sther mendes cunha saberes e prÁticas desenvolvidas
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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO
MESTRADO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
LOCAL
Sther Mendes Cunha
SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS PELO CONSELHEIRO
TUTELAR: um estudo em Belo Horizonte -MG
Belo Horizonte
2013
Sther Mendes Cunha
SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS PELO CONSELHEIRO
TUTELAR: um estudo em Belo Horizonte -MG
Dissertação apresentada ao programa de
Mestrado em Gestão Social, Educação e
Desenvolvimento Local do Centro
Universitário UNA, como requisito
parcial para obtenção do título de mestre.
Área de concentração: Inovações Sociais,
Educação e Desenvolvimento Local.
Linha de pesquisa: Processos políticos
sociais: articulações institucionais e
desenvolvimento local
Professora Orientadora: Dra. Eloisa
Helena Santos
Belo Horizonte
2013
Para minha sobrinha Ana Cláudia, que partiu cedo demais, e para Arthur,
que ainda está por vir!
AGRADECIMENTOS
“Nada há como começar para ver como é árduo concluir.”
Victor Hugo
A Deus pela presença, providência e proteção constante perante as fraquezas e
cansaços.
Ao meu marido, Vilmar Oliveira, companheiro de todas as horas. Sempre presente
nesta caminhada, alimentou meus ideais, compartilhou minhas angústias, compreendeu
pacientemente meu nervosismo e falta de tempo. Obrigada por sonhar comigo, pois o seu
amor, estímulo e carinho me deram a força que precisava para prosseguir. Essa conquista
também é sua! Te amarei para sempre!
A Luciana Lemos Antunes, colega de profissão, companheira e amiga-irmã de
todas as horas, faz parte da família que escolhi ter. Suas palavras de incentivo e ânimo me
fizeram, nestes quase dez anos de amizade, uma pessoa muito melhor. Nem a distância, que
nos separa fisicamente, é capaz de diminuir tamanha admiração e amor que tenho por você.
A minha família, especialmente minha mãe, Ana Maria, irmãos e sobrinhos, que
mesmo distantes estiveram tão próximos, me incentivando com palavras de apoio e com um
sorriso amoroso sempre a me encorajar, fazendo com que alcançasse o objetivo almejado.
As amigas Adriana Luppis e Grazielle Rodrigues, que desde os tempos em que
estávamos na graduação em Serviço Social, sonharam e compartilharam comigo a perspectiva
do mestrado.
Aos colegas de trabalho do curso de Serviço Social do Centro Universitário
Metodista Izabela Hendrix e da Faculdade FAMINAS/BH, que compartilharam comigo todas
as fases vividas neste mestrado, sempre me nutrindo apoio e palavras de ânimo, em especial à
Jackeline Bonifácio.
Aos alunos dos cursos de Serviço Social por onde trabalhei - Montes Claros,
Janaúba, Divinópolis e Belo Horizonte -, que nestes oito anos de docência, mesmo
inconscientemente, me incentivaram e me provocaram a adquirir mais conhecimento.
Aos colegas do mestrado, pelo conhecimento e experiências compartilhadas nas
aulas, que foram de grande valia para construção dessa dissertação e que levarei para toda
vida. O que aprendi e vivi com cada um de vocês "não tem preço"! Sentirei muitas saudades!
Em especial, a querida Narjara Garajau, pelo companheirismo e amizade.
Aos professores deste programa de mestrado, que tanto contribuíram com o meu
conhecimento neste período. Levarei este aprendizado para toda vida! Em especial, aos
professores Drº Cláudio Magalhães, Drª Andréa Fuchs, Drª Rosalina Braga e Drª Aurea
Tomazi, pela delicadeza, competência e oportunidade de aprendizado.
A professora Drª Eloisa Helena Santos, pela preciosa contribuição na construção
dessa dissertação. Agradeço a confiança, compreensão, delicadeza e o permanente estímulo
que se tornaram decisivos na elaboração dessa dissertação.
Aos conselheiros tutelares de Belo Horizonte que participaram desta pesquisa,
pela receptividade, confiança e experiências compartilhadas.
Apenas quando somos instruídos pela realidade é que podemos mudá-la.
Bertolt Brecht
Somos a força-motriz, a alavanca,
a massa, o braço forte do brasil.
somos o alicerce da pátria,
o piso, o teto, a parede.
Somos o gol, a vitória,
a força que levanta,
sustenta e balança a rede.
Somos a razão da luta
e a luta é nossa razão...
Somos muitos e seremos tudo
o que quisermos ser,
sobretudo se fizermos por assim ser.
Não há crise que nos resista,
porque só o trabalho pode baixar a crista
de qualquer crise, em qualquer tempo,
por mais que a crise insista.
Somos o trabalho, a produção,
a renda, o lucro, a prenda.
sem nós a riqueza fica difícil!
então, vivas pra todos nós
que somos senhores e senhoras do mundo,
a fábrica da força
capaz de manter a luz acesa,
de manter viva a esperança.
Então, viva a nossa força!
Gonzaga Medeiros, poeta do Vale do Jequitinhonha.
RESUMO
Foram impressas, tanto na Constituição de 1988, como no Estatuto da Criança e do
Adolescente em 1990, propostas de ampliação política da sociedade civil por intermédio de
processos de descentralização político-administrativa que configuram uma nova
institucionalidade na área da infância e juventude no Brasil. Neste cenário, é que emergem os
Conselhos Tutelares, órgãos que têm a função de cuidar para que os direitos das crianças e
adolescentes não sejam violados. A presente dissertação de mestrado buscou conhecer os
saberes e práticas desenvolvidas pelo conselheiro tutelar em Belo Horizonte, pelo referencial
da Ergologia. Optou-se pela abordagem qualitativa e uma pesquisa de tipo descritiva
composta das fases bibliográfica, documental e empírica. Quatro conselhos tutelares de Belo
Horizonte constituíram o locus da pesquisa e, para explicitar o objeto de estudo, foram
selecionados oito conselheiros tutelares como sujeitos. Procurou-se conhecer os saberes e
práticas desenvolvidos por estes trabalhadores (as) como alternativa para enfrentar os desafios
postos pelas frágeis prescrições que se manifestam, principalmente, nas imprecisões contidas
no Estatuto da Criança e do Adolescente –ECA (1990) e no Regimento Interno dos Conselhos
Tutelares de BH (2009). Os resultados apontaram para a existência de um esforço cotidiano,
por parte dos conselheiros, para preencher as lacunas existentes entre o trabalho prescrito,
consubstanciado em Leis e Resoluções, bem como numa insuficiente, senão inexistente
qualificação, e o trabalho real, que os convoca a dar eficiência ao Sistema de Garantia de
Direitos - SDG do município de Belo Horizonte. A partir destes resultados, foi construída
uma proposta de intervenção com o objetivo de compor Grupos de Encontro do Trabalho -
GRTs, que sob o pressuposto do diálogo, reunirá os principais atores responsáveis pela
Política de Atendimento à Criança e ao Adolescente em BH, em particular, os conselheiros
tutelares.
Palavras-chave: Estatuto da Criança e do Adolescente. Atividade de Trabalho do
Conselheiro Tutelar. Ergologia. Saberes e Práticas do Conselheiro Tutelar.
ABSTRACT
Proposals of broadening civil society’s political action through decentralizing political-
administrative process that configures a new institutionalization of children and teenager’s
field in Brazil were register in 1988 Constitution. Tutorial Councils emerge from this
scenario, and they are boards to prevent violations to children and teenagers rights in Brazil.
This dissertation sought to unveils knowledge and practices developed by the Belo
Horizonte’s tutorial council from the Ergology referential. It was an option of qualitative
approach and a descriptive research composed by bibliography, documental and empirical
phases. Four Belo Horizonte’s tutorial councils were chosen as research loci, and to
emphasize the study goal, eight counselors were chosen as subjects. It sought to highlight
knowledge and practices developed by these workers as alternatives to face the challenges
posed by the fragile indications from the SCT (1990) – Statute for Children and Teenagers –
and from the Tutorial Councils’ Internal Regulations (2009). The results indicated to the
existent of a daily effort, from staff workers, in order to fill up the existent gaps between the
job prescriptions, which are embodied into Laws and Resolutions, as well as onto an
insufficient, if not non-existence qualification, and to real job conditions, which ask workers
to assuring efficiency to the RGS – Rights Guaranty System – of Belo Horizonte city. From
these results an intervention by Meetings Group Work – GRTs – was proposed, that under the
premise of a dialog that could unite the main actors responsible for the Children and
Teenagers Policy Attendance in Belo Horizonte, specially, concerning the tutorial counselors.
Key words: Statute for Children and Teenagers. Tutorial Counselors Working Activity.
Ergology. Knowledge and Practices of Tutorial Counselors.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 -
FIGURA 2 -
QUADRO 1 -
Mapa de Belo Horizonte - MG.................................................................. 21
Dispositivo Dinâmico e Três Polos – DD3P.............................................. 54
Sistema de Garantia de Direitos................................................................. 34
10
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANCED Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente
BH Belo Horizonte
CDCA Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente
CEDCA Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente
CF/88 Constituição Federal de 1988
CMDCA Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente
CONANDA Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
CT
DD3P
Conselho Tutelar
Dispositivo Dinâmico a Três pólos
GRTs Grupos de encontro do trabalho
FMI Fundo Monetário Internacional
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
FEBEM Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor
FUNABEM Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor
GRANBEL Associação dos Municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte
ONU Organização das Nações Unidas
PNABEM Política Nacional do Bem-Estar do Menor
SAM Serviço de Assistência ao Menor
SGD Sistema de Garantia e Direitos
SIPIA Sistema de Informação para Infância e Adolescência
MOI Movimento Operário Italiano
PBH Prefeitura de Belo Horizonte
11
SUMÁRIO
1
1.1
INTRODUÇÃO........................................................................................................
Metodologia................................................................................................................
12
19
1.1.2 Procedimentos de coleta e análise de dados.............................................................. 20
1.2 Estruturação dos capítulos......................................................................................... 24
2 REFERENCIAL TEÓRICO................................................................................... 26
2.1 Política de atendimento à criança e ao adolescente no Brasil: da situação irregular
à proteção integral .....................................................................................................
26
2.1.1 O “direito do menor” reconhecido pelo Estado nos Códigos de Menores:
fundamento nos princípios da “situação irregular”..................................................
26
2.1.2
2.1.3
2.1.4
2.1.5
2.2
2.2.1
2.2.2
2.2.3
A Constituição Federal de 1988 e a regulamentação do ECA em 1990:
fundamento nos princípios da proteção integral .......................................................
A estruturação da política de atendimento à criança e ao adolescente no Brasil a
partir do ECA: enfoque no conteúdo, no método e na gestão....................................
O lugar do Conselho Tutelar na defesa dos direitos da infância e juventude...........
A atividade de trabalho exercida pelo conselheiro tutelar........................................
Saberes e práticas desenvolvidas pelo conselheiro tutelar: perspectiva ergológica
de estudo ....................................................................................................................
A abordagem ergológica: conceito e perspectiva de análise.....................................
O reconhecimento da distância entre o trabalho prescrito e o trabalho real............
O Dispositivo Dinâmico a Três Polos - DD3P...........................................................
30
32
36
40
44
45
49
52
3 ARTIGO DE RELATO DE PESQUISA................................................................ 57
4 PRODUTO TÉCNICO............................................................................................. 92
REFERÊNCIAS........................................................................................................ 105
ANEXO A: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.......................................
ANEXO B : Regimento Interno dos Conselhos Tutelares de Belo Horizonte .........
111
112
APÊNDICE A: Questionário - Informações socioeducacionais do Conselheiro
Tutelar de Belo Horizonte - MG.................................................................................
116
APÊNDICE B: Entrevista semiestruturada – Saberes e Práticas Desenvolvidas
pelo Conselheiro Tutelar em Belo Horizonte - MG...................................................
121
12
1 INTRODUÇÃO
Enxergar a evolução da demanda social e a gravidade do frequente desrespeito aos
direitos da infância e juventude no Brasil traz à mente a importância da aprovação do Estatuto
da Criança e do Adolescente - ECA (BRASIL, 1990) e a implantação dos Conselhos Tutelares–
CT (BRASIL, 2010b), órgãos autônomos e não jurisdicionais destinados a zelar para que os
preceitos dessa lei não sejam desrespeitados.
O desenvolvimento de políticas de atendimento voltadas à infância e adolescência
no Brasil, a partir dos preceitos do ECA, tem acompanhado o processo de democratização do
país. A Constituição Federal de 1988 - CF/88 (BRASIL, 1988) trouxe avanços significativos
para o sistema político-social brasileiro e, ao menos no plano jurídico-formal, consagrou o
Estado Democrático de Direito no país, depois de um regime ditatorial de mais de duas
décadas.
O processo para se chegar à aprovação e promulgação dessa Constituição,
conhecida também como Constituição Cidadã, não foi uma tarefa fácil. É uma história de
conflitos e lutas políticas travadas entre diferentes agentes sociais e organizações
representativas, tanto do Estado como da sociedade.
Acompanhando esse processo de redemocratização, a construção de uma política
de direitos voltada para a infância e juventude brasileira percorreu um caminho igualmente
árduo, foi apenas por intermédio de um movimento político, iniciado por volta de 1985,
espalhado por vários estados da federação e articulado no bojo da sociedade civil. Dentre
estes movimentos, se destacaram o Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua e a
Pastoral do Menor (ALENCAR, 1997, p. 33-52), e contribuíram para que a criança e o
adolescente fossem reconhecidos na Carta Constitucional (BRASIL, 1988), em seus artigos
227 e 228 como prioridade absoluta, sendo a família, o Estado e a sociedade os responsáveis
pela defesa dos direitos contidos nesses artigos.
A aprovação do ECA, em 1990, significou um avanço democrático de suma
importância, tendo em vista que os períodos sócio-históricos que antecederam a CF/88, como
observa Meirelles (2005, p. 85), “[...] não primaram, em nenhuma circunstância política ou
legal, o envolvimento popular no comando e ações deliberativas, diretivas e fiscalizadoras na
condução e planejamento de questões políticas, econômicas e sociais”.
Amparado nos artigos 227 e 228 da CF/88(BRASIL, 1988), o Estatuto
proporcionou mudanças no conteúdo, no método e na gestão dos programas de atendimento e
nas técnicas da política pública social destinada à infância e juventude. Isso contribuiu para
13
que crianças e adolescentes não fossem mais tratados como objetos de intervenção disciplinar
(técnica ou jurídica) por parte da família, da sociedade e do Estado, passando a terem
fundamental importância as potencialidades e as limitações de cada fase do seu
desenvolvimento pessoal e social.
Dessa forma, foram impressas, tanto na CF/ 88 (BRASIL, 1988) como no ECA
(BRASIL, 1990), propostas de ampliação política da sociedade civil por intermédio de
processos de descentralização político-administrativa que configuram uma nova
institucionalidade na área da infância e juventude no Brasil. O que possibilitou a abertura de
espaço para participação popular no planejamento, deliberação e fiscalização das ações
estatais desenvolvidas pelas políticas públicas sociais.
Nesse cenário é que emergem os Conselhos Tutelares, previstos entre os artigos
131 e 140 do ECA, órgãos representativos da sociedade civil no âmbito municipal, e seus
membros são eleitos pelo voto não obrigatório da comunidade a que se destina seu
atendimento. Assim, este Conselho se inscreve como possibilidade de uma nova forma de
controle social, na perspectiva da transformação política e social no Brasil, já que supõe uma
cidadania participativa, além da representativa.
O ECA (BRASIL, 1990) concebe diretrizes que indicam uma mudança do
enfoque doutrinário da “situação irregular”1– prevista no Código de Menores de 1979, para a
“proteção integral”. Isso implica constatar que transformações, ao menos no plano jurídico-
formal, ocorreram na essência da política de atendimento à criança e ao adolescente no Brasil.
Esta constatação acontece em razão da ampliação da abrangência de políticas públicas sociais,
como educação, saúde e assistência social, fazendo com que os novos destinatários dessa
legislação não fossem apenas “os menores em situação irregular”, mas todas as crianças e
adolescentes do país.
Para a garantia dos direitos das crianças e adolescentes previstos nessa Lei, é
fundamental a criação dos Conselhos dos Direitos da Criança e Adolescente e dos Fundos dos
Direitos da Criança e Adolescente, por meio de uma conta aberta em banco oficial para
movimentação dos seus recursos financeiros, ambos em âmbito municipal, estadual e federal,
e ainda do Conselho Tutelar, em âmbito local.
1O termo “doutrina da situação irregular”, que advém do Instituto Interamericano Del Niño, órgão da
Organização dos Estados Americanos (OEA), teve sua formulação teórica atribuída ao jurista argentino
Ubaldino Calvento e corresponde a um estado de patologia social, entendida de forma ampla. Na “patologia
social”, se encontram os jovens em situação de risco, que necessitam ser tratados de acordo com o Código de
Menores, sem levar em consideração a situação de pobreza em que vivem e a falta de políticas públicas sociais
por parte do Estado (COSTA, 2007).
14
Os Conselhos dos Direitos da Criança e Adolescente - CDCA devem ser
compostos por representantes do governo e da sociedade civil de forma paritária e são
responsáveis pela formulação de ações necessárias para a concretização das políticas públicas
sociais voltadas para a infância e adolescência. Ao órgão cabe ainda coordenar o processo de
escolha dos membros do Conselho Tutelar que, por sua vez, segundo o art. 132 do ECA
(BRASIL, 1990), deve ser composto por cinco membros escolhidos pela comunidade local
para mandato de três anos, sendo permitida pela lei apenas uma recondução.
Segundo a pesquisa nacional “Conhecendo a Realidade”2, realizada entre
fevereiro e novembro de 2006, já existem 4.480 Conselhos Tutelares instalados nos 5.564
municípios brasileiros, o que representa uma parcela de 88%. Essa pesquisa aponta também
que já existem Conselhos Tutelares em todos os estados da federação e no Distrito Federal.
Em Minas Gerais, segundo informações do Conselho Estadual dos Direitos da
Criança e do Adolescente - CEDCA3, somente quatro dos 853 municípios não possuem CT,
sendo que em um destes, o conselho está em fase de estruturação. Existe no Estado um total
de 876 CTs e, alguns municípios possuem mais de um Conselho, como é o caso da capital do
estado, Belo Horizonte, que possui nove, e do município de Contagem (MG), que possui
cinco, instituídos conforme configuração geográfica e administrativa dessas cidades.
Os CTs devem possuir três funções essenciais: a requisição de serviços aos órgãos
governamentais e não governamentais de atendimento, a petição ao Ministério Público e a
fiscalização de entidades de atendimento. Esta funções são preconizadas pelo ECA (BRASIL,
1990) e pela Resolução 139/2010 do Conanda (BRASIL, 2010b) – que dispõe sobre os
parâmetros para criação e funcionamento dos Conselhos Tutelares do Brasil.
Além disso, a partir da demanda apresentada ao CT, cumpre-lhe subsidiar com
fatos, dados e informações a elaboração do plano de ação do município nessa área pelo
Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente - CMDCA.
Pode-se concluir que o CT tem uma função de grande relevância para toda a
sociedade: a de zelar, ou seja, de cuidar para que os direitos das crianças e adolescentes no
Brasil não sejam violados.
2Pesquisa realizada pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República - SEDH/PR e
pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - Conanda, por meio do Centro de
Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor - CEATS, da Fundação Instituto de
Administração. Conforme informações obtidas na página online do Conanda,
http://www.direitoshumanos.gov.br/conselho/conanda, uma nova pesquisa “Conhecendo a Realidade” está em
andamento, com previsão de divulgação para o primeiro semestre de 2012. 3 Informe repassado verbalmente pela secretária executiva do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do
Adolescente de Minas Gerais em outubro de 2010.
15
O ECA (BRASIL, 1990) indica ainda, em seu artigo 133, que qualquer pessoa
pode se candidatar a membro do Conselho Tutelar, desde que tenha reconhecida idoneidade
moral, idade superior a 21 anos e que resida no município onde pretende se candidatar.
Presume-se, nesse contexto, que para ser membro desse Conselho não seja necessária
nenhuma formação específica ou graduação.
Entende-se que a promulgação do ECA e a instituição de CT significa um avanço
democrático de suma importância, mas a sua instituição por si só não altera a realidade. Será
preciso que no cotidiano institucional dos conselheiros tutelares se efetivem ações que
materializem os princípios da “Proteção Integral” firmados nesta Lei. E ainda, para que além
de um novo paradigma jurídico-social, se tenha também um novo paradigma assistencial
baseado em ações e atividades que contribuam para que os sujeitos possam ter assegurada
uma condição de sobrevivência em sua plenitude.
Embora os CTs apresentem um grande potencial de efetivação da política de
atendimento à criança e ao adolescente, ele apresenta problemas que merecem ser
enfrentados. Apresenta-se abaixo, alguns elementos de um cenário que constituiu o problema
que deu origem a esta pesquisa.
Importantes estudos no âmbito, principalmente, das Ciências Jurídicas, das
Ciências Políticas e das Ciências Sociais Aplicadas apontam o CT como uma das principais
ou únicas referências, em nível municipal, das famílias, das escolas, dos hospitais, do poder
público, entre outras instituições. Procuram o conselho quando necessitam de orientações
referentes aos direitos, deveres e, sobretudo, em razão dos encaminhamentos que realizam –
ou deveriam realizar – quando da existência de violação de direitos de crianças e
adolescentes.
Pode-se ainda observar que a literatura especializada sugere, em vista dos
resultados de pesquisas empíricas, a necessidade, tanto por parte dos conselheiros quanto das
pessoas que o procuram, de maior clareza a respeito de suas atribuições, e muitas vezes são
adotadas de forma naturalizada, sem refletir no movimento que as produziu e nos efeitos que
produzem. Nesse contexto, observam Nascimento e Scheinvar (2007, p.154) que
São comuns casos em que a atuação do conselho visa definir: o valor de pagamento
de pensão, qual dos pais deve ficar com a guarda dos filhos, que situações de
violência sexual devem ser encaminhadas à justiça e quais serão dirimidas dentro do
conselho, o julgamento sobre o comportamento sexual dos jovens e a forma como
este deve ser. Acrescente-se que muitas vezes, além de definir essas condutas, os
conselhos apontam aos pais a possibilidade de perderem a guarda dos filhos, caso
não obedeçam aos encaminhamentos propostos, chegando a formular ‘contratos’ em
que as partes assinam um compromisso de se comportarem ‘adequadamente’.
(NASCIMENTO; SCHEINVAR, 2007, p.154).
16
Existem alguns problemas em relação ao trabalho dos Conselheiros Tutelares que
podem estar relacionados, por exemplo, a falta de compreensão das atribuições dos conselhos,
tanto por parte de seus membros quanto por parte da sociedade em geral, dos órgãos públicos
e também do poder judiciário. Algumas pessoas e instituições confundem o CT com política
de atendimento, ou seja, como um órgão responsável pela solução de problemas como guarda,
falta de alimentação, de recursos financeiros, etc., não o entendendo na verdade como um
órgão que deve requisitar medidas que as instituições deveriam tomar e que, algumas vezes,
não tomam.
Outros ainda entendem o CT como o único órgão capaz de defender os direitos da
infância e juventude, não compreendendo que é dever de toda a sociedade, como preconiza o
ECA: “é dever da família, do Estado e da sociedade [...]”(Art. 227 da CF/884 e Art. 4° do
ECA5). Como bem aponta Souza (2002, p. 112), “[...] todos têm de saber qual o uso de cada
um. O Conselho Tutelar, o Ministério Público, o juizado e etc. O uso não é o que cada um
quer fazer, mas o que cada um deve cumprir”.
Faz-se relevante observar que a necessidade de qualificação permanente dos
Conselheiros – para melhor compreensão, interpretação e aplicação do ECA – deve ser
considerada não somente pelo fato de serem pessoas da comunidade, que não necessariamente
necessitem de qualificação profissional para ocupação do cargo, mas pelo fato de que existe
uma rotatividade dos membros desse órgão. Um mandato, segundo o ECA, equivale a quatro
anos, sendo permitida apenas uma recondução, quer dizer, mudam-se os membros, não os
problemas demandados ao CT.
E ainda, como explicitado anteriormente, o conselheiro tutelar tem a função de
zelar pelos direitos das crianças e dos adolescentes. Para que isto aconteça, é necessário que
seus membros conheçam esses direitos, ou melhor dizendo, conheçam a constituição do
Sistema de Garantia de Direitos – SGD e sua eficiência ou não em nível municipal.
Para tal conhecimento, é necessário que os conselheiros desenvolvam e
convoquem saberes não somente sobre o ECA, mas também sobre as legislações correlatas,
como a Constituição Federal de 1988, leis e resoluções que envolvam os interesses da infância
e juventude em âmbito municipal, estadual e federal, sobre Direitos Humanos, rede de
atendimento e administração pública, entre outros. Esses elementos podem ser somados às
observações de Bragaglia (2002), ao afirmar que:
4 BRASIL, 1988. 5 BRASIL, 1990.
17
O inusitado das situações cotidianas que chegam ao Conselho Tutelar, a diversidade
das relações estabelecidas, as múltiplas habilidades que dele são exigidas e face das
situações com que ele lida cotidianamente, a diversidade de interesses dos agentes
sociais que interagem, os velozes e inusitados percursos que assumem as situações
em que atende são uns dos elementos que evidenciam a complexidade da realidade
em que se inscreve esse órgão (BRAGAGLIA, 2002, p. 158).
Considerando as atribuições especificadas em Lei (artigo 136 do ECA / BRASIL,
1990), e as lacunas existentes entre a prescrição e a realidade de trabalho do conselheiro
tutelar, o problema de pesquisa identificado a partir dessas percepções iniciais culmina na
questão central do atual projeto de pesquisa e intervenção: “Quais são os saberes e práticas
desenvolvidas pelo conselheiro tutelar capazes de responder às suas atividades cotidianas de
trabalho com vistas a zelar pelos direitos da criança e do adolescente em consonância ao
prescrito no Estatuto da Criança e do Adolescente?”.
Como objetivo geral tem-se: Compreender de que forma os Conselheiros
Tutelares em Belo Horizonte – MG têm desenvolvido saberes e práticas capazes de responder
às suas atividades cotidianas de trabalho com vistas a zelar pelos direitos da criança e do
adolescente em consonância ao prescrito no Estatuto da Criança e do Adolescente. Os
objetivos específicos foram assim definidos: construir o perfil socioeducacional dos
Conselheiros Tutelares de BH –MG; identificar as referências prescritas que orientam os
Conselheiros Tutelares no seu cotidiano de trabalho; investigar saberes e práticas
desenvolvidos pelos Conselheiros Tutelares para responder às exigências de sua atividade de
trabalho e que ainda não foram formalizados.
O Conselho Tutelar é composto por cinco conselheiros indicados pela sociedade
civil e eleitos pelo voto popular. Eles convivem diariamente com a comunidade que os elegeu
e juridicamente não são subordinados ao Poder Executivo ou Judiciário (BRASIL, 1990).
Quando dotado de condições de exercer plenamente suas atribuições, esse Conselho pode se
tornar um poderoso instrumento para a consolidação da política de atendimento à infância e
juventude em nível municipal, posto que é a partir das denúncias chegadas a ele que podem
ser identificadas as demandas que irão contribuir para a construção de políticas públicas
sociais que garantam, promovam e protejam os direitos das crianças e adolescentes.
Nesse cenário, torna-se relevante do ponto de vista social compreender de que
forma os conselheiros tutelares e, nesta pesquisa, mais especificamente, os de Belo Horizonte,
têm desenvolvido saberes e práticas capazes de responder às suas atividades cotidianas de
trabalho com vistas a zelar pelos direitos da criança e do adolescente, uma vez que existe uma
lacuna teórica no entendimento desse processo na literatura especializada.
18
A concernente adequação do tema deste trabalho aos eixos de formação do curso,
o Mestrado Profissional em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local, se constitui
por intermédio do diálogo com a realidade social, a solução de problemas, bem como a
identificação de oportunidades no campo das questões educacionais e político-sociais, a fim
de contribuir no desenvolvimento social6.
Sendo o CT um órgão que integra a rede de atendimento voltada à infância e
juventude, significa que este necessita possuir o compromisso institucional com o pleno
desenvolvimento de políticas de promoção e defesa dos direitos desse segmento social em
âmbito local. Políticas estas na área de educação, de saúde, de assistência social, dentre
outras, procurando contribuir, sobretudo, para o desenvolvimento local.
Não é recente a discussão, tanto por parte da sociedade quanto por parte da
literatura especializada acerca da importância da instituição CT em âmbito local e dos ganhos
que isso representa para a infância, para a juventude e para a sociedade brasileira. Um CT no
uso pleno de suas atribuições relaciona-se à ampliação e garantia da cidadania de toda a
sociedade.
Após revisão bibliográfica realizada pela pesquisadora no campo do
conhecimento sobre a instituição Conselho Tutelar e a atuação de seus membros, pôde-se
verificar que os estudos se propuseram, em boa parte, a tratar desse órgão no contexto da
política de atendimento, na relação que este possui com as gestões municipais, com o
judiciário, com as famílias. Também se pôde verificar que outra parcela desses estudos se
propôs a conhecer as demandas trazidas ao CT, tanto quantitativa quanto qualitativamente, e
os encaminhamentos que lhes foram dados.
Essas observações reforçam a necessidade e importância do objeto de estudo em
questão. O Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local “[...] busca
valorizar saberes da prática; incentiva a organização e a participação social a partir da
dialética local versus global [...], fomenta empreendimentos sociais e a construção de
conhecimentos em rede.” 7
O interesse em conhecer os saberes e práticas desenvolvidos pelos conselheiros
tutelares frente às suas atividades cotidianas de trabalho, aparece na trajetória da pesquisadora
no ano de 2005 quando, em seu trabalho, na qualidade de assistente social e supervisora de
campo, coordenou um projeto de extensão do Curso de Serviço Social das Faculdades Santo
Agostinho de Montes Claros (MG), intitulado “Assessoria e Consultoria em Serviço Social”.
6 Disponível em: <http://www.mestradoemgsedl.com.br/?page_id=2>. Acesso em: 20 set. 2012.
7 Disponível em: <http://www.mestradoemgsedl.com.br/?page_id=16>. Acesso em: 03 nov. 2011.
19
Esse projeto teve como objetivo trabalhar, em parceria com as prefeituras do Norte de Minas
e Vale do Jequitinhonha, a qualificação de Conselheiros Tutelares.
Por fim, se faz importante ressaltar que esta pesquisa não objetivou apenas
explicitar e/ou explicar o problema, mas sim apresentar uma proposta de intervenção (objetivo
deste curso de mestrado), entendendo nesse processo que a produção de conhecimento só faz
sentido a partir do momento em que é utilizada para solucionar problemas da sociedade em
que vivemos.
1.1 Metodologia
Minayo (2009, p. 15) entende que a metodologia “[...] inclui concepções teóricas
de abordagem, articulando-se com a teoria, com a realidade empírica e com os pensamentos
sobre a realidade”. Portanto, é fundamental a explicitação das bases teórico-epistemológicas
que fundamentam a pesquisa ora proposta.
Optou-se pela abordagem qualitativa, por entender que a busca de um dado
qualitativamente construído, obtido, sobretudo, por um processo de conversa entre os sujeitos,
é muito mais que um dado objetivo simplesmente (DEMO, 1989). Segundo Demo (1989, p.
28), “a ideia da pesquisa qualitativa conduz ao conceito de intensidade em contraposição
dialética ao de extensão. Contudo, nessa contraposição dialética está implícito que intensidade
e extensão ou qualidade e quantidade não são categorias antagônicas, mas essenciais”.
Demo (1989, p. 148), ao buscar desenvolver um conceito sobre paradigma
qualitativo, aponta que inicialmente é necessário compreender o conceito de qualidade. Esse
conceito, segundo o autor, primeiro deve ser compreendido etimologicamente, “[...] qualitas,
do latim, significa essência”, ou ainda a parte mais relevante ou central das coisas; mas
também pode sinalizar perfectibilidade das coisas (dos seres humanos, da natureza), não no
sentido de perfeito, mas de perfectível, ou de aperfeiçoamento. O autor argumenta ainda que a
qualidade necessita ser compreendida também a partir da dimensão da intensidade, no sentido
de se “[...] apontar para o melhor, não para o maior”. Por último, sugere que qualidade
sinaliza politicidade (da vida e da natureza) ou qualidade política, no sentido da capacidade de
o sujeito fazer sua própria história ou de “se fazer” num contexto contraditório que, segundo
ele, inclui “[...] a mais abnegada solidariedade até a mais forte ditadura” (DEMO, 1989).
Nesse sentido, o cotidiano profissional dos conselheiros tutelares se relaciona com
um nível de realidade que não pode ser quantificado, já que trabalha com o universo dos
20
valores, das crenças, das atitudes, dos anseios (MINAYO, 2009), e ainda por entender que a
profundidade da análise dos dados coletados é mais importante do que a sua quantificação.
Em concordância com Marconi (2010, p. 272), acredita-se que somente pelo
paradigma qualitativo existe a possibilidade de o pesquisador entrar em “[...] contato direto e
prolongado com o indivíduo ou grupos humanos, com o ambiente e a situação que está sendo
investigada, permitindo um contato de perto com os informantes”.
Definida a metodologia qualitativa, o tipo de pesquisa adotado foi a descritiva que
segundo Gil (2008, p. 47) “[...] visa descrever as características de determinada população ou
fenômeno ou o estabelecimento de relações entre variáveis. Envolve o uso de técnicas
padronizadas de coleta de dados”, e que serão melhor explicadas no ponto a seguir.
1.1.2 Procedimentos de coleta e análise dos dados
Segundo Minayo (2008, apud por FUCHS, 2009, p. 30) “nenhuma teoria sozinha
é capaz de explicar a realidade”. Portanto, tomando o cuidado para não cair no ecletismo,
entendemos que a cientificidade não pode ser reduzida a uma só forma de conhecer: ela pré-
contém, por assim dizer, diversas maneiras concretas e potenciais de realização. Assim, para a
compreensão e captação da realidade pesquisada, foi realizado os seguintes procedimentos e
instrumentos técnicos.
Cenário da pesquisa
Tendo por objetivo conhecer os saberes e práticas desenvolvidas pelo conselheiro
tutelar, delimitou-se a cidade de Belo Horizonte - MG, como unidade privilegiada de análise,
por ser uma metrópole, com uma grande dimensão demográfica, econômica, social e cultural
e, sobretudo, pelo fato de possuir 09 Conselhos Tutelares em funcionamento.
Segundo a Secretaria Municipal de Turismo de Belo Horizonte (BELOTUR), o
município pode ser visualizado a partir da seguinte disposição geográfica (FIG 1):
21
Figura 1 – Mapa de Belo Horizonte
Fonte: Belotur, 2011.8
A população total de Belo Horizonte, segundo dados oficiais do IBGE (2010), é
de– 2.375.445 habitantes, é a sexta maior aglomeração urbana do Brasil –, dividida em 09
regionais política-administrativas.
Sujeitos da pesquisa
Sendo a unidade de análise empírica os CT e o objeto de pesquisa os saberes e
práticas desenvolvidos pelos conselheiros tutelares, têm-se como sujeitos da pesquisa os
conselheiros tutelares que atuam no desempenho das suas funções e que integram as regionais
político – administrativas de Belo Horizonte.
Para a realização das entrevistas foram selecionados dois conselheiros tutelares de
cada regional, perfazendo um total de 08 sujeitos. O critério de definição quantitativa se deu
pela priorização daqueles que estivessem há mais tempo em exercício no CT e, ainda, por
8 Disponível em: http:// www.turismo.mg.gov.br
22
entender que a experiência acumulada poderia contribuir na compreensão dos saberes e
práticas desenvolvidos por eles.
Os dados para pesquisa foram coletados entre março e junho de 2013. Todos os
CT foram convidados a participar da pesquisa9, no entanto, levando em consideração o tempo
destinado à coleta de dados e a disponibilidade dos envolvidos, 04 conselhos participaram,
perfazendo um total de 08 sujeitos de pesquisa.
Tanto a aplicação do questionário, como as entrevistas, foram realizadas no CT
onde atua cada conselheiro, com duração de 30 a 70 minutos. Essas foram gravadas e
transcritas na íntegra, sem preocupar-se com correções gramaticais, e encontram-se
arquivadas junto à pesquisadora.
Por se tratar de uma pesquisa que envolve seres humanos, o projeto foi enviado ao
Comitê de Ética e Pesquisa do Centro Universitário UNA para apreciação. A realização da
pesquisa empírica foi efetivada mediante o parecer com a Aprovação do Comitê de Ética.
A coleta de dados só foi realizada mediante autorização dos presidentes dos
respectivos CT (Anexo A) e, as entrevistas, em local e horário que melhor conviesse aos
sujeitos da pesquisa, seguida de sua aceitação em dela participarem, a partir da assinatura do
Termo de Consentimento Livre Esclarecido - TCLE (Anexo B). Para posterior análise correta
e profunda foi solicitada a gravação das entrevistas, que foram em seguida transcritas por um
profissional da Biblioteconomia, assegurando o anonimato dos sujeitos que integraram a
coleta de dados.
Técnicas de pesquisa e análise dos dados
No processo de coleta de dados, foram utilizadas fontes primárias e secundárias,
procurando relacioná-las dialeticamente. Inicialmente realizou-se análise de legislação,
documentos e estudos sobre o processo histórico de constituição, implantação e
implementação da Política de Atendimento à Criança e ao Adolescente no Brasil, bem como
dos Conselhos Tutelares, a partir do processo de descentralização político-administrativo
previsto pela CF/88 (BRASIL, 1988) pelo ECA (BRASIL, 1990),conforme já explicitado na
introdução deste projeto de pesquisa.
Os dados foram obtidos por meio de análise de documentos institucionais, das
entrevistas e dos questionários para construção do perfil socioeducacional:
9 Este convite aconteceu através de contato telefônico, via e-mail e, principalmente, em visita realizada pela
pesquisadora aos CT de Belo Horizonte.
23
Análise de documentos: além do ECA (BRASIL, 1990), documento imprescindível
para a delineamento desta pesquisa, foi analisado o regimento interno dos CT de BH
(BELO HORIZONTE, 2009) com o objetivo de verificar se este prevê ações voltadas
para a qualificação profissional dos conselheiros.
Questionário (Apêndice A): trata-se de um roteiro de perguntas enunciadas pelo
entrevistador e preenchidas pelo pesquisado individualmente, e foi delimitado como
instrumento de coleta de dados com o objetivo de levantar o perfil socioeducacional
dos conselheiros tutelares. O levantamento do perfil socioeducacional dos
conselheiros de BH justifica-se pela inexistência destas informações.
Entrevista semiestruturada (Apêndice B): combina perguntas fechadas e abertas,
em que o entrevistado discorreu sobre o tema em questão sem se prender à indagação
formulada (MINAYO, 2009). A escolha desse instrumental se deu por entender que
ele valoriza a expressão dos entrevistados no que se refere à liberdade e à
espontaneidade no momento da coleta de dados, o que trouxe elementos mais
enriquecedores para esta pesquisa. Segundo definição de Trivinos (2008), a entrevista
semiestruturada é aquela que
[...] parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses, que
interessam à pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas,
fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que se recebem respostas do
informante. Desta maneira, o informante, seguindo espontaneamente a linha de seu
pensamento e de suas experiências dentro do foco principal colocado pelo
investigador, começa a participar na elaboração do conteúdo da pesquisa
(TRIVINOS, 2008, p. 146).
Esta pesquisa tem seu foco de discussão e análise na atividade de trabalho
exercida pelo conselheiro tutelar, por meio do desenvolvimento dos saberes e práticas, e foi
analisada pelo viés da perspectiva ergológica, desenvolvida pelo filósofo e professor Yves
Schwartz, da Universidade de Provence, na França, e sua equipe de trabalho, a partir da
década de 1980.
A ergologia compreende o trabalho como atividade humana, espaço de criação
singular do trabalhador, onde este vivencia um processo contínuo de produção e investimento
de conhecimentos e valores na busca de soluções para os problemas que surgem
cotidianamente.
Já o tratamento dos dados coletados empiricamente ocorreu por meio do método
Análise de Conteúdo, apresentado por Bardin (2004) articulado aos pressupostos teóricos da
24
Ergologia e à discussão a respeito das atribuições do conselheiro tutelar previstas no ECA.
Para Bardin, a análise de conteúdo pode ser compreendida como:
Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por
procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens,
indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos
relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.
(BARDIN, 2004, p.41).
Assim, este método tem como objeto a análise do discurso (fala) dos pesquisados,
que representa um aspecto individual, relacionado à linguagem, e como finalidade conhecer
aquilo que está por trás das palavras sobre as quais se debruça (FRANCO, 2008, p. 11).
A análise do conteúdo proposta e utilizada neste estudo caracterizou-se como um
conjunto de técnicas de análise de comunicações, tendo como objetivo a descrição do
conteúdo das mensagens, de forma a permitir inferências sobre o seu conteúdo (BARDIN,
2004, p.38).
Neste sentido, a análise dos resultados desenvolveu-se pela identificação do
sentido das falas/discursos presentes nas comunicações dos Conselheiros tutelares
entrevistados, o que facilitou a organização das informações obtidas por meio de categorias de
análises: saberes e práticas, perfil socioeducacional, trabalho prescrito e trabalho real, saberes
constituídos e saberes investidos.
Para organização dessas categorias, o estudo obedeceu às seguintes etapas: pré-
análise, que consistiu na transcrição e leitura sistemática das entrevistas; análise do material
documental e transcrito, em que foram estabelecidas as categorias e subcategorias. Realizadas
essas etapas, passou-se à descrição e sistematização dos dados coletados nas entrevistas de
maneira a facilitar a sua interpretação, tendo em vista os pressupostos teóricos assumidos na
pesquisa.
1.2 Estruturação dos capítulos
Além desta introdução, que constitui o primeiro capítulo, onde estão apresentados
a problematização do objeto de pesquisa, o objetivo geral, os objetivos específicos, a
justificativa e a metodologia utilizada, este trabalho está estruturado em mais três capítulos.
O segundo capítulo, que se constitui no referencial teórico deste estudo, foi
desenvolvido por meio de dois subcapítulos. O primeiro, foi dedicado à contextualização
histórica da Política de Atendimento à Criança e ao Adolescente no Brasil, das condições
25
socio-históricas que possibilitaram a criação de CTs no Brasil, bem como procurou delinear
quais atribuições estão destinadas a este órgão e mais especificamente, aos conselheiros
tutelares. Já o segundo subcapítulo, desenvolveu os pressupostos da abordagem Ergológica,
que orientou e sustentou as investigações dessa pesquisa, tendo em vista sua organização
como disciplina do pensamento filosófico, os conceitos desenvolvidos e as implicações
metodológicas para levar adiante o sentido de conhecer o trabalho para transformá-lo.
No terceiro capítulo, foi desenvolvido o artigo de relato de pesquisa, onde está
apresentado o perfil socioeducacional dos sujeitos da pesquisa, os avanços e desafios
presentes na instituição de Conselhos Tutelares, e a descrição e análise da pesquisa realizada.
Esta pesquisa possibilitou a elaboração de um produto técnico/projeto de
intervenção e está apresentado no capítulo quarto deste estudo.
26
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 Política de atendimento à criança e ao adolescente no Brasil: da situação irregular à
proteção integral
Quando a política de atendimento à criança e ao adolescente é estudada ou
analisada no Brasil, percebe-se que a ação do Estado é recente, iniciando-se a partir do final
da década de 1920. Embora a problemática em relação às condições de vida e de trabalho de
crianças e adolescentes tenha sempre existido, seu enfrentamento ficava a cargo da Igreja e de
iniciativas particulares.
2.1.1 O “direito do menor” reconhecido pelo Estado nos Códigos de Menores: fundamento
nos princípios da “situação irregular”
É a partir dos anos 1930 que se pode observar uma preocupação pública no
enfrentamento da questão social e, consequentemente, dos problemas relativos à infância e
juventude. A criação do Código de Mello Matos em 1927, instituído pelo Decreto 17.943-A
(BRASIL, 1927), demarcou o momento em que o Estado começava a ocupar-se dos problemas
da infância e da juventude, reconhecendo-os como questão social, demandando assim uma
intervenção pública.
Esse primeiro Código de Menores, denominado ”direito do menor”, consistia em
um conjunto de Leis voltadas para a população infanto-juvenil, sendo fundamentado nos
princípios da situação irregular, apresentando uma concepção política e social de caráter
assistencialista, punitivo e de controle no trato da problemática de crianças e adolescentes das
classes subalternas. Silva (1997) aponta que essa legislação considerava ser
[...] dever da família, suprir as necessidades básicas de seus filhos, tais como:
moradia, alimentação, de maneira adequada (concepção defendida pelos que
estavam à frente do Estado, independente da situação econômica da família); caso
contrário, perderia o pátrio poder. A pobreza era o bastante para caracterizar o
menor como abandonado (SILVA, 1997, p. 154).
Também orientando-se por essas concepções, as crianças e adolescentes das
famílias abastadas não eram designadas “menores”, sendo esse termo utilizado somente para
caracterizar crianças e adolescentes carentes e/ou abandonados. Nesse contexto, a expressão
“menor” era diretamente associada à delinquência, o que justificava a adoção de medidas
repressivas contra esses “menores”, reproduzindo assim no trato com a juventude carente a
27
relação excludente e a visão marginalizada que permeiam as ações voltadas aos segmentos
subalternos (VOLPI, 1997).
Desta forma, apesar de representar um ganho por institucionalizar o atendimento à
criança e ao adolescente, o Código de Menores trazia consigo um forte traço conservador e
repressivo, a começar pela forma de se referir às crianças e adolescentes, denominando-os
pejorativamente “menores”, o que demarca o estigma social para com a infância pauperizada
brasileira. Na verdade, conforme explicita Rizzini (2011),
Ao acrescentar a categorização de menor abandonado ou pervertido à frase “... ou
em perigo de o ser”, abria-se a possibilidade de, em nome da lei, enquadrar qualquer
um no raio de ação do Juiz. A intenção era ainda mais óbvia no concernente aos
menores caracterizados como delinquentes. Uma simples suspeita, uma certa
desconfiança, o biótipo ou a vestimenta de um jovem poderiam dar margem a que
fosse sumária e arbitrariamente apreendido (RIZZINI, 2011, p. 141-142).
Tais considerações de Rizzini (2011) demonstram com evidência o que era
considerado impróprio na sociedade brasileira da época. O problema não era a situação de
miséria e abandono das quais eram vítimas as crianças e adolescentes: o problema maior era
sua presença perambulando pelas ruas, “manchando” a paisagem das cidades. Chegava ser
considerado imoral e eticamente intolerável, sendo seu afastamento a melhor forma de
responder ao problema.
A tendência predominante na vigência do Código de Menores era a repressão e o
isolamento, assim resolvia-se um grande problema, o de não ter que conviver cotidianamente
com aquela situação que tanto “agredia” a moral daquela sociedade, que se caracterizava por
afastar os desadaptados, excluir os que não conseguiam se adequar.
É nesse espírito conservador e repressivo que se dá a criação do Serviço de
Assistência ao Menor - SAM em 1941. Este serviço tinha o objetivo de proporcionar em todo
o território nacional uma assistência social aos menores carentes e infratores da lei penal,
visando à sua “reintegração” na sociedade, utilizando para tanto uma metodologia baseada na
coerção, disciplina e maus tratos, seguindo uma lógica carcerária ao reproduzir os
mecanismos de controle social da época. Rosa (2001), descreve o SAM como:
[...] um órgão do ministério da justiça, equivalente ao sistema penitenciário para a
população ’menor de idade’. Sua finalidade era correcional-repressiva, seu sistema
de atendimento baseava-se em internamentos para os adolescentes autores de
infração penal e patronatos para menores carentes abandonados (ROSA, 2011, p.
186).
28
A imprensa passou a denunciar as constantes violações dos direitos humanos
vivenciadas nas instituições de atendimento à criança e ao adolescente naquela época,
desvelando, frente à opinião pública, o caráter repressivo e desumanizante do SAM, que
passou a ser conhecido como “universidade do crime” e “sucursal do inferno” (ROSA, 2001).
Diante disso, o SAM passou a ser alvo de severas críticas, tanto em setores da
sociedade civil quanto dentro do próprio Estado, o que levou à sua extinção em 1964.
Também nessa época a Organização das Nações Unidas - ONU cobrava do governo brasileiro
um reordenamento da política voltada à infância e juventude, que fosse orientada pela
Declaração dos Direitos da Criança que ela mesma – ONU – havia publicado em 1959.
No mesmo ano de extinção do SAM, os militares tomaram o poder no Brasil num
golpe de Estado, e começava assim uma ditadura que se prolongou até a primeira metade da
década de 1980. Esse governo criou, no lugar deste serviço, ainda em 1964, a Fundação
Nacional de Bem-Estar do Menor - FUNABEM e a Fundação Estadual do Bem-Estar do
Menor - FEBEM, ambas encarregadas de executar a política pública destinada às crianças e
aos adolescentes. A FUNABEM herdou do SAM as péssimas condições de higiene,
instalações precárias, ensino deficiente, nenhuma orientação pedagógica, alimentação
insuficiente e muito castigo físico (ALENCAR, 1997).
De acordo com Fajardo (2002, p.46), essa nova fase significou para a política de
atendimento à infância e juventude no Brasil “[...] um sistema concreto institucional criado no
espírito da Doutrina da Segurança Nacional, que militarizou as disciplinas dentro dos
internatos que, a partir daí, já cerram definitivamente as suas portas para a sociedade”.
Assim se caracterizava o sistema de proteção à infância e à juventude existente até
a década de 1970, principalmente no que tange ao caráter repressivo e controlador, em
consonância com os princípios que orientavam todo o sistema de proteção social brasileiro,
que apresentavam características autoritárias e centralizadoras, voltadas para o controle social
por parte de um Estado autoritário e ditatorial. Nessa direção é que, em 1979, o Código de
Mello Matos é reformulado, dando origem ao 2º Código de Menores através da Lei nº 6.697 e
à uma Política Nacional do Bem-Estar do Menor – PNABEM.
De acordo com Silva (2005, p. 32), o Código de Menores de 1979 “[...] já surgiu
defasado para sua época, pois constituía o prolongamento da filosofia menorista do Código de
Mello Matos, do início do século XX”. A autora ainda observa que, apesar de em 1979 ser
comemorado o Ano Internacional da Criança no Brasil, fruto de uma mobilização mundial, o
código que acabara de nascer “[...] não correspondia aos interesses das forças políticas e da
sociedade civil e nem representava os direitos das crianças e adolescentes, os quais
29
permaneciam confinados nas instituições totais e submetidos ao poder discricionário do Juiz
de Menores” (SILVA, 2005, p. 32).
As crianças e adolescentes em “situação irregular” eram identificadas no artigo 2º
desse Código de Menores de 1979 como àqueles:
I- Privados mesmo que eventualmente das condições essenciais à sua subsistência, à
saúde e ao ensino obrigatório, em razão de: a) Falta ou omissão dos pais ou
responsáveis: b) Impossibilidade notória dos pais ou responsáveis de lhes sustentar.
II- Vítimas de maus tratos ou punições desmedidas impostas pelos pais ou
responsáveis.
III - Em perigo moral em razão de: a) Se encontrar habitualmente em um ambiente
contrário aos costumes.
IV- Privados de representação ou assistência legal, pela ausência eventual dos pais
ou responsável.
V- Desvio de conduta devido a uma inadaptação familiar ou comunitária grave.
VI – Autor de ato infracional (BRASIL, 1979).
Como também era expresso no 1º Código de Menores, até a falta de recursos
materiais da família era caracterizada de situação irregular, o que dava ao Estado poder
absoluto de intervenção, podendo, caso assim o decidisse, afastar a criança ou adolescente do
convívio familiar. Entretanto, era desconsiderada nesta ação, a responsabilidade do próprio
Estado em proporcionar condições mínimas de sobrevivência àquela família.
No mesmo contexto temporal, segundo Alencar (1997), a problemática relativa à
situação de vida e de trabalho das crianças e adolescentes das classes populares assume
maiores proporções. Devido a isto, é confere a esse segmento maior visibilidade no cenário
social brasileiro, visto que, com o aprofundamento da crise econômica em decorrência do
esgotamento do padrão de desenvolvimento econômico adotado a partir da década de 1950,
essa crise atingiu de modo perverso as famílias trabalhadoras de baixa renda.
O número de crianças e adolescentes que fizeram das ruas seu espaço de luta pela
sobrevivência e até mesmo de moradia aumentou significativamente. Isto levou ao
questionamento e à crítica das ações tradicionais voltadas para o enfrentamento dessa refração
da questão social que até então se encontrava relegada a segundo plano.
Diante desse quadro de permanente violação dos direitos das crianças e
adolescentes, no bojo da redemocratização da sociedade brasileira iniciada na década de 1980,
surgiu entre os segmentos mais críticos da sociedade a percepção de que a política de
atendimento à criança e ao adolescente precisava ser revista. Percebeu-se a necessidade de
construírem-se alternativas para as questões referentes ao trato da problemática da infância e
juventude brasileiras, que naquele momento já se encontravam em grande número nas ruas,
lutando por sua própria sobrevivência.
30
Observa Alencar (1997, p. 35) que, neste momento,
No cenário nacional articulava-se um amplo movimento político no seio da sociedade
civil indignada com aquela situação social das crianças e adolescentes do país. No
interior deste movimento, pode-se chamar a atenção para a atuação da política do
Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua e da Pastoral do Menor
(ALENCAR, 1997, p. 35).
Uma parcela da sociedade começava a perceber que por trás do problema
aparente, onde milhões de meninos e meninas faziam das ruas seu espaço de vida e de
trabalho, existia uma problemática ainda maior, que envolvia milhões de famílias sem
condições mínimas necessárias ao bem-estar e à produção e reprodução da vida social.
Tornou-se urgente naquele cenário pensar uma abordagem inovadora referente à
questão da infância e juventude brasileiras, possibilitando a construção de respostas que
pudessem ultrapassar a repressão proposta pelo Código de Menores. Era preciso buscar
construir alternativas que possibilitassem a melhoria na qualidade de vida daquela parcela da
população fragilizada e vítima da exclusão social.
Nesta conjuntura, o Código de Menores foi amplamente questionado, tornando-se
alvo de severas críticas por seu caráter assistencialista e correcional-repressivo, surgindo,
assim, uma ampla mobilização de setores comprometidos com a redefinição daquela política
no interior da sociedade, na luta pelo estabelecimento de uma nova Lei e, consequentemente,
de uma política de defesa dos direitos da criança e dos adolescentes, pautada sob novos
princípios (ALENCAR, 1997).
2.1.2 A Constituição Federal de 1988 e a regulamentação do ECA em 1990: fundamento nos
princípios da proteção integral
No cenário nacional, a partir da década de 1980, começa um intenso processo de
mobilização popular. Articula-se um amplo movimento político de uma parcela da sociedade
civil, indignada com a situação social e política do país, como o movimento pelo fim da
ditadura civil-militar e pelas “Diretas já”. A organização e a amplitude desses movimentos
chamavam a atenção de toda a sociedade e forjaram as condições para iniciar a luta em favor
das crianças e dos adolescentes no campo dos direitos.
A convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte configurava um
momento de oportunidade ímpar para garantir legalmente, no “Estado democrático de
direitos” (Constituição Federal de 1988, em construção), atenção especial às crianças e
adolescentes brasileiros.
31
Após ampla mobilização social, que contou com a participação de diversos
segmentos profissionais e com o movimento das massas populares, foram incorporados à
Carta Constitucional em 1988 os textos fundidos de duas emendas de iniciativa popular:
“Criança e Constituinte” e “Criança: Prioridade Nacional”, garantindo no plano legal o
compromisso nacional com a proteção integral à criança e ao adolescente (ALENCAR, 1997).
Esse compromisso foi expresso nos artigos 227 e 228 (BRASIL, 1988), cujo conteúdo merece
transcrição literal:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Art.228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às
normas da legislação especial (BRASIL, 1988).
Depois de garantidos na Constituição Federal de 1988 os direitos das crianças e
adolescentes, era preciso elaborar uma lei ordinária que revogasse a velha legislação do
período. Nessa conjuntura, toma forma no país o Fórum Nacional Permanente de Entidades
Não Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente - “Fórum DCA”,
ainda em 1988, visando a uma articulação no âmbito nacional de entidades que atuam na área
de defesa e promoção dos direitos da infância e juventude, ao se perceber que a legislação
brasileira se mostrava omissa, repressora e discriminatória em relação àquele segmento social
(NICODEMOS, 1997).
Após vários encontros, discussões, congressos e reuniões realizados em todo país,
é elaborado o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (BRASIL, 1990), que
regulamentou as conquistas constitucionais e revogou o Código de Menores e a Política
Nacional de Bem-Estar do Menor. O ECA foi aprovado pela lei nº 8069, de 13 de julho de
1990 e passou a vigorar a partir de 14 de outubro do mesmo ano.
Essa Lei regulamenta os artigos 227 e 228 da Constituição (BRASIL, 1988), que
por sua vez possui os princípios e a essência básica do que propõe a concepção das Nações
Unidas para a proteção dos direitos da infância e juventude. Articula-se com o paradigma da
“Proteção Integral”, que reconhece a criança e o adolescente como cidadãos, sujeitos de
direitos especiais pela sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento e com prioridade
absoluta.
32
Sendo assim, este paradigma aponta ser a criança e o adolescente prioritários na
formulação e desenvolvimento de políticas sociais públicas e, ainda no oferecimento de
serviços públicos, como educação, saúde, habitação, entre outras.
É importante ressaltar a singularidade do ECA e seu significado como construção
coletiva do conjunto da sociedade, o que o diferencia de outras leis. O Estatuto não foi escrito
sob a ótica convencional da formação de leis em nosso país ou mesmo no mundo, pois não foi
uma lei formulada por advogados ou por juristas, e sim, como argumenta Nicodemos (1997,
p. 25) “[...] foi formulado por outras mãos [...]”. Contou com a participação efetiva de
profissionais de diversas áreas (Serviço Social, Sociologia, Pedagogia, Psicologia, Direito,
entre outras).
E, principalmente, contou com a mobilização de amplos segmentos sociais que
nesse processo tiveram papel mais importante, pois foram os movimentos das massas
populares que levaram à aglutinação dos demais protagonistas sociais em torno da luta pelos
direitos das crianças e adolescentes.
A promulgação do ECA nos anos de 1990 instituiu um novo paradigma jurídico-
institucional e ético, constituindo o eixo e o cerne das políticas para crianças e adolescentes
em situação de vulnerabilidade social, como os adolescentes em conflito com a lei, conforme
explicita o artigo 228 da Constituição Federal, que fala da inimputabilidade dos menores de
18 anos e da existência de uma legislação especial para normatização do ato infracional. A
partir desse momento, fica a cargo do ECA, e não do Código Penal, a aplicação de medidas de
caráter educativo e não simplesmente punitivo, ao adolescente infrator da lei penal.
Assim, o Estatuto, além de regulamentar as conquistas em favor das crianças e
adolescentes expressas na Constituição Federal, veio também promover um importante
conjunto de mudanças que extrapola o campo jurídico e consolida significativas
transformações no conteúdo, no método e na gestão das políticas de atendimento voltadas à
infância e juventude brasileiras.
2.1.3 A estruturação da política de atendimento à criança e ao adolescente no Brasil a partir
do ECA: enfoque no conteúdo, no método e na gestão
O ECA, como dito anteriormente, introduz inovações no campo da infância e
juventude nos níveis jurídico, institucional e social, ao afirmar que é dever da família, da
sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, os
33
direitos previstos em seu artigo 4, com vistas à estruturação e desenvolvimento de uma
política de promoção e defesa de direitos.
O SGD pode ser entendido como um “conjunto de órgãos, entidades, autoridades,
serviços e programas de atendimento a crianças, adolescentes e suas respectivas famílias, que
devem atuar de forma articulada e integrada, na busca de sua proteção integral [...]” 10
,
evidentemente a partir do que está previsto pelo ECA e pela Constituição Federal.
Para que esse Sistema se efetive, corroborando a compreensão de Costa (1994), o
Estatuto introduz mudanças, sobretudo a partir de três perspectivas: de conteúdo, de método e
de gestão.
No que diz respeito ao conteúdo, a mudança é introduzida pela Lei ao estender a
garantia de direitos a todas as crianças e adolescentes, não se limitando a uma parcela
particular desse segmento, como ocorria anteriormente quando as políticas sociais voltadas a
eles se orientavam pela Doutrina da Situação Irregular, vinculando pobreza à criminalidade.
Ao reconhecer a criança e o adolescente como sujeitos de direitos e pessoas em
desenvolvimento, o ECA prevê meios para assegurar esses direitos, entendidos como um
“Sistema de Garantia de Direitos” - SGD. Segundo Bragaglia (2002) e Costa (1994), esse
sistema pode ser entendido a partir de três grandes sistemas de garantias:
10
Prefeitura de Belo Horizonte; Conselho Municipal da Assistência Social e dos Direitos da Criança e do
Adolescente, 2012 – não publicado.
34
QUADRO 1
Elementos que compõem o Sistema de Garantia de Direitos
EIXOS
ESTRUTURAÇÃO DA
POLÍTICA DE ATEN-
DIMENTO
OBJETIVOS
ATORES PÚBLICOS E
SOCIAIS
SISTEMA PRIMÁRIO:
PROMOÇÃO
(atendimento direto)
Políticas sociais básicas
Atendimento direto por
políticas públicas.
- Conselhos de direitos,
Conselho Tutelar;
- Unidades de
atendimento
(Educação,
Saúde, Assistência
Social, entre outras);
SISTEMA SECUNDÁ-
RIO: CONTROLE (vigi-
lância)
Políticas Assistenciais Vigilância do
cumprimento da
Constituição Federal
e do ECA.
- Sociedade civil;
- Fóruns, sindicatos;
- Entidades de classe.
SISTEMA TERCIÁRIO:
DEFESA
(responsabilidade)
Programas de proteção
Especial
Responsabilização
pelo não atendimento,
pelo atendimento
irregular ou pela
violação de direitos
- Judiciário – Ministério
Público;
- Secretaria de
Segurança;
- Secretaria de Justiça;
- Defensoria Pública;
- Conselhos Tutelares e
Centros de Defesa.
Fonte: Elaboração própria
Cabe aos Conselhos de Direitos formularem e fiscalizarem as políticas públicas
destinadas ao público em questão; dispor sobre a aplicação dos recursos para a execução
dessas políticas e ainda conduzir o processo de eleição dos CTs. Aos CTs cabe a função de
zelar pelos direitos da criança e do adolescente ao se constituir um defensor e legítimo
“cobrador” do Estado, da família e da sociedade, afim de que se cumpram os preceitos do
Estatuto.
E ao Município, ao Estado e à União compete participar dos Conselhos de
Direitos em cada nível federativo, além de formular políticas públicas específicas para o
público infanto-juvenil e, ainda garantir a infraestrutura material regular para funcionamento
dos serviços públicos, como saúde, educação, assistência social, entre outros.
35
A partir dessa concepção do SGD, é possível visualizar que ele estabelece eixos
estratégicos para o alcance da política referente à infância e juventude em todas as suas
dimensões, identificando os atores que se articularão para a efetivação dos Direitos Humanos
fundamentais de crianças e adolescentes.
No que diz respeito às mudanças de método, a lei inova ao estabelecer que o
Estado deve substituir as práticas assistencialistas vigentes por propostas educativas, baseadas
nas noções de cidadania, além de considerar crianças e adolescentes como pessoas em
desenvolvimento.
Isso introduz mudanças na maneira de se fazer política pública voltada para esse
segmento, inexistente no Código Menorista, uma vez que ficava a cargo da caridade e
filantropia (Igrejas, Clubes de Serviço, entre outros) o suprimento das necessidades da
infância, da juventude e de suas famílias. Neste sentido, Costa (1993, p. 23) observa que “[...]
superar o assistencialismo é deixar de perceber crianças, adolescentes e famílias pobres como
feixes de necessidades, para encará-los como sujeitos e direitos exigíveis em lei”.
Quanto às mudanças de gestão, o ECA introduz uma nova divisão do trabalho
social, não só entre os três níveis de governo (União, Estado e Município), mas também entre
o Estado e a sociedade civil organizada, com a efetivação dos Conselhos de Direitos da
Criança e do Adolescentes em todos os níveis, e os Conselhos Tutelares - CTs , em nível
municipal. Assegura-se assim, ao menos no plano legal, a participação popular por meio de
suas entidades representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos
os níveis.
Segundo Alencar e Sales (1997), persiste até os dias de hoje um grande
desconhecimento de boa parte da sociedade acerca do ECA, havendo também uma
compreensão limitada por parte de juízes, delegados e muitos profissionais ligados
diretamente à formulação e execução dessa política, inclusive dos Conselhos Tutelares.
Nesse contexto, já passados vinte anos da criação do Estatuto, observa-se que ele
não significou a reversão dos problemas das crianças e adolescentes deste país, visto que
desde a sua formulação até os dias de hoje o abandono, a fome e o analfabetismo ainda fazem
parte da vida de grandes contingentes da população infanto-juvenil.
Nas palavras de Volpi (1997), ainda hoje,
Observamos que as crianças e os adolescentes do Brasil representam a parcela mais
exposta às violações de direitos pela família, pelo Estado e pela sociedade,
exatamente ao contrário do que define a nossa Constituição Federal e suas leis
complementares. Os maus tratos, o abuso e a exploração sexual, a exploração do
trabalho infantil, as adoções irregulares, o tráfico internacional e os
36
desaparecimentos, a fome, o extermínio, a tortura e as prisões arbitrárias
infelizmente ainda compõem o cenário por onde desfilam nossas crianças e
adolescentes (VOLPI, 1997, p. 8).
E ainda nas palavras de Fajardo (2002),
O Estado brasileiro é sempre ativo sujeito no processo de positivação dos Direitos
Humanos em âmbito internacional e regional, mas também é sempre reticente ou
omisso quando se trata de seus compromissos decorrentes da mesma legislação que
ajuda elaborar. Essa aparente contradição pode ser entendida como estratégia em
direção a uma eficácia simbólica dessas iniciativas (FAJARDO, 2002, p. 42).
As observações de Volpi e Fajardo apontam para uma clara necessidade: é
imprescindível a construção, por parte do Estado e com o apoio da sociedade (família,
movimentos sociais, comunidades), de bases concretas, sobretudo políticas, econômicas e
institucionais, onde o Conselho Tutelar se apoia, para a efetiva implementação do SGD
previstos no ECA. Não basta mudar ou defender a Lei, é necessário agir sobre a realidade que,
no caso brasileiro, ainda é perversa, frente à grande violação de direitos que expõe
cotidianamente crianças e adolescentes.
2.1.4 O lugar do Conselho Tutelar na defesa dos direitos da infância e juventude
A ideia da criação de um conselho na área da infância e juventude no Brasil não é
nova, sendo apontada essa necessidade desde a constituição do 1º Código de Menores em
1927 (BRASIL, 1927). Segundo esse Código, era de responsabilidade do Juiz de Menores
“[...] não somente a função judicial, mas também funções administrativas e assistenciais, além
de certo papel legislativo, não se observando a separação de poderes” (BRAGAGLIA, 2002,
p. 76).
Para desempenhar essas funções assistencialistas, percebeu-se muito cedo a
necessidade de participação da comunidade. Dizia o artigo 222 do referido Código: “É criado
no Distrito Federal o Conselho de Assistência e Proteção aos Menores”, e em seus incisos
eram previstas as atribuições de vigiar, proteger, auxiliar, fiscalizar, fundar estabelecimentos,
organizar e fomentar patronatos, promover a assistência e administrar os fundos.
Esse conselho era considerado ainda, pelo referido código, uma associação de
utilidade pública, com personalidade jurídica, cuja presidência competia ao Ministro da
Justiça (PESTANA, 2011). No entanto, a concepção do 1º Código de Menores a respeito da
criação de um conselho era apenas a de um órgão auxiliar do juiz, sem qualquer autonomia
para agir.
37
O conselho “Tutelar”, tratado nesta pesquisa, é uma novidade jurídica. Diferencia-
se da perspectiva do Código de Menores de Mello Mattos (BRASIL, 1927) e do Código de
Menores (BRASIL, 1979), que instituíam um Conselho sem autonomia para a ação e também
um Comissariado de Menores com função de vigilância, controle e inspeção. A novidade é
que estabelece ser função da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder
público zelar pelos direitos da infância e juventude (Art. 4° do ECA, Art. 227 da CF de 1988).
Para Ferreira (2002, p. 127) “[...] o CT é a evolução da ideia de conselhos para
atuarem na assistência e proteção de crianças no Brasil e fundamenta-se na necessidade da
participação comunitária nessa função”. Dessa forma, o Estatuto reconhece que também cabe
à sociedade e à comunidade zelar pelos direitos desse segmento social no Brasil. A partir
desse entendimento é que o CT deve ser constituído por pessoas da comunidade, que tenham
conhecimento dos dilemas dessa mesma comunidade na qual está inserido.
Sobre a instituição de CT diz o ECA (BRASIL, 1990):
Art. 131. O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional,
encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do
adolescente, definidos nesta Lei.
Art. 132. Em cada Município haverá, no mínimo, um Conselho Tutelar composto de
cinco membros, escolhidos pela comunidade local para mandato de quatro anos11
,
permitida uma recondução (BRASIL, 1990).
A expressão “órgão permanente” quer dizer que, uma vez criado no município, o
CT não pode mais deixar de existir, mesmo modificando-se os ocupantes dos cargos públicos,
como prefeitos e vereadores. Para Kaminski (2002b, p. 97), esse conselho “[...] é uma
conquista da sociedade, não cabendo, senão em virtude da lei federal que o criou, deixá-lo de
fazer funcionar”. Sendo assim, o Estatuto reconhece que cada comunidade, levando-se em
consideração seu desenvolvimento cultural, econômico, político e social, vive uma realidade
em relação à garantia ou violação de direitos, devendo assim se organizar para resolvê-los.
Em relação à expressão “órgão autônomo”, a lei está se referindo à liberdade para
a tomada de decisões dada ao CT, desde que sejam à luz do ECA (BRASIL,1990) não
podendo ser influenciadas por qualquer interesse que não seja, em primeira instância, o da
criança ou do adolescente envolvido. Somente a autoridade judiciária poderá rever as decisões
do CT, “[...] a pedido de quem tenha legítimo interesse” (Art. 137).
11
O mandato do Conselheiro Tutelar que era de três anos passou a ser de quatro anos a partir da instituição da
Lei 12.696/Julho de 2012 que alterou os artigos. 132, 134, 135 e 139 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de
1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).
38
Para seu funcionamento, a Lei (BRASIL, 1990) preconiza ser de responsabilidade
de cada município dispor sobre local, dia e horário de funcionamento e, ainda, sobre
remuneração obrigatória de seus membros não inferior a um salário mínimo (Art. 134),
devendo constar em lei orçamentária municipal previsão de recursos necessários à sua
estruturação. Apesar disso, o órgão municipal jamais poderá interferir nas ações e decisões
dos conselheiros, que têm o dever de fiscalizar as prefeituras ou gestões municipais. Sendo
assim, devem possuir os conselheiros “autonomia” nas suas ações (Art. 131).
Em 2001, os CTs de todo o país receberam os primeiros parâmetros para a sua
criação e funcionamento pela Resolução 075 (BRASIL. 2001), expedida pelo Conselho
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda12
. Em 2010, foi verificado a
necessidade de se expedir e/ou reformular diretrizes para além daquelas estabelecidas em
2001 dando origem à Resolução 139.
Estas resoluções são responsáveis por estabelecerem normas para criação de CTs
a nível nacional, como número de conselhos por habitantes, previsão de lei orçamentária
municipal para, entre outras coisas, estruturação dos órgãos, remuneração e realização de
capacitação e/ou qualificação profissional para os conselheiros.
Uma das novidades dessa resolução é de que deverá ser observada,
preferencialmente, a proporção mínima de um CT para cada 100.000 habitantes.
Faz-se importante destacar que em 25 de julho de 2012 foi sancionada a Lei Nº
12.696, que altera os artigos 132, 134, 135 e 139, do Capítulo II “Das Atribuições do
Conselho Tutelar” do ECA (BRASIL, 1990). Esta modificação na lei significa um avanço
imensurável, principalmente no que diz respeito às garantias trabalhistas dos Conselheiros -
inexistentes antes desta modificação - uma vez que a remuneração não é mais opcional e sim
obrigatória e, ainda conforme o artigo 134:
I - cobertura previdenciária;
II - gozo de férias anuais remuneradas, acrescidas de 1/3 (um terço) do valor da
remuneração mensal;
III - licença-maternidade;
IV - licença-paternidade;
V - gratificação natalina (BRASIL, 1990).
A partir deste artigo, é possível destacar que o reconhecimento dos direitos
trabalhistas dos conselheiros tutelares se dá apenas vinte e três anos após a criação do ECA e,
12 Tais atribuições estão especificas na Lei de nº 8.242, de 12 de outubro de 1991 que cria o Conselho Nacional
dos Direitos da Criança e do Adolescente - Conanda e dá outras providências.
39
respectivamente, desta atividade de trabalho. Desta forma, compreende-se que esta atividade
não era tratada em consonância com as leis trabalhistas em vigor no país, criadas a partir do
artigo 7° da Carta Constitucional de 1988 que estabelece os direitos trabalhadores urbanos e
rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social.
Entretanto, mesmo que tardiamente, o reconhecimento dos direitos trabalhistas
dos conselheiros tutelares representa uma conquista para esta categoria, abrindo espaço para
maior visibilidade social e valorização pessoal e profissional.
Já as modificações propostas no artigo 139 dizem respeito à eleição e posse dos
CT, antes deliberada por cada legislativo municipal. Com as modificações da Lei, todos os
municípios deverão obedecer aos seguintes critérios:
§ 1º O processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar ocorrerá em data
unificada em todo o território nacional a cada 4 (quatro) anos, no primeiro domingo
do mês de outubro do ano subsequente ao da eleição presidencial.
§ 2o A posse dos conselheiros tutelares ocorrerá no dia 10 de janeiro do ano
subsequente ao processo de escolha.
§ 3° No processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar, é vedado ao
candidato doar, oferecer, prometer ou entregar ao eleitor bem ou vantagem pessoal
de qualquer natureza, inclusive brindes de pequeno valor (BRASIL, 1990).
É possível destacar que a escolha dos conselheiros tutelares será de 04 em 04 anos
em todo o território nacional e na mesma data, no primeiro domingo do mês de outubro no
ano posterior àquele das eleições presidenciais. Outra novidade também diz respeito à posse
dos conselheiros eleitos, que deverá ser no dia 10 de janeiro, também em todo território
nacional.
O artigo 136 do ECA estabelece como atribuições do CT:
I - atender as crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos arts. 98 e 105,
aplicando as medidas previstas no art. 101, I a VII;
II - atender e aconselhar os pais ou responsável, aplicando as medidas previstas no
art. 129, I a VII;
III - promover a execução de suas decisões, podendo para tanto:
a) requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social,
previdência, trabalho e segurança;
b) representar junto à autoridade judiciária nos casos de descumprimento
injustificado de suas deliberações.
IV - encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração
administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente;
V - encaminhar à autoridade judiciária os casos de sua competência;
VI - providenciar a medida estabelecida pela autoridade judiciária, dentre as
previstas no art. 101, de I a VI, para o adolescente autor de ato infracional;
VII - expedir notificações;
VIII - requisitar certidões de nascimento e de óbito de criança ou adolescente
quando necessário;
40
IX - assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta orçamentária para
planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente;
X - representar, em nome da pessoa e da família, contra a violação dos direitos
previstos no art. 220, § 3º, inciso II, da Constituição Federal;
XI - representar ao Ministério Público para efeito das ações de perda ou suspensão
do poder familiar, após esgotadas as possibilidades de manutenção da criança ou do
adolescente junto à família natural.
Parágrafo único. Se, no exercício de suas atribuições, o Conselho Tutelar entender
necessário o afastamento do convívio familiar, comunicará incontinente o fato ao
Ministério Público, prestando-lhe informações sobre os motivos de tal entendimento
e as providências tomadas para a orientação, o apoio e a promoção social da família
(BRASIL, 1990).
Tratando-se de um conselho, isto é, “[...] uma assembleia de pessoas encarregadas
de deliberar sobre certos interesses ou julgar determinados litígios” (CAPITANT, 1979, p.
48), as decisões não podem ser tomadas na pessoa do conselheiro, mas de forma conjunta
entre todos os seus membros, a saber, em um colegiado. Por isto o Estatuto não estabelece em
seu artigo 135 “atribuições do Conselheiro”, mas sim do “Conselho Tutelar”.
Percebe-se assim, que tais prescrições dizem respeito ao trabalho a ser realizado
pelo CT como um todo, sem muitas especificações no que tange à função do conselheiro, pois
apenas aponta o que o CT deve fazer, mas não especifica a função da pessoa do conselheiro,
ou o como fazer. Apenas especifica a Lei que as medidas de caráter emergencial, que poderão
ser tomadas, por exemplo, em regime de plantão por um Conselheiro, deverão ser
comunicadas ao colegiado no primeiro dia útil subsequente, tanto para ratificação como para
retificação pelos demais membros (Art. 20/ BRASIL, 2010b).
Segundo Kaminski (2002b, p. 96), a palavra tutela, que acompanha a palavra
conselho, “[...] do latim tutela e do verbo tueri, significa um órgão que visa a proteger [...]”,
no sentido de agir, “[...] como um instrumento de proteção dos direitos de todas as crianças e
adolescentes, independente de suas situações sociais”.
2.1.5 A atividade de trabalho exercida pelo conselheiro tutelar
Os CTs devem possuir, conforme preconiza o ECA e a Resolução 139/2010 do
Conanda, três funções essenciais, sendo elas a requisição de serviços aos demais órgãos
governamentais e não governamentais de atendimento, a petição ao Ministério Público e a
fiscalização de entidades de atendimento. Além disso, a partir da demanda apresentada ao CT,
cumpre-lhe subsidiar com fatos, dados e informações a elaboração do plano de ação do
município nessa área pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente -
CMDCA.
Entretanto, estas funções só serão possíveis de serem desenvolvidas pelo CT, se
pelo menos um de seus membros tomarem conhecimento de alguma ameaça ou violação de
41
direitos de crianças e adolescentes, praticado tanto pela família, quanto pelo Estado ou pela
sociedade, ou ainda em razão de sua própria conduta.
Para que isso aconteça é necessário que o (s) conselheiro (s) esteja pronto a
escutar queixas, reclamações, reivindicações e solicitações. Qualquer pessoa pode realizar
uma denúncia, inclusive crianças e adolescentes que estejam sofrendo ou presenciando uma
violação de direitos, tanto por escrito, como por telefone ou ainda pessoalmente, e a
identidade do denunciante, sempre que possível, deve ser preservada.
Depois de registrada a denúncia, faz-se necessário que o (s) conselheiro (s) apure
a sua veracidade, que pode se dar a partir de uma escuta qualificada, observado o relato das
pessoas e/ou instituições envolvidas; ou ainda através de uma visita de atendimento no local
da ocorrência da ameaça ou violação de direitos que pode ser em domicílio, em escolas, em
hospitais, entidades de atendimento, entre outros (BELO HORIZONTE, 2009).
Quando a denúncia não é comprovada o caso pode ser arquivado, mas jamais
poderá deixar de ser registrado. No entanto, uma vez comprovada a ameaça ou a violação de
direitos, o conselheiro, a partir da discussão do caso em colegiado, poderá aplicar as seguintes
medidas de proteção13
, previstas no artigo 101 do ECA:
I- encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;
II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III - matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino
fundamental;
IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao
adolescente;
V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime
hospitalar ou ambulatorial;
VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento
a alcoólatras e toxicômanos;
VII – acolhimento institucional (BRASIL, 1990).
O artigo 236 do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que, em casos de
desobediência injustificada de suas determinações tanto por órgão governamental ou não, o
membro do CT que estiver atuando no caso, deverá encaminhar representação à autoridade
judiciária. Nesta representação, é necessário que esteja explicitado o prejuízo ou risco que esta
falta ou omissão poderá acarretar em detrimento dos direitos da criança e do adolescente, bem
como o desamparo às suas famílias.
13 Faz-se relevante apontar que o CT não prestará diretamente os serviços necessários à efetivação dos direitos
da criança e do adolescente previstos no ECA, muito menos substituirá as funções dos programas de atendimento
à criança e ao adolescente à nível municipal, estadual e/ou federal.
42
Outra forma de intervenção do conselheiro tutelar poderá se dar a partir do
momento em que este se encontrar informado sobre os problemas da comunidade onde atua,
podendo assim se antecipar à denúncia. Esta antecipação pode acontecer em forma de um
trabalho diferenciado como ações de prevenção, por meio de palestras e campanhas
educativas em escolas, hospitais, veículos de comunicação, entre outras.
Entretanto, os conselheiros tutelares têm dificuldades em exercer suas tarefas,
dada à complexidade que envolve a violação de direitos contra crianças e adolescentes no
Brasil, o que frequentemente faz dos CTs órgãos poucos resolutivos, “[...] deixando muitas
vezes de cumprir o seu papel e, ao mesmo tempo, não conseguindo dar conta da demanda por
atendimento, que geralmente é bastante volumosa” (MATOS e MENDES, 2009, p. 255).
Para Kozen (2008),
Em nenhum outro momento e em nenhuma outra área, o legislador federal delegou
tanta autoridade a agentes do Município como fez o Estatuto da Criança e do
Adolescente, ao criar o Conselho Tutelar, investindo os conselheiros em atribuições
e, especialmente, em prerrogativas de função até então inimagináveis a outros
órgãos ou agentes da municipalidade (KOZEN, 2008, p. 12).
No entanto, faz-se necessário esclarecer que a efetivação do ECA, ou seja, a
defesa dos direitos da infância e juventude, não é tarefa exclusiva dos conselheiros tutelares,
mas da família, do Estado e da sociedade, conforme preza a lei. O CT deve fazer parte do
SGD, a fim de fortalecê-lo e não ser o único ator desse processo,
Porque devemos perceber que da forma que o Estatuto foi elaborado, o conselho
tutelar é concebido como sendo os olhos do conselho de direitos e nós temos que
conceber o conselho de direitos como segundo braço do conselho tutelar. Por que o
segundo braço de apoio? Porque se o conselho de direitos tem a função de formular
políticas públicas, formular programas e serviços, sem uma rede de retaguarda, o
trabalho do conselho tutelar se torna inviável, então ele depende sim do conselho de
direitos. E quando falo que o conselho tutelar é os olhos do conselho de direitos é
porque ele lida com a situação diretamente, ele lida com os casos, sendo quem vai
estar se remetendo ao conselho de direitos, colocando problemas no sentido de
fornecimento de dados para melhor atuação deste (Depoimento de José Cláudio da
Costa Barros apud OLIVEIRA, 1997, p.18).
Visando à realização de diagnósticos sobre ameaça ou violação de direitos de
crianças e adolescentes atendidos pelo CT, foi criado, em 1997, pela Secretaria Nacional de
Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente – SNPDCA, o Sistema de Informação
para Infância e Adolescência - SIPIA, um sistema informatizado, que se baseia no
atendimento diário realizado pelos conselheiros tutelares. Este sistema foi criado com o
objetivo de fornecer aos CMDCA e às administrações municipais dados sobre a situação da
43
infância e juventude nos municípios, a fim de subsidiar a elaboração de políticas públicas
sociais.
Segundo Matos e Mendes (2009, p. 249), o SIPIA não é uma realidade para todos
os municípios brasileiros, uma vez que “[...] sua instalação depende da existência de uma
infraestrutura que a maioria dos conselhos tutelares não dispõe”, além da falta de
qualificação/conhecimento técnico/digital para lidar com o sistema por parte dos próprios
conselheiros tutelares.
Somado ao fator “falta de qualificação” dos conselheiros tutelares e, por ser uma
inovação legal, o CT tem dado margem, desde a sua gênese, a uma série de polêmicas em
torno de seu papel e funcionamento (MENDES, 2002). Muitas vezes, este conselho teve
questionada sua autonomia, tanto pelas famílias atendidas, quanto por uma parcela da
sociedade e, ainda por alguns representantes e órgãos públicos.
O Conanda, por meio da resolução 139 (BRASIL, 2010b), estabelece que a Lei
Municipal ou Distrital que dispuser sobre a estruturação do CT, deverá, preferencialmente,
estabelecer dotação orçamentária para que, entre outras razões, promova formação continuada
para os membros desse conselho (Art. 4°) e, ainda:
Art. 48 Parágrafo único. A política referida no caput compreende o estímulo e o
fornecimento dos meios necessários para adequada formação e atualização
funcional dos membros dos Conselhos e seus suplentes, o que inclui, dentre outros,
a disponibilização de material informativo, realização de encontros com
profissionais que atuam na área da infância e juventude e patrocínio de cursos e
palestras sobre o tema (BRASIL, 2010b).
Isto quer dizer que os próprios órgãos responsáveis pela fiscalização do CT, como
o Conanda, reconhecem a fragilidade desse órgão no que diz respeito à qualificação e efetiva
atuação de seus membros.
É interessante observar que a qualificação permanente foi considerada como o
fator mais importante para o aprimoramento dos CT pelos seus próprios membros, conforme a
pesquisa nacional “Conhecendo a Realidade” (2007). Isso indica que os pesquisados
identificam a importância de se compreender melhor as atribuições destinadas a eles e a Lei
sobre a qual sua atuação está respaldada.
Entende-se que a promulgação do ECA e a instituição de CT significa um avanço
democrático de suma importância, mas a sua instituição por si só não altera a realidade. É de
se esperar que no cotidiano institucional dos conselheiros tutelares se efetivem ações que
materializem os princípios da “Proteção Integral” firmados no ECA, para que, além de um
novo paradigma jurídico-social, se tenha também um novo paradigma assistencial baseado em
44
ações e atividades que contribuam para que os sujeitos possam ter assegurada uma condição
de sobrevivência em sua plenitude.
2.2 Saberes e práticas desenvolvidas pelo Conselheiro Tutelar: perspectiva ergológica de
estudo
O conhecimento a respeito dos saberes e práticas desenvolvidas pelo conselheiro
tutelar em Belo Horizonte será uma categoria de análise fundamental para construir a
explicação objetiva ao problema de pesquisa e intervenção delimitado neste trabalho.
Conforme apontado anteriormente, o CT, como espaço de participação da sociedade civil no
processo de gestão, fiscalização e garantia dos direitos da população infanto-juvenil é
constituído por pessoas da própria comunidade, portanto com seus valores, cultura e
percepções próprias a respeito das questões que envolvem a sua prática cotidiana.
Não sendo necessária nenhuma formação específica para o exercício desta função
(BRASIL, 1990), muitos conselheiros desenvolvem seus saberes e práticas a partir da
investidura do cargo. Isto quer dizer que, na medida em que as demandas de trabalho
aparecem, decisões são tomadas e encaminhamentos são dados sem que muitos desses
conselheiros tenham sido preparados ou formados para tal.
A proposta desta pesquisa foi debruçar-se sobre esta questão sobre o viés da
Ergologia, que analisa a trabalho por meio da atividade e entende que o trabalhador (a) é
figura central no processo de tornar realidade de trabalho o que foi prescrito, no caso do
conselheiro tutelar, por Leis e Resoluções.
Há desta forma, na perspectiva ergológica, uma lacuna entre o trabalho prescrito e
o trabalho real, e a gestão desta lacuna é chamada pela ergologia de renormalização, pois ao
realizar a atividade de trabalho, cada trabalhador (a) constrói um espaço de trabalho onde
investe saberes que lhe são singulares, não correspondendo ao prescrito, mas ultrapassando-o.
Ao realizar a renormalização, o trabalhador (a) investe saberes instituídos e
também constituídos, estes presentes em sua experiência ao longo da vida. Desta forma o
trabalho não pode ser resumido à mera execução de tarefas prescritas, mas sua compreensão
deve deslocar-se para os sujeitos em atividade.
A contribuição da perspectiva Ergológica para esta pesquisa foi avançar na
compreensão da lacuna existente entre o trabalho prescrito e o trabalho real, do processo de
normalização e renormalização que ocorre em toda a atividade humana.
45
Desta forma, foi possível compreender os conselheiros tutelares como
protagonistas das ações realizadas nos CTs pesquisados. Protagonistas estes, que apesar de
terem pouca qualificação para investidura do cargo e frágeis prescrições para realização do
trabalho, procuram investir saberes coerentes com os parâmetros determinados pelo ECA
(BRASIL, 1990).
2.2.1 A abordagem Ergológica: conceito e perspectiva de análise
No início da década de 1980, uma notável equipe de pesquisadores franceses,
mais especificamente da Universidade de Provence, liderada por Yves Schwartz (filósofo e
professor desta instituição), dá origem aos estudos que vão se constituir na perspectiva
ergológica. Segundo Cunha (2007, p. 34), “[...] uma pequena equipe daquela universidade e
alguns parceiros do mundo do trabalho deram origem a um dispositivo de formação e
pesquisa”, inicialmente chamado Análise Pluridisciplinar de Situações de Trabalho (APST).
Para Santos e Vieira Júnior (2012), o surgimento da perspectiva Ergológica teve
três influências diretas, sendo a primeira delas os trabalhos de Ivar Oddone junto ao
Movimento Operário Italiano (MOI), na década de 1960, e que tinham por objetivo
compreender a relação entre saúde e trabalho, por conta do crescente adoecimento dos
trabalhadores, principalmente da indústria automobilística, neste período.
Esse coletivo construiu uma proposta de discussão multidisciplinar do trabalho, que
visava compreender a necessidade de interlocução entre saberes constituídos e
saberes dos trabalhadores para solucionar problemas nos locais laborais. Esse
princípio de interlocução de saberes proposto por esse movimento foi incorporado
por Schwartz (2000) como um dos pilares da abordagem ergológica para fins de
análise e transformação do trabalho (SANTOS e VIEIRA JÚNIOR, 2012, p 84).
A segunda influência vem da ergonomia de língua francesa, ancorada nos estudos
do ergonomista e médico Alan Wisner. A importância desses estudos para a perspectiva
Ergológica foi a distinção dada entre trabalho prescrito e trabalho real.
A compreensão ergonômica de Wisner sobre a lacuna existente entre trabalho
prescrito e trabalho real fora descoberta por seus estagiários Catherine Teiger e Jacques
Duraffourg, em 1972. Estes estagiários acompanharam o trabalho das operárias de uma
fábrica de televisores durante um mês e lá puderam observar que estas não executavam as
tarefas conforme prescrito no manual. Cada operária executava a tarefa de maneira singular,
objetivando a melhor forma de realização da atividade.
46
Até a chegada desta descoberta, o trabalho era analisado pelo mundo acadêmico
por meio apenas da prescrição, não levando em consideração o sujeito em atividade. Sujeito
este que possui valores, história e normas próprias e que torna cada atividade de trabalho algo
singular (TRINQUET, 2010).
Assim, estes estudos demonstraram a relação existente entre homem e atividade
onde, por exemplo, foi possível desenvolver a percepção da variação em que o trabalho
humano está sujeito, pois disto depende a forma com que cada trabalhador concebe e exerce a
mesma função, pois são diferentes, e a exercem de modos diferentes, às vezes em busca do
mesmo resultado.
Já a terceira influencia da gênese da perspectiva Ergológica está em Georges
Canguilhem com sua filosofia das normas:
Pela teoria canguilhiana, um sujeito entraria em desequilíbrio a partir do momento
em que não conseguisse se adaptar às normas de trabalho, dessa forma adoecendo
(CANGUILHEM, 2000). É correto afirmar que, baseado na abordagem da filosofia
das normas, o trabalho configura-se com espaço de construção da saúde e fomento
de discussões sobre como os sujeitos trabalhadores podem influenciar ativamente
esse processo (SANTOS E VIEIRA JÚNIOR, 2012, p. 84).
A partir da ideia de que em toda situação social existem normas que buscam
regulação do homem em sociedade, trabalhada pela filosofia das normas de Canguilhem, a
perspectiva Ergológica introduz a ideia de normas antecedentes e o debate das normas,
presentes em toda atividade humana, como nas situações cotidianas de trabalho. Para Vieira
(2003, p. 56) “[...] as normas comportam a história do homem com o contexto social e podem
se traduzir em saberes, valores, técnicas, regras e procedimentos, que passam a ser codificadas
tanto na inteligência do homem singular quanto na experiência coletiva”.
Faz-se importante ressaltar que, além destas três grandes influências, quais sejam,
os trabalhos de Ivar Oddone, na década de 1960, da ergonomia francesa de Alain Wisner e da
filosofia das normas, de Canguilhem, a Ergologia se desenvolve ainda frente à necessidade de
se compreender as transformações do mundo do trabalho. Essas mudanças foram provocadas
pelos novos modos de gerir e organizar a produção capitalista, bem como pela introdução de
novas tecnologias, decorrentes da crise de um ciclo expansivo, que começou na década de
1940 e se estendeu até a década de 1970.
Em resposta a esta crise econômica, o mundo vivenciou, na década de 1980, um
redimensionamento das relações de poder, devido ao desmonte do Leste Europeu, à revolução
tecnológica, à intensificação e expansão do capitalismo contemporâneo e à
47
internacionalização do capital, o que modificou as formas de produção e reprodução da vida
social.
O mundo do trabalho assistiu a uma acelerada reestruturação política e produtiva.
A reestruturação consistiu na substituição dos rígidos padrões produtivos taylorista/fordistas14
por formas produtivas flexibilizadas e desregulamentadas por via da perspectiva japonesa do
toyotismo15
, exigidas pela vinculação da produção à demanda (LAURELL, 2002). No que
tange à reestruturação política assistiu-se ao retorno da perspectiva liberal pela via neoliberal,
ou seja, um Estado forte para a economia e ao mesmo tempo fraco para o reconhecimento dos
direitos sociais.
Neste cenário, a Ergologia se caracteriza como uma nova abordagem teórica e
metodológica sobre as situações de trabalho, não se fundando somente na perspectiva
marxista do trabalho abstrato (valor de troca), mas, sobretudo, do trabalho concreto. Ao se
preocupar com o trabalho concreto, ou seja, com a da atividade humana, desloca o interesse
da tarefa para o sujeito que a realiza, entendendo que, como aponta Santos (2000),
O trabalhador não é um mero executante determinado pelo seu lugar nas relações
sociais e pelos dispositivos técnicos mas, também, um homem, sujeito vivente, com
todo o horizonte de universalidade que isto implica (SANTOS, 2000, p. 123).
A ideia trabalhada pelos pesquisadores franceses da Ergologia era de conhecer o
trabalho para transformá-lo; assim, era necessário muito mais do que saberes acadêmicos para
se conhecer o trabalho, sendo necessário conhecê-lo pela via da atividade, ou seja, pela via
dos saberes e valores colocados em ação pelos sujeitos. Esta premissa aponta que o objetivo
máximo da ergologia é conhecer o trabalho para transformá-lo na perspectiva da “atividade
humana”, que segundo Trinquet (2010, p. 94) “[...] é tomada no sentido de atividade interior.
É o que se passa na mente e no corpo da pessoa no trabalho, em diálogo com ela mesma, com
o seu meio e com os ‘outros’”.
Schwartz (2000), argumenta que a Ergologia
14
O modo de produção taylorista/fordista foi criado nos Estados Unidos pelo engenheiro F. W. Taylor no início
do século XX, com o objetivo de racionalizar o trabalho e aumentar a produtividade, separando concepção e
execução do trabalho. Cabia ao sujeito em atividade somente desenvolver as precrições para o trabalho sem
questioná-las ou propor adequações para realização das atividades. Para Tavares (2010, p. 250) “trata-se de uma
proposta diferenciada do controle do trabalho pelo capital, que transcende os limites do espaço fabril,
interpondo-se nas questões familiares, na sexualidade, na moralidade”. Este modelo foi disseminado pela
indústria automobilística Ford. Por esta razão a expressão taylorismo/fordismo. 15
O toyotismo, regime implantado inicialmente pela empresa automobilística Toyota entre 1950 e 1970 (Japão),
também conhecido como modo flexível de produção, “[...] desenvolve relações de subcontratação, pelas quais a
empresa nuclear aproveita-se dos custos salariais mais baixos das subcontratadas.” TAVARES (2009, p.251).
Este modelo de gerenciamento do trabalho se espalhou pelos demais países capitalistas a partir dos anos de 1980.
48
[...] não é, portanto, uma disciplina no sentido de um novo domínio do saber, mas,
sobretudo uma disciplina do pensamento. Essa disciplina ergológica é própria às
atividades humana e distinta da disciplina epistêmica que, para produzir saber e
conceito no campo das ciências “experimentais” deve, ao contrário, neutralizar os
aspectos históricos (SCHWARTZ, 2000, p. 45).
Para tal compreensão, o método Ergológico propõe uma leitura multidisciplinar
sobre a atividade de trabalho por entender que nenhuma disciplina (filosofia, ergonomia,
psicologia, sociologia, entre outras) será capaz de compreendê-la em sua totalidade, uma vez
que “[...] colocando em dialética os vários saberes, descobrem-se novos achados, novos
conceitos, que abrem novas perspectivas e horizontes ao conhecimento” (TRINQUET, 2010,
p. 95).
As experiências iniciais da ergologia na década de 1980 continuaram a se
desenvolver mais tarde por intermédio de um departamento próprio, o Departamento de
Ergologia da Universidade de Provence. Na década de 1990, a experiência de estudo chamada
inicialmente de APST, passa a ser denominada Ergologia. O DD3P é uma metodologia
proposta pela Ergologia para se conhecer o trabalho e que envolve os protagonistas, ou seja,
os sujeitos em atividade. O entendimento a partir de três polos, segundo os pesquisadores,
seria uma forma de ampliar o ângulo de análise sobre a atividade humana, podendo observá-la
sobre várias dimensões.
Com isto, esta perspectiva propõe à comunidade acadêmica uma nova forma de
apreender o trabalho, tomando-o não só como algo apenas prescrito, exigido ou imposto pela
gestão do processo produtivo capitalista, como se o trabalho só interessasse às instituições e
mecanismos econômicos. A Ergologia vai para além disso, entende que o trabalho é uma
atividade que interessa a todos os trabalhadores, independente da sua função, hierarquia, seja
patrão ou empregado “[...] e, sobretudo, que permitiria ao trabalho humano encontrar sua
verdadeira razão de ser, fundamental e ontológica, que é favorecer o desenvolvimento de cada
indivíduo, tanto no plano humano quanto econômico e social” (TRINQUET, 2010, p. 96).
A atividade humana é compreendida pela Ergologia como o modo de
desenvolvimento dos homens em sociedade por meio do trabalho em todos os tempos
históricos. São práticas sociais que se modificam e se modernizam, a partir de necessidades
tanto econômicas, como sociais.
Para Schwartz (2002),
Toda atividade humana é sempre, e em todos os graus imagináveis entre o explícito
e o não formulado, entre o verbo e o corpo, entre a história coletiva e o itinerário
singular, o lugar de um debate incessante restaurado entre normas antecedentes
49
serem definidas a cada vez em função das circunstâncias e processos parciais de
renormalizações, centrados na entidade atuante e que remetem ao que chamamos de
“lógicas a montante” (SCHWARTZ, 2002, p. 135).
Baseada nesta ideia de atividade humana, a Ergologia questiona a perspectiva
taylorista, pois esta reduz o trabalho à mera execução de tarefas, sem nenhum espaço para a
criatividade do executor da atividade. Assim, sob o viés ergológico, pode-se afirmar que
existe uma distância entre o trabalho prescrito e o trabalho real, uma vez que nem toda norma
pode ser aplicada de igual forma em todas as situações de trabalho por envolver escolhas e
decisões dos sujeitos em atividade, nem sempre passíveis de antecipação.
2.2.2 O reconhecimento da distância entre o trabalho prescrito e o trabalho real
No contexto da atividade humana, a Ergologia analisa o mundo do trabalho
considerando as normas prescritas, quer dizer, aquelas normas que estão colocadas para todos,
porém, indo além delas. As normas prescritas são de suma importância para a organização do
trabalho, porém não regem, como um todo, a atividade realizada pelo trabalhador (a), isto
porque esta prescrição é confrontada no cotidiano das situações vivenciadas pelos sujeitos ao
realizar as suas atividades, sendo assim, transformadas.
Ao realizar uma atividade de trabalho, o homem invoca saberes constituídos, que
podem estar formalizados em livros, resoluções, legislações, cursos (saberes científicos e
acadêmicos) e agregar e estes os saberes investidos, advindos da experiência de vida, dos
valores e da experiência em trabalho, ou seja, da sua subjetividade.
Estes saberes investidos, que podem ser coletivos ou individuais, são convocados
para preencher a lacuna existente entre o prescrito e o real. Durrafourg (2007, p.70) assinala
que trabalhar é “[...] sempre aplicar um protocolo, ao mesmo tempo, é sempre aplicá-lo de
uma maneira singular”.
Nesta direção, observa Schwartz (2000) que,
No contexto das situações de trabalho, os protagonistas destas atividades, portadores
destes saberes, têm necessidade destes materiais para valorizar seus saberes
específicos e transformar sua situação de trabalho. Descrições econômicas, modelos
de gestão, categorizações sociais são encontrados sem cessar em seus meios de
trabalho e é preciso tratá-los e, novamente, (re) tratá-los (SCWARTZ, 2000, p. 44).
O trabalho prescrito é aquele que rigorosamente pode ser previsto e/ou antecipado
por ordens de serviço e tarefas pré-definidas para a obtenção de resultados, também previstos.
Ainda, as condições de trabalho podem ser predeterminas pelo prescrito. Para Schwartz
50
(2011), as normas antecedentes se originam de criações históricas da humanidade, com suas
legislações, incluindo todas as experiências coletivas que foram transformadas em modos de
trabalho organizado, tanto em seus níveis de codificação quanto de prescrição.
Já o trabalho real é aquele descoberto, adaptado, construído por cada trabalhador
(a) em particular, onde estão envolvidos os seus valores, a sua experiência de melhor
desenvolver a atividade em questão. Desta forma, o trabalho real não pode ser previsto,
antecipado por regras ou normas, ele acontece cotidianamente e sem antecipações.
Há assim, uma diferença, ou uma distância entre o trabalho prescrito e o trabalho
real, entre aquilo que foi antecipado e entre aquilo que realmente é realizado. Nas palavras de
Trinquet (2000),
Na realidade, o que caracteriza a distância entre o trabalho prescrito e o trabalho
realizado é o fato de o trabalho ser, por definição, imprevisível, isso quer dizer que
ele não é e não pode ser previsto. Tanto do ponto de vista da experiência quanto da
teoria, a única certeza confiável é que sempre existirá uma distância entre o trabalho
prescrito e o praticado, por mínima que seja (TRINQUET, 2000, p. 97-98).
Em outras palavras, o trabalho em si pode ser programável, a atividade realizada
individualmente por cada homem/mulher trabalhador (a), não. Dependendo da situação
vivenciada subjetivamente por cada um (a) desses trabalhadores (as) a atividade será realizada
de uma maneira, levando em consideração “[...] a personalidade, a individualidade, a história
sempre singular, tanto individual quanto coletiva daqueles que participam, em tempo real”
(TRINQUET, 2000, p. 98).
Pelo viés da ergologia, entende-se que cada trabalhador se apropria do trabalho que
lhe é imputado, mas não se despe de sua história, de seus valores éticos para fazê-lo.
Influencia, mas também é influenciado; ao mesmo tempo em que deve cumprir uma
série de tarefas ditadas por normas que lhe são prescritas, ele as reinventa
constantemente (SANTOS e VIEIRA JÚNIOR, 2012, p 89).
Esta distância existente entre o trabalho prescrito e o trabalho real é de suma
importância para compreensão da realidade do trabalho. Isto porque, no desenvolvimento da
atividade cotidiana de trabalho, o trabalhador (a) se depara com dificuldades na execução de
determinas tarefas, que podem ter sido motivadas e/ou determinadas pelas exigências feitas
para sua execução, ou seja, pela prescrição.
As situações de trabalho implicam em relações entre os sujeitos, num diálogo
constante com as prescrições, na efetivação do desempenho da atividade. Entretanto, Para
Schwartz (2007) sempre existe a possibilidade de “um fazer de outra forma”, da inclusão de
uma dimensão transformadora, de (re) criação permanente por parte de cada trabalhador (a).
51
Esta dimensão transformadora vai requerer do trabalhador (a) uma adaptação ou
modificação do prescrito para que a atividade possa ser desenvolvida. Desta forma, o
desenvolvimento da atividade, que ora se encontra prescrita, poderá ser recriada. Isto não quer
dizer uma negação da norma, mas um diálogo entre a prescrição e a realidade da execução da
atividade, que leva em consideração a individualidade, valores, cultura de cada sujeito.
O trabalho real envolve, neste entendimento, contínuas escolhas do trabalhador (a)
em consequência das normas e valores adotados por este e que apoia a tomada de decisões no
cotidiano de trabalho. Uma vez que se compreende a distância existente entre trabalho
prescrito e trabalho real identifica-se um lugar de conflito incessante de saberes e de valores
que move cada contexto de trabalho. Este conflito de saberes, que atualiza a atividade de
trabalho, que faz parte do processo de renormalização, alimenta a escolha de um caminho a
ser seguido perante a imprevisibilidade da atividade.
Schwartz (2010) considera que as normas não podem antecipar todas as situações
vivenciadas no trabalho, pois as escolhas são feitas levando em consideração os valores
individuais e sociais do trabalhador, que incidem na renormalização.
Durrive e Schwartz (2008) apontam a renormalização como a
reinterpretação/transformação que o trabalhador (a) faz das normas por causa das
variabilidades inseridas no cotidiano de trabalho em resposta às lacunas das normas
antecedentes. E ainda apontam que,
O ser humano, como todo o ser vivo, está exposto a exigências ou normas, emitidas
continuamente e em quantidade pelo meio no qual se encontra. Para existir como ser
singular, vivo, e em função das lacunas das normas deste meio face às inúmeras
variabilidades da situação local, ele vai e deve tentar permanentemente reinterpretar
estas normas que lhe são propostas. Fazendo isto, ele tenta configurar o meio como
o seu próprio meio. É o processo de renormalização que está no cerne da atividade
(DURRIVE & SCHWARTZ, 2008, p. 27).
Na compreensão da abordagem ergológica da renormalização pode-se destacar o
trabalho como uma atividade criadora, fruto de um esforço individual e social, pois, na
medida em que o sujeito desenvolve a atividade de trabalho individualmente, outros sujeitos
são chamados a contribuir objetivamente ou subjetivamente nesta atividade, por meio das
relações sociais desenvolvidas no ambiente de trabalho.
Sob esta ótica, pode-se compreender que, no processo de renormalização, no
diálogo entre o trabalho prescrito e o real, os sujeitos fazem o uso de si, uma vez que
desenvolvem saberes a partir de seus valores, dos projetos de vida, de suas experiências,
buscando novas formas de desenvolver a atividade de trabalho.
52
Faz-se importante salientar que, o uso de si pode se dar tanto por cada sujeito em
particular no momento da execução da atividade, quanto pelos outros.
O uso de si pelos outros pode ser compreendido a partir da própria organização do
trabalho, que compreende as normas e técnicas pré-estabelecidas e a gestão hierárquica com a
qual os trabalhadores convivem cotidianamente, necessitando de diálogo entre os sujeitos para
melhor desenvolvimento das tarefas exigidas. É em meio a esta organização que o uso de si
passa pelos outros.
Para Schwartz (2006, p. 460) “[...] podemos então falar que, no trabalho, o uso de
si envolve “o uso de si pelos outros” e “o uso de si por si mesmo”, e aqui a elaboração
ergológica e a elaboração filosófica vão extrapolar, generalizar, para além do trabalho
assalariado, do trabalho mercantil”. Isto acontece pelo fato de que, em toda situação de
trabalho o sujeito singular atende aos seus interesses, mas atende também, e ao mesmo tempo,
o interesse de outros. Assim, a atividade exercida por este sujeito estará em constante
movimento, numa constante dialética: o uso de si por si mesmo e o uso de si pelos outros.
Neste entendimento, a abordagem ergológica propõe, para melhor compreensão
da atividade de trabalho, do uso de si por si e pelos outros, e da distância existente entre o
trabalho prescrito e o trabalho real uma interação de saberes por meio do chamado
Dispositivo Dinâmico a Três Polos - DD3P, conforme será explicitado no ponto a seguir.
2.2.3 O Dispositivo Dinâmico a Três Polos - DD3P
O DD3P foi desenvolvido por Schwartz no início dos anos de 1990, e emerge de
uma concepção anterior chamada de Comunidade Científica Ampliada, desenvolvida por Ivar
Oddone e apresentado anteriormente. Oddone, um médico italiano, a partir dos anos de 1960
passou a fazer parte de um grupo em Turim, que reunia não só cientistas, como também
estudantes, sindicalistas operários e profissionais de diversificadas áreas.
Através do confronto entre os saberes formais dos pesquisadores e os saberes
informais dos trabalhadores estas comunidades investigam de maneira autônoma,
reivindicação do movimento sindical, o meio de trabalho apresentando propostas de
transformação. Nasce daí uma nova concepção de pesquisa e de produção de saber
sobre o trabalho (SCHWARTZ, 2000, p. 39).
Esta concepção passou a fazer parte dos estudos no interior da ergologia na
Universidade de Provence ainda na década de 1980. Os pesquisadores da Ergologia passaram
a adotar esta concepção dos saberes formais e informais para aprofundar os estudos sobre o
53
trabalho, do ponto de vista da atividade, do uso de si por si/ pelos outros, do preenchimento da
lacuna existente entre trabalho prescrito e trabalho real. Adotando um projeto de estudos em
comum entre pesquisadores, estudantes, trabalhadores, sindicalistas e operários, os
pesquisadores esperavam uma reflexão sobre a atividade de trabalho sobre diversos ângulos,
ou sobre o ponto de vista da comunidade envolvida, para além dos muros da Universidade.
Com o desenrolar dos estudos, foi percebido pelos pesquisadores de Provence
alguns limites da concepção da Comunidade Científica Ampliada, uma vez que os saberes
universitários não deram conta do real da atividade já que os protagonistas das ações se “[...]
distribuíam diferentemente, de maneira não linear, não disciplinar, e não ancorado nas
histórias e situações concretas” (SCHWARTZ, 2000, p. 43). E ainda,
[...] trabalhar em conjunto nos leva novamente, ao termo “comunidade”, mas o que
colocar “antes” e “depois”? Paralelamente, mas além do trabalho em comum, cada
um deve prosseguir sua própria batalha. Os universitários retomam suas disciplinas,
para avançar no (re) questionamento, nas démarches, nos métodos que esta
experiência de trabalho em comum tornou necessária. Os interlocutores das
atividades sejam eles dirigentes de empresas, engenheiros ou operários, militantes
sindicais, mutualistas ou associados diretos passam a valorizar as aquisições no seu
campo (SCHWARTZ, 2000, p. 43).
No entanto, os pesquisadores da Ergologia não abandonaram a ideia original da
Comunidade Científica Ampliada, a de reunir saberes para além dos muros da universidade.
Pelo contrário, ao repensar os papéis dos atores envolvidos, como sindicalistas, estudantes e
etc., a ideia foi ampliada para a concepção de Dispositivo Dinâmico a Três Polos - DD3P.
O DD3P, segundo seu criador, Ives Schwartz (2000), parte do pressuposto de que,
para se conhecer o trabalho, é necessário o encontro de saberes oriundos de três pólos
distintos (Figura 2), mas que interagem entre si. O primeiro polo é aquele dos conceitos ou,
dos saberes acadêmicos e, o segundo polo, os saberes gerados na atividade. Já o terceiro pólo
é concebido como o das exigências éticas e epistemológicas, ou seja, posições que devem ser
tomadas de modo a conduzir o diálogo entre os outros dois pólos.
54
Figura 2 – Dispositivo Dinâmico a Três polos
Fonte: Trinquet, 2010, p. 104
Trinquet (2010) esclarece que o polo dos saberes constituídos envolve os
conhecimentos disciplinares acadêmicos e/ou profissionais, podendo estar presente ainda em
Leis e Resoluções. São os saberes anteriores à situação de trabalho estudada e, que permitem
elaborar o trabalho prescrito.
O polo dos saberes investidos refere-se à experiência em atividade de trabalho. É
capacidade criadora dos trabalhadores (as) que irá realizar o debate das normas que, uma vez
“[...] conhecidos, jamais podem ser apreciados e controlados pelos saberes constituídos.”
(TRINQUET, 2010, p. 104). Entretanto, para a Ergologia, estes dois polos, os dos saberes
constituídos e os dos saberes investidos, devem sempre ser complementares.
Para que esta complementaridade aconteça, faz-se necessário o diálogo entre os
dois primeiros polos, quer dizer, o ponto de vista apresentado por cada polo deve ser levado
em consideração. Neste contexto, entra em cena o papel do terceiro polo, qual seja, o das
exigências éticas e epistemológicas, pois
Efetivamente, é indispensável criar um lugar onde todos os interlocutores possam
definir e elaborar as disposições e os meios para que a busca de soluções seja
possível. Senão, corre-se o risco de cair em debates acadêmicos infrutíferos. Não se
pode esquecer das diferenças e nem mesmo das oposições entre os participantes
(TRINQUET, 2010, p. 105).
A partir da concepção do DD3P, a Ergologia propõe que os pesquisadores tomem
um posicionamento, “[...] que implica admitir que os “outros”, ainda que não estejam de
acordo conosco, possuem, talvez, uma parte da verdade” (TRINQUET, 2010, p.100).
55
Cada polo se constitui na busca do conhecimento e reconhecimento de interesses e
concepções, o que implica em reconhecer que ninguém é dono da verdade. Este
posicionamento se relaciona ao que Trinquet denomina de “desconforto intelectual”, que é
“[...] admitir e aceitar que não sabemos tudo e que nunca poderemos sabê-lo, quando se trata
de agir sobre e com os humanos; que não há verdade imutável e definitiva; que nunca há
somente uma maneira certa para fazer as coisas” (TRINQUET, 2010, p.101).
Schwartz (2000, p. 45) argumenta que “[...] entre estes três pólos não existe
começo nem fim, nem anterioridade de um sobre os outros, eles estão em relação dialética. O
conceito de atividade nasceu deste dispositivo a três pólos e, ao mesmo tempo justifica-o e o
exige”.
O autor ainda esclarece que o DD3P tem um duplo movimento:
[...] no seu centro misturam e operam culturas contraditórias, patrimônios
tendencialmente definidos pelos três pólos [filosófico (1), saberes disponíveis
organizados (2), forças de convocação e reconvocação... (3)], e mantém-se coeso por
causa de movimento interno em espiral. Mas ao mesmo tempo, como sob o efeito de
uma força centrífuga, ele remete os três parceiros de cada pólo ao exercício de suas
próprias responsabilidades profissionais (SCHWARTZ, 2004, p. 169).
Para seu idealizador, este dispositivo deveria estar presente em toda pesquisa
sobre atividade humana, pois analisar o trabalho a partir de uma situação real é apreender as
diversas ou infinitas possibilidades de transformá-lo, tal como é a complexidade das relações
sociais que o permeiam.
Desta forma, a Ergologia propõe uma metodologia inovadora, uma vez que busca
compreender o trabalho a partir de quem o realiza, do sujeito em atividade, possibilidade esta
de se pensar outras dimensões do trabalho.
As normas antecedentes não podem prever todas as situações em trabalho, mas o
debate de normas e as renormalizações realizadas pelo sujeito trabalhador (a) podem. Os
saberes formalizados não podem antecipar todas as situações vivenciadas por cada trabalhador
(a), não dão conta das várias dimensões que as compõem. Tornando-se necessário assim,
convocar e reconvocar outros saberes para atender às exigências postas a cada sujeito.
Para se chegar a esta conclusão o DD3P é muito importante, pois pressupõe um
diálogo entre os saberes constituídos e investidos, com o objetivo de recriar, transformar o
trabalho em questão.
Por esta razão, esta abordagem, que "[...] conforma o projeto de melhor conhecer
e, sobretudo, melhor intervir sobre as situações de trabalho, para transformá-las" (p. 25), vem
56
ao encontro do objetivo de estudo desta pesquisa, a saber, conhecer os saberes e práticas
desenvolvidas pelo conselheiro tutelar em Belo Horizonte.
A compreensão do objeto de pesquisa a partir do DD3P contribuiu para a
elaboração do projeto de intervenção16
, que buscou elaborar uma proposta que melhor
contribua para o desenvolvimento da atividade de trabalho dos conselheiros tutelares de Belo
Horizonte, colocando-os como protagonistas deste processo.
16
O projeto de intervenção está descrito no capítulo quarto desta dissertação e teve como referência a
constituição do DD3P, apresentado pela Ergologia.
57
3 ARTIGO DE RELATO DE PESQUISA
SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS PELO CONSELHEIRO TUTELAR:
um estudo em Belo Horizonte - MG
Resumo: O presente artigo é uma síntese da pesquisa “Saberes e Práticas Desenvolvidas pelo
Conselheiro Tutelar em Belo Horizonte”, apresentada em uma dissertação de mestrado em
Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA de Belo
Horizonte – MG. Optou-se pela abordagem qualitativa e uma pesquisa de tipo descritiva
composta das fases bibliográfica, documental e empírica. Quatro conselhos tutelares de Belo
Horizonte constituíram o locus da pesquisa e, para explicitar o objeto de estudo, foram
selecionados oito conselheiros tutelares como sujeitos. Procurou-se conhecer os saberes e
práticas desenvolvidos por estes trabalhadores (as) como alternativa para enfrentar os desafios
postos pelas frágeis prescrições que se manifestam, principalmente, nas imprecisões contidas
no Estatuto da Criança e do Adolescente –ECA (1990) e no Regimento Interno dos Conselhos
Tutelares de BH (2009). Os resultados apontaram para a existência de um esforço cotidiano,
por parte dos conselheiros, para preencher as lacunas existentes entre o trabalho prescrito,
consubstanciado em Leis e Resoluções, bem como numa insuficiente, senão inexistente
qualificação, e o trabalho real, que os convoca a dar eficiência ao Sistema de Garantia de
Direitos - SDG do município de Belo Horizonte.
Palavras-chave: Estatuto da Criança e do Adolescente. Atividade de Trabalho do
Conselheiro Tutelar. Ergologia. Saberes e Práticas do Conselheiro Tutelar.
1 INTRODUÇÃO
Enxergar a evolução da demanda social e a gravidade do frequente desrespeito aos
direitos da infância e juventude no Brasil traz à mente a importância da aprovação do Estatuto
da Criança e do Adolescente - ECA (BRASIL, 1990) e a implantação dos Conselhos Tutelares
– CT (BRASIL, 2010b), órgãos autônomos e não jurisdicionais destinados a zelar para que os
preceitos dessa Lei não sejam desrespeitados.
Sendo o CT um órgão que integra a rede de atendimento voltada à infância e
juventude, espera-se que este tenha o compromisso institucional com o pleno
desenvolvimento de uma política de promoção e defesa dos direitos desse segmento social em
âmbito local, seja na área de educação, saúde, assistência social ou outras, dessa forma
contribuindo, sobretudo, para o desenvolvimento social.
Embora os CTs apresentem um grande potencial de efetivação da política de
atendimento à criança e ao adolescente, ele apresenta problemas que merecem ser
enfrentados.
58
Estes problemas estão relacionados, por exemplo, à falta de compreensão das
atribuições dos conselheiros tutelares, tanto por parte de seus membros quanto por parte da
sociedade em geral, dos órgãos públicos e também do poder judiciário. Algumas pessoas e
instituições confundem o CT com política de atendimento, ou seja, como um órgão
responsável pela solução de problemas como guarda, falta de alimentação, de recursos
financeiros, etc., não o entendendo na verdade como um órgão que deve requisitar medidas
que as instituições deveriam tomar e que, algumas vezes, não tomam.
Outras polêmicas envolvem a atividade de trabalho do conselheiro tutelar desde
que o CT foi instituído, como a falta e /ou inexistência de qualificação de seus membros para
exercício das atribuições e ainda a desresponsabilização do Estado no que tange à garantia e
efetividade de um Sistema de Garantia de Direitos - SDG17
conforme preconiza o ECA, o que
acarreta numa frágil estrutura de trabalho para estes trabalhadores (as).
Segundo a pesquisa nacional “Conhecendo a Realidade” 18
, realizada entre
fevereiro e novembro de 2006, já existem 4.480 CT instalados nos 5.564 municípios
brasileiros, o que representa uma parcela de 88%. Essa pesquisa aponta também que já
existem CT em todos os estados da federação e no Distrito Federal.
Tendo por objetivo conhecer os saberes e práticas desenvolvidas pelo conselheiro
tutelar capazes de responder às suas atividades cotidianas de trabalho com vistas a zelar pelos
direitos da criança e do adolescente em consonância ao prescrito no ECA, delimitou-se a
cidade de Belo Horizonte – BH, em Minas Gerais, como unidade privilegiada de análise. Por
ser uma metrópole, BH possui uma grande dimensão demográfica, econômica, social e
cultural e, sobretudo, possui nove CT em funcionamento.
Optou-se pela abordagem qualitativa e uma pesquisa de tipo descritiva composta
das fases bibliográfica, documental e empírica. Quatro CTs de Belo Horizonte constituíram o
locus da pesquisa e, para explicitar o objeto de estudo, foram selecionados oito conselheiros
tutelares como sujeitos.
17
O SGD pode ser entendido como um “conjunto de órgãos, entidades, autoridades, serviços e programas de
atendimento a crianças, adolescentes e suas respectivas famílias, que devem atuar de forma articulada e
integrada, na busca de sua proteção integral [...]”, (Prefeitura de Belo Horizonte; Conselho Municipal da Assistência Social e dos Direitos da Criança e do Adolescente, 2012 – não publicado), evidentemente a partir do
que está previsto pelo ECA e pela Constituição Federal. 18
Pesquisa realizada pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República - SEDH/PR e
pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - Conanda, por meio do Centro de
Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor - CEATS, da Fundação Instituto de
Administração. Conforme informações obtidas na página online do Conanda,
http://www.direitoshumanos.gov.br/conselho/conanda, uma nova pesquisa “Conhecendo a Realidade” está em
andamento, com previsão de divulgação para o segundo semestre de 2013.
59
O problema de pesquisa procurou ser explicitado pelo referencial da Ergologia, de
forma a perceber a atividade exercida pelo conselheiro tutelar como experiência que necessita
de convocação de saberes para além das frágeis prescrições existentes, principalmente pelas
imprecisões contidas no Estatuto da Criança e do Adolescente –ECA (BRASIL, 1990) e no
Regimento Interno dos Conselhos Tutelares de BH (BELO HORIZONTE, 2009), enquanto
alternativas de enfrentamento aos desafios postos à atuação destes trabalhadores (as).
Para se chegar ao desenvolvimento desta ideia, se fará necessário apresentar
inicialmente as condições socio-históricas que possibilitaram a criação de CTs no Brasil, bem
como delinear quais atribuições estão destinadas a este órgão e mais especificamente, aos
conselheiros tutelares.
Os resultados apontaram para a existência de um esforço cotidiano por parte dos
conselheiros para preencher as lacunas existentes entre o trabalho prescrito, consubstanciado
em Leis e Resoluções, bem como numa insuficiente, senão inexistente qualificação, e o
trabalho real, que os convoca a dar eficiência ao Sistema de Garantia de Direitos - SDG do
município de Belo Horizonte.
2 CONDIÇÕES SOCIO-HISTÓRICAS QUE POSSIBILITARAM A CRIAÇÃO DE
CONSELHOS TUTELARES NO BRASIL
Quando a política de atendimento à criança e ao adolescente é analisada no
Brasil, percebe-se que a ação do Estado é recente, iniciando-se no final da década de 1920.
Embora a problemática em relação às condições de vida e de trabalho de crianças e
adolescentes tenha sempre existido, seu enfrentamento ficava a cargo da Igreja e de iniciativas
particulares.
É a partir dos anos 1930 que se pode observar uma preocupação pública no
enfrentamento à “questão social” e, consequentemente, aos problemas relativos à infância e
juventude. A criação do Código de Mello Matos em 1927, instituído pelo Decreto 17.943-A
(BRASIL, 1927), demarcou o momento em que o Estado começou a ocupar-se dos problemas
da infância e da juventude, reconhecendo-os como “questão social”, demandando assim uma
intervenção pública. Este Código, denominado ”direito do menor”, consistia em um conjunto
de leis voltadas para a população infanto-juvenil. Fundamentou-se nos princípios da situação
irregular, apresentando uma concepção política e social de caráter assistencialista, punitivo e
de controle no trato da problemática de crianças e adolescentes das classes subalternas. Silva
(1997) aponta que essa legislação dizia ser
60
[...] dever da família, suprir as necessidades básicas de seus filhos, tais como:
moradia, alimentação, de maneira adequada (concepção defendida pelos que
estavam à frente do Estado, independente da situação econômica da família); caso
contrário, perderia o pátrio poder. A pobreza era o bastante para caracterizar o
menor como abandonado (SILVA, 1997, p. 154).
Esta concepção19
vigorou até a década de 1970 quando foi reformulado, dando
origem ao 2º Código de Menores (BRASIL, 1979). De acordo com Silva (2005, p. 32), ele
“[...] já surgiu defasado para sua época, pois constituía o prolongamento da filosofia
menorista do Código de Mello Matos, do início do século XX”. A autora ainda observa que,
apesar de em 1979 ser comemorado o Ano Internacional da Criança no Brasil, fruto de uma
mobilização mundial, o código que acabara de nascer,
[...] não correspondia aos interesses das forças políticas e da sociedade civil e nem
representava os direitos das crianças e adolescentes, os quais permaneciam
confinados nas instituições totais e submetidos ao poder discricionário do Juiz de
Menores (SILVA, 2005, p. 32).
Diante desse quadro de permanente violação dos direitos das crianças e
adolescentes é que, no bojo do processo de redemocratização da sociedade brasileira na
década de 1980 surgiram, entre os segmentos mais críticos da sociedade, manifestações em
defesa deste público. Este movimento estava articulado a um amplo movimento político que
lutava pelo fim da ditadura civil-militar e pelas “Diretas já”, manifestações que chamavam a
atenção de toda a sociedade e forjaram as condições para iniciar a luta em favor das crianças e
dos adolescentes no campo dos direitos.
A convocação da Assembleia Nacional Constituinte configurou-se em
oportunidade ímpar para garantir legalmente, no “Estado democrático de direitos”
(Constituição Federal de 1988, em construção), atenção especial às crianças e adolescentes
brasileiros. Esse compromisso foi expresso nos artigos 227 e 228 da CF/1988, cujo conteúdo
merece transcrição literal:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
19 É nesse espírito conservador e repressivo que se dá a criação do Serviço de Assistência ao Menor (SAM) em
1941, que tinha o objetivo de proporcionar em todo o território nacional uma assistência social aos “menores
carentes e infratores da lei penal”, visando à sua “reintegração” na sociedade. Utilizava, para tanto, uma
metodologia baseada na coerção, disciplina e maus tratos, seguindo uma lógica carcerária ao reproduzir os
mecanismos de controle social da época.
61
Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às
normas da legislação especial (BRASIL, 1988).
Toma forma no país o Fórum Nacional Permanente de Entidades Não
Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente - “Fórum DCA”. Criado
em 1988, ele visava uma articulação de entidades que atuam na área de defesa e promoção
dos direitos da infância e juventude (NICODEMOS, 1997), no âmbito nacional. Após vários
encontros, discussões, congressos e reuniões realizados em todo país, é elaborado o Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA/ Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990), que regulamentou
as conquistas constitucionais e revogou o Código de Menores.
É importante ressaltar a singularidade do ECA e seu significado como construção
coletiva do conjunto da sociedade, o que o diferencia de outras Leis. O Estatuto não foi
escrito sob a ótica convencional da formação de leis em nosso país ou mesmo no mundo, pois
não foi uma lei formulada por advogados ou por juristas. Como argumenta Nicodemos (1997,
p. 25), ele “[...] foi formulado por outras mãos”, já que contou com a participação efetiva de
profissionais de diversas áreas, como Serviço Social, Sociologia, Pedagogia, Psicologia,
Direito, entre outras e, principalmente, com a mobilização de amplos segmentos sociais
populares.
Propostas de ampliação política da sociedade civil foram impressas, tanto na CF/
1988, como no ECA, por intermédio de processos de descentralização político-administrativa
que configuram uma nova institucionalidade na área da infância e juventude no Brasil. Abre-
se espaço, neste momento, para a participação popular no planejamento, deliberação e
fiscalização das ações estatais desenvolvidas pelas políticas públicas sociais.
Nesse cenário é que emergem os Conselhos Tutelares, previstos entre os artigos
131 e 140 do ECA, órgãos representativos da sociedade civil no âmbito municipal, e seus
membros são eleitos pelo voto não obrigatório da comunidade a que se destina seu
atendimento. Assim, este Conselho se inscreve como possibilidade de uma nova forma de
controle social, na perspectiva da transformação política e social no Brasil, já que supõe uma
cidadania participativa, além da representativa.
3 AVANÇOS E DESAFIOS PRESENTES NA INSTITUIÇÃO DOS CONSELHOS
TUTELARES
A ideia da criação de um conselho na área da infância e juventude no Brasil não é
nova. Esta necessidade é apontada desde a constituição do 1º Código de Menores, em 1927
62
(BRASIL, 1927). Segundo esta lei, era de responsabilidade do Juiz de Menores “[...] não
somente a função judicial, mas também funções administrativas e assistenciais, além de certo
papel legislativo, não se observando a separação de poderes” (BRAGAGLIA, 2002, p. 76).
Para desempenhar essas funções assistencialistas, percebeu-se muito cedo a
necessidade de participação da comunidade. Dizia o artigo 222 do referido Código: “É criado
no Distrito Federal o Conselho de Assistência e Proteção aos Menores”. Em seus incisos eram
previstas as atribuições de vigiar, proteger, auxiliar, fiscalizar, fundar estabelecimentos,
organizar e fomentar patronatos, promover a assistência e administrar os fundos. Este
conselho era considerado uma associação de utilidade pública, com personalidade jurídica,
cuja presidência competia ao Ministro da Justiça (PESTANA, 2011). No entanto, a concepção
do 1º Código de Menores a respeito da criação de um conselho era apenas como um órgão
auxiliar do juiz, sem qualquer autonomia para ação.
O “Conselho Tutelar” é novidade jurídica. Trata-se de uma “[...] evolução da ideia
de conselhos para atuarem na assistência e proteção de crianças no Brasil e fundamenta-se na
necessidade da participação comunitária nessa função” (FERREIRA, 2002, p. 127). Dessa
forma, o Estatuto reconhece que também cabe à sociedade e à comunidade zelar pelos direitos
desse segmento social no Brasil. A partir desse entendimento, prevê-se que o CT será
constituído por pessoas da comunidade, e que tenham conhecimento dos dilemas dessa
mesma comunidade na qual está inserido.
O ECA (BRASIL, 1990) regulamenta os Cts:
Art. 131. O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional,
encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do
adolescente, definidos nesta Lei.
Art. 132. Em cada Município haverá, no mínimo, um Conselho Tutelar composto de
cinco membros, escolhidos pela comunidade local para mandato de três anos,
permitida uma recondução (BRASIL, 1990).
A expressão “órgão permanente” quer dizer que, uma vez criado no município, o
CT não pode deixar mais de existir, mesmo modificando-se os ocupantes dos cargos públicos,
como prefeitos e vereadores. Para Kaminski (2002b, p. 97), esse conselho “[...] é uma
conquista da sociedade, não cabendo, senão em virtude da lei federal que o criou, deixá-lo de
fazer funcionar”. Sendo assim, o Estatuto reconhece que cada comunidade, levando-se em
consideração seu desenvolvimento cultural, econômico, político e social, vive uma realidade
em relação à garantia ou violação de direitos, devendo assim se organizar para resolvê-los.
A expressão “órgão autônomo” na Lei refere-se à liberdade do CT para a tomada
de decisões, desde que sejam à luz dessa mesma Lei, não podendo ser influenciadas por
63
qualquer interesse que não seja, em primeira instância, o da criança ou do adolescente
envolvido. Segundo o ECA (BRASIL, 1990), somente a autoridade judiciária poderá rever as
decisões do CT, “[...] a pedido de quem tenha legítimo interesse” (Art. 137).
A Lei preconiza ser de responsabilidade de cada município dispor sobre local, dia
e horário de funcionamento, bem como sobre a remuneração de seus membros, além de sua
qualificação permanente (Art. 134), devendo constar em lei orçamentária municipal a
previsão de recursos necessários. Apesar disso, o órgão municipal jamais poderá interferir nas
ações e decisões dos Conselheiros, que têm o dever de fiscalizar as prefeituras ou gestões
municipais (Art. 131).
A partir de 2001, os CTs receberam parâmetros para a sua criação e
funcionamento pela Resolução 075 (BRASIL. 2001), expedida pelo Conselho Nacional dos
Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Em 2010, foi verificada a necessidade de se
expedir e/ou reformular diretrizes para além daquelas estabelecidas em 2001, dando origem à
Resolução 139. Uma das novidades dessa Resolução é a observância, preferencialmente, da
proporção mínima de um CT para cada 100.000 habitantes.
Tratando-se de um conselho, isto é, “[...] uma assembleia de pessoas encarregadas
de deliberar sobre certos interesses ou julgar determinados litígios” (CAPITANT, 1979, p.
48), as decisões não podem ser tomadas na pessoa do Conselheiro, mas de forma conjunta
entre todos os seus membros, a saber, em um colegiado. Por isto o Estatuto não estabelece em
seu artigo 135 “atribuições do Conselheiro”, mas sim do “Conselho Tutelar”. As medidas de
caráter individual e emergencial, que poderão ser tomadas, por exemplo, em regime de
plantão, deverão ser comunicadas ao colegiado no primeiro dia útil subsequente, tanto para
ratificação como para retificação pelos demais membros (Art. 20/ BRASIL, 2010b).
Segundo Kaminski (2002b, p. 96), a palavra tutela, que acompanha a palavra
conselho, “[...] do latim tutela e do verbo tueri, significa um órgão que visa a proteger [...]”,
no sentido de agir, “[...] como um instrumento de proteção dos direitos de todas as crianças e
adolescentes, independente de suas situações sociais”.
No entanto, faz-se necessário esclarecer que a efetivação do ECA, ou seja, a
defesa dos direitos da infância e juventude, não é tarefa exclusiva dos conselheiros tutelares,
mas da família, do Estado e da sociedade. O CT deve fazer parte do Sistema de Garantia de
Direitos, a fim de fortalecê-lo e não ser o seu único ator.
O ECA (BRASIL, 1990) indica, ainda, em seu artigo 133 que qualquer pessoa
pode se candidatar a membro d CT, desde que tenha reconhecida idoneidade moral, idade
superior a 21 anos e que resida no município onde pretende se candidatar. Desta forma, há um
64
indicação que para ser membro desse conselho não seja necessária nenhuma formação
específica.
O CT, entretanto, após duas décadas, ainda busca se afirmar como espaço de
participação da sociedade civil no processo de gestão, fiscalização e garantia dos direitos da
população infanto-juvenil. Constituído por pessoas da própria comunidade, “[...], portanto
com seus valores, cultura e percepções próprias” (BRAGAGLIA, 2002, p. 86), o CT tem
diante de si o desafio de se tornar um órgão de defesa dos direitos desse segmento social. Este
desafio compreende a garantia da efetividade das ações dos conselheiros, de sua qualificação
para o exercício de sua função de forma a se posicionar corretamente perante as situações de
desrespeito aos direitos da população infanto-juvenil descritas no ECA.
Entende-se que a promulgação do ECA e a instituição de CT significam um
avanço democrático de suma importância. No entanto, a sua instituição, por si só, não altera a
realidade. Para que isto aconteça, espera-se que o cotidiano institucional dos conselheiros
tutelares propicie a efetivação de ações que materializem os princípios da “Proteção Integral”
firmados no ECA. Além de um novo paradigma jurídico-social, o CT implica um novo
paradigma assistencial baseado em ações e atividades que contribuam para que os sujeitos
possam ter assegurada uma condição digna de existência.
Existem alguns problemas em relação ao trabalho dos conselheiros tutelares que
podem estar relacionados, por exemplo, a falta de compreensão das atribuições dos CTs, tanto
por parte de seus membros, quanto por parte da sociedade em geral, dos órgãos públicos e
também do poder judiciário. Algumas pessoas e instituições confundem o CT com política de
atendimento, ou seja, como um órgão solucionador de impasses como guarda, falta de
alimentação, de recursos financeiros, etc., não o entendendo na verdade como um órgão que
deve requisitar medidas que as instituições deveriam tomar e que, algumas vezes, não tomam.
Outros ainda entendem serem, os conselheiros tutelares, os únicos capazes de
defender os direitos da infância e juventude, não compreendendo que é dever de toda a
sociedade, como preconiza o ECA: “é dever da família, do Estado e da sociedade [...]”(Art.
227 da CF/88 e Art. 4° do ECA). Como bem aponta Souza (2002, p. 112), “[...] todos têm de
saber qual o uso de cada um. O Conselho Tutelar, o Ministério Público, o juizado e etc. O uso
não é o que cada um quer fazer, mas o que cada um deve cumprir”.
Faz-se relevante observar que a necessidade de qualificação permanente dos
conselheiros – para melhor compreensão, interpretação e aplicação do ECA – deve ser
considerada não somente pelo fato de serem pessoas da comunidade, que não necessariamente
necessitem de qualificação profissional para ocupação do cargo, mas pelo fato de que existe
65
uma rotatividade dos membros desse órgão. Um mandato, segundo o ECA, equivale a quatro
anos, sendo permitida apenas uma recondução, quer dizer, mudam-se os membros, não os
problemas demandados ao CT.
E ainda, como explicitado anteriormente, o conselheiro tutelar tem a função de
zelar pelos direitos das crianças e dos adolescentes. Para que isto aconteça, devem conhecer
esses direitos, ou melhor dizendo, devem conhecer a constituição do SGD e sua eficiência ou
não em nível municipal. Para tal conhecimento, é necessário que os Conselheiros
desenvolvam saberes e práticas não somente a partir do ECA, mas também a partir das
legislações correlatas, como a Constituição Federal de 1988, leis e resoluções que envolvam
os interesses da infância e juventude em âmbito municipal, estadual e federal, sobre Direitos
Humanos, rede de atendimento e administração pública, entre outros.
O Conanda, por meio da resolução 139 (BRASIL, 2010b), estabelece que a Lei
Municipal ou Distrital que dispuser sobre a estruturação do CT, deverá preferencialmente
estabelecer dotação orçamentária para que, entre outras coisas, promova formação continuada
para os membros desse conselho (Art. 4°) e, ainda:
Art. 48 Parágrafo único. A política referida no caput compreende o estímulo e o
fornecimento dos meios necessários para adequada formação e atualização funcional
dos membros dos Conselhos e seus suplentes, o que inclui, dentre outros, a
disponibilização de material informativo, realização de encontros com profissionais
que atuam na área da infância e juventude e patrocínio de cursos e palestras sobre o
tema (BRASIL, 2010b).
Isto quer dizer que os próprios órgãos responsáveis pela fiscalização do CT, como
o Conanda, reconhecem a fragilidade desse órgão no que diz respeito à efetiva atuação de
seus membros.
Os CTs devem possuir, conforme preconiza o ECA e a Resolução 139/2010 do
Conanda, três funções essenciais, sendo elas a requisição de serviços aos demais órgãos
governamentais e não governamentais de atendimento, a petição ao Ministério Público e a
fiscalização de entidades de atendimento. Além disso, a partir da demanda apresentada ao CT,
cumpre-lhe subsidiar com fatos, dados e informações a elaboração do plano de ação do
município nessa área pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente -
CMDCA.
Entretanto, estas funções só serão possíveis de serem desenvolvidas pelo CT, se
pelo menos um de seus membros tomarem conhecimento de alguma ameaça ou violação de
direitos de crianças e adolescentes, praticado tanto pela família, quanto pelo Estado ou pela
sociedade, ou ainda em razão de sua própria conduta.
66
Para que isso aconteça é necessário que o (s) conselheiro (s) esteja pronto a
escutar queixas, reclamações, reivindicações e solicitações. Qualquer pessoa pode realizar
uma denúncia, inclusive crianças e adolescentes que estejam sofrendo ou presenciando uma
violação de direitos, tanto por escrito, como por telefone ou ainda pessoalmente, e a
identidade do denunciante, sempre que possível, deve ser preservada.
Depois de registrada a denúncia, faz-se necessário que o (s) conselheiro (s) apure
a sua veracidade, que pode se dar a partir de uma escuta qualificada, observado o relato das
pessoas e/ou instituições envolvidas; ou ainda através de uma visita de atendimento no local
da ocorrência da ameaça ou violação de direitos que pode ser em domicílio, em escolas, em
hospitais, entidades de atendimento, entre outros (BELO HORIZONTE, 2009).
Quando a denúncia não é comprovada o caso pode ser arquivado, mas jamais
poderá deixar de ser registrado. No entanto, uma vez comprovada a ameaça ou a violação de
direitos, o conselheiro, a partir da discussão do caso em colegiado, poderá aplicar as seguintes
medidas de proteção20
, previstas no artigo 101 do ECA:
I- encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;
II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III - matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino
fundamental;
IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao
adolescente;
V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime
hospitalar ou ambulatorial;
VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento
a alcoólatras e toxicômanos;
VII – acolhimento institucional;
O artigo 236 do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que, em casos de
desobediência injustificada de suas determinações tanto por órgão governamental ou não, o
membro do CT, que estiver atuando no caso, deverá encaminhar a autoridade judiciária
explicitando o prejuízo ou risco que esta falta ou omissão poderá acarretar em detrimento dos
direitos da criança e do adolescente, bem como o desamparo as suas famílias.
Entretanto, os conselheiros tutelares têm dificuldades em exercer suas tarefas, dada
à complexidade que envolve a violação de direitos contra crianças e adolescentes no Brasil, o
que frequentemente faz dos CTs órgãos poucos resolutivos, “[...] deixando muitas vezes de
20 Faz-se relevante apontar que o CT não prestará diretamente os serviços necessários à efetivação dos direitos
da criança e do adolescente previstos no ECA, muito menos substituirá as funções dos programas de atendimento
à criança e ao adolescente à nível municipal, estadual e/ou federal.
67
cumprir o seu papel e, ao mesmo tempo, não conseguindo dar conta da demanda por
atendimento, que geralmente é bastante volumosa” (MATOS e MENDES, 2009, p. 255).
4 SABERESE E PRÁTICAS: PERSPECTIVA ERGOLÓGICA DE ESTUDO
O conhecimento a respeito dos saberes e práticas desenvolvidas pelo conselheiro
tutelar em Belo Horizonte foi uma categoria de análise fundamental para construir a
explicação objetiva ao problema de pesquisa delimitado.
Conforme apontado anteriormente, o CT, como espaço de participação da
sociedade civil no processo de gestão, fiscalização e garantia dos direitos da população
infanto-juvenil é constituído por pessoas da própria comunidade, portanto com seus valores,
cultura e percepções próprias a respeito das questões que envolvem a sua prática cotidiana.
Não sendo necessária nenhuma formação específica para o exercício desta função
(BRASIL, 1990), muitos conselheiros desenvolvem seus saberes e práticas a partir da
investidura do cargo. Isto quer dizer que, na medida em que as demandas de trabalho
aparecem, decisões são tomadas e encaminhamentos são dados sem que muitos desses
conselheiros tenham sido preparados ou formados para tal.
A proposta deste estudo foi debruçar-se sobre esta questão sobre o viés da
Ergologia21
, que analisa a trabalho por meio da atividade e entende que o trabalhador (a) é
figura central no processo de tornar realidade de trabalho o que foi prescrito, no caso do
conselheiro tutelar, por Leis e Resoluções.
Desta forma, a perspectiva desta pesquisa está voltada para a “atividade humana”,
exercida pelo conselheiro tutelar, que segundo Trinquet (2010, p. 94) “[...] é tomada no
sentido de atividade interior. É o que se passa na mente e no corpo da pessoa no trabalho, em
diálogo com ela mesma, com o seu meio e com os ‘outros’”.
A Ergologia se caracteriza como uma nova abordagem teórica e metodológica
sobre as situações de trabalho, não se fundando somente na perspectiva marxista do trabalho
abstrato (valor de troca), mas, sobretudo, do trabalho concreto. Ao se preocupar com o
trabalho concreto, ou seja, com a da atividade humana, desloca o interesse da tarefa para o
sujeito que a realiza, entendendo que, como aponta Santos (2000, p. 43), “o trabalhador não é
um mero executante determinado pelo seu lugar nas relações sociais e pelos dispositivos
21
No início da década de 1980, uma notável equipe de pesquisadores franceses, mais especificamente da
Universidade de Provence, liderada por Yves Schwartz (filósofo e professor desta instituição), dá origem aos
estudos que vão se constituir na perspectiva Ergológica.
68
técnicos mas, também, um homem, sujeito vivente, com todo o horizonte de universalidade
que isto implica.”
A ideia trabalhada pelos pesquisadores franceses da Ergologia é de conhecer o
trabalho para transformá-lo; assim, era necessário muito mais do que saberes acadêmicos para
se conhecer o trabalho, sendo necessário conhecê-lo pela via da atividade dos trabalhadores
(as), ou seja, pela via dos saberes e valores colocados em ação por estes.
No contexto da atividade humana, a Ergologia analisa o mundo do trabalho
considerando as normas prescritas, quer dizer, aquelas normas que estão colocadas para todos,
porém, indo além delas. As normas prescritas são de suma importância para a organização do
trabalho, porém não regem, como um todo, a atividade realizada pelo trabalhador (a), isto
porque esta prescrição é confrontada no cotidiano das situações vivenciadas pelos sujeitos ao
realizar as suas atividades, sendo assim, transformadas.
O trabalho prescrito é aquele que rigorosamente pode ser previsto e/ou antecipado
por ordens de serviço e tarefas pré-definidas para a obtenção de resultados, também previstos.
Ainda, as condições de trabalho podem ser predeterminas pelo prescrito. Para Schwartz
(2007), as normas antecedentes se originam de criações históricas da humanidade, com suas
legislações, incluindo todas as experiências coletivas que foram transformadas em modos de
trabalho organizado, tanto em seus níveis de codificação quanto de prescrição.
Já o trabalho real é aquele descoberto, adaptado, construído por cada trabalhador
(a) em particular, onde estão envolvidos os seus valores, a sua experiência de melhor
desenvolver a atividade em questão. Desta forma, o trabalho real não pode ser previsto,
antecipado por regras ou normas, ele acontece cotidianamente e sem antecipações.
Há desta forma, na perspectiva ergológica, uma lacuna entre o trabalho prescrito e
o trabalho real, e a gestão desta lacuna é chamada pela ergologia de renormalização, pois ao
realizar a atividade de trabalho, cada trabalhador (a) constrói um espaço de trabalho onde
investe saberes que lhe são singulares, não correspondendo ao prescrito, mas ultrapassando-o.
Ao realizar a renormalização, o trabalhador (a) investe saberes instituídos e
também constituídos, estes presentes em sua experiência ao longo da vida. Desta forma o
trabalho não pode ser resumido à mera execução de tarefas prescritas, mas sua compreensão
deve deslocar-se para os sujeitos em atividade.
Neste entendimento, a abordagem ergológica propõe, para melhor compreensão
da atividade de trabalho, do uso de si por si e pelos outros, e da distância existente entre o
trabalho prescrito e o trabalho real uma interação de saberes por meio do chamado
Dispositivo Dinâmico a Três Polos - DD3P.
69
O DD3P, segundo seu criador, Ives Schwartz (2007), parte do pressuposto de que,
para se conhecer o trabalho, é necessário o encontro de saberes oriundos de três pólos
distintos, mas que interagem entre si. O primeiro polo é aquele dos conceitos ou, dos saberes
acadêmicos e, o segundo polo, os saberes gerados na atividade. Já o terceiro pólo é concebido
como o das exigências éticas e epistemológicas, ou seja, posições que devem ser tomadas de
modo a conduzir o diálogo entre os outros dois pólos.
A contribuição da perspectiva Ergológica para esta pesquisa foi avançar na
compreensão da lacuna existente entre o trabalho prescrito e o trabalho real, do processo de
normalização e renormalização que ocorre em toda a atividade humana.
Conhecer o trabalho na abordagem Ergológica significa reconhecer que o
trabalho humano está em constante evolução, tanto no sentido histórico, quanto geográfico.
Desta forma, a evolução do trabalho é uma capacidade singular do homem, que compreende o
uso de si, o que permite a este homem usar de si mesmo como lhe convier, fazendo escolhas,
adaptações, atualizações e, portanto, inovações (TRINQUET, 2010). Mas também implica no
uso de si pelos outros,
Desta forma, foi possível compreender os conselheiros tutelares como
protagonistas das ações realizadas nos CTs pesquisados. Protagonistas estes, que apesar de
terem pouca qualificação para investidura do cargo e frágeis prescrições para realização do
trabalho, procuram investir saberes coerentes com os parâmetros determinados pelo ECA
(BRASIL, 1990).
5 DESCRIÇÃO DA PESQUISA REALIZADA
5.1 Apresentação da metodologia para coleta e análise de dados
Tendo por objetivo conhecer os saberes e práticas desenvolvidas pelo conselheiro
tutelar capazes de responder às suas atividades cotidianas de trabalho com vistas a zelar pelos
direitos da criança e do adolescente em consonância ao prescrito no ECA, delimitou-se a
cidade de Belo Horizonte – BH, em Minas Gerais, como unidade privilegiada de análise. Por
ser uma metrópole, BH possui uma grande dimensão demográfica, econômica, social e
cultural e, sobretudo, possui nove CT em funcionamento.
Optou-se pela abordagem qualitativa e uma pesquisa de tipo descritiva composta
das fases bibliográfica - sobre o processo histórico de constituição, implantação e
implementação da Política de Atendimento à Criança e ao Adolescente no Brasil, bem como
70
dos Conselhos Tutelares; documental, tendo por referência principalmente o ECA; e empírica,
onde quatro CTs de Belo Horizonte constituíram o locus da pesquisa e, para explicitar o
objeto de estudo, foram selecionados oito conselheiros tutelares como sujeitos.
Para a pesquisa empírica, realizada entre fevereiro e junho de 2013, foram
utilizados como instrumentais de coleta de dados: o questionário, com o objetivo de levantar o
perfil socioeducacional dos conselheiros tutelares e a entrevista semi - estruturada, por
entender que valoriza a expressão dos entrevistados no que se refere à liberdade e à
espontaneidade no momento da coleta, o que possivelmente trouxe elementos mais
enriquecedores para a investigação.
Os dados foram coletados entre fevereiro e junho de 2013. Todos os CT foram
convidados a participar da pesquisa, no entanto, levando em consideração o tempo destinado à
coleta de dados, 04 conselhos participaram, perfazendo um total de 08 sujeitos de pesquisa.
Os critérios de definição quantitativa aconteceu pela priorização daqueles conselheiros que
estão há mais tempo em exercício no CT e por entender que a experiência acumulada pode
contribuir na compreensão dos saberes e práticas desenvolvidos por eles.
O tratamento dos dados coletados ocorreu por meio do método Análise de
Conteúdo, desenvolvido por Bardin (2004), que tem como objeto a análise do discurso (fala)
dos pesquisados, que representa um aspecto individual, relacionado à linguagem, e como
finalidade conhecer aquilo que está por trás das palavras sobre as quais se debruça (FRANCO,
2008, p. 11).
Neste sentido, a análise dos resultados desenvolveu-se pela identificação do
sentido das falas/discursos presentes nas comunicações dos conselheiros tutelares
entrevistados, o que facilitou a organização das informações obtidas através de categorias de
análises22
: saberes e práticas, perfil socioeducacional, trabalho prescrito e trabalho real,
saberes constituídos e saberes investidos. E ainda, a análise dos conteúdos foram articuladas
os pressupostos teóricos da Ergologia e à discussão a respeito das atribuições do Conselheiro
Tutelar previstas no ECA.
22 Para organização dessas categorias, o estudo obedeceu às seguintes etapas: pré-análise, que consistiu na
transcrição e leitura sistemática das entrevistas; análise do material documental e transcrito, em que foram
estabelecidas as categorias e subcategorias. Realizada essas etapas, passou-se à descrição e sistematização dos
dados coletados nas entrevistas de maneira a facilitar a sua interpretação, tendo em vista os pressupostos teóricos
assumidos na pesquisa.
71
5.2 Perfil socioeducacional dos Conselheiros Tutelares
O reconhecimento dos direitos trabalhistas dos conselheiros tutelares em todo o
país se dá apenas vinte e três anos após a criação do ECA (BRASIL, 1990) e,
respectivamente, desta função. Desta forma, compreende-se que esta função não era tratada
em consonância com as leis trabalhistas em vigor no país, criadas a partir do artigo 7° da
Carta Constitucional de 1988 que estabelece os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais,
além de outros que visem à melhoria de sua condição social.
A modificação na Lei significa um avanço imensurável e, resultou, segundo os
participantes desta pesquisa, no reconhecimento de seu status de trabalhador (a), que adoece,
que necessita de férias, e que estas sejam remuneradas, ao assegurar, segundo o artigo 134 do
ECA:
I - cobertura previdenciária;
II - gozo de férias anuais remuneradas, acrescidas de 1/3 (um terço) do valor da
remuneração mensal;
III - licença-maternidade;
IV - licença-paternidade;
V - gratificação natalina (BRASIL, 1990).
Mesmo que tardiamente, o reconhecimento dos direitos trabalhistas dos
conselheiros tutelares representa uma conquista para esta categoria, abrindo espaço para
maior visibilidade social e valorização pessoal e profissional destes trabalhadores (as).
Os entrevistados possuem idade entre 24 e 54 anos e, em relação ao gênero, 50%
são do sexo feminino, e os outros 50 % do sexo masculino. Faz-se importante observar que tal
composição difere da primeira grande pesquisa sobre o perfil dos conselheiros tutelares
apresentadas em 1997 pela Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do
Adolescente - ANCED, que apontava que 36% dos conselheiros eram do sexo masculino e
64% do feminino.
Este dado pode ser interpretado como tendência à transformação dos papéis
restritos ao gênero feminino, principalmente no que tange ao cuidado e proteção à infância e
juventude, que historicamente foi delegado às mulheres.
Quanto à escolaridade mínima para investidura do cargo, a Lei Municipal
8.502/200323
e a Resolução do CMDCA (2012)24
exigem, no mínimo, o ensino fundamental
23 LEI Nº 8.502 DE 06 DE MARÇO DE 2003. Dispõe sobre a política municipal de atendimento dos direitos
da criança e do adolescente e dá outras providências. 24 RESOLUÇÃO CMDCA-BH Nº 91/2012 Regulamenta o VII Processo de Escolha e posse dos Membros dos
Conselhos Tutelares de Belo Horizonte.
72
completo. Tem-se o seguinte quadro com os conselheiros pesquisados: 04 completaram o
ensino médio (40%), 03 possuem curso superior completo (30%) e, 02 estão cursando o
ensino superior (20%); ainda um dos entrevistados possui mestrado (10%).
Tanto a pesquisa da ANCED (1997), quanto a pesquisa “Conhecendo a
Realidade” (2007) apontam uma tendência ao aumento da escolaridade dos conselheiros, o
que vem ao encontro dos dados obtidos nesta pesquisa.
No que se refere à motivação para se candidatar ao cargo de conselheiro, todos
os entrevistados relacionaram a candidatura às experiências anteriores com atividades que
envolviam crianças e adolescentes com direitos violados:
Minha motivação, talvez, veio até de um sonho, porque quando você está num
abrigo recebendo crianças eu pensei, porque não ir mais fundo, porque não como
conselheira, eu possa evitar que uma criança vá para um abrigo (Entrevistado 02).
[...] eu trabalhei lá nessa instituição e via várias situações relativo à violação de
direitos e eu queria ser conselheira para ajudar a resolver os problemas das
famílias (Entrevistado 03).
[...] fui monitor no curso profissional no antigo CIAME, antiga FEBEM, que hoje, é
o Centro Socioeducativo para a Criança e Adolescente. A gente acha que ocupar
certos espaços é estratégico para o controle social e participativo da população
neste espaços. E uma dessas discussões era o Conselho Tutelar e as pessoas que se
dispuserem a participar no final desse processo, e eu por ser negro, acho que é por
aí mesmo, a questão da participação e do controle social (Entrevistado 04).
Um conselheiro apenas alegou ser o salário o principal motivador: “Como eu
tinha vontade de fazer uma faculdade e o meu dinheiro não dava, foi a motivação financeira
para me candidatar” (Entrevistado 01).
Todos os conselheiros disseram ser a motivação para exercer o cargo a
possibilidade de modificar uma realidade, principalmente a vivenciada por cada um em sua
comunidade. Todos ainda relataram ter envolvimento na questão dos direitos da infância e
adolescência, seja pela experiência de vida, em instituição religiosa ou político - comunitária.
Nenhum conselheiro relatou ter experiência com atendimento direto, ou seja, uma prática
instituída através do SGD, voltado ao atendimento de crianças e adolescentes com direitos
violados.
Pelas experiências relatadas, foi possível compreender porque somente 20% dos
entrevistados não conheciam a função de conselheiro tutelar antes da ocupação do cargo, pois,
de alguma maneira, a maioria necessitou requisitar os serviços do CT do município mesmo
antes de se tornar conselheiro.
73
O ECA, entre os artigos 131 e 137, estabelece atribuições e competências dos
membros do CT, não especificando a necessidade de qualificação anterior e/ou posterior para
exercício da função. No entanto, o artigo 134, parágrafo único, estabelece que “constará da lei
orçamentária municipal previsão dos recursos necessários ao funcionamento do CT”, o que
abre precedente para que as leis municipais prevejam qualificação dos conselheiros, se estes,
junto ao CMDCA assim o entender.
Em Belo Horizonte, a Lei nº 8.502, de 06 de março de 2003, que regulamenta o
CT não prevê qualquer tipo de qualificação dos conselheiros, antes e/ou depois da investidura
do cargo.
Somente será encontrada referência à qualificação dos conselheiros no município
na Resolução n° 91/2012, que regulamentou o VII processo de escolha e posse dos membros
dos CT daquele ano25
. Definiu esta Resolução, em seu artigo 6°, que para se pleitear a
candidatura a conselheiro tutelar, a que se passar por algumas etapas, sendo uma destas o
“curso preparatório”, com exigência de 80% de frequência, sem demais especificações.
A coleta de dados permitiu verificar que 100% dos Conselheiros passaram por
este curso preparatório, oferecido pelo próprio CMDCA. Sobre este curso destacam-se os
seguintes depoimentos: “O conteúdo muitas vezes foge da prática da realidade do dia-a-dia.”
(Entrevistado 03); “Pela complexidade do cargo, a capacitação deveria ser mais completa.”
(Entrevistado 04); “Muito frágil, precisamos de pessoas mais qualificadas para as
capacitações.” (Entrevistado 08).
Diante destes fragmentos de falas, pode-se perceber a insatisfação dos
conselheiros frente ao curso preparatório. Esta insatisfação se refere tanto à fragilidade de
conhecimento dos agentes capacitadores, quanto ao conteúdo das palestras ministradas no
curso. Os entrevistados alegaram que o referido curso apenas introduziu o tema Política de
Atendimento à Criança e ao Adolescente de uma maneira em geral, sem caracterizar as
especificidades locais e/ou regionais, já que o município em questão se trata de uma
metrópole com uma considerável região metropolitana.
Para os entrevistados, outra fragilidade referente ao conteúdo do curso
preparatório refere-se à falta de discussão e aprofundamento das funções e competências do
conselheiro tutelar, conforme pode ser verificado no depoimento do entrevistado 05: “A
formação é superficial, não atende às demandas específicas do trabalho do conselheiro.”.
25 O artigo 139 do ECA diz ser responsabilidade do CMDCA, sob a fiscalização do MP, o processo para escolha
dos membros do CT. Obedecendo a esta normativa, o CMDCA de BH tem elaborado resoluções para o processo
de escolha e posse dos membros do CT, desde 1993 (ano da criação do 1° CT).
74
Considerando a atribuição do Conanda26
de estabelecer diretrizes e normas gerais
quanto à Política de Atendimento à criança e ao adolescente no que se refere ao papel do CT,
em outubro de 2001, através da Resolução n° 75, este conselho estabelece os primeiros
parâmetros de criação e funcionamento dos CT em todo o Brasil. E considerando a
necessidade de atualização, o Conanda substituiu a resolução n°75/2001, pela resolução n°
139/2010.
Estas resoluções estabelecem normas para a criação de CTs em nível nacional,
como número de Conselhos por habitantes, previsão de Lei Orçamentária Municipal para,
entre outras coisas, possibilitar a estruturação dos órgãos, a remuneração dos conselheiros e a
realização de qualificação profissional.
Ressalta-se que a Resolução de n° 75/2001, ao citar a necessidade de orçamento
para funcionamento e estruturação dos CT, estabelece, entre as despesas, capacitação para os
conselheiros, mas não especifica a sua regularidade. Já a resolução n° 139/2010, estabelece
em seu artigo 4°, § 2°, que deve haver “formação continuada, como cursos”, ou seja, durante
todo o exercício da função.
A partir deste entendimento, foi perguntado aos conselheiros se estes recebem ou
receberam formação ou capacitação específica para o cargo, depois de terem sido eleitos.
Todos responderam afirmativamente. No entanto, afirmaram também que estas capacitações
são esporádicas, insuficientes, superficiais e que não atendem às exigências que o trabalho
necessita. Na ocasião, destacaram a necessidade de qualificação continuada.
O conselheiro tutelar tem a função de zelar pelos direitos das crianças e dos
adolescentes. Para que isto aconteça, espera-se que conheçam esses direitos, ou melhor
dizendo, que conheçam o SGD e sua eficiência ou não em nível municipal.
As prescrições contidas no ECA (BRASIL, 1990) a repeito das atribuições do CT
e da necessidade de constituição de um SGD são de suma importância para a organização do
trabalho do conselheiro, porém não regem, como um todo, a atividade realizada por ele. Para
e Ergologia, isto acontece porque esta prescrição é confrontada no cotidiano das situações
vivenciadas pelo trabalhador (a) ao realizar as suas atividades.
Para a realização de suas tarefas, é necessário que os conselheiros desenvolvam e
convoquem saberes não somente a partir das prescrições do ECA, mas também sobre as
legislações correlatas, como a Constituição Federal de 1988, Leis e Resoluções que envolvam
os interesses da infância e juventude em âmbito municipal, estadual e federal, sobre Direitos
26
Tais atribuições estão especificadas na Lei de nº 8.242, de 12 de outubro de 1991, que cria o Conselho
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - Conanda e dá outras providências.
75
Humanos, rede de atendimento e administração pública, entre outros . Esses elementos podem
ser somados às observações de Bragaglia (2002), ao afirmar que:
O inusitado das situações cotidianas que chegam ao Conselho Tutelar, a diversidade
das relações estabelecidas, as múltiplas habilidades que dele são exigidas e face das
situações com que ele lida cotidianamente, a diversidade de interesses dos agentes
sociais que interagem, os velozes e inusitados percursos que assumem as situações
em que atende são uns dos elementos que evidenciam a complexidade da realidade
em que se inscreve esse órgão (BRAGAGLIA, 2002, p. 158).
As observações da autora puderam ser confirmadas a partir dos seguintes
depoimentos:
Porque, quando você entrar aqui no primeiro dia, após a eleição no dia 01 de
janeiro, os problemas vão tá tudo lá te esperando, os direitos violados, vão tá tudo
lá. [...]. Porque, quando chega aqui, pega, né? [...] você tá aqui. Como que fica? E
os direitos violados? (Entrevistado 01)
Antes de entrar para o Conselho Tutelar, eu não tinha passado por muitas situações
que a gente passa aqui. São tantas denúncias de tantas áreas e temáticas possíveis.
Eu tava acostumado ver algumas delas, mas em nível bem menor e uma
complexidade menor. Quando você chega aqui a complexidade dos casos são bem
maiores. (Entrevistado 05)
Estes depoimentos, entre outros coletados, indicam que as tarefas exercidas pelos
conselheiros são inúmeras e heterogêneas e que, para atender as demandas advindas da
violação dos direitos da criança e do adolescente em âmbito municipal, faz-se necessário
maior qualificação profissional, uma vez que se veem obrigados a dar respostas – conforme o
prescrito no ECA (1990) –, sem possuir a qualificação necessária para o desenvolvimento de
suas tarefas.
Faz-se necessário observar, que a qualificação permanente também foi
considerada para o aprimoramento dos CTs, pelos seus próprios membros, pela pesquisa
nacional “Conhecendo a Realidade” (2007), inclusive como o fator mais importante para o
melhor desenvolvimento de suas tarefas. Isso indica que não só os conselheiros tutelares de
Belo Horizonte, mas de todo o Brasil, identificaram a importância de se compreender a
função do CT e a Lei sobre a qual sua atuação está respaldada.
Entretanto, sob o viés da perspectiva Ergológica, é possível apontar que mesmo
havendo qualificação permanente, sempre existirão lacunas a serem preenchidas pelos
conselheiros para melhor desenvolverem suas funções, devido à distância entre o trabalho
prescrito e o trabalho real. E esta distância, segundo Trinquet (2010), só poderá ser gerida
76
pelos executantes das tarefas, neste caso, os conselheiros, pois são eles que participam da
realização cotidiana do trabalho no CT.
5.3 As prescrições referentes ao trabalho do conselheiro tutelar
O método Ergológico pressupõe que, para realizar uma tarefa, os sujeitos invocam
saberes constituídos, que podem estar formalizados em livros, resoluções, legislações, cursos
(saberes científicos e acadêmicos) e agregar e estes os saberes investidos, advindos da
experiência de vida, dos valores e da experiência em trabalho, ou seja, da sua subjetividade.
Estes saberes investidos, que podem ser coletivos ou individuais, são convocados
para preencher a lacuna existente entre o trabalho prescrito e o trabalho real. Durrafourg
(2007, p.70) assinala que trabalhar é “[...] sempre aplicar um protocolo, ao mesmo tempo, é
sempre aplicá-lo de uma maneira singular”.
As prescrições sobre o trabalho a ser realizado pelos conselheiros tutelares são
conhecidas principalmente por meio do ECA, mais especificamente no capítulo II/ art. 136,
intitulado “Das atribuições do Conselho”. No entanto, esta prescrição é referenciada de forma
muito genérica, sem muitas especificações, pois apenas aponta o que o fazer, mas não o como
fazer27
.
O Regimento interno dos CT de Belo Horizonte (2009), também em consonância
com o ECA - capítulo IV “Do Atendimento”, assim especifica as atribuições dos Conselheiros
Tutelares do município28
:
Art. 6º Compete ao Conselheiro Tutelar sem prejuízo das atribuições previstas no
art. 136 do ECA:
I - fazer todas as anotações na ficha de atendimento, preenchendo todos os campos
com letra legível, proporcionando informações necessárias e identificando-se, ao
final, para que qualquer outro conselheiro que tiver acesso a ficha entenda a situação
vivenciada e o desenvolvimento do caso;
II - cumprir as escalas de trabalho previamente deliberadas pelo Colegiado do
Conselho Tutelar;
27 A exemplo desta falta de especificações está definido como atribuição do CT no art. 136: expedir notificações;
requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança;
encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os
direitos da criança ou adolescente (BRASIL, 1990). 28
Também é possível encontrar, principalmente via internet, várias cartilhas que especificam as atribuições dos
Conselheiros Tutelares que, via de regra, são desenvolvidas pelos MP estaduais em parceria com o CEDCA e
CMDCA. Ainda é possível encontrar cartilhas desenvolvidas por organizações não governamentais, como o
Instituto Telemig Celular e Instituto Pró-menino. No entanto, via de regra, não fogem às prescrições contidas no
ECA.
77
III – cumprir as tarefas que lhe forem designadas pelo Colegiado do Conselho
Tutelar;
IV - consultar o colegiado do respectivo Conselho Tutelar, antes de efetivar as ações
individuais, acatando e cumprindo as deliberações do mesmo;
V - estar presente nas sessões ordinárias e extraordinárias do Colegiado, bem como,
nas reuniões com a Equipe de Assessoria Técnica ao Conselho Tutelar, salvo
justificativa registrada em ata;
VI - representar, quando designado pelo Colegiado, o Conselho Tutelar em reuniões
externas e/ou eventos;
VII - votar para a escolha do presidente e do secretário do seu Conselho Tutelar;
VIII - assinar e carimbar com identificação todo e qualquer documento que lhe foi
atribuído;
IX – submeter ao Colegiado, as decisões e medidas tomadas individualmente em
caráter de urgência (BELO HORIZONTE, 2009).
Esse Regimento prevê as atribuições do conselheiro tutelar, diferentemente do
ECA (BRASIL, 1990), que no art. 136 prevê as atribuições do órgão Conselho Tutelar. Esta
especificação se faz importante para que os conselheiros compreendam melhor as prescrições
do ECA, bem como as exigências que envolvem a realização de suas atividades ao apontar as
formas de registro das denúncias e a necessidade de participação colegiada das decisões que
ora forem tomadas individualmente em caráter de urgência .
No que se refere à forma de realização das atividades do conselheiro tutelar, a
partir do recebimento de uma denúncia sobre violação de direitos de crianças e adolescentes
do município, o regimento interno dos CT de BH (2009) prescreve:
Art. 14. Compete ao Conselheiro Tutelar receber denúncias de suspeita e/ou
confirmação de violação dos direitos da criança ou adolescente anotando os
principais dados a fim de distribuí-las segundo o fluxo de atendimento interno.
Parágrafo único. Sempre que imprescindível para a manutenção dos direitos da
criança e do adolescente, os Conselhos Tutelares garantirão o sigilo da identidade do
comunicante, somente revelando-a mediante determinação judicial e sem prejuízo
das competências do CMDCA.
Art. 15. As denúncias recebidas pelo Conselheiro Tutelar serão verificadas inclusive
através do trabalho de campo quando necessário.
Art. 16. Sempre que possível, as pessoas que procurarem o Conselho Tutelar serão
atendidas por dois Conselheiros Tutelares que acompanharão o caso até o
encaminhamento definitivo.
Parágrafo único. Preferencialmente, o Conselheiro Tutelar não deverá atender casos
que envolvam pessoas de sua convivência familiar e pessoal, resguardando assim,
sua integridade e o real interesse da Criança e do adolescente.
Art. 17. As deliberações e os encaminhamentos relativos aos casos dependerão
sempre da discussão e encaminhamento entre no mínimo 3 (três) membros titulares
do Conselho Tutelar.
Art. 18. Serão realizados registros de todos os procedimentos relacionados aos
encaminhamentos feitos e providências tomadas.
§ 1º - O Conselheiro Tutelar deverá registrar, datar e assinar todos procedimentos
adotados por ele.
78
§ 2º - O acesso aos registros será restrito aos Conselheiros Tutelares, sendo estas
informações confidenciais. O repasse de dados somente será feito no restrito
interesse de resguardar a defesa dos direitos da criança e do adolescente e de seus
familiares (BELO HORIZONTE, 2009).
Quanto ao conhecimento e à importância atribuída às prescrições contidas no
artigo 136 do ECA e no Regimento interno dos CT de BH (2009), 90% dos conselheiros
afirmaram que há procedimentos prescritos a serem seguidos e que estes estão descritos no
ECA. Apenas um dos conselheiros entrevistados mencionou o Regimento interno dos CT de
BH como referência para a prescrição da atividade a ser realizada por ele. Desta forma,
verificou-se a falta de conhecimento ou reconhecimento, por parte de 90% dos entrevistados,
desta prescrição. É como se ela não existisse para eles, já que não foi mencionada em nenhum
momento.
A Ergologia infere que as prescrições não regem, como um todo, a atividade
realizada pelo trabalhador (a), isto porque estas prescrições são confrontadas no cotidiano das
situações vivenciadas pelos sujeitos ao realizar as suas atividades. Apesar da prescrição não
antecipar todas as situações vivenciadas pelos sujeitos em atividade, estas são de suma
importância para a organização do trabalho, como um todo. Até para serem questionadas,
transformadas, renormalizadas, estas necessitam ser conhecidas.
Além do ECA, a outra prescrição mencionada por 90% dos entrevistados foram os
formulários de encaminhamento de crianças e adolescentes aos serviços públicos requisitados
pelas famílias, e que, inicialmente foram negados pelo serviço público municipal,
caracterizando assim em uma violação de direitos29
. Estes formulários de encaminhamento
são chamados pelos conselheiros de fluxos de atendimento e, inicialmente, são utilizados para
requisição de vagas em escolas e creches, requisição de atendimento médico em postos de
saúde e hospitais, entre outras.
Na verdade, estes formulários não são prescrições para o trabalho dos conselheiros
tutelares, mas uma forma de padronização dos encaminhamentos realizados, com campos pré-
impressos onde são preenchidos os dados e as informações, permitindo a formalização do
serviço requisitado, o registro e o controle das atividades dos CT de BH.
Apenas um dos conselheiros apontou não serem estes formulários a prescrição
para o seu trabalho:
29
A violação de direitos do público infanto-juvenil, segundo o ECA (BRASIL, 1990), caracteriza-se quando a
família, o Estado ou a sociedade, por qualquer motivo, não asseguram os direitos fundamentais da criança e do
adolescente (ECA, art. 4) ou, oferecendo proteção aos direitos infanto-juvenis, o façam de forma incompleta ou
irregular.
79
Não existe procedimentos prescritos, algo taxativo, a violação aconteceu assim, o
procedimento tem que ser assim, assado, porque cada caso tem uma especificidade,
uma peculiaridade distinta da outra. Nunca um encaminhamento é igual ao outro. A
gente nem consegue ter modelos de relatórios para encaminhamentos para nenhum
órgão. A gente só tem o cabeçalho, mas o relatório é todo diferente, porque cada
família tem uma peculiaridade, então a gente tem que estar muito atento a essas
peculiaridades para saber qual encaminhamento ser tomado (Entrevistado 05).
Ao reconhecer as peculiaridades de cada situação vivenciada no CT envolvendo
violação de direitos de crianças e adolescentes, o entrevistado 05 apontou que os
encaminhamentos que se fazem necessários não são adotados da mesma forma, ou seja, a
antecipação do trabalho por meio das prescrições contidas no ECA não garantiu a sua
realização.
Segundo a Ergologia, a incapacidade da prescrição e das normas antecedentes de
tudo prever, de tudo antecipar exige do trabalhador a criação de saberes e estratégias variadas
para cobrir a lacuna entre o prescrito e o real, o vazio de normas. Foi possível perceber, por
meio do depoimento acima, que apesar de reconhecer a prescrição, por meio principalmente
do ECA, este conselheiro procura dar soluções para as situações novas que surgem no dia-a-
dia , em seu espaço de trabalho.
Diante das prescrições de trabalho do conselheiro tutelar previstas no ECA e no
Regimento Interno dos CT de BH, houve a necessidade de saber dos entrevistados quais
atividades de trabalho são realizadas por eles, com o objetivo de identificar se estas condizem
com as prescrições e normas antecedentes.
A maioria dos Conselheiros, 90 %, se limitou a falar que realizam todas as
atividades previstas no ECA, como aplicação de medidas protetivas. Apenas um dos
entrevistados qualificou melhor as tarefas realizadas no CT:
Nós desenvolvemos atividades de atendimento às famílias, as visitas domiciliares,
reuniões de Rede, reuniões com o poder público, reuniões com o CMDCA, reuniões
com a prefeitura, reunião com toda a rede de proteção à criança e ao adolescente,
sobre alguns casos específicos, ou até mesmo, sobre alguma situação que possa tá
ocorrendo na escola, tratando essa situação como um todo e evitar o caso chegue
no Conselho Tutelar, isso como forma de medida preventiva. Esta gestão atual,
assim como a passada, que eu também participei, o foco nosso é o trabalho
preventivo e continuamos fazendo, como palestras nas escolas, sobre várias
temáticas que envolvem a criança e o adolescente, para professores, para direção,
alunos e também pais (Entrevistado 05).
É possível inferir que não consta no ECA (BRASIL, 2010) , nem tampouco no
Regimento Interno dos CTs de BH (2009), que a intervenção do conselheiro tutelar poderá se
dar por meio de trabalho preventivo, como informou o entrevistado 05. É interessante
80
observar que ocorre um trabalho diferenciado da prescrição, uma vez que na realidade de
trabalho da atual gestão do CT, segundo o entrevistado 08, são realizadas ações de prevenção,
por meio de palestras e campanhas educativas em escolas.
Este trabalho diferenciado é chamado pela Ergologia de renormalização. Ao
realizar uma atividade de trabalho, o homem invoca saberes constituídos, que podem estar
formalizados em livros, resoluções, legislações, cursos (saberes científicos e acadêmicos) e
agregar e estes os saberes investidos, advindos da experiência de vida, dos valores e da
experiência em trabalho, ou seja, da sua subjetividade.
5.4 Saberes e práticas desenvolvidas no cotidiano de trabalho dos conselheiros: entre o
trabalho prescrito e o trabalho real
Como explicitado anteriormente, a partir da prescrição contida no Regimento
Interno dos CTs de BH (2009), o trabalho do conselheiro tutelar começa quando uma
denúncia referente a qualquer direito violado de crianças e adolescentes é feita. Recebida a
denúncia, o Conselho deve apurá-la imediatamente, destacando dois conselheiros para o
trabalho.
Entretanto, nem mesmo o Regimento Interno, que especifica mais claramente as
atribuições do conselheiro, prescreve com clareza como devem ser desenvolvidas as tarefas
delegadas a estes. Ao especificar, por exemplo, em seu artigo 16 que o conselheiro deve
apurar as denúncias recebidas, o Regimento não aponta a forma, mas se limita a colocar que
devem ser “verificadas inclusive através do trabalho de campo quando necessário” (BELO
HORIZONTE, 2009).
Mesmo tendo dificuldades em especificar as atividades realizadas no CT perante
as frágeis prescrições existentes, os entrevistados, ao serem questionados sobre quais
procedimentos são realizados após o recebimento de uma denúncia, qualificaram suas ações
com pertinência às prescritas no ECA e no regimento interno dos CT de BH e, ainda, relatam
ultrapassá-las:
Após o Conselho receber uma denúncia, a primeira providência a ser tomada é uma
visita familiar, o conselho faz essa visita para conhecer o núcleo familiar, conhecer
aquele ambiente e tentar colher algum dado que possa auxiliar ou confirmar essa
denúncia. Mas o procedimento não é só a visita. Após a visita, a família é notificada
a comparecer no Conselho Tutelar, onde nós vamos ter um espaço nosso aqui
dentro do Conselho para conversar com a família, com os pais, com o adolescente e
tentar buscar meios de confirmação daquela denúncia. Com confirmação ou não, o
Conselho vai tomar as providências, saber quais encaminhamentos a serem
tomados e vai depender dessa conversa, da notificação que vai determinar se essa
81
denúncia é procedente ou parcialmente procedente, ou se ela não procede
(Entrevistado 5).
Diante deste depoimento, foi possível observar, pelo viés Ergológico, que a falta
de clareza das prescrições relativas ao trabalho do conselheiro tutelar foram superadas pela
atividade de trabalho deste conselheiro, uma vez que foi para além da visita de atendimento,
prescrita no art. 16 do Regimento Interno. Ao reconhecer que “o procedimento não é só a
visita”, e que é preciso conversar com os envolvidos na violação de direitos em outro espaço,
para confirmação, ou não, da denúncia realizada, o trabalho real se apresentou, foi a própria
colocação do conselheiro em ação, criando e recriando o trabalho para sua melhor gestão
(TRINQUET, 2010).
Destaca-se, neste contexto, que há uma distância entre o trabalho prescrito e o
trabalho real, entre aquilo que foi antecipado pelas prescrições e entre aquilo que realmente é
realizado. Nas palavras de Trinquet (2010, p. 97), “[...] tanto do ponto de vista da experiência
quanto da teoria, a única certeza confiável é que sempre existirá uma distância entre o
trabalho prescrito e o praticado, por mínima que seja.”
Os entrevistados relataram que a experiência adquirida no trabalho com crianças e
adolescentes antes da investidura do cargo, seja pela experiência de vida, por instituição
religiosa ou político-comunitário, ajuda e interfere nas ações realizadas por eles.
No entanto, reconheceram ser pouco utilizadas, pois o trabalho de conselheiro é bem diferente
do desenvolvido anteriormente.
Por isso, os entrevistados indicaram a necessidade de referências prescritas mais
instrumentais e metodológicas, que pudessem balizar as ações desenvolvidas no CT, para que
os atendimentos fossem mais padronizados:
Você atende de um jeito, amanhã vem outro conselheiro e atende de outro jeito [...]
Só que acaba, até notei que nas entrevistas que o atendimento são discutidos no
colegiado, acaba sendo individual e cada conselheiro tendo um procedimento
diferente, equivocado, um ponto de vista bem diferente do outro. Então não tem
universalização de procedimentos (Entrevistado 02).
Para a Ergologia sempre existirá uma lacuna entre o trabalho prescrito e o trabalho
real, pois o trabalho real ultrapassa a execução de procedimentos prescritos. Ao executar as
prescrições, o conselheiro vincula de maneira singular seus valores e conhecimentos
adquiridos da experiência na atividade de trabalho (TRINQUET, 2010), por isso ela não será
realizada da mesma maneira por todos os conselheiros, como espera o entrevistado 2.
82
A reflexão sobre os saberes e práticas desenvolvidas pelo conselheiro tutelar
inclui a maneira como são realizadas as tarefas reconhecendo a existência de possibilidades e
variações de realização destas. Sob esta ótica, faz-se necessário que os conselheiros
reconheçam a importância do saber da sua experiência, da mobilização de saberes variados,
tanto os constituídos, aprendidos nos cursos, quanto os investidos, aqueles que eles próprios
estabelecem.
Para os conselheiros o conhecimento adquirido após a investidura do cargo é o
que mais contribuiu para o desenvolvimento das tarefas. Conhecimento que, segundo eles,
não foi adquirido por meio de qualificações, mas a partir das complexas e heterogêneas
situações de trabalho30
, de modo a desenvolvê-las melhor.
Na verdade, é porque, quando a gente entra aqui, a gente fica refém do atendimento
[...] um atendimento muito grande e muitas vezes, com pessoas despreparadas
fazendo esse atendimento. Tanto despreparada por falta de conhecimento para fazer
o atendimento e isso não só o conhecimento que você poderia adquirir, porque isso,
você pode transmitir, mas, despreparadas do ponto de vista do que é direitos
violados. O que é que vou ter que fazer, eu vou fechar os olhos e fingir que não
existe? E pegar o meu salário no final do mês? Ou vou procurar conhecer (a Lei) e
trabalhar, né? O conselheiro que tava aqui a mais tempo sempre ajudou a gente,
dizendo: o certo é encaminhar para esse lugar, é tomar tal postura, é ir por esse
caminho (Entrevistado 01).
As situações de trabalho implicam em relações entre os sujeitos, num diálogo
constante com as prescrições, na efetivação do desempenho da atividade. Entretanto, para
Schwartz (2007) sempre existe a possibilidade de “um fazer de outra forma”, da inclusão de
uma dimensão transformadora, de (re) criação permanente por parte de cada trabalhador (a).
O que pode ser comprovado no fragmento de fala do entrevistado 01.
A falta de instrumentais técnico-metodológicos, de conhecimentos teóricos e,
ainda de qualificação para melhor desenvolver suas tarefas, fez com que o entrevistado acima
procurasse preencher estas lacunas a partir da incorporação dos saberes experimentados por
um conselheiro mais antigo, como também por meio de estudo da Lei que regulamenta a sua
função, por conta própria.
Diante das imprecisões das prescrições, outras dificuldades para realização das
tarefas foram apontadas pelos conselheiros. Dentre elas destacam-se: 1) necessidade de
30
As complexas e heterogêneas situações de trabalho foram exemplificadas pelos conselheiros: falta de vaga em
escola e/ou creche; não priorização do atendimento da criança e do adolescente na rede municipal de saúde;
negligência da família pelos mais variados motivos (ausência na escola, ao tratamento médico, abandono,
trabalho infantil, exploração e/ou abuso sexual); envolvimento de adolescentes com o tráfico de drogas; abuso de
poder por parte da polícia frente a adolescentes em conflito com a lei.
83
qualificação continuada dos conselheiros; 2) necessidade de maior desenvolvimento de
políticas públicas e envolvimento do poder público nas questões relativas à infância e
juventude no município com o objetivo de efetivar o SGD; 3) criação de mais CT no
município, obedecendo à regulamentação existente.
Eu gostaria de resolver 100% do direito que está sendo violado. Na verdade, nós
ainda não conseguimos alcançar isso em Belo Horizonte, porque, devido as
dificuldades com a Prefeitura de implantar as medidas necessárias, como creches,
profissionais qualificados na saúde, escola de qualidade, também a
responsabilização da família que o juizado não faz [...] Eu acredito que o Estado
impõe a maior violação de direitos, porque o Estado implanta esses serviços
incompletos e não tem profissionais suficientes para atender, e isso, cria um
conflito, né? Quando a gente tem que requisitar, a gente quer que o Estado cumpra,
porque é o papel dele, porque tem que ter profissional. Por exemplo, na questão da
saúde, no ECA tem o direito, o conselho tutelar, de requisitar o acompanhamento
psicológico que ele acha que é necessário. Aí, a saúde alega que não tem
profissional da saúde mental suficiente. Mas isso não é problema nosso, é problema
do Estado, porque o Estado tem que garantir profissionais suficientes para aquele
atendimento. Muitas vezes, os gerentes querem fazer com a gente uma parceria,
porque o menino precisa do psicólogo, se ele não tiver o serviço, ele vai responder
que não tem e nós vamos tomar as medidas legais dentro do ECA para garantir
aquele atendimento (Entrevistado 01).
O ECA estabelece a constituição de um SGD, ou seja, de um conjunto integrado
de ações, por meio de serviços e programas de atendimento a crianças, adolescentes e suas
respectivas famílias, que devem atuar de forma articulada e integrada, na busca de sua
proteção integral evidentemente a partir do que está previsto pelo ECA.
Todos os entrevistados afirmaram que este sistema não é efetivado em BH, o que
prejudica sobremaneira o desenvolvimento das atividades destes trabalhadores (as). Isto quer
dizer que, o reconhecimento por parte dos conselheiros, da violação de direitos a que está
submetida uma criança ou adolescente não fará que esta seja superada se não houver serviços
de atendimento na rede pública, como saúde, educação, habitação e etc.
Nesta direção, os conselheiros tutelares pesquisados apontaram ainda tendências
ao predomínio de ações pontuais e emergenciais, pois cotidianamente trabalham para
encontrar soluções rápidas em cada caso de violação de direitos denunciada, sem
necessariamente resolvê-las de fato. Isto acontece porque o CT não é um programa de
atendimento, mas deve se constituir em um veículo de fortalecimento e reivindicação destes
serviços a nível municipal.
O debate de normas é reconhecido pela perspectiva Ergológica como um processo
que envolve as escolhas dos sujeitos em atividade de trabalho, mobilizando valores pessoais e
culturais. Os trabalhadores (as) investem saberes de forma individual ou coletiva, decorrentes
84
de suas experiências cotidianas de trabalho e que ainda não estão revestidos pelos saberes
constituídos (SCHWARTZ, 2007).
A partir desta ótica, procurou-se conhecer que saberes são desenvolvidos pelo
conselheiro tutelar em sua experiência de trabalho. Sem eles os conselheiros não são capazes
de responder às demandas cotidianas que lhes chegam com vistas a zelar pelos direitos da
criança e do adolescente em consonância com o ECA (BRASIL, 1990).
Foi possível constatar que, para cobrir a lacuna deixada pelas prescrições, os
conselheiros tutelares investem saberes que lhes permitem: trabalhar em colegiado;
reconhecer e apurar a violação de direitos presentes em cada caso apresentado; requisitar
serviços na rede municipal através do envio de ofícios e/ou reuniões junto aos gestores das
políticas públicas municipais, o que requer destes uma boa escrita e comunicação; realizar
uma representação judicial, o que vai requerer do conselheiro uma boa argumentação e
comprovação dos fatos, quando necessário; comunicar-se com as crianças e famílias
atendidas; garantir o sigilo profissional. São ações para as quais não houve uma formação
prévia nem há instrumentais metodológicos previstos. Mesmo assim os conselheiros precisam
aprender, no cotidiano do trabalho, a realizá-las:
Às vezes a gente não consegue, a gente lê a lei, senta em reunião com o colegiado,
até tentar descobri onde tá a violação de direitos. O menino tá sofrendo alguma
coisa, mas não fica específico o que é. Então um outro conselheiro, com outro
olhar, consegue ver, a gente chama a família, chama a família toda até conseguir
ver onde tá o direito violado. Porque no dia-a-dia a gente estuda as leis, o Estatuto
da Criança e do Adolescente, fica baseado só nele, mas no atendimento da Rede a
gente fica um pouco perdido, quem chega aqui no primeiro mandato não sabe nada,
para onde encaminhar, como encaminhar, como funciona burocraticamente [...]
(Entrevistado 02).
Porque, muitas vezes, os próprios violados (crianças e adolescentes), não
conseguem contar tudo que tá acontecendo. Se conseguisse, seria bem mais fácil. A
gente teria mais meios de estar atuando. A gente já tem procedimento e
encaminhamento para tomar para um acompanhamento por exemplo: psicológico,
assistência social, acompanhamento familiar, grupo de combate à violência
doméstica. Tem tantas outras maneiras de nós encaminharmos aquele núcleo
familiar para um acompanhamento e no dia a dia do acompanhamento, a gente vai
ter mais meios da confirmação da denúncia. Então eu acho que a maior dificuldade
é, realmente, você conseguir chegar ao ponto crucial da questão, que é a
confirmação da denúncia, se tá acontecendo ou não. Muitas vezes, a criança ou
adolescente fala que não está acontecendo, porque ela está sendo ameaçada, então
a gente tem que ter muito cuidado com essa situação (Entrevistado 07).
[...] a gente tem que garantir à família, principalmente, à criança e adolescente que
a gente não vai ficar por aí contando a sua história e desfazendo dela,
revitimizando a situação dela. Vamos supor que a situação de um caso de estupro
pode ser uma violência sexual. Então, do ponto de vista ético, a gente tem que
manter sigilo, enviar aos órgãos de responsabilização e de judicialização, de
medida judicial. Você tem que fazer de forma da ética ser profissional, sem sair
85
contando o caso para todo lado, para você conquistar a confiança e o respeito da
pessoa, e essa pessoa vir a confiar no respeito nesse órgão (Entrevistado 08).
O aprendizado que decorreu da atividade de trabalho presentes nos depoimentos
acima mobilizou o uso de si por si mesmo, ao realizar sigilo sobre os casos atendidos, ouvir o
mesmo caso a partir de várias versões; bem como o uso de si pelos outros, por meio do
trabalho em colegiado, e a partir do momento que os conselheiros passaram a realizar coisas
não esperadas quando se interessaram em desenvolver a função de conselheiro.
Os saberes investidos e destacados nos depoimentos dos entrevistados 07 e 08
procuraram preencher as lacunas das prescrições com um saber próprio desses conselheiros
em atividade de trabalho no CT, e isso foi reconhecido por 90% dos entrevistados.
É uma angústia muito grande ... às vezes uma criança, uma mãe, um adolescente
está precisando de acompanhamento psicológico e a gente não consegue garantir
isso na rede de atendimento. Então agente busca parceria, com faculdades que
tenham curso de Psicologia, para realizar esses atendimentos (Entrevistado 03).
Além da busca de parceria com instituições de ensino superior, os entrevistados
destacaram desenvolver outras estratégias para atender às demandas de trabalho, como
utilização de veículo do próprio conselheiro para locomoção de famílias atendidas e
averiguação de denúncias; acolher crianças e adolescentes com direitos violados dentro do
espaço do conselho, sem possuir estrutura e financiamento previstos para esta ação.
Já aconteceu aqui no conselho de termos que providenciar, do “próprio bolso”
alimentação para alguns atendidos, almoço para uma família que aguardava um
encaminhamento, troca de fraldas de um grupo de irmãos que esperavam um
encaminhamento para o Acolhimento Institucional. A prefeitura fala que isso não é
responsabilidade dela. Aí a gente tem que se virar! Vai deixar uma criança com
fome, suja? (Entrevistado 3).
Percebe-se, por meio do relato do entrevistado 3, uma desresponsabilização da
gestão municipal, responsável pela manutenção e estruturação dos CTs e de prestação de
serviços públicos, no que tange às situações novas que aparecem para serem solucionadas
pelos conselheiros que, por vezes, não se tratam apenas de averiguação, mas de prestação de
serviços básicos, como acesso à alimentação.
Segundo o entrevistado 04,
Não existe um manual de como ser um conselheiro, existe prática. Por exemplo, se
você tá conversando como uma criança num atendimento, você conversa com ela de
uma forma, tem que ter cuidado, ela já teve o direito violado, talvez sofreu abuso
sexual, então tem que ir com jeito. Se o atendimento é com adulto, principalmente se
for o violador, você tem que ser mais firme, pra vê se ele entende que ele não pode
86
fazer aquilo. Às vezes tá deixando a criança sozinha em casa à noite pra ir passear,
às vezes não tá levando a criança pra escola.
Para a Ergologia o saber investido é o verdadeiro saber e também complementar
do saber constituído. Trinquet (2010, p. 98) aponta que “[...] para compreender toda situação
de trabalho, essas duas formas de saberes são indispensáveis. Eles constituem os dois lados de
toda a atividade de trabalho, sua unidade dialética”. Nota-se, nas ações vivenciadas e relatadas
pelo entrevistado 04, que saberes foram investidos ao desenvolver uma estratégia para
realização dos atendimentos, que apesar de parecerem pequenas, estavam direcionadas a
atender os direitos fundamentais das crianças e adolescentes atendidos, previstos no ECA,
como o direito à educação.
De uma maneira em geral, os principais saberes desenvolvidos pelos conselheiros
pesquisados, estavam direcionados a responder aos direitos fundamentais das crianças e
adolescentes atendidos, o que condiz com as atividades a serem desenvolvidas por qualquer
conselheiro tutelar. Porém, foi possível compreender que as soluções demandadas aos
conselheiros não estão relacionadas apenas a um aprendizado prévio a ser aplicado, mas,
principalmente, aos saberes advindos da experiência. Esse aprendizado foi constituído pelo
próprio conselheiro, como protagonista de sua atividade, o que não pode ser negligenciado,
pois estes saberes ampliaram a concepção do como fazer a partir das frágeis prescrições
existentes.
Muitas vezes, as soluções demandadas aos conselheiros, acabaram por fazer com
que estes priorizassem alguns atendimentos em detrimento a outros, pelo acúmulo de casos
direcionados a cada conselheiro e destacado no depoimento do entrevistado 05:
Porque existe uma resolução do CONANDA, a 139, que determina a criação de um
conselho tutelar para cada 100 mil habitantes. Só aqui na regional, nós temos 345
mil habitantes e em BH, mais de 2 milhões e quinhentos mil habitantes. Então, nós
temos que ter em BH aproximadamente 25 Conselhos, hoje, nós temos 09
Conselhos. A realidade é que os conselhos tutelares atuais não dão conta da
demanda que tem ocorrido. O poder público, a prefeitura, que é responsável pela
criação de conselhos tutelares, não tá acompanhando essa demanda. Hoje nós
temos aqui, na minha sala, são mais de 300 casos em andamento, acompanhados
por mim. Fora os outros casos acompanhados pelos outros conselheiros que chega
mais ou menos no mesmo nível. Fora o atendimento que fazemos diariamente e fora
ainda os encaminhamentos que a Rede manda, os novos casos que são
encaminhados pelo conselho tutelar e fora as denúncias. Então, hoje, o conselho
tutelar não dá conta da demanda e isso faz com que a gente tenha que pegar dois
casos e analisar qual é mais grave e solucionar o mais grave e fazer de tudo para
atuar também no menos grave. Acaba a gente tendo que fazer isso, o que é um erro,
priorizando um em detrimento do outro. Mas, temos que atender a todos, porque
eles tem o seu direito resguardado.
87
Sobre o número de CT a serem implantados em Belo Horizonte, o Regimento
Interno dos CTs (2009), estabelece em seu artigo 3º, que cada Conselho Tutelar terá sua sede
em área correspondente a Regional Administrativa, contrariando a Resolução 139/2010 do
Conanda, como observou o entrevistado 05, que recomenda a criação de um CT para cada 100
mil habitantes.
Já o entrevistado 04, o único a reconhecer o Regimento Interno enquanto
prescrição para seu trabalho, considera este Regimento defasado, não só por conta do alto
número de casos atendidos por cada conselheiro, mas por não corresponder às atuais
demandas de trabalho postas a eles. Desta forma, ele julgou ser necessária a revisão deste
Regimento de forma a delimitar melhor as atribuições do conselheiro tutelar em BH.
Porque a prefeitura acha que a gente tem que atender e pronto. Ela não dialoga com
agente. A rede de atendimento municipal não dialoga nem entre si, quanto mais com
agente que é conselheiro. É preciso reconhecer o nosso trabalho, escuta a gente pra
poder melhorar os serviços oferecidos (pela rede municipal de atendimento)
(Entrevistado 04).
O Regimento Interno, que deve orientar as ações realizadas pelos conselheiros em
BH, está sendo confrontada no cotidiano das situações vivenciadas e relatadas pelo
conselheiro 04, necessitando ser revisada. Para que isso aconteça é necessário que o
conselheiro tutelar tenha espaço para diálogo com a gestão municipal e com o CMDCA.
A falta de diálogo presente entre os conselheiros tutelares e a gestão municipal
aponta para a necessidade da criação de um espaço de interlocução entre estes dois órgãos, a
fim de possibilitar a efetivação do SGD no município.
De um lado se tem a prefeitura, responsável pela oferta de serviços e programas
em diversas áreas, voltados ao atendimento de crianças e adolescentes com direitos violados
ou não; de outro se tem os conselheiros tutelares, detentores de saberes e práticas
privilegiadas, desenvolvidas a partir da experiência adquirida em atividade de trabalho no CT.
Esses saberes e práticas podem auxiliar o poder público no planejamento de políticas sociais
mais eficazes, visando o fortalecimento do SGD e dos CTs do município.
Dessa maneira, o referencial Ergológico aponta para a perspectiva de
transformação do trabalho do conselheiro tutelar e na possibilidade de renormalização, por
meio dos saberes constituídos por eles. Entretanto, estes saberes necessitam ser valorizados e
reconhecidos, tanto pela gestão municipal, quanto pelo CMDCA.
88
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A trajetória da pesquisa foi dedicada a investigar os saberes e práticas
desenvolvidas pelo conselheiro tutelar, levando em consideração as prescrições existentes,
formalizados em Leis e Resoluções, e os saberes que estes convocam, criam e recriam na sua
atividade de trabalho nos CTs para responderem aos preceitos do ECA (BRASIL, 1990).
Foi possível observar que a atividade de trabalho do conselheiro tutelar de BH,
por um lado, realiza-se de acordo com a prescrição do ECA e do Regimento Interno dos CTs,
que compõem as normas antecedentes, as prescrições, os conhecimentos constituídos.
Por outro lado, sendo os conselheiros, pessoas da própria comunidade, sem
nenhuma exigência de formação específica para o exercício da função no CT (BRASIL,
1990), portanto com seus valores, cultura e percepções próprias a respeito das questões que
envolvem a sua prática cotidiana, desenvolvem seus saberes e práticas a partir da investidura
do cargo. O que pressupõe, pelo viés Ergológico, a existência de um ser humano singular,
“pois não se constitui em [...] um mero executante determinado pelo seu lugar nas relações
sociais e pelos dispositivos técnicos, mas, também, um homem, sujeito vivente, com todo o
horizonte de universalidade que isto implica.” (SANTOS, 2000. p. 43).
Tendo em vista essa compreensão, o reconhecimento da atividade de trabalho do
conselheiro tutelar em relação ao cuidado com os direitos da criança e do adolescente em BH,
só será possível de ser identificada a partir do conhecimento do próprio conselheiro sobre ela,
pois “[...] toda atividade humana é singular, e não há como compreender a situação de
trabalho sem acesso à experiência do sujeito” (VIEIRA, 2003, p.58).
Desta forma, faz-se necessário, que no cotidiano institucional dos conselheiros
tutelares se efetivem ações que valorizem os saberes mobilizados e convocados por estes
através da constituição de um espaço de diálogo com os responsáveis pela Política de
Atendimento à Criança e ao Adolescente em BH. E ainda, existe uma necessidade latente de
aproximação entre os órgãos e entidades de atendimento no município, a fim de fortalecer e
consolidar o exercício da democracia participativa e do próprio SGD, em especial a relação
entre CT, CMDCA e Gestão Municipal.
Compreende-se que, a efetivação do ECA, ou seja, a defesa dos direitos da
infância e juventude, não é tarefa exclusiva dos conselheiros tutelares, mas da família, do
Estado e da sociedade, conforme preza esta Lei. O CT deve fazer parte do SGD, a fim de
fortalecê-lo e não ser o único sujeito responsável pelo sucesso da sua efetivação.
89
Ao finalizar estas análises, ficou claro para a pesquisadora que o trabalho do
conselheiro tutelar necessita ser compreendido não só como função atrelada especificamente
às frágeis prescrições existentes para o desenvolvimento de seu trabalho, principalmente
contidas no ECA (BRASIL, 1990), mas como atividade de um trabalhador (a) que cria e
recria as condições de realização do que foi prescrito, o que pressupõe a existência de um
sujeito singular.
Os resultados apontaram para a existência de um esforço cotidiano, por parte dos
conselheiros, para preencher as lacunas existentes entre o trabalho prescrito, consubstanciado
em Leis e Resoluções, bem como numa insuficiente, senão inexistente qualificação, e o
trabalho real, que os convoca a dar eficiência ao Sistema de Garantia de Direitos - SDG do
município de Belo Horizonte, perante a desresponsabilização do município.
A constituição de uma política pública social em nível federal, estadual e,
principalmente, municipal que garanta atendimento por meio de programas ou projetos
eficazes, seja nas áreas de saúde, educação ou nas demais áreas para crianças e adolescentes, e
ainda qualificação permanente, são imprescindíveis para que o trabalho do conselheiro tutelar
de BH se aproxime da garantia e defesa dos direitos da população infanto-juvenil.
Todavia, faz-se importante destacar, que a qualificação destes trabalhadores (as),
considerando o aporte da Ergologia, deve caminhar no sentido de se realizar atrelada à
experiência dos conselheiros, garantindo que estes sejam protagonistas na formulação do
programa de qualificação, com o objetivo de propiciar a valorização dos saberes e práticas
desenvolvidas por estes.
Pôde-se observado ainda, que os conselheiros tutelares desenvolvem ações
importantes para a superação da violação de direitos de crianças e adolescentes no município,
e que são sujeitos de referência para as famílias e comunidades atendidas.
Entretanto, o reconhecimento do trabalho dos conselheiros está sendo traduzido
em aumento de casos atendidos por cada um destes, sem que o número de CTs seja ampliado,
conforme recomendação do Conanda (Resolução 139/2010). A ampliação de CTs no
município é uma recomendação que se torna urgente, frente ao aumento de denúncias
realizadas aos conselheiros tutelares.
Após a finalização da dissertação foi observada a necessidade de continuar a
empreender esforços para uma proposta de intervenção31
, de forma a levar a construir um
31 Foi proposto, ao final deste estudo, um projeto de intervenção com o objetivo de compor Grupos de Encontro
do Trabalho - GRTs, que sob o pressuposto do diálogo, buscará reunir os principais atores responsáveis pela
Política de Atendimento à Criança e ao Adolescente em BH, em particular, os conselheiros tutelares.
90
espaço de diálogo entre os saberes constituídos e os saberes investidos que decorrem da
atividade de trabalho do conselheiro tutelar em Belo Horizonte. Por meio desse diálogo,
espera-se dos agentes envolvidos, dar mais eficiência ao Sistema de Garantia de Direitos -
SDG do município de Belo Horizonte.
Por fim, é necessário considerar, que outras questões voltadas ao trabalho do
conselheiro tutelar em BH puderam ser observadas, mas não problematizadas, por não
fazerem parte dos objetivos da pesquisa. O que aponta para a necessidade de outras estudos
sobre esta temática.
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Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Movimento Nacional de Meninos e Meninas de
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Campinas, número especial, p. 93-113, agosto de 2010.
92
4 PRODUTO TÉCNICO
CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO
MESTRADO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL
STHER MENDES CUNHA
GRUPOS DE ENCONTRO DO TRABALHO: saberes e práticas desenvolvidas
pelo conselheiro tutelar analisadas sob o Dispositivo Dinâmico a Três Polos -
DD3P
Produto técnico apresentado ao programa de
Mestrado em Gestão Social, Educação e
Desenvolvimento Local do Centro
Universitário UNA, como requisito parcial para
obtenção do título de mestre.
Área de concentração: Inovações Sociais,
Educação e Desenvolvimento Local.
Linha de pesquisa: Processos políticos sociais:
articulações institucionais e desenvolvimento
local
Professora Orientadora: Dra. Eloisa Helena
Santos
Belo Horizonte
2013
93
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BH Belo Horizonte
CMDCA
Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente
CT
DD3P
Conselho Tutelar
Dispositivo Dinâmico a Três pólos
ECA
GRTs
Estatuto da Criança e do Adolescente
Grupos de Encontro do Trabalho
NESS Núcleo de Estágio em Serviço Social
SGD Sistema de Garantia e Direitos
94
PROPOSTA DE INTERVENÇÃO
Apresentação
A partir das pesquisas bibliográfica e empírica, o trabalho de conclusão do Mestrado
Profissional em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local, do Centro Universitário
UNA, culminou na elaboração da dissertação que proporcionou subsídios para o produto
técnico relacionado à qualificação do trabalho dos conselheiros tutelares, através de um
diálogo entre os saberes constituídos e os saberes investidos que decorrem da atividade de
trabalho destes sujeitos.
O mestrado profissional busca interagir formação teórica e prática, visando aprimorar os
conhecimentos e apontar soluções para questões que promovam o desenvolvimento local,
integrado e sustentável. Pretende-se, como produção técnica, apresentar um projeto de
intervenção nos moldes de uma Cooperação Técnica entre o Centro Universitário UNA, onde
se desenvolveu a pesquisa de mestrado, por meio do Núcleo de Estágio em Serviço Social –
NESS32
e o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente – CMDCA. O
CMDCA é um órgão deliberativo e fiscalizador da Política de Atendimento à Criança e ao
Adolescente, em âmbito municipal, do qual o Conselho Tutelar faz parte.
A proposta ora apresentada decorre do processo de pesquisa sobre a os saberes e práticas
desenvolvidas pelo conselheiro tutelar em Belo Horizonte. Após a finalização da dissertação
foi observada a necessidade de continuar a empreender esforços para uma proposta de
intervenção, de forma a levar a construir um espaço de diálogo entre os saberes constituídos e
os saberes investidos que decorrem da atividade de trabalho do conselheiro tutelar em Belo
Horizonte. Por meio desse diálogo, espera-se dos agentes envolvidos, dar mais eficiência ao
Sistema de Garantia de Direitos - SDG do município de Belo Horizonte.
Para a universidade, que têm como parâmetro a indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e
a extensão, esta cooperação técnica poderá ser direcionada como uma atividade de extensão
do Curso de Serviço Social. O Plano Nacional de Extensão define as diretrizes para a
extensão universitária, expressadas em quatro eixos, sendo: impacto e transformação;
32 O NESS é o espaço institucional na UNA responsável pelo estágio, pesquisa e extensão em Serviço Social,
tendo por objetivo elaborar, aprimorar, e desenvolver projetos, assim como fortalecer parcerias internas e
externas à instituição.
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interação dialógica; interdisciplinaridade; indissociabilidade ensino – pesquisa – extensão. As
atividades aqui propostas estarão diretamente relacionadas a esses três eixos, inserindo-se
como extensão universitária.
Sendo projetada como uma atividade de extensão, poder-se-á contar com a participação de
acadêmicos extensionistas. Para o acadêmico é imprescindível sua efetiva interação com as
demandas sociais em seu processo de formação. Inserido em atividades de extensão na
universidade o acadêmico consolidará a busca de resoluções exigidas e as inovações para
atendimento às demandas sociais.
A proposta de intervenção utilizará o referencial teórico da Ergologia na perspectiva de
conceber o trabalho dos conselheiros tutelares em Belo Horizonte não somente como função
atrelada à realização do que foi prescrito no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA
(BRASIL, 1990) e no Regimento Interno dos Conselhos Tutelares de Belo Horizonte (2009),
mas como atividade de um trabalhador (a) que cria e recria as condições de realização das
prescrições.
Na perspectiva Ergológica, o trabalho é tomado como atividade humana, pois é a expressão
de um debate de normas para o sujeito diante da tendência que ele tem de renormalizar o que
lhe foi antecipado pelas prescrições. A atividade humana realiza-se no espaço entre o trabalho
prescrito e o trabalho real e mobiliza um constante debate de normas (ATHAYDE & BRITO,
2011, p.259).
Por esse debate é que se dá o ajuste do trabalho aos interesses singulares do sujeito, às normas
do trabalho e ao meio em que se trabalha, o que o caracteriza de forma singular
(SCHWARTZ, 2011a). A atividade é, pois, uma tensão, uma dramática, uma forma humana
de vida, ancorada no presente e em um sujeito singular (DURRIVE & SCHWARTZ, 2008, p.
25-26).
Sendo assim, a atividade de trabalho do conselheiro tutelar, por um lado, realiza-se de acordo
com a prescrição do ECA e do Regimento Interno dos CTs de BH , que compõem as normas
antecedentes, as prescrições, os conhecimentos constituídos.
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Por outro lado, sendo os conselheiros, pessoas da própria comunidade, não sendo exigido
destes nenhuma formação específica para o exercício da função no CT (BRASIL, 1990),
portanto com seus valores, cultura e percepções próprias a respeito das questões que
envolvem a sua prática cotidiana, muitos desenvolvem seus saberes e práticas a partir da
investidura do cargo. O que pressupõe, pelo viés Ergológico, a existência de um ser humano
singular, “pois não se constitui em [...] um mero executante determinado pelo seu lugar nas
relações sociais e pelos dispositivos técnicos, mas, também, um homem, sujeito vivente, com
todo o horizonte de universalidade que isto implica.” (SANTOS, 2000. p. 43).
Isso significa que o conselheiro tutelar irá renormalizar as normas antecedentes, as prescrições
que lhe foram ditadas. No processo de retrabalhar as normas antecedentes, os conselheiros em
atividade de trabalho, desenvolvem saberes e práticas decorrentes tanto das prescrições para o
seu trabalho, quanto de saberes constituídos. Para a Ergologia, os saberes constituídos são
aqueles próprios ao trabalhador, que decorrem de sua atividade de trabalho, que nela foi
investido, e emergem como saberes da experiência, da execução cotidiana de tarefas.
Os conselheiros tutelares devem possuir, conforme preconiza o ECA (BRASIL, 1990) e a
Resolução 139/2010 do Conanda, três funções essenciais, sendo elas a requisição de serviços
aos demais órgãos governamentais e não governamentais de atendimento, a petição ao
Ministério Público e a fiscalização de entidades de atendimento. Além disso, a partir da
demanda apresentada ao conselheiro, cumpre-lhe subsidiar com fatos, dados e informações a
elaboração do plano de ação do município nessa área pelo Conselho Municipal dos Direitos
da Criança e do Adolescente - CMDCA.
Tendo em vista essa compreensão, o reconhecimento da atividade de trabalho do conselheiro
tutelar em relação ao cuidado com os direitos da criança e do adolescente em BH, só será
possível de ser identificada a partir do conhecimento do próprio conselheiro sobre ela, pois
“[...] toda atividade humana é singular, e não há como compreender a situação de trabalho
sem acesso à experiência do sujeito.” (VIEIRA, 2003, p.58).
A partir deste entendimento, a proposta metodológica da Ergologia decorre da articulação
entre saberes constituídos e investidos no Dispositivo Dinâmico a três polos (DD3P),
mediados pelas disposições éticas e epistemológicas, e ampliar ao máximo o ângulo de
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análise sobre todas as dimensões da atividade humana (TRINQUET, 2010), constituída aqui
pelos saberes e práticas desenvolvidas pelo conselheiro tutelar.
O DD3P, segundo seu criador, Ives Schwartz (2000), parte do pressuposto de que, para se
conhecer o trabalho, é necessário o encontro de saberes oriundos de três pólos distintos, mas
que interagem entre si. O primeiro polo é aquele dos conceitos ou, dos saberes constituídos e,
o segundo polo, os saberes investidos, gerados na atividade. Já o terceiro pólo é concebido
como o das exigências éticas e epistemológicas, ou seja, posições que devem ser tomadas de
modo a conduzir o diálogo entre os outros dois pólos, “[...] de maneira a produzir um saber
inédito a propósito da atividade”. (DURRIVE & SCHWARTZ, 2008, p. 25).
A partir da concepção do DD3P, a Ergologia propõe ainda que os pesquisadores tomem um
posicionamento, “[...] que implica admitir que os “outros”, ainda que não estejam de acordo
conosco, possuem, talvez, uma parte da verdade [...]” e ainda, “ [...]admitir e aceitar que não
sabemos tudo e que nunca poderemos sabê-lo, nunca há somente uma maneira certa para fazer
as coisas” (TRINQUET, 2010, p.100).
Para a realização do DD3P esta proposta de intervenção comporá Grupos de Encontro do
Trabalho - GRTs, que sob o pressuposto do diálogo, reunirá os principais responsáveis pela
Política de Atendimento à Criança e ao Adolescente em BH, em particular, os conselheiros
tutelares. Pretende-se, com o desenvolvimento destes grupos, construir soluções e saberes
inéditos sobre que contribuam tanto para romper com a violação de direitos praticada contra o
público infanto-juvenil, quanto para ações de fortalecimento do SGD no município.
Justificativa
Esta proposta foi elaborada em conformidade com a Dissertação “Saberes e práticas
desenvolvidas pelo conselheiro tutelar: um estudo em Belo Horizonte” e prevê a criação de
Grupos de Encontro do Trabalho - GRTs, que sob o pressuposto do diálogo, reunirá os
principais atores responsáveis pela Política de Atendimento à Criança e ao Adolescente em
BH, em particular, os conselheiros tutelares.
Sendo o CT um órgão que integra a rede de atendimento voltada à infância e juventude,
espera-se que este tenha o compromisso institucional com o pleno desenvolvimento de uma
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política de promoção e defesa dos direitos desse segmento social em âmbito local, seja na área
de educação, saúde, assistência social ou outras, dessa forma contribuindo, sobretudo, para o
desenvolvimento social.
Embora os CTs apresentem um grande potencial de efetivação da política de atendimento à
criança e ao adolescente, ele apresenta problemas que merecem ser enfrentados.
Estes problemas estão relacionados, por exemplo, à falta de compreensão das atribuições dos
conselheiros tutelares, tanto por parte destes, quanto por parte da sociedade em geral, dos
órgãos públicos e também do poder judiciário. Algumas pessoas e instituições confundem o
CT com política de atendimento, ou seja, como um órgão responsável pela solução de
problemas como guarda, falta de alimentação, de recursos financeiros, etc., não o entendendo
na verdade como um órgão que deve requisitar medidas que as instituições deveriam tomar e
que, algumas vezes, não tomam.
Outras polêmicas envolvem a atividade de trabalho do conselheiro tutelar desde que o CT foi
instituído, como a falta e /ou inexistência de qualificação de seus membros para exercício das
atribuições e ainda a desresponsabilização do Estado no que tange à garantia e efetividade de
um Sistema de Garantia de Direitos - SDG33
conforme preconiza o ECA, o que acarreta numa
frágil estrutura de trabalho para estes trabalhadores (as).
Os resultados da pesquisa apontaram para a existência de um esforço cotidiano por parte dos
conselheiros para preencher as lacunas existentes entre o trabalho prescrito, consubstanciado
em Leis e Resoluções, bem como numa insuficiente, senão inexistente qualificação, e o
trabalho real, que os convoca a dar eficiência ao Sistema de Garantia de Direitos - SDG do
município de Belo Horizonte.
Pretende-se, com o desenvolvimento destes grupos, construir soluções e saberes inéditos que
contribuam tanto para romper com a violação de direitos praticada contra o público infanto-
juvenil, quanto para ações de fortalecimento do SGD no município. E ainda, a realização de
encontros com os conselheiros tutelares, é uma oportunidade de reflexão sobre a necessidade
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O SGD pode ser entendido como um “conjunto de órgãos, entidades, autoridades, serviços e programas de
atendimento a crianças, adolescentes e suas respectivas famílias, que devem atuar de forma articulada e
integrada, na busca de sua proteção integral [...]”, (Prefeitura de Belo Horizonte; Conselho Municipal da Assistência Social e dos Direitos da Criança e do Adolescente, 2012 – não publicado), evidentemente a partir do
que está previsto pelo ECA e pela Constituição Federal.
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de aproximação entre os órgãos e entidades de atendimento no município, fortalecendo e
consolidando o exercício da democracia participativa e do próprio SGD, em especial a relação
entre CT, CMDCA e Gestão Municipal.
Objetivo geral
Implantar um projeto de cooperação técnica entre o NESS junto ao Conselho Municipal dos
Direitos da Criança e Adolescente, visando compor Grupos de Encontro do Trabalho - GRTs,
que sob o pressuposto do diálogo, reunirá os principais atores responsáveis pela Política de
Atendimento à Criança e ao Adolescente em BH, em particular, os conselheiros tutelares.
Objetivos específicos
Aprofundar as competências específicas do Conselho Tutelar, do Conselho Municipal dos
Direitos da Criança e do Adolescente e da Secretaria de Políticas Sociais;
Fortalecer os conhecimentos e a capacidade de atuação dos conselheiros tutelares no
atendimento dos casos, no encaminhamento das providências e na verificação de
denúncias de violações dos direitos de crianças e adolescentes;
Socializar os saberes e práticas desenvolvidas pelos conselheiros tutelares com o CMDCA
e a gestão municipal;
Subsidiar a atuação do CMDCA enquanto formuladores de políticas de atendimento e
defesa dos direitos da criança e do adolescente por meio dos saberes e práticas
desenvolvidas pelos conselheiros tutelares;
Propor qualificação continuada para os conselheiros tuteares e conselheiros do CMDCA
sobre os fundamentos da política de atendimento à criança e ao adolescente no município;
Sugerir atividades que serão desenvolvidas para a implementação de ações intersetoriais, a
partir das situações vivenciadas pelos conselheiros tutelares no espaço do CT;
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Fomentar o fortalecimento do diálogo entre conselheiros tutelares, CMDCA e gestão
municipal;
Desenvolver relatórios periódicos quanto à evolução do trabalho proposto.
Público Alvo
Conselheiros Tutelares de Belo Horizonte;
Conselheiros Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente de Belo Horizonte;
Representantes da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte que trabalham junto a
Secretaria de Políticas Sociais.
Metodologia
A característica de uma cooperação técnica tem no trabalho afinidades em comum entre
instituições parceiras, caracteriza-se pela transferência, correlação de conhecimentos e realiza-
se com base em metodologia própria a atividade.
Metodologia - Etapas
Primeira Etapa
Apresentar o produto técnico ao Centro Universitário UNA, especificamente ao
Núcleo de Estágio em Serviço Social, e promover a sua discussão no intuito de
construir um projeto de extensão;
Apresentar e discutir a proposta junto aos conselheiros tutelares, com vistas ao
envolvimento, avaliação e reflexão da proposta dos GRTs;
Apresentar e discutir a proposta de parceria técnica junto ao CMDCA, que entre outras
funções, deve acompanhar e avaliar a atuação dos conselheiros tutelares.
Segunda Etapa
Destaca-se que, para execução deste projeto, será necessário inicialmente realizar um
diagnóstico junto aos conselheiros tutelares de BH com o objetivo de conhecer as principais
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demandas e dificuldades apresentadas no cotidiano de trabalho destes. Para a realização deste
diagnóstico será necessário que os componentes do projeto de extensão do NESS realizem:
Visita institucional aos nove CT de Belo Horizonte com o objetivo de refletir junto aos
conselheiros tutelares os temas a serem abordados nos GRTs. No momento das visitas, serão
realizadas reuniões com os conselheiros tutelares a fim de refletir sobre as questões
apresentadas na pesquisa e levantar as principais demandas e dificuldades de atuação dos
conselheiros. E ainda, discutir estratégias para envolvimento e participação de representantes
da Secretaria de Políticas Sociais nos grupos.
Visita institucional ao CMDCA, com o objetivo de apresentar um relatório das
principais demandas levantadas junto aos conselheiros tutelares, bem como a definição da
dinâmica e local dos encontros. E ainda, discutir estratégias para envolvimento e participação
dos gestores municipais nestes grupos.
Terceira Etapa
Seleção dos acadêmicos do curso de Serviço Social do Centro Universitário UNA para
compor o projeto de extensão na modalidade de estagiários;
Capacitação dos acadêmicos a partir da Dissertação intitulada “Saberes e práticas
desenvolvidas pelo conselheiro tutelar: um estudo em Belo Horizonte”;
Realização de seminários e encontros com a abordagem das temáticas:
Contextualização crítica da Política de Atendimento à Criança e ao Adolescente no
Brasil e em Belo Horizonte;
Sistema de Garantia de Direitos – SGD;
Prescrições norteadoras do trabalho do conselheiro tutelar;
Referencial teórico da Ergologia;
Técnicas de observação e registro para acompanhamento das atividades;
Diagnóstico das atividades a serem desenvolvidas;
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Elaboração de cronograma de acompanhamento;
Promoção da integração dos acadêmicos com os conselheiros tutelares e com o
CMDCA, parceiro nesta cooperação técnica.
Quarta Etapa
Definir junto com os conselheiros tutelares e com o CMDCA:
Melhor local, dia e horários para realização dos Grupos de Estudo no Trabalho.
Definir a periodicidade de encontro destes grupos;
Definir a dinâmica e temas a serem discutidos em cada grupo;
Delimitar o número de conselheiros tutelares, levando em consideração os
nove CT existentes, e do CMDCA que estarão presentes em cada GRTs.
Esta etapa será desenvolvida a partir de uma metodologia participativa e integrada,
objetivando a valorização de todos os sujeitos envolvidos neste processo.
Quinta Etapa
Reuniões periódicas, em local a ser definido pelos envolvidos, para apresentação e discussão
dos resultados dos objetivos propostos nesta parceria entre NESS, representantes dos
conselheiros tutelares, do CMDCA e da Secretaria de Políticas Sociais, com o objetivo de:
Apontar críticas e sugestões;
Apresentar indicadores para avaliação do GRTs;
Elaboração de relatório de acompanhamento;
Organização da equipe de trabalho;
Elaboração do cronograma de atividades do semestre;
Previsão de custos;
Recursos
Recursos - FISICOS
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Responsável Centro Universitário UNA: sala para reunião com estagiários e parceiros; bem
como disponibilização de local para a estruturação dos GRTs.
Responsável CMDCA: disponibilização de local para a estruturação dos GRTs.
Recursos - MATERIAIS
Responsável Centro Universitário UNA:
Disponibilizar arquivo para resguardar a documentação do Termo de Cooperação
Técnica, as fichas cadastrais dos extensionistas, as ficha de frequência, os relatórios, e
etc.
Mesa;
Cadeiras;
Folhas de papel A4;
Canetas;
Cadernos de registro para observação;
Data-show.
Recursos - HUMANOS
Responsável Centro Universitário UNA:
01 profissional bacharel em Serviço Social;
O9 estagiários do curso de Serviço Social do Centro Universitário UNA.
Recursos - FINANCEIROS
Responsável Centro Universitário UNA:
Como uma atividade que qualificaria como uma extensão universitária, o Centro Universitário
UNA deverá disponibilizar um técnico responsável, assistente social, preceptor no
acompanhamento dos trabalhos dos estagiários e interlocutor do público alvo deste produto
técnico.
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111
ANEXO A
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Pesquisa: Saberes e Práticas Desenvolvidas pelo Conselheiro Tutelar: um estudo na região metropolitana de
Belo Horizonte (RMBH).
Pesquisadora principal: Sther Mendes Cunha. Telefone: (31) 9422-1421.
Professora orientadora: Dra. Eloisa Helena Santos. Telefone (31) 8717-9342.
Você está sendo convidado a participar como voluntário da pesquisa Saberes e Práticas
Construídas pelo Conselheiro Tutelar: um estudo na Região Metropolitana de Belo Horizonte - RMBH.
A pesquisa faz parte do Programa de Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento
Local do Centro Universitário UNA de Belo Horizonte (MG). Tem como objetivo principal compreender de que
forma os conselheiros tutelares da Região Metropolitana de Belo Horizonte - RMBH (MG) têm convocado e
construído saberes e práticas capazes de responder às suas atividades cotidianas de trabalho com vistas a zelar
pelos direitos da criança e do adolescente em consonância com o prescrito no Estatuto da Criança e do
Adolescente.
As informações coletadas são de uso exclusivamente acadêmico e serão utilizadas para compor o
relatório final da pesquisa e construção de um projeto de intervenção a serem apresentados em defesa de
dissertação do Programa de Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro
Universitário UNA de Belo Horizonte (MG), e poderão ser publicadas em parte ou na sua totalidade em livros
e/ou periódicos de natureza científica.
Os dados da entrevista serão tratados com sigilo, responsabilidade e compromisso ético, não sendo
expostos nomes nem referências que possam identificar as fontes de pesquisa. Enfatizamos que não haverá
divulgação personalizada das informações, garantindo-se assim o anonimato das declarações obtidas.
Faz-se importante esclarecer também, que você tem liberdade de se recusar a participar e ainda se
recusar a continuar participando em qualquer fase da pesquisa, sem qualquer ônus. Sempre que quiser poderá
pedir mais informações sobre a pesquisa através do telefone da pesquisadora do projeto e, se necessário através
do telefone do Comitê de Ética em Pesquisa.
Colocamo-nos à sua inteira disposição para maiores esclarecimentos e detalhes sobre a pesquisa
em pauta. Você poderá entrar em contato com a pesquisadora principal ou com o Comitê de Ética em Pesquisa
do Centro Universitário UNA, situado na Rua Guajajaras, 175, 4° andar - Belo Horizonte (MG). Contato pelo e-
mail: cephumanos@una.br, ou ainda pelo telefone 31-3508-9111.
Atenciosamente,
Sther Mendes Cunha,
Pesquisadora Principal.
Declaro que concordo em participar deste estudo. Recebi uma cópia deste termo de consentimento
livre e esclarecido e me foi dada a oportunidade de ler e esclarecer as minhas dúvidas.
Atenciosamente,
___________________________________________
Assinatura do voluntário
112
ANEXO B
REGIMENTO INTERNO DOS CONSELHOS TUTELARES DE BELO HORIZONTE
Sexta-feira, 2 de Janeiro de 2009 Ano XV - Edição N.: 3251 Poder Executivo Secretaria Municipal de Políticas Sociais – CMDCA
RESOLUÇÃO CMDCA-BH - Nº 67 DE 2008
Dispõe sobre o Regimento Interno dos Conselhos Tutelares de Belo Horizonte – MG.
O Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Belo Horizonte, no uso de suas atribuições legais e com fulcro na Lei Federal 8.069/90, nas Leis Municipais 6.705/94 e 8.502/03 e no Decreto Municipal nº 12.537/06, RESOLVE:
CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES INICIAIS
Art. 1º O presente Regimento Interno disciplinará o funcionamento dos Conselhos Tutelares de Belo Horizonte. Art. 2º O Conselho Tutelar é um órgão composto por 05 (cinco) membros titulares eleitos e encarregados pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente do município. Art. 3º Cada Conselho Tutelar terá sua sede em área correspondente a Regional Administrativa, em local que possibilite o exercício adequado de suas atividades. Parágrafo único. Ao Conselho Tutelar será assegurado suporte administrativo constituído de uma secretaria que funcione em instalação e com servidores municipais, em cada unidade, e assessoria técnica. Art. 4º Cada Conselho Tutelar é um Colegiado composto por 05 (cinco) Conselheiros Tutelares podendo, excepcionalmente, reunir-se com a presença mínima de 03 (três) conselheiros. Parágrafo único. As deliberações, avaliações e encaminhamentos dos casos atendidos deverão ser efetivadas perante o Colegiado de Conselheiros Tutelares.
CAPÍTULO II DA COMPOSIÇÃO
Art. 5º Cada Conselho Tutelar elegerá entre os seus 05 (cinco) membros titulares um Presidente e um Secretário que exercerão as funções previstas no presente Regimento. § 1º - O Presidente e o Secretário serão escolhidos na primeira sessão do colegiado após a posse dos Conselheiros Tutelares eleitos, para mandato de 07 (sete) meses e 15 (quinze) dias. § 2º - Fica assegurado o direito de exercício de cada um dos cargos referidos no parágrafo anterior, alternadamente, a cada membro do Conselho Tutelar. § 3º - Em caso de renúncia expressa do direito de exercício dos cargos previstos no § 1º deste artigo, serão escolhidos entre os demais Conselheiros Tutelares, o Presidente e o Secretário de cada Conselho Tutelar. Art. 6º Compete ao Conselheiro Tutelar sem prejuízo das atribuições previstas no art. 136 do ECA:
113
I - fazer todas as anotações na ficha de atendimento, preenchendo todos os campos com letra legível, proporcionando informações necessárias e identificando-se, ao final, para que qualquer outro conselheiro que tiver acesso a ficha entenda a situação vivenciada e o desenvolvimento do caso; II - cumprir as escalas de trabalho previamente deliberadas pelo Colegiado do Conselho Tutelar; III – cumprir as tarefas que lhe forem designadas pelo Colegiado do Conselho Tutelar; IV - consultar o colegiado do respectivo Conselho Tutelar, antes de efetivar as ações individuais, acatando e cumprindo as deliberações do mesmo; V - estar presente nas sessões ordinárias e extraordinárias do Colegiado, bem como, nas reuniões com a Equipe de Assessoria Técnica ao Conselho Tutelar, salvo justificativa registrada em ata; VI - representar, quando designado pelo Colegiado, o Conselho Tutelar em reuniões externas e/ou eventos; VII - votar para a escolha do presidente e do secretário do seu Conselho Tutelar; VIII - assinar e carimbar com identificação todo e qualquer documento que lhe foi atribuído; IX - submeter ao Colegiado, as decisões e medidas tomadas individualmente em caráter de urgência.
Art. 7º Compete ao Presidente: I - presidir e coordenar as reuniões do Conselho Tutelar de forma dinâmica e participativa; II - exercer voto de desempate nas deliberações do Colegiado de Conselheiros Tutelares; III - convocar reuniões ordinárias e extraordinárias; IV - cumprir e fazer cumprir as normas legais e regimentais, bem como as deliberações do Colegiado do Conselho Tutelar; V - comunicar de imediato à respectiva Secretaria Adjunta de Administração Regional de Serviços Sociais a prática pelos, Conselheiros Tutelares, de fato que configure infração administrativa, para adoção das medidas legais; VI - comunicar, de imediato, ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente a prática, pelos Conselheiros Tutelares, de fato que configure descumprimento de função institucional, para adoção das medidas legais; VII - encaminhar à Secretaria Adjunta de Administração Regional de Serviços Sociais o Registro Manual de Presença dos Conselheiros Tutelares informando presença, ausência, atraso, bem como suas justificativas;
VIII - assinar, com preferência, os documentos administrativos do Conselho Tutelar; IX - zelar e administrar o patrimônio da sede do Conselho Tutelar, tomando as providências necessárias para apuração dos danos a ele causados; X - comunicar à respectiva Secretaria Adjunta de Administração Regional de Serviços Sociais e ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, nos termos da legislação vigente, o planejamento anual das férias dos Conselheiros Tutelares; XI - representar e fazer-se representar nas reuniões da CAACTs. Art. 8º Compete ao Secretário:
I - redigir ata das reuniões do Colegiado do Conselho Tutelar, preservando a identidade dos envolvidos; II - assinar com o Presidente os documentos administrativos do Conselho Tutelar; III - monitorar o recebimento e a expedição de correspondências oficiais do Conselho Tutelar, encaminhando-as em conjunto com o Presidente; IV - manter sob sua guarda e responsabilidade o arquivo de correspondência recebida e expedida, livros e outros documentos do Conselho Tutelar; V - elaborar a pauta da reunião após consultar os demais Conselheiros Tutelares; VI - zelar pelo documento de Registro Manual de Presença dos Conselheiros Tutelares; VII - substituir o Presidente em suas ausências por motivo de férias, licenças ou faltas.
CAPÍTULO III
DO COLEGIADO
Art. 9º Cada Colegiado do Conselho Tutelar reunir-se-á em sessões ordinárias e/ou extraordinárias.
114
Art. 10. As sessões ordinárias serão realizadas semanalmente nos dias úteis e as extraordinárias a qualquer momento quando necessário. § 1º - As sessões extraordinárias poderão ser convocadas por solicitação de qualquer Conselheiro Tutelar. § 2º - É objetivo da sessão ordinária a discussão de casos para avaliação, seus encaminhamentos e o planejamento do trabalho. § 3º - Nas sessões ordinárias haverá leitura, informes, relatos dos atendimentos individuais, leitura do livro diário da ata da sessão anterior e verificação do cumprimento dos encaminhamentos. § 4º - As deliberações serão tomadas por maioria dos votos manifestados abertamente. Art. 11. Somente participarão das sessões àquelas pessoas previamente autorizadas pelo Colegiado do Conselho Tutelar, com assunto definido na pauta do dia tendo direito a voz e sem direito a voto. Art. 12. As decisões e medidas individuais tomadas em caráter de urgência pelo Conselheiro Tutelar de plantão serão apreciadas pelo Colegiado, no dia útil subsequente, nos termos da legislação vigente. Art. 13. Compete aos Colegiados dos Conselhos Tutelares:
I – escolher, entre seus membros, representante(s) junto às entidades governamentais, não governamentais ou eventos específicos, sem prejuízo da atividade regulamentar; II - eleger os substitutos do Presidente e do Secretário nos termos do art. 5º, § 3º deste Regimento Interno; III - destituir o ocupante do cargo de Presidente ou Secretário no caso de não cumprimento das respectivas atividades e eleger, imediatamente, outro Conselheiro Tutelar para a substituição, mediante voto favorável da maioria dos membros do Colegiado, observado o seguinte: a) a reunião para fins de que trata o inciso III deste artigo deverá ser convocada mediante documento escrito, especificando a finalidade da mesma, que será entregue diretamente aos membros do Conselho Tutelar; b) a reunião observará os princípios do contraditório e da ampla defesa, sendo vedada a destituição na ausência justificada do Conselheiro a ser destituído. IV - escolher o substituto do Secretário nos casos de férias, licenças ou quando este estiver substituindo o Presidente.
CAPÍTULO IV
DO ATENDIMENTO
Art. 14. Compete ao Conselheiro Tutelar receber denúncias de suspeita e/ou confirmação de violação dos direitos da criança ou adolescente anotando os principais dados a fim de distribuÍ-las segundo o fluxo de atendimento interno. Parágrafo único. Sempre que imprescindível para a manutenção dos direitos da criança e do adolescente, os Conselhos Tutelares garantirão o sigilo da identidade do comunicante, somente revelando-a mediante determinação judicial e sem prejuízo das competências do CMDCA. Art. 15. As denúncias recebidas pelo Conselheiro Tutelar serão verificadas inclusive através do trabalho de campo quando necessário. Art. 16. Sempre que possível, as pessoas que procurarem o Conselho tutelar serão atendidas por dois Conselheiros Tutelares que acompanharão o caso até o encaminhamento definitivo. Parágrafo único. Preferencialmente, o Conselheiro Tutelar não deverá atender casos que envolvam pessoas de sua convivência familiar e pessoal, resguardando assim, sua integridade e o real interesse da Criança e do adolescente. Art. 17. As deliberações e os encaminhamentos relativos aos casos dependerão sempre da discussão e encaminhamento entre no mínimo 3 (três) membros titulares do Conselho Tutelar. Art. 18. Serão realizados registros de todos os procedimentos relacionados aos encaminhamentos feitos e providências tomadas. § 1º - O Conselheiro Tutelar deverá registrar, datar e assinar todos procedimentos adotados por ele. § 2º - O acesso aos registros será restrito aos Conselheiros Tutelares, sendo estas informações confidenciais. O repasse de dados somente será feito no restrito interesse de resguardar a defesa dos direitos da criança e do adolescente e de seus familiares.
115
CAPÍTULO V DO HORÁRIO DE ATENDIMENTO
Art. 19. O horário de atendimento ao público na sede do Conselho Tutelar é das 8:00 às 18:00 horas nos dias úteis, de segunda a sexta-feira, seguindo a escala de atendimento. § 1º - Cada Conselho Tutelar fará sua escala de revezamento de atendimento entre seus membros, observando-se a legislação vigente. § 2º - Durante o horário de atendimento, o Conselho Tutelar deverá contar com a presença de pelo menos um dos Conselheiros em sua sede.
CAPÍTULO VI DO PLANTÃO
Art. 20. O regime de plantão segue as determinações da legislação vigente.
CAPÍTULO VII DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 21. A jurisdição dos Conselhos Tutelares de Belo Horizonte obedece o previsto na legislação vigente. Art. 22. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Belo Horizonte, 01 de dezembro de 2008 Lúcia Elena Santos Junqueira Rodrigues
Presidente
116
APÊNDICE A
QUESTIONÁRIO– INFORMAÇÕES SOCIOEDUCACIONAIS DO CONSELHEIRO
TUTELAR DE BELO HORIZONTE - MG
Caro conselheiro, favor marcar com um X o item que mais se aproxima de sua resposta. Se
for necessário, faça suas considerações no local indicado ou no verso da folha. As
informações que você puder nos fornecer serão muito importantes para a primeira fase da
pesquisa que estamos desenvolvendo sobre “Os Saberes e Práticas desenvolvidas pelo
Conselheiro Tutelar em de Belo Horizonte”.
I INFORMAÇÕES GERAIS SOBRE O CONSELHEIRO TUTELAR
1. Sexo: 1 ( ) masculino. 2 ( ) feminino.
2. Idade: _____ anos
3. Cidade e estado onde voçê nasceu: _________________________________________________
4. Estado civil: 1 ( ) solteiro. 2 ( ) casado. 3 ( ) divorciado. 4 ( ) outro: _______________________
5. Assinale há quanto tempo voçê reside no município onde assumiu o cargo de conselheiro
tutelar.
1 ( ) Até 3 anos. 4 ( ) De 3 a 5 anos.
2 ( ) De 5 a 8 anos. 5 ( ) De 8 a 10 anos.
3 ( ) De 10 a 15 anos. 6 ( ) Mais de 15 anos.
6. Assinale a sua escolaridade - grau de instrução:
1 ( ) Ensino Fundamental (antigo 1º grau) ( ) completo ( ) incompleto
2 ( ) Ensino Médio ( ) completo ( ) incompleto
3 ( ) Ensino Superior ( ) completo ( ) incompleto. Qual? _____________________________________
4 ( ) Pós Graduação: ( ) Especialização ( ) Mestrado( ) Doutorado
( ) Completo ( ) Incompleto
7. Para assumir o cargo de conselheiro tutelar, qual foi o processo eletivo do qual participou?
1 ( ) Por eleição direta pela comunidade, onde os moradores do município participaram livremente.
2 ( ) Por eleição realizada pelas entidades de atendimento na área da infância e adolescência
registradas no CMDCA.
117
3 ( ) Por indicação do executivo local (Prefeito ou gestor da área da infância e adolescência).
4 ( ) Outro. Especifique:______________________________________________________________
8. Quantas vezes voçê ocupou o cargo de conselheiro tutelar?
1 ( ) Primeira gestão – período de 3 anos.
2 ( ) Segunda gestão seguida – período de 6 anos.
3 ( ) Segunda gestão alternada – período de 6 anos alternados.
4 ( ) Outro. Especifique:______________________________________________________________
9. Qual a sua carga horária diária de trabalho no Conselho Tutelar?
1 ( ) 4 horas por dia.
2 ( ) 6 horas por dia.
3 ( ) 8 horas por dia.
4 ( ) Regime de plantões, sendo____ dias por semana.
5 ( ) Quantas horas-dia?__________
6 ( ) Outra. Especificar: _______________________________________________________________
10. Voçê conhecia a função de conselheiro tutelar antes de ocupar o cargo?
1 ( ) Sim. 2 ( ) Não.
II ASPECTOS INSTITUCIONAIS
11. Qual é o ano de criação do Conselho Tutelar de seu município? _____________________
12. O Conselho Tutelar de seu município possui regimento interno?
1 ( ) Sim. 2 ( ) Não.
13. Se sim, voçê tem conhecimento se o regimento prevê qualificação/capacitação/formação
continuada para quem estiver em exercício no cargo de conselheiro tutelar?
1 ( ) Sim, esporadicamente, por meio de palestras e/ou seminários.
2 ( ) Sim, mediante formação continuada. Especificar:_______________________________________
3 ( ) Não.
4 ( ) Outra: _________________________________________________________________________
14. Na Lei Municipal de criação do Conselho Tutelar em seu município, qual a exigência quanto
à escolarização?
1 ( ) Não consta nenhuma exigência na referida lei.
118
2 ( ) A lei municipal exige apenas que seja alfabetizado.
3 ( ) A lei municipal exige o ensino fundamental concluído.
4 ( ) A lei exige o ensino médio concluído.
5 ( ) A lei exige ensino superior.
6 ( ) Não sei.
7 ( ) Outra: ________________________________________________________________________
15. Qual foi o processo de escolha do presidente do Conselho Tutelar de seu município?
1 ( ) O conselheiro tutelar mais votado no processo de eleição assume a presidência.
2 ( ) Indicação de algum gestor de política pública do município.
3 ( ) Votação realizada entre os conselheiros tutelares em reunião específica.
4 ( ) Outro: ________________________________________________________________________
16. O Conselho Tutelar de seu município realiza reuniões do colegiado, ou seja, reunião entre os
conselheiros tutelares para discussão sobre os casos de violação de direitos de crianças e
adolescentes?
1 ( )Sim. 2 ( ) Não. Por quê? __________________________________________________________
17. Se a resposta anterior for afirmativa, qual é a periodicidade das reuniões do colegiado?
1( ) Semanal. 2 ( ) Quinzenal. 3 ( ) Mensal. 4 ( ) Não há periodicidade.
18. Com respeito à estruturação para o funcionamento do Conselho Tutelar no seu município
(condições disponibilizadas),
1 ( ) existe(m) sala (s) para receber as denúncias e realizar o atendimento às crianças, adolescentes e as
famílias. Quantas?
2 ( ) existe arquivo para guardar as fichas de registros dos atendimentos ou documentação necessária.
3 ( ) possui linha telefônica fixa e ou celular.
4 ( ) possui computador.
5 ( ) possui impressora para computador.
6 ( ) possui acesso à internet.
7 ( ) possui veículo exclusivo para uso exclusivo nas ações diárias.
8 ( ) possui funcionário – auxiliar administrativo.
9 ( ) possui funcionário – auxiliar de serviços gerais.
10 ( ) possui equipe técnica que atua junto aos conselheiros tutelares? Especifique:
__________________________________________________________________________________
119
III Da qualificação e formação continuada para o exercício da função de conselheiro tutelar
19. Voçê recebeu formação ou capacitação específica para exercer o cargo de conselheiro tutelar
ANTES de ter sido eleito? Em sua resposta, considere apenas formas de capacitação presencial
(palestras, cursos, seminários, oficinas, encontros ou congressos etc.) ou cursos à distância que
requeiram o cumprimento de atividades estruturadas.
1 ( ) Sim. 2 ( ) Não.
20. Caso voçê tenha recebido formação ou capacitação específica para o cargo ANTES de ter
sido eleito, indique a(s) entidade(s) responsável (is) pela formação ou capacitação. Em sua
resposta, considere apenas formas de capacitação presencial (palestras, cursos, seminários, oficinas,
encontros ou congressos etc.) ou cursos à distância que requeiram o cumprimento de atividades
estruturadas. Assinale mais de uma alternativa, se for o caso.
1 ( ) O próprio Conselho Tutelar.
2 ( ) CMDCA.
3 ( ) Universidade ou instituição de ensino superior.
4 ( ) Governo Municipal.
5 ( ) Governo Estadual.
6 ( ) Empresa que possui programa de responsabilidade social.
7 ( ) Organização não governamental que atua na área.
8 ( ) Outra instituição.Qual: ___________________________________________________________
21. Voçê recebeu formação ou capacitação específica para o cargo, DEPOIS de ter sido eleito
conselheiro? Em sua resposta, considere apenas formas de capacitação presencial (palestras, cursos,
seminários, oficinas, encontros ou congressos etc.) ou cursos à distância que requeiram o
cumprimento de atividades estruturadas.
1 ( ) Sim. 2 ( ) Não.
22. Caso voçê tenha recebido formação ou capacitação específica para o cargo DEPOIS de ter
sido eleito, indique a(s) entidade(s) responsável (is) pela formação ou capacitação. Em sua
resposta, considere apenas formas de capacitação presencial (palestras, cursos, seminários, oficinas,
encontros ou congressos etc.) ou cursos à distância que requeiram o cumprimento de atividades
estruturadas. Assinale mais de uma alternativa, se for o caso.
1 ( ) O próprio Conselho Tutelar.
2 ( ) CMDCA.
3 ( ) Universidade ou instituição de ensino superior.
120
4 ( ) Governo Municipal.
5 ( ) Governo Estadual.
6 ( ) Empresa que possui programa de responsabilidade social.
7 ( ) Organização não governamental que atua na área.
8 ( ) Outra instituição.Qual: __________________________________________________________
Com qual regularidade elas acontecem?
1 ( ) Mensal
2 ( ) Trimestral
3 ( ) Esporadicamente
4 ( ) Outra . Especificar: _____________________________________________________________
23. Ainda em relação ao recebimento de formação ou capacitação específica para investidura do
cargo de Conselheito Tutelar ANTES e/ou DEPOIS de ter sido eleito, voçê considera suficiente
para lhe subsidiar em suas ações cotidianas?
1 ( ) Sim.
2 ( ) Não. Por quê? ________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
24. Enquanto conselheiro deste Conselheiro Tutelar voçê já fez ou faz parte de alguma
Associação ou Fórum de Conselheiros Tutelares?
1 ( ) Sim. 2 ( ) Não.
Em caso positivo, indique o nome da Associação ou Fórum:
_________________________________________________________________________________
25. Voçê já participou de algum movimento social ANTES de ser conselheiro tutelar?
1 ( ) Sim. Qual (quais): _______________________________________________________________
2 ( ) Não.
26. Voçê já participou de algum movimento social DEPOIS de ser conselheiro tutelar?
1 ( ) Sim. Qual (quais): _______________________________________________________________
( ) Não.
121
APÊNDICE B
ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA – SABERES E PRÁTICAS DESENVOLVIDAS
PELO CONSELHEIRO TUTELAR EM BELO HORIZONTE - BH
1. Fale de forma breve sobre sua trajetória profissional até ocupar o cargo de conselheiro
tutelar.
2. Qual foi sua motivação para se candidatar ao cargo de conselheiro tutelar?
3. Qual foi sua experiência direta com criança e/ou adolescente antes de se candidatar a
conselheiro tutelar de seu município?
4. Considera que sua formação lhe permite lidar com todas as situações que envolvem a
violação de direitos das crianças e adolescentes atendidos pelo Conselho Tutelar?
5. Há procedimentos prescritos a serem seguidos? Quais os procedimentos a serem
utilizados após receber uma denúncia?
6. O que não correspondeu ao procedimento prescrito?
7. O que referencia sua prática cotidiana como conselheiro tutelar?
8. Sua experiência de vida interfere em sua prática cotidiana como conselheiro tutelar?
9. Descreva, sucintamente, um dia de atividade de trabalho no Conselho e as dificuldades mais
presentes nesta atividade.
10. Que conhecimento usa com mais frequência em sua prática cotidiana de trabalho: o
adquirido na função de conselheiro ou o vivido?
11. Quais atividades desenvolve no Conselho? Descreva-as. Como são realizadas essas
atividades? Com que recursos?
12. O que é necessário fazer para que as atividades desenvolvidas por você como conselheiro
tutelar sejam desenvolvidas de maneira a atender às prescrições para o seu trabalho?
122
13. Na sua avaliação, o trabalho de conselheiro tutelar desenvolvido por você tem alcançado
resultados? Que resultados obtém ou já obteve com o desenvolvimento dessas atividades?
(Descreva-os.)
14. Em sua prática como conselheiro tutelar, você trabalha com várias situações de violação
de direitos contra crianças e adolescentes. Quais são/foram os casos/problemas de
violência que você tem/teve que lidar/trabalhar no CT?
15. Como poderiam ser solucionados? E como poderiam ser evitados?
16. Quais são as dificuldades encontradas? Como são (ou podem ser) resolvidas? Por que tais
dificuldades acontecem?
17. Há uma prática ou procedimento básico/padrão para atendimento da demanda do
Conselho Tutelar de seu município?
Você gostaria de acrescentar algo?
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