uma escola com valor(es)
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Uma escola com valor(es)
Biblioteca Escolar Agrupamento de Escolas de Rio de Mouro Padre Alberto Neto
Uma escola com valor(es)
Título: Uma escola com valor(es). Colectânea de poesia inspirada no Padre Alberto Neto Pesquisa e selecção: Carlos Pinheiro Edição: Biblioteca Escolar 1.ª Edição, Janeiro de 2010 Agrupamento de Escolas de Rio de Mouro Padre Alberto Neto Av. Pedro Nunes, 3 2635 – 317 RIO DE MOURO Email: netescola@netcabo.pt
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Uma escola com valor(es)
Índice CANTARES SANTOMENSES ....................................................................... 3 Caetano da Costa Alegre TROVA DO VENTO QUE PASSA .................................................................. 5 Manuel Alegre DE MÃOS DADAS .................................................................................. 0 Carlos Drummond de Andrade URGENTEMENTE .................................................................................. 0 Eugénio de Andrade OS DIREITOS DA CRIANÇA ....................................................................... 0 Matilde Rosa Araújo BONS AMIGOS ..................................................................................... 0 Machado de Assis A INDIFERENÇA.................................................................................... 0 Bertolt Brecht PAÍS NATAL ........................................................................................ 0 António Baticã Ferreira MÃE NEGRA...................................................................................... 18 Aguinaldo Fonseca À DESCOBERTA DO AMOR ..................................................................... 19 Mahatma Gandhi LÁGRIMA DE PRETA ............................................................................ 20 António Gedeão PRELÚDIO .......................................................................................... 0 Alda Lara PROFESSOR, DIZ-ME PORQUÊ? .................................................................. 0 Cecília Meireles A COR QUE SE TEM ............................................................................. 26 Maria Cândida Mendonça O MENINO DE SUA MÃE ........................................................................ 27 Fernando Pessoa CÂNTICO NEGRO................................................................................ 29 José Régio SONETO DOS VENCIDOS........................................................................ 31 José Régio FALA DO VELHO DO RESTELO AO ASTRONAUTA ............................................. 0 José Saramago NEGRA.............................................................................................. 0 Noémia de Sousa O MENINO NEGRO .............................................................................. 35 Geraldo Bessa Victor
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Uma escola com valor(es)
CANTARES SANTOMENSES Caetano da Costa Alegre
[1864-1890] Caetano da Costa Alegre (26 de Abril de 1864- 18 de Abril de 1890) foi um poeta lusófono, nascido no seio de uma família crioula de cabo-verdiana, na então colónia portuguesa de São Tomé. Em 1882 se mudou-se para Portugal, e frequentou a faculdade de Medicina em Lisboa, para se formar como médico naval, porém morreu de tuberculose antes de poder cumprir tal objectivo. A sua obra, escrita em estilo romântico, popular na época, foi um êxito imediato pela forma como celebra suas origens africanas, a expressão de nostalgia do estilo de vida de São Tomé, e a descrição do sentimento de alienação em se encontrava sua raça.
Caetano da Costa Alegre
Branca a espuma e negra a rocha,
Qual mais constante há-de ser,
A espuma indo e voltando,
A rocha sem se mexer?
Não creias que em teu jazigo
Alguém parta o coração,
No mundo quem morre, morre,
Quem cá fica come pão.
Não me dizem quanto tempo
Tenho ainda que viver,
Ficava ao menos sabendo
Quando finda o meu sofrer.
Se eu me casasse contigo,
Fazia um voto de ferro,
De deixar-te unicamente
No dia do meu enterro.
Todos me dizem: “esquece
Essa paixão, que te abrasa”.
Que serve fechar a porta
Ao fogo que tenho em casa?
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Uma escola com valor(es)
Não havia tanta cara
De asno, de tolo e pedante,
Se falasse, quem censura,
Com um espelho adiante.
Brotam espinhos da rosa,
O incêndio brota do lume.
A traição brota das juras,
Brota do amor o ciúme.
Numa loja conhecida
O que é cem custa duzentos,
Levam dinheiro em fazendas
E o tempo nos cumprimentos.
Macaco, chamaste tolo
Ao meu pequeno sagüi.
Também queria que ouvisses
O que ele disse de ti.
Por teu desdém não me mato,
Não faço tamanha asneira,
Se o meu amor tu não queres,
Há muita gente que o queira.
Quem pode num campo vasto
O joio apartar dos trigos?
Quem conhece dentre os falsos
Os verdadeiros amigos?
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Uma escola com valor(es)
Manuel Alegre [1936-…]
Manuel Alegre nasceu em Águeda em 1936. Frequentou a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, onde desde muito cedo se empenhou em lutas académicas e na resistência ao regime político da época. Enviado para Angola em 1961, incentivou uma revolta militar contra a guerra colonial, acabando por se exilar em Argel no verão de 1964. Durante o exílio, foi dirigente da FPLN e participou altivamente na Rádio Voz da Liberdade, tendo regressado a Portugal depois da revolução de 25 de Abril de 1974. A partir de então, dedicou-se à actividade política partidária, continuando, porém, a obra literária iniciada com o livro Praça da Canção (1965). Além da actividade literária, destacam-se, no plano político, os cargos exercidos como vice-presidente da Assembleia da República e membro do Conselho de Estado.
TROVA DO VENTO QUE PASSA
Manuel Alegre
Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.
Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.
Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.
Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.
Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio – é tudo o que tem
quem vive na servidão.
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Uma escola com valor(es)
Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.
E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.
Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.
Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).
Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.
E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.
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Uma escola com valor(es)
Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.
E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.
Quatro folhas tem o trevo
liberdade quatro sílabas.
Não sabem ler é verdade
aqueles pra quem eu escrevo.
Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.
Mesmo na noite mais triste
em tempo de sevidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.
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Uma escola com valor(es)
DE MÃOS DADAS Carlos Drummond de Andrade [1902-1987]
Nasceu em Minas Gerais, Brasil, numa cidade cuja memória viria a permear parte de sua obra, Itabira. Posteriormente, foi estudar em Belo Horizonte e Nova Friburgo com os Jesuítas no colégio Anchieta. Formado em farmácia, com Emílio Moura e outros companheiros, fundou "A Revista", para divulgar o modernismo no Brasil. Durante a maior parte da vida foi funcionário público, embora tenha começado a escrever cedo e prosseguido até seu falecimento, que se deu em 1987 no Rio de Janeiro, doze dias após a morte de sua única filha, a escritora Maria Julieta Drummond de Andrade. Além de poesia, produziu livros infantis, contos e crónicas.
Carlos Drummond de Andrade
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos,
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens
[presentes,
a vida presente.
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Uma escola com valor(es)
URGENTEMENTE Eugénio de Andrade [1923-2005]
Poeta português, nasceu em 19 de Janeiro de 1923 em Póvoa de Atalaia, Fundão, no seio de uma família de camponeses. A sua infância foi passada com a mãe, na sua aldeia natal. Mais tarde, prosseguindo os estudos, foi para Castelo Branco, Lisboa e Coimbra, onde residiu entre 1939 e 1945. Abandonou a ideia de um curso de Filosofia para se dedicar à poesia e à escrita, actividades pelas quais demonstrou desde cedo profundo interesse, O tema central da sua poesia é a figuração do Homem, não apenas do eu individual, integrado num colectivo, com o qual se harmoniza (terra, campo, natureza – lugar de encontro) ou luta (cidade – lugar de opressão, de conflito, de morte, contra os quais se levanta a escrita combativa). Faleceu a 13 de Junho de 2005, no Porto.
Eugénio de Andrade
É urgente o Amor,
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.
É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ombros,
e a luz impura até doer.
É urgente o amor,
É urgente permanecer.
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Uma escola com valor(es)
OS DIREITOS DA CRIANÇA Matilde Rosa Araújo
[1921-…]
Matilde Rosa Araújo nasceu em Lisboa em 1921. Licenciou-se em Filologia Românica pela Faculdade de Letra da Universidade Clássica de Lisboa. Foi professora do Ensino Técnico Profissional em Lisboa e noutras cidades do País, assim como professora do primeiro Curso de Literatura para a Infância, que teve lugar na Escola do Magistério Primário de Lisboa. Autora de livros de contos e poesia para o mundo adulto e de mais de duas dezenas de livros de contos e poesia para crianças, a sua temática centra-se em torno de três grandes eixos de orientação: a infância dourada, a infância agredida e a infância como projecto. Tem-se dedicado, ao longo da sua vida, aos problemas da criança e à defesa dos seus direitos.
Matilde Rosa Araújo
A criança
Toda a criança.
Seja de que raça for
Seja negra, branca, vermelha ou amarela,
Seja rapariga ou rapaz.
Fale a língua que falar,
Acredite no que acreditar,
Pense o que pensar,
Tenha nascido seja onde for,
Ela tem direito…
…A ser para o homem a
Razão primeira da sua luta.
O homem vai proteger a criança
Com leis, ternura, cuidados
Que a tornem livre, feliz,
Pois só é livre, feliz
Quem pode deixar crescer
Um corpo são,
Quem pode deixar descobrir
Livremente
O coração
E o pensamento.
Este nascer e crescer e viver assim
Chama-se dignidade.
E em dignidade vamos
Querer que a criança
Nasça
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Uma escola com valor(es)
Cresça,
Viva…
E a criança nasce
E deve ter um nome
Que seja o sinal dessa dignidade.
Ao sol chamamos Sol
E à vida chamamos Vida
Uma criança terá o seu nome também.
E ela nasce numa terra determinada
Que a deve proteger.
Chamemos-lhe Pátria a essa aterra,
Mas chamemos-lhe antes Mundo…
…E nesse mundo ela vai crescer:
Já a sua mãe teve o direito
A toda a assistência que assegura um nascer perfeito.
E, depois, a criança nascida,
Depois da hora radial do parto,
A criança deverá receber
Amor,
Alimentação
Casa,
Cuidados médicos,
O amor sereno de mãe e pai.
Rir,
Brincar,
Crescer,
Aprender a ser feliz…
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Uma escola com valor(es)
…Mas há crianças que nascem diferentes
E tudo devemos fazer para que isto não aconteça.
Vamos dar a essas crianças um amor maior ainda.
E a criança nasceu
E a desabrochar como
Uma flor
Uma árvore,
Um pássaro,
E
Uma flor,
Uma árvore,
Um pássaro
Precisam de amor – a seiva da terra, a luz do sol.
De quanto amor a criança não precisará?
De quanto amor a criança não precisara?
De quanta segurança?
Os pais e todo o mundo que rodeia a criança
Vão participar na aventura
De uma vida que nasceu.
Maravilhosa aventura!
Mas se a criança não tem família?
Ela tê-la-á sempre: numa sociedade justa
Todos serão sua família.
Nunca mais haverá uma criança só
Infância nunca será solidão.
E a criança vai aprender a crescer.
Todos temos de ajudar!
Todos!
Os pais, a escola, todos nós!
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Uma escola com valor(es)
E vamos ajudá-la a descobrir-se a si própria
E aos outros.
Descobrir o seu mundo,
A sua força,
O seu amor,
Ela vai aprender a viver
Com ela própria
E com os outros:
Vai aprender a fraternidade,
A fazer fraternidade
Isto chama-se educar:
Saber isto é aprender a ensinar.
Em situação de perigo
A criança, mais do que nunca,
Está sempre em primeiro lugar…
Será o sol que não se apaga
Com o nosso medo,
Com a nossa indiferença:
A criança apaga, por si só,
Medo e indiferença das nossas frontes…
A criança é um mundo
Precioso
Raro
Que ninguém a roube,
A negoceie,
A explore
Sob qualquer pretexto.
Que ninguém se aproveite
Do trabalho da criança
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Uma escola com valor(es)
Para seu próprio proveito.
São livres e frágeis as suas mãos,
Hoje:
Se as não magoarmos
Elas poderão continuar
Livres
E ser a força do mundo
Mesmo que frágeis continuem…
A criança deve ser respeitada
Em suma,
Na dignidade do seu nascer,
Do seu crescer,
Sado seu viver.
Quem amar verdadeiramente a criança
Não poder
Á deixar de ser fraterno:
Uma criança não conhece fronteiras,
Nem raças
Nem classes sociais:
Ela é o sinal mais vivo do amor,
Embora, por vezes, nos possa parecer cruel.
Frágil e forte, ao mesmo tempo,
Ela é sempre a mão da própria vida
Que se nos estende, nos segura
E nos diz:
Sê digno de viver!
Olha em frente!
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Uma escola com valor(es)
BONS AMIGOS Machado de Assis
[1839-1908]
Joaquim Maria Machado de Assis (Rio de Janeiro, 21 de Junho de 1839 — Rio de Janeiro, 29 de Setembro de 1908) foi um poeta, romancista, dramaturgo, contista, jornalista, cronista e teatrólogo brasileiro, considerado como o maior nome da literatura brasileira pela maior parte dos estudiosos da área. A sua extensa obra é constituída por nove romances e nove peças teatrais, 200 contos, cinco colectâneas de poemas e sonetos, e mais de 600 crónicas.
Machado de Assis
Abençoados os que possuem amigos, os que os têm
[sem pedir.
Porque amigo não se pede, não se compra, nem se vende.
Amigo a gente sente!
Benditos os que sofrem por amigos, os que falam com
[o olhar.
Porque amigo não se cala, não questiona, nem se rende.
Amigo a gente entende!
Benditos os que guardam amigos, os que entregam o
[ombro pra chorar.
Porque amigo sofre e chora.
Amigo não tem hora pra consolar!
Benditos sejam os amigos que acreditam na tua verdade
[ou te apontam a realidade.
Porque amigo é a direcção.
Amigo é a base quando falta o chão!
Benditos sejam todos os amigos de raízes, verdadeiros.
Porque amigos são herdeiros da real sagacidade.
Ter amigos é a melhor cumplicidade!
Há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinhos,
Há outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas!
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Uma escola com valor(es)
A INDIFERENÇA Bertolt Brecht [1898-1956]
Eugen Berthold Friedrich Brecht (Augsburg, 10 de Fevereiro de 1898 — Berlim, 14 de Agosto de 1956) foi um destacado dramaturgo, poeta e encenador alemão do século XX. Os seus trabalhos artísticos e teóricos influenciaram profundamente o teatro contemporâneo, tornando-o mundialmente conhecido a partir das apresentações de sua companhia o Berliner Ensemble realizadas em Paris durante os anos 1954 e 1955.
Bertolt Brecht
Primeiro levaram os comunistas,
Mas eu não me importei
Porque não era nada comigo.
Em seguida levaram alguns operários,
Mas a mim não me afectou
Porque eu não sou operário.
Depois prenderam os sindicalistas,
Mas eu não me incomodei
Porque nunca fui sindicalista.
Logo a seguir chegou a vez
De alguns padres, mas como
Nunca fui religioso, também não liguei.
Agora levaram-me a mim
E quando percebi,
Já era tarde.
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Uma escola com valor(es)
PAÍS NATAL António Baticã Ferreira
[1939- _]
António Baticã Ferreira nasceu em Canchungo, Guiné-Bissau, em 1939. Frequentou o liceu em Paris e formou-se em Medicina, na Suíça. Exerceu a profissão de médico no Hospital de Santa Maria, em Lisboa. Colaborou com poemas seus em diversas publicações francesas: La Tribune Internacional des Poètes, L\'Afrique Nouvelle e La Croix e portuguesas: Poesia & Ficção, Diário Popular e Debate.
António Baticã Ferreira
Um sentimento de amor pátrio sobe no meu coração,
Em espírito demando o meu país natal,
E lembro aquela floresta africana,
Cheia de caça e de verdura;
Lembro as suas imensas árvores gigantes,
A folhagem verde ou amarela
Que nos perfuma.
Revejo a minha infância,
Toda cheia de alegrias:
Eu corria pelo mato,
Espiava os animais selvagens,
Sem medo;
E olhava os lavradores nos campos,
E, no mar, os pescadores,
Que lutavam contra o vento, para agarrar o peixe,
E que eu, atento, seguia com o olhar:
Como gostava de os ver no oceano
Domar as vagas, que lhes queriam virar as barcas!
(Ah!, bem me lembro, bem me lembro do meu pais natal!)
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Uma escola com valor(es)
Aguinaldo Fonseca
Aguinaldo Fonseca é um poeta cabo-verdiano nascido em 1922. A novidade de Aguinaldo Fonseca está em ter sido ele o primeiro a utilizar a «África» como substância poética cabo-verdiana. Um dos seus poemas mais conhecidos e divulgados é «Mãe Negra».
MÃE NEGRA
Aguinaldo Fonseca
A mãe negra embala o filho.
Canta a remota canção
Que seus avós já cantavam
Em noites sem madrugada.
Canta, canta para o céu
Tão estrelado e festivo.
É para o céu que ela canta,
Que o céu
Às vezes também é negro.
No céu
Tão estrelado e festivo
Não há branco, não há preto,
Não há vermelho e amarelo.
- Todos são anjos e santos
Guardados por mãos divinas.
A mãe negra não tem casa
Nem carinhos de ninguém...
A mãe negra é triste, triste,
E tem um filho nos braços...
Mas olha o céu estrelado
E de repente sorri.
Parece-lhe que cada estrela
É uma mão acenando
Com simpatia e saudade...
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Uma escola com valor(es)
À DESCOBERTA DO AMOR
Mahatma Gandhi [1869-1948]
Mohandas Karamchand Gandhi (Devanagari mais conhecido popularmente por Mahatma Gandhi ("Mahatma", do sânscrito "A Grande Alma") (Porbandar, 2 de Outubro de 1869 — Nova Deli, 30 de Janeiro de 1948) foi um dos idealizadores e fundadores do moderno estado indiano e um influente defensor do Satyagraha (princípio da não-agressão, forma não-violenta de protesto) como um meio de revolução. O seu exemplo e as suas teses pacifistas têm um enorme sucesso em todo o mundo.
Mahatma Gandhi
Ensaia um sorriso
e oferece-o a quem não teve nenhum.
Agarra um raio de sol
e desprende-o onde houver noite.
Descobre uma nascente
e nela limpa quem vive na lama.
Toma uma lágrima
e pousa-a em quem nunca chorou.
Ganha coragem
e dá-a a quem não sabe lutar.
Inventa a vida
e conta-a a quem nada compreende.
Enche-te de esperança
e vive á sua luz.
Enriquece-te de bondade
e oferece-a a quem não sabe dar.
Vive com amor
e fá-lo conhecer ao Mundo.
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Uma escola com valor(es)
LÁGRIMA DE PRETA
António Gedeão
[1906-1997]
António Gedeão, pseudónimo de Rómulo Vasco da Gama de Carvalho, nasceu e faleceu em Lisboa. Além de poeta, foi professor de Ciências Físico-Químicas, poeta, investigador, historiador, escritor, fotógrafo, pintor e ilustrador, aliando a ciência à literatura. Obras poéticas: Movimento Perpétuo (1956), Teatro do Mundo (1958), Máquina de Fogo (1961), Poema para Galileu (1964), Linhas de Força (1967), Poesias Completas (1975), Poemas Póstumos (1983), Novos Poemas Póstumos (1990). Ficção: A Poltrona e Outras Novelas (1973). Teatro: RTX 78/24 (1963). Estudos: História da Fundação do Colégio Real dos Nobres (1959).
António Gedeão
Lágrima de preta
Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.
Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.
Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.
Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.
Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:
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Uma escola com valor(es)
nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.
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Uma escola com valor(es)
PRELÚDIO Alda Lara
[1930-1962]
Alda Lara, seu nome completo, Alda Ferreira Pires Barreto de Lara Albuquerque, nasceu em Benguela, Angola, a 9 de Junho de 1930 e faleceu em Cambambe a 30 de Janeiro de 1962. Era casada com o escritor Orlando Albuquerque. Ainda muito nova vai para Lisboa onde concluiu o 7.º ano do Liceu. Frequentou as Faculdades de Medicina de Lisboa e Coimbra, licenciando-se por esta última. Em Lisboa esteve ligada a algumas das actividades da Casa dos Estudantes do Império. Declamadora, chamou a atenção para os poetas africanos. Depois da sua morte, a Câmara Municipal de Sá da Bandeira, actual Lubango, instituiu o Prémio Alda Lara para poesia. Orlando Albuquerque propôs-se editar-lhe postumamente toda a obra, tendo reunido e publicado um volume de poesias e um caderno de contos.
Alda Lara Pela estrada desce a noite
Mãe-Negra, desce com ela...
Nem buganvílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guisos,
nas suas mãos apertadas.
Só duas lágrimas grossas,
em duas faces cansadas.
Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro...
Tem voz de noite, descendo,
de mansinho, pela estrada...
Que é feito desses meninos
que gostava de embalar?...
Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar?...
Quem ouve agora as histórias
que costumava contar?...
Mãe-Negra não sabe nada...
22
Uma escola com valor(es)
Mas ai de quem sabe tudo,
como eu sei tudo
Mãe-Negra!...
Os teus meninos cresceram,
e esqueceram as histórias
que costumavas contar...
Muitos partiram p'ra longe,
quem sabe se hão-de voltar!...
Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no regaço,
bem quieta bem calada.
É a tua a voz deste vento,
desta saudade descendo,
de mansinho pela estrada.
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Uma escola com valor(es)
PROFESSOR, DIZME PORQUÊ? Cecília Meireles
[1901-1964]
Cecília Benevides de Carvalho Meireles, poetisa, pintora, professora e jornalista brasileira, nasceu no Rio de Janeiro no 7 de Novembro de 1901, descendente de portugueses. Casou-se, em 1922, com o pintor português Fernando Correia Dias, com quem tem três filhas. Faleceu no Rio de Janeiro no dia 9 de Novembro de 1964, sendo-lhe prestadas grandes homenagens públicas. Na opinião do crítico Paulo Rónai poesia de Cecília Meireles «é uma das mais puras, belas e válidas manifestações da literatura contemporânea».
Cecília Meireles
Professor diz-me porquê?
Por que roda o meu pião?
Ele não tem roda
e roda, gira, rodopia
e cai morto no chão...
Tenho nove anos, professor
e há tanto mistério à minha roda
que eu queria desvendar
Por que é que o carro é azul?
Por que é que marulha o mar?
Porquê?
Tantos porquês que eu...
eu queria saber!
E tu que não me queres responder!
Tu falas, falas professor daquilo que te interessa.
Tu obrigas-me a ouvir
quando eu quero falar,
se eu vou descobrir
faz-me decorar!
É a luta professor
a luta em vez do amor....
mas,
enquanto tua voz zangada ralha
tu sabes, professor,
eu fecho-me por dentro,
24
Uma escola com valor(es)
faço uma cara resignada
e finjo que não penso em nada,
mas penso...
Penso em como era engraçada
aquela rã
que esta manhã ouvi coaxar...
Que graça que tinha
aquela andorinha
que ontem à tarde vi passar.
E quando tu podei vens definir
o que são conjuntos e preposições,
quando me fazes repetir
que os corações
tem duas aurículas e dois ventrículos
e tantas
tantas mais definições...
Meu coração, o meu coração
Que não sei como é feito
E nem quero saber...
Cresce dentro do peito
A querer saltar pra fora, professor
E ver se tu assim compreenderias
E me farias mais belos os dias!
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Uma escola com valor(es)
A COR QUE SE TEM
Maria Cândida Mendonça
Quando for crescida
hei-de inventar
um perfume de encantar.
Quem o cheirar
há-de ficar
com cor de pele
que mais gostar.
Branco ou amarelo
se preferir
preto ou vermelho
é só decidir.
Para alegrar
até estou a pensar
outras cores acrescentar.
Cor de rosa
verde ou lilás
são cores bonitas
e tanto faz.
E assim
há-de chegar
o dia de acreditar
que o valor
de alguém
não se pode avaliar
pela cor que tem
e então
tudo estará bem.
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Uma escola com valor(es)
O MENINO DE SUA MÃE
Fernando Pessoa
[1888-1935]
E um considerado um dos maiores poetas portugueses de sempre e autor de intensa actividade literária. Em 1915, com Mário de Sá-Carneiro, Almada Negreiros e outros, esforçou-se por renovar a literatura portuguesa através da criação da revista Orpheu, veículo de novas ideias e novas estéticas. Devido à sua capacidade de criar novos «eus» desdobrou-se por vários heterónimos (Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Bernardo Soares, etc.), assinando as suas obras de acordo com a personalidade de cada heterónimo. Colaborou em várias revistas, publicou em livro os seus poemas escritos em inglês e, em 1934, ganhou o concurso literário promovido pelo SPN, com a obra Mensagem.
Fernando Pessoa
No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado
Duas, de lado a lado,
Jaz morto, e arrefece
Raia-lhe a farda o sangue
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos
Tão jovem! Que jovem era!
(agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
“O menino de sua mãe”.
Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve
Dera-lha a mãe. Está inteira a cigarreira.
Ele é que já não serve.
De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço … deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.
27
Uma escola com valor(es)
Lá longe, em casa, há a prece:
“Que volte cedo, e bem!”
(Malhas que o Império tece”)
Jaz morto, e apodrece,
O menino de sua mãe.
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Uma escola com valor(es)
CÂNTICO NEGRO
José Régio [1901-1969]
José Régio, pseudónimo literário de José Maria dos Reis Pereira, nasceu em Vila do Conde em 1901. Licenciado em Letras em Coimbra, ensinou durante mais de 30 anos no Liceu de Portalegre. Com Branquinho da Fonseca e João Gaspar Simões fundou, em 1927, a revista Presença (cujo primeiro número saiu a 10 de Março, vindo a publicar-se, embora sem regularidade, durante treze anos), que marcou o segundo modernismo português e de que Régio foi o principal impulsionador e ideólogo. Como escritor, José Régio dedicou-se ao romance, ao teatro, à poesia e ao ensaio. Centrais, na sua obra, são as problemáticas do conflito entre Deus e o Homem, o indivíduo e a sociedade, numa análise crítica das relações humanas e da solidão, do dilaceramento interior perante a relação entre o espírito e a carne e a ânsia humana do absoluto. É considerado, por alguns, como um dos vultos mais significativos da moderna literatura portuguesa. Recebeu, postumamente, em 1970, o Prémio Nacional de Poesia, pelo conjunto da sua obra poética. As suas casas de Vila do Conde e de Portalegre são hoje museus.
José Régio
"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
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Uma escola com valor(es)
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!
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Uma escola com valor(es)
SONETO DOS VENCIDOS
José Régio
Quando subi a serra, alguns troçaram,
Enquanto a multidão, em volta, ria...
E troças e risadas arranharam
Tudo o que em mim sentia e se doía.
Todos os mais, depois, me detestaram,
Por eu não ser igual à maioria.
E, fortes, contra um, cem abusaram,
Enquanto a multidão, em volta, ria.
Fartar, vilões, que estou cansado!
Eis-me – Ecce-Homo! – Nu, prostrado e atado.
Podeis lançar-me à cara os vossos lodos!
Mas eu, quanto mais sofro mais me prezo:
Só o meu orgulho iguala o meu desprezo...
E vingo-me em ter pena de vós todos
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Uma escola com valor(es)
FALA DO VELHO DO RESTELO AO ASTRONAUTA José Saramago [1922- ]
José Saramago nasceu na Azinhaga, concelho da Golegã. Trabalhou como jornalista em vários jornais, entre eles o Diário de Notícias, de que foi director. Actualmente vive na ilha de Lanzarote, arquipélago das Canárias. É um dos escritores portugueses mais lidos e traduzidos no estrangeiro. Em 1991 ganhou o Grande Prémio APE, com o romance O Evangelho Segundo Jesus Cristo, e o Prémio Camões em 1996 por toda a obra. Em 1998 ganhou o Prémio Nobel da Literatura.
José Saramago
Aqui, na terra, a fome continua,
A miséria, o luto, e outra vez a fome.
Acendemos cigarros em fogos de napalme
E dizemos amor sem saber o que seja.
Mas fizemos de ti a prova da riqueza
Ou talvez da pobreza, e da fome outra vez,
E pusemos em ti nem eu sei que desejo
De mais alto que nós, e melhor, e mais puro.
No jornal soletramos, de olhos tensos,
Maravilhas de espaço e de vertigem:
Salgados oceanos que circundam
Ilhas mortas de sede, onde não chove.
Mas o mundo, astronauta, é boa mesa
(E as bombas de napalme são brinquedos),
Onde come, brincando, só a fome,
Só a fome, astronauta, só a fome.
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Uma escola com valor(es)
NEGRA Noémia de Sousa
[1926-2002]
Escritora moçambicana, Carolina Noémia Abranches de Sousa Soares nasceu a 20 de Setembro de 1926, em Lourenço Marques (hoje Maputo), Moçambique, e faleceu a 4 de Dezembro de 2002, em Cascais, Portugal. Poetiza que, numa espécie de postura predestinada, desembaraçando-se das normas tradicionais europeias, de 1949 a 1952 escreve dezenas de poemas, estando muitos deles dispersos pela imprensa moçambicana e estrangeira. A sua poesia desde muito cedo se mostrou "cheia" da "certeza radiosa" de uma esperança, a esperança dos humilhados, que é sempre a da sua libertação. Toda a sua produção é marcada pela presença constante das raízes profundamente africanas, abrindo os caminhos da exaltação da Mãe-África, da glorificação dos valores africanos, do protesto e da denúncia.
Noémia de Sousa
Gentes estranhas com seus olhos cheios doutros mundos
quiseram cantar teus encantos
para elas só de mistérios profundos,
de delírios e feitiçarias...
Teus encantos profundos de Africa.
Mas não puderam.
Em seus formais e rendilhados cantos,
ausentes de emoção e sinceridade,
quedas-te longínqua, inatingível,
virgem de contactos mais fundos.
E te mascararam de esfinge de ébano, amante sensual,
jarra etrusca, exotismo tropical,
demência, atracção, crueldade,
animalidade, magia...
e não sabemos quantas outras palavras vistosas e vazias.
Em seus formais cantos rendilhados
foste tudo, negra...
menos tu.
E ainda bem.
Ainda bem que nos deixaram a nós,
do mesmo sangue, mesmos nervos, carne, alma,
sofrimento,
a glória única e sentida de te cantar
com emoção verdadeira e radical,
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Uma escola com valor(es)
a glória comovida de te cantar, toda amassada,
moldada, vazada nesta sílaba imensa e luminosa: MÃE
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Uma escola com valor(es)
Geraldo Bessa Victor [1917-1990]
Geraldo Bessa Victor, poeta e contista, nasceu em 1917 em Luanda e faleceu no ano de 1990, Lisboa, sua segunda Pátria. É autor dos livros “Ecos dispersos”, 1941; “Ao som das marimbas”, 1943; “Debaixo do céu”, 1949, “A restauração de Angola”, 1951; “Cubata abandonada”, 1958, “Mucanda”, 1964; “Monandengue”, 1973. Para Manuel Bandeira que prefaciou o livro “Cubata abandonada” (1958), sem qualquer dúvida, considera que: “Geraldo Bessa Victor recolheu o melhor das mais autênticas vozes de África. Vozes que ele terá ouvido junto às Pedras Negras de Pungo Andongo, conversando com os ventos, os montes, os rios, as velhas mulembas, que lhe falavam de histórias do Quinjango e da Rainha Ginga.”.
O MENINO NEGRO
Geraldo Bessa Victor
O menino negro não entrou na roda
das crianças brancas - as crianças brancas
que brincavam todas numa roda viva
de canções festivas, gargalhadas francas...
O menino negro não entrou na roda.
E chegou o vento junto das crianças
- e bailou com elas e cantou com elas
as canções e danças das suaves brisas,
as canções e danças das brutais procelas.
O menino negro não entrou na roda.
Pássaros, em bando, voaram chilreando
sobre as cabecinhas lindas dos meninos
e pousaram todos em redor. Por fim,
bailaram seus voos, cantando seus hinos ...
O menino negro não entrou na roda.
"Venha cá, pretinho, venha cá brincar"
- disse um dos meninos com seu ar feliz.
A mamã, zelosa, logo fez reparo;
o menino branco já não quis, não quis ...
o menino negro não entrou na roda.
O menino negro não entrou na roda
das crianças brancas. Desolado, absorto,
ficou só, parado com olhar cego,
ficou só, calado com voz de morto.
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