uma análise do catolicismo brasileirono segundo império
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R e v i s t a C a m i n h a n d o v . 1 3 , n . 2 1 , p . 6 1 - 7 8 , j a n - m a i 2 0 0 8 1 1 1
Uma anlise do Catolicismo Brasileirono Segundo Imprio
Douglas Nassif
Resumo
Partindo de uma afirmao de Daniel Parish Kidder,
de 1837, sobre o carter tolerante do catolicismo
brasileiro, o autor investiga as vertentes do
catolicismo no segundo imprio (18401889) no
Brasil. As tendncias antagonistas galicanistas,
jansenistas e ultramontanistas so comparadas
com a abertura iluminista da reforma pombalina.
Palavras-chave
Catolicismo reforma pombalina galicanismo
jansenismo ultramontanismo.
Ministro do Evangelho e professor de Teologia e Histria. Pesquisador na rea de Histria do Protestantismo, atuando principalmente nos seguintes temas: Histria, Biografia, Teologia e Msica Sacra. Telogo, Administrador, Mestre e Doutor em Cincias da Religio/Umesp. Endereo eletrnico: douglas.cardoso@metodista.br
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1 1 2 D o u g l a s N A S S I F , U m a a n l i s e d o C a t o l i c i s m o B r a s i l e i r o n o S e g u n d o I m p r i o
An analysis of the BrazilianCatholiscism in the Second Empire
Douglas Nassif
Abstract
Based on a 1837statement of Daniel Parish Kidder
about the tolerant character of the Brazilian
Catholicism, the author researches on the groups
of Catholicism in the Second Empire (1840-1889) in
Brazil. Both main groups, conservative
(Ultramontanism) and Liberal (Galicanism,
Jansenism and Masonry), are analyzed, starting
from the impact of Iluminism in Portugal, going
through the arrival of the Portuguese court to
Brazil, up to the formation, development and
decline of the Brazilian Empire.
Keywords
Catholicism Galicanism Jansenism Ultramon-
tanism.
Presbyterian minister and professor of the Faculty of Theology, Umesp. Research in History of Protestantism (his-tory, biography, theology and sacred music). Theologian, administrator, master and Ph. D. in Religious Studies, Umesp.Electronic address: douglas.cardoso@metodista.br
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R e v i s t a C a m i n h a n d o v . 1 2 , n . 1 9 , p . 7 9 - 9 2 . j a n j u n 2 0 0 7 1 1 3
Una anlisis del catolicismo brasileo en el segundo Imperio
Douglas Nassif
Resumen
Partiendo de una afirmacin de Daniel Parish Kidder
de 1937 sobre el carcter tolerante del
catolicismo brasileo, el autor investiga las
vertientes del catolicismo en el segundo imperio
(1940-1989) en Brasil. Las dos corrientes
principales, conservadora (ultramontismo) y liberal
(galicanismo, jansenismo y masonera), son
analizadas a partir del impacto del Iluminismo en
Portugal, pasando por la venida de la corte
portuguesa a Brasil hasta la formacin,
desenvolvimiento y declino del imperio brasileo.
Palabras Clave
Catolicismo, galicanismo, jansenismo y masonera.
Pastor presbiteriano y profesor de la Facultad de la Teologa, Umesp. nfasis de investigacin: historia del protestantismo (historia, biografa, teologa, msica sacra). Telogo, administrador, y Doctor en Ciencias de la Religin, Umesp. Correo electrnico: douglas.cardoso@metodista.br
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1 1 4 D o u g l a s N A S S I F , U m a a n l i s e d o C a t o l i c i s m o B r a s i l e i r o n o S e g u n d o I m p r i o
minha firme convico, que nenhum outro pas catlico do globo existe, onde
prevalea maior grau de tolerncia e liberalidade de
sentimento para com os protestantes. Posso afirmar que, durante toda a minha
estada e viagem no Brasil na qualidade de missionrio protestante, nunca recebi
a mais leve oposio ou afronta do povo.
(Daniel Parish Kidder)1
Introduo
Este ensaio surgiu numa conversa
com o professor Helmut Henders na sala
de professores da Faculdade de Teologia
da Igreja Metodista, na Umesp. Salvo
engano, falvamos sobre situaes de
curiosas alianas produzidas no perodo
da insero do protestantismo no Brasil.
No faltam exemplos a respeito nas bio-
grafias dos missionrios pioneiros do
protestantismo de misso. Comentva-
mos o texto que havamos produzido
sobre estas questes e as diversas foras
presentes no catolicismo brasileiro no
sculo XIX ultramontismo, galicanismo,
jansenismo e maonaria quando fomos
convidados a registrar as origens e carac-
tersticas destas diferentes representa-
es.
Para melhor compreender nosso obje-
to, retornamos um sculo antes do incio
do imprio brasileiro. Dada a breve ex-
tenso deste artigo e de seu objetivo
principal de reconhecer as origens destes
partidos ideolgicos, no analisamos
participaes individuais de seus mem-
1 KIDDER, D. P. & FLETCHER, J. C. O Brasil e os Brasileiros. Companhia Editora Nacional: So Paulo, Recife, Rio de Janeiro e Porto Alegre, 1941, p. 158.
bros. Recomendamos para aprofunda-
mento neste tema o texto de David Guei-
ros Vieira, O protestantismo, a maona-
ria e a questo religiosa no Brasil, nosso
principal referencial terico.
Dividimos nossa pesquisa em quatro
partes. Na primeira, discorreremos sobre
o impacto do Iluminismo sobre Portugal
provocando a reforma pombalina. Na
segunda parte apresentaremos os efeitos
desta reforma at a chegada da corte
portuguesa ao Brasil. A seguir rememora-
remos o breve perodo de 1808 a 1824,
da vinda de D. Joo elaborao da
Constituio do Imprio do Brasil, um
momento de reconstruo do pas. E,
finalmente, na quarta parte analisaremos
as quatro faces presentes no catolicis-
mo brasileiro no segundo imprio.
Primeira parte: do iluminismo reforma pombalina
A maior parte das representaes que
atuavam no campo religioso do Brasil
imprio (18221889) foi constituda no
sculo anterior, a partir do movimento
denominado Iluminismo, que marcou
profundamente a sociedade europia
ocidental no tocante a poltica, filosofia,
religio, cincia e demais campos do
saber, mudando a forma de organizao
das naes.
A forte influncia do movimento ilu-
minista atingiu o ambiente acadmico e
segmentos da elite de Portugal em mea-
dos do sculo XVIII. Vrias polmicas
foram iniciadas. Duas correntes emergem
neste momento histrico de Portugal, de
um lado o conservadorismo liderado pe-
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los jesutas que buscavam a manuteno
do modelo de sociedade portuguesa do
Antigo Regime2 e, de outro, clrigos e
intelectuais provenientes das elites que
apresentavam um novo projeto que con-
templasse as diversas eivindicaes ad-
vindas do Iluminismo.
O rei de Portugal D. Jos I (1714
1777), ao assumir o trono em 1750,
percebendo a possibilidade de uma revo-
luo, desenvolveu um sistema poltico
intermedirio, o despotismo ilustrado,
regime de governo que agregava ao Ab-
solutismo monrquico os princpios filos-
ficos iluministas. Para executar as trans-
formaes polticas necessrias, D. Jos I
nomeou Sebastio Jos de Carvalho e
Melo (16991782), o futuro Marqus de
Pombal (nomeado em 16 de outubro de
1769)3.
Inspirado na revoluo industrial in-
glesa, imediatamente o Marqus de Pom-
bal comeou a criar indstrias e compa-
nhias de comrcio. Racionalizou a admi-
nistrao e inovou ao permitir a partici-
pao de elites econmicas em projetos
governamentais. Promoveu reforma radi-
cal no ensino, importando mtodos e
incentivando a cincia, abrindo Portugal
utilizao das novas tecnologias.
O choque entre os jesutas e o Mar-
qus de Pombal era inevitvel. A Compa-
nhia de Jesus no aceitara o novo siste-
ma de governo em que no se aceitava a
influncia da Igreja sobre o Estado. Em
2 Antigo Regime, ou seja, o conjunto de monarquias absolutas imperantes na Europa desde o incio do sculo XVI. In: FAUSTO, Boris. Histria do Brasil. Edusp: So Paulo, SP, 2007, p. 106.
3 SIMONSEN, Roberto C. Histria Econmica do Brasil (15001820). Companhia Editora Nacional: So Paulo, SP, 8 edio, 1978.
12 de janeiro de 1759 foi publicado o
decreto de expulso dos jesutas de Por-
tugal e do Brasil.
Segunda parte: da reforma pombalina vinda da corte ao Brasil
Os estudantes que afluram a Portugal
no perodo da reforma pombalina foram
impactados com o Iluminismo. S na
Universidade de Coimbra passaram 1752
estudantes brasileiros, unindo as idias
iluministas aos ideais do liberalismo pol-
tico, questionando o regime imposto
sobre a colnia e iniciando vrios movi-
mentos de luta pela independncia do
Brasil. Estes estudantes, oriundos das
elites brasileiras e padres, retornaram ao
pas com um novo propsito: o sonho da
independncia, tramando projetos revo-
lucionrios.4
Um dos princpios do processo revolu-
cionrio era o da liberdade de conscin-
cia, os clrigos e os demais intelectuais
participantes abriram-se tolerncia
religiosa; desta forma o carter obrigat-
rio de uma nica interpretao da f
catlica imposta pelos representantes de
Roma, presente desde a chegada dos
primeiros portugueses, comeou a se
tornar desacreditado.5 Este entendimento
ir auxiliar a aceitao de presena aca-
tlica no Brasil do sculo XIX.
O processo de formao de sacerdo-
tes no Brasil, sem infra-estrutura ade-
quada em seus seminrios devido a res-
4 AZZI, R. A Crise da Cristandade e o Projeto Liberal. Paulinas: So Paulo, 1991, p. 61-63.
5 AZZI, R. A Crise da Cristandade e o Projeto Liberal, p. 116-124.
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tries impostas pelo padroado, provocou
intensa secularizao, distanciando-os do
contato nico com a igreja, permitindo
que os mesmos abraassem ideais popu-
lares e uma cosmoviso iluminista. Mes-
mo dentro das diversas ordens religiosas
comea o despertar de um sentimento ou
conscincia nacionalista. O Vaticano teve
de intervir entre franciscanos e carmelitas
que reivindicavam igualdade de direito
entre lusos e brasileiros.6
A reforma pombalina influenciou as e-
lites e o clero brasileiro. No foi possvel
seguir o princpio de desigualdade entre
metrpole e colnia. A revoluo ameri-
cana e a revoluo francesa forneceram
modelo e acenderam ideais nacionalistas
manifestos nos diversos movimentos de
libertao do final do sculo XVIII e incio
do sculo XIX. O pensamento liberal,
junto com as novas concepes crists
manifesta nos movimentos revolucion-
rios, rompeu o conceito de autoridade do
monarca e do papado.
Terceira parte: da vinda da corte 1. constituio do Brasil
D. Joo, ao chegar ao Brasil em 28 de
janeiro de 1808, assinou decreto abrindo
portos do Brasil s naes amigas. Seu
segundo decreto revogava a proibio de
se industrializar no pas; alm disto, isen-
tava de tributao a importao de mat-
rias primas e oferecia subsdios s inds-
trias. O prncipe regente incentivou a
6 AZZI, R. A Crise da Cristandade e o Projeto Liberal, p. 101.
inveno e introduo de novas mqui-
nas7.
A proteo dada a Portugal contra as
tropas napolenicas realizando opera-
o de comboio da frota lusa de Lisboa
at seu destino, a cidade do Rio de Janei-
ro rendeu, aos ingleses, benefcios
descritos no Tratado do Comrcio e no
Tratado de Amizade, celebrado pelas
duas naes em 1810.
O campo religioso brasileiro, hermeti-
camente fechado aos acatlicos de 1500
a 1808, abriu-se por influncia inglesa.
Por meio do Tratado do Comrcio, Portu-
gal permitia a construo de igrejas e
cemitrios protestantes, assegurando a
liberdade de culto.8 A expectativa do fim
do trfico de escravos levou D. Joo a
tomar medidas em prol da entrada de
imigrantes no pas. Esperava-se, junto
dessas novas levas populacionais, a pre-
sena inclusive de imigrantes protestan-
tes.
A proclamao da independncia no
dia sete de setembro de 1822 e a coroa-
o de D. Pedro I em 12 de outubro do
mesmo ano atenderam em parte s aspi-
raes nacionalistas brasileiras. Manti-
nham-se quadros hierrquicos anteriores,
entretanto dissolvia-se a relao de de-
pendncia com Portugal. A presena do
clero na Assemblia Constituinte, instala-
da em trs de maio de 1823, era marcan-
te. Dos noventa deputados, dezenove
eram padres e a presidncia recaiu sobre
7 FAUSTO, Boris. Histria do Brasil, 2007, p. 122. 8 RODRIGUES, J. C. Religies Acatholicas no Brazil.
Jornal do Comrcio: Rio de Janeiro, 1904, p. 105.
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D. Jos Caetano de Souza Coutinho,
bispo do Rio de Janeiro.9
A Carta Constitucional, outorgada em
25 de maro de 1824, exibia marcas da
diplomacia inglesa e do liberalismo catli-
co dos constituintes, promovendo uma
situao nova, nunca antes ocorrida na
histria de Portugal ou do Brasil, a possi-
bilidade de tolerar outra religio em seu
territrio, com liberdade de culto.
Quarta parte: definida as diferentesfaces catlicas
As principais correntes ideolgicas ca-
tlicas presentes no Brasil imprio foram,
como j vimos, o galicanismo, o janse-
nismo, a maonaria e o ultramontismo.
Com exceo do ultramontanismo, os
demais movimentos no eram excluden-
tes, isto , poderiam ter representantes
em dois ou mais grupos simultaneamen-
te. Abaixo apresentamos breve descrio
destes movimentos.
GALICANISMO o termo enfeixava as
vrias teorias de Estado desenvolvidas na
Frana com relao Igreja Catlica,
assim como com o papado. Nestas teori-
as derrubavam-se antigas pretenses
teocrticas papistas da Idade Mdia,
tendo sido inseridas na "Declarao do
Clero Francs", de autoria do Bispo Jac-
ques Benigne Bousset, publicada em
1682, que declarava o poder temporal
dos reis independente do papado. Desta
maneira ficaram conservadas as antigas
liberdades do clero francs, cujo Conse-
9 RODRIGUES, J. C. Religies Acatholicas no Brazil, p. 110.
lho Geral estava acima do Papa, e que a
autoridade infalvel da igreja residia nas
decises conjuntas entre os bispos e o
Papa. Dentro deste conceito estava o
padroado, direito do rei de recolher os
dzimos e nomear os bispos, diferente do
padroado, concedido pelo Papa aos reis
portugueses e espanhis na poca dos
descobrimentos.10 O Galicanismo dividia-
se em dois segmentos: poltico ou religio-
so.
O Galicanismo poltico a tentativa
de subordinar o clero e os bens da Igreja
ao Estado. Sua origem pode ser encon-
trada no reinado de Felipe IV, o Belo, que
se colocou frontalmente contra o Papa
Bonifcio VIII, em 1296, proibindo a
sada de ouro do reino. Em 1301 impede
bispos franceses de obedecerem convo-
cao papal em Roma. A situao atingiu
seu ponto mximo com o Grande Cisma,
com o chamado papado de Avinho. Nos
sculos seguintes diversos monarcas
franceses continuaram este conflito pelo
poder com o Vaticano, destacando-se
Lus XIV e Napoleo11. Esta concepo do
predomnio do Estado sobre a Igreja
tambm foi denominado Regalismo.
O Galicanismo religioso desenvolveu-
se nos Conclios de Constana (1414
1418) e de Basilia (14311442), que
restringiu o poder papal, modificando a
forma de governo de curialismo para o
concilianismo. Este movimento tornou-se
caracterstico na igreja francesa, cujos
telogos e canonistas afirmavam a supe-
10 VIEIRA, D. G. O Protestantismo, a Maonaria e a Questo Religiosa no Brasil. Editora Universidade de Braslia: Braslia, DF, 1980, p. 28.
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1 1 8 D o u g l a s N A S S I F , U m a a n l i s e d o C a t o l i c i s m o B r a s i l e i r o n o S e g u n d o I m p r i o
rioridade do Conclio Geral e tambm
rejeitavam a infalibilidade papal. O Gali-
canismo religioso resistiu at o Conclio
Vaticano I, realizado em 1870, que imps
o curialismo e a doutrina da infalibilidade
papal12.
JANSENISMO Denomina-se Janse-
nismo a corrente doutrinria inspirada na
obra Augustinus de Fleming Cornelius
Otto Jansen (15631638), bispo de Y-
pres. Nesta obra, Jansen trata a questo
da graa divina e vontade humana na
salvao. A base da reforma era a mu-
dana de sua teologia, do tomismo para o
augustianismo, que produziu ensinamen-
tos religiosos muito parecidos com os
calvinistas. Jansen declarou que a con-
verso dependia da vontade de Deus e
que a justificao se dava no relaciona-
mento do homem com Deus, indepen-
dente das boas obras. Enfatizava a leitura
diria da Bblia e a prtica de vida piedo-
sa, opondo-se com veemncia aos jesu-
tas e a seus mtodos conversionistas.13
Durante o sculo XVI formaram-se as
posies de protestantes que afirma-
vam que a salvao era decorrente da f
to somente (sola fide) e a resposta
catlica produzida no Conclio de Trento,
que associava a f e as obras salvao.
As teses de Jansen foram imediatamente
combatidas por jesutas e pelo Vaticano.
Dois anos aps a publicao do Augusti-
nus, em 1642, ele foi condenado pelo
Papa Urbano VIII. Caindo na clandestini-
11 CHRISTOPHE, Paul. Pequeno Dicionrio da Histria da Igreja. Apelao (Sacavm): Edies So Paulo, Portugal, p. 59-60.
12 CHRISTOPHE, Paul. Pequeno Dicionrio da Histria da Igreja, p. 60-61.
13 VIEIRA, D. G. O Protestantismo, a Maonaria e a Questo Religiosa no Brasil, p. 29.
dade, o Jansenismo sobreviveu por meio
de Duvergier de Hauranne, amigo de
Jansen, abade de Saint-Cyran, a abadia
cisterciense de Port-Royal. Homens ilus-
tres mudam sua residncia para prximo
da abadia, forma-se uma comunidade
que seguia a proposta asctica do Bispo
de Ypres. A questo de fundo no era a
soteriologia, mas o tipo de pastoral, de
moral e de comportamento do clero. O
Jansenismo refutava as prticas pastorais
jesutas e do Vaticano. A resposta papal
no tardou; em 1653 o Papa Inocncio X
condenou cinco proposies jansenistas,
condenao reafirmada, em 1656, pelo
Papa Alexandre XIV. Em 1709, Lus XIV
manda destruir a abadia de Port-Royal e
dispersar as religiosas. Em 1713, trono e
altar unem-se contra o Jansenismo. Lus
XIV obtm do Papa Clemente XI a Bula
Unigenitus, que condena 101 proposies
do Livro Reflexes Morais, obra do jan-
senista Quesnel. Em 1717, quatro bispos
jansenistas so excomungados14.
O Jansenismo simbolizava oposio
ao modelo de prticas pastorais e religio-
sas dos jesutas e do Vaticano. Expressa-
va uma nova proposta de devoo, com
vida austera e nfase na busca da salva-
o individualmente.
MAONARIA No incio do sculo XIX
foram fundadas as primeiras lojas ma-
nicas no Brasil, em 1801 no Rio de Janei-
ro e em 1802 na Bahia, tendo sido liga-
das Grande Loja Francesa. No Brasil
Imprio formaram-se duas lojas: O
Grande Oriente, em 28 de maio de 1822,
dominada por republicanos; e a Aposto-
14 CHRISTOPHE, Paul. Pequeno Dicionrio da Histria da Igreja, p. 83-85.
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lado da Nobre Ordem dos Cavaleiros da
Santa Cruz, em 2 de junho de 1822,
conservadora. Sua influncia era tama-
nha que D. Pedro I filiou-se em ambas,
distanciando-se do clero conservador. Os
dois principais lderes do imprio, Joa-
quim Gonalves Ledo e Jos Bonifcio de
Andrada e Silva, pertenciam s duas lojas
manicas. O programa de ao da loja
alterava-se de conformidade com a ideo-
logia de seus participantes, fosse ela
monrquica ou republicana. O liberalis-
mo, com a busca do progresso atravs da
educao e da cincia, era comum em
todas as lojas, sendo fator formativo do
pensamento das lideranas brasileiras a
este respeito.15
No segundo imprio, D. Pedro II deu
continuidade ao pensamento liberal dos
regentes que o precederam, aliando um
extremo cuidado das prerrogativas na-
cionais ao ceticismo em matria religiosa.
Durante seu longo governo criou apenas
trs novos bispados, sendo todos eles em
seus quinze anos iniciais. Sua vida moral
foi irrepreensvel; no se envolveu com a
maonaria apesar de toler-la.
A influncia da maonaria pode ser
avaliada ao considerarmos que, em 1867,
73 lojas faziam parte do Grande Oriente
do Lavradio. Muitos liberais catlicos
maons, clrigos e leigos, pertenciam a
correntes galicanistas e jansenistas. O
conflito entre Igreja e Estado na dcada
de 1870 foi iniciado com um discurso
manico do Padre Almeida Martins, a
quem seu bispo, D. Pedro de Lacerda
intimou, em obedincia ao Syllabus, a
15 VIEIRA, D. G. O Protestantismo, a Maonaria e a Questo Religiosa no Brasil, p. 40.
abjurar a maonaria. Com a desobedin-
cia do padre, o bispo de Olinda, D. Vital,
tomou sobre si a continuidade da ques-
to.
Vrios relatos do segundo imprio
demonstram que a maonaria protegeu o
protestantismo nascente e em suas filei-
ras possua missionrios, pastores e
membros de igrejas protestantes.
ULTRAMONTANISMO Etimologica-
mente significa alm dos montes em
aluso submisso s ordens do Papa e
do Vaticano. O movimento surgiu no
sculo XIX, em oposio queles que
desejavam restringir o poder papal, isto
, os catlicos liberais, representados
principalmente por galicanistas, jansenis-
tas e maons.
No Brasil Imprio, a presena do ul-
tramontanismo no incio foi diminuta,
aumentando com o passar do tempo,
principalmente com a vinda dos nncios e
internncios, assim como de Ordens
religiosas estrangeiras, que aos poucos
comearam a retornar ao Imprio: os
lazaristas em 1827; os capuchinos em
1862; e os jesutas em 1866, alm dos
clrigos brasileiros formados nos semin-
rios da Frana e da Itlia.16
O poder sacerdotal do ultramonta-
nismo fora quebrado desde a indepen-
dncia, sendo que por pouco no ocorreu
o desligamento da igreja brasileira com o
Vaticano numa ocasio em que no fo-
ram aceitas as indicaes de dois bispos
brasileiros, entre eles o Padre Antnio
Diogo Feij17.
16 VIEIRA, D. G. O Protestantismo, a Maonaria e a Questo Religiosa no Brasil, p. 32.
17 KIDDER, D. P. & FLETCHER, J. C. O Brasil e os Brasileiros, p. 157.
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1 2 0 D o u g l a s N A S S I F , U m a a n l i s e d o C a t o l i c i s m o B r a s i l e i r o n o S e g u n d o I m p r i o
O auge do ultramontanismo ocorreu
durante o pontificado de Pio IX (1846
1878), perodo em que ocorre o Conclio
Vaticano I, que centralizou o poder da
Igreja na cria papal e definiu a doutrina
da infalibilidade papal. Esta posio privi-
legiava o absolutismo, tanto na Igreja
quanto na sociedade, tornando o catoli-
cismo romano em adversrio das corren-
tes progressistas. O Papa Pio IX consoli-
dou estas decises com a publicao da
Encclica Quanta Cura e do Syllabus, em
que lista oitenta erros modernos, entre
eles o liberalismo, a separao entre
Igreja e Estado, a liberdade de conscin-
cia e de religio18.
O zelo de D. Pedro II na escolha dos
bispos do Brasil, assim como no prover
verbas para envio de seminaristas s
melhores escolas de Frana e Portugal,
permitiu, sem o saber, o fortalecimento
da ala conservadora da igreja, ultramon-
tista, havendo, em 1872, poca da cha-
mada Questo Religiosa, pelo menos
cinco bispos desta orientao no Brasil19.
Concluso
A diversidade de ideologias presentes
no sculo XIX no campo religioso e polti-
co brasileiro foi fruto do impacto do Ilu-
minismo na Europa do sculo XVIII. A
reforma pombalina permitiu que Portugal
e suas colnias recebessem os benefcios
das propostas iluministas.
Numa poca de surtos revolucionrios
era inevitvel a influncia destes movi-
18 CHRISTOPHE, Paul. Pequeno Dicionrio da Histria da Igreja, p. 139-140.
19 ALVES, Mrcio Moreira. A Igreja e a Poltica no Brasil. Brasiliense: So Paulo, SP, 1979, p. 28-30.
mentos sobre os brasileiros. O projeto
colonizador portugus pretendia que as
colnias no possussem identidade pr-
pria, comportando-se como simples ex-
tenso territorial da matriz. A reforma na
Universidade de Coimbra exportou uma
nova cosmoviso e ideais revolucionrios
ao Brasil.
A vinda da corte portuguesa ao Brasil
inaugurou um perodo de modernizao
nunca experimentado no pas. A dupla
influncia, cultural francesa e poltico-
econmica inglesa impulsionou o pas a
um desenvolvimento acelerado e a alcan-
ar a independncia de Portugal, sonho
que motivava conspiraes em vrias
provncias da colnia.
Os movimentos de reforma poltica e
religiosa o galicanismo, o jansenismo e
a maonaria ganharam adeptos entre a
aristocracia e o clero brasileiro e foram
decisivos para a formao da nova ptria.
A insero e a legitimao do protestan-
tismo no Brasil imprio deu-se com a
cooperao das diversas foras liberais
catlicas, atravs da ocupao de espa-
os na mdia impressa, no campo do
Direito e no cenrio poltico.
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