uma leitura do artigo de howard levine
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7/25/2019 Uma Leitura Do Artigo de Howard Levine
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Uma leitura do artigo de Howard
Levine, “Towards a Two-TrackModel for Psychoanalysis”1
Rui Aragão Oliveira2
1Comunicação apresentada no
XIV Colóquio da Sociedade
Portuguesa de Psicanálise, a 18
de Maio de 2014, em Lisboa.
2Membro Didacta da Sociedade
Portuguesa de Psicanálise.
E-mail: raragao@clinipinel.com
O trabalho elaborado por Howard Levine
é de uma enorme riqueza e abrangência,
reveladora de um profundo conhecimento da
transformação do pensamento psicanalíticosobre os momentos de viragem históricos mais
significativos, que nos fazem reflectir perante
o momento actual: enquadra precisamente
a Psicanálise na era global, temática do
XXIV Colóquio da Sociedade Portuguesa de
Psicanálise, onde apresentou pela primeira vez
em Portugal a sua obra.
Levine aborda a transformação no que
toca ao objecto de estudo da Psicanálise,
a conceptualização do inconsciente e suas
manifestações. Realça ainda as implicações
técnicas na clínica psicanalítica, redefine os
factores de cura analítica, e as exigências
acrescidas colocadas ao psicanalista e
inevitavelmente à própria formação dos
psicanalistas. Demonstra e salienta como
também temos mudado, num Mundo em
rápida e constante mudança.
O autor consegue sintetizar contributos
diversos e muito complexos, de escolas
diferentes, de países e continentes díspares,
ajudando-nos a identificar pontos de
convergência, colocando-nos numa posturaarqueológica – e desmascarando elementos
nodais da teoria psicanalítica, por vezes
encobertos face à enorme e dispersa
produtividade! Mas acrescenta criativamente
os constituintes de inevitáveis mudanças,
que têm transformado a psicanálise e os
psicanalistas, em particular nestas últimas
décadas.
Percebemos com este texto, como a
Psicanálise hoje não é mais a mesma. Ou
melhor: sendo a mesma, é agora “Mais e
Diferente”, fruto de uma evolução sustentadana reflexão clínica.
Howard Levine assinala-nos as
transformações teóricas, as novas descobertas
e limitações do acto terapêutico. Penso que as
referências aos contributos de André Green
ou de Wilfred Bion são claras e evidentes no
texto; mas Levine assinala igualmente como
importantes contributos promoveram novas
conceptualizações, do inconsciente e dosprocessos inconscientes do funcionamento
mental, e das novas abordagens
interpretativas.
Percebemos, por exemplo como a
interpretação hoje é claramente diferente da
interpretação há 100 anos (essencialmente
arqueológica e assente numa lógica dedutiva)
ou mesmo há 50 anos atrás (aí talvez mais em
“tradução simultânea” do estilo kleiniano).
Nos primórdios da concetualização do
tratamento analítico, com Freud, o foco
primordial centrava-se na pessoa singular,
na compreensão e auxílio ao paciente. Neste
importante período de implementação e
primeiras descobertas, a interpretação e a
análise das defesas iniciavam um processo
contínuo de resolução de conflitos que
permitiria ao paciente tolerar melhor as suas
ansiedades – estávamos pois perante o modelo
arqueológico da interpretação, enquadrado
na abordagem terapêutica de pacientes
predominantemente neuróticos.
O desenvolvimento da teoria psicanalíticapermitiu realçar a importância dos aspetos
relacionais, e a exigência psíquica solicitada a
ambos os intervenientes, analista e paciente,
distintos, onde os processos transferenciais
e contratransferenciais se assumem como
instrumento central da pesquisa clínica.
O acompanhamento de estados limites
e psicossomáticos, entre outros, bem mais
complexos, levou o analista a promover o
desenvolvimento da capacidade de pensar
os pacientes, em nomear e elaborar os
novos elementos psíquicos criados na mentede ambos, analista e paciente, no espaço
intersubjetivo que é potencializado na relação
analítica.
Frequentemente citado no texto de
Levine, penso que é marcante a influência
Revista Portuguesa de Psicanálise 34 [1]: 15-16
7/25/2019 Uma Leitura Do Artigo de Howard Levine
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da obra de André Green, e do seu projectocontemporâneo.
Sabemos bem como André Greenaspirava superar a dinâmica repetitivaalgo estagnante, e que sentia ao abordarsituações humanas muito diferentes ecomplexas. Fundamentando-se numa leitura
contemporânea de Freud, crítica, históricae problemática, André Green voltou a situara metapsicologia e o método freudianoscomo elementos centrais na actualidade,integrando crítica e criativamente as principaiscontribuições pós-freudianas. Como tal,corresponde a uma ampliação dos limites daanalisabilidade, a uma expansão do campoclínico que considera assim as “estruturas não--neuróticas”, tal como Levine aliás referencia.
Penso que estamos ainda perante a
introdução do modelo clínico “terciário”,integrando os modelos freudianos (maiscentrados na transferência) e pós-freudianos(mais centrados na contratransferência),colocado a partir do conceito de settinganalítico – aqui subjacente à internalizaçãodo setting, que leva à alteração determinanteda posição do analista, que se tornaentão múltipla e variável, em oposiçãoà predeterminação e à rigidez.
É assim que nesta trajectóriatransformacional proposta por Howard
Levine, o trabalho psíquico do analista sefundamenta num eixo conceptual terciário queinclui a atenção flutuante (numa perspectivaintrapsíquica, sobre a análise de conteúdo),e a contratransferência (numa perspectivaintersubjectiva, com a análise da relação e doespaço continente), subordinando-as a umagama mais ampla e complexa de operações,na qual se destaca a imaginação e acriatividade psicanalítica.
O analista, no presente, e tomando as
palavras de Urribarri, deve saber jogar,tanto no sentido teatral e musical como nolúdico, em função dos cenários desdobradosna singularidade do campo analítico. Vistoentão que o inconsciente “fala em diferentesdialectos”, o analista deverá ser então“poliglota” (Urribarri, 2010, p.32).
Parece-me ainda que neste texto, Levinerealça a preocupação e dificuldade do analistainvestir mentalmente a tarefa da escutaanalítica, onde assinala a evolução dos factoresde cura. Penso mesmo que hoje as funções de
cura são verdadeiramente mais psicanalíticas(conceptualmente), e com isso com camposde aplicação muito diversos, que realçam umaperspectiva e atitude psicanalítica sobre osobjectos de análise ou até mesmo de pesquisa.As ilustrações clínicas relatadas
por Levine expõem de forma brilhante comoé da natureza deste investimento interno daestrutura mental do analista que decorre adeterminante diferenciação entre a psicanálisee a psicoterapia psicanalítica, debatefundamental e sempre controversoa promover.
Coloca-nos assim um desafio difícil,assinalando a mente do analista comoo verdadeiro instrumento interpretativo;o que obriga necessariamente a pensaras consequências e ilações significativasda formação dos analistas mas tambémda formação dos psicoterapeutas de basepsicanalítica.
Por último, como texto estimulante queLevine nos deixa, ocorrem inevitáveis questõespara uma reflexão futura: por exemplo, se a
evidência no movimento transformacionalnão poderá ela própria fazer esquecera invariante do objecto a transformar?E esquecendo assim o objecto a transformare o produto da transformação, coloca emdestaque apenas o processo transformacional?Tal como Klein pareceu dar mais atenção aoobjecto inconsciente e ao seu destino, e outroscolocaram ênfase somente na relação, nãopoderemos ficar algo ofuscados com o actocriativo e inimaginável até então, capaz depor vezes fazer “cegar” a complexidade maisabrangente da função clínica psicanalítica?
O que no fundo nos remete para aimportância da historicidade no âmbitodo trabalho psicanalítico, onde mudançae invariância se acompanham, ajudando osujeito a transformar-se sem deixar de serquem é… mas que seriam elações para umaoutra discussão!
BIBLIOGRAFIAUrribarri, Fernando (2010). André Green, paixão
clínica, pensamento complexo – em direcção
ao futuro da psicanálise. Contemporânea –
Psicanálise e Transdisciplinaridade, Porto Alegre,
nº 10, Jul./Dez. 2010, 11-43.
16 | Rui Aragão Oliveira
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