trabalho informal no brasil: uma questão de “opção”?
Post on 12-Apr-2022
3 Views
Preview:
TRANSCRIPT
Revista Vox. Revista da Faculdade de Direito e Ciências Sociais do Leste de Minas – Reduto/MG. Edição n.05, janeiro-junho 2017, p. 27-40
ISSN: 2359-5183
27
Trabalho informal no Brasil: uma questão de “opção”?
Hudson S. dos Santos1
Márcia C.S. de Oliveira2
RESUMO: O presente artigo pretende compreender o fenômeno do trabalho informal na realidade brasileira,
tendo em vista a necessidade de retomar o estudo da temática no atual cenário de crise econômica, momento
em que a contradição da relação capital-trabalho se intensifica e promove uma ambígua oportunidade. Para
tanto, com base em uma abordagem qualitativa, utilizam-se a revisão de literatura e dados oficiais sobre o
mercado de trabalho no Brasil. O estudo, que compõe uma agenda de pesquisa sobre as reconfigurações do
mundo do trabalho contemporâneo, estrutura-se da seguinte forma: (1) apresentação dos principais
entendimentos sobre trabalho informal; (2) apresentação do histórico de regulamentação do trabalho; (3)
análise do trabalho informal na realidade brasileira e seu significado no processo de acumulação capitalista.
Palavras-chave: Trabalho; Precarização; Trabalho Informal.
ABSTRACT: The aim of this article is to understand the phenomenon of informal employment in the scope
of Brazil, as this study needs to be resumed due to the current scenario of economic crisis in the country, when
the capital vs. work contradiction builds up and provides for an ambiguous opportunity. In this regard, based
on a qualitative approach, both literature review and official data on the labor market in Brazil are considered.
The study, which makes up a research agenda on reconfigurations of the modern working world, is structured
as follows: (1) review of the key understandings of informal employment; (2) review of the history of labor
regulations; (3) review of informal employment considering the Brazilian reality and its meaning in the
capitalist accumulation process.
Key-words: Employment; Precariousness; Informal employment.
1 Introdução
Em um contexto de registro constante de taxa de desocupação de 11,8% no mês de agosto de 2016,
conforme veiculação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNAD Contínua)3,
que, em essência, representa um dos sintomas da crise econômica vivenciada hoje pelo Brasil, a
temática do trabalho informal sempre retorna à evidência, e consigo novas e velhas questões/desafios
são colocados aos pesquisadores, estimulando-os a compreender a expressão deste fenômeno nas
suas várias expressões.
O presente artigo, que se enquadra em uma primeira etapa de uma agenda de pesquisa acerca das
reconfigurações do mundo do trabalho contemporâneo, pretende compreender o fenômeno do
trabalho informal na realidade brasileira, enfatizando a “opção” que o trabalho informal representa
para a relação capital-trabalho. Para cumprir tal objetivo, buscou-se realizar uma abordagem
qualitativa, com a revisão de literatura das áreas da sociologia do trabalho, economia do trabalho e
1 Mestre/PPGSD-UFF e Técnico-Administrativo/IFBA, (Gemut-UFF // IEPS – UEFS). E-mail:
hudson_adv@yahoo.com.br
2 Mestranda PPGSD-UFF. E-mail: mcsoliveira.advrj@yahoo.com.br
3 Em setembro de 2016, o IBGE publicou o resultado da PNAD Contínua para o trimestre: junho, julho e agosto de 2016,
em que se constata uma taxa de desocupação de 11,8% (IBGE, 2015); no trimestre anterior (março a maio), a taxa de
desocupação foi 11,2%.
Revista Vox. Revista da Faculdade de Direito e Ciências Sociais do Leste de Minas – Reduto/MG. Edição n.05, janeiro-junho 2017, p. 27-40
ISSN: 2359-5183
28
direito do trabalho, bem como com a utilização de dados oficiais do mercado de trabalho no Brasil,
produzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Assim, com este estudo, que também representa uma autocompreensão dos autores acerca da
temática, espera-se colaborar para a compreensão interdisciplinar do trabalho informal, de forma a
explicitar a ambiguidade que o fenômeno traz consigo, principalmente na realidade brasileira, em que
ocorreu nos últimos anos um aumento dos índices de emprego formal, mas que contraditoriamente
não promoveu impacto significativo sobre as taxas de informalidade, que, por sua vez, estão
retomando seu crescimento com a atual crise econômica.
2 Trabalho informal no Brasil: uma aproximação do campo de pesquisa.
Para compreender o fenômeno do trabalho informal na realidade brasileira, enfatizando a “opção”
que o trabalho informal representa para a relação capital-trabalho, serão abordados aqui (1) os
principais olhares sobre o fenômeno do trabalho informal, a fim de compreender as percepções e
significados dados à informalidade, e sua respectiva funcionalidade, para a apreensão do trabalho
informal no mundo do trabalho contemporâneo; (2) o percurso histórico da regulação do trabalho, a
fim de entender como o fenômeno do trabalho se relaciona com a regulamentação, para a partir daí
compreender o trabalho informal e sua relação com a proteção social; (3) o mundo do trabalho no
Brasil, a fim de compreender o trabalho informal na realidade brasileira contemporânea.
2.1 Trabalho informal: o fenômeno e alguns olhares.
A definição do fenômeno da informalidade é objeto constante de debates teóricos e políticos na
literatura especializada da Economia e da Sociologia do Trabalho. As compreensões e os objetivos
distintos dos autores sobre a temática e a realidade na qual está inserida revelam as dificuldades de
apreensão da realidade social e das alterações sociais, econômicas e políticas, ocorridas desde a
origem do conceito nos anos de 1960/70 até o presente início do século XXI (FILGUEIRAS,
DRUCK, AMARAL, 2004: 212; BARRETO, 2005: 54-55).
Neste debate acadêmico, o processo de acumulação global do capitalismo em nível mundial é o
principal critério utilizado para se proceder à conceituação do fenômeno da informalidade,
destacando-se as seguintes conceituações: Setor Informal, Economia Informal (ilegal, não registrada,
submersa ou subterrânea) e atividades não-fordistas.
Antes de iniciar a apresentação das três principais formas de compreensão do fenômeno da
informalidade, ressalta-se que as mesmas são as mais utilizadas para a elaboração e interpretação das
estatísticas do trabalho informal, sobretudo porque proporcionam objetivos investigativos e
referenciais teóricos diferentes.
Datado do final da década de 1960 e início de 1970, a primeira elaboração do conceito Setor Informal
é produto do Programa Mundial de Emprego, realizado pela Organização Internacional do Trabalho
(OIT) em 1969. Este programa institucional visou indicar proposições para os países
subdesenvolvidos sobre estratégias de desenvolvimento econômico, baseadas na criação de
empregos, em detrimento do crescimento rápido do produto, sendo que, para alcançar tal propósito,
faziam-se avaliações da estrutura produtiva e de emprego e renda dos países em estudo
(CACCIAMALI, 1982: 14-15; BARRETO, 2005: 58-59).
O marco importante sobre a delimitação teórica de Setor Informal está no relatório da OIT sobre
Emprego e Renda no Quênia (1972), no qual se demonstrava a finalidade de construir uma categoria
de análise adequada para descrever as atividades geradoras de uma renda relativamente baixa e que
Revista Vox. Revista da Faculdade de Direito e Ciências Sociais do Leste de Minas – Reduto/MG. Edição n.05, janeiro-junho 2017, p. 27-40
ISSN: 2359-5183
29
agrupassem os trabalhadores urbanos mais pobres (CACCIAMALI, 1982: 14-15). Este relatório
também declarava que o Setor Informal decorria do excedente de mão-de-obra advindo do elevado
crescimento demográfico (êxodo rural) e da incapacidade de absorção da força de trabalho crescente
pelos segmentos modernos (processo de industrialização pós-guerra dos países subdesenvolvidos –
substituição de importações).
Em outras palavras, a inexistência de mecanismos institucionais garantidores de uma renda mínima
conduzia a população não absorvida a sobreviver das atividades de baixa produtividade, fora da
relação assalariada e sem proteção social, apesar dos processos de industrialização tardia dos países
subdesenvolvidos, sendo que estas atividades se aproximavam dos setores mais tradicionais da
economia. Por consequência, as economias dos países dividiam-se em Setores Formais e Informais
(FILGUEIRAS, DRUCK, AMARAL, 2004: 213; BARRETO, 2005: 59).
Em consonância com as formulações duais (formal/informal e moderno/tradicional) dos estudos da
OIT, as “teorias da modernização e da marginalidade 4 ” compreendiam que a informalidade
desapareceria com o desenvolvimento e o crescimento econômico.
Em síntese, a “teoria da modernização 5 ”, balizada no entendimento de que os países
subdesenvolvidos tinham economias polarizadas - por um setor avançado e de ponta sucedido da
recente industrialização, e, por outro lado, um setor de atividades bastante atrasadas, compostas por
migrantes internos -, defendia que a informalidade é um processo transitório e seria superada quando
os países saíssem da condição de subdesenvolvimento.
A “teoria da marginalidade”, diante das dificuldades de superação do subdesenvolvimento pelos
países periféricos, defendia a tese de que certos grupos de trabalhadores seriam inseridos precária e
marginalmente, em longo prazo, no mercado de trabalho, em virtude de alguns fracassos do
desenvolvimento acelerado dos países de industrialização tardia (BARRETO, 2005: 56).
Assim, esta primeira significação do Setor Informal gerou dúvidas e críticas teóricas e empíricas, por:
a) não obedecer a algum rigor ou homogeneidade; b) continuar com a abordagem dual e estática,
semelhante à concepção de setores moderno/tradicional, que não apresentava a complexidade da
dinâmica do processo da produção e do emprego, e que tornava os dois setores (formal e informal) e
suas respectivas estruturas e dinâmicas independentes entre si; c) associar o Setor Informal
diretamente aos segmentos mais pobres e atrasados da população ocupada; d) não considerar a forma
de inserção do trabalhador na produção (FILGUEIRAS, DRUCK, AMARAL: 213).
Neste sentido, fundamentado em Oliveira (1972), Barreto (2005) refere-se às diretrizes gerais da
visão dualista sobre o Setor Informal, salientando que
4 Para um maior aprofundamento crítico sobre as teorias dualistas e sua correlação com a realidade brasileira,
especificamente a constituição do capitalismo brasileiro, sugere-se o texto clássico de Francisco de Oliveira, A economia
brasileira: crítica à razão dualista, em Estudos CEBRAP, n.2, 1972.
5 “De um lado, estava a ‘teoria da modernização’ que sustentava a tese de que o baixo nível global de capitalização dos
países do mundo subdesenvolvido produzia uma estrutura urbana de emprego bastante desequilibrada, contudo esta
situação era considerada provisória, caracterizava-se como uma forma de pré-incorporação dos trabalhadores aos
empregos assalariados. Nesta mesma direção, surgia a ‘teoria da marginalidade’ enfatizando as consequências do
processo de modernização das economias em desenvolvimento que geravam uma estratificação social em que os
trabalhadores não incorporados ao processo produtivo estariam fadados às situações marginais em longo prazo. Por esta
ótica, o trabalho informal era considerado marginal, desintegrado da estrutura produtiva, não exercendo nenhuma função
na estrutura econômica da sociedade. Portanto, estas duas teorias operam com dualismo estrutural que opõem
‘tradicional’ e ‘moderno’, ‘marginal’ e ‘integrado”. (DRUCK, OLIVEIRA, 2007: 03 - grifo nosso).
Revista Vox. Revista da Faculdade de Direito e Ciências Sociais do Leste de Minas – Reduto/MG. Edição n.05, janeiro-junho 2017, p. 27-40
ISSN: 2359-5183
30
[...] não se pode atribuir ao movimento das taxas demográficas a produção de excedentes de trabalhadores na
economia dos países marcados pela informalidade, muito menos se pode considerar que o rápido crescimento
urbano nestes países decorre de um inchaço do setor terciário ou setor de serviços. O setor de serviços que se
forma nestes países, marcados majoritariamente por relações informais de trabalho tem seu tamanho, forma e
característica estreitamente ligadas ao tipo de acumulação do capital que se forma de acordo com as
singularidades históricas de cada nação. [...] O setor de serviços que se forma, sustentado basicamente em
relações informais de produção, não se contrapõe, nem concorre com o setor industrial, ao contrário,
contribui com o processo de reprodução do capital, atuando, de um lado como exército industrial de reserva e
de outro, como escoador de mercadorias da indústria [...] (BARRETO, 2005: 64).
Para buscar a superação das fragilidades teóricas em meados dos anos 1970, a reelaboração do
conceito de Setor Informal atrelou-se às relações do trabalhador com os meios de produção, sendo
definido como
[...] um conjunto de atividades e formas não tipicamente capitalistas, caracterizadas em especial por não
terem na busca do lucro o seu objetivo central e por não haver uma separação nítida entre capital e trabalho,
ou seja, o produtor direto, de posse dos meios de produção, executa e administra a atividade econômica, com
o apoio de mão-de-obra familiar e/ou alguns ajudantes. (FILGUEIRAS, DRUCK, AMARAL, 2004: 213).
Esta definição, enquanto categoria analítica alternativa à dicotomia setores moderno/tradicional,
considera como parâmetro a forma de organização da produção pelas pessoas e firmas,
caracterizando os estabelecimentos informais por possuírem na organização de sua produção um
pequeno número de trabalhadores (remunerados e/ou membros da família), pouco capital e uso de
técnicas pouco complexas e intensivas de trabalho (CACCIAMALI, 1982: 16-17; 2000: 155).
Nesta abordagem, o Setor Informal (pequenos produtores e trabalhadores por conta própria) ocupa os
espaços de produção não capitalistas e subordina-se ao processo mais geral de acumulação. Por
conseguinte, submete-se à dinâmica da produção capitalista: perfil de demanda, distribuição de renda,
transferências de trabalhadores do setor formal para o informal nos períodos de crise etc.
(FILGUEIRAS, DRUCK, AMARAL, 2004: 213).
Destarte, os Setores Formal e Informal são componentes interdependentes do processo de
acumulação capitalista. A informalidade representa as atividades cuja organização não é tipicamente
capitalista (compra e venda de força de trabalho, propriedade dos meios de produção dentre outros),
bem como se recompõe de uma forma subordinada e intersticial ao setor formal nos processos de
desenvolvimento da produção (BARRETO, 2005: 64-65; CACCIAMALI, 1982: 26-35).
Este conceito de Setor Informal, formulado para compreender o fenômeno da informalidade, foi
elaborado num contexto pós-guerra, no qual o desenvolvimento do Estado de Bem-Estar Social nos
países centrais propiciava a expansão das atividades capitalistas organizadas. Desta forma, os setores
privado e público eram incentivados a criar postos de trabalho, respaldados na legalidade das relações
de trabalho (FILGUEIRAS, DRUCK, AMARAL, 2004: 213-214).
Contudo, no final dos anos 1970, a crise do padrão fordista/taylorista6 e do Estado de Bem-Estar
Social (altas taxas de desemprego, desaceleração das economias, aumento da inflação etc.) e as
6 “Compreende-se o fordismo enquanto novo padrão de gestão do trabalho e da sociedade (ou do Estado) que sintetiza as
novas condições históricas, constituídas pelas mudanças tecnológicas, pelo novo modelo de industrialização
caracterizado pela produção em massa, pelo consumo de massa (o que coloca a necessidade de um novo padrão de renda
para garantir a ampliação do mercado), pela ‘integração’ e ‘inclusão’ dos trabalhadores. Tal inclusão, por sua vez, era
obtida através da neutralização das resistências (e até mesmo da eliminação de uma parte da classe trabalhadora – os
Revista Vox. Revista da Faculdade de Direito e Ciências Sociais do Leste de Minas – Reduto/MG. Edição n.05, janeiro-junho 2017, p. 27-40
ISSN: 2359-5183
31
respostas político-econômicas para esta conjuntura (implementação do processo de reestruturação
produtiva e programas de liberalização econômica) desestruturaram as relações de trabalho
predominantes até o presente momento nos países centrais capitalistas.
Tal desestruturação permitiu na época o surgimento de atividades não regulamentadas pela legislação
vigente (subcontratação, terceirização, cooperativismo, estagiarização etc.) e a redução do
contingente de trabalhadores assalariados e socialmente protegidos (FILGUEIRAS, DRUCK,
AMARAL, 2004: 213-214; BARRETO, 2005: 66). Com essa rearticulação na estrutura produtiva,
surge a necessidade de (re)definição da informalidade ante à imprecisão da divisão da economia em
Setores Formais e Informais e às alterações na conjuntura político-econômica.
Desse modo, na literatura especializada, o termo informalidade passou a ser sinônimo de Economia
Informal/Ilegal: “atividades e práticas econômicas ilegais e/ou ilícitas, com relação às normas e
regras instituídas pela sociedade, [...], sendo redefinida, portanto, por um critério jurídico”
(CACCIAMALI apud FILGUEIRAS, DRUCK, AMARAL, 2004: 214).
Observa-se na definição supracitada que não se confere mais centralidade ao trabalho informal e sua
forma de relação com o processo produtivo, mas fundamentalmente à dimensão dos conflitos de
legitimidade e regulamentação legal das atividades laborais (DRUCK, OLIVEIRA, 2007: 03). Esta
(re)significação de informalidade passa a englobar
[...] tanto certas atividades e formas de produção quanto relações de trabalho consideradas ilegais,
entretanto não pode ser identificada como um setor da economia, uma vez que o trabalho assalariado sem
carteira assinada, por exemplo, está presente tanto em empresas e atividades não registradas quanto em
empresas capitalistas formalmente constituídas de acordo com as regras vigentes. Desse modo, nesse segundo
conceito, o trabalhador informal se insere tanto na estrutura produtiva, quanto pelos mercados de produtos e
serviços (FILGUEIRAS, DRUCK, AMARAL, 2004: 214).
Ou seja, neste momento (final dos anos 1970), o conceito de informalidade está associado à
capacidade de regulação, pelo Estado, das atividades que infringem as diversas normatizações
relativas às relações de trabalho (legislação trabalhista, tributária, previdenciária, administrativa
dentre outras).
A partir da década de 1990, sobretudo nos países periféricos, diante do processo intenso de
reestruturação produtiva e de avanço das políticas neoliberais, principalmente pela flexibilização e
precarização nas relações de trabalho, essa segunda conceituação de informalidade demonstra-se
insuficiente para a compreensão da complexidade e heterogeneidade deste fenômeno.
Assim, a elaboração do terceiro significado para o trabalho informal passou a reunir tanto a acepção
de atividades e formas de produção não tipicamente capitalista (Setor Informal), quanto a de
ilegalidade (Economia Informal), denominando-se atividades não-fordistas. Esta denominação
refere-se aos trabalhadores que têm uma inserção precária no mercado de trabalho e contrapõem-se
àquelas atividades tipicamente fordistas, caracterizadas pelo assalariamento regulado
(FILGUEIRAS, DRUCK, AMARAL, 2004: 215; BARRETO, 2005: 69-74).
O foco da análise desta definição direciona-se para as atividades desenvolvidas pelos trabalhadores
nos mercados de bens e serviços e de trabalho, em um contexto de surgimento de novas e reprodução
de antigas e precárias relações de trabalho. A dinâmica econômica não assume papel de centralidade
no estudo.
trabalhadores de ofício) e da ‘persuasão’, sustentada essencialmente na nova forma de remuneração e de benefícios”
(DRUCK, 2001).
Revista Vox. Revista da Faculdade de Direito e Ciências Sociais do Leste de Minas – Reduto/MG. Edição n.05, janeiro-junho 2017, p. 27-40
ISSN: 2359-5183
32
Apresentadas as três principais formas de compreensão do fenômeno da informalidade à luz do
processo de acumulação capitalista – e suas transformações, reestruturações e crises -, sintetiza-se,
assim, que Setor Informal relaciona-se à organização da atividade econômica (capitalista/não
capitalista); Economia Informal, à natureza jurídica da atividade econômica (legal/ilegal); e
atividades não-fordistas, à junção da organização da atividade econômica com a natureza jurídica da
atividade econômica.
Observa-se que as apreensões sobre a informalidade possuem critérios diferentes para as suas
respectivas definições. A aplicação empírica dos mesmos revela graus diferentes de importância do
trabalho informal para o conjunto do sistema produtivo, pois cada um dos critérios engloba distintas
categorias de pessoas ocupadas e diferentes dimensões do mercado de trabalho. A não utilização de
critérios para compreender a informalidade implica numa definição genérica deste fenômeno e, por
conseguinte, uma camuflagem da realidade.
Deste modo, destaca-se que, na investigação empírica das qualificações de informalidade, a
utilização da definição Setor Informal evidencia a menor ou maior heterogeneidade do mercado de
trabalho, ou seja, a amplitude das relações de produção e distribuição não tipicamente capitalista
articuladas, direta ou indiretamente, ao processo de acumulação capitalista e a importância do
emprego e grau de difusão das relações capitalista no conjunto do sistema produtivo; a de Economia
Ilegal/informal demonstra a capacidade de regulamentação pelo Estado das atividades econômicas e
do acesso dos trabalhadores ocupados aos direitos sociais; a de atividades não-fordistas aponta a
amplitude e grau da precarização existente no mercado de trabalho (FILGUEIRAS, DRUCK,
AMARAL, 2004: 227-228).
As três conceituações, apesar de estarem relacionadas à precariedade das atividades econômicas e das
formas e relações de trabalho, possuem limitações para captar as várias expressões heterogêneas entre
si, existentes na realidade da informalidade, a citar os trabalhadores assalariados sem carteira, os
trabalhadores domésticos, os autônomos, os donos de negócio familiar.
Todavia, em consonância com Filgueiras, Druck, Amaral (2004), o conceito de atividades
não-fordistas sobre a informalidade abarca mais a dimensão deste fenômeno (trabalhador familiar,
dono de negócio familiar, empregado doméstico, assalariado sem carteira, trabalhador autônomo e
empregadores que não recolhem para a previdência), pois apenas não apreende as atividades/relações
de trabalho capitalistas registradas (trabalhadores assalariados com carteira, assalariado público e
empregadores que recolhem para a previdência social).
[...] dos três, o conceito mais adequado de informalidade, enquanto expressão do processo de precarização do
trabalho, é aquele que a define a partir das atividades não-fordistas em razão da própria definição de
precarização explicita, que abarca tanto indicadores que refletem situações econômicas específicas
(desfavoráveis) próprias das atividades econômicas não capitalistas vis-à-vis as capitalistas (como a
instabilidade da demanda e do rendimento e longas jornadas de trabalho, por exemplo), quanto indicadores
que expressam situações particulares (desfavoráveis) das atividades não regulamentadas vis-à-vis as
regulamentadas (como a impossibilidade de acesso ao seguro-desemprego e à aposentadoria, inexistência de
férias remuneradas e interrupção do fluxo de rendimentos em razão de doença, por exemplo) (FILGUEIRAS,
DRUCK, AMARAL, 2004: 228).
Assim, depois de apresentadas as principais formas de conceituação do fenômeno da informalidade,
contexto de elaboração e suas diferentes percepções sobre o trabalho informal, para fins deste
Revista Vox. Revista da Faculdade de Direito e Ciências Sociais do Leste de Minas – Reduto/MG. Edição n.05, janeiro-junho 2017, p. 27-40
ISSN: 2359-5183
33
trabalho 7 , adota-se a significação de atividades não-fordistas dada ao trabalho informal, por
possibilitar maior amplitude de análise do processo de precarização das relações de trabalho, no qual,
notadamente, o trabalho informal transversaliza vários dos seus indicadores 8 , por exemplo a
condenação e descarte do Direito do Trabalho.
2.2 Regulamentação do trabalho: um “passeio” na história.
As mutações no mundo do trabalho são uma constância, e também são marcadas por sobreposições e
encadeamentos de distintos momentos históricos. Esta constatação pode ser aferida por intermédio de
diversos mecanismos de controle social, sendo o Direito uma forma privilegiada de regulação, de
(tentativa de) “enquadramento” e de legitimação das variações internas e externas à produção
capitalista.
O desenvolvimento da Revolução Industrial, marco significativo do modo de produção capitalista,
tem raiz na outrora existência das relações feudais, constituídas por suas corporações de ofício e
grêmios de produção. Durante os séculos XVIII e XIX, a Europa assistiu à reimplantação de um
sistema de regulação estatal, e paulatinamente, a liberalização do trabalho industrial e o
desenvolvimento de relações trabalhistas assentadas na “autonomia da vontade”9 10, permanecendo,
contudo, controladas na esfera pública pelo direito público, em especial o penal (SILVA, 2008:
43-44).
Esse novo tipo de relação promoveu a despersonalização da relação laboral, na medida em que o
objeto do contrato deixou de ser a pessoa, passando a ser sua força de trabalho. Neste momento, o
processo de mercantilização da força de trabalho, como um bem colocado à venda no mercado livre,
atinge sua expressão jurídica. A modernização dos Estados e o desenvolvimento do
constitucionalismo liberal influenciaram o desenvolvimento da regulação laboral, passando o preço
do trabalho a ser determinado pelo mercado, transformando-se em mercadoria (SILVA, 2008: 44-45).
7 Tavares (2002), a partir de uma abordagem marxiana, define trabalho informal: “toda relação entre capital e trabalho na
qual a compra da força de trabalho é dissimulada por mecanismos, que descaracterizam a condição formal de
assalariamento, dando a impressão de uma relação de compra e venda de mercadorias consubstancia trabalho informal,
embora certas atividades desse conjunto heterogêneo divirjam no comportamento. Como as referências conhecidas para
regular o emprego estão perdendo sua pertinência, a tipologia formal/informal se torna insustentável, a não ser que se
tenha um conceito de formalidade, cuja base para ser trabalhador formal seja tão somente estar diretamente empregado
por meios de produção tipicamente capitalistas, embora submetido à mesma desproteção social que o trabalhador
informal” (2002: 52). 8 Os estudos de tipologia da precarização de Franco e Druck (2009) apontam como indicadores de precarização do
trabalho para a realidade brasileira: a vulnerabilidade das formas de inserção e desigualdades sociais, intensificação do
trabalho e terceirização, insegurança e saúde no trabalho, perda das identidades individual e coletiva, fragilização da
organização dos trabalhadores e condenação e descarte do Direito do Trabalho.
9 Pachukanis (1988) afirma que “toda relação jurídica é uma relação entre sujeitos. O sujeito é o átomo da teoria jurídica,
o seu elemento mais simples, que não se pode decompor” (1988: 68). Com esta inserção, explica porque o Direito, a partir
do conceito sujeito de direito, é elemento também estruturante do modo de produção capitalista.
10 “A constituição da forma sujeito de direito está, portanto, ligada ao surgimento de determinadas relações sociais de
produção no âmbito das quais a relação de troca de mercadorias se generaliza a tal ponto que passa a abarcar também a
força de trabalho humana. Para que as relações de produção capitalista se configurem, é necessária a existência, no
mercado, dessa mercadoria especial que permite a valorização do capital, a força de trabalho. Ora, a força de trabalho só
pode ser oferecida no mercado e, assim, penetrar na esfera da circulação, transfigurada em elemento jurídico, isto é, sob a
forma do direito, por meio das categorias jurídicas – sujeito de direito, contrato, etc. – enfim, sob a forma de uma
subjetividade jurídica” (NAVES, 2000: 68-69).
Revista Vox. Revista da Faculdade de Direito e Ciências Sociais do Leste de Minas – Reduto/MG. Edição n.05, janeiro-junho 2017, p. 27-40
ISSN: 2359-5183
34
O Direito do Trabalho não surgiu apenas a partir da Revolução Industrial, mas de um longo processo
histórico. A regulamentação do trabalho tal como se entende hoje, de proteção do empregado e
limitação do poder do empregador, tem relação com a ação dos trabalhadores, autônoma ou coletiva,
durante todo o século XIX, em um ambiente de concepção econômica liberal das forças livres de
mercado (SILVA, 2008: 46 e 48).
Já no século XX, datam do pós-Primeira Guerra mundial os movimentos em torno da criação de um
Direito Internacional do Trabalho, em parte, para responder às pressões empresariais nacionais que
argumentavam que os custos do trabalho afetavam sua competitividade e o comércio entre os países.
Após algumas tentativas infrutíferas, o Tratado de Versalhes europeu foi adotado, significando um
grande passo rumo à regulamentação do Direito do Trabalho, em especial com a criação da
Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1919, que impulsionou a regulação uniforme das
condições de trabalho no mundo (SILVA, 2008: 50).
Após a Segunda Guerra, o esfacelamento do território europeu e as necessidades de reconstrução do
continente foram determinantes para a criação de um Estado de Bem-Estar Social (Welfare State),
com base em uma rede de seguridade social e laboral. Neste sentido, a OIT reafirmou a proteção ao
trabalho, o direito das organizações dos trabalhadores aos ajustes coletivos e a busca do bem-estar
como direito fundamental (SILVA, 2008: 55).
No pós-guerra, o Estado foi obrigado a assumir novos papéis e construir novos poderes institucionais,
como o Direito do Trabalho, e, com a reconfiguração dos poderes estatais, o fordismo amadureceu
como regime de acumulação de capital. No âmbito do compromisso social fordista, a negociação
coletiva disciplinava a remuneração e duração do trabalho, deixando as questões organizativas de
produção a cargo da empresa que tinha liberdade quase completa de gestão (SILVA, 2008: 56 e 59).
A crise do Estado de Bem-Estar Social e o conservadorismo neoliberal abalaram as organizações de
trabalhadores (sindicatos) e a autonomia coletiva. Desde a crise do petróleo e do fordismo na década
de 1970, que o desemprego estrutural, a financeirização da economia, a globalização do capital, a
revolução tecnológica e a acumulação flexível dentre outros fatores desencadearam profundas
mudanças no mundo do trabalho. A regulamentação se fragiliza e os âmbitos de atuação são
contestados pelos defensores do neoliberalismo (SILVA, 2008: 59).
Esta panorâmica descrição geral da regulamentação do trabalho indica como a proteção social dos
trabalhadores é permeada de instabilidades, e como a correlação de força da relação capital-trabalho,
ao longo da processualidade histórica, determina avanços e retrocessos na luta por direitos, por
consequência, ampliação ou achatamento das garantias legais (e não necessariamente efetivas...) no
mundo do trabalho. Isto evidencia o quanto o Direito Capitalista do Trabalho11, principalmente nos
11 “O Direito Capitalista do Trabalho progressivamente vem deixando de ser utilizado como um dos principais
instrumentos de sedução do modo de produção para obter a aceitação da maneira de viver que propõe, eis que viver de
modo subordinado não se constitui na única possibilidade que se apresenta às populações dos países desenvolvidos e dos
países em desenvolvimento. O conteúdo deste ramo do Direito, que sempre se configurou como sendo mais protetivo da
ordem capitalista quanto menor a capacidade desestabilizadora dos movimentos populares e sindical, depende das lutas
sociais concretas e das relações estabelecidas entre as classes sociais fundamentais, materializando esta correlação
existente em cada sociedade. No Brasil, por força das precarizações jurisprudenciais e legislativas, havidas na virada do
século, o conteúdo do Direito Capitalista do Trabalho terminou por debilitar sua função de legitimação do modo de
produção e da maneira de existir a ele associada (...) Este ramo do Direito, em seu desenvolvimento histórico no Brasil,
experimentou diversas fases, sempre em decorrência das referidas correlações de força estabelecidas na sociedade. Nos
períodos em que as classes trabalhadoras conseguiram mais intensa mobilização, gradativamente, constatam-se alterações
na regulação estatal incidente sobre as relações de trabalho, com reconhecimento de direitos. Desta mesma forma, nos
períodos em que esta regulação estava à mercê da reação dos setores conservadores, a correlação de forças entre as classes
Revista Vox. Revista da Faculdade de Direito e Ciências Sociais do Leste de Minas – Reduto/MG. Edição n.05, janeiro-junho 2017, p. 27-40
ISSN: 2359-5183
35
cenários de crise econômica e sob a hegemonia neoliberal, progressivamente é utilizado como
ferramenta de garantia e legitimação do processo de acumulação, com a expansão da desproteção
social, em que o trabalho informal é apenas mais um sintoma.
2.3 Trabalho informal: a realidade brasileira em questão.
A teoria econômica neoliberal considera o trabalho mero fator de produção, “desprezando” o
trabalhador. Esta teoria se assenta na ideia de que os mercados se ajustam por si mesmos e seriam
eficientes nisso, pois o equilíbrio social ocorre independente das políticas de distribuição e riqueza,
sendo as ingerências externas, tais como os sindicatos, leis sobre salários mínimos e negociações
coletivas centralizadas, verdadeiros entraves à eficiência do mercado (SILVA, 2008: 59).
A partir da década de 1980, passamos a vivenciar períodos de grande instabilidade na economia
brasileira. Nesse período, houve uma contínua deterioração da qualidade dos produtos e a estagnação
da produtividade da maior parte do parque produtivo nacional. Uma estagnação que vigorou até a
primeira metade dos anos 1990. Nessa época, foi implantado o primeiro plano de estabilização
econômica, o Plano Cruzado (1986), e subsequentes planos econômicos, que colaboraram para que as
empresas, além de reduzirem seus investimentos, começassem a desrespeitar os direitos trabalhistas
estabelecidos, comprometendo sua competitividade (MALAGUTI, 2000: 34-35).
Hoje temos conhecimento de que, na década de 1980, boa parte da população brasileira vivia em
condições de miséria absoluta. Segundo dados oficiais e não oficiais, um terço dos brasileiros obtinha
seu sustento por meio de biscates, ou outros tipos de trabalho precário. De acordo com o Sistema
Nacional de Emprego (Sine), a consequência deste processo foi o aumento, neste período, do número
de pobres em 10 milhões. E isso não é tudo. Ao final dos anos 1980, ocorreu ainda uma das piores
mazelas do capitalismo, o desemprego em massa, inicialmente entre trabalhadores com menores
qualificações, e, em poucos anos, em boa parte da classe média, ou seja, indiscriminadamente
(MALAGUTI, 2000: 41-42).
“Finalmente” em 1994, foi implantado o Plano Real. A inflação foi controlada, foi retomado o
crescimento econômico e o parque produtivo nacional foi reestruturado. Um “sucesso”! No entanto,
as dificuldades dos anos anteriores não desapareceram. Cada vez mais se percebe que o modelo
econômico não permite brechas para que sejam implementadas políticas de emprego, melhores
salários, distribuição fundiária etc (MALAGUTI, 2000: 42-43).
Neste cenário de desprezo pela proteção social do trabalho, degradação do poder aquisitivo e da
qualidade de vida dos trabalhadores, marginalização da população, desmanche das organizações
sindicais, altos níveis de desemprego etc, multiplica-se o fenômeno da informalidade/atividades
não-fordistas. Nos últimos anos, milhares de famílias brasileiras foram privadas de rendimento e
obrigadas a se sujeitar a diversos modos de sobrevivência. Os que são expulsos do sistema formal de
trabalho são obrigados a entrar para a informalidade (MALAGUTI, 2000: 62-64).
Se inicialmente o trabalho informal oferece uma forma de “ganhar a vida”, vemos que persistem
alguns custos sociais desta ilusão. A remuneração, por exemplo, é menor do que as obtidas pelo
empregado formal, com carteira. Com relação às condições de trabalho, constata-se que a
informalidade não é uma fonte fértil de empreendedores, mas apenas um refúgio para aqueles que não
sociais fundamentais passou a ser mais favorável aos interesses dos empregadores, e a tutela estatal incidente sobre o
trabalho prestado em condições de subordinação restou subdimensionada (...)” (RAMOS FILHO, 2014: 157-158).
Revista Vox. Revista da Faculdade de Direito e Ciências Sociais do Leste de Minas – Reduto/MG. Edição n.05, janeiro-junho 2017, p. 27-40
ISSN: 2359-5183
36
têm opção. Esta é sua verdadeira face! Um mercado em que vigora a precariedade (MALAGUTI,
2000: 65-68).
Conforme ressalta Antunes (2007), se na década de 1980 era relativamente pequeno o número de
empresas de terceirização, posteriormente esse número cresceu consideravelmente, sobretudo para
atender à demanda por trabalhadores temporários, sem vínculo ou registro formalizado. O que se vê é
a crescente “informalização do trabalho, dos terceirizados, dos precarizados, subcontratados,
flexibilizados, trabalhadores em tempo parcial etc”. (2007: 16).
Se no passado, o contingente de trabalhadores informais era inexpressivo, em 2007, eles já
representavam mais de 50% da classe trabalhadora desprovida de direitos e sem carteira de trabalho12.
O aumento do desemprego, a acentuada precarização, o rebaixamento salarial e a perda constante de
direitos fazem parte da nova morfologia da classe trabalhadora. Em verdade, estamos vivendo a
erosão do trabalho contratado e regulamentado, que prevaleceu no século XX, e assistindo a sua
substituição por outras formas, tais como o chamado “empreendedorismo”, “cooperativismo”,
“trabalho voluntário”, “trabalho atípico”. (ANTUNES, 2007: 16-17).
É nesse quadro de precarização estrutural do trabalho que os capitais globais vêm exigindo o
desmonte da legislação trabalhista; e flexibilizar a legislação protetora do trabalhador significa
aumentar as formas de precarização e colaborar com a destruição dos direitos que foram arduamente
conquistados desde a Revolução Industrial, na Europa, e em especial no Brasil, a partir de 1930
(ANTUNES, 2007: 17).
Trata-se de uma destrutividade intensa na medida em que o capital desemprega cada vez mais
trabalho estável, substituindo-o por outros precarizados e em expansão no setor agrário, industrial, de
serviços e em suas múltiplas interconexões. O desemprego estrutural em escala transnacional é a
maior expressão da destrutividade que o mundo do trabalho vem sofrendo. Diante deste quadro, a
informalidade tornou-se um traço constitutivo e crescente da acumulação de capital dos nossos dias.
Entender seus modos de ser é importante para compreender as engrenagens que impulsionam o
mundo do trabalho em sua direção (ANTUNES, 2011: 407-408).
Dentre os modos de ser da informalidade, temos os contratos temporários, sem estabilidade, sem
registro em carteira, dentro ou fora das empresas, em atividades instáveis ou temporárias ou na
condição de desempregado. Dentre suas modalidades, temos os chamados trabalhadores informais
tradicionais, dentre os quais podemos citar costureiras, pedreiros, jardineiros, vendedores
ambulantes, camelôs, empregados domésticos, sapateiros, oficinas de reparos, carregadores,
carroceiros, trabalhadores de rua e serviços em geral, vendedores de produtos, digitadores,
salgadeiras, faxineiras e confecções de artesanato (ANTUNES, 2011: 408-9).
Essa gama de trabalhadores informais tradicionais, inseridos na divisão social do trabalho, contribui
para a circulação e consumo das mercadorias produzidas pelas empresas. Sua inserção é precária,
pois se caracteriza por uma renda muito baixa e sem acesso aos direitos sociais e trabalhistas, tais
como aposentadoria, FGTS, auxílio-doença dentre outros. Também não há horário fixo de trabalho, e
no serviço por conta própria ainda pode haver uso da força de trabalho de outros membros da família.
(ANTUNES, 2011: 409-10).
12 Em 2012, período em que o país ainda não vivenciava a crise econômica atual e possuía índices de emprego formal em
56% para pessoas acima de 16 anos, o contingente de mão de obra informal atingia 44,2 milhões de pessoas (22% da
população). Para a população feminina acima de 16 anos, o trabalho informal feminino atingia 45,2%; para o mesmo
raciocínio, o trabalho informal masculino atingia 43,2%. A média de estudos no trabalho informal era de 6,1 anos para
homens e 7,3 para mulheres (IBGE, 2012).
Revista Vox. Revista da Faculdade de Direito e Ciências Sociais do Leste de Minas – Reduto/MG. Edição n.05, janeiro-junho 2017, p. 27-40
ISSN: 2359-5183
37
Outra modalidade existente é a dos trabalhadores informais assalariados sem registro, tais como os
funcionários da indústria têxtil, de confecções e de calçados dentre outros, e os que trabalham em
domicílio, prestando serviços a grandes empresas. Por fim, podemos citar os trabalhadores informais
por conta própria (ou produtores simples de mercadorias), que contam com sua força de trabalho em
áreas que não atraem investimentos de vulto e também para atender a demanda por determinados bens
e serviços (ANTUNES, 2011: 410-11).
É importante ressaltar que estamos diante de uma fase de desconstrução do trabalho sem precedentes
na era moderna, que amplia os modos de ser da informalidade e da precarização. Neste movimento
“pendular”, estamos oscilando entre o trabalho cada vez mais reduzido, explorado e dotado de
direitos, e a crescente fluidade geradora do trabalho precário e informalizado (ANTUNES, 2011:
417).
Note-se que a desregulamentação das relações de trabalho, apesar de avançada, ainda é um processo
inconcluso no Brasil, aguardando as condições políticas necessárias à implementação do projeto
patronal, que inclui a extinção da CLT e, se possível, do Direito do Trabalho e suas conquistas
históricas. A meta que se pretende atingir é a “prevalência do contrato negociado sobre o legislado”,
ou seja, os trabalhadores passariam a negociar “livremente”, caso a caso, com os empregadores a
inclusão dos seus direitos, hoje estabelecidos em lei, nos seus contratos de trabalho (BORGES, 2007:
84).
Existem ainda outras implicações duradouras do processo de precarização do trabalho, qual seja, a
crescente parcela de trabalhadores sem proteção da previdência social em caso de doença/acidente
incapacitante e de famílias desprotegidas em caso de morte de seu mantenedor(a). Vale citar, ainda, o
aumento do contingente de trabalhadores que na velhice ou invalidez não terão os proventos da
aposentadoria. Assim, os processos em curso não só destroem a proteção social com base no trabalho
protegido, como também transformam aqueles que vivem do trabalho em idosos desprotegidos e
pauperizados. (BORGES, 2007: 89).
No Brasil, o trabalho informal tem sido identificado como a atividade laboral que é mais relacionada
à luta pela sobrevivência. Trata-se de uma parcela expressiva da população que se encontra excluída
da regulamentação trabalhista e proteção social. O país iniciou a década de 1980 com cerca de 1/3 do
total de ocupados submetidos à atividade informal. Mas, desde então, o desemprego vem crescendo e,
no mesmo ritmo, o trabalho informal. Em 20 anos, o Brasil gerou um contingente adicional de 13,1
milhões de trabalhadores não assalariados. No mesmo período, a informalidade cresceu no meio
urbano, absorvendo 15,7 milhões de novas ocupações informais. No ano de 2005, o segmento
informal urbano tinha 33,4 milhões de trabalhadores. Enquanto o número de trabalhadores informais
cresceu 88,5% (de 17,7 milhões em 1985, para 33,4 milhões em 2005), o contingente de
trabalhadores empregados cresceu 62,2%. Estes são dados, no mínimo, preocupantes
(POCHMANN, 2012).
Assim, contemporaneamente, tanto o trabalhador formal quanto o informal vivem momentos de
tensão. Se, por um lado, os trabalhadores formais sofrem com os baixos salários, a flexibilização dos
contratos, a terceirização e/ou a constante ameaça de perda dos direitos conquistados ao longo de
décadas; os trabalhadores que vivem na informalidade, por outro, sofrem por não possuírem
quaisquer direitos, seja os “custeados” pelas empresas, tais como assistência médica e odontológica
privada, vale transporte, vale refeição, vale alimentação etc., seja os “custeados” pelo Estado, tais
como o seguro-desemprego e prestações previdenciárias (benefícios: auxílios, salários,
aposentadorias e pensões; e serviços: reabilitação profissional e serviço social).
Revista Vox. Revista da Faculdade de Direito e Ciências Sociais do Leste de Minas – Reduto/MG. Edição n.05, janeiro-junho 2017, p. 27-40
ISSN: 2359-5183
38
O atual cenário de 2015 mostra quão concreto é o quadro de instabilidade e de nova ofensiva aos
direitos sociais, visto as propostas e alterações normativas em curso, como as alterações dos critérios
de acesso ao seguro-desemprego, a tramitação do projeto de lei da terceirização e o Programa de
Proteção ao Emprego (PPE) do governo federal (que tem como uma de suas propostas a redução da
jornada de trabalho com redução de salário, redução e isenção de impostos para o empresariado).
Enfim, a intensificação do processo de precarização do trabalho promovida pelo Estado dar novos
passos; no mundo do trabalho, o trabalho informal cada vez mais é consolidado como atividade de
sobrevivência; e o capital aproveita a crise para se revigorar.
3 Resultados alcançados
As relações de trabalho contemporâneas têm sido constantemente objeto de estudo, principalmente
devido às transformações estruturais, pelas quais vêm passando nos últimos tempos. No Brasil, após o
processo de reorganização econômica ocorrida a partir da década de 1980, vivenciou-se uma
profunda reestruturação produtiva, caracterizada, entre outros fatores, pela precarização das relações
e condições de trabalho, flexibilização das leis trabalhistas e aumento da informalidade.
O desemprego e o trabalho precário tornaram-se comuns, restando o mercado informal como
alternativa para milhões de trabalhadores, em geral, com pouca escolaridade e, portanto, sem grandes
perspectivas de uma inserção social mais substantiva. Sobretudo nas regiões metropolitanas do país, o
número de trabalhadores informais aumentou rapidamente. Após a estabilização da economia,
esperava-se que os números da informalidade retroagissem, porém, ao longo dos últimos 10 anos,
esse número diminuiu modestamente, de forma que, em 2012, ainda somava mais de 40 milhões13.
Dada a sua importância na captação da mão de obra “excedente” do mercado formal de trabalho, o
trabalho informal tem sido objeto de constante preocupação entre os estudiosos, principalmente por
deixar inúmeros trabalhadores à margem das leis trabalhistas, da proteção da previdência social e
contribuir de forma significativa para o aumento da exclusão social14.
4 Considerações finais
Por meio de pesquisa teórica e de indicadores sociais, conclui-se que, desde as décadas de 1980 e
1990, o país vem sofrendo com os resultados das mudanças econômicas capitalistas, que, além de
contribuírem para o aumento do desemprego, corroboram para o crescimento do número de
trabalhadores informais, que se sujeitam às precárias condições de trabalho e a ausência de direitos
sociais.
A “opção” ao trabalho informal está dada no modo de produção vigente: para o trabalho, a
necessidade de sobrevivência e de buscar, minimamente, sua reprodução social; para o capital, a
exploração funcional dos trabalhadores informais para o processo de acumulação capitalista, ao gerar
produtos e serviços que contenham o máximo possível de trabalho não pago; para o Estado, em
última instância e principalmente nos momentos de crise, a função de garantia do processo de
reprodução do capital.
5 Referências
13 Para maior detalhamento, ver Saraiva; Martins (2015).
14 Para fins de complementação/maior ampliação, sugere-se o texto de Santos (2008).
Revista Vox. Revista da Faculdade de Direito e Ciências Sociais do Leste de Minas – Reduto/MG. Edição n.05, janeiro-junho 2017, p. 27-40
ISSN: 2359-5183
39
ANTUNES, Ricardo. Dimensões da precarização estrutural do trabalho. In: DRUCK, Graça;
FRANCO, Tânia (Orgs.) A perda da razão social do trabalho: terceirização e precarização. São
Paulo: Boitempo, 2007: 13-22.
_________. Os modos de ser da informalidade: rumo a uma nova era da precarização estrutural do
trabalho? In: Serviço Social & Sociedade. São Paulo: nº107, jul./set. 2011: 405-419.
BARRETO, Théo da Rocha. Trabalhadores informais e desempregados: a precarização como
homogeneização “sui generis” na formação dos “sem emprego” – um estudo sobre as trajetórias de
trabalhadores informais e desempregados na Região Metropolitana de Salvador, no final do século
XX. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal da Bahia, 2005.
BORGES, Ângela. Mercado de trabalho: mais de uma década de precarização. In: DRUCK, Graça;
FRANCO, Tânia (Orgs.). A perda da razão social do trabalho: terceirização e precarização. São
Paulo: Boitempo, 2007: 81-94.
CACCIAMALI, Maria Cristina. Globalização e processo de informalidade. In: Economia e
Sociedade, Campinas, v. 9, nº 1, 2000: 153-174, – ou (14), junho de 2000: 153-174.
_______. Um estudo sobre o setor informal urbano e formas de participação na produção. Tese
(Doutorado). Universidade de São Paulo, 1982.
DRUCK, Maria da Graça. Terceirização: (des)fordizando a fábrica – um estudo do complexo
petroquímico. Salvador: Boitempo, 2001.
_______; OLIVEIRA, Luiz Paulo. A condição “provisória permanente” dos trabalhadores informais:
o caso dos trabalhadores de rua da cidade de Salvador. In: XIII Congresso Brasileiro de Sociologia,
2007.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio
Contínua. Maio a julho, 2015.
_________. Síntese de Indicadores Sociais – uma análise das condições de vida da população
brasileira 2012. 2012.
FILGUEIRAS, Luiz A. M.; DRUCK, Graça; AMARAL, Manoela Falcão do. O conceito de
informalidade: um exercício de aplicação empírica. In: Caderno CRH, Salvador, v. 17, nº 41:
221-229, maio/agosto de 2004.
FRANCO, T; DRUCK, G. O trabalho contemporâneo no Brasil: terceirização e precarização. In:
Seminário Fundacentro. Salvador, 2009.
MALAGUTI, Manoel Luiz. Crítica à razão informal: a imaterialidade do salariado. São Paulo:
Boitempo; Vitória: EDUFES, 2000.
NAVES, Márcio Bilharinho. Marxismo e Direito – um estudo sobre Pachukanis. São Paulo:
Boitempo, 2000.
OLIVEIRA, Francisco. A economia brasileira: crítica à razão dualista. In: Estudos CEBRAP, n.2,
1972.
Revista Vox. Revista da Faculdade de Direito e Ciências Sociais do Leste de Minas – Reduto/MG. Edição n.05, janeiro-junho 2017, p. 27-40
ISSN: 2359-5183
40
PACHUKANIS, Evgeny Bronislavovich. Teoria Geral do Direito e Marxismo. São Paulo: Editora
Acadêmica, 1988.
POCHMANN, Marcio. As atividades informacionais têm sido tradicionalmente identificadas no
Brasil como as práticas de trabalho mais relacionadas à luta pela sobrevivência. Revista Forum. São
Paulo, 2012. Disponível em: http://revistaforum.com.br/blog/2012/02
informalidade-reconfigurada-2/. Acesso em: 17.09.2015.
RAMOS FILHO, Wilson. A terceirização do trabalho no Brasil: perspectivas e possibilidades para
uma revisão da jurisprudência. In: Revista Fórum Trabalhista. Belo Horizonte: Fórum, ano 3, nº 15,
nov/dez, 2014: 157-187.
SANTOS, Geórgia Patrícia Guimarães dos. Desemprego, informalidade e precariedade: a situação do
mercado de trabalho no Brasil pós-1990. In: Pro-Posições. Campinas: Edunicamp, v. 19, n. 2 (56),
maio/ago, 2008: 151-161.
SARAIVA, Alessandra; MARTINS, Diogo. País ainda tem 44,2 milhões de trabalhadores
informais, estima o IBGE. Disponível em: http://www.valor.com.br/brasil/2919914/pais
-ainda-tem-442-milhoes-de-trabalhadores-informais-estima-o-ibge. Acesso em: 20.08.2015.
SILVA, Sayonara Grillo Coutinho Leonardo. Relações coletivas de trabalho: processos constitutivos
e fundamentos conceituais. In: ____. Relações coletivas de trabalho: configurações institucionais no
Brasil contemporânea. Rio de Janeiro: LTr, 2008: 42-85.
TAVARES, Maria Augusta. Trabalho informal: os fios (in)visíveis da produção capitalista. In:
Revista Outubro, nº 7. São Paulo: 2002: 49-60.
top related