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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
EDINALDO GOMES DE SOUSA
EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA PÚBLICA: CONFLITOS,
LIMITES E POSSIBILIDADES
CUIABÁ-MT
2011
ii
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
EDINALDO GOMES DE SOUSA
EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA PÚBLICA: CONFLITOS,
LIMITES E POSSIBILIDADES
CUIABÁ-MT
2011
iii
EDINALDO GOMES DE SOUSA
EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA PÚBLICA: CONFLITOS,
LIMITES E POSSIBILIDADES
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade
Federal de Mato Grosso como requisito para a
obtenção do título de Mestre em Educação na
Área de Concentração Educação, Cultura e
Sociedade, Linha de Pesquisa Movimentos
Sociais, Política e Educação Popular.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Augusto Passos
Cuiabá-MT
2011
S725e
Sousa, Edinaldo Gomes de.
Educação popular na escola pública: conflitos, limites e
possibilidades. / Edinaldo Gomes de Sousa. -- Cuiabá (MT): Instituto de
Educação/IE, 2011.
123 f.; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal de
Mato Grosso. Instituto de Educação. Programa de Pós - Graduação
em Educação. Orientador: Prof. Dr. Luiz Augusto Passos.
Inclui bibliografia.
1. Educação popular. 2. Escola pública. 3. Profissional docente -
Práticas pedagógicas. I. Título.
CDU: 374
iv
DISSERTAÇÃOAPRESENTADA À
COORDENAÇÃODOPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DA
UFMT
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade
Federal de Mato Grosso como requisito para a
obtenção do título de Mestre em Educação na
Área de Concentração Educação, Cultura e
Sociedade, Linha de Pesquisa Movimentos
Sociais, Política e Educação Popular.
Aprovado em 13 de Maio de 2011
Professores Componentes da Banca examinadora
_______________________________________
Prof. Dr. Percival Tavares da Silva
Examinador Externo
___________________________________
Profª. Drª. Suely Dulce Castilho
Examinadora Interna
___________________________________
Prof. Dr. Luiz Augusto Passos
Orientador
____________________________________
Prof. Dr. Edson Caetano
Suplente
v
DEDICATÓRIA
A você Jhéssica, meu anjinho lindo, que mesmo
fisicamente não estando mais conosco, sinto que
esteve sempre ao meu lado.
Aos meus pais pelo exemplo de vida e pelo amor incondicional dedicado a mim e aos
meus irmãos.
Aos meus grandes amores Kelli, minha esposa amada e a Geovana, minha filhinha
querida por proporcionar os melhores momentos da minha vida.
Aos meus queridos irmãos: Corrinha, Lucinha, Naldo, Altaíde, Sandra, Maria, Maicon e
Rick pelo amor que nos une.
Aos meus queridos sobrinhos: Érica, Jhéssica, Vinícius, Carol, Felipe, Beatriz, Júlia e
Bruninha por encher nossos lares de alegrias.
Aos meus cunhados, Inocêncio, Edjarde pela relação de amizade e apoio, especialmente
ao Patrick que durante todo o período da pesquisa foi um grande parceiro com o qual
aprendi muito.
Aos meus grandes amigos Roseval, Irmã Wilma, Frei Roberto, Alessandro, Paulo
Roberto e Edvan, pelos sonhos vividos juntos e pelo acreditar numa sociedade mais
justa e fraterna.
A ti que é mais que um professor, mais que
um orientador. É um grande amigo, um
grande irmão, um grande amor... Tu LUIZ
que é Luz em nossas vidas. Que nos dar a
certeza da tua presença, mesmo estando
ausente. Pois teu amor, em alguns
momentos, a gente não ver, mas a todo
instante a gente sente. Tu AUGUSTO que
dá gosto, dar sabor e alegria encoraja
nossa teimosia em sempre acreditar que só
depende de nós para hoje ser um novo dia.
Tu PASSOS que é nossos passos, nessa
vi
grande imensidão, uma boniteza de
educação, juntos construiremos.
vii
AGRADECIMENTOS
Ao Dr. Ezequiel Borges de Campos, promotor de justiça, a quem não só eu, mas como
toda a minha família, seremos eternamente gratos, Sem a sua generosidade e a
oportunidade dada a mim, nada disso seria possível.
A dona Benedita, minha mãe de coração, por ter me acolhido e me amado como filho.
Aos meus irmãos de coração: Juju, Carmo, Nide, Teté, Joilson, Ailton, Luiz Carlos e
Dilsinho, pela relação de amizade, respeito e carinho.
A professora Raimunda, minha primeira professora, que pacientemente me fez descobrir
as primeiras letras, formar as primeiras palavras e descobrir um mundo novo.
Ao professor Gino e a professora Wilma, fonte de inspiração durante toda a minha
graduação e atuação como educador.
Aos meus amigos de mestrado, especialmente, a querida amiga Neide, pelo
companheirismo, pela ajuda, pelo respeito e pela amizade sincera.
A professora Suely Dulce, educadora amorosa, cujas contribuições foram de
fundamental importância para a minha pesq uisa.
Ao professor Percival Tavares, educador amoroso e justo, um presente de Deus para a
minha pesquisa, cujas contribuições não se limitaram ao olhar acadêmico.
viii
RESUMO
SOUSA, Edinaldo Gomes de. Educação popular na escola pública: conflitos, limites e
possibilidades. Orientador: Prof. Dr. Luiz Augusto Passos. Mato Grosso: UFMT. 2011.
Dissertação.
As escolas públicas, especialmente as que ofertam a educação básica, são freqüentadas na sua maioria
absoluta, por educandos das classes populares, porém, o modelo de educação ofertada pelo estado não
atende seus interesses, seus sonhos e suas perspectivas. Este trabalho aborda os conflitos, os limites e as
possibilidades de uma educação pública que atenda aos interesses das classes populares. Os sujeitos desta
pesquisa são educadores e educandos de uma escola pública de Cuiabá, que oferta e educação de jovens e
adultos. Para um resultado mais próximo possível da realidade, optei pela pesquisa qualitativa, com um
caráter do tipo etnográfico, numa perspectiva crítica-dialética. Como procedimentos metodológicos foram
adotados registros de áudio, questionários, entrevistas pré-elaboradas, filmagens, relatos e observações. A
fundamentação teórica do estudo se deu, sobretudo, nos estudos de educadores como Paulo Freire, Moacir
Gadotti, Carlos Alberto Torres, Carlos Brandão, Celso de Rui Beisiegel, entre outros. Os resultados se
revelam na análise dos dados que, apesar dos conflitos, a realidade atual, exige um novo olhar para uma
educação pública que venha de encontro aos interesses das classes populares. Os resultados anunciam
ainda, as possibilidades de a educação popular ser praticada no âmbito das escolas públicas.
Palavras-chave: Educação Popular, Educador Popular, Autonomia,
ix
ABSTRACT
SOUSA, Edinaldo Gomes de. Educação popular na escola pública: conflitos, limites e
possibilidades. Orientador: Prof. Dr. Luiz Augusto Passos. Mato Grosso: UFMT. 2011.
Dissertação.
The public schools, especially the ones offering basic education, are frequented, mostly, by students from
low social classes. However, the educational model adopted by the stated does not meet their interests,
their dreams and their perspectives. This work is centered in these conflicts, the limits and possibilities of
a public education capable of attend the need of mass classes. The subjects of this research are educators
and students of a Cuiabá’s public school dealing with youth and adults education. For a result as close as
possible of the reality, I choose a qualitative method, with ethnographic, in critical-dialectical perspective.
As methodological proceedings we adopted audio records, questionnaire, pre-elaborated interviews, video
recordings, reports and observations. The theoretical foundations are based, mostly, in the research of
educator like Paulo Freire, Moacir Gadotti, Carlos Alberto Torres, Carlos Brandão, Celso de Rui
Beisiegel among others. The results revealed in the data analysis show that, even with these conflicts, the
actual reality demands a new behavior when dealing with public education, especially to offer mass
classes what they really want. The results still show the possibilities of a popular education committed in
the public schools universe.
Palavras-chave: Popular education, Popular educator, Autonomy,
x
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 12
CAPÍTULO I ................................................................................................................. 18
1. CONTEXTUALIZANDO A PESQUISA ................................................................. 18
1.1 Os percursos metodológicos ................................................................................... 18
1.2 Aporte metodológico ............................................................................................... 20
1.3 Fundamentação teórica ............................................................................................ 24
1.4 Os sujeitos ................................................................................................................ 25
1.4 A escola ................................................................................................................... 28
1.5 Os instrumentos utilizados ....................................................................................... 31
1.6 Objetivos .................................................................................................................. 31
1.6.1 Objetivo geral ....................................................................................................... 31
1.6.2 Objetivos específicos ............................................................................................ 31
CAPÍTULO II ................................................................................................................ 33
2. EDUCAÇÃO POPULAR: HISTÓRIA E PRÁTICA DE UMA EDUCAÇÃO
LIBERTADORA ........................................................................................................... 33
2.1 Educação: Educações .............................................................................................. 33
2.2 Popular ..................................................................................................................... 37
2.3 Educação popular: Contexto histórico ..................................................................... 38
2.4 A Educação Popular Hoje: Um projeto de emancipação ........................................ 41
2.5 Educação Popular na atualidade: desafios, sonhos e perspectivas .......................... 46
2.6 De professor a educador .......................................................................................... 49
2.7 Educador popular: um semeador de sonhos ............................................................ 51
xi
2.8 Educador-educando: uma relação que se confunde ................................................ 57
CAPÍTULO III .............................................................................................................. 60
3 EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA PÚBLICA: UM DIÁLOGO
NECESSÁRIO................................................................................................................ 60
3.1 Educação popular na escola pública: disputar espaço ou cruzar os braços? ........... 62
3.2 Escola pública popular ............................................................................................. 67
CAPÍTULO IV .............................................................................................................. 76
4. AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE EDUCADORES POPULARES NUMA
ESCOLA PÚBLICA DE CUIABÁ ............................................................................... 76
4.1 A fala dos educadores .............................................................................................. 76
4.2 Um olhar sobre as práticas pedagógicas dos educadores ........................................ 85
4.3 Educandos: um reencontro consigo mesmo ............................................................ 96
4.4 Educandos: um sonho adormecido ........................................................................ 100
4.5 Educandos: a escola que queremos ....................................................................... 103
4.6 Educandos: a relação educador-educando ............................................................. 107
4.7 Educandos: os impactos positivos dessa relação em suas vidas ........................... 112
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 115
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 120
12
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa se inscreve na Linha do Mestrado em Educação da Universidade
Federal de Mato Grosso, “Movimentos Sociais, Política e Educação Popular”, vinculada
ao Grupo de Pesquisa em Movimentos Sociais e Educação - GPMSE/UFMT, no qual se
propôs a investigar a atuação de educadores populares numa escola pública de Cuiabá,
que oferta e modalidade EJA (educação de jovens e adultos), discorrer sobre os
conflitos existentes entre esses educadores, a escola, o estado e a comunidade escolar.
Enfatizar os impactos positivos dessas práticas na vida dos educandos fazendo uma
abordagem de como se dá a relação educador-educando na comunidade escolar
pesquisada.
A minha hipótese de trabalho foi que apesar dos limites a educação popular deve
ser dialogada e praticada nas escolas públicas. Para confirmar esta hipótese entrevistei
quatro educadores de uma escola estadual que oferta a modalidade de educação de
jovens e adultos em Cuiabá. O pedagogo S, que atua no primeiro segmento do ensino
fundamental no período matutino, a pedagoga G, que atua no primeiro segmento do
ensino fundamental no período vespertino, a pedagoga M, que atua no segundo
segmento do ensino fundamental do período noturno e a educadora W, que é diretora da
escola. Além de seis educandos do primeiro e segundo segmentos do ensino
fundamental. As informações prestadas pelos sujeitos pesquisados foi parte fundamental
para a conclusão desta pesquisa.
O interesse pela pesquisa surge da minha condição de educador de jovens e
adultos, e mais ainda por me identificar como educador popular, que durante a minha
atuação como educador na escola pesquisada observei ações pedagógicas que se
aproximam da educação popular. Essas práticas independem da negação ou da
imposição do Estado, são pura teimosia de educadores que compreendem a educação
como prática de liberdade.
Minha curiosidade em realizar esta investigação aumenta na medida em que
percebo diálogos e comentários de educandos a respeito de alguns educadores “não é a
toa que o professor S, foi o que mais ganhou presente no dia dos professores, ele é um
professor que gosta da gente”, afirma uma das educandas pesquisada. Diálogos como
13
esse me chamaram atenção, pois de acordo com as falas dos educandos não me parecia
se tratar de um educador “bonzinho”, mas sim de alguém que apesar dos conhecimentos
científicos, concebia seus educandos como sujeitos únicos que precisam ser
compreendidos para poder compreender-se.
Perceber essas práticas “isoladas” como potenciais ferramentas de mobilização
na educação, fortalece o sonho e o desejo daqueles que acreditam que a Educação
Popular possa ocupar seu espaço na escola pública, e que essas práticas são
fundamentais para que tenhamos no âmbito público uma educação que possibilite os
sujeitos saírem da condição de oprimidos.
Para a concretização de uma prática administrativa e pedagógica verdadeiramente
comprometida com a formação humana e sua autonomia é necessário que o processo
ensino-aprendizagem, seja coerente com o seu papel na socialização dos sujeitos,
agregando elementos e valores que os levem à emancipação e à afirmação da sua
identidade cultural, com o exercício de uma cidadania democrática.
Nesse contexto permeado pelas vivências culturais dos educandos nota-se uma
relação muito próxima dos educandos/educadores e educadores/educandos. A
participação no processo educativo; as diferenças de gerações e os debates por eles
produzidos; a presença e participação de educandos com necessidades especiais, física e
auditiva por exemplo. Essa relação de saberes diferentes faz com que o grupo
pesquisado tenha grande participação na produção do conhecimento junto aos demais
educandos, através de suas experiências de vida.
No primeiro capítulo abordo os caminhos metodológicos percorridos,
discorrendo sobre os sonhos e desejos da pesquisa e a relação construída com os
sujeitos. Faço uma apresentação dos autores estudados cujas obras me orientaram na
obtenção de dados científicos que levaram a realização desta pesquisa. Apresento ainda
os sujeitos – educadores e educandos – a participação dos educadores no desenvolver
desta pesquisa com informações me proporcionou fazer uma análise mais criteriosa e
mais próxima possível dos objetivos que busquei no desenvolver desta pesquisa, os
sujeitos educadores que compartilharam comigo suas angústias, seus medos e seus
limites, como também, seus sonhos, suas utopias. Apresento os sujeitos educandos, a
14
partir de sua realidade fazendo um levantamento sobre os aspectos sócio-econômico e
cultural, suas perspectivas e sonhos dentro e fora do contexto escolar.
Ainda no primeiro capítulo apresento a metodologia escolhida e utilizada, isto é,
a pesquisa qualitativa do tipo etnográfica. A opção por essa metodologia deu-se em
função da relação em que ela proporciona entre sujeito pesquisador e sujeitos
pesquisados. Aqui, os sujeitos não podem ser reduzidos a condição de meros objetos e
dessa forma, a pesquisa torna-se um ato de educar, exigindo que a relação entre
pesquisador e sujeitos pesquisados seja uma relação de igualdade em ambientes
diferentes.
Discorro sobre a comunidade escolar pesquisada, fazendo um levantamento do
seu histórico e perfil, sua estrutura física e humana, colhendo informações através do
seu PPP (projeto político pedagógico) e as transformações que a escola vem realizando
a fim de atender às necessidades dos educandos. Ao finalizar este capítulo descrevo
sobre os recursos utilizados para obtenção dos dados bem como, além do processo de
análise dos dados adquiridos.
No segundo capítulo faço uma breve abordagem sobre o conceito de educação
nas suas diversas variáveis. Ressalto que não aprofundarei nesses conceitos, pois meu
interesse é dialogar sobre a educação popular numa perspectiva freiriana. Enquanto a
classe dominante defende uma educação reprodutora de um sistema excludente e
opressora como mecanismo de perpetuar sua forma de vida, as classes populares, por
sua vez, defendem uma educação que promova as liberdades e que possibilite os
sujeitos saírem da condição de oprimidos para sujeitos livres. Nesse breve histórico, me
referencio nos autores que defendem uma educação libertadora.
Para que haja uma compreensão melhor sobre a Educação Popular, além do
conceito de educação, disserto, também, sobre o termo popular, que acredito ser
necessária essa abordagem em função de suas termologias que ao final nos dará um
maior entendimento sobre o objeto pesquisado. Nessa perspectiva, abordo sobre as
definições entre classes dominantes e das classes dominadas. A primeira acredita que o
termo educação popular está associado ao povo e a população do país, sobretudo, que o
termo se relaciona com povão, pobreza e às camadas pobres da sociedade. Já a segunda,
acredita que este termo apresenta duas perspectivas que se confronta, uma exclui, onde
15
os ricos por vontade não se misturam com os pobres, outra inclui, os pobres se
reconhecem como grupo social e se relaciona, como afirma João Bosco Guedes Pinto
(1986).
A descrição que faço sobre educação popular não encerra, nem poderia encerrar
a discussão, ao mesmo tempo em que o termo apresenta algumas definições, apresenta,
maior ainda, indefinições. Os autores pesquisados me possibilitaram chegar a uma
conclusão mais próxima possível da realidade, me permitindo um olhar mais detalhado
sobre a educação popular.
Após as leituras das definições sobre os termos educação e popular, passo a
dialogar sobre a Educação Popular, faço uma leitura histórica, abordando sua política,
suas práticas e seus principais autores. O diálogo que propus fazer é sobre uma
educação popular à luz dos pensamentos e práticas de Paulo Freire.
No terceiro capítulo discorro sobre os conflitos, os limites e as possibilidades de
se fazer educação popular nas escolas públicas. Para tal, recorro a alguns educadores
que nortearão esta pesquisa, como por exemplo, Paulo Freire (1969, 1977, 1979, 1982,
1983, 1996), Moacir Gadotti (2000, 2001, 2002, 2003), Carlos Alberto Torres (2000,
2001, 2002), Celso de Rui Beisiegel (2000, 2001, 2002, 2003), Carlos Rodrigues
Brandão (2000, 2001, 2002), João Francisco de Souza (1998), João Bosco Guedes Pinto
(1986), Ana Maria do Vale (1996).
Nessa discussão, os autores alertam para um aparelhamento que o estado tentará
impor, mas que em face do novo momento vivido onde vários governos populares
assumem o poder e nos outros também, a educação popular pode e deve ser discutida e
praticada no âmbito das escolas públicas. Afinal, são as classes populares que
frequentam as escolas públicas e são com elas e para elas que essa escola deverá dirigir
políticas públicas educacionais que atendam suas necessidades. A escola pública como
se apresenta hoje, reproduz a pedagogia das classes dominantes numa escola
frequentada basicamente pelas classes populares.
Discorro, ainda, sobre a educação popular na atualidade e os desafios, sonhos,
limites e utopias de um pensamento e práticas de uma educação libertadora. Através de
experiências já vividas, como é o caso de Paulo Freire quando esteve à frente da
16
secretaria de educação da cidade de São Paulo, busco apresentar através dos diálogos
construídos com os autores, mas principalmente com os sujeitos pesquisados, a
possibilidade real de uma educação popular na escola pública.
Ao final deste capítulo, faço uma breve leitura sobre a atuação dos educadores
populares nas escolas públicas. Educadores e educadoras que apesar da imposição
positivista de um estado elitista e de uma escola de reprodução, teimam em acreditar
numa educação que liberta e numa escola que compreenda o educando nas suas
necessidades e especificidades.
No quarto capítulo faço uma abordagem sobre as práticas pedagógicas de alguns
educadores numa escola pública que oferta a modalidade EJA. Faço uma abordagem
sobre a relação entre os educadores, educandos, escola e estado. Procuro neste capítulo,
desvelar as práticas da educação popular no interior de uma escola pública, mesmo que
oficialmente não seja reconhecida, e que tem trazido mudanças significativas na vida
dos educandos, conforme depoimentos dos mesmos.
A observação possibilitou uma análise sobre as metodologias utilizadas pelos
educadores. Os procedimentos usados na construção de novos saberes e na reconstrução
dos saberes já existentes. Esse momento foi importante também para investigar os temas
abordados pelos educadores, relacionando o que se discutia em sala de aula com a vida
cotidiana dos educandos.
Além das entrevistas e do fazer pedagógico dos educadores, neste capítulo, trago
também, as narrativas dos educandos, onde os mesmos relatam os motivos por não
frequentar a escola em “idade apropriada”, os motivos que lhes despertaram interesse
em iniciar ou reiniciar seus estudos. Os mesmos relatam ainda, o perfil do educador que
estavam em seu imaginário e o perfil encontrado na sala de aula.
As entrevistas com os educandos ocorreram em vários momentos, na sala de
aula, nos intervalos, ao sair da escola, no trajeto da escola para sua casa e em momentos
comemorativos. Durante as entrevistas fugi em vários momentos da formalidade para
que as informações obtidas fossem a mais próxima possível da realidade vivida pelos
sujeitos pesquisados.
17
A riqueza das informações prestadas pelos educandos se percebe nos seus
depoimentos. Neles resgatam sua história de vida, muitas vezes, sem conter as emoções.
E ali, sujeito pesquisado e sujeito pesquisador, constroem uma relação séria, onde a
emoção, o carinho e a generosidade não impedem de juntos buscarem os objetivos
propostos.
Por fim, nas considerações finais recorro sobre os objetivos propostos, sobre a
Educação Popular buscando relacioná-la com as falas dos sujeitos. Procuro destacar a
importância da Educação Popular como forma de promover a autonomia e a
emancipação dos sujeitos.
18
CAPÍTULO I
1. CONTEXTUALIZANDO A PESQUISA
1.1 Os percursos metodológicos
A tarefa do pesquisador/educador não é a de “fazer a cabeça” do povo,
trazendo do exterior a consciência “lúdica e crítica”, o esquema de análise
“realmente científico” ou a linha “justa e correta” do ponto de vista tático e
estratégico. A pesquisa como itinerário político-pedagógico não deve ser a
oportunidade para o pesquisador fazer seu discurso, impor suas ideias,
conduzir o grupo à posição que ele estima correta. [...] Motivar e
instrumentar grupos populares para que assumam sua experiência
quotidiana de vida e de trabalho como fonte de conhecimento e de ação de
transformação acreditamos ser o objetivo da pesquisa social e da ação
educativa numa perspectiva libertadora. (OLIVEIRA e OLIVEIRA, 1985, p.
33)
A proposta de realizar uma pesquisa em educação, especialmente sobre a
educação popular, é regada de um profundo sentimento amoroso que estimula minha
curiosidade em compreender as práticas educacionais de homens e mulheres que
teimam em acreditar numa educação regada de rebeldia e boniteza como uma
ferramenta de promoção das liberdades e das diferenças. Igualmente, a tantos
educadores e educadoras que no interior das escolas, sobretudo, das escolas públicas
lutam por uma educação que promova a paz, o respeito e a tolerância entre os sujeitos,
estão anonimamente, angustiados, mas esperançosos que a escola pública seja de fato
voltada aos interesses de quem dela participa: as classes populares.
A opção em desenvolver esta pesquisa vem de encontro com aquilo que me
identifico, acredito e defendo que é uma educação pública voltada aos interesses e as
necessidades das classes populares. Uma educação que rompa com todo o tipo de
opressão, crueldade e feiúra, que compreenda o ser humano como sujeitos de direitos,
respeitando-os e os convidando para a transformação da sociedade. Como diz Rubem
Alves: “o educador é um fundador de mundos, é um mediador de sonhos é um pastor de
projetos”.
19
As indagações, as dúvidas e as incertezas (não de não acreditar, mas do caminho
a ser percorrido) foram inúmeras e nos acompanharam por todo o período de realização
deste trabalho. Ora o cansaço, ora a incompreensão, ora a angústia que aperta o peito
pelas cobranças da academia. As pontuações exigidas. As produções. Isso. Aquilo...
Mas o desejo e a paixão pelo trabalho me animaram a continuar o diálogo regado de
entusiasmo pela possibilidade da educação popular ser uma opção coletiva dos
educadores.
Ao finalizar esta pesquisa, quero olhar para trás e perceber que além de
organizar meus pensamentos e práticas críticas, este trabalho possa, também, servir
como ferramenta para que educadores, educandos e sociedade fomentem diálogos sobre
as possibilidades de se praticar a educação popular nas escolas públicas.
Com os educandos busquei conhecer os motivos que os levaram a não frequentar
a escola quando crianças, aproveitando para fazer uma abordagem sobre os espaços
vividos por eles na infância e que posteriormente os têm motivado a buscar a escola. Os
educandos traçam o perfil do professor “ideal” e fazem uma comparação com o
professor que eles encontraram na escola. Abordo, segundo os educandos, que tipo de
educação atenderia suas expectativas, o papel da escola e a relação construída com seus
educadores.
Segundo Oliveira; Oliveira (1985),
O pesquisador deve esforçar-se para ir sendo, pouco a pouco, aceito pelo
grupo. Mas ele precisa ser aceito como realmente é, ou seja, como alguém
que vem de fora, que se dispõe a realizar, com o grupo, um estudo que pode
lhe ser útil, mas que, num determinado momento, irá embora. (OLIVEIRA e
OLIVEIRA,1985, p. 27).
Após os primeiros contatos, como pesquisador, percebo que as práticas
pedagógicas dos educadores pesquisados estão muito próximas das práticas da educação
popular. Os educadores rompem com uma metodologia mecanicista e assumem uma
posição problematizadora reconhecendo seus educandos como sujeitos históricos. Com
os educandos a surpresa não foi diferente, pois os mesmos buscavam encontrar uma
escola acolhedora, uma educação que os fizesse sentirem-se felizes e professores que
pudessem entendê-los nas suas especificidades e que essa relação de amizade e respeito
pudesse ultrapassar os muros escolares.
20
Apesar de alguns questionamentos pré-definidos. As entrevistas se dão em
momentos diferentes, na sala de aula, nos intervalos, nas atividades extraclasses, nos
momentos de lazer e também no ambiente familiar. Eles falavam, queriam ser ouvidos,
davam opinião com propriedade de quem carregava consigo uma infinidade de saberes.
Com o passar do tempo, eu me via ali, rodeado de especialistas na arte da
sobrevivência. A cada entrevista percebia que aqueles sujeitos que mal escrevia o nome,
eram verdadeiros mestres da esperança, da teimosia e da fé. Cada etapa percorrida
percebia que esses doutores já tinham escrito e defendido uma tese: sua própria história.
1.2 Aporte Metodológico
O desenvolvimento desta pesquisa se deu através da pesquisa qualitativa do tipo
etnográfica pela relação que se dá entre sujeito pesquisador e sujeitos pesquisados, para
compreender melhor a pesquisa qualitativa, recorri entre outros autores, a Zago,
Carvalho e Vilela (2003), Ludke e André (1986), Bogdan e Biklen (1994), Fazenda
(1991), objetivava assim, maior proximidade possível com a realidade dos sujeitos
pesquisados.
A investigação qualitativa é uma ferramenta que tem auxiliado pesquisadores,
sobretudo, em educação, a se aproximarem ao máximo das experiências e da realidade
social em que se encontram os sujeitos pesquisados. Compreendendo-os como sujeitos
históricos inseridos num meio social.
Segundo Ludke e André (1986),
A pesquisa qualitativa procura dar respostas aos aspectos da realidade que
não podem ser quantificados. Trabalha com o universo de significados,
motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes. (LUDKE e ANDRÉ, 1986,
p. 20).
Para as autoras, ao iniciar uma pesquisa qualitativa, o pesquisador deverá ficar
atento ao surgimento de novos elementos que poderão exigir a compreensão de novos
olhares sobre os rumos da pesquisa. Para compreender melhor, nessa perspectiva, os
autores alertam que, “[...] Então a realidade pode ser vista sob diferentes perspectivas,
não havendo uma única que seja a mais verdadeira” (LUDKE E ANDRÉ, 1986, p. 20).
21
As mesmas autoras, ainda afirmam que “a pesquisa qualitativa tem o ambiente
natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal
instrumento”. (LUDKE E ANDRÉ, 1986, p. 19).
A pesquisa qualitativa busca a maior proximidade possível dos objetos e dos
sujeitos pesquisados com o intuito de compreender melhor os problemas pesquisados.
Esse tipo de metodologia exige do pesquisador que não se limite a descrições dos
objetos e dos sujeitos observados, mas que a participação dos sujeitos como
protagonistas através de suas concepções de mundo, sejam igualmente valorizados.
Nessa perspectiva recorri também, a Ivani Fazenda (1991), que dialogando sobre
a formação do pesquisador afirma que,
A formação do pesquisador, desde cedo, precisaria desenvolver o compromisso
por ir além – além do que os livros já falam, além das possibilidades que lhes
são oferecidas, além dos problemas mais conhecidos. (FAZENDA, p. 1991, p.
19).
A autora deixa claro que o pesquisador não deverá se limitar às regras impostas,
pré-estabelecidas. O pesquisador deverá sempre está carregado de curiosidades, olhar
além do que os olhos vêem ter a sensibilidade para perceber que em muitos casos, as
ferramentas e os meios oferecidos por si só não são suficientes para a obtenção
necessária do resultado que mais se aproxime da realidade do meio pesquisado.
Ao abordar o processo de dados qualitativos, Fazenda (1991), diz que o mesmo é
extremamente complexo, envolvendo procedimentos e decisões que não se limitam a
um conjunto de regras a serem seguidas. (FAZENDA, 1991, p. 44). Nesse sentido a
autora afirma que na verdade o que há são sugestões, não regras meramente impostas,
que tire do pesquisador essa autonomia sobre os dados a serem analisados e que tais
sugestões servem como possíveis caminhos para que o pesquisador seja auxiliado no
proceder das suas análises.
Uma das características da pesquisa qualitativa, para Zago; Carvalho; Vilela
(2003) “[...] é permitir a construção da problemática de estudo durante o seu
desenvolvimento e nas suas diferentes etapas [...]” (p. 295). Ao fazer essa afirmação, os
autores, questionam as entrevistas cujas estruturas não permitem que as questões não
sofram alterações mesmo que a situação exija. Para isso, os autores defendem as
22
entrevistas compreensivas que de acordo com o direcionamento que se quer dar à
investigação, não haveria prejuízo, pelo contrário, em fazer alterações para obter o
resultado esperado.
Ao concluírem seus entendimentos sobre as entrevistas Ludke e Andre (1986)
defendem que,
[...] A entrevista expressa realidades, sentimentos e cumplicidades que um
instrumento com respostas estandardizadas poderia ocultar, evidenciando a
infundada neutralidade científica daquele que pesquisa. (LUDKE e ANDRÉ,
1986, p. 20).
Diante dessas afirmações, fico mais tranquilo com relação ao desenvolvimento
e à forma com a qual apliquei as entrevistas, pois em vários momentos, tive que
“abandonar” aquilo que tinha planejado e iniciar um diálogo conforme o momento
exigia. Com isso, acredito ter me aproximado mais da realidade dos sujeitos buscando
compreender seu cotidiano.
Ao me deparar com os dados obtidos o pesquisador qualitativo precisa se despir
dos seus conceitos e pré conceitos e fazer uma análise mais densa, mais detalhada, a fim
de que sua função não se limite a dar opiniões sobre determinado assunto, mas sim, em
conjunto com os sujeitos possa construir e promover novos conhecimentos.
Não se pode negar, porém, que ao iniciar uma investigação sobre determinado
assunto, objeto ou grupo, o pesquisador não começa do nada. Ele já possui uma
estratégia para obter os resultados esperados. O que quero dizer, é que essa estratégia
não poderá ser imexível. Que deverá terminar como iniciou, que não tenha abertura para
as mudanças que a relação exija. Que o pesquisador não deverá se pautar em hipóteses e
suposições. Quem determinará a necessidade dessa mobilidade será a relação construída
no decorrer do próprio estudo.
Com isso, não quero, nem poderia, negar que os pesquisadores, possuem um
plano de trabalho baseado em hipóteses pré- estabelecidas sobre os objetos e os sujeitos
pesquisados. Nem tampouco, quero negar a existência de um plano, até porque essas
hipóteses servirão de parâmetros para iniciar sua pesquisa. Ou seja, ao optar pela
pesquisa qualitativa, o pesquisador deverá ter a clareza de que este tipo de investigação
23
exige um plano flexível que possa incorporar novos elementos e novos olhares de
acordo com as necessidades apresentadas.
Nessa perspectiva as interações entre sujeito que pesquisa com os sujeitos
pesquisados se dá através de uma relação horizontal. Ambos são diferentes porque vêm
de lugares sociais diferentes. Possuem saberes distinto e viveram experiências
desiguais, porém, isso não significa que o sujeito pesquisador seja superior ao sujeito
pesquisado. Assim como o primeiro ensina e aprende com aquele que está na condição
de pesquisado, este também aprende com aquele que está na condição de pesquisador.
A opção pelo tipo etnográfico se dá em função da relação construída com os
sujeitos, onde não se impôs uma técnica nem um padrão determinado a ser seguido, mas
sim, foi se construindo e se de desenvolvendo a pesquisa a partir dos elementos
dialogados no contexto social em que os sujeitos estavam inseridos.
Segundo André (1995), um trabalho só pode ser caracterizado como do tipo
etnográfico em educação quando,
[...] Em primeiro lugar ele faz uso das técnicas que tradicionalmente são
associadas à etnografia, ou seja, a observação participante, a entrevista
intensiva e a análise de documentos. (ANDRÉ, 1995, p. 28)
Para uma compreensão melhor de cada uma dessas técnicas, André (1995), faz
uma abordagem sobre cada uma,
A observação é chamada de participante porque parte do princípio de que o
pesquisador tem sempre um grau de interação com a situação estudada,
afetando-a e sendo por ela afetada. A entrevista tem a finalidade de aprofundar
as questões e esclarecer os problemas estudos. Os documentos são usados no
sentido de contextualizar o fenômeno, explicitar suas vinculações mais
profundas e completar as informações coletadas através de outras fontes.
(ANDRÉ, 1995, p.28)
Nesse sentido, o pesquisador não se prenderá a padrões rígidos anteriormente
estabelecidos, mas deverá ter a sensibilidade que aquilo que ele propôs, poderá ser
modificada, sempre que a realidade do contexto pesquisado exigir, a fim de atingir
resultados mais próximos da realidade pesquisada.
A relação de interação entre sujeitos pesquisados e pesquisador e o próprio
objeto estudado é anterior ao início dos trabalhos de pesquisa, como continuará após o
término dos trabalhos concluídos. As entrevistas foram fontes importantes para o
24
aprofundamento e, sobretudo, chegar a um resultado que de fato correspondesse a
realidade dos sujeitos e do objetivo pesquisados.
Segundo André (1995), uma das características da pesquisa do tipo etnográfica é
a pesquisa de campo, onde o pesquisador mantendo um contato direto com os sujeitos e
os objetos pesquisados, não tem a pretensão de modificar o ambiente, mas sim, que as
pessoas, os eventos e as situações sejam observados em sua manifestação natural.
De acordo com Geertz, (1989), a pesquisa etnográfica não deve e nem pode ser
reduzida a um simples mapeamento, estabelecer relações, nem tampouco somente
transcrever textos, caso isso ocorra a mesma deixa de ser etnográfica. Deverá o
etnógrafo fazer uma abordagem crítica procurando identificar as relações sociais em que
os sujeitos se inserem.
Nestes procedimentos de coletas de dados do pesquisador, os sujeitos
pesquisados não podem ser reduzidos à condição de meros objetos. Mais do que um
processo vertical de obtenção de informação, a relação do sujeito pesquisador com o
sujeito pesquisado se torna um ato educativo.
Segundo Freire, “[...] a pesquisa como ato de conhecimento, tem como sujeitos
cognoscentes, de um lado, os pesquisadores; de outro os grupos populares e, como
objeto a ser desvelada, a realidade concreta”. (FREIRE, 1983, p. 36)
[...] Deste modo, fazendo pesquisa, educo e estou me educando com os grupos
populares. Voltando à área para por em prática os resultados da pesquisa não
estou somente educando ou sendo educado: estou pesquisando outra vez.
(FREIRE, 1983, p. 36).
Para Freire, o que ocorre, é que muitos pesquisadores ao concluírem seus
trabalhos não retornam aos sujeitos e ao objeto pesquisados para debater os resultados e
pô-los em prática. No entanto, esse processo de dialogar os resultados da pesquisa com
os sujeitos que fizeram parte dela é um processo educativo, onde os sujeitos ao se
educarem em comunhão estão construindo uma nova pesquisa.
As entrevistas foram realizadas com educadores e educandos da comunidade
escolar CEJA professor Antônio Cesário de Figueiredo Neto, dos períodos matutino,
vespertino e noturno. Após a coleta de dados, através dos referenciais aqui
apresentados, foi possível compreender as práticas pedagógicas aplicadas por esses
25
educadores na referida comunidade escolar, dialogando sobre os impactos positivos na
vida dos educandos e educadores dessa comunidade.
1.3 Fundamentação Teórica
No processo de construção do conhecimento nos contextos da educação formal,
a pedagogia libertadora reafirma a necessidade de participação, problematização. Em
relação à concepção epistemológica freireana afirma Zitkoski (2003, p.118), que: “[...] o
conhecimento é construção coletiva mediada dialogicamente, que deve articular
dialeticamente a experiência de vida prática com a sistematização rigorosa e crítica”.
Segundo Gadotti (1979), a educação de jovens e adultos deve ser sempre uma
educação multicultural, desenvolvendo conhecimentos prévios e fazendo sempre a
integração na diversidade cultural, a qual leva o educador a conhecer bem o seu campo
de trabalho, pois assim terá o conhecimento necessário para desenvolver projetos
relacionados à educação com qualidade.
A epistemologia freireana é revolucionária constituindo-se na unidade dialética
entre ação-reflexão-ação (práxis), que requer testemunho da ação (coerência). O sentido
revolucionário de conscientização constitui-se em processo educativo e epistemológico
na libertação do ser humano das amarras que o oprimem e da visão ingênua do mundo
que o cerca. Consiste no desenvolvimento crítico da tomada de consciência. O
desenvolvimento da consciência crítica se dá pela educação problematizadora-
libertadora, num processo dialético-dialógico da busca permanente de reelaboração do
conhecimento e da transformação ético-política da realidade histórico cultural.
Assim buscamos compreender como a metodologia do CEJA professor Antônio
Cesário de Figueiredo Neto, numa perspectiva freireana, tem contribuído positivamente
na produção e promoção da autonomia dos educandos, ultrapassando os limites físicos
da escola e tendo um impacto na vida social, familiar a profissional dos seus educando.
1.4 Os Sujeitos
Os sujeitos desta pesquisa foram educadores e educandos do Centro Educacional
de Jovens e Adultos professor Antônio Cesário de Figueiredo Neto. Os educadores
26
foram: um pedagogo do primeiro segmento do ensino fundamental do período matutino,
uma pedagoga do primeiro segmento do ensino fundamental do período vespertino, uma
pedagoga do segundo segmento do ensino fundamental do período noturno, além de
uma educadora que está como diretora da escola. A opção por estes educadores se deu
em função das informações colhidas anteriormente sobre a ação pedagógica
desenvolvida por eles e a aprovação dos educandos em relação ao processo de ensino-
aprendizagem desenvolvida por seus educadores. Não poderia, deixar de apresentar um
breve currículo dos educadores que contribuíram com a pesquisa:
Educadora G, 42 anos, pedagoga, casada, mãe de dois filhos, professora interina,
especialista em educação de jovens e adultos. Com 12 anos de idade teve as primeiras
experiências como educadora, alfabetizando outras crianças e adultos da sua
comunidade. Sempre foi envolvida com projetos educativos. Atualmente trabalha com o
ensino médio no período matutino.
Educador S, 43 anos, pedagogo, solteiro, professor interino, especialista em
educação de jovens e adultos, oriundo de família circense, sua família era proprietária
de um circo, onde ele exercia a função de malabarista. Durante sua infância e
adolescência mudava constantemente de escola. Teve suas primeiras experiências como
educador no circo, onde quem aprendia um pouco ensinava os demais. Defensor dos
direitos humanos, suas principais fontes de pesquisas são autores que abordam uma
educação sob os pensamentos de Paulo Freire. Atualmente trabalha com o primeiro
segmento do ensino fundamental no período matutino.
Educadora M, 60 anos, pedagoga, professora efetiva, militante política de esquerda,
participou de movimentos contra a ditadura. Sua formação em educação popular se deu
por iniciativa própria, pesquisando e estudando autores da educação popular.
Desenvolve projetos de valorização das pessoas na escola estadual pesquisada.
Educadora W, 48 anos, geógrafa, professora efetiva, mestre em geografia,
doutoranda em educação, foi aluna da escola que hoje é diretora. Militante estudantil
(UBES) e militante política. Oriunda da escola pública, participou na construção do
Grêmio estudantil da Escola Cesário Neto, diretora do Centro Acadêmico de Geografia
da UFMT. Participou da Pró-Constituinte Universitária. Foi diretora do Sintep-MT.
Participou de lutas pela implantação da hora atividade aos professores e pela Gestão
27
Democrática nas escolas. Esteve em São Paulo, na elaboração do MOVA, onde
participou de vários módulos com Paulo Freire. Está há 29 anos na rede pública de
ensino.
Foram, ainda, sujeitos desta pesquisa: dois educandos do primeiro segmento do
ensino fundamental do período matutino, dois educandos do primeiro segmento do
ensino fundamental do período vespertino e dois educandos do segundo segmento do
ensino fundamental do período noturno. Apresento, também, um breve currículo dos
educandos:
Educanda “A”, 50 anos, aposentada (acidente de trabalho), quando criança foi
entregue a uma família que supostamente iria “educá-la”, desde os cinco anos de idade
servia de doméstica para essa família, nunca teve oportunidade de estudar, foi
abandonada na adolescência tendo que sobreviver às duras penas, trabalhou como bóia-
fria, lavadeira, doméstica e operária, com 25 anos de idade sofreu um acidente de
trabalho e teve as duas mãos amputadas, hoje é aposentada, mas continua fazendo
‘bicos’ para aumentar a renda. Começou a estudar em 2008. Estuda no primeiro
segmento do ensino fundamental no período matutino.
Educanda “M”, 41 anos, doméstica, sempre quis estudar, mas foi ‘obrigada’ a
trabalhar desde criança, o pai não permitia que estudasse, pois para este mulher não
precisava estudar. Casada, mãe de três filhos, foram eles que a incentivaram a estudar.
Casou-se muito jovem e o marido não a permitia estudar, tinha que cuidar dos filhos.
Trabalha de doméstica. Começou estudar em 2009, está no primeiro segmento do
ensino fundamental do período matutino.
Educando “L”, 36 anos, cabeleireiro, casado, nasceu no sítio, sua família trabalhava
nas fazendas, desde a sua adolescência, sempre trabalhou próximo de 14 horas por dia.
Cabeleireiro profissional, já viajou à Europa (Inglaterra, Holanda e Portugal) para
aperfeiçoamento profissional. Em função de não saber ler e escrever começa a aparecer
dificuldades no trabalho, busca a escola como meio de lhe garantir melhor condições de
trabalho. Ao iniciar seus estudos descobre um novo mundo. Estuda no segundo
segmento do ensino fundamental no período noturno.
28
Educanda “C”, 60 anos, doméstica, mora com filhos, nascida na roça, desde criança
assume os afazeres domésticos e depois começa ajudar os pais na roça. Nunca pode
estudar. O pai tinha problemas com alcoolismo e não permitia os filhos estudarem.
Quando chega a fase adulta vem para a cidade e logo se casa e tem filhos. Em 2007, seu
filho mais velho, formado em medicina vai ao Rio de Janeiro para residência médica e é
assassinado, meses depois, sua filha caçula é assassinada dentro de casa. Dona “C” entra
em depressão. Em 2009, busca a escola como refúgio. Não parou mais de estudar.
Educando “P”, 38 anos, padeiro, iniciou seus estudos aos 37 anos de idade, quando
criança sempre morou na roça, teve que trabalhar desde os seis anos de idade.
Trabalhando sempre como braçal, há três anos começou a trabalhar com padaria. Pai de
cinco filhos, hoje estuda para, segundo ele, “melhorar de vida”.
Educando “I”, 61 anos, microempresário, proprietário de um salão de beleza onde
trabalha ele e a esposa, pai de três filhos. Nasceu no sertão nordestino, o pai trabalhava
como vaqueiro, a escola era muito longe. Com 21 anos de idade saiu da casa dos pais.
Trabalhou em todas as regiões do Brasil com terraplanagem. Ao chegar em Cuiabá
começa a trabalhar como feirante, um amigo o convida a ser corretor de imóveis, vindo
a aprender a assinar o nome. Apesar de ser analfabeto conseguiu o registro no CRECI,
trabalhou como policial civil e foi chefe de um posto do juizado da infância durante
dezesseis anos. Começou a estudar em 2008. Já sabe ler e escrever, hoje se sente mais
feliz e mais confiante em assumir compromissos em função de não ser mais analfabeto.
Ao iniciar esta pesquisa fui apresentado às turmas nas quais iria fazer minhas
observações e entrevistas, fiquei por alguns minutos explicando sobre o trabalho e
respondendo algumas perguntas que as turmas me fizeram. Inicialmente nossos diálogos
se deram de forma mais informal possível sem questionários nem gravadores, durante
os intervalos das aulas, na hora do lanche, na chegada, na saída e fora da escola. Após a
construção dessa relação, os sujeitos optaram por assumir suas identidades, usando o
primeiro nome e excluindo nomes fictícios ou abreviações.
1.5 A escola
O Centro de Educação de Jovens e Adultos (CEJA) professor Antônio Cesário
de Figueiredo Neto encontra-se localizado na região central de Cuiabá, no bairro
29
Bandeirante, na Rua Francisco de Siqueira, s/n. Tal localização facilita o ingresso de
educandos de diversos bairros de Cuiabá e Várzea Grande, pois parte dos educandos
trabalham na região central de Cuiabá, após os términos diários de suas atividades
profissionais a referida escola recebe essa demanda de trabalhadores e trabalhadoras que
buscam concluir seus estudos. Até o ano de 2008 ofertava o ensino médio regular,
passando a ofertar a modalidade de Educação de Jovens e Adultos no segundo semestre
de 2008.
Outro fator que contribui também são as linhas de ônibus que passam próximo à
Escola. De qualquer bairro de Cuiabá e Várzea Grande existem linhas de transportes
coletivos que facilitam o acesso dos educandos ao Centro de Educação de Jovens e
Adultos “professor Cesário Neto”.
A Escola conta hoje com aproximadamente três mil educandos nos três períodos,
tendo uma rotatividade intensa de educandos em virtude de parte de serem trabalhadores
e trabalhadoras assalariadas acabam migrando ou trabalhando num período que o
impeça de continuar frequentando a sala de aula.
A referida escola é uma referência na modalidade de Educação de Jovens e
Adultos em Mato Grosso, com uma estrutura física que atende a demanda, está
estruturado com 26 salas de aulas climatizadas, um auditório com capacidade para 200
pessoas, uma sala de multmeio com computadores, datas-show, telões, notebooks e
aparelhagens de som. A escola, ainda conta com laboratórios de informática,
matemática, biologia e de artes, sendo que mais três laboratórios estão em construção a
fim de atender todas as áreas de conhecimento. Além do mais, conta com um amplo
espaço para atividades culturais localizada na parte central da escola, o refeitório conta
com mesas coletivas e cadeiras coletivas, seus espaços internos são decorados com
jardins, preparados pela própria comunidade escolar.
Encontramos no Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola sobre seu conceito
de educando,
[...] dentro do novo enfoque o aluno passa de um mero receptor de
informações para construtor do conhecimento. Em outras palavras, o
conhecimento se constitui nas relações que cada sujeito estabelece, frente a
uma interpretação que o professor faz de um saber construído e aceito
socialmente. Assim, o processo de aprendizagem é de dentro para fora, isto é,
o próprio aluno que, a partir de sua experiência de vida, do universo
30
simbólico já construído socialmente e reconstruído individualmente, fará uma
interpretação, do “saber oficial”, interpretação essa que deverá ser
compartilhada com outros membros da sociedade.
O CEJA prof. Cesário Neto atende educandos e educandas de perfis bem
diversificados, sobretudo, no aspecto sócio-econômico e cultural. Parte significativa dos
educandos são jovens e adultos trabalhadores que não tiveram acesso à escolarização
em “idade apropriada” e que hoje, por exigência do mercado de trabalho, buscam a
escola como meio de se inserirem no mercado de trabalho. Mas existem aqueles que
buscam a escola para reparar uma falha acontecida quando criança, a exclusão do direito
de estudar. Para esses como para os demais, a referida escola torna-se um ambiente
onde os mesmos encontram apoio para a produção do seu conhecimento.
Segundo o Projeto Político Pedagógico da Escola, destacam-se alguns dados
sobre os educandos:
Para 59% dos educandos a renda familiar não ultrapassa 02 (dois) salários
mínimos. Percebe-se a associação da baixa escolaridade com a falta de oportunidade de
frequência na escola. A maioria dos educandos iniciou sua vida laboral muito cedo,
afastando com isso, dificultando assim, frequentar a sala de aula.
A pesquisa verificou ainda que 65% dos pais são analfabetos, lêem muito pouco,
nunca foram à escola ou não completaram o ensino fundamental. Enquanto que de outro
lado, 15% dos pais completaram o ensino fundamental e médio e 10% concluíram o
ensino superior.
O CEJA professor Cesário Neto, constou que a sua demanda 70% são educandas
e 30% são educandos que vem de 60 (sessenta) bairros de Cuiabá e Várzea Grande. As
idades dos educandos variam dos 14 (catorze) aos 80 (oitenta) anos de idade.
A população atendida pelo CEJA professor Cesário Neto são, na sua maioria,
sujeitos que foram excluídos do direito de estudar quando eram crianças, pois os
mesmos tinham que trabalhar desde muito cedo para ajudar no sustento da família. Não
quero dizer aqui, que todos passaram por esse problema, mas que ao analisar os
documentos e as entrevistas apresentadas percebei que pelo menos no grupo acima dos
19 anos de idade a necessidade de trabalhar sempre foi um entrave para seu egresso na
escola.
31
De acordo com o PPP da Escola, o público frequentador do CEJA constitui-se
em sua maioria por jovens e adultos de baixo poder aquisitivo. Seus comportamentos,
seja nos limites internos da escola ou fora dela são bem variados. Há um grupo que se
destaca pelo interesse demonstrado nos assuntos dialogados na sala de aula, assim como
aqueles que não demonstram nenhum interesse pelo que está sendo discutido. Para o
referido documento, o maior desinteresse está relacionado ao grupo cujos componentes
estão com idade abaixo dos 21 anos de idade.
Os educandos do Centro de Educação de Jovens e adultos professor Antônio
Cesário de Figueiredo Neto são na sua maioria trabalhadores formais e informais. Cuja
localização central da escola contribui para a imensa procura dos educandos tornando-se
uma referência no atendimento a jovens e adultos. Os educandos do CEJA Cesário
Neto, ainda são muitos diversificados em idade, grupos sociais, culturais, portadores de
necessidades especiais e opção sexual. Muitos moradores da periferia de Cuiabá e
Várzea Grande. Seus interesses pelo estudo são diversos, desde saber pegar um ônibus,
e contar uma historinha para o neto dormir até chegar a uma universidade.
1.6 Instrumentos utilizados
Os recursos utilizados para a realização das entrevistas foram em dado momento
aparelho eletrônico, como gravador de voz, já que a maioria dos sujeitos ainda terem
dificuldades na escrita.
Para Pádua,
A questão dos procedimentos é uma questão instrumental, portanto se refere
à prática do pesquisar como um conjunto de técnicas que permitem o
desenvolvimento desta atividade nos diferentes momentos do seu processo.
(PÁDUA, 1997, p. 30)
Além das entrevistas, as observações não se limitaram à sala de aula ou ao
ambiente escolar. Essas observações aproximam o pesquisador das ações cotidianas dos
sujeitos fazendo com que os resultados estejam o mais próximo da realidade do sujeito
pesquisado. Após transcrever os diálogos entre pesquisador e sujeito pesquisado as
respostas foram apresentadas aos mesmos para que confirmassem as informações
contidas nos cadernos de perguntas assim pudessem ser enfim, passadas à dissertação.
1.7- Objetivos
32
1.7.1 Objetivo geral
Compreender os limites, os conflitos e as possibilidades das práticas
pedagógicas de educadores populares numa escola pública de Cuiabá. Abordando as
relações entre educadores e educação popular com a comunidade escolar e o poder
público.
1.7.2 Objetivos específicos
Identificar a metodologia utilizada pelos educadores em sala de aula;
Analisar como se dá as relações entre educadores e educandos, educadore
e escola, educadores e poder público;
Identificar os impactos das práticas educativas dos educadores na vida
dos educandos;
Perceber as possibilidades da implantação da educação popular nas
escolas públicas.
33
CAPÍTULO II
2. EDUCAÇÃO POPULAR: HISTÓRIA E PRÁTICA DE UMA EDUCAÇÃO
LIBERTADORA
2.1 Educação: educações
A educação não pode tudo, alguma coisa fundamental a
educação pode. Se a educação não é a chave das
transformações sociais, não é também reprodutora da
ideologia dominante. O que quero dizer é que a educação nem
é uma força imbatível a serviço da transformação da
sociedade, porque assim eu queira, nem tampouco é a
perpetuação do “statu quo” porque o dominante o decrete.
(PAULO FREIRE)
Ao fazer uma abordagem sobre educação minha pretensão não é trazer uma
infinidade de definições, mas buscar nos autores que compreendem a educação como
uma ferramenta de libertação e um mecanismo de transformação social, uma definição
que atenda às necessidades das classes populares, pois a educação positivista,
reprodutora, elitista e excludente seus defensores o fazem a todo o instantes nos
diversos espaços, principalmente, nos públicos e estatais.
Começo este capítulo, como todos os demais, iniciando com Paulo Freire, que
acredita que, “A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode
temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de
ser uma farsa”. (FREIRE, 1996, p.110).
34
Freire (1996), compreende a educação como uma ferramenta de intervenção nas
estruturas sociais postas,
Quando falo em educação como intervenção me refiro à que aspira a
mudanças radicais na sociedade, no campo da economia, das relações
humanas, da propriedade, do direito ao trabalho, à terra, à educação, à saúde,
quanto a que, pelo contrário, reacionariamente pretende imobilizar a História
e manter a ordem injusta. (FREIRE, 1996, p.110)
Apesar das concepções diferentes da educação, a qual nos propusemos a
dialogar é a educação que proporcione as pessoas mecanismos para sua autonomia,
como Freire, acredito que para atender às classes populares, somente uma educação
construída a partir da sua realidade, a fim de atender seus interesses, perspectivas e
sonhos.
Segundo o educador Álvaro Vieira Pinto (2007), “A educação é o processo pela
qual a sociedade forma seus membros à sua imagem e em função de seus interesses.
(PINTO, 2007, p. 29). Daí se conclui que a educação é uma ferramenta em disputa,
onde o grupo dominante a utiliza para reproduzir seus interesses e permanecer no topo
da pirâmide. Por outro lado, as classes populares, se organizam e lutam para que uma
educação que atenda seus interesses seja ofertada.
Pinto, (2007), afirmando que em função do indivíduo não viver isolado, educar,
ser educado e educar-se é um ato que ocorre permanentemente em todas as sociedades,
desde as primitivas, às atuais e que ocorrerá também nas sociedades futuras.
Não existe sociedade sem educação, ainda que nas formas primitivas possa
faltar a educação formalizada, institucionalizada (que aí é representa pelos
ritos sociais). Por consequência, nenhum membro da comunidade é
absolutamente ignorante, do contrário não poderia viver. (PINTO, 2007, p.
38)
Entendo que o autor ao provocar esse diálogo, faz uma alerta quanto aos
interesses das classes dominantes, que compreendem a educação apenas como
transmissão de conhecimento “[...] tem todo interesse em reproduzir-se nas gerações
sucessivas. [...] (PINTO, 2007, p. 38). Para alcançar seus objetivos as classes
dominantes tentarão transmitir às atuais e às futuras gerações seus valores e seus atos
como sendo os valores verdadeiros.
Para Gadotti (2003),
35
A educação é uma obra transformadora, criadora. Ora, para criar é
necessário mudar, perturbar, modificar a ordem existente. Fazer progredir
alguém significa modificá-lo. Por isso, a educação é um ato de desobediência
e de desordem. Desordem em relação à ordem dada, uma pré-ordem. Uma
educação autêntica re-ordena. É por essa razão que ela perturba, incomoda.
(GADOTTI, 2003, p. 89)
Como Gadotti, acredito numa educação autêntica que rompa com os velhos
ditames de uma educação que serve aos interesses de uma elite raivosa que, em muitos
momentos transvestidas em pele de cordeiro, tenta a qualquer custo se perpetuar no
poder. Essa educação autêntica é feita por pessoas e com as pessoas, através de muita
luta. O que quero dizer com isso, é que de nada adiante só querer, só pensar, só
imaginar, é necessário que educadores e educadoras comprometidos com essa educação
assumam a condição de sujeitos dessa transformação.
Para conceituar educação, Brandão toma como exemplo, um acordo de paz
selado entre uns índios estadunidenses e os governos dos estados da Virgínia e
Maryland, cujos governos fizeram um convite aos membros da tribo para que
frequentassem a educação dos brancos, eis que os índios responderam:
Nós estamos convencidos, portanto, que os senhores desejam o bem para nós
e agradecemos de todo o coração. Mas, aqueles que são sábios reconhecem
que diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os
senhores não ficarão ofendidos ao saber que a vossa ideia de educação não é
a mesma que a nossa... Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados
nas escolas do norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles
voltavam para nós, eles eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta
e incapazes de suportar o frio e a fome. Não sabiam como caçar o veado,
matar o inimigo e construir uma cabana, e falavam nossa língua muito mal.
Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros, como
caçadores ou como conselheiros. Ficamos extremamente agradecidos pela
vossa oferta e, embora não possamos aceitá-la, para mostrar a nossa gratidão
oferecemos aos nobres senhores de Virgínia que nos enviem alguns dos seus
jovens, que lhes ensinaremos tudo que sabemos e faremos, deles, homens.
Brandão (1995) nos convida a uma reflexão sobre os vários tipos de educação
existentes e seus interesses. Enquanto para uns a educação serve como ferramenta de
dominação, crueldade e exploração, para outros a educação é uma ferramenta poderosa
de libertação e transformação social. Dessa forma, para atender as necessidades dos
grupos e classes a educação é direcionada para determinado fim. Para a tribo a educação
necessária era a de formar guerreiros que atendesse os interesses da tribo, para os
governos, o interesse era criar burocratas e entendiam que a educação tinha esse
objetivo.
36
Ao fazermos um paralelo com os dias atuais (não tão atuais), a educação que
interessa à classe dominante é uma educação de reprodução de um sistema dominante
onde os sujeitos aprendam somente o necessário para atender uma necessidade do
mercado. De outro lado, há aqueles que defendem uma educação que atenda ás
necessidades das classes populares, que possa compreendê-las como seres históricos, a
fim de construírem uma sociedade mais justa, fraterna e democrática. Não podemos
esquecer como acontece com todas as práticas sociais, há na educação interesses
políticos, gerando com isso, disputas fora e dentro da própria educação.
Segundo Brandão,
A educação existe no imaginário das pessoas e na ideologia dos grupos
sociais e, ali, sempre se espera, de dentro, ou sempre se diz para fora, que a
sua missão é transformar sujeitos e mundos em alguma coisa melhor, de
acordo com as imagens que se tem de uns e outros [...] mas na prática, a
mesma educação que ensina pode deseducar, e pode correr o risco de fazer o
contrário do que se pensa que faz, ou do que inventa que pode fazer
(BRANDÃO, 1995, p. 12)
João Bosco Guedes Pinto ao falar sobre educação, afirma que,
Quando a educação conota um processo real, o significado do termo estará
marcado pela contradição: em uma sociedade de classes há um processo
dominante de educação, que não é outra coisa senão uma forma de
dominação de classe, de uma classe sobre as demais. (PINTO, 1984, p.103)
Nesse contexto, numa sociedade capitalista a educação tem como finalidade a
transmissão e a reprodução dos seus conhecimentos e de sua estruturação de poder e
domínio de uma classe dominante sobre as demais com o propósito de se perpetuar
como classe dominante. Por outro lado, as classes subalternas também se organizam
pedagogicamente de formas variadas, resistindo à educação dominante, organizando
mecanismo que cujo processo educativo valoriza seus conhecimentos e que buscam
atender suas perspectivas.
Segundo Shor (2000), a educação deverá ser uma ferramenta de integração entre
as pessoas, sobretudo, entre alunos e professores que construindo uma relação dialética,
começam a recriar e reinventar, descobrir e redescobrir novos conhecimentos “A
educação deve ser integradora – integrando os estudantes e os professores numa criação
e recriação do conhecimento comumente partilhadas”. (SHOR, 2000, p. 19)
37
Esse conhecimento não deve se limitar somente à sala de aula, como também,
não deverá ficar restrito aos espaços escolares,
O conhecimento, atualmente, é produzido longe das salas de aula, por
pesquisadores, acadêmicos, escritores de livros didáticos e comissões oficiais
de currículo, mas não é criado e recriado pelos estudantes e pelo professor na
sala de aula. (SHOR, 2000, p.19)
Nesse sentido, a educação que estamos discutindo, é uma educação que defenda
a vida e promova as liberdades, uma educação que rompe com os currículos oficiais e
propõe uma ruptura com uma educação opressora. Uma ruptura pacífica, mas que não
se omite. Uma educação onde a escola não sirva para comercializar ideias de uma classe
opressora, dominante, mas uma escola que desenvolva o pensamento crítica e faça sua
opção pelas lutas, pelas necessidades e pelos sonhos das classes populares.
2.2 Popular
Para que possamos chegar a um resultado mais preciso sobre educação popular e
suas práticas libertadoras são necessárias que discorramos brevemente sobre o termo
popular que para João Bosco Guedes Pinto (1986) “Popular em uma primeira acepção
genética significa o que é característico do povo, que dele se origina e pertence a ele”.
Nesse sentido, ainda de acordo com o autor acima citado,
Desde a perspectiva da classe dominante, povo, além de significados muito
gerais, tais como “a população do país”, “o povo brasileiro”, conota as capas
mais baixas da população (em renda, em ocupação, em cultura, dando-se-lhe
quase sempre nuanças pejorativas. Nesse sentido ele já contém pré-noções de
diferenças e exclusão mútuas, conotando principalmente a pobreza (PINTO,
1986, p.87)
O mesmo autor, conclui,
Desde a perspectiva da classe dominada, o termo povo se identifica com os
pobres (versus os ricos), os trabalhadores do campo e da cidade, os que não
tem bens materiais; às vezes os explorados. Já é possível ver como o termo
povo (e o adjetivo popular) é tomado desde duas perspectivas que se opõe:
exclusão de um lado (os ricos se excluem do povo, do Zé-Povinho, ou do
povão) e inclusão (os pobres somos nós)”. (PINTO, 1986, p. 87).
O termo popular possui empregos diversos e emblemáticos, apresentando alto
teor de indefinição, ao mesmo tempo em que é uma ferramenta poderosa para desvendar
que existe algo não popular, conforme Vale, “o popular oportunizaria desvendar o que a
38
classe dominante tanto teme – as classes sociais, pois se existe algo popular significa já
admitir a existência de algo não popular, portanto, pertencente a uma outra classe social
– a elite” (Vale, 1996)
Popular, no entanto, não significa apenas uma ideia democrática ou algo que
venha de encontro com pobreza e miséria do povo, do povão, mas devemos
compreender o popular como um reconhecimento das lutas travadas pelas classes
populares na construção de uma sociedade mais justa e fraterna, para Ana Maria do
Vale (1996),
Popular é uma concepção de vida e da história que as classes populares
constroem no interior das sociedades democráticas, estando, necessariamente,
ligado à questão da qualidade de vida das pessoas. (VALE, 1996, p.55/56)
Nos inúmeros olhares sobre o termo popular, encontramos uma infinidade de
conceitos relativizando o termo, camadas sociais, educadores, intelectuais vão definindo
de acordo com suas concepções. Meu olhar é também um olhar a partir das classes
populares, não poderia ser diferente, pois sou parte e me identifico como tal, sou parte,
portanto, comungo do conceito defendido por Vale, no qual afirma que o termo popular
pode ser compreendida como união, unidade, nacionalidade, como diversidade, divisão
de classes, conflitos, contradições (Vale, 1996, p. 56).
2.3 Educação Popular: contexto histórico
Brandão (1984), ao dialogar sobre a Educação Popular nos convida a um
“passeio” sobre como, ao longo dos tempos, o ser humano vem tecendo esses saberes e
nos levando a compreensão de que muito antes do termo educação e mais distante ainda
o termo educação popular se com saber e consciência desse saber como uma ação
específica do ser humano:
Quando um remoto antropóide, um ascendente muito próximo do primeiro
homem, emergiu a vida, ele já possuía alguns traços corporais que o
tornariam diferentes de todos os outros seres vivos [...] tinham sinais no
corpo que transformariam o ato de saber, que diferencialmente se distribui a
tudo que é vivo, no ato de saber simbólico. Que tornariam o conhecimento
que qualquer ser vivo tem para viver, na consciência do saber, que é o
começo da possibilidade de os seres vivos aprenderem não apenas
diretamente do e com o seu meio natural, naturalmente, mas uns com os
outros e uns entre os outros [...] (BRANDÃO, 1984, p. 14,15)
39
Essa relação que mais tarde será conceituada de educação sofrerá transformações
profundas para atender interesses diversos. Ao fazer uma leitura dessa relação, ainda
que com um olhar leigo, podemos perceber que as primeiras relações de produção de
novos conhecimentos se dão em função da melhoria de vida dos indivíduos que
compartilhando saberes adquiridos vão se transformar em ações que os possibilitem
viver melhor.
Brandão (1984), alerta para a interpretação de alguns educadores e cientistas
sociais sobre as origens da educação popular no Brasil. Mostra, por exemplo, como
Fernando Azevedo associa a educação dos jesuítas no Brasil Colônia como educação
popular,
Atraindo os meninos índios às suas casas ou indo-lhes ao encontro nas
aldeias; associando numa mesma comunidade escolar, filhos de nativos e de
reinos – brancos, índios e mestiços – e procurando na educação dos filhos
conquistar e reeducar os pais, os jesuítas não estavam servindo apenas à obra
da catequese, mas lançavam as bases da educação popular (AZEVEDO, A
Cultura Brasileira, p. 15 apud BRANDÃO, 1984, p. 27 e 28)
Para Paiva (1987), fazer um retrospecto da educação popular, não quer dizer,
com isso, se limitar a um olhar cronológico e histórico do seu percurso, mas sim
desmistificar o conceito de que as classes populares não se moviam em busca de uma
educação que atendesse suas expectativas, ao observar as primeiras manifestações das
diversas linhas de interpretações do fenômeno educacional.
No entanto, Paiva (1987) afirma que no período colonial a educação popular era
praticamente inexistente, destacando a educação jesuítica como ações da Educação
Popular. O que nos move a questionar é como ficou então a ação dos índios? Dos
negros? Dos brancos pobres? Será que os movimentos de resistência e de lutas por uma
educação que atendesse as necessidades do povo, nesse período, não tiveram presente
na história do Brasil? Podemos observar em Brandão (1984) quando fala que a história
contada pelos “vencedores”:
É assim que se costuma contar as histórias da História do Brasil. As pessoas
do povo, nossos índios, negros e brancos pobres, ausentes do trabalho
coletivo de fazer a história, a não ser quando servem exemplarmente ao
senhor branco, como Henrique Dias, ou quando também exemplarmente se
revoltam contra seu poder, como Zumbi ou Antônio Conselheiro, são massas
anônimas de “gentes”, tribos e grupos [...] (BRANDÃO, 1984, p. 40)
40
O massacre que a elite brasileira vem submetendo as classes populares, a fim de
manter seus objetivos, não poderia ser diferente, ao cultivar a ideia de que os indivíduos
dessas classes populares nunca se interessaram pela educação de seus filhos e que tal
situação era em face ao desinteresse desses grupos. Para Brandão (1984), tal ideia é uma
inverdade, pois: “ao contrário, tanto a consulta atenta a documentos do passado quanto a
observação do que acontece hoje em dia entre pais de crianças em idade escolar
apontam o mesmo interesse pela escola e, não raro, o mesmo empenho em cobrar do
governo o ensino necessário” (BRANDÃO, 1984, p. 40/41).
Para Brandão (1984), ainda nas décadas iniciais do século passado há registros
de interesses familiares e comunitários pela educação, histórias veladas pelos
“contadores” da história do Brasil.
Episódios da face oculta da participação de camponeses assalariados do
campo e da periferia das cidades pela educação de seus filhos. O que se
poderia chamar aqui de momentos de mobilização popular em favor da
escola pública, é alguma coisas que, silenciosa, mas presente, no passado,
retorna por toda parte, entre movimentos populares e associações de bairros,
de moradores, de mulheres [...] (BRANDÃO, 1984, p. 40)
Há interesse dos grupos dominantes em deixar oculta a participação do povo nas
manifestações populares, passando a imagem de que as classes populares se
“contentam” com o que está posto. Excluir esse histórico, essa identidade é negar que
desde o início da sociedade brasileira as classes populares, mesmo com suas limitações
nunca deixaram de acreditar e de lutar por uma educação que promovesse que atendesse
seus interesses. Passar a impressão de que os pais indígenas, os pais negros, os pais
brancos pobres não se preocupavam com a formação intelectual (no sentido de
crescimento pessoal e profissional) dos filhos é negar uma história de lutas e
resistências que as classes populares brasileiras sempre travaram com um grupo que
domina e oprime.
O educador Moacir Gadotti (1987), discorrendo sobre o pensamento pedagógico
brasileiro, afirma que,
A educação popular é um processo sistemático de participação na formação,
fortalecimento e instrumentalização das práticas e dos movimentos
populares, com o objetivo de apoiar a passagem do saber popular ao saber
orgânico, ou seja, do saber da comunidade ao saber de classe na comunidade.
(GADOTTI, 1987, p. 44).
41
Segundo Gadotti (1987), nessa concepção a educação popular é uma ferramenta
de formação crítica produzida, organizada, dirigida pelas classes populares, com as
classes populares e para as classes populares. Essa educação que compreende o homem
como sujeito histórico é necessária em todos os espaços sociais em que se encontram as
camadas populares. Seja na fábrica, na roça, na saúde, no trabalho braçal, seja no
trabalho intelectual.
Contrária a essa educação há a educação que Gadotti (1987), classifica como a
“educação dominante” cujos interesses são justamente contrários àquilo que defende a
educação popular.
Por outro lado, a “educação dominante do sistema dominante” consiste em
“programas de instrumentalização e capacitação de pessoas e grupos
populares, sob controle externo”, visando “produzir a passagem dos modos
populares de saber tradicional para modelos de saber modernizado, segundo
os valores dos pólos dominantes da sociedade. Em última instância, a
educação do sistema conduz à “reprodução do poder dominante”.
(GADOTTI, 1987, p. 44).
O educador Carlos Alberto Torres (1997), traz uma abordagem muito rica sobre
a educação popular,
A expressão educação popular foi inicialmente empregada na América
Latina nos meados do século XX para designar o ensino público, ou seja,
ensino compulsório e gratuito para todos. No início dos anos 60, a educação
popular foi associada a facções radicais da esquerda latino-americana e
especialmente ao trabalho de Freire no Brasil. (TORRES, 1997, p. 133)
A educação popular que nas três últimas décadas, foi empregada na América
Latina por governos liberais para definir o modelo de educação pública, segundo Torres
(1997), nessa perspectiva, as escolas eram consideradas instrumentos para a promoção e
integração social e nacional das massas. No entanto, a educação que compreende o
educando como um sujeito histórico e os projetos contemporâneos de educação popular
se relacionam com as experiências iniciadas por Freire no início dos anos de 1960.
Desde as primeiras experiências educacionais formais com os jesuítas a
educação no Brasil sempre foi (e é) utilizada como uma ferramenta de opressão, de
dominação, de alienação, de submissão, ora a um Deus escolhido por um determinado
grupo, ora à Coroa, ora ao Estado, ora a ambos.
2.4 Educação Popular: um projeto de emancipação.
42
Freire (1978), fazendo uma leitura sobre a sociedade brasileira, deixa claro a
necessidades de soluções aos graves problemas que recaíam sobre a sociedade
brasileira, e esses problemas não se resolveriam por práticas assistencialistas destinadas
às classes populares do campo e da cidade,
Mas, por uma educação que, por ser educação, haveria de ser corajosa,
propondo ao povo a reflexão sobre si mesmo, sobre seu tempo, sobre suas
responsabilidades, sobre seu papel no novo clima cultural da época de
transição. Uma educação que lhe propiciasse a reflexão sobre seu próprio
poder de refletir e que tivesse sua instrumentalidade, por isso mesmo, no
desenvolvimento desse poder, na explicitação de suas potencialidades, de que
decorreria sua capacidade de opção. Educação que levasse em consideração
os vários graus de poder de captação do homem brasileiro da mais alta
importância no sentido de sua humanização. (FREIRE, 1978, p. 59)
É nessa perspectiva que esta pesquisa se desenvolve, uma educação que
possibilite aos educandos uma profunda reflexão sobre suas potencialidades, desejos e
sonhos. Uma educação que possibilite a construção de caminhos para a superação da
condição de sujeito oprimido. Despertando sua criticidade diante das injustiças e da
opressão às classes populares.
Uma educação que não possibilite essa relação do educando com o saber, do
educando com ele mesmo, do educando com o educador, do educando com o mundo é
uma educação estéril, que pretende continuar reproduzindo aquilo que está posto, onde
as classes dominantes continuarão mantendo seu domínio sobre o povo pobre que
continuará oprimido. “não há nada que mais contradiga e comprometa a emersão
popular do que uma educação que não jogue o educando às experiências do debate e da
análise dos problemas e que não lhe propicie condições de verdadeira participação”.
(FREIRE, 1978, p. 93).
A educação popular não tem um significado universal, nem poderia ter, portanto,
esta pesquisa se desenvolve sobre a perspectiva freiriana de educação,
Na perspectiva freiriana, o objetivo é aliar educação a um projeto histórico de
emancipação social: as práticas educacionais deveriam estar relacionadas a
uma teoria de conhecimento. Consequentemente, a educação aparece como
ato de conhecer e não como uma simples transmissão de conhecimento ou
bagagem cultural da sociedade. (TORRES, 1997, p. 70)
Portanto, a educação popular que nos referimos nasce com as lutas populares,
mobilizando movimentos sociais, partidos políticos, que lutavam contra a miséria e a
opressão política, econômica e social das camadas populares. Educação Popular surge
43
como ferramenta para dar voz à indignação e ao desespero moral do pobre, do oprimido,
do indígena, do camponês, da mulher, do afro-americano, do analfabeto e do
trabalhador industrial.
Para falar de uma educação popular à luz dos pensamentos de Paulo Freire é
necessário que essas práticas sejam regadas de amor à vida, insistir nas utopias e
acreditar que a educação popular é uma ferramenta que contribui para a construção de
uma sociedade mais justa e fraterna. Nessa compreensão é preciso que os educadores se
encham de alegrias, esperança e teimosia, construindo com seus educandos uma relação
alicerçada na integridade, no respeito e na beleza do acreditar numa educação que
atenda aos interesses das classes populares.
A Educação Popular surge como político-pedagógica para confrontar-se com
os projetos educativos estatais que não representavam e até afetavam os
interesses populares. (GADOTTI e TORRES, 1992, p. 8)
Para Freire (2002) a Educação Popular se constitui como uma ferramenta de luta
contra a opressão de um sistema econômico desumano que ver nas pessoas apenas uma
força de trabalho para expandirem seus domínios e suas riquezas. A educação popular é
uma ferramenta de luta contra o capitalismo que produz a fome, a pobreza e a violência.
Contra o tradicionalismo, a impunidade, o cinismo, a apatia e a desesperança. A
Educação Popular trabalha o sujeito para sua afirmação como sujeito emancipado,
autônomo e livre.
Na Educação Popular, os saberes populares são a matéria-prima na produção e
na construção de novos conhecimentos, onde a relação educador e educando se
confundem, e que esses conhecimentos são utilizados para a transformação do saber
popular num saber de transformação (PINTO, 1986, p.100).
Encontramos em João Bosco Guedes Pinto (1986) que a Educação Popular é
uma ferramenta poderosa de transformação de pensamentos e atitudes que deverá ser
entendida como um processo de transformação social, que perpassa as mudanças
individuais dirigindo-se as transformações coletivas buscando a emancipação dos
sujeitos para uma transformação da sociedade.
Poder-se-ia então conceituar Educação Popular como uma prática pedagógica
que visa, em um primeiro momento, à transformação dos conteúdos da
consciência e, em um segundo, à modificação da conduta pela ação. No que
44
toca ao primeiro momento, sendo a realidade social o objeto desta prática, é
fundamental modificar-se (reconstruir-se?) [...] desnudando todas as formas
de exploração do trabalho. Num segundo momento, visa-se ao surgimento e
ao afiançamento de uma conduta coletiva (ação organizada), ao redor dos
reais interesses da classe trabalhadora, enquanto superação dos interesses
particulares e individuais. (PINTO, 1986, p. 99)
A Educação Popular, diferente dos demais conceitos de educação, não se esgota
numa relação interpessoal ou individual entre educador e educando. Para que haja as
transformações (sociais) necessárias é preciso à ação coletiva que direcione ao
rompimento desse processo de exclusão das classes populares as riquezas (materiais,
culturais, intelectuais) produzidas.
A Educação Popular não é só produção de conhecimentos, como diz Pinto
(1986), enquanto pratica requer a transformação da realidade, isso nos leva a acreditar
que a Educação Popular é antes de tudo uma prática social que gera novos
conhecimentos. Assumindo, também, sua condição política:
Por político não entendemos só o partidário: este não esgota o político, sem se
pode reduzir o político ao partidário e ainda menos o eleitoral [...] numa
sociedade de classes, o político se relaciona com interesses objetivos de
classes, interesses em luta, em oposição. E na sociedade capitalista o político
se liga essencialmente à luta entre o capital e o trabalho [...] (PINTO, 1986, p.
98)
Ao afirmar que toda prática educativa é política, entendemos que essa prática
não pertence somente às classes populares com o objetivo de libertar e transformar a
realidade social, e transformar sujeito. Mas, que é também usada como prática política
das classes dominante com o intuito de omitir, oprimir e reproduzir seus interesses.
Para que a prática da Educação Popular se concretize é necessária que a
participação do povo não seja uma participação acessória (isso não seria Educação
Popular), mas que o homem assuma o controle sobre suas necessidades, não se
limitando essa participação em momentos específicos, mas em todos os momentos onde
a Educação seja um processo coletivo para as transformações necessárias.
A Educação Popular compreende o ser humano como sujeito inserido no meio
em que vive e com isso suas ações se estendem na defesa dos direitos humanos, nas
organizações dos trabalhadores artesanais, no sofrimento e no desespero dos
desempregados nas periferias urbanas, nas ações religiosas libertadoras, a Educação
45
Popular se encontra na indignação contra todos os atos de injustiças e de opressão a
todos os povos.
Para Brandão (1986), a Educação Popular é uma Educação comprometida com o
saber da comunidade e com a realização dos direitos dos sujeitos. Valorizar os saberes
populares, sem com isso, cair no achismo e/ou no espontaneísmo. Mas que o processo
de aprendizagem é compreendido como ato conhecimento e transformações sociais,
através do diálogo diferentemente da educação tradicional que é uma educação imposta.
Onde o professor é aquele que sabe e o aluno o que não sabe.
Portanto, para Brandão, a Educação popular visa à formação dos sujeitos com
conhecimento e consciência cidadã. Essa construção se dá através das participações nas
organizações do trabalho no campo político a fim de se constituir a afirmação dos
indivíduos na condição de sujeitos autônomos e emancipados.
Foi justamente no seio dos movimentos populares que surgiram as primeiras
ideias de uma educação que atendesse as necessidades das classes populares que até
então, eram excluídas de um ensino que as concebesse como sujeitos históricos. Mas de
acordo com pesquisas, somente após a Primeira Guerra Mundial é que de fato se iniciou
uma ampla discussão para a efetivação de uma educação popular que viesse a reduzir os
alarmantes índices de analfabetismo no Brasil.
Encontramos vários autores que pesquisaram sobre a Educação Popular, já nesse
período, contribuindo na elaboração e construção das ideias e ações de uma Educação
Popular. Mas, é em Paulo Freire, através de seus escritos e ações que se trazem uma
nova perspectiva de uma Educação Popular. Constrói-se pela primeira vez, uma
perspectiva em que realmente há possibilidades e transformações a partir da base onde
nasce a Educação Popular enquanto Educação do povo e com o povo, onde o saber
popular se fortalece em uma tentativa de transformação da ordem social dominante.
Para Brandão,
A educação através da qual ele o sujeito não se veja apenas como um
anônimo sujeito da cultura brasileira, mas como um sujeito coletivo de
transformação da história e da cultura do país. (BRANDÃO, 1984, p.103)
46
Uma das características própria da educação popular é a valorização e
problematização desses saberes, articulando os saberes eruditos e os saberes populares.
Para contrariar essa dicotomia numa sociedade extremamente desigual que surge a
Educação Popular, objetivando a transformação social, comprometida e participativa
voltada às classes populares atendendo aos seus interesses.
A educação, hoje, ofertada as pessoas das classes populares, é uma educação que
não atende suas expectativas, que não as reconhece como sujeitos históricos, nem
tampouco, realiza seus sonhos. Essa educação imposta às classes populares interessa a
quem? Segundo Arroyo (1997), “a negação do saber interessou sempre à burguesia que
vem submetendo o operariado ao máximo de exploração e de empobrecimento”
(ARROYO, 1997, p. 12).
Segundo Arroyo (1997) a educação posta, não está para os interesses das classes
populares, onde pais e mães se sacrificam para que seus filhos permaneçam o máximo
possível na sala de aula e jovens e adultos trabalhadores, após longas jornadas de
trabalho buscam os períodos noturnos para obterem mais conhecimentos, geralmente,
para atender uma necessidade do mercado capitalista. Ainda sobre essa educação o
mesmo autor conclui: “Interessou ao Estado excludente que prefere súditos ignorantes e
submissos” (ARROYO, 1997, p. 12).
Para que os interesses das classes populares sejam de fato atendidos é necessário
romper com as velhas fórmulas pedagógicas e sua organização escolar,
Não será possível ensinar para a participação, desalienação e libertação de
classes com os mesmos livros didáticos, a mesma estrutura e a mesma
relação pedagógica com que se ensinaram a ignorância e a submissão de
classe. (ARROYO, 1997, p. 20)
Não podemos, também, cair na ingenuidade. Achar que por ser uma educação
onde “todos” têm acesso, é uma educação que atenda às necessidades das classes
populares. A educação a qual me refiro não pode ser uma saída conveniente, que traga
momentos de satisfação ao pobre, que o acomode. Pelo contrário, que essa educação
possa ser um mecanismo de luta em favor da vida, da tolerância e da autonomia dos
sujeitos. Que rompa com opressão às classes populares. E isso, não se dará sem lutas.
47
Gadotti, afirma que “a educação dominante talvez ensine a ler, mas contribui
muito pouco para a leitura e a compreensão da realidade, da história, da vida”.
(GADOTTI, 2003, p. 40). A educação que discutimos, propõe ir além das aparências,
que o educando seja estimulado a decifrar o mundo e sua dinâmica, ir além do ler e
escrever. Para isso, é preciso lutar sempre contra uma educação opressora, alienante,
que é oferecida às classes populares como se fosse sua única verdade.
2.5 A educação popular na atualidade: desafios, sonhos e perspectivas
A educação popular que dialogamos nesta pesquisa, alicerçada nas práticas
políticas de Paulo Freire, vem passando por transformações – não poderia ser diferente
– nas últimas décadas. Sua aproximação política que inicialmente se dera com o
Movimento de Cultura popular e setores progressistas da Igreja Católica se aproximam
de novas forças políticas, como é o caso do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem
Terra, conforme Varraber (1998). Sua caracterização se dá pela vinculação com grupos
populares marcados ao longo da história por variadas formas de discriminação e
exclusão social, “Trata-se assim, de uma educação que têm se ocupado dos “pobres” e,
como diria Freire, dos “oprimidos” (VARRABER, 1998, p. 10).
Nesse sentido, João Francisco de Souza, descreve que,
Os desafios são enormes, mas extraordinárias são as possibilidades abertas
pelos novos cenários. Tanto de ordem epistemológica quanto político-
pedagógica. Mas também didáticas. (SOUZA, 1998, p. 17).
De acordo com Souza (1998), esses desafios tendem a um aprofundamento nas
dimensões, sobretudo, na formação do educador, abordando a educação popular e a
pedagogia, a educação popular e a escola pública, além da questão da aprendizagem.
Gostaríamos de discorrer sobre esses desafios focando principalmente a escola pública,
onde atuam uma infinidade de educadores que não querem mais sentir-se isolados,
procurando romper essa dicotomia entre educação popular e escola pública.
Ao mesmo tempo em que a educação popular não se restringe aos espaços
escolares, também não pode fugir dele. A educação popular que não se limita à escola,
que está nos espaços públicos e estatais em busca de se alcançar esse fim. Também,
lutam e defende os espaços escolares como espaço de disputa. Compreender a Educação
48
popular como uma ferramenta educacional poderosa que no aspecto organizativo e nas
transformações sociais e pessoais, ela não pode ser separada do espaço escolar e para
isso, a preocupação com a qualidade no ensino que venha de encontro com as
perspectivas das classes populares.
Entre os desafios atuais da educação popular está a escola pública
principalmente pelo fato dela ter ficado ausente nas discussões entre educadores por
mais de duas décadas. Apesar dessa ausência, educadores populares, ainda que
isoladamente, nunca deixaram de acreditar numa escola pública de qualidade, qualidade
essa, numa perspectiva libertadora.
São dezenas, centenas, milhares, quem sabe, de educadores que no interior da
escola pública estão desenvolvendo práticas da educação popular e movimentando-se
para que esse espaço público estatal venha atender às classes populares, como relata o
educador Sandro (um dos sujeitos desta pesquisa) “desde que me assumi como
educador popular defendo a necessidade da educação popular na escola pública”.
Não podemos também, pensar que enquanto educadores e educadoras
comprometidos com uma educação libertadora que proporcione mecanismos para que
os sujeitos em comunhão construam sua autonomia, existem, também, aqueles que a
serviço do sistema se travestem de educadores populares e trabalham em função da
manutenção dos interesses da classe dominante.
Sobre isso, o educador Frei Betto, nos alerta,
Em nome da educação popular, há muita educação bancária por aí, que se
justifica pela eficácia, pela pressa, porque não dá tempo de se aplicar a
metodologia correta. (BETTO, 1994, p. 31)
Não é difícil encontrarmos organizações que se dizem defensores dos direitos
das classes populares, mas que na verdade servem aos interesses da ordem posta.
Professores que se dizem libertários, mas que continuam se relacionando com seus
educandos de forma vertical não contribuindo para a implantação de uma educação e
uma escola que atenda suas necessidades.
Enquanto a escola pública popular é esse lugar de descobertas, redescobertas,
acolhedora, local onde as barreiras são quebradas e as liberdades construídas a escola
tradicional, conforme Freinet (1969),
49
[...] funciona como um meio fechado, e só muito recentemente o professor foi
autorizado a aventurar-se acidentalmente no jardim, até a margem do ribeiro
e aos campos para aí procurar alguma pitada de vida que volta depressa a
vomitar, mais do que assimilar, entre as quatro paredes da escola. Este cioso
isolamento é inelutável consequência de todo o sistema educacional que
condenamos. (FREINET, 1969, p. 106)
O Estado que em alguns momentos, através de muita pressão, apresenta alguns
projetos, dando “liberdade” aos professores para se aventurar, Freinet (1969), desde que
essa aventura não ameace seus domínios e seus valores. O que não ajuda em nada o
projeto de implantação de uma educação que atenda aos interesses das classes
populares. São medidas estratégicas para a perpetuação do modo de vida das classes
dominantes.
2.6 De professor a educador
Para Freire (2000), “ser um professor tornou-se uma realidade, para mim, depois
que comecei a lecionar. Tornou-se uma vocação, para mim, depois que comecei a fazê-
lo”. (FREIRE, 2000, p. 38). A educação deve ser experimentada e através desses
experimentos o professor, corre o “risco” de se descobrir como educador a partir do
momento em que começar a viver essas experiências.
Tanto para Freire, como para Shor, as primeiras experiências como professor
não tinham, de imediato, práticas libertadora. Freire, que iniciou dando aula ainda muito
jovem, com a necessidade de ganhar algum dinheiro para ajudar a sobrevivência da
família, ensinando gramática portuguesa. Não demorando muito para descobrir sua
vocação, descobrindo-se como um educador libertador. Shor, que começa a dar aulas
seguindo uma metodologia que apresentava as regras da gramática e buscava resultados
“corretos”, sobretudo, na arte de escrever. Incomodado com esse fim, Shor, se rebela, se
entusiasma, experimenta, reflete e desperta o educador que estava adormecido em si.
Ensinando, descobri que era capaz de ensinar e que gostava muito disso.
Comecei a sonhar cada vez mais em ser um professor. Aprendi como ensinar,
na medida em que mais amava ensinar e mais estudava a respeito. (FREIRE,
2000, p. 27)
Com isso, quero dizer, que em muitos momentos, vários professores que hoje
desenvolvem suas atividades nas escolas públicas, tem um educador adormecido dentro
de si. Muitos, que usados pelos grupos dominantes, acreditam estar fazendo um trabalho
50
libertador, mas que por falta de conhecimento, contribuem para a reprodução do sistema
atual e a opressão das classes populares.
Segundo Ira Shor (2000), a formação do professor, ainda é um grande problema,
pois limita seus experimentos e sua curiosidade. Modelos de formação que não atende
às necessidades dos educandos que os professores atenderão. Geralmente, professores
originários das classes populares, que continuando recebendo uma educação excludente,
continuarão na condição de sujeitos oprimidos, castrando a possibilidade de se
reconhecerem e serem reconhecidos como sujeitos históricos inseridos no meio social.
Os professores têm poucas oportunidades de ver salas de aula libertadoras.
Os programas de formação de professores são quase sempre tradicionais e as
escolas que eles frequentam não estimulam a experimentação. Assim, o
problema dos modelos é a primeira questão que os professores levantam.
(SHOR, 2000, p. 27)
Para Freire e Shor (2000), todo esse processo prejudica a transformação de
simples professores, a serviço da transmissão de conhecimentos em educadores
libertadores. A importância da compreensão do contexto social para distinguir os
objetivos de uma educação opressora e uma educação libertadora é um elemento
fundamental nessa transformação.
Para que os professores se transformem, precisamos, antes de mais nada,
entender o contexto social do ensino, e então perguntar como é que esse
contexto distingue a educação libertadora dos métodos tradicionais.
(FREIRE, 2000, p. 45-46)
O educador no qual nos referimos, é esse sujeito questionador, teimoso, rebelde,
que mesmo “desorganizado”, insiste na mudança, pessoal e coletiva. Que a educação
deva ser ofertada às camadas populares a fim de que correspondam às suas expectativas.
E que a escola seja esse ambiente de aprendizado mútuo, respeitando e aprendendo a
conviver com as diferenças e os diferentes.
Professores, tem muitos, como diz o educador Rubem Alves (1983), mas
educador, não se vê tantos. Essa diferença entre professor e educador é comentada da
seguinte forma: [...] “Professores, há aos milhares, mas professor é profissão, não é algo
que se define por dentro, por amor. Educador, ao contrário, não é profissão; é vocação.
E toda vocação nasce de um grande amor, de uma grande esperança” (ALVES, 1983, p.
11).
51
Nessa perspectiva, Alves (1983), insiste na figura do professor e do educador
diante dos compromissos com o aprendizado. Enquanto que a figura do professor,
pouco importa, pois o importante é o conteúdo a ser “aprendido” qualquer um pode
ensinar sobre determinado assunto, o professor é um objeto descartável. O educador tem
uma identidade, tem história, sujeitos inseridos num contexto histórico, quem tem
compromisso com as gentes, que tem sentimentos, que se envolve e se relaciona com as
pessoas e com o mundo.
Segundo Alves (1983), o educador é um sujeito que,
[...] habita um mundo em que a interioridade faz uma diferença, em que as
pessoas se definem por suas visões, paixões, esperanças e horizontes utópicos.
O professor, ao contrário, é funcionário de um mundo dominado pelo Estado e
pelas empresas. É uma entidade gerenciada, administrada segundo a sua
excelência funcional, excelência esta que é sempre julgada a partir dos
interesses do sistema. (ALVES, 1983, p. 14)
Ao fazer essa abordagem, pretendo fomentar a discussão sobre a atuação do
professor, simplesmente, e do professor educador. Como já dissemos anteriormente, o
educador não deve cair no espontaneísmo, pelo contrário, deve e preocupar com sua
formação para que o atendimento aos educandos esteja à altura de suas expectativas.
Tanto a educação popular, como o educador popular, devem estar amparados no saber
erudito, sem com isso, diminuir as práticas e os saberes populares.
Diante dos depoimentos e dos escritos dos autores aqui estudados, algumas
indagações nos perseguem: Existe um momento específico para o despertar? Quando
sair da condição de professor e tornar-se um educador libertador? Como preparar o
educador? Onde estão os educadores? Como organizá-los? É preciso? É possível?
Essas indagações, creio que persistirão. Concluo esta parte com a poesia do
educador Rubem Alves, que insiste que “basta que os chamemos do seu sono, por um
ato de amor e coragem. E talvez acordados, repetirão o milagre da instauração de novos
mundos”. (ALVES, 1983, p. 26). Esse chamado é feito a todos aqueles educadores que
se cansaram de apanhar, que se sentem angustiados pela “impotência” de suas ações e
de suas atuações. Aos educadores que de tanto serem massacrados, foram obrigados ao
convencional. Educadores existem, milhares? Centenas? Alguns? Mais que quantidade,
há qualidade.
52
2.7 Educador popular: um semeador de sonhos
Somos alguns, companheiros, e somos desiguais. Há nomes
diversos para nós: cientistas, estudantes, professores a quem
interessam a consciência do povo e da cultura popular. Mas
são poucos aqueles a quem o interesse obriga ao compromisso.
Há o “pesquisador da cultura”, caçador de borboletas, das
coisas que o povo vive, pensa e faz. Há o professor calçado de
bons propósitos. Ela vai à roça e à favela: educa, alfabetiza,
ajuda, participa da vida do povo do lado de fora das lutas
populares. É um bom caçador de palavras e crê que elas
podem sozinhas mudar o mundo.
Há também o educador-militante, o educador popular que
arranca do seu trabalho uma arma a mais na linha de frente
da prática política dos subalternos. Ele não caça nada. Luta a
seu modo a luta necessária.
Esta fala acesa sobre a educação do povo é dirigida a todos
três e é dedicada ao que menos precisa dela porque já
aprendeu a passar de caçador à militante.
Carlos Rodrigues Brandão
Ao trazer a discussão sobre o educador e a educadora popular, não quero com
isso, traçar um perfil do educador ideal, mas fomentar o diálogo de que o educador é
uma peça fundamental na construção de uma educação e de uma escola que compreenda
o educando como um sujeito histórico em busca de uma vida mais feliz.
Freire (1996), nos faz um convite à reflexão sobre a nossa formação, para ele,
permanente. A atenção do educador deverá ser maior ainda quando essa formação se der
por interesse do poder público ou das classes dominantes que tendem a ofertar subsídios
que garanta a reprodução de seus domínios.
Se, na experiência de minha formação, que deve ser permanente, começo a
aceitar que o formulador é o sujeito em relação a quem me considero o
objeto, que ele é o sujeito que me forma e eu, o objeto por ele formado, me
considero um paciente que recebe os conhecimentos-conteúdos-acumulados
pelos sujeitos que sabe e que são a mim transferidos. Nessa forma de
compreender e de viver o processo formador, eu, objeto agora, terei a
possibilidade, amanhã, de me tornar o falso sujeito da “formação” do futuro
objeto do meu ato formador. (FREIRE, 1996, p.22-23)
O educador deve ter consigo desde o início do seu processo de formação a
consciência de quem ensina também aprende, de que sua ação não será transmitir
conhecimento ou conteúdos, mas possibilitar ao educando produzir e promover seus
53
próprios conhecimentos. O educador popular deverá compreender que ao ensinar, ele
também aprende.
Ensinar é mais difícil que aprender, porque ensinar quer dizer deixar
aprender. [...] o mestre que ensina ultrapassa os alunos que aprendem
somente nisto: que ele deve aprender ainda muito mais do que eles, porque
deve aprender e deixar aprender.( HEIDDEGGER, p. 89 apud BUZZI, 1988,
p. 197)
A preocupação do educador com sua formação deverá ser contínua, “o professor
que não leva a sério sua formação, que não estude, que não se esforce para estar à altura
de sua tarefa não tem força moral para coordenar as atividades de suas classe”, Freire
(1996). Isso prova, que a educação popular, contrário ao que afirmam algumas pessoas
que não leram sobre o tema, nem tampouco, sobre Paulo Freire, de que a educação
popular se utiliza uma metodologia espontânea.
Para Freire (1996), “ensinar inexiste sem aprender e vice-versa e foi aprendendo
socialmente que, historicamente, mulheres e homens descobriram que era possível
ensinar. (FREIRE, 1996, p. 24-24). O educador popular, na sua teimosia de lutar em
defesa da vida e por uma sociedade justa, deverá ser um incentivador das curiosidades e
do desejo de descobrir e redescobrir novos mundos.
O educador democrático não pode negar-se o dever de, na sua prática
docente, reforçar a capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua
insubmissão [...] E essas condições implicam ou exigem a presença de
educadores e de educandos criadores, instigadores, inquietos, rigorosamente
curiosos, humildes e persistentes. (FREIRE, 1996, p.22-23)
A escola e a educação não são sozinhas, a solução de todos os problemas, nem
que sozinhas transformarão a sociedade, mas também, não podemos deixar de
reconhecê-las como ferramentas poderosas na construção e na transformação dessa
realidade. Para o educador Rubem Alves, o educador comprometido com as liberdades,
tem esse papel fundamental, de ser esse motivador de sonhos, esse pastor de projetos.
A formação científica não deve, porém, está desassociada a generosidade e o
respeito ao educando, “Há professores e professoras cientificamente preparados, mas
autoritário a toda prova”. (FREIRE, 1996, p. 92). Por outro lado, Freire também, alerta
para o educador que se limita aas relações ‘amigáveis’ com os educandos sem se
preocupar com sua formação, “o que quero dizer é que a incompetência profissional
desqualifica a autoridade do professor”. (FREIRE, 1996, p. 92).
54
Adverte Freire (1996) que a formação do educador não poderá se limitar a
técnicas e a repetições mecânicas. Que o educador deverá romper com esse tipo de
formação e exigir que a formação exigida compreenda o educando nas especificidades
dos sentimentos, das alegrias, dos medos e da teimosia com que as classes populares
insistem em construir uma sociedade bonita de se viver. A formação do educador deverá
compreender os sentimentos e os desejos onde a insegurança é superada pela segurança,
onde o medo, vai gerando coragem e a desesperança seja superada pela esperança de
uma sociedade melhor.
O educador popular tem que se assumir como militante político, não
necessariamente partidário, mas, também, poderia ser. Pois, penso que é necessário se
opor a qualquer tipo de ação que destrua as condições favoráveis de um espaço
adequado, limpo, higienizado para a sua prática pedagógica. Romper com a
mesquinharia e as sobras destinadas às escolas públicas que atendem as classes
populares.
Daí a importância do exemplo que o professor ofereça de sua lucidez e de seu
engajamento na peleja em defesa de seus direitos, bem como na exigência
das condições para o exercício de seus deveres. O professor tem o dever de
dar suas aulas, de realizar sua tarefa docente. Para isso, precisa de condições
favoráveis, higiênicas, espaciais, estéticas, sem as quais se move menos
eficazmente no espaço pedagógico [...] o desrespeito a este espaço é uma
ofensa aos educandos, aos educadores e à prática pedagógica. (FREIRE,
1996, p.66)
A ação política do educador, acompanhado das ações em defesa de uma
educação que liberta, preocupados e amorosos com seus educandos, ajudando-os a
superar a condição de sujeito oprimido para sujeito liberto, deverá também, mobilizar
forças em favor do educador, lutando por melhorias nas condições de trabalho e por
salário de qualidade, além disso, sua ação contribui para que os espaços físicos da
escola, sejam espaços aconchegantes e acolhedores.
Esses três pontos estão interligados, um não foge do outro, e na medida em que
inicia uma discussão, as demais o acompanharão. Isso, contudo, não quer dizer que o
professor seja o salvador da pátria, que pode tudo, mas que reconhecendo seus limites
possa construir, sobretudo, nas escolas públicas onde os educandos, na sua maioria, são
de classes populares, mas sua pedagogia atende aos interesses das classes dominantes,
mecanismos para essa escola possa vir a ser uma escola pública popular.
55
Contudo, por a educação ser diretiva, a atuação do educador popular exige
comprometimento político de mudanças e transformações. Acreditar que as mudanças
são possíveis e que as transformações sociais e comportamentais se darão com uma
atuação séria, honesta e justa. Essas ações, não poderão se desenvolver sem uma
formação crítica e técnica do educador, nem tampouco, se desenvolver pautada em
ações ingênuas, espontâneas e simplistas.
Para Freire (1996), o educador deverá ser um “sujeito de opções”, não podendo
o professor passar despercebido pelos seus alunos, revelando-se sua “capacidade de
analisar, de comparar, de avaliar, de decidir, de optar, de romper”, sobretudo, o
educador deverá deixar claro aos educandos, através de suas ações, “sua capacidade de
fazer justiça, de não falhar a verdade. De ser ético” (FREIRE, 1996, p. 98). Diante
disso, o educador deverá ter uma atuação coerente entre o que diz e aquilo que faz, com
isso, não poderá o educador dicotomizar teoria e prática.
O educador, portanto, independentemente de sua opção, não passará
despercebido pelos seus educandos. De qualquer forma, sua marca ficará. Caberá a
mim, como educador optar de qual maneira gostaria de ser lembrado.
O professor autoritário, o professor licencioso, o professor competente, sério, o
professor incompetente, irresponsável, o professor amoroso da vida e das
gentes, o professor mal-amado, sempre com raiva do mundo e das pessoas,
frio, burocrático, racionalista, nenhum desses passa pelos alunos sem deixar
sua marca. (FREIRE, 1996, p. 66)
O educador, portanto, independentemente de sua opção, não passará
despercebido pelos seus educandos. De qualquer forma, sua marca ficará. Caberá a
mim, como educador optar de qual maneira gostaria de ser lembrado.
Num diálogo abordado pelo professor Neidson Rodrigues (1996), sobre o
educador necessário, o mesmo afirma que “não há como o educador começar as ser
educador na hora que bate o ponto e deixar de sê-lo na hora em que o relógio indica o
fim do expediente. (RODRIGUES, 1996, p. 65). Isso, nos leva a crer que a opção de ser
educador é uma opção política de quem acredita de que suas ações poderão contribuir
na construção de um mundo melhor, que a relação construída com os educandos, com a
escola e com a educação é uma relação levada consigo, sem prazo para começar ou
terminar. É uma relação constante e contínua.
56
Do educador se exige uma constante ocupação com o ato educativo. Ele tem
de ser. É uma questão de ser e não uma questão de situação. Exige-se,
portanto, um crescimento dessa consciência política, que se obtém no próprio
processo político do trabalho. (RODRIGUES, 1996, p. 66)
O educador tem a obrigação de compreender a importância social do seu
trabalho. Ter a consciência de que suas ações isoladas, por si só, não transformarão o
mundo, mas que são elementos importantes que contribuem na formação e nas
transformações da realidade em que os sujeitos se inserem. Para isso, é importante que
esteja sempre envolvido com a realidade dos educandos, buscando sempre uma melhor
preparação para atender e compreender as necessidades daqueles que buscam no
educador um ponto de referência.
Segundo Arroyo (2004), “Toda inovação educativa tem de começar por rever
nosso olhar sobre os alunos”, com isso, compreendê-los nas suas especificidades,
entendê-los como seres inseridos num meio social, de gosto diferente, de cultura
diferente, de sonhos diferentes, “Em grande parte nos imaginamos ser o que
imaginamos que nossos alunos são. (ARROYO, 2004, p.56). Arroyo propõe que na
medida em que nos comprometemos em humanizar nosso olhar docente, a nossa prática
docente se tona melhor.
A partir do momento em que o educador, através de um olhar docente
comprometido com uma educação que busca as liberdades, descobre o educandos é
inevitável planejar ações que vai atendê-los a partir de seus sonhos, com isso, o
educador estará cada vez mais motivado na sua formação e preparação técnica para
atender seus educandos.
Reeducar nosso olhar, nossa sensibilidade para com os educandos e as
educandas pode ser de extrema relevância na formação de um docente-
educador. Pode mudar práticas e concepções, posturas e até planos de aula,
de maneira tão radical que sejamos instigados (as) a aprender mais, a ler
mais, a estudar como coletivos novas teorias, novas metodologias ou novas
didáticas. (ARROYO, 2004, p. 62).
Nossa opção como educador é uma opção radical em defesa da autonomia e da
liberdade do sujeito, sem que para isso, percamos a nossa ternura e a nossa generosidade
por aqueles que pensam diferentes, “O homem radical na sua opção, não nega o direito
ao outro de optar” (FREIRE, 1978, p. 50). Nessa perspectiva, o educador deverá
defender sua posição através do diálogo, deixando claro, que apesar do respeito ao
57
pensar diferente, sua opção será defendida. Não poupando esforços para que ela seja
uma opção coletiva.
Para este pesquisador, o educador popular está nessa figura de homem radical
em que Freire se refere. Que precisa a todo o momento confrontar com imposições de
uma educação reprodutora e uma escola excludente. Esses confrontos se dão em todos
os espaços, sobretudo, dentro da própria escola e contra muitos professores. O educador
deverá através de um diálogo horizontal buscar convencer da importância da sua opção,
respeitando as ideias contrárias ao mesmo tempo em que exige respeito aquilo que
acredita e defende.
Não pretende impor a sua opção. Dialoga sobre ela. Está convencido de seu
acerto, mas respeita no outro o direito de também julgar-se certo. Tenta
convencer e converter, e não esmagar seu oponente. Tem o dever, contudo,
por uma questão mesma de amor, de reagir à violência dos que lhe pretendam
impor silêncio. (FREIRE, 1978, p. 50).
Gadotti (2003), abordando o papel do educador diante de uma sociedade de
conflitos, nos faz um convite à refletir sobre a atuação desse novo educador que “não
fica indiferente ao que se passa na sociedade” (GADOTTI, 2003, p. 82). Sua atuação
ultrapassa os limites escolares, denunciando à sociedade a necessidade de romper com a
educação posta e imposta, diferentemente do educador tradicional que não se envolve
com as necessidades das classes populares, a quem geralmente, ensina.
Enfim, ao novo educador compete refazer a educação, reinventá-la, criar as
condições objetivas para que uma educação democrática seja possível, criar
uma alternativa pedagógica que favoreça o aparecimento de um novo tipo de
pessoas, solidárias, preocupadas em superar o individualismo criado pela
exploração capitalista do trabalho, preocupadas com um novo projeto social e
político que construa uma sociedade mais justa, mais igualitária. Esse novo
projeto, essa nova alternativa não poderá ser elaborada nos gabinetes dos
burocratas da educação. Não virá sobre forma de uma Lei ou de uma
reforma. Se ela for possível amanhã é somente porque hoje ela está sendo
pensada pelos educadores, juntos, trabalhando coletivamente, se reeducando.
Essa reeducação dos educadores já começou. Ela é possível e necessária.
(GADOTTI, 2003, p. 82)
O educador popular é esse sujeito que ama e é feliz. Que sente medo, mas não
desiste. Que chora, mas que sorri muito mais. Que respeita e exige respeito. O educador
popular é esse sujeito não tem medo de amar as pessoas. Que denuncia as injustiças e
defende as liberdades. O educador popular é esse sujeito que acredita, que sonha... Que
se envolve.
58
2.8 Educador-educando: uma relação que se confunde
Há uma relação entre alegria necessária à atividade educativa e a
esperança. A esperança de que professor e alunos juntos podemos aprender,
ensinar, inquietar-nos, produzir e juntos igualmente resistir aos obstáculos a
nossa alegria. (FREIRE, 1996, p. 66)
Para Freire, “no fundo, o essencial nas relações entre educador e educado [...] é a
reinvenção do ser humano no aprendizado de sua autonomia”. (FREIRE, 1996, p. 94)
Nessa perspectiva, o educador antes de ser educador, é gente. E compreendendo essa
condição se assume como educador que valoriza, acima de tudo, a vida. Redescobrindo
o que já se sabe, respeitando aos outros e a si mesmo.
A relação de respeito e liberdade construída com o educando é uma das
características do educador popular, sobre essa relação, disserta Freire,
O clima de respeito que nasce de relações justas, sérias, humildes, generosas,
em que a autoridade docente e as liberdades dos alunos se assumem
eticamente, autentica o caráter formador do espaço pedagógico. (FREIRE,
1996, p. 92)
Acreditar na relação onde a autoridade – e não autoritarismo – do educador e na
liberdade do educando se complete formando um espaço pedagógico possibilitando a
realização de ações democráticas. O educador autoritário, mandonista – no sentido
freireano do termo, rígido, acaba prejudicando o aluno, impedindo-o que revele o gosto
de aventurar-se, inibindo a criatividade dos educandos. O educador que age dessa forma
esquece que é exercitando a liberdade que o aluno ficará livre para assumir a
responsabilidade de suas ações.
Talvez, a liberdade, seja um dos pontos que deverá ser mais entendida pelo
educador. O grande “problema” posto aos educadores de opção democrática é como
trabalhar no sentido de fazer possível que a necessidade do limite seja assumida
eticamente pela liberdade. Para Freire (1996) a liberdade amadurece. Apostar na
liberdade é uma qualidade dos educadores de opção e ação democrática, sem temer por
isso, ser criticado. Quando o educador garante a liberdade ao educando ele exercita sua
autoridade. Assumir a liberdade criticamente é assumir as responsabilidades de suas
decisões.
59
A construção dessa relação, onde ensinar e aprender caminha horizontalmente,
ao contrário do que alguns defendem, não prejudica na hora da avaliação, pelo
contrário, por manter uma relação de respeito e honestidade, terei mais liberdade de
dialogar, dizer sim, dizer não, dizer talvez, ou ainda dizer, depende de nós. Terei mais
autoridade para fazer com que juntos, a busca dos seus sonhos possa se realizar. E a
construção e a reconstrução dos velhos e novos saberes seja uma busca regada de
alegrias e esperança.
Quando vivemos a autenticidade exigida pela prática de ensinar-aprender
participamos de uma experiência total, diretiva, política, ideológica,
gnosiológica, pedagógica, estética e ética, em que a boniteza deva achar-se de
mãos dadas com a decência e com a serenidade. (FREIRE, 1996, p. 24)
Manter a autenticidade dessa relação é importante para que o educando possa
encontrar no educador alguém que o respeite, que o escute e que o ajude na construção
desse novo hoje. Para freire, “[...] quanto mais solidariedade entre o educador e o
educando [...] tanto mais possibilidades de aprendizagem democrática se abrem na
escola. (FREIRE, 1996, p. 24). Uma relação assim, constituirá uma escola melhor e o
aprendizado será bem mais prazeroso.
Na relação com o educando o educador popular, é possuído de um sentimento de
querer bem aos educandos, sem com isso, seja obrigado – nem poderia ser – a querer
bem a todos os alunos de maneira igual. O educador não pode temer a afetividade o que
não pode é deixar que essa afetividade interfira no cumprimento ético nem no exercício
de sua autoridade.
O querer bem que Freire (1996) se refere está ligado a alegria de viver, de
permitir, de acreditar, de lutar pelo respeito à educação, aos educandos, as pessoas.
Querer bem é acreditar e praticar a educação com afetividade, alegria, capacidade
científica, domínio técnico a serviço da mudança. O trabalho do professor é um trabalho
realizado com gente. Gente que está continuamente em busca de crescimento,
reorientando-se, gente que tem seus valores, gente que busca na educadora e no
educador uma oportunidade de encontrar e se reconhecer como sujeito histórico.
60
CAPÍTULO III
3. EDUCAÇÃO POPULAR NA ESCOLA PÚBLICA: UM DIÁLOGO
NECESSÁRIO
A decisão em pesquisar a educação popular na escola pública é acompanhada de
um verdadeiro, não ingênuo, sentimento em ver os espaços públicos estatais sendo
popularizados. Acredito que o estado burguês e suas classes dominantes, nunca
aceitaram, não aceitam e jamais aceitarão essa interferência em seus domínios. Mas,
acredito que nos espaços construídos através de muitas lutas e incansáveis batalhas,
devam ser ocupados pelas classes populares, a fim de que seus interesses sejam
defendidos.
Contudo, não esperemos que a ocupação desses espaços seja feitas sem
confrontos de que a classe dominante aceite “pacificamente” que as classes populares
assumam o comando de suas próprias necessidades. Porém, não podemos, sobretudo, os
educadores populares, é adiar ou simplesmente fugir desse confronto.
Aos educadores populares cabe fomentar esse diálogo, encarar os desafios e os
riscos em acreditar e lutar por uma sociedade melhor. Construir meios para que a escola
pública se torne um dos espaços para que homens e mulheres das classes populares se
reconheçam e sejam reconhecidas como sujeitos históricos possibilitando a promoção
de sua autonomia. Como Freire (1978), esperançoso na construção de uma sociedade
bonita e justa, nos alerta,
Nunca pensou, contudo, que o autor, ingenuamente, que a defesa e a prática
de uma educação assim, que respeitasse no homem a sua ontológica vocação
de ser sujeito, pudesse ser aceita por aquelas forças, cujo interesse básico
estava na alienação do homem e da sociedade brasileira. (FREIRE, 1978, p.
36)
61
A escola deve ser um ambiente de rebeldia, de sonhos, de esperança, de utopias.
De se rebelar contra as injustiças, contra o preconceito, contra a corrupção, contra a
intolerância, contra a opressão, contra a servidão. De sonhar com as possibilidades reais
de se construir uma sociedade de paz, de respeito, de justiça e amor. De brotar nas
pessoas a esperança de que é possível viver em paz com as diferenças e com os
diferentes. A escola deverá, também, servir de espaço para esses diálogos, para
rejuvenescer nossas utopias.
Ao nos questionarmos as quais camadas sociais as escolas públicas, creches,
ensino fundamental e médio, atende, a resposta é imediata: as classes populares.
Seguindo o raciocínio, continuamos a nos questionar: por que a educação dirigida às
classes populares não é uma educação que atenda seus interesses? A resposta nos parece
mais óbvia ainda, as classes dominantes, que vem se perpetuando no poder, não
admitem uma educação se não aquela que atenda seus interesses que obviamente é
totalmente contrária aos interesses das classes populares.
Esses espaços públicos e estatais - especificamente a escola, que em muitos
casos são ocupados por educadores populares -, devem ser reconhecidos como espaços
que atenderão, sobretudo, aos interesses das classes populares. Essa parcela da
sociedade que se utiliza desses espaços deverá ser opção individual e coletiva dos
educadores comprometidos com uma que promova a paz, a liberdade e a tolerância, em
uma entrevista dada a educadora Rosa Maria Torres, Freire diz,
Creio que em toda sociedade há espaços políticos e sociais para trabalhar do
ponto de vista do interesse das classes populares, através de projetos, ainda
que mínimos, de educação popular. Creio que a questão que se levanta para
educadores enquanto políticos e políticos enquanto educadores é que é
precisamente reconhecer que existem espaços dentro da sociedade que
podem ser preenchidos politicamente num esforço de educação popular.
(FREIRE, 2002, p. 74).
Como Freire, acredito que esperar essa “revolução” onde o estado burguês por si
só, ou não, se transforme em estado democrático para poder desenvolver trabalho da
educação popular é um erro de pensamento e principalmente de atitude. Na verdade, as
práticas da educação popular nos mais diversos espaços contribuirão para a
transformação das pessoas e da sociedade. E mesmo nas escolas onde a ideologia e as
práticas dominantes prevalecem essas práticas, é possível e segundo Freire, deve-se
iniciar os trabalhos da educação popular.
62
Apesar das classes dominantes exigirem uma educação que atenda
especificamente seus interesses, uma educação sistemática cuja tarefa é reproduzir a
ideologia dominante, os educadores e as educadoras populares tem a tarefa de
compreender que o papel da escola não se esgota com a defesa desses interesses.
Nessa perspectiva a tarefa dos educadores populares é contradizer esses
interesses para Freire (2002) “E isto, numa sociedade burguesa, só pode ser assumido e
desenvolvido por aqueles que se opõe à preservação do estado burguês”. Ainda, sobre
esse contexto da educação popular inserida, não por vontade do estado, Freire nos
incentiva a correr o risco que seguros de que a educação pública ofertada às classes
populares seja de fato uma educação que atenda seus interesses e suas necessidades.
Freire conclui,
Daí, que mesmo em sociedades que não se fez uma revolução – como é o
caso da sociedade brasileira – dentro do espaço escolar existe a possibilidade
de assumir o papel de desmistificar a reprodução ideológica. Esta tarefa,
evidentemente, tem de ser assumida com riscos pelos educadores e
educadoras que sonham com a nova sociedade. (FREIRE, 2002, p. 74).
Correr risco é algo que caminha lado a lado com quem sonha e luta com uma
sociedade melhor mais justa e fraterna. Seguir os passos de Freire, viver seus sonhos e
contribuir com sua prática é algo que educadores e educadoras populares carregam
consigo na esperança de um mundo melhor, onde a vida seja celebrada, todos os dias.
Freire nos convida a correr riscos. Riscos de não esperar. É preciso que
assumamos hoje, no ambiente em que estamos que a educação popular é a que
corresponde às expectativas das classes populares. E não aceitar que a escola pública
seja utilizada, sem que haja, um ‘intenso combate’ para continuar reproduzindo a
ideologia dominante. Estrategicamente, os espaços políticos nas escolas públicas
deverão ser preenchidos por educadores populares que conscientes da sua missão
compreenderão esses espaços como ambientes democráticos de diálogos e confrontos,
utilizados para desmistificar a ideologia dominante.
3.1 Educação popular na escola pública: disputar espaços ou cruzar os braços?
Quando nos propusemos a fazer uma discussão sobre a educação popular na
escola pública, tal desejo representa “um esforço de que seja possível inserir o popular
63
no público, de tornar público, o estatal” (GADOTTI e TORRES, 1992, p. 12). Não
acreditamos, porém, que seja uma tarefa fácil ou que o estado burguês docilmente adote
políticas da educação popular nas escolas públicas, mas que ocupando os espaços, possa
haver uma interferência maior na caminhada para as transformações sociais que
interessam as classes populares.
O professor João Bosco Guedes Pinto (1986), ao discorrer sobre a educação
popular no âmbito da escola pública como está posta, afirma que,
As práticas do Estado e da Educação Popular, pelos objetivos que se
propõem, caminham em sentidos irremediavelmente opostos; a do Estado, no
sentido dos interesses da acumulação capitalista; a da Educação Popular na
busca dos interesses da classe trabalhadora. Sendo tal incompatibilidade
radical, impõe-se reconhecer que o Estado capitalista jamais poderá aceitar
como seus objetivos da Educação Popular [...]. (PINTO, 1986, p. 106).
De acordo com João Bosco Guedes Pinto, é preciso que os educadores
comprometidos com uma prática da Educação Popular se mantenham em vigilância
constante sempre que o Estado se propor nas realizações de projetos ou atividades da
Educação Popular.
Segundo ele, são desejos e práticas totalmente opostos, e que devemos
desconfiar da boa vontade do Estado em fazer qualquer tipo de investimento que
proporcione à classe trabalhadora a possibilidade da sua autonomia. Na verdade, pelo
que se tem visto até agora, é o desejo do estado burguês é trabalhar para confundir as
classes trabalhadoras, sobretudo as mais carentes, criando e fortalecendo sistemas de
clientelismo com efeitos nefastos na organização política daquelas classes.
Fica claro que na concepção do Estado posto como está não existe a
possibilidade da Educação Popular ser aceita e desenvolvida nas escolas públicas,
mesmo que atuem no Estado educadores comprometidos com a Educação Popular, sua
atuação está diretamente ligada às “determinações” do Estado. Será? O Estado
capitalista só vai continuar existindo enquanto suas forças reprodutoras se cristalizam
no poder e seria ingenuidade nossa acreditar que o Estado como está posto viesse
abreviar a luta das classes trabalhadoras.
Ao concordar com as ideias de João Bosco, não podemos nos limitar a um
pensamento único do estado, vê-lo somente como estar posto, mas sim, de que desde o
64
surgimento da educação popular da qual nos propusemos a dialogar, o Estado tem
passado por algumas transformações e em determinados momentos históricos, houve
governos de esquerda que mantiveram um diálogo mais próximo com as práticas da
educação popular. Por tanto, não dá mais para ficarmos disseminando a ideia de que a
educação popular somente alcança seus ideais fora das instituições, sobretudo, públicas.
O quê fazer então? A cada dia que passa o Estado capitalista para se manter
como tal, implanta programas, atividades, cursos que preparam o ser humano para servir
de peça numa engrenagem cruel e severa. Os meios de comunicação, as instituições de
ensinos, os professores que a cada momento tentam maquiar o sistema capitalista,
passando a imagem de sistema justo e necessário para que as pessoas tenham melhor
qualidade de vida. Parece-me uma longa caminhada, não deveria ser diferente. Como
fazer para transformar diante de uma realidade que todos os outros caminhos mostram
que a mudança não é importante?
Brandão (1986) nos convida a uma reflexão sobre as relações do estado e a
educação, aqui chamada por ele Educação dos Subalternos, permitindo compreender
que essa relação precisa ter olhares diferenciados no momento em que a fazemos.
Uma reflexão sobre as relações entre o Estado e a sociedade civil no que
respeita à educação de subalternos precisa ser revista. Anos de governo
autoritário no país tornaram frequente uma oposição entre modelos oficiais,
os do Estado, e modelos alternativos, os de setores avançados ou
esquerdizantes da sociedade civil. [...] Para dar conta de oposições às vezes
difíceis de compreender, há quem faça o seguinte: 1º) estabeleça uma
modalidade emergente de educação dirigida às classes populares; 2º)
estabeleça uma oposição entre o modelo proposto e um outro, ou outros,
anteriores, ultrapassados ou destinados à pura e simples manipulação de
comunidades de camponeses, operários e outras categorias de oprimidos.
(BRANDÃO, 1986, p. 179)
Carlos Rodrigues Brandão chama a atenção para a educação não-formal,
proposta pelo Estado com o único objetivo de moldar os trabalhadores para uma função
específica no mercado de trabalho. Sua formação é essencialmente técnica para atender
uma demanda do mercado capitalista. Ocorre, porém, que esse modelo de educação não
é ofertada só pelo Estado, inúmeras agências dominantes, travestida de preocupação em
melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores e também por agências denominadas
populares que atrelada ás agências patronais ou estatal utilizam do gozo moral com os
trabalhadores para tentar a domesticação e controle das camadas sociais.
65
Essas agências que citamos ignoram qualquer instrumento de dimensão
pedagógica, seus objetivos é trabalhar a individualidade dos sujeitos ofertando a eles a
formação pessoal de cunho profissional visando colocá-lo como um sujeito consumista,
sua capacitação não passa da aprendizagem de um ofício, geralmente, que o mercado
necessite naquele momento. Esses modelos de educação em nada se voltam à formação
ou organização de qualquer tipo de base popular, sua formação é essencialmente voltada
ao mercado de trabalho.
Novamente, recorrendo a Godotti e Torres (1992), no desejo de inserir a
educação popular nas escolas públicas a fim de que seja uma opção coletiva. Onde os
espaços existentes possam ser preenchidos por educadores comprometidos com uma
educação que atenda aos interesses das classes populares. Segundo eles, uma educação
pública popular pretende expandir o controle dos espaços estatais, mediante os
mecanismos de representação estabelecidos nas democracias liberais.
Isso por si só, não garante a transformação do Estado, pois mesmo dando essas
aberturas minúsculas, o Estado tende a mascarar uma face de dominação e alienação,
preocupando-se em manter a reprodução dos seus domínios, sobre tudo, através da
Escola. Essas práticas seriam insuficientes, principalmente para transformar a Escola.
Tais relações seriam conflituosas, mas que poderia contribuir para fomentar a discussão
da educação popular na escola pública.
Nessa relação Gadotti e Torres (1992), buscam definir como deveria ser essa
“parceria” afirmando que:
De um lado, convidando essas organizações e movimentos populares a
dialogar e a realizar ações em parceria. Consequentemente, as melhores
alternativas dessas vinculações dar-se-ão quando o Estado for ocupado por
partidos políticos que já tenham vinculações efetivas com os movimentos
sociais. É indispensável que o Estado assuma nova realidade mínima dos
novos modelos educativos que se dispõem a iniciar de comum acordo com os
movimentos sociais, destinando os recursos financeiros para esta tarefa. Os
movimentos sociais oferecem, então, seu dinamismo anti-burocrático, para
contrabalançar as tendências e inércias burocráticas que, do todo aparato
administrativo possui, sobretudo quando nunca foi submetido ao controle
popular. Os economistas populares oferecem toda uma energia zelosa, efetiva
e inclusive anônima, de milhares de militantes comprometidos com os
projetos de transformação social. [...] Enfim, transformaria a realidade
burocrática e corporativa do ensino escolar ao incluir a história, a cultura,
conhecimentos e mecanismos de solidariedade social dos historicamente
excluídos. (GADOTTI e TORRES, 1992, p. 12 e 13).
66
Não poderemos cercear os educadores e as educadoras comprometidas com a
Educação Popular dessa discussão. Não queremos com isso, cair na ingenuidade de que
essa será uma relação sem conflitos, mesmo por que não há relações sem conflitos, não
podemos achar ainda, que o Estado burguês aceite fazer tais investimentos em ideais
que buscam transformar o estado. Ao mesmo tempo em que queremos transformar o
Estado é preciso que os espaços sejam preenchidos, e só buscamos preenchê-los se
acreditamos nessa transformação. Transformar o estado burguês um Estado popular, e
democrático e de direito, através das ações populares.
Enquanto alguns defendem a ideia de que não é possível a implantação da
Educação Popular nas escolas públicas, Gadotti (1991) escreve que tal afirmação é não
acreditar que possa haver um Estado Democrático e que essa tendência de Educação
Popular que ultrapassa o nível das comunidades de bairro para influenciar nos sistemas
educacionais públicos, através das ações de educadores e educadoras comprometidas é
uma tendência que pode se firmar com os governos democráticos e com a conquista de
fatias importantes de poder por partidos populares.
Discutir a relação entre Estado e Educação Popular, em um primeiro momento
assusta, a princípio dá a impressão de que estamos fazendo uma defesa do estado tal
como está, o que não é verdade. Sabemos que essa é uma relação conflituosa, mas que
nesse conflito as forças populares possam se sobressair, pois as transformações de
constroem com a vontade política de um povo e não com teorias positivistas.
Gaddoti (1992) afirma que recolocar o papel do estado com base de discussão de
qualquer proposta de educação popular progressista na América Latina lhe parece
sumamente importante. Questionando qual é o papel do estado, uma vez que não é pai,
nem patrão, sobre essas dúvidas ele diz:
Essa não é uma questão que pode ser encarada de forma abstrata, pois este
papel está em tensão permanente. É preciso partir da realidade concreta e
contraditória de nossos estados e como eles se reconduzem em seus diversos
poderes (União, Estados e Municípios) e aparelhos (repressivos, ideológicos,
etc). Há estágios diferentes, momentos diferentes. (GADOTTI, 1992, p. 64)
Não vejo essa preocupação do educador Moacir Gaddoti, como um amaciamento
do Estado, ou vê-lo como cordeiro, bonzinho. Mas entendo que ocupar os espaços
públicos contribuirá para que a luta por uma Educação Popular Pública tome força e se
67
propague entre aqueles que acreditam numa Educação das Liberdades e aqueles que não
acreditam, educadoras e educadores, ao passo em que conviver com a boniteza que é a
Educação Popular também se apaixonarão por ela e os espaços públicos, sobretudo a
ESCOLA, a cada dia mis ocupadas pelos educadores e educadoras comprometidos com
as mudanças.
Continuando o diálogo, Gadotti, sobre Educação popular e o Estado, diz que é
preciso uma análise concreta colocando de um lado o patamar de consciência e
organização da sociedade civil que buscam se fortalecer como grupos orgânicos, no
sentido de lutas e conquistas, e do outro lado, o grau de vontade política dos
governantes, sobre essa relação discorre,
De um lado o Estado capitalista visa pulverizar a ação dos movimentos
sociais populares, limitando-lhes seu âmbito, reduzindo-os frequentemente a
reivindicações econômicas corporativistas, despolitizando os movimentos.
De outro lado, os movimentos organizados da sociedade, estruturados em
sindicatos, associações, conselhos, etc., têm consciência de que sua
participação nas iniciativas do estado tem sido apenas na medida em que esta
não negue a sua autonomia, a sua independência tanto em relação ao Estado
quanto aos patrões e os partidos. A autonomia é condição de sua própria
sobrevivência e fortalecimento. (GADOTTI, 1992, p. 66)
Algumas dúvidas aumentam a cada momento em que aprofundamos nessa
temática. Ausentar-se das discussões, de rediscutir o Estado seria a melhor saída? Isolar-
se, isentar o Estado dos investimentos seria o correto? Acreditamos na possibilidade da
transformação do Estado? De acordo com a direção do Estado, daria para discutir a
Educação Popular? Deveremos continuar demonizando o estado sem apontar a
possibilidade de mudança? É possível a educadora e o educador popular dentro da
estrutura do estado burguês desenvolver suas atividades libertadoras? São algumas
indagações que estão enraizadas em minha curiosidade e a cada momento aumentam
meu desejo de continuar este diálogo.
3.2 Escola Pública Popular
O diálogo sobre a escola pública popular parte principalmente das ideias de
cinco autores que fomentam essa discussão: Paulo Freire, Celso de Rui Beisiegel,
Moacir Gadotti, Ana Maria do Vale e Carlos Alberto Torres. As experiências vividas
pelos autores contribuem para dinamizar esta discussão.
68
Segundo o educador Carlos Alberto Torres (1997), afirma que a primeira
discussão sobre a escola pública popular no Brasil surge com a necessidade de superar
vários graves problemas educacionais que era desde o acesso, a permanência, bem
como, a qualidade do ensino. Nesse sentido Torres conclui que,
A discussão sobre a escola pública popular no Brasil inicia-se, então, pelo
reconhecimento de graves problemas em relação à igualdade de
oportunidades educacionais em termos de acesso, permanência e qualidade.
(TORRES, 1997, p. 70).
Para Torres (1997), a escola pública popular é um conceito que une educação e
hegemonia no Brasil. Onde seus defensores elevam suas críticas ao baixo nível da
qualidade do ensino público além de suas práticas autoritárias. Para aqueles que
defendem essa escola o planejamento das políticas educacionais devem ser elaboradas
pelas classes populares, pois a elas é destinada essa escola que deverá ter em sua
administração um modelo de gestão democrática.
[...] A administração democrática das escolas é uma outra característica
central da escola pública popular. Esse objetivo, que demanda autonomia no
planejamento, no gerenciamento e no controle das operações escolares, com
inputs dos alunos, pais, Movimentos Sociais, professores, diretores e
representantes do Estado, implica uma forte crítica ao planejamento
tecnocrata e à noção de habilidade técnica destituída de qualquer controle
democrático. (TORRES, 1997, p. 70).
A proposta das escolas públicas populares é que todas as decisões sejam
tomadas em conjunto com toda a comunidade escolar e os atores que a compõe,
inclusive o Estado. Que as políticas educacionais dirigidas às classes populares sejam
políticas que atendam seus interesses, suas perspectivas e seus sonhos. Que se disponha
a atender os educandos de acordo com suas necessidades e com o tempo disponível para
participar das construções e das decisões da escola.
Segundo Torres, (1997), a escola pública popular é um conceito que une
educação e hegemonia no Brasil. Além disso,
Seus defensores criticam o ensino público pela baixa qualidade e pelo
autoritarismo. Atrelam sua reforma ao controle do planejamento e da
implementação educacionais pelas forças populares, ou seja, grupos
comunitários ou Movimentos Sociais. (TORRES, 1997, p. 70).
Para a construção da escola popular pública é necessário um amplo diagnóstico
nas suas estruturas físicas, didáticas e humanas, como poderemos falar de uma escola
acolhedora e atraente se todas as suas estruturas físicas estão comprometidas? Se o
69
material didático e pedagógico estão servindo aos interesses da classe dominante?
Como conceber uma escola popular se não valoriza os educadores? Se não compromete
a comunidade escolar?
É preciso superar essas precariedades juntamente com todos: educadoras e
educadores, educandas e educandos, comunidade escolar e poder público. Para que
superando esses obstáculos a escola deixe de ser tradicional, tecnicista, conservadora,
para que se torne uma escola,
Cujos traços principais são os da alegria, da seriedade na apropriação e
recriação dos conhecimentos, da solidariedade de classe e da amorosidade, da
curiosidade e da pergunta, que consideramos valores progressistas
(GADOTTI, 1992, p. 73).
Diante disso, a relação que se manterá entre educando e escola, não se resumirá
apenas ao direito ao acesso. É preciso garantir uma relação justa, honesta, séria que
possibilite a construção e a promoção de novos conhecimentos.
A autonomia é um dos fatores principais nas discussões sobre a escola pública
popular, devendo a mesma constituir uma gestão democrática, criando Conselhos
populares, democraticamente eleitos e com caráter deliberativo em todos os níveis,
Gadotti (1992), coma finalidade de fiscalizar a efetivação e o cumprimento das leis,
devendo diferenciar-se dos burocráticos conselhos de educação, promovendo uma
educação com caráter popular, descentralizando a educação, promovendo suas
concepções críticas tornando a escola popular criativa, acolhedora e atraente. Cabe,
nesse processo, ao Estado garantir recursos matérias, financeiros e humanos para a
garantia da execução dessas ações, contudo, todos esses recursos deverão ser
controlados, dirigidos e investidos pela base.
Segundo Gadotti (1992) somente “uma escola pública autônoma tem maiores
chances de garantir a qualidade de ensino do que uma escola obediente, submissa e
burocratizada”. (GADOTTI, 1992, p. 74). A escola pública, hoje, assumindo esse papel
burocrático – que para atender aos interesses das classes dominantes, não seria diferente
-, leva a escola a um grau de abandono e desinteresse da sociedade em participar da vida
escolar. Vale lembrar, que esse “desinteresse” é um desinteresse programado e
instituído pelo Estado, que começará a romper esse ciclo a partir das ações da Educação
70
Popular, que para efetivamente serem escolas populares deverão ter toda a autonomia
para a execução de suas ações.
Autonomia não significa abandono. Significa o estado possibilitar os recursos
materiais e humanos para que a escola possa realmente fazer uma escola
democrática, e não optar pela miséria. Escola popular não significa escola
pobre e abandonada. (GADOTTI, 1992, p. 74)
Não podemos nós educadores comprometidos com uma educação que promove
a liberdade, a paz, a tolerância e o respeito às diferenças, conceber a Educação e a
Escola Popular como algo sem estrutura, sem conhecimentos, sem autoridade –
diferente de autoritarismo -, algo espontâneo ou simplista. Pelo contrário, os educadores
e as educadoras populares deverão preocupar-se com sua formação, como afirma Paulo
Freire (1996) que o educador que não se preocupa com sua formação e qualificação
profissional, não tem autoridade para coordenar a sala de aula.
A escola pública popular de construir e manter a autonomia na sua direção e
planejamento para que os interesses das classes populares sejam garantidos, a fim de
romper com o ciclo de dominação que tem se perpetuado na educação pública, Torres
(1997), faz a seguinte observação quanto a esses objetivos:
A administração democrática das escolas é uma outra característica central da
escola pública popular. Esse objetivo, que demanda autonomia no
planejamento, no gerenciamento e no controle das operações escolares, com
inputs dos alunos, dos pais, Movimentos Sociais, professores, diretores e
representantes do estado, implica em uma forte crítica ao planejamento
tecnocrata e à noção de habilidade técnica destituída de qualquer controle
democrático. (TORRES, 1997, p. 70)
A escola pública popular deverá oferecer as ferramentas necessárias para a
produção e o desenvolvimento de novos conhecimentos, como também, proporcionar
meios para aprimorar os saberes já existentes. É preciso uma formação política sólida e
uma atuação que vise à superação do corporativismo que promove a dicotomia entre
educação e as questões sociais. É preciso entender que a educação está diretamente
ligada às questões sociais de qualquer nação, as questões das concentrações de renda e
de terras, que aprofundam mais a miséria e as disparidades econômicas e sociais. Não
poderia deixar de está também ligada à política, a violência, a marginalidade, a
corrupção, entre outras coisas.
71
Gadotti (1992) defende uma escola voltada aos interesses e as expectativas das
classes populares, que sua oferta seja em tempo integral para educadores e educandos,
construindo um espaço de trabalho e lazer, criando uma relação desde cedo, do
educando com o trabalho manual a fim de romper com a dicotomia entre o trabalho
manual e intelectual.
Nessa perspectiva, a Escola Popular Pública deverá dá uma atenção especial aos
estudantes trabalhadores, pois para atender as perspectivas desse público, que deveria
haver uma alternância entre estudo e trabalho, nesse caso, seria preciso a redução da
jornada de trabalho para o educando que esteja no mercado de trabalho, pois, seria
desumano a pessoa passar entre dez horas trabalhando e após essa jornada ainda se
dispor a passar cerca de mais quatro horas num banco escolar.
Para Gadotti (1992), essa Escola
[...] não deverá ser confundida com uma escola uniformizada, formando
cabeças em série; deverá ser o local de um sadio pluralismo de ideias, uma
escola moderna; uma escola alegre, competente, científica, séria,
democrática, crítica e comprometida com a mudança; uma escola
mobilizadora, centro irradiador de cultura popular, à disposição de toda
comunidade, não para consumi-la, mas para recriá-la[...] (GADOTTI, 1992,
p. 75)
Não se pode conceber a escola popular nos moldes da escola tradicional que não
tem o compromisso das mudanças necessárias para atender as necessidades e as
perspectivas populares, pois os saberes adquiridos na escola servirão de ferramentas
para que as classes populares através de uma formação política sólida e crítica possam
se fortalecer na luta pela transformação. É preciso sustentar a concepção libertadora da
educação para a construção de um projeto novo, histórico e de emancipação dos
sujeitos.
Repensar a função da educação e da escola sem cair num idealismo ingênuo se
faz necessário em função do momento vivido, acreditar nas possibilidades reais dessas
práticas nas escolas públicas, mas também, levar em consideração as condições reais
vividas pela educação popular, pelos movimentos sociais populares e, sobretudo, pela
necessidade de se construir um caráter educativo que proporcione a comunidade escolar
e a sociedade um diálogo democrático e justo que responda às expectativas das classes
populares.
72
Dialogar sobre as possibilidades reais da Educação Popular nas escolas públicas,
tal iniciativa parte de um desejo, de um sonho, de uma utopia de se acreditar na
transformação do estado burguês em um Estado popular (que atenda os desejos e as
expectativas das classes populares e trabalhadoras, dos pobres, dos nativos, das
minorias – que são maioria). Os espaços públicos, e aqui me refiro primeiro aos espaços
educacionais, ocupados por educadoras e educadores comprometidos com as
transformações que atenda aos desejos e perspectivas das classes populares, poderão
surgir como pilares nessas transformações.
A ausência por um longo período dessas reflexões educacionais, sobretudo a
escola pública, tem causando muita ansiedade em muitos educadores que através de
suas práticas tem percebido a necessidade de se fazer, de trazer para o debate essa
possibilidade e que essa discussão é inevitável e necessária, Souza (1998) afirma que,
De qualquer modo, parece, hoje, ser consenso a necessidade da intervenção e
do potenciamento dessa intervenção dos educadores populares no âmbito da
educação escolar, sobretudo da escola pública [...] (SOUZA, 1998, p. 22).
Apesar de a escola burguesa ter se perpetuado ao longo da nossa história, não
poderemos deixar de reconhecer, que mesmo sob os ditames da escola positivista que
hoje se encontra, Educadoras e Educadores populares, desenvolvem ações da Educação
Popular no seio dessas escolas. Digo, por experiências próprias, que essas educadoras e
educadores populares, não pretendem se isolar, abandonar a escola pública, mas sim,
transformá-la.
Para Gadotti (1992), a Educação Popular cometeu alguns erros, não sabendo
explorar de forma adequada as contradições do Estado, que poderia ter se apropriado em
alguns momentos de mecanismos que pudessem se fortalecer para o controle público
em face aos objetivos concretos da Educação Popular.
Minha tese é de que a Educação Popular na América Latina não soube
explorar adequadamente essas contradições do Estado, em alguns casos
opondo-se mecanicamente a ele, em outros, isolando-se perdendo sua força.
Por isso, ao mesmo tempo, coloco também em questão uma educação
popular que não reconhece as contradições do Estado ou não luta pela sua
transformação concreta. A educação popular implica não só a formação
consciente do cidadão – sua função conscientizadora. Só o controle político
da sociedade civil, altamente organizada, sobre o Estado, pode garantir as
conquistas democráticas e o socialismo, o qual também pressupõe as
conquistas democráticas como pluralismo político e o Estado de direito.
(GADOTTI, 1992, P. 65)
73
Por isso, as ações que hoje as educadoras e os educadores populares,
desenvolvem nas escolas públicas, ainda que não seja “oficial” e nem poderia ser (na
ótica do estado hoje), faz com que as ideias de uma educação que atenda aos anseios e
as expectativas das classes populares sejam desenvolvidas nas escolas púbicas, entendo
público, como sendo do povo. E são essas ações que em alguns casos isolados, vão se
multiplicando, se organizando, se fortalecendo para que os espaços públicos sejam
ocupados por aqueles comprometidos com uma educação que liberta.
Para dialogarmos um pouco mais sobre Educação Popular na Escola Pública,
mais uma vez, recorreremos ao Educador Moacir Gadotti e a experiência que teve na
Secretaria de Educação e Cidadania da cidade de São Paulo. Apesar dos investimentos
públicos a escola deverá ter sua autonomia para gerir esses recursos e desenvolver suas
atividades não perdendo suas utopias, seus sonhos e na transformação da sociedade:
“[...] uma escola cuja boniteza se manifeste na possibilidade da transformação do sujeito
social”. (GADOTTI, 1992, p. 73). Os investimentos públicos na Educação Popular (que
se torna pública) não deverá submeter à escola a submissão (o que deixaria de ser
Educação Popular).
Ana Maria do Vale (1996), traz um rico diálogo sobre a educação popular na
escola pública, abordando desde as lutas populares à prática da educação popular na
escola pública, contribuindo na discussão desse tema. Apesar da imposição da escola
burguesa que oferta às classes populares o “conhecimento” para uma função específica
que atende aos interesses do mercado capitalista, nesse contexto, Vale (1996), afirma
que:
O saber adquirido pelas camadas populares paradoxalmente possibilita-lhes
enxergarem o mundo de uma forma diferente, questionadora e crítica do
próprio domínio burguês. Aguça-se com isso a luta de classes no interior da
escola. A prática escolar, ao apresentar-se enquanto função reprodutora,
contraditoriamente possibilita transformações, e essas transformações passam
necessariamente pela esfera do saber. A natureza do saber que é transmitido
pela escola denuncia o potencial político e valorativo frente à sociedade de
classes, justificando, inclusive, o embate no seu interior pela disputa desse
saber. (VALE, 1996, p. 18)
Os saberes acumulados das classes populares, trazidos às escolas, contribuem
para que educador partindo dessas contradições, fomente um diálogo sobre como a
educação tem contribuído para promover a liberdade ou a opressão dos sujeitos e que os
espaços escolares são locais de disputas, de um lado um grupo querendo perpetuar-se no
74
poder e reproduzindo seu sistema elitista e excludente, através de uma educação injusta
e reprodutora, de outro lado, educadores e educandos que lutam e sonham com uma
educação que promova a paz, as liberdades e a emancipação dos sujeitos.
Esperar pela “bondade” do Estado em ofertar uma educação que promova a
autonomia dos sujeitos, é uma atitude ingênua, como também seria ingênuo acreditar
que a implantação de uma educação popular nas escolas públicas só seria possível após
uma revolução radical da sociedade. As ações pedagógicas de uma educação popular
deverão ter início pelos educadores populares, ocupando os espaços públicos e
apresentando esse jeito de aprender e ensinar como alternativa para atender os interesses
populares.
Identificar-me como educador popular, me organizar enquanto grupo, é essencial
para o fortalecimento dessas ideias e práticas, não esperar que o Estado travestido de
cordeiro, convoque os professores, como tem feito ao longo da história,
[...] é certo que as primeiras Conferências surgiram não por iniciativa de
educadores, mas por iniciativa do próprio Estado, na tentativa de cooptar
novos ideais, “testar” a aceitação de algumas medidas, “cooptar” quadros
dirigentes e, finalmente “desmobilizar” possíveis organizações dos
educadores, principalmente de professores de escolas públicas (VALE, 1996,
p. 21).
As críticas que a autora tece sobre essas práticas são que dessa forma as decisões
são tomadas em ordem vertical, ditadas por um Estado que tem compromisso com a
classe dominante e sem o mínimo interesse em ofertar uma educação que contrarie
aquilo que ele defende.
Apesar de muitos professores, parecer acreditar que as mudanças não são
possíveis, voltamos a afirmar que ações bonitas de educadores nas escolas públicas,
ainda que solitárias, não reconhecidas e valorizadas pela academia e pela sociedade, são
“pingos” de esperança para esses professores, hoje desacreditados possam desperta-se e
ajudar a construir um novo momento, [...] O que deve mudar é a postura e não as
pessoas (GADOTTI, 1986, p. 442).
Finalizando seu diálogo sobre a escola pública popular o professor Carlos
Alberto Torres (1997), descreve seus grandes desafios, atuar com as classes populares
75
pela defesa de uma educação de qualidade que compreenda, partindo da sua realidade a
criança, o jovem, os adultos e os idosos das classes populares.
[...] a escola pública popular, tenta desafiar a necessidade da privatização
cada vez maior dos serviços públicos, lutando, em vez de disso, por um maior
investimento no ensino público e pela democratização do acesso,
relacionando ao mesmo tempo a eficácia escolar às necessidades
educacionais e sociais de crianças e jovens das classes populares. Finalmente,
ao unir o ensino público aos movimentos populares, esse projeto enfatiza o
controle democrático – em oposição ao controle autoritário ou tecnocrata –
dos recursos educacionais, do planejamento e da gestão (democratização da
gestão). (TORRES, 1997, p. 72).
De acordo com os autores pesquisados a educação popular é o modelo de
educação que atende às necessidades dos meninos e das meninas, dos homens e das
mulheres que hoje buscam a escola pública. A união do ensino público com as classes
populares não se dará sem conflitos, mas com possibilidades reais de se construir o
controle democrático dos recursos educacionais, dessa forma, se opor ao controle do
popular e do público pelas classes dominantes.
76
CAPÍTULO IV
4. AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE DUCADORES POPULARES NUMA
ESCOLA PÚBLICA DE CUIABÁ
4.1 A fala dos educadores
Nos diálogos construídos com os educadores, suas falas foram fontes
importantes na construção das concepções sobre a atuação do educador na escola
pública. Este espaço foi destinado para que os educadores contribuíssem com seus
conhecimentos teóricos, abordando temas como sua concepção da função da educação e
da escola, como se dá sua atuação, sua formação e perspectivas que os mesmos têm com
a educação que eles acreditam e defendem que de acordo com suas práticas, é uma
educação que proporciona a liberdade e a emancipação.
Ao iniciar meu diálogo com a educadora M, a mesma fez questão de começar
falando sobre sua vida, sua luta e sonhos, durante mais de quarenta anos como
educadora, a maior parte dela, na escola pública. Seus depoimentos sempre foram
regados de alegrias e tristezas, “as vezes eu olho para trás e vejo como nós educadores,
sofremos, em função da opção que fazemos” (educadora M, 60 anos).
Este ano estou me aposentando, e levo comigo certa tristeza, tristeza por ter
atuado mais de trinta anos na sala de aula e a educação que nós acreditamos
não ter sido uma opção para maioria os educadores. Foi duro ter que atuar
isoladamente, falar de Paulo Freire, falar de emancipação, falar de autonomia
foi sempre uma opção pessoal e não coletiva. Encontramos resistência na
própria escola. (educadora M, 60 anos)
E acrescenta,
Levo comigo a certeza dos meus ideais, que acredito que um dia a sociedade
vai despertar para a grandeza e a importância que a educação popular pode
trazer às pessoas. Acredito que como eu resisti, existam dezenas, centenas de
educadores que estão no interior das escolas atuando como educadores
populares que sonham e acreditam numa educação que atenda aos interesses
das classes populares (educadora M, 60).
77
Durante suas falas a educadora visivelmente se emociona, durante esse nosso
diálogo à medida que ela responde minhas perguntas, seus olhos fazem uma busca de
cada canto da escola, parecendo encontrar ali, as respostas para as minhas indagações.
Pausadamente, com a calma de quem dedicou sua vida às práticas de uma educação
libertadora, de quem amou cada sujeito como sujeitos únicos, expressa em cada palavra
seu amor pela educação e pelas gentes.
Como a educadora M, acredito que inúmeros educadores e educadoras populares
estão no interior de tantas outras escolas públicas atuando de forma “isolada”, mas
crentes no sonho de uma escola popular pública que venha atender aos interesses da
comunidade escolar, sobretudo, das classes populares que são os grandes frequentadores
das escolas públicas.
A partir dessas ações, desses educadores populares algumas indagações me
incomodam: É possível ser educador popular na escola pública? Eu sendo um educador
popular, deixarei de ser apenas por ser um servidor público? Por que a academia não
reconhece esses práticas e esses educadores? São algumas inquietações que nos move
sobre o tema.
Questionada se era possível um educador popular dar aulas em uma escola
pública, que oferta uma educação que interessa a classe dominante, ao passo em que a
mesma me respondeu que “não é porque estou numa escola burguesa que serei igual,
minha opção é uma opção de vida, é claro que você não pode achar que pode tudo, mas
eu nunca deixei de ser educadora popular por trabalhar na escola pública” (educadora
M). Segundo a educadora,
Tem professor que espera um milagre acontecer, espera que primeiramente a
sociedade se transforme para poderem atuar como educadores, eu não. Se
depender desse milagre, jamais teremos uma educação e muito menos uma
escola popular. (educadora M, 60 anos).
Encontramos em Freire (1996), de que não podemos esperar uma revolução da
sociedade capitalista para uma sociedade socialista para podermos atuar como
educadores libertadores. Muito menos esperar que o Estado burguês com seus interesses
excludentes, se sensibilize e aceite pacificamente a atuação de educadores que colocarão
em riscos suas verdades e seus domínios.
78
A educadora M, se sente muito à vontade para falar da sua relação com seus
educandos, além do seu depoimento pude perceber essa relação de respeito, carinho e
amizade quando estive observando suas aulas. Essa relação, conforme observada
constatei ser uma relação sólida e de confiança mútua, demonstrando seriedade na
liberdade construída e essa relação não se limitava aos espaços escolares.
Essa relação, como a educadora mesmo define “é uma relação de quem gosta de
gente, de quem é apaixonada pelas pessoas” (educadora M)
A relação que mantenho com meus educandos é uma relação de quem quer
bem ao ser humano, não me importa o sexo, a cor, a idade, o que me importa
é que é um ser humano que tem sentimentos, que sente dor, quem tem medo,
que tem sonhos e que quer ser amado, então, eu simplesmente os amo. Esse
amor, não é um sentimento frio, que os ver como coitadinhos, mas sim, que
os reconhece como sujeitos explorados e oprimidos e esse amor, não impede
que eu cobre deles que supere o senso comum que está sendo a verdade deles
(Educadora M, 60 anos)
Sobre essa relação Freire (1996), explica que,
A minha abertura ao querer bem significa a minha disponibilidade à alegria
de viver. Justa a alegria de viver, que, assumida plenamente, não permite que
me transforme num ser “adocicado” nem tampouco num ser arestoso e
amargo (FREIRE, 1996, p. 141)
Nos momentos em que dialogávamos, senti que a educadora, queria aproveitar o
máximo para falar, parecia-me que a mesma, após tantos anos ouvindo, queria ser
ouvida, após uma vida dedicada a compreender, queria ser compreendida e que via em
nossos diálogos uma oportunidade de falar sobre o seu sonho “não realizado” da
educação popular ser uma opção coletiva dos educadores que atuam nas escolas
públicas.
A educadora demonstrava em suas palavras um sentimento de tristeza por não
ter conseguido ver nas escolas públicas a educação que ela acredita, mas ao mesmo
tempo em que deixava esse sentimento a mostra, a docilidade de suas palavras e o brilho
nos olhos exalava alegrias e felicidades em ter dignamente cumprido sua missão de
educadora comprometida com uma educação que promove as liberdades e a paz entre as
pessoas.
Outro educador sujeito desta pesquisa que deu uma contribuição muito bonita é
o pedagogo S, que vem atuando há mais de três anos junto aos educandos da
79
modalidade EJA na turma de primeiro segmento do ensino fundamental. Sua atuação
me chamou muito atenção em face da proximidade com o método Paulo Freire, e ao
falar sobre educação, escola e educando, trata os assuntos com muito carinho, respeito e
compromisso.
Questionado sobre a função da educação o mesmo diz que “dependendo do seu
interesse a educação tanto liberta como aprisiona” (Educador S) e continua,
Dependendo no ponto de vista e do interesse a educação liberta ou aprisiona,
emancipa ou oprime, prega a paz e justiça ou faz reproduz um sistema
injusto, cruel ou desigual. Por isso, não basta só ter educação, é preciso ter
uma educação comprometida com as transformações sociais, comprometida
com os sujeitos, com os interesses do povo. (Educador S, 43 anos )
Questionado sobre como atua um educador libertador numa escola que reproduz
os interesses das classes dominantes, o mesmo afirma que “quando se faz essa opção, já
sabe o que vem pela frente, críticas e perseguições. Mas para as classes populares
sempre foi assim e é preciso denunciar, gritar, se indignar para que as transformações
aconteçam”. Para ele, é preciso aproveitar os espaços para debate para defender as
práticas da educação popular. É preciso, segundo ele, mostrar aos educandos de classes
populares que os mesmos estão recebendo uma educação que está na contra mão dos
seus interesses.
Para ele, a educação popular parece algo longe de se alcançar, não por que
educadores não queiram, mas pelas definições que alguns autores tecem sobre o tema
“existe coisas bonitas que a gente faz, em alguns momentos, pode até parecer
ingenuidade, mas a gente faz de coração e isso melhora a vida das pessoas”. Com isso, o
educador S, quer dizer que na educação popular existe uma regra: ou é isso ou não é.
Confessando certo incômodo sobre a “arrogância acadêmica” sobre o que eles fazem é
educação popular ou não.
Segundo o educador S, as práticas da educação popular são limitadas a ações
isoladas de alguns educadores. Por conta própria enfrentam os conflitos reconhecem os
limites, no entanto, acreditam na possibilidade de uma educação de possibilidades que
atendam os sonhos das classes populares.
Aqui são mais de cinquenta professores, não mais que cinco sabem sobre a
educação popular, e se você for falar com eles sobre o que de fato é a
80
educação popular, a maioria vai gostar, vai querer saber mais e tenho certeza
que convenceríamos a maioria deles (Educador S, 43 anos)
Para o educador S, a “recusa” de muitos educadores e educandos com a
educação popular é a falta de conhecimento. Para ele é preciso educadores e educadores
se rebelarem contra essa ideia.
Eu percebo que a grande recusa da educação popular na escola pública por
parte dos professores e alunos é a falta de conhecimento, as classes
dominantes fazem um trabalho tão intenso de opressão que nos fazem sentir
culpados pela nossa própria miséria. E isso, acaba tomando força junto aos
professores e alunos, às vezes acho que estou remando contra a maré
(Educador S, 43 anos)
Talvez seja preciso remar mesmo contra a maré. Uma maré que se inicia numa
ordem vertical impondo às classes populares mordaças e algemas com o objetivo de que
as mesmas continuem na sua condição de objeto que servem para manter uma ordem
posta por uma elite dominante.
Sobre a relação com os educandos o mesmo relata que para se manter uma
relação harmoniosa numa sala de aula, onde há diferenças de idade, religião, opção
sexual, tem que ter muita paciência para se construir uma relação de respeito, pois todos
estão ali, acreditando que a sua verdade é a verdade absoluta e que até desconstruir
alguns conceitos e construir outros leva certo tempo.
A primeira coisa que converso com os meus educandos é que precisamos
respeitar e as diferenças, o segundo passo é conviver com essas diferenças o
que é mais complicado. [...] Com o passar do tempo esses laços de amizades
vão crescendo e a gente começa a entender melhor e respeitar os outros [...]
eu tenho o número do telefone de todos os meus educandos, a gente se fala
muito fora da escola, convites para almoço e festinhas não faltam, a partir do
momento em que a gente vai estreitando as nossas relações a confiança
aumenta, aumentando a confiança o aprendizado melhora. (Educador S, 43
anos).
No decorrer dos diálogos construídos com o educador pesquisado e seus
educandos, além das observações feitas, foi possível constatar a veracidade dessa
relação, os educandos se dirigiam ao educador com muito carinho e respeito – jamais
com medo ou inferioridade – e essa relação se fortalece ao momento em que os laços de
confiança aumentam.
O educador S, convicto de suas teimosias afirma que “a educação estar a serviço
da felicidade das pessoas e não a serviço de grupos econômicos” (Educador S). Para ele,
81
sua atuação independe da posição do estado. E que tem aproveitado essa relação, para
denunciar a seus educandos a educação ofertada a eles. Para ele, essas atuações,
indiretamente, têm contribuído para o surgimento de políticas públicas educacionais que
começam a atender os educandos a partir de suas necessidades.
Ao nos dirigirmos para o final do nosso diálogo, o educador afirma que reduzir
a educação ao ambiente escolar, é um erro e uma ideia de quem ver a educação como
uma transmissão de conhecimento, não como uma ferramenta que liberta e para que isso
aconteça o educador tem que ter disponibilidade para dar maior atenção aos educandos,
conhecê-los e aproximar-se mais deles, independentemente da faixa etária.
E ao final, descreve, segundo seu entendimento, como deveria ser o trabalho do
educador,
Às vezes fica muito difícil você manter contato com o aluno somente na
escola, as coisas não avançam, penso que o educador deveria trabalhar
somente um período e o outro seria para a formação e para conhecer melhor
seus educandos, quem sabe conhecendo seus sonhos e suas perspectivas
poderíamos oferecer uma educação que atendesse seus interesses (Educador
S, 43 anos)
Encontrei no educador S, um sujeito de possibilidades, como diria Freire,
entusiasmado com a educação e esperançoso com um mundo melhor. Mas, como a
educadora M, também S, carrega consigo grandes angústias de ver que suas ideias e
suas vontades andam em ritmo mais acelerado do que as mudanças que ele gostaria que
ocorressem.
Com a educadora G, que trabalha no período vespertino, ao iniciar nossos
diálogos, indaguei sobre sua visão de escola e de educação que hoje é ofertada. Para ela,
“a educação hoje oferecida pelo estado é uma educação que não atende às necessidades
dos alunos” e continua,
Acredito que a escola deveria estar sempre disponível aos alunos. Não seria
legal se a escola oferecesse aulas nos finais de semana? Ou através da
internet? Ou quem sabe atender os alunos a partir dos seus sonhos? Dos
conhecimentos que se propõem em construir e reconstruir? Mas não, ao
contrário, oferecemos uma educação que através da escola exclui uma
infinidade de gente. Ou você aprende aquilo que o estado determina ou você
está fora do processo. (Educadora G, 42 anos)
Segundo a educadora, sua metodologia de ensino é “inspirada” em Paulo Freire.
Mostra-se incomodada com a “opção” feita pela maioria dos educadores em continuar
82
trabalhando uma educação que privilegia aos interesses das classes dominantes em
detrimento aos interesses das classes populares.
A educadora percebe que suas ações pedagógicas têm despertado nos educandos
“o gosto pela crítica, sinto que eles estão só esperando alguém motivá-los para que eles
se reconheçam como sujeitos” (Educadora G, 42 anos,).
Para ela, o fato do educando, por si só, estarem em busca de uma escola com o
objetivo de melhorarem de vida já é um sinal de querer romper com a situação em que
se encontram. E aproveitar esse desejo para mostrar-lhes que além de ler e escrever
existe um mundo muito melhor a ser buscado é um dos grandes desafios dos
educadores.
Enquanto esses alunos buscam sua autonomia, com investimentos próprios,
tendo que enfrentar vários obstáculos como a idade, o trabalho, a falta de
apoio, o cansaço e muitas vezes o preconceito, a educação ofertada busca
mantê-los na condição de objetos. (Educadora G, 42 anos)
De acordo com as declarações da educadora G, o modelo atual de educação está
em crise e que é o momento de aproveitar essa insatisfação dos educandos e da
sociedade para propor um modelo que atenda os interesses das classes populares.
Eu penso que vai chegar um momento em que não dará mais para suportar
esse modelo de educação. Você olha para os alunos e percebe a insatisfação,
o desânimo, e a falta de interesse deles virem para a escola. Tudo isso, em
função de uma educação e de uma escola que não trás motivação aos alunos,
com isso, o professor também fica desmotivado. E assim, muitas vezes os
professores fingem que ensinam e os alunos fingem que estudam. Acho que
os professores deveriam aproveitar esse momento é se mobilizarem para a
implantação de uma educação de verdade. (Educadora G, 42 anos)
Nos diálogos construídos com a educadora, pude perceber sua insatisfação, mas
ao mesmo tempo, percebi que apesar da sua vontade em discutir a educação popular
como uma possibilidade na escola pública, falta algo que a contagie ainda mais. Que
possa fazer uma defesa em todos os cantos e em todos os espaços em que esteja. Falta
algo para que ela se sinta mais à vontade para defender suas ideias. Despertar do sono
profundo. Acredito que a educadora se sinta como tantos outros, isolada na defesa desse
sonho.
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A educadora W, que atualmente é diretora da escola pesquisada, inicialmente,
fala de como se dá a relação com o estado, uma vez que seus interesses e sua visão de
educação e escola são totalmente antagônicos aos do estado,
Em função dos meus interesses serem bem diferente dos interesses do Estado,
nossa relação, em vários momentos, tem sido conflituosa. Mas o que eu não
posso e permitir que a confiança depositada em mim e que a oportunidade
que tenho de brigar por uma escola democrática seja sufocada por interesses
das classes dominantes. (Educadora W, 45 anos).
Segundo a educadora quando se faz a opção pela defesa de uma escola
democrática, numa sociedade capitalista, essa opção precisa ser regada de um profundo
querer bem as pessoas. É uma tarefa que exige do educador amor pela vida e pelas
pessoas. Exige compromisso com a liberdade e com a tolerância. Para ela, “essa opção é
um risco que se corre em ficar sozinho, nessa longa caminhada”. Mas, é também, é uma
possibilidade de encontrar, nesse caminho, uma infinidade de pessoas que estavam
esperando esta oportunidade de dar as mãos e caminharem juntas.
Questionada sobre como se dá se trabalho com os professores na escola em que
coordena, a educadora diz que seu trabalho é dialogar com os professores tentando
convencê-los da importância da educação popular, mas reconhece que parte dos
professores resiste à ideia, e pior, a combatem. Para W, é nos professores mais jovens
que tem encontrado esse apoio, pois são eles que demonstram uma maior vontade de
mudanças.
O que mais me dói é ver tantos professores que se recusam a defender uma
educação e uma escola que compreenda as pessoas como sujeitos livres. Minha
grande esperança são esses novos professores que me aparecem cheios de
entusiasmos e empolgados com a possibilidade mudanças. Não quero dizer
com isso, que não haja professores mais antigos que não tenham esse
compromisso, mas parece estar na juventude esse desejo de mudança.
(educadora W, 45 anos).
Durante nossos diálogos que se deram em momentos e locais diferentes,
questiono a educadora sobre ela acreditar que existe alguma possibilidade da educação
popular ser uma opção coletiva e ser implantada nas escolas públicas. A educadora,
após um período com o olhar distante me responde:
Sinceramente, eu acredito! Aqui na nossa escola, todos os educandos - e
educadores - são de classes populares, são pessoas que durante toda sua vida
foram marginalizados, foram lhes negado direitos. Direitos da alegria, da
comida, de dizer sim, de dizer não. Agora eu pergunto: Se nossos educandos
84
são de classes populares, por que uma educação que não defende seus
interesses? Claro que a resposta nós sabemos. (educadora W, 45 anos).
De acordo com a educadora pesquisada, para que tenhamos uma educação e uma
escola popular, mesmo numa sociedade capitalista como é a brasileira, é preciso
acreditar. E que esse acreditar não se reduza a discursos românticos ou a simples
ingenuidade. Esse acreditar deve vir dosado de rebeldia onde homens e mulheres
comprometidos com uma sociedade justa e fraterna se apresentem na construção desse
novo mundo.
No decorrer deste trabalho pude acompanhar a educadora em vários encontros
com os demais professores, sala do educador, reunião administrativa, formação
continuada, reunião de pais e mestres, e em todos os momentos, ela tem demonstrado
empenho em fazer do espaço escolar um ambiente acolhedor e agradável a seus
educandos. Inúmeras foram às vezes em que a educadora falava aos professores a
importância dos educadores nesse processo de rompimento com as normas impostas por
um sistema elitista às classes populares.
Saindo dos encontros, ao mesmo tempo em que a educadora, sentia grandes
alegrias em ver que seu testemunho tinha chamado a atenção de alguns, também não
escondia a tristeza em saber que muitos resistem a essas ideias, educadores e educandos.
Da classe dominante a gente já espera essa resposta, sabe que os interesses são
antagônicos, porém, o que dói e a ver professores e alunos, logo eles que
também são oprimidos, resistindo a um modelo de educação cuja finalidade é
atender seus interesses. (Educadora W, 45 anos).
A classe dominante faz muito bem seu papel. Ao longo da história ela tem
articulado um processo muito intenso no “convencimento” das classes populares. Fazem
com que acreditem que a vida é assim mesmo, que a verdade é das classes dominantes.
E o caminho mais fácil é infiltrando pessoas que defendam suas ideias junto às classes
populares.
W, observa que para que haja mudanças, especialmente nos espaços escolares, é
preciso ocupar esses espaços que forma de expressão,
Nós temos que entender que muita coisa mudou, que a situação política do
país é outra, por isso, precisamos avançar. É claro que a classe dominante
estará sempre defendendo, com todas as forças, os seus interesses, que são
totalmente contrários aos interesses das classes populares. Mas precisamos
85
fazer a educação popular no espaço que atuamos, independentemente do que
o Estado impõe. (Educadora W, 45 anos).
Apesar das dificuldades e dos conflitos, a educadora jamais pensou em desistir
da luta, “Quantas vezes você olha para o lado e não ver ninguém bate um desespero,
mas a vontade de continuar e a certeza de que é possível, é bem maior” (Educadora W,
45 anos). De acordo com a educadora, poderíamos fazer a seguinte pergunta: onde está
todo mundo? Onde estão os educadores comprometidos com uma educação libertadora?
Com certeza, espalhados por aí, nos quatro cantos desse imenso planeta.
Notei que todos os educadores sujeitos desta pesquisa, se sentem “isolados”, sem
um amparo que os fortaleça e os incentive a continuar a luta. Diante disso, não seria
interessante os educadores se aproximarem, se organizarem e lutarem juntos? Quantos
educadores que hoje, desenvolvem suas atividades no interior das escolas públicas, e
que gozam de respeito e carinho dos seus educandos? O que nos falta?
Esses quatro educadores que foram sujeitos desta pesquisa, que são diferentes,
têm muito em comum e o principal deles é acreditar na possibilidade da escola pública
atender as necessidades de quem ela presta seus serviços: as classes populares. Que o
educador possa ser esse sujeito de possibilidades que construa e mantenha uma relação
de respeito, de carinho, de tolerância e de compreensão com seus educandos. Onde os
saberes trazidos da vida para a escola não sejam ignorados, mas sim reconstruídos, a
partir de suas experiências acumuladas. Que a escola seja um ambiente de alegrias, de
companheirismo, de liberdades e de tolerância. Enfim, que a educação sirva, acima de
tudo, para trazer felicidades, trazer liberdade e promover a autonomia desses sujeitos.
4.2 Um olhar sobre as práticas pedagógicas dos educadores
As observações que fiz junto aos sujeitos não se limitaram à sala de aula. Nossos
diálogos se deram em momentos variados, como por exemplo, nas salas de aula, nos
intervalos, na entrada e na saída da escola, além de outros momentos. Passarei a relatar
três aulas que mais me chamaram atenção. Inicio com uma aula, denominada pelo
processo escolar como Turma de Origem, com o educador S, em seguida descrevo uma
86
aula de Oficina Pedagógica (OP), com a educadora M, e finalizarei com uma Aula
Cultural (AC) com a educadora G.
Chegamos à sala de aula às 07h00, onde já se encontravam alguns educandos,
todos foram cumprimentados pessoalmente pelo educador e na medida em que iam
chegando todos se dirigiam ao educador para cumprimentá-lo. Os educandos ao
chegarem à sala de aula sempre traziam consigo algum assunto, saúde, violência,
família, entre outros.
As 07h30 o educador inicia a aula preparada, inicialmente com uma mensagem
ao qual foi denominada pelo grupo como “momento de sabedoria”, após a leitura da
mensagem que falava sobre as “gratuidades de Deus”, abre-se o momento para as
discussões.
As falas a seguir seguem de acordo com o entendimento de cada educando,
observando, suas falas sempre carregadas de senso comum.
- a gente reclama da vida enquanto tem tanta gente passando fome – diz uma
educanda.
- a gente tem que agradecer a Deus por ter saúde e um dinheirinho para
comprar o que comer. Afirma outro.
- Deus dá tudo de graça pra gente, ar, sol, água, terra e tem gente que não
agradece. Fala um educando que se encontra no fundo da sala.
Neste momento o educador começa a fazer algumas indagações:
- Se Deus nos dá tudo de graça, por que tem tanta gente passando fome? Por
que tem tanta gente sem água? Por que tem tanta gente sem terra? Por que tem tanta
gente sem ter onde morar?
Há um silêncio na sala de aula. O educador começa a incentivá-los à discussão,
momento em que uma educanda interrompe o silêncio e diz:
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- Água de graça? Terra de graça? Tá bom! Se eu não pagar minha água vão lá
e cortam, essas coisas que servem para dar vida às pessoas viraram foi um comércio. E
conclui: Deus deve estar muito decepcionado.
Novamente o debate toma conta da sala de aula, aqueles que opinaram sobre a
gratuidade, começavam a pensar diferente, o educador começa a explicar sobre as
mentiras que a educação até então lhes tinham ensinado, e o debate continua;
- professor, eu acho que tem gente que vive enriquecendo através da miséria dos
outros, esses dias professor nós fizemos um comparação entre o que eu ganho com o
que ganha o Ronaldinho Gaúcho, eu vou ter que trabalhar sessenta anos para ganhar o
que ele ganha em uma semana, eu acho que é muita injustiça, desse jeito o pobre vai
continuar padecendo. Disse uma educanda.
- Nossa professor! A gente acha que sabe né? Mas na verdade nós só estamos
falando o que os poderosos querem que a gente fale. Disse outro educando. Surge mais
um comentário,
- É por isso que os governantes não querem que os pobres vão à escola, pois
aqui a gente fica sabendo de um monte de coisas que eles dizem, mas que na verdade é
tudo mentira. Conclui outra educanda.
Percebo que nestes momentos de discussões na sala de aula, todos os educandos,
motivados pelo educador, expressam suas opiniões, e o que penso ser mais importante,
eles descobrem que parte daquilo que lhes ensinaram, foram meios de fazer com que
permanecessem na condição de objetos.
Num momento seguinte, o educador me fala que acredita que esse é um dos
momentos mais ricos da aula, pois segundo ele,
É onde aproveito para provocá-los: eles têm esse conhecimento crítico, mas como nunca
foram ouvidos e compreendidos eles acabam caindo no senso comum, acredito eu, que
até para agradar. Mas é através dos conhecimentos deles, que avançaremos para
ultrapassar o senso comum. (Educador S, 43 anos)
O momento a seguir, o educador inicia o momento de letração, nessa aula,
apresentou as palavras temas: Carteira de Trabalho
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C.T.P.S (Carteira de Trabalho e Previdência Social)
O educador apresenta aos educandos um breve histórico sobre a Carteira de
Trabalho, falando da sua importância e da sua garantia aos trabalhadores do país. No
momento em que surgem as explicações sobre a carteira de trabalho a atenção toma
conta dos educandos, noto que o tema prende muito a atenção da sala.
Na oportunidade foi feito um levantamento na sala de aula quem trabalhava com
carteira de trabalho assinada. O educador situou os educandos sobre o tema, após essas
explicações é passado um texto que será utilizado posteriormente para alfabetização:
A carteira de trabalho e previdência social é um documento obrigatório para
quem venha a prestar algum tipo de serviço profissional no Brasil. A carteira de
trabalho comprova dados sobre a vida funcional do trabalhador.
O educador me explica que o eixo do trimestre é TRABALHO e que tem
trabalhado sempre palavras que tenham haver com a realidade dos educandos, que são
trabalhadores e “como eles já vem com muitos conhecimentos, além da alfabetização
importante que eles compreendam o meio social em que estão inseridos”. (Educador S,
43 anos).
Para o educador o primeiro momento é para letração, que compreendo como a
decodificação dos códigos linguísticos e o reconhecimento das letras e suas famílias. Já
o segundo momento ele vai trabalhar a alfabetização, que compreendo como além desse
reconhecimento é compreender sua utilização. Desse texto ele retira algumas famílias
silábicas, nessa aula ele usou a família do:
Tra – Tre – Tri – Tro – Tru
Pra – Pre – Pri – Pro – Pru
Bra – Bre – Bri – Broi – Bru
A – E – I – O – U
Ao me deparar com a metodologia apresentado pelo educador não teve como
não relacionar ao método Paulo Freire em que usaremos como exemplo, encontrado na
sua obra Educação como prática de liberdade (1969), que assim apresenta:
89
- Apresenta a palavra geradora “TIJOLO” inserido na representação de uma
situação concreta: homens trabalhando numa construção;
- Escreve-se simplesmente a palavra: TIJOLO;
- Escreve-se a mesma palavra em sílabas separadas: TI – JO – LO
- Apresenta-se a “família fonêmica” da primeira sílaba: TA – TE – TI – TO –
TU;
- Apresenta-se a “família fonêmica” da primeira sílaba: JA – JE – JI – JO – JU;
- Apresenta-se a “família fonêmica” da segunda sílaba: LA – LE – LI – LO –
LU;
- Apresentam-se as famílias fonêmicas da palavra em que está sendo
decodificada: TA – TE – TI – TO – TU; JA – JE – JI – JO – JU; LA – LE – LI – LO –
LU;
- Apresentam-se as vogais: A – E – I – O – U
A semelhança que se encontra na metodologia desses educadores com o método
Paulo Freire vai além da alfabetização, é muito mais que decifrar códigos. Percebemos a
ação política e social. Essas ações pedagógicas, ainda que isoladas, ainda que tímidas,
precisam ser descobertas, divulgadas e comemoradas.
Por volta das 08h00 chega um educando de aproximadamente 50 anos de idade,
com uma proteção no joelho, se desculpando com o educador pelo atraso, informando
que quase não vinha na aula em função do patrão não o ter liberado na hora combinada.
A aula segue em ritmo animador, o educador vai à carteira de cada um tomar a leitura
do texto, alguns têm muita dificuldade em escrever e formar palavras.
As 08h30 o educador libera a turma para o intervalo, alguns preferem ficar na
sala de aula, o educador nesse período aproveita para conversar particularmente com
alguns educandos,
Dificilmente, no intervalo eu vou para a sala dos professores, lá, é só
reclamação. Eu prefiro continuar com os meus educandos, lanchar com eles,
90
falar “besteira”, cantar, contar segredos ou simplesmente observá-los.
(Educador S, 43 anos)
Retornando do intervalo alguns educandos sempre aproveitam para iniciar
assuntos relacionados ao seu cotidiano, com isso, o educador dispensa mais alguns
minutos para atender essas curiosidades, em seguida, sem inibir a curiosidade dos seus
educandos, retoma as atividades.
Sobre como lidar com uma turma heterogênea o educador informa não ter
problemas, pois a atuação de um educador comprometido com as liberdades deve passar
por compreender o educando como sujeitos únicos, não ter medo de se envolver e se
deixar envolver por eles “o educador tem que ter a sensibilidade de enxergar essas
diferenças e contribuir para que cada um, de acordo com seu tempo, realize seus
sonhos”. (Educador S, 43 anos). Continua,
Sobretudo na educação de jovens e adultos, onde temos numa mesma sala
educandos de 14 a 70 anos de idade, além disso, com sonhos diferentes,
enquanto alguns buscam apenas aprender a ler um livrinho para o neto, outros
querem sentir-se mais independente, mais livres; enquanto tem aqueles que são
obrigados pelos pais ou pela justiça, há aqueles que buscam emprego melhor,
ou um emprego; enquanto alguns buscam realizar esse sonho de criança
adormecido, outros buscam chegar à universidade. (Educador S, 43 anos)
Ao concluir as atividades dessa aula, o educador perguntou à turma sobre a aula
como entraram na aula e como estão saindo. Após resposta de todos os educandos, pude
perceber o elevado grau de satisfação nesse novo aprendizado. Passarei a relatar
algumas opiniões:
- professor, a gente se pega a pensar o quanto a gente é enganado por não ter
‘conhecimento’, a gente acha que o direito é só o salário, a agora a gente percebe que
nós temos muitos direitos, mas por não conhecer, a gente acaba penando, sendo
enganado. Disse um dos educandos.
- Essa aula, foi uma das mais importantes pra mim, porque mesmo que as
pessoas não sabem ler ela tem que saber que tem direito. Declara uma educanda que
diz ter descoberto um mundo novo.
- Professor, esses dias eu vi um homem na TV falar que a gente passa o ano
todo vendo uma coisa na escola e nunca vai usar, tem coisa que a gente ver uma vez e
vai usar para o resto da vida. Ele tem razão mesmo, pois aqui a gente aprende muito
91
aquilo que a gente usa na nossa vida. Fala outra educanda após ser questionada pelo
educador.
Alguns educandos, antes do término da aula, pedindo licença ao educador, para
se retirarem, pois parte deles, tem que entrar no trabalho, outros tem os fazeres
domésticos, ou outros assuntos relacionados à saúde e à família.
Após a aula perguntei ao Educador S, sobre esse tempo das 07h00 as 07h30,
momento este deixado para os bate papos, questionei sobre a importância desse
momento, ao passo em que me respondeu:
Eu não posso chegar aqui e já ir direto para a disciplina, deixo esse momento
para que possam falar de si, desabafar, contar um pouco de suas vidas, esse
momento, eles sempre tem algo a ensinar aos outros e para mim. Penso que
este momento é tão importante quanto o momento da aula, na verdade essa já é
uma aula, pois aprendemos muito nesses bate papos. (Educador S, 43 anos)
O educador sempre amoroso com os educandos construiu uma relação regada de
respeito, carinho e confiança, recebendo a todos com gestos afetuosos fortalecendo uma
relação séria e justa. Essa relação não se limita ao espaço escolar, o educador tem o
telefone de todos os educandos e os educandos o telefone do educador e sempre que há
algum problema os mesmos mantêm contatos via telefone justificando a ausência.
Quando eu percebo que algum educando está faltando muito, primeiramente eu
peço informação na sala de aula, depois eu ligo pessoalmente para saber o que
está acontecendo, às vezes estou lá em casa, de repente o telefone toca é um
dos meus educandos me convidando para alguma coisa, para um almoço, uma
festinha, um bozó. E assim, a gente vai mantendo essa relação. (Educador S, 43
anos)
Durante as suas aulas, eu nunca percebi que o educador mudasse sua maneira de
ser, fazer algo para “impressionar” o pesquisador. Sempre da mesma maneira de ser
seguia sua aulas, muitas vezes, me senti, como se não estivesse sendo visto ali na sala
de aula. Desde o início da aula ao término, o educador e os educandos mantiveram essa
relação séria e muito alegre.
A próxima aula observada foi uma aula denominada Oficina Pedagógica,
realizada nas terças feiras, dia designado pela escola para que ocorram as referidas
aulas. Nesse dia, a oficina pedagógica foi sobre corte de cabelo. Na turma há um
cabeleireiro profissional, que em função da sua atividade já esteve viajando para os
estados Unidos e países da Europa para fazer cursos e aprimorar seus conhecimentos.
92
Nessa aula, acompanhei da turma da educadora M, a mesma faz a abertura da
aula, falando sobre diversas profissões e a importância social de cada uma delas.
Todos nós aqui presentes temos, já tivemos ou teremos uma profissão, e todas
elas contribuem para o desenvolvimento do país. Utilizar nossas atividades
profissionais sempre para promover o bem e a harmonia entre as pessoas
deveria ser uma atitude de todas as pessoas. (Educadora M, 60 anos)
Após um breve histórico sobre algumas profissões a educadora fala sobre a
profissão que naquele dia estará sendo apresentada na prática: a de cabeleireiro. A
educadora apresenta o educando-educador daquela aula que pede que o mesmo fale um
pouco sobre sua profissão.
Ele inicia sua aula explicando sobre os tipos de cabelos, como tratá-los, os
cuidados necessários. “Algumas pessoas acham que o cabelo é só uma questão de
estética, mas não é só isso, o cabelo é uma marca pessoal, é uma identidade”, diz o
educando-educador.
Após o momento teórico o educando-educador, começou a fazer demonstrações
práticas fazendo corte de cabelos das pessoas que participavam da oficina. As técnicas
demonstradas através de cortes, penteados, tratamentos enchiam de curiosidades os
demais. A turma da educadora M, convidou outras turmas a participarem da oficina,
além destes, foram convidados também a participar a direção e coordenação da escola.
Para a educadora:
Essas aulas são as que mais chamam a atenção dos educandos, os que ensinam
sentem-se orgulhosos por mostrar suas habilidades e perceber que de alguma
forma também é professor, pois está ensinando técnicas do que fazem aos
demais colegas. Aos que aprendem sentem-se felizes por saber que pessoas
como eles, que apesar da pouca leitura, tem sempre algo a ensinar e de alguma
forma são educadores também. (Educadora M, 60 anos).
Um dado momento, a educadora abre espaço para que os educandos falem de
suas profissões, salários, direitos, e grau de satisfação com a profissão. Uma educanda
fala:
- Professora eu saio de casa cinco e meia da manhã e só volto depois das dez da
noite, é assim de segunda a sexta, sábado trabalho até meio dia, ganho um salário
mínimo, sou doméstica, eu estou aqui de teimosa, por acreditar que estudar vale à
93
pena, mas é muito difícil a gente aguentar essa correria, pois em casa também tem
cobrança do marido e dos filhos que já sofrem com nossa falta o dia todo.
Para o educando-educador, [...] eu estou muito feliz com minha profissão, faço o
que gosto e a remuneração não é ruim. Eu fui discriminado muitas vezes por não saber
ler e acabei perdendo muitas oportunidades, mas não é só isso, a gente perde a auto-
estima, a confiança, que só comecei a recuperar agora.
A aula segue sempre animada e séria, onde o educando vira educador enquanto o
educador vira educando e nessa relação se constitui laços de fraternos de amizades,
admiração e respeito.
Pude perceber, sobretudo, no educando-educador a satisfação em estar
desenvolvendo esse papel, a todo o momento ele indagava a educadora sob como
proceder, apesar de estar à frente dessa aula, notamos que o educando sempre pedia
auxílio da educadora que estava próxima para que pudesse contribuir com o mesmo
sempre que precisasse.
Perguntado sobre a importância de estar ali falando e demonstrando na prática
sua profissão o educando responde:
Para mim um momento muito importante, porque nesse momento eu me sinto
um professor, eu posso não ler nem escrever muito bem, mas existe outras
coisas que a gente se destaca, e eu me sinto valorizado estar aqui na escola
dando uma aula, eu me sinto feliz. E continua: estou aqui porque sei que a
educação é muito importante, acredito se eu tivesse leitura as minhas chances
seriam bem maiores e aqui encontrei uma escola muito boa que valoriza os
alunos e principalmente os professores que estão sempre incentivando a gente.
(L, 36 anos)
Essas aulas (oficinas) são bastante dinâmicas e assíduas e geralmente outras
turmas são convidadas a participarem dessas aulas. Os educadores ficam dando suporte
aos educandos, mas as ações concretas são sempre dos educandos que demonstrando
suas habilidades.
As quintas feiras são destinadas às aulas culturais, que geralmente são palestras
sobre temas atuais. Acompanhei algumas turmas, incluindo as do educador S, da
educadora G, e da educadora M, que ocorreu no auditório da escola. O palestrante
dialogava sobre cultura e a identidade de um povo, o tema foi abordado com muita
94
propriedade pelo palestrante e que após sua apresentação abriu espaços para que os
educandos se manifestassem.
Pude perceber, nesta aula, que a participação dos educandos era tímida e as
indagações eram geralmente muito reduzidas. Questionando um dos educandos sobre a
pouca participação eis que ele me responde: “é que a gente não sabe muito bem o
sistema dele, e a gente acaba ficando com receio de falar alguma coisa que ele não
goste”.
Na aula seguinte a educadora retoma o tema, apresentando uma maneira bem
dinâmica de discutir identidade de cada um. Ela escreve aleatoriamente na lousa os
nomes de todos que estão na sala de aula e posteriormente pede que os educandos
coloquem os nomes em ordem alfabética. Os nomes foram:
Vera, - Maria das Graças – Jacinto – Edinho – Glória – Cristina – Juliano – Karoline
– Marilene – Adilson – Francieli – Laura – Sandra – Tiago – Maria Lúcia – Marilene –
Karol - Miriam
Perguntada sobre o sentido e a importância dessa aula a educadora me informa
que,
O intuito dessa atividade é valorizar a identidade de cada educando, após
colocarmos os nomes em ordem alfabética nós vamos trabalhar sua história e
através do trabalho exercido por eles, vamos descobrir que contribuíram para a
construção e organização da sociedade. (Educadora G, 42 anos)
No meio da aula uma educanda entrega um presente a educadora, pelo dia dos
professores, ao momento em que mais uma educanda entra se explicando:
- Desculpa o atraso professora (era 14h10, a aula inicia às 13h00), é que hoje eu
tive que ficar mais de uma hora a mais no serviço, não tive como chegar a tempo. Dez
minutos depois entra mais uma educanda, acompanhada de sua filha dizendo:
- Professora hoje eu saí para pagar umas continhas e acabei atrasando, mas eu
não poderia deixar de dar pelo menos uma passadinha, pois me sinto muito bem aqui.
A educadora sempre atenciosa com os educandos, explica que os mesmos
deverão aproveitar o máximo quando estão na escola para que possam aprender um
95
pouquinho mais. Em seguida uma educanda de aproximadamente sessenta anos de
idade comentando com os colegas: “hoje, não ia vir na escola, porque meu carro
quebrou, meu filho me disse para vir de ônibus, pois quando eles estudavam eu não
permitia que eles faltasse às aulas, agora eles ficam ‘pegando no meu pé’ para eu não
faltar aula”. E a aula segue nesse ritmo, sempre aparece um assunto que alguém inicia e
logo chama à atenção dos demais educandos. A educadora não deixa nenhum assunto
sem um comentário ou uma reflexão e em seguida continua as tarefas programadas.
Percebi também a proximidade das ações entre os pedagogos que atuam nessa
escola, questionando sobre se sua atuação tinha algo a ver com determinações prévias
da secretaria de educação ao qual prontamente me falaram que suas ações são frutos de
suas convicções, apesar da escola, através do seu PPP cobrar ações que vise à
valorização dos educandos abordando temas que contribuam com a sua autonomia.
Ao passo em que a educadora passa para a letração, após fazer um resgate
histórico dos educandos, origem, trabalho, família, naturalidade, grupo social e
principalmente a importância que os mesmos têm para a história do país, a educadora
trabalha as família silábicas, tomando como exemplo, a história de vida de uma de suas
educandas:
MARIA
Maria nasceu no dia 10/10/1945, na cidade de Poconé, no estado de Mato
Grosso, chegou a Cuiabá em 10/10/1950, com cinco anos de idade, começou a
trabalhar desde os seis anos de idade e nunca teve a oportunidade de estudar.
Hoje, tem 65 anos, é casada, aposentada, tem seis filhos, dezenove netos e três
bisnetos. Está estudando na escola Cesário Neto e pretende continuar estudando.
Apesar de ter passado por muitas dificuldades na vida é uma pessoa muito feliz.
Após fazer essa breve leitura histórica dos educandos, desenvolvendo a letração
a educadora inicia começa a alfabetização:
MARIA
MA – RI – A
96
MA – ME – MI – MO – MU
RA – RE – RI – RO – RU
A – E – I - O – U
Alguns educandos, ainda encontram grandes dificuldades na escrita, a educadora
vai à carteira de cada um explicando, pegando na mão deles ajudando-os nos exercícios.
Dado momento um educando solto um grito de alegria: “professora... professora, eu já
terminei, eu consegui fazer tudo (ele rir bastante) olha aqui professora, olha o meu
caderno”.
Uma característica dessa turma é a cordialidade entre ambos, se ajudam, brincam
e conversam muito. Eles demonstram um respeito e uma admiração muito grande pela
educadora.
Ao finalizar a aula a educadora se despede reforçando o convite para a aula
seguinte e na medida em que os educandos vão saindo despendem-se da educadora
sempre com gestos carinhosos.
4.3 Educandos: um reencontro consigo mesmo
Passo a relatar a seguir, alguns depoimentos dos educandos pesquisados sobre os
motivos que fizeram com que os mesmos não estudassem em “idade apropriada”. Todos
os educandos pesquisados são trabalhadores adultos, que durante a sua infância, sua
adolescência e parte da juventude foram excluídos do direito de estudar. Ao iniciarmos
nossos diálogos, pude notar a melancolia em seus olhos quando relembram sua infância,
cujas bonecas eram as irmãs mais novas e os carrinhos eram os cabos da enxada e da
foice.
[...] a gente vivia no mato, nas fazendas dos outros, lá não tinha escola, a
escola era a enxada e o machado [...] desde muito pequeno a gente tinha que
trabalhar para poder ajudar a família a sobreviver. (L, 36 anos)
A realidade que batia à porta da maioria dos educandos pesquisados era de
pobreza, em alguns casos, de extrema pobreza, onde desde a mais tenra idade, eram
97
obrigados a trabalhar na roça para ajudar na sobrevivência da família. Desde crianças
eram treinados a servir um sistema, aos interesses das classes dominantes.
A realidade que exclui é a mesma que trabalha o sujeito para a
reprodução do sistema, do pensamento determinado, das vontades divinas cujas
realidades são verdadeiras e não se pode alterá-las. Freire (1968) contrapõe essas ideias,
afirmando que a educação deverá servir como uma ferramenta importante para que o
sujeito mediado pelo mundo possa produzir e desenvolver conhecimentos construindo a
sua emancipação e a sua liberdade.
A educação como prática da liberdade, ao contrário daquela que é prática de
dominação, implica a negação do homem abstrato, isolado, solto, desligado
do mundo, assim como também a negação do mundo como uma realidade
ausente dos homens. (FREIRE, 1968, p. 70)
De acordo com os depoimentos, notamos que os sujeitos, apesar do desejo de
criança em frequentarem a sala de aula, encaram essa exclusão como uma determinação
divina, onde seus pais é que não queriam colocá-los na escola,
Eu fui criada num sítio [...] meu pai nunca me colocou na escola, sabe! [...]
eu nunca entendi os motivos, e também naquele tempo os filhos não
respondiam os pais se os pais dissessem uma coisa era quilo e pronto [...] eu
nunca tinha ido à escola. Naquele tempo as pessoas só se preocupavam em
trabalhar e quando os filhos cresciam um pouquinho já ia para a lida [...]. (M,
41 anos).
Na percepção dos sujeitos entrevistados o fato de não ter tido a oportunidade de
estudar é sempre atribuída, primeiramente aos seus pais e posteriormente ao trabalho.
Para eles, antes de frequentarem a escola, não existia nenhuma relação da sua exclusão
com um sistema político do país. Essa visão será rompida gradativamente após
iniciarem suas vidas escolares, com a contribuição de seus educadores.
Os educandos, de uma maneira “natural” reproduzem concepções de sua
trajetória de vida, sem perceber que são vítimas de um sistema excludente e elitista,
fruto de complexas relações históricas e políticas.
Freire (1995) insiste na superação deste senso comum a partir dele e não o
desprezando, através de uma educação que promova a liberdade, inserindo nos grupos
populares o movimento de superação deste saber por um conhecimento crítico em torno
do mundo em que os sujeitos se relacionam.
98
[...] a minha infância eu tirei ela toda trabalhando [...] a gente precisava
trabalhar desde muito pequeno para ajudar no sustento da família [...] escola
mesmo! Isso não era coisa para pobre não [...] os pais achavam melhor a
gente ir pra lida [...] (I, 60 anos).
Este depoimento demonstra um grande problema que vem se arrastando há
séculos, em virtude da omissão e negligência do Poder Público à necessidade que as
famílias brasileiras têm de “obrigar” seus filhos a trabalharem desde a mais tenra idade
o que tem contribuído para aumentar de forma significativa para o analfabetismo e a
exclusão do direito à educação das classes populares.
A reprodução dessa ideologia era feita pelos sujeitos de forma “natural” onde os
mesmos “acreditavam” não poder fazer nada, já que os mesmos receberam uma herança
dos pais que era continuar reproduzindo esses pensamentos impostos a eles ao longo de
suas vidas. “A gente já sabia que estudo não era para pobre, por isso que a gente não
ligava para estudo”. (P, 38 anos)
Ainda, na impossibilidade de frequentar a escola em idade apropriada os sujeitos
da pesquisa destacam o fator família e a necessidade do trabalho,
Quando era criança fui dada a uma família que tinha melhores
condições para cuidar de mim. Na verdade eu é que cuidei deles, pois
desde cedo, eu cuidava dos filhos dessa família, enquanto eles iam
para a escola eu ficava trabalhando em casa, por isso que não estudei
quando era criança. (A, 50 anos).
Como se percebe nesse depoimento à criança desde cedo já era “treinada” a
assumir responsabilidade de gente adulta. E a própria criança, apesar da vontade de ter
uma vida de criança, sentia-se responsável pelos fazeres profissional e tendem a uma
“acomodação”, mesmo que imposta. Pois as mesmas viam seu futuro no presente dos
pais.
Vale ressaltar, que o ambiente em que os sujeitos pesquisados eram inseridos
fazia com que os mesmos tivessem essa impressão, pois ao longo de suas vidas foram
“ensinados”, “treinados” a pensar e agir de acordo como o que a classe dominante
queria.
Freire (1968), sobre o meio rural, origem de todos os sujeitos pesquisados, fala
sobre o poder do senhor da terra:
99
[...] Nos campos, sobretudo, se observa a força mágica do poder do senhor. É
preciso que comecem a ver exemplos de vulnerabilidade do opressor para
que, em si, vá operando-se convicção oposta à anterior. Enquanto isso não se
verifica, continuarão abatidos, medrosos, esmagados. (FREIRE, 1970, p. 51)
Em todos os depoimentos prestados pelos sujeitos pesquisados, jamais deixaram
de sonhar, mesmo que sozinhos, sem contar a ninguém. Apesar da imposição de um
sistema perverso que em todo momento diziam-lhes que a escola era um direito que não
lhes pertenciam, jamais deixaram de acreditar que um dia pudesse realizar esse sonho.
O sonho de criança permaneceu vivo. Apesar de terem sua infância roubada,
diante de um conjunto de imposições obrigando-os a assumirem tarefas de pessoas
adultas. Era preciso deixar adormecido o sonho da descoberta desse novo mundo, onde
tornariam mais livres e mais felizes.
Nota-se o processo excludente em que os sujeitos foram submetidos e obrigados
a trabalharem desde os primeiros anos de vida para o complemento das despesas
familiares. Não existe, nesses casos, a opção de se ausentar da sala de aula, pelo
contrário, houve um processo severo de uma ideologia dominante cuja sua existência se
baseia na reprodução desse sistema.
Naquele tempo a escola não vinha em primeiro lugar na vida das pessoas não
[...] eu passei um tempinho numa escola, mas mal aprendi a assinar o nome
[...] naquele tempo os pais da gente não davam força para os filhos estudarem
não [...] a gente vivia trabalhando [...] não era nem maldade dos pais, mas é
que naquele tempo era assim mesmo, pobre não precisava estudar porque não
ia sair da roça mesmo [...] então por isso que eu não estudei. (C. 60 anos).
Esse sentimento de que os pais “não se esforçavam” para que os filhos pudessem
estudar é compartilhado entre alguns sujeitos pesquisados. Esse sentimento era mais
acentuado quando os mesmos eram crianças. Essa concepção começa a ser rompida
com um novo olhar que os mesmos descobriram após os educadores iniciarem um
processo de superação do senso comum.
Percebe-se nesse nesses depoimentos que os sujeitos não conseguem, em função
das “instruções” recebidas de que seus pais também foram vítimas desse modelo e que
os mesmos inseridos nesse contexto defendiam aquilo que lhes foram ensinados. “As
vezes eu penso que os pais não se interessavam em colocar os filhos para estudar[...] era
só trabalho.” (M, 41 anos).
100
Um sentimento de dúvida é percebido quando alguns dos sujeitos “culpam” os
pais pelo fato de não terem estudado na idade apropriada, percebe-se que os sujeitos,
acreditavam que apesar das dificuldades os pais poderiam colocar os filhos para estudar.
Fato este que fez com que todos os sujeitos pesquisados incentivassem seus filhos a
estudarem, para segundo eles, não passarem as dificuldades que os mesmos
encontraram na vida.
Além da “naturalidade” de que lhes foram ensinados de que filho de analfabeto
será analfabeto, filho do roceiro, roceiro será e filho de doutor será doutor, ainda lhes
ensinaram que essa era, sobretudo, uma vontade divina. Era vontade de Deus.
4.4 Educandos: Um sonho adormecido
Desde criança eu
sempre sonhei
em aprender a
ler, eu sempre
pedia a Deus que
antes de morrer
eu queria ler
uma revista, uma
receita, uma
notícia, um
romance... esse
era meu maior
sonho.. E foi
para realizar
esse sonho que
quis estudar
(Sujeito da
pesquisa)
Aqui, iniciaremos um diálogo sobre os motivos, os desejos, as perspectivas e
sonhos que fizeram com que esse grupo social, após décadas sendo impedidos de
estudarem, resolve quebrar essas barreiras e como crianças sonhadoras sentarem-se
numa carteira escolar. Encontramos nos sonhos de Paulo Freire de que os sonhos são
projetos pelo que se luta e cujo percurso é cheio de obstáculos e a realização desses
sonhos não é uma tarefa fácil. Para a realização desses sonhos, implicam em avanços,
recuos, paciência, impaciência e luta. Muita luta!
Para que os sujeitos possam desconstruir os conceitos sobre a educação que lhes
foram transmitidos é um longo processo, mas que essa luta possa começar agora.
101
Principalmente através das educadoras e dos educadores comprometidos com uma
Educação Libertadora que se relacionam com esses sujeitos. A força de vontade e a
determinação é uma das qualidades visível nos sujeitos pesquisados, pois os mesmos
além de enfrentarem dificuldades que lhes foram impostas pela idade, ainda fazem
investimentos próprios para que possam realizar um sonho de criança.
Os sonhos que os sujeitos carregam consigo é fruto de um desejo infantil, que
durante tempos adormeceu, mas que não morreu,
A realização desse sonho, para eles, é a possibilidade de serem compreendidos
como sujeitos “independentes” que a partir do processo de alfabetização começaram a
desenvolver atividades que para alguns são tão simples, mas que para eles, até então, era
algo distante de ser alcançado.
Eu comecei a estudar para poder fazer minhas continhas de água, de luz,
pegar ônibus, eu queria deixar minha cegueira. É muito ruim a gente olhar
para uma escrita e não entender nada. Eu me sentia cega, quando eu via as
pessoas lenda e escrevendo, isso me doía muito, por não poder fazer o
mesmo. [...]. (M, 41 anos.)
A partir do momento em que os sujeitos decidem partir para a conquista desses
novos saberes, os mesmos são conscientes das dificuldades que encontrarão, alguns
encontrariam dificuldades na própria família, que viam sua participação na escola como
perca de tempo. Mas que as dificuldades maiores seriam na sociedade que regadas de
preconceito não entendiam o que eles estariam fazendo ali já que para o mercado de
trabalho parte deles, já não tinham nenhum interesse.
Os motivos pelos quais os sujeitos procuraram a escola são diversos: sonhos de
criança, sentir-se “útil”, entender melhor as coisas, pegar ônibus com mais segurança, ir
ao banco. Mas, também há aqueles que procuram apoio no campo emocional.
Eu vim para a escola porque eu estava em depressão por causa da morte de
dois filhos [...] eu tinha um filho que estava fazendo estágio para ser médico
no Rio de Janeiro e o mataram. Depois, aqui mesmo em Cuiabá, mataram a
minha filha caçula (ela começa a chorar). Eu estava totalmente sem rumo e
precisava encontrar uma ocupação para minha cabeça. Foi quando eu resolvi
vim para a escola, mas como um refúgio do que para aprender alguma coisa.
Depois que comecei a estudar fiz novos amigos, a nossa professora é muito
boa, e fui ficando mais contente. A escola me ajudou a sair da depressão e
ainda, estou aprendendo um pouquinho mais [...] (C, 60 anos,)
102
Este, talvez tenha sido o depoimento mais emocionante que registrei, pois a
melancolia nos olhos da dona C, ainda era visível. Seu sorriso era um misto de
esperança e dor. Sua fala, vinda do coração ora cheia de entusiasmo, ora acompanhada
de uma tristeza profunda de quem perdera partes de si. Nas nossas despedidas, sentia
nos seus abraços sentia uma sensação de alegria, mas ao mesmo tempo uma sensação de
dor de uma mãe que se apegara numa relação de alegria construída no ambiente escolar
para minimizar sua dor.
Quando retomo a questão do sonho, sonho de criança, quero com isso, deixar
claro, que esse sonho os sujeitos trouxeram consigo e permaneceu vivo por todo esse
tempo, não raro eram as vezes em que os sujeitos se pegavam sonhando. Sonhavam
quando dormiam, mas principalmente sonhavam acordados e foi justamente nessa
condição que os sujeitos buscavam a realização desse sonho.
Os motivos que me fizeram voltar a estudar é que conhecer um pouquinho
mais é muito bom. Porque é muito ruim para gente não souber a leitura de um
ônibus a gente fica “embananado” e tem que depender dos outros para poder
pegar o ônibus, também se não souber fazer leituras de placas de hospitais
que o idoso precisa tanto não é mesmo? A gente fica dependendo muito dos
outros e nem sempre os outros estão bem para ajudar a gente. Então foi isso
que me fez voltar a estudar, pra eu poder viver melhor sem depender dos
outros. (I, 61 anos)
Ao conversar com os sujeitos, se percebe que os mesmos sempre caregaram
consigo a certeza de que em algum momento de suas vidas a chance de freqüentarem a
escola apareceria. Seja para realizar um sonho de criança, seja pela necessidade de
sobrevivência. Mas cedo ou mais tarde a vida exigiria isso deles.
Eu comecei a estudar por necessidade, fui ameaçado de perder o emprego se
eu não soubesse ler e escrever. A gente se sente diminuído, sem valor, se a
gente não tem estudo. Eu nuca tive esperança de estudar não! Porque eu sabia
que estudo não é para gente pobre não. Mas depois que eu comecei percebi
que eu estava errado. Estudar é muito bom. (P, 38 anos).
Segundo a educanda A, que durante sua infância teve que sobreviver com adulta,
afirma que “quando eu via os filhos da patroa indo para a escola eu me imagina indo
também”. Esse sentimento, acredito eu, fez com que esse sonho de criança
permanecesse vivo por quase 50 anos.
Eu me lembro muito bem de quando eu comecei a estudar, eu parecia uma
menina, animada, toda ‘besta’. Mas, eu realizei o meu sonho. Depois de
velha é que eu tive a chance de estudar. E hoje, estou mais animada que
sempre e agora que eu comecei quero ir até o fim. (A, 50 anos).
103
Ao concluir essa parte das entrevistas pude perceber que os sujeitos pesquisados
não começaram ou recomeçaram a estudar por acaso, do nada. Os motivos apresentados
foram sempre de busca pela liberdade, pela independência e pela felicidade como os
mesmo declaram. A liberdade buscada por eles é a liberdade de poder ir e vir com mais
segurança, de serem vistos e compreendidos como sujeitos que regados de saberes.
Quando os sujeitos buscam a liberdade é justamente não precisar da ajuda de terceiros
para fazeres cotidianos, ir ao médico, ir ao banco, pegar ônibus, ler e escrever. Isso lhes
trará a felicidade, felicidade de ver tudo isso acontecendo.
4.5 Educandos: a escola que queremos
Os sujeitos pesquisados após longo período excluídos do direito de frequentarem
a sala de aula se enchem de coragem, quebram primeiramente um paradigma pessoal de
que a escola não é ambiente para eles, vindo posteriormente quebrar outras inúmeras
barreiras sociais impostas ao longo de suas vidas para poderem frequentar a sala de
aula.
No entanto, numa sociedade capitalista, a escola é compreendida como um
espaço cuja função é a reprodução de um sistema que visa a manutenção do status quo
de um pequeno grupo que detém o controle econômico e político.
Segundo D’Alencar (1998), a busca pelo saber escolar, dependendo do grupo
social e etário, são buscas diferenciadas,
De um lado [...] um sujeito que busca um diploma, que deseja acumular
conhecimento; no modelo pedagógico para alcançar esses objetivos tem
predominado o estímulo à competição, apesar das críticas, (notas, provas,
frequência, cumprimento de um conteúdo previamente estabelecido,
diplomas, certificados). De outro lado, um sujeito que não está preocupado
com o diploma, mas com o conhecimento que lhe ajude a compreender e
viver melhor o momento e o lugar em que se encontra. Nesse caso, a relação
não dependerá de nota, de prova, a aprendizagem buscada pelos idosos é de
complementaridade, de interação, de emancipação, de prazer.
(D’ALENCAR, 1998 p. 36).
Para D’Alencar (1998), a escola foi preparada para atender a exigência de
mercado, preparar os sujeitos para exercerem uma função diante do mercado de
trabalho. Logo, para eles, a escola é um direito que não lhes pertencem e quando surge
104
esse público que busca a escola para a promoção de sua autonomia como sujeito
emancipado ela encontra dificuldade em desenvolver esse trabalho.
[...] a busca é sempre por coisas melhores na vida da gente [...] aprender a ler
e a escrever a gente se sente mais valorizado [...] é muito ruim a gente olhar
para uma escrita e não entender nada [...] aqui na escola eu acredito que vou
aprender coisas novas que vão me ajudar na minha vida [...] quando a gente
aprende a gente fica mais feliz [...]. (M, 41 anos)
Para alguns a felicidade passa pela satisfação profissional e financeira,
afirmando que a escola contribui com essas conquistas. Para outros, só o fato de poder
conversar, ser ouvido, aprender escrever e ler o nome, são elementos que os fazem
felizes, independentemente das questões financeiras e profissionais.
A educação como processo de libertação e promoção da autonomia do sujeito
Freire (1996), nos convida a sair da condição de oprimido para a condição de sujeito da
própria história no contexto em que se insere.
[...] uma alfabetização de adulto que em lugar de propor a discussão da
realidade nacional e de suas dificuldades, em lugar de colocar o problema da
participação política do povo na reinvenção da sua sociedade, estivesse
girando em volta dos ba-be-bi-bo-bu, a que juntasse falsos discursos sobre o
país – como tem sido tão comum em tantas campanhas -, estaria contribuindo
para que o povo fosse puramente representado na história [...] FREIRE,1983,
p. 49).
Romper barreiras impostas pelo sistema opressor e construir sua história como
sujeito da sua própria autonomia. Sair da condição de sujeito oprimido e dependente é
um caminho longo a ser percorrido. Os sujeitos pesquisados demonstram insatisfação
com a condição de oprimido, mas não se “revoltam” com tal condição, os caminhos
percorridos pelos mesmos e pelas mesmas para sair dessa condição é a Educação
através de uma atuação gradativa, pacífica que lhes garantirão a tão sonhada condição
de sujeitos livres.
Segundo Freire, a Educação como instrumento de promoção da autonomia
deverá proporcionar aos sujeitos muito mais que aprender a ler e a escrever para ter um
bom emprego e que essa ideia revela a incapacidade de percepção do analfabetismo em
suas implicações políticas e sociais, de que resulta a sua redução a algo estritamente
linguístico.
Olha... (pausa) eu sei que não dá mais para recuperar o tempo perdido, mas
dá para não perder o pouco tempo de vida que ainda resta pra gente [...] eu
105
quero aqui aproveitar para ser mais feliz [...] relembrar coisas dos tempos de
crianças que eu ouvia falar [...] eu não vim aqui pra arrumar emprego, pra
ganhar dinheiro [...] eu vim aqui em busca de me tornar mais feliz [...] (I, 61
anos)
Apesar de acreditarem, caso tivesse tido acesso à educação em idade apropriada,
estar em uma posição social mais “confortável” e terem enfrentado menos dificuldades
na arte de sobreviver, ainda está vivo em suas memórias o desejo de criança que após
longos anos de sua vida sentem-se realizar agora.
A busca pela LIBERDADE, liberdade de enxergar com os próprios olhos, de
poder pegar um ônibus, de ler anúncios, nomes de ruas, livros, revistas, de arrumar um
emprego melhor. A liberdade de não depender dos outros para essas necessidades e pela
FELICIDADE de poder realizar um sonho adormecido durante longos anos é o que
mais se tem percebido nesse grupo pesquisado.
É através da Educação que os mesmos se sentirão inseridos na sociedade como
sujeito atuante no meio em que vive, reconhecendo seus saberes e sua contribuição dada
à sociedade. Para isso, a Educação deverá ter o objetivo de trazer um sujeito à condição
de autônomo.
Segundo os sujeitos deste trabalho a Educação poderá lhes possibilitar a
valorização e uma atuação mais participativa no meio em que vivem. Sentirem-se
sujeitos socialmente competentes, manter a cidadania, promover a qualidade de vida
para a manutenção de uma velhice bem sucedida.
Para Charlot (1997) quando o sujeito busca adquirir novos saberes, ele busca ter
um melhor domínio do mundo no qual ele vive estabelecendo com ele um tipo de
relação,
Adquirir saber permite assegurar-se um certo domínio do mundo no qual se
vive, comunicar-se com outros seres e partilhar o mundo com eles, viver
certas experiências e, assim, tornar-se maior, mais seguro de si, mais
independente [...] procurar o saber é instalar-se num certo tipo de relação
com o mundo [...]. Assim, a definição do homem enquanto sujeito de saber se
confronta à pluralidade das relações em que ele mantém com o mundo.
(CHARLOT, 1997, p. 60)
Manter essa relação com mundo, se reconhecer e ser reconhecido como parte
dele, tem sido uma condição que os sujeitos pesquisados não se percebiam.
106
Eu vim em busca da felicidade me tornar mais independente, de não se sentir
enganado e humilhado por pessoas que acabam tirando vantagem em cima da
gente por se achar mais inteligentes [...] Quero ver o mundo com os meus
olhos e não ficar esperando para que os outros lhe diga o que fazer e como
fazer [...] Acho que assim me tornarei uma pessoa mais feliz. (A, 50 anos)
Os sujeitos pesquisados, apesar de terem sido excluídos do direito à educação
durante parte de suas vidas, hoje, têm essa visão da educação como ato de liberdade,
pois os mesmos buscam na escola essa possibilidade de poder sentir-se inseridos no
meio em que vivem, tornando-se sujeitos libertos e independentes.
Vim para a escola eu buscava descobrir coisas novas. Quero também, poder
achar meus filhos nas tarefas de casa, ler histórias com eles. Quero que eles
tenham orgulho de ter um pai que não passe vergonha por não saber ler e
escrever. Mas isso também é por mim, pois acho que a pessoa que tem esses
conhecimentos pode ser mais contente, mais feliz. Quero poder ver minhas
contas, pegar meu ônibus, enfim, coisas simples para alguns, mas que para
mim é muito difícil. (I, 61 anos)
Para Freire (1981), a alfabetização tem que ultrapassar o conceito de
simplesmente decifrar códigos, a educação, segundo o autor tem que possibilitar o
sujeito a compreender o meio em que se insere. Tornando-os sujeitos autônomos e
livres.
A alfabetização, assim, se reduz ao ato mecânico de “depositar” palavras,
sílabas e letras nos alfabetizandos. Este ‘depósito’ é suficiente para que os
alfabetizandos comecem a ‘afirmar-se’, uma vez que, em tal visão, se
empresta à palavra um sentido mágico. (FREIRE, 1981, p. 11)
A busca dos sujeitos da pesquisa não se limita a decifrar esses códigos,
conforme Freire, eles e elas buscam se auto-afirmar como sujeitos inseridos no contexto
social e político do meio em que vivem, podendo assim, serem vistos não como um
pessoa que precisa ser respeitada como contribuem para a construção da sociedade em
que vivem.
Eu busquei primeiro, um motivo para eu poder voltar a viver em paz [...] eu
busquei ajuda para sair da depressão esse era o meu maior desejo depois que
eu consegui encontrar essa ajuda eu percebi que a educação poderia me
ajudar ainda mais [...] a melhorar meu relacionamento em casa, a fazer mais
amizades, aprender coisas novas, ler, escrever, a acreditar em mim mesma.
(C, 60 anos)
Para os sujeitos pesquisados a Educação e a Escola têm um significado mais
amplo do que a própria Escola atual propõe, a busca por melhorar a qualidade de vida
interior também é vista como um dos grandes objetivos dos sujeitos, ultrapassarem
problemas psicológicos, sentirem-se queridos e querer bem, melhorar a auto-estima e
107
sentir-se valorizado como sujeitos que são e não como sujeitos que em virtude da idade
precisam de “cuidados”.
Eu busco em primeiro lugar a minha liberdade [...] durante a minha vida toda
eu sempre dependi dos outros até mesmo para sobreviver, eu tive que usar da
minha vivência para sobreviver [...] eu dependia de tudo, para pegar ônibus,
para escrever um relatório, uma carta, e ainda mais que as coisas estão
sempre progredindo, a gente precisa buscar meios para não ficar dependendo
dos outros [...] é isso que eu busco aqui, uma chance que eu não tive quando
eu era criança. (P, 38 anos)
A busca pela independência do sujeito é um dos principais, se não o principal,
objetivo que os mesmos carregam consigo, apesar do malabarismo que tinham que fazer
para sobreviver com um mínimo de dignidade os sujeitos querem sentirem-se livres
para opinar, escolher e decidir.
Para Freire (1989) quando o sujeito busca a educação como uma das ferramentas
para a promoção da sua autonomia o autor afirma que: “É preciso ler o mundo, mas,
sobretudo, ‘escrever’ ou ‘reescrever’ o mundo, quer dizer, transformá-lo. (GADOTTI,
FREIRE e GUIMARÃES, 1989, p. 114)
4.6 Educandos: a relação Educador-educando
A gente quer um professor que além de entender bem os assuntos, também
nos trate bem a gente, que seja educado, que dê atenção e que goste da gente
[...] se o professor respeitar os alunos os alunos também vão respeitar eles e
não vão desistir de estudar. (I, 61 anos)
A relação com os educadores definida pelos sujeitos desta pesquisa é uma
relação de admiração, respeito, afetividade onde os mesmos além do conhecimento
técnico, científico encontram também, compreensão, carinho, afeto e apoio nas suas
ações.
Freire (1996), define como necessária uma relação honesta e justa educador-
educando e educando como uma relação que se confunde, devendo o educador querer
bem aos seus educandos, não se obrigando a querer bem a todos de forma igual, mas
compreendendo os educandos como seres únicos dotados de suas particularidades e de
suas necessidades como sujeito da sua própria história.
108
[...] como professor [...] preciso estar aberto ao gosto de querer bem, às vezes
à coragem de querer bem aos educandos e a própria prática educativa de que
participo [...] essa abertura de querer bem [...] significa, de fato, de que a
afetividade não me assusta [...] (FREIRE, 1996, p. 141)
No mesmo autor, ainda encontramos:
[...] o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é
educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa.
Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em
que os “argumentos de autoridade já não valem [...] (FREIRE, 2003, p. 68)
Os sujeitos pesquisados mantêm essa relação de admiração com seus educadores
e suas educadoras. Os mesmos encontram em suas educadoras e seus educadores parte
do apoio necessário para que os mesmos continuem em busca da realização de seus
sonhos como podemos acompanhar nos depoimentos a seguir:
[...] tanto os professores quanto as professoras, acredito que devam se
preocupar com o bem estar dos alunos eles deve ajudar os alunos a
progredirem e se respeitarem. Como os professores são bem instruídos eles
devem ajudar os alunos, em alguns casos, até mais que os pais que não tem
conhecimentos de muitas coisas. (L, 41 anos)
A concepção que esses sujeitos têm do educador é de um sujeito preparado para
ultrapassar os limites geográficos da Escola e manter uma relação de respeito
compreendendo o educando com um sujeito inacabado e dotado de saberes construídos
ao longo de suas experiências de vidas o educador, com isso, faz com que o educando se
sinta querido por ele e essa relação tende a prender mais a atenção do educando fazendo
com que os mesmos se dediquem ao convívio junto à comunidade escolar.
[...] Eu sempre achei que o professor deve ser bastante atencioso, conversar,
se preocupar com os alunos. Que ele não deve ser pessoas frias, que não
goste dos alunos, porque se não a gente não aprende [...] Já pensou a gente de
idade que nunca foi na escola e chega aqui e o professor é mal humorado?
Ignorante? A gente desiste né? (C, 60 anos).
Para Morales (2001), na relação com o educando não basta o educador ser se
prender ao conhecimento erudito, é preciso que o educando perceba que essa relação
seja uma relação concreta onde o os indivíduos seja compreendidos como sujeitos
históricos inseridos no meio em que vivem. É essencialmente importante esse olhar que
o educando terá sobre o educador, pois esse olhar pode influir naquele que queremos
construir e desconstruir.
109
Essa relação faz com que o educando, ao tempo em que aprende também ensina
tal como o educador que ao ensinar também aprende. O educador ao valorizar as
práticas do educando é uma forma de reconhecer o mesmo como sujeito que ao mesmo
tempo em que o educando carece de ajuda, ao mesmo tempo, através de suas práticas e
de seus saberes também ajuda.
Para Freire (2002) o professor não pode “matar” a curiosidade, a inquietude e a
vontade do descobrir ao mesmo tempo em que o educador problematizador não deve
limitar a liberdade do educando.
O professor que desrespeita a curiosidade do educando, o seu gosto estético,
a sua inquietude, a sua linguagem, mais precisamente, a sua sintaxe e a sua
prosódia; o professor que ironiza o aluno, que o minimiza, que manda que
“ele se ponha em seu lugar” ao mais tênue sinal de sua rebeldia legítima,
tanto quanto o professor que se exime do cumprimento de seu dever de
propor limites à liberdade do aluno, que se furta ao dever de ensinar, de estar
respeitosamente presente à experiência formadora do educando, transgride os
princípios fundamentalmente éticos de nossa existência. (FREIRE, 2002, p.
66).
Encontramos em Rubem Alves que a educadora e o educador tem, entre outras, a
função de estimular e despertar nos educandos a curiosidade, para que partindo dessa
curiosidade possa se construir e descobrir novos conhecimentos. A curiosidade deverá
ser estimulada a todo o momento como mecanismo de descoberta, tal ação é
desestimulada aos educandos em virtude de alguns sujeitos carregarem consigo o velho
ditado de que é melhor ficar calado do que falar besteira. Para o educador
comprometido com uma educação que liberta, essa visão deve ser desconstruída para
que através de sua curiosidade os educandos possam fazer novas descobertas.
[...] O professor tem que dar exemplo [...] Tem que ser educado, sorridente,
que permite a gente fala das nossas vidas [...] Quando perceber que o aluno
não está muito bem tentar ajudar o aluno nos problemas [...] O professor tem
que ser assim, um amigo do aluno, amigo verdadeiro. Isso deixa a gente
muito satisfeito [...]. (P, 38 anos)
Os educadores que trabalham, sobretudo, com esse público devem compreender
que os seres humanos não são seres vazios, que os mesmos acumularam conhecimentos
que se difere daquelas muitas vezes propostas por uma educação tradicionalista e que
romper esse paradigma é uma atitude de educadores comprometidos com uma educação
que promova o sujeito para a construção de sua emancipação.
110
Para os sujeitos pesquisados, os educadores deverão ter essa concepção, pois os
mesmos utilizam de metodologias que privilegia o diálogo e os saberes diferentes.
Eu acho que a gente tem que aprender as matérias bem direitinhas [...] Mas
acho também que o professor deve falar das coisas que a gente vive, da
família, do bairro, da violência... Porque a gente que nunca foi na escola às
vezes não entende muito bem algumas coisas, mas se o professor falar dessas
coisas a gente tem vivência pode até dar muitos exemplos. Eu gosto de
professor assim, que conversa de tudo e respeito os nossos entendimentos
[...]. (C, 60 anos)
Nessa relação encontramos em Freire,
A educação que se impõe aos que verdadeiramente se comprometem com a
libertação não pode fundar-se numa compreensão dos homens como seres
“vazios” a quem o mundo “encha” de conteúdos; não pode basear-se numa
consciência especializada, mecanicistamente compartimentada, mas nos
homens como “corpos conscientes” e na consciência como consciência
intencionada ao mundo. Não pode ser a do depósito de conteúdos, mas a da
problematização dos homens em suas relações com o mundo. (FREIRE,
2004, p.67).
Compreender a Educação como ato verdadeiro de liberdade, ainda é algo que
precisa ser construído pelos educadores que não concebem a Educação como depósitos
de conteúdos e esse processo se dará com a ação e atuação dos educadores/educandos e
dos educandos/educadores.
Ao perceberem essa relação que a educadora e o educador mantém com seus
educandos, os sujeitos encorajam-se e assumem a educação como uma ferramenta que
promove a paz e a liberdade dos sujeitos. Diferentemente do que acreditavam que a
educação nada mais era do que uma ferramenta para ascensão social.
Para Freire (apud GADOTTI, 1991), todas as indagações dos educandos deverão
ser profundamente analisadas como forma de respeito à inquietude e a curiosidade do
sujeito, mesmo discordando do ponto de vista apresentado deverá o educador,
oportunizar e incentivar o educando a defender seu ponto, demonstrando assim,
profundo respeito pelo educador. [...] O professor deve ser exemplo [...] Você não
acha? (A, 50 anos).
Ao demonstrar essas atitudes as educadoras e os educadores conquistam a
confiança de seus educandos e constroem uma relação sólida que ultrapassa os limites
escolares possibilitando aos a construção de sua autonomia fazendo com que os mesmos
percebam como sujeitos.
111
Para Freire (1996) a autonomia do se constrói no fazer e o educador e a
educadora que se assumem como profissionais problematizadores não podem inibir essa
curiosidade e esses saberes que o educando construiu ao longo da vida. “Ninguém é
autônomo primeiro para depois decidir. A autonomia vai se construindo na experiência
de várias, inúmeras decisões, que vão sendo tomadas [...]” (FREIRE, 1996, p. 107).
Nota-se o desejo dos educandos numa relação justa séria, humilde e generosa
(FREIRE, 1996) para que eles possam assumir eticamente o gosto pelo aprender e pelo
ensinar, construindo uma relação horizontal onde não haja aquele que sabe tudo e
aquele que nada sabe, mas sim onde os saberes se somam e se completam. Essa relação
possibilita a reinvenção do ser humano na aprendizagem e na produção e promoção da
sua autonomia.
O professor tem que ser bem preparado para ensinar os alunos [...] porque se
o professor não é bem preparado ele vai preparar mal os alunos [...] mas
também deve ser bem educado e ser humilde também, não tratar mal os
alunos. (L, 41 anos)
Apesar das educandas e dos educandos estarem iniciando, ou terem pouco tempo
do convívio escolar eles se preocupam e percebem a formação e o comprometimento
profissional das educadoras e dos educadores. A busca dos sujeitos pela Educação se
completa numa relação justa, de respeito, companheirismo e de comprometimento com
os educadores que para os educandos é essencial para a promoção da sua liberdade.
Para Freire (1996), o professor que tem compromisso com uma educação
libertadora e que promove a paz, tem por obrigação levar a sério sua formação
profissional para que munido de conhecimentos e preparação profissional possa
contribuir para a formação de sujeitos emancipados.
Nenhuma autoridade docente se exerce ausente desta competência. O
professor que não leve a sério sua formação, que não estude, que não se
esforce para estar à altura de sua tarefa não tem força moral para coordenar as
atividades de sua classe. (FREIRE, 1996, p. 92)
A busca que os sujeitos pesquisados se dispuseram a encontrar, pelo que se ver,
é um educador problematizador que não se limite ao conhecimento científico nem
tampouco, as matrizes curriculares determinados pelas secretarias de educação. Um
educador que possibilite a promoção da liberdade, do respeito e da convivência com as
diferenças.
112
O professor deve ensinar com simplicidade, não precisa ficar gritando,
brigando, se ele ensinar bem os alunos presta atenção! É tão bom a gente
sentir que o professor conhece bem o assunto [...] (I, 61 anos)
Apesar dos educandos, como se vê, exigem que seus educadores sejam pessoas
que se preocupem com a formação, que não fiquem no espontaneísmo nem no achismo,
é preciso estar preparado para assumir a sala de aula.
Nessa perspectiva, a arrogância intelectual não cabe na educação libertadora,
sobretudo, nesse grupo que com investimentos próprios buscam novos saberes, buscam
romper com décadas de opressão e exclusão. Esse perfil e essa relação com os sujeitos
desta pesquisa buscam em seus educadores em relação séria, justa e respeitosa. Sentir-se
respeitados pelos seus educadores como sujeitos históricos, perceber em seus
educadores a autoridade construída numa relação de liberdade com seus educandos.
4.7 Educandos: os impactos positivos dessa relação em suas vidas
Após falarem sobre os motivos que não estudaram quando crianças, sobre o que
os motivaram a estudar agora, do tipo de escola que atenderia suas necessidades e da
relação com os educadores, gostaríamos de saber sobre os resultados dessa relação.
Quais mudanças ocorreram em suas vidas. E foi nessa perspectivas que ao levantarmos
essa questão, obtivemos resposta que enchem de alegrias qualquer educador
comprometido com uma educação libertadora.
Depois que comecei a estudar já mudou muitas coisas, hoje eu consigo
entender muitas coisas que eu não entendia. Muitas coisas eu que pensava
que era a vontade de Deus e que a culpa era minha, sei que não é. Que tem
gente sempre querendo levar vantagem. Eu passei minha infância toda
acreditando que a vida era assim mesmo, que pobre tinha que viver sofrendo,
hoje sei, que na verdade não é bem assim e que a gente tem sempre que
buscar os direitos. Eu tenho muita dificuldade em aprender a ler e escrever,
pois na hora de juntar as letras eu me enrolo toda, mas eu estou aprendendo
coisas que me ajudam muito. (A, 50 anos)
Quando iniciamos nosso trabalho e começamos a perceber as conquistas dos
educandos, ler o nome, pegar um ônibus, escrever uma frase, ainda que com
pouquíssimas palavras nos enche de alegria e compreendemos tal processo como parte
da sua autonomia. Isso parece ser tão pouco, mas para eles, a cada código decifrado, a
cada palavra montada são momentos jubilosos, alguns chegam a se exaltar na sala de
113
aula. E a curiosidade aumenta, e o desejo fica mais estimulado, e o sonho fica mais
próximo de se realizar.
Em uma das minhas conversas com a educando L, o mesmo me disse que:
Depois que eu comecei a estudar, descobri um mundo novo, eu percebi quantas
mentiras me falaram até agora, como eu fui enganado, nosso professor, me
ajudou a ver as coisas de uma forma mais verdadeira, eu agora, me sinto mais
seguro e não caio mais em qualquer mentira. (L, 36 anos).
A satisfação com que os educandos falam de seus educadores é algo contagiante.
O que leva a crer que a ação pedagógica dos educadores pesquisados proporcionam aos
mesmos mecanismos para a produção de sua emancipação.
Querer definir o grau de emancipação dos educandos a partir das ações do
educador me parece um pouco pretensioso principalmente nesse pouco tempo de
convivência escolar. “Para quem não sabia nada e hoje já sabe assinar o nome, já é
uma grande coisa” (P, 38 anos). Para eles, poder pegar um ônibus sem ter que pedir
ajuda a outro, é um ato grandioso de liberdade, poder assinar e reconhecer o nome é um
ato que lhes trás prazer e independência. Mas, os conhecimentos produzidos na escola,
não se restringem a esses atos de liberdades, o aumento da consciência crítica, a postura
política o reconhecimento de si mesmo como sujeito histórico.
Eu era muito boba, as pessoas me enrolavam por tudo, eu sempre achava que
eles estavam certos e eu errada. Depois que eu comecei a estudar pude
perceber que eu era uma cidadã que tinha meus direitos. Eu tinha um patrão
que era juiz de direito, trabalhei como doméstica e ele não pagou meus
direitos, eu levei ele na justiça. Eu jamais pensei que teria coragem de fazer
isso, foi aqui na escola que descobrir que tinha meus direitos e deveria lutar
por eles. (M, 41 anos)
Os resultados positivos na vida dos educandos são diversos e na medida em que
esses sonhos vão se realizando, seus sonhos tomam proporções maiores, suas
curiosidades vão aumentando e a descoberta de novos saberes aumenta o desejo de
novas descobertas. Segundo uma das educandas pesquisadas a maior mudaça que houve
em sua vida foi poder sair de um problema psicológico que a fazia sofrer muito, “Eu
vim para a escola porque estava com depressão, agora que superei, quero continuar
estudando”. (C, 60 anos).
Para I, que durante longos anos de sua vida, teve interpretar um personagem para
sobreviver afirma que,
114
Finalmente, depois de muitos anos posso dizer que eu realmente existo, pois
não precisa mais inventar mentiras, dizer que sou aquilo que não sou. Então
eu acho que a escola me deu uma identidade. Tenho mais segurança, eu sou
mais feliz. (I, 61 anos)
Os sujeitos sonham e buscam realizar esses sonhos, reconhecer e assinar o nome,
pegar um ônibus, ler uma historinha para o neto, arrumar um emprego melhor, cursar
uma faculdade, se reconhecer como sujeito histórico, são sonhos que o educador deverá
ajudar o educando a construir. Dos mais “simples” ao mais ao mais “avançado” são
processos educativos que os levarão a sua autonomia.
115
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao concluir esta pesquisa, penso que além dos conhecimentos científicos e uma
certificação acadêmica, contribui para me tornar um sujeito mais amoroso, mais
tolerante, mais compreensivo e mais generoso. Minha relação com meus autores, a
quem dedico especial carinho, me mostraram caminhos, ideias e rumos diferentes,
através de suas obras e suas ações. Apesar de em dados momentos, estarmos em tempos
e sociedades diferentes, suas contribuições foram fundamentais para a defesa científica
desta pesquisa.
Por quantas vezes, me peguei no desespero das exigências acadêmicas, artigos,
publicações, seminários, pontuações. Era preciso cumprir as exigências que tanto
criticamos. Muitas vezes as angústias tomavam conta de mim, enquanto a academia me
“torturava”, meu orientador, meus autores e os sujeitos pesquisados, me acalentavam,
me entendiam e construíam comigo uma relação de confiança onde ao final, o
importante seria, concluir esta pesquisa, gozando de saúde e alegrias. Sem com isso,
deixar de se preocupar com um rigor científico, a construção de novos saberes e a
reconstrução de saberes já existentes, onde juntos, pudéssemos sonhar com uma nova
sociedade.
Fazendo uma leitura dos currículos dos meus autores, pude perceber seu
comprometimento com uma educação libertadora, promovendo um diálogo no sentido
de criar possibilidades em romper com uma educação imposta por uma elite que vêem
nas pessoas das classes populares, objetos cuja finalidade é ser apenas mais uma peça
para atender uma exigência do mercado capitalista.
Segundo os autores pesquisados, especificamente sobre a educação popular na
escola pública, concluí que existe um desejo de ver os espaços públicos estatais
116
tornarem-se populares, sobretudo, as escolas, onde a educação ofertada está a serviço
das classes dominantes, apesar da maioria absoluta dos educandos que recebem essa
educação são oriundos das classes populares. Contudo, se mantendo esse modelo, as
classes populares continuarão na condição de classes oprimidas, servindo de sustentação
para que as classes dominantes continuem se perpetuando no poder, reproduzindo seu
modo de vida como se fosse a única, a soberana, a verdadeira.
A proposta de dialogar sobre a educação popular na escola pública é acreditar
que o Estado possa ser diferente como hoje se apresenta. É acreditar que só haverá
mudanças nas estruturas sociais através de mobilizações, organizações e lutas populares.
De que é possível a transformação desse estado elitista, excludente e opressor, para um
estado que assuma seu papel de distribuir as riquezas produzidas entre sua gente. Para
isso, os conflitos são inevitáveis.
A luta por uma educação popular pública não é um desejo recente, são desejos
carregados há tempo por educadores e educadoras que entendem que os espaços
públicos estatais devem promover ações que visem a liberdade e a felicidades das
pessoas. Quando Freire nos afirma que é necessário promover a educação popular na
escola pública, entendemos que é justamente por acreditar na possibilidade da
implantação de um estado popular e democrático que sirva aos interesses das classes
populares.
A educação e o educador sozinhos não “mudam” o mundo, mas há uma grande
esperança de que educadores comprometidos com uma educação libertadora possam
fomentar esses diálogos com a sociedade. Há uma grande esperança de que os
educadores e as educadoras possam incentivar a rebeldia, provocar a curiosidade a fim
de possibilitar aos educandos a descoberta de uma sociedade melhor, onde as pessoas
possam ter o direito de optar.
Acredito que a parte mais rica desta e de qualquer pesquisa de campo, é o
contato com os sujeitos pesquisados. Os depoimentos dos educadores foi uma lição de
vida. Percebi que seus desejos e suas vontades são sinceros. Que há uma grande
frustração em perceber que o tempo passa mais depressa do que as transformações que
os mesmos gostariam de viver.
117
Percebi que muitos educadores por necessidade acabam se tornando
convencionais, muitos abandonam a luta pelo caminho, alguns resistem. A realidade é
mais difícil que imaginamos. Como disse um dos educadores pesquisados, ser professor
é fácil, difícil mesmo é ser educador. E driblando suas próprias limitações, resistem e
muitas vezes jogados à própria sorte, acabam adormecendo, esperando um convite para
acordar desse sono e continuar a luta.
Para os educadores pesquisados é necessário um rompimento com o modelo
atual de educação. Romper com esse modelo que reduz o ser humano a meros objetos,
para que assim, a educação oferecida às classes populares se torne um modelo que os
reconheçam e se reconheçam como sujeitos autônomos. Acreditando nessa
possibilidade, os educadores regados de desejos utópicos se atrevem a dialogar com
seus educandos partindo de suas realidades para a superação dessas “verdades”
impostas pelo sistema educacional dominante.
Através dos dados foi possível também constatar que os educadores vem
atuando de forma a promover a autonomia dos sujeitos independentemente do que
determina o estado, as dificuldades encontrada são imensas, mas que não se cansam de
acreditar numa educação popular comprometida com as liberdades, ocupem os espaços
públicos e se torne uma opção coletiva.
Os resultados obtidos através dos diálogos construídos com os educadores nos
mostram que suas práticas surgem com um acreditar em uma educação que ultrapasse
os muros escolares e que sirva para atender as perspectiva das classes populares. E que
tais ações são possíveis, pois educadores e educadoras, independentemente dos ditames
do estado, atuam de forma que possibilite o educando a produzir sua autonomia.
Quando nos deparamos com essas práticas na escola pública, voltamos a nos
questionar: Por que não? Por que não ocupar esses espaços? Com isso, não queremos
dizer que não haverá resistência, recusa, ataques. Esperar o quê? Esperar por quem? Se
estamos, nós, educadores populares, inseridos no público.
Nosso contato com esses educadores populares “perdidos” numa escola pública,
isolados das discussões da educação popular, agem sozinhos, munidos de um desejo
118
próprio que é uma educação que compreenda o educando como um sujeito que tem
história, que fez e que faz história.
Quando o educador Sandro diz que, “é preciso se assumir como educador
popular, é preciso levar essa discussão pata dentro das escolas, só assim, poderemos,
quem sabe, mostrar as pessoas que a educação popular é um bem para a sociedade”,
entendemos que não podemos cercear a população, educandos e educadores dessa
discussão e que esses diálogos não se restrinja a uma parcela minúscula de intelectuais
universitários, mas que possa ser discutido com toda a comunidade escolar.
Posso concluir, ainda, que suas ações libertadoras têm contribuído com a
produção de novos saberes e a reconstrução de saberes já existentes. Onde a relação
construída entre educador e educando foi fator determinante para que os educados se
reconhecessem como sujeitos.
Durante o desta pesquisa, sobretudo, na relação construída entre sujeitos
pesquisados e sujeito pesquisador, posso afirmar que apesar da tristeza que os
educadores carregam consigo apesar de que na maioria das vezes suas ideias, seus
sonhos e suas ações são ignorados e debochados, apesar do isolamento, das
perseguições, não se cansam de acreditar que a perpetuação dessa educação posta, é
condenar às pessoas das classes populares à condição de objeto.
Ao encerrar meu diálogo com os educadores que foram sujeitos desta pesquisa
posso concluir que a educação popular na escola pública é uma possibilidade real, não
deixando de reconhecer seus limites e certo de que haver intensos conflitos, pois as
classes dominantes utilizarão de artifícios a fim de enfraquecer aqueles que desafiam
suas ordens. Mas, as possibilidades existem e se fortalecem na medida em que nós,
educadores, começarmos a fomentar as discussões que a sociedade.
Quanto mais me aprofundo nos autores estudados, mais me convenço de que a
educação popular na escola pública deixará de ser uma opção de poucos para se tornar
uma opção de muitos. Uma opção coletiva que começará a se concretizar a partir do
momento em que nossas ações, muitas vezes, isoladas passam contaminar mais e mais
educadores que continuam sonhando. Continuam acreditando.
119
Com os educandos sujeitos desta pesquisa, a relação construída foi também,
regada de um verdadeiro sentimento de respeito e lealdade. Com o início dos nossos
diálogos que se davam em lugares distintos: na sala de aula, nos intervalos, na entrada e
na saída, no caminho da escola para a casa e também no ambiente familiar dos
educandos, pude perceber o quanto esses sujeitos foram excluídos dos seus direitos
fundamentais.
Esses sujeitos que durante toda a sua vida foram vistos como objetos ou como
“sujeitos inferiores”, demonstram uma alegria enorme de viver. Desde crianças quando
lhes roubaram a infância e os fizeram homens e mulheres precocemente, guardaram
consigo o sonho de estudar, de se relacionar, de ser ouvido, de ser respeitado. Com isso,
não quero dizer que o respeito esteja condicionado à educação, à escolaridade. Mas
garantir os sujeitos o direito de optar. O que lhes foram negados por toda sua vida.
A alegria dos sujeitos em falar sobre o (re) início da vida escolar é algo
contagiante. A sensação de liberdade que os mesmos relatam é algo que para nós é tão
simples e talvez até passe despercebido. Pegar um ônibus, ler uma historinha para o
neto, assinar o nome. Para os sujeitos esses são sinônimos de liberdade e que após
conseguirem tais “façanhas”, os mesmos sentem-se mais felizes. Portanto, a educação
lhes traz felicidades.
De acordo com os sujeitos educandos, a relação construída com o educador é
algo fundamental para um bom aprendizado. Esse busca por um educador que lhes dê
atenção, que respeite suas origens e que construa com eles novos conhecimentos são
características dos educadores populares. Quando os mesmo dizem que buscam na
educação meios para serem mais felizes, para buscarem sua liberdade e dessa forma,
viver melhor com as outras pessoas, eles estão, no fundo, defendendo uma educação que
atenda seus interesses. Isso me leva a crer que os mesmos, mesmo sem ter essa
intenção, estão defendendo a educação popular.
Após as análises dos dados obtidos através das referências bibliográficas, mas
principalmente das práticas dos educadores e educandos pesquisados tive a
oportunidade de perceber a bonitezas praticadas por educadores e educadoras
comprometidos com uma educação que possibilita as liberdades. Onde educador e
120
educando, possam construir uma relação horizontal, regada de respeito, admiração e
generosidade.
Com os educandos não foi diferente, os resultados apontam que a maioria aprova
as práticas educacionais desses educadores e que essas práticas têm gerado impactos
positivos em suas vidas, desde sua auto-estima, sua saúde ao seu reconhecimento como
sujeito crítico e emancipado.
Recordo-me que num seminário de educação, na Universidade Federal de Mato
Grosso, num debate sobre a educação popular um dos participantes me questionava se
era real essa possibilidade, já adiantando que não acreditava nessa hipótese, pois, ao
“institucionalizar” a educação popular ela deixa de ser, pois segundo ele, tanto a
educação popular como o educador popular ao fazerem parte das instituições públicas
ambos se tornam corruptos.
Volto a afirmar que acredito, sobretudo, após os resultados desta pesquisa que
essa possibilidade é real. Eu acredito na honestidade e na decência das pessoas, os
espaços públicos corrompem corruptos, não corrompem pessoas honestas e que o estado
deve servir no sentido de diminuir as desigualdades e ofertar as pessoas, sobretudo, os
que ao longo dos tempos foram excluídos das riquezas (material, cultural, intelectual)
produzidas.
Ao finalizarmos, esperamos e acreditamos que este trabalho possa contribuir
para fomentar essas discussões e apresentar a educação popular a todos os professores,
para conhecendo a boniteza dessas práticas possam tornar-se educadores
comprometidos com a vida.
121
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