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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
DOUTORADO EM ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA
Formação Continuada de Professores de Matemática com
o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação na
Perspectiva da Educação Matemática Crítica
MÁRCIO BENNEMANN
Orientadora: Profa. Dra. Norma Suely Gomes Allevato
Tese apresentada ao Doutorado em Ensino de Ciências e Matemática, da Universidade Cruzeiro do Sul, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutor em Ensino de Ciências e Matemática.
SÃO PAULO
2013
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA
UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL
B417f
Bennemann, Márcio. Formação continuada de professores de matemática com o uso
das tecnologias de informação e comunicação na perspectiva da educação matemática crítica / Márcio Bennemann. -- São Paulo; SP: [s.n], 2013.
164 p. : il. ; 30 cm. Orientadora: Norma Suely Gomes Allevato. Tese (doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Ensino de
Ciências e Matemática, Universidade Cruzeiro do Sul. 1. Educação matemática 2. Formação de professor 3.
Tecnologia de informação e comunicação 4. Matemática – Ensino fundamental I. Allevato, Norma Suely Gomes. II. Universidade Cruzeiro do Sul. Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática. III. Título.
CDU: 51:37(043.2)
UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
Formação Continuada de Professores de Matemática com
o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação na
Perspectiva da Educação Matemática Crítica
MÁRCIO BENNEMANN
Tese de Doutorado defendida e aprovada
pela Banca Examinadora em 13/12/2013.
BANCA EXAMINADORA:
Prof.ª Dr.ª Norma Suely Gomes Allevato
Universidade Cruzeiro do Sul
Presidente
Prof.ª Dr.ª Cintia Aparecida Bento dos Santos
Universidade Cruzeiro do Sul
Prof.ª Dr.ª Celi Aparecida Espasandin Lopes
Universidade Cruzeiro do Sul
Prof.ª Dr.ª Rosa Monteiro Paulo
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
Prof.ª Dr.ª Miriam Godoy Penteado
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
AGRADECIMENTOS
Agradeço,
À minha esposa, meu filho e meus pais pelo apoio e incentivo que a mim dedicaram
nessa caminhada.
À professora Dra. Norma Suely Gomes Allevato por ter desenvolvido o trabalho de
orientação com muito profissionalismo, ética e solidariedade, mantendo-me
motivado e possibilitando momentos de reflexão que resultaram nessa produção.
Às professoras da banca de qualificação – Celi Espasandin Lopes, Cintia Aparecida
Bento dos Santos, Miriam Godoy Penteado e Rosa Monteiro Paulo – pela leitura
cuidadosa e principalmente pelas sugestões apresentadas.
À UTFPR pelo apoio através de seu programa de qualificação docente.
À CAPES pelo financiamento dessa pesquisa .
Às professoras que participaram conosco dos encontros de formação continuada
possibilitando o desenvolvimento dessa pesquisa.
E a Deus que nos guiou nessa jornada.
BENNEMANN, M. Formação continuada de professores de matemática com o uso das tecnologias de informação e comunicação na perspectiva da educação matemática crítica. 2013. 164 f. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências e Matemática)–Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2013.
RESUMO
Essa pesquisa aborda a formação continuada de professores que ensinam
Matemática nos anos finais do Ensino Fundamental, tendo como objetivo analisar as
compreensões manifestadas, pelos professores, a respeito da Educação Matemática
Crítica ao desenvolverem atividades matemáticas empregando as Tecnologias de
Informação e Comunicação. Por meio da metodologia qualitativa, os dados foram
construídos a partir das interações dos participantes em encontros de formação
continuada, durante os quais foi analisada e discutida a Filosofia da Educação
Matemática Crítica no desenvolvimento de atividades matemáticas que buscavam
evidenciar aspectos dessa filosofia. Os dados coletados a partir de questionários,
entrevistas, gravações dos encontros, textos escritos pelas professoras e anotações
de campo foram submetidos à análise de conteúdo, o que possibilitou identificar as
compreensões manifestadas pelas professoras. As atividades desenvolvidas
procuraram privilegiar os aspectos investigativos relacionados a fatos reais, a
situações de interesse dos alunos e ao uso da planilha de cálculo e do GeoGebra,
de modo a empregar simulações e múltiplas representações. Até essa experiência,
as nove professoras participantes não conheciam a filosofia da Educação
Matemática Crítica e também não faziam uso didático das Tecnologias de
Informação e Comunicação. A partir da formação realizada, foi possível identificar
compreensões relativas à Matemática em Ação, à importância do aspecto
investigativo numa perspectiva crítica frente à Matemática e ao contexto social,
matematizando situações relevantes aos alunos. Ainda, na forma como as
professoras se identificaram com a Educação Matemática Crítica e nas contribuições
que reconheceram nas tecnologias para abordar elementos dessa filosofia, percebe-
se um campo promissor para a Educação Matemática. Finalmente, suas
compreensões também dizem respeito à forma como as atividades foram propostas
e desenvolvidas e a como ocorre o trabalho docente.
Palavras-chave: Educação matemática, Formação de professores, Educação
matemática crítica, Tecnologias de informação e comunicação.
BENNEMANN, M. Mathematics teacher continuing education with the use of technologies of infomation and communication in the perspective of critical mathematical education. 2013 164 f. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências e Matemática)–Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2013.
ABSTRACT
The present research regards continuing education of teachers who teach
Mathematics in the final years of Junior high school, and it aims at analyzing the
teachers’ understandings about Critical Mathematical Education when they develop
mathematical activities by using Technologies of Information and Communication. By
applying the qualitative methodology, the data were built from the participants’
interactions in continuing education meetings during which they analyzed and
discussed the philosophy of Critical Mathematical Education in the development of
mathematical activities that tried to highlight aspects of that philosophy. The data
collected from questionnaires, interviews, recorded meetings, written texts by the
teachers and field notes were submitted to content analysis, which made it possible
to identify the teachers’ understandings. The developed activities tried to privilege the
investigative aspects related to real facts, to situations that interest the students and
to the use of calculus spreadsheets and GeoGebra in order to use simulations and
multiple representations. Before that experience the nine participants teachers did
not know the philosophy of Critical Mathematical Education and did not make a
didactic use of Technologies of Information and Communication either. From that
course on, it became possible to identify understandings related to Mathematics in
Action and to the importance of the investigative aspect in a critical perspective
facing Mathematics and the social context, mathematizing relevant situations to the
students. As the teachers identified with the Critical Mathematical Education and
recognized the contributions of technologies to deal with elements of that philosophy,
a promising field of Mathematical Education has been pictured. Finally, their
understandings are also related to the way the activities were proposed and
developed and how teaching occurs.
Keywords: Mathematical education, Teacher education, Critical mathematical
education, Technologies of information and communication.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CRTE Coordenação Regional de Tecnologia na Educação
CTS Ciência, Tecnologia e Sociedade
EC Educação Crítica
EM Educação Matemática
EMC
E1
E2
FV
GPIMEM
IBOPE
IR
NP
Educação Matemática Crítica
Primeira Entrevista
Segunda Entrevista
Valor Futuro
Grupo de Pesquisa em Informática e outras Mídias em Educação
Matemática
Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística
Imposto de Renda
Notas do Pesquisador
NPER
NRE
Número de Parcelas
Núcleo Regional de Educação
NTEs Núcleos de Tecnologia Educacional
PCN Parâmetros Curriculares Nacionais
PDE
PGTO
Pn
Programa de Desenvolvimento Educacional do Estado do Paraná
Valor das Parcelas
Professora Participante nº
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PR
PV
Rn
RPn
Paraná
Valor Presente
Reunião (encontro) nº
Reflexão da Professora nº
SANEPAR Companhia de Saneamento do Paraná
SEED-PR Secretaria de Estado da Educação do Paraná
SMEC Modelo de Simulação do Conselho Econômico (Dinamarquês)
TIC Tecnologias de Informação e Comunicação
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Epistemologia das Representações Múltiplas ................................... 58
Figura 2 - Epistemologia das Representações Múltiplas - Segunda Parte ...... 59
Figura 3 - Identificação do Percentual Total de Juros ..................................... 100
Figura 4 - Comportamento do Saldo Devedor na Hipótese de que a Taxa de
Juros seja de 2% a.m. ........................................................................ 101
Figura 5 - Comportamento do Saldo Devedor Segundo Taxas de Juros
Hipotéticas .......................................................................................... 102
Figura 6 - Comandos que Determinam a Taxa de Juros em Anuidades ........ 102
Figura 7 - Comparativo entre Saldo Credor e Saldo Devedor ......................... 103
Figura 8 - Comparação entre Saldo Credor e Saldo Devedor ......................... 104
Figura 9 - Categorias de Análise ....................................................................... 113
Figura 10 - Protocolo 1.......................................................................................... 115
Figura 11 - Protocolo 2.......................................................................................... 115
Figura 12 - Protocolo 3.......................................................................................... 116
Figura 13 - Protocolo 4.......................................................................................... 118
Figura 14 - Protocolo 5.......................................................................................... 120
Figura 15 - Protocolo 6.......................................................................................... 121
Figura 16 - Protocolo 7.......................................................................................... 122
Figura 17 - Protocolo 8.......................................................................................... 123
Figura 18 - Protocolo 9.......................................................................................... 125
Figura 19 - Protocolo 10........................................................................................ 128
Figura 20 - Protocolo 11........................................................................................ 129
Figura 21 - Protocolo 12........................................................................................ 130
Figura 22 - Protocolo 13........................................................................................ 131
Figura 23 - Protocolo 14........................................................................................ 133
Figura 24 - Protocolo 15........................................................................................ 134
Figura 25 - Protocolo 16........................................................................................ 135
Figura 26 - Protocolo 17. .................................................................................138
Figura 27 - Protocolo 18 ..................................................................................141
Quadro 1 - Ambientes de Aprendizagem ............................................................ 42
Quadro 2 - Atividades e Objetivos do Primeiro Encontro .................................. 86
Quadro 3 - Atividades e Objetivos do Segundo Encontro ................................. 88
Quadro 4 - Atividades e Objetivos do Terceiro Encontro .................................. 91
Quadro 5 - Atividades e Objetivos do Quarto Encontro .................................... 92
Quadro 6 - Atividades e Objetivos do Quinto Encontro..................................... 94
Quadro 7 - Atividades e Objetivos do Sexto Encontro ...................................... 95
Quadro 8 - Atividades e Objetivos do Sétimo Encontro .................................... 96
Quadro 9 - Atividades e Objetivos do Oitavo Encontro ..................................... 97
Quadro 10 - Anúncio Publicitário ........................................................................... 99
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 13
CAPÍTULO 1 - METODOLOGIA DA PESQUISA ..................................................... 17
1.1 A Pesquisa .................................................................................................. 17
1.2 Pesquisa Qualitativa .................................................................................. 17
1.3 Instrumentos Adotados na Investigação ................................................. 21
1.3.1 Questionário................................................................................................ 22
1.3.2 Entrevista..................................................................................................... 23
1.3.3 Observação.................................................................................................. 24
1.3.4 Análise Documental.................................................................................... 25
1.4 O Contexto da Pesquisa ............................................................................ 25
1.5 Registro dos Dados .................................................................................... 27
1.6 Análise dos Dados ..................................................................................... 27
1.6.1 O Método...................................................................................................... 27
CAPÍTULO 2 - EDUCAÇÃO MATEMÁTICA CRÍTICA ............................................. 31
2.1 Uma Crítica à Educação Matemática ........................................................ 31
2.2 Filosofia da Educação Matemática Crítica ............................................... 33
2.2.1 Paradigma do Exercício.............................................................................. 35
2.2.2 Absolutismo dos Números – Ideologia da Certeza.................................. 36
2.2.3 Matemática em Ação................................................................................... 37
2.2.4 Democracia e o Papel Sociopolítico da Educação Matemática.............. 38
2.3 Caminhos à Educação Matemática Crítica ............................................... 41
2.4 Nossa Pesquisa nesse Contexto Literário ............................................... 46
2.4.1 Atividades de Caráter Investigativo com Ênfase na Realidade.............. 47
2.4.2 Problemas Abertos Envolvendo Situações Reais................................... 48
2.4.3 Situações Relevantes para os Alunos (aos olhos dos alunos).............. 50
2.4.4 TIC como Desencadeadoras de uma Zona de Risco............................... 51
2.4.4.1 Simulações................................................................................................... 54
2.4.4.2 Múltiplas Representações.......................................................................... 56
2.4.4.3 Abordagens que Exploram Aspectos de Difícil Execução via Papel e
Lápis............................................................................................................ 60
2.4.5 Discussões sobre as Relações da Matemática com o Contexto Social 62
CAPÍTULO 3 - FORMAÇÃO CONTINUADA DOS PROFESSORES QUE ENSINAM
MATEMÁTICA ............................................................................................. 65
3.1 Formação Continuada dos Professores ................................................... 65
3.2 Formação Continuada do Professor que Ensina Matemática com
Relação à Educação Matemática Crítica. ................................................. 66
3.3 Formação Continuada do Professor que Ensina Matemática com
Relação ao uso das Tecnologias de Informação e Comunicação. ........ 67
3.4 Formação Continuada no Estado do Paraná ........................................... 73
3.4.1 Infraestrutura Relativa às TIC nas Escolas do Paraná............................ 74
3.4.2 Diretrizes para uso das Tecnologias Educacionais no Paraná.............. 75
3.4.3 A Formação Continuada no NRE de Pato Branco.................................... 77
3.5 Nossa Pesquisa nesse Contexto. ............................................................. 79
CAPÍTULO 4 - O GRUPO E AS ATIVIDADES ......................................................... 81
4.1 A Constituição do Grupo. .......................................................................... 81
4.1.1 Perfil das Professoras Participantes......................................................... 82
4.2 As Atividades .............................................................................................. 85
4.2.1 Atividades Desenvolvidas e os Objetivos para sua Realização............. 85
4.2.2 Descrição Detalhada de umas das Atividades....................................... 98
4.2.3 Síntese da Metodologia Adotada no Desenvolvimento das Atividades.....
....................................................................................................................107
CAPÍTULO 5 - DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS ........................................ 111
5.1 Método de Análise .................................................................................... 111
5.2 Categorias de Análise .............................................................................. 113
5.2.1 Compreensões do Grupo a Respeito de EMC........................................ 113
5.2.1.1 Ação Sociopolítica da Matemática........................................................... 114
5.2.1.2 Caráter Investigativo................................................................................. 118
5.2.1.3 Matematizar Situações Relevantes aos Alunos..................................... 120
5.2.1.4 Identificação com a EMC.......................................................................... 122
5.2.1.5 (In)Compreensões acerca da EMC...........................................................125
5.2.2 Compreensões do Grupo em Relação às Contribuições das TIC para a
EMC............................................................................................................. 127
5.2.2.1 Favorecimento a Investigação..................................................................127
5.2.2.2 Favorecimento às Múltiplas Representações.........................................133
5.2.3 Compreensões do Grupo a Respeito do Trabalho Docente em Relação
à EMC.......................................................................................................... 135
5.2.3.1 Posicionamentos em Relação às Atividades..........................................136
5.2.3.2 Posicionamento em Relação a suas Práticas.........................................140
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ ....145
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 151
APÊNDICE A .......................................................................................................... 158
APÊNDICE B .......................................................................................................... 161
APÊNDICE C .......................................................................................................... 163
13
INTRODUÇÃO
Levar ao conhecimento dos professores a Filosofia da Educação Matemática
Crítica é um dos objetivos que conduziu nossos passos durante esta investigação.
Em nossa trajetória profissional sempre tivemos grande preocupação com o que
ensinamos e como desenvolvemos esse ensino, nas aulas de Matemática.
Entretanto, quando conhecemos a Filosofia da Educação Matemática Crítica, de Ole
Skovsmose, em 2008, percebemos que apesar de nossas preocupações serem
importantes, muitas das concepções que tínhamos a respeito do ensino de
Matemática eram, ainda, ingênuas e incipientes, e poderiam ter seus horizontes
ampliados.
A Licenciatura em Ciências com Habilitação em Matemática concluída em
1991 nos proporcionou uma formação tradicional, ou seja, fomos ensinados a
ensinar Matemática por meio de exemplos e exercícios. Assim, quando passamos a
lecionar Matemática, ainda durante a graduação, procurando nos espelhar naqueles
professores com quem mais nos identificávamos, reproduzimos esse modelo. Nessa
trajetória, em 1992 fizemos a Especialização em Matemática, na qual os professores
demonstravam um apego, ainda maior, às listas de exercícios, nos influenciando,
novamente, a desenvolver nosso trabalho nesse mesmo modelo. Seguimos, então,
lecionando, inclusive no mesmo curso de graduação em que havíamos nos formado,
fortemente influenciados pelo modelo de ensino a que havíamos sido submetidos.
Entretanto, com o passar dos anos, cria-se um estilo próprio, que em nosso caso
procurava mesclar as “listas de exercícios” com atividades que procuravam revelar
as aplicações dos conteúdos matemáticos. Aos poucos essa abordagem foi
evoluindo e cada vez mais procurávamos utilizar o contexto dos alunos para
elaborar as atividades. Em 1994 passamos a utilizar a planilha de cálculo, onde
reconhecemos um grande potencial para o ensino de Matemática. As aulas que
desenvolvíamos no laboratório de informática, com os alunos da graduação, além de
serem voltadas para aplicações, passaram a incorporar a experimentação. Assim,
em 1998 quando entramos no Mestrado em Educação com uma linha de pesquisa
em Educação Matemática, desenvolvemos um estudo sobre a disciplina de
Matemática Financeira de um curso de Ciências Contábeis. Investigando, junto aos
14
contabilistas, quais eram suas necessidades matemáticas relativas à área financeira,
comparamos essas informações com a ementa das disciplinas de Matemática
Financeira I e II. A partir disso propusemos a Modelagem Matemática como
alternativa de ensino dessas disciplinas, em que, novamente, o uso das planilhas de
cálculo era de grande utilidade.
Continuando nossa busca por aprimoramento e renovação profissional,
tomamos conhecimento das obras de Skovsmose, e reconhecemos uma grande
afinidade entre aquilo que pensávamos da Matemática e a Educação Matemática
Crítica (EMC), mas também foi posto em xeque o que, de fato, estávamos fazendo
como professores de Matemática. Percebemos que muitas das ações que
desenvolvíamos em sala de aula, dificilmente despertariam a capacidade crítica dos
alunos.
Dessa forma, quando decidimos entrar em um programa de Doutorado,
acreditando no potencial das tecnologias no ensino de Matemática, optamos por
investigar a possibilidade de favorecermos o desenvolvimento de um ensino de
Matemática segundo os princípios da EMC, quando da utilização das Tecnologias de
Informação e Comunicação (TIC) nas aulas de Matemática. Nossa investigação
seria realizada junto a professores do Ensino Fundamental, pois percebíamos que
na região onde atuamos, mesmo havendo laboratórios de informática em todas as
escolas, poucos professores faziam uso das tecnologias digitais em suas aulas.
Então, esta pesquisa envolve a formação continuada de professores, o uso de
tecnologias e nossa interpretação das obras de Skovsmose, que nomeamos de
princípios da Educação Matemática Crítica.
Das pesquisas que analisamos, em relação à formação de professores e ao
uso de tecnologias, temos afinidades com Bovo (2004), Costa (2004), Bittar,
Guimarães e Vasconcellos (2008), Zulatto (2010), Dullius, Haetinger e Quartieri
(2010) e Gregio e Bittar (2012) por também entendermos que os cursos ofertados
aos professores não têm sido suficientes para efetivar o uso das TIC, ao passo que
os trabalhos colaborativos entre os professores e entre professores e pesquisadores
se mostram mais promissores. No entanto, nos diferenciamos desses estudos pela
abordagem a que submetemos as tecnologias. Propusemos seu uso associado a
15
propostas de atividades que visavam trazer à tona as preocupações levantadas pela
EMC quanto aos possíveis papéis sociopolíticos da EM.
Em relação à EMC, as pesquisas de Araújo (2002), Jacobini (2004), Malheiros
(2004), Passos (2007), Pinheiro (2005) e Ramos (2011), reconhecem afinidades
entre essa filosofia e a Modelagem; a Etnomatemática; a Ciência, Tecnologia e
Sociedade; e uma determinada abordagem na Educação de Jovens e Adultos. Nós,
no entanto, temos a EMC como uma meta que perseguimos com o auxílio das TIC.
Assim, nos propusemos a investigar, com a participação dos professores do
sudoeste do Paraná, como poderíamos desenvolver atividades matemáticas por
meio das TIC de modo a vivenciar alguns aspectos da EMC. Nosso objetivo foi
identificar que compreensões são reveladas por um grupo de professores ao
se inserirem em um processo de formação continuada na perspectiva da EMC.
A estrutura deste relatório de pesquisa foi concebida em cinco capítulos que
descrevemos brevemente a seguir.
No capítulo 1 apresentamos a metodologia adotada nessa pesquisa, bem
como os instrumentos empregados para a construção dos dados e sua análise.
No capítulo 2 fazemos uma crítica à Educação Matemática, trazendo,
também, o referencial teórico que adotamos - Educação Matemática Crítica – e
mostrando como nossa pesquisa se encaixa nesse contexto.
No capítulo 3 abordamos a formação continuada de professores que ensinam
Matemática, com relação à EMC e ao uso das Tecnologias de Informação e
Comunicação, além de descrever a formação continuada desenvolvida no estado do
Paraná e explicar como nossa pesquisa se apresenta nesse contexto.
No capítulo 4 fazemos a descrição do grupo de professores que participou da
investigação e como foi constituído. Também abordamos as atividades, seus
objetivos e como foram desenvolvidas, descrevendo detalhadamente como uma
delas ocorreu a fim de elucidar a dinâmica que se desenvolveu em todas elas.
16
No capítulo 5 detalhamos o método de análise empregado; apresentamos os
dados construídos dentro das categorias de análise e a interpretação que fizemos a
partir deles.
Encerramos o corpo do texto desta tese com as considerações finais,
retomando a questão de investigação para respondê-la a partir das compreensões
que construímos, e apontamos caminhos para novas investigações.
17
CAPÍTULO 1 - METODOLOGIA DA PESQUISA
Neste capítulo vamos descrever a metodologia adotada na pesquisa, bem
como os instrumentos utilizados para sua realização. Iniciamos com uma análise a
respeito dos fundamentos da Pesquisa Qualitativa e sua relação com nossa
investigação. A seguir apresentamos os instrumentos utilizados no desenvolvimento
da investigação: os questionários, as entrevistas, os registros escritos dos
professores e nossas anotações relativas ao trabalho de campo. Concluímos o
capítulo com a metodologia de análise de dados, trazendo a análise de conteúdo
como o principal método adotado nessa investigação.
1.1 A Pesquisa
Nossa investigação se desenvolveu por meio de encontros, com professores
de Matemática, para analisar e discutir os princípios da EMC num contexto de uso
das TIC para o desenvolvimento de atividades matemáticas investigativas.
Legalmente, esse processo de formação foi caracterizado como um curso de
formação continuada através de um convênio entre a Universidade Cruzeiro do Sul –
SP e o Núcleo Regional de Educação – NRE da cidade de Pato Branco – PR, a fim
de que pudéssemos certificar os participantes com relação às 20h de estudos
realizados, o que possibilitaria aos professores computar essa carga horária em
seus planos de carreira.
No entanto, o trabalho, em conjunto com os professores, seguiu uma
abordagem mais flexível, no qual não tínhamos a figura de um professor ensinando
conteúdos. Formamos um grupo que se reuniu regularmente, por um período
determinado, com a intenção de discutir possibilidades de ensino. Tal enfoque
revelou, na pesquisa, aspectos eminentemente qualitativos.
1.2 Pesquisa Qualitativa
As investigações qualitativas em educação, são caracterizadas por Bogdan e
Biklen (1994) como aquelas em que
18
[...] a fonte direta de dados é o ambiente natural, constituindo o investigador o instrumento principal. (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 47).
Os dados recolhidos são em forma de palavras ou imagens e não números. (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 48).
[Há um maior interesse] pelo processo do que simplesmente pelos resultados ou produtos. (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 49).
Os investigadores qualitativos tendem a analisar os seus dados de forma indutiva.
O significado é de importância vital na abordagem qualitativa. (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 50).
Desta forma, nossa coleta de dados se deu pela interação direta com os
professores em ambientes escolares. Os registros são referentes às entrevistas, às
participações dos professores nos encontros e às reflexões escritas produzidas
pelos professores; e as nossas anotações relativas aos diversos contatos com os
professores são, em essência, as falas e as suas percepções, aspectos observados
no decurso de um trabalho colaborativo. O foco no processo e não apenas no
produto, podemos identificar nas estratégias adotadas visando construir uma
consciência crítica com relação aos possíveis papeis sociopolíticos da Educação
Matemática. Com relação à tendência de análises de dados de forma indutiva,
embora tivéssemos um planejamento para os encontros, o executamos segundo os
interesses do grupo, fazendo ajustes conforme as demandas que se apresentavam.
Reconhecemos, portanto, no decorrer da investigação, quais eram os elementos que
trariam à tona as compreensões reveladas pelos docentes relativas à EMC. A
questão do significado na investigação qualitativa se fez presente no
desenvolvimento contínuo de busca do porque ensinamos, como ensinamos e para
quem ensinamos em nossas aulas de Matemática.
Na metodologia qualitativa, o rigor científico com que o pesquisador trata seus
dados é uma preocupação evidente destacada nas obras de Lüdke e André (1986),
Goldenberg (1999) e Bogdan e Biklen (1994), nas quais é reconhecido que sempre
haverá algum tipo de influência das concepções do pesquisador sobre os dados
coletados e analisados. Assim, é certo que nossas concepções também tenham de
alguma maneira, afetado as informações que coletamos e a forma como as
analisamos. No entanto, procuramos minimizar essa influência mediante a utilização
de métodos distintos de coleta de dados, como as entrevistas e os questionários e,
também, formas distintas de registros como as gravações em áudio e vídeo, além
dos textos produzidos pelos professores e as anotações de campo, para que, no
cruzamento dos dados, a “verdade” prevalecesse.
19
Em nossa pesquisa, os trabalhos desenvolvidos com as professoras, partiram
de uma prioridade/necessidade, por elas apresentada, manifestada na entrevista
inicial, relacionada aos conhecimentos necessários para o uso das TIC nas aulas de
Matemática. Como pesquisador-formador, além da intenção de colaborar com as
professoras na construção de tais conhecimentos, tínhamos o objetivo de apresentar
a elas as concepções de Skovsmose (1999, 2001, 2007, 2008, 2011) sobre a EMC
e, apoiados nessas duas vertentes, uma questão a investigar: que compreensões
são reveladas por um grupo de professores ao se inserirem em um processo
de formação continuada com o uso das TIC na perspectiva da Educação
Matemática Crítica?
Considerando que o ponto central de nossa questão de pesquisa corresponde
às compreensões reveladas pelas professoras participantes, na sequência
esclarecemos a forma como o termo compreender é considerado nesse estudo.
Vejamos inicialmente os significados atribuídos às palavras compreender e
compreensão:
Compreender: V. t. d. 3. Alcançar com a inteligência; atinar com; perceber, entender. 4. Perceber ou alcançar as intenções ou o sentido de.
Compreensão: S. f. 1. Ato ou efeito de compreender. 2. Faculdade de perceber; percepção. 3. Lóg. Conjunto dos elementos (Características, propriedades, qualidades) pertencentes a um conceito. (FERREIRA, 1988, p. 165).
Diante disso, nossa investigação está relacionada com a percepção de
sentido, a respeito da filosofia da EMC e do uso das TIC, que as professoras
apresentaram no decorrer dos encontros. Além disso, “compreender é pensar e agir
com flexibilidade em qualquer circunstância, a partir do que de sabe acerca de algo”
(POGRÉ et al., 2006, p. 11), o que nos leva a considerar nas participações das
professoras, no desenvolvimento das atividades, a forma como integraram seus
conhecimentos prévios como professoras de Matemática e os princípios que
norteiam a EMC.
Mais especificamente em relação à compreensão matemática, na sessão
2.4.4.2 do Capítulo 2 a respeito das múltiplas representações, trazemos o mapa
conceitual da Epistemologia das Representações Múltiplas (BORBA, 1994) em que
compreender um tema requer a identificação de regularidades e discrepâncias sobre
20
um fenômeno. Também nesse sentido, no entanto relacionado à linguagem,
encontramos no Dicionário de Wittgenstein que:
Compreender uma frase significa compreender uma língua. Compreender uma língua significa dominar uma técnica. Isso diz que compreender é saber como fazer algo, no caso da linguagem, entender uma linguagem significa saber como usá-la. Assim é íntima a conexão entre compreensão, significado e uso. (GLOCK, 1998, p. 101).
Nos encontros de formação que desenvolvemos, tínhamos a intenção de
desenvolver atividades matemáticas que considerassem as preocupações da EMC
diante da EM. Dessa forma, nossos registros relativos às manifestações das
professoras visavam captar a conexão que as participantes poderiam construir entre
o significado atribuído à filosofia da EMC e a forma como o uso efetivo das TIC
influenciaria a prática de sala de aula, no sentido de favorecer ou não um ensino
pautado nos princípios da EMC. Considerando, também, que “o treinamento não
pressupõe a compreensão, mas somente padrões de reação por parte de quem é
treinado” (GLOCK, 1998, p. 151), nossos encontros primaram por um trabalho
colaborativo em que as professoras tiveram a oportunidade de expressar, tanto suas
dúvidas quanto seus modos de agir construídos na formação e experiência
profissional que possuíam.
Ao investigar a compreensão das professoras, também nos aproximamos da
forma como Paulo (2001) analisa e interpreta o significado da compreensão segundo
o filósofo alemão Martin Heidegger. Em um estudo sobre a compreensão geométrica
da criança, Paulo (2001) sintetiza a compreensão como uma possibilidade que o
homem traz consigo de organizar o mundo, as coisas e escolher o seu modo de ser.
A autora também considera que “a compreensão se dá na concretude da vida
humana, nas possibilidades que o homem tem de ser e estar no mundo, não apenas
em sua racionalidade” (PAULO, 2001, p. 22).
Esse entendimento se fortalece com a visão de que “compreender é
experimentar o acordo entre aquilo que visamos e aquilo que é dado, entre a
intenção e a efetuação” (MERLEAU-PONTY, 1994, p. 200, apud PAULO, 2001, p.
22). Ou seja, a compreensão se manifesta na possibilidade que o homem tem de
estabelecer uma relação entre suas intensões e o que percebe no mundo.
21
Como pesquisadores, procuramos compreender o modo como as professoras
estabeleceram relações entre suas intensões, no que diz respeito ao ensino de
Matemática, e o modo como perceberam o trabalho utilizando as TIC, em que
vivenciarem uma EM preocupada com as questões da EMC.
Diante do exposto, a situação social que julgamos demandar esta
investigação é a do âmbito escolar nos anos finais do Ensino Fundamental da rede
pública de ensino dos municípios do sudoeste do Paraná, por termos constatado, via
levantamento prévio aos encontros, que os professores de Matemática desta região
pouco utilizam e até mesmo não utilizam os recursos das TIC em suas aulas, bem
como desconhecem a filosofia da EMC.
A ação que propusemos às professoras, com o objetivo de esclarecer ao
grupo, consistia na participação em encontros de formação continuada para a
análise e discussão dos princípios da EMC no desenvolvimento de atividades
matemáticas utilizando as TIC. Embora a definição da ação tenha partido de nós
como pesquisador, teve a influência das professoras participantes pelo fato de que
as mesmas foram entrevistadas antes da realização dos encontros e seus perfis
profissionais e áreas de interesse foram considerados na programação. Portanto,
consideramos que o grupo formado a partir de um interesse comum, a utilização das
TIC nas aulas de Matemática sob o enfoque da EMC, participou da concepção dos
encontros, visto que suas concepções estão presentes. As decisões, no tocante às
ações tomadas no decorrer dos encontros, como a própria filosofia da EMC sugere,
foram de cunho democrático e participativo. Ainda, os significados que as
professoras atribuíram à EMC frente suas práticas configuraram uma diferenciação
na conscientização sobre o tema, e foi isso que procuramos captar, no grupo,
através das compreensões por elas reveladas.
1.3 Instrumentos Adotados na Investigação
Nossa investigação, em campo, iniciou em 2011 com a aplicação de um
questionário (Apêndice A), junto aos professores, para sondar se utilizavam ou não
as TIC em suas aulas e se tinham necessidade de formação para o uso das
tecnologias. Em 2012 efetivamos a proposta de formação através de oito encontros
22
que foram precedidos por entrevistas individuais (Apêndice B) com as participantes.
Concluídos os encontros, as professoras foram novamente entrevistadas.
A seguir apresentaremos mais detalhadamente os instrumentos utilizados.
1.3.1 Questionário
Para que pudéssemos elucidar a dúvida que tínhamos com relação ao fato de
os professores de Matemática da região sudoeste do estado do Paraná utilizarem ou
não os recursos das TIC em suas aulas nos anos finais do Ensino Fundamental,
recorremos, inicialmente, a um questionário (Apêndice A) que foi aplicado nas
dependências do Núcleo Regional de Educação – NRE - de Pato Branco – PR, em
2011, quando os professores estavam reunidos para um dia de formação promovido
pela Secretaria de Estado da Educação – SEED-PR, através do NRE. Goldenberg
(1999) aponta vantagens e desvantagens na aplicação de questionários. Como
vantagem, o questionário
[...] é menos dispendioso; exige menor habilidade para a aplicação; pode ser enviado pelo correio ou entregue em mãos; pode ser aplicado a um grande número de pessoas ao mesmo tempo; as frases padronizadas garantem maior uniformidade para a mensuração; os pesquisados se sentem mais livres para exprimir opiniões que temem ser desaprovadas ou que poderiam colocá-los em dificuldades; menor pressão para uma resposta imediata, o pesquisado pode pensar com calma. (GOLDENBERG, 1999, p. 87)
E como desvantagens indica que o questionário “tem um índice baixo de
respostas; a estrutura rígida impede a expressão de sentimentos; exige habilidade
de ler e escrever e disponibilidade para responder”(GOLDENBERG, 1999, p. 88).
Nosso questionário, segundo a classificação de Goldenberg (1999), era composto
essencialmente por questões abertas e cada questão estava relacionada com um
objetivo específico. As perguntas se referiam ao trabalho individual de cada
professor e não requeriam nenhum conhecimento além do conhecimento da própria
prática. Além disso, não enfrentamos as dificuldades relativas a não devolução
porque os aplicamos na presença dos professores. Na ocasião, 129 professores
responderam ao questionário, que visava prioritariamente dois aspectos: (1) verificar
se os professores faziam ou não uso dos recursos das TIC nas aulas de Matemática
e (2) identificar aqueles professores que gostariam de participar de atividades de
formação com o uso das TIC, segundo o enfoque da EMC. Resultados parciais
23
construídos a partir desses dados estão registrados em Bennemann e Allevato
(2012b).
1.3.2 Entrevista
No primeiro semestre de 2012, firmamos uma parceria entre a Universidade
Cruzeiro do Sul e o NRE – Pato Branco para a realização do curso1, para o qual
convidamos todos os professores de Matemática dos anos finais do Ensino
Fundamental da rede pública estadual no município de Pato Branco – PR.
Finalizadas as inscrições, tivemos 12 professoras inscritas, com as quais
agendamos entrevistas individuais em datas anteriores ao início das atividades de
formação.
Lüdke e André (1986) consideram a entrevista como um instrumento básico
para coleta de dados nas pesquisas qualitativas, evidenciando que sua grande
vantagem sobre outras técnicas é que ela permite a captação imediata e corrente da
informação desejada. Além disso,
Mais do que outros instrumentos de pesquisa, que em geral estabelecem uma relação hierárquica entre o pesquisador e o pesquisado, [...] na entrevista a relação que se cria é de inserção, havendo uma atmosfera de influência recíproca entre quem pergunta e quem responde. (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 33).
As entrevistas podem ser executadas segundo um roteiro mais ou menos
rígido. O pesquisador pode optar, desde um padrão extremamente fechado, como
uma sequência de perguntas de um questionário, que configuram as entrevistas
padronizadas; até um esquema totalmente livre, sem roteiro, identificadas como não-
padronizadas. Entre esses dois extremos está “a entrevista semiestruturada, que se
desenrola a partir de um esquema básico, porém não aplicado rigidamente,
permitindo que o entrevistador faça as necessárias adaptações” (LÜDKE; ANDRÉ,
1986, p. 34). No âmbito educacional, as entrevistas semiestruturadas são as mais
adequadas, em função do perfil do público alvo e da gama de variantes existentes
nos assuntos de interesse nessa área. Ainda, dentro da perspectiva de que o
1 Utilizamos o termo “curso”, no convênio, porque tínhamos a intensão de certificar os participantes segundo a
carga horária de 20h, o que daria aos professores a possibilidade de somar horas de estudos formais para seus planos de carreira.
24
pesquisador é o principal instrumento de coleta de dados na pesquisa qualitativa,
durante a entrevista ele
[...] precisa estar atento não apenas (e não rigidamente, sobretudo) ao roteiro preestabelecido e às respostas verbais que vai obtendo ao longo da interação. Há toda uma gama de gestos, expressões, entonações, sinais não-verbais, hesitações, alterações de ritmo, enfim, toda uma comunicação não verbal cuja captação é muito importante para a compreensão e a validação do que foi efetivamente dito. (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 36).
Dentro dessas concepções, em nossa pesquisa seguimos um esquema
semiestruturado (Apêndice B) onde procuramos conhecer o perfil profissional das
professoras, suas concepções sobre a utilização das TIC na educação e, também, o
que conheciam a respeito da EMC. Cada professora foi informada, via e-mail, sobre
o que abordaríamos na entrevista. Nossa intensão, com isso, foi deixar as
professoras preparadas para evitar qualquer tipo de apreensão em relação aos
assuntos sobre os quais pretendíamos conversar e, assim, conhecer melhor as
professoras participantes.
Isto feito, realizamos os 8 encontros de formação e, então, agendamos, com
cada professora, uma nova entrevista (Apêndice C). Do mesmo modo que na
primeira entrevista, enviamos, via e-mail, o assunto que abordaríamos na entrevista,
ou seja, que seria uma conversa sobre o que haviam compreendido sobre EMC, e
como estavam avaliando o auxílio das TIC nessa perspectiva.
1.3.3 Observação
Durante os encontros com as professoras, foi fortemente pela observação que
ocorreu a coleta de dados.
Em suas considerações sobre a validade ou não da coleta de dados por meio
da observação, Lüdke e André esclarecem que,
“Para que se torne um instrumento válido e fidedigno de investigação científica, a observação precisa ser antes de tudo controlada e sistemática. Isso implica a existência de um planejamento cuidadoso do trabalho e uma preparação rigorosa do observador”. (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 25)
As autoras deixam claro que o observador, em nosso caso, o pesquisador,
necessita de preparação para exercer esta tarefa. Sugerem um treinamento com
situações simuladas ou mesmo uma incursão no local definitivo da pesquisa, numa
25
espécie de projeto piloto. Em nosso caso, consideramos que a longa trajetória que
temos na docência deva ter contribuído na determinação do modo como realizamos
nossas observações, até porque nossa investigação tem um viés didático. Além
disso, resgatando as memórias recentes e amparados pelos registros de áudio e
vídeo construímos, ao final de cada encontro, um relatório a respeito do que
percebemos no grupo, tanto dos aspectos ocorridos como padrão de repetição
quanto daqueles que se mostraram inteiramente novos. Assim, concentramo-nos
nas compreensões a respeito da EMC que as professoras manifestaram no decorrer
da realização das atividades investigativas com o uso das TIC.
1.3.4 Análise Documental
A análise documental se caracteriza pela busca de evidências relativas ao
objeto de estudo em materiais escritos, sejam eles livros, jornais, memorandos,
diários pessoais, autobiografias e uma gama de documentos que Phillips (1974, p.
187) apud Lüdke e André (1986, p. 38) considera como “quaisquer materiais escritos
que possam ser usados como fonte de informação sobre o comportamento
humano”. Na pesquisa qualitativa, tais documentos são uma fonte inestimável de
onde o pesquisador pode retirar subsídios que reforcem suas conclusões. Os
principais registros que incluímos nessa sessão correspondem aos textos
produzidos pelas professoras, comentando, analisando e discutindo o que
abordamos em cada encontro; e, também, os documentos oficiais, tanto da União
quanto do Estado do Paraná, que dizem respeito ao ensino de Matemática no
Ensino Fundamental.
1.4 O Contexto da Pesquisa
Para os encontros, que totalizaram 20 horas em oito reuniões, convidamos as
professoras para juntos analisarmos em que consiste a EMC e como o uso das TIC
pode influenciar/favorecer esta filosofia de ensino de Matemática.
Havíamos disponibilizado 15 vagas, considerando que, para o registro das
interações e um acompanhamento mais próximo a cada participante, seria uma
quantidade apropriada. Além disso, a metodologia qualitativa não tem na quantidade
de participantes sua principal referência. O pormenorizado registro das ocorrências é
26
que fortalece os resultados e conclusões construídos pelos pesquisadores. O grupo
foi formado, inicialmente, por doze professores inscritos, no entanto apenas nove
professoras participaram. Dos três desistentes, a justificativa que recebemos foi
referente a problemas com mudança de horário de trabalho e problemas de saúde.
Nossas expectativas iniciais, em função do questionário aplicado em 2011, eram de
um número bem maior de interessados; no entanto, conversando com as
professoras participantes, percebemos o esforço que tiveram que fazer para
participar. Todas tinham carga horária semanal de trabalho de 40h, e se dispuseram
a deixar suas famílias, seus momentos de descanso ou de outros afazeres, depois
de uma jornada diária de trabalho de oito horas para, novamente na escola,
reunirem-se com os colegas e estudar. Consideramos que esses fatores podem ter
sido determinantes para a não participação de um maior número de professores.
Poderíamos considerar, também, uma falta de interesse dos professores, mas, a
julgar pelo entusiasmo das participantes e pelos dados obtidos no questionário
inicial, acreditamos que não seja essa uma razão.
Os encontros foram realizados no laboratório de informática de um colégio
estadual do município de Pato Branco – PR. Todos os colégios estaduais do Paraná
contam com laboratório de informática. A quantidade de computadores varia de dez
a vinte e cinco, de acordo com o tamanho do colégio. O laboratório que utilizamos
conta com 20 computadores e, assim como nos demais estabelecimentos, estão
conectados à Internet e disponibilizam, através da plataforma Linux, a planilha de
cálculo Calc, do BrOffice, e o software GeoGebra. Estes, então, foram os recursos
das TIC que decidimos utilizar com as professoras. Foi, portanto, uma escolha por
conveniência, ou seja, não escolhemos estes recursos por acreditar que sejam
melhores que outros, mas por estarem disponíveis a todos os professores da rede
de ensino público estadual do Paraná. Também consideramos o fato de serem de
naturezas diferentes, permitindo diversificar as atividades. O GeoGebra, em
particular, tem sido bastante recomendado no trabalho com Geometria, uma das
demandas apresentadas pelas professoras. Desse modo, nossa investigação não
está atrelada a softwares específicos, mas em como podemos utilizá-los tendo em
mente desenvolver um ensino pautado nos princípios da EMC.
27
1.5 Registro dos Dados
Todas as discussões e atividades desenvolvidas durante os encontros foram
gravadas em áudio e vídeo. No dia seguinte a cada encontro transcrevemos as
gravações e também registramos nossas impressões com relação ao ocorrido. Ainda
no decorrer da experiência de formação, outro registro que adotamos foi a produção
de texto pelas professoras participantes. No primeiro dia de curso, entregamos a
cada professora um caderno e solicitamos que registrassem, nele, uma reflexão a
respeito do que havíamos tratado em cada encontro.
1.6 Análise dos Dados
As informações que coletamos estão todas registradas na forma de textos. A
partir daí, consideramos a análise de conteúdo, conforme as propostas de Moraes
(1999) e Bardin (2006). Segundo esses autores, a análise de conteúdo, como
método de análise de dados, é utilizada para descrever e interpretar o conteúdo de
toda classe de documentos e textos. Tendo como matéria prima todo material
oriundo de comunicação verbal ou não-verbal como jornais, informes, livros, relatos,
gravações, entrevistas, vídeos, entre outros, caracterizados como dados brutos,
propicia o processamento de informações por meio de técnicas e procedimentos
sistemáticos de descrição e análise do conteúdo das mensagens.
1.6.1 O Método
Bardin (2006) estabelece o trabalho em três etapas: pré-análise, exploração
do material e tratamento dos resultados, com as inferências e interpretações.
Moraes (1999), propõe cinco etapas: preparação das informações, unitarização,
categorização, descrição e interpretação. Trata-se apenas de distintas
denominações, pois, na essência, as propostas se assemelham. Optamos por seguir
as cinco etapas de Moraes:
A preparação do material consiste em identificar nos dados brutos o
que é representativo e pertinente à investigação, codificando o que foi
selecionado.
28
Em nossa investigação, o material foi selecionado e codificado conforme as
interações de cada uma das professoras (Pn) em cada um dos seguintes momentos:
Entrevista inicial (E1), cada um dos encontros (reuniões do grupo) (Rn), entrevista
final (E2), reflexões escritas pelas professoras (RPn) e notas de campo do
pesquisador (NP). Por exemplo, P1E1 indica uma interação da professora 1 na
primeira entrevista, P5R2 indica uma interação da professora 5 no segundo encontro
(reunião) e RP2 corresponde a uma anotação da professora 2 em seu caderno de
reflexões.
A unitarização consiste na definição de unidades de análise; unidades
do conteúdo que serão, posteriormente, classificadas.
Nessa etapa, estabelecemos como unidades de análise frases das falas, e
parágrafos das escritas das professoras e do pesquisador.
A categorização é o procedimento de agrupar dados, considerando o
que há em comum entre eles. Moraes (1999) considera que as
categorias podem ser definidas a priori ou a partir dos dados. De
qualquer modo, deverão ser válidas, exaustivas e homogêneas. A
validade exige que todas as categorias sejam significativas e úteis em
termos do trabalho proposto - de seus objetivos e de sua
fundamentação teórica. As categorias deverão ser exaustivas no
sentido de que devem possibilitar a categorização de todo o conteúdo
significativo, incluindo todas as unidades de análise. A homogeneidade
requer regras de classificação para que cada elemento possa ser
classificado em apenas uma categoria.
A descrição corresponde a um texto síntese para cada categoria
expressando o conjunto de significados presentes nas diversas
unidades de análise. Geralmente se faz uso de citações diretas.
Esse trabalho está registrado no Capítulo 5 desta tese, em que apresentamos
os dados e desenvolvemos a interpretação.
A interpretação requer do analista uma profunda imersão nos dados,
buscando não só os conteúdos manifestos nos documentos, como
29
também aqueles que possam emergir das entrelinhas. O pesquisador
procura captar sentidos implícitos, motivações inconscientes, reveladas
por descontinuidades e contradições.
Nossa abordagem toma como ponto de partida os dados, construindo a partir
deles as categorias, sendo, portanto, indutiva. Não temos como finalidade
generalizar ou testar hipóteses, mas construir uma compreensão do fenômeno
investigado. O trabalho por nós realizado, correspondente a essas duas últimas
etapas está registrado no Capítulo 5 desta tese, em que apresentamos os dados e
desenvolvemos sua análise.
Com esses esclarecimentos a respeito da análise de conteúdo encerramos o
presente capítulo, em que apresentamos a metodologia empregada descrevendo os
instrumentos adotados na investigação. No próximo capítulo trazemos a revisão da
literatura sobre EMC situando nossa pesquisa em relação a ela.
31
CAPÍTULO 2 - EDUCAÇÃO MATEMÁTICA CRÍTICA
Nesse capítulo apresentamos uma síntese da literatura, analisada,
relacionada à Educação Matemática Crítica. O capítulo está estruturado em quatro
seções, começando por uma crítica ao atual ensino de Matemática. Na seção
seguinte trazemos a Filosofia da Educação Matemática Crítica (EMC), segundo Ole
Skovsmose; na terceira seção, o que vem sendo considerado promissor na
caminhada rumo à EMC. Para encerrar o capítulo procuramos inserir nossa
pesquisa no contexto literário apresentado.
2.1 Uma Crítica à Educação Matemática
No ensino de Matemática, ainda predominam aulas estruturadas com uma
introdução, pelo professor, envolvendo explicações teóricas e formais sobre um
novo tópico matemático; alguns exemplos de questões e/ou exercícios também
resolvidos pelo professor, que registra as resoluções no quadro para os alunos
copiarem; e, em seguida, uma lista de exercícios que, em função da quantidade,
acabam, muitas vezes, ficando como trabalho de casa. Variações deste mesmo
modelo, dando maior ou menor ênfase às explicações do professor, com alunos
trabalhando ora individualmente, ora em grupo, em atividades com seminários ou a
partir de propostas fundamentadas em aplicações matemáticas, em muitos casos,
também fazem parte das aulas. No entanto, todas têm um forte apego às listas de
exercícios que os professores propõem, muitas vezes por julgarem que somente
praticando o aluno compreenderá o conteúdo.
Chamam-nos a atenção, no entanto, alguns questionamentos levantados por
Skovsmose (1999, 2001, 2007, 2008), Alro e Skovsmose (2006) e Valero e
Skovsmose (2012) com relação ao papel sociopolítico da Educação Matemática,
sugerindo que este modelo “tradicional” (SKOVSMOSE, 2007, p. 33) de ensino
possa contribuir para uma cultura de obediência e submissão consentida. O autor
classifica de tradicionais aquelas práticas fundamentadas na resolução de exercícios
estruturados como uma sequência de ordens do tipo resolva, efetue e calcule, entre
32
outras, onde as atividades são descontextualizadas e o material didático é pouco
variado.
Nesse sentido, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) estabelecem
como objetivo para o ensino de Matemática de sexto ao nono ano, identificar o
conhecimento matemático como meio de compreender e transformar o mundo, fazer
observações sistemáticas, resolver situações problema e comunicar-se
matematicamente fazendo uso de diferentes representações, dentre outros.
Também nesse documento, a Matemática é descrita como um componente
importante na construção da cidadania, uma vez que a sociedade se utiliza cada vez
mais de conhecimentos científicos e recursos tecnológicos que são fundamentados
na lógica matemática:
A Matemática pode dar sua contribuição à formação do cidadão ao desenvolver metodologias que enfatizem a construção de estratégias, a comprovação e justificativa de resultados, a criatividade, a iniciativa pessoal, o trabalho coletivo e a autonomia advinda da confiança na própria capacidade para enfrentar desafios. (BRASIL, 1998, p. 27).
No Paraná, estado no qual a presente pesquisa foi realizada, as Diretrizes
Curriculares da Educação Básica, recomendam que:
Os conteúdos disciplinares devem ser tratados, na escola, de modo contextualizado, estabelecendo-se, entre eles, relações interdisciplinares e colocando sob suspeita tanto a rigidez com que tradicionalmente se apresentam quanto o estatuto de verdade atemporal dado a eles. (PARANÁ, 2008, p. 14).
Ainda, na seção denominada Encaminhamentos Metodológicos, sugere-se
que as práticas docentes contemplem resolução de problemas, modelagem
matemática, mídias tecnológicas, etnomatemática, história da Matemática e
investigações matemáticas.
Nas mesmas diretrizes também
[...] propõe-se que tais conhecimentos contribuam para a crítica às contradições sociais, políticas e econômicas presentes nas estruturas da sociedade contemporânea e propiciem compreender a produção científica, a reflexão filosófica, a criação artística, nos contextos em que elas se constituem. (PARANÁ, 2008, p. 14).
Enquanto os PCN e as Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná indicam a
necessidade da Matemática contribuir para a cidadania e a crítica às contradições
sociais, políticas e econômicas, as práticas didáticas centradas em listas de
33
exercícios parecem seguir em sentido contrário. Ou seja, existe uma política pública
que recomenda uma educação crítica, conforme consta nesse documento, pautada
em práticas didáticas que contemplem a resolução de problemas, a modelagem
matemática, o emprego das mídias tecnológicas, a etnomatemática, a história da
Matemática e as investigações matemáticas e também existem práticas docentes
“tradicionais”. Existe aí um descompasso? Quais são as concepções dos
professores de Matemática quanto a essa Educação Crítica proposta nas Diretrizes
Curriculares do Estado do Paraná?
Esses questionamentos nos levam a buscar apoio e discutir os fundamentos
da EMC segundo as concepções de Ole Skovsmose. Identificando as premissas de
sua teoria, quais sejam o papel sociopolítico da Educação Matemática (EM), a
competência matemática para agir democraticamente e a dinamização das
potencialidades do sujeito2 por meio da EM. Os pilares de sua teoria foram
construídos com base na Educação Crítica, orientada pelo interesse na
emancipação. Assim, Skovsmose propõe a EMC como uma preocupação com o
desenvolvimento da capacidade de agir do cidadão. Esses aspectos serão
discutidos na próxima seção.
2.2 Filosofia da Educação Matemática Crítica
Trata-se de um movimento surgido na década de 1980 liderado por
pesquisadores como Marilyn Frankenstein, Arthur Powell e Ole Skovsmose, que
buscavam identificar os aspectos políticos da Educação Matemática. Também, no
Brasil, os estudos sobre etnomatemática, de Ubiratan D’Ambrósio, se identificam
com essa linha de investigação.
Ole Skovsmose continua sendo uma das principais referências na área. Ele
vem delineando o que concebe por Educação Matemática Crítica desde a década de
1980. Inicialmente enfocava a realidade europeia, já que é um cidadão dinamarquês,
mas a partir da década de 1990 amplia seu âmbito de ação e reflexão a partir de
2 Nos trabalhos de Skovsmose, esse aspecto é designado por empowermente, entendido como a ação de dar
poder ao sujeito, dinamizar suas potencialidades, muni-lo de poder para agir, fortalecer, potencializar, conferir autonomia, autocapacitar.
34
visitas e relacionamentos acadêmicos com a Inglaterra, a África do Sul, o Brasil e a
Colômbia.
Ao estabelecer um quadro referencial para a Educação Matemática,
Skovsmose (2001) identifica três vertentes didático-pedagógicas predominantes:
estruturalismo, pragmatismo e orientação-ao-processo. No estruturalismo, o
conhecimento dos estudantes deve ser construído a partir de estruturas e conteúdos
definidos independentemente dos alunos. Com relação à Matemática, sua estrutura
conceitual constitui o currículo, que é linearmente repassado aos alunos. No
pragmatismo, entende-se que a essência da Matemática está em suas aplicações;
portanto, fora das estruturas matemáticas, sendo, da forma como entende, uma
vertente orientada a problemas. Na orientação-ao-processo, a essência da
Matemática está nos processos de pensamento, na capacidade da reinvenção.
Compreendendo a Matemática como uma atividade humana, valoriza os processos
de pensamento que conduzem aos conceitos matemáticos.
Para Skovsmose (2001), nenhuma das três vertentes se aproxima da
Educação Crítica (EC), pois considera que a EC é aquela em que o conhecimento é
construído através do diálogo. Os alunos e os professores controlam o processo
educacional com atitudes democráticas. A estrutura curricular é construída
estabelecendo a aplicabilidade dos assuntos, os interesses atrelados aos assuntos,
os pressupostos sobre os quais foram gerados os conceitos, as funções dos
assuntos e suas limitações. O processo de ensino e de aprendizagem é direcionado
a problemas relevantes na perspectiva dos alunos, próximos de suas experiências e
de seu quadro teórico, tendo uma relação próxima com problemas sociais
objetivamente existentes. Ou seja, uma EC não reproduz passivamente as relações
sociais existentes, questiona as relações de poder, desempenhando um papel ativo
na identificação e combate a disparidades sociais. O autor defende uma
aproximação entre EC e EM, pois isso traria à tona as relações de poder
estabelecidas na sociedade, nas quais a Matemática se faz presente; a ideologia da
certeza, que coloca o conhecimento matemático em uma posição de superioridade;
o papel social desempenhado pela EM, desvelando em que sentido o ensino da
Matemática vem contribuindo para a estratificação social.
35
Skovsmose identifica aspectos antidemocráticos na EM, existentes devido ao
seu poder de ação, exercido via modelos matemáticos e, também, via concepções
pedagógicas que visam preparar uma força de trabalho passiva e eficaz no
cumprimento de comandos e ordens. Seus estudos e escritos abordam temas como
o paradigma do exercício, a ideologia da certeza, a Matemática em ação, a
matemacia, o foreground, a democracia e o papel sócio político da EM. Alguns,
desses aspectos já foram objeto de estudo em Bennemann e Allevato (2012a). A
seguir vamos discutir a relevância de cada um destes temas na construção das
bases teóricas para uma filosofia da Educação Matemática Crítica.
2.2.1 Paradigma do Exercício
Skovsmose (2007) estima que do Ensino Fundamental ao Ensino Médio, os
alunos sejam expostos a aproximadamente 10.000 exercícios, na sua maioria
baseados em comandos. Esses exercícios dificilmente atendem aos objetivos
registrados nos programas curriculares de Matemática em que encontramos
referências ao desenvolvimento da criatividade, do raciocínio lógico e da capacidade
de resolver problemas. “Contudo, eles devem ter algumas similaridades com outras
tarefas rotineiras que algumas vezes são encontradas na produção e na
administração” (SKOVSMOSE, 2007, p. 37). Historicamente, a EM treinava, e não
raro vem treinando, os alunos a resolverem exercícios modelos. Essa prática baseia-
se na crença de que quanto maior o número de modelos que o aluno dominar, maior
será suas chances de sucesso nas mais diversas avaliações, sejam escolares ou
públicas, como em concursos; haja vista, em grande número dessas avaliações, as
perguntas seguirem a linha dos exercícios modelos. Isso estimula a escola a
permanecer com esse modelo de ensino que, nesse sentido, atende e obedece a
uma demanda social. No entanto, o discurso social dominante é o da necessidade
de criatividade, raciocínio lógico, capacidade de análise, entre outras habilidades
que os conhecimentos matemáticos supostamente ofereceriam aos profissionais.
Então, está a sociedade iludida com a capacidade da Matemática de preparar
profissionais inovadores, ou a estrutura social se beneficia com uma massa
trabalhadora treinada para receber comandos?
36
Exercícios sob a forma de comandos e exercícios estruturados, com
respostas únicas e imutáveis, em geral não admitem uma contextualização mais
ampla vinculada a questões de responsabilidade social. Além disso, também
contribuem para a consolidação da Ideologia da Certeza, que será objeto de nossas
reflexões, na próxima seção.
2.2.2 Absolutismo dos Números – Ideologia da Certeza
O ensino tradicional de Matemática favorece a crença nos números.
Respostas únicas e exatas, tão presentes nas aulas de Matemática, extrapolam os
muros escolares e passam a agir diretamente nas crenças sociais. Afirmações como
“os números não mentem” e “os dados mostram que...” são resultados da forma
como a Matemática é abordada em sala de aula e, inclusive, fora dela.
Borba e Skovsmose (2001) identificam essa visão da Matemática como pura,
perfeita e infalível dentro da ideologia3 da certeza. Tal ideologia está implícita e é
fortalecida pelo discurso a respeito do enorme poder das aplicações matemáticas. A
base da ideologia está nas seguintes ideias:
A matemática é perfeita, pura e geral, no sentido de que a verdade de uma declaração matemática não se fia em nenhuma investigação empírica. A verdade matemática não pode ser influenciada por nenhum interesse social, político ou ideológico.
A matemática é relevante e confiável, porque pode ser aplicada a todos os tipos de problemas reais. A aplicação da matemática não tem limite, já que é sempre possível matematizar um problema. (BORBA; SKOVSMOSE, 2001, p. 130)
Entretanto ao considerarem que o tratamento matemático dos problemas
requer que estes sejam recortados para que fiquem adequados ao modelo
matemático os autores trazem para a discussão o campo de validade dos modelos
matemáticos e a Matemática que dá suporte à sociedade tecnológica4. Tal suporte é
3 Borba e Skovsmose (2001, p. 128) definem ideologia “como um sistema de crenças que tende a esconder,
disfarçar ou filtrar uma série de questões ligadas a uma situação problemática para grupos sociais”.
4 Sociedades estruturadas segundo modelos gerenciais, modelos matemáticos que servem de base para
tomada de decisões econômicas, políticas, sociais, etc.
37
por eles entendido como a Matemática em ação5. Por meio de modelos
matemáticos, é possível “projetar” uma parte do que se torna realidade e decisões
são tomadas com base em modelos matemáticos, ou seja, a realidade é fortemente
influenciada pelo emprego da Matemática.
Desafiar esta ideologia por meio de um currículo baseado na incerteza, pelo
questionamento a respeito de possíveis interesses envolvidos na escolha dos
modelos, não aceitando a neutralidade da Matemática e suas soluções infalíveis é a
proposta de Borba e Skovsmose (2001), para favorecer uma visão crítica da
Matemática.
2.2.3 Matemática em Ação
Como as concepções matemáticas são projetadas na sociedade?
Skovsmose (2007, 2011) analisa aspectos e dimensões da Matemática em
ação, considerando que, quando usamos a Matemática como base para projetos
tecnológicos6, é possível antecipar, no mundo da Matemática, o que depois será
trazido para a realidade por uma construção real.
A imaginação tecnológica, o raciocínio hipotético, a legitimação ou
justificação, as realizações e a dissolução da responsabilidade são discutidas por
Skovsmose (2011) como formas de ação da Matemática. Ou seja, por meio da
Matemática é possível estabelecer um espaço de situações hipotéticas em forma de
alternativas tecnológicas que no absolutismo dos números são utilizadas para
justificar a tomada de decisões, moldando a realidade à partir de uma construção
matemática que também propicia “isentar” de responsabilidade a pessoa que toma
decisões com base na precisão do modelo matemático.
Quanto mais tecnológica é uma sociedade, mais forte é a relação entre
Matemática e Poder na tomada de decisões. Decorrente disso, o fator humano, na
5 A matemática intervém na realidade ao criar uma “segunda natureza” ao nosso redor, oferecendo não apenas
descrições de fenômenos, mas também modelos para a alteração de comportamentos. Não apenas “vemos” de acordo com a matemática, nós também “agimos” de acordo com ela. (SKOVSMOSE, 2001, p. 83)
6 Eu incluo uma variedade de aspectos no âmbito da noção de tecnologia: os artefatos da tecnologia (pode ser
um carro, um computador ou outro artefato), bem como as estratégias para a ação ( um plano de produção ou qualquer outro produto de “desenvolvimento de sistemas”(SKOVSMOSE, 2007, p. 116).
38
tomada de decisões, é eliminado ou colocado em uma redoma onde recebe uma
blindagem através dos modelos. Skovsmose (2007) refere-se à matemática-poder
ao considerar a variedade de pacotes de modelos que definem rotinas às quais
somos inseridos e submetidos. Considera, ainda, que os modelos matemáticos
adotados pelos governos e pelas grandes empresas distanciam os responsáveis
pelas decisões, políticas e empresariais, dos efeitos da adoção desses modelos,
deslocando a responsabilidade e a culpa do resultado ao modelo, que por meio de
uma estrutura matemática precisa justifica a tomada de decisão.
Skovsmose (2007) analisa modelos gerenciais para venda de passagens
aéreas, modelos de regulação de tráfego em rodovias e cidades, e o Modelo de
Simulação do Conselho Econômico (SMEC) utilizado por economistas
dinamarqueses para aconselhar o governo sobre políticas econômicas, para chamar
a atenção a respeito do poder que é atribuído à Matemática na tomada de decisões
sobre nossas vidas. No contexto brasileiro, como em qualquer outro, certamente,
também estamos sujeitos a esse poder, pela via dos modelos que definem os
cálculos do Imposto de Renda (IR), do tempo de contribuição para aposentadoria,
dos planos de seguro e tantos outros. Enfim, estamos sujeitos a uma série de
decisões em que a Matemática é adotada como fundamento para estruturar uma
conduta social.
Aceitamos esse fato, ou nem nos damos conta dele, talvez por estarmos
acostumados a acreditar que os resultados da Matemática aplicados a essas
situações são únicos e infalíveis, assim como os cálculos que repetimos inúmeras
vezes na escola. Por ingenuidade ou falta de conhecimento de nossa parte, não
questionamos os procedimentos que definem os padrões e os rumos de nossas
vidas. Talvez falte-nos a competência democrática, aquelas atitudes e
conhecimentos necessários para analisar tais modelos e as decisões tomadas pelos
líderes a partir deles. Isso nos afeta direta ou indiretamente, de maneira forte e
decisiva.
2.2.4 Democracia e o Papel Sociopolítico da Educação Matemática
Ao referir-se aos possíveis papéis sociopolíticos da Educação Matemática,
Skovsmose (2008) considera diversas possibilidades, abordando aspectos positivos
39
e negativos como: promover a submissão a ordens, a discriminação por
classificação e diferenciação, a filtragem étnica e a cidadania crítica. A EMC
representa a expressão das preocupações com esses papéis que a Educação
Matemática pode desempenhar na sociedade. Romper com a neutralidade política,
segundo Valero e Skovsmose (2012), é o compromisso crítico da Educação
Matemática com a democracia. Os autores consideram que a Educação Matemática
tem o potencial de contribuir para o desenvolvimento de forças democráticas na
sociedade. Ao questionarem: “quem está comprometido com as práticas de
Educação Matemática, aos propósitos de quem servem as práticas, que objetivos
perseguem, quando e onde ocorrem e por que se executam” (VALERO;
SKOVSMOSE, 2012, p. 10), identificam uma relação crítica entre Educação
Matemática e democracia, pois a Educação Matemática poderia servir tanto a
interesses democráticos quanto a interesses antidemocráticos.
O conceito de democracia que Nielsen, Patronis e Skovsmose (1999) e
Skovsmose (2001) defendem é bastante amplo, não se limitando ao procedimento
de escolha dos governantes.
[...]democracia refere-se às condições formais relativas a algoritmos de eleição, condições materiais relativas a distribuição, condições éticas relativas à igualdade e, finalmente, condições relativas à possibilidade de participação e reação. (SKOVSMOSE, 2001, p. 70).
Desses quatro aspectos, o quarto fala das possibilidades e habilidades de que
os cidadãos necessitam para serem capazes de discutir e analisar os atos do
governo e fatos sociais deles advindos. A competência democrática é uma
capacidade humana potencial que precisa ser desenvolvida:
[...] o desenvolvimento de uma competência democrática pressupõe uma atitude, mas, ao lado disso, muito conhecimento e muita informação sobre o domínio dos processos democráticos têm de ser desenvolvidos (SKOVSMOSE, 2001, p. 70).
No livro Connecting Corners (1999), Nielsen, Patronis e Skovsmose abordam
a democracia como uma característica necessária ao ambiente escolar pois
consideram a existência de uma forte conexão entre a micro democracia da sala de
aula e a macro democracia da sociedade. Isso implica na questão de como os
estudantes são preparados para participar de uma sociedade democrática.
40
Skovsmose refere-se a sociedades altamente tecnológicas, como a
dinamarquesa, quando fala da competência democrática. Nessas sociedades, as
decisões governamentais são, em grande parte, influenciadas ou mesmo
determinadas por modelos matemáticos gerenciais que não são do conhecimento da
população em geral; apenas parte da sociedade, uma pequena parte, tem
informação e conhecimento suficiente para avaliar as ações do governo. Tais
modelos matemáticos foram concebidos segundo critérios específicos, a partir de
escolhas a respeito de quais partes da realidade (variáveis) comporiam o modelo.
A competência democrática defendida por Skovsmose (2007) refere-se à
capacidade de analisar a influência do modelo na sociedade. Não se refere apenas
ao conhecimento tecnológico capaz de modelar; mais do que isso, refere-se a uma
atitude crítica em relação aos pressupostos que sustentam o modelo e seus efeitos
na sociedade.
Considerando o fortalecimento da democracia pelo desenvolvimento da
capacidade democrática potencial dos cidadãos, Skovsmose (2001) e Valero e
Skovsmose (2012) refere-se a preocupação da EMC com o desenvolvimento de
uma Educação Matemática que sustente a democracia. Para que isso ocorra, a
microsociedade de sala de aula deve ser fundamentada em aspectos democráticos.
Para isso, além de uma relação de poder igualitária entre professor e
estudantes, pressupõe a valorização do currículo oculto7 e a adoção de materiais de
“ensino-aprendizagem libertadores” (SKOVSMOSE, 2001, p. 44). Tais materiais
apresentam a característica marcante de que o modelo matemático em estudo é
referente a um modelo real e tem a ver com atividades sociais importantes; além
disso, a meta é gerar um insight sobre as hipóteses integradas no modelo,
promovendo o entendimento dos processos sociais. O autor também defende a
utilização de “materiais abertos de ensino aprendizagem”, caracterizados como
materiais com relevância substantiva para os estudantes, que apresentem uma
variedade de atividades que não são pré-estruturadas nem completamente fixadas,
e que envolvam várias decisões a serem tomadas, as quais devem ser discutidas
entre professor e estudantes.
7 Descrito por Romanelli (1997) como aquilo que o estudante aprende na escola, fora ou além do programa
curricular.
41
2.3 Caminhos à Educação Matemática Crítica
Em Educação Matemática – Incerteza, Matemática, Responsabilidade,
Skovsmose (2007) explica que
Educação Matemática Crítica não é para ser entendida como um ramo especial da Educação Matemática. Não pode ser identificada como certa metodologia de sala de aula. Não pode ser constituída por currículo específico. Ao contrário, eu vejo a Educação Matemática Crítica como definida em termos de algumas preocupações emergentes da natureza crítica da Educação Matemática. (SKOVSMOSE, 2007, p. 73).
Dentre essas preocupações emergentes com relação à natureza crítica da
Educação Matemática, está o papel da Matemática na configuração dos modelos
sociopolítico vigentes. Como identificá-los, entretanto? Skovsmose (2007, 2008,
2011) usa o termo matemacia para falar da competência de interagir e agir em
situações sociais e políticas estruturadas pela Matemática:
[...] a noção de matemacia representa uma competência, que está relacionada à Matemática e que, como a noção de Freire sobre letramento, inclui suporte para a cidadania crítica. A noção de matemacia inclui não apenas referências à matemática, no amplo sentido do termo, mas também referência ao modo pelo qual a democracia é interpretada como uma forma de vida. (SKOVSMOSE, 2007, p. 241).
Esse conceito foi amplamente discutido por Biotto Filho (2008) ao investigar o
desenvolvimento da matemacia no trabalho com projetos. Sua análise partiu da
diferenciação de duas dimensões presentes na concepção do conceito, uma técnica
e outra sociopolítica. Aquilo que costumeiramente é desenvolvido nas aulas de
Matemática, o treinamento de habilidades de cálculo, reproduções de teoremas e
demonstrações se enquadram na dimensão técnica. Já as aplicações dos
conhecimentos matemáticos em diferentes contextos, bem como a análise de seus
efeitos, avaliando o uso propriamente dito da Matemática dizem respeito à dimensão
sociopolítica.
Ambas as dimensões são fundamentais para o desenvolvimento da
capacidade democrática do cidadão, portanto, desenvolver a matemacia é um
objetivo da EMC, que vem conseguindo bons resultados mediante o emprego de
trabalhos com projetos (modelagem educacional) e atividades investigativas:
Trabalhos com projetos e abordagens temáticas têm sido considerados uma resposta emblemática aos desafios educacionais lançados pela educação
42
crítica. [...] Considero que uma nova educação matemática crítica deve buscar possibilidades educacionais. (SKOVSMOSE, 2008, p. 13).
Contrapondo-se ao paradigma do exercício, Skovsmose (2008) defende um
ambiente de ensino favorável à investigação. Chama de Cenário para Investigação o
ambiente que dá suporte ao trabalho investigativo, onde os alunos são convidados a
formularem questões e a procurarem explicações. No quadro 01, pode-se observar
como Skovsmose (2008, p. 23) estabelece uma matriz referente aos ambientes de
aprendizagem segundo dois cenários de sala de aula e três maneiras distintas de
abordar a Matemática:
Exercícios Cenários para
investigação
Referência à
Matemática pura (1) (2)
Referência à
semi-realidade (3) (4)
Referência à
Realidade (5) (6)
Quadro 1 - Ambientes de Aprendizagem Fonte: Skovsmose ( 2008, p. 23)
As práticas didáticas identificadas nos ambientes (1), (3) e (5), centradas no
paradigma do exercício, tão frequentes nas aulas tradicionais, podem partir da
realidade, da semi-realidade e também da própria Matemática. Sempre
considerando respostas únicas, exatas e inquestionáveis, não parecem promover a
matemacia, visto que quando o sujeito precisa agir em situações sociais e políticas
estruturadas matematicamente, o contexto é complexo e as variáveis nem sempre
estão claramente definidas.
Igualmente os cenários de investigação caracterizados nos ambientes (2), (4)
e (6), também podem partir de referências na realidade, na semi-realidade e na
própria Matemática. O que os difere, em essência, do paradigma do exercício é que
no cenário de investigação, as variáveis a serem consideradas dependerão do ponto
de vista sob o qual se faz o estudo da situação. “Mais” ou “menos” Matemática
poderá estar envolvida, dependendo da profundidade com que se analise o
43
contexto, e do próprio contexto. No entanto, quando o aluno aceita o convite para
trabalhar em um cenário de investigação, as discussões sobre a precisão, a
pertinência e a confiabilidade das respostas fazem parte do processo de apropriação
do conhecimento. O aluno será estimulado a argumentar sobre suas conclusões, e
diferentes conclusões poderão ser consideradas além da perspectiva do certo e do
errado.
Mesmo sendo favorável aos ambientes de aprendizagem pautados em
cenários de investigação, preferencialmente, com referência na realidade,
Skovsmose (2008) não sugere que se elimine, das práticas didáticas, os demais
ambientes. Considera que é importante transitar entre os diversos ambientes e que
conjuntamente, professores e alunos, analisem seus desempenhos nas diversas
abordagens. Também identifica na resolução de problemas, um potencial
desencadeador de genuínos processos de investigação. “Propor problemas significa
um passo adiante em direção aos cenários de investigação” (SKOSVMOSE, 2008,
p.31). Nesse aspecto, a Metodologia de Ensino-Aprendizagem-Avaliação de
Matemática através da Resolução de Problemas conforme descrito em Allevato e
Ferreira (2013), possibilita o desenvolvimento de investigações matemáticas. Os
autores analisam problemas propostos pelos alunos da Educação de Jovens e
Adultos. Esses problemas foram concebidos a partir de textos que os alunos
apresentaram ao professor, comentando sobre situações problemáticas que
enfrentavam no dia-a-dia. Tais situações foram moldadas em problemas
matemáticos, com a ajuda do professor, e através de suas resoluções alguns
conteúdos referentes à grade curricular foram ensinados. Embora os autores não se
refiram à EMC, desenvolveram ações investigativas que primavam por desenvolver
a capacidade matemática dos alunos por meio de situações problema gerados fora
do contexto da disciplina Matemática, abrindo espaço para identificar as
necessidades matemáticas dos alunos.
Diferentes contextos, relacionados com experiências vividas e sonhos ou
expectativas são abordados por Skovsmose (2011) sob as denominações
background e foreground.
Através de uma comparação estatística, descrita no Relatório do Banco
Mundial, entre duas crianças nascidas no ano 2000 na África do Sul, Skovsmose
44
(2011), aborda o conceito de background. Uma dessas crianças, branca,
pertencente à classe média, cuja mãe tinha escolaridade superior, residia em uma
cidade. A outra, negra, de família pobre onde a mãe não tinha escolaridade, residia
em uma aldeia distante. Os indicadores estatísticos de mortalidade infantil,
expectativa de vida, escolaridade, renda e outros elementos fundamentais ao
desenvolvimento humano, eram drasticamente diferentes para cada uma delas.
Esses elementos que caracterizavam as raízes culturais, os antecedentes sociais e
as experiências pelas quais passou uma pessoa, correspondem ao background do
indivíduo.
Skovsmose (2011, 2012) reconhece a importância desses elementos na
configuração das aulas de Matemática. Utilizar o contexto dos alunos e suas
experiências pode ajudar na compreensão de que a Matemática está presente, de
diferentes maneiras, na rotina das pessoas. No entanto, o autor chama a atenção
para a necessidade de que as aulas de Matemática também contemplem as
aspirações e esperanças de vida dos estudantes. Utilizando o termo foreground para
representar as intenções, expectativas, aspirações e esperanças que o indivíduo
tem, a partir das oportunidades sociais, políticas, econômicas e culturais que a
sociedade proporciona, Skovsmose (2011) lança um olhar para o futuro que as
pessoas vislumbram para si.
Enquanto o background é formado pelos eventos que aconteceram na vida do
indivíduo, seu foreground é composto por eventos que poderiam vir a ocorrer. As
experiências vividas, certamente, influenciam em como podemos imaginar nosso
futuro, mas elas não necessariamente definem esse futuro. O foreground tem
referência em diferentes elementos e pessoas; os pais, os amigos, os sonhos, as
frustrações e o entendimento que se tem das oportunidades que se configuram na
sociedade fazem parte de sua elaboração. Skovsmose (2011) considera que o
foreground de uma pessoa é composto não somente por tendências estatísticas
decorrentes do background; mas é formado, também, pela interpretação das
possibilidades futuras.
Uma pessoa pode conceber diferentes conjuntos de aspirações, quer dizer, diferentes foregrounds, e seus antecedentes podem ter sido estruturados por conflitos. Certamente as aspirações de uma pessoa não requerem ser compatíveis com seus antecedentes. (SKOVSMOSE, 2012, p. 139).
45
Nessa perspectiva, o autor considera que as aulas de Matemática precisam
contemplar o foreground dos estudantes, não devendo ser estruturadas
exclusivamente em seus backgrounds.
Diversos pesquisadores vêm trabalhando diferentes perspectivas didáticas na
EM e alguns deles têm identificado que traços da EMC se fazem presentes em seus
resultados.
Investigações como a de Passos (2007) buscou articulações entre a EMC e
outras abordagens, nesse caso, em particular, com a Etnomatemática. A autora
considera que “[...] o caráter essencialmente cultural da Etnomatemática e o caráter
essencialmente político e social da EMC podem constituir-se em uma rica
contribuição à Educação Matemática” (PASSOS, 2007, p. 95), visto que a
contextualização do conhecimento matemático favorece a identificação e análise de
sua influência na vida das pessoas. A tomada de consciência desse fato, certamente
representa um passo adiante à Educação Matemática Crítica.
A Modelagem Matemática, em uma abordagem educacional empregando
cenários de investigação, como retratam Araújo (2002), Jacobini (2004) e Malheiros
(2004), também vem demonstrando grande potencial para promover a Educação
Matemática Crítica.
As atitudes crítico-reflexivas em relação à ciência, à tecnologia e à
Matemática e seus papéis na sociedade, foram alvo do estudo de Pinheiro (2005),
ao relacionar EMC com CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade).
Na educação de jovens e adultos, Ramos (2011) utilizou gráficos e tabelas
para promover análises críticas de temas próximos ao contexto dos alunos,
considerando seu solo pretérito e seus horizontes futuros. E Cabral (2007) buscou
mobilizar os conhecimentos dos alunos por meio do diálogo, sempre com ênfase ao
cotidiano.
Nessas pesquisas, observamos vários enfoques didáticos distintos nos quais
os autores identificaram potencialidades para o desenvolvimento da Educação
Matemática Crítica. O ponto de convergência destas investigações está relacionado
à valorização do contexto dos alunos; à promoção do ensino de Matemática a partir
46
de temas de interesse dos alunos. As atividades que envolveram Modelagem e as
dedicadas a análises estatísticas incorporam o aspecto investigativo proposto por
Skovsmose nos ambientes (2), (4) e (6). Já a valorização do diálogo e os estudos
sobre CTS enfatizaram os meios democráticos necessários à construção de uma
cultura democrática, tema relevante na Filosofia da Educação Matemática Crítica.
A partir dessas reflexões, na sequência apresentamos nossa pesquisa
segundo esse contexto literário.
2.4 Nossa Pesquisa nesse Contexto Literário
Motivados pelos textos de Skovsmose sobre a EMC e preocupados com o
distanciamento que os professores do Sudoeste do Paraná mantém em relação ao
uso das TIC nas aulas de Matemática, nossa pesquisa almeja investigar indícios que
poderiam confirmar ou não a possibilidade de favorecermos o desenvolvimento de
um ensino de Matemática segundo os princípios da EMC, quando da utilização das
TIC nas aulas de Matemática.
A partir da Filosofia da Educação Matemática Crítica proposta por
Skovsmose, destacamos os seguintes aspectos: o paradigma do exercício, o
absolutismo dos números através da ideologia da certeza, as relações de poder, a
democracia como papel sociopolítico da EMC, a matemacia, o foreground e o
background dos estudantes como pertinentes ao contexto da pesquisa.
Em relação às TIC, entendemos que, dependendo da forma como são
utilizadas, podem potencializar atitudes investigativas. Nesse aspecto, defendemos,
assim como Borba e Penteado (2003) que é preciso promover abordagens
pedagógicas que enfatizam a experimentação, a visualização, as simulações e os
problemas abertos.
Na perspectiva de desenvolver a EM tendo em mente as preocupações
levantadas pela EMC, consideramos alguns critérios que orientariam o professor
quando do planejamento de suas aulas. Também incorporamos a esses critérios, o
uso das TIC, tendo em vista que um dos objetivos dessa investigação é a busca por
indícios que remontem a um possível favorecimento a Educação Matemática Crítica
quando do uso de tais recursos:
47
Privilegiar atividades de caráter investigativo com ênfase na realidade;
Trabalhar com problemas abertos envolvendo situações reais;
Matematizar situações relevantes para os alunos (aos olhos dos alunos);
Utilizar as TIC como desencadeadoras de uma zona de risco;
Propor atividades que compreendam um ou mais conteúdos matemáticos
indicados para o respectivo ano escolar;
Explorar atividades que gerem e motivem discussões sobre como a
Matemática está envolvida na construção do contexto social em que estamos
inseridos.
2.4.1 Atividades de Caráter Investigativo com Ênfase na Realidade
Empregando a expressão “abordagens investigativas”, Alro e Skovsmose
(2006) se referem ao conjunto de metodologias que tem desafiado o paradigma do
exercício, como a proposição e a resolução de problemas, as abordagens temáticas
e o trabalho com projetos.
Os autores enfatizam que cenários para investigação
[...] são, por natureza, abertos. [...] Os alunos podem formular questões e planejar linhas de investigação de forma diversificada. [...] Num cenário para investigação, a fala: “O que acontece se...?” deixa de pertencer apenas ao professor e passa a poder ser dita pelo aluno também. E outra fala do professor, “Por que é dessa forma...?”, pode desencadear a fala do aluno “Sim, por que é dessa forma...?”.(ALRO; SKOVSMOSE, 2006, p. 56).
As investigações não devem ser impostas, pois tais atividades pressupõem o
envolvimento dos participantes. Desenvolvem-se por processos abertos em que
resultados e conclusões não são conhecidos de antemão.
Um cenário serve como um convite para que os alunos se envolvam em um processo de investigação. Contudo, um cenário somente se torna acessível se os alunos de fato aceitam o convite. As possibilidades de participar de um cenário para investigação dependem da qualidade das relações. Aceitar um convite depende da natureza do convite (a possibilidade de explorar e explicar assuntos de Matemática pura pode não ser muito atrativa para muitos alunos); depende do professor (um convite pode ser apresentado de várias formas e, para alguns alunos, um convite partindo do professor pode parecer uma ordem); e certamente depende dos alunos (eles podem ter outras prioridades no momento). (ALRO; SKOVSMOSE, 2006, p. 57-58).
Entendemos que investigar sobre atividades próximas da realidade dos
alunos é um facilitador ao aceite do convite para participar de processo investigativo,
48
favorecendo também o diálogo entre professor e aluno. Outro fator que julgamos
relevante, nesse caso, é a possibilidade de discutir sobre como a Matemática,
estudada em sala de aula, está presente nas estruturas sociais e políticas do
entorno dos alunos, ou seja, estamos considerando o background dos alunos. No
entanto, consideramos também importantes as investigações na semi-realidade e na
própria Matemática, visto que as realidades em que se encontram os alunos são
distintas e que algumas estruturas matemáticas talvez não possam ser
contempladas nessas realidades. Além disso, considerando o foreground, devemos
estar atentos às mais variadas linhas de interesse dos alunos, explorando ao
máximo seus focos de interesse.
2.4.2 Problemas Abertos Envolvendo Situações Reais
Os problemas abertos contrapõem-se ao paradigma do exercício. Os
tradicionais exercícios matemáticos, formulados de modo a apresentar todos os
elementos necessários aos cálculos e uma única opção de resposta, são geralmente
concebidos fora do, ou apenas para o ambiente escolar. Os autores dos livros
didáticos elaboram listas de exercícios, muitas vezes mecânicos, que pouco, ou
nada, têm a ver com a realidade dos alunos. Professores e alunos tomam contato
com os exercícios através do livro texto e sua resolução tem como principal, ou até
mesmo único, objetivo a fixação de um suposto conhecimento matemático. Neste
modelo, não cabem análises contextuais e questionamentos em relação à relevância
sociopolítica do processo desenvolvido.
Os problemas ditos abertos se caracterizam por admitirem diferentes formas
de resolução através da identificação de quais variáveis serão consideradas no
contexto do problema. Isso acarreta a necessidade de uma tomada de posição por
parte dos envolvidos na resolução. A discussão sobre a relevância ou não da
inclusão de uma determinada variável, passa a fazer parte da resolução, bem como
a análise do grau de precisão alcançado com os elementos e a metodologia
utilizada. Esses elementos podem contribuir para que se crie um ambiente de crítica
tanto do processo matemático utilizado quanto do emprego desta Matemática na
estruturação de um contexto sociopolítico, se for o caso.
49
A resolução de problemas é um tema amplamente debatido no âmbito da
Educação Matemática. Das diferentes abordagens, aquela que identificamos como
mais próxima da Filosofia da Educação Matemática Crítica é a defendida por
Allevato e Ferreira (2013). Com o Ensino-Aprendizagem-Avaliação de Matemática
através da Resolução de Problemas, os autores apresentam um roteiro para essa
metodologia, incluindo: preparação do problema; leitura individual; leitura em
conjunto; resolução do problema; observar e incentivar (professor); registro das
resoluções na lousa; plenária; busca do consenso; formalização do conteúdo. Os
problemas são propostos antes da apresentação formal do conteúdo matemático
necessário ou mais apropriado à resolução. Assim, o ensino-aprendizagem de um
novo tópico matemático começa com um problema que expressa aspectos chave
desse tópico. A partir disso, técnicas matemáticas devem ser desenvolvidas na
busca de respostas razoáveis ao problema dado. Os autores consideram como
problema tudo aquilo que não se sabe fazer, mas que se está interessado em fazer,
ou seja, não trabalham voltadas exclusivamente a problemas reais, mas como já
mencionamos anteriormente, faz parte da EMC transitar entre os diversos ambientes
de aprendizagem (Quadro 01, página 42).
Nossa investigação, mesmo tendo como público alvo os professores de
Matemática que já detinham algum conhecimento formal do conteúdo matemático
envolvido nos problemas propostos, abrangeu muitas das características da
metodologia de Ensino-Aprendizagem-Avaliação. As diferenças estão (1) no foco em
situações reais que adotamos e (2) na busca pelo papel sociopolítico,
desempenhado pelos conhecimentos matemáticos, aspectos estes que não estão
explicitados na metodologia de Ensino-Aprendizagem-Avaliação de Matemática
através da Resolução de Problemas.
A ênfase em situações reais está de acordo com o proposto na obra
Educação Matemática Crítica de Skovsmose (2001). “Para que tenhamos um ensino
crítico, os “problemas não devem pertencer à ‘realidade de faz-de-conta’ sem
nenhuma significação exceto como ilustração da Matemática como ciência das
situações hipotéticas” (SKOVSMOSE, 2001, p. 24). Ressalte-se que quando
analisamos contextos reais, os questionamentos geralmente não se restringem a
operações matemáticas isoladas, ao contrário, despertam interesses ou enfoques
diferentes, admitindo mais de um ponto de vista na análise.
50
2.4.3 Situações Relevantes para os Alunos (aos olhos dos alunos)
O que os alunos consideram relevante, somente eles podem dizer. Então,
[...] os professores podem questionar os estudantes sobre os problemas que os preocupam no trabalho, sobre as atividades fora do trabalho que lhes interessam, sobre tópicos que eles gostariam de conhecer com mais profundidade, e assim por diante. [...]. Então, a contribuição do professor pode ser, ligar os problemas dos alunos a uma investigação das ideologias hegemônicas relacionadas. (FRANKENSTEIN, 1987, p. 127).
Considerando a necessidade de aproximar a Educação Matemática da
Educação Crítica, Skovsmose (2001) considera duas estratégias: tematização e
organização em projetos, e propõe a seleção de problemas segundo os seguintes
critérios:
1) Deveria ser possível para os estudantes perceber que o problema é de importância. Isto é, o problema deve ter relevância subjetiva para os estudantes. Deve estar relacionado a situações ligadas às experiências deles.
2) O problema deve estar relacionado a processos importantes na sociedade.
3) De alguma maneira e em alguma medida, o engajamento dos estudantes na situação-problema e no processo de resolução deveria servir como base para um engajamento político e social (posterior). (SKOVSMOSE, 2001, p. 34).
Ambos os autores consideram a relevância de o estudante perceber a função
da Matemática no contexto em que está engajado. Da mesma forma, Valero e
Skovsmose (2012) também se referem à contextualização como uma forma de
convite ao exame crítico do papel sociopolítico da Matemática.
A contextualização não é simplesmente um aparato motivacional, ainda que possa ser. É uma condição para estabelecer uma discussão sobre como a Matemática pode operar como fonte de poder no sentido sociológico, porque convida a um exame crítico sobre como a Matemática de fato opera. (VALERO; SKOVSMOSE, 2012, p. 50)
Dentre os seis ambientes de aprendizagem destacados por Skovsmose
(2008), o cenário para investigação com referência na realidade é o que mais se
aproxima dessa forma de ver a Matemática. Buscar nas experiências dos alunos, em
seus background, e também em seus interesses, seus foreground, elementos
desencadeadores do processo de construção do conhecimento matemático
provavelmente traga motivação, mas, mais do que isso, contribuirá para o
51
reconhecimento da Matemática como um importante agente na construção e na
manutenção dos modelos sociais em que estamos inseridos.
Ao contextualizar o ensino de Matemática, buscando identificar no escopo dos
interesses dos alunos, em seu foreground, a Matemática que os fundamenta, trará
para a sala de aula diferentes necessidades com relação aos conteúdos previstos
para a disciplina no respectivo período escolar. Caberá ao professor a tarefa de
gerenciar o atendimento a esses interesses e às necessidades curriculares
estabelecidas para cada ano escolar. Contudo, decisões deverão ser tomadas.
Possivelmente alguns conteúdos serão abordados com menor ênfase enquanto
outros exigirão aprofundamentos. O professor deverá se posicionar criticamente
frente ao currículo, que provavelmente não seguirá uma estrutura linear de
encadeamento de ideias:
Ainda que o enfoque particular e os propósitos da onda da Matemática Moderna quase tenham desaparecido dos currículos escolares, prevalece na prática a ideia de que os currículos matemáticos consistem em uma lista de ideias matemáticas poderosas e temas essenciais que devem ser aprendidos. (VALERO; SKOVSMOSE, 2012, p. 37).
Essa constatação dos autores nos mostra o quão difícil pode ser essa tarefa.
No entanto, se nós, professores de Matemática, almejamos um ensino crítico,
necessariamente deveremos nos posicionar também criticamente em relação ao que
ensinamos.
A seguir consideramos três aspectos com grande potencial para contribuírem
com a EMC, os quais estão estreitamente vinculados à utilização das TIC no ensino.
2.4.4 TIC como Desencadeadoras de uma Zona de Risco
Assim como Penteado (1999), Villarreal (1999), Miskulin (1999), Borba e
Penteado (2002, 2003), Allevato (2005), Miskulin et al. (2006) e Penteado e
Skovsmose (2008) já enfatizaram a importância do uso das TIC nas aulas de
Matemática, grande parte das pesquisas em educação ligadas à Educação
Matemática também reconhecem o potencial desses recursos quando adotados de
modo a reestruturar o pensamento do professor e dos alunos no processo de
construção do conhecimento matemático.
52
No entanto, mesmo superadas as desconfianças que haviam, nas décadas
passadas, com relação à adequação ou às vantagens do uso das TIC nos
ambientes educacionais, percebe-se, ainda agora no século XXI, a dificuldade em
integrar esses recursos às aulas de Matemática. Muitos professores alegam falta de
conhecimento sobre como utilizá-las, além de manifestarem receio de que ficariam
expostos a questionamentos para os quais não teriam respostas, e de não saberem
como “controlar” os alunos no laboratório de informática.
Esses e outros motivos podem levar o professor a integrar as TIC em suas
aulas em uma perspectiva de “adequação”, enquadrando esses recursos em uma
prática tradicional, repetindo atividades próprias para serem realizadas com lápis e
papel, agora com um aparato tecnológico, como já haviam constatado Penteado
(2001, p. 170) e Borba e Penteado (2002, p. 247).
Valero e Skovsmose (2012, p. 127) consideram que “os computadores nas
aulas de Matemática têm contribuído para estabelecer novos cenários de
investigação”. Mas consideram que o professor precisa estar disposto a entrar em
uma zona de risco.
Mover-se através dos diferentes ambientes de aprendizagem e prestar atenção aos cenários de investigação pode causar um alto grau de incerteza. [...] de maneira imediata, o computador questionará a autoridade do professor de Matemática (tradicional). Os estudantes que trabalham, por exemplo, com geometria dinâmica, facilmente vão enfrentar situações e experimentar possibilidades não previstas pelo professor como parte do plano de aula. [...] O professor deve sempre estar pronto para responder perguntas que não têm uma resposta fácil. Sua autoridade tradicional pode romper-se em segundos. (VALERO; SKOVSMOSE, 2012, p. 128).
Incerteza e imprevisibilidade são características da zona de risco. Penteado
(2001) propõe o conceito ao analisar uma experiência de introdução de
computadores em um colégio brasileiro. Observando como as professoras reagiram
e se adaptaram à inclusão dos computadores em suas rotinas escolares, relacionou
a zona de risco com o enfrentamento à obsolescência em relação a conhecimentos
e mesmo ao vocabulário; com a necessidade de rever a estrutura e organização da
sala de aula incorporando novas regras; com a perda de controle ou domínio sobre o
conhecimento e também com a perda de autonomia. Portanto, a zona de risco é um
ambiente de aprendizagem no qual o professor não tem o controle absoluto do que
pode ou não ocorrer. O professor deverá, a todo momento, tomar decisões e se
53
posicionar perante questionamentos para os quais não terá respostas prontas. Por
isso, o trabalho docente estará envolto em incertezas e imprevisibilidades.
Mas, por que deixar de trabalhar em um ambiente controlado e seguro para
aventurar-se em uma zona de risco? Para promover a “autonomia intelectual,
caracterizada em termos da consciência dos estudantes e do desejo de confiar em
suas capacidades intelectuais ao tomar decisões e fazer juízos matemáticos”.
(COBB; YACKEL, 1998, p.170, apud VALERO; SKOVSMOSE, 2012, p. 129). Valero
e Skovsmose (2012) consideram, ainda, que a autonomia intelectual pode associar-
se às atividades de exploração e explicação que os cenários de investigação
promovem e que são bastante favorecidas pela utilização das TIC.
Assim, o professor que deseja a Educação Matemática Crítica, precisa estar
disposto a adentrar a zona de risco, que não está caracterizada exclusivamente no
uso de computadores, mas em toda investigação matemática que se desenvolva no
contexto educacional. Os ambientes de aprendizagem caracterizados por (2), (4) e
(6) do Quadro 01 (página 42) correspondem aos cenários de investigação em que o
aluno é convidado a formular perguntas e buscar explicações sobre os mais diversos
pontos de vista que possam ser estabelecidos na atividade. Isso contrasta com o
paradigma do exercício. Embora nesse último o aluno também possa formular
perguntas e buscar explicações, tais perguntas, ficam limitadas a procedimentos
matemáticos, algoritmos e caminhos corretos ou não de resolução. Tal resolução
possibilitará ao aluno chegar à resposta pré-definida como correta, em decorrência
da forma como a atividade é estruturada. Nos ambientes de aprendizagem pautados
no paradigma do exercício, não há espaço para incertezas. O professor conhece de
antemão a resposta e pelo menos um caminho que o leve a ela. As investigações,
ao contrário, expõem o professor à imprevisibilidade, à incerteza. Não será possível
prever todas as perguntas que surgirão, tampouco as respostas “mais adequadas”;
por isso consideramos que o professor atuará em uma zona de risco.
Na presente investigação, o uso das TIC é considerado na zona de risco, ou
seja, as atividades são pensadas pelo professor como um ponto de partida para as
investigações dos alunos e do próprio professor, não havendo um roteiro rígido a
cumprir e uma “única” resposta correta que todos devem buscar. Defendemos que o
54
professor, quando do planejamento de suas aulas, tendo em vista a EMC, englobe
as TIC como uma forma de estimular e favorecer o uso de:
simulações;
múltiplas representações; e
abordagens que exploram aspectos de difícil execução via papel e lápis.
2.4.4.1 Simulações
As simulações permitem, ao professor e aos alunos, explorarem as
potencialidades e características de modelos matemáticos, podendo, inclusive,
subsidiar a construção de novos modelos mediante ajustes contínuos.
Diferentes conceitos, para simulações, são encontrados na literatura.
Simulação é, em geral, entendida como a “imitação” de uma operação ou de um processo do mundo real. A simulação envolve a geração de uma “história artificial” de um sistema para a análise de suas características operacionais.(MIYAGI, 2006, p. 1)
Simulação Digital são os modelos matemáticos ou lógicos implementados em computador digital através de funções (relações) que são discretizadas no tempo. Também estão incluídos os modelos utilizando tabelas, curvas, banco de dados, etc.(TRIVELATO, 2003, p. 17)
[...] as simulações computacionais serão neste texto consideradas como experimentos realizados a partir de modelos, por meios tecnológicos, de propriedades e comportamentos de objetos ou fenômenos. (BELLEMAIN; BELLEMAIN; GITIRANA, 2006, p. 3)
Executadas a partir de modelos matemáticos, as simulações fornecem dados
para tomada de decisões, decisões pautadas na Matemática. De acordo com
(BELLEMAIN; BELLEMAIN; GITIRANA, 2006, p. 3) “Simulações assumem o papel
de permitir uma análise das consequências e dos reflexos de decisões, criações de
instrumentos, alterações no meio, dentre outras ações”. Os autores ressaltam a
importância das simulações por meio de computadores como uma forma de reduzir
custos, permitindo produzir informações sem os gastos com experiências reais.
Permitem, também, testar hipóteses para as quais testes reais seriam inviáveis,
antiéticos ou perigosos. Consideram, ainda, que simulações permitem simplificar
situações e focalizar as observações sobre certos fenômenos, eliminando outros que
podem não ser pertinentes. O ponto de vista desses autores enfatiza aspectos como
55
economia, viabilidade, ética e periculosidade. Sem dúvida, esses aspectos são
relevantes e determinantes nas opções por simulações.
Quanto à uma abordagem educacional, sugerem a investigação, por parte do
aluno, do modelo que foi programado para simular os fenômenos, a partir da
observação das propriedades do objeto, por meio da experimentação do modelo. As
simulações com computadores
[...] permitem trazer para a sala de aula experiências que por diversas razões não seriam possíveis nas suas versões “concretas”. Elas oferecem também a possibilidade de dar acesso aos alunos a modelizações que seriam complexas demais sem as reduções possíveis das simulações pré-programadas. Com simulações virtuais, não temos mais as limitações das experiências reais e podemos multiplicar as experiências com condições iniciais diferentes, medir múltiplos dados e simular em alguns minutos fenômenos que exigiriam muito mais tempo nas condições reais. (BELLEMAIN; BELLEMAIN; GITIRANA, 2006, p. 4)
E com relação à Matemática e seu ensino,
[...] essa visão da simulação como sistema de representação dinâmica de um modelo é interessante porque ela fornece um meio experimental de abordar a construção de conhecimentos. Com simulações, podemos conduzir o aluno a construir modelos matemáticos a partir da exploração de comportamentos de objetos e fenômenos. (BELLEMAIN; BELLEMAIN; GITIRANA, 2006, p. 5)
Esse enfoque prioriza os aspectos formais do modelo, ou seja, traz uma visão
formalista, ao mesmo tempo em que considera aplicações matemáticas em que se
identifica uma relação com o pragmatismo. Ou seja, na Filosofia da Educação
Matemática Crítica, essa forma de encarar as simulações, mesmo sendo
considerada um avanço significativo no ensino de Matemática, ainda se enquadra no
padrão tradicional com forte presença da ideologia da certeza.
Partindo do fato de que modelos matemáticos representam aspectos da
realidade em linguagem matemática e que esse conhecimento não é neutro,
apolítico e inofensivo, poderíamos, então, incluir alguns questionamentos: “a que
parte da realidade o modelo é endereçado?”, “que matemática é usada na
construção do modelo?”, “quão bem o modelo representa a realidade?”
(SKOVSMOSE, 2007, p. 108). Borba e Skovsmose (2001) consideram que por meio
de modelos matemáticos nos tornamos capazes de “projetar” uma parte do que se
torna realidade. Ao tomarmos decisões baseadas em modelos matemáticos, a
Matemática molda a realidade. Se a Matemática, em um certo contexto de
modelagem, exerce um poder formatador, então, devemos perguntar: “o que é feito
56
por meio dessa modelagem?”, “que ações sociais e tecnológicas são realizadas?”,
“quais são as implicações sociais, políticas e ambientais dessas ações?”. (BORBA;
SKOVSMOSE, 2001, p. 135).
Por meio da Matemática podemos falar sobre “pedaços” da realidade, o que é
muito útil. Mas não devemos esquecer que ao analisar a realidade com base nesses
“pedaços”, estamos em um contexto mágico, onde a Matemática se encaixa
perfeitamente podendo oferecer a melhor solução. No entanto, por se tratar de um
“pedaço”, muitas informações não são consideradas. Para a EMC, é de fundamental
importância, a análise dos modelos segundo o ponto de vista e os interesses de
quem faz parte da realidade que será influenciada pelo modelo. Assim, existe a
importância econômica, ética, social, política, ambiental, etc.
Contrapondo-se à ideologia da certeza, Borba e Skovsmose (2001) sugerem
que:
Os educadores matemáticos com uma perspectiva crítica deveriam tentar ensinar Matemática de uma forma que mostrasse:
a) que este “corpo de conhecimentos” é apenas um entre muitos;
b) as simplificações feitas no processo de matematização. (BORBA; SKOVSMOSE, 2001, p. 133).
Consideramos, portanto, que as simulações correspondem a um importante
mecanismo de promoção do ensino e da aprendizagem matemática. No entanto,
para que esse ensino e essa aprendizagem sejam críticos, julgamos fundamental a
análise do modelo matemático, base da simulação, tanto em relação aos
fundamentos matemáticos quanto em relação às implicações sociopolíticas que
poderá acarretar.
2.4.4.2 Múltiplas Representações
Considerando que o conhecimento é produzido por um coletivo formado por
seres-humanos-com-mídias, Borba (2001) busca justificativas para suas afirmações
na noção de “reorganização do pensamento” (TIKHOMIROV,1981, apud BORBA,
2001, p. 137). Esses autores veem o caminhar da humanidade repleto de mídias,
dentre elas, a oralidade, a escrita e as tecnologias de informação e comunicação.
Para eles, o surgimento da escrita e sua popularização teriam contribuído para a
57
geração de conhecimentos, entre outras coisas, pelo aumento na capacidade de
armazenamento de informações. Ressalte-se que a escrita “enfatiza e permite que a
linearidade do raciocínio apareça” (BORBA, 2001, p. 138). As tecnologias digitais,
por sua vez, possibilitam um novo e surpreendente aumento na capacidade de
armazenamento e transmissão de informação, permitindo que a linearidade de
raciocínios seja desafiada por modos de pensar baseados na simulação, na
experimentação e em uma nova linguagem que envolve escrita, oralidade, imagens
e comunicação instantânea. Mudanças no modo de raciocinar quando se utiliza uma
mídia, no caso computadores e softwares de Matemática, também foram verificadas
por Villarreal (1999) em experimentos com alunos em que diferentes formas de
representação como algébrica, gráfica e numérica induziam a diferentes raciocínios
e argumentações em relação à Matemática envolvida.
Borba e Villarreal (2005) analisam a produção de conhecimentos através da
relação “humanos-com-mídias”. Nesse contexto discutem, a importância das
múltiplas representações no ensino e na aprendizagem matemática atribuindo à
visualização um papel relevante:
A visualização é uma alternativa de acesso ao conhecimento matemático;
A compreensão de conceitos matemáticos requer múltiplas representações;
A visualização como parte da atividade matemática, é uma forma de resolver problemas. (BORBA; VILLARREAL, 2005, p. 96) (tradução nossa).
Também encontramos em Borba (1994), um modelo para identificar e
sistematizar as características da construção do conhecimento em ambientes de
representação múltipla, identificados nas figuras 01 e 02.
58
Figura 1 - Epistemologia das Representações Múltiplas Fonte: Borba (1994, p. 16)
Esse mapa conceitual mostra a primeira parte de um modelo que enfoca as
regularidades e/ou discrepâncias encontradas na análise de um fenômeno. Diversas
formas de expressão como gráficos, álgebras e tabelas possibilitam a identificação
de regularidades e discrepâncias na formulação de regras sobre um fenômeno.
Na segunda parte, figura 2, o modelo enfatiza o papel da pergunta "Por que",
provocando a necessidade de justificar as regras formuladas a partir das diferentes
formas de expressão. Também destaca o processo de busca por explicações
mútuas entre as várias formas de representação.
59
Figura 2 - Epistemologia das Representações Múltiplas - Segunda Parte Fonte: Borba (1994, p. 17)
Com a epistemologia das representações múltiplas, Borba (1994) destaca a
importância da utilização de diferentes formas de expressão em Matemática para a
compreensão do fenômeno ou objeto analisado.
Em relação à EMC, as múltiplas representações poderão contribuir, além do
já identificado por Borba (1994), Villarreal (1999) e Borba e Villarreal (2005), com o
atendimento aos diferentes perfis cognitivos. “A EMC deve sempre estar vinculada
às questões de igualdade, e, por conseguinte, deve tentar considerar a natureza dos
obstáculos de aprendizagem que os diferentes grupos de estudantes podem
enfrentar” (SKOVSMOSE, 2007, p. 76). Além disso, as múltiplas representações são
consideradas em ambientes informatizados, e:
60
O uso dos softwares matemáticos agiliza processos algébricos, e por exemplo, pode proporcionar atividades de reflexão, como mudanças de parâmetros das funções, além de permitir visualização gráfica. Podem proporcionar um ambiente de investigação por parte dos alunos, e não simplesmente uma forma ágil de obter respostas. [...] através de manipulação de parâmetros, os alunos podem experimentar, ter a sensação de interação com o problema estudado. O software matemático utilizado nas etapas de modelagem matemática amplia e abre novas vias de exploração através da representação da informação sob muitas formas (gráficos, tabelas, expressões algébricas e números). Esta importância ocorre sobretudo nas fases de aperfeiçoamento e validação dos modelos, pela facilidade da variação de parâmetros e na generalização de comportamento funcional.(GUIMARÃES, 2002. p. 3).
Ocorre, portanto, a promoção do ensino e da aprendizagem matemática em
uma zona de risco que é favorável ao desenvolvimento crítico.
2.4.4.3 Abordagens que Exploram Aspectos de Difícil Execução via Papel e
Lápis
Ao pensarmos em EMC, devemos ser críticos em todos os aspectos, inclusive
em relação ao uso que fazemos dos instrumentos de ensino de que dispomos.
Com os recursos básicos, papel e lápis, pode-se desenvolver o ensino e a
aprendizagem matemática, no entanto algumas dificuldades se apresentam,
principalmente com relação a representações gráficas e geométricas. Tais
dificuldades podem acabar desestimulando um enfoque pedagógico voltado a
múltiplas representações e a simulações, dentre outros.
O uso das TIC pode contribuir, por exemplo, para amenizar as dificuldades
com as múltiplas formas de representações possíveis em Matemática. No entanto,
considerar esses recursos apenas como facilitadores para a realização de cálculos e
representações seria um enfoque bastante limitado dentre as possibilidades que tais
tecnologias oferecem. Não pensamos nas TIC como simples facilitadores do que já
somos capazes de realizar com outras tecnologias, como lápis e papel. As TIC
podem contribuir com a EMC, mas para isso não se deve “domesticar” esses
recursos:
Aula expositiva, seguida de exemplos no computador, parece ser uma maneira de domesticar essa mídia. A forma de evitar isso seria a escolha de propostas pedagógicas que enfatizem a experimentação, visualização, simulação, comunicação eletrônica e problemas abertos. (BORBA; PENTEADO, 2003, p. 88)
61
Allevato, Onuchic e Jahn (2010), ao considerarem a utilização do computador
no ensino e na aprendizagem matemática na perspectiva da resolução de
problemas, comentam sobre um experimento de ensino no qual se pode observar
que “a repetição de um procedimento, ou de um mesmo tipo de problema, não leva,
necessariamente, à compreensão do conteúdo, ou do conceito envolvido na
atividade, ou mesmo à aprendizagem”. (ALLEVATO; ONUCHIC; JAHN, 2010, p.
195). As autoras também destacam que:
[...] novos elementos devem ser considerados pelo professor, ao elaborar problemas para serem resolvidos pelos alunos com a utilização de computadores: O que se pretende que os alunos aprendam com o problema? Quais sub-habilidades são exigidas para sua resolução? Que tipo de problema e quais questões devem ser elaboradas para que os alunos atinjam o objetivo proposto? Quais os conhecimentos instrumentais necessários para o uso dos recursos? (ALLEVATO; ONUCHIC; JAHN, 2010, p. 195)
A utilização das TIC nas aulas de Matemática pode potencializar as ações
dos alunos e do professor. No entanto, isso só ocorre se os envolvidos se engajarem
em uma proposta pedagógica em que é preciso muitas vezes abrir mão das certezas
que caracterizam o paradigma do exercício. O treinamento exaustivo de algoritmos
deverá dar espaço a outras formas de raciocínio, como aqueles construídos a partir
de simulações e interpretações gráficas:
De fato, a introdução das TIC no ensino de Matemática dá um novo sentido à noção de atividade matemática para os alunos e, consequentemente, à noção de problema. O grande potencial das ferramentas computacionais (calculadoras, planilhas eletrônicas, sistemas de geometria dinâmica ou computacionais geométricos), disponibilizadas em sala de aula, pode confrontar os alunos com problemas mais complexos, menos usuais, mais interessantes e ricos do ponto de vista da aprendizagem. (ALLEVATO; ONUCHIC; JAHN, 2010, p. 206)
Confrontar os alunos com problemas menos usuais, é um convite para irmos
além dos exercícios padrão do livro didático. Na perspectiva da Filosofia da
Educação Matemática Crítica, entendemos a utilização das TIC com o objetivo de
construção de diferentes formas de análise e interpretação do conhecimento
matemático, tanto no entendimento da própria estrutura matemática, quanto como
instrumento de investigação das possíveis ligações entre os conceitos matemáticos
e das ações sociopolíticas neles fundamentadas.
62
2.4.5 Discussões sobre as Relações da Matemática com o Contexto Social
Com que objetivo ensinamos Matemática aos nossos alunos?
[...] um dos objetivos da educação deve ser preparar para uma cidadania crítica. [...] a educação deve visar mais do que as condições para possibilitar a entrada no mercado de trabalho. A educação deve preparar os alunos para a vida (política) na sociedade. (SKOVSMOSE, 2001, p. 87).
As considerações de Skovsmose destacam o dever da educação de preparar
os alunos para a vida na sociedade. Mas, então, qual é o papel da Educação
Matemática nessa formação? Em que sentido, nós professores, estamos
contribuindo com o desenvolvimento da capacidade de participar em sociedade?
Destacamos na Filosofia da Educação Matemática Crítica alguns aspectos do
quadro atual do ensino de Matemática onde prevalece o paradigma do exercício, a
ideologia da certeza e o poder formatador da Matemática que podem contribuir para
uma formação destinada ao cumprimento de ordens e ao desenvolvimento da
capacidade de realização de tarefas rotineiras. Tais aspectos podem estar presentes
no cotidiano das aulas de Matemática, mesmo sem que o professor se aperceba
disso, porque trata-se da tradição no ensino de Matemática.
Questionar essa tradição faz parte dos objetivos da EMC. Para isso, é preciso
que o professor promova o estudo dos conteúdos matemáticos considerando
aspectos que vão além da própria Matemática. Deve exercitar a reflexão sobre os
efeitos da aplicação da Matemática na sociedade, discutindo de que maneira esse
conhecimento interfere em nossas vidas, moldando estruturas sociopolíticas e
econômicas.
Para estimular o pensamento reflexivo, Skovsmose formula uma série de
questões que deveriam ser consideradas em um ensino crítico:
[...] poderíamos fazer perguntas como: fizemos os cálculos adequados? É possível escolher entre algoritmos diferentes? O algoritmo é confiável em todas as circunstâncias? É sólido? [...] usamos o algoritmo apropriado? O algoritmo é confiável para a busca de nossos objetivos?
É importante introduzir um método formal? Poderíamos encontrar a solução sem a Matemática? O resultado baseado em um cálculo matemático é mais ou menos confiável do que interpretações intuitivas da situação em questão? (SKOVSMOSE, 2001, p. 90).
63
São questões que estimulam um posicionamento crítico tanto frente ao
conhecimento matemático quanto frente ao contexto em análise.
Para que isso ocorra, as aulas de Matemática devem conter atividades que
contemplem situações reais da realidade em que se encontram os alunos. Não é o
caso de limitar o ensino de Matemática ao que se passa no entorno dos alunos, mas
considerar esse entorno, analisando-o segundo a influência da Matemática. Seria o
ponto de partida para a tomada de consciência a respeito do papel desempenhado
por essa disciplina na formação do cidadão.
As atividades que geram e motivam discussões sobre o papel desempenhado
pela Matemática seguramente não pertencem ao paradigma do exercício.
Defendemos que tais atividades devem ser discutidas com os alunos. É preciso que
o professor identifique em que os alunos estão interessados: o que faz parte de suas
realidades? Em que fundamentam seus horizontes futuros? Com isso, poderá
estruturar suas aulas discutindo o presente, com vistas nas perspectivas de futuro
que os alunos consideram ou àquele que a sociedade lhes oferece ou possibilita.
Nesse capítulo trouxemos uma revisão da literatura a respeito da EMC, tendo,
nas obras de Ole Skovsmose nossa principal referência. Focamos o paradigma do
exercício, a ideologia da certeza, a Matemática em ação, a matemacia, o foreground
e a democracia como papel sociopolítico da EM por serem esses os aspectos mais
presentes em nossa investigação. Também identificamos como a presente pesquisa
se relaciona com a EMC e com as TIC. No próximo capítulo abordaremos a
formação continuada de professores que ensinam Matemática, trazendo referências
sobre a EMC na formação continuada e as TIC nesse mesmo sentido.
65
CAPÍTULO 3 - FORMAÇÃO CONTINUADA DOS PROFESSORES
QUE ENSINAM MATEMÁTICA
Nesse capítulo vamos abordar a formação continuada de professores que
ensinam Matemática tendo em vista a EMC, o uso das TIC e a política pública do
estado do Paraná para a formação continuada dos professores da rede estadual de
ensino básico.
3.1 Formação Continuada dos Professores
A formação continuada dos professores que ensinam Matemática é concebida
e desenvolvida sob distintos enfoques e denominações. Tradicionalmente são
oferecidos cursos de capacitação em que geralmente os conteúdos disciplinares e
conhecimentos para a prática docente são abordados. No entanto, atualmente, uma
nova abordagem vem ganhando evidência. A formação docente em termos de
desenvolvimento profissional:
[...] consideramos a formação docente numa perspectiva de formação contínua e de desenvolvimento profissional, pois pode ser entendida como um processo pessoal, permanente, contínuo e inconcluso que envolve múltiplas etapas e instâncias formativas. Além do crescimento pessoal ao longo da vida, compreende também a formação profissional (teórico-prática) da formação inicial — voltada para a docência e que envolve aspectos conceituais, didático-pedagógicos e curriculares — e o desenvolvimento e a atualização da atividade profissional em processos de formação continuada após a conclusão da licenciatura. A formação contínua, portanto, é um fenômeno que ocorre ao longo de toda a vida e que acontece de modo integrado às práticas sociais e às cotidianas escolares de cada um, ganhando intensidade e relevância em algumas delas. (PASSOS et al. 2006, p. 195).
Foi a partir da década de 1990, que as pesquisas sobre formação docente
passaram a considerar, além dos aspectos acadêmicos, o desenvolvimento pessoal,
profissional e organizacional da profissão, mobilizando os saberes dos professores
para promover seu desenvolvimento profissional através da reflexão, da colaboração
e da investigação, da e na própria prática. Especificamente, com relação aos
trabalhos colaborativos, a meta-análise de Passos et al. (2006) identificou resultados
favoráveis ao desenvolvimento profissional. No entanto, deixa claro tratar-se de um
processo contínuo de formação envolvendo um pequeno grupo de professores que
66
necessitam de condições materiais e de tempo para que possam participar de modo
efetivo no grupo.
A seguir, abordaremos a formação continuada do professor que ensina
Matemática com relação a EMC.
3.2 Formação Continuada do Professor que Ensina Matemática com Relação à
Educação Matemática Crítica.
A EMC vem sendo discutida em muitas frentes. Entre outras, Araújo (2009)
relaciona EMC com uma abordagem sócio-crítica da Modelagem Matemática, Melo e
Chrispino (2013) refletem sobre a não-neutralidade dos modelos matemáticos
através de atividades voltadas ao Ensino Médio, e Fernandez (2010) discute o
conhecer reflexivo, o conhecer tecnológico e o conhecer matemático envolto nas
práticas de alguns professores venezuelanos. No entanto, são raras as pesquisas
que tratam da EMC na formação continuada de professores que ensinam
Matemática.
Uma delas está vinculada a um projeto de formação continuada junto aos
professores de um colégio de Bogotá – Colômbia. Os pesquisadores Bustos, Ortiz e
Arias (2012) apresentam uma experiência de planejamento de cenários de
investigação através do trabalho colaborativo. O objetivo da formação era o
planejamento de atividades que envolvessem o desenvolvimento do pensamento
crítico por parte dos alunos. O enfoque teórico da EMC, por ser novidade para os
professores em formação continuada, foi abordado por meio de textos, relatórios,
debates e questionamentos entre o grupo composto por pesquisadores e
professores. Uma das questões sobre as quais o grupo refletiu foi: o que motiva os
estudantes a irem para a escola? Isso os levou às seguintes questões: Quem são
nossos alunos? Quais são seus interesses? Que problemáticas vivem?
Tais reflexões os levaram a considerar no planejamento atividades que, em
primeira instância, não atenderiam à grade curricular; ao contrário, deveriam estar
estruturadas de tal forma que permitissem identificar os interesses dos alunos. Para
identificar esses interesses, percorreram, juntamente com alguns alunos, o bairro
onde se localizava a escola para identificar situações e locais significativos aos
67
alunos. A partir dessa identificação, o grupo passou a planejar alguns cenários de
investigação tendo em vista as seguintes características:
relação com outras áreas;
inclusão das problemáticas dos estudantes;
ser do interesse dos alunos do 7º ano;
fomentar o desenvolvimento do pensamento crítico dos estudantes.
No planejamento dos cenários foi envolvida a Modelagem Matemática
englobando os ambientes de aprendizagem propostos por Skovsmose (2008). O
projeto buscava melhorar a compreensão dos problemas que circundam o contexto
cotidiano dos alunos.
Os autores apresentam alguns dos cenários planejados e concluem que a
reflexão, sobre a própria prática é fundamental para o desenvolvimento do projeto.
Também destacam a importância de se fazer o reconhecimento do contexto, das
dificuldades e potencialidades dos alunos para que se possa efetivamente pensar
em ambientes de aprendizagem que envolvam as problemáticas e interesses dos
alunos.
Como dissemos anteriormente, são raras as investigações que abordam a
EMC na formação continuada e esta experiência na Colômbia chama a atenção para
o distanciamento entre os professores em exercício e a filosofia da EMC, da mesma
forma que sugere um caminho para uma aproximação.
Na próxima seção traremos outro aspecto que, ao contrário, tem sido
bastante explorado no âmbito da formação de professores, qual seja, o uso das
tecnologias de informação e comunicação nas práticas de sala de aula.
Abordaremos a formação continuada do professor que ensina Matemática, com
relação ao uso das TIC.
3.3 Formação Continuada do Professor que Ensina Matemática com Relação
ao uso das Tecnologias de Informação e Comunicação.
O uso das TIC no processo de formação continuada do professor que ensina
Matemática está presente, entre outras, nas pesquisas de Bovo (2004), Costa
68
(2004), Bittar, Guimarães e Vasconcellos (2008), Zulatto (2010) e Gregio e Bittar
(2012). Esses autores destacam aspectos como a falta de integração das TIC nas
atividades didáticas dos professores de Matemática; a falta de preparo, por parte
dos professores, para essa integração; o descompasso entre as concepções das
políticas públicas e a forma de implantação das mesmas; o trabalho colaborativo e o
desenvolvimento profissional.
Bittar, Guimarães e Vasconcellos (2008) consideram que os professores de
Matemática, dos vários níveis de ensino, em formação inicial ou continuada, não têm
efetivamente integrado as TIC em suas práticas:
Acreditamos que a verdadeira integração da tecnologia somente acontecerá quando o professor vivenciar o processo e quando a tecnologia representar um meio importante para a aprendizagem. Falamos em integração para distinguir de inserção. Essa última para nós significa o que tem sido feito na maioria das escolas: coloca-se o computador nas escolas, os professores usam, mas sem que isso provoque uma aprendizagem diferente do que se fazia antes e, mais do que isso, o computador fica sendo um instrumento estranho à prática pedagógica, usado em situações incomuns, extra classe, que não serão avaliadas. Defendemos que o computador deve ser usado e avaliado como um instrumento como qualquer outro, seja o giz, um material concreto ou outro. E esse uso deve fazer parte das atividades “normais” de aula. (BITTAR; GUIMARÃES; VASCONCELLOS, 2008, p. 86).
Para vivenciar o processo de integração das tecnologias, os professores
necessitam apoio e preparação. Isso deveria acontecer tanto na formação inicial
quanto na continuada. Os autores consideram que a formação continuada deve
oferecer essa vivência com tempo suficiente para atender às necessidades dos
professores e para o amadurecimento de discussões que envolvam os problemas
por eles enfrentados no dia-a-dia:
Um professor, do Ensino Fundamental ou Médio, resolve fazer uso da tecnologia com seus alunos. Onde ele procurará ajuda, caso necessite? Que tipo de material ele tem disponível sobre o uso das novas tecnologias em sala de aula? Como ele poderá escolher o produto tecnológico a ser usado? Quando e como utilizar a informática com seus alunos? Ou seja, em que momento da aprendizagem e que tipo de atividades propor aos alunos de modo a contribuir com essa aprendizagem? (BITTAR; GUIMARÃES; VASCONCELLOS, 2008, p. 86).
Esses questionamentos são pertinentes, visto que vários pesquisadores da
Educação Matemática como Dullius, Haetinger e Quartieri (2010), em Santa
Catarina; Bovo (2004), em São Paulo; Bennemann e Allevato (2012a), no Paraná; e
Gregio e Bittar (2012), no Mato Grosso do Sul constataram, através de suas
investigações, que os professores pouco têm utilizado ou até mesmo não tem
69
utilizado as TIC em suas aulas de Matemática porque consideram-se despreparados
para isso. Embora já tenham sido realizadas várias pesquisas que apontam
possíveis caminhos para a integração das TIC as aulas de Matemática, os
professores em exercício não tomam contato com esses estudos, evidenciando uma
falha de comunicação entre os programas de pesquisas e os programas de
formação continuada desenvolvidos no país.
Ao analisar os programas de formação continuada para a inserção das TIC no
ensino do estado de São Paulo, Bovo (2004) identificou “tensões” entre a proposta
oficial do governo do estado e sua efetiva implantação:
[...] os objetivos estão bem definidos nos documentos oficiais: espera-se que, com a inserção da informática na educação, os professores possam rever suas concepções e práticas pedagógicas, transformando-as. No entanto, as ações praticadas nas oficinas, muitas vezes, não iam ao encontro das práticas inovadoras e possuíam características tradicionais muito fortes.
Apesar de aparecer a questão da reflexão nos documentos oficiais, dentre eles a apostila, foram raros os momentos em que os professores-alunos refletiram durante as oficinas realizadas. (BOVO, 2004, p. 131).
Assim, Bovo (2004) considera que a formação continuada através de cursos,
não é suficiente para que os professores integrem as tecnologias em suas aulas, e
que o processo de transformação das práticas precisa ser discutido continuamente
entre os próprios professores, nas escolas, nos horários destinados ao planejamento
de suas aulas. Destaca, também, a importância do envolvimento dos pesquisadores
nesse processo através de parcerias entre as universidades e as escolas para que
novas ideias sejam debatidas e implementadas.
Como importante alternativa de formação continuada, Zulatto (2010) sugere o
trabalho colaborativo através de cursos de formação online. Descrevendo uma
experiência realizada através de um convênio entre o GPIMEM8 e a Fundação
Bradesco para a realização de cursos de formação continuada na área de
Geometria e sobre o conteúdo de funções, a autora analisa dados construídos de
momentos de participação síncrona dos participantes de um curso denominado
Geometria com o Geometricks. Esses momentos, através do diálogo, possibilitavam
tirar dúvidas, formular questionamentos e expor ideias. A autora considera que o
diálogo é um fator preponderante na configuração de trabalhos colaborativos, e que 8 Grupo de Pesquisa em Informática e outras Mídias na Educação Matemática, UNESP, Rio Claro - SP.
70
essa forma de trabalho é inerente ao meio educacional se considerarmos a
construção coletiva do conhecimento. A autora define
[...] aprendizagem colaborativa online como o processo em que os atores envolvidos participam ativamente e interagem a distância para produzir significados coletivamente, levantando incertezas que alimentam a busca por compreensões e suscitam novas incertezas. (ZULATTO, 2010, p. 132).
A investigação de Zulatto (2010) revela uma importante alternativa à formação
continuada, o trabalho online. Revela, também, a importância da integração entre
pesquisa e prática aproximando escolas e universidades, como também mencionou
Bovo (2004).
Também entendemos que a integração das TIC às práticas docentes requer
maior aproximação entre pesquisadores e professores em formação e em exercício.
O fato de muitos professores se perceberem despreparados para explorar as
potencialidades didáticas do uso das TIC tem muito a ver com o isolamento
profissional em que atuam, além, é claro, do histórico escolar e de formação
profissional a que foram submetidos. Essas questões, como mostraram as
pesquisas anteriormente mencionadas, trazem à tona a necessidade de que os
programas de formação se apropriem dos resultados das pesquisas e os discutam
com os professores a fim de avaliar a viabilidade de aplicá-los em maior escala.
A formação continuada, através do trabalho colaborativo, visando à utilização
das TIC, também é foco da pesquisa de Costa (2004). Esse pesquisador procurou
por indícios de uma nova cultura profissional ao analisar um período da formação
continuada desenvolvida por um grupo colaborativo que visava a integração das TIC
em suas práticas. Ao resgatar historicamente as características dos programas de
formação continuada para professores de Matemática, o autor considera que
passamos por uma fase que primava pela formação acadêmica centrada na prática
e no conhecimento do professor para, em seguida, entrarmos em processos cujo
foco era o treinamento e a atualização centrada na teoria. Agora, são consideradas
as parcerias entre pesquisadores e professores escolares. Passou-se a dar valor à
voz do professor, encarando-o como parceiro no processo coletivo de construção do
conhecimento. Com isso, novos aspectos, relacionados às características
particulares dos professores, passaram a integrar as investigações sobre o Ensino
de Matemática, deixando transparecer que:
71
Os valores, crenças, saberes, atitudes, hábitos, manifestos pelo professor de Matemática no cotidiano, além da maneira de se relacionar com seus pares, os modos de interação com os colegas vão tecendo os fios, compondo um conjunto de características muito similares que marcam esse profissional, moldando a cultura docente. Esta influencia sobremaneira a organização/condução das aulas de Matemática. (COSTA, 2004, p.29)
A cultura docente do professor de Matemática, segundo Costa (2004), é
marcada pelo tarefismo, pelo isolamento profissional e pela subordinação. O
excesso de atividades em que os professores precisam se envolver, muitas vezes
trabalhando em várias escolas, favorece o isolamento profissional por não disporem
de tempo e espaço para discutir com os colegas sua visão sobre o processo
educacional. Também contribui para o isolamento profissional o fato dos professores
se imaginarem autossuficientes, com uma capacidade nata de administrar tudo o
que ocorre em suas salas de aula. A subordinação, por outro lado, se manifesta, por
exemplo, na preocupação com “vencer conteúdos” e “exames de vestibular”, e
também na forte influência da racionalidade técnica se opondo à prática reflexiva.
A formação continuada deve estimular o professor a refletir sobre sua prática
e, para isso, deve superar o modelo formatado em termos de “treinamento”, que
muito colabora com a promoção e/ou manutenção da cultura docente vigente: “Uma
possível resposta seria a de criar um clima de trocas e experiências no qual tenha
espaço a complexidade e a incerteza” (COSTA, 2004, p. 43). É preciso considerar a
formação continuada na perspectiva do desenvolvimento profissional, com o
professor refletindo criticamente sobre sua prática para melhor compreender tanto o
processo ensino-aprendizagem quanto o contexto em que este ocorre:
Um contexto favorável ao desenvolvimento profissional do professor de Matemática e à emergência de uma nova cultura profissional na escola seria aquele em que acontecem práticas colaborativas de reflexão e investigação entre os professores. Acreditamos que este contexto oferece condições ao professor de se constituir em um profissional reflexivo, crítico, colaborador, autônomo e investigador. A formação do professor pode ser, então, reconceitualizada, oportunizando-lhe um papel mais ativo em projetos relacionados à escola. (COSTA, 2004, p. 47).
O autor considera, ainda, essencial a investigação sobre as práticas
pedagógicas mediadas pelas TIC, em ambientes de colaboração entre professores e
pesquisador, para o desenvolvimento de uma nova cultura profissional:
[...] a combinação entre trabalhar colaborativamente, refletir sobre a própria prática pedagógica e utilizar as TIC na formação dos estudantes e, posteriormente, na própria formação, criou uma sinergia que contribuiu para
72
que [as professoras] colocassem em “xeque” as verdades cristalizadas pela cultura escolar e repensassem a forma como viviam sua profissão, repercutindo no que vinham pensando, dizendo e, principalmente, fazendo. (COSTA, 2004, p. 169).
Na mesma linha ao investigarem estratégias e influências do uso das TIC nas
aulas de Matemática, Dullius, Haetinger e Quartieri (2010) também consideram a
constituição de grupos colaborativos para que professores possam refletir sobre a
própria prática. Em suas análises, no âmbito da Educação Matemática, “a maioria
dos professores não sabe utilizar esses recursos [TIC] como auxiliares no processo
de ensino” (DULLIUS; HAETINGER; QUARTIERI, 2010, p. 146) e, não raro, tais
recursos não se constituem em instrumentos de renovação no processo
educacional.
Isso revela a urgência por capacitação, “não a mera instrumentalização para
operarem máquinas e programas, mas, principalmente, para que tenham acesso ao
conhecimento e à análise de outras opções metodológicas” (DULLIUS;
HAETINGER; QUARTIERI, 2010, p. 146). Os autores veem nos grupos
colaborativos um importante mecanismo para superar as dificuldades iniciais quanto
ao uso das TIC. A possibilidade de discutir, com os colegas, suas dificuldades,
incertezas e também suas conquistas, favorece a promoção de uma consciência
crítica, por parte dos professores, em relação às potencialidades e limitações de tais
tecnologias segundo as abordagens metodológicas que empregarem.
Da mesma forma, também Gregio e Bittar (2012) reconhecem, na falta de
preparo dos professores em relação ao uso das TIC, um dos principais empecilhos à
integração das tecnologias digitais nas aulas de Matemática. Consideram que
cursos de formação, para esse uso, fora do contexto escolar não são suficientes.
Para as autoras, “pensar em formação de professores exige considerar o docente
em seu contexto de trabalho, não somente em capacitação individual, mas nas
dimensões coletivas” (GREGIO; BITTAR; 2012, p. 4). Em um estudo fundamentado
na pesquisa-formação9 ou pesquisa coletiva, as autoras acompanharam um grupo
de professoras do ensino fundamental por dois anos. Nesse período, pesquisadoras
9 A pesquisa-formação desenvolve-se nas interações coletivas. A formação dos participantes é desenvolvida por
meio de pesquisa com e pelos participantes. Os participantes são ao mesmo tempo, sujeitos e objetos de formação.
73
o professoras escolares se reuniram para refletir sobre as diversas formas de uso
das TIC.
O espaço coletivo do grupo de pesquisa-formação contribuiu para a reflexão sobre o fazer pedagógico com o uso de tecnologias no ensino da matemática, e cada participante na sua singularidade vivenciou novas práticas pedagógicas com o potencial de desenvolvimento pessoal e profissional. (GREGIO; BITTAR, 2012, p. 13)
No entanto, um processo de ressignificação de conceitos e reestruturação das
práticas pedagógicas demanda um tempo prolongado. Nesse aspecto, as autoras
consideraram que a pesquisa-formação tem grande potencial na formação em
serviço, visto que o grupo trabalhou colaborativamente na troca de experiências,
estimulando questionamentos e reflexões sobre seus conhecimentos e suas
práticas.
As investigações que apontamos têm em comum o entendimento de que falta
preparo aos professores de Matemática para integrarem as TIC em suas aulas e que
os cursos ofertados em forma de treinamento não são suficientes para essa
preparação. Também trazem diferentes alternativas de formação, no entanto, todas
focam no trabalho colaborativo como o mais promissor no processo de integração
das TIC as aulas de Matemática.
Na próxima sessão abordaremos a formação continuada no estado do Paraná
em virtude de que nossa investigação diz respeito aos professores paranaenses.
3.4 Formação Continuada no Estado do Paraná
A formação continuada dos professores da rede pública estadual de
educação básica do Paraná tem sido desenvolvida pelas assessorias pedagógicas
dos Núcleos Regionais de Educação, pelas Coordenações Regionais de
Tecnologias Educacionais e através do Programa de Desenvolvimento Educacional
– PDE.
A assessoria pedagógica é desenvolvida por uma equipe de professores, das
diversas disciplinas, que atuam nos NRE implementando as atividades de formação
continuada propostas pela Secretaria de Estado da Educação. As Coordenações
Regionais de Tecnologias Educacionais são responsáveis pela manutenção dos
74
sistemas informáticos das escolas, além de prestarem apoio aos professores, em
forma de cursos e treinamentos, quanto à utilização das tecnologias educacionais. O
PDE é um programa estadual no qual os professores participam de atividades
presenciais e também a distância sob a coordenação de instituições universitárias
do estado. É um programa de dois anos de duração, cuja conclusão se dá pela
produção de um artigo científico relativo ao experimento didático que o professor
participante propôs. Também é uma exigência para progressão funcional.
A seguir nos atemos aos aspectos relacionados às TIC na formação
continuada.
3.4.1 Infraestrutura Relativa às TIC nas Escolas do Paraná.
Atualmente todas as escolas da rede estadual de ensino do Paraná dispõem
de laboratório de informática com acesso à internet. Essa expansão das TIC ocorreu
no período de 2003 a 2010 através de uma parceria entre a Secretaria de Estado da
Educação do Paraná (SEED – PR) e o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) com o projeto BRA 03/036 – Educação Básica e Inclusão
Digital no Estado do Paraná. Foram três etapas distintas. Em 2003 o lançamento do
portal Dia-a-dia Educação com o objetivo de:
[...] instrumentalizar educadores com informações concernentes a conteúdos das diversas áreas do conhecimento e outros recursos que colaborem com a sua prática pedagógica, tornando-o uma fonte oficial de informações advindas das diferentes instâncias da Secretaria de Estado da Educação do Paraná, bem como estruturar uma rede de comunicação efetiva entre todos os envolvidos no processo educativo, propagando dados, informações didático-pedagógicas e experiências eficazes no processo de ensino-aprendizagem para a construção do conhecimento. Dessa forma, busca tornar-se um veículo de expressão da comunidade escolar, valorizando a produção intelectual dos educadores da Rede Estadual de ensino do Paraná, oferecendo serviços de interesse a todos os atores envolvidos na Educação Básica e Ensino Médio, fomentando a criação de comunidades virtuais de aprendizagem e estimulando a educação continuada (PARANÁ, 2003, p. 1).
O portal foi concebido como um “ambiente pedagógico colaborativo,
considerando a possibilidade das TIC constituírem-se em um meio capaz de
promover os professores da educação básica a sujeitos produtores de
conhecimento”. (MENEZES, 2007, p. 469).
75
A etapa seguinte consistiu no fortalecimento e expansão dos Núcleos de
Tecnologias Educacionais (NTEs) que haviam sido implantados a partir de 1997. Em
2004 os 13 NTEs que atendiam a todos os 32 Núcleos Regionais de Educação
(NRE), passaram a ser denominados de CRTE’s (Coordenação Regional de
Tecnologia na Educação) e ampliados para 32 unidades, uma por NRE. Suas
atribuições são, entre outras:
- Assessorar e orientar tecnicamente professores das Escolas Públicas Estaduais e Conveniadas no desenvolvimento de produções colaborativas no Portal Dia-a-dia Educação; - Orientação para elaboração de Objetos de Aprendizagem Colaborativa (OAC) do Portal; - Promover ações pedagógicas e tecnológicas das diversas áreas do conhecimento; - Participar e apoiar ações desenvolvidas pela Equipe Pedagógica do NRE; - Assessoria para planejamento e desenvolvimento de aulas em âmbito disciplinar e interdisciplinar com a utilização de recursos tecnológicos; - Orientação didático-pedagógica para o uso de programas televisivos da TV PAULO FREIRE; - Assessoria para criação e manutenção dos sites das escolas para ser publicado no Portal Dia-a-dia Educação. (PARANÁ, 2013)
A terceira etapa ocorreu no período de 2008 a 2010 com a implantação dos
laboratórios de Informática e a instalação das TVs multimídia nas escolas
promovendo o acesso às TIC de forma universalizada na rede pública estadual de
educação básica do Paraná. Os laboratórios foram equipados com 10 a 20
microcomputadores, na maioria dos casos, em que o sistema operacional é o
LINUX. Com relação à Matemática, foram disponibilizados os softwares: GeoGebra,
Régua e Compasso, DrGeo, Xlogo e a Planilha de Cálculo Calc do BrOffice.
(MACHADO, 2010; JESUS; ROLKOUSKI, 2012).
A seguir abordaremos a política pública paranaense para o uso das
tecnologias.
3.4.2 Diretrizes para uso das Tecnologias Educacionais no Paraná
As diretrizes para uso das tecnologias educacionais, no Paraná, foram
concebidas em 2010 sob a coordenação da Diretoria de Tecnologia Educacional
com a participação dos professores da rede estadual e pesquisadores que
investigam as tecnologias na educação.
76
Essas diretrizes destacam, como princípios norteadores do trabalho com
tecnologias na escola, a mediação do professor no contexto educacional, a mídia
impressa na escola, a TV Paulo Freire, os ambientes virtuais na web e a pesquisa
escolar na internet.
Concentramo-nos, agora, apenas nos aspectos voltados à tecnologia dos
computadores, em virtude de que esta investigação não contempla as demais
mídias incorporadas nas diretrizes para o uso das tecnologias da SEED-PR.
Nas diretrizes, a mediação do professor é considerada fundamental em se
tratando de TIC, destacando que novas concepções pedagógicas devem ser
consideradas. O potencial dessas tecnologias oportuniza novas formas de ver, ler e
escrever o mundo:
A extensão do uso de recursos tecnológicos na educação não deve se limitar simplesmente ao treinamento de professores para o uso de mais uma tecnologia, tornando-os meros repetidores de experiências que nada acrescentam de significativo à educação. O fundamental é levar os agentes do currículo a se apropriarem criticamente dessas tecnologias, de modo que descubram as possibilidades que elas oferecem no incremento das práticas educacionais, além de ser uma prática libertadora, pois contribui para a inclusão digital. (PARANÁ, 2010, p.5)
Em direção a práticas pedagógicas inovadores, o estado aponta para o uso
das TIC como um diferencial de qualidade na educação básica. Desde o ano de
2003, “o portal de conteúdos” é uma das mais importantes ferramentas de
disseminação das políticas educacionais do Estado do Paraná por meio do incentivo
e valorização da produção dos professores da rede estadual.
O Portal Dia-a-dia Educação caracteriza-se por ser um ambiente virtual baseado na Internet, implementado em software livre. Lançado com a finalidade de atingir toda comunidade educacional paranaense e brasileira, disponibiliza conteúdos (das disciplinas) curriculares, informações e serviços destinados a educadores, alunos, escola e comunidade. A equipe prioriza a implementação de conteúdos e sistemas voltados aos educadores. (PARANÁ, 2010, p. 9).
Para assessorar os professores na integração das TIC em suas aulas, as 32
CRTE (Coordenação Regional de Tecnologias Educacionais) têm como função atuar
na formação continuada dos professores, contemplando a inclusão sociodigital, no
contexto de integração das mídias web, televisiva e impressa.
77
Ao estabelecerem a função das tecnologias nas práticas escolares, mediadas
pelo professor, as diretrizes consideram que
O planejamento das atividades com o uso das TIC deve ser elaborado a fim de contemplar as necessidades, tanto curriculares, quanto de aprendizagem dos alunos. A contextualização continua sendo imprescindível também quando da utilização das tecnologias para que o resultado final das produções promova conhecimentos que levem à transformação, com vistas a uma sociedade mais participativa, crítica e igualitária. (PARANÁ, 2010, p. 14).
As diretrizes são enfáticas com relação ao papel do professor na mediação
entre as tecnologias e a aprendizagem, reforçando a visão de que as TIC podem
melhorar a aprendizagem. Este é um aspecto, porém, nem sempre central nas
pesquisas da área. Borba e Penteado (2002; 2003), por exemplo, consideram que
mais importante que comparar aprendizagem com e sem o uso de tecnologias é
considerar as diferentes formas de raciocínio que se podem explorar com cada
meio.
A seguir trazemos um breve relato da formação continuada na região do
estado do Paraná onde desenvolvemos nossa pesquisa.
3.4.3 A Formação Continuada no NRE de Pato Branco
Segundo o relatório anual de 2012 relativo às ações da Diretoria de
Tecnologia Educacional da SEED-PR, a Coordenação de Apoio ao Uso de
Tecnologias tem sob sua responsabilidade a implementação de programas de
inclusão sociodigital da Secretaria de Estado da Educação, para atendimento à
demanda de formação continuada ao uso de tecnologias, dos professores e
profissionais da educação e de suporte técnico à instalação e manutenção do
parque tecnológico da rede pública estadual de ensino paranaense. Para tanto, esta
coordenação é representada nos 32 Núcleos Regionais de Educação por suas
equipes que atuam nas Coordenações Regionais de Tecnologias na Educação –
CRTE.
A CRTE vinculada ao NRE de Pato Branco – PR atua com 6 profissionais
para atender a 15 municípios, num total de 75 escolas. Em 2011 essa equipe ofertou
11 oficinas, atendendo a 335 profissionais da educação e em 2012 foram 24 oficinas
atendendo a 511 desses profissionais. As oficinas de introdução digital oferecida aos
78
professores, abrangem conhecimentos básicos de informática, noções sobre a
Plataforma Linux, editor de texto BrOffice Writer e Internet. As oficinas dedicadas a
softwares educacionais versam sobre o uso de um determinado software, sendo
que, aos professores de Matemática, têm sido ofertadas oficinas sobre GeoGebra.
Os NRE também dispõem de acessórias pedagógicas nas diferentes
disciplinas, sendo que em Pato Branco há um professor responsável pela disciplina
de Matemática.
Nas avaliações desses encontros, promovidas pelas equipes executoras,
segundo um formulário próprio elaborado pela SEED-PR, os professores têm
expressado seu contentamento com essas oficinas. No campo destinado a
comentários, encontram-se registros como:
- Que seja sempre oportunizado esse tipo de modalidade de ensino,
principalmente na área de Matemática, para que possamos tornar nossas aulas mais
atrativas.
- A oficina foi a melhor que fiz com o uso de informática, o programa
GeoGebra é muito bom, a professora é excelente, porém, em alguns momentos não
era possível acompanhá-la, ela andava muito rápido com o conteúdo, isso dificulta a
aprendizagem e acredito que desgasta a professora. [...] oficinas como esta devem
ser trabalhadas mais vezes.
Esses relatos extraídos do relatório de atividades de 2011 da Diretoria de
Tecnologia Educacional da SEED-PR (PARANA, 2011), sugerem um grande
interesse dos professores pela formação relacionada as TIC, de tal forma que as
metas para 2013, relativas ao NRE de Pato Branco (PARANÁ, 2012), destacam a
necessidade de oferecer oficinas sobre o aplicativo BrOffice Calc e os softwares
Cmap Tools e GeoGebra.
Também podemos perceber nesses registros, uma afinidade entre os
professores e o modelo de formação continuada por oficinas estruturadas em forma
de treinamento. Os professores se identificam com esse modelo de trabalho. No
entanto, as pesquisas já mencionadas revelam que os professores também se
consideram despreparados para o uso das TIC. Ou seja, se por um lado as
79
avaliações das oficinas são positivas, por outro lado, seus efeitos não têm chegado
à sala de aula.
Na próxima sessão relacionamos nossa pesquisa com o contexto de
formação até aqui apresentado.
3.5 Nossa Pesquisa nesse Contexto.
A investigação relatada nesta tese não tem a intenção de avaliar a política
paranaense de formação continuada dos professores da rede estadual de ensino,
entretanto, não poderia deixar de analisar em que aspectos essa política se
aproxima dos princípios da EMC.
Com o objetivo de identificar as compreensões reveladas pelos
professores ao desenvolverem atividades matemáticas com o uso das TIC, na
perspectiva da Educação Matemática Crítica, a investigação se configurou num
processo de formação continuada. O grupo de professoras que participou, foi
constituído a partir de um convite para discutir e analisar as possibilidades de
utilização das TIC na perspectiva da EMC e os trabalhos foram formalmente
registrados junto ao NRE de Pato Branco, para que os efeitos legais referentes à
formação continuada pudessem ser levados a efeito nos planos de carreira das
professoras.
Como pudemos observar nas diretrizes para o uso das TIC da SEED-PR, a
proposta sugere que, através do uso das tecnologias educacionais, pode-se
desenvolver um olhar diferente sobre os conteúdos. Para isso, reconhece que os
professores não podem ser simplesmente treinados a utilizar softwares. Os
professores precisam desenvolver um olhar crítico sobre esse uso, planejando suas
atividades de forma contextualizada com vistas a uma sociedade mais participativa,
crítica e igualitária. Essa abordagem, contempla, sem dúvida, alguns princípios da
EMC. Entretanto, Jesus e Rolkouski (2012), ao analisarem as produções dos
professores que participaram em 2010 das oficinas sobre o uso pedagógico do
GeoGebra oferecidas pelas CRTE de todos os NRE do PR, constataram que menos
da metade dos participantes que publicaram seus relatos de experiência (uma das
80
atividades das oficinas) utilizaram o software de modo a atender as expectativas das
diretrizes:
[...] percebemos que muitos professores subutilizam o software GeoGebra, uma vez que ainda precisam avançar para uma melhor compreensão das possibilidades proporcionadas pelo software ao explorarem seus recursos dinâmicos.
[...] acreditamos que o papel da formação continuada precisa ir além da instrumentalização da tecnologia ou da entrega burocrática de atividades, a fim de promover uma real integração do GeoGebra aos conteúdos trabalhados. Dessa forma, mais do que apresentar os recursos e ferramentas do software, faz-se necessário que o planejamento das formações continuadas contemple atividades possíveis de serem aplicadas em sala de aula e que explore as características dinâmicas do software. (JESUS, ROLKOUSKI, 2012, p. 15).
Assim, pode-se inferir que a formação continuada na rede pública estadual de
educação básica do Paraná ainda não conseguiu atender, em sua plenitude, as
diretrizes propostas pela SEED-PR para o uso educacional das tecnologias.
Portanto, esta investigação poderá vir a colaborar com a formação continuada
no Paraná tendo em vista que atribuiu ao uso das TIC o papel de potencializador
dos princípios da EMC que também buscam o desenvolvimento da sociedade
segundo princípios democráticos.
Em relação à formação continuada para o uso das TIC, nosso foco de
investigação esteve na forma como esse uso poderia colaborar com a Educação
Matemática Crítica. Esse enfoque difere das pesquisas de Bovo (2004), Costa
(2004), Bittar, Guimarães e Vasconcellos (2008), Zulatto (2010), Dullius, Haetinger e
Quartieri (2010) e Gregio e Bittar (2012) pelo fato de que busca, na utilização das
TIC, uma alternativa para favorecer a compreensão dos papéis sociopolíticos
desempenhados pela Educação Matemática, o que não está presente naquelas
investigações.
Nesse capítulo, procuramos construir um panorama sobre a formação
continuada de professores de Matemática em relação à EMC e em relação à
integração das TIC em suas atividades didáticas, e sobre a política do estado do
Paraná para essa formação. No próximo capítulo abordaremos as características e a
forma como o grupo envolvido na pesquisa foi constituído além de apresentarmos
uma descrição de como as atividades foram concebidas e desenvolvidas.
81
CAPÍTULO 4 - O GRUPO E AS ATIVIDADES
Nesse capítulo abordaremos a forma como o grupo de professores
participantes da pesquisa foi constituído e as suas características. Também
apresentamos as atividades desenvolvidas com a descrição mais detalhada de uma
delas.
4.1 A Constituição do Grupo.
A partir de 2010, ano de ingresso no Programa de Pós-graduação em Ensino
de Ciências e Matemática da Universidade Cruzeiro do Sul, passamos a analisar a
forma e frequência com que os professores que ensinam Matemática na rede
estadual de Educação Básica do Paraná utilizavam as TIC.
No final do primeiro semestre de 2011, aproveitando que os professores que
ensinam Matemática, nas escolas vinculadas ao Núcleo Regional de Educação
(NRE) de Pato Branco, estavam reunidos para um dia de formação, aplicamos um
questionário a fim de identificar a frequência com que esses professores
ministravam suas aulas nos laboratórios de informática, quais softwares utilizavam e
se tinham necessidade de formação para a utilização das TIC. Dos 129
respondentes, 19% utilizaram com alguma frequência, 29% utilizaram
esporadicamente e 52% afirmaram não terem utilizado as TIC naquele semestre.
Quanto aos softwares e aplicativos utilizados por aqueles professores que fizeram
algum uso do laboratório de informática naquele semestre, 45% alegaram utilizar o
GeoGebra, 6% a planilha de cálculo e 49% recursos disponíveis na internet como
jogos, pesquisas via sites de busca e aplicativos do portal diaadiaeducacao.
Restringindo a análise ao grupo de professores do município de Pato Branco, 33%
dos entrevistados, por ser o local da realização do experimento de formação,
observamos que os percentuais de cada grupo se repetiam com pequenas
variações, ou seja, 16% usaram com alguma frequência, 33% fizeram uso
esporádico e 51% não utilizaram as TIC. O mesmo aconteceu com relação aos
softwares e aplicativos utilizados. Com relação a necessidade de formação para o
uso das TIC, 96% responderam sim e apenas 4% julgaram desnecessário.
82
Diante da realidade observada, em 2012 firmamos uma parceria entre a
Universidade Cruzeiro do Sul e o NRE de Pato Branco para a realização de uma
experiência de formação continuada com os professores que ensinam Matemática
na rede pública estadual do município de Pato Branco. Nesse convênio foi
estabelecido que os professores seriam convidados a participar de uma formação
que serviria de base para a coleta de dados referente a uma investigação de
doutorado. Os participantes seriam certificados com carga horária de 20h,
correspondente ao período em que estariam reunidos para a análise e discussão
sobre o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nas aulas de
Matemática como um possível meio de favorecer um Ensino Crítico de Matemática.
Foi estabelecido um limite de 15 vagas, definido arbitrariamente em função de que a
participação de cada professor seria alvo da coleta de dados da pesquisa, com
registros de áudio e vídeo além dos registros escritos; poderiam surgir dificuldades
se o número de participantes fosse muito grande.
Divulgado o convite, por meio de correspondência eletrônica do NRE às
escolas, os professores tiveram um prazo de 30 dias para realizar suas inscrições.
Decorrido o prazo, ficamos surpresos com o pequeno número de inscrições, 12 no
total, pois na sondagem realizada em 2011, a maioria dos professores manifestava
interesse em formação continuada para o uso da TIC.
Os inscritos foram entrevistados, individualmente, antes do início das
atividades do experimento. Com base nessas entrevistas foi possível estabelecer o
perfil dos participantes. A seguir apresentamos o grupo formado pelas nove
professoras participantes, pois três inscritos não puderam participar dos encontros
devido a alterações em seus horários de trabalho nas escolas.
4.1.1 Perfil das Professoras Participantes
Todas as professoras possuíam Licenciatura em Matemática. Quatro delas
possuíam inclusive uma segunda graduação, em áreas diversas: Filosofia,
Contabilidade, Economia e Biologia. Todas eram pós-graduadas em cursos lato
sensu. Duas professoras já haviam concluído o PDE (Programa de Desenvolvimento
Educacional do Estado do Paraná) e duas tinham acabado de entrar no programa.
83
Seus tempos de serviço no magistério variavam de 5 a 28 anos, sendo de 15,5 anos
o tempo médio de serviço.
Seus conhecimentos em informática eram basicamente sobre editor de texto
e Internet. Apenas duas professoras alegaram conhecer um pouco sobre planilhas
eletrônicas e uma sobre GeoGebra. Todas já haviam participado de cursos sobre
informática oferecidos pela SEED-PR através do NRE. Esses cursos não eram
direcionados ao uso didático das TIC; eram voltados a oferecer informações técnicas
acerca de manuseio dos equipamentos e de softwares. Quatro professoras também
já haviam feito curso sobre GeoGebra, em que conheceram algumas ferramentas do
software sem um direcionamento metodológico para sua utilização nas aulas de
Matemática.
Com relação ao uso que faziam das TIC com seus alunos, a maioria já havia
levado os alunos ao laboratório de informática para fazer pesquisas na Internet
como forma de complementar o conteúdo já visto em sala de aula. Uma professora
disse ter utilizado jogos online e uma utilizou vídeos do Youtube. Apenas duas
professoras nunca haviam estado no laboratório de informática com seus alunos,
embora nenhuma das nove tenha utilizado, nas aulas, os softwares relacionados à
Matemática que estão disponíveis nos laboratórios.
Suas alegações para a não utilização dos softwares estavam relacionadas à
falta de conhecimento sobre os softwares e de como utilizá-los didaticamente, além
do receio de não terem o “domínio” da turma no laboratório. Assim como as demais,
a professora P1, na primeira entrevista manifestou sua insegurança frente as
tecnologias e também o medo de se expor, saindo do ambiente seguro de sala de
aula, conforme percebemos em sua fala:
P1E1 – Não utilizei por falta de conhecimento. Sinceramente, por falta de
conhecimento. Eu sou assim, se eu não sei eu tenho medo de ir lá e errar.[...] Vou
levar o aluno lá e ele vai me perguntar e eu não sei. Ele vai dizer assim: a professora
é professora e não sabe me dizer como é que é?!
Quanto ao uso pessoal, todas utilizam a Internet como meio de comunicação,
pesquisa e diversão. Todas utilizam editor de texto, geralmente para fins
84
profissionais como elaboração de provas, por exemplo. Somente duas professoras
alegaram utilizar planilha eletrônica para facilitar o controle do orçamento familiar.
No tocante à Matemática, as professoras a consideram como um conjunto de
conhecimentos que vai contribuir para a atuação dos alunos, desenvolvendo seu
raciocínio lógico. Manifestam-se preocupadas com o futuro dos alunos tendo em
vista o baixo desempenho e interesse da maioria deles, argumentando que eles não
percebem a importância da Matemática em suas vidas, conforme o relato da
professora P4 na primeira entrevista:
P4E1 – A Matemática, na verdade, é essencial e está posta em todos os currículos e
diretrizes como sendo aquela que vai fazer com que o aluno saiba interpretar, saiba
ler, saiba resolver cálculos, saiba aplicar o que estudou em sala de aula no seu
cotidiano. [..] Mas o que acontece é que nossos alunos acabam chegando para nós
desde o sexto ano, com aversão, aquele medo, aquela..., que a Matemática é um
bicho de sete cabeças; e acabam levando isso pra frente. E a gente sente essa
dificuldade na pele quando os alunos se recusam a aprender, não querem aprender,
não acham que a Matemática é essencial para a vida deles.
No planejamento de suas aulas, as professoras dizem não seguir fielmente o
livro didático, e sim o planejamento escolar da disciplina. Utilizam vários livros e
também pesquisas na Internet para a preparação das aulas, mas deixam
transparecer que a busca é por exercícios diferentes. A professora P5 revelou, na
primeira entrevista, sua dificuldade em trabalhar com livros didáticos que não
oferecem listas de exercícios similares uns aos outros. Para a professora, esses
exercícios fazem com que o aluno sinta-se mais seguro quanto à Matemática que
conhece:
P5E1 – [...] antigamente tu pegava os livros e era assim: você tinha uma sequência,
um monte de exercícios iguais que você praticava. Agora tu pega dez exercícios do
livro e cada um é de uma maneira diferente; não tem nenhum que seja, assim, igual
ou bem parecido. Então eu não sou muito de usar o livro. Eu pego exercícios de
vários livros. Então, trabalhando um determinado conteúdo, eu pego três, quatro
livros, e trago vários exercícios, porque no nosso livro tinha cinco exercícios dai já
passava para outra parte.
85
A respeito da EMC, nenhuma das professoras já havia tido contato com essa
filosofia, tampouco com os textos de Ole Skovsmose.
Em síntese, percebemos o grupo muito preocupado em repassar
conhecimentos matemáticos a seus alunos e, nitidamente, de maneira tradicional, no
paradigma do exercício e no absolutismo dos números. No entanto, suas
preocupações estavam voltadas para uma formação integral e, embora suas
práticas contemplassem metodologias diversas como jogos e pesquisas na internet,
demonstravam que não estavam satisfeitas com tais práticas e, por isso, queriam
praticar um ensino diferente, queriam melhores resultados, queriam inovar.
4.2 As Atividades
As atividades foram desenvolvidas em oito encontros, às quartas-feiras no
período das 19h e 30 min às 22h e 30 min, com intervalo de 30 min, no laboratório
de informática do Colégio Estadual Agostinho Pereira de Pato Branco. Esse
laboratório contava com 20 computadores em uma sala pequena, que não dispunha
de quadro para auxiliar o trabalho do professor.
Cada professora utilizou um computador e o pesquisador tinha, à sua
disposição, um multimídia para projetar slides, vídeos e o conteúdo que desenvolvia
no microcomputador, diretamente na parede da sala.
4.2.1 Atividades Desenvolvidas e os Objetivos para sua Realização.
Nesta seção, trazemos uma relação das atividades desenvolvidas juntamente
com os objetivos que as nortearam.
Todos os trabalhos desenvolvidos pelo grupo almejavam trazer para a prática
docente as preocupações relativas aos papéis sociopolíticos da EM. Para isso,
adotamos como referências na elaboração e desenvolvimento das atividades os
critérios já mencionamos no capítulo 2, seção 4. Dessa forma, como é a proposta
dessa investigação, buscamos privilegiar as atividades investigativas com o auxílio
das TIC. Como definem Ponte, Brocardo e Oliveira (2003), investigar é procurar
conhecer o que não se sabe. No entanto, não direcionamos nossos esforços num
86
sentido exclusivamente matemático, como predomina na obra desses autores.
Tínhamos presente a intenção de identificar proposições e conjecturas matemáticas,
mas também queríamos reconhecer tais elementos em situações reais que
pudessem despertar o entendimento sobre a participação e influência desses
conhecimentos matemáticos na construção dos contextos sociopolíticos envolvidos
nas atividades.
Atividades Objetivos
Apresentação da pesquisa e dos
objetivos do estudo
Dar ciência às professoras participantes
dos encaminhamentos necessários à
realização da pesquisa.
Apresentação, através de slides, da
Filosofia da Educação Matemática
Crítica segundo as concepções de
Ole Skovsmose.
Apresentar às professoras os fundamentos
da EMC, segundo nosso entendimento a
respeito das obras de Ole Skovsmose.
Pesquisa eleitoral – representante de
turma para atuar como auxiliar de
laboratório nas aulas de Matemática.
Proporcionar um primeiro contato com a
planilha de cálculo Calc.
Identificar em uma situação real de sala de
aula - a eleição de um representante -
elementos que podem ser explorados via
planilha, e outros aspectos como as
representações gráficas em diferentes
formatos.
Acessar o site do IBOPE Pesquisar a respeito da metodologia de
pesquisa de opinião utilizada pelo IBOPE.
Discutir sobre a influência das pesquisas
na opinião das pessoas.
Quadro 2 - Atividades e Objetivos do Primeiro Encontro
Nesse primeiro encontro do grupo, discutimos a respeito da Filosofia da
Educação Matemática Crítica. Na primeira entrevista (Apêndice B) havíamos
combinado com as professoras que enviaríamos, por e-mail, duas resenhas e um
artigo relativos à EMC para que elas tivessem um primeiro contato com o tema que
87
nortearia nossos trabalhos. Assim, a partir destes textos e de nossas explanações
defendemos, junto ao grupo, a ideia de que uma das formas pelas quais poderíamos
incorporar as preocupações relativas aos possíveis papeis sociopolíticos
desempenhados pela EM seria através do uso das TIC. Nesse sentido,
apresentamos nossa intenção de privilegiar as atividades investigativas, os
problemas abertos envolvendo situações reais e a matematização de situações
relevantes aos olhos dos alunos. Também tínhamos sempre a intenção de identificar
e explorar como a Matemática se fazia presente nas construções sociopolíticas
relacionadas aos temas que abordávamos.
A primeira atividade que desenvolvemos com o auxílio das TIC foi relativa ao
tratamento da informação. Escolhemos “a eleição de um auxiliar de laboratório” por
considerar que um aluno nessa função poderia colaborar muito com o professor nas
diversas tarefas demandadas em laboratórios de informática. Essa escolha também
teve relação com a forma que propiciaríamos o primeiro contato com a planilha de
cálculo. Trataríamos de um assunto bastante conhecido e amplamente divulgado
nas mídias, as eleições, de forma que poderíamos investigar as potencialidades do
software para calcular e gerar representações.
Na continuidade, tínhamos a intenção de examinar um contexto sociopolítico
onde a ação daquela Matemática que havíamos estudado se concretizava.
Indagamos as professoras sobre como as mídias, principalmente televisivas,
exploram o tema. A partir disso vários pontos de vista foram apresentados onde
surgiu a figura dos institutos de pesquisa e o questionamento de como eles fazem
seus levantamentos estatísticos. O passo seguinte foi o acesso ao site do IBOPE.
Lá, o grupo identificou na metodologia de pesquisa, a grande influência da
Matemática na definição de amostras e projeções de resultados oriundos das
pesquisas estatísticas. Essas informações, que eram desconhecidas pelas
professoras, despertaram no grupo um olhar mais profundo sobre o papel da
Matemática. Não se tratava apenas de aprender ou ensinar cálculos, mas perceber
que informações repassadas através das mídias são moldadas por estruturas
matemáticas, havendo aspectos muito além dos percentuais que aparecem nos
gráficos. A Matemática estava lá, dando forma ao modelo pelo qual a informação foi
coletada e construída.
88
A investigação foi desenvolvida no sentido de identificar uma ação da
Matemática no âmbito social. Caracterizamos a eleição do monitor como um
problema aberto que nos possibilitou escolher os aspectos que desejávamos
explorar. E, em se tratando de uma atividade do contexto escolar, não como via para
abordar determinado conteúdo, mas como oportunidade para reflexões de caráter
político, possivelmente seria entendida como relevante. Entretanto, diversos
conteúdos matemáticos foram abordados, tais como regra de três, porcentagem,
representação gráfica, entre outros. Além disso, a discussão gerada a partir da
metodologia de pesquisa do IBOPE, despertou algumas das preocupações da EMC.
No segundo encontro desenvolvemos as atividades a seguir:
Atividades Objetivos
O uso das TIC segundo os princípios
da EMC
Identificar características desejáveis nas
atividades matemáticas desenvolvidas com
o apoio das TIC, segundo os princípios da
EMC
Planilha de notas dos alunos
Atender à solicitação da professora P8 que
havia manifestado interesse em conhecer
como se pode utilizar uma planilha para o
controle de notas.
Interpretando a conta de água
Analisar o histórico da conta de água de
uma residência, através dos valores
absolutos e da representação gráfica.
Identificar preços por faixas de consumo
89
Acessar o site da SANEPAR
Consultar a tabela de preços para
distribuição de água e coleta de esgoto.
Construir um gráfico incorporando o custo
da água e da coleta de esgoto em uma
faixa de consumo de 0 m³ a 40 m³.
Pesquisar a respeito da política da tarifa
social.
Pesquisar dados a respeito da prestação
de serviços da SANEPAR na cidade de
Pato Branco.
Quadro 3 - Atividades e Objetivos do Segundo Encontro
No segundo encontro, tínhamos a proposta da professora P8 para trabalhar
com a planilha eletrônica no controle de notas dos alunos.
Iniciamos os trabalhos com uma discussão sobre abordagens didáticas a
respeito do uso das TIC nas aulas de Matemática. Defendemos junto ao grupo que
as simulações e as múltiplas representações seriam de grande utilidade nas
investigações matemáticas.
Na sequência passamos à construção da planilha referente às notas.
Consideramos várias opções, notas por bimestre, notas por disciplina em um mesmo
bimestre, etc. Além das operações de adição e divisão, exploramos o comando
<média()> e o ordenamento dos dados (crescente, decrescente, alfabético). O grupo
considerou a possibilidade de construir essas planilhas com os alunos para que
tivessem um controle maior de suas notas, inclusive com estimativas de notas que
deveriam obter para serem aprovados, considerando as notas que já haviam
conquistado. No entanto, também foi julgado que tais planilhas se aproximam mais
do trabalho docente.
A atividade seguinte, foi sugerida por nós ao grupo: fazer a análise de uma
conta de água de uma residência. Apresentamos uma fatura onde podíamos
identificar diversas informações como o histórico do consumo nos últimos seis
meses, o preço do m³ de água, o valor mínimo da fatura, etc. A partir disso, a
90
primeira sugestão do grupo foi a representação gráfica do consumo nos últimos seis
meses. Em seguida as professoras se voltaram para a construção de uma planilha
que apresentasse o valor da fatura para diferentes consumos. Como a fatura
disponível não continha todas as faixas de consumo e seus respectivos valores por
m³, foi realizada uma pesquisa no site da SANEPAR (Companhia de Saneamento do
Paraná) onde estas informações foram encontradas. Passando então para planilha,
com auxílio do pesquisador foram explorados comandos que auxiliariam na
construção de uma tabela com os valores referentes ao consumo de água e à
utilização da rede de esgoto, numa faixa de consumo de 0 (zero) a 40 metros
cúbicos. Os dados da tabela foram representados graficamente e a atenção do
grupo se voltou para a função que representaria o valor da fatura segundo o
consumo. Sendo uma função definida por várias sentenças (uma função constante
para o consumo de 0 (zero) a 10 m³, e duas funções afins com taxas de variação
distintas para os consumos situados nas faixas de 11 a 30 m³ e consumo superior a
30m³), as professoras pediram ajuda (ao pesquisador) para explorar esse tipo de
situação na planilha. Utilizamos, então, os comandos de lógica com a função
<SE(teste lógico; valor se verdadeiro; valor se falso)>.
Ao final desse processo retomamos a análise da atividade relacionando-a
com a EMC pela discussão sobre como a Matemática estava presente naquele
contexto. Também retornamos ao site da SANEPAR onde identificamos diversas
informações referentes a tarifa social e suas regras, investimentos executados pela
SANEPAR no estado, dados sobre a distribuição de água e coleta de esgoto no
município de Pato Branco, e muitas outras.
Em síntese, essa atividade propiciou uma investigação matemática através de
um contexto real da realidade dos alunos. Utilizamos múltiplas representações,
fizemos simulações e discutimos aspectos matemáticos e não matemáticos
estruturantes do modelo de cobrança adotado pela SANEPAR.
91
No terceiro encontro as atividades realizadas foram:
Atividades Objetivos
Investigação com compras
parceladas
Analisar uma propaganda de
eletrodoméstico.
Construir uma planilha para identificar a
taxa mensal de juros.
Fazer um comparativo gráfico entre a
compra parcelada e um investimento para
compra futura à vista.
Utilizando um site de busca,
identificar diferentes anúncios
relativos à venda do mesmo produto.
Identificar outras opções de compra, como
com o cartão de crédito, por exemplo.
Planilha de operações com frações
Reconhecer a semelhança dessa atividade
com o que costumeiramente se faz com
papel e lápis, chamando a atenção para a
possibilidade de “adequação”10 das
tecnologias de modo a permanecer numa
zona de conforto.
Quadro 4 - Atividades e Objetivos do Terceiro Encontro
Desse terceiro encontro, selecionamos uma atividade que será descrita
detalhadamente na seção 4.2.3, a fim de que o leitor perceba melhor a dinâmica de
desenvolvimento de todas as atividades realizadas com as professoras
participantes.
Cabe, portanto, no momento, apenas comentar a respeito da construção que
fizemos para as operações com frações.
Ao convidar as professoras para construir uma planilha onde pudéssemos
executar as operações de adição, subtração, multiplicação e divisão de números
10
“Adequação” no sentido de utilizar as TIC somente para realizar procedimentos matemáticos que possam ser
controlados de modo que o professor possa se antecipar aos acontecimentos evitando a exposição a situações
inusitadas.
92
racionais pretendíamos identificar se elas estariam atentas ou não à similaridade
desse trabalho com aquilo que fazem rotineiramente em sala de aula, sem o auxílio
das TIC.
Na análise da atividade frente à Filosofia da Educação Matemática Crítica e
da opção por abordar as TIC em uma zona de risco, o grupo discutiu como a
adequação das TIC ao paradigma do exercício configura apenas a inserção das
tecnologias em sala de aula, e não a sua integração, como discutem Bittar,
Guimarães e Vasconcellos (2008). Para esses autores, a inserção ocorre quando o
professor utiliza as TIC apenas em situações incomuns e esporádicas. Já a
integração pressupõe o uso das TIC de forma natural no desenvolvimento dos
processos de ensino e de aprendizagem abrangendo todas as suas fases, inclusive
a avaliação.
As atividades do quarto encontro foram as seguintes:
Atividades Objetivos
Juros simples e juros compostos
Identificar os comandos da planilha que
possibilitam calcular os juros simples e
compostos.
Construir uma planilha para calcular
montante, capital, juros, taxa e tempo, para
os casos de juros simples e compostos.
Identificar algumas situações em que são
aplicados juros simples e outras em que
são aplicados juros compostos.
93
Unidades de capacidade de
armazenamento utilizadas na
informática
Rever números binários.
Comparar o sistema internacional de base
10 com o sistema binário.
Comparar as designações em bits e em
bytes.
Discutir as formas como são
costumeiramente apresentadas essas
unidades nos encartes publicitários.
Quadro 5 - Atividades e Objetivos do Quarto Encontro
As atividades desenvolvidas nesse quarto encontro foram escolhidas em
decorrência de alguns comentários das professoras em relação ao papel da
Matemática no desenvolvimento das tecnologias digitais. O sistema de numeração
binário e as unidades de capacidade de armazenamento de dados, mesmo estando
presentes nos livros didáticos, ainda carecem de maiores discussões no meio
escolar. Por tratarem-se de construção que só foi possível pelo uso da Matemática,
oferecem-nos a oportunidade de debater sobre como é possível que sejam criadas
realidades a partir da Matemática.
Com relação aos juros simples e compostos, a abordagem foi decorrente da
atividade com compras parceladas do terceiro encontro. As professoras
manifestaram interesse em desenvolver tais cálculos na planilha, e de conhecer
quais comandos relativos a esses temas estavam disponíveis na mesma. Embora os
trabalhos tenham se concentrado na programação de fórmulas de Matemática
Financeira e nos comandos do software, o tema propiciou novamente a identificação
de padrões utilizados pela e na sociedade, que têm sua construção definida pela
lógica matemática, no caso, os sistemas de cobrança de juros.
94
As atividades a seguir foram realizadas no quinto encontro:
Atividades Objetivos
Vídeo do Telecurso sobre figuras
geométricas. Explorando
quadriláteros - Teleaula 41.
Despertar o interesse pelas propriedades
dos quadriláteros.
Construção de um paralelogramo no
GeoGebra.
Apresentar algumas funcionalidades do
software através de uma atividade familiar
às professoras.
Vídeo sobre comprimento do arco da
circunferência.
Chamar a atenção das professoras para o
caráter dinâmico do GeoGebra.
Construção de circunferência e
determinação do comprimento de
seu arco no GeoGebra.
Observar como as professoras
desenvolveriam uma atividade que já
haviam assistido em vídeo.
Questionar as professoras sobre atividades
estruturadas passo a passo.
Quadro 6 - Atividades e Objetivos do Quinto Encontro
Esse foi o primeiro encontro em que abordamos o uso do software GeoGebra.
Assim como fizemos nos trabalhos com a planilha de cálculo, procuramos identificar
funcionalidades do software que pudessem contribuir com a realização dos
procedimentos que considerávamos necessários no desenvolvimento das
atividades.
Foram dois momentos distintos, ambos envolvendo vídeos. O primeiro vídeo
abordava conceitos geométricos, em diferentes contextos da realidade das pessoas,
sem fazer uso das TIC para desenvolver técnicas de construção de figuras
geométricas. O segundo vídeo, ao contrário, apresentava um roteiro de construção
geométrica empregando o GeoGebra.
A partir desses dois vídeos desencadeamos duas abordagens bastante
diferentes quanto ao uso das TIC. No primeiro caso, com base nos diálogos dos
personagens e nas propriedades das figuras geométricas, o grupo procurou por
ferramentas do GeoGebra que viabilizassem as construções. Configurou uma
95
investigação quanto às propriedades matemáticas nos momentos em que os
aspectos dinâmicos do GeoGebra foram empregados, além da própria investigação
das funcionalidades do software. No segundo caso, depois de assistir ao vídeo,
fizemos a reprodução da construção que havia sido apresentada. Nesse caso,
embora a capacidade dinâmica do software possibilitasse diferentes leituras em
função da manipulação da construção geométrica, o fato de conhecermos
previamente um caminho para o resultado, não instigou o grupo a investigar
diferentes alternativas de construção. Isso foi claramente percebido nessa atividade.
No sexto encontro, as atividades foram:
Atividades Objetivos
Localização dos pontos notáveis de
um triângulo (baricentro, incentro,
ortocentro e circuncentro).
Observar o deslocamento desses pontos
enquanto manipulávamos o triângulo,
alterando seus lados e ângulos.
Apresentar outras ferramentas do
GeoGebra.
Explorar a ferramenta “mover” para
identificar propriedades geométricas.
Relacionar os aspectos dinâmicos do
software com o atendimento aos princípios
da EMC.
Quadro 7 - Atividades e Objetivos do Sexto Encontro
Explorando o traçado de mediatrizes, alturas e medianas, bem como a
movimentação dos vértices dos triângulos o grupo investigou o comportamento dos
pontos notáveis dessas figuras.
É certo que as investigações conceituais estão ligadas ao caráter técnico da
matemática, que não podemos deixar de trabalhar com nossos alunos. No entanto, o
emprego das TIC, se apresenta como uma alternativa que pode propiciar a
construção do conhecimento pela descoberta.
96
No sétimo encontro, realizamos as atividades a seguir:
Atividades Objetivos
Construção de funções do primeiro
grau a partir de contextos
conhecidos. Determinação do salário
de um trabalhador comissionado.
Interpretar a função dentro de um contexto
“real”.
Introduzir uma função no GeoGebra.
Construir gráficos no GeoGebra
observando seu comportamento segundo
os coeficientes da função.
Vídeo (youtube) sobre funções,
lucro, receita e despesa.
Analisar um contexto real que foi descrito
com o auxílio da Matemática.
Determinação da função lucro.
Observar o comportamento da função lucro
através do gráfico construído no
GeoGebra.
Interpretar a função dentro de um contexto
“real”.
Observar o comportamento gráfico da
função, segundo seus coeficientes.
Quadro 8 - Atividades e Objetivos do Sétimo Encontro
As professoras já haviam ouvido falar muito a respeito do uso do GeoGebra
para estudar funções. Entretanto, ainda não tinham nenhuma experiência nesse
sentido, ou seja, utilizando o software. Sugerimos, então, que fosse considerado o
estudo de uma função que representasse algo da realidade próxima dos alunos. A
professora P2 comentou que muitos de seus alunos, ao ingressarem no Ensino
Médio, também ingressam no mercado de trabalho, e muitos como vendedores. Isso
levou o grupo a discutir sobre a forma como se define o salário de muitos
vendedores comissionados, de forma que se chegou à expressão algébrica para tal,
antes de qualquer interação com o software.
Representando graficamente, através do GeoGebra, aquela função, as
professoras experimentaram diferentes possibilidades de comissão, levando ao
estudo da taxa de variação, ou coeficiente angular da função f(x)=ax+b.
97
A seguir assistimos a um vídeo que discutia as funções lucro, receita e
despesa, disponível no youtube. Tais conceitos levavam à construção e análise de
uma função do segundo grau. Construímos, então, uma semirrealidade com base no
vídeo, envolvendo uma empresa familiar, de confecção. Em decorrência disso,
construímos as funções sem o auxílio das TIC e depois as representamos
graficamente no GeoGebra.
A partir de então, foi explorado o comportamento das funções de segundo
grau, segundo as variações de seus coeficientes, além da construção de uma
parábola a partir de sua definição como lugar geométrico.
O assunto “funções” favorece o desenvolvimento de muitas investigações,
seja sobre a própria Matemática ou sobre um determinado contexto, modelado
através de uma ou várias funções. Isso também traz a possibilidade de discutirmos
sobre a constituição dos modelos matemáticos, suas aplicações e seus efeitos na
sociedade.
Para o oitavo encontro, havíamos combinado que as professoras trariam
atividades para desenvolvermos juntos. Por sugestão delas, as atividades foram:
Atividades Objetivos
Cálculo de área total e volume de
paralelepípedos e cilindros.
Desenvolver cálculos de área e volume
através da planilha.
Utilizar o GeoGebra para construir as
representações planificadas.
Função quadrática na planilha e no
GeoGebra.
Observar o comportamento da parábola
segundo as alterações efetuadas em seus
coeficientes.
Comparar as funcionalidades da planilha
de cálculo e do GeoGebra para esse tipo
de atividade.
98
Embalagens
Discussão sobre o formato das
embalagens. Economia versus praticidade
e funcionalidade.
Quadro 9 - Atividades e Objetivos do Oitavo Encontro
A professora P5 sugeriu que discutíssemos sobre área e volume de
paralelepípedos e cilindros, pois considerava um tema próximo às necessidades dos
alunos, mas que ainda não havia visto um trabalho com esses assuntos utilizando as
TIC. Assim, através do GeoGebra fizemos a representação da forma planificada
tanto do cilindro quanto do paralelepípedo e, em seguida, utilizando a planilha,
calculamos a área e o volume dos mesmos.
Investigamos, então, o comportamento da área e do volume segundo
variações nas medidas de raio, aresta e altura das figuras.
Em seguida a professora P4 sugeriu que explorássemos o comportamento da
parábola segundo a variação dos coeficientes da função do segundo grau, utilizando
a planilha de cálculo, já que havíamos feito isso através do GeoGebra.
Por último, a professora P6 retomou o assunto de área e volume, discutindo
sobre as formas menos dispendiosas em termos de material para confecção,
relacionando com a praticidade de manuseio e sua funcionalidade.
Como síntese do encontro, analisamos de que forma havíamos
desencadeado investigações, matemáticas ou não, e de que forma elas traziam para
a sala de aula as preocupações da EMC em relação aos papeis que a EM
desempenha em nossa sociedade.
A seguir descreveremos, detalhadamente, uma das atividades desenvolvidas
nos encontros.
4.2.2 Descrição Detalhada de uma das Atividades.
Conforme já mencionamos as atividades desenvolvidas procuraram abordar
os princípios da EMC. No entanto, nas discussões que encerravam cada encontro,
percebemos que as professoras atribuíram diferentes graus de alcance quanto ao
99
potencial de desenvolver um ensino crítico de Matemática em cada trabalho
realizado.
A atividade que escolhemos para apresentar nessa seção foi a que se refere
a compras parceladas, devido à motivação que despertou no grupo e seu alcance
em relação à EMC.
Trata-se de uma atividade centrada na Matemática Financeira que foi
considerada, pelo grupo, como completa em relação àqueles critérios estabelecidos
como relevantes à EMC. Foi uma atividade investigativa, baseada num contexto
real, que despertou o interesse do grupo em estruturar matematicamente uma
análise numérica da situação. Configurou-se numa investigação na medida em que
o grupo passou a analisar distintas possibilidades financeiras e explorar
numericamente mecanismos para identificar a taxa mensal de juros.
Partindo de um anúncio recente encontrado em um encarte publicitário de
uma loja local, conforme os dados a seguir, o pesquisador propôs às professoras
que analisassem aquela oferta:
Refrigerador Electrolux DC34A Branco
110/220V
Código do produto: 31501/31502
Porta-latas e gavetão transparente para frutas e verduras,
31 parcelas, sem entrada = R$ 1.856,90
À vista: R$ 999,00
R$ 59,90 mensais.
Quadro 10 - Anúncio Publicitário Fonte: Encarte publicitário.
De imediato o grupo manifestou interesse em analisar a oferta, entendendo
tratar-se de um eletrodoméstico importante para todos os lares e por não constar na
publicidade a taxa mensal de juros relativa à compra parcelada. A planilha eletrônica
foi escolhida para tratar dessa atividade, pois pareceu, ao grupo, naturalmente
relacionada à análise numérica que pretendíamos desenvolver.
100
O primeiro questionamento que surgiu do grupo foi referente aos juros.
Quanto pagará de juros aquele que comprar a prazo? Qual é o percentual que esse
valor representará na compra? Identificado o valor dos juros, em reais, de imediato
veio à tona a “regra de três” como procedimento para determinação do percentual de
juros. Assim, após registrado o valor à vista, o valor da prestação e o número de
parcelas na planilha, discutiu-se como implementar o algoritmo da regra de três. As
professoras ainda não tinham muitos conhecimentos sobre os comandos
apropriados, fazendo com que a atividade ficasse um pouco demorada, mas foi
concluída por todas as professoras, conforme a figura 3:
Figura 3 - Identificação do Percentual Total de Juros Fonte: Elaborada pelo grupo.
No decorrer dos trabalhos surgiu, também, o questionamento sobre a taxa
mensal de juros e, aí, um certo impasse. Nos anos finais do Ensino Fundamental,
em geral não se ensina aos alunos como calcular a taxa de juros em uma compra
parcelada (Sistema PRICE). No entanto, decidimos investigar essa taxa por meio da
planilha pensando na “lógica do crediário”. Os juros deveriam ser calculados sobre o
saldo devedor que, após cada pagamento, seria reduzido pela subtração do valor da
parcela paga, até que zeraria com a quitação da última parcela. Seguindo esse
raciocínio, as células de uma das colunas da planilha foram numeradas de 0 a 31,
correspondendo à data da compra, representada por 0, e às dos pagamentos,
indicadas de 1 a 31 (Figura 4). Em seguida o grupo estimou uma possível taxa, no
caso 2% a.m., e estabeleceu como realizar o cálculo da capitalização dos juros e
dedução do valor da parcela paga:
(saldo devedor acrescido de 2% de juros, menos o valor da parcela)
101
Com o comando arrastar11 pudemos observar mês a mês como se alterava o
valor do saldo devedor.
Figura 4 - Comportamento do Saldo Devedor na Hipótese de que a Taxa de
Juros seja de 2% a.m. Fonte: Elaborada pelo grupo.
O comando digitado na célula B4 corresponde ao valor da compra mais um
mês de juros sobre este valor, menos o valor da parcela paga. O uso do cifrão foi
necessário para definirmos a taxa como constante em todas as operações da
coluna. Com isso foi possível utilizar o comando arrastar.
Com a hipótese inicial de uma taxa de juros de 2% a.m., foi verificado, a partir
do 21º pagamento, um saldo devedor negativo, que gerou o questionamento: por
que saldo devedor negativo? Após algumas análises, as professoras concluíram que
a taxa estimada pelo grupo era menor que a real, pois o saldo devedor havia zerado
antes do 31º pagamento. Assim outras taxas foram testadas (Figura 5) e, finalmente
o grupo concluiu que a taxa correta estava muito próxima da 4,4% a.m., já que, com
essa taxa o saldo devedor estava próximo de zero após ao último pagamento:
11
O comando arrastar, nas planilhas de cálculo, consiste em clicar (e manter pressionado) o botão direito do mouse no vértice inferior direito da célula cujo conteúdo deseja-se reproduzir/atualizar nas células da coluna (ou mesmo da linha) e arrastar por quantas células desejar. Caso o conteúdo da célula seja uma fórmula referenciada em outras células, o comando arrastar atualiza as referências de tais células, a menos que se utilize o $ entre a indicação da coluna e da linha da referida célula, o que torna seu conteúdo uma constante.
102
Figura 5 - Comportamento do Saldo Devedor Segundo Taxas de Juros
Hipotéticas Fonte: Elaborada pelo grupo.
Aproveitamos, ainda, para apresentar às professoras as funções da planilha
que fornecem a taxa de juros cobradas em anuidades, utilizando os comandos PV
(valor presente), PGTO (valor da parcela), NPER (número de parcelas), tipo (1)
indicando pagamento no início do período e (0) indicando pagamento no final do
período), FV (valor futuro – saldo esperado ao término dos pagamentos), estimativa
(valor em torno do qual está a taxa procurada) e TAXA (correspondendo à taxa de
juros relativa à periodicidade das parcelas). A Figura 6 traz as informações relativas
a esses comandos, que podem ser acessados via ícone <fx>, na barra de
ferramentas, ou via função inserir, escolhendo a opção financeira seguida da opção
taxa:
Figura 6 - Comandos que Determinam a Taxa de Juros em Anuidades Fonte: Elaborada pelo grupo.
103
Continuando a explorar a mesma situação problema, uma professora levantou
a possibilidade de fazer uma poupança para juntar o dinheiro e realizar a compra à
vista, no futuro. Com isso o grupo passou a investigar como seria tal poupança. As
professoras, individualmente ou em grupo, construíram planilhas para acompanhar o
saldo credor considerando depósitos de R$ 59,90 e rendimentos de 0,5% a.m.,
conforme vigorava a remuneração da poupança naquele momento (juros de 6% a.a.
capitalizados mensalmente a razão proporcional). A TR (taxa referencial), que
também compunha o rendimento da poupança, foi desconsiderada para facilitar as
operações. Em geral, as construções na planilha foram em forma de coluna,
iniciando com um primeiro depósito de R$ 59,90 na primeira célula. A partir da
segunda linha, algumas professoras calcularam os juros separadamente para depois
somar ao saldo anterior e ao novo depósito. Outras, fizeram esse processo
utilizando a multiplicação por 1,005 mais o novo depósito. Por fim, com o auxílio do
pesquisador, que também digitava as fórmulas na planilha e projetava as imagens, o
grupo organizou a planilha da Figura 7:
Figura 7 - Comparativo entre Saldo Credor e Saldo Devedor Fonte: Elaborada pelo grupo.
O saldo devedor referente ao crediário, registrado na coluna C, é capitalizado
a 4,443% a.m. e deduzido dos pagamentos de R$ 59,90. Na coluna D estão
registrados os valores do saldo credor considerando uma poupança com depósitos
mensais iguais aos valores das parcelas (R$ 59,90) e rentabilidade de 0,5% a.m.
Verificando que o saldo credor superava os R$ 999,00, valor à vista do
refrigerador, logo após ao 17º depósito, e que, após ao 31º depósito, o poupador
104
teria à sua disposição mais de dois mil reais, as professoras levantaram algumas
hipóteses em relação a possíveis alterações de preço do produto no decorrer dos
meses, comentando também sobre não terem o hábito de poupar para comprar à
vista, que evitaria o pagamento de juros muitas vezes abusivos.
Em seguida, por sugestão do pesquisador, foi explorada a representação
gráfica envolvendo o saldo devedor e o saldo credor. Com algumas orientações do
pesquisador quanto à seleção de dados e à escolha do modelo de gráfico, o grupo
obteve como resultado o gráfico da Figura 8.
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31
R$ 0,00
R$ 500,00
R$ 1.000,00
R$ 1.500,00
R$ 2.000,00
Comparativo entre o Saldo Devedor e o Saldo Credor
Saldo devedor
Saldo credor
nº parcelas ou depósitos
Figura 8 - Comparação entre Saldo Credor e Saldo Devedor Fonte: Elaborado pelo grupo
A análise desse gráfico levou o grupo à consideração de diferentes funções,
de acordo com o traçado das linhas. A representação de saldo devedor através de
uma curva facilitou a constatação de que não se tratava de uma função de primeiro
grau. Já o saldo credor, “aparentemente” está representado por uma reta, induzindo
tratar-se de uma função de primeiro grau. No entanto, a estrutura dos cálculos foi a
mesma em relação à capitalização de juros, diferindo apenas no fato de que para o
saldo devedor houve a subtração das parcelas e no saldo credor houve a adição dos
novos depósitos. Quando foi construída a tabela que representa o saldo devedor, os
juros eram calculados mensalmente e abatidos integralmente a cada mês. Como
não era calculado juros sobre juros, “dava a entender” tratar-se de juros simples. No
caso da poupança, sabe-se que os juros são acrescidos mensalmente sobre o saldo
105
credor, portanto constituiu um processo de juros sobre juros, ou seja, juros
compostos. Agora, na análise gráfica, observando uma curva na representação do
saldo devedor, as professoras concluíram que não poderiam ser juros simples,
enquanto que a “reta” referente ao saldo credor (da poupança) “parecia” indicar juros
simples (função de primeiro grau). O impasse foi resolvido à medida que o
pesquisador relembrou, às professoras, as fórmulas para calcular o “valor das
parcelas” e o “valor futuro” no Sistema PRICE. Esclareceu, também, que na planilha
não haviam calculado juros sobre juros no caso do saldo devedor porque tratava-se
do acompanhamento do saldo devedor e não da determinação do valor da parcela.
As dúvidas quanto à aparência de “reta” no saldo credor foram esclarecidas com a
representação de outros gráficos considerando taxas de juros mais elevadas,
fazendo com que a concavidade da curva se acentuasse.
Aproveitando, ainda, que o grupo se encontrava no laboratório de informática
onde era possível o acesso à internet, foi utilizado um site de busca para identificar
se o mesmo produto poderia ser encontrado em outras lojas com preços diferentes.
Isso desencadeou uma reflexão sobre a compra com cartão de crédito, pois uma loja
oferecia o mesmo produto, no mesmo preço à vista, parcelado sem juros no cartão.
Enfim, essa atividade proporcionou uma série de discussões matemáticas
envolvendo, inclusive, conteúdos que não compõem o rol “oficial” de temas a serem
abordados regularmente no Ensino Fundamental, como o cálculo da taxa mensal de
juros em compras parceladas. Entretanto, são temas que podem ser abordados
nesse nível de ensino e que permitem interessantes aprendizagens e reflexões
críticas. A investigação relativa à taxa mensal de juros levou o grupo a testar uma
série de hipóteses até que fosse descoberta a verdadeira taxa. As discussões
relacionadas a essas taxas também despertaram, no grupo, um olhar crítico em
relação à forma como o comércio segue padrões matemáticos na definição de seus
preços. Além disso, a representação gráfica despertou o interesse através dos
diferentes comportamentos, dos saldos, credor e devedor e da forma como podem
tanto colaborar na análise de uma função, quanto podem induzir a erros se as
análises não forem minuciosas. As professoras participantes consideraram que
houve uma investigação matemática a partir do momento em que o grupo se dispôs
a buscar um meio para calcular a taxa mensal de juros de uma forma que também
os alunos dos anos finais do Ensino Fundamental pudessem compreender. As
106
simulações com taxas distintas requeriam interpretações dos resultados. Isso,
segundo as professoras, foi facilitado por disporem dos recursos das TIC, que
conferiram precisão aos cálculos e agilizaram as operações, oferecendo um rápido
feedback a respeito de cada hipótese. A abrangência do tema, segundo as
professoras, superou suas expectativas. Identificar a taxa mensal, comparar
numericamente e graficamente o saldo credor e o saldo devedor, identificar
diferentes funções segundo o comportamento gráfico e explorar diferentes formas de
pagamento, aproximou diversos conteúdos matemáticos de situações do dia a dia.
Mais do que isso, chamou a atenção dos participantes para a análise de um
contexto formatado matematicamente. Assim, o grupo concluiu que foi possível
contemplar todos os princípios da EMC que haviam sido considerados relevantes no
planejamento de uma atividade matemática quando se almeja um ensino crítico de
Matemática.
Com relação ao papel do pesquisador, em particular nessa atividade, teve
como objetivo estruturar um ambiente de aprendizagem tipo 6 (Quadro 01, página
42). Trata-se de um cenário de investigação com referência na realidade, por nós
sugerido a partir da apresentação, ao grupo, de um encarte publicitário.
Uma vez que a taxa de juros é um dos elementos fundamentais em se
tratando de operações de crédito, seu conhecimento por parte do comprador ou
tomador de empréstimo é fundamental e sua divulgação é, inclusive, obrigatória nos
crediários. Segundo o decreto 5.903 (BRASIL, 2006) que regulamenta a Lei Federal
10.962, de 11 de outubro de 2004, a oferta e as formas de fixação de preços de
produtos e serviços para o consumidor deve sempre divulgar o preço à vista e, em
caso de parcelamento, o número de parcelas, a taxa de juros e demais encargos,
bem como o valor total a ser pago. No caso estudado, a lei não estava sendo
cumprida na íntegra já que a taxa de juros não era divulgada. Chamando a atenção
das professoras para esse fato, as instigamos a descobrirem qual era a referida
taxa.
Como esse não é um cálculo corriqueiro, sendo executado, geralmente, via
calculadoras financeiras e também não fazendo parte do rol de assuntos abordados
regularmente nos anos finais do Ensino Fundamental, orientamos as professoras a
107
investigarem a taxa de juros através da planilha eletrônica em uma análise numérica
onde poderíamos experimentar taxas hipotéticas.
Também atuamos orientando as professoras quanto a diferentes maneiras
como poderiam ser organizados os cálculos e os respectivos comandos (da planilha)
que nos auxiliariam. Identificada a taxa, passamos a estimular o debate sobre outras
alternativas para a compra do mesmo produto, adentrando em investigações sobre a
constituição de um plano de poupança e sobre o uso de cartão de crédito.
Segundo Skovsmose (2008), um ambiente que dá suporte a um trabalho de
investigação é constituído pelo convite aos alunos a formularem questões e a
procurarem explicações. E isso só é possível se os alunos aceitam esse convite. Tal
aceitação depende de como o professor faz o convite e depende também de quais
são os interesses dos alunos. Podemos considerar aqui o foreground dos alunos,
onde a discussão sobre atividades econômicas poderiam, ou não, fazer parte de
suas expectativas futuras. Em nosso caso, as professoras aceitaram o convite.
4.2.3 Síntese da Metodologia Adotada no Desenvolvimento das Atividades.
As atividades, em sua grande maioria, foram desenvolvidas a partir da análise
de um contexto real do entorno dos participantes.
Com base em encartes de propaganda, faturas de contas de água e luz, ou
em relatos de acontecimentos vivenciados pelos participantes, o grupo promovia
uma discussão sobre o tema. Aspectos matemáticos e não matemáticos eram
considerados e debatidos.
As estruturas e os objetos matemáticos resultantes eram, então, analisados
com o auxílio da planilha e/ou do GeoGebra. Sempre tendo em mente os princípios
da EMC, procurava-se promover investigações empregando simulações e múltiplas
representações, tentando ir além do que as professoras estavam habituadas a fazer
com papel e lápis. Outro aspecto considerado era o papel “daquela Matemática” no
contexto social. Como responsável pela condução da formação, ajudávamos as
professoras a ficarem atentas à forma como a Matemática age na sociedade; o
grupo procurava tomar consciência das estruturas matemáticas que de alguma
forma compunham o contexto.
108
Na planilha, a praticidade das simulações numéricas geralmente precediam
as representações e análises gráficas. No GeoGebra, as estruturas algébricas eram
relacionadas com as representações gráficas e as construções geométricas eram
exploradas de forma dinâmica. Os comandos dos softwares foram explorados
segundo as necessidades das atividades desenvolvidas. À medida que o grupo
decidia o que desejava calcular, representar, mover, etc., buscava-se uma
ferramenta que pudesse auxiliar naquele trabalho.
O pesquisador e também as professoras participantes sempre prestavam
auxílio quanto ao uso dos recursos das TIC quando algum colega requeria ou
demonstrava alguma dificuldade. A ajuda mútua entre os participantes era
constante. Respeitando os ritmos individuais, não era introduzida uma nova
atividade antes que todos tivessem concluído o trabalho. Assim, as atividades foram
desenvolvidas e aprofundadas segundo as necessidades e os interesses
manifestados pelo grupo. Em cada atividade, o pesquisador instigava o grupo a uma
análise a respeito dos princípios da EMC que teriam sido contemplados. Dessa
forma, o pesquisador atuou como incentivador, dando suporte, às professoras, em
relação as TIC, estimulando o grupo nas indagações relativas ao papel da EM no
contexto sociopolítico. Decorrente do fato das professoras não utilizarem as TIC em
suas aulas, devido a fatores como desconhecerem metodologias para tal, várias das
atividades desenvolvidas foram por nós sugeridas. Como alternativa para isso,
optamos por abordar um tema que a princípio julgávamos pertinente ao contorno
social dos alunos. Essa abordagem envolvia uma discussão com base nos
conhecimentos do grupo sobre o tema e, em alguns casos, a leitura de textos. Essa
introdução gerava algum tipo de questionamento, por parte das professoras ou por
parte do pesquisador, tendo em vista uma análise matemática da situação.
Decorrente de tais questionamentos, o pesquisador sugeria ao grupo
investigar matematicamente o tema com a planilha, com o GeoGebra ou ambos.
Escolhido o recurso a ser utilizado, e o que desejávamos calcular, representar ou
experimentar, era preciso apresentar às professoras alternativas para efetivar a
realização do estudo proposto. No caso, se o grupo estava interessado em
identificar uma determinada taxa de juros, experimentando ou testando hipóteses,
auxiliávamos as professoras na escolha de funções e comandos, da planilha ou do
109
GeoGebra, que dariam suporte a tal empreendimento. Na sequência, juntos,
implementávamos o que havia sido proposto, ajudando-nos, mutuamente.
Por se tratar de uma formação inicial, com relação à EMC, as professoras não
estavam habituadas a considerarem em suas práticas as preocupações que
norteiam a EMC, referentes ao papel sociopolítico da EM. Isso fez com que o
pesquisador tivesse que assumir um papel de guia, procurando mostrar caminhos e
possíveis análises que desencadeariam esse tipo de abordagem da Matemática na
sociedade. Por exemplo, na atividade que iniciou com a eleição de um auxiliar de
laboratório de informática, estimulamos o grupo a investigar a metodologia de
pesquisa adotada por um instituto de pesquisa, desencadeando uma análise sobre a
Matemática que dá suporte a esse tipo de empreendimento social que tanto
influencia na opinião pública.
No presente capítulo descrevemos o grupo participante da investigação e as
atividades desenvolvidas durante os encontros, além da participação do
pesquisador. No próximo capítulo traremos os dados construídos a partir de todas as
interações que tivemos com o grupo, bem como nossas análises.
111
CAPÍTULO 5 - DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
Nesse capítulo, vamos apresentar os dados, interpretando-os e analisando-os
com base nas categorias que construímos a partir deles, procurando evidenciar as
compreensões reveladas pelas professoras ao vivenciarem essa experiência de
formação na perspectiva da EMC.
5.1 Método de Análise
Conforme descrito no Capítulo 1, o método de análise de dados que
empregamos foi a Análise de Conteúdo. Como primeira etapa selecionamos o
material que comporia o conjunto de dados a serem analisados. Assim, as
transcrições das entrevistas (inicial e final), as transcrições das gravações (áudio e
vídeo) dos encontros, os textos produzidos pelas professoras e as anotações do
pesquisador constituíram o material a ser analisado.
A partir da seleção do material, procedemos a unitarização. As unidades de
análise constituem trechos das falas das professoras nas entrevistas e em suas
interações com o grupo, parágrafos dos textos produzidos pelas professoras e
comentários do pesquisador.
Agrupamos essas unidades segundo aspectos que julgamos relevantes
dentro de unidades de análise, construindo, assim, categorias de análise. Portanto,
as categorias emergiram dos dados, ou seja, estabelecemos o foco do estudo nos
aspectos que as unidades de análise melhor descreviam.
Em decorrência desses procedimentos, ficaram estabelecidas as seguintes
categorias:
Compreensões do grupo a respeito de EMC
Compreensões do grupo a respeito das contribuições das TIC para a
EMC
Compreensões do grupo a respeito do trabalho docente em relação à
EMC.
112
As compreensões do grupo a respeito de EMC agrupam aquelas unidades em
que as professoras se posicionaram em relação à EMC, nas entrevistas, em seus
textos e em momentos de análise das atividades desenvolvidas.
As compreensões do grupo a respeito das contribuições das TIC para a EMC
englobam unidades que explicitam como as professoras compreenderam o uso das
TIC para o desenvolvimento de atividades da forma como foram concebidas nessa
investigação.
As compreensões do grupo a respeito do trabalho docente em relação a EMC
correspondem a unidades que revelam como as professoras veem seu trabalho em
relação aos princípios da EMC.
Na descrição do conteúdo de cada unidade de análise, quarta etapa do
método, como descrito por Moraes (1999), traremos o contexto que propiciou
determinadas interações, bem como transcrições diretas das participações dos
envolvidos.
Por fim, na discussão dos dados buscaremos estabelecer ligações entre as
informações coletadas, o referencial teórico que dá suporte a essa investigação e
nossa pergunta de pesquisa, ou seja, quais compreensões são reveladas por um
grupo de professores ao se inserirem em um processo de formação
continuada na perspectiva da EMC?
As cinco etapas, se complementam e interagem, a ponto de que em nossa
investigação as etapas quatro e cinco não se distinguem completamente. Ao
descrevermos e interpretarmos os dados dentro das categorias de análise, também
buscamos discuti-los com vistas ao referencial teórico.
Nas próximas seções traremos a descrição e interpretação dos dados
relativos a cada uma das categorias.
113
5.2 Categorias de Análise
Na figura a seguir apresentamos as categorias de análise correspondentes às
compreensões reveladas pelo grupo.
Questão
de
Pesquisa
Categorias de Análise Subcategorias de Análise
Qu
ais
co
mp
ree
nsõ
es s
ão
re
ve
lad
as p
or
um
gru
po
de
pro
fesso
res a
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se
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se
rire
m e
m u
m p
roce
sso
de
fo
rma
çã
o c
on
tinu
ada
co
m o
uso
da
s
TIC
na
pe
rspe
ctiva
da
EM
C?
Compreensões do Grupo a Respeito
de EMC
Ação Sociopolítica da
Matemática
Caráter Investigativo
Matematizar Situações
Relevantes aos Alunos
Identificação com a EMC
(In)Compreensões
Compreensões do Grupo em
Relação às Contribuições das TIC
para a EMC
Favorecimento a Investigações
Favorecimento a Múltiplas
Representações
Compreensões do Grupo a Respeito
do trabalho Docente em Relação à
EMC
Posicionamento em Relação
às Atividades
Posicionamento em Relação a
suas Praticas
Figura 9 – Categorias de análise
5.2.1 Compreensões do Grupo a Respeito de EMC
A Filosofia da Educação Matemática Crítica era um assunto pouco conhecido
entre aqueles professores do Sudoeste do Paraná que participaram de nossa
investigação.
Todas as professoras participantes alegaram que estavam tendo contato com
essa filosofia, pela primeira vez, em nossos encontros. Mesmo utilizando com
114
alguma frequência a expressão “aluno crítico”, referindo-se a alunos que fazem
muitas perguntas, que exigem explicações mais convincentes e que parecem se
importar mais com as coisas que lhes são ensinadas, as professoras não faziam
uma relação de crítico com crítica aos papéis sociopolíticos desempenhados pela
EM. A relação que, por vezes, é mencionada é relativa à crítica quanto às possíveis
aplicações dos conteúdos matemáticos.
Assim, no desenvolvimento dessa investigação, apresentamos, às
professoras, a Filosofia da Educação Matemática Crítica segundo as concepções de
Ole Skovsmose. Para isso, disponibilizamos para as professoras três textos
referentes às obras do autor. Uma resenha do livro Educação Crítica: incerteza,
matemática, responsabilidade (SKOVSMOSE, 2007) escrita por Ubiratan
D’Ambrósio (2008), uma resenha do livro Desafios da Reflexão em Educação
Matemática Crítica (SKOVSMOSE, 2008) escrita por Marco Aurélio Kristemann Jr.
(2010) e um artigo intitulado Educação Matemática Crítica e Práticas Pedagógicas
(PAIVA; SÁ, 2011). Nosso intuito foi colocar as professoras a par das interpretações
que outros pesquisadores fazem a respeito das obras de Skovsmose de modo que o
nosso entendimento sobre EMC não fosse a única referência do grupo.
Decorrente dos textos analisados e das atividades desenvolvidas,
percebemos compreensões manifestadas pelas professoras com relação à ação
sociopolítica da Matemática, ao caráter investigativo das atividades, às situações
relevantes para os alunos, à autoidentificação com a EMC e às (in)compreensões
acerca da EMC, aspectos que passaremos a discutir a seguir.
5.2.1.1 Ação Sociopolítica da Matemática
As leituras e as discussões ocorridas durante a elaboração e desenvolvimento
das atividades despertaram, nas professoras, diferentes olhares com relação à EM.
Nos textos a seguir podemos perceber que se surpreenderam com relação à
ação sociopolítica da Matemática:
115
Figura 10 - Protocolo 1 Fonte: Reflexões da professora – P7.
Figura 11 - Protocolo 2 Fonte: Reflexões da professora – P4.
Elas revelam que as preocupações levantadas por Skovsmose (1999) a
respeito da função da Matemática na estruturação ou manutenção de alguns
aparatos sociais ainda não faziam parte de suas compreensões acerca da
Matemática. Em contrapartida, percebe-se, nessas falas, o despertar para um novo
olhar a respeito das funções desempenhadas pelos conteúdos matemáticos e a
forma como são abordados. As análises de Alro e Skovsmose (2006) a respeito das
listas de exercícios estruturadas na forma de comandos como calcule, resolva e
efetue, entre outros, despertaram nas professoras um questionamento quanto às
práticas, fundamentadas no treinamento e na repetição, a que os alunos são
submetidos.
116
Assim como essas professoras, as outras também alegaram nunca terem se
questionado a respeito de como a Matemática está presente na estruturação de
vários contextos sociais em que estamos inseridos. De maneira geral as professoras
desenvolviam suas aulas dentro do “paradigma do exercício”, mas o contato com a
EMC lhes chama atenção para uma possível consequência dessa prática, ou seja,
promover a passividade dos alunos perante ordens. Quando a professora diz,
“contribui para que este aprenda a fazer somente o que lhes mande”, está
reconhecendo que a prática de ensino fundamentada em exercícios não é coerente
com os princípios da EMC onde se deseja uma formação capaz de gerar
empowerment.
A professora P4, nesse mesmo sentido registrou:
Figura 12 - Protocolo 3 Fonte: Reflexões da professora – P4.
Essas “ordens” tão comuns nos exercícios matemáticos são discutidas por
Alro e Skovsmose (2006). Considerando a grande quantidade de exercícios, a que
os alunos são submetidos durante o período escolar, quase sempre em forma de
comandos, os autores cogitam a hipótese de que esse tipo de ensino seja útil na
preparação dos estudantes para atuarem em funções que requerem disciplina e
adaptação a rotinas. Assim, a Matemática agiria como um dos pilares da sociedade
tecnológica, preparando bem, tecnicamente, uma parcela dos estudantes e, ao
mesmo tempo, dotando a totalidade dos estudantes de uma atitude funcional dentro
do modelo socioeconômico vigente:
No sistema educacional, a EM funciona como a mais significativa introdução à sociedade tecnológica. É uma introdução que tanto dota (uma parte dos) estudantes com habilidades técnicas relevantes, quanto dota (todos os) estudantes com uma atitude “funcional” em relação à sociedade tecnológica. (SKOVSMOSE, 2001, p.32).
117
Essa atitude funcional está relacionada às estruturas de poder dominantes, de
modo que submeter os estudantes a situações de “controle” e “obediência” seria
uma atitude deliberada com o intuito de constituir uma massa humana passiva e
manipulável. Skovsmose (2008) também relaciona esse fato com a ausência de
reflexão na EM dizendo:
Os sistemas educacionais devem suprir mão-de-obra qualificada de acordo com uma matriz que representa a demanda social por competências. Há grupos que devem ter uma boa formação em Matemática; há os que precisam apenas saber usar certas técnicas matemáticas; há os que devem ser capazes de ler diagramas; e os que devem conhecer a Matemática embutida em procedimentos; para a maioria, por fim, basta conhecer a Matemática que lhe possibilita fazer compras e lidar com pagamentos e transações bancárias. (SKOVSMOSE, 2008, p. 57).
As “ordens” a que a professora se referiu poderiam nos “levar a pensar a EM
como uma forma de disciplinar os alunos a seguir as regras que aparentemente
mantêm a ordem na sociedade” (SKOVSMOSE, 2008, p. 58).
O texto da professora P4, apresentado na Figura 11, traz indícios de que seu
contato com a EMC despertou novos olhares sobre a EM. “Jamais tinha pensado”
como “disparamos ordens aos educandos” traduz o quão profundamente os
professores estão vinculados à formação puramente técnica dos algoritmos
matemáticos, mergulhados em procedimentos e padrões.
No terceiro encontro, quando discutíamos sobre quais aspectos da EMC
havíamos abordado com a atividade sobre a fatura de água, as professoras P5 e P8
comentaram:
P5R3 – Trabalhamos com a realidade dos alunos, com a parte social e a
aplicabilidade da Matemática.
P8R3 – Nós conseguimos um exemplo de formatação da sociedade através de
modelos matemáticos.
Elas identificaram elementos como “realidade dos alunos”, “parte social” e
“formatação da sociedade” que de fato dizem respeito às preocupações da EMC, ou
seja, analisaram a atividade com referência nessa filosofia.
Assim, mesmo sendo um conceito novo para as professoras, percebemos que
elas compreenderam a ação social da Matemática, considerando-a como um modo
118
de estruturar determinados aspectos da sociedade. Além disso, elas também
reconhecem como “ação da Matemática”, a influência que a mesma exerce sobre os
estudantes no sentido de moldá-los.
A seguir discutiremos as compreensões das professoras quanto ao caráter
investigativo das atividades.
5.2.1.2 Caráter Investigativo
Os cenários de investigação com referência na realidade, o ambiente de
aprendizagem (6) mostrado no Quadro 1, página 42, da matriz proposta por
Skovsmose (2008), foram a inspiração do grupo para o planejamento de atividades
que contemplassem investigações. Nesse sentido, a professora P7 escreveu:
Figura 13 - Protocolo 4 Fonte: Reflexão da professora – P7
119
Ela aborda, dentre outras, a investigação como forma de desenvolvimento
crítico, sugerindo que os professores utilizem diferentes estratégias como atividades
com referência à realidade, os jogos e a própria Matemática Pura.
A professora P8, por sua vez, na segunda entrevista resgatou as
investigações identificando a forma como “exploramos” as atividades pertinentes ao
background dos alunos:
P8E2 - Dá para entender a ideia dele [Skovsmose], dá para entender que você
consegue contextualizar mesmo, que você traz para o dia-a-dia. Isso que é
importante, com atividades simples. O senhor não levou nada de mirabolante, levou
tudo coisas que nós convivemos no dia-a-dia; só a maneira de explorar é que foi
assim... que chamou a atenção de como é fácil explorar.
As compreensões das professoras estão de acordo com Skovsmose (2008)
que sustenta que a Educação Matemática deve mover-se entre os diferentes
ambientes de aprendizagem (descritos no Capítulo 2, página 42) e que, além disso,
esse movimento pode também ser usado como instrumento crítico de análise do
desenvolvimento dos alunos frente aos diferentes ambientes. O autor traz, também,
as atividades investigativas referentes à realidade como aquelas que mais se
aproximam de uma formação crítica. Em suas falas, como na de P8E2 anterior, as
professoras expressam essa compreensão empregando termos como “explorar”
para caracterizar o trabalho com os alunos. Dessa forma, o grupo priorizou essas
atividades considerando-as investigativas tanto nos aspectos matemáticos técnicos
quanto sociais, conforme descrito no Capítulo 4, na investigação com compras
parceladas. Na experiência que desenvolvemos com as professoras, aspectos
técnicos surgiram e foram explorados a partir de necessidades matemáticas
desencadeadas e/ou demandadas pela leitura e interpretação do contexto que
originava a atividade. Assim, a matemacia foi abordada em seus dois aspectos:
técnico e social.
A seguir abordaremos as situações relevantes aos alunos como outro aspecto
das compreensões das professoras quanto a EMC.
120
5.2.1.3 Matematizar Situações Relevantes aos Alunos
As discussões do grupo também envolveram matematizar situações
relevantes para os alunos, “aos olhos” dos alunos. Essas situações foram
consideradas como as áreas de interesse dos alunos, vinculadas tanto a seus
backgrounds quanto a seus foregrounds. No texto a seguir, a professora aborda
essa temática dizendo:
Figura 14 - Protocolo 5 Fonte: Reflexão da professora – P5.
Essa professora, durante os encontros, sempre manifestou seu interesse em
tornar suas aulas prazerosas, afirmando que seus alunos demonstram gostar de
fazer Matemática quando trabalham com atividades que lhes dizem respeito, seja
em relação ao que vivenciam ou em suas perspectivas futuras. No texto que
escreveu e nas participações orais da professora durante as discussões, pode-se
dizer que suas preocupações são pertinentes à EMC. Valero e Skovsmose (2012)
apresentam uma experiência vivida por Paola Valero, na Colômbia, quando um
aluno lhe abordou dizendo que aquilo que estavam estudando não colaboraria na
realização do que ele vislumbrava como uma possibilidade de futuro, “mudar-se para
os Estados Unidos”. Ele não via nenhuma perspectiva profissional na Colômbia na
qual pudesse empregar aqueles conhecimentos, tampouco nos trabalhos a que seria
submetido nos Estados Unidos. No foreground desse estudante não tinha espaço
para a Matemática da forma como lhe era apresentada. Quando P5 menciona
“problemas relevantes para os alunos” porque “desta maneira o aluno vai se sentir
parte da atividade”, ela manifesta sua compreensão a respeito da relevância de uma
EM preocupada com a dimensão social desse conhecimento.
A professora P4 também compreende que o aluno precisa atribuir um
“sentido”, próprio à sua existência, para os conteúdos que lhe são apresentados;
caso contrário “não tem porque se apropriar deste conhecimento”:
121
Figura 15 - Protocolo 6 Fonte: Reflexões da professora – P4.
Também a professora P1 durante a segunda entrevista, quando foi
questionada a respeito de quais aspectos lhe haviam chamado mais a atenção no
planejamento e desenvolvimento das atividades, comentou:
P1E2 - Os problemas abertos envolvendo situações reais e matematizar situações
relevantes para os alunos são os itens com que mais me identifico. Acho que
trabalhando com situações reais fica mais fácil para o aluno compreender e gravar.
Eles se interessam mais pela aula.
O interesse da professora pelos problemas abertos que envolvem situações
reais relevantes aos alunos é por ela justificado como uma forma de motivar e
despertar o interesse dos alunos. Isso pode de fato ocorrer, se os alunos aceitarem
o convite para participar desse tipo de abordagem ao conteúdo matemático.
Segundo Skovsmose (2008), para que um cenário de investigação se concretize, é
preciso que os alunos aceitem o convite à investigação. Portanto, “se um certo
cenário pode ou não dar suporte a uma abordagem de investigação é uma questão
empírica que tem que ser respondida por meio da prática dos professores e alunos
envolvidos”. (SKOVSMOSE, 2008, p. 21).
As compreensões das professoras relativas ao trabalho com problemas
relevantes aos alunos são coerentes com as preocupações da EMC, pois se
enquadram nos ambientes de aprendizagem fundamentados em investigações em
contextos reais, considerando o real interesse dos alunos, seja em seus
backgrounds ou em seus foregrounds.
122
5.2.1.4 Identificação com a EMC
As professoras se identificaram com a filosofia da EMC, na qual perceberam a
presença de algumas de suas preocupações com a EM e também ampliaram seu
campo de visão sobre a mesma.
A professora P1 escreveu:
Figura 16 - Protocolo 7 Fonte: Reflexões da professora – P1
Ela manifesta seu apreço pela EMC, mas está focada nas aplicações da
Matemática; no entanto, sua compreensão a respeito da EMC, nesse texto, ainda
não engloba uma interpretação crítica a respeito do papel que a EM desempenha na
sociedade, como propõe Skovsmose (1999).
No terceiro encontro outra professora comentou:
P7R3 - Professor, encontrei um trabalho de Estatística falando sobre literacia
estatística, e olha quem estava lá: o teu autor, Ole Skovsmose. Adorei.
Essa professora havia iniciado o PDE (Programa de Desenvolvimento da
Educação do estado do Paraná), no qual uma das atividades é um projeto de
intervenção didática junto aos alunos. Ela estava inclinada a utilizar a filosofia da
Educação Matemática Crítica em seu projeto e, na busca por referencial teórico,
encontrou a literacia estatística de modo similar ao que havíamos abordado nos
encontros, a matemacia. Desse modo, ao tomar conhecimento da EMC, a
professora viu novas perspectivas para seu trabalho. Quando ela diz “adorei”, está
expressando sua afinidade com essa filosofia.
Também a professora P4 expressou seu apreço pela EMC quando no terceiro
encontro, referindo-se à forma como havíamos abordado a investigação com
compras parceladas, disse:
123
P4R3 – Imagine trabalhar isso [investigação] nos projetos que estão sendo
implantados nas escolas de tempo integral e nas oficinas. Que bom que seria!
Ela estava empolgada com a forma como foram desenvolvidas as
investigações, tanto nos aspectos das TIC quanto da EMC. As oficinas a que ela se
refere são momentos de formação continuada oferecidos pela Secretaria de Estado
da Educação do Paraná. Ou seja, ela gostaria que a formação continuada
incorporasse a visão da Matemática sob a ótica da EMC.
Em suas reflexões essa professora também registrou:
Figura 17 - Protocolo 8 Fonte: Reflexões da professora - P4
Durante os encontros ela sempre se mostrou interessada em trabalhar os
conteúdos matemáticos de maneiras diferentes. Ainda na primeira entrevista
comentou que havia participado de um curso de especialização em metodologias
diferenciadas para o ensino de Matemática. Em sua reflexão, comenta sobre as
“interpretações e indagações” ocorridas durante os encontros relacionando-as com o
desenvolvimento da “criticidade” que seria elemento “tão importante” na formação
integral do aluno, no cumprimento da função da escola. Seu posicionamento é
coerente com a política pública do Estado do Paraná (2010) para a educação, que
menciona a necessidade de construirmos uma sociedade mais participativa, crítica e
igualitária. Também está de acordo com a EMC, pois é central, nessa filosofia, a
construção de posicionamentos críticos solidamente fundamentados, inclusive para
a efetiva participação em uma sociedade democrática.
124
A professora P3, por sua vez, identificou semelhanças entre a EMC e
determinadas práticas que adotava com seus alunos. Ela comentou ter participado
de projetos em uma escola da zona rural onde os professores das diversas
disciplinas abordavam um mesmo tema, como por exemplo, a vida no campo, e
cada professor procurava identificar elementos de suas disciplinas que poderiam
colaborar na análise e compreensão do assunto proposto.
P3E2 - Eu fiz ligações com coisas que estava praticando que nem sabia que era
EMC. Lá no fundo eu já estava usando isso, já tinha alguma noção, só não sabia
que era EMC.
Esse comentário nos remete a outra fala dessa professora ocorrida na
primeira entrevista quando foi questionada a respeito do papel que atribuía à
Matemática na formação de seus alunos:
P3E1 – Eu sempre falo para eles que o mundo gira em torno dos números. E que
sem a Matemática o homem não vive. [...] Vocês acham que o mundo evoluiu
através do que? Foi a Matemática.
Na primeira entrevista sua fala nos remete à ideologia da certeza através da
qual Borba e Skovsmose (2001) discutem a compreensão da Matemática como,
entre outras coisas, infalível e inquestionável. No entanto, na segunda entrevista ela
diz ter percebido que a EMC já fazia parte de suas práticas. Parece um
contrassenso; entretanto, isso nos mostra que ela já considerava algumas das
preocupações da EMC (que em outras falas se manifestam como: preocupação com
a realidade e os problemas dos alunos). Entendemos que na compreensão da
professora, suas preocupações eram, em alguma medida, condizentes com a EMC
mesmo que sua prática pudesse estar distante de as incorporar. De fato, as
professoras, em geral, consideravam que tinham em mente alguns aspectos da
EMC, no desenvolvimento de suas aulas, mas reconheceram também que nem
sempre suas práticas condiziam com tal filosofia.
Essas manifestações indicam que as professoras estão preocupadas em
desenvolver o ensino de Matemática em uma perspectiva mais ampla, de modo que
reconhecem na filosofia da EMC um conjunto de aspectos importantes ao
desenvolvimento de uma educação democrática.
125
5.2.1.5 (In)Compreensões acerca da EMC
Alguns posicionamentos das professoras sugerem que suas compreensões
sobre EMC ainda precisam ser aprofundadas.
A professora P6 registrou a seguinte reflexão:
Figura 18 - Protocolo 9 Fonte: Reflexões da professora - P6.
Nas discussões sobre o paradigma do exercício, as análises foram no sentido
de que um ensino estruturado em ordens e comandos não está na perspectiva da
EMC, e que esse tipo de atividade possivelmente não estimule os processos
criativos e a postura crítica por parte dos alunos. Mas, na fala da professora,
percebe-se que não foi essa a compreensão da mesma. Ela dá a entender que
pensou em reelaborar os exercícios de uma forma a suprimir os comandos e o
processo reprodutivo a que o aluno é exposto nas séries de exercícios padrão. Sua
preocupação estava em como redigir o texto de forma que o aluno fizesse as
mesmas atividades sem utilizar as expressões calcule, resolva, efetue, etc. Quando
ela questiona: “como se reportar a alguém para dar instruções de como continuar o
trabalho desejado”?, vem à tona o modelo tradicional com as instruções a serem
seguidas segundo um planejamento “rígido” previamente construído pelo professor.
Alro e Skovsmose (2006) discutem o fato de que muitos exercícios são propostos
126
com o único objetivo de serem resolvidos. Sua formulação não admite a
possibilidade de questionamentos, a não ser processuais. Os autores defendem as
abordagens investigativas onde os próprios alunos possam formular questões,
propor e planejar linhas de investigações diversas.
No sétimo encontro, quando o grupo discutia a respeito de atividades já
desenvolvidas onde aspectos da EMC teriam se manifestado, a professora P3
comentou:
P3R7 - Educação fiscal eu trabalhei com eles [os alunos] também. É bom porque é
um assunto crítico, daí eles ficam sabendo a carga tributária e o percentual que é
agregado ao custo das mercadorias. Daí ali realmente a gente consegue dar uma
aula crítica de Matemática.
Em seu comentário, a professora menciona “assunto crítico”, possivelmente
referindo-se à necessidade de as pessoas conhecerem a respeito de tributação para
que possam se posicionar frente às medidas governamentais. Mais adiante, quando
diz “daí ali realmente a gente consegue dar uma aula crítica de Matemática”
percebe-se que ela está relacionando aula crítica de Matemática com a abordagem
de um assunto mais “polêmico”. Sem dúvida esses assuntos propiciam o
desenvolvimento de análises críticas, mas quando falamos em EMC pensamos além
de unicamente polemizar; consideramos um posicionamento crítico em relação ao
papel desempenhado pela Matemática no referido assunto e em relação à própria
Matemática. Não é o caso de identificarmos somente aplicações matemáticas, mas a
função que exerce e seus efeitos.
As (in)compreensões que destacamos nessa sessão, presentes numa certa
dificuldade de perceber o paradigma do exercício e no sentido que a professora P3
atribuiu à palavra crítica, correspondem a elementos que se mostram no que
consideramos o início de uma caminhada, a qual requer um maior amadurecimento
frente aos princípios da EMC.
Encerrando esta categoria de análise, em que discutimos as compreensões
das professoras em relação à EMC, observamos a surpresa das mesmas quanto à
Matemática em ação de modo que não percebiam, antes dos encontros, esse papel
da Matemática na sociedade. Elas também se identificaram com a filosofia da EMC
127
reconhecendo no caráter investigativo das atividades e nas situações relevantes aos
alunos elementos significativos para o trabalho com os alunos. No entanto, algumas
das compreensões requerem maior aprofundamento teórico.
Na próxima seção abordaremos as compreensões que as professoras
revelaram quanto às contribuições que o uso das TIC poderia trazer para a EMC.
5.2.2 Compreensões do Grupo em Relação às Contribuições das TIC para a
EMC
A formação continuada que desenvolvemos com as professoras partiu de um
convite, que lhes foi encaminhado, para analisar e discutir o uso das TIC na
perspectiva da EMC. Nossa proposta de trabalho com as TIC pretendia envolver
simulações, múltiplas representações e abordagens que explorassem aspectos de
difícil execução via papel e lápis.
Agora, passaremos a analisar as manifestações dessas professoras
referentes a suas compreensões no que tange às contribuições que o uso das TIC
possa oferecer à EMC. Suas manifestações se relacionaram com o desenvolvimento
de novas possibilidades de ensino através do favorecimento às investigações e dos
benefícios das múltiplas representações.
5.2.2.1 Favorecimento a Investigações
Mesmo as professoras estando distantes do uso didático das TIC, o foco na
EMC, ao planejar e desenvolver as atividades dos encontros, suscitou no grupo o
interesse por explorar novas possibilidades de ensino.
A professora P5 mesmo tendo se mostrado insegura com relação ao uso das
TIC, pela falta de um auxiliar de laboratório que pudesse corrigir eventuais
problemas técnicos durante as aulas, em suas reflexões registrou:
128
Figura 19 - Protocolo 10 Fonte: Reflexões da professora – P5.
Seu posicionamento é claro. “Percebi o quanto é importante e ao mesmo
tempo desafiador o trabalho desenvolvido com as planilhas”. Compreendemos que
ao se referir a “desafiador”, ela além de considerar as questões técnicas do
manuseio das tecnologias esteja, também, considerando as investigações
matemáticas em que, através das TIC, se torna possível uma série de simulações
que não seriam didaticamente viáveis utilizando apenas papel e lápis. Seu texto
também nos remete à EMC quando ela diz: “é importante que as atividades (...)
incluam desafios que questionem e ao mesmo tempo ampliem o conhecimento dos
alunos”.
Em outro trecho de suas reflexões ela reforça seu posicionamento:
129
Figura 20 - Protocolo 11 Fonte: Reflexões da professora – P5
Ela também admite a possibilidade de que a utilização das TIC possa
contribuir para a melhoria do ensino e da aprendizagem e, assim como Grégio e
Bittar (2012), considera o desenvolvimento de “novas possibilidades de
aprendizado”. O “desenvolvimento integral” e os aspectos “sociais” certamente ela
relacionou com a EMC e “novas possibilidades de aprendizagem” com as TIC.
Assim, suas compreensões dizem respeito ao uso dessas tecnologias como
ferramentas para a EM na perspectiva da EMC. Ou seja, essa professora, que não
utilizava as TIC com seus alunos, à medida que tomou conhecimento da EMC
participando de discussões sobre como poderíamos desenvolver atividades
empregando as tecnologias no sentido de estimular investigações em que as
simulações e as múltiplas representações se faziam presentes, passou a
compreender tais recursos como uma alternativa para criar novas possibilidades de
ensino, considerando o desenvolvimento integral do aluno.
O uso das TIC foi considerado pelas professoras como uma forma de
favorecer o desenvolvimento de atividades investigativas.
A professora P7 é incisiva com relação ao emprego das TIC de forma a
contemplar as investigações. Ela escreveu:
130
Figura 21 - Protocolo 12 Fonte: Reflexões da Professora – P7
Mesmo não tendo utilizado as TIC com seus alunos antes dos encontros,
ainda na primeira entrevista ela manifestou sua admiração pelas colegas de escola,
atuantes em outras disciplinas, que utilizavam os recursos tecnológicos como
suporte ao ensino e à aprendizagem. Agora, com o contato direto com a planilha de
cálculo e o GeoGebra, diz ter percebido que “é viável” [também em Matemática]
empregar tais recursos em suas aulas. Ao reconhecer a viabilidade do uso das TIC
está manifestando uma possibilidade de implementação desses recursos em suas
práticas de sala de aula. Reconhece, também, que “é necessário” propor atividades
empregando as TIC com o intuito de desenvolver investigações. Essas
investigações mencionadas pela professora dizem respeito aos trabalhos
desenvolvidos pelo grupo, ou seja, explorar aspectos matemáticos técnicos e sociais
no intuito de desenvolver a matemacia. Assim sendo, seu posicionamento está
relacionado com a EMC, além de identificar no uso das TIC uma alternativa para
favorecer o desenvolvimento dessas investigações.
A professora P5 por sua vez, alegou ter percebido, com o uso das TIC, uma
nova lógica de ver os problemas matemáticos. Em sua reflexão ela registrou:
131
Figura 22 – Protocolo 13
Fonte: Reflexões da professora - P5
No texto da professora, a manifestação a “uma nova lógica de ver problemas
antigos por meio da manipulação e simulação” revela que na utilização das TIC ela
construiu compreensões matemáticas diferentes daquelas que já possuía sem o uso
dos recursos tecnológicos. Ou seja, ao investigar por meio da manipulação de
dados, desenvolvendo simulações, ela construiu um novo olhar, uma nova
compreensão a respeito de assuntos matemáticos que já lhe eram familiares
sugerindo que novas possibilidades de ensino e de aprendizagem são viabilizadas
através do uso das TIC.
A seguir mostramos uma fala em que a professora P8 identificou, na forma
como foi desenvolvida a investigação a respeito da fatura de água, explorando
desde a leitura do hidrômetro, passando pela construção das funções que
determinam o valor da fatura além das representações gráficas e da busca por
informações da Companhia de Saneamento, uma possibilidade concreta de
trabalhar com os alunos:
132
P8R3 – Nós estamos discutindo e eu acho interessante, porque esse não é o
primeiro exemplo que nós tivemos usando o consumo de água. Só que aqui está tão
prático. Porque dizer assim, dá para fazer uma função! Mas dá para fazer como? Eu
tenho dificuldade. Como é que eu saio daqui e vou para fora? Como é que eu venho
lá de fora para esse conteúdo? [Como relacionar o fato com a Matemática]. É a
grande dificuldade que nós temos.
Nessa fala, a professora manifesta seu entusiasmo com o enfoque da
atividade, usando as TIC na perspectiva da EMC. Ela experimentou juntamente com
as colegas o desenvolvimento de uma investigação que resultou em diferentes
construções matemáticas como funções e gráficos. Isso a deixou mais segura para
atuar nesse sentido, pois tinha uma dúvida: “dá para fazer como”? Não é o caso de
oferecer um modelo de atuação, mas de colocar os professores em situações de
investigação para que possam vivenciar essa prática e, assim, realizá-las com seus
alunos. Bittar, Guimarães e Vasconcellos (2008), ao discutirem a integração (ou falta
de integração) das TIC no ensino de Matemática, consideram que o professor de
Matemática somente se apropriará dos recursos tecnológicos quando vivenciar o
processo, e nisso a formação continuada tem o papel fundamental de fornecer apoio
ao professor em tempo suficiente para que esse possa refletir sobre sua prática e
sobre as diferentes alternativas que se configuram com as tecnologias.
As considerações de P8 também estão de acordo com as constatações de
Borba e Penteado (2003), que veem dificuldades para que o professor, sozinho, saia
de sua zona de conforto, onde mantém o controle de grande parte do que ocorre na
sala de aula, para entrar em uma zona de risco onde a incerteza e a
imprevisibilidade imperam. Os autores defendem que para que isso ocorra, é preciso
oferecer um suporte ao trabalho do professor, porque sozinho o professor avançará
pouco. Tal suporte poderia ou deveria ser oferecido na formação continuada.
Percebe-se, portanto, nas manifestações das professoras, o reconhecimento
da necessidade e da viabilidade de empregarem os recursos tecnológicos para
favorecer o desenvolvimento de atividades investigativas que primem por um olhar
mais amplo sobre a Matemática, entretanto, também registram que isso requer
formação e apoio externo ao trabalho do professor.
133
Na sequência traremos as compreensões das professoras quanto ao
favorecimento que o uso das TIC pode trazer às diferentes representações
matemáticas.
5.2.2.2 Favorecimento às Múltiplas Representações
Iniciamos apresentando um protocolo em que a professora P5 reflete sobre o
que compreende das múltiplas representações:
Figura 23 - Protocolo 14 Fonte: Reflexões da professora – P5
Focando na aprendizagem de conteúdos especificamente, ela considera as
múltiplas representações como estratégias para facilitar ou possibilitar o
entendimento dos alunos. Atendendo aos diferentes perfis cognitivos, ela se
identifica com Borba (1994), Villarreal (1999) e Borba e Villarreal (2005), no entanto,
ainda não identifica nas múltiplas representações nenhuma relação com a EMC.
Em outro momento, no sétimo encontro quando o grupo discutia sobre a
viabilidade de empregar uma atividade envolvendo a determinação da função lucro,
nos anos finais do Ensino Fundamental, essa professora disse:
P5R7 – O mais difícil talvez seja eles [os alunos] entenderem aquela relação entre
despesa, receita e demanda. A parte algébrica é mais complexa. Mas no estudo do
gráfico, mexendo os pontos no GeoGebra, eles vão entender melhor, pelo menos eu
gostei desta forma de ler o gráfico.
Nessa fala, a professora P5 passa a considerar as múltiplas representações
numa perspectiva mais ampla. Quando ela diz “mexendo os pontos no GeoGebra”,
está incorporando elementos investigativos a respeito do comportamento da função.
134
Se anteriormente ela estava nos ambientes de aprendizagem (1), (3) e (5) do
paradigma do exercício, agora se aproximou dos ambientes de investigação (2), (4)
e (6) nos ambientes de aprendizagem de Skovsmose (2008) (descritos na página 42
do Capítulo 2). Portanto, ocorreu uma diferenciação no nível de compreensão dessa
professora, tanto em relação a EMC quanto às possíveis formas de integrar as TIC
nas atividades matemáticas.
A professora P4 compreende o uso das TIC dentro de novas possibilidades
de ensino no sentido de que seriam facilitadoras do entendimento:
Figura 24 - Protocolo 15 Fonte: Reflexões da professora – P4.
Ao referir-se a “facilitam o entendimento de cálculos matemáticos e/ou
entendimento de determinadas situações”, ela está analisando o papel das TIC nas
diferentes representações matemáticas. Na Figura 1 (página 55) o mapa conceitual
representando a epistemologia das representações múltiplas, de Borba (1994),
mostra que a compreensão de um tema passa pela identificação de regularidades e
discrepâncias sobre o fenômeno e que, nesse processo, as diferentes
representações matemáticas auxiliam na definição de regras ou percepção de
padrões. Além disso, as diferentes representações também podem contribuir com
diferentes perfis cognitivos, como descrito por Borba e Villarreal (2005).
A professora P4 também vê no emprego das TIC uma forma de dar
significado aos conteúdos. Ao utilizar diferentes representações relativas a fatos
reais do contexto sociopolítico dos alunos, ela registrou:
135
Figura 25 - Protocolo 16 Fonte: Reflexões da professora – P4.
Em sua reflexão, a professora P4 registra que “podemos observar o grau de
significação que podemos dar ao conteúdo”, identificando uma possibilidade de
integrar as TIC numa perspectiva de aprimoramento do significado que professores
e alunos atribuem aos conteúdos. Em “situações tão corriqueiras” identificamos uma
referência ao background dos alunos como a base sobre a qual poderíamos dar
significados aos conteúdos. Dessa forma, suas compreensões relacionam o uso das
TIC, no sentido de viabilizar diferentes representações matemáticas de fatos “reais”,
com o desenvolvimento de novas possibilidades de ensino.
Nessa categoria de análise discutimos as compreensões das professoras em
relação as contribuições que o uso das TIC trariam a EMC. Elas identificaram a
criação de novas possibilidades de ensino através do favorecimento a investigações
e múltiplas representações como elementos centrais ao atendimento dos princípios
da EMC considerando o desenvolvimento integral dos alunos de modo a contemplar
tanto aspectos técnicos quanto sociais.
Na próxima sessão discutiremos como as professoras compreendem o
trabalho docente frente a EMC.
5.2.3 Compreensões do Grupo a Respeito do Trabalho Docente em Relação à
EMC
Consideramos, nessa categoria de análise, o posicionamento das professoras
que diz respeito à sua atuação profissional em EM frente a EMC. Estamos
interessados na forma como foi incorporada a filosofia da EMC na interpretação que
136
as professoras fazem das atividades que o grupo desenvolveu e do seu trabalho
docente.
5.2.3.1 Posicionamentos em Relação às Atividades
Em cada atividade avaliávamos se os princípios da EMC haviam ou não sido
contemplados.
A professora P8, ao término da atividade onde construímos uma planilha para
realizar as operações básicas com números racionais, comentou:
P8R3 – Ela ficou um pouco solta, sozinha. Não teve um contexto. [...] Aqui ela ficou
como as nossas aulas.
Realmente, o objetivo de propormos essa atividade era verificar se as
professoras estavam atentas, a como podemos restringir o uso das TIC a práticas
tradicionais. Borba e Penteado (2003) argumentam que o professor necessita de
espaço para refletir sobre as mudanças que a presença das TIC provocam nos
coletivos pensantes, caso contrário tais recursos não serão utilizados ou serão
domesticados de modo que sejam totalmente controlados. A professora percebeu
essa adequação dizendo “ela ficou como as nossas aulas”. Trata-se de uma
autocrítica. Ela reconhece que a construção da planilha, com ênfase em algoritmos
matemáticos, como ocorre na perspectiva tradicional de ensino de Matemática, não
despertou questionamentos, a não ser aqueles mais técnicos. Ela também constatou
que o trabalho desenvolvido não propiciou uma discussão sobre como aquele
conteúdo é empregado em diferentes contextos, “ela ficou um pouco solta”.
Consideramos, portanto, que seu posicionamento é crítico e correto com relação aos
princípios da EMC, pois procura discutir o modo pelo qual desenvolvemos a
atividade e o objetivo que teríamos com tal abordagem.
No quarto encontro, comentando sobre a forma investigativa com que
tratamos as operações de crédito, a professora P1 comentou:
P1R4 – Essa parte de porcentagem, eu vou falar da minha realidade, que eu
também trabalho no Ensino Médio. Eles [os alunos] comentam. Professora, como é
que eu não entendia isso? Como é que eu não sei isso? E hoje eu vejo como deixei
137
a falhar. Agora com essas explicações dá para mostrar para eles que é mais real
ainda. Com esses problemas eles vão ver a Matemática envolvida.
Reconhecendo que sua prática docente não contemplava alguns aspectos
que foram tratados pelo grupo, como a experimentação que levou à descoberta da
taxa de juros e à identificação de padrões matemáticos nos modelos de crédito, ela
passou a identificar novos horizontes para conteúdos que estava habituada a
ensinar. Nas falas “dá para mostrar para eles que é mais real” e “eles vão ver a
Matemática envolvida” está presente a ideia de ambiente de aprendizagem voltado
para a realidade e também a Matemática em ação.
A fala da professora P1 também enfatiza a importância de darmos significado
aos conteúdos na realidade e nas expectativas dos alunos. Ela abordava, à sua
maneira, os conteúdos de Matemática Financeira e os alunos demonstravam
compreender ao dizerem “Professora, como é que eu não entendia isso?”. Agora ela
considera que poderia tornar esse aprendizado ainda mais significativo, “mais real”
por ter vivenciado uma experiência sobre um assunto que era de seu real interesse,
no caso, a Matemática Financeira.
A formação continuada desenvolvida por Bastos, Ortiz e Arias (2012), da
mesma forma, revela a relevância de considerarmos assuntos e situações
representativas aos alunos no planejamento de cenários de investigação tendo em
vista o relacionamento da Matemática com outras áreas, a inclusão das
problemáticas dos alunos e o estímulo ao pensamento crítico.
Outra observação das professoras relativa às atividades ocorreu no sétimo
encontro ao abordarmos o ensino de funções a partir de contextos reais, em que a
professora P5 comentou:
P5R7 - É que a gente não para e pensar nisso, por isso que a gente não trabalha
dessa maneira [com as TIC]. Eu nunca tinha parado para pensar que eu poderia
trabalhar com funções associadas ao salário, as comissões... nunca tinha.
Na verdade não é a associação a salários e comissões que ela não tinha
pensado ou percebido. Os livros didáticos geralmente se referem a esses casos. O
que de fato chamou a atenção da professora foi como investigamos situações reais
138
com salários e comissões, que nos levaram a analisar funções por meio da Álgebra
e também por meio das representações gráficas, explorando o caráter dinâmico do
GeoGebra. As diferentes possibilidades de interagir com o software geram trabalhos
com elementos algébricos e gráficos, que geralmente não são exploradas quando
empregamos apenas papel e lápis. Então, quando ela diz “é que a gente não para e
pensa nisso,” consideramos relevante destacar que o “pensar nisso” requer a
presença das TIC numa perspectiva investigativa. Além disso, consideramos o
ambiente de interação entre as professoras como outro fator determinante no
processo de “pensar” nas possibilidades de ensino. Sozinha, exposta ao isolamento
profissional, como tratado por Costa (2004), a professora não “parava” para refletir
com maior profundidade sobre sua prática. Em um paralelo com o desenvolvimento
profissional investigado por Costa (2004), entendemos que as práticas colaborativas
de reflexão e investigação entre as professoras e entre as professoras e o
pesquisador despertaram compreensões sobre as limitações a que o professor fica
sujeito ao trabalhar isoladamente.
Outra participação da professora P5 que registra suas novas compreensões
decorrentes do modo como foram desenvolvidas as atividades está em um trecho de
sua segunda entrevista (ela escreveu sobre cada um dos tópicos sobre os quais
conversaríamos na entrevista).
Figura 26 – Protocolo – 17
Fonte: Registros da professora - P5 relativos a segunda entrevista – E2
139
Esse texto refere-se ao questionamento quanto a quais princípios da EMC
elas já contemplavam no planejamento de suas aulas. A professora, ao mesmo
tempo que alega estar, cada vez mais, contextualizando os conteúdos percebeu,
nos encontros, “que tem muito mais conteúdos que podem ser trabalhados
envolvendo as situações vivenciadas pelos alunos”. Ou seja, ela já vinha
considerando ambientes de aprendizagem focados na realidade, mas agora com as
discussões sobre a EMC e o uso das TIC identificou que pode ampliar essa
abordagem, inclusive para conteúdos onde via somente “aspectos matemáticos”.
A mesma professora, durante o sétimo encontro ao analisar a construção da
parábola, através do GeoGebra, empregando o conceito de lugar geométrico,
comentou:
P5R7 – Essa atividade abordou mais a Matemática pura, mas tornou possível a
gente ver no gráfico o concreto do que é um lugar geométrico.
A professora, que em protocolos apresentados anteriormente frisava a
importância da contextualização e do envolvimento de questões do dia a dia dos
estudantes, reconhece que explorações centradas na própria Matemática também
podem ser favorecidas com o uso das TIC, propiciando, em certos casos, “ver”
representações geométricas de conceitos matemáticos.
Também registramos um diálogo durante o oitavo encontro em que as
professoras identificam possibilidades para aprimorar o trabalho que
desenvolvemos:
P8R8 – Nós conversamos sobre as embalagens discutindo aspectos de economia
de material, atrativo para o comprador, praticidade de manuseio.
P2R8 – Poderíamos ter falado sobre o excesso de produção de lixo devido ao
grande número de embalagens que utilizamos.
P4R8 – As embalagens de iogurte, por exemplo. As embalagens vêm com seis
unidades que nem sei quanto dá em litros, enquanto que a de litro é bem mais
econômica. A gente paga mais caro, será necessário mais plástico para fabricar a
embalagem, eu acredito. Daria para estudar isso também.
140
P8R8 – Claro que consumir nas embalagens individuais é mais prático, mais
higiênico. Tem suas vantagens. Mas se pensarmos no lado ecológico e no lado
econômico não é o ideal. Tem que pensar em todas as variáveis envolvidas.
Elas demonstraram estar envolvidas na atividade. Perceberam que
poderíamos ter desencadeado diferentes investigações sobre o tema, abordando
diferentes aspectos que julgavam relevantes à sociedade. Ao mencionarem
elementos como “praticidade de manuseio”, “produção de lixo”, “mais econômico”,
“mais higiênico” e “lado ecológico” estão identificando aspectos para os quais um
posicionamento crítico contribuiria para o desenvolvimento sustentável.
Nessa seção destacamos as compreensões das professoras com relação às
atividades desenvolvidas pelo grupo. Elas se posicionaram criticamente,
identificando momentos em que inovamos com trabalhos que se diferenciavam em
relação às práticas que frequentemente desenvolviam em suas aulas, como também
identificaram o caso em que estivemos muito próximos das rotinas tradicionais.
Na próxima seção discutiremos a posição que as professoras assumiram em
relação a suas práticas a partir do conhecimento da filosofia da EMC.
5.2.3.2 Posicionamento em Relação a suas Práticas
Para o posicionamento das professoras em relação a suas práticas,
selecionamos algumas de suas participações em que se faz presente uma “leitura”,
sob a ótica da EMC, relacionada a suas práticas como professoras de Matemática.
Nos dois recortes a seguir, a professora P4 se manifesta em relação aos
professores “pecarem” em não favorecer o pensamento crítico dos alunos:
141
Figura 27 - Protocolo 18 Fonte: Reflexões da professora – P4.
P4R4 – É que a gente está preocupada em passar conteúdo, está preocupada com
o conteúdo e não em construir o pensamento crítico no aluno. O professor de
Matemática, eu acho, peca um pouco nisso, né?
Ela se refere a “instigar” o pensamento crítico do aluno, próximo ao sentido
que Nielsen, Patronis e Skovsmose (1999) consideram como papel do professor em
trabalhos com projetos. Os autores se referem a favorecer as ações dos alunos e
estimular sua criatividade e independência. Tal perspectiva não pode fundamentar-
se única e exclusivamente na grade de conteúdos disciplinares. Desse modo, torna-
se relevante discutir com os professores, também, os aspectos relacionados à
organização curricular que norteia os trabalhos em sala de aula.
As professoras P5 e P9 estabelecem uma relação entre a formação que
receberam na graduação e a forma como atuam:
142
P5R4 – Quando nós estudávamos o que a gente tinha no livro texto? Aquele refrão
“siga o modelo”. Nós aprendemos assim. Agora nosso livro é mais crítico, tem
problemas.
P9R4 – Só que hoje, ainda, a gente ainda usa esse método. Porque a gente quer
que eles aprendam o cálculo para depois ir para problemas, para situações... Então,
nós estamos levando eles para o mesmo caminho que nós trilhamos.
Elas reconhecem uma formação fundamentada no paradigma do exercício,
que P5 considera estar mudando no livro didático. No entanto, P9 argumenta que a
prática dos professores continua a privilegiar os métodos, os algoritmos, ficando a
resolução de problemas em segundo plano.
Considerando que a prática docente é condicionada, também, pelas
características da formação inicial que essas professoras vivenciaram é que
selecionamos um diálogo em que as professoras se referem à diferença de enfoque
que outras graduações têm em relação a Matemática:
P5R4 – Eu não sei como está agora no ensino superior lá na universidade [se
referindo a Matemática]. Eu fiz, agora, o curso de Filosofia e foi direcionado nesse
sentido, sempre pensando na sociedade, no bem da sociedade. E quando eu fiz
Matemática, por isso que eu disse que não sei como está agora, não tinha nada
disso. Era só cálculo e cálculo.
P4R4 – Eu fiz Biologia recentemente e foi um enfoque completamente diferente,
bem mais humano.
P1R4 – Será que é o curso em si ou é a Matemática que é vista como..., está aí,
naquela viseira. Porque esses cursos [Filosofia e Biologia] daria para englobar
melhor.
P5 e P4 passaram pela experiência de uma segunda graduação em que
vivenciaram uma abordagem mais humana, mais social dos conteúdos. Nesse
sentido, P1 questiona se isso ocorreria devido aos cursos em si ou porque a
graduação em Matemática fecha os olhos para seu papel na sociedade. Na
perspectiva da EMC, não é somente o tipo de curso que favorece essa aproximação.
Diferentes olhares sobre a EM são possíveis a partir do momento que passamos a
143
questionar o papel da disciplina Matemática. Através da Matemática em ação,
Skovsmose (2007, 2011) traz à discussão questões ligadas a como a Matemática
está presente e interfere na sociedade. Por isso, poderíamos, sim, dizer à professora
P1 que é a “viseira” que limita a aproximação da EM à realidade e às necessidades
dos alunos. A forma como se dá a Licenciatura em Matemática, salvo raras
exceções, não oferece espaço para que alunos e professores discutam o papel que
o professor e os conteúdos matemáticos desempenham na formação dos cidadãos,
ocasionando um distanciamento entre os aspectos técnicos e sociais da disciplina.
Na segunda entrevista, também a professora P7 faz uma análise crítica de
sua prática diante a EMC:
P7E2 - O que eu abordava era trabalhar dentro do contexto, dentro da realidade.
Mas fazer uma visão mais crítica assim não. Tipo questionar mais, como naquelas
atividades que fizemos nos encontros. Essas questões eu ainda não via por esse
lado. E as tecnologias eu sempre fiquei muito distante delas.
Sua fala exprime muito bem o sentimento de muitos professores ao tomar
contato com a EMC. Ao mesmo tempo em que se identificam com a filosofia,
percebem que o alcance de suas ações era, ou é, limitado por atitudes,
procedimentos e abordagens didáticas pouco flexíveis que carecem de um
posicionamento crítico em relação ao papel da EM na formação cidadã dos alunos.
Nessa categoria abordamos as compreensões das professoras a respeito do
trabalho docente em relação à EMC. Observamos que identificaram, na forma como
as atividades foram conduzidas, explorando as investigações com o auxílio das TIC
tendo em vista matematizar situações relevantes aos alunos e discutir o papel
daqueles conhecimentos no contexto social, uma alternativa para por em prática os
princípios da EMC. Ao comentarem suas práticas, como docentes, se mostraram
conscientes quanto à necessidade de superar o modelo tradicional de ensino ao
qual foram submetidas na formação inicial e com o qual vem trabalhando. Também
reconheceram na filosofia da EMC algumas de suas preocupações quanto à EM
que, nas discussões do grupo e nas leituras referentes a esse tema possibilitaram
um olhar mais amplo e profundo sobre as possíveis funções sociopolíticas que
assumem como educadoras.
Em síntese, as categorias de análise que construímos para apresentar as
compreensões das professoras possibilitaram discutir tais compreensões frente ao
144
referencial teórico, de forma que concluímos que houve por parte de todos os
envolvidos, uma diferenciação na forma como percebem o papel da EM na formação
dos alunos. O contato com a filosofia da EMC evidenciou algumas das
preocupações que as professoras tinham em relação à EM ao mesmo tempo que
trouxe outras questões sociopolíticas que ainda não eram consideradas. A
experiência com o uso didático das TIC envolvendo as professoras em situações
que as levaram a explorar e investigar, possibilitou que identificassem a importância
e a viabilidade da adoção desses recursos nas aulas de Matemática, de modo a
atender a diferentes perfis cognitivos gerando novas possibilidades de ensino, vindo
ao encontro daquilo que consideramos nos princípios da EMC.
145
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme anunciamos desde o Capítulo 1, nossa questão de pesquisa se
refere às compreensões reveladas por um grupo de professores ao se inserirem em
um processo de formação continuada com o uso das TIC na perspectiva da EMC. A
escolha pela Educação Matemática Crítica se deu por entendermos que a EM
carece de criticidade em suas práticas de sala de aula e que isso se reflete na forma
como a sociedade compreende o que se faz e o que deve ser feito no ensino de
Matemática. Com relação às TIC, acreditamos que seu uso, segundo alguns
critérios, poderia favorecer o desenvolvimento de atividades fundamentadas nos
princípios da EMC. Quanto à formação continuada, essa se revelou um caminho
para discutirmos, junto aos professores, em que consiste a filosofia da EMC e como
as tecnologias poderiam colaborar no desenvolvimento de atividades matemáticas
de cunho investigativo, voltadas a situações reais com ênfase nas simulações e
múltiplas representações, segundo os critérios que identificamos como princípios da
EMC.
Em resposta à nossa questão de pesquisa, identificamos nas participações
das professoras, tanto orais quanto escritas, suas compreensões ao se depararem
com um olhar diferente sobre a EM. O novo olhar, desencadeado pelo contato com a
filosofia da EMC aguçou seus interesses, preocupações e também angústias frente
a o que ensinam, como ensinam, a quem ensinam e porque ensinam Matemática.
Pode-se dizer que houve uma desestruturação de alguns de seus conceitos em
relação à EM. Antes dos encontros, estavam seguras quanto ao papel que exerciam
em suas aulas em relação a o que e a quem se prestavam seus ensinamentos: eram
condizentes com uma Matemática “pura”, no sentido de serem livres de qualquer
influência externa à própria Matemática; “infalíveis”, considerando que sempre seria
possível encontrar uma solução matemática para os problemas; e “inquestionáveis”,
no sentido de que o rigor matemático garantiria sua legitimidade. Após os encontros
de formação restaram dúvidas. A partir do momento em que algumas certezas foram
abaladas e se constituíram algumas dúvidas, seguramente surgiram diferentes
compreensões, estando aí nosso foco de investigação.
146
No Capítulo 4 descrevemos o grupo de professoras participantes e como as
atividades foram desenvolvidas. Quanto às professoras, era grande o interesse por
desenvolver um ensino de Matemática diferente daquele preconizado pelo
paradigma do exercício, sendo que o uso das TIC lhes parecia uma alternativa
interessante para suas aulas. No entanto esse uso também lhes assustava pois se
consideravam despreparadas para isso. As professoras também não conheciam a
filosofia da EMC, fazendo com que, ou mesmo, possibilitando-nos apresentar e
discutir as preocupações dessa filosofia em relação à EM de forma integrada ao uso
das TIC. Assim, desenvolvemos atividades matemáticas, utilizando as tecnologias,
primando por atender àquilo que chamamos de princípios da EMC. Tais princípios
consistiram em privilegiar atividades de caráter investigativo com ênfase na
realidade, trabalhar com problemas abertos envolvendo situações reais, matematizar
situações relevantes para os alunos, utilizar as TIC como desencadeadoras de uma
zona de risco, propor atividades que compreendam um ou mais conteúdos
matemáticos indicados para o respectivo ano escolar, e explorar atividades que
gerem e motivem discussões sobre como a Matemática está envolvida na
construção do contexto social em que estamos inseridos. Cada uma das atividades
apresentou, em maior ou menor grau, a presença desses princípios e isso foi
considerado e discutido pelo grupo gerando, também, compreensões relativas à
colaboração que o uso das TIC trouxe ao trabalho em ambientes de aprendizagem
voltados para investigações fundamentadas em fatos reais. Dessa forma, no
Capítulo 5 apresentamos os dados e os discutimos frente ao referencial teórico que
sustenta nossa investigação.
As compreensões do grupo relacionadas à filosofia da EMC se concentraram
na questão da Matemática em ação, no caráter investigativo das atividades, nas
situações relevantes aos alunos e na forma como as professoras se identificaram
com a teoria. Elas perceberam e compreenderam a ação da Matemática em
diferentes situações em que a Matemática molda o contexto sociopolítico, inclusive
na ação didática promovida pelo professor ao estruturar suas aulas na forma de
comandos e ordens. Ao identificarem no ensino de Matemática atitudes, por parte do
professor, que se relacionam a treinamento do aluno para exercer determinadas
funções que requerem a habilidade de seguir rotinas, assumem uma posição da
EMC, ou seja, discutir a quem interessa esse modelo de ensino. Em relação ao
147
caráter investigativo, as professoras se manifestaram considerando-o um fator
essencial para o desenvolvimento da capacidade crítica dos alunos. Certamente as
professoras reconheciam a importância das investigações matemáticas, mesmo
antes de nossos encontros. O que relacionamos com o trabalho que desenvolvemos
na formação é a “possibilidade de reflexão crítica” que incorporaram às atividades
investigativas, abrangendo, aí, a crítica ao papel da EM na sociedade e a crítica à
própria Matemática. As situações relevantes aos alunos foram relacionadas, pelas
professoras, com o interesse que os alunos poderiam manifestar ao sentirem-se
parte do que estudam, atribuindo um sentido, também pessoal, aos conhecimentos
matemáticos. Reconheceram em momentos de suas práticas, que ao abordarem
assuntos diretamente relacionados com os alunos, teria havido um maior
envolvimento destes com a atividade. Além disso, a forma como elas se envolveram
ao investigar assuntos que diziam respeito à maioria das famílias brasileiras lhes
possibilitou vivenciar “o lado do aluno”, ou seja, elas sentiram-se motivadas a
trabalhar e descobrir. Outro fator de compreensão diz respeito a como as
professoras se identificaram com a filosofia da EMC em que reconheceram algumas
de suas preocupações com a EM, mesmo que, inicialmente, num sentido mais
superficial do que propõe a teoria. Assim como as professoras com quem
trabalhamos, queremos crer que os professores em geral têm as melhores intenções
ao ensinarem da forma como ensinam, e isso os faz defenderem seus modos de
ação. Na formação que desenvolvemos, entretanto, o contato com a EMC despertou
uma autocrítica, por parte das professoras, relacionando o que faziam com o que
determinadas formas de ensino podem desencadear, seja no despertar de uma
consciência crítica ou mesmo no estímulo à passividade e às atitudes servis. Nessa
primeira categoria, também trouxemos algumas (in)compreensões do grupo, de
modo a chamar a atenção para a necessidade de um maior aprofundamento teórico
a partir das bases construídas durante os encontros de formação. Reconhecemos,
outrossim, que, além disso, é preciso acompanhar o professor depois, em sua
prática, dando-lhe apoio e tirando-o do isolamento que, em geral, configura essa
prática.
Na segunda categoria de análise, apresentamos as compreensões do grupo
em relação às contribuições das TIC para a EMC e aí registramos que as
professoras identificaram nas TIC novas possibilidades de ensino atendendo a
148
diferentes perfis cognitivos. Elas viram nas TIC uma possibilidade de viabilizar
investigações, tendo, ainda, manifestado o interesse por uma formação que lhes
mostrasse um caminho em direção a como poderiam levar a cabo uma investigação
em sala de aula. Outro aspecto que as professoras julgaram pertinente à EMC é o
favorecimento que o uso das TIC traz às múltiplas representações. Segundo suas
compreensões, ao propiciar diferentes olhares sobre o mesmo fato ou construção
matemática, pode-se aprofundar, ou mesmo por em xeque determinadas
concepções.
Na terceira e última categoria de análise, destacamos as compreensões do
grupo a respeito do trabalho docente em relação à EMC. Considerando o trabalho
docente fortemente estruturado em atividades, inclusive na forma como
transcorreram os encontros de formação, as professoras avaliaram os trabalhos
desenvolvidos. Identificaram momentos de proximidade aos modelos “tradicionais” e
também destacaram as situações em que desenvolvemos investigações
matemáticas sobre fatos reais, abrangendo conteúdos além dos previstos na grade
curricular, mas plenamente viáveis. Além disso, demonstrando que foram
influenciadas pela EMC, propuseram incrementos às atividades de modo a
incorporar aspectos do desenvolvimento sustentável, como pudemos constatar no
diálogo que registramos, no Capítulo 5, referente ao oitavo encontro. Em relação a
suas práticas como professoras de Matemática, compreendem que precisam
“mudar”. Identificando na formação inicial que vivenciaram o modelo de ensino em
que atuam, onde é forte a ideologia da certeza e o paradigma do exercício, sentem
necessidade de trabalhar de uma forma diferente, valorizando mais do que o
aspecto técnico da Matemática. O contato com a filosofia da EMC provocou um
repensar sobre suas práticas de modo a incluir o questionamento sobre quais seriam
as funções da EM.
Em suma, observamos o despertar de um olhar crítico perante a função do
professor na construção de um ensino de Matemática que contemple, também, os
aspectos sociais da EM. Certamente esse novo olhar necessita um amadurecimento
em relação às compreensões que as professoras construíram a respeito da EMC,
mas um importante passo foi dado - o passo inicial.
149
Consideramos, portanto, que esse estudo contribui com a formação
continuada, mostrando o interesse que os professores manifestam pela EMC e
também a necessidade de uma formação continuada que lhes possibilite o
conhecimento dessa filosofia. Ao meio acadêmico submetemos um estudo que
difere do que temos até então, em primeiro lugar por apresentar a filosofia da EMC
aos professores em exercício nos anos finais do Ensino Fundamental, do que não
identificamos nenhum outro registro acadêmico; e, em segundo lugar, por submeter
o uso das TIC no sentido de favorecer o desenvolvimento de atividades matemáticas
que atendessem aos princípios dessa filosofia. Ao identificar algumas compreensões
que as professoras construíram ao terem contato com a EMC, trazemos, para o
contexto da formação continuada, possibilidades e necessidades. A identificação
que as professoras manifestaram com a EMC e as necessidades que apresentaram
perante as TIC se constituem num vasto campo, tanto de formação quanto de
pesquisa.
Queremos, ainda, registrar algumas considerações sobre a estrutura e o
período de formação. Em decorrência das características do grupo, foi necessário
um trabalho inicial realmente básico em relação à utilização da planilha de cálculo e
também do GeoGebra. Por um lado, isso se refletiu, algumas vezes, em uma
limitação a que as próprias professoras explorassem as TIC de modo autônomo. Por
outro lado, as colocou numa situação muito próxima ao que possivelmente vão
enfrentar com seus alunos, pois eles também irão se deparar com o uso de
determinadas TIC que não lhes são familiares ou corriqueiras. Os três textos, duas
resenhas e um artigo sobre EMC que disponibilizamos às professoras foram muito
importantes na construção de suas compreensões sobre o tema, mas
aprofundamentos teóricos são necessários, inclusive com debates sobre pontos
específicos independentes de atividades matemáticas.
Como sugestão para outras pesquisas que venham a abordar a EMC na
formação de professores, consideramos que, dando continuidade a um período
inicial de trabalhos com os professores, seria conveniente um segundo estágio.
Nele, as atividades desenvolvidas no grupo poderiam ser implantadas na sala de
aula para que seus resultados retornassem para a discussão, aprimorando o
trabalho colaborativo e, inclusive, criando o hábito de partilha e discussão entre os
professores, sobre suas experiências, sucessos e limitações.
150
No papel de pesquisadores, vivenciamos um período de aprendizagem e
crescimento profissional nos inserindo em uma investigação que buscava identificar
as compreensões das professoras, mas que, também, continha o caráter formativo.
Da mesma forma que a formação que propusemos às professoras as influenciou a
construírem diferentes compreensões, também elas nos influenciaram. Seguramente
concluímos essa etapa da pesquisa com um olhar, sobre a EM e a formação de
professores, que incorpora traços do grupo de professoras com que convivemos. Ao
atuarmos colaborativamente com as professoras, pudemos, mais uma vez, sentir o
quanto é importante considerar a voz do professor quando pensamos em educação,
e em específico, em EM.
Não obstante as limitações que este trabalho apresenta, esperamos que seja
útil a professores, formadores e/ou pesquisadores que se interessem pela difusão da
EMC nos contextos de EM.
151
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159
APÊNDICE A
UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL – UNICSUL – SP
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO: DOUTORADO EM ENSINO DE CIÊNCIAS E
MATEMÁTICA
Doutorando: Marcio Bennemann
Orientadora: Dra. Norma Suely Gomes Allevato
Prezado(a) professor(a).
Gostaria de contar com sua colaboração no preenchimento deste
questionário. Trata-se de um levantamento inicial a fim de identificar o interesse dos
professores quanto ao uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) no
ensino da Matemática. Pretendemos desenvolver nossa pesquisa na Formação
Continuada abordando as formas de emprego das TIC no ensino de Matemática
tendo em vista a formação crítica do educando.
1-Tempo de exercício no magistério:..........................................
2-Leciona no ensino fundamental do 6º ao 9º ano? ( )Sim ( )Não
3-Em que (quais) escola (s)/município leciona?
........................................................................................................
........................................................................................................
........................................................................................................
4-Quanto às aulas de Matemática no Laboratório de Informática:
( ) Não utilizou o laboratório este ano;
( )Utilizou o laboratório no máximo cinco vezes;
( )Utilizou o laboratório mais de cinco vezes.
5-Se você utilizou o laboratório, que (quais) software(s) utilizou?
..........................................................................................................
..........................................................................................................
160
6-Você sente necessidade de participar de cursos de formação sobre a utilização
das TIC no ensino de Matemática?
( ) Sim ( )Não
Caso você tenha interesse em participar de um curso (que fará parte de uma
pesquisa de Doutorado) para discutir e praticar a utilização das TIC (computadores)
no ensino de Matemática, abordando os princípios da Educação Matemática Crítica
utilizando planilhas eletrônicas e o software GeoGebra, no ensino fundamental do
6º ao 9º ano, preencha os dados abaixo para que possamos contatá-lo(a).
Nome:..............................................................................................................
e-mail:..............................................................................................................
Fone:................................................................................................................
161
APÊNDICE B
Roteiro da entrevista inicial com os professores participantes da pesquisa
Entrevistado(a):...................................................................................................
Data:............../........./............... Local:...............................................
1-Quanto tempo de experiência você tem como professor(a) de Matemática?
2-Qual é sua carga horária semanal?
3-Como você avalia seu conhecimento em TIC (informática)?
4-Já participou de algum curso de informática ou envolvendo informática?
5-Em que atividades pessoais utiliza recursos da informática?
6-Já utilizou as TIC em suas aulas de Matemática?
6.1-Se não utilizou, porque não o fez?
7-Quais aplicativos utilizou?
8-Com que frequência utiliza as TIC nas aulas de Matemática?
9-Que tipo de atividades desenvolve?
10-São atividades de autoria própria ou de outros autores?
11-Ao levar os alunos ao laboratório de Informática da escola observou alguma
vantagem em relação às atividades de sala de aula? Enfrentou alguma dificuldade?
12-Quanto as Planilhas Eletrônicas
12.1-Utiliza particularmente?
12.2-Como avalia seu conhecimento sobre Planilhas?
12.3-Utiliza com os alunos?
12.4Que tipo de atividade desenvolve?
13-Quanto ao GeoGebra
13.1-Como avalia seu conhecimento sobre o GeoGebra?
13.2-Utiliza com seus alunos?
13.3-Que tipo de atividades desenvolve?
14-Visão sobre a Matemática escolar
14.1-Qual é o papel da Matemática na formação de seus alunos?
14.2-Você acha que os alunos percebem esta papel/função/contribuição?
14.3-Como você organiza/planeja suas aulas?
162
14.4-Você considera que nós professores de Matemática deixamos de ensinar
algumas coisas importantes para a melhoria da qualidade de vida de nossos alunos?
14.4.1-O que?
14.4.2-Por que não ensinamos estas coisas?
14.4.3-O que seria precisos para ensinarmos estas coisas?
15-Qual é sua preocupação com relação ao futuro de seus alunos?
16-Que futuro você vislumbra para seus alunos segundo a realidade que presencia
em sala de aula e o desempenho deles frente a seus ensinamentos?
17-O que lhe motiva a ensinar Matemática?
18-Você já conhece as obras de Ole Skovsmose?
19-Qual é sua expectativa com relação ao curso?
20-Quais conteúdos você gostaria que fossem abordados no curso?
163
APÊNDICE C
Roteiro da entrevista de conclusão dos trabalhos com as professoras.
Professora:............................................................................................................
1-Professora comente sobre o que você julga ter compreendido sobre EMC e TIC a
partir dos nossos encontros.
2-Já utilizou alguma das atividades que abordamos, para trabalhar com os alunos?
3-Com o que foi desenvolvido nos encontros, sente-se em condições de iniciar um
trabalho com seus alunos no laboratório de informática?
4-O que ainda dificulta, a você, utilizar as TIC nas aulas de matemática?
5-Dos aspectos que envolvem a EMC, quais deles lhe interessaram mais?
5.1-Caráter investigativo.
5.2-Problemas abertos envolvendo situações reais (problemas reais).
5.3-Matematizar situações relevantes para os alunos (aos olhos dos alunos).
5.4Explorar na atividade (problema) aspectos que dificilmente seriam abordados via
papel e lápis.
5.5-Múltiplas representações (gráfica, algébrica e geométrica).
5.6-Compreende um ou mais conteúdos matemáticos indicados para o respectivo
ano.
5.7-Possibilita simulações.
5.8-Geram/motivam discussões sobre como a matemática está envolvida na
construção do contexto social em que estamos inseridos.
6-Quando elaborava as atividades para seus alunos, antes dos encontros, quais
destes aspectos você levava em consideração?
7-Se adotássemos os princípios da EMC em nossas aulas, que vantagens e
desvantagens nossos alunos teriam?
8-Avalie o curso com relação aos seguintes aspectos:
8.1-Esclarecimento sobre EMC;
8.2-Conteúdos abordados;
8.3-Tempo dedicado a cada atividade;
8.4-Grau de inovação (ou não) que as atividades ofereceram;
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