(...)
Existe também um elemento simbólico associado à organização do espaço. Assim, a medida que se avança em direção ao interior do CCD, o nível do suplício vai aumentando. Imaginemos que o prisioneiro não pode ver, mas sim experimentar esse espaço através dos sentidos. Os odores de
59
corpos e fluidos humanos, a umidade e a falta de ventilação, o calor e o frio, os gritos e lamentos de outros detidos, a dureza das paredes e do piso – onde era colocados - (Zarankin & Niro 2006, p. 175).
Como podemos ver, o espaço não é um mero conjunto de materiais
construtivos, mas uma estrutura erigida em aspectos formais que dialogam
com nosso corpo, sem palavras a serem lidas, apelando para os demais
sentidos. Os trabalhos de Zarankin em arqueologia da arquitetura e
arqueologia da repressão mostram como os métodos e parâmetros analíticos
da arqueologia podem ser adotados para a compreensão do conflito na
sociedade contemporânea, através da demonstração sobre os mecanismos de
repressão. Não somente de compreensão, mas também de atuação na
sociedade contemporânea, na medida em que essa reificação das memórias
dos sobreviventes é artifício para o “não-esquecimento” e para a reivindicação
de justiça.
Não poderia me esquecer da importância do World Archaeological
Congress – WAC (Congresso de Arqueologia Mundial) nesse movimento de
“humanização” da disciplina. O WAC surgiu em 1986 como dissidência do
International Union of Prehistoric and Protohistoric Sciences - IUPPS (União
Internacional de Ciências Pre-históricas e Proto-históricas), devido a um
desentendimento interno sobre as posturas da instituição frente à liberdade
acadêmica e o regime do apartheid na África do Sul (Funari 2006). Desde seu
inicio, a proposta do WAC tem sido aproximar a prática e o conhecimento
arqueológico daqueles das populações vivas: aproximar-se do outro não como
um objeto de estudo, mas como indivíduos e grupos humanos que vivem o
mundo de acordo com suas próprias normas. Além de incorporar o outro leigo,
reforça a unidade e proximidade da ciências européia com os demais
continentes, bem como entre esses próprios continentes.
WAC é o resultado dessa luta, rompendo com a tradição ao incluir na Organização, representantes de todos os continentes e de povos indígenas. Pela primeira vez, a arqueologia teve chance de libetar o mundo ao invés de explorá-lo (Funari 2006, p. 75).
60
Em suma, meu propósito com essa rápida passagem pelo pós-
processualismo foi mostrar como “nos anos 1980 a arqueologia viu a
emergência gradual de estudos preocupados em interpretar significados
culturais no passado que envolvessem questões de poder e dominação,
história e gênero.” (Hodder, 1999, xiii). Nos anos 1990 a perspectiva pós-
processual começa a tomar sua independência da dicotomia criada com o
processualismo e volta-se cada vez mais às múltiplas possibilidades que criou
dentro da teoria arqueológica.
É nesse contexto que o conceito de arqueologia pública começa a
ampliar suas fronteiras e ir além da batalha jurídica e legislativa, embora esse
tipo de atuação nunca tenha se esgotado (e não creio que deva).
3.3. Arqueologias Públicas
A diversidade de publicações e discussões que estão sob a ampla
denominação de “arqueologia pública” me levaram a pensar em uma maneira
de discerni-las, mais que classificá-las. Meu propósito com essa divisão não é
menosprezar determinadas práticas em benefício de outras, mas apenas
distingui-las de modo que possa melhor pensar sobre as possibilidades que
oferecem.
Por um lado, a prática da arqueologia pública como uma de manejo de
recursos culturais (CRM) e beneficiamento de um conhecimento como um
serviço público ainda é uma realidade cotidiana.
Assim, por um lado temos a noção de que o Estado assume o papel de estar falando em nome do publico e de agir “no interesse publico”. Isso pode incluir a provisão estatal de instituições e serviços públicos como arqueologia, museus e educação. O pressuposto do Estado de que ele atua pelo interesse geral do público significa que interesses menores podem não ser efetivamente representados, e uma abordagem despótica pode significar uma perda do contato com os desejos de um público diverso (Merriman 2004a, p. 1-2).
A arqueologia continua sendo um mecanismo institucional, e muitas
vezes torna-se mediador entre o estado nacional e o público. Vimos na
apresentação como o conceito de patrimônio cultural e arqueológico passou a
61
ser solidificado por uma legislação internacional específica, uma legislação que
carrega consigo a arbitrariedade dos interesses públicos da humanidade. Entre
as normas do Estado que se pretende como servidor dos interesses públicos
cívicos, e os parâmetros de conduta dos tratados internacionais que se
dedicam ao respeito da humanidade do indivíduo universal, a arqueologia é
posta como identificadora e mediadora de relações entre essa parafernália
jurídica e o interesse social, através da memória materializada. Como atuar
nessa situação? Quais as pendências que ficam no caminho ao atuar em
benefícios da lei? E em benefício da sociedade? E em prol somente de
determinados grupos?
Além dessas indagações, fica uma mais central: quem é esse público?
Nick Merriman (2004a) já nos lembra que, além de ser “não-arqueológico”,
nada mais necessariamente conecta esses indivíduos que estamos
genericamente chamando de “público”.
Com uma compreensão tão pequena das atitudes, concepções e crenças dos receptores da informação arqueológica, arqueólogos tem, portanto, se comunicado cegamente com uma audiência que não entendem, e não é de se surpreender que tantas tentativas de comunicar arqueologia resultam em tédio ou incompreensão. Em termos de compreender o publico, enfim, a arqueologia tem muito o que aprender sobre o entendimento publico da ciência. (Merriman, 2004a, p. 8).
Enfim, acredito que essas são as principais questões levantadas pela
arqueologia pública contemporânea, e as sequências propõem uma discussão
através da revisão de leituras encontradas em coletâneas e livros cujo enfoque
está justamente nessas problemáticas. Escolhi por fazer uma divisão em três
pequenas partes que representassem de certa forma as propostas que
encontrei nas leituras e que me levaram a fazer as reflexões acima
desenvolvidas. 1) Imagens e expressões de arqueologia, contemplando o que
se fala da arqueologia e, ao mesmo tempo, o que pode a arqueologia contribuir
no que é falado. As argumentações desenvolvidas neste trecho serão
extremamente relevantes para a leitura de artigos e revistas de mergulho sobre
o patrimônio cultural submerso brasileiro. 2) Alcance e educação, buscando
reflexões sobre a postura da arqueologia frente ao outro na tentativa de
62
mostrar-se útil. No Brasil, a educação patrimonial tem sido o principal modo de
alcance do público não arqueológico, e pretendo aplicar as reflexões
desenvolvidas aqui no caso nacional (inclusive no caso subaquático). 3)
Antropofagia arqueológica; analisando casos em que a arqueologia procura
questionar seus métodos e perspectivas, muitas vezes sendo ela mesma
tomada pelo público como forma de conquista institucional.
3.3.1. Imagens e expressões de arqueologia
No Brasil, diversos jornais regionais apresentam regularmente, apesar
da pouca freqüência, notícias sobre arqueologia nacional e internacional. Não
se trata de jornalismo somente impresso, mas também de algumas edições do
Globo repórter (programa televisivo de sexta-feira no horário nobre e alcance
nacional) e desenhos infantis durante o dia (Jackie Chan tem feito muito
sucesso). Esses programas apresentam relíquias, profissionais e aventureiros
que carregam consigo o poder do saber, o poder de conhecer os cálculos
certos e as imagens apropriadas para relevar os mistérios do passado.
Vários profissionais da nossa área também se interessam por esse
fenômeno comunicativo de apreciação da estética da revelação através da
escavação. Inglaterra, Alemanha, Suécia e EUA, são apenas alguns exemplos
de lugares onde programas de TV, propagandas em outdoors e filmes trazem,
e trouxeram desde o início das atividades comunicativas massivas (Clack &
Brittain 2007), a arqueologia ao alcance do cotidiano da gente comum (Holtorf
2007a, Faulkner 2004), dos “desempoderados”, aqueles que nunca foram
detentores dos métodos de reprodução oficial de sua história.
Apesar de acompanharmos essa apresentação, a nosso ver, um tanto
crua da arqueologia, e nos sentirmos no direito de exigir mais respeito às
nossas atividades e às comunidades com as quais nos relacionamos (Pyburn
2008), talvez possamos olhar a presença da arqueologia na mídia com outros
olhos. De uma perspectiva mais crítica, a mídia pode nos apresentar uma
faceta diferente da que costumamos ver de nossa própria profissão, permitindo
uma reflexão sem parcimônia (Taylor 2007). Pode também vir a ser, como
63
apontamos acima, uma possibilidade de compartilhamento de conhecimento e
mesmo construção de um novo conhecimento. Talvez até uma maneira de
abordarmos o público não arqueológico, um link entre nós e eles, muito mais
efetivo (porque afetivo) do que partir do zero (Holtorf 2007a).
Todas estas propostas são interessantes e direcionam a interpretação
da mídia como parte da expressão pública do fenômeno arqueológico. A meu
ver, estas propostas são modos de reflexões consigo mesmo (auto-avaliação)
e com grupos sociais e profissionais diferentes de nós, mas que nem por isso
deixam de apreciar monumentos, paisagens, ruínas, relíquias... Mais
importante do que isso, é o exercício de sairmos de nossas preocupações e
observarmos o que os outros apreciam na cultura material, ou mesmo o que
consideram como vestígios físicos do homem, vestígios físicos da natureza, ou
imagens indistintas da vida. Afinal, a “ubiqüidade da arqueologia televisiva (...)
é uma medida da popularidade do assunto” (Faulkner 2004, p. 1-2).
Finalmente, a presença constante da arqueologia nos meios de
comunicação de massa é um alerta importante para o fato de que os fins em
nosso trabalho não são apenas de apreciação acadêmica. O que falamos e
produzimos deixa nosso breve nicho e circula fora de nosso controle direto,
sujeito às mais diversas interpretações. A imagem de arqueólogos,
arqueólogas e como nossos discursos são interpretados pela mídia é também
um motivo de preocupação social, cerne da arqueologia pública.
Como já assinalei em capítulo anterior, a relação entre uma disciplina
engendrada nas “Ciências Humanas” com as “Humanas” fora das “Ciências” é
uma necessidade que tem sido levada a cabo desde a década de 1960, com
uma série de movimentos sociais que atingiram um estágio global e pediram
uma reorganização do espaço de realizações e da posse do conhecimento.
Retomando Nick Merriman (2004a), para compreender o público é
preciso antes entender como o público compreende ciência (Merriman, 2004a,
p. 8). Podemos advogar à arqueologia pública, o papel de reflexão sobre o que
tem sido produzido do arqueológico fora do meio disciplinar. “O significado da
64
arqueologia na cultura popular é um tópico que nasceu daquele mesmo
processo de abertura da disciplina arqueológica, manifestando uma tendência
rumo a uma verdadeira arqueologia pública” (Holtorf 2007a, p. 2). Como temos
feito a leitura até o momento, o princípio da arqueologia pública é participar da
cena conflituosa em que o arqueólogo encontra-se durante seu trabalho.
Procurar entender as dissonâncias e diversidades de modos de compreensão
do passado.
A obra editada por Timothy Clack e Marcus Brittain, Archaeology and the
media (Arqueologia e a mídia) de 2007, bem como a edição de Julie
Schablitsky, Box office archaeology (Arqueologia em Bilheteria) do mesmo ano,
trazem diversos trabalhos sobre essa peculiar mediação entre arqueologia e
seu público não arqueológico. Talvez um dos autores mais polêmicos e
centrais nessa discussão seja Cornelius Holtorf, cuja produção conta não
somente com artigos publicados em revistas e livros, como conta com duas
obras de sua autoria: From Stonehenge to Las Vegas: archaeology as popular
culture (De Stonehenge à Las Vegas: arqueologia como cultura popular), de
2005, e Archaeology is a brand! (Arqueologia é uma marca!), de 2007. Assim,
pretendo fazer uma pequena revisão crítica da relação entre arqueologia e
mídia a partir de algumas das leituras proporcionadas por esses autores.
Antes de continuar com a discussão, dois breves apontamentos.
Primeiramente, quando digo “relação entre mídia e arqueologia” me refiro à
dois aspectos que são tratados nessa literatura especializada: 1) as avaliações
das imagens construídas do fenômeno arqueológico nos veículos de mídia; 2)
uma avaliação de como a arqueologia promove e pode contribuir com a
compreensão popular do passado através da mídia. Em segundo lugar, essa
“revisão crítica” que menciono no parágrafo anterior não consiste em uma
completa “revisão bibliográfica” do tema, mas sim numa observação sobre o
tratamento oferecido por alguns autores (a seleção foi necessária, levando em
conta o que me pareceu mais relevante) tema da arqueologia pública como
cultura popular e como nossa disciplina se posiciona frente ao público não-
arqueológico através da mídia.
65
Acredito que há dois comentários de Cornelius Holtorf que definem de
maneira precisa a afinidade desse tema dentro da perspectiva pública da
arqueologia. Baseada em visão de outros autores (cf. Holtorf 2005), ele diz que
“Cultura popular refere a como as pessoas escolhem viver suas vidas, como
elas percebem e moldam seus ambientes locais e suas ações, e o que elas
crêem atrativo ou interessante” (Holtorf 2005, p. 8). Igualmente, assume que
sua obra não pretende construir uma ponte entre o presente e o passado, mas
a perspectiva profissional/acadêmica da arqueologia com aquela apreciação
popular sobre o passado, ambos no presente (Holtorf 2005). Em nosso
cotidiano capitalista e consumista, a arqueologia torna-se igualmente produto
de consumo, uma “marca” (brand) de etiqueta.
Talvez isso possa explicar, pelo menos em parte, porque o “produto” arqueologia desfruta de tamanha popularidade. Ela oferece e é esperada a oferta, experiências válidas para muitos. Visitar um museu arqueológico ou sítio de escavação pode ser sobre arte antiga e educação sobre o passado, sobre reconstruções geralmente idílicas da vida cotidiana no passado e reassegurar a existência de um lar, ou pode tratar de tecnologia computacional moderna e buscas por tesouros no espírito de Indiana Jones que é provavelmente o melhor conhecido arqueólogo no mundo hoje (Bahn 1989:59). Em cada caso, é uma experiência particular no presente que conta no interesse das pessoas pelo passado (Holtorf 2007a, p. 4)
Acredito que a importância de considerarmos os estudos da arqueologia
na mídia condiz não somente com nossa curiosidade pelas peripécias dessa
engenharia comunicativa, mas também na busca desses interesses no
presente que são direcionados aos vestígios do passado.
Certamente, vale a pena destacar a relevância dessa perspectiva dentro
deste trabalho. Em minha monografia de conclusão do curso de graduação,
trabalhei com a leitura de alguns artigos da revista Mergulho, um periódico de
extenso alcance nacional sobre mergulho recreativo. Os artigos escolhidos
para análise foram aqueles que falavam de vestígios humanos submersos.
Meu propósito com essa leitura foi tentar aproximar-me dos interesses dos
mergulhadores recreativos pelo patrimônio submerso. Como me pareceu uma
questão central neste trabalho (inclusive foi meu ponto de partida para o
mestrado), decidi retomar algumas leituras e apontamentos. Para tanto,
66
acredito que as novas leituras sobre arqueologia e suas expressões na mídia
me possibilitarão uma análise mais interessante.
Primeiramente, a pergunta: O que é mídia? Em busca de raízes
etimológicas, deparei-me com algo mais próximo da mediação:
Medium, i – 1) a parte do meio, centro; 2) o espaço interior ou intermitente, meio32; 3) o meio (como um local visível), o aberto, vista, publico, in medium proferre ou in medio ponere tornar público, de medio partindo da cena; 4) in medio disponível a todos, ao alcance, in medium reserva comum33; 5) O meio de um período de tempo, medio temporis, no meio tempo; 6) Um estágio ou curso intermitente, algo que age entre duas coisas, um intermediário, um meio34. (GLARE 2006).
Timothy Clack e Marcus Brittain trazem um significado mais
contemporâneo, ao qual podemos agregar sua acepção latina.
Mídia, em sua forma mais básica, são os meios de comunicação, ou uma agência pela qual aquela comunicação é transmitida, transferida ou conduzida35. “A mídia” pode ser vista como uma entidade em si mesma, um corpo de jornalismo com valores de transmissão que intersectam mercados e comercio, perfis de audiências, fronteiras do espaço discursivo, e conhecimento disciplinar. Pode ser igualmente compreendido como um processo de tradução ou engajamento incorporado na materialidade da forma midiática. Mídias diferentes transmitem 36 diferentes mensagens de maneiras variadas, tendo tanto impacto sobre os contextos de interpretação quanto enquadrando e reenquadrando os contextos de consumo (Clack & Brittain 2007, p. 12).
32
No original, midst. cuja definição dada pelo Dictionary.com seria: 1. the position of anything
surrounded by other things or parts, or occurring in the middle of a period of time, course of action,
etc./2. the middle point, part, or stage (Dictionary.com 2010).
33 No original, the common stock.
34 No original, medium, que pode também carregar o sentido de médium.
35 No original, conveyed. Cuja definição dada pelo Dictionary.com seria: 1. to carry, bring, or take from
one place to another; transport; bear/2. to communicate; impart; make known/3. to lead or conduct, as
a channel or medium; transmit/3. to lead or conduct, as a channel or medium; transmit (Dictionary.com
2010).
36 No original, convey.
67
Desses trechos, acredito que podemos ver quatro etapas sobre a
discussão midiática contemporânea e suas conseqüências sobre a arqueologia.
Primeiro, uma maneira prática de lidar com a mídia como “tudo o que comunica”
(Tega 2010)37. De fato, isso nos permite o alcance necessário trabalhar com a
construção da imagem arqueológica em diversos meios comunicativos: filmes,
fotos, revistas, livros, TV, outdoors, propagandas... Enfim. Aproveitar da
amplitude veicular do conceito “mídia” para visitarmos diversos campos onde o
discurso arqueológico e do público se encontram.
Em segundo lugar, ser e estar na mídia significa tomar a posição de um
intermediário entre partes conectadas pelo enunciado midiático. No caso, o
jornalismo pode mediar a arqueologia com o público não arqueológico. Mas
também, a arqueologia, ao se apoderar dos veículos midiáticos, pode se tornar
o mediador entre o passado e o presente, entre o sítio e o público, entre o
território e o Governo. Um oficial dos estudos acadêmicos que in medio ponet.
Em terceiro lugar, a “vida própria” com que Clack e Brittain definem
mídia, permite-nos diferenciar as livres exposições dos fazeres e saberes
arqueológicos do público das tentativas dos arqueólogos de usar algumas
mídias (internet e livros de grande tiragem e circulação) para comunicarem-se
com o público não-acadêmico (as quais apresentarei no próximo item). Ainda,
posso acrescentar, podemos observar a comunicação entre diferentes
indivíduos do público não-arqueológico para tentar perceber quais são suas
impressões sobre o fenômeno arqueológico.
O que me leva ao último ponto, que é tomarmos parte de uma discussão
que vejo indissociável desse encontro entre o acadêmico e o leigo, é a cultura
de massa. Ou seja, encarar a mídia “como uma entidade em si mesma, um
corpo de jornalismo com valores de transmissão que intersectam mercados e
comércio, perfis de audiências, fronteiras do espaço discursivo, e
conhecimento disciplinar” (Clack & Brittain 2007, p. 12). A industrialização da
comunicação, controlada por conglomerados empresariais, e as mazelas da
37
Entrevista concedida por Glória Tega a Bruno S. R. da Silva via Skype. Belo Horizonte-São Paulo, agosto
2010.
68
massificação cultural. São exatamente esses pontos que os arqueólogos mais
atacam. Nas palavras de Anne Pyburn,
Então arqueologia pública e sua versão local – arqueologia comunitária – acontecem nesse contexto de uma curta hype38, e arqueólogos muitas vezes tentam usar esse ângulo para engajar as pessoas em seu trabalho. É claro que arqueólogos não acham bonito murais do segundo século como os de San Bartolo, então se torna necessário inflar a significância de dados mais ordinários para ir ao encontro dos parâmetros de Indiana Jones (Pyburn 2008, p. 203).
Ao mesmo tempo, a própria autora afirma que
Mas se o público não está interessado, então o que estamos fazendo? Qual é exatamente o propósito de escavar os vestígios materiais do passado, agora que sabemos que não vamos mais coletar a verdade que irá nos libertar, nem irão nossos esforços acrescentar muito para o “bem de toda a humanidade”? (Pyburn 2008, p. 202).
Justamente esse é o ponto dialético em que se encontra o arqueólogo
na discussão sugerida nesse trabalho. Onde ficar e onde expressar-se entre o
apocalipse da norma disciplinar e a submissão aos veículos de massa. Na
tentativa de me socorrer em autorias fora do meio arqueológico, procurei uma
das imagens mais interessantes, a meu ver, do campo comunicativo,
justamente por circular igualmente pelos corredores da Universidade mais
antiga do mundo e pelas prateleiras de Best Sellers a cada publicação de um
romance: Umberto Eco.
Apologias a parte, seus comentários sobre a cultura de massa na obra
Apocalipticos e Integrados (Eco 2001) vem a calhar nesse impasse ético em
que nos encontramos.
Por um lado, a cultura de massa é acusada de configurar uma estrutura
capitalista de mau gosto, produtora de soluções simples que inibem a
38
No original seria hype, cuja definição segundo o Dictionary.com: 1. to stimulate, excite, or agitate/2.
to create interest in by flamboyant or dramatic methods/3. to intensify (advertising, promotion, or
publicity) by ingenious or questionable claims, methods, etc./4. to trick; gull. Optei por deixar o
vocábulo original por ser usado em diversos meios em território nacional (seu surgimento, inclusive, de
maneira hype).
69
criatividade, reproduzem aquilo que já conhecemos através de fórmulas já
conhecidas que se adéquam facilmente às necessidades de difusão do
mercado, ao mesmo tempo em que impõe “símbolos e mitos de fácil
universalidade” e muitas vezes “sugere o que este [o espectador] deve desejar”
(Eco 2001, p. 41). Em outras palavras, morte à Indiana Jones, Lara Croft, Jacky
Chan, Múmia e todas as entidades arqueológicas espalhadas pelo planeta!
Por outro lado, Eco nos lembra que a massificação da cultura não é tão
própria do capitalismo, mas sim “nasce inevitavelmente em qualquer sociedade
do tipo industrial” (Eco 2001, p. 44). Inclusive, parece ser muito mais
emergente em regimes ditos democráticos populares:
A cultura de massa é própria de uma democracia popular como a China de Mao, onde as grandes polêmicas políticas se desenvolvem por meio de cartazes de histórias de quadrinhos; toda cultura artística da União Soviética é uma típica cultura de massa, com todos os defeitos de uma cultura de massa, entre os quais o conservantismo estético, o nivelamento do gasto pela média, a recusa das propostas estilísticas que não correspondem ao que o público já espera, a estrutura paternalista da comunicação de valores (Eco 2001, p. 44).
Não sendo apenas um fenômeno capitalista, a mídia massificada é um
fenômeno consumista, tampouco atribuível apenas ao regime do capital, se
pensarmos que “desde que o mundo é mundo, as multidões amaram os
circenses (...)” (Eco 2001, p. 45), com a diferença de possuir hoje um
panorama macroscópico realmente nunca visto antes. Indo mais além, é
cabível lembrarmos que esse fenômeno em gigantescas proporções ter sido
realizado também como uma faceta democrática, seja pela homogeneização
do gosto, eliminando uma das barreiras entre castas, seja através mídia
macerada pela indústria cultural (Eco 2001). Finalmente, é de uma consciência
pobre acreditar que todas as informações que cheguem à audiência sejam
interpretadas da mesma maneira planificada com que são pretensiosamente
dispostas em seu momento de codificação.
Os mass media oferecem um acervo de informações e dados acerca do universo sem sugerir critérios de discriminação; mas, indiscutivelmente, sensibilizam o homem contemporâneo face ao mundo; e na realidade, as massas submetidas a esse tipo de informação parecem bem mais sensíveis e participantes, no
70
bem e no mal, da vida associada, do que as massas da antiguidade, propensas a reverências tradicionais face a sistemas de valores estáveis e indiscutíveis. Se esta é a época das grandes loucuras totalitárias, também não é a época das grandes mutações sociais e dos renascimentos nacionais dos povos subdesenvolvidos? Sinal, portanto, de que os grandes canais de comunicação difundem informações indiscriminadas, mas provocam subversões culturais de algum relevo 39 (Eco 2001, p. 48).
Desconfio seriamente que a mass media ofereça um acervo de dados
“sem sugerir critérios de discriminação”. Não vejo como se pode criar um
discurso das normas de consumo através da transmissão, sem sugerir critérios
de discriminação. Aliás, vejo como essa mesma a razão do despertar das
sensibilidades no público, que se sente tocado ou não pelas imagens
transmitidas pela mídia. De qualquer maneira, os apontamentos de Umberto
Eco servem para me munir de algumas idéias com as quais é possível passar
“pelo bem e pelo mal” de maneira ressabiada para ambos. Além de,
certamente, apontar para a condição da mídia de massa como resultado
igualmente importante de uma época de “grandes mutações sociais” e de
“subversões culturais” (Eco 2001).
A relação entre arqueologia e a mídia não é recente, vindo desde os
anos 1840, com um grande boom entre 1920’s e 1950’s (em especial devido a
desenvolvimento de mídias elétricas) e rompimento entre 1960s e 1980’s (Kulik
2005 apud Clack & Brittain 2007). Inclusive, nos anos 1950 Mortimer Wheeler e
Glyn Daniel foram eleitos personalidades televisivas por dois anos seguidos
(1954 e 1955) por seu programa Animal, Vegetable, Mineral? (Animal, Vegetal,
Mineral?) (Holtorf 2007a). Entre os anos 1946-55, a revista americana Life, que
atingiu em apenas um quarto do ano de 1953 cerca de 73 milhões de leitores
nos EUA, listou 34 artigos sobre arqueologia (Ascher 1960, p. 402). O retorno
das relações, posterior à 1980, é justamente o período de uma reviravolta na
tendência arqueológica mundial, com pós-processualismo (Clack & Brittain
2007).
39
Assistam a alguns episódios de House:MD, seriado americano, e vejam sua alegre reação aos
pacientes que se auto-diagnosticam através da internet.
71
De acordo com os Timothy Clack e Marcus Brittain (Clack & Brittain
2007), a desconfiança que a arqueologia apresenta em relação à mídia vem de
tempos mais distantes, desde a década de 1930, quando intelectuais como
Huxley, Horkheimer, Adorno começaram a questionar a validade dos avanços
tecnológicos, vistos mais como uma força ideológica de massa para a
domesticação social. Traduzindo o termo mass media por “indústria cultural”,
assinalavam seu propósito de produção de entretenimento fútil em larga escala
para silenciar as massas. Hoje, acredito que a comunicação indiscriminada e
industrial gera outra tendência que é o ceticismo coletivo e a insensibilidade
frente aos desastres sociais.
Antes do ceticismo público, talvez uma das maiores preocupações dos
arqueólogos é como a presença da mídia pode irromper problemas éticos
dentro da disciplina. Ainda dentro do texto de Clack e Brittain, os autores
apresentam uma proximidade entre a arqueologia e o jornalismo. Ambas
profissões possuem apreço (mesmo que teórico) pela análise crítica das
informações a serem postas em jogo e um respeito mínimo pelo que liberam
dessas informações ao público. Embora nos alerte Glória Tega sobre situação
do jornalismo brasileiro atual.
Mas vejo que, no geral, os jornalistas não sabem o que é arqueologia. Nesse meio em que venho trabalhando, tenho feito muito contato entre cientistas e jornalistas, e os últimos não sabem o que é arqueologia, não sabem o que é uma escavação, não sabem que podemos contar uma história diferente através de objetos. Eles tem na cabeça a idéia de que transmitem fatos reais. Para mim isso já é o grande problema de tudo, pois se acreditam nisso a situação fica bem mais complicada.
(...)
Do jeito que o jornalismo funciona hoje no Brasil, não há tempo para que os profissionais corram atrás dessas coisas específicas, não tem tempo de fazer cursos. Quem está no mercado, com jornalismo diário, em revistas, não se atualiza nem faz cursos, pois não tem tempo. Apesar de achar que isso não justifica a falta de diálogo (Tega 2010)40.
40
Entrevista concedida por Glória Tega a Bruno S. R. da Silva via Skype. Belo Horizonte-São Paulo, agosto
2010
72
Eis uma das críticas mais ferozes que a arqueologia atira sobre o
jornalismo: a compreensão errada da mensagem pelo desconhecido e,
podendo chegar ao ponto do desvirtuamento da imagem da disciplina,
esbarrando em questões éticas. Tomothy Clack e Marcus Brittain trazem um
caso específico em que a banalidade midiática trouxe sério descrédito à
arqueologia japonesa. É o caso de Fujimura Shinichi, arqueólogo nipônico
cujas descobertas controversas recuaram a presença humana no Japão para
quase 600.000 anos. No entanto, em 5 de novembro de 2000 foi capturado por
câmeras de jornais plantando um artefato arqueológico cuja descoberta
igualmente fenomenal fora anunciada por ele mesmo no dia seguinte (Clack &
Brittain 2007, p. 36). As repercussões internacionais foram de certa maneira
catastróficas, com “um artigo no jornal britânico Science intitulado ‘Fraude
japonesa destaca ética de pesquisa influenciada pela mídia’ culpando a
infiltração da mídia na arqueologia pelo fracasso da descoberta precoce dessa
fraude” (Normile 2001 apud Clack e Brittain 2007, p. 36).
Um dos ataques ao caso Shinichi foi justamente a necessidade de
repercussão midiática e de grandes manchetes jornalísticas para que o público
reconheça a arqueologia. A pressão governamental e acadêmica pela
promoção da imagem nacional sobrepôs-se à ética profissional e levaram à sua
corruptela através da mídia.
Peter Fowler traz uma argumentação semelhante sobre sua experiência
com veículos de comunicação em massa. Apesar de iniciar seu artigo com a
afirmação de que a mídia, se entendida de maneira geral como “comunicação”,
é o sangue da arqueologia, suas experiências e conseqüente postura frente a
imagem arqueológica na mídia são basicamente negativas. “(...) se você quer
jogar o jogo Televisivo, você deve jogá-lo de acordo com as regras da TV, que,
como outras profissões (notavelmente medicina e direito), aprenderam a seus
custos e nossa alegria” (Fowler 2007, p. 91).
Alguns seriados de TV são constantemente citados por diversos
arqueólogos europeus. Por vezes de maneira positiva, por vezes de maneira
negativa. Hidden Treasure (Tesouro Escondido), Meet the Ancestors (Conheça
73
os ancestrais), Horizons (Horizontes), Time Team (Time do tempo), são alguns
dos programas de emissoras britânicas (BBC2, Channel 4, Channel 5) de maior
audiência na Europa. Tais programas, na visão de Fowler, somente contribuem
para a estereotipização da disciplina, trazendo imagens de diversão,
trivialidade, sagacidade e antiguidade, diluindo, como havia notado Anne
Pyburn em seu artigo já citado, a relevância social que a arqueologia possui.
Afinal, de maneira simples, podemos dizer que arqueologia na realidade não é sobre o passado, mas sobre o presente e o futuro; seu papel é mediar entre todos os três. Apenas tente dizer isso à mídia: rapidamente você será dito que “ISSO não é arqueologia” (Fowler 2007, p. 107 – ênfase no original).
Sobre essa questão, podemos tirar alguns comentários interessantes de
Cornelius Holtorf. O objetivo de suas duas obras é a compreensão da
arqueologia na cultura popular contemporânea (Holtorf 2005, 2007a). Em
Archaeology is a Brand! (Arqueologia é uma marca!), ele apresenta o caso da
presença arqueológica na TV em três países de sua familiaridade: Alemanha,
Inglaterra e Suécia, com comentários esporádicos sobre os EUA. Na Suécia
ele cita o caso de Göran Burenhult (Holtorf 2007a). Burenhult é um arqueólogo
da Universidade de Gotland, autor do mais importante manual de arqueologia
disponível em sueco, bem como de livros ilustrados para o grande público e
documentários entre os anos 1980 e 1990, que o tornaram o arqueólogo
profissional mais conhecido do país.
Não menos interessantes são os casos conduzidos por não-
arqueólogos, como na Alemanha onde os maiores sucessos arqueológicos na
TV foram escritos por uma jornalista, Gisela Grainchen. Seu programa C 14
agregava a metodologia de datação comum à arqueologia com revelações
sobre o passado feitas através dessa e de outras tecnologias. Seu outro
programa Schliemann’s Heirs (Os Herdeiros de Schliemann, fazendo alusão ao
conhecido arqueólogo aventureiro do XIX, Heinrich Schliemann) cruzou as
fronteiras nacionais, e alcançou outros países da Europa (Horltof 2007a). As
estimativas de audiência do C 14 são de que “até 1,7 milhões de espectadores
ligavam seus aparelhos de TV para cada episódio, correspondendo cerca de
10% do mercado adulto vital” (Holtorf 2007a, p. 34). Igualmente fascinantes são
74
os números do programa britânico, Time Team (Time do Tempo), com uma
audiência regular de aproximadamente 3,4 milhões de espectadores em 2003
(algo entre 15-20% do mercado adulto, sendo 51% masculino e 56% entre 16 e
54 anos) (Holtorf 2007a – dados fornecidos para o autor pelo Channel 4).
São números assustadores, especialmente se você considerar que a série Big Brother do Channel 4, agora com a promessa de sexo real ao vivo (transmissão após as 22 horas), atraiu em maio de 2004 um numero similar de 3,3 milhões de espectadores, ou uma fatia do mercado de 15%! (Holtorf 2007a, p. 39).
A espantosa importância que a imagem arqueológica possui nessas
produções está, como afirma Holtorf, atrelada à sua imagem de exotismo,
aventura e descobrimento. Em um de seus artigos, o autor parece diagnosticar
que, antes de culpar a mídia por uma veiculação insana de nossa realidade,
devemos atentar para como nós mesmos estamos mostrando essa realidade.
Em “Um show de moda arqueológico” (Holtorf 2007b), ele fala sobre a imagem
televisiva do arqueólogo através de suas roupas. Geralmente, partimos do
princípio que alguns setores da vida acadêmica, a arqueologia inclusa,
permitem uma maleabilidade estética, ou seja, a moda fica a critério de cada
um. No entanto, ele constrói seus argumentos para mostrar que nem mesmo
nosso guarda-roupa é neutro.
Basicamente, seis são os modelos mais atuais: a seriedade
acadêmica/empresarial vestida de terno e gravata; o divertimento tatuado, com
piercing e roupas velhas; arqueólogos de contrato, “policiais da herança”
vestidos com capacetes de segurança e coletes protetores; e, claro, os
clássicos retro, explorador colonial (roupas e chapéu cáqui), aventureiro
sensual (jaqueta de couro, chapéu cowboy, shorts agarrados e corpos
voluptuosos) e cientista (terno, gravata, barba, cabelo emplastado, barba e
óculos).
Esses modelos podem ser encontrados geralmente nas passarelas da
Academia ou na empoeiradas transectas no campo. O autor não nega o certo
fascínio e furor que os modelos de campo causam na mídia. Ele apresenta o
exemplo do seriado britânico Time Team, já mencionado anteriormente como
75
um dos mais famosos seriados arqueológicos na Europa: uma ode à lama e
sujeira, mas que direciona a atenção do público à etapa de campo, de maneira
atrativa (aventureira e científica), mas de real validade cognitiva, já que os
proprietários e trabalhadores dos campos onde trabalham deixam de perguntar
por “ouro” e passa a perguntar por “geofísica” (Holtorf 2007a,b).
Finalmente, acredito que a idéia central desse breve desfile é
argumentar que arqueólogos não são simples vítimas de um mundo onde a
moda está sempre a espreita por novos desfiles temáticos, eles são atores,
construtores e reprodutores de um estereótipo de sua profissão, e isso deve
ser mantido em mente quando se trata de aparecer nas câmeras (Holtorf
2007b). Arqueólogos, através do seu estilo se identificam (e são identificados)
mais com partes do processo arqueológico do que com os resultados de suas
pesquisas. Inclusive o público parece mais interessado no processo de
descobrimento do que no descobrimento. E acredito que o destaque à agencia
do arqueólogo na construção dessa imagem é verdadeira.
Por experiência pessoal, já compareci a reuniões com diretores de
empresas contratantes vestido à caráter de campo, pois acabávamos de sair
do trabalho e, de fato, não havia tempo de retornar ao alojamento para vestir-
me como manda o figurino empreendedor. No entanto, durante vários campos
já fomos (eu fazendo parte da equipe) para restaurantes e cafés imundos dos
pés à cabeça. Uma escolha baseada no “estamos com preguiça de voltar para
o alojamento e estamos com muita fome”. Claro, sensato. Mas não teríamos
nunca nos permitido romper com certos parâmetros de etiqueta se não
houvesse uma boa justificativa para tal: somos arqueólogos e tínhamos
acabado de sair do trabalho. Não somente essa conjuntura “emporcalhada” era
suficiente para convencer a mim e meus colegas: sabíamos que caso
sofrêssemos uma tentativa de escamoteamento, poderíamos dizer que “somos
arqueólogos e acabamos de sair de campo” para sermos salvos. Confiávamos
na imagem empoeirada e suada do arqueólogo.
Cabe ainda lembrar que, na perspectiva de Holtorf, muito do que surge
nessa imagem pop do arqueólogo é resultado de uma retroalimentação de
76
romances e experiências arqueológicas do século XIX e começo do XX. Veja o
caso de Heinrich Schlieman e Howard Carter. Dois dos mais famosos,
prestigiados e históricos personagens de nosso ramo, cujas vidas
arqueológicas foram notoriamente, e realmente, exóticas! O achado de Troia e
a maldição da múmia! Mesmo se olharmos para nosso mais comportado
exemplo de personalidade arqueológica do começo do século XX, Mortimer
Wheeler, veremos que escavações se fazem no Oriente Médio, com dezenas
de auxiliares vestidos em roupas arábicas, trazendo a tona todos os tipos de
matérias de um passado longínquo e estético. São praticamente os modelos de
Alfred Kider, hairy chested (peito peludo) e hairy chinned (queixo peludo) (Kider
1949:XI apud Holtorf 2005, p. 42).
Diversas romances escritos foram produzidos a partir desse imaginário
arqueológico construído no final do XIX. Famosos romancistas como C. W.
Ceram (1949), autor de Deuses, Túmulos e sábios; Geoffrey Bibby (1957),
dinamarques, que escreve sobre sítios pré-históricos ao norte do Mediterrâneo,
o jornalista alemão Rudolf Pörtner (1959), pré-história e história da Alemanha,
bem como seu conterrâneo Phillip Vanderberg que recontou histórias de
descobertas na Grécia, Egito e Oriente Médio (Holtorf 2005, p. 56)
A idéia de cumplicidade não é necessariamente pecaminosa, no entanto,
mas sim uma tomada de frente aos perigos e vantagens dessa imagem. Como
extremo oposto ao caso Shiniche, os Timothy Clack e Marcus Brittain
apresentam um caso no qual o consumo da arqueologia pela mídia e pela
imagem pública criada também através de visitações, permitiram não só o
financiamento de pesquisas, mas também a revisão de um período pré-
histórico até então visto com preconceito. É o caso de novas descobertas no
sítio Jomon de Sanmai Maruyama, em 1994 que chamaram considerável
atenção da mídia jornalística. Com a abertura do sítio à intensa visitação e de
chamadas televisivas e jornalísticas, o Projeto conquistou financiamento
governamental para sua manutenção e estudos mais avançados do período
Jomon (até então mal-visto como nomadismo bárbaro) (Clack & Brittain 2007,
p. 37).
77
Inclusive, Neil Ascherson aponta que a arqueologia, é muitas vezes mais
perspicaz no uso da mídia do o contrário (Ascherson 2004).
Uma velha prática já estabelecida é o patrocínio de jornais e outras mídias de expedições e escavações. Isso é barganha especulativa: nós financiamos nossas operações em retorno de direitos exclusivos para publicação de histórias e fotos que a escavação oferece. Em 1920, Mortimer Wheeler vendeu cobertura exclusiva de sua escavação no anfiteatro legionário romano em Caerleon para o Daily Mail, e alguns anos depois fez um acordo similar com Pathé Newsreels para financiar seu trabalho em Verulamium. No final dos anos 1960, The Observer era pelo menos um dos participantes no financiamento nas espetaculares escavações de Yagin Yadin em Massada, e colocou dinheiro da escavação de Cadbury Castle. The Sunday Times assinou embaixo e cobriu as sensacionais descobertas no sítio romano de Vindolanda e Fishbourne. A rede BBC investiu na escavação de um túnel investigativo embaixo de Silbury Hill, no complexo de Avebury, mas – para a irritação dos patrocinadores – praticamente nada ‘visual’ foi encontrado para justificar seus gastos (Ascherson 2004, p. 156).
Partindo dessas mesmas argumentações, vale nos estendermos ao seu
lado oposto: como a arqueologia e seus profissionais se portam quando de sua
responsabilidade sobre o discurso da mídia?
Não devemos esquecer que a arqueologia em sua história disciplinar já
fez parte de movimentos de suporte a movimentos nacionalistas e regimes
totalitaristas, exercendo cargo de reificador do heróico e mítico passado
ancestral, dos genes das nações de seu tempo (Arnold 1996, Fowler 1987,
Trigger 1984). E continuam sendo usadas, como argumento aqui. A presença
regular em jornais e revistas das novas descobertas da arqueologia continuam
sedimentando o papel da disciplina como viabilizadora da postura nacionalista:
“arqueólogos descobrem o mais antigo”, “o maior”, “o mais valioso”, “tal qual
nunca visto antes” (Ascherson 2004).
Timothy Clack e Marcus Brittain abrem seu livro justamente no ponto
paternalista e hierárquico através do qual a arqueologia teria se relacionado
com sua audiência (Clarke; Brittain, 2007, p. 12). E com o passar dos anos e o
advento de novas propostas teóricas, a diferença entre o popular e o educativo
não mais se guiam por suas configurações e objetivos sobre as quais são
78
preparados cada tipo de comunicação. O problema, ressaltam os autores, está
na pausa que a produção do conhecimento faz quando chega ao público. A
questão deve tomar outro rumo, na medida em que a diferença na história que
contamos a nós mesmos e que contamos aos outros não está no tipo, mas no
nível da história.
Quanto a isso, concordo com a continuidade do conhecimento, mas
discordo sobre onde exatamente está a distinção entre arqueológico e não
arqueológico. A meu ver há sim uma diferença de tipo talvez mais do que nível
entre o discurso acadêmico e os demais. Ou pelo menos em distintos casos.
Se encararmos a mídia como espaço comunicativo através do qual até mesmo
as imagens mais banais podem despertar emoções subversivas no espírito
humano (Eco 2001), não acredito ser possível assistir ao ato comunicativo
como simples nivelação, quando ele pode estar sendo apreendido de uma
maneira completamente distinta daquela que o enunciador pretendia. Vejo que
seu nível só pode ser identificado dentro de um enunciado entre indivíduos ou
grupos que fazem parte de um mesmo sistema comunicativo. Ou seja, a meu
ver, para que um enunciado seja distinguível por nível ele deve ser
primeiramente emitido por uma parte e compreendido pela parte interlocutora
dentro do mesmo tipo.
Retomando a argumentação de Timothy Clack e Marcus Brittain,
concordo que a produção do conhecimento arqueológico não deve parar no
momento em que chega ao público.
Primeiro, esse é um meio através do qual problemas criados pela demarcação Popperiana entre o que constitui a ciência e a não-ciência são evitados. Segundo, as fronteiras entre campos disciplinários ficam alocadas de maneira fluida para intersecções entre considerações multidisciplinares e abordagens de questões específicas. Terceiro, a natureza recursiva da comunicação arqueológica está aberta para analise e consumo (Clack & Brittain 2007, p. 33).
Timothy Taylor (2007) possui uma interessante provocação nesse
sentido. Seu artigo faz uma comparação entre televisão e arqueologia referente
à suas diretrizes banais. A TV, com suas novelas, seriados e personagens
quase mitológicos, pretende mostrar-nos uma parcela do cotidiano tal como
79
gostaríamos que ela fosse: o bem triunfando sobre o mal (ambos reconhecíveis
por caráter bem definido), as provas de amor, o rico generoso, o rico avarento,
pobre feliz, o pobre ambicioso. Não diferentemente, a arqueologia também
trabalha para criar uma experiência do cotidiano do passado. E da mesma
forma, se constrói sobre um banal que enquadra não o passado como poderia
ser, mas um passado que parece confortável à nossas próprias visões de
mundo forjadas pela parcimônia científica.
Seu desgosto com essa parcimônia científica aparece quando suas
propostas interpretativas sobre o canibalismo em tribos Citas durante a
ocupação dos arredores do Mar Negro é rechaçado por diversas revistas
científicas.
Ao contrário, espera-se que acenemos com a cabeça em sábia concordância nesse ponto, aliviados que o autor não nos exigiu dar esse salto desconfortável em nosso convencional e caseira compreensão de nós mesmos como humanos (Taylor 2007, p. 198).
A chamada de Timothy Taylor está mais para a possibilidade que a TV
pode nos oferecer a uma visão do passado de um tipo diferente daquela
prerrogativa parcimoniosa da academia. Não que a TV seja livre de
preconceitos, mas são, enfim, outros preconceitos. O que o autor faz é
exatamente nivelar o discurso televisivo ao acadêmico, deixando claro que, no
entanto, cada um traz consigo uma posição interpretativa diferente sobre o
mundo, e que atentar para a visão do outro pode nos abrir muitas portas. Não
se trata de uma questão de diferentes níveis, mas sim de diferentes tipos.
Comecei esse artigo dizendo que a banalidade era provavelmente o ponto de similaridade mais interessante entre arqueologia e televisão. Despe o banal de suas conotações pejorativas e ele se torna o que a sociedade normalmente espera – seu lugar comum. (...) Certamente há universalidades (ou quase universalidades) no que é verdadeiro sobre as pessoas, mas o que é mais interessante na arqueologia – tanto para nós praticantes quanto para o público em geral – é a patente e inegável diferença que ela continuamente revela (Taylor 2007, p. 200).
Talvez seja o caso de buscarmos o meio-termo, não por clichê, mas pela
mediação. O meio-termo não seria o nirvana, o perfeito equilíbrio entre A e B,
80
entre o anti e o pró, mas sim o termo de onde podemos nos articular entre antis,
prós, contras, semi-contras, semi-antis, semi-prós, indefinidos, redefinidos e
assim por diante.
Mais uma vez busco auxílio nos argumentos de Umberto Eco (2001),
que considera que o pecado não reside na mídia de massa em si, mas na
permissividade de um “livre cambismo” cultural. Retomando as acepções
brevemente levantadas sobre apocalípticos e integrados, Eco direciona seu
olhar crítico à ambos.
O erro dos apologistas é afirmar que a multiplicação dos produtos da industria seja boa sem si, segundo uma ideal homeostase do livre mercado e não deva submeter-se à uma crítica e a novas orientações.
O erro dos apocalípticos-aristocráticos é pensar que a cultura de massa seja radicalmente má, justamente por ser um fato industrial, e que hoje possa ministrar uma cultura subtraída ao conhecimento industrial. (Eco 2001, p. 49).
Retomando a crítica de Peter Fowler à sede midiática pelo fantástico, é
recorrente a situação na qual o arqueólogo se posiciona como um
pesquisador/indivíduo subjetivo e esperando que suas interpretações mostrem
apenas uma possível diversidade no passado ao invés de uma verdade
inalienável, e acaba sendo rechaçado com o comentário de que “isso não é
arqueologia”. Ou seja, estando a cultura popular imersa nessa realidade
irreverente da qual a arqueologia faz parte, fica difícil nos posicionar como
indivíduos ativos na sociedade. Em alguns momentos, a própria mídia é
inflexível ao diálogo com a arqueologia. Tente dizer que a arqueologia faz-se
desde o presente. Que não existe verdade sobre o passado, e que a
arqueologia tem se esforçado, na realidade, com maneiras de mostrar que o
próprio passado era tão diverso quanto o presente. Tente mostrar o quanto
podemos contribuir para um presente mais tolerante através de imagens do
passado mais múltiplo. Enfim, tente dizer que Palmares era um espaço de
multiplicidade étnica, e não só um Estado Negro41.
41
Retomarei o tema no próximo capítulo.
81
Mas, não acredito que a provável falta de ouvidos do jornalismo deva
impedir que o arqueólogo tome essa posição, e tente expor sua pesquisa e
postura social da maneira mais coerente possível (não se esquecendo do
público ao qual se direciona). Responder com birra a qualquer falha de
comunicação ou má vontade pessoal não parece uma solução que leve a
algum lugar. Afinal, se mudar um paradigma social sobre a realidade fosse fácil,
não seriam necessário movimentos internacionais nem uma grande área
conhecida como “Ciências Humanas”. Além disso, o jornalismo é apenas umas
das formas de comunicação em grande escala. O cinema, os livros, as artes
visuais, as artes plásticas, todas oferecem formas diferentes de expressão,
comunicação e construção de conhecimentos baseados nos dados
arqueológicos.
Eco faz o certeiro apontamento de que o erro está, a seu ver, em
imaginar que possamos lidar com uma realidade diferente que a de cultura de
massas.
A falha está em formular o problema nesses termos: “é bom o mau que exista cultura a de massas?”
(...)
Quando, na verdade, o problema é: “do momento em que a presente situação de uma sociedade industrial torna ineliminável aquele tipo de relação comunicativa conhecido como conjunto dos meios de massa. Qual a ação cultural possível a fim de permitir que esses meios de massa possam veicular valores culturais” (Eco 2001, p. 50).
Para dar um exemplo de filmes, talvez
um dos mais interessantes já feitos sobre
arqueologia seja O Corpo (2001), filme de
Jonas McCord estrelado por Antonio
Banderas e Olivia Williams. Apesar de seu final um tanto apaziguador (ficou
clara a intenção de evitar atritos com o Catolicismo), o filme apresenta mais a
força política do trabalho arqueológico do que um clichê aventureiro (explosões
e assassinatos a parte). Sim, a arqueóloga possui uma personalidade tensa,
Nem apocalípticos, nem integrados. O público não-arqueológico irá re-interpretar e se re-apropriar do conhecimento arqueológico. Abordar o público através das visões criadas pela mídia, sem fugir da crítica que a ética profissional nos encarga, pode ser uma maneira muito mais efetiva (justamente porque é afetiva) de conectar-se ao público.
82
nervosa, bruta e judia, e finalmente é domesticada e acalmada pelo bom padre
romano. Mas a imagem da arqueologia em campo não segue o necessário
movimento épico colonialista (repito, a arqueólogA é judia) e apresenta etapas
bem próximas à realidade arqueológica: exploração de diversos métodos
científicos para a compreensão da materialidade envolvida, as dúvidas
envolvidas na interpretação, as relações políticas envolvidas no processo, o
proprietário do terreno escavado francamente insatisfeito e um antropólogo
físico americano nada sexy, mal acostumado à trabalho fora do seu laboratório.
Concordo com Yamin e Cook quando dizem que
arqueólogos não podem competir com o drama das telas, nem podemos corrigir o que supostamente seria a verdade literal, para começar. O que de fato temos é a habilidade de comunicar a complexidade do passado que derivamos da arqueologia (Yamin & Cook 2007, p. 173).
A proposta que tem sido levantada pela literatura mais crítica sobre
arqueologia e mídia, e que acho mais proveitosa para a arqueologia pública, é
que própria arqueologia tem uma imagem a oferecer.
Isso talvez possa explicar, pelo menos em parte, porque o “produto” arqueologia goza da popularidade que possui. Ela oferece, e é vista como ofertadora, experiências valorizadas por muitos. Visitar um museu arqueológico ou um sítio de escavação pode ser sobre arte antiga e educação sobre o passado, sobre construções geralmente idílicas do cotidiano no passado e reassegurar-se sobre sua terra natal42, ou sobre tecnologia computacional moderna, e caça ao tesouro no espírito de Indiana Jones (...). Em cada caso, é uma experiência particular no presente que conta sobre o interesse das pessoas no passado (Holtorf 2007a, p. 4).
Apesar de não haver modo direto de controlar o destino figurativo de
nosso discurso fora de nosso meio (controle do qual nos vemos privados
muitas vezes dentro de nosso próprio meio), o discurso que é gerado a partir
do trabalho arqueológico ainda é nossa responsabilidade. Ignorar o que é dito
sobre nós nos veículos de comunicação é dar as costas para as possibilidades
42
No original, home village, “Vila natal”, “vila na qual nasceu”, “considerada como casa”.
83
que temos de saber como esse discurso está sendo reaproveitado e como está
impactando paradigmas sobre a realidade social.
Se de fato o arqueólogo quer tomar o controle da imagem que se
constrói sobre ele fora de suas bordas disciplinares, não adianta negar ou
condenar uma prática inevitavelmente existente e corrente. A alienação não
altera a equação: “o silencio não é protesto, é cumplicidade; o mesmo
ocorrendo com a recusa do compromisso” (Eco 2001, p. 52).
Já está na boca do povo há muito tempo: “Quem cala, consente”.
3.3.2. Alcance e Educação
Nesse item, minha preocupação foi tentar entender uma das nuances
pelas quais se esboçam os trabalhos de arqueologia pública na
contemporaneidade, o que me parece muito bem definido na literatura em
língua inglesa como public outreach (alcance público, atingir as pessoas).
Muitos trabalhos denominados de arqueologia pública envolvem projetos em
que a arqueologia procura divulgar seu conhecimento para o público leigo.
Nesse processo, a disciplina se mantém como referencial de produção do
conhecimento, mas procura ao máximo aproximar-se do público com o objetivo
de democratizar o conhecimento produzido.
Essa abordagem envolve atuações que poderíamos definir como de
“extensão”: abertura de espaço para trabalho voluntário, produção de
bibliografia específica para um grupo não acadêmico, educação patrimonial,
cursos de treinamento e capacitação de professores e público em geral,
exposições museológicas. Uma das principais críticas a essa perspectiva, é à
sua maneira de proceder. Muitas vezes, o aproximar-se do público nada possui
de cuidadoso, sendo apenas mais uma maneira de disseminar o conhecimento
arqueológico como paradigma histórico e perpetuar sua preocupação com a
preservação patrimonial. Em contrapartida, vários trabalhos têm-se
apresentados como realmente preocupados em contribuir com as
necessidades do público na medida de suas demandas.
84
A escolha pela abordagem dessa expressão da arqueologia pública foi
feita pela polêmica de sua aplicação. Não poderia esquecer que essa
perspectiva tem aparecido muito em trabalhos de licenciamento arqueológicos
no Brasil, conhecidos como “educação patrimonial”. Os trabalhos de educação
patrimonial no Brasil são obrigatórios por lei em todas as consultorias de
licenciamento ambiental (que veremos com mais detalhes no próximo capítulo).
As discussões sobre educação patrimonial no Brasil têm seguido a mesma
linha que se pretende analisar aqui: quais os benefícios e impactos do
conhecimento arqueológico para a população local, e como esse conhecimento
está sendo transmitido ao público.
De fato, parte da bibliografia sobre o tema dedica-se à postura de
arqueologia pública como as discussões relativas aos melhores métodos de
fazermos o público entender o valor da arqueologia na vida cotidiana através
da educação patrimonial (McManammon 2002) e sua importância na
autenticação e no fornecimento de interpretações válidas do passado (Little
2002a, 2002b; Lipe 2002). A divulgação de todos os benefícios da disciplina
arqueológica e o estudo de como fazê-la mais eficiente pelo bem da disciplina
e da proteção patrimonial não me parecem ser um caminho que vá muito além
de publicidade. Não pretendo menosprezar a importância da propaganda para
a arqueologia, a exposição da própria disciplina e de seu funcionamento, bem
como resultados para a sociedade. No entanto, não me parece caso de
discussão sobre postura política e promoção da diversidade social tanto quanto
discussões sobre as melhores maneiras de vender seu próprio peixe.
Acompanhando minha argumentação sobre a origem da arqueologia
pública, cito John Jameson Jr. (2004) sobre a educação arqueológica e
programas de alcance público que começaram com força nos Estados Unidos
entre os anos 1980 e 1990, quando os profissionais perceberam que não mais
poderiam se ausentar de “mecanismos e programas que tentassem transmitir
informação arqueológica para o público leigo” (Jameson Jr. 2004, p. 50). Já
Karolyn Frost argumenta que a arqueologia saiu de seu casulo quando
percebeu que não mais poderia “nem fazer sozinha, nem forçar com a ajuda da
legislação – a preservação de vastas quantidades de recursos culturais que
85
estão tanto acima quando abaixo da terra por todo o continente” (Frost 2004, p.
60). Essa perspectiva educacional surge após o aumento considerável de
políticas estatais (e internacionais) para a preservação do patrimônio
arqueológico dos anos 1960 e 1970. Foi um momento em que a arqueologia se
deparou com a dificuldade de, sozinha, zelar pela integridade dos recursos
agora disponíveis. Igualmente, foi o momento em que muitos governos
começaram a colocar em pauta a dúvida sobre financiar trabalhos que não
trariam benefícios econômicos diretos (Colley 2002).
No entanto, penso que antes de fazer da sociedade polícia do patrimônio
arqueológico, existem outras propostas de aprendizagem e intercâmbio de
conhecimento que se aproximem da afinidade que o público não arqueológico
desenvolva com determinado lugar. De acordo com Ana Maria R. Gomes
(2006), nos anos 1970 a antropologia da educação ingressava como setor
acadêmico nos Estados Unidos e
tiveram como estímulo determinante a necessidade de contrapor-se ao modelo explicativo prevalente na época sobre os problemas de escolarização das minorias étnicas, ou seja, contrapor-se ao modelo da privação cultural, à noção de déficit cultural e aos desdobramentos em termos de uma pedagogia compensatória (Gomes 2006, p. 317).
A proposta adotada pela autora visa a resolução de problemas na
análise do desempenho escolar de minorias étnicas, com particular atenção
aos Xakriabá. Gomes defende a importância da antropologia da educação no
reposicionamento da escola dentro de um sistema educativo: ela deixa de ser o
único contexto de aprendizagem e, portanto, deve ser estudada em conexão
com as demais instituições e processos associados às dinâmicas educativas
de diferentes grupos sociais (Gomes 2006). Isso nos abre uma possibilidade
fundamental na discussão sobre diversidade de saberes, pois antes de
falarmos em dificuldades individuais (déficit cultural), teremos que falar “no
campo das diferenças coletivas na forma de viver e interpretar a experiência
social” (Gomes 2006, p. 318). E somente aí, a meu ver, podemos fazer da
educação uma ferramenta de libertação (Freire 1987). Buscar a compreensão
dos mecanismos de aprendizado do outro, suas necessidades e interesses, e
86
por quais movimentos nossos parâmetros cognitivos podem se comunicar é a
única maneira de romper com a barreira entre educador e educando.
A partir daí, penso que teremos atividades de educação patrimonial que
não pretendam apenas conquistar adeptos e criar guardas patrimoniais, mas
que respeite a diversidade de experiências. Tim Copeland escreve sobre a
aplicação do método construtivista em um caso arqueológico, partindo do
pressuposto de que o aprendizado é um veículo muito mais eficaz quando
ocorrem “dissonâncias cognitivas”, ou seja, quando há conflito entre o que se
considerava fato estabelecido e uma nova informação (Copeland 2004, p. 134).
Tomando parte da proposta educativa, o autor acredita que o construtivismo é
um meio muito adequado de abordagem justamente por considerar o
conhecimento prévio do interlocutor, opondo, no caso, a “perspectiva do
visitante” à “perspectiva da exibição” que seria a interpretação arqueológica
(Copeland 2004, p. 135).
Seu texto é uma excelente reflexão sobre esses dois processos
cognitivos e aborda uma questão básica sobre trabalho de campo. Como a
visita ao sítio arqueológico deveria ser encarada pelo arqueólogo? Opondo-se
à idéia que julga positivista em que a arqueologia deve apresentar de maneira
clara e precisa qual é seu ponto de vista, ele opta por pesquisas que apóiam
reflexões fenomenológicas e construtivistas. Os resultados apresentados em
alguns casos que tem mostrado como uma recepção dialógica do visitante não
é uma experiência vazia.
Encorajar e aceitar iniciativa de visitantes (...); Usar fontes primárias junto com materiais manipuláveis (...); Usar interpretações que peçam ao visitante para classificar, analisar e criar (...); Usar as respostas dos visitantes como motores de interpretação (...); Perguntar sobre a compreensão que o próprio visitante possui de conceitos antes de apresentar sua interpretação (...); Encorajar visitantes a dialogarem tanto com os especialistas quanto entre si (...); Encorajar visitantes fazendo perguntas atenciosas, de mente aberta e encorajando os visitantes a fazerem perguntas entre si (...); Procure elaborações das reações iniciais dos visitantes à evidência (...); Engajar visitantes em experiências que possam gerar contradições às suas hipóteses iniciais e encorajar discussões (...); Permita espaços de tempo para a formulação de questões e para a construção de relações e metáforas por parte dos
87
alunos (...) (Brooks & Brooks 1993 apud Copeland 2004, p. 140-142).
Em poucas palavras, a proposta é abrir mão da autoridade cognitiva
sobre o sítio e tomar a postura de mais um dos interessados em pensar sobre
ele. Não se trata de um pedido de abandono do conhecimento arqueológico,
mas de abertura a outras propostas que não tenham vindo necessariamente do
mesmo background. É uma experiência que pode terminar em lugar nenhum,
com o visitante entediado e cansado do sol e da poeira sem haver conquistado
o menor apreço por fazer buracos no chão (seja lá qual for a razão dos buracos
no chão). Mas a proposta não é convencer o público de que arqueologia é a
melhor atividade do mundo, mas sim dar abertura para outras interpretações do
passado e outras experiências no momento presente daquele espaço.
Devemos levar em conta, no entanto, que ter montado um sítio arqueológico já
é em si uma forma de interpretar o passado e de influenciar a percepção da
paisagem.
De qualquer maneira, uma vez já aberto, a proposta apresentada por
Copeland permite uma construção mais democrática do passado e uma
experiência mais diversificada do processo arqueológico. Abrir-se para uma
experiência fenomenológica não é só fornecer bom entretenimento ao público,
é abrir-se para o questionamento do público, permitir que ele se insira (veja
bem, “ser inserido” é diferente de “inserir-se”) na metodologia e processo
cognitivo usado pela arqueologia em suas interpretações: abrir a caixa-preta.
Isso exige um reconhecimento de que a experiência e conhecimento do(a)
arqueólogo(a) diferem da experiência e conhecimento do visitante, ao contrário
de abordá-lo como um estranho ao processo, cujo nível de apreciação
científico é inferior ao seu e, portanto precisa ser suprido.
Neil Faulkner defende que o trabalho voluntário na arqueologia pode ir
além de uma proposta de alcance do público, sendo a real saída para uma
arqueologia que venha de baixo (Faulkner 2004). As diversas experiências que
antecedem os participantes levam a interpretações múltiplas sobre as mesmas
descobertas feitas em campo e, se permitido pelo arqueólogo responsável,
podem ser a faceta de uma arqueologia socialista (Faulkner 2004).
88
Em 2006 durante o estágio de licenciatura no meu curso de História,
fomos (eu e uma colega) falar sobre arqueologia para uma classe de 5ª série,
ensino fundamental de um colégio particular dos mais prestigiados de
Campinas/SP (do tipo que se esperava produzir os políticos da próxima
geração). Em uma sala de aula com 30 alunos, começamos a falar sobre a
arqueologia nos tempos de hoje, sobre a importância de que o arqueólogo seja
conectado com o mundo presente e não se afogue apenas em suas coleções e
peças, a importância de que seus achados sejam expostos ao público, não
ficando apenas fechadas em prateleiras de reservas técnicas.
Tamanha foi nossa surpresa quando uma das apresentações dos alunos
sobre arqueologia, ao reproduzir nosso discurso quase em sua integridade,
apresenta uma foto de peças arqueológicas em prateleiras de uma reserva
técnica como atitude reprovável. Tanto eu quanto minha colega, ficamos
perplexos com a tomada literal de nossa tão “inocente” metáfora.
Se olharmos para essa situação pelo viés de uma diferença de nível,
poderemos resolver a questão simplesmente entendendo que houve uma falha
de comunicação entre o nível acadêmico do qual partimos e o nível
fundamental da educação infantil na qual se encontravam nossos interlocutores.
Nós, que já sabíamos que usávamos uma linguagem figurada e que, mesmo
ressaltando a importância da exposição pública, as reservas técnicas são parte
do trabalho arqueológico, deveríamos ter deixado mais claro nosso ponto de
vista metafórico às crianças. Afinal, estamos em níveis diferentes. Inclusive,
podemos pensar que esse foi o ponto de partida dos infantes quando tentaram
ao máximo reproduzir na íntegra nosso discurso: “eles são alunos de faculdade,
estão mais avançados nos estudos e temos que aprender o que vier deles para
um dia também estar no mesmo patamar”. Aqueles alunos estão todos em fase
de preparo para a vida adulta, e pretendem seguir passos comuns aos
professores e estagiários: arranjar um emprego, passar no vestibular, escolher
uma área de atuação, tornar-se um membro de grupo social específico, ser um
cidadão ativo. Ou seja, há uma relação de nível se partirmos do pressuposto
que, em determinada relação, um dos indivíduos possui certo conhecimento
que o outro indivíduo almeja (seja lá qual for a razão): um aprendizado.
89
No entanto, não acredito que a visão sobre o passado possa ser
colocada nesse mesmo patamar. Ou melhor, nosso interesse aqui é para a
atenção a diferentes formas de ver o passado, e não de formas “mais ou
menos evoluídas” de ver o passado.
Se observarmos pelo detalhe de que o enunciado foi praticamente o
mesmo em ambos os pronunciamentos, a perspectiva aparenta ser mais
interessante. Enquanto pronunciávamos uma metáfora, eles compreenderam
uma imagem literal. E quando pronunciaram sua mensagem literal, ficamos
confusos e fomos forçados a pensar no que seria possível apreender desse
diferente tipo de interpretação do enunciado. De fato, após a aula, ficamos
discutindo sobre o papel das reservas técnicas em um a arqueologia
preocupada com a interpretação e com o acesso público. Ou seja, para que
continuar a aumentar coleções fechadas? Seria melhor pararmos de escavar?
Não seria melhor trabalhar com exposições e contato direto com o público nos
sítios? Não seria melhor levar adiante as sugestões da arqueologia paisagística
e chamadas sócio-ambientais para escavar o menos possível? Será que já
estamos tomando essa postura? Foi uma interessante volta para casa.
O despertar de dúvidas não seria possível em uma relação de distinção
nivelar, pois a aproximação tenderia para certo paternalismo: “eles estão num
nível mais baixo, por isso não entenderam”; ou até mesmo “precisamos tomar
cuidado com o que falamos, pois eles estão em um nível diferente”. Agora,
“Será que estamos mesmo indo por esse caminho? Mas os museus e reservas
não estão cada vez mais cheios? Não seria melhor passar a adotar condutas
menos intervencionistas?” só seria possível se reconhecêssemos naquele
discurso um nível similar, de igual patamar de consciência e preocupação com
a realidade, uma diferença de tipo; uma outra opinião a ser levada em conta.
Repito, tanto no nivelamento quanto na tipologia é possível o
reconhecimento do estranhamento discursivo. E mesmo a tentativa de correção
desse estranhamento para que ambas as partes possam se entender melhor.
No entanto, o reconhecimento e validade da alteridade só é possível se
encararmos falhas na comunicação, antes do nível, como um possível
90
problema de tipo. Retomando as argumentações de Ana Gomes (2006),
devemos reconhecer uma distinção cultural antes de um déficit a ser suprido.
Por mais que as crianças estejam matriculadas numa cadeia de ensino
progressiva, não devemos ignorar suas sensibilidades e perspectivas. O
exemplo de Copeland (2004) caminha na mesma direção, quando reconhece
que diferentes indivíduos (sejam adultos ou crianças) possuem modos distintos
de entender, reconhecer e sentir o presente e o passado.
Talvez esse seja o principal problema da educação patrimonial aplicada
em projetos arqueológicos. Não se encara o público não-arqueológico como
observador consciente de seu entorno; Pelo contrário, há o costume de encará-
lo como um deficitário da mirada precisa do arqueólogo. No entanto, me parece
óbvio que nem todos possuam a mirada precisa do arqueólogo. O que pode vir
a ser um grande equívoco, como vimos no item anterior: o público muitas vezes
possui um conhecimento arqueológico tal qual divulgado na mídia, podendo ou
não ter alguma compatibilidade com o discurso arqueológico acadêmico. Ou
mesmo não ter interesse algum em adotar a mirada do arqueólogo, como
argumentou Brian Fagan (1977).
Voltando ao texto de Tim Copeland, um esquema por ele apresentado
Copeland (2004, p. 136) parece desencontrar em parte de sua postura
construtivista. Tal esquema mostra com perspicácia a complexidade da
interação entre ciência e público, e como essa interação pode contribuir não só
para o conhecimento leigo do processo de produção científica, mas também
para a própria ciência que, sob os olhos do outro sofre uma crítica externa. No
entanto, penso que seja errôneo partir do princípio de que é apenas através da
arqueologia que o público toma contato com o lugar que passa a tratar como
sítio arqueológico. Não há dúvidas de que é unicamente através da arqueologia
que o leigo toma contato com o sítio arqueológico, já que este é uma criação
arqueológica. Mas antes de ser sítio, retomo meu argumento, o espaço pode
ser qualquer outra coisa com a qual a comunidade já teve contato e com o qual
pode ter desenvolvido algum tipo de relação. Relação da qual o público se
torna especialista, e não leigo.
91
Não é incomum, pelo contrário é quase norma, a freqüência que sítios
arqueológicos são encontrados ao acaso por agricultores, jardineiros,
veranistas em passeio ao campo, mergulhadores. Tanto é que o Reino Unido,
a modo de exemplo, sentiu a necessidade de criar políticas de registro e
portabilidade legal de antiguidades e
vestígios arqueológicos encontrados por uma
horda de “detectoristas de metal” que fizeram
moda no lazer dos anos 1990 (Bland 2004)43.
Meu ponto é que não há porque
esperarmos que o público entenda
arqueologia como entendemos. Tampouco há
razões para forçarmos nossa compreensão
da realidade antes de procurarmos entender qual a bagagem que eles
possuem. Tanto por uma questão de ética e respeito à diversidade cultural
quanto pelo proveito que a interdisciplinaridade na qual se baseia a
arqueologia: Sempre vale a pena conferir se há algo mais entre o céu e a terra
do que pode imaginar nossa vã filosofia.
Nick Merriman (2004b) possui um texto no livro de sua edição em que
apresenta uma série de temas relativos à musealização e o contato com o
público. Sua primeira observação é de que no Reino Unido, “visitar museus e
galerias como um todo é uma atividade mais popular que assistir a jogos de
futebol ou qualquer outro evento esportivo ao vivo” (MORI/Resource 2001:7
apud Merriman 2004b, p. 85). Não só por ser uma atividade de entretenimento,
mas
Museus são representações midiáticas poderosas porque elas lidam com o próprio material sobre os quais repousam reivindicações de identidade e verdade. Sua concretude, sua posse da “evidência”, seu status oficial e sua associação com a Academia44, dão ao Museu maior autoridade e reivindicações à verdade que qualquer outra mídia. (Merriman 2004b, p. 86).
43
Veremos um caso similar à arqueologia subaquática no último capítulo.
44 No original, Scholarship, definido pelo Dictionary.com (2010) como 1. learning; knowledge acquired by
study; the academic attainments of a scholar./2. a sum of money or other aid granted to a student,
Seja qual for a proposta de alcance público, enxergar os não-arqueólogos como culturalmente diferentes, ao invés de culturalmente deficitários, é a única maneira de criar uma educação libertária e produzir uma experiência do passado e presente que responda às necessidades do(a) arqueólogo(a) e do público.
92
Os museus possuem a materialidade do passado, assumindo assim um
papel muito semelhante ao sítio arqueológico: o receptáculo dos vestígios do
passado, das provas de outrora, da verdade agora revelada. Sua importância
tem sido atribuída muito mais ao seu “papel simbólico como repositórios da
matéria-prima sobre a qual a identidade é fundada” (Merriman 2004, p. 86-87)
do que em seu valor educacional.
Além da difusão via web, uma das pedagogias mais comuns é mostrar o
que está “por trás da cena”. No Museu Nacional de Gales, uma atividade
específica consiste em vestir um de seus funcionários como um indivíduo pré-
histórico, descrever à audiência suas roupas e acessórios. Os mesmos
espectadores ajudam a “enterrá-lo” numa caixa com fundo falso. Uma vez
dentro da “tumba”, o protagonista é trocado por um verdadeiro esqueleto, e a
audiência é convidada a discutir sobre alterações que o tempo causou à cultura
material associada ao enterramento (Merriman 2004b, p. 92).
Seguindo uma metodologia semelhante de contato direto, as “mãos no
passado” representam outra tentativa de inovação museológica. Basicamente,
é a tentativa de apresentar a materialidade a crianças e adultos através da
experiência táctil (tocando os objetos). Como não poderia ficar de fora, Nick
Merriman cita algumas propostas em que o material arqueológico deixa o
espaço do Museu e destina-se ao contato mais distante. As loan boxes,
conhecidas por nós como “kits arqueológicos”, são bens muito requisitados que
propiciam uma vivência com o objeto fora do espaço do Museu. Existem
também meios de levar o museu até o público através da movimentação das
coleções por outros espaços, como Shoppings, aeroportos, pubs ou mesmo
escritórios erguidos em sítios arqueológicos (Merriman 2004b). Alguns museus
do Reino Unido apresentam os Museums on the move (Museus em
movimento), caso dos Serviços de Museu de Shropshire, Herefordshire e
Worcestershire.
because of merit, need, etc., to pursue his or her studies. /3. the position or status of such a student./4. a
foundation to provide financial assistance to students. Optei por uma tradução que mantivesse o peso
institucional do conhecimento.
93
A primeira exibição, ‘Munch!45: uma curta história da comida através dos anos’, incluiu material arqueológico, e apresentou material arqueológico real manuseável e replicas de objetos, ‘caixas de pegar’ e ‘caixa de cheiro’, fitas, vídeos, e um interprete a bordo que poderia responder perguntas (Merriman 2004b, p. 96).
Essas estratégias de alcance público pelos museus passam por uma
discussão crítica em seu texto. Em primeiro lugar, o entretenimento e estética
de apresentação sugeridos logo no início dos anos 1960 e 70 e levada a cabo
em Museus como o de Londres e Jorvik Centre, são criticadas por proporcionar
uma visão muito confortável e nostálgica do passado, geralmente a favor de
uma perspectiva histórica das classes dominantes (Merriman 2004b). Inclusive,
já na virada da arqueologia pós-processual Michael Shanks e Christopher Tilley
fazem um ataque muito feroz a esse tipo de exposição museológica pela
“cobertura estética” que coloca sobre o processo de construção do
conhecimento arqueológico, já que a exposição apresenta nada mais que o
resultado pronto (Shanks & Tilley 1992).
Em segundo lugar, a iniciativa digital promove de fato um alcance
fenomenal inerente à condição conectiva da internet, como já foi argumentado.
No entanto, questiona-se se essas ilustrações virtuais provêem uma
acessibilidade à coleção maior do que as velhas imagens em livros (Merriman
2004b, p. 91). Em terceiro lugar, nos exemplos “dos bastidores”, nada é
argumentado a não ser o suposto processo de decomposição do material que
vestia o guerreiro escapulido pelo fundo falso. Projetos de “mão na massa” não
podem ir muito além se tudo o que fazem é dar objetos para que o público
passe a mão. Além disso, não há uma real medida sobre o quão instrutivo
esses modelos de abordagem pública possam ser (Merriman 2004b).
Como um exemplo diferenciado de atividade museológica, Merriman cita
a exposição do Museu de Londres que entre 1993 e 1994 desenvolveu um
projeto chamado “O Povoamento de Londres”, cujo mote era a diversidade
45
Optei por deixar o original por falta de vocábulo em português que mantivesse o sentido e a estética
monossilábica da chamada do projeto. De acordo com o Dictionay.com (2010), munch é definido como 1.
to chew with steady or vigorous working of the jaws, often audibly.
94
étnica que teria constituído o povoamento da cidade, a partir de fontes
materiais e escritas.
Quase 100.000 pessoas visitaram a exibição durante seus seis meses, e pesquisas junto com outras técnicas de avaliação demonstraram que a exibição conseguiu atrair uma nova audiência para o Museu, com 20% dos visitantes descrevendo-se como pertencentes à uma minoria étnica, comparado com os 4% anteriores à exibição. (Merriman 1997 apud Merriman 2004b, p. 98).
O estudo apresentado por Sally McDonald e Catherine Shaw sobre o
interesse do público nos temas egípcios foi em decorrência de uma pesquisa
feita pelo Museu Petrie da UCL apresenta questões, grupos focais e resultados
muito interessantes. A pesquisa consistiu em questionários aplicados a grupos
determinados de acordo com um critério de “público conhecido”, “público
potencial”, “entrevistas selecionadas” e “grupos focais”. Aos dois primeiros
foram aplicados questionários sobre temas de interesse em egiptologia,
diferente dos “entrevistados selecionados” e dos grupos focais (que participam
de discussões). Os primeiros foram os “amigos dos museus”, associação de
freqüentadores e seguidores das atividades do museu; o segundo grupo eram
escolas do ensino fundamental próximas à Londres Central (local do Museu),
dos quais responderam professores e não alunos; o terceiro grupo representou
uma soma de 24 indivíduos entrevistados que possuíam conhecido interesse
em egiptologia, sendo três egípcios, cinco negros não egípcios e os demais
brancos; o quarto foi composto por jovens mochileiros e adultos que já haviam
ido ao Egito através de cruzeiros, e outros dois grupos de indivíduos entre 25 e
45 anos que nunca haviam ido ao Egito.
Entre as diversas questões feitas e da variedade de tratamentos às
respostas, Cito aqui apenas alguns pontos que concernem à minha
argumentação. Como uma instituição universitária pública, o interesse principal
do Museu era em conhecer as “bases comuns” de seus visitantes, fossem
profissionais ou amadores (McDonald & Shaw 2004, p. 112). No entanto, levam
a cabo reflexões que tocam em temas polêmicos, como a “cor dos antigos
egípcios” e a relação entre o Egito moderno e Egito antigo. Inclusive a relação
entre egípcios modernos e o Antigo Egito.
95
De início, é constatado através de uma pesquisa de órgão nacional
(English Heritage) que “três de cada quatro pessoas acreditam que ‘a
contribuição de povos negros e asiáticos na provisão patrimonial para nossa
sociedade não é totalmente representativa’” (MORI 2000 apud McDonald &
Shaw 2004, p. 112). Observam também que visitantes ao Museu que se
definem como negros é um número muito baixo, da mesma maneira que o
número de egípcios que visitam o Cairo é menor que 5% do público total, e o
quadro de estudantes conta apenas com 1 egípcio em cada 20, e que dos
“Amigos do Museu” apenas 1% é egípcio. Ou seja, de quem e para quem é a
história Egípcia exposta no Museu? O Egito é um território Africano ou branco?
Qual a relação entre o Antigo Egito e a vida egípcia contemporânea?
Essas perguntas fizeram parte das entrevistas e das discussões com os
grupos focais. Sobre a cor egípcia, “adultos brancos acharam questões sobre a
cor de pele dos antigos egípcios ‘profundamente perturbadora e inesperada’.
Havia evidência de um desejo de manutenção de uma identidade egípcia
branca” (Fisher 2000: chart 35 apud McDonald & Shaw 2004, p. 111-112).
Entretanto, se olharmos pelo outro lado “Correspondentes não brancos se
mostraram apaixonados ao invés de ameaçados pela pergunta. Era-lhes claro
que a o Antigo Egito havia sido tomado como parte da história branca” (Fisher
2000: chart 37 apud McDonald & Shaw 2004, p. 122). Podemos observar, do
mesmo modo, que “pessoas brancas pareceram despreocupados pela mistura
de fantasia e fato em sua versão do antigo Egito, enquanto correspondentes
não brancos eram mais conscientes de distorções” (Fisher 2000: chart 33 apud
McDonald & Shaw 2004, p. 121), em parte porque essa fora uma fantasia
criada pela própria sociedade branca ocidental; E como vimos no item anterior,
imagem construída pelos próprios arqueólogos que participavam da empresa
colonialista européia desde o final do século XIX (diga-se de passagem, a
maior parte da coleção do Museu Petrie vem de escavações durante a
presença Britânica no Egito). Dentre todos os correspondentes, apenas um foi
contra a política de manutenção do material arqueológico em seu país de
origem (McDonald & Shaw 2004, p. 125).
96
Esse exemplo me pareceu interessante por duas razões. Primeiro, para
lembrar-nos de que o público atendido pela arqueologia e seus museus é
heterogêneo e não está necessariamente de acordo sobre a “cor” do passado.
Segundo, pelo papel que a institucionalidade e credibilidade da informação
arqueológica possui. Se, por um lado, seu conhecimento pode ser aplicado
como pressão normativa sobre a história da sociedade, pode ser usado, por
outro lado, para fornecer subsídios de luta para romper paradigmas
excludentes. De fato a decisão final sobre o que será exposto nas prateleiras
do museu está a cargo da equipe técnica (McDonald & Shaw 2004, p. 110).
Mas essa decisão pode ser tomada em prol da diversidade cultural.
A coesão desse discurso de utilidade pública da arqueologia se perde no
momento em que ela tenta lidar com o outro de maneira arrogante,
posicionando-se em nível mais alto: quando a educação e o alcance públicos
se tornam sinônimos do “modelo do déficit”, do público ignorante que deve ser
esclarecido (Merriman 2004a). A meu ver, as relações nas quais a arqueologia
se envolve devem ser vistas, de início, através de uma distinção de tipo
(discursos paralelos que se encontram) do que de nível (um único discurso em
estágios evolutivos diferentes). Como argumentou Ana Gomes (2006), antes
uma distinção resultante de variáveis culturais do que uma de deficiência
individual. Minha idéia não é, repito, evitar o conflito que me parece sempre
inevitável seja qual for seu grau. Minha proposta é fazer um esforço mínimo
para entender o outro antes de forçar-lhe a aceitar uma verdade, pura e
simples.
Por fim, penso que os breves exemplos explorados nesse trecho deixam
claros que a arqueologia esforça-se como pode para mostrar-se útil à
sociedade. A arqueologia pública como luta pela preservação do patrimônio
arqueológico (Frost 2004, p. 80) implícita nas propostas de alcance público,
educação patrimonial e gestão de recursos culturais é demonstração clara
disso. A depender da postura do profissional, seu conhecimento científico pode
também contribuir para a defesa da diversidade social.
97
Agora, o que fazer quando a arqueologia se torna um entrave na
expressão da diversidade?
3.3.3. Antropofagia arqueológica
Um dos mecanismos cognitivos que sempre esteve atrelado fortemente
às formas de construção do passado é a memória. Segundo Jacques Le Goff,
“tal como o passado não é a história, mas seu objeto, também a memória não é
a história, mas um de seus objetos e, ao mesmo tempo, um nível elementar de
elaboração histórica” (Le Goff 2003, p. 49).
A memória não é em si uma construção disciplinar do passado,
tampouco sua única fonte. Ela é, antes de tudo, uma capacidade humana de
resguardo identitário, de identificação cósmica e de interpretação contextual.
A memória, como propriedade de conservar certas informações, remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa como passadas (Le Goff 2003, p. 419).
E são essas impressões que mais nos importam individualmente como
objeto histórico e como dispositivos de identidade sócio-cultural. Não apenas
as memórias ditas voluntárias, produções de um regime oficial de verdade
(Seixas 2004), mas também
(...) a dimensão afetiva e descontínua relegada pela memória voluntária é a dimensão que parte das ciências humanas tem buscado precisamente integrar, com o estudo dos mitos, das sensibilidades, das paixões políticas, da imaginação e do imaginário na história (Seixas 2004, p. 48).
De fato, a arqueologia julga-se, acredito que justamente, na posição de
produzir subsídios para o desenvolvimento de uma memória mais abrangente
do que a memória oficial, dita voluntária nas palavras de Seixas. Como
vestígios involuntários, inconscientes do cotidiano, a cultura material torna-se o
palpável daquilo ao qual nem sempre estamos atentos. Vestígios que podem
falar sobre as vidas deixadas de lado pelas odes, pelas leis, pelos escribas. A
memória e a afetividade são ferramentas essenciais para a transformação de
um espaço vazio em um lugar de referência individual ou social (Tilley 2006).
98
Em quais momentos, então, a disciplina pode contribuir com essa memória?
Em quais momentos ela a sufoca? A proposta desse trecho do capítulo é
dupla: 1) Analisar como o público toma posse do discurso, das práticas, dos
vestígios e das memórias das quais a arqueologia se julga dona; 2) Ver alguns
exemplos em que a autoridade arqueológica torna-se um incômodo à
diversidade de interesses. Em suma, observar como o público pode responder
à presunção arqueológica.
Sarah Colley (2002) argumenta que para vários grupos indígenas a
arqueologia é negada e julgada desnecessária: porque deveriam eles escutar o
que os brancos têm a dizer sobre os indígenas e sobre seu passado? Isso
cabe, antes de qualquer um, aos próprios indígenas. E eles têm os meios e
referências para tal. Em outro momento do livro, Colley coloca em questão o
caráter gerencial que sempre recai sobre o patrimônio: algo que tem sido
pouco discutido “é o conceito de que o patrimônio deva ser gerido, ao invés de
cuidado, estudado, estimado, deixado desaparecer ou apodrecer, vendido ou
destruído” (Colley 2002).
A repatriação de vestígios materiais e humanos, a exemplo, tem sido
uma das questões mais polêmicas entre arqueólogos, governos nacionais e
diferentes grupos étnicos de nações pós-coloniais, desde a repatriação de
vestígios materiais pelas autoridades egípcias à exigência de re-enterramento
de esqueletos indígenas na Austrália (Colley 2002, Jameson Jr. 2004, Raab et
alii 1980, Byrne 2004). John Jameson Jr. cita o caso do homem de Kennewick,
que gerou fortes controvérsias sobre as questões de propriedade intelectual e
territorial entre pesquisadores e comunidades indígenas sob os auspícios do
NAGPRA. Encontrado em 1996, o homem de Kennewick foi datado em torno
de 9000 anos, entrando assim dentro dos critérios do NAGPRA de “Nativo
Americano”. No entanto, o mesmo pesquisador que o descobriu creditou o
esqueleto com “feição facial longa e estreita”, sugerindo que fosse um europeu.
Imediatamente, começaram discussões sobre quem teria a posse da resolução
sobre o destino dos restos humanos.
Reivindicações foram feitas por tribos indígenas, oficiais locais, e alguns membros da comunidade científica. A Corporação de
99
Engenheiros da Armada Americana, agência responsável pela terra os vestígios foram encontrados, tomou posse (Jameson Jr. 2004, p. 46).
Em 1999, outras datações por C14 (carbono 14) foram feitas, e
atestaram a mesma antiguidade de 1996. A análise de DNA mitocondrial e por
proteína de colágeno até o momento não foram confiáveis devido ao teor de
contaminação das amostrar retiradas do esqueleto. Até 2004, o esqueleto
estava ainda em posse de uma equipe de cientistas, posterior à um processo
judicial contra o enterramento do esqueleto, para continuação dos estudos
(Jameson Jr. 2004).
Essa posição indígena de resgate dos bens considerados como
ancestrais é parte de um movimento não apenas cultural, mas político.
Eu sugiro que povos aborígenes possam ver a presença de seus vestígios culturais em museus e outros repositórios não só, em seus próprios termos, impróprio e ofensivo, mas estrategicamente debilitando sua reivindicação moral à terra. Devemos ter em mente que, na história, o conceito de identidade racial ou étnica coalesce no pensamento europeu com a idéia de nação. Nesses termos não há como ter identidade sem terra (Byrne 2004, p. 248).
Os povos indígenas não separam o interesse pelo patrimônio cultural e
sua história de outros elementos de suas vidas, pois a posse de sua
propriedade cultural está intrinsecamente ligada com reivindicações pela posse
da terra, luta por justiça social, auto-determinação e soberania (Colley 2002, p.
65). Denis Byrne defende que essa relação de propriedade estabelecida com a
materialidade dos vestígios humanos pode ser resultado de uma interação com
os invasores brancos que, desde o século XIX, vem promovendo um
encadeamento político entre vestígios>ancestralidade>nação>direitos civis.
Para perseguir essa linha de pensamento, a visibilidade desses sítios arqueológicos para os brancos tem se tornado uma parte crucial de sua significância para povos aborígenes. Nessa medida os vestígios são fetichizados por povos aborígenes de uma maneira que eles indubitavelmente jamais teriam feito em tempos pré-contatos. A diferença vital é que prévio ao contato povos aborígenes não teriam que lutar com essa doutrina de terra nullius (terra inocupada), ‘a fantasia fundacional das colônias australianas’ (Jacobs 1996:105). (Byrne 2004, p. 251).
100
Um caso com final mais feliz para os interesses comunitários trazido
pelo mesmo autor é o famoso Cemitério Africano em Nova Iorque. Descoberto
em 1993, durante as investigações de licenciamento, tais como exigidas pelo
Ato Nacional de Preservação Histórica, para a construção de um complexo do
escritório federal. “Os vestígios de 427 indivíduos foram, ao final, removidos do
sítio antes que a construção do projeto de 300 milhões de dólares fosse
interrompida frente aos protestos da comunidade local e científica” (Jameson Jr.
2004, p. 49). Os esqueletos, após serem estudados em Washington, foram
retornados à Nova Iorque e novamente sepultados no Memorial do Cemitério
Africano46, designados com um Marco Histórico Nacional em outubro de 2003
(Jameson Jr. 2004, p. 50).
A relação entre a materialidade como expressão da memória e da
identidade local, como se os vestígios materiais fossem as verdadeiras “raízes”
ao solo natal, faz parte do pensamento ocidental. Tão forte, que nações fruto
do colonialismo buscam construir laços com a “ancestralidade” da terra em
momentos de secessão com a metrópole.
Por volta dos anos 1880 na Austrália os colonos 47 brancos estavam reinventando-se como os “novos nativos” e os traços de ocupações aborígenes anteriores, junto com a flora e fauna indígenas, tornaram-se vetores de contato ou conexão com os ‘espíritos da terra’. Por fim, ao redor dos anos 1960, esses traços seriam apropriados como parte do patrimônio nacional. Como Benedict Anderson (1991) ter argumentado, a própria idéia de estado nação está atrelada ao ato de coleção: o museu, o censo, e o inventário patrimonial, todos contribuem substancialmente para essa elusiva entidade geopolítica (Byrne 2004, p. 248).
46
No original, African Burial Ground Memorial Site.
47 No original, settler, definido pelo Dictionary.com como 1. Designar, fixar ou resolver definivamente e
conclusivamente; concordar sobre/2. Colocar em um local desejado ou em ordem/5. Migrar para e
organizar (uma área, território, etc.); colonizar/6. Levar a tomar residência (Cf. Dictionary.com 2010 –
settle)
101
Veremos no próximo capítulo como essa situação acontece de forma
semelhante no Brasil, como um dos exemplos da nação mestiça latino-
americana construindo suas políticas de manejo da nova identidade nacional.
A pressão da história colonialista ainda transparece em algumas
situações nas quais os arqueólogos, em sua maioria brancos, são vistos com
suspeita. O artigo de Bertram Mapunda e Paul Lane mostram tal situação com
um caso na Tanzânia. Apesar desse trabalho começar pela demonstração de
métodos sobre aproximação com o público, o que me pareceu mais
interessante foi sua conclusão, que fornece pistas sobre os antecedentes de
Bertram Mapunda. Ele havia deixado sua comunidade para estudar
arqueologia e retornou para ali realizar o campo de seu mestrado.
Como uma conseqüência direta de sua escolha de campo, uma necessidade de compartilhar a informação coletada com a população local surgiu como um resultado da pressão vinda de ambos os lados – os moradores que sentiram possuir certo direito de perguntar ao ‘seu garoto’ que explicasse o que ele estava fazendo e o que ele descobriu, e a obrigação que ‘o garoto’ sentiu de informar seus companheiros e parentes o que ele estava planejando fazer (Mapunda & Lane 2004, p. 219)
Os métodos apresentados para interação com o público são
basicamente os mesmos usados por arqueólogos “entre si”, sem muitas
alteraçõe: i) recrutar trabalhadores entre os membros das comunidades
(selecionados por eles mesmos), ii) exibir planos de trabalho (objetivos,
métodos, o que procuram, como o fazem), iii) conversar sobre as perspectivas
dos próprios moradores sobre o trabalho, o passado e os materiais e iv)
aconselhamento de figuras centrais da comunidade como informantes. A
própria posição dos autores se coloca inflexível, como de praxe, à necessidade
de preservação e conscientização para o não depredo dos sítios (Mapunda &
Lane 2004). No entanto, os antecedentes que o artigo apresenta, tanto a
procedência de Mapunda quanto a suspeita constante que as comunidades
rurais possuem da arqueologia e sua vinculação com o Governo, deixam a
impressão de que a arqueologia se presta muito mais ao esclarecimento do
público sobre si mesma do que absorve o público para sua empreitada. Ou seja,
102
ela abre sua prática à vista pública não para tentar seduzi-la ou silenciá-la, mas
para prestar contas.
Já o caso de Mike P. Pearson e Ramilisonia vai muito mais além.
Assumem que seu trabalho na região malgaxe de Androy não seria possível
sem a presença do arqueólogo tandroy Retsihisaste. E mesmo assim, o vínculo
que o “arqueólogo indígena” possuía com as comunidades locais nem sempre
era amplo o suficiente. Trabalhando em territórios de comunidades muito
desconfiadas de estrangeiros, onde não existem meios “midiáticos” suficientes
para transportar a imagem (deturpada ou não) do arqueólogo e seu trabalho,
eles são não mais que estranhos e possíveis “caçadores de cabeça” 48 .
“Nossos piores problemas, tais como sermos feitos reféns, aconteceram
quando estávamos distantes da aldeia natal de Retsihisatse, em áreas onde
ninguém conhecia ou tinha escutado falar dele e de sua família” (Pearson &
Ramilisonia 2004, p. 233).
Em South Uist, nas Ilhas Híbridas Exteriores 49 as comunidades
conheciam e já reconheciam o indivíduo arqueológico, “São os turistas ideais
porque são previsíveis, relativamente gastadores e são conhecidos da
comunidades” (Pearson & Ramilisonia 2004, p. 228). No entanto, continuam
sendo estrangeiros que necessitam estar em contato com a realidade local,
que não possui arqueólogos “indígenas”, mas possui uma Sociedade Histórica
local que tem acompanhado os trabalhos por décadas.
A antropofagia do arqueológico pode chegar ao caso de Bertram
Mapunda e Ramilisonia, membros de sociedades exteriores à mainstream dos
estudantes de arqueologia que escolheram fazer parte desse mundo.
“Membros de sociedades exteriores” é um termo um pouco vazio, mas reflete a
certa dificuldade em lidar com essa oposição entre “arqueólogos” e “não-
48
A suspeita que pesa sobre os estrangeiros teria originado diversos rumores sobre sua vinda, em
especial de brancos, para roubar-lhes os fígados, corações e pulmões dos tandroy. Em 1993, os autores
descrevem que um rumor sobre “caçadores de cabeças” que as queriam para tirar-lhes o cérebro para
pesquisas pela cura da AIDS (Pearson & Ramilisonia 2004).
49 No original, Outer Hybrid.
103
arqueólogos”. Uma vez que o indivíduo passou pelo processo de formação de
um profissional da área, a distinção é mais clara (amadorismos a parte). Mas,
como definirmos os aspirantes, quando seus antecedentes estão tão distantes?
Um arqueólogo indígena terá as mesmas carcterísticas que o arqueólogo
urbano? Não questiono as vias do mérito profissional de pesquisadores de
diferentes ascendências, mas me pergunto sobre as vias de posturas políticas
e interesses.
A reflexão sobre o conceito de indígena é colocada para além das
entradas propostas pelo dicionário 50. Ao mesmo tempo em que “indígena” se
refere ao nativo de alguma terra, quando usado pelo arqueólogo, abrange
também o peso colonizador. Ou seja, o indígena é aquele que estava na terra
(afinal, a depender do período cronológico que formos adotar, todos são
“estrangeiros” à terra) no momento em que alguma força estrangeira toma
posse (por paz ou por guerra) do território ocupado por aquele povo. Não se
sabe ao certo como aquele povo veio a firmar morada ou quais suas diferenças
internas. Ele passa a ser o indígena porque não é “branco” ou “romano” ou
“inglês”. Conseqüentemente, os descendentes desses indígenas serão também
indígenas, e assim continuarão sendo enquanto forem reconhecidos como
descendentes desse povo conquistado e oprimido.
De qualquer maneira, não pretendo me estender muito nessa questão. O
que vale observar aqui é a diversidade que compõe o público não arqueológico.
Ratsihisaste era um tandroy, mas isso não quer dizer que ele ou sua família
sejam conhecidos por todo o território. Os moradores de South Uist que
deixaram a região, mas retornam com frquencia como turistas, são ou não são
locais? As Ilhas Híbridas, por exemplo, são conhecidas por sua alta taxa de
emigração ao mesmo tempo em que os emigrados mantém um forte apego e
sentimento de pertença ao local (Pearson & Ramilisonia 2004, p. 228).
50
De fato, em busca ao Dictonary.com, o conceito de indígena faz referência somente ao seu vínculo
com uma terra natal, um nativo (Cf. Dictionary.com 2010 – indigenous).
104
Não apenas sobre a heterogeneidade do público, os últimos três artigos
citados lidam com a problemática territorial mais que discursiva do trabalho
arqueológico. A presença de um indivíduo estrangeiro deve ser esclarecida, e
as devidas contas prestadas à comunidade local. A prática, método e
resultados da pesquisa arqueológica podem ser úteis para os propósitos da
população local. Como no caso das Híbridas, a arqueologia que se prestou a
estabelecer laços com a população local e seu trabalho foi encarada como uma
tecnologia para fomentar a identidade indígena local (Pearson & Ramilisonia
2004, p. 229). No caso de Androy a utilidade da arqueologia fica um pouco
mais difusa e incerta.
Poderíamos pensar que noções dos Tandroy já existentes sobre o passado, manifestadas em genealogias, tradições orais e a presença de ancestrais, fazem da arqueologia uma forma intrusiva e desnecessária de entender o passado (Pearson & Ramilisonia 2004, p. 229).
(...)
Nossa missão é primeiramente arqueológica e pode prover somente benefícios pouco tangíveis. Acreditamos que nosso trabalho é apreciado por duas razões. As pessoas gostam de nos contar o que elas sabem sobre sua história em termos dos lugares, tradições, genealogias e histórias sobre o passado. Talvez nosso mais papel significante seja na validação do patrimônio de Tandroy (Pearson & Ramilisonia 2004, p. 233).
Lembremos da argumentação de Sarah Colley sobre os momentos em
que o conhecimento arqueológico é preterido em favor das próprias referências
locais sobre o passado. Vale perguntar o que impediria, dentro dessa nova
arqueologia pública, que a indígena Hopi Leigh (Jenkins) Kuwanwisiwama se
tornasse uma arqueóloga com o propósito de modificar suas percepções
através da pertença aos dois mundos.
Os Hopis querem ser tratados como iguais nos projetos de pesquisa arqueológica, para que nossos conhecimentos, valores e crenças sejam vistos com o mesmo respeito que arqueólogos se concedem uns aos outros quando há diferenças em métodos e de interpretações do registro arqueológico. Os Hopis não querem, no entanto, sobrepor conhecimento sagrado de forma indiscriminada sobre o registro arqueológico. Nem queremos restringir conhecimento arqueológico injustamente. Não temos nenhum desejo de
105
censurar as idéias de arqueólogos, nem desejamos impor moldes de pesquisa sobre os arqueólogos (Kuwanwisiwama 2002, p. 46).
O que era antes o outro cultural, objeto de estudo, é agora o
pesquisador. A metodologia científica do arqueólogo é apropriada e
desenvolvida, dentro de seus próprios moldes, pelo outro cultural. Que deixa de
ser outro para ser parte do seleto clube que detém o poder jurídico de defender
o patrimônio. Mas será que Leigh Kuwanwisiwama deixou de ser Hopi para ser
arqueóloga? Seu discurso não aparenta. De qualquer maneira, seria
aprofundar desnecessariamente em questões de identidade. Qual a autoridade
de um arqueólogo de origem não-indígena para dizer se Leigh Kuwanwisiwama
é, não é ou deixou de ser Hopi a partir do momento em que se torna
arqueóloga? Ela diz: “conduzimos [ela e sua equipe] nossas próprias revisões
arqueológicas e investigações; temos fornecido argumentos. Agora estamos
produzindo nossos próprios relatórios em história e etno-história da tribo Hopi
no Grand Canyon” (Kuwanwisiwama 2002, p.
47).
Retomando a posição de Janet
Spector: seria essa Kuwanwisiwama
“arqueologizada” um sinal de submissão ao
sistema? Prefiro entender sua postura como uma escolha em aprender a
técnica e a cosmologia acadêmica para seus próprios propósitos, e àqueles de
sua tribo. Mais uma antropofagia do arqueológico que uma submissão a ele.
A proposta da chamada “arqueologia comunitária” parte da própria
disciplina e encara o contato com o público de maneira mais atenta aos
conflitos inerentes ao processo que à tentativa de arrebanhar adeptos. A
arqueologia comunitária abraça a participação ativa do público em projetos de
pesquisa, na construção e interpretação dos dados e na entrega de parte da
gestão do projeto à comunidade local (Marshall 2002). De acordo com
Stephanie Moser et alii (2002), a condução dos trabalhos e a negociação dos
diversos interesses envolvidos na interpretação do passado, e de sua
relevância no presente, são assaz desafiadoras e muitas vezes frustrantes,
Parte da negociação entre a arqueologia e os demais públicos pode terminar na deglutição da “cosmologia arqueológica” pelas outras partes envolvidas.
106
fruto do inevitável desentendimento entre algumas das partes da equipe sobre
o andamento do projeto. No entanto, a experiência da arqueologia comunitária
surge da inevitabilidade do exercício anti-colonial da profissão, uma prática que
não mais se limita a explorar os vestígios do passado alheio sem que o próprio
“Outro” tenha acesso aos seus benefícios (Moser et alii 2002).
Siân Jones (Jones 2010a, 2010b) atenta para o fato de que os
significados e relações que os diferentes públicos desenvolvem com o
patrimônio arqueológico, no entanto, não são óbvios e, de modo geral, são
perdidos por olhares desatentos. Métodos etnográficos como observação
participante e entrevistas têm se tornado uma prática recorrente para ajudar a
entender os valores locais e memórias não oficiais que são construídas sobre o
patrimônio histórico (Jones 2010a, 2010b). A realização de etnografias em
projetos de arqueologia não só tem permitido um olhar mais atento ao outro,
mas também a prática do(a) arqueólogo(a) e sua relação com os diversos
públicos e com a construção de conhecimento sobre o passado (Hamilakis &
Anagnotopoulos 2009).
Os choques e acertos entre a disciplina arqueológica e grupos indígenas
não são as únicas vias de negociação existentes pela propriedade do passado
e suas interpretações. A exemplo da arte, que muitas vezes nos apresenta
propostas inovadoras de como observar a realidade através de suas
representações estéticas. Um dos projetos do artista plástico Mark Dion partia
da intenção de coletar restos de diferentes lugares do mundo, processá-los,
classificá-los, limpá-los e colocá-los em estantes, tal qual o método
arqueológico. Sua quarta “escavação” foi em 1999 em Londres, nas margens
do Tâmisa. Os participantes de seu projeto eram moradores das comunidades,
a quem foram designados os “trabalhos de campo”, processamento e
exposição do material. A coleta foi feita em sua maioria nas margens do
Tamisa próximas ao Museu Britânico Tate, e o tratamento e exposição do
material, feitos sob um tenda no pátio do Museu. “De fato isso foi um tipo de
projeto de arqueologia comunitária, no qual metade dos participantes eram de
minorias étnicas (...)” (Merriman 2004, p. 99).
107
A arqueologia costuma rotular todos esses exemplos de “arqueologia
amadora”, como vimos, no início desse capítulo, no texto de Brian Fagan.
Como o próprio nome diz, trata-se de situações nas quais indivíduos não
enquadrados como profissionais da área arqueológica tomam em mãos
trabalhos, leituras e vozes compatíveis com o credenciamento profissional. A
centralidade da polêmica gerada pelos arqueólogos amadores é o fato de que
sua prática começa a transpor limites entre o profissional e o não-profissional.
De acordo com Sally McDonald e Catherine Shaw, a distinção não é muito
clara porque, como disse, ambos lêem praticamente as mesmas coisas e
muitas vezes andam pelos mesmos círculos sociais (McDonald & Shaw 2004).
No entanto, colocam uma definição da equipe do Museu Petrie de Egiptologia
da UCL, de que
os profissionais são aqueles que ganham a vida, ou aspiram à ganhar sua vida, do assunto; A maioria possui relevantes qualificações de educação superior. Os amadores são aqueles para os quais o assunto é um interesse, mais que um trabalho (McDonald & Shaw 2004, p. 110).
O reconhecimento desse público pela arqueologia profissional gira em
torno do “espiritualismo New Age, aqueles que acreditam em reencarnação ou
o poder místico de pirâmides e cristais” (Roth apud McDonald & Shaw 2004, p.
111). Tim Schadla-Hall, por outro lado, prefere fazer referência a esse tipo de
arqueologia, de uma maneira mais discreta, como “arqueologias alternativas” já
que são alternativas “para o que poderia de modo neutro ser descrito como
arqueologia corrente” (Schadla-Hall 2004, p. 255).
Os temas considerados de arqueologia alternativas são aqueles que se
constroem sobre as práticas e discursos arqueológicos de maneira mais direta,
utilizando-se das descobertas e publicações arqueológicas para construir
interpretações não aceitas pela Academia. Tim Schadla-Hall apresenta uma
série de temas que são comuns a esse tipo de produção, como: i) a origem da
civilização em continentes perdidos (Atlântida, Mu) ou nas antigas civilizações
orientais e a difusão de seus conhecimentos para as Américas, ii) a tecnologia
extremamente avançada que essas populações possuíam e que hoje pode ser
revelada através da arqueologia, iii) a origem extraterrestre dessas civilizações,
108
iv) o difusionismo do conhecimento entre elas provado por associações
lingüísticas e de elementos artísticos encontrados em diferentes pontos do
mapa e v) a verdade sobre as origens religiosas e os movimentos neo-
paganistas e New Age (Schadla-Hall 2004). Alguns nomes são muito famosos
por seus bestsellers, Erich Von Däniken, autor de “Eram os Deuses
Astronautas” e Graham Hancock autor de Fingerprints of the Gods (Impressões
digitais dos Deuses), são alguns exemplos (Schadla-Hall 2004; Colley 2002).
Não à toa, suas obras são consideradas como pseudo-científicas e
fraudulentas, pois com frequencia embasam seus argumentos em “citações
fora de contexto” e pensam antes no improvável (Schadla-Hall 2004). Meu
ponto de vista sobre a questão é contra a proposta de Brian Fagan e Tim
Schadla-Hall de que o crescimento das arqueologias alternativas é devido à
lacuna deixada pela arqueologia acadêmica (Fagan 1977; Schadla-Hall 2004).
Inclusive se constatamos que, nos Estados Unidos e Inglaterra, muitos
estudantes universitários acreditam nas proposições de Von Däniken (Fagan
1977; Schadla-Hall 2004).
A meu ver, as arqueologias alternativas são escolhas por maneiras
distintas de interpretação do passado, não tentativas leigas de preencher um
espaço vazio. Essa seria uma maneira de encarar seus leitores de forma
passiva. Apesar de não serem bestsellers, a obras arqueológicas acadêmicas
estão nas estantes das livrarias e nas bibliotecas. Comprá-las e lê-las é uma
questão de escolha. E o fato da arqueologia acadêmica não alcançar as
estantes de Best-sellers é o que a afasta da arqueologia amadora: seu
preciosismo técnico e abstração teórica não é apreciado pelo mesmo público
que prefere a literatura alternativa. Tomar à força os leitores do “excêntrico”
significa deixar de ser acadêmico e tornar-se alternativo. A meu ver, as
arqueologias alternativas existem como modos de expressão do arqueológico,
um modo que toma seus meios e resultados para pensar outras possibilidades
para a realidade atual e do passado.
Concordo com Schadla-Hall sobre os possíveis perigos das discussões
amadoras. Muitas delas são baseadas em concepções muito ocidentais da
história e tomam parte de discussões difusionistas e de superioridade entre
109
civilizações que são hoje descartadas pela academia devido ao seu forte apelo
racista e evolucionista (Schadla-Hall 2004). Voltamos ao questionamento sobre
o papel social do arqueólogo e a liberdade discursiva do público. Nessa
situação, torno a repetir, uma das melhores maneiras pelas quais a arqueologia
pode contribuir é mostrando a diversidade que seus estudos nos permitem
conceber. Em casos como esses não vejo como a arqueologia poderia deixar
de acrescentar à discussão, mostrando que as possibilidades difusionistas
podem ser plausíveis. Ela poderia orientar para um certo cuidado com os
efeitos provindos do difusionismo e para outros modos de pensar esses
passados tão plausíveis quanto o difusionista. Essa contribuição, no entanto,
só pode acontecer se o arqueólogo estiver disposto a dialogar com essas
outras perspectivas, e não subjugá-las como “amadoras” e, portanto,
insuficientes.
A prática arqueológica, no complexo contexto descrito, pode ser
reconhecida como protetora de um conhecimento estratégico para os
interesses de grupos locais, ser relevada como detentora de um conhecimento
inútil e de uma prática irrelevante, pode, ainda, ser rechaçada como braço de
ferro das políticas de governo a pretender furtar-lhes o usufruto do espaço e do
passado (que se torna “bem cultural”), ou pode ser aceita como mensageira
das necessidades dessas comunidades às distantes políticas públicas. Cada
caso será um caso. O que se pressupõe como prática legítima de produção de
conhecimento é uma tomada clara de posição, para cada caso específico. São
situações que exigem da arqueologia o reconhecimento de sua posição
estrangeira e sua tentativa de negociar seu espaço com populações
específicas. Parte da negociação pode significar a “deglutição” do arqueológico
por outras formas de conceber o mundo.
Seria bom saber que a arqueologia ainda tem um sabor que vale a pena.
110
4. Capítulo 2 - Arqueologia pública e colonialismo no Brasil
Em 5 de maio de 2010, foi publicada na Revista “Veja”, um artigo
intitulado “A farra da antropologia oportunista”. Versava, em suma, sobre os
“critérios frouxos” que a antropologia supostamente vinha utilizando em
processos de demarcação de terras de povos indígenas e comunidades
tradicionais. Acusava o governo brasileiro (um governo associado à esquerda
política já por oito anos) de cúmplice do processo, como mostra a figura 1.
Desde meu ponto de vista, o que podemos ver na imagem não parece
uma forma de “cumplicidade” (ainda mais se pensarmos no atual interesse do
Estado na construção da Usina Belo Monte
sim uma questão de conjunção de interesses, uma das diversas
das políticas de governo para abrigar
artifício que tem se tornado interessante para as políticas de Estado
contemporâneas. Ou seja, a questão central nesse caso me parece ser a
relação com o outro. Uma interpretação possível, nessa imagem, é
tentativa do governo em
para si. Além da atuação política governamental, o tema da reportagem nos
remete à atuação política da disciplina antropológica e o poder que
conquistado em questões de território e
O artigo publicado na
argumentos embasados em dados
Figura 1: No original o artigo diz, “Lei da selva
demarcação da Raposa Serra do Sol, que feriu o estado de Roraima
alii 2010). Foto: Manoel
Desde meu ponto de vista, o que podemos ver na imagem não parece
uma forma de “cumplicidade” (ainda mais se pensarmos no atual interesse do
Estado na construção da Usina Belo Monte – Marcello 2010, Brito 2
sim uma questão de conjunção de interesses, uma das diversas
das políticas de governo para abrigar, sob o nacional, as minorias étnicas,
artifício que tem se tornado interessante para as políticas de Estado
contemporâneas. Ou seja, a questão central nesse caso me parece ser a
Uma interpretação possível, nessa imagem, é
em tornar-se o outro e, ao mesmo tempo,
para si. Além da atuação política governamental, o tema da reportagem nos
remete à atuação política da disciplina antropológica e o poder que
conquistado em questões de território e cultura tradicional no Brasil.
O artigo publicado na Veja, a meu ver, é francamente
argumentos embasados em dados distorcidos sobre a quantidade de territórios
Figura 1: No original o artigo diz, “Lei da selva - Lula na comemoração da
demarcação da Raposa Serra do Sol, que feriu o estado de Roraima”
Foto: Manoel Marques.
111
Desde meu ponto de vista, o que podemos ver na imagem não parece
uma forma de “cumplicidade” (ainda mais se pensarmos no atual interesse do
Marcello 2010, Brito 2011), mas
sim uma questão de conjunção de interesses, uma das diversas modulações
as minorias étnicas,
artifício que tem se tornado interessante para as políticas de Estado
contemporâneas. Ou seja, a questão central nesse caso me parece ser a
Uma interpretação possível, nessa imagem, é uma
, ao mesmo tempo, trazer o outro
para si. Além da atuação política governamental, o tema da reportagem nos
remete à atuação política da disciplina antropológica e o poder que ela tem
onal no Brasil.
francamente arbitrário, com
sobre a quantidade de territórios
Lula na comemoração da
(Coutinho et
112
tradicionais e reservas indígenas. 51 Uma compreensão progressista da
economia nacional e um entendimento pobre da identidade indígena. No
entanto, o artigo é um produto (ao mesmo tempo em que “produz”) do cenário
atual, no qual o conhecimento antropológico (embora não possa inviabilizar por
si só a execução de um projeto de engenharia como uma usina hidrelétrica de
grande porte) tem aumentado sua relevância nas análises de impactos sócio-
ambientais gerados por esses empreendimentos.
Nessa mesma direção (do fortalecimento político do saber antropológico),
com a publicação da Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente
(CONAMA) nº001/86, o conhecimento arqueológico tornou-se referência oficial
sobre o patrimônio material, com conseqüente impacto na construção da
Memória Nacional, durante processos de licenciamento. Os Estudos de
Impacto Ambiental e Relatórios de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) previstos
pelo CONAMA devem contemplar a pesquisa sobre os possíveis danos ao
patrimônio cultural nacional. À arqueologia é atribuído o poder técnico de
identificação e valorização (ou desvalorização) do patrimônio material
encontrado nos terrenos sobre licitação. Nesse capítulo, tentarei ver como as
propostas da arqueologia pública têm sido usadas no país para refletir sobre
esse novo cenário da arqueologia no Brasil.
Até o momento, abordei o cenário internacional e, de maneira breve, a
contribuição dos anos 1960 e 1970 à produção de um aparelho jurídico de
gestão do patrimônio cultural, conseqüente responsabilidade que relega ao
arqueólogo um papel de técnico patrimonial. Dediquei-me a rever algumas
propostas apresentadas sob a alcunha “arqueologia pública”, também
internacional, e como elas têm sido usadas para lidar com a relação entre
arqueólogos e a alteridade fora da disciplina. Relações que envolvem
51
“Áreas de preservação ecológica, reservas indígenas e supostos antigos quilombos abarcam, hoje,
77,6% da extensão do Brasil. Se a conta incluir também os assentamentos de reforma agrária, as
cidades, os portos, as estradas e outras obras de infraestrutura, o total alcança 90,6% do território
nacional” (Coutinho et alii 2010, p. única). Dados obtidos com a simples soma dos territórios marcados,
sem o cuidado de averiguar se as áreas demarcadas representavam diferentes tipos de reserva ao
mesmo tempo.
113
profissionais do ramo, políticas de Estado, empreendimentos privados e
comunidades impactadas por trabalhos em seus locais de moradia e vivência.
Virando o rumo do trabalho ao caso brasileiro, a Resolução CONAMA, ao
mesmo tempo em que representa a conquista de uma luta pela preservação do
patrimônio material (Fernandes 2008), trouxe novos desafios à prática da
disciplina, em especial à relação com públicos desvinculados da Academia e o
papel social do profissional. Esse panorama no qual se insere a arqueologia
brasileira no final dos anos 1980, continua a me levar pelas questões: como a
arqueologia se relaciona com o outro? Qual sua função social? O que é que
fazem os arqueólogos? O que podemos fazer com esse poder que temos em
mãos?
Nesse capítulo, portanto, proporei alguns apontamentos sobre a relação
entre o Estado nacional brasileiro e a arqueologia, numa breve perspectiva
histórica, e, ainda, quais os debates e desafios que a Resolução CONAMA
nº001/86 trouxe à profissão no Brasil. E finalmente, como essa relação
prestigiosa e perigosa pode ser democratizada pelas sugestões práticas que
têm sido desenvolvidas no estrangeiro sobre a alcunha de “Arqueologia
Pública”. Já existem alguns trabalhos dessa natureza no Brasil, e, ao final do
capítulo, farei uma pequena revisão crítica de alguns deles.
4.1. O “gingado” brasileiro
Segundo Lucio Ferreira (2010), as ciências no Brasil já estavam
consolidadas na transição do Império para a República, incluindo-se a
arqueologia. Três dos mais importantes centros de pesquisa em ciências
naturais no país, e ainda importantes centros de referência em nossos dias, O
Museu Paulista (São Paulo), Museu Nacional (Rio de Janeiro) e o Museu
Paraense (Belém), surgiram entre o final do XVIII e início do XIX (Barreto 1999-
2000, Souza 1991). A arqueologia, em particular, não só encontrava-se
consolidada como participava enfaticamente das estratégias políticas de
definição de fronteiras étnicas e geográficas do Império e República.
A Arqueologia, como ciência geográfica, equacionava-se a uma geoestratégia. Servia a uma estratégia de anexação de
114
territórios. Em primeiro lugar, porque os artefatos arqueológicos eram passíveis de serem marcadores do espaço, delimitadoras de fronteiras geopolíticas, instrumentos para moldar as raias do território nacional em construção. Em segundo lugar, porque, solidificando estereótipos sobre os indígenas como grupos sociais fossilizados, “degenerados” ou “primitivos”, desencadeou representações coloniais e legitimou projetos de colonização. A Arqueologia, em suma, foi uma ferramenta colonizadora (Ferreira 2010, p. 18).
De maneira similar à Europa, o Brasil do século XIX passava por um
momento semelhante ao do nacionalismo étnico europeu, com a
particularidade do processo de independência de Portugal. Norbert Lechner
(Lechner 2000) adentra o tema da construção da memória nacional da América
Latina, atentando, em princípio, para duas questões de valor à argumentação
que aqui se tece. Assim como na Europa, a construção da ordem independente
na América Latina toma forma de Estado-Nação, ou seja, o Estado é também o
escolhido [por uma elite revolucionária] para sustentar e manejar a consistência
social da Nação (Lechner 2000, p. 68). Em segundo lugar, a modelagem da
unidade nacional funda-se numa pequena, mas necessária, incoerência:
passado glorioso, mas futuro promissor. Ao mesmo tempo em que as
independências realizam-se em nome do futuro, rompendo com a
temporalidade herdada (no caso colonial), a cultura e a história são de
particular interesse na hora da construção de um “eu mesmo”, da memória
nacional (Lechner 2000, p. 69).
O passado evocado como mãe/pai fundadores de um grande povo é
selecionado em sacralizações de personagens, práticas, tradições e
edificações.
Dito de outro modo: como índice da formulação da auto-imagem de uma nação ou de um grupo étnico, o patrimônio cultural é periodicamente selecionado, re-selecionado, revisado, dispensado e, muitas vezes, intencionalmente destruído. Daí ele ser um poderoso símbolo dos conflitos sociais (Ferreira 2008, p. 84).
Era necessário “selecionar” as etnias que poderiam ou não fazer parte
da criação do brasileiro. Enquanto colônia, é fácil para a elite crioula identificar-
se com a Europa e fugir da herança indígena. No entanto, a partir do momento
115
em que se nega o vínculo com a pátria metrópole, nega-se também com a
pátria mãe. Como, então, ser crioulo? Ser nativo? Ser misto? Ser europeu
perdido nos trópicos? Há que selecionar quem faz e quem não faz parte da
história e memória da nova nação crioula.
Assim, concordo com a argumentação de Lucio Ferreira de que a
construção discursiva sobre as pretensas “raízes” culturais indígenas é em si
um posicionamento político. Tal discursividade aciona automaticamente os
mecanismos de construção identitária do momento de secessão política com a
Europa e mecanismos de exclusão social remanescentes do pensamento
colonial.
Scientia et potentia – tratava-se, para a Arqueologia imperial, de melhor conhecer o indígena para melhor dominá-lo e civilizá-lo, para aproveitá-lo como mão-de-obra e como colonizador do interior do país, para amansá-lo como sujeito econômico e de direito, para abrigá-lo sob a égide de um contrato social (Ferreira 2005a, p. 144).
Os Museus são as propostas de preenchimento da lacuna entre passado
e presente, conectar os saltos históricos da canonização de alguns eventos em
detrimento de outros, e trazê-los como continuum anunciador do futuro
brilhante da nação (Lechner 2000, pp 71-72).
Vários foram os argumentos arqueológicos sobre o indígena, como
também nos mostra outro trabalho de Lucio Ferreira (2005b): para alguns,
possuíam uma ascendência gloriosa, virtuosa e promissora. Gonçalvez de
Magalhães, importante intelectual do Império, defendia uma antiga
superioridade indígena que se poderia averiguar em sua honra a um único
deus (Tupã), o resguardo da virgindade até a puberdade, a proteção a família e
as regras de matrimônio. Incluindo os rituais antropofágicos, possuíam uma
“dignidade viril” (Ferreira 2005b, p. 142). Para outros, não era mais que uma
raça de eternos condenados desde seu princípio. Para Francisco de
Varnhagen, o passado civilizado dos indígenas, reconhecido como fora por
outros intelectuais, não mais era uma realidade, e a única alternativa possível
para integrá-los aos planos nacionais de desenvolvimento era através da força
(Ferreira 2005b). Gonçalves Dias, no entanto, também sentia que o passado
116
dos indígenas civilizados se havia perdido para sempre, mas seu histórico de
dignidade e pacifismo os garantiria um lugar na nação e a possibilidade de
assimilação, não pela guerra, mas pelo trabalho rural e industrial (Ferreira
2005b).
Seja partindo de uma ancestralidade indígena gloriosa, virtuosa e
promissora ou de uma raça eterna de condenados, as argumentações
arqueológicas sobre o passado indígena do território brasileiro confluíam no
mesmo presente: tribos degeneradas que necessitavam de manejo e
reestruturação. Ou seja, os heróis e inimigos do passado selecionados e
superpostos na tentativa de sacralização de um passado nacional, rumo à
exclusividade/inclusividade do povo moderno. A domesticação dessas tribos
significa a organização da população brasileira (Ferreira 2005b).
A mesma finalidade da ciência arqueológica continuará durante os
primeiros anos da república e, depois, com o movimento modernista das
décadas de 1920-1930. Não mais se tratava de extirpar a raça mais baixa de
um país em civilização, mas de absorver a massa indígena no corpo civil
republicano. Antes, tempo imperial, indígenas eram medidos pelos aspectos
biológicos. No início do XX, “o indígena” torna-se uma categoria humana como
qualquer outra, e sua integração à “brasilidade normal” seria apenas uma
questão de mudança em seu comportamento cultural. Alterando-se as práticas,
teríamos um civilizado como qualquer outro (Sequeira 2005). Nesse processo,
a educação cívica substituía a evangelização na efetiva pacificação e
introdução do indígena à população civil através da recategorização das
diversas etnias que povoavam o território nacional em uma única parcela de
potenciais trabalhadores urbanos.
A partir de uma perspectiva positivista, a integração de populações indígenas era parte de um avance inevitável à civilização. Assim, o indígena era visto como “não-índio”, i.e., um futuro brasileiro, um trabalhador em potencial, um ser a transformar-se em cidadão cedo ou tarde (Sequeira 2005, p. 356).
Ainda segundo Sequeira, não a o Serviço de Proteção do Índio e
Locação de Trabalhadores (nome sugestivo) criado em 1910, mas o próprio
117
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN)52, criado em 1937,
e a proposta legislativa de preservação patrimonial de Mário de Andrade
também da década de 1930, são frutos dessa posição sócio-política de
integração do indígena à identidade nacional, elementos da “brasilidade”
excêntrica e distinguível das nações européias.
A idéia de preservação e inclusão da população indígena no presente e futuro da nação brasileira necessariamente evocava outro eixo temporal – o passado – através da incorporação da memória deles [indígenas] à da nação. Portanto, o conceito de herança e a existência de uma legislação para a preservação da herança, existem como aspectos complementários da modalidade discursiva engajada num processo de construção da nação que é imaginada e projetada pelo discurso republicano (Sequeira 2005, p. 357).
De acordo com Tania Andrade Lima e Regina Coeli Pinheiro da Silva
(Andrade Lima & Pinheiro da Silva 1999 apud Lima 2007), uma análise dos
livros didáticos de história do Brasil mostrou que, entre 1898 e 1998, dois foram
os momentos em que a pré-história brasileira foi usada com veemência para a
construção da identidade nacional: no final do século XIX e ao longo do
governo de Getúlio Vargas (Lima 2007, p. 17).
O índio passou a ser um elemento fundamental na arquitetura do mito da democracia racial, fundado na caracterização do povo brasileiro como uma “raça de mestiços”, expressão aglutinadora de qualidades positivas, morais e sociais (Lima 2007, p. 19).
O argumento de Tânia Andrade Lima nos remete à divisão conceitual de
um nacionalismo cívico apresentada por Margarita Díaz-Andreu. Não mais a
defesa de uma única raça pura a compor as fronteiras nacionais, mas um
nacionalismo embebido na mestiçagem e na aglutinação de toda a diversidade
sob as asas do Estado.
De fato, Sandra Pelegrini argumenta que a “linhagem modernista”
buscara a identificação de uma proposta cultural nacional através do
“mapeamento das manifestações culturais consideradas genuinamente
52
Atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
118
brasileiras” (Pelegrini 2006, p. 11). Entre as manifestações tidas como
“genuinamente brasileiras”, os processos de tombamento deram grande
atenção à arquitetura colonial, em especial àquela representativa de setores da
elite nacional, mas também a obras de caráter mais singelo como o “Museu
dos Caixeiros Viajantes do Rio Grande do Sul, sambaquis, coleções
arqueológicas” (Girão 2001:120 apud Pelegrini 2006, p. 11). No entanto, a
autora comenta que essas políticas seguiam, em essencia, os critérios da
Carta de Atenas sobre a visibilidade e viabilidade para apreciação de tais
monumentos. Política que não estaria isenta, certamente, de interesses sobre a
constituição da nova nação moderna sob o Estado Novo.
Tal tática de preservação subtrai da paisagem as imagens não concatenadas com o modelo escolhido para reafirmar a brasilidade considerada adequada àquele contexto histórico, qual seja um momento histórico em que se forjavam novas representações da nação e moldava-se um outro perfil para o cidadão brasileiro: limpo, ordeiro e trabalhador. A adoção desse tipo de prática intervencionista mostrava-se conveniente, pois somadas às medidas saneadoras das moradias populares, resultava na demolição de habitações coletivas consideradas desabonadoras da imagem nacional (Pelegrini 2006, p. 12).
Apesar de concordar com a argumentação das autoras, é também
importante salientar o peso jurídico dessa legislação modernista. Em primeiro
lugar, Mário de Andrade e os intelectuais modernistas defendiam a mudança
de vetores da história e política nacionais, da herança europeizada ao anti-
heroísmo de Macunaíma; inverte as linhas de troca, colocando o pólo humano
no estandarte tropical, fazendo da antropofagia, da deglutição de Fernão
Sardinha, o novo marco da Era, invertendo a fagocitose cultural (Andrade
1928). Em segundo lugar, alguns especialistas consideram a criação do
SPHAN e o Decreto-Lei 25/37 como os primeiros mecanismos oficiais de
proteção patrimonial no país (Cf. Pelegrini 2006, p. 10). Apesar de o Golpe de
Estado de Getúlio Vargas em 1937, o projeto de lei 511/36 que havia sido
proposto por Mário de Andrade foi outorgado pelo presidente como o Decreto-
Lei nº 25/37, “que ainda está em vigor” (Funari & Robrahn-González 2008, p.
17). E foi conseqüente dessa lei que “um novo código penal também foi emitido
119
em 1940, pela primeira vez punindo a destruição de bens culturais, incluindo os
arqueológicos” (Funari & Robrahn-González 2008, p. 17).
Se observarmos a definição de “patrimônio histórico” explícita no corpo
textual do Decreto-Lei,
Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no País e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico (Brasil 1937).
Apesar da “vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil”, a
consagração do patrimônio histórico fica também a cargo de seu “excepcional
valor arqueológico ou etnográfico” (Brasil 1937). Da mesma maneira que os
intelectuais modernistas tiveram forte poder de veto e decisão sobre o que
seria considerado como de grande valor na identificação da brasilidade, a
arqueologia e demais ciências humanas possuem igual peso na definição do
que é “excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”.
Mais uma vez, voltamos ao ponto instável entre as conveniências e
inconveniências da normatização da identidade. Por um lado, a proposta dos
modernistas arrasta a tarefa crioula de construção de uma imagem peculiar do
Brasil, materializando a história pretensiosa e centralizadora do Estado Novo
através dos bens tombados (Rodrigues 1996, p. 196). Por outro, esse aparelho
jurídico que se cria para a proteção do patrimônio arqueológico e cultural
nacional permite que a disciplina tenha espaço para dar sua opinião e colocar
em prática sua distinta capacidade técnica e interpretativa. É uma questão de
escolha: defender Peri ou Macunaíma? Mais uma vez para tomar as palavras
de Tânia Andrade Lima,
Em se tratando do Brasil, uma arqueologia a serviço da construção da identidade nacional precisa marchar no sentido contrário ao da perspectiva homogeneizante, unificadora, bem como refugar a erosão das diferenças. Antes, tem que trabalhar para resgatar e revelar, na profundidade temporal em que opera, a diversidade étnica e cultural que se instalou desde os primórdios da presença humana em nosso território, e que
120
se intensificou ao longo de milênios, até a conquista (Lima 2007, p. 21).
Assim, concordo com Ana Piñon
Sequeira quando afirma que podemos falar
“de valores sociais e ideológicos, mais que
princípios científicos e teóricos, como pilares
da arqueologia e, por extensão, da identidade indígena” (Sequeira 2005, p.
359).
Com o retorno do regime democrático, a arqueologia brasileira vê a
atuação de um de seus mais importantes intelectuais, Paulo Duarte. Sua
militância pela proteção do patrimônio arqueológico nacional foi responsável
pela aprovação da primeira lei brasileira sobre patrimônio arqueológico, a lei
3924 de 1961. Como vimos no primeiro capítulo, essa lei é base legislativa da
proteção do patrimônio arqueológico nacional. Essa lei não só dá posse à
União das jazidas arqueológicas, livres das normas da propriedade privada
(Brasil 1961, Art.1) como penaliza qualquer atuação de valoração econômica
desse patrimônio (Brasil 1961, Art. 3 a 5). Cabe lembrar que, apesar da
denominação de “jazidas arqueológicas” ser hoje já considerada insuficiente
(atem-se principalmente aos sítios pré-históricos), seu artigo 7º retifica que
As jazidas arqueológicas ou pré-históricas de qualquer natureza, não manifestadas e registradas na forma dos Artigos 4° e 6° desta lei, são consideradas, para todos os efeitos, bens patrimoniais da União (Brasil 1961, Art. 7).
Outro parâmetro fundamental estabelecido por essa legislação foi a
atribuição ao IPHAN da responsabilidade de gestão sobre esse patrimônio e
também de prover as permissões para intervenção arqueológica (Brasil 1961,
Art.11).
O mesmo personagem criou o Instituto de Pré-história, baseado no
Musée de l’Homme de Paris, influenciado também por sua amizade com seu
diretor, Paul Rivet (Funari & Robrahn-González 2008, p. 15-16). Por essa
mesma aliança franco-brasileira, chega, entre 1954 e 1955, o casal Joseph e
Annette Laming-Emperaire, cuja contribuição para o início da pesquisa
O conhecimento arqueológico no Brasil, como no exterior, sempre foi usado para legitimar políticas Estatais de identidade nacional.
121
científica no país é ressaltada até os dias de hoje. Joseph realizou a primeira
datação radiocarbônica (C14) no Brasil, e o casal lecionou um curso de
métodos e técnicas de campo e laboratório para aplicação em sambaquis, a
convite de José Loureiro Fernandes do Centro de Pesquisas Arqueológicas da
Universidade Federal do Paraná (Souza 1991). Assim, entre os anos 1950 e
1970 inicia-se uma nova fase de formação de profissionais da área
arqueológica, profissionais brasileiros sob tutoria e trabalhos com
pesquisadores estrangeiros (Soares 1991).
Em 1964 o exercito brasileiro toma o poder no governo federal através
de um Golpe de Estado, instaurando uma ditadura militar que duraria até final
dos anos 1980. No mesmo ano do golpe de estado, começa o Programa
Nacional de Pesquisa Arqueológica (PRONAPA) coordenado por dois
arqueólogos americanos do Instituto Smithsonian sediado em Washington,
Betty Meggers e Clifford Evans (Funari & Robrahn-González 2008), que já
haviam trabalhado no Brasil desde os anos 1950 (Soares 1991).
O propósito do Programa foi colocar em vigor uma estratégia tipológica
para a cerâmica brasileira, capaz de reconhecer processos de ocupação Pré-
históricos e a aplicação de datações relativas (Soares 1991). Apesar do
sucesso dessa estruturação tipológica (primeira disponível na arqueologia
brasileira, e ainda usada em nossos dias), o Programa foi criticado por diversas
razões. Dentre elas, sua vinculação ao regime militar brasileiro que inviabilizou
trabalhos arqueológicos com vieses mais críticos. Esse fato criou profissionais
preocupados somente com questões de método (Funari & Robrahn-González
2008), produzindo aquartelamentos em diversos estados do país. Em função
disso, o SPHAN passou a confiar nos pesquisadores do Programa como
extensões de sua vontade nos cantos do território de mais difícil acesso
(Soares 1991), além de criar um vício que até hoje atormenta a arqueologia
brasileira, que é o reconhecimento imediato de grupos indígenas à tipos
cerâmicos (Oliveira 2006).
122
Com o fim do regime militar e a volta do regime democrático nos anos
1980, a arqueologia no Brasil volta a buscar outras influências nos trabalhos
desenvolvidos na Europa e Estados Unidos (Funari & Robrahn-González 2008).
São três pontos, portanto, que a descrição acima suscita: i) a filiação
estatal da arqueologia e o caso brasileiro, que não se afasta do contexto
internacional da história da disciplina; ii) o fato de que essa filiação estatal tem
demandado da arqueologia sua participação na construção da etnicidade que
definiria o panorama nacional e, por fim, iii) o processo pelo qual o Brasil
passou na construção de seu próprio aparato jurídico para a proteção do
patrimônio arqueológico nacional.
4.2. Elegendo identidades
Com o retorno do regime democrático, o Brasil ingressa, em teoria, na
era das liberdades individuais e diversidade cultural, seguindo uma
necessidade profunda de reafirmar os direitos civis que haviam sido suprimidos
pela ditadura militar. Nesse momento, as políticas de gestão da diversidade, e
conseqüentemente do patrimônio, parecem ser guiadas por duas pautas
principais: o multiculturalismo e o desenvolvimentismo.
Através de sua postura política, como a atual ânsia por Belo Monte
(Marcello 2010, Brito 2011), o Brasil transparece com freqüência a idéia de um
país que se vê sempre atrasado, programando um futuro que o leve à
completude. Norbert Lechner mais uma vez é evocado por conta de um
conceito que me pareceu precioso sobre esse argumento: sutura. A idéia de
que o progresso serviria como sutura contemporânea nos rasgos da formação
nacional Latino Americana (Lechner 2000). Discordo, entretanto, quando afirma
que o progresso tenha surgido como resposta à perda de fronteiras sócio-
culturais na pós-modernidade. Pelo menos no Brasil, o positivismo republicano
já inaugura o progresso como nova diretriz das políticas nacionais, substituindo
apenas em título o antigo mote “civilizador”. Apesar de ser clara a erosão das
fronteiras nacionais (Achugar 2001), dos gêneros, do estranho e do conhecido,
como temos visto na tal “pós-modernidade”, parece-me, pelo contrário, que o
123
progresso seja uma amostra contínua de uma distância sempre existente entre
as Américas coloniais e a Europa colonizadora, entre o Terceiro e o Primeiro
mundo.
O progresso, transformado hoje em desenvolvimento, acompanha nossa
história como marco essencial de políticas governamentais sobre a sociedade,
economia e cultura e podemos vê-lo como um constante palimpsesto (Achugar
2001, p. 90) que se reescreve a cada rasura auto-conferida (falhas nas
propostas nacionalistas) ou a cada pichação dos movimentos sociais
(modernista, feminista, diversidade sexual). É dessa sutura, desse palimpsesto
do programa “civilizador” nunca terminado, que surge a nova modalidade do
desenvolvimento sustentável, que marca a época de negociação entre a
imensidão Amazônica ameaçada e o contexto mitigatório do Protocolo de
Kyoto. Assim, entre os novos desafios enfrentados pela arqueologia, há aquele
que resulta de sua relação com o Estado e comunidades indígenas e
tradicionais (quilombolas, ribeirinhas, caiçaras) que se tem moldado por esse
novo parâmetro desenvolvimentista.
Nesse mundo novo, o aparato tradicionalista do Estado tem que lidar
com reconfigurações de identidades sociais, fruto dos movimentos das
décadas de 1960, 1970 e da queda dos regimes militares na América Latina. O
que se tem passado, sob essa nova configuração das diversidades sociais
intra-nacionais é o que Cristóbal Gnecco chama de “Multiculturalismo” (Gnecco
2009). O Estado, comprometido pela pós-modernidade, tenta encontrar a
essência de cada uma das diversidades como vetor de identificação e,
conseqüentemente, manejo. O Estado Nacional não mais de etnia homogênea,
procura trabalhar a heterogeneidade através de categorias fixas de
reconhecimento, tomando para si o poder de definição e de pertença desses
grupos ao território nacional. Cristóbal Gnecco acredita que o Estado toma as
dores dos grupos recém re-descobertos, e permite-lhes a voz através das duas
ferramentas essenciais para sua existência dentro da sociedade nacional: a
autonomia e o reconhecimento. Ou seja, o paternalismo nunca morreu. O
Estado mantém-se íntegro ao aceitar (afinal, só aceita quem tem o poder de
124
recusar) as novas identidades que surgem em seu seio (e que haviam sido
esmagadas em seu nome).
O multiculturalismo é visto por Cristóbal Gnecco como uma ferramenta
de manejo social e reestabelecimento da ordem através da domesticação dos
grupos rebeldes, ao mesmo tempo que segregador (pois são culturas
diferentes e, portanto, impossíveis de serem partícipes dos processos gerais da
nação) e apaziguador (desestrutura motes de união comum contra o Estado)
(Gnecco 2009).
É possível identificar em nossos dias políticas de governo que ainda
trazem a ideologia de averiguação da identidade indígena, de avaliar seu
exotismo e seu pertencimento ao país. Vejamos na Constituição Federal,
promulgada em 1988, em um capítulo intitulado Dos indígenas;
Art. 231 § 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições (Brasil 1988 – grifo meu).
Parece-me que o artigo, parte do suposto respeito pelas sociedades
indígenas ao reconhecer a subjetividade de suas “necessidades e reprodução
física e cultural, de acordo com seus costumes e tradições”, e os prende no
conceito de “ancestralidade” ao anunciar que “são terras tradicionalmente
ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente”53. Se
considerarmos todos os séculos de extermínio e deslocamento destes povos,
essa determinação não se faz compreensível. Ou seja, os indígenas foram
considerados irreversivelmente primitivos no séc. XIX, depois feito iguais a
todos os brasileiros no início do XX, e agora lhes estão garantindo
53 O Ato da Disposição Constitucional Transitória (ADCT) art. 68 da Constituição
Federal reafirma mais detalhadamente a necessidade de comprovação de vínculo ancestral
com o território. Ver http://www.dji.com.br/constituicao_federal/cfdistra.htm Artigo 68.
125
reconhecimento e autonomia, uma vez que tenham sobrevivido a anos de
sofrimento e segregação durante o processo civilizatório.
Gostaria de retomar as palavras de Cristóbal Gnecco sobre as
mudanças do projeto de integração nacional.
Na AL [América Latina] esse projeto foi variado e adquiriu cores particulares de acordo com os antecedentes coloniais, a marca do catolicismo e as relações raciais em cada país; no entanto, uma característica comum básica (a marca de fábrica da lógica moderna) foi a criação de uma comunidade nacional definida por critérios morais de igualdade e identidade. Este projeto foi irremediavelmente destruído faz umas duas décadas pelo multiculturalismo, uma retórica mundial que busca organizar as sociedades em marcos de diferença mais rígidos e circunscritos durante a modernidade, esta vez definindo a igualdade pela distancia (Gnecco 2009, no prelo, p. 02).
O projeto nacional no qual se baseou a criação de uma identidade
étnica e que decidiu muitas vezes a pertença de populações indígenas (ou pior,
decidiu por seu extermínio) foi “reciclado” pelo contexto atual de novas
demandas sociais. O Estado, numa tentativa de tornar-se menos obsoleto,
promove o apoio e sustento à diversidade. Retomando o exemplo que nos
interessa: durante os processos de licenciamento ambiental, nos quais estão
incluídos o trabalho arqueológico, os conselhos entre empreendedores,
comunidades afetadas, figuras políticas e representantes institucionais,
constroem-se outros processos que podem ser considerados interessantes
para o exercício da “boa governança” e do consenso entre a diversidade de
interesse das diversas partes (Zhouri 2008).
Além do imbricamento de sociedade civil, mercado e Estado na prática [da democracia], outro aspecto relevante a considerar é que a sociedade civil chamada a participar desta governança é aquela “organizada”, e organizada nos moldes eleitos pelos segmentos dominantes da sociedade (Zhouri 2008, p. 99).
E as comunidades, ao defenderem seus direitos e interesses
atropelados pelo setor “organizado” da sociedade, acabam por ser
consideradas e tratadas como inimigas da democracia (Zhouri 2008). Assim,
acabam entrando em confronto “duas nacionalidades”: a daquelas
comunidades que resguardam a terra como patrimônio coletivo e familiar,
126
território de compartilhamento de recursos, e a do Estado (e seus
empreendimentos públicos) unido aos empreendimentos privados sob a ótica
de mercado em que o território é um bem passível de compra e venda (Zhouri
& Oliveira 2005, p. 49-50).
Esta é a situação que a arqueologia brasileira tem enfrentado em
processos de licenciamento ambiental. Em 1986, o esforço da comunidade
arqueológica por uma regulamentação da Lei de proteção de sítios
arqueológicos, promulgada em 1961, finalmente obteve resultado (Fernandes
2008). A Resolução CONAMA nº 1 publicado no Diário Oficial da União que
exige a elaboração dos EIA/RIMA’s já referidos. Na execução destes EIA/RIMA,
os impactos sociais sobre comunidades viventes nas proximidades da área sob
licitação e o impacto sobre o patrimônio cultural nacional foram também
considerados como elementos de investigação durante o processo de
licenciamento.
Art. 6º O estudo de impacto ambiental desenvolverá, no mínimo, as seguintes atividades técnicas:
I - Diagnóstico ambiental da área de influência do projeto completa descrição e análise dos recursos ambientais e suas interações, tal como existem, de modo a caracterizar a situação ambiental da área, antes da implantação do projeto, considerando:
(...)
c) o meio sócio-econômico - o uso e ocupação do solo, os usos da água e a socioeconomia, destacando os sítios e monumentos arqueológicos, históricos e culturais da comunidade, as relações de dependência entre a sociedade local, os recursos ambientais e a potencial utilização futura desses recursos (Brasil 1986).
Na história da arqueologia brasileira, os anos 1960, 1970 e 1980, de
maneira similar ao que se passava em outros países da America Latina e
América do Norte (Davis 1972, Wagner 1987, Vidal 2010), foram muito
importantes para a solidificação de uma proteção do patrimônio arqueológico,
em níveis federais, estaduais e municipais, que os tratava como patrimônio da
união e não simplesmente submetidos a regulamentos de propriedade privada
127
(Funari & Robhran-González 2008). Inclusive, para o exercício da prática
arqueológica em licenciamento (igual aos projetos acadêmicos), é necessária a
Portaria do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). A
Portaria que regulamenta os procedimentos tidos como adequados para a
execução do EIA e para a elaboração do RIMA. Entre os detalhes dos três
momentos do trabalho arqueológico, que seguem três momentos de
implantação dos projetos, coloco abaixo alguns parágrafos que me parecem
centrais como pontos que destacam o poder social atribuído ao técnico
arqueológico.
Fase de obtenção de licença de instalação (LI)
(…)
Artº 5. (…) § 2º - O resultado final esperado é um Programa de Resgate Arqueológico fundamentado em critérios precisos de significância científica dos sítios arqueológicos ameaçados que justifique a seleção dos sítios a serem objeto de estudo em detalhe, em detrimento de outros, e a metodologia a ser empregada nos estudos.
(…)
Fase de obtenção da licença de operação
(…)
Artº 6. (…) § 1º - É nesta fase que deverão ser realizados os trabalhos de salvamento arqueológico nos sítios selecionados na fase anterior, por meio de escavações exaustivas, registro detalhado de cada sítio e de seu entorno e coleta de exemplares estatisticamente significativos da cultura material contida em cada sítio arqueológico.
§ 2º - O resultado esperado é um relatório detalhado que especifique as atividades desenvolvidas em campo e em laboratório e apresente os resultados científicos dos esforços despendidos em termos de produção de conhecimento sobre arqueologia da área de estudo. Assim, a perda física dos sítios arqueológicos poderá ser efetivamente compensada pela incorporação dos conhecimentos produzidos à Memória Nacional (Brasil 1986).
Fica clara a relação de autoridade que a arqueologia conquista sobre a
valoração do patrimônio arqueológico e nos mecanismos que definem a
“Memória Nacional”. E espera-se que ela o faça dentro do “bom senso” daquilo
128
que cabe à boa imagem da História Nacional. No processo de reconhecimento
do que é digno de participar da identidade da nação, e de ser resgatado, o
arqueólogo profissional presta um serviço ao Estado da mesma maneira em
que o fazia desde o século XIX. Com a diferença de que, agora, não mais
distingue o bárbaro do civilizado, mas busca distinguir o verdadeiro tradicional
da cultura corrompida.
De acordo com o relato de Jorge Eremites de Oliveira (2006),
(...) desde a década de 1990 especialistas em arqueologia têm sido intimados pela justiça federal a elaborarem laudos periciais para averiguarem se determinadas áreas em litígio são ou não de ocupação tradicional indígena, conforme determina a legislação brasileira (Oliveira 2006, p. 35).
No licenciamento de grandes obras de engenharia, os trabalhos
arqueológicos e antropológicos possuem muita força nos argumentos
contrários e a favor da presença indígena na área em discussão. Ou seja, a
necessidade de provar o vínculo ancestral dos indígenas com suas terras põe a
arqueologia em situação de jurado, com o poder de determinar quem é e quem
não é indígena. A questão tem criado intensos debates entre profissionais do
setor.
Jorge Eremites de Oliveira apresenta um texto pontual sobre essa
questão, em que questiona a aplicação de metodologia arqueológica em casos
de comprovação de ocupação ancestral indígena à terra. Suas críticas recaem
sobre um “laudo pericial sobre a Terra Indígena Sucuri’y, cujo relatório foi
apresentado por um arqueólogo à 1ª Vara da 1ª Seção Judiciária de Campo
Grande, Mato Grosso do Sul, conforme consta nos autos do Processo n°
97.0864-9” (Oliveira 2006, p. 35). Segundo Jorge Oliveira, o uso de métodos
interpretativos da pré-história para a investigação de processos territoriais é
incoerente e descabida, pois dá preferência a processos ocupacionais
imemoriais. Isso ignora os processos históricos de deslocamentos forçados de
indígenas durante o processo colonial, além de ignorar por completo a
dinâmica cultural inerente a qualquer sociedade humana.
129
O autor defende sua posição através de argumentos sobre a
impropriedade do método arqueológico para a questão. O cerne do problema
está no vício da imemorialidade. O perito criticado por Jorge Oliveira apega-se
em demasia às leituras sobre os processos pré-históricos de ocupação da área,
a busca por datações absolutas de material arqueológico e a aparente
irrelevância do real significado que esse material possa ter para a comunidade
local. O vínculo ancestral com a terra poderia ter sido observado em outras
evidências materiais mais recentes, “como ‘latas velhas’, ‘sola de sapato’,
‘entulho de lixo’, locais de importância simbólica para atividades de caça (como
o registrado como ogatawa), “alto topográfico” onde teria existido uma oga pysy
etc.” (Oliveira 2006, p. 41).
A memória social transmitida pela oralidade (fonte rica para diversas das
ciências humanas) e a historiografia local conservam inclusive as experiências
de um processo de esbulho pelo qual passaram os Kaiowá nos anos 1980, em
sua maioria ignorada pelo autor preocupado com a ancestralidade imemorial
(Oliveira 2006).
O próprio Jorge Oliveira possui um trabalho sobre o mesmo processo de
territorialização/desterritorialização na região de Sindrolândia, no sul do Mato
Grosso. Trata-se dos grupos Terena, envolvidos na Guerra do Paraguai
durante o século XIX (Oliveira & Pereira 2007). Uma história um tanto irônica,
por sinal. Mesmo com o abandono de algumas famílias devido a iminência da
invasão paraguaia, muitos terena ficaram na terra e inclusive prestaram auxílio
às tropas brasileiras locadas na região, quando não contribuíram com
resistência armada à entrada das tropas paraguaias. No entanto, na entrada do
século XX, terras indígenas não registradas foram passadas para terceiros
ainda no XIX e as famílias remanescentes foram reterritorializadas a uma área
de 2000 ha no começo do XX (muito menor que sua área de ocupação original)
(Oliveira & Pereira 2007).
Essa história está presente nas fontes orais que não são levadas tão a
sério quanto deveriam, além de as entrevistas terem sido conduzidas na
presença de outros técnicos envolvidos no litígio. Conseqüente desse uso
130
descuidado das fontes, o trabalho arqueológico foi levado a cabo de forma
desrespeitosa com os indígenas por intervir com escavações em
sepultamentos. E com que propósito?
Seria realmente necessário tudo isso [datar os esqueletos e comparar DNA antigo com contemporâneo] para dar crédito à memória social coletiva de uma comunidade indígena, às evidências materiais encontradas in loco e às fontes textuais conhecidas? (Oliveira 2006, p. 43)
Ao fim, Jorge Oliveira acusa o trabalho arqueológico de excessivamente
“passadista”, incoerente com a dinâmica histórica das populações indígenas e
da ocupação colonial do território brasileiro.
Por este motivo principal é que se faz necessário superar um antigo paradigma histórico-cultural, qual seja, a de que a etnicidade ou a identidade étnica deve ser tratada como um fenômeno estático, fossilizado no tempo e no espaço e que surge de fora para dentro dos grupos étnicos. Pelo contrário, é um fenômeno dinâmico que emerge do interior dos grupos étnicos para a exterioridade, em situações de contatos interculturais (Oliveira 2006, p. 47).
Em uma passagem de seu artigo, transcreve uma interessante menção
da antropóloga assistente técnica do Ministério Público, em que afirma o papel
da lei (Art. 231 da Constituição de 1988) em “amparar direitos étnicos de povos
abstratos, situados em algum lugar do passado. [A lei] Busca, sim, amparar
direitos de povos vivos e contemporâneos” (Carreira 2000 apud Oliveira 2006,
p. 38).
De fato, é interessante observar que, apesar de exigir a “ocupação
ancestral da terra”, ela não define com precisão qual o grau de ancestralidade
e como essa ancestralidade pode ser definida. Jorge Oliveira acusa os
métodos aplicados à arqueologia pré-histórica de serem impróprios para essa
situação por nortearem os resultados de acordo com um passado inalcançável
por qualquer processo de ocupação dos últimos 500 anos. Ele apresenta sim
momentos em que o estudo da cultura material mais recente torna-se proposta
válida de reconhecimento social da ocupação do espaço: entre os pertences,
enterrados com seus mortos pelos Kaiwoá, podem constar colares de contas
ou bicicletas (Oliveira 2006). Durante seu texto, o autor parece defender que a
131
antropologia, etnologia, etno-história e história local podem prover, não só uma
variedade maior de fontes, como uma variedade maior de métodos. E, por que
não, de cosmovisões ao arqueólogo? Mais uma vez, retornamos aos méritos
da ética arqueológica. Não se trata de criminalizar a arqueologia como serva do
Estado, mas de repreender a arqueologia por ignorar a situação política na qual
se encontra e de abusar de maneira indiscriminada de seus recursos técnicos
para emitir pesados julgamentos.
No entanto, cabe situar outro caso marcante nas discussões de ética
profissional do arqueólogo em que essa liberdade parece ser tolhida e
necessita de respaldo jurídico e institucional. Entre 2004 e 2007, uma séria
discussão ao redor dos resultados de avaliações antropológicas e
arqueológicas sobre a localização exata de um local sagrado às etnias do
Parque Indígena do Alto Xingú.
Em 2004, os povos do Xingu foram surpreendidos pela construção de uma barragem no rio Culuene. Os índios invadiram o canteiro de obras e solicitaram sua paralisação, alegando, de um lado, que o local é sagrado, pois seria o sítio em que o primeiro Quarup foi realizado; e, de outro, que o impacto ambiental causaria prejuízos às populações do Parque Indígena do Xingu, que vivem basicamente do consumo do pescado (Fausto 2006, p. 2).
O forte embate entre laudos e contra-laudos foi marcante da polêmica e
do conflito com os quais a arqueologia tem se deparado em processos de
licenciamento (Ver: Fausto 2006 e Robrahn-González 2006a). Longe de me
propor como juiz dos méritos dos pesquisadores, me parece apenas
interessante citar a observação de Carlos Fausto sobre a relação entre o
arqueólogo (como autônomo ou como representante de uma empresa
arqueológica) e a companhia contratante:
De todo modo, acho que é hora de começarmos a discutir a legislação e as condições em que são realizados estes estudos de maneira geral: a quem cabe a indicação da empresa de consultoria ou do profissional que vai realizar estudos arqueológicos e antropológicos para esses empreendimentos? Quem protege os arqueólogos e antropólogos que, porventura, cheguem a conclusões que contrariam os interesses do empreendedor? Quais os mecanismos públicos que visam
132
impedir a produção de um círculo vicioso entre empreendedores e empresas de consultoria? Qual deve ser o papel dos órgãos públicos e das associações científicas nesse processo?
São estas as questões que devemos juntos, antropólogos e arqueólogos, enfrentar de modo a aperfeiçoar a legislação, garantir o livre exercício da profissão, proteger o patrimônio cultural nacional e defender a sociedade civil, em particular as populações minoritárias que são as mais afetadas por nossa atuação (Fausto 2006, p. 8 – grifos no original).
Estou seguro de que o propósito dos trabalhos de licenciamento não é a
produção de laudos de liberação de obra, mas sim de trabalhos científicos
mesmo que sob a forte pressão do tempo (Robhran-González 2006). Para que
isso seja possível, a atuação profissional precisa de um respaldo jurídico sobre
o qual possa sustentar a validade daquele
aparato técnico e, inclusive, moral para evitar
seu “sucateamento” ao sofrer as pressões do
mercado (Fernandes 2008, p. 65). Não só
dependente da legislação, a atuação
profissional necessita de um respaldo associativo, em que seus pares possam
apoiar uma postura ética comum. Voltamos à discussão sobre a filiação estatal
da arqueologia e sua base científica. Ambas são partes ontológicas da
disciplina arqueológica e são suas fontes de legitimidade. A pergunta foi feita
no capítulo anterior: “Será que a arqueologia deveria abandonar sua filiação ao
Estado”? A resposta depende de situações específicas. Não acredito que a
arqueologia possa abandonar sua filiação com o Estado Nacional. No Brasil, a
exemplo, isso significaria o fim da arqueologia como cargo público no IPHAN e
no Ministério Público, órgãos que têm lutado pela preservação do patrimônio
arqueológico e pela responsabilidade profissional do arqueólogo. Pela mesma
lógica, significaria o fim da arqueologia como disciplina acadêmica, uma vez
que a maior parte dos grandes centros de pesquisa arqueológicos são
instituições públicas. Aliás, podemos observar um franco fortalecimento nos
laços que unem a disciplina arqueológica à base estatal, através do surgimento
de novos cursos de graduação em arqueologia; Sua maioria em Universidades
públicas através do Pro-Uni (programa do governo federal de incentivo à
A Resolução CONAMA nº 001/86 marca um momento na reavaliação da prática profissional na arqueologia e de sua responsabilidade social.
133
criação de novos cursos de graduação). Cursos que têm surgido para suprir a
demanda de pesquisadores, tanto na área de licenciamento, quanto na área
acadêmica.
No Brasil, a arqueologia continua sendo, em boa parte, prole do Estado
Nacional. Sua filiação a legitima através dos regulamentos de proteção e
manejo do patrimônio nacional, enquanto sua associação à produção científica
garante a autenticidade e autonomia de seu discurso. No entanto, tendo em
vista os limites de alcance das políticas de Estado (ou os não-limites), o
profissional deve, uma vez com esse suporte, decidir sobre a melhor maneira
de direcionar sua atuação.
A situação na qual se encontra a arqueologia de contrato no Brasil é
particularmente perigosa por ser uma profissão não regulamentada perante os
órgãos oficiais, não gozando assim daqueles benefícios jurídicos oferecidos por
Conselhos Regionais, bem como de parâmetros obrigatórios para garantir a
mínima qualidade e ética dos trabalhos. Sua força associativa também deixa a
desejar se observarmos o próprio Código de Ética da Sociedade de
Arqueologia Brasileira reafirma seu dever de.
Reconhecer como legítimos os direitos dos grupos étnicos investigados à herança cultural de seus antepassados, bem como aos seus restos funerários, e atendê-los em suas reivindicações, uma vez comprovada sua ancestralidade (SAB 2007, p. 3 – grifo meu).
A arqueologia brasileira tem se posicionado de modo condizente com a
política “multiculturalista” do Estado. Ou melhor, parece estar “tirando o corpo
de fora” ao reproduzir as palavras da Constituinte sem maiores detalhes sobre
suas obrigações com o mundo social dinâmico que a envolve. Em 1996, dez
anos após a publicação da Resolução CONAMA nº 001/86, arqueólogos e
arqueólogas se reúnem em Goiânia para a avaliação de métodos e
procedimentos de trabalho desenvolvidos e aplicados em processos de
licenciamento (Simpósio sobre política nacional (...) 1996). Um “Documento-
síntese” apresentado ao final das Atas do Simpósio faz importantes
recomendações sobre os procedimentos legais e metodológicos cabíveis aos
134
arqueólogos e ao IPHAN, sobre os direitos autorais dos trabalhos técnicos
produzidos, bem como sobre a responsabilidade dos empreendimentos
impactantes na transparência de seus métodos de intervenção e de
conhecimentos prévios sobre o local (Simpósio sobre política nacional (...)
1996). No entanto, tanto os trabalhos presentes nas Atas do Simpósio quanto o
Documento-síntese, não fazem qualquer menção à participação pública e das
populações impactadas nos processos de construção do conhecimento
histórico dos lugares sob licitação. O conhecimento arqueológico é entendido
meramente como os vestígios materiais de populações mortas. Não espanta,
assim, o fato de que uma das maiores dificuldades para a preservação do
patrimônio nacional seja sua irrelevância para grande parte da população
nacional (Funari 2001) viva e não arqueológica.
Nesse contexto, as discussões e questionamentos trazidos pela
arqueologia pública se tornam essenciais para levar a cabo modificações na
ética profissional e nas propostas de pesquisa arqueológica no país.
4.3. Arqueologia pública no Brasil
Grande parte dos trabalhos de “arqueologia pública” no Brasil vem
desses projetos de trabalhos de licenciamento. Como exigido pela Portaria nº
230/2002 do IPHAN, qualquer trabalho de licenciamento arqueológico deve ser
acompanhado de um projeto de educação patrimonial
§ 7º - O desenvolvimento dos estudos arqueológicos acima descritos, em todas as suas fases, implica trabalhos de laboratório e gabinete (limpeza, triagem, registro, análise, interpretação, acondicionamento adequado do material coletado em campo, bem como programa de Educação Patrimonial), os quais deverão estar previstos nos contratos entre os empreendedores e os arqueólogos responsáveis pelos estudos, tanto em termos de orçamento quanto de cronograma (Brasil 2002, Art.6).
As demais portarias do Instituto exigem o desenvolvimento de alguma
forma de reaproveitamento e redirecionamento público do que foi produzido
pelo arqueólogo. A permissão para realizar trabalhos arqueológicos, de acordo
com a Portaria nº 7/88 só será concedida mediante aprovação do projeto de
135
intervenção que deve obrigatoriamente conter uma “proposta preliminar de
utilização futura do material produzido para fins científicos, culturais e
educacionais” (Brasil 1988b, Art.5.IV.1).
Assim, apesar dos acalorados debates sobre ética profissional, muito do
que tem sido produzido no país sobre o nome de “arqueologia pública” recorre
aos métodos de uma educação ou alcance público, conhecido como educação
patrimonial. Como assinalam Pedro Paulo Funari e Aline Vieira de Carvalho
(2009), embora a legislação de 1961 já tivesse sido aprovada foi apenas com a
abertura política dos anos 1980 que estados e municípios puderam colocar em
vigor as normas nacionais e promover normas internas de proteção de seu
patrimônio local. Nesse contexto foi-se desenvolvendo discussões sobre a
importância da divulgação do trabalho arqueológico e da educação patrimonial
(Funari & Carvalho 2009). “Através da educação patrimonial o cidadão torna-se
capaz de entender sua importância no processo cultural em que ele faz parte,
cria uma transformação positiva entre a relação dele e do patrimônio cultural”
(Bastos e Funari, 2008: 1131 apud Funari & Carvalho 2009, p. única).
Como vimos no capítulo anterior, a importância de buscar meios através
dos quais o mecanismo de proteção patrimonial e de pesquisa arqueológica
ganhem significado para a sociedade é a semente da arqueologia pública, e
até hoje representa parte essencial dos trabalhos desenvolvidos sob essa
alcunha. Pedro Paulo Funari coloca em boas palavras “os desafios da
destruição e conservação do patrimônio cultural no Brasil”.
Devemos lutar para preservar tanto o patrimônio erudito, como popular, a fim de democratizar a informação e a educação, em geral. Acima de tudo, devemos lutar para que o povo assuma seu destino, para que tenha acesso ao conhecimento, para que possamos trabalhar, como acadêmicos e como cidadãos, com o povo e em seu interesse. Como cientistas, em primeiro lugar, deveríamos buscar o conhecimento crítico sobre nosso patrimônio comum. E isto não é uma tarefa fácil (Funari 2001, p. 25)
A arqueologia de contrato foi a introdutora das principais problemáticas
na discussão de arqueologia pública no Brasil. Como vimos no item anterior, os
processos de licenciamento tem sido os primeiros a chamar atenção da
136
disciplina não apenas a necessidade de ferramentas jurídicas para a proteção
de um patrimônio que se destruía com o avanço da industrialização rumo ao
interior do país. Foi também um ponto de choque entre aqueles que viviam
nestes territórios impactados, que viviam perto de sítios arqueológicos, que os
usavam de outra maneira, que os viam de outra maneira, não necessariamente
de acordo com “os interesses da nação”. A arqueologia de contrato trouxe à
tona a relevância que a voz disciplinar ainda possui na declaração de pertença
social e de manejo da diversidade cultural através da cultura material.
Entre essa diversidade de diálogos própria da arqueologia pública,
gostaria de discutir aqui alguns exemplos de trabalhos produzidos no Brasil sob
esse conceito.
De inicio, vale atentar para o conceito de “educação patrimonial”, tal
como definido pelo “Guia Básico de Educação Patrimonial” do IPHAN (Horta et
alii 1999).
Trata-se de um processo permanente e sistemático de trabalho educacional centrado no Patrimônio Cultural como fonte primária de conhecimento e enriquecimento individual e coletivo (Horta el alii 1999, p. 6 – grifos no original).
O Guia deixa claro sua intenção de manter uma relação interativa entre
“agentes responsáveis pela preservação e estudo dos bens culturais” e
“comunidades”, tendo em perspectiva a criação de um ambiente em que
adultos e crianças sejam envolvidas em um “processo ativo de conhecimento ,
apropriação e valorização de sua herança cultural” (Horta et alii 1999, p. 6).
No entanto, deixa também explícito que esse processo ativo visa capacitá-los
para um “melhor usufruto destes bens”, e declara abertamente que “a
Educação Patrimonial é um instrumento de ‘alfabetização cultural’ que
possibilita o indivíduo fazer a leitura do mundo que o rodeia” (Horta et alii 1999,
p. 6). E, como consequência, que a educação patrimonial reforça a auto-estima
dos indivíduos e comunidade.
Fica clara a referência ao público “não-agente-responsável-pela-
preservação-e-estudo-dos-bens-culturais” como deficitários de cultura
137
(Merriman 2004a), como simples recipientes vazios a serem preenchidos com
o conhecimento superior dos educadores (Freire 1987). A meu ver, autores e
IPHAN tomam uma postura lamentável quando publicam tal assertiva, uma vez
que me parece impossível que qualquer ser humano possa viver despossuído
de cultura e incapaz de ler o mundo que o rodeia. O texto só faz sentido uma
vez que tomemos “cultura” como sinônimo de uma cosmovisão erudita e
acadêmica, onde a ciência é a única capaz de desvendar as leis que regem o
universo e seu funcionamento.
Como vimos no capítulo anterior, conforme proposição de Ana Maria
Gomes (2006), não se trata de déficit cultural ou incapacidade individual, mas
de estar “no campo das diferenças coletivas na forma de viver e interpretar a
experiência social” (Gomes 2006, p. 318). Diferentes grupos sociais e
indivíduos interpretam o mundo de maneiras diferentes, de acordo com suas
diferentes vivências e experiências. A “leitura do mundo que o rodeia” é
indissociável da relação que o indivíduo, com sua bagagem social e abstrações
pessoais, estabelece com o espaço. Já argumentei isso anteriormente: a
transformação de um espaço qualquer em lugar, referencial cultural, depende
da relação afetiva que esse indivíduo estabelece com o espaço (Tilley 2006).
Aproximar-se de uma comunidade buscando preenchê-la com as modalidades
cognitivas que se acredita serem as únicas possíveis é caminhar para o que
Pedro Paulo Funari argumenta sobre o patrimônio nacional: grande parte da
população simplesmente não se identifica com ele (Funari 2001). Quando não
o depredo voluntário, pois o patrimônio, além de conceito jurídico, torna-se
sinônimo de imposição e desrespeito ao “lugar” local.
Para dar continuidade à argumentação deste trabalho, escolhi a leitura
mais profunda de teses e dissertações nacionais que abordassem o termo
“arqueologia pública”, com o propósito de ver como a Academia tem
contribuído com a reflexão sobre esse conceito e com a discussão sobre os
desafios contemporâneos da prática da arqueologia no país. Reconheço que
existam mais trabalhos interessados no estudo das relações entre
pesquisadores e a alteridade fora da academia, e discutir diferentes formas de
compreensão do passado, dos que aqui discutidos (e.g. Stuchi 2010, Pouget
138
2010, Carvalho 2009). Devido às dimensões desta dissertação, no entanto,
reservei-me a comentar trabalhos que se identificassem sob a alcunha de
“arqueologia pública”.
Alguns poucos trabalhos acadêmicos têm sido produzidos sob essa guia.
O Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE/USP) foi responsável por uma
dissertação e uma tese na área. Em 2008, Tatiana Costa Fernandes defendeu
sua dissertação sobre uma experiência de arqueologia pública em um sítio
arqueológico em Guararema no interior de São Paulo, decorrente de um
trabalho com a Scientia Consultoria Científica Ltda (Fernandes 2008). A
primeira frase da introdução parece deixar muito clara a proposta da autora.
O presente estudo versa sobre as potencialidades e abrangências de uma Arqueologia Pública no Brasil. Mais do que um estudo delineado academicamente trata-se da possibilidade de reflexão sobre os profissionais e pesquisadores ligados à chamada ‘Gestão de Recursos Culturais’, mas também, ao campo de atuação do arqueólogo nas mais diferentes formas de intercepção do trinômio ciência-patrimônio-sociedade (Fernandes 2008, p. 1).
A autora define o que entende por arqueologia pública, tomando sua
postura voltada para a Gestão de Recursos Culturais. A partir daí, constrói uma
interessante trajetória desde o surgimento do conceito na década de 1970 até
os dias de hoje. Apesar de sentir a ausência de alguns pontos relativos ao
caráter conflituoso da arqueologia pública (em especial da literatura sobre os
conflitos territoriais indígenas), a autora percorre o histórico do tema de
maneira sólida para o sustento de sua conceituação. Ainda no primeiro capítulo,
ela deixa claro seu interesse pela educação patrimonial como parte essencial
da Gestão de Recursos Culturais e, conseqüentemente, da arqueologia pública
(Fernandes 2008).
Passando para o segundo capítulo, ela aposta em uma definição mais
pontual sobre arqueologia pública com a qual me identifico. “Arqueologia
pública como campo científico da Arqueologia destinado a discutir, intervir e
rever a relação dialética entre a ciência arqueológica e a sociedade”
(Fernandes 2008, p.33). Dessa forma, ela passa a defender de maneira
139
condizente uma educação patrimonial que seja capaz de prover o público com
mecanismos culturais de libertação, mecanismos que possam ser apropriados
pelo público para defesa de seus interesses, seguindo a linha de Paulo Freire
na pedagogia da libertação. Tendo definido esse conceito de arqueologia
pública, é possível dizer que o cerne de sua proposta é construído na tentativa
de aplicação da educação patrimonial como possibilidade de Gestão de
Recursos Culturais (Fernandes 2008, p. 70)
Dando seqüência a seus argumentos, Tatiana Fernandes avança com
seu posicionamento teórico sobre sua proposta de trabalho. Nesse ponto ela
identifica a arqueologia em uma situação necessariamente vinculada ao
contexto social, que não pode se eximir de sua responsabilidade como Ciência
Social. Assim, ela deve encarar a situação atual em que se encontra, definida
pela periculosidade com que avança o desenvolvimento do setor urbano e
consumo de recursos naturais (sugerindo um maior controle de atividades
industriais, extrativistas e de descarte) ao mesmo tempo em que não se
concebe o retraso do desenvolvimento dos setores primários e secundários da
economia nacional (o que sugere uma condição desenvolvimentista que temos
enfrentado desde que nos conhecemos como colônia, ou pelo menos como
nação independente). Assim, temos os conceitos de “desenvolvimento
sustentável”, “sustentabilidade”, entre outros que tentam congregar essas duas
situações em uma. E a arqueologia está situada nesse meandro (Fernandes
2008).
Nesse processo “desenvolvimentista com os devidos cuidados”, não só
questões ambientais têm sido colocadas em pauta, mas o custo que o avanço
do capital tem sobre comunidades que antes quase não usavam o dinheiro. E,
desde a resolução CONAMA, como vimos, as análises de impacto social e
cultural exigem o trabalho do arqueólogo para avaliar qual será esse impacto
sobre os sítios arqueológicos. No mesmo espírito com que começara o trabalho,
Fernandes (2008) avalia as possibilidades conceituais da “Educação não-
formal” para contribuir com um processo educativo em que se promova a
democracia de oportunidades e conhecimento entre populações que, antes de
serem afetadas por um empreendimento, são afetadas pela marginalidade
140
social. Sua aposta na educação não-formal é a de que ela permite explorar
processos educativos que ocorrem fora da escola.
No entanto, acredito que a aplicação de sua proposta teórica não foi
realizada em sua totalidade. Seu trabalho foi orientado, em suma, para três
tipos de público: estagiários da Universidade de Santos, estudantes de colégios
locais (fundamental e médio) e os auxiliares de campo. Sua atuação com os
interesses locais me pareceu desviar um pouco de sua proposta inicial.
Podemos ver um exemplo nos critérios de relevância dedicados aos sítios
arqueológicos: “Diversidade intrínseca (variabilidade cultural de um sítio);
diversidade regional (variabilidade cultural comparativa entre sítios); quantidade
e qualidade dos materiais; presença de estruturas arqueológicas,
perceptibilidade do registro; localização e acesso e; entorno ambiental”
(Fernandes 2008, p. 81). São critérios de caráter unicamente arqueológicos.
Por fim, ela considera
que a determinação desses atributos e sua pontuação (Alta, média, baixa, etc) deve ser a mais ‘livre’ possível, aberta à opinião pública e à crítica científica, de forma que seja constantemente renovada e contrastada, em interação dinâmica, jamais estática (Fernandes 2008, p. 81).
Ou seja, caberia apenas ao público dar sua opinião uma vez que as
regras do jogo foram definidas. Nenhum dos critérios apresentados foi proposto
pelo público (sua fonte para os critérios foi a dissertação de L. L. Brochier,
defendida em 2004). Apesar de, ainda assim, afirmar em diversas etapas do
texto que os conceitos de preservação e relevância a serem credenciados ao
sítio devem ser dinâmicos e sempre consultados com a opinião pública e
cientistas. Mais uma vez, não me parece algo muito relevante que a opinião
pública opine em métodos e parâmetros que nem foram feitos em seus termos.
Ou seja, a opinião pode ser pública, mas as regras do jogo continuam sendo
apenas científicas. Vale adicionar que, nos objetivos da pesquisa arqueológica
(p. 85) e nos critérios de relevância do sítio “Topo do Guararema” (p. 84), não
há pontos dedicados ao interesse da comunidade nem definidos por eles.
141
A atuação do projeto junto aos estudantes do ensino fundamental e
médio tampouco leva em conta sua discussão sobre “empoderamento” social.
Os alunos do fundamental são inseridos no trabalho do arqueólogo através de
som ambiente e, palestras e da cartilha explicativa. As questões feitas aos
alunos no final da visita são para averiguar a retenção do conteúdo: “O que são
vestígios?”, “O que são vestígios materiais?”, “Alguém sabe o nome da ciência
que estuda o homem através de seus vestígios materiais?”, “A arqueologia
estuda ruínas de menos de 100 anos de idade?”.
Certamente meu conhecimento sobre paradigmas educacionais são
ínfimos e não possuo parâmetros para julgar níveis de aprendizagem dos
diversos estágios do desenvolvimento do indivíduo. Mas, repito, porque não
tentar ver primeiro as diferenças de tipos de aprendizagem. Não testar só o
teor de absorção da criança, mas também a diversidade de observações que
elas colocam sobre o ambiente e seu entorno. Talvez, ao invés de perguntar “o
que você entendeu?” seria mais válido partir da questão “o que você entende?”,
“O que acha que estamos fazendo aqui?”, “Você já veio aqui antes?”, “O que
acha daqui?”. Ou mesmo deixar que as crianças façam as perguntas, já que a
proposta é atendê-las em seus interesses enquanto parte do público. Isso foi
muito bem conduzido quando a autora apresenta sua experiência com
estudantes do ensino médio. Aos alunos foi dada maior liberdade de
questionamento e intervenção no trabalho arqueológico. Apesar do fato da
liberdade de questionamento ser dada aos estudantes após ter sido
apresentada a interpretação do arqueólogo (Fernandes 2008).
A autora cita inclusive o trabalho de Tim Copeland, citado aqui no
capítulo anterior (Copeland 2004) sobre a interação contínua entre a
interpretação do arqueólogo e a interpretação do público. Mais uma vez,
retomo a crítica feita ao trabalho de Copeland: parece-me errôneo imaginar que
a arqueologia é a primeira a revelar o passado e o espaço à comunidade local.
A população local deve estar ligada àquele sítio próximo, não por sensibilidade
científica, mas por seus parâmetros de concepção do espaço, mesmo que seja
o de um espaço que nunca demonstrou importância alguma. Não cabe à
arqueologia abrir a interpretação, pois ela nunca esteve fechada (Cabral &
142
Saldanha 2008). Cabe a ela abrir-se a si mesma à tolerância de outras
interpretações e à crítica sobre seus métodos e atuação.
A tese de Marcia Bezerra de Almeida apresenta também uma
experiência de educação arqueológica, desta vez dentro da escola (2002). Sua
postura quanto à educação segue linhas semelhantes às expostas na
discussão do texto de Tatiana Fernandes, tomando Paulo Freire como principal
referência de uma educação que supere o medo ideológico e apresente-se
como campo de liberdade das expressões individuais e do conhecimento não-
oficial (Bezerra de Almeida 2002). Para definir o conceito de arqueologia
pública, toma as palavras de Pedro Paulo Funari, argumentando que
arqueologia pública é “mais do que a conotação tradicional de ‘alcance público’.
De uma maneira crítica, é entendida como uma investigação: cui bono, ‘quem
se beneficia’ da prática e teoria arqueológica, do discurso arqueológico? (...)
(Funari 2001a, p. 239 apud Bezerra de Almeida 2002, p. 9).
A aproximação de Bezerra de Almeida ao interesse e entendimento
público de arqueologia foi feita através de entrevistas semi-estruturadas com os
alunos da turma participante. O Projeto “Descobridores Mirins” foi desenvolvido
em 2001 com alunos da 5º série do ensino fundamental do Colégio Marista São
José, situado na Tijuca, Rio de Janeiro/RJ. O Projeto foi desenvolvido à convite
dos professores de história do colégio. De modo geral, as entrevistas foram
conduzidas de maneira a permitir a liberdade dos alunos nos comentários e
reflexões sobre o que conheciam de arqueologia e se a relacionavam com
algum aspecto de suas vidas atuais. Após as entrevistas, o trabalho foi seguido
de aulas sobre arqueologia e uma simulação de escavação em um sítio
arqueológico. Findas as escavações, os alunos deveriam produzir relatórios
interpretativos sobre o material encontrado, que foram então analisados pela
autora a fim de observar o que havia mudado na compreensão de arqueologia
dos alunos (Bezerra de Menezes 2002).
A completa liberdade interpretativa durante as escavações e as
entrevistas que precederam as aulas, a meu ver, são os pontos mais fortes do
trabalho de Marica Bezerra. A abordagem inicial através de entrevistas semi-
143
estruturadas é uma maneira de diálogo direto com cada indivíduo, reconhecer
suas perspectivas e reações ao ambiente escolar do qual a própria arqueóloga
estava inserida naquele momento. A gravação das entrevistas com câmera de
vídeo ao invés de gravador de voz foi escolhida de modo a captar a reação
corporal às perguntas e a comunicação gestual que acompanha a
comunicação verbal. Apesar de ser um aparelho que causa certo desconforto
inicial (ou durante toda a entrevista para alguns indivíduos), a autora afirma que
muitas das crianças se “soltavam” em pouco tempo, algumas inclusive se
sentiam a vontade com a “teatralização” da situação (Bezerra de Almeida 2002).
A linguagem corporal das crianças durante as entrevistas, no entanto, não
foram exploradas com profundidade na tese.
A liberdade de expressão durante a interpretação dos vestígios permitiu
uma verdadeira revisão da construção cognitiva dos alunos resultante das
exposições em aula e da experiência de escavação, que envolve esforço físico,
trabalho conjunto, muita criatividade e estudo (Bezerra de Almeida 2002). A
leitura das expressões físicas, escritas e orais das crianças sobre arqueologia
foi feita através da Teoria das Representações Sociais de Serge Moscovici
(Bezerra de Almeida 2002, p. 94), interpretando essas expressões como
construções simbólicas sobre o mundo que as cerca, baseadas em suas
sensibilidades sociais. A leitura do contexto social e, em especial, relações de
gênero dos alunos apresentada pela autora foram muito bem conduzidas por
esse caminho. A proposta da autora visa entender as crianças como seres
sociais que possuem sua bagagem cognitiva e que, através dela, reconhecem
o funcionamento do mundo. Através desse conhecimento será possível levar a
cabo uma educação libertadora, que disponibilize as possibilidades que a
arqueologia possui para interpretação da realidade (Bezerra de Almeida 2002).
Finalmente, o ultimo estágio do Projeto foi uma segunda etapa de entrevistas
sobre a compreensão de arqueologia dos alunos após as aulas e a experiência
em “campo”.
A proposta de Marcia Bezerra carrega consigo muito de sua intenção
denotada no inicio do trabalho: executar uma arqueologia pública que vá além
do “alcance público”, respeitando a alteridade fora da Academia e
144
disponibilizando o conhecimento arqueológico como uma ferramenta distinta
para a interpretação do passado. No entanto, algumas lacunas e confusões me
chamaram a atenção no trabalho. Primeiro quanto às referências ao tema da
“memória”, que em diversos momentos do texto, em especial durante o
primeiro capítulo que trata da noção de Patrimônio Cultural, parece confuso:
ora como domínio da história oficial e deficitária em alguns setores da
sociedade que destroem o patrimônio (como no primeiro trecho), ora como
ferramenta subjetiva, individual ou coletiva, de interpretação do passado
sempre a serviço da criação identitária, opressora ou libertadora (como no
segundo exemplo).
A este respeito, a relação do povo brasileiro com o seu patrimônio arqueológico é bastante esclarecedora. Como vimos, o patrimônio arqueológico é parte da memória do povo e um dos seus símbolos de identificação. O cidadão, contudo, não reconhece e não se reconhece neste patrimônio (Bezerra de Almeida 2002, p. 18).
Não se vive uma história que não é a sua. Esse vazio faz com que a memória individual e a memória social sejam invadidas “(...) por outra ‘história; por uma outra memória que rouba das primeiras o sentido, a transparência e a verdade” (Chauí, 1999, p.19). É preciso lutar contra a espoliação da memória, é preciso lutar contra a invasão cultural (Freire,2002) (Bezerra de Almeida 2002, p. 20 – grifos no original).
Junto com essa confusão da memória, ora campo realidade de todos,
ora realidade de poucos, está a confusão d’ “o povo” que tem posse dessa
memória. Quem seria o “povo brasileiro” que não se identifica com o patrimônio
arqueológico? Como pode o mesmo povo ter a identidade definida pelo
patrimônio arqueológico e não se reconhecer nele? E, mesmo não reconhecido
no patrimônio, ter sua memória invadida? De quem é o patrimônio, afinal, e
qual memória é invadida? Apesar dessa confusão, o referencial teórico e a
postura adotada pela autora de respeito ao conhecimento prévio dos alunos
deixa clara sua concepção da relação de poderes entre as “memórias”.
A lacuna que me pareceu maior no trabalho foi a “irreversibilidade” do
processo cognitivo: como as perspectivas e atuações das crianças fizeram com
que os membros do Projeto e a própria autora refletissem sobre a prática
145
arqueológica? A notada criatividade dos alunos poderia ter sido discutida com
mais profundidade: será que a concepção delas está tão “distorcida” quanto se
pensava? Aliás, por que entender essa concepção como “distorcida”? As
práticas interpretativas que adotamos são tão diferentes de um exercício
criativo? Ou, de fato, fica evidente que a formação arqueológica distingue um
pesquisador amador de um profissional? Parece-me que o aprendizado do
educador a partir da visão de mundo do educando, como propõe Freire,
poderia ter sido mais explorada.
Retornando ao trabalho de Tatiana Fernandes, penso que temos um
exemplo interessante e bem conduzido para refletirmos uma relação particular
da arqueologia de contrato no Brasil: o emprego de mão-de-obra contratada,
mas sem qualificação arqueológica. De acordo com a descrição da autora, a
situação de choque inicial entre pesquisador e trabalhador foi-se transformando
em cumplicidade e em real contribuição do conhecimento arqueológico com o
interesse dos trabalhadores. De início, a equipe contratada não via qualquer
razão para o trabalho que estava sendo desenvolvido ali (C.f. Fernandes 2008,
p. 127). No entanto, durante o convívio, alguns dos trabalhadores começaram a
se interessar pelo conhecimento arqueológico e um deles inclusive pediu
referências de leitura para a equipe. Ao final, a cada trabalhador foi oferecido
um certificado de especialização arqueológica com a quantidade de horas de
trabalho em campo. De fato, Tatiana Fernandes se pergunta se esse certificado
poderá ou não servir para o credenciamento profissional, mas me pareceu uma
excelente contribuição ao pedido da equipe: usar o conhecimento científico da
disciplina para a qualificação profissional da equipe, atendendo a uma
preocupação da própria equipe com as possibilidades do mercado. Ao final,
pareceu-me que seu trabalho contribui através de sua deglutição pelo público
não-arqueológico (no caso, a equipe de auxiliares contratados) que pela
tentativa de alcance e educação patrimonial.
A mesma experiência foi conduzida em 2010, após a conclusão dos
trabalhos de campo na “Antiga Fábrica de Fogões Wallig” em Porto Alegre/RS
(Vidal 2010). Se bem que esse certificado “conferia-lhes a condição: ‘Auxiliares
da arqueologia’” (Vidal 2010, p. única – grifo meu). O uso da proposição “da” no
146
lugar de “de” me deixa em dúvida se estamos vendo uma condição de
especialização de mão-de-obra ou de uma marginalização no processo
cognitivo. Enfim, todo cuidado é pouco.
A Educação Patrimonial é parte obrigatória dos trabalhos de consultoria
arqueológicos, pelo menos os executados a cargo da Resolução CONAMA nº
001/86. A educação entendida como o aprendizado de algo interessante, mas
cuja arte ainda não é dominada pelo indivíduo, não me parece um fim a ser
temido por si mesmo. O conhecimento arqueológico é uma forma de
interpretação da realidade que pode ser usada para atender os interesses de
grupos sociais ou indivíduos que ainda não dominem seus métodos (Zanettini
2009). Os métodos e interpretações usados na arqueologia não são, no
entanto, as únicas formas de compreensão da realidade e tampouco são “a”
cultura da qual o público carece. Eis o contato que devemos tomar: os meios
são importantes tanto quanto os fins.
O trabalho de Fernando Alexandre Soltys (2010) é outra das recentes
produções sobre o tema da arqueologia pública brasileira. Com a mesma
proposta de análise crítica da postura autoritária da produção científica
arqueológica, acredito que sua principal contribuição fora a leitura de cartilhas
educativas feitas como parte dos projetos de educação patrimonial para
distribuição entre o público infanto-juvenil. As cartilhas patrimoniais são muito
comuns e nenhum estudo foi feito sobre seu real impacto no público não
arqueológico.
De acordo com o autor, embora algumas cartilhas adotem conteúdo
interativo e mesmo façam um esforço para conectar o conhecimento
arqueológico com o referencial mais próximo ao senso comum regional, a
maior parte ainda reproduz um discurso escolar antiquado em que as crianças
escutam os adultos e arqueólogos (quando aparecem arqueólogas) e, não
apresentam nenhuma reflexão crítica sobre os métodos de produção do
conhecimento arqueológico, apenas dando continuidade às, muitas vezes
preconceituosas, visões sobre o passado indígena pré-colombiano (Soltys
2010).
147
Mais uma vez, penso que o principal ponto de defasagem de alguns
trabalhos de educação patrimonial na arqueologia brasileira seja o problema já
levantado no capítulo anterior do nivelamento do conhecimento do fenômeno
arqueológico e dos espaços específicos aos quais a disciplina se dedica.
Retomando minha referência principal, o problema reside quando a arqueologia
adota o “modelo do déficit” tentando corrigir
imprecisões no conhecimento do público
(Merriman 2004, p. 5). Ou seja, quando a
educação patrimonial é encarada como uma
“alfabetização cultural” (Horta el alii 1996, Vidal
2010, Bastos 2006). Supõe-se que aquele que
necessita de alfabetização cultural seja aquele
que não conhece a cultura. Se existe algo que a antropologia já deixou claro há
muito tempo é que ninguém sabe com precisão o que é cultura, mas todos a
possuem.
Por fim, vimos que “patrimônio” é um status conferido sobre a paisagem,
o espaço ou o vestígio material por entidades especializadas. Nesse ponto, o
ensino sobre o patrimônio e sua importância para a constituição da memória
nacional conduzidos com o devido reconhecimento da condição artificial
desses conceitos, parece-me fazer um pouco mais de sentido. Ou seja, não
estamos ensinando o leigo sobre sua própria cultura: algo que me parece tão
absurdo quanto um brasileiro gritando em alta voz a pronúncia correta do
japonês em uma esquina de Tóquio. Mas sim, seríamos profissionais
ensinando sobre o funcionamento da nossa disciplina, dos regimentos da lei e
quais os impactos (e benefícios) que essa parafernália burocrática poderia ter
para a comunidade. No entanto, acredito que deveríamos confiar mais na
presença e estudos de educadores quando se trata de educar, e aproveitar
mais nossas bases antropológicas para interagir com o outro a fim de
compreendê-lo e fazer-nos igualmente compreensíveis.
Um dos espaços acadêmicos que gerou discussões dentro da
arqueologia pública brasileira foi o Núcleo de Estudos Estratégicos da
Universidade Estadual de Campinas (NEE/Unicamp). Entre suas atividades, as
Apesar de alguns trabalhos no Brasil estarem discutindo arqueologia pública sob diversas perspectivas, a “Educação Patrimonial”, encarada como “alfabetização cultural” ainda faz-se presente em diversas publicações e projetos.
148
que mais lhe deram presença sobre o tema foram: a gestão do arquivo de
Paulo Duarte (sob custódia da Unicamp), e publicação do periódico
“Arqueologia Pública”, editorado por Pedro Paulo Funari e Erika M. Robrahn-
González. A Revista, já em seu terceiro número, traz artigos brasileiros e latino-
americanos sobre a prática do arqueólogo de nossos dias, e as possibilidades
de uma mudança frente às novas necessidades sociais. Entre os temas
propostos, estão: i) a configuração do espaço em museus e suas impressões
sobre o público (Castaña 2006; Tamanini e Peixer 2007; Quesada, Moreno &
Gastaldi 2007); ii) o discurso e a criação de interpretações públicas do passado
(Reis 2007; Schan 2006; Dominguez 2007; Cabral e Saldanha 2008); iii)
projetos multidisciplinares de manejo de recursos econômicos e culturais
(Berón & Guastavino 2007; Castro et alii 2007; Robrahn-González 2006b;
Sempé, Salceda & Martínez 2007); iv) educação patrimonial e o intercâmbio de
conhecimentos (Cury 2006; Lima & Francisco 2006; Moreira et alii 2008); v) a
ética e jurisdição em trabalhos de contrato (Robrahn-González & Migliacio 2008,
Caffa 2008); vi) arqueologia e mídia (Zapatero & Castaño 2008; Cândido 2008)
e vii) a arqueologia comunitária (Ferreira 2008). Vale fazer breves comentários
de alguns artigos de maior interesse para este trabalho.
Sobre a divulgação da arqueologia e sua re-apropriação pelo público, o
trabalho de Denise Schann analisa o interessante caso da cerâmica marajoara,
cujo estilo decorativo entre artesãos paraenses foi apropriado parcialmente por
discursos produzidos pelos arqueólogos (Schann 2006). Seu caso me parece
bem conduzido, pois leva em conta a dinamicidade da memória social e a
flexibilidade do conhecimento científico, nunca restrito às barreiras das
publicações acadêmicas.
Nos últimos anos, a produção, venda e circulação crescente desses produtos [réplicas de cerâmicas arqueológicas], impulsionada por órgãos governamentais, não-governamentais, associações de classe e a mídia tem estado associada com a uma valorização do exótico, do antigo e do regional, o que se poderia chamar de uma busca das “raízes” ou da “origem” da cultura (Schann 2006, p. 20).
Sua discussão circula a divulgação do conhecimento arqueológico entre
o público não especialista e como este reconfigura os interesses do
149
pesquisador, baseado em seus próprios interesses e necessidades. Seu caso
de estudo é a apropriação e modificação de motivos decorativos retirados de
cerâmicas arqueológicas. Os modelos cerâmicos da chamada “civilização
marajoara” difundiram-se como imponente valor de mercado entre ceramistas
locais e turistas. Não apenas como fator de importância no comércio, mas
também como fator de marca identitária entre os artesãos do estado e sua
produção que excede as fronteiras estaduais, alcançando grande parte do
território nacional e estrangeiro.
Schann cita o caso do Mestre Raimundo Saraiva Cardoso que, durante
uma visita ao Museu Emilio Goeldi impressionou-se com a beleza da cerâmica
indígena, e pensou que, se poderiam fazer algo tão bonito apenas com
materiais da região, ele poderia também. “Começou aí sua história de mais de
30 anos de pesquisa sobre a cerâmica marajoara e tapajônica, tempo durante
o qual leu todos os livros, artigos e matérias de revistas que pudesse obter”
(Schann, 2006, p. 23). A partir daí, tornou-se referência na confecção de
artefatos em barro com motivos marajoara. Esses motivos, no entanto, foram
certamente reconfigurados e não seguem mais os parâmetros definidos pelas
publicações arqueológicas. A autora contempla em seu trabalho a perspectiva
de que “A representação do “outro” no passado deveria então ser um ponto de
reflexão dentro de projetos que colocam frente a frente cientistas sociais e
comunidades” (Schann, 2006, p. 27).
José Alberione dos Reis (2007) vai pela mesma perspectiva de análise
discursiva. Sua discussão levanta questionamentos sobre a autoria da
produção dos arqueólogos através da leitura de pronomes utilizados em
dissertações e teses de três grandes centros de pós-graduação em arqueologia
no Brasil: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS),
Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE/USP) e
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Seu propósito era argumentar
sobre a “quarta pessoa” científica, aquela que dava respaldo a todas as
atitudes do pesquisador e que permitia o uso dos “nós”, “ele”, “se”: ou seja, “eu
e a ciência”.
150
A arqueologia do Outro convoca e inclui alteridades, diferenças, identidades – a multivocalidade das pessoas engajadas na construção dos passados, inclusive a dos cientistas da Arqueologia. Aqui a subjetividade explícita é desafiada a sair da toca e correr riscos de se opor (Reis, 2007, p. 36).
O artigo de Mariana Cabral e João Saldanha convoca, do mesmo modo,
para essa reflexão de múltiplas interpretações.
Não podemos falar em “abrir” um sítio à interpretação, simplesmente porque é impossível fechá-lo à interpretação. Todos nós, arqueólogos ou não, estamos interpretando sítios quando os visitamos. O que nós precisamos não é abrir os sítios à interpretação; o que nós precisamos é abrir nossos projetos a outras interpretações (Cabral & Saldanha 2008, p. 12).
O sítio AP-CA-18, um sítio de megalitos encontrado no Amapá, no
município de Calçoene, foi envolvido por uma diversidade de interesses. O
Governo estadual tomou o sítio como bandeira de identidade histórica e de
possibilidade de desenvolvimento, pois já contava com o turismo como
atividade econômica importante na região. Como estratégia política (afinal era
também época de eleição), o governo estadual, em 2006 investiu na
propaganda televisiva e impressa do sítio: desde TV Globo à revista Seleções
(Cabral & Saldanha 2008, p. 10-11). Essa política bem sucedida, tanto como
propaganda eleitora quanto como fomento do orgulho da população local.
Surge um orgulho por participar daquele projeto, por ter tamanho monumento
em seu território, “orgulho por conhecer de perto, de ser um pouco dono
daquilo” (Cabral & Saldanha 2008, p. 11). Interessante observar como a
arqueologia tornou-se um depositário de importante referencial comunitário,
não necessariamente do passado, mas do presente: o ponto onde Calçoene
concatena sua existência com o resto do mundo.
Como argumentei no capítulo anterior, a mídia é um espaço de interação,
discussão e, mais importante, de reconfiguração discursiva. A mídia é um
espaço onde a liberdade de expressão conquistada por jornalistas, cineastas e
demais artistas, permite o surgimento de diferentes tipos de reflexões sobre os
mais diferentes temas. Nesse caldeirão de possibilidades, algumas das
interpretações presentes nos meios de comunicação sobre a arqueologia
151
podem ou não podem alimentar o orgulho do arqueólogo quanto a seu trabalho.
Como no caso de Calçoene, não sabemos pelo texto o que esteve presente
nas telas e folhas de papel. Provavelmente esteve próximo das palavras do
governador, seu maior propagandista, sobre a “importância histórica e
reconstituição das raízes” (Cabral & Saldanha 2008, p. 9). No entanto, a
repercussão foi a democratização tanto do conhecimento científico que ali
estava sendo produzido quanto da posse do que estava sendo produzido: um
patrimônio de Calçoene, do Amapá e de todos os seus moradores. Não só
arqueologia ao alcance da gente comum (Holtorf 2007a, Faulkner 2004), mas
também de reconhecida posse comum: um bem público.
Além de exemplos relativos à arqueologia e mídia, e discursividade,
profissionais brasileiros têm argumentado sobre a musealização arqueológica e
suas possibilidades de produção integrada de conhecimento. O artigo de
Marília Cury é um exemplo dessa preocupação. “Não é possível, para um
museu, prescindir de um acervo, mas o acervo não o torna museu, o que só é
possível com a comunicação e, especialmente, com a exposição” (Cury, 2006,
p. 33). Seu texto divulga as atividades do Museu Água Vermelha, em Ouroeste
interior de São Paulo. Seu foco central parece ser o do público como gourmets
culturais.
Com esse arsenal conceitual o educador pode trabalhar-se e trabalhar com o público na perspectiva de tornarem-se “gourmets” culturais (Garcia Canclini 1999: 2), pessoas habilitadas a transitar entre culturas distintas, viajando pelos repertórios simbólicos alheios, saboreando as diferenças e criando pontos de compreensão entre culturas. E por quê não? (Cury 2006, p. 45).
A idéia de compartilhar a alteridade através de ambientes cativantes
parece atender muito bem aos princípios de uma disciplina cujo propósito é
defender a diversidade. No entanto, poderia argumentar sobre a razão pela
qual a interpretação do público, tão cara ao processo museológico (Cury 2006,
p. 33) faz parte só do último estágio do processo de musealização do material.
O público está ausente da elaboração orçamentária, discussão do programa
arquitetônico, planejamento e instalação da reserva técnica. Somente a partir
do treinamento para as tarefas de conservação e educação é que funcionários
152
da prefeitura local foram chamados. Alunos e demais tiveram contato apenas
com o acervo e com o museu depois de aberta a exposição.
Como vimos nos argumentos de Nick Merriman, raras são as situações
em que as práticas “por trás dos bastidores” são postas às vistas do público de
maneira que permita sua intromissão e participação do que está sendo
produzido. Por que não apreciar, além da diversidade, a maneira como ela é
construída? Poder inferir nessa construção de modo a deixar a exposição ainda
mais diversa?
Sobre essa participação do público no desenvolvimento de projetos e
seu acompanhamento, a proposta de Erika Robrahn-González e Maria Clara
Migliacio é ousada. Seu artigo transcreve uma Moção escrita como resultado
do “I Seminário Internacional de Gestão do Patrimônio Arqueológico Pan-
Amazônico” promovido em Manaus, novembro de 2007 pelo IPHAN (Robrahn-
González & Migliacio 2008). O documento foi discutido, formulado e relatado
durante na Sessão Temática “Preservação do Patrimônio Arqueológico em
Terras Indígenas”, que contou com a participação de Maria Clara Migliacio
(coordenadora), Erika M. Robrahn-González (relatora), Fabíola Andrea Silva,
Bonifácio José Baniwa, Afukaká Kuikuro, Mutuá Mehinaku (lideranças do
Parque Indígenas do Xingú) e Michael J. Heckemberger.
As recomendações da Moção dão um grande passo nos referenciais de
gestão do patrimônio arqueológico. Sua primeira preocupação foi conceituar
terra indígena ao ponto de reconhecer mesmo “as áreas consideradas
tradicionais pelas populações indígenas, demarcadas ou não, em especial seus
locais de significância simbólica/ sagrada/ cultural” (Robrahn-González &
Migliacio 2008, p. 16). A definição é fundamental no que reafirma a validade da
auto-definição indígena de seu território e de seu “espaço vital”. No entanto,
não vai além do que já está previsto pela constituição54, pelo código de ética da
54
Art. 231, §1, São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter
permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos
ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus
usos, costumes e tradições (Brasil 1988 – grifo meu).
153
Sociedade de Arqueologia Brasileira55. O que me parece mais significativo
dessa Moção são suas recomendações e propostas de ações. As primeiras
prezam, de maneira sumária, a inserção das populações indígenas nas
decisões de acessibilidade, condução, priorização e manejo dos recursos
culturais em questão (recursos cuja definição e seleção deve atentar aos
interesses dos próprios indígenas). Podemos dizer que a preocupação central
da Moção é “considerar áreas de significância cultural, simbólica e sagrada das
comunidades, não necessariamente abrangendo vestígios materiais de sua
ocupação” (Robrahn-González & Migliacio 2008, p. 16).
As ações propostas contemplam a criação de Grupos de Trabalho para
a realização interdisciplinar das recomendações feitas no mesmo documento,
bem como atuação para a implementação de novas portarias do IPHAN
no Brasil, e de outros instrumentos normativos em cada país amazônico, objetivando normatizar a realização de pesquisas patrimoniais em terras indígenas tradicionais, a partir das especificidades técnicas, éticas e operacionais que lhe são intrínsecas (Robrahn-González & Migliacio 2008, p. 18).
Vale observar a atenção prestada pela Moção às normas e operações
realizadas em países vizinhos do Brasil, com igual paisagem amazônica. Essa
postura permite o reconhecimento de territórios indígenas que transpassem
limites dos Estados Nacionais.
Por certo, as recomendações e ações propostas por essa Moção
representam uma proposta de Arqueologia comunitária tal como proposto por
Marshal em texto visto no capítulo anterior. Reconhecer que não há como
esquivar-se do conflito e que nos cabe confrontar o passado de modo crítico
junto com as comunidades (Ferreira 2008).
Ao contrário, na arqueologia comunitária, nem mesmo a metáfora do teatro é pertinente. Não há protagonistas e coadjuvantes, diretores e platéia. Existem arenas, sítios de disputa e negociação de identidades. As representações e
55
Reconhecer como legítimos os direitos dos grupos étnicos investigados à herança cultural de seus
antepassados, bem como aos seus restos funerários, e atendê-los em suas reivindicações, uma vez
comprovada sua ancestralidade (SAB 2007, p. 3 – grifo meu).
154
desejos das comunidades sobre seu próprio patrimônio são consideradas no fulcro das interpretações arqueológicas (Ferreira 2010, p. 7).
Para mencionar um caso prático e emblemático na arqueologia brasileira,
cito um ícone da histórica nacional, o Quilombo de palmares, nomeado “Angola
Janga” (Pequena Angola) por seus antigos habitantes. Hoje é um marco da
resistência à escravidão no Brasil. O estudo de quilombos e arqueologia da
escravidão no Brasil começou nos anos 1980, no estado de Minas Gerais com
os trabalhos de Carlos Magno Guimarães e Anna Lucia Lanna (Ferreira 2009).
A temática tem ganhado visibilidade internacional com os trabalhos de Charles
Orser Jr, Pedro Paulo Funari e Scott Joseph Allen nos anos 1990 com
Palmares (Ferreira 2009).
O sítio havia sido transformado em espaço de celebração do Dia da
Consciência Negra. Os trabalhos arqueológicos que começaram nos anos
1990 foram levados a cabo não apenas com a participação da comunidade e
do Movimento Negro, mas seu início foi devido a um pedido do Movimento
Negro, com o propósito de dar maior visibilidade para o Quilombo e a história
de brava resistência contra o domínio do branco. Os resultados dos trabalhos,
no entanto, não foram aceitos com o mesmo ânimo por todos os setores do
público. O sítio apresentava muitos materiais de europeus e indígenas, bem
como africanos. Para um grupo de pesquisadores, “essa diversidade de tipos
cerâmicos atestaria tanto a originalidade da cultura material utilizada no
quilombo como suas múltiplas origens – africana, indígenas, ibéricas, coloniais
(Funari & Carvalho, 2005, p. 49). Nesse contexto, a força do quilombo estaria
tanto na resistência escrava, quanto na resistência de distintos grupos em sua
luta para sobreviver em um sistema que os excluía. Palmares seria o
estandarte da resistência contra a opressão colonial (Funari et alii, 2009).
No entanto, para outros, inclusive para parte do Movimento Negro, “o
quilombo é um símbolo da resistência africana contra a opressão branca,
considerando que a presença de potes nativos e europeus poderia colocar a
africanidade do estado em questão (Allen, 2001 apud Funari et alii, 2009, p.
133). Em decorrência dessa assimilação do Quilombo como espaço multiétnico,
155
o Movimento Negro decidiu fechá-lo para os arqueólogos, e apenas em tempos
recentes Scott Joseph Allen, arqueólogo da Universidade Federal de
Pernambuco, pôde regressar a campo e continuar projetos arqueológicos no
sítio.
Este exemplo não é só importante pela centralidade do sítio na história
nacional, mas também pelo peso da opinião pública e movimentos sociais na
decisão sobre o destino dos trabalhos arqueológicos. O impacto do discurso
arqueológico foi tomado com tão profundo ressentimento que o parque, sob
pressão do Movimento negro, foi fechado à presença arqueológica.
Poderíamos, entretanto, argumentar por um viés talvez opressor dessa atitude
tomada pelo Movimento. Se, por um lado, a arqueologia pública é uma
tentativa de atender as necessidades sociais de grupos não-arqueológicos que
possuem uma relação mais afetiva que científica com determinados espaços,
por outro não creio que o caminho seja silenciar outros grupos sociais em
nome dos primeiros. O caso de Palmares também me parece particular por
mostrar o cuidado, não só com os “outros” da arqueologia, mas também com a
relação que estes “outros” estabelecem entre si.
Mais uma vez, voltamos à questão de ética. Acredito que a arqueologia
pública seja, antes de uma submissão aos desejos do público ou uma tentativa
desesperada pela absorção desse público em seus trabalhos, é uma
abordagem auto-crítica e reflexiva sobre a responsabilidade social da
arqueologia. Nesse caso particular, os interesses da comunidade eram
avessos aos da arqueologia. Mas a arqueologia se encontrava em situação de
ser acusada de mostrar o passado através de uma abordagem multivocal. Que
fazer nesse caso? Dar vez ao interesse comunitário e suprimir uma imagem
heterogênea do passado? Partir do princípio em que a principal contribuição
social da arqueologia para uma sociedade democrática seja o levantamento da
diversidade que habitou o passado, e que pode igualmente habitar nosso
presente, ou tomar as dores de um Movimento social que suprime possíveis
alteridades em nome de seu passado oprimido?
156
4.4. Síntese
Dois são os principais sujeitos sobre os quais esse capítulo tentou jogar
sua principal atenção. O Primeiro, o Estado. Qual, enfim, é o papel do Estado e
das Instituições Públicas nesse mundo de fronteiras borradas, de identidades
diversas e de sensibilidades perplexas? O primeiro passo seria reconhecer
esses movimentos como existentes e profundamente significantes para
milhares de indivíduos dentro do espaço administrado pelo Estado. O Estado
Nacional moderno tenta suportar o impacto desestruturador da
heterogeneidade social, através do controle de uma política multiculturalista
(Gnecco 2009).
A arqueologia brasileira, semelhante ao surgimento da arqueologia em
outros países, é filha de um Estado Nacional imperialista e colonialista. Mesmo
com a virada de dois séculos ela ainda é chamada à seu serviço, na definição
do que pertence ou não à Memória Nacional. No entanto, como toda prole, ser
filha do Estado não significa ser o Estado. A arqueologia como disciplina
científica independente pode buscar sua legitimidade social no Estado,
sedimentada na lei e na Instituição Pública (IPHAN e Universidades).
Legitimidade inclusive necessária para defendê-la frente aos perigos de sua
entrada no mercado econômico neo-liberal.
Mas sua atuação conta com o status de veracidade científica, conferindo
aos relatórios e laudos o real poder no qual o Estado se instrui para o manejo
de uma nação em “des-homogeneização”. Nossa disciplina é legitimada ao
mesmo tempo em que legitima o Estado. Assim, os trabalhos de consultoria
arqueológicas trazem à frente a importância das discussões de arqueologia
pública no Brasil por sua explicita razão política e econômica. Ao mesmo tempo
em que preocupa boa parte dos profissionais, temerosos dos efeitos que o
“capitalismo selvagem” pode ter sobre um trabalho essencialmente de pesquisa
científica, foi o “capitalismo selvagem” que mostrou a faceta mais cruel que a
pesquisa científica pode portar.
157
Por fim, a arqueologia pública no Brasil aflora nesse meandro de conflito
e disputas territoriais. Seu nome começa a ser mencionado no início desse
novo século como auspício de uma nova demanda à disciplina, agora
reconhecidamente contextual e inevitavelmente bélica. Diversos trabalhos sob
a alcunha do “público” têm procurado de diversas maneiras responder à
pergunta: “O que fazemos?”
5. Capítulo 3 - The final showdown : arqueologia subaquática, mergulhadores e comunidades
A proposta desse capítulo é seguir as orientações da arqueologia
pública desenvolvidas nos capítulos anteriores para lidar com a questão
proposta no início sobre a proteção do patrimônio cultural subaquático. Meu
propósito é argumentar sobre os interesses envolvidos nos vestígios materiais
158
submersos, e como a proposta da arqueologia pública pode contribuir com a
postura da arqueologia frete a diversidade de interesses nesses vestígios.
Foi apontada a fraqueza legislativa que rege o patrimônio cultural
subaquático, e neste capítulo sua incoerência será discutida com um pouco
mais de detalhes. Da mesma maneira que venho tratando o Estado Nacional e
as políticas públicas sobre o patrimônio, cabe aqui uma crítica sobre a
eficiência (no caso ineficiência) e representatividade da legislação de proteção
do patrimônio cultural submerso. A proposta da arqueologia pública frente à
agressão do patrimônio civil propõe dois movimentos: pressão sobre a
alteração da lei, e atuação junto ao público não acadêmico para buscar e fazer
valer outras vozes que estejam sendo suprimidas pela atual legislação e que
possam contribuir com a preservação do patrimônio.
Dando seqüência à discussão jurídica, pretendo retomar alguns
argumentos sobre as imagens e expressões dos vestígios humanos em duas
revistas especializadas no mergulho recreativo, a revista Mergulho
(http://www.mergulho.com.br/) e a revista Scuba, de modo a refazer as leituras
através da nova retórica desenvolvida nesse trabalho sobre a relação entre
arqueologia e mídia. Minha intenção com essa leitura é tentar perceber qual o
interesse que ronda o mergulho recreativo.
Uma vez argumentado sobre as impressões do arqueológico pelo
público mergulhador, pretendo passar à alternativa que muitos arqueólogos,
com respaldo de políticas públicas, têm escolhido para preservar esse
patrimônio ao mesmo tempo em que o preserva: o turismo arqueológico.
Finalmente, através de algumas leituras distintas, tentarei abordar os
problemas que envolvem as comunidades litorâneas e sua relação com os
vestígios humanos submerso, tema que ainda foi pouco tocado pela
arqueologia subaquática nacional e internacional.
5.1. Lex Rhodia, Lex Brasilis – Patrimônio, legislação e
arqueologia subaquática brasileira
159
A discussão sobre patrimônio e as políticas de Estado não poderiam ser
conduzidas neste capítulo sem comentários à legislação brasileira que gere o
patrimônio subaquático: a Lei 7.542/86 e sua modificação 10.166/00. Seu
descaso pela preservação dos vestígios materiais submersos atribui ao
material retirado do mar valor de mercado, indo por completo na contramão das
políticas internacionais sobre esse tipo de patrimônio, além de mostrar postura
contrária à principal lei nacional de proteção ao patrimônio arqueológico em
geral.
Como já vimos na apresentação, uma das primeiras campanhas da
arqueologia subaquática nacional desde o final dos anos 1990 é a preservação
do patrimônio cultural submerso – luta que ainda não está terminada. O projeto
de Lei 7566/06 (agora como PL 45 do Senado Federal) cuja redação pode
reverter o atual quadro de permissividade à caça ao tesouro, é a condição pela
qual a legislação entrará em acordo com os parâmetros da UNESCO. E foi
considerando esse enclave jurídico sobre o patrimônio arqueológico
subaquático, o conflito entre arqueólogos e mergulhadores recreativos
condicionado por esse descaso estatal, e o contínuo depredo do patrimônio
pelo mergulho recreativo e empresas de salvatagem me levaram a procurar
nas propostas da arqueologia pública (disposta a lidar com o conflito) a chave
para pensar sobre essas questões.
No que concerne à defesa da soberania da costa nacional, nossa
legislação é bastante complexa e extensa. Para os propósitos deste trabalho,
não me cabe mais que trabalhar com a Legislação dedicada ao patrimônio
material submerso.
Entre os anos 1000 e 600 a.C., a ilha grega de Rhodes possuía larga
frota naval, postos coloniais em diversos pontos da costa mediterrânica e uma
Lei cuja data de redação poderia ser entre os anos 900-800 a.C., que versava
sobre comportamento de tripulação, passageiros, movimentações navais e
portuárias, bem como garantia pagamento de recompensa a mergulhadores
que fossem corajosos e habilidosos o suficiente para resgatar cargas perdidas
em naufrágios de navios (Duhaim 2010, Camargo 2002, Rambelli 2002). O
160
documento original dessa lei nunca foi encontrado, mas foi referida em obras
posteriores como Lex Rhodia (Lei de Rodes).
Um dos argumentos centrais que ronda as discussões suscitadas neste
trabalho é a legislação vigente sobre a proteção específica ao patrimônio
cultural submerso que confunde a arqueologia subaquática com resgate de
peças e caça ao tesouro, assemelhando-se à Lex Rhodia de séculos atrás
(Camargo 2002, p. 27).
Promulgada em 26 de setembro de 1986, a Lei nº 7.542
dispõe sobre a pesquisa, exploração, remoção e demolição de coisas ou bens afundados, submersos, encalhados e perdidos em águas sob jurisdição nacional, em terreno de marinha e seus acrescidos e em terrenos marginais, em decorrência de sinistro, alijamento ou fortuna do mar (Brasil 2000)
Em uma primeira leitura desse texto, vemos que a redação preocupou-
se em relevar a importância cultural do patrimônio submerso.
Art 18. A Autoridade Naval, no exame de solicitação de autorização para pesquisa, exploração ou remoção de coisas ou bens referidos no art. 1º desta lei, levará em conta os interesses da preservação do local, das coisas ou dos bens de valor artístico, de interesse histórico ou arqueológico, a segurança da navegação e o perigo de danos a terceiros e ao meio ambiente.
Parágrafo único. A autorização de pesquisa não dá ao interessado o direito de alterar o local em que foi encontrada a coisa ou bem, suas condições, ou de remover qualquer parte (Brasil 1986).
Sua redação havia sido uma conquista, já que a legislação que define
um sítio arqueológico (Lei nº 3.924/61) não menciona sítios submersos que
ficavam, pela legislação, passíveis de adjudicação em 80% aos exploradores e
20% à União (Rambelli 2002). Apesar do Art. 21 atribuir pagamento de
contratos de intervenção nos bens submersos, em dinheiro calculado sobre o
valor dos bens resgatados (inciso II, Art. 21) ou com parte dos bens (inciso III,
Art. 21), todos os bens submersos são, a princípio, patrimônio da União não
sendo passíveis de apropriação prévia por terceiros. Em 27 de dezembro de
161
2000, o Congresso aprova a Lei nº 10.166 que altera a 7.542 e piora a
situação, introduzindo parágrafos irresponsáveis e atribuidores de valor de
mercado ao patrimônio nacional submerso.
Abaixo, o Art. 20 da Lei 7.542:
Art 20. As coisas e os bens resgatados, de valor artístico, de interesse histórico ou arqueológico, permanecerão no domínio da União, não sendo passíveis de apropriação, adjudicação , doação, alienação direta ou através de licitação pública, e a eles não serão atribuídos valores para fins de fixação d e pagamento a concessionário (BRASIL 1986 – grifos meus).
Segue, agora, as alterações feitas pela Lei 10.166:
"Art. 20. As coisas e os bens resgatados de valor artístico, de interesse histórico ou arqueológico permanecerão no domínio da União, não sendo passíveis de apropriação, doação, alienação direta ou por meio de licitação pública, o que deverá constar do contrato ou do ato de autorização elaborado previamente à remoção." (NR)
"§ 1º O contrato ou o ato de autorização previsto no caput deste artigo deverá ser assinado pela Autoridade Naval, pelo concessionário e por um representante do Ministério da Cultura." (AC)
"§ 2º O contrato ou o ato de autorização poderá estipular o pagamento de recompensa ao concessionário pela remoção dos bens de valor artístico, de interesse histórico ou arqueológico, a qual poderá se constituir na adjudicação de até quarenta por cento do valor total atribuído às coisas e bens como tais classificados ." (AC)*
"§ 3º As coisas e bens resgatados serão avaliados por uma comissão de peritos, convocada pela Autoridade Naval e ouvido o Ministério da Cultura, que decidirá se eles são de valor artístico, de interesse cultural ou arqueológ ico e atribuirá os seus valores, devendo levar em conside ração os preços praticados no mercado internacional ." (AC)
"§ 4º Em qualquer hipótese, é assegurada à União a escolha das coisas e bens resgatados de valor artístico, de interesse histórico ou arqueológico, que serão adjudicados." (AC) (BRASIL 2000 – grifos meus)
A viabilização de comercialização dos bens submersos, de pagamento
de recompensa pelo resgate do “patrimônio perdido” é uma tremenda
162
irresponsabilidade social (Rambelli 2006) e na qual se vê envolvido o Ministério
da Cultura.
Devido a minha inexperiência na área do direito, fui buscar alguma
leitura que pudesse me guiar na compreensão da legislação sobre o patrimônio
subaquático. Felizmente, foram-me passados alguns textos de Inês Virgínia
Prado Soares, Procuradora da República em São Paulo, que possui parte de
sua formação em direito dedicada à tutela jurídica do patrimônio arqueológico
no Brasil. Nesse trajeto, ela publicou alguns trabalhos sobre a legislação
brasileira de proteção ao patrimônio subaquático, que me ajudaram muito na
leitura direcionada a coerência interna do complexo corpo legislativo que rege a
gestão e pesquisa sobre o patrimônio arqueológico nacional.
O primeiro ponto é a cobertura dada ao patrimônio submerso pela
legislação referente ao patrimônio arqueológico nacional. De acordo com
Inês Soares (2010) o “sistema normativo de proteção do patrimônio
arqueológico no Brasil” é constituído por leis e decretos específicos (Decreto-
Lei nº 25/37, Lei nº 3.294/61, Lei nº 7.542/86 e Portarias do IPHAN), além de
estar sob o amparo do sistema jurídico ambiental, “especialmente a Lei de
Política Nacional de Meio Ambiente e a Lei de Crimes Ambientais, as
Resoluções CONAMA (em especial, as Resoluções 001/86 e 237/97)”. Recebe
também cuidados do sistema processual de defesa dos bens difusos e
coletivos (Soares 2010, p. 3).
Dentro desse grande aparato jurídico, Inês Soares faz uma observação
que me parece central nas questões aqui levantadas. O conceito de sítio
arqueológico não faz distinção entre sítios submersos e sítios emersos (Soares,
2010). O artigo 2º da lei 3.942/61 estabelece as definições de um sítio
arqueológico.
a) - as jazidas de qualquer natureza, origem ou finalidade, que representem testemunhos da cultura dos paleoameríndios do Brasil, tais como sambaquis, montes artificiais ou tesos, poços sepulcrais, jazigos, aterrados, estearias ou quaisquer outras não especificadas aqui, mas de significado idêntico, a juízo da autoridade competente.
163
b) - Os sítios nos quais se encontram vestígios positivos de ocupação pelos paleoameríndios, tais como grutas, lapas e abrigos sob rocha;
c) - Os sítios identificados como cemitérios, sepulturas ou locais de pouso prolongado ou de aldeiamento, "estações" e "cerâmicos", nos quais se encontrem vestígios humanos de interesse arqueológico ou paleoetnográfico;
d) - As inscrições rupestres ou locais como sulcos de polimentos de utensílios e outros vestígios de atividade paleoameríndios (Brasil, 1961).
Pela leitura do artigo podemos ver que, em primeiro lugar, não há
distinção entre sítios emersos e imersos. Em segundo lugar, Inês Soares
aponta bem, “não existe nenhuma predominância de importância entre os mais
antigos ou mais recentes” (Soares, 2010, p. 2-3). A definição de um local ou
agrupamentos de vestígios como sítio arqueológico é definido por seletividade
e segue critérios de relevância e representatividade (Soares, 2010, p. 3).
No caso dos sítios arqueológicos submersos, a seletividade e a representatividade devem vir de parâmetro para os órgãos envolvidos na sua tutela. A autorização da exploração para fins que não sejam de pesquisa sobre os bens culturais submersos deve ter como pré-requisito a comprovação da realização de pesquisas no sítio e a existência de um plano de manejo, que contemple, obviamente, a possibilidade de realização de atividades não científicas (Soares 2007, p. 3).
Antes que os bens submersos sejam declarados próprios de adjudicação
ou realização de quaisquer atividades que não sejam voltadas à pesquisa, é
necessário que o sítio no qual esses bens foram encontrados passe por uma
“revisão de perícia” de maneira a revelar seu potencial “artístico, histórico ou
arqueológico” e possível interesse da União na preservação desse material. É
necessário que seja feita uma pesquisa prévia, de caráter investigativo do
potencial cultural do sítio, ou mesmo para sua definição como sítio, antes de
qualquer atitude de exploração do espaço submerso.
Passo ao segundo apontamento: a propriedade sobre os bens materiais
submersos. Inês Soares (2007, p. 5) aponta que no inciso X do artigo 20 da
Constituição Federal de 1988 consta ser bem da União “as cavidades naturais
subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos” (Brasil, 1988).
164
Igualmente, no artigo 17 da lei 9.324 também define que quaisquer achados
fortuitos de bens de natureza arqueológica ou pré-histórica são de posse, a
princípio, da União (Soares, 2007, p. 5). Assim, temos por um lado a lei 3.924
que não faz distinção entre sítio emerso e submerso, mais antigo ou mais
recente, que caracteriza um sítio arqueológico por sua relevância à memória
nacional. Nesse contexto, um sítio arqueológico definido pelo corpo técnico
como tal já o suficiente para adentrar as redes normativas de proteção
patrimonial (considerado como patrimônio da União).
Ainda dentro dessa argumentação, Soares cita o Código Civil em alguns
artigos sobre o direito de propriedade. O Art. 1230 diz que “A propriedade do
solo não abrange as jazidas, minas e demais recursos minerais, os potenciais
de energia hidráulica, os monumentos arqueológicos e outros bens referidos
por leis especiais” (Brasil, 2002). Esse artigo vem precedido pelo Art. 1228,
cujo §1º explicita que
O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas (Brasil, 2002).
A autora ainda faz uma consideração interessante sobre a posse e
destino dos bens arqueológicos. Seu conferido atributo de importância para a
memória e história nacional, bem como para a produção de “dados e
informações” sobre os modos de vida antigos, faz do patrimônio arqueológico
um bem “afetado” (Sousa, 2010). Trata-se de um “ônus que recai sobre um
bem para garantir uma obrigação; ato que dá destino a um bem público”
(Houaiss, 2007). Além do caráter de bem afetado, o patrimônio submerso ainda
carrega a especificidade de encontrar-se sob terreno de posse da União (águas
nacionais). Essa especialidade faz com que a apropriação privada dos bens
submersos seja inconstitucional até que passe por um processo de
“desafetação”, ou seja, “ato pelo qual se desfaz um vínculo jurídico, inerente à
natureza de alguma coisa, à propriedade ou à posse, fazendo desaparecer a
affectatio, isto é, o poder ou o direito sobre ela” (Houaiss, 2007). E essa ação
165
só é possível uma vez que tenham sido considerados todos os interesses
envolvidos no direito fundamental de posse da União e no direito fundamental
ao acesso público do patrimônio cultural (Sousa, 2010).
Desse modo, é absolutamente inconcebível juridicamente, que a União trate os bens arqueológicos subaquáticos como recursos econômicos passíveis de apropriação privada, sem um procedimento de desafetação. Mais absurdo ainda é que exista uma lei que, enviesadamente, respalde a atuação da União na gestão dos bens arqueológicos subaquáticos que, vale repetir, são afetados (Soares, 2010).
Chegamos ao terceiro ponto que é a responsabilidade de gestão e
salvaguarda do patrimônio arqueológico submerso. Uma vez considerados
como bens afetados, sua tutela torna-se “supraindividual e intermediada por
uma pessoa jurídica de direito público federal (atualmente pelo IPHAN,
autarquia federal com atribuições para a gestão desses bens)” (Soares, 2010,
p. 6).
O IPHAN seria a única autoridade federal com poder sobre a gestão e
tutela do patrimônio cultural subaquático nacional, pois é a única autoridade
federal competente para lidar com o patrimônio arqueológico brasileiro em seu
âmbito geral. Mesmo que a Marinha seja a competência sobre a jurisdição,
proteção e defesa do mar cabe só ao IPHAN descartar o interesse
arqueológico dos bens. No entanto, a lei 7.542 (e suas alterações pela lei
10.166) parece desconsiderar essa questão tutelar ao suprimir a autoridade do
IPHAN no artigo 16, parágrafo 5 como indica Inês Soares.
Art. 16 § 5º. Poderá ser concedida autorização para realizar operações e atividades de pesquisa, exploração, remoção ou demolição, no todo ou em parte, de coisas e bens referidos nesta Lei, que tenham passado ao domínio da União, a pessoa física ou jurídica nacional ou estrangeira com comprovada experiência em atividades de pesquisa, localização ou exploração de coisas e bens submersos, a quem caberá responsabilizar-se por seus atos perante a Autorida de Naval (Brasil, 2000 – grifo meu).
No entanto, a situação parece ser pior quando o próprio IPHAN dá sinais
de abandono de sua autoridade e responsabilidade desse patrimônio quando
divulga através da Portaria Interministerial nº 69 de 1989 que:
166
4.1 – A autorização para exploração de áreas ou locais que contenham coisas ou bens afundados, submersos, encalhados e perdidos em águas sob jurisdição nacional, em terrenos de marinha e seus acrescidos em terrenos marginais em decorrência de sinistro, alijamento ou fortuna do mar, será de competência do Ministário da Marinha, ouvido o Mini stério da Cultura (Brasil 1989 – grifos meus)
É notório que o próprio IPHAN parece se eximir de sua tutela jurídica do
patrimônio submerso, que é um patrimônio arqueológico. E suas portarias, em
especial a Portaria 007/88, regulamentam os métodos a serem tomados
quando da identificação de sítios arqueológicos.
O propósito desses apontamentos legislativos foi tentar compreender de
que maneira as leis atuais que sugerem tutela
dos bens arqueológicos submersos estão em
inconstitucionalidade com a normatização
ainda corrente sobre bens arqueológicos de
quaisquer atribuições. Não somente essa
incoerência legislativa fere a preservação e fruição pública desse bem público,
mas também a posição do IPHAN perante essa incoerência legislativa.
É certo que o IPHAN não precisa recuperar a responsabilidade e gestão sobre o patrimônio cultural subaquático porque nunca a perdeu. A Lei nº 3.294/61 está vigente e não faz distinção entre bens emersos e submersos para o exercício do poder de política deste órgão e a prática de todos os atos inerentes a este poder (fiscalização, expedição de autorização, etc.) com a finalidade de proteção do patrimônio arqueológico no país (Sousa, 2010, p. 14).
Com a existência dessa legislação incompatível com os parâmetros já
existentes de proteção do patrimônio arqueológico nacional o Governo Federal
mostra-se permissivo a um lobby ganancioso de pessoas físicas e jurídicas
(nacionais e estrangeiras) pelo acesso permeável aos bens submersos
nacionais, vistos como potenciais fontes de riquezas (Rambelli 2002).
Sobre esse aspecto jurídico de proteção do patrimônio arqueológico
subaquático, o Brasil está em defasagem e mostra-se, além de tudo, confusa,
já que assinou em 1982 a “Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do
O patrimônio arqueológico submerso é regido por uma lei fruto de lobby de empresas de caça ao tesouro e insconstitucional que exige revisão urgente.
167
Mar”, cujos artigos 149, 303 e 33 estabelecem proteção ao patrimônio cultural
subaquático, que está sob responsabilidade do Estado (Rambelli 1998). Desde
2001 vigora no meio internacional a “Convenção da UNESCO para a Proteção
do Patrimônio Cultural Subaquático”, cujos itens 7 do Art. 2 e a Regra 2 do
Anexo da Convenção citam explicitamente a proibição da valoração do
patrimônio cultural submerso (UNESCO, 2001), proibição baseada na Carta
Internacional do ICOMOS (Comitê Internacional de Sítios e Monumentos) sobre
o referido Patrimônio (ICOMOS 1996; RAMBELLI 2002, p. 108).
Como discuti na apresentação, o Projeto de Lei do Senado nº 45 é a
melhor opção que temos até o momento, e sua tramitação no Congresso
Nacional é uma esperança para a gestão do patrimônio subaquático nacional.
No entanto, como venho argumentando, acredito que a legislação é apenas o
primeiro passo para a proteção do patrimônio civil arqueológico, pois ainda
cabe à arqueologia, e à sociedade interessada, fazer da lei mais que letra
morta.
5.2. Apenas algumas léguas submarinas
Na procura pelos interesses que cercam os vestígios humanos
submersos, acredito que o interesse do mergulho recreativo é essencial na
compreensão dos embates que regem o espaço em questão. Já passei pela
arqueologia subaquática brasileira e pela legislação nacional. O enfoque nos
mergulhadores como seqüência da argumentação se deu a interesse anterior
pessoal. Em minha monografia de conclusão de curso de graduação (Silva
2007) havia feito uma análise de alguns artigos publicados em revistas
especializadas em mergulho recreativo, com o propósito de traçar algumas
linhas de compreensão do interesse do mergulhador em vestígios físicos da
presença humana embaixo d’água.
Neste capítulo, pretendo retomar esses artigos e parte das
argumentações então formuladas e desenvolvê-las sob os pontos levantados
no segundo capítulo sobre a relação entre a arqueologia e a mídia. De igual
importância me parece retomá-los aqui pelo fato de estar argumentando em
168
prol de uma atenção especial aos interesses e necessidades do público não-
arqueológico. Meu interesse não é operar numa análise do discurso; acredito
que lingüistas, jornalistas e filósofos possam fazê-lo melhor do que eu. Trata-se
muito mais de um exercício de compreensão do outro através de sua escrita.
Basicamente, uma leitura atenta e comentada.
O mergulho recreativo atrai uma diversidade muito grande de interesses
e indivíduos. No entanto, devo aqui agrupá-los, devido a limitações deste
trabalho, como indivíduos oriundos da cidade com interesse comum pelo
mergulho recreativo, atividade que elegem como prática em momento de
descanso e lazer. Como já havia posto, os mergulhadores recreativos
constituem grande parte desse público que desenvolve contato direto com os
vestígios humanos submersos. Inclusive, e já toquei nessa questão, muitos dos
sítios submersos são antes encontrados por mergulhadores e relatados em
sequência à Marinha ou entidades públicas municipais e estaduais. No Brasil o
licenciamento de obras em portos e áreas costeiras ainda é novidade, e não
pode ser considerado relevante como força tarefa de localização e registro de
sítios submersos. Felizmente, desde o surgimento da arqueologia subaquática
no Brasil, programas de mapeamento da costa tem sido prioridade em muitos
projetos de pesquisa. No entanto, a dependência em achados fortuitos por
mergulhadores recreativos é uma realidade com a qual sempre teremos que
lidar (como ainda lida a arqueologia de ambientes emersos).
O estado Norte-Americano da Carolina do Sul, a exemplo, possui o Ato
de Antiquidades Submersas da Carolina do Sul (South Carolina Underwater
Antiquities Act), publicado em 1991 (Harris 2002). Esse ato permite pequenas
retiradas de materiais em sítios submersos por mergulhadores devidamente
licenciados e registrados pelo Instituto de Antropologia e Arqueologia da
Carolina do Sul (South Carolina Institute of Anthropology and Archaeology -
SCIAA). De acordo com Lynn Harris, o controle dos vestígios encontrados é
feito por relatórios quadrimestrais, contatos com dive shops e dive centers, e
encorajando projetos que envolvam o mergulho recreativo (Harris 2002).
169
Relatórios quadrimestrais de descobertas são avaliados pela equipe do Programa de Manejo de Arqueologia de Mergulho Esportivo e acompanhado por visitações de sítio, documentação de coleções, e finalmente a submissão de dados dos sítios à Divisão de Informação do SCIAA para serem incluídos nos Arquivos de Sítios do Estado da Carolina do Sul (Harris 2002, p. 60).
A própria autora relata a desconfiança com que essa atividade é vista
por seus pares, mas diz ser um risco pelo qual as políticas de gestão do estado
escolheram correr (Harris 2002). Não sei se essa, de fato, seja a melhor
política de preservação a ser aplicada. Muitas das cartas internacionais, tanto
sobre sítios imersos como emersos, prezam pela permanência in situ do
material que, sem as condições adequadas de preservação, irá degradar-se de
maneira irreversível. Outro fator de importância tem a ver com as razões da
retirada de materiais estarem mais associadas à pilhagem do que a evidenciar
perante as autoridades a presença de um sítio arqueológico. Ou seja, trata-se
de um prazer e interesse pelo troféu pessoal, como veremos mais adiante.
Acredito que, ao prezar pela preservação dos sítios arqueológicos submersos,
a educação patrimonial em moldes mais construtivistas (Copeland 2004) seja a
melhor opção.
Além das reportagens, escolhi pensar sobre aqueles artigos entre 1997
(primeiro número da revista) até 2004. Meu foco principal eram textos sobre as
impressões causadas por vestígios humanos submersos, mas meu interesse
por uma “auto-imagem” do mergulhador me levou a selecionar um texto sobre
a complexidade do apetrecho SCUBA e um segundo artigo dessa revista sobre
apreciação do submerso. A seleção dos artigos não foi feita de maneira
metódica. Fui selecionando artigos de revistas que encontrava em bancas de
jornais e “sebos”, e que me chamaram a atenção pelo conteúdo em um
momento em que eu começava a pesquisar o tema. Inclusive, acredito que o
levantamento sistemático de artigos sobre arqueologia subaquática possa ser
levada adiante como tema de pesquisa56. Acredito, no entanto, que a falta de
56
Muito me alegrou a conversa com Glória Tega (Entrevista concedida por Glória Tega a Bruno S. R. da
Silva via Skype Belo Horizonte-São Paulo, agosto 2010.) sobre sua pesquisa de mestrado que envolve o
tema arqueológico em revistas brasileiras de história com grande tiragem.
170
rigor quantitativo não determine a rigor qualitativo dessa breve análise,
considerando a atualidade das reportagens e o fato de ter visto muitos dos
autores desses artigos entre os presentes do II Simpósio Internacional de
Arqueologia Marítima nas Américas, em Itaparica/BA (24 a 26 de outubro de
2007), o que mostra o interesses desses mergulhadores pelo tema.
No primeiro capítulo, havia esclarecido que, ao passar a trabalhar com a
“relação entre mídia e arqueologia”, fazia referência “às avaliações das
imagens construídas do fenômeno arqueológico nos veículos de mídia” e
também “uma avaliação de como a arqueologia promove e pode contribuir com
a compreensão popular do passado através da mídia”. Na leitura dos artigos de
mergulhadores, me dei conta de que antes de pensarmos sobre as imagens
construídas do fenômeno arqueológico, muitas vezes nos deparamos com
imagens de paisagens que são definidas de várias maneiras, menos como
arqueológicas. De fato, pego em minha própria observação, o indivíduo
distante do círculo acadêmico e profissional específico da arqueologia,
estabelece relações particulares com os espaços que visita; relações que
dependem de seus antecedentes pessoais, que podem ou não terem passado
próximos da arqueologia. A maior parte dos textos não reconhece naufrágios
ou estruturas submersas como sítios arqueológicos, e acredito que essa seja o
primeiro ponto a ser observado se pensamos na preservação do patrimônio
arqueológico: não existe o patrimônio arqueológico. Minha idéia já na
monografia, e que aqui reitero, é tentar ver o que existe nos vestígios humanos
submersos pelo olhar do mergulhador. Estariam tão em contradição com o
olhar do arqueólogo? Além da contradição, representam caminhos tão distintos
e conflituosos?
De certa maneira, não vemos aqui o fenômeno arqueológico em
expressão dissonante com nossa própria. Mas antes, vemos uma dissonância
sobre a ontologia do espaço, pois os vestígios humanos submersos não são
caracterizados necessariamente como arqueológicos. Já argumentei no
primeiro capítulo sobre esse ponto: o sítio arqueológico é uma criação do
arqueólogo, uma delimitação territorial e normatização conceitual que envolve o
espaço em questão numa série de mecanismos jurídicos para sua gestão. Não
171
considero a identificação de um sítio arqueológico uma atitude danosa; pelo
contrário, venho aqui defendendo o patrimônio arqueológico como ferramenta
importante para a preservação de um espaço social contra os avanços do
desenvolvimento econômico desmedido.
E por essa mesma razão acredito que a arqueologia não deveria se
abster da compreensão de como pensa o público sobre determinado espaço.
Toquei nesse ponto no primeiro capítulo: acredito que a arqueologia
direcionada para a leitura de suas impressões na mídia é antes de tudo uma
maneira de buscar os interesses públicos no presente que são direcionados
aos vestígios do passado. Para levar a cabo essa tarefa, acredito que as
leituras dos artigos aqui propostas tem muito a contribuir.
Por um lado, algumas empresas particulares tratam naufrágios como
fontes fáceis de fortuna, e nesse caso defendo que façamos da presença
arqueológica algo além do fantasioso; uma realidade de pesquisa e respeito
aos interesses locais sobre o mesmo espaço (Pyburn 2008). Por outro, muitos
mergulhadores, como veremos aqui, enxergam beleza e memória em ruínas
humanas submersas. E talvez essa concepção afetiva do espaço seja um bom
ponto de partida para criar laços entre arqueólogos e o público (Holtorf 2007a).
Dando inicio aos comentários, todos os textos possuem certos
parâmetros em comum: apontam locais de mergulho (points) e possuem uma
“ficha técnica” sobre o local (como chegar, distância dos principais centros
urbanos, locais de estadia – preço e conforto – companhias que fazem o
mergulho, melhores horários e períodos do ano para se visitar), assim como
dados de importância para apreciação e segurança do mergulho (campo de
visibilidade, profundidade do point, temperatura da água, presença de
correntes marítimas). A imersão não é um processo simples, por condições
naturais, e o mergulho exige um preparo anterior.
As técnicas e tentativas de permanecer submerso sempre foram dignas
de atenção, desde o mergulho em apnéia até os sinos de mergulho (Bass 1971,
Rambelli 2002, Diegues 1998, Martin 1978). Veio, então, a invenção da SCUBA
(Self-Contained Underwater Breathing Apparatus – Aparato para Respiração
172
Submersa Auto-Contido) na década de 1940 por Jacques Cousteau e Emile
Gagnan, um equipamento constituído de tanques de ar comprimido e
reguladores de pressão possibilitando que o indivíduo se mantenha submerso
sem conexão direta com uma fonte de ar externa, criando o mergulho
autônomo (tal qual o chamamos na atualidade) e mais confortável (já que a
produção de seus acessórios entrou no mercado).
Primeiro seria interessante o reconhecimento de que o mergulho
recreativo pode ser uma atividade amadora do ponto de vista de um
mergulhador cuja ocupação é consertar plataformas de petróleo em alto-mar,
por exemplo. Existem, ao certo, aqueles mergulhadores eventuais que não
vislumbram na submersão algo além de um entretenimento ocasional. Mas a
elaboração técnica envolvida em mergulhos mais profundos e mais longos
exige um nível de atenção e especialização que chega quase ao profissional.
Um dos artigos menciona o mergulho como “verdadeiro estilo de vida;
essas pessoas mergulham para fazer novos amigos, estar em contato com a
natureza, viver novas experiências e conhecer lugares diferentes” (Werneck &
Henriques 1998, p. 52). Esse “estilo de vida” condiciona a uma profunda
“dedicação para aumentar as habilidades técnicas e os conhecimentos teóricos,
termina transformando o ‘recreativo’ em ‘técnico’” (Werneck & Henriques 1998,
p. 52). Na visita a cavernas profundas e pouco conhecidas, descidas de “4
horas ou mais, é comum o caverneiro recorrer a mais de um seis cilindros -
extras para estágios de descompressão” (Werneck & Henriques 1998, p. 54).
Não sei ao certo quantos dos leitores estão familiarizados com os
procedimentos de segurança e riscos envolvidos no mergulho autônomo. O
termo “estágios de descompressão” mencionado por Marcus Werneck e
Maurício Henriques se refere a uma medida de segurança adotada em
mergulhos muito profundos para evitar uma condição clínica conhecida como
“diabarismo” ou “doença descompressiva”. Quando em submersão, o corpo
humano sofre os efeitos da pressão atmosférica (valor equivalente de 1 atm) e
começa a sofrer os efeitos da pressão da massa de água marinha. A
densidade da água do mar, muito maior que a densidade do ar, faz com que
173
poucos metros de submersão sejam o equivalente ao efeito de mais 1 atm. Ou
seja, à medida em que aumentamos a profundidade durante o mergulho, nosso
corpo começa a sofrer os efeitos do aumento da pressão. O termo diabarismo,
ou doença descompressiva, refere-se aos sintomas de uma queda muito súbita
da pressão do ambiente, ou seja, quando subimos rapidamente de uma grande
profundidade. O gás nitrogênio não é metabolizado com eficácia e se acumula
nos tecidos sanguíneo, adiposo e ósseo, podendo provocar dor nas juntas,
coceira e até paralisia temporária (Guyton & Hall 2006, p. 549).
De fato, a submersão não é uma prática fácil e exige um aprendizado.
Para alguns mergulhadores esse aprendizado alcança níveis de maestria
técnica. Muito menos Rambo, e muito mais McGhyver (Werneck & Henriques
1998, p. 54). Nesses casos, não estamos lidando com “leigos”, mas com
verdadeiros conhecedores sobre as técnicas de submersão. O domínio da
técnica consagra o domínio do espaço: um espaço que não é para todos.
Tendo em vista essas condições, podemos chegar a situações em que, como
descrevem muitos arqueólogos, não somos vistos como capazes de penetrar
nesses mundo de maravilhas porque não detemos o conhecimento sobre o
mergulho. São casos onde a arqueologia é vista como amadora. Aliás, se
percorrermos a história do mergulho autônomo, poderemos ver que muitos
desses mergulhadores, inclusive, foram os “iniciadores da arqueologia
subaquática” (Rambelli 2010 – informação verbal; Noelli 2010 – informação
verbal)57, intervindo em naufrágios afundados e resgatando peças submergidas.
O argumento da arqueologia a contraponto, é que ela nunca negou a
participação de mergulhadores recreativos nos trabalhos de campo. Sua
presença é reconhecida e sempre bem-vinda. A arqueologia entra em conflito
com o mergulho recreativo e profissional quando mergulhadores optam pela
retirada dos vestígios submersos sem os devidos cuidados para sua
57
Entrevista concedida por Gilson Rambelli a Bruno S. R. da Silva em Aracajú, julho/agosto 2010.
Entrevista concedida por Francisco Silva Noelli via e-mail. Pelotas e São Paulo/Belo Horizonte. Junho de
2010.
174
conservação, além de inviabilizar por completo o estudo in situ do material;
dado essencial para realização de qualquer estudo arqueológico.
No entanto, não devemos nos esquecer de que há mais do que o
domínio técnico envolvido no mergulho profissional. A conquista da técnica leva
à conquista do espaço, sua domesticação e territorialização pelo mergulho
desbravador. Talvez esse seja o principal cuidado quando do contato com o
mergulho e seus praticantes fora da academia. Cuidar para que nossa
empreitada não seja vista de início como uma arrogância acadêmica, pois
nesses casos somos vistos como estrangeiros.
Retomando os artigos, o domínio técnico é o meio através do qual o
mergulho possibilita uma experiência sensitiva e corporal. Em uma visita à
Cuba, uma das atrações principais foi o mergulho em uma embarcação russa
naufragada especificamente para uso turístico, ou seja, mantinha muitas de
suas estruturas intactas e a localização planejada, “não é preciso dizer que a
sensação do grupo foi de delírio total” (Luca Jr. 1999, p. 31). O autor também
nos descreve sua sensação de “puro êxtase ao mergulhar em uma temperatura
de 32° C era homogênea pela coluna d’água, impressi onante água azul” (Luca
Jr. 1999, p. 33).
Esse caso também nos convoca a refletir sobre a relevância ou
irrelevância da historicidade associada ao naufrágio. Como já apontei, o que
para o arqueólogo é um vestígio material que revela parte das relações sociais
do tempo de sua confecção, para o público pode ser um espaço paisagístico,
uma pintura em três dimensões cuja interpretação repousa no sublime da
experiência estética. Ou seja, trata-se mais de uma valorização da
sensibilidade do que da autenticidade histórica, a experiência no presente que
pode vir a alimentar um interesse pela arqueologia (Holtorf 2007a). Podemos
considerá-lo, também, como a cultura material em seu pleno uso social.
Outro autor conta que a visita ao Parcel Manuel Luis no Maranhão
não tem as condições de mar maravilhoso do Caribe e tampouco o conforto do turismo caribenho. Aqui a conversa é outra: aventura. A navegação é longa, a estadia em mar aberto, cansativa e o lugar, selvagem, imprevisível. Mas ao olhar em
175
volta e não ver nenhum outro barco, ao encontrar os grandes peixes de fundo ainda desacostumados aos mergulhadores, ao nadar acompanhado por barracudas que se aproximavam batendo os dentes, por tudo isso, confesso que o Parcel Manoel Luís já se tornou inesquecível (Amarante 1998, p. 33).
Em outro artigo, os desafios têm origem “divina”, pois fora a “exigência
que Poseidon, o Deus dos Mares, impôs aos mergulhadores para que
pudessem aproveitar as águas cristalinas e frias da ilha de Mykonos” (Lembo
1998, p. 20), como brinca o instrutor:
Fechamos o cinto de lastro. Colocamos o equipamento de mergulho autônomo. A máscara e as nadadeiras ficaram em nossas mãos. Foi com esse aparato completíssimo – incluindo o cilindro nas costas -, que atravessamos a pé 50 m. de uma praia de areias escaldantes, até o embarque em um barco inflável. O calor de 35 graus, por sí só, já seria um agravante. Imagine – se debaixo de um sol desses, dentro de um roupa de neoprene de 5 mm! Para complicar, havia um incômodo adicional; a praia estava lotada de nudistas, de todas as faixas etárias e preferências sexuais. (Lembo 1998, p. 20)
A dificuldade técnica, física e moral são barreiras que agem como
desafios suficientemente abrasadores, na medida em que permitem sua
superação e, por consequencia, a conquista de mais um ambiente: todo o
esforço é compensado pelas maravilhas vistas no submerso e pelo exótico fim
de dia, acompanhado de
histórias de mergulho, contadas em varias línguas pelos divemasters e instrutores, generosas doses de ouzo – a bebida nacional, um destilado com sabor de aniz, e o ‘tira-gosto’ eram fatias de queijo de cabra, o fetta, deliciosa especialidade grega (Lembo 1998, p. 24).
Podemos enxergar um elemento da cultura popular de grande
semelhança entre a paisagem submersa e a arqueologia emersa: o exotismo
da descoberta (Holtorf 2007a, 2005). A aventura se encontra na transgressão
dos obstáculos e na premiação pela coragem do transgressor. As águas de
Poseidon guardam maravilhas destinadas apenas aos poucos bravos que
forem capaz de transgredir os obstáculos. O prêmio pela coragem: histórias e
fartura de iguarias.
176
Muitas dessas referências gloriosas à apreciação do mergulho estão
inclusive imbuídas de carga histórica. No mesmo artigo o autor transcorre
sobre o prazer proporcionado na “mitológica ilha de Mykonos”, que fora
mantida afastada dos mergulhadores por guardar “riquezas milenares”.
Entretanto, essa carga histórica parece estar mais associada com sonhos de
riqueza que com potencial cultural. “A idéia de que alguma coisa venha a ser
velha, interessante e sem valor simplesmente não é aceitável” (Ascherson
2004, p. 104).
Assim, muitas das referências históricas são apelativas à fantasia de
muitos que já pensaram sobre arqueologia e mergulho: caça ao tesouro. Vimos
na apresentação deste trabalho o caso do Galeão Sacramento. Outro exemplo
que posso mencionar é o da Nau Santa Rosa que naufragara em 1726 em
Pernambuco, carregando “6,9 toneladas de ouro em lingotes, mais uma grande
quantidade de pedras preciosas, segundo registros oficiais” (Lima 2001, p. 39).
Em dezembro do ano passado [2000], a Rede Globo levou ao ar em horário nobre, durante o Jornal Nacional, a notícia de que a legendária fragata Santa Rosa, carregada de ouro e jóias, havia sido localizada perto de Serrambi, litoral de Pernambuco (Lima 2001, p. 38).
Comparada à preciosa carga avaliada em US$ 700 milhões de reais, o
autor afirma que “no mínimo, o naufrágio tem um valor histórico” (Lima 2001, p.
38). Vale lembrar que no dia 26 de dezembro do ano anterior, a lei 10.166 foi
aprovada.
Nesse artigo, vemos uma das principais desconfianças da arqueologia
nos meios de comunicação: o sensacionalismo. Ao reproduzir, localizar e
confirmar um sonho de “horário nobre, durante o Jornal Nacional”, a mídia
reproduz um discurso que, longe de possibilitar uma realização subjetiva de
todos os praticantes (afinal não existem muitas fragatas com a carga da Santa
Rosa), acarreta sérias conseqüências à conservação do patrimônio histórico
submerso. Apesar de estarem cientes os mergulhadores da baixa
probabilidade de encontrar tamanha fortuna, o naufrágio visitado torna-se
sinônimo de tesouro com “no mínimo, um valor histórico”. Nesse caso, os
receios de Peter Fowler (2007) se concretizam: a mídia não procura entre a
177
multiplicidade de perspectivas que a academia tem a oferecer sobre o passado.
Seu olfato é direcionado para o sensacional, o tesouro e a aventura. E daí o
medo de que a arqueologia venha a submeter-se às ganâncias da empresa do
áudio-visual e tente burlar sua própria ética em nome da fama e do
financiamento (Cf. caso Shinichi em Clack & Brittain 2007).
Muitos arqueólogos subaquáticos que possuem vivência no mergulho e
constante contato com mergulhadores recreativos apontam para a atitude
destrutiva com que muitos mergulhadores têm conduzido a prática. Segundo
Paulo Bava de Camargo, são vários os casos em que o mergulho é cercado
por algo de “machodiverismo”, posse do que reside no submerso porque foi
encontrado “por mim” (Camargo 2010 – informação verbal58). Leandro Duran
também descreve o mesmo tipo de situação,
Muitos são profissionais bem estabelecidos que tem isso como hobby, e defendem isso abertamente em encontros da sociedade civil, encontros de mergulho... Por exemplo, no São Paulo Boat Show você vê palestras desse pessoal. Eles têm uma voz ativa na comunidade e que, direta ou indiretamente, suporta o posicionamento político danoso (Duran 2010 – informação verbal59).
Inclusive a retirada de placas informativas de trilhas de turismo (Duran
2010 – informação verbal).
Por outro lado, muitos mergulhadores reconhecem nos vestígios
materiais resquícios de humanidade. Em uma das embarcações que afundara
no Parcel Manoel Luís em 1984, as “gavetas dos camarotes” com “objetos
pessoais” realmente chama a atenção do mergulhador (Amaranates 1998, p.
31).
Para citar um caso familiar para ambos arqueólogos e mergulhadores,
Gilson Galvão coloca a história do Galeão Sacramento em evidência tanto
através de seu valor histórico quanto natural e arqueológico.
58
Entrevista concedida por Paulo Bava de Camargo via skype. São Paulo/Belo Horizonte. Maio de 2010.
59 Entrevista concedida por Leandro Duran a Bruno Sanches via skype. São Paulo/Belo Horizonte. Abril
de 2010.
178
O grande encanto do Sacramento é imaginar que se está entrando em um quebra-cabeças vivo, de mais de três séculos de idade que deixou poucas peças. É preciso mergulhar o tempo todo resgatando um pouco da sua importância histórica, lembrando que todo este cenário submarino, hoje lar de peixes e corais, um dia transportou mais de 800 pessoas, entre nobres, oficiais, soldados, marinheiros, mulheres prometidas aos donos de terras e o futuro governador-geral do Brasil, Francisco Correa da Silva, morto na tragédia antes de tomar posse (Galvão 2004, p. 18).
Como extensão dessa particular beleza histórica e natural, o Museu
Náutico da Bahia em Salvador apresenta os demais vestígios recuperados e
“dão embasamento teórico e estimulam as emoções” (Galvão 2004, p. 18) dos
interessados em mergulhar no sítio. É certo que a arqueologia pode contribuir
com “embasamento teórico e estímulo de emoções” quando essas são
estimuladas pelo referencial histórico e humano atribuído à cultura material.
São casos em que acredito que a educação patrimonial, sabendo informar ao
mesmo tempo em que explora a sensibilidade dos mergulhadores (Copeland
2004), é uma opção de abordagem pública fundamental.
Carlos Lima publica duas reportagens sobre mergulhos em points de
especial apelo histórico que também preza pela preservação. Em um deles,
nos conta sobre a visita à Trunk Lagoon, na Micronésia, onde o Japão fizera
ancoragem de parte gigantesca de sua frota naval que fora afundada por caças
americanos (em retaliação à Pearl Harbour).
A região se tornou um verdadeiro museu submerso da II Guerra Mundial. Hoje, as máquinas da morte criam vida e contam em imagens impressionantes a história de um período que jamais será esquecido pela humanidade (Lima 1999, p. 39).
Em outro artigo, Carlos Lima (1998) enaltece a transformação da área
em que se encontrava o naufrágio da embarcação australiana Yolanga em
parque nacional marinho. O Yolanga partia da Austrália com uma tripulação
enriquecida pela descoberta de ouro na Austrália, e isso teria levado caçadores
de tesouros nos anos 1950 a retirarem das profundezas um cofre encontrado
na embarcação (Lima 1998). A medida protecionista tomada pelo governo
australiano em respeito às famílias dos que foram vítimas do acidente no final
do século XIX (ainda existem esqueletos dos náufragos entre os destroços),
179
“evitou também que aventureiros depenassem o navio” (Lima 1998, p. 34).
“Essa preservação torna o mergulho não apenas um espetáculo marinho, mas
também uma volta ao passado” (Lima 1998, p. 34)
O artigo de Carlos Lima nos apresenta um argumento pela preservação
que tenho usado desde o início do trabalho. A indicação de um sítio
arqueológico pode viabilizar sua proteção como patrimônio civil que possui
representatividade e peso de diferentes formas para diferentes setores da
sociedade. Para os parentes das vítimas, é um local de homenagem à memória
familiar; para os mergulhadores, é um “espetáculo marinho e uma volta para o
passado”. Aliás, o caso do SS Yolanga talvez fosse mais difícil para os
arqueólogos já que toca em questões éticas de escavação de enterramentos
contemporâneos e pontos com forte significado pessoal ainda nos dias de hoje.
José Eduardo Galindo mergulha em uma embarcação de naufrágio
recente, ainda presente na memória de moradores da localidade que a
presenciaram e movimentaram-se como puderam para salvar os embarcados:
“A memória das horríveis condições climáticas e do desespero do resgate
provavelmente originam todas as histórias fantásticas que envolvem o vapor”
(Galindo 2000, p. 32). As condições propícias ao mergulho produzidas pelo
horrível da tragédia parecem atuar, como há um século atrás (Corbin 1989), à
apreciação do simulacro da própria destruição, uma observação do que pode
acontecer a cada um de nós (tão instigante quanto assistir a um filme de
acidente aéreo). Assim, uma equipe de mergulho explora as salas de uma
hidrelétrica que foi submergida pelas águas de outra hidrelétrica. “Quem diria
que aquilo tudo teria sido erguido pelas próprias mãos do homem? Subimos
em êxtase” (Meurer & Rodrigues 1999, p. 22). Aumentado as imagens de morte
no ambiente, um cemitério (exumando antes da enchente) está presente na
paisagem, trazendo também a nostalgia da perda. Carlos Lima descreve uma
impressão semelhante do mórbido no naufrágio do Yolanga, que ainda possui
esqueletos dos náufragos (Lima 1998). Percorrer corredores, agora desertos,
que foram povoados de vidas humanas faz-se enxergar o patético da atitude
racional; Como uma atuação por binômios, frente è morte, o homem revê sua
180
vida: Das cinzas extintas do alheio, o observador pode ressignificar sua própria
existência.
Dentre as reportagens lidas, encontrei duas da revista SCUBA que
tratavam da legislação de proteção dos vestígios submersos e do patrimônio
arqueológico. Uma delas foi o editorial de outra edição onde o autor faz
referência ao absurdo da legislação (que na época ainda era a de 1986, sem a
alteração de 2000) e, defendendo ambas as partes, investidor da exploração e
preservação patrimonial, comenta da riqueza histórica sob as águas da Baía de
Todos os Santos, em uma edição que comemora os 450 anos da cidade de
Salvador (Falanghe 1999). Um segundo artigo da mesma edição inclusive
proclama o “Banco da Panela”, também em Salvador, como um dos maiores
sítios arqueológicos subaquáticos do mundo (Zanardi, Vitória & Falanghe 1999).
Em 2004, Gloria Tega publica uma reportagem na revista Mergulho em
que promove a proteção do patrimônio arqueológico subaquático (Tega 2004).
A autora trata da inconstitucionalidade da lei 10.166, lembrando que sítios
submersos já estão sob custódia da União pelo artigo nº 216 da Constituição
de 1988. Suas entrevistas prezam pela preservação do patrimônio in situ, e
pelo reconhecimento do potencial cultural que os sítios submersos podem
prover; potencial muito maior do que os ganhos individuais feitos por pequenas
pilhagens (Tega 2004). Glória Tega entrevista diversos membros da equipe do
CEANS e faz questão de deixar claro que não se trata de proibir e criminalizar
o mergulho em naufrágios e sítios considerados arqueológicos. Mas sim, é uma
questão de evitar o depredo e destruição, levando em conta que essas
atividades inviabilizam outras muito mais vantajosas para o mergulho recreativo,
como o turismo consciente, o aprendizado histórico e a preservação de belezas
naturais. Sua posição fica clara na chamada da reportagem: “Diversos países
realizam o turismo sub-cultural em seus sítios arqueológicos. Por que isso não
acontece no Brasil?” (Tega 2004, p. 20).
A idéia dessa abordagem mais qualitativa que quantitativa de
reportagens escritas por mergulhadores foi seguir uma das tendências da
arqueologia pública, atinar a sensibilidade para as experiências presentes que
181
parecem estar por trás da escolha do público pelo contato direto com vestígios
físicos do ser humano e, conseqüentemente, que os possa levar à arqueologia
com maior ou menos interesses (Holtorf 2007a).
Retomo minha conclusão (Silva 2007) de que nem todos os interesses
dos mergulhadores entram em choque com aqueles dos arqueólogos. Pelo
menos, não em aparência. As imagens transcritas e razões pelo apreço dos
sítios submersos aparecem tal como as experiências apontadas por Cornelius
Holtorf (2007a, p. 4). Sejam quais forem, trata-se de experiências no presente
que determinam o interesse das pessoas pelo passado. E podemos ver nesse
interesses, pelo menos a princípio, razões que justifiquem a preservação mais
que motivos de pilhagens impróprias. Assim, me parecem ser interesses e
sensibilidades através dos quais o arqueólogo pode conjugar seus interesses
pela preservação patrimonial.
O exercício de gestão patrimonial do
Estado através da lei 10.166 e sua
antecedente são tanto inconstitucionais
quanto irresponsáveis, pois elas viabilizam a exploração comercial dos
vestígios submersos, permitindo que um bem coletivo passível de
interpretações e relações das mais diferentes formas, seja apropriado por
empresas privadas (em sua grande maioria estrangeiras). Sob os bens
submersos, o Estado brasileiro caminha para o extremo oposto de uma postura
“multiculturalista”, retornando aos primórdios em que os bens e paisagens
culturais ficavam a cargo dos interesses da propriedade privada (Funari &
Robrahn-González 2008)
O mergulho recreativo, em geral praticado por uma população urbana, é
uma das poucas saídas encontradas por muitos para a revitalização da
sensibilidade destroçada pelo cotidiano pesado e conturbado dos grandes
centros urbanos (Silva 2007). A preservação dos sítios arqueológicos
subaquáticos conflui facilmente com a imagem já consagrada da preservação
natural. “Preservação para apreciação”, não resumir-se ao gosto egoísta da
conquista pessoal de pequenos troféus, mas permitir que esses espaços de
A sensibilidade que envolve o mergulho recreativo muitas vezes mostra um interesse que pode ser atrelado ao do protecionismo arqueológico.
182
escape, entretenimento e memória permaneçam para regozijo da coletividade.
“E nessa acessibilidade podemos argumentar ‘não destrua, venha visitar e
aproveitar’” (Rambelli 2010 – informação pessoal60).
Enquanto a posição política do Estado frente ao patrimônio cultural
subaquático da União não mudar, a própria arqueologia tem que conduzir seus
esforços e seu trabalho tanto pela alteração da legislação vigente quanto pela
valorização e preservação do patrimônio cultural. Para essa tarefa, ter em
conta as sensibilidades que envolvem a experiência submersa fora da
arqueologia pode ser crucial. E muitos arqueólogos subaquáticos estão já
partindo dessa preocupação.
5.3. Arqueologia subaquática – desafios e estratégias de atuação
pública
Neste trecho, procuro observar o mesmo que já foi observado nos
capítulos anteriores: as alternativas que a arqueologia tem buscado para
melhorar sua relação com o público, fazer-se mais presente às demandas
sociais ao mesmo tempo em que se preocupa em não deixar desaparecer seus
próprios interesses.
É possível utilizar estratégias que são usadas em outras áreas da
arqueologia com considerável sucesso, como convidar o público (no caso, o (a)
mergulhador (a)) à inserção direta em projetos arqueológicos como voluntários
(Jameson Jr. 2004; Frost 2004; Faulkner 2004), ou através de ações
educativas (Copeland 2004) em points litorâneos e escolhas de mergulho. A
alternativa a qual dedicarei mais tempo é a do turismo arqueológico, muito
polêmica dentro da academia. Basicamente duas são as razões por essa
escolha. Primeira, não podemos esquecer que a intenção do mergulho
recreativo é “recreação”, entretenimento. Isso não significa que nosso foco
deve ser uma “atividade pastelão”, mas não vale deixar em segundo plano o
fato de que este público em particular toma em contato com os vestígios
submersos num momento de seu cotidiano que reserva a atividades lúdicas, ao
60
Entrevista concedida por Gilson Rambelli a Bruno S. R. da Silva em Aracajú, julho/agosto 2010.
183
descanso e aos hobbies. Em segundo lugar, muitas das empreitadas do
turismo arqueológico submerso terminam por misturar a participação voluntária
em atividades de campo e palestras sobre arqueologia.
De início, podemos retomar o caso apresentado por Lynn Harris no
estado Norte Americano da Carolina do Sul para abordar o que chamamos no
Brasil de “educação patrimonial”. Como já deixei claro nos capítulos anteriores,
confio na transmissão de conhecimento e na aprendizagem. A questão central
e como, para quem e com qual objetivo estamos “educando”. Em 1989, o
Instituto de Antropologia e Arqueologia da Carolina do Sul criou o Programa de
Manejo Arqueológico de Mergulhadores Esportivos (SDAMP), junto à Divisão
de Arqueologia Subaquática do Instituto (Harris 2002). O Programa foi criado
especialmente para discutir o papel dos mergulhadores esportivos e ir ao encontro de necessidades de manejo de acordo com a legislação do estado, inventário de material submerso, e objetivos de pesquisa. O programa dedica todo o seu tempo à educação pública (Harris 2002, p. 59)
Sua execução não se limita a atividades esporádicas de educação
patrimonial e registro de mergulhadores como “portadores de antiguidades”
licenciados. Sua dedicação abarca um curso de formação técnica em
arqueologia, credenciados pelo SCIAA. O curso se divide em quatro partes: 1)
introdução aos princípios básicos da arqueologia, seus conceitos, técnicas,
registro, prospecção não-interventiva e políticas de preservação, bem como
legislação estadual sobre o patrimônio arqueológico e que tipos de sítios
podem ser encontrados. 2) e 3) são etapas de workshops de identificação de
material, fotografia e desenho, arquitetura naval, marcação e catalogação de
material, conservação, pesquisa histórica; atividades de campo como
estabilização do sítio, uso de equipamentos de sensoriamento remoto,
escavação e uso de quadras. 4) última parte, exige que os mergulhadores
participem de uma etapa de campo de 14 dias em um projeto do SCIAA ou
dirigir um projeto subaquático pelo mesmo tempo (C.f. Harris 2002, p 62-63
para mais detalhes).
184
Os cursos têm recebido não só mergulhadores recreativos do estado,
mas diversos profissionais e estados vizinhos que não contam com esse tipo
de formação. Os projetos encorajam a participação também de não
mergulhadores em sítios de zonas pantanosas ou intersticiais, além da
pesquisa histórica em arquivos e trabalhos de conservação em laboratório
(Harris 2002).
A formação complementar e técnica do público em trabalhos
arqueológicos me parecem uma idéia, a princípio, formidável. As experiências
do “certificado dos auxiliares de campo” sugerida por Tatiana Fernandes (2009)
e Viviane Vidal (2010) mostram que o aparato metodológico e científico do
arqueólogo pode ser sim de interesse do público mais do que o romantismo
que desperta. Além da educação patrimonial, cursos de formação técnica
colocam a ciência a disposição do público leigo, desmistificando-a e
democratizando-a.
Quando digo “a princípio” é devido à nunca ter participado de tal
experiência para sentir como os interesses em jogo (mergulhadores e
arqueólogos) estariam sendo atendidos. Por um lado, temos a proposta de
democratização do conhecimento atende ao apelo da arqueologia pública. Por
outro, existe a possibilidade de que o conhecimento nas mãos dos
mergulhadores treinados siga caminhos próprios, e que muitos deles venham a
interessar-se pela execução de projetos por si mesmos, sem a presença
necessária de um arqueólogo. Há também a possibilidade de que esse
conhecimento não seja “democratizado”, mas “imposto” pela arqueologia como
forma de criação de uma “patrulha patrimonial” que nunca será permitida ir
além da sombra de uma “grande disciplina”.
Ponderar sobre essas possibilidades é colocar em questão a
legitimidade de uma disciplina, a diferença hierárquica entre patamares de uma
escala evolutiva profissional. Uma vez entrosado às normas e métodos da
arqueologia, o olhar do mergulhador aproxima-se muito mais daquele do
arqueólogo. No entanto, ainda resta a questão sobre as dedicações e tempos
de estudo: Em outras profissões, seria aceito que técnicos fizessem as
185
mesmas coisas que graduados? Mas será que deveríamos colocar essa
diferença sendo que a maior parte dos arqueólogos no Brasil ainda não são os
formados por graduações específicas (e que até dez anos atrás havia
pouquíssimas graduações no país)? Ou ainda, a formação técnica não impede
que o indivíduo continue perseguindo a passagem definitiva para a
profissionalização arqueológica, ou impede?
Não sei com exatidão até que ponto essa discussão pode levar a planos
de conflito e conciliação válidos. A especialidade e grau de formação sempre
apresentaram um papel importantíssimo na profissionalização social brasileira.
Por vezes, até em demasia, visto que nos tornamos um país incapaz de
reconhecer o valor do trabalho manual. No entanto, não acredito que uma
formação técnica em arqueologia venha a colocar em risco o papel do
arqueólogo e mesmo a preservação do patrimônio. E tampouco acredito que
isso deva se tornar uma desculpa para evitar projetos que disponibilizem a
arqueologia ao alcance de todos. Tal como o arqueólogo, cabe ao mergulhador
ou mergulhadora estarem conscientes de suas atividades uma vez que de
posse da técnica.
Chico Noelli levanta algumas dessas perguntas.
Porque não atuar a partir de uma ação iniciada por um grupo da sociedade civil organizada? Porque deixar a oportunidade de incentivar a criação de um movimento local para proteger o patrimônio cultural? Porque não ajudar com a transmissão dos conteúdos corretos da Arqueologia, na direção da pesquisa e da preservação do patrimônio cultural? Porque não incentivar um grupo de amadores a buscar a formação específica da Arqueologia? (Noelli 2010 – informação pessoal)61
O Projeto de Arqueologia Subaquática da praia dos ingleses, ao qual já
fizemos referência na apresentação (Viana et alii 2004), partiu de
mergulhadores amadores que, interessados e preocupados com um naufrágio
que se degradava pela ação marítima e de pilhagens eventuais, iniciou um
movimento de pesquisa para poder levar a cabo trabalhos de arqueologia
61
Entrevista concedida por Francisco Silva Noelli via e-mail. Pelotas e São Paulo/Belo Horizonte. Junho
de 2010.
186
subaquática. Sua preocupação com a qualidade e efetividade dos trabalhos os
levou a procurar um arqueólogo que pudesse coordenar o projeto. Não
podemos esquecer do ponto também relativo ao debate anterior, que é norma
do IPHAN que projetos arqueológicos sejam coordenados por arqueólogos
reconhecidos.
Ainda sobre a experiência do PAS, vale apontar que entre seus objetivos
está “criar as bases necessárias para a construção de um Museu de
Arqueologia, História e Cultura Marítima de Santa Catarina, dedicado à
pesquisa e a preservação da cultura material e das tradições locais” (Noelli et
alii 2009, p. 198).
A Musealização do acervo arqueológico tem sido uma questão central
nas discussões de arqueologia subaquática brasileira. Um dos principais
motivos apregoados pelos mergulhadores que emergiam material arqueológico
era de “trazer os vestígios da história ao alcance daqueles que não podem
mergulhar”. A resposta dos arqueólogos tem sido “Sim, mas a retirada sem os
devidos cuidados de conservação levam o material à ruína, além de
descontextualizá-lo e impedir a produção de qualquer conhecimento mais
profundo”. Esse debate certamente deixa claro alguns dos problemas do
acesso público aos bens culturais submersos. Apesar do crescimento do
mergulho autônomo, essa ainda é uma atividade cara e não praticada por
todos os apreciadores do litoral e do mar. Como fazer a “história contada a
partir dos vestígios” chegar até o público não mergulhador? O Museu do PAS
recebeu 12.000 visitantes até 2006 (PAS 2006), número considerável de
interessados.
Como contraponto, cabe lembrar as críticas feitas no primeiro capítulo. O
que se quer mostrar com um museu? Qual história é tocada por aqueles
materiais: pirataria? Cotidiano naval? História comercial? Qual a participação
das “tradições locais” na elaboração e construção desse museu? Lembremos
que a conservação é um problema central para a arqueologia subaquática (Cf.
Bass 1971, Godfrey et alii 2002, Hamilton 1996, Hermanson 2004, Rambelli
2002) e as responsabilidades envolvidas na conservação do material
187
arqueológico (Johnson 1993, 1994). O que conservar e porque conservar? Que
tipo de informação pode ser retirada do material estabilizado? O processo de
musealização exige uma profunda responsabilidade. Não é apenas uma
exibição descompromissada de objetos para “ilustrar a história trágico-
marítima”, mas a criação de mais um lugar de narrativa sobre o passado. Um
lugar profundamente disciplinar e cuja arquitetura transmite idéias sobre o
passar do tempo e o funcionamento da sociedade.
Não se trata de um ataque direto à exposição citada de organização do
PAS, apenas apontamentos já discutidos sobre a responsabilidade envolvida
na elaboração de uma exposição museológica. O acesso público de material
arqueológico é uma premissa apontada pelas principais cartas sobre o
patrimônio arqueológico (ICAHM 1990, UNESCO, 2001). Esse acesso,
entretanto, deve ser pensado e planejado, tanto pela seriedade do discurso
histórico presente em uma exposição quanto pela condição delicada que
envolve a conservação do material proveniente de ambientes encharcados.
A profissionalização da arqueologia brasileira é um ponto central
também em trabalhos subaquáticos, pois o desafio de institucionalizar-se como
parte da disciplina, ou seja, ganhar valor entre seus pares, tomou tempo e
esforço dos profissionais da área no Brasil (Duran 2010). O trabalho
inicialmente desenvolvido por Maria Cristina Mineiro Scatamacchia e Gilson
Rambelli, seguido por outros profissionais dentro e fora do MAE/USP, como
vimos na apresentação, conferiram à prática subaquática nacional visibilidade e
credenciais sobre sua viabilidade. Nos últimos anos, mais duas teses de
doutorado são defendidas no MAE/USP, também sob orientação de
Scatamacchia, que deixam clara a potencialidade que oferece a prática
subaquática. Flávio Calippo (2010) e Leandro Duran (2008) trabalharam,
respectivamente, com as populações sambaquieiras do litoral paulista e com
uma armação baleeira também no litoral sul do estado de São Paulo. Essas
publicações cruzam temas caros à arqueologia nacional, como a ocupação pré-
histórica do continente e comportamento social das sociedades sambaquieiras,
em Calippo, e a vivência do sistema capitalista na América colonial e imperial,
em Duran. Seus trabalhos são excelentes exemplos da consolidação da
188
arqueologia subaquática no Brasil, junto com a criação de uma nova vaga para
arqueólogo subaquático na Universidade Federal de Pernambuco (Duran 2010;
Guimarães 2010; Rambelli 2010).
Voltando à questão da exposição e musealização, uma alternativa
considerada primordial a conservação do patrimônio subaquático e seu
aproveitamento público é a preservação in situ (UNESCO 2001).
Um deles é o “Proyecto lugares de memória en el corregimiento de
Tierra Bomba” (Projeto lugares de memória no corregimento de Terra Bomba),
em quatro ilhas do corregimiento de Tierra Bomba, na Colombia, desde 2008.
Este projeto foi a sequencia do “Programa de sensibilización para al protección
del patrimônio cultural subacuático” (Programa de sensibilização para a
proteção do patrimônio cultural subaquático) cujo propósito foi identificar sítios
arqueológicos e a ligação das comunidades locais a eles (Fundación Terra
Firme 2011).
O projeto “Lugares de Memória” teve como objetivo a seleção pela
população de lugares que consideravam dignos de memória, de modo a
desenvolver atividades de conservação e musealização (Fundación Terra
Firme 2011). Ao fim das atividades do projeto se estruturaram duas fundações
sem fins lucrativos conformadas por membros das comunidades do
corregimiento: um centro histórico cuja função é “incentivar a cultura de nossa
comunidade e dar a conhecer ao mundo que nessa ilha se guarda um grande
tesouro deixado pelos espanhóis”; A segunda, a “Mergulhadores da história
dos canhões”, fundação com a proposta de “ser protetores e cuidadores dos
canhões e dos sítios históricos debaixo do mar, e narradores da história dos
sítios antigos que se encontram no mar e dos canhões” (Fundación Terra Firme
2011). Logo depois, surgiu o “Museu de Tierrabomba”, com um percurso
montado pelos próprios moradores, que também guiam o percurso.
A proposta do Projeto parece interessante e motivadora, em especial por
conjugar dois interesses, o preservacionista arqueológico e o mnemônico local.
Embora o nome do “Programa de Sensibilização” nos sugira a idéia de
189
“inculcar” na população local uma ideologia de conservação e beneficiamento
econômico do lugar, não podemos esquecer que a relação entre comunidades
locais e instâncias ligadas ao governo central pode ser guiada por um interesse
local em aproveitar economicamente de recursos culturais em seu entorno e do
conhecimento introduzido pela arqueologia de modo a inserir-se com maior
eficacia no cenário nacional como possuidoras, e manipuladoras, de saber
oficial. Mais uma vez, a diferença entre aproveitamento do conhecimento
arqueológico e imposição de um discurso sobre o passado depende da
atuação e das sutilezas das relações pessoais no cotidiano do contato.
A Bahia de Todos os Santos tem-se mostrado um reduto muito rico para
o desenvolvimento de atividades públicas de arqueologia subaquática.
Recentemente desenvolve-se um projeto que, nos moldes da liberdade criativa
que vimos em alguns casos de arqueologia pública, toma o patrimônio como
objeto de apreciação estética como medida de apelo à preservação. O Projeto
Maraldi, de criação e execução da artista plástica baiana Lica Moniz de Aragão,
“apropria-se” do patrimônio submerso através de “poéticas visuais” (PROJETO
MARALDI 2010).
Inserido no contexto das poéticas visuais contemporâneas e constituído por uma apropriação artística submarina site specific, o projeto Maraldi promove discussões e reflexões entre arte e arqueologia de naufrágios, dilatando a dimensão estética das poéticas líquidas e incentivando a preservação dos bens culturais que constituem nossa história. Por se apresentar em um ambiente vivo, o mar, a obra conta com efeitos instáveis que emanam do próprio espaço. O encontro entre arte, natureza e patrimônio gera imagens fluidas e híbridas, como meios para uma possível comunicação (PROJETO MARALDI 2010).
Indo ao encontro dos interesses do público recreativo de mergulhadores,
tal como argumentei acima, o Projeto Maraldi vislumbra o apreço aos vestígios
submersos por sua beleza e historicidade. Tal como vimos o exemplo do artista
plástico britânico Mark Dion (Merriman 2004), a arte parte de outros preceitos
sobre a expressão do real, e parece ser uma forma riquíssima de trabalho
inter(trans/multi) disciplinar.
190
A Bahia é também palco de atividades desenvolvidas pelos
pesquisadores universitários. O Projeto “ARCHEMAR – Centro de Pesquisa e
Referência em Arqueologia e Etnografia do Mar” está sob administração do
Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal da Bahia
(MAE/UFBA) e da Prefeitura de Itaparica, tem sido igualmente uma bandeira
dessa preocupação (Rambelli 2009), com uma proposta de trabalhos
etnográficos concomitantes aos trabalhos arqueológicos e trabalhos de turismo
arqueológico, promovendo não só a construção de trilhas turísticas, mas
também a participação de mergulhadores nos trabalhos de campo. Apesar de
existirem atividades de Educação Patrimonial e turismo em Arqueologia
subaquática (I Simpósio Internacional de Arqueologia Marítima nas Américas
2007; Rambelli et alli 2004), o Projeto Archemar é pioneiro nessa empreitada
no país, por sua amplitude.
Por fim, uma das estratégias na qual a arqueologia subaquática no
mundo parece estar apostando seu esforço preservacionista e público é o
turismo arqueológico.
Desde o início do capítulo, estive discutindo os interesses envolvidos na
prática do mergulho recreativo, considerando os mergulhadores como público
não arqueológico com o qual a arqueologia subaquática tem mantido relações
conflituosas quando se trata do interesse sobre o patrimônio submerso. E uma
das tentativas que os arqueólogos têm encontrado para unir a apreciação do
mergulhador esportivo com as políticas de preservação é pelas portas já
abertas do turismo.
Antes de mais nada, uma definição de turismo é necessária. De acordo
com a Organização Mundial do Turismo, o conceito em questão
compreende em atividades de indivíduos viajando para ou ficando em lugares além de seu ambiente usual, por não mais de um ano consecutivo, por motivos de lazer, negócios e outros propósitos (WTO 1995).
O mergulho recreativo é, de acordo com essa definição, turismo. A saída
de seu “ambiente usual” durante períodos de recesso escolar e profissional por
191
“motivos de lazer”. E uma das tentativas que os arqueólogos têm encontrado
para unir a apreciação do mergulhador esportivo com as políticas de
preservação é pelas portas já abertas do turismo. Talvez, o turismo
arqueológico submerso mereça atenção mais por inevitabilidade e existência já
arraigada na tradição brasileira e internacional do turismo litorâneo. Mesmo que
não seja uma atividade de resultados que mereçam sua aplicabilidade ao caso
arqueológico, o conhecimento de seu funcionamento e causas me parece
necessário como por razões de interação e manejo do que já está instalado.
É fundamental lembrar que essa movimentação de indivíduos por “lazer,
negócios e outro propósitos” envolve, também, movimentações financeiras:
Alojamento, alimentação, transporte, lazer, cultura, atividades esportivas,
compras (OMT 1994). Seja um turismo de pequeno porte, como uma viagem
de fim de semana de famílias de classe média - baixa, ou de grande porte em
resorts ou Cruzeiros, não podemos negar que as movimentações de pessoas e
dinheiro fazem do turismo uma indústria cuja previsão de rentabilidade pode
chegar a 8 trilhões de dólares americanos em 2010 (12,5% do PIB mundial),
segundo a Organização mundial do turismo (Goeldner et alii, 2002 apud Veloso
& Cavalcanti 2007). Não podemos ignorar, então, que o turismo é antes de
tudo uma indústria, e que isso implica na prioridade lucrativa.
Como toda indústria, seu propósito final é o lucro e isso exige uma
disposição das partes envolvidas para que o produto final seja consumido pelo
cliente de maneira satisfatória e, de preferência, que o encoraje a voltar a
consumi-lo. A grande problemática surge no momento da organização dessas
disposições, ditadas pelas normas do mercado capitalista exterior aos lugares
que receberão o turismo, e no peso que cada uma das partes terá na execução
dessas disposições e no usufruto real dos benefícios. A proposta desta parte
do capítulo é ver quais poderiam ser os resultados do turismo arqueológico
como mecanismo de interação de diferentes setores sociais em conflito pelo
mesmo espaço. Ou seja, que grupos se façam perceber uns aos outros em
suas diferenças, e que possam, dessa experiência, reavaliar suas próprias
visões de mundo (rever-se e revê-los). O espaço de interação seria aquele
192
sobre o qual a arqueologia se debruça e define como patrimônio arqueológico.
No caso mais específico desse capítulo, o patrimônio arqueológico subaquático.
Ainda neste preâmbulo conceitual, entendo o termo “turismo
arqueológico” como uma delimitação temática, referindo-nos à estadia ou
passagem por paisagens que contenham vestígios de atividades humanas62.
Conseqüentemente, o turismo arqueológico submerso seria a passagem por
paisagens imersas que tivessem vestígios materiais humanos.
Partindo do principal consumidor do turismo, Doris Ruschmann defende
que o turista dos novos tempos,
Além de considerar apenas os aspectos naturais, o turista deseja integrar-se plenamente aos fenômenos culturais e considerar a dimensão humana das comunidades receptoras. Trata-se, atualmente, de uma clientela que deseja compreender uma paisagem, reconhecer nela os valores culturais; uma clientela sensível às noções de intercâmbio e ao encontro cultural (Ruschmann 1997, p. 147).
Se tomarmos essa premissa em nossa argumentação, podemos sim
pensar em excelentes possibilidades relacionais entre arqueologia, turistas e
comunidades.
E isto não é uma tarefa fácil e que se relaciona, de forma menos distante do que se poderia imaginar, com o Turismo, pois o lazer turístico, centrado numa das mais importantes indústrias da economia mundial, permite integrar pessoas de diferentes origens e pontos de vista, que se enriquecem, culturalmente, pela interação. O Turismo constitui parte de um esforço universal pela preservação da diversidade natural e cultural, tal como propugnada pela UNESCO, face à globalização que tende a tudo uniformizar (Funari 2004, p. única).
62 Turismo arqueológico: “processo decorrente do deslocamento e da permanência de visitantes a locais
denominados sítios arqueológicos, onde são encontrados os vestígios remanescentes de antigas sociedades, sejam elas pré-históricas e/ou históricas, passíveis de visitação terrestre ou aquática” (Manzato, 2005 apud Manzato 2007, p. 100).
193
Nesse extrato, Pedro Paulo Funari faz um belo, e otimista, apontamento
à capacidade relacional da atividade turística. De fato, o Código de Ética da
Organização Mundial do Turismo, em seu primeiro artigo, prega pela
“contribuição do turismo ao entendimento mútuo e respeito entre povos e
sociedades” (WTO 2001, p. 4).
No entanto, o extrato de Doris Ruschmann deixa claro que se trata de
suprir as necessidades de uma “clientela”, ávida pelo consumo de bens
culturais. Seria possível uma aproximação cultural com benefícios mútuos para
local e estrangeiro através do consumo?
Vimos, no começo do capítulo que existem diversos elementos
envolvidos na apreciação do mergulho, concomitante às diferenças dos
mergulhadores: há a reafirmação da virilidade através da conquista de um
ambiente inóspito e da coleta de troféus profundos (atividade criticada neste
trabalho), o exercício da auto-estima ao percorrer barreiras quase
intransponíveis, o delírio das cores da água e dos seres vivos, o medo de
cruzar o limite da capacidade humana ao respirar embaixo d’água, a estética
do terror na apreciação de naufrágios e estruturas engolidas pelas águas
salgadas ou doces (Silva 2007). O mergulho recreativo é o consumo dessas
imagens e sonhos. A pergunta é se a arqueologia poderia argumentar pela
preservação do patrimônio submerso por essa estética à venda.
Como vimos, a arqueologia subaquática tem lutado pela preservação de
sítios arqueológicos submersos em nome de um interesse humanitário mundial,
e, apesar do receio em lidar com as ferramentas de seu próprio inimigo, tem
conseguido bons resultados quando atrela arqueologia subaquática e turismo.
O arqueólogo português Francisco Alves mostra uma série de exemplos
bem sucedidos do estabelecimento de “trilhas arqueológicas”, que seriam,
basicamente, roteiros de exploração submersa ao redor de vestígios materiais
(naufrágios em especial) (Alves 2009). Exemplos nos Estados Unidos, Sicília,
Croácia e Portugal tem tido ótimos resultados quanto à preservação dos sítios
submersos ao passarem pelo tocante da “preservação para apreciação”.
194
“Recentemente (…) comentei que turistas mergulhadores estão procurando
pelos vestígios de embarcações que tenham sido preservadas, não naufrágios
que foram destruídos por pilhagem” (Alves 2009, p. 88). O Programa de
Manejo de Arqueologia de Mergulho Esportivo da Carolina do Sul, que
discutimos, obteve os mesmos resultados positivos quanto à experiência
(Harris 2002).
O caso da Croácia apresentado por Jasen Mesic (2009) é interessante
por abordar a dificuldade estrutural de manter diversos “Museus” de material
arqueológico retirado do fundo do mar. Apesar do aumento nos esforços para a
promoção da arqueologia subaquática no país, ainda há os meios de
conservação de todo material proveniente dos trabalhos arqueológicos. Ao
mesmo tempo, a intensidade com que a costa croata é visitada por
mergulhadores exige uma ação imediata pela preservação do patrimônio
imerso. Assim, o turismo aparece como opção adequada para lidar com a
questão.
Através de um processo peculiar, o governo croata parece ter
conseguido promover o turismo consciente em sua costa. A instalação de
redomas de malha metálica ao redor dos naufrágios, abertas pelos guias de
mergulho só no momento da visita, tem garantido a integridade física dos
vestígios, evitando pilhagens fortuitas e mantendo o material in situ como é o
mais recomendável, e tem permitido o contato entre os mergulhadores e o
patrimônio (há espaço suficiente para a circulação do visitante dentro das
redomas) (Mesic 2009). Situação similar a de cercar um sítio arqueológico ou
uma reserva natural. O autor afirma que os custos não são tão elevados. Mas
além do custo existe a questão de cercamento ser visualmente e
espacialmente impactante, podendo prejudicar a experiência do mergulho além
de, é claro, indisponibilizar por completo o espaço para aqueles que não
estejam acompanhados de equipes de mergulho: a comunidade local de
pescadores.
O turismo arqueológico pode ser uma empresa tão interessante para o
Estado quanto para os turistas, mesmo que ele ainda não tenha se dado conta,
195
como no caso brasileiro (Rios 2010 – Informação verbal63). Tatiana Zamora
(2009), ao falar do descaso governamental que atinge o patrimônio
subaquático de muitos países da América Latina, termina seu texto com uma
citação de George Bass.
George Bass, o pai a arqueologia subaquática, diz: ‘ninguem consegue nomear um único país que enriqueceu trabalhando com caçadores de tesouros. Em contraposição, arqueologia subaquática gera milhões de dólares todos os anos em países que adotam uma abordagem conservativa do seu patrimônio cultural submergido, tais como Suécia ou Turquia, onde ambos Vasa e o Museu de Bodruem são atrações turísticas mundialmente conhecidas.’ (Zamora 2009, p. 28).
O arqueólogo brasileiro Carlos Rios faz o mesmo apontamento sobre o
caso brasileiro, lembrando que nossas águas apresentam condições muito
melhores que as de muitos países para apostarmos no turismo subaquático
(Rios 2010 – Informação pessoal64).
Em 2007, durante um workshop sobre mergulho, tentamos implantar o Turismo Arqueológico Subaquático, onde o mergulhador assistiria palestras explicando que embarcação é aquela (tipo, emprego), qual a sua importância para a evolução da arquitetura naval (material e técnica construtiva), história naval pertinente a mesma, bem como a causa do naufrágio, distribuição dos vestígios arqueológicos, dentre outros assuntos, ou seja, tornando o mergulho “arqueológico-histórico-cultural”. Infelizmente, possivelmente em face ao grande número de mergulhadores que frequentam o estado de Pernambuco e o seu distrito (Fernando de Noronha), o trabalho não surtiu o efeito desejado. Até a presente data, as operadoras de mergulho poderiam ganhar muito se tivessem uma visão empresarial mais ousada. Ou seja, perde o empresário e perde a população também, pois o estado poderia arrecadar muito mais com todo o valor agregado ao mergulho (hotéis, restaurantes, locadoras de veículos, companhias aéreas, guias de turismo, artesanato etc) (Rios 2010 – informação pessoal).
63
Entrevista concedida por Carlos Rios a Bruno Sanches via e-mail. Recife/Belo Horizonte. 23 de
setembro de 2010.
64 Entrevista concedida por Carlos Rios a Bruno Sanches via e-mail. Recife/Belo Horizonte. 23 de
setembro de 2010.
196
Gilson Rambelli apresenta também pontos interessantes sobre o turismo
arqueológico. Primeiro, se coloca em desacordo quando o turismo arqueológico
é rechaçado por certo “ciúme” do pesquisador. Ou seja, quando o pesquisador
nega qualquer tipo de atividade sobre o sítio terá importância distinta da sua
pesquisa (Rambelli 2010 – informação pessoal65). E que, em segundo lugar, o
turismo arqueológico pode sim ser encarado como uma possibilidade nas
relações entre a arqueologia e as comunidades locais, através de um discurso
que envolva a sustentabilidade.
Como as outras pessoas vão se interessar pelo patrimônio submerso, como envolver o pescador de lagosta de uma comunidade do Espírito Santo que vivia próximo de um navio onde trabalhei logo quando comecei a me envolver com o tema no Brasil, em 1993? Essa embarcação era um Clipper inglês onde se pescava lagosta. Mergulhavam com compressor de ar e pescavam lagostas que ficavam nos cascos. Aí chega o arqueólogo dizendo que “isso é agora um patrimônio, vamos estudá-lo, aqui está nossa Portaria do IPHAN e não podem mais mergulhar para pescar lagostas”. Como fazer? Uma vez, estávamos de barco e encostamo-nos à embarcação de uns pescadores que estavam sobre o sítio e dissemos que tínhamos autorização para efetuar a pesquisa. Os pescadores se tivessem armas, certamente teriam atirado. Quer dizer, não é uma situação tão simples. O turismo pode ser uma opção de negociação (Rambelli 2010 – informação pessoal66).
Gilson aponta um dos debates centrais
deste trabalho que é a negociação, não do
patrimônio como bem alertou Chico Noelli,
mas do espaço e como podemos “patrimonializá-lo” também em prol dos
interesses locais. Lucio Ferreira lembra que
A maioria das comunidades brasileiras é marcada pela pobreza e opressão. Assim, se a arqueologia, conjugada com a Educação Patrimonial, é capaz de fomentar, por exemplo, o desenvolvimento auto-sustentável e o turismo, isso pode colaborar para a melhora das comunidades (Ferreira 2010, p. 6).
65
Entrevista concedida por Gilson Rambelli a Bruno S. R. da Silva em Aracajú, julho/agosto 2010.
66 Entrevista concedida por Gilson Rambelli a Bruno S. R. da Silva em Aracajú, julho/agosto 2010.
A arqueologia subaquática internacional e brasileira tem buscado diferentes maneiras de se relacionar com mergulhadores recreativos, entre elas o turismo.
197
Gilson Rambelli prossegue com o exemplo de Randal Fonseca,
mergulhador profissional, cuja experiência de gerenciamento turístico em
Fernando de Noronha construiu em pareceria com a comunidade local,
restauro e uso dos próprios barcos, além de constituírem a equipe de trabalho
e de guias de mergulho.
Muitos arqueólogos não consideram o turismo como a melhor opção
para o desenvolvimento de uma abordagem pública da arqueologia, pelo
menos não da maneira que tem sido conduzido no Brasil. Seu interesse
primordial em atender o mercado e sua finalidade lucrativa não se escondem
no caso brasileiro, e o turismo submerso, em sua maioria, não tem tomado
outro rumo além daquele que favorece as operadoras de mergulho (Duran
2010 – informação pessoal 67 ; Noeli – informação pessoal 68 ; Rios 2010 –
informação pessoal 69 ). Por fim, podemos ver nos comentários de Ricardo
Guimarães, arqueólogo subaquático da Marinha, e Chico Noelli uma resolução
geral entre os profissionais da área: o investimento arqueológico no turismo
deve entendê-lo como parte de um projeto cultural maior, de modo que o
turismo seja regido por um interesse cultural maior e não que o projeto cultural
se submeta cegamente às regras do mercado (Noelli 2010 – informação
pessoal 70 ; Guimarães 2010 – informação pessoal 71 ). Além do mais, a
implementação do turismo, seja em sítios arqueológicos seja em Museus, é
67
Entrevista concedida por Leandro Duran a Bruno Sanches via skype. São Paulo/Belo Horizonte. Abril
de 2010.
68 Entrevista concedida por Francisco Silva Noelli a Bruno Sanches via e-mail. Pelotas e São Paulo/Belo
Horizonte. Junho de 2010.
69 Entrevista concedida por Carlos Rios a Bruno Sanches via e-mail. Recife/Belo Horizonte. 23 de
setembro de 2010.
70 Entrevista concedida por Francisco Silva Noelli a Bruno Sanches via e-mail. Pelotas e São Paulo/Belo
Horizonte. Junho de 2010.
71 Entrevista concedida por Ricardo Guimarães. Rio de Janeiro. Abril de 2010.
198
muito mais do que a instalação de cordas, placas e disposição de material
sobre mesas (Bava de Camargo 2010 – Informação pessoal72).
É necessário um planejamento de aproveitamento cultural, de estudo
sobre os possíveis impactos que o aumento do fluxo de turistas, respeito às
necessidades das comunidades locais que podem ou não querem fazer parte
do turismo (desacordo que poderia inclusive inviabilizar a empreitada), além de
movimentação dos turistas em prol de um aproveitamento consciente da visita.
5.4. Comunidades costeiras, arqueologia e o impacto do turismo
A proposta turística de interação social em larga escala possui seus
atrativos. Por ele, podem encontrar-se no mesmo espaço o Estado Nacional
através de políticas públicas de preservação e manejo, empreendedores
particulares interessados em participar dos jogos do mercado, consumidores
dos empreendimentos públicos e particulares (os turistas) sedentos por
novidades e pesquisadores com projetos em idílicos paraísos.
O questionamento que aqui proponho é sobre o impacto da
industrialização da imagem e do contato sobre as comunidades receptoras. É
uma indagação que não dista muito do que já venho refletindo neste trabalho a
respeito da visibilidade e representatividade das comunidades locais em
atividades exteriores ao seu cotidiano. Por um lado, a arqueologia durante o
licenciamento; Por outro, o turismo: “Onde estão as comunidades locais? Os
caiçaras, pescadores tradicionais, quilombolas, pequenas comunidades que
vivem nesses “idílicos paraísos”, últimos redutos da vida pouco urbanizada? No
contexto de um Estado multicultural que pende fortemente para o apoio do
selvagem jogo do capitalismo, tendendo a satisfazer em primeiro lugar os
consumidores diretos do mercado, seria o turismo de fato a melhor opção para
as comunidades receptoras? E como o trabalho do arqueólogo pode pesar
sobre o cotidiano dessas comunidades?
72
Entrevista concedida por Paulo Bava de Camargo via skype. São Paulo/Belo Horizonte. Maio de 2010.
199
Os habitantes da costa estão quase ausentes da literatura arqueológica
subaquática no Brasil e no exterior. A meu ver, isso se deve ao momento em
que se encontra a prática da arqueologia submersa, em especial no Brasil. A
preocupação com os reveses de uma disciplina sobre o público não acadêmico
fica difícil quando os próprios pares ainda tem dificuldade de reconhecê-la
como parte da disciplina. Junto com essa constatação, pude ver que havia uma
extensa bibliografia em arqueologia, turismologia e antropologia sobre o
impacto do turismo nas comunidades receptoras, com alguns casos em
comunidades litorâneas. Assim, o turismo mais uma vez veio a calhar como um
intermediário entre as atividades sociais no espaço litorâneo e submerso.
Apesar da relação indireta estabelecida aqui entre a disciplina arqueológica e
as comunidades receptoras, a proposta deste trecho é que caso a arqueologia
venha se envolver na proposição e gestão de um projeto de turismo
arqueológico é imprescindível que ela devote tempo e atenção ao impacto que
poderá ser exercido sobre as comunidades locais. Um pouco mais além,
transmitir também a sugestão de que os interesses dessas comunidades sejam
considerados em posteriores trabalhos arqueológicos, independentemente do
turismo.
Ao falar do impacto que o turismo pode exercer sobre essas
comunidades locais receptoras, Alexandra Campos Oliveira as define como:
Trata-se sim de localidades cujas populações são ditas tradicionais e que vivem (ou viviam, anteriormente ao processo de desenvolvimento turístico), basicamente, da pesca e da agricultura de subsistência, bem como municípios interioranos que não se inserem tão amplamente, em termos relativos, na economia global. Estes locais (municípios ou regiões de um município) correspondem à grande parte dos destinos "descobertos" pela atividade turística, por suas peculiaridades naturais e culturais preservadas, representando uma alternativa de fuga do cotidiano aos indivíduos dos conglomerados urbanos (que, por sua vez, correspondem em grande medida ao mercado consumidor de turismo) (Oliveira 2005, p. 76).
A antropologia possui muito mais a dizer sobre comunidades tradicionais,
mas acredito que o turismo apresenta um conceito interessante e mais
abrangente para o caso em questão. “Comunidade receptoras” faz referência
200
às populações que vêem o turismo chegar-lhes às portas sem aviso prévio e
ameaça modificar completamente seu estilo de vida.
Preocupada com o que chama de “turismo sustentável”, Doris
Ruschmann aponta para as vantagens e desvantagens que o turismo ecológico
exerce sobre as comunidades receptoras. A Valorização do artesanato, da
herança cultural, do orgulho étnico e a preservação do patrimônio histórico são
contrapontos das possibilidades de descaracterização do artesanato, da
banalização das manifestações, arrogância cultural (transformação do turismo
em show de esquisitices e excentricidades) e destruição do patrimônio histórico
(Ruschmann 1997).
O manual de introdução ao turismo da Organização Mundial do Turismo
(OMT 2001) atenta para a mesma fragilidade do sistema turístico.
(...) ao contrário de outras empresas, o turismo leva os consumidores ao produto e não o produto aos consumidores.
Isso faz do turismo uma indústria particularmente frágil, vulnerável às mudanças do entorno natural, cultural e econômico, assim como a qualquer variação e incidente que aconteça nos limites de uma região. Por exemplo, a poluição de uma praia ou um ato criminal de grande cobertura jornalística podem ter conseqüências devastadoras sobre o próprio local (OMT 2001, p. 243).
O perigo do turismo é seu próprio consumo, capaz de atingir níveis
desmesurados até esgotar a capacidade de fornecimento de seu próprio
produto e da exaustão dos habitantes locais. O impacto do turismo
arqueológico sobre comunidades receptoras tem sido motivo de intenso debate
dentro do turismo, da antropologia e da arqueologia. Alexandra Campos
Oliveira dedica alguns trabalhos ao tema, argumentando com uma série de
problemas gerados a essas populações por conta do turismo excludente. Seu
caso é a vila de Trindade em Paraty/RJ: problemas imobiliários (deslocamento
das populações, que dão lugar a hotéis, resorts e espaços recreativos),
inflacionários (o comércio é impulsionado pelo turismo, mas a população não
201
tem meios para sustentar-se na nova realidade dos preços), ambientais
(esgotos despejados no mar pelos hotéis é apenas um dos exemplos que a
autora cita, e as comunidades, negligenciadas pelos recursos municipais, são
as mais atingidas pela devastação), sócio-econômicos (dependentes da
sazonalidade do turismo, impossibilitados de manter seu modo de vida
tradicional, e de recursos do subemprego, prostituição e tráfico de drogas),
cultural (reproduções baratas de seus ritos e festejos), paisagísticos (o espaço
costeiro transforma-se num litoral paradisíaco artificial que, no entanto, perde
vida, pois perde viventes), renda (mutação do modos vivendi tradicional de
maneira expressa e sem conteúdo funcional, apenas uma necessidade de se
aproximar do conforto e luxo ao qual os turistas tem acesso) (Oliveira 2005).
O consumo turístico não se resume apenas a imagens e paisagens.
Como nos advertiu Doris Ruschmann. O turista dos novos tempos espera
apreciar o contato cultural como parte da experiência lúdica e construtiva, de
seu otium cum dignitate (Corbin 1989). E justamente o consumo do contato
pode gerar graves desconcertos.
A atividade turística está sujeita as inter-relações entre os habitantes locais e os próprios turistas com interação nos dois sentidos. Os turistas podem causar impacto negativo nas culturas que visitam (se vêm em grande número) e, de outro lado, o próprio crescimento turístico pode levar os habitantes do lugar a uma certa recusa das atividades turísticas devido ao incômodo a que vêem submetida sua vida diária (OMT 2001, p. 244).
Em outro texto sobre a Vila de Trindade, Oliveira nos apresenta mais
relatos dos moradores da vila que, desde que percebem a forte presença em
suas praias de turistas estrangeiros vindos de Paraty, passam a tomar frente
na demanda pelo manejo das atividades turísticas em seu espaço. No entanto,
dizem que a prefeitura pouco atende a suas exigências, e toma atitudes que
valorizam sempre a intervenção de empresas de fora na estruturação da Vila
para receber o turista. Como foi o caso do Plano Diretor de Desenvolvimento
Turístico do Município de Paraty, criado por uma empresa de São Paulo a
pedido da prefeitura de Paraty, e que nunca chegou a dialogar com a
população da Vila na implementação do Projeto. Em uma das entrevistas feitas
202
por Alexandra Oliveira a Guadalupe Lopes, presidente da ONG local Caxadaço
Bocaina Mar,
Guadalupe conclui que a Prefeitura, ao invés de oferecer apoio à população, só a prejudica: "[a Prefeitura] quando quer ajudar, só atrapalha. E sempre pega na coisa pior que é o lixo e o esgoto. Não deixa a gente resolver, não dá uma força pra gente conseguir fazer isso". Ainda, Guadalupe conclui: "até onde eles vão querer chegar? Acho que eles vão querer dar mais um tempo para destruir as comunidades, porque quem fica aqui somos nós. A população começa a ficar enfraquecida, doente, começa a vender suas terras e pronto. Há um interesse por parte de Paraty em Trindade, mas não é com a comunidade que está presente (...)” (Oliveira 2004, p. 39).
Nesse contexto, não é de se estranhar que surjam embates entre
moradores das comunidades receptoras e turistas (quando não temos a
interferência do poder público em nome dos turistas), como o caso descrito por
Rosane Prado em Ilha Grande/RJ (Prado 2003). A partir da década de 1970, a
dinâmica turística na ilha aumentou sem precedentes, e, atrelado à queda da
prática artesanal da pesca, empregou a maior parte de seus habitantes. Nesse
momento começam a surgir enfrentamentos entre os moradores e os não
moradores pelo controle do território, visto de maneiras diferentes por cada
uma das partes. Os turistas e empresários do turismo recém chegados na
região, consideram-na como um paraíso a ser preservado e estruturado para a
visitação e exposição dessa grande beleza natural. Assim, sendo Ilha Grande
um enorme domínio natural, lhe restam dois destinos: Conservação ambiental
ou turismo ecológico sustentável, comandados, respectivamente, por técnicos
do meio ambiente e empresários das grandes cidades.
A visão paradisíaca é reforçada hoje pela mídia moderna que vende a ilha como símbolo do natural, do primitivo e do único. Ela se torna cada vez mais o domínio do que é sonhado, idealizado, como o espaço de liberdade, de prazer da aventura para o homem moderno, alienado e pressionado pela sociedade urbano-industrial (Diegues 1998, p. 110-111).
Vemos, nesse caso, que mesmo a apreciação natural pode ser motivo
de conflito, na medida em que essa visão idílica pode extrapolar a realidade
local, exigindo uma negação da “intrusão humana” em prol da construção de
uma imagem de “natureza intocada”.
203
Ou seja, além da desestruturação do modo de vida pelo qual as
populações locais garantiam sua sobrevivência, o turismo pode ter um impacto
enorme sobre as configurações do ambiente em que vivem essas
comunidades, afetando seus referenciais paisagísticos e estratégias de
compreensão do mundo e seus fenômenos.
Se, inicialmente, o espaço desempenhava, para a população local, o papel de "mediador para a vida e as coisas acontecerem (...); de referências geográficas, psicológicas (lúdicas, afetivas), informativas (...) e, sobretudo, de alimento a memória social" (idem, p. 33), pode, a partir do turismo, passar a exercer os papéis de mero receptáculo para o turista e de lucros para alguns (Oliveira 2005, p. 76).
Francisco Gil fala sobre o caso, não submerso, mas que toca no ponto
que aqui desenvolvo, da região de Lípez (Bolívia) em que vemos posta em
ação de um Plano para reorganização do turismo local em favor das
comunidades receptoras. Nesse caso, ele aponta para o irreversível da
ambiguidade que se gerou quanto à significação de seu próprio patrimônio
paisagístico.
O turismo marca um antes e um depois na concepção dos sítios arqueológicos por parte do pensamento local. A partir da perspectiva tradicional (ou melhor, tradicionalista) as ruínas constituíram contornos liminares, localizando as fronteiras espaços-temporais da comunidade e habitados por formas extremas de alteridade selvagem pertencentes ao passado; no entanto, não podemos deixar de observar como hoje em dia os locais mantêm uma atitude ambígua em relação às ruínas e outros vestígios arqueológicos, ao invés de respeito (inclusive, com remanescentes desse terror tradicional) e de dessacralização utilitária em benefício de sua exploração turística (Gil 2009 apud Gnecco 2009, p. 8, nota 5).
Por um lado, acredito que não podemos simplificar as vidas dessas
comunidades num módulo de execução de atividades diárias e compreensão
cósmica estática que perde sua pureza no contato com qualquer vulto da
contemporaneidade. Inclusive, tentei argumentar no capítulo anterior pela
dinamicidade como elemento intrínseco à sociedade, que deve ser considerada
nos momentos de reivindicação de território ancestral. Ou seja, dizer que o
turismo “descaracteriza” remete a uma tentativa única de definir a essência de
204
uma população através de parâmetros que nós atribuímos como típicos e, pior,
estáticos.
Por outro lado, o “impacto” do turismo que se insere nesse trabalho
refere-se, não à “descaracterização”, mas à completa desestruturação dos
modos de sobrevivência e de referências espaço temporais da população, pois
a maneira como o turismo se desenvolveu nos casos citados não foi à maneira
do contato, mas da intrusão simples e bruta. O turismo subaquático pode gerar
os mesmo problemas, pois contribui com o inchaço estrutural das comunidades
receptoras e com a transformação do espaço subaquático e litorâneo na
reprodução do Oasis predileto do(a) mergulhador(a) (Diegues 1998). O
resultado extremo das impressões idílicas que mais atraem no mergulho é a
transformação de um espaço social em espaço paradisíaco individual e egoísta
(a mesma situação fantasiosa que leva ao depredo do patrimônio cultural).
O conceito do Território do Vazio é argumentado por Alain Corbin como
relativo à apreciação litorânea pela população urbana européia desde o final do
século XVIII, até meados do século XIX (Corbin 1989). A intensidade do
processo de urbanização nos preâmbulos da revolução industrial atinge o
íntimo do indivíduo que habita o cerne desse turbilhão de novas experiências.
A intensidade com que vive as novidades é tamanha que chega a comprometer
a sanidade da sensibilidade individual. O spleen73, de acordo com Corbin, é o
cansaço, a supressão das emoções provocada pela explosão de atividades
que circundam a vida urbana. A cura para os excessos da vida privada e
contida da burguesia urbana encontra-se em seu oposto, no território onde não
há nem propriedade nem vida urbana; para curar os males do território
excessivamente civilizado, só o território isento de domínio humano (Corbin
1989). “Esse território do vazio, onde a propriedade é abolida, onde o objeto
readquire sua disponibilidade original, aparece nesse domínio também, como o
lugar de uma legítima colheita” (Corbin 1989, p. 241).
73
Spleen em inglês significa baço, órgão ao qual a medicina atribuía a libração do humor da melancolia.
Por vezes também associado com a alegria em excesso. Podemos assim compreender a referência ao
spleen como momento de tédio a partir do fim do século XVIII, e mesmo como uma alegria exacerbada,
podendo saturar os nervos e levar à uma insensibilidade extrema (Corbin 1989).
205
Podemos ver o stress como a nova modalidade do spleen das
sociedades urbanas na atualidade. O caos, poluição dos carros, o calor do
asfalto e a impessoalidade dos vidros e aços confinam o espírito humano, e o
indivíduo urbano busca desesperadamente um entorno que o livre do cotidiano
mecanizado. Só a ausência da cidade pode curar os males tão profundos
criados por sua presença. Para recuperar as emoções feitas inelásticas pelos
excessos da civilização, apenas a ausência da civilização. Eis que vemos a
natureza, a pureza que conseguiu sobreviver ao avanço da civilidade, a
primordialidade em liberdade.
É desse paradoxo que vem o turista de nossos tempos.
Assim, como a atividade turística e o meio ambiente apresentam um relacionamento paradoxal, que é o uso turístico de um espaço, protegendo-o, também o comportamento do turista de espaços naturais se mostra contrastante. Ele deseja ver uma natureza intocada, mas quer tocar os animais; quer “viver a natureza”, porém com conforto e segurança; quer a natureza “pura”, porém acessível (Ruschmann 1997, p. 147).
É o desejo irrestrito do contato, a curiosidade despertada pelo
desconhecido, o medo suscitado pelo desconhecido, de sentir algo pela
primeira vez depois de meses em clausura. Enfim, a eternidade insaciável da
civilização, sendo a desapropriação de populações tradicionais, especulação
imobiliária de terras caiçara e a pilhagem de sítios submersos alguns exemplos
da faceta mais desagradável dessa sede civilizatória. “‘Viver a natureza’, porém
com conforto e segurança” (RUSCHMANN 1997, p. 147) só pode significar
domesticar a natureza e o espaço, para que ela seja selvagem só enquanto
bela e civilizada só quando tiver já prestado seu encanto.
O exemplo do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses (Maranhão)
apresentado por Álvaro Oliveira D’Antona (2000) trata dessa situação. Aqui
estou entrando pelos meandros que não dizem respeito diretamente à
arqueologia, mas que revelam problemas derivados de uma situação similar à
arqueologia: a “patrimonialização da natureza”. A criação do Parque Nacional
não levou em conta os meios de vida da população das diversas localidades ao
redor e no cerne do que viria a ser o parque. Na mesma direção que venho
206
argumentando, a necessidade de encontrar espaços que permitam a
reconstituição da pretensa “originalidade” da natureza é uma atitude da vida
urbana moderna que se vê desesperada pelos excessos do vidro e concreto.
O modelo de preservação em parques deve ser entendido como uma conseqüência da Modernidade; de um padrão peculiar de degradação e preservação ambiental. O parque é aquele lugar da natureza distante que compensa a aceleração do ritmo de vida pois, nos devidos tempos, as pessoas podem se deslocar fisicamente até ele ou evocá-lo em suas memórias para atenuar a insatisfação da vida urbana (D’Antona 2000, p. 125).
Esse modelo de cercamento territorial tem mostrado inúmeras facetas
negativas, “tais como a expulsão de moradores; reassentamentos inadequados
que tiram das populações os elementos de subsistência material e cultural;
instalação de infra-estrutura para o turismo” (Ghimire 1992 apud D’Antona 2000,
p. 125).
A situação criada por um Parque Nacional mal planejado e mal
estruturado leva ao conflito entre a comunidade local, os órgãos de gestão do
Estado e o turista. Por um lado, a população não se vê representada nem
ouvida pelas instâncias governamentais de gestão do Parque, pois ela é
proibida de fazer coleta de material da reserva. “No ano passado até a madeira
seca, se tivesses a canoa cheia, eles tava pegano. Agora eu quero sabê
porque que eles queria aquela madeira seca. Se ela tava dentro do mangue,
seca...” (interlocutor – informação pessoal apud D’Antona 2000, p. 13174). Por
outro, o próprio IBAMA não tem estrutura suficiente para impedir atuação dos
principais destruidores da reserva, os grandes barcos de pesca de camarão
que vêm de todo país ao litoral maranhense (D’Antona 2000, p. 131, nota12).
Finalmente, a criação do parque força a interação entre turistas e moradores,
sempre em constante descompasso de interesses pela terra.
Na superficialidade do turista (por exemplo), assim como na intensidade do residente, se patenteia a desigualdade de relacionamento com o lugar onde se instala o parque. O turista coleciona imagens, aprecia paisagens, enquanto o morador
74
Transcrição de entrevista concedida a D’Antona por interlocutor (morador da região) não identificado.
207
manifesta profundo apego à terra e um específico conhecimento da natureza (D’Antona 2000, p. 126)
Para lembrar o caso dos pescadores de lagosta colocado por Gilson
Rambelli, a condição imposta pela posse
patrimonial do Estado pode ser motivo de
sérios conflitos com grupos sociais que, em
geral, são excluídos das decisões
democráticas da nação. Como vimos no
capítulo anterior, a inserção dos espaços
dentro de categorias de manejo sociais
impostas pelo Estado correm o risco de ignorar os modos de vida de
populações alheias à vida capitalista e urbana, suplantando-as pelos valores de
mercado e sustentabilidade em nome da “nação”.
O problema é que tais significados construídos localmente chocam-se com os princípios da ideologia desenvolvimentista anunciada pelo Estado. A pluralidade de sentidos atribuídos ao território no local contrasta, portanto, com a concepção uma e homogeneizante de desenvolvimento formulada, na maioria dos casos, em nome de uma entidade englobante representada genericamente pela idéia de nação (Zhouri & Oliveira 2005, p. 55).
Voltamos ao receio dos capítulos anteriores de retomarmos o
colonialismo. Como bem lembrou Gilson Rambelli e os demais entrevistados,
as populações costeiras vivem uma realidade marítima, social e econômica
diferente da nossa, e não podemos simplesmente chegar e dizer “isso agora é
patrimônio, não mergulhem, não mexam”. Há a necessidade de negociação do
espaço, entre o patrimônio e seu uso social. O turismo neste caso é apenas um
dos problemas que vem desestabilizar as comunidades receptoras, mas temos
que atentar para os resultados de nossas posturas durante a realização de
nossas pesquisas, pois vimos alguns casos em que não somos bem vindos.
Acredito que a distinção entre um turismo que permita seu
aproveitamento pelas comunidades locais e um turismo que as transforme em
parte inerte do quintal de veraneio do indivíduo urbano é o poder. Quem tem o
controle do andamento da situação. A intrusão do turismo interfere na
Apesar da preocupação com o uso público do patrimônio submerso preservado, a literatura especializada, internacional e nacional, tem dado pouco espaço para reflexões sobre o impacto do turismo e do trabalho arqueológicos sobre comunidades costeiras.
208
estruturação social das populações, e tira-lhes, assim, o controle sobre suas
atividades (concepção de tempo, técnicas de subsistência, produção de
conhecimento, dinamismo social), o que vai além da simples
“descaracterização”. Os ideais do paraíso perfeito são supervalorizados pelo
mercado, e, se não tomarmos cuidado, sua execução pode arrastar pelo asfalto
qualquer paisagem indigna de sua benevolência.
Alexandra Oliveira atenta para a força com a qual a comunidade de Vila
da Trindade vem buscando retomar a posse das atividades em seu território
através do controle do aparelho turístico que lhe fora imposto. Axel Nielsen,
Justino Calcina e Bernardino Quispe, apresentam o caso de populações
indígenas do Altiplano Sul, região de Lípez, na Bolívia (divisa com Argentina,
Chile – o mesmo citado na argumentação de Francisco Gil). O projeto Lakaya
foi uma tentativa de atender às demandas de valorização de sítios locais feitos
aos arqueólogos pela comunidade local, que sofria com as atividades turísticas
vindas de fora.
O turismo na região desenvolveu-se nas décadas de 1980 e cresceu
muito em 1990, como atividade exterior às comunidades, sendo que até o
momento elas possuíam pouca participação no manejo da atividade. Ele
surgira de maneira
“espontâneo” (ou seja, sem planificação alguma e como resultado de iniciativas privadas isoladas) e “exógeno” (ou seja, não foi escolhido pela população local, que tampouco tem a oportunidade de intervir em seu desenho, desenvolvimento e administração) (Nielsen et alli 2003, p. 372).
Desse modo, o turismo estava atingindo de maneira negativa as
comunidades por criarem desigualdades entre elas, pois apenas as mais
próximas das estradas eram chamadas pelas agências de turismo para
participarem do esquema de alojamento durante a trilha. Quanto ao patrimônio
arqueológico, o turismo o impactava diretamente (depredo por parte dos
turistas) e indiretamente (fomento do mercado de antiguidades por parte da
população local).
209
Percebendo a marginalidade em que se encontravam em relação ao
turismo que acontecia em suas próprias terras, as comunidades locais dirigem-
se aos arqueólogos, “estrangeiros” mais presentes com maior regularidade no
território com suas pesquisas, na demanda pela maior participação no turismo
local, ou melhor, pelo controle das atividades desenvolvidas em seu espaço
(Nielsen et alli 2003).
Durante o desenvolvimento do “Projeto Lakaya”, os autores definem
como duas as estratégias principais de ação: a “auto-gestão” e a
“interculturalidade”. O primeiro pressupõe a participação ativa da comunidade
ou seus líderes “em todas as instâncias de desenvolvimento do trabalho, desde
sua planificação e desenho à investigação e execução das tarefas, criação de
organizações e avaliação de resultados” (Nielsen et alli 2003, p. 374). A
interculturalidade parte do princípio da “busca de um equilíbrio entre as lógicas
culturais da comunidade local, da equipe técnica e de outros agentes que
participem no processo (turistas, agências e turismo, instituições de
financiamento, etc.)” (Nielsen et alli 2003, p. 374).
Os autores apresentam o início do trabalho como muito positivo. Os
sítios arqueológicos a serem estruturados para visitação, os rituais a serem
apresentados aos visitantes, os alojamentos destinados aos turistas, foram
selecionados pela população local. Além disso, o Projeto direcionou esforços
para que a maior parte possível de recursos fosse destinada à população local,
bem como a restrição das áreas em que os turistas podem circular, a
quantidade de pessoas que podem visitar o local por ano, bem como um plano
de controle de resíduos e a tentativa, junto ao Estado, de transformar a área
em um Parque Arqueológico com administração entregue as comunidades
locais (Nielsen et alli 2003).
Além de atender as reivindicações da comunidade de participação no
mercado turístico, visando aproveitar os benefícios de um fluxo humano
existente em sua área, o turismo proporcionou uma revalorização do patrimônio
arqueológico local (embora não possamos esquecer a argumentação de
Francisco Gil - Gil 2009 apud Gnecco 2009) e a construção de uma estrutura
210
de auto-afirmação frente aos estrangeiros visitantes. As festas e ritos a serem
apresentadas aos visitantes não caracterizaram uma simples etapa estética
para ambos, comunidade receptora e grupos visitantes, mas um momento de
vivência conjunta, de encenação social perante o estrangeiro perplexo, atrair os
olhares e a compreensão do outro no reconhecimento de si, uma dramatização
social de reafirmação e reconhecimento.
Enfim, será que o turismo arqueológico serve ou não serve?
5.5. Ao território dos lugares
Finalmente, cabe retornar ao envolvimento da arqueologia nessas
tramas sócio-políticas. Meu propósito nesse item não foi desencorajar a luta
pela identificação e preservação do patrimônio arqueológico. Retorno à postura
que havia tomado no início desse trabalho de acreditar, como estudante de
arqueologia, que a luta pela preservação dos vestígios arqueológicos, emersos
ou submersos, vale a pena.
Em primeiro lugar: posicionar determinado espaço sob a tutela jurídica
do patrimônio cultural e arqueológico é sim um exercício de poder do Estado,
mas é uma medida que torna o espaço público – em seu sentido mais simples
de oposto ao espaço privado/individual (Sennet 1989). A principal lei de manejo
e salvaguarda do patrimônio arqueológico brasileiro, a Lei 3924/61, retira o
patrimônio arqueológico das políticas dedicadas à propriedade privada e
criminaliza seu uso comercial (Funari & Robrahn-González 2008). Ou seja, o
bem cultural passa a ser de propriedade da União, inalienável ao indivíduo
privado e de usufruto coletivo.
O que me leva ao segundo ponto que é “como fazer desse patrimônio
um usufruto coletivo?” Apesar de uma origem patriarcal e hereditária, o
conceito de patrimônio tem sofrido intensas alterações desde o final das
guerras mundiais, e começa a abrir suas acepções às diversidades que
clamam por representatividade perante as fontes oficiais de história e de
memória. As principais cartas internacionais sobre o patrimônio cultural e
arqueológico, a exemplo, apontam como essencial a participação do público –
211
agora com o sentido mais restrito de “grupos sociais quaisquer além do técnico
científico” – na identificação e gestão do patrimônio cultural. O caso mais
específico da legislação brasileira, como vimos, ainda não reforça essa
importância, mas deixa clara a necessidade de que o patrimônio seja
“representativo da história e memória da nação”. Ora, e quem avalia o caráter
nacional e representativo da memória, paisagem, expressão cultural? Nós, os
técnicos sobre o passado e sobre a cultura: historiadores, antropólogos,
arqueólogos, indigenistas, arquitetos, sociólogos... Enfim, os “cientistas
humanos”.
O que me leva ao terceiro ponto sobre a patrimonialização? Nos dois
capítulos anteriores pudemos ver como as políticas de Estado e atuação de
profissionais fortemente atrelados às entidades governamentais têm o poder de
definir quem faz e quem não faz parte do jogo, quem é e quem não é
representado. A arqueologia possui uma articulação fundamental na
transformação desses espaços em patrimônio de uso coletivo. Os últimos 20
anos têm sido de intensos debates, tanto no Brasil quanto no exterior, sobre o
reconhecimento do papel social do arqueólogo e da necessidade de uma ética
profissional que atenda às demandas por uma postura política. A arqueologia
pública é uma das respostas a esses debates, apresentando-se, a meu ver,
como um conceito-chave que abre as portas da disciplinas para questões de
cunho ético e questionadores de sua autoridade e papel social. Vimos como
seu termo expressa diversas tendências de pesquisa, desde a arqueologia no
cinema à arqueologia do conflito armado. Essas diversas tendências são a
justa expressão da potencialidade que nossa disciplina possui para lidar com
conflito, a diferença e sugerir perspectivas diversas sobre o passado.
Quanto ao turismo, acredito que seu principal problema é sua
inevitabilidade. Em especial no caso subaquático. O litoral é um dos principais
atrativos turísticos do nosso país, seja para o brasileiro seja para o estrangeiro.
Ao mesmo tempo, é um espaço que congrega anos de naufrágios e de história
de um pedaço de terra que foi invadido pelo mundo moderno através da
navegação. Além, logicamente, dos milhares de anos em que fora habitado por
diversas populações antes do início da colonização européia. O mergulho
212
recreativo é uma atividade, se não completamente estrangeira,
caracteristicamente urbana e essencialmente de lazer. Ou seja, o vínculo que
esse público estabelece com os vestígios humanos submersos é através de
uma atividade turística. Talvez o investimento em projetos de pesquisa que
envolva alcance desse público específico sejam uma das melhores propostas
para tornar o lazer mais instrutivo. Mais uma vez, volto a dizer que não vejo
descrédito nos projetos de alcance e educação. Acredito que a arqueologia,
como no caso do mergulho recreativo, pode prover o público com abordagens
da realidade e do passado que possam ser-lhes úteis (Zanettini 2009). O
problema advém de quando a arqueologia confunde aprendizado com
imposição.
Quanto às populações tradicionais, acredito que a patrimonialização
pode sim contribuir com a salvaguarda de um ambiente cujo risco de alienar-se
do interesse público e passar a mãos privadas é cada vez mais forte. A
arqueologia subaquática brasileira e internacional tem se preocupado, desde
seu surgimento nos anos 1960, com a efetivação da patrimonialização para o
coletivo, em transformar os vestígios humanos submersos em lugares de
memória e apreciação social, ao invés de jazidas de riquezas a serem
exploradas. No entanto, a literatura especializada parece ter deixado de lado
um outro setor da sociedade, aquele que recebe os mergulhadores e que vive
constantemente nas regiões costeiras. Através de conversas com
pesquisadores do Brasil e exterior, fui informado, muitas vezess de ações e
projetos que envolvem as comunidades costeiras mais próximas aos sítios.
Mas essas experiências não são publicadas e, quando muito, são expressas
em encontros e congressos. Qual seria a razão da não publicação? Descaso?
Receio de não ser um tema acadêmico? A preocupação com o envolvimento
do público não arqueológico é recente no mundo e no Brasil.
Mas apesar das diversas razões que possam ter levado a essa omissão,
acredito que teremos que começar a expandir nossa percepção do outro para
além dos mergulhadores e das empresas de salvatagem. Trata-se, também, de
uma questão de legitimidade de nosso discurso de proteção, mostrar que
existem outros interessados naquele mesmo espaço e que sua destruição pode
213
interromper uma importante fruição comunitária. Acredito que a mudança da
legislação venha a contribuir muito para essa postura, legitimando o patrimônio
civil e coletivo, e a necessidade de sua proteção contra o depredo. Mas cabe à
arqueologia e às demais disciplinas consagradas mestras do conhecimento
humanista fazer desse patrimônio algo mais que casas de barões do café
(Funari & Pelegrini 2006).
Não que a arqueologia possa resolver os problemas da sociedade
moderna, mas me parece sensato atuar na medida do que nos é referência:
pessoas e suas coisas.
6. Conclusão – Das pérolas, só as ostras
Minha proposta com essa pesquisa foi buscar exemplos e maneiras de
conduzir o trabalho arqueológico através da perspectiva da arqueologia pública,
e tentar comparar esses exemplos ao contexto nacional na tentativa de refletir
sobre debates e embates surgidos do choque entre interesses do arqueólogo e
do público leigo. Foi dada especial atenção ao caso da arqueologia
subaquática no Brasil, contexto que de início direcionou a realização deste
trabalho.
Uma das conclusões é sobre o campo normativo da lei. A legislação e as
políticas públicas são as principais maneiras de exercício de poder do Estado
nacional e a principal forma de legitimidade da atuação arqueológica perante à
sociedade. No entanto, isso não significa que elas sejam nosso porto seguro.
Vimos que a seleção, julgamento e gestão das coisas e pessoas públicas é um
papel inerente ao Estado Nacional. E a pressão exercida sobre a sociedade
durante o exercício dessa gestão pode suprimir diversos de seus setores com
os quais o Estado simplesmente não sabe com qual categoria rotular. Ao
mesmo tempo, as brechas na legislação e normas de conduta fornecidas pelas
214
entidades governamentais exigem que o arqueólogo possua uma postura
própria, com respaldo de seus pares e uma ética condizente com seu papel
social. Num país cuja constituição é aclamada como uma das mais
democráticas do mundo e que, ainda assim, é um dos mais desiguais países
do planeta, devemos ter claro que a lei não é tudo.
Ainda preocupado com o caráter normativo do conhecimento
arqueológico, vale lembrar que a arqueologia é filha do colonialismo e do
imperialismo. E o Brasil não é exceção dessa gênese. Ainda hoje, somos
convocados a participar das políticas públicas e da construção da memória
oficial através de trabalhos de consultoria. Esse vínculo com políticas de
Estado não só nos legitima, como legitima a atuação do próprio Estado na
gestão de seus cidadãos: a arqueologia é de fato um setor estratégico (Funari
& Carvalho 2009) na gestão da diversidade social, e não podemos esquecer do
impacto de nossas decisões e discursos. Por essa razão, não podemos mais
abordar o público leigo através de uma “alfabetização cultural”, quando nos
cabe, a meu ver, lutar pela expressão da multivocalidade através do patrimônio
arqueológico.
A abordagem que chamo de “arqueologia pública”, interessada em
contextos de conflito e dissonâncias (Merriman 2004a), tem abraçado essas
reflexões sobre a responsabilidade social da disciplina e sua relação com os
diversos públicos. De maneira ampla, busquei formas pelas quais a
arqueologia poderia se relacionar com os públicos leigos, sempre tendo em
vista a necessidade de abrir-se às demandas sociais e, muitas vezes, negociar
o uso dos espaços antes de se tornarem patrimônio (Silva 2010). Entre os
temas evocados pelo termo “arqueologia pública”, estão o manejo de recursos
culturais (Davis 1972), a arqueologia como cultura popular (Holtorf 2005, 2007),
a arqueologia e a mídia (Pyburn 2008), a democratização do conhecimento
científico (Faulkner 2004), as utilidades públicas da arqueologia (Little 2002), o
empoderamento de grupos subordinados (Shackel 2004), a arqueologia em
meio a conflitos de interesses pelo passado (Merriman 2004) e a arqueologia
comunitária e colaborativa (Marshall 2002). Há muito mais além da
“alfabetização cultural” a ser pensado.
215
O desenvolvimento da arqueologia subaquática no Brasil, seguindo uma
tendência internacional, tem defendido fortemente a reconfiguração da política
nacional em prol da preservação do patrimônio cultural subaquático. Frente à
minha argumentação sobre o “patrimônio” como um conceito jurídico, acredito
que a luta dos profissionais da área rumo à patrimonialização adequada dos
vestígios submersos garante a segurança de usos desse espaço que atendem
a um interesse público muito maior que a apropriação privada desses vestígios
(Funari & Robrahn-González 2008). Cabe, no entanto, o devido cuidado na
construção desse lugar da memória (Nora 1984) específico que é o patrimônio
arqueológico, uma vez que a atual postura “multicultural” do Estado brasileiro
pode abusar desse patamar jurídico para fagocitar setores extraviados das
políticas estatais, ou forçar a imersão desses setores extraviados dentro de
processos estranhos ao seu cotidiano. Talvez o caso mais perigoso na
arqueologia subaquática seja o do crescimento desestruturado do turismo
subaquático. A própria disciplina se vê envolvida nessa empreitada, pois tem
imergido no turismo patrimonial como forma de interagir com um público não-
arqueológico específico, o mergulhador recreativo. A arqueologia como
proposta de inserir-se nas necessidades sociais envolvidas em seu espaço de
interesse de pesquisa não pode eximir-se de certos grupos sociais em favor de
outros. Que seja ela rechaçada por determinado grupo, trata-se de uma
situação. Mas que faça vista grossa às necessidades e interesses alheios me
parece apenas uma recaída colonialista. Defendo, aqui, que há mais que
pérolas nas ostras, e isso implica numa visão mais ampla da paisagem
submersa na qual está inserido o patrimônio. Felizmente, as entrevistas,
simpósios e projetos mais recentes desenvolvidos por profissionais da área
mostram que esse cuidado e preocupação não está ausente da empreitada
cada vez melhor sucedida rumo à preservação efetiva do patrimônio
arqueológico submerso.
Finalmente, penso terminar este trabalho com duas citações. A primeira,
uma importação atrevida de Eduardo Viveiros de Castro sobre o papel que a
antropologia tem assumido desde as políticas do governo militar de
cadastramento e definição de identidades de grupos indígenas (Viveiros de
216
Castro 2006). “Não cabe ao antropólogo definir quem é índio, cabe ao
antropólogo criar condições teóricas e políticas para permitir que as
comunidades interessadas articulem sua indianidade” (Viveiros de Castro 2006,
p. 16). Da mesma maneira, acredito que não cabe ao arqueólogo definir quem
é descendente de indígenas, de quilombolas, de caiçaras, ou dizer qual é a
verdadeira história de algum lugar e qual deve ser a importância que
comunidades locais devam dar ao “sítio arqueológico” recém-criado. Cabe ao
arqueólogo tentar entender, quais as relações que determinado grupo VIVO e
HABITANTE de um espaço estabelece com o entorno material e imaterial. Não
seremos, nem devemos ser, acredito, os estandartes da verdade sobre o rumo
de uma comunidade ou mesmo sobre o rumo de uma nação. Justamente
porque não há verdade única sobre o rumo de uma comunidade ou de uma
nação.
A segunda citação é de Marcia Bezerra de Almeida, defendendo a
perspectiva de Klaus Hilbert (2006) sobre o compromisso social do arqueólogo:
Acusados de contar [descrever] histórias, de contar [quantificar] histórias, de contar [inventar] histórias, contudo, nunca deixaram de contar [transmitir] histórias, o que, segundo Hilbert [2006], constitui o compromisso social do arqueólogo (Bezerra 2009, p. 208).
É aí, nesse caos indelével de narrativas, inerente ao convívio humano,
que está nosso propósito. Cabe-nos a oportunidade de fazer valer, com nosso
aparato e uma nova política, mais vidas do que se costuma pensar.
217
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