sobre o método histórico e dogmático da teologia
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SOBRE O MÉTODO HISTÓRICO E DOGMÁTICO DA TEOLOGIA
Observações sobre o ensaio: “Sobre o Caráter Absoluto do Cristianismo” de
Niebergall, 1898.
Ernst Troeltsch
Tradução provisória: Milton Schwantes, 1984
Atendendo a cordial solicitação do senhor Niebergall e o desejo dos
amigos da redação, tomo a liberdade de acrescentar algumas observações ao
ensaio do teólogo mencionado. Estas ressaltam com nitidez, a controvérsia.
Igualmente irão especificar minha opinião, contestada por Niebergall, e delinear
assim, a partir de suas objeções, o conjunto de minha posição religioso-
filosófica e teológica. Já que Niebergall representa, nesta discussão, em muito
as idéias de seu mestre Julius Kaftan, o presente ensaio simultaneamente se
constituiu uma última palavra em minhas disputas com aquele excelente
teólogo berlinense e membro do conselho curador da igreja. Trata-se de uma
última palavra, porque devido ao caráter irreconciliável da contraposição, a
continuação da discussão não levaria adiante.
Falo expressamente de meu “método teológico”. Afinal, estamos
tratando do método, em geral. A questão não é um problema isolado, a
apologética, um item da dogmática. A partir de suas premissas, Niebergall não
chegou a percebe-lo plenamente. Nelas evidentemente se parte de um
conceito autoritário de revelação; nelas tudo que não é cristão, por definição,
não passa de “enfeite natural”. Para Niebergall e seus correligionários, a
teologia de modo algum é problemática. Somente conhecem trabalho de
costura. E pressupõem-na em todos os demais. Tal ponto de vista certamente
tem seus méritos e seu significado prático, já que muitas pessoas justamente
necessitam de tais modelos. Contudo, esta questão pode ser abordada a partir
de princípios bem diferentes.
Em direção desta tarefa minhas pesquisas me conduziram, em grau
cada vez maior. Não fui buscar junto a quaisquer eruditos “argumentos contra
nosso supranaturalismo”, a fim de apaziguá-los posteriormente através de
minha “concepção da história da religião como revelação progressiva”. Estes
argumentos estão no ar há 200 anos. Não precisam ser buscados. Igualmente
não tomei como ponto de parida a efetiva concorrência existente entre
diferentes propostas de revelação. Nem parte de um conceito panteísta de
desenvolvimento. Tudo isso está aí. Ao menos externamente, tudo isso foi
suficiente tratado pela apologética teológica. Assinalei, acima de tudo e
expressamente, para um ponto de partida que se situa num nível mais
profundo. Este é o que, de fato, abala o mundo das idéias cristãs. Este ponto
de partida está relacionado com o que acima foi abordado, mas em si é
relativamente independente e, em todo caso, é absolutamente decisivo. Refiro-
me ao método histórico puramente como tal, ao problema “cristianismo e
história”.
Entenda-se este problema não no sentido da proteção do cristianismo
contra resultados e reflexões históricas isoladas, mas no sentido de efeito do
moderno método histórico sobre a concepção do cristianismo em geral. Uma
vez aplicado à ciência bíblica e a história eclesiástica, o método histórico
transforma-se num fermento que tudo se transforma num fermento que tudo
transforma e que acaba por explodir todas as formas corriqueiras dos métodos
teológicos. Explicitei este ponto de partida e as consequências daí advindas. É
significativo que isso, de modo algum, impressionasse a Niebergall. Faz de
conta como se neste sentido nem houvesse problemas, como se com a
concessão de “condicionamentos de épocas” todas as dificuldades estivessem
superadas, estando, em princípio, a salvo o antigo método dogmático. Aí
estamos diante de um emperramento curioso contra a sensibilidade e as
consequências inerentes ao método histórico. Nesta confrontação, os antigos
apologetas do 18° século e os poucos supranaturalistas do presente tendem a
se apresentar como os que veem mais fundo.
Contudo, isso já se transformou num costume na teologia presente.
Talvez seja o que mais a caracteriza. A gente só vê problemas isolados que
brotam da história e que, de caso em caso, são refutados, um por um, ou que
são declarados inofensivos. Enquanto isso na consideração dos princípios do
cristianismo prescinde-se de todo e qualquer trabalho histórico-crítico.
Fundamenta-se a manutenção do antigo conceito autoritário de revelação tão
somente através de necessidades, postulados, pretensões, teorias do
conhecimento e outras coisas bem gerais e vazias. Com o auxílio de um tal
conceito de revelação tece-se um sistema dogmático sofrível. Exegetas e
historiadores que se virem em justificar os postulados de uma dogmática pura
diante dos resultados de sua pesquisa. Ou os historiadores passam a se ater
aos condicionamentos históricos, remetendo para os dogmáticos, quando se
trata de perguntas de princípio. Neste tipo de teologia, a toda hora, somos
mandados de Pôncio a Pilatos.
Em contraposição, gostaria de destacar energeticamente o que significa
método histórico, pensamento histórico e sentido histórico. Aí não me refiro à
história fragmentária de tempos passados. Nela se treinava a crítica em dados
isolados. Ensinavam-se coisas sobre temáticas estranhas e interessantes.
Colecionavam-se documentos. Pelo contrário, refiro-me a história moderna e
autêntica, que inclui uma determinada postura em relação à vida intelectual,
que é um método de compreender passado e presente, de apresenta-los e de
assim estar imbuído de consequências extraordinárias. Aqui estão em jogo três
questões fundamentais:
1. Familiarização elementar com a crítica histórica,
2. Importância da analogia
3. E a correlação existente entre todos os acontecimentos históricos.
A primeira abordagem afirma que no campo histórico só existem juizes
prováveis. Os graus de probabilidade são distintos, vão do mais alto ao mais
baixo. Em relação a cada tradição temos que medir o grau de probabilidade
que lhe cabe. Com isso mudamos de princípio toda nossa postura em relação à
enorme quantia de memórias e tradições de nossa civilização, também ali onde
ainda nem se tenha efetuado correções de conteúdo e concepção. Porém, os
conteúdos passam a ser dissolvidos, corrigidos e alterados, milhares de vezes,
pela crítica. O resultado alcançado, através deste processo de crítica, tão
somente pode reivindicar um acerto provável. É evidente que, ao explicar a
crítica histórica às tradições religiosas, a postura interna em relação a elas e
sua autocompreensão teve que ser mudada significativamente e, efetivamente,
foi mudada. A aplicação da crítica a este setor significa, principalmente, que se
inclui a tradição religiosa entre aquelas tradições que, antes de tudo, tem que
ser estudadas criticamente tanto em relação ao conteúdo quanto em relação à
forma. Assim as diversas tradições são igualadas em princípio. Todas passam
a ser do mesmo gênero, de sorte que dificilmente se poderá negar
homogeneidade aos conteúdos e acontecimentos legados pela tradição, além
do que ainda carecem da verificação através da crítica.
Afinal, o que viabiliza a crítica é a aplicação da analogia. A chave para a
crítica é a analogia crítica existente no que acontece à vista de nossos olhos e
no que sucede em nós. Enganos, distorções, mitologização, fraude, manias
partidárias constantemente em nossos olhos e, por conseguinte, devemos
buscar reconhecer cousas semelhantes no que nos foi transmitido. Os
fenômenos que a crítica pode reconhecer como tendo efetivamente ocorridos
tem uma marca que nos torna prováveis. Esta característica é sua
concordância com fenômenos e situações normais, corriqueiras e diversas
vezes atestadas e conhecidas. A verificação de analogias entre
acontecimentos semelhantes do passado dá a possibilidade de atribuir-lhes
probabilidade e de explicar o que é desconhecido num lugar pelo que é
conhecido noutro lugar. Aliás, esta onipotência de analogia encerra a similitude
básica de todo acontecimento histórico.
Não se trata de igualar tudo. Mantém-se muito espaço para diferenças.
Mas, de resto, pressupõe-se sempre um cerne de coisas comuns e idênticas, a
partir das quais as diferenças podem ser compreendidas e sentidas. Para a
pesquisa do cristianismo, a importância desta analogia está dada com a própria
crítica histórica. Pois, tudo que restou da antiguidade e que foi transmitido até
nós passou pelo mesmo processo de tradição. Portanto, a crítica bíblica está
embasada nesta analogia do processo de transmissão. Além disso, os fatos
aceitos pela crítica, em muitos casos, só foram constatáveis através da
descoberta de analogias. Porém, isto implica na inclusão da história judaico-
cristã na analogia do conjunto de toda história. E, de fato, aquilo que é
subtraído a estas analogias, torna-se cada vez menos. Muitos já aprenderam a
se satisfazer com um perfil moral para Jesus ou com a sua ressurreição.
A analogia nivela à base da semelhança e homogeneidade do espírito
humano e de sua atuação histórica. Na medida que a analogia assume esta
importância abrangente está dado o terceiro conceito histórico básico: a
correlação entre todos os fenômenos da vida intelectual e histórica. Não pode
haver mudança em um ponto sem que, anterior ou posteriormente, ocorra
mudança em outro ponto, de sorte que todos os acontecimentos estão em um
nexo contínuo e correlacionado, formando necessariamente um rio, no qual
tudo e cada qual estão relacionados. Cada acontecimento está relacionado a
outro. Com isso estão dados os princípios da explicação e concepção
históricas. Em cada um dos itens poderá haver singularidades e aspectos
autônomos, o que se explicará pelas condições peculiares, em que ocorre o ato
de compreender: participa do que é comum ao ser humano.
Porém, estas forças singulares encontram-se, além do mais, em um
fluxo e em uma conexão que abrange e correlaciona todos os acontecimentos
em seu conjunto, de sorte que tudo se apresenta como mutuamente
condicionado sem que houvesse um só ponto que pudesse ser retirado das
influencias recíprocas e do entrelaçamento. Não é necessário provar que todos
os princípios da explicação histórica baseiam-se nesta visão. A parte do
historiador consiste em sentir os conteúdos originais e em detectar as
mutações que ocorrem por influência mútua e por correlações. Seus problemas
últimos lhe advêm da pergunta pela essência e pelo fundamento de todo
conjunto e na pergunta pelas avaliações de suas diversas manifestações. A
partir daí também a pesquisa e a avaliação do cristianismo são colocadas no
contexto da história das religiões e das culturas. Passo a passo e
continuamente a pesquisa bíblica foi obrigada a iluminar os inícios da religião
de Israel a partir das analogias das religiões populares dos semitas.
Teve que conectar as mutações e originalidade da religião Javista com
os condicionamentos do mundo da Ásia Menor, suas grandes catástrofes e, em
geral, seu horizonte intelectual. Teve que explicar o judaísmo a partir das
condições do exílio e da reorganização eclesiástica, e sal cosmovisão
significativamente diferente a partir da grande quantia de idéias assumidas
durante o exílio. Teve que relacionar o surgimento do cristianismo com a
fragmentação do judaísmo, seus movimentos políticos e suas idéias
apocalípticas. E teve que iluminar a formação da igreja cristã a partir da
correlação entre o cristianismo primitivo e o mundo envolvente do Império
Romano. Sim, uma visão de conjunto nem pode esquivar-se de ver, no
poderoso movimento do cristianismo, o ponto final da antiguidade. Em direção
a ele se dão os grandes desenvolvimentos do mundo da Ásia Menor e do
ocidente e nele convergem, finalmente, linhas muito diferentes de
desenvolvimento.
Contudo, tudo isso é, exclusivamente, a consequência do método
histórico que, uma vez admitido num ponto, absorve tudo para dentro de suas
consequências, costurando tudo para dentro de um grande conjunto de efeitos
e mudanças. Nem se faz necessário assumir a idéia de Strauss, influenciado
pelo hegelianismo, segundo a qual a idéia não gosta de derramar toda sua
plenitude sobre um só indivíduo. Teorias filosóficas nem mesmo são
necessárias, para chegar a este resultado. Através de crítica, analogia e
correlação, o próprio método histórico conduz necessária e irrefreavelmente ao
estabelecimento de um entrelaçamento e uma correlação entre as ações do
espírito humano. Estas ações em nenhum lugar são isoladas e absolutas. Em
todos os lugares estão em conexão e, justamente por isso, só podem ser
compreendidas em ligação com o todo abrangente.
É evidente que, em sua origem, este método tem vinculações com
teorias mais gerais. Em todos os métodos isso é assim. Porém, decisivo é que
um método dê bons resultados e que seja frutífero, que se exercite na lida com
os objetos e que seja eficiente na produção de compreensão e de relações.
Ninguém pode negar que, em todos os lugares em que foi aplicado, este
método apresentou resultados surpreendentes e esclarecedores. Em todos os
cantos confirmou-se a confiança de que através dela partes ainda não
aclaradas podem ser esclarecidas. Esta é sua única prova; mas ela também é
plenamente suficiente. Quem lhe dá o dedo mindinho, também tem que lhe
entregar toda mão. Por isso, desde um ponto de vista verdadeiramente
ortodoxo, este método parece ter um tipo de semelhança com o diabo.
Parecem-se as modernas ciências naturais. Ambos significam, em comparação
à antiguidade e a idade medis, uma total revolução de nosso modo de pensar.
Aquela contém uma nova postura em relação ao intelecto humano e a suas
produções idéias. Em todos os lugares o método histórico desaloja a antiga
postura absoluta ou dogmática, que considerava determinadas situações e
pensamentos como evidentes, tornando-as normas imutáveis e absolutas.
O método histórico considera também aquilo que aparentemente é mais
evidente e os poderes que dominam o maior número de pessoas como
produtos da corrente da história. Direito, moral, doutrina social, doutrina do
estado, estética foram profundamente perscrutados pelo método histórico e
submetidos a ponto de vista histórico. Aqui a pergunta não é se está
historização de todo nosso pensamento deve ser sentido como felicidade. A
este respeito pode-se ler considerações oportunas no brilhante ensaio de
Nietzsche “Vom Nutzen und Nachteil der Historie für das Handelnde Leben”
(Do proveito e da desvantagem da história para a vida ativa). Em todo caso,
não há mais como pensar contra este método, toda nossa pesquisa sobre
índole e objetivos do espírito humano tem que se basear neste método. Neste
ponto, haveremos de permanecer com a palavra de Goethe que caracteriza a
situação de modo adequado: “Quem não souber prestar conta sobre três mil
anos, permanece no escuro, inexperiente, ainda que viva dia após dia”.
Ora, também a teologia está sob o impacto do método histórico. No
início, a influência foi fragmentária e tímida, acompanhada de toda sorte de
reservas e restrições. Depois se tornou sempre mais enérgica e abrangente,
até que também causou na teologia o que causara em todos os demais
lugares: uma mudança básica de todo modo de pensar e de toda postura em
relação ao objeto. Inicialmente, no geral só resultados parciais alcançaram um
público maior e aí causaram uma insegurança desagradável. Porém, os
princípios inerentes a tais resultados parciais atuam, em toda parte, dentro das
coordenadas das consequências necessariamente inerentes ao método. A
eficiência do método em detalhes e parcelas obriga sua ampliação para todo e
o princípio da abordagem. Também aqui a condução não está com a teoria ou
o sistema. A condução não está com a teoria ou o sistema. Os objetos
conduzem à ampliação do método. Quando os objetos passam a ser
abordados à luz do método histórico, vivificam-se milagrosamente e se tornam
compreensíveis. Acrescentasse a este avanço do método a ineficiência das
objeções e cautelas, que, passo a passo, foram obrigadas ao recuo a ponto de
restar-lhes as inseguranças como último reduto, constituído pela ausência
eventual de tradições e fontes.
As diversas concepções que foram delineadas através dos estudos da
tradição judaico-cristã são muito importantes, mas não se constituem no fator
mais decisivo. A questão decisiva está nas consequências advindas do próprio
método. Estas consequências residem em dois pontos. Primeiro: a crítica
histórica torna inseguro todo fato isolado. Dá como seguro tão somente as
consequências e a ação sobre o presente. Estas se encontram em um contexto
histórico, ainda que, nem sempre, seja plenamente elucidável. Justamente
deste modo dissolve-se a relação da fé religiosa com os fatos isolados. Esta
relação não é suprimida, mas é alterada. Torna-se impossível sedimenta-la
sobre um dado isolado. Sempre é medida através de contextos grandes e
amplos.
Portanto, a fé religiosa está sempre relacionada com um fato através de
medições. Segundo: por sua vez, esta continuidade, através da qual os fatos
atuam sobre a própria atualidade, não é um fenômeno isolado e absoluto, pelo
contrário, encontra-se em estreita correlação com um nexo histórico muito mais
amplo. Em seu contexto a continuidade aparece com uma formação idêntica a
todos os demais acontecimentos. Inclusive deve ser entendido a partir deste
nexo maior. Com isso não está dito que sua originalidade devesse ser negada.
Sua originalidade tão somente é análoga àquela que costuma aparecer em tais
nexos históricos, não sendo nem mais e nem menos misteriosas que aquelas.
Com isso igualmente não está dito que devesse ser diminuída a importância
criativa das personalidades que marcam os grandes momentos da vida. Porém,
personalidades da história judaico-cristã são tão incompreensíveis como as
personalidades da história grega e persa. Contudo, uma coisa está dita a ela é
imensamente importante: deduz-se da homogeneidade e da conexão do
desenrolar histórico qualquer apreciação e a avaliação tam bem como a
explicação e exposição devem partir do contexto maior.
Muitos teólogos sempre de novo querem convencer-nos de que
devêssemos partir do juízo isolado e da reivindicação da comunidade cristã.
Contudo, só o contexto geral é capaz de fornecer um juízo sobre a contribuição
duradoura de gregos ou romanos ao espírito humano não pode, simplesmente,
ser determinado pela auto avaliação feita por aqueles povos sobre si mesmos.
Essa é o efeito evidente, para todos visíveis, do método histórico. Relativiza
tudo e cada parte. Isso não significa que, com isso, tivesse excluído qualquer
critério de valor e que um ceticismo niilista teria que ser o resultado final. Mas
isso significa que cada momento e cada formação da história só pode ser
penado em sua conexão com outros e, finalmente, toda constituição de critérios
de valor não pode partir da parte isolada, mas tão somente da visão do todo.
Relativização e visão do todo pertencem juntas, como no manejo prático do
método, de fato, sempre estão juntas. Por uma série de razões o antigo método
dogmático é inviável para aquele que tem sensibilidade para o histórico: O
espírito da pesquisa histórica, passo a passo, penetrou em cada poro da
teologia histórica; também cristianismo só pode ser visto como uma grandeza
que se encontra num contexto bem maior, que a partir daí deve ser explicado e
avaliado; somente as pesquisas, inspiradas por este tipo de pensamento,
alcançaram conhecimentos históricos efetivos, enquanto que todas as
contestações só representam cerceamento do método ou correção de
resultados isolados, sem constituir um princípio próprio e autônomo.
Estas razões são o ponto de partida exclusivo para todas as teorias,
também para o que apresento. Uma vez aplicado o método, sua lógica interna
obriga a avançar. E todos os antídotos evocados pela teologia para tornar este
método inofensivo ou para forçá-lo para dentro de um campo de atuação
restrito quebram-se na medida em que a gente se convence, de modo urgente
e ansioso, de sua efetiva plausibilidade. Justamente para o pesquisador da
Bíblia, em particular quando está em seu trabalho concreto, estas
consequências se tornam inevitáveis. Basta ler as discussões sobre a
concepção do reino de Deus ou sobre a consciência messiânica de Jesus.
Talvez nem mesmo se possa concordar com uma das teorias. Ainda assim se
perceberá que com o método que teve trazer a tona um tal tipo de perguntas e
que, justamente, através delas promoveu a compreensão histórica torna-se
inviável destacar algum cerne que não pertencesse à história. Ao invés de
recorrer as pesquisas em torno de Jesus, também se poderia visualizar a
pesquisa enorme e complexa, apresentada por Zahn, para anular os resultados
do método histórico. Perceber-se-á que, em parte, essa pesquisa nada diz
sobre o princípio, mas que tão somente contrapõe resultados, não métodos, e
que, em parte, dificilmente poderá se reconstruir o relacionamento ingênuo,
antigo e seguro com as tradições, através de deduções tão complicadas, como
as que Zahn apresenta. E, afinal, a premissa do método dogmático justamente
era a manutenção da confiança nas tradições.
Se a situação é essa, então só resta uma consequência: temos que
levar totalmente a sério o método histórico. Não só se trata de reconhecer a
relativa incerteza de todo conhecimento histórico e de compreender o caráter
relativo e provisório da vinculação da fé religiosa a fatos históricos isolados.
Não só se trata de submeter, total e decididamente, a história judaico-religiosa
a todas as consequências de um método puramente histórico, sem medo e
recuo diante dos resultados. Decisivo é que se tome em conta o
entrelaçamento do cristianismo com a história geral e que, ao enfrentar a tarefa
de sua pesquisa e avaliação, somente se parta do grande contexto de toda
história. Na teologia, o método histórico tem que ser realizado com
consequência total e imparcial. Exige-se, pois, que se constitua a teologia a
baseado método histórico o histórico-universal e, já que se trata do cristianismo
como religião e ética, do método histórico-religioso. Nesta idéia de uma
teologia histórico-religiosa o deísmo já pensava, quando dos avanços da crítica
histórica.
A seu modo foi defendida por Lessing, Kant e Herder, por
Schleiermacher, de Wette e Hegel e, finalmente, por Baur e Lagarde. Em meus
próprios trabalhos até esta data busquei esboça-la. Tentei dar-lhe aquela
moldura que atualmente lhe deve ser dada após o afastamento do conceito
genérico e o racionalista de religião e da dialética hegeliana do absoluto. Aqui
não quero retornar ao detalhe. Isso deve ficar reservado para uma obra mais
abrangente. Somente quero ressaltar que para mim a questão vital é o método,
ainda que também dê muito valor aos detalhes apresentados. Não tenho
dúvidas de que pessoas ateístas ou céticas à religião nem mesmo se deixarão
convencer através de uma exposição da vivencia cristã, baseada no método
histórico-religioso. Mas, esta também nem é a questão. O que importa é a
satisfação da necessidade por consequência e uniformidade de concepção.
Também na tenho dúvidas de que, à direita e à esquerda, encontrarei poucos
companheiros de caminho, ao me valer deste método que somente nos
detalhes vem a ser mau. Mas também isso não vem ao caso. Inicialmente há
de bastar que, pela sua exposição, o pesquisador se dorme uma própria
convicção própria e segura. Porém, estou profundamente convicto que a
própria lógica do método histórico, por si só, levará por sua implantação
decidida em toda extensão, superando assim atual confusão e o baixo nível de
pesquisa bíblica. Pois só então nossos corações serão aliviados das atuais
preocupações terríveis e apologéticas. Aí poderemos contemplar a glória de
Deus na história de modo bem mais abrangente e livre.
A necessidade de seguir uma lógica que possibilite tal ingenuidade e
liberdade irá fazer com que sempre mais teólogos ou, ao menos, gente que
reflete sobre religião e se encaminhe para a direção indicada. Então estaremos
diante de um resultado bastante simples, com trato de repetir aqui: “Toda
religião humana está enraíza em instituição religiosa ou revelação divina, que
adquire, em personalidade especificamente religiosa, poder de constituir
comunidade e que é revivida pelos fieis com menor originalidade. A fé em Deus
está contida nesta intuição e está encoberta nos estágios iniciais da
consciência aprisionada em meio estágio iniciais da consciência aprisionada
em meio à religião natural. Ao lado de diversas outras tentativas, a fé em Deus
rompe estas barreiras na religião Javista e no núncio de Jesus que emerge do
Javismo. A partir daí experimenta um desenvolvimento rico, ilimitado e
incalculável. Neste desdobramento trata-se sempre da vida de fé no Deus vivo
e sempre importa a explicitação da realidade dada através desta fé”.
A essência deste novo método não estaria suficientemente caracterizada
se não lhe contrapusesse a essência do método antigo, considerando-o em
seu sentido verdadeiro e lógico. Isso inclusive se torna especialmente
necessário em relação às exposições de Niebergall e de teólogos aparentados.
Estas se declaram partidários do antigo método, sem que tivessem
conscientizado claramente sobre sua verdadeira essência. Víamos que o novo
método deve ser designado de histórico-religioso; nela todas as tradições são
submetidas à crítica; em questões básicas sempre se partem da totalidade da
realidade histórica; recém a visão geral fornece os critérios de valor. Em
contraposição o método antigo deve ser designado de dogmático. Este tem seu
ponto de partida seguro totalmente além da história e de sua relatividade. Este
seu ponto de partida lhe fornece frases radicalmente seguras, que, só a
posteriori, podem ser vinculadas a reconhecimentos e opiniões nos demais
setores da vida humana. Este método é, fundamental e absolutamente, oposto
ao método histórico.
Sua essência está em possuir uma autoridade que é autoridade
justamente por estar acima do contexto geral da história, da analogia com os
demais acontecimentos, da crítica histórica que em tudo penetra tornando
incertos seus próprios resultados. O método dogmático que justamente amarrar
as pessoas a fatos históricos isolados que testificassem sobre uma autoridade
que despedaça toda analogia histórica. Ele inclusive pode alcançar tal
vinculação autoritária. Pois, afinal, seus fatos são outros do que os da história
comum. Nem podem ser constatados ou abalados pela crítica. Estão
assegurados por uma tradição miraculosa e através de uma validação interna e
de coração. Com isso este método carece de todas as características do
método histórico profano: crítica analogia e correlação. Todas elas são
combatidas ao extremo pelo método dogmático. No máximo, pode admiti-la nos
detalhes mais insignificantes.
Não pode tolerar a crítica, não por falta de inteligência, mas porque não
pode sustentar a incerteza dos resultados, vinculada à crítica, e porque seus
fatos são da tal ordem que contradizem frontalmente à crítica e a sua
possibilidade. Não pode admitir a analogia e nem aplica-la, porque então
negaria a essência de sua essência que, justamente, nega toda e qualquer
identidade e analogia entre o cristianismo e outros desenvolvimentos religiosos.
Não é capaz de mergulhar no amplo contexto dos acontecimentos universais,
porque o reconhecimento de sua veracidade dogmática justamente se dá em
franca oposição a relações amplas, ao se postular para a verdade dogmáticas
causalidades totalmente diferentes e contrárias ao método histórico. É evidente
que também o método histórico quer estar baseado em “história”. Mas está sua
história não é uma história comum e profana, como a da história crítica. Trata-
se antes de história salvífica e do nexo de fatos salvíficos. Estes só podem ser
reconhecidos pelo olho crente e só a ele podem ser demonstrados. Têm
características exatamente opostas aos fatos que conforme os critérios da
história crítica e profana podem ser tidos como acontecimentos. Pesca em
água suja quem pretende recorrer a alguns acentos do método histórico a fim
de incluí-los na apologética dogmática que pretende ressaltar o caráter
“histórico” do cristianismo. Isso pode ocorrer do seguinte modo: entre os que
trabalham com o método histórico costuma-se fazer oposição a uma
compreensão de história que se fixa em ambições e intuições individuais,
ressaltando poderes históricos, profanos e sociais.
Este tipo de apologética que assume tais facetas do método histórico já
causou demasiada confusão. Hoje, designa-se tudo e qualquer coisa de
“histórico” e “fato”, ainda que isso não confira e nem pode conferir, porque se
trata de um milagre somente constatável através da fé. Costuma-se atribuir ao
milagre judaico cristão um conceito que tenha um sentido genérico que nivele
diferenças em relação ao mundo profano. Assim o conceito do milagre entra de
contrabando. Uma vez passada a divisa e incluído na teologia as ludibriações
voltam a ser abandonadas. O próprio Niebergall pagou um alto tributo a esta
manobra. Mas é evidente que não se presta bom serviço à verdadeira
dogmática mediante um tal jeito meramente ocasional e “histórico”. Ela
necessita antes de uma história que exatamente se diferencie, em um ponto,
da história comum, na qual todas as verdades se relativiza através de
condicionamento mútuo. Este ponto constitui-se através da concentração da
imprescindível verdade absoluta.
A dogmática evidentemente necessita que a distinga no contexto geral e
na homogeneidade do histórico, porque, do contrário, seria subordinada a
todas as condições da história, às restrições mútuas e à mutação continua. Em
todos estes pontos, o método dogmático tradicional tem pressentimento
totalmente lógico e correto. Ele quer autoridade dogmática, não histórica.
Reivindica uma autoridade que não tenha comparação e que, por isso, não
tenha semelhanças com as autoridades estabelecidas no restante da vida
histórica. Não se satisfaz em ser grandeza histórica, efetiva, forte e influente ou
valorizada pela filosofia da história. Quer ser um fundamento de verdades
dogmáticas em sua essência dissociada da história e em sua origem marcado
por caracteres especiais e sobrenaturais. Portanto, tudo depende da efetiva
comprovação da sobrenaturalidade que fundamentaria o postulado dogmático
e anularia o método dogmático histórico. Aí poder-se-ia acentuar tanto o que é
externo quanto o que é interno; em última instancia, acaba-se tendo que usar a
sobrenaturalidade interna dos efeitos da graça como prova para a
fidedignidade da sobrenaturalidade externa que, de fato, rompe o caráter
histórico. Em verdade, o milagre é decisivo. Já que o milagre meramente
psicológico não fornece uma delimitação segura contra a vida psíquica como
fenômeno generalizado na histórica, o milagre suavemente psicológico só se
torna utilizável, quando dele se pode deduzir o milagre maciçamente físico. É
este que importa. E as pessoas até fariam bem se o admitissem honestamente
ao invés de falar de uma “história” que não é história, mas o contrário dela.
Recém a partir desse conceito de milagre o método dogmático obtém
sua firme sustentação e assume o caráter de um princípio metodológico. O
método histórico surgiu a partir do pressuposto metafísico de que o universo,
em seu todo, tem um nexo e de que, em consequência, a atuação do espírito
humano também o tem. Ao se desdobrar, o método histórico se tornou
autônomo. Acabou tendo que voltar a desenvolver teorias gerais sobre a
essência da história e sobre os princípios de sua avaliação. Do mesmo modo,
também o método dogmático tem um princípio metafísico genérico. No início,
este mais instintivamente foi desdobrado clara e rigorosamente. A
comprovação da supranaturalidade da autoridade ou a comprovação do
milagre constitui a base metafísica decisiva do método dogmático. Sem tal
comprovação ele nada mais do que uma faca sem cabo e sem fio.
Seu fundamento constitutivo consiste em separar a vida histórica em
dois setores: de um lado está o setor em que não existem milagres e no qual
tudo está sujeito ao método histórico-crítico; do outro lado está o setor em que
abundam milagres e em que tudo deve ser pesquisado conforme métodos
especiais, baseados em experiências interiores e em humilde submissão da
razão. O pressuposto básico do método dogmático da teologia é a construção
desse conceito de história e a fixação do método dogmático-histórico ou
histórico salvífico. Estes métodos especificamente históricos salvíficos – para
dize-lo novamente – anulam e distorcem o método histórico profano e seguem
teorias de conhecimento que teriam seu fundamento no princípio da obediência
eclesiástica ou no renascimento e experiência interna. As pesquisas teológicas
dos últimos séculos estão repletas deste método dogmático. Somente o grande
cansaço causado pela apologética infrutífera pode desculpar o costume
estranho adotado pelos dogmáticos de nossos dias: pensam poder colher
frutas sem árvores ou acham poder cortar um galho pequeno e seco de árvore
ou acham velha na expectativa de que poderia crescer a fruta.
Contudo, o método dogmático nem mesmo se dá por satisfeito com a
grande distinção de dois campos históricos e de adequar-lhes dois métodos
contrapostos. Corresponderia a essência do assunto que a duplicidade dos
campos da história deve ser atribuída à essência de Deus e da pessoa. Nela
obrigatoriamente estaria a origem da distinção. A duplicidade da história está
conectada, em última instância, à duplicidade da essência divina. Por isso,
aquela duplicidade é considerada e enaltecida, pelo método dogmático, como
esteio elementar e básico de seus conceitos. Deus não está amarrado ao
contexto e a um agir correlativo, no qual as ações se condicionam mutuamente;
e nem está preso a uma vontade que compreende qualquer movimento de um
nexo abrangente. Em seu agir continuo Deus também é capaz de ações
extraordinárias que rompem e anulam este nexo.
Tudo depende deste conceito de Deus. E igualmente decisivo é o
conceito de pessoa que torna necessária a irrupção de um agir divino especial.
Esta antropologia é marcada pelo pecado original, segundo o qual as pessoas
caíram fora da ordem normal, continuo e uniforme. Para salvar estas pessoas
faz-se necessário restabelecer esta ordem de modo extraordinário. Estes
conceitos dualistas de Deus e da pessoa formam o pressuposto imprescindível
do método dogmático com seu dualismo dos dois métodos históricos: o método
histórico profano que relativiza criticamente e o método histórico-salvífico que é
absoluto, apodítico e garantido. Também aqui a dedicação dos apologetas
cansou muitos teólogos modernos, fazendo com que desistissem ou
negligenciasse tais teorias dogmáticas. A invenção curiosa de que a metafísica
seria indiferente para a teologia fez com que até se desistisse de provar esse
dualismo, sem que, lá por isso, se quisesse ou pudesse renunciar a sua
validade. Porém, é parte essencial de uma teologia que se liberta da metafísica
afastar esse dualismo e suas consequências. Mas, em assim procedendo, a
teologia justamente se transforma em uma ocupação histórico-fenomenológica
com a religião. Neste caso, o cerne autêntico de um tal fenômeno carece de
ser procurado.
Não pode ser meramente pressuposto. Desse jeito surge uma nova
metafísica que desiste do dualismo do milagre e que se baseia em certeza ou
sentimento moral. Para o jovem teólogo nada é mais espantoso do que o
seguinte: pregar-se-lhe que e o ponto de partida nos conceitos de Deus,
pecado original e milagre é indiferente, mas, em seguida, procede-se como se
tudo isso fosse correto e justo, naturalmente com exceção de algumas
concessões conciliadoras com contingências históricas dos tempos antigos. A
gente é capaz de se acostumar a tudo e de transformar qualquer deficiência
em virtude. Mas todo estudante que tem senso para a clareza, consequência e
pureza não se sentirá nada a vontade em meio a tais virtudes. Por isso, a
maioria acabará retornando aos antigos fundamentos metafísicos do método
dogmático, concluindo seu estudo com a suspeita de que as provas não
interessam muito. Afinal também o método dogmático esta sujeito a uma lógica
e consequência interna, do mesmo modo como o método histórico é levado,
por lógica interna, a uma teologia basicamente histórica religiosa.
Também em relação ao esse método não quero enveredar o caminho
dos detalhes. Tão somente pretendia caracterizá-lo em sua essência e
contrapô-lo ao método histórico. Poder-se-ia designar o método antigo de
método católico, porque foi criado pela teologia católica e por ela desenvolvido
de modo clássico. O método novo poderia ser designado de protestante já que
afinal surgiu da crítica protestante à doutrina católica de autoridade. Contudo, o
método antigo está de tal modo enraizado na natureza da tendência dogmática
das pessoas e é tão claramente o resultado de uma época sem formação
histórica que não teria sentido chamá-la como manifestação especificamente
católica. Dela também se vale a teologia do judaísmo e do islamismo. Além
disso, a crítica histórica do protestantismo, na verdade, só era parcial e
apologética. É a época do surgimento do protestantismo ainda estava longe de
um pensar basicamente histórico. Um modo de pensar basicamente histórico
recém foi preparado na era do iluminismo, cujo suposto pensamento histórico
não passa de uma grande lenda. Inicialmente o iluminismo livrou, através da
crítica, das autoridades constituídas e, por isso, evidentemente teve que iniciar
por nivelar tudo. A partir de tal processo de nivelamento surgiu, de imediato, a
tarefa de diferenciar e matizar. Pra poder realizar esta tarefa, todas as
grandezas existentes, antes de qualquer coisa, tiveram que ser transformadas
em grandezas históricas. Nesta fase intermediaria, o iluminismo, em parte,
transformou o dogmatismo sobrenatural em um dogmatismo racional e, em
parte, quando viu insustentável manter o dogmatismo racional, elaborou uma
nova cosmovisão a partir da história.
Mas, nesta situação, o conceito da história englobava tanto questões
históricas como questões de visão de validade genérica, tendo que interligar a
ambos. Designar este processo de histórico quase é força de expressão. Na
entanto, justamente aí se mostra à diferença. Assim sendo permanece as
designações: método dogmático e histórico. Cada qual tem seus fundamentos
e problemas próprios e é consequente em si. Aqui não interessam os
problemas específicos de ambos. Interessa-nos ressaltar, somente, que devido
a este lógico independente ambos não devem ser misturados.
Com isso está esgotado o objetivo destas linhas. Por fim, ainda gostaria
de defender minha própria posição nesta confrontação dos métodos contra
algumas objeções de Niebergall e, além disso, pretendo iluminar a hesitação,
com a qual Niebergall assume o método dogmático.
Contra meu método Niebergall afirma, em primeiro lugar que ele é muito
difícil e que sua aplicação está subjetivamente condicionada. É evidente que
uma avaliação dos grandes tipos intelectuais da história depende de juízos
subjetivos e nunca é totalmente contundente. Sempre o acentuei
expressamente. Contudo, estou convicto que é acentuei expressamente.
Contudo, estou convicto que é possível alcançar um julgamento de relativo
consenso entre pessoas que pensam séria, ética e religiosamente e que na
estão a fim de brincar e de se divertir, mas que, de fato, estão preocupados co
m o conteúdo da vida. Uma análise aguda e centrada nas questões decisivas
será capaz de uma avaliação consensual. Trata-se aí evidentemente de uma
convicção. Está baseada na fé ético-religiosa de que na homogeneidade básica
da natureza humana também está enraizado o consenso no reconhecimento
dos valores superiores. Estes irão se impor.
Quanto às dificuldades de execução destas propostas, só posso dizer
que nenhuma acentuação de dificuldades percebidas em um método viável é
capaz de recomendar um método inviável. O que necessitamos é maior
empenho em trabalho conjunto. Niebergall contesta, além disso, que relaciono
o estabelecimento de tal escala de valores com uma metafísica da história;
estes valores emergiram da essência transcendental nele atuante;
desenvolver-se-iam em um processo lógico, progressivo e de aprofundamento.
Aqui, de modo algum, posso ater-me a suas considerações sobre
intelectualismo e razão pratica que me são totalmente incompreensíveis do
modo como são apresentadas. Somente ressalto que certamente ninguém há
de querer extrair uma razoável escala de valores da história se a considerar
puro caos. Para perceber tal escala, há uma premissa indispensável: A fé de
que na história atua, se desenvolve e se revela a razão. Esta fé inicialmente
teve sua origem na ética e na religião, mas ela é confirmada, ao meu ver, pela
vida pessoal, cujo aprofundamento é uma constante história.
A terceira objeção diz respeito à ilusão de que se pode ser vítima na
fixação da escala de valores. Não pretendo pesquisar se aqui o perigo é maior
do que nas condições espaciais dos apologetas do método histórico-salvífico e
dogmático, no qual os senhores não julgam necessitar de uma advertência
sobre tal perigo. Prefiro restringir-me a acentuar que não considero o perigo tão
invencível. Pois, efetivamente nem sempre sucede como imaginam muitos
teólogos que nem são capazes de pensar outras coisas do que pressupor que
a gente quer pensar outra coisa do que pressupor que a gente quer demonstrar
uma tese preconcebida com todos os meios e finezas e, na medida do
possível, com ares de imparcialidade. Em uma cultura como a nossa –
complexa e consideravelmente individualizada – a gente efetivamente às vezes
nem sabe, o que determina nossa cabeça. Pode ocorrer que, numa visão
abrangente e comparativa, a gente se deixe orientar por alguma preferência
decisiva pelo cristianismo, sem objetivá-la.
Quem chegar ao resultado de que o cristianismo deve ser considerado
como o poder moral e religioso mais elevado, lá por isso não necessariamente
trazia este resultado em seu bolso. Este nem mesmo é o caso se ele, desde
início, tinha um apreço considerável pelo cristianismo, o que aliás é evidente
para uma pessoa séria. A confissão de que o cristianismo é poder religioso
mais elevado da história evidenciou-se, para mim, como um resultado. Este é
algo diferente do que a valorização relativa e provisória do cristianismo. Esta
ainda estava vinculada ao desejo sério de não permitir que um tal juízo primeiro
e imediato me fosse prender.
A última objeção é da inconsequência: como é possível que eu, apesar
de meu suposto relativismo histórico, acabe por reconhecer algo que me seria
totalmente impossível admitir: o caráter absoluto do cristianismo. Neste ponto,
Niebergall pode assinalar, com razão, para oscilações, não só em meu modo
de me expressar mas também em meu modo de pensar em meus tratados de
há anos atrás. Poderia ter percebido que eu, de fato, me tornei cada vez mais
rigoroso nas consequências do método histórico. Por fim, passei a entender o
conceito de “caráter absoluto” tão somente como um resquício encapado e
racionalizado do método dogmático. Efetivamente creio que pouca coisa
depende desta palavra. Porém, há um motivo, pelo qual não o considero muito.
Acontece que para mim também seu oposto – o conceito do relativismo, tão
injuriado – não é de tanta importância como o é para uma conceituação
dogmática.
Sim, até mesmo posso dizer: É parte da essência de minha concepção
que a conceituação dogmática nega, redondamente, o relativismo histórico que
só no caso de uma postura ateísta ou cético religiosa é consequência do
método histórico. A conceituação dogmática exige a supressão deste
relativismo e a substituição por um conceito de história entendida como
desdobramento da razão divina. Aqui se situam os méritos inalienáveis da
doutrina hegeliana que só precisa ser liberta de sua metafísica do absoluto, de
sua dialética das oposições e de sua versão especificamente lógica da religião.
A questão justamente é a seguinte: a história não é o caos; ela tem suas
origens em forças uniformes e concorre para um alvo uniforme. Para uma
pessoa moral, religiosa e crente a história é a seqüência ordenada, na qual a
verdade central é a profundidade da vida intelectual das pessoas emergem a
partir do fundamento transcendental do espírito. Isso se dá mediante muita luta
e desvio, mas também através da lógica necessária, imanente a um
desenvolvimento normal.
As oposições, no geral, são externas e ocasionais em sua essência e
cerne as diferenças entre as grandes formações históricas nem são marcantes
e, no mundo, os verdadeiros pensamentos e valores são bem mais raros que
se pensa. Incontáveis tão somente são suas roupagens e ramificações. Por
isso creio juntamente com os grandes idealistas que, em meio a este caos
aparente, ainda assim se revela, a partir de diversos lados, a profundidade
divina do espírito humano. Creio que a fé em Deus, em seu cerne, é idêntica
onde quer que seja a fé verdadeira em Deus e não mera magia egoística. Creio
que a partir de sua própria consequência – i.e., devido à força divina que nela
atua – adquire, em toda parte, energia e profundidade na medida que o permiti
a limitação original e natural do espírito humano. Tão somente num ponto o
espírito humano quebrou esta limitação. Trata-se de um ponto que está no
centro de transformações grandes, abrangentes e religiosas. É que temos na
religião dos profetas de Israel e na pessoa de Jesus.
Aí o Deus que se distingue da natureza, produz a personalidade, que é
superior à natureza, que tem alvos eternamente transcendentes e cuja força de
vontade atua contra o mundo. Nisso se apresenta uma força religiosa que é
percebida por quem é intimamente sensível como conclusão dos demais
movimentos religiosos, constituindo-se simultaneamente como ponto de partida
de uma nova fase da história da religião, na qual, até agora, não surgiu nada
de novo e de mais elevado, o que, para nós, hoje, nem parece imaginável,
apesar de que se estejam constituindo múltiplas formas e mutuas influencias
desta fé pessoal, interna e pura a Deus. Este por certo não é um absolutismo
dogmático, não é uma oposição do cristianismo contra a história e nem a sua
retirada do fluxo da história, de seu condicionamento e de sua mutabilidade.
Trata-se antes de um ponto final, alcançável para um modo de pensar
histórico-filosófico e suficiente para a pessoa religiosa. Mais não necessitamos
e mais não podemos fornecer. Neste ponto final temos o apoio religioso de
nosso pensar e viver que, em conexão ao contexto geral da cultura europeia,
emergiu como seu centro e permaneceu como um poder dinâmico e capaz de
desenvolvimento. Por certo, a relação desta religião europeia com as do oriente
ainda permanece como pergunta grande e obscura do futuro. Mais quem
reconhece que na fé dos profetas foi rompido a fé natural e que na fé de Jesus
foi iniciado o amor ativo a Deus e ao próximo reconheceu as forças que
conduzem para o alvo.
Este também pode permanecer, tranquilamente, com nossa antiga
religião, podendo confiar ao futuro os desenvolvimentos que se avizinham.
Também aqui Niebergall me mediu, em demasia, de acordo às necessidades
que lhe são evidentes. Não se transladou àquele ambiente religioso, que
adquire seu apoio e seu descanso em pensamentos como os que acima expus.
Quando ele compara minha posição com uma viagem que inicia em uma terra
totalmente fria, passando depois por um túnel escuro para daí alcançar a
paisagem sorridente do lar, então penso que aquela terra distante não é
tão fria, que o túnel não é tão escuro e que o alvo não é tão sorridente e nem
tão semelhante ao lar.
Contudo, também tenho objeções considerações à posição de
Niebergall. Também aqui na quero ater-me às exposições de teoria do
conhecimento, através das quais sedimenta sua posição. Em sua versão das
questões da teoria do conhecimento inclusive pretende ver principal diferença
em relação à minha posição. Contudo, para o todo dos problemas estas
questões têm pouco significado. Pois, quando se trata de decidir a pergunta se
devemos formular a escala de valores da vida intelectual a partir de uma
graduação filosófico-histórica ou a partir de uma sentença autoritativa,
justificada do modo supranaturalista, então não faz nenhum sentido acentuar
os elementos de sentimento ou vontade que estão contidos, necessariamente,
em cada avaliação. O supranaturalismo autoritativo jamais pode ser
fundamentado na dimensão prática de todos os valores, já que também os
valores extra cristãos e extra religiosos apresentam este caráter prático. O
problema tão somente é o da fundamentação da autoridade que é requerida
como ponto de partida para o método dogmático. Neste ponto, nem mesmo há
dúvida de que Niebergall concorda com as intenções do método dogmático
tradicional. Ele recorre a doutrina supranaturalista de autoridade, não ao
“absolutismo histórico, mas ao absolutismo apologético e dogmático”, ao
“absolutismo sem e contra a história da religião”, i.é, sem e contra qualquer
ótica histórico-crítico, a “um setor que está alem da história da religião”, i.é, um
setor que, enfim, está além da história profana, “ao caráter absoluto como
diretamente derivado de deus em contraposição à derivação mediada da
história comum de Deus e à história das religiões não-cristãs que “só foi
equipada de modo natural”, ao absolutismo como “certeza de que num lugar da
história se revelaram, de modo sobrenatural, valores absolutos, i.é, valores,
cujo caráter absoluto se manifesta, antes de mais nada, no modo sobrenatural
de revelação.
Apesar de todo seu discurso sobre seu respeito à história e sobre a
motivação prática de toda fé, a gente não se deve deixar enganar, porque ele
quer algo que é sem e contra a história e que pressupõe uma história de ordem
superior que segue outras premissas do que a história comum e cujos eventos
são reconhecidos através dos caracteres que a história comum não apresenta.
Quando fala de “autonomia e cristianismo” ou “motivação prática” e “caráter
histórico”, estamos diante de meros eufemismos para o milagre que tais
teólogos não gostam de mencionar por seu nome verdadeiro.
Contudo, Niebergall permanece nas intenções. Quão distante estão suas
idéias daquilo que ele quer, do “supranaturalismo puro e limpo”! da
fundamentação deste supranaturalismo em relação ao conceito de Deus, à
situação original, ao pecado original e à redenção praticamente nada se ouve
em Niebergall. No mais Niebergall também só assinala lastimáveis rudimentos
que pudessem evidenciar a história sacra à luz de eventos efetivamente
históricos. Sua intenção é clara: quer constatar na revelação bíblica aquele
ponto de partida que esse mantenha por si, que de antemão seja fixo e que
sirva de norma para qualquer reflexão sobre a história. Esta intenção tão
enfatizada, constantemente, é cruzada pelo procedimento inverso: parte-se da
história geral e passa-se a perscruta-la a busca de valores absolutos que,
eventualmente, pudessem corresponder às necessidades humanas. O teólogo
faz de conta como se nada soubesse do cristianismo e como se buscasse um
acontecimento absoluto de revelação e redenção, partindo de postulados
genericamente humanos. Nestas condições descobre o “fato” histórico do
cristianismo e se alegra em nele haver satisfeito todos seus postulados.
Aí o pensar histórico causou uma impressão muito profunda. Aquilo que
deveria ser ponto de partida para o dogmático acabou sendo destacado como
resultado da pesquisa da história, o que, em princípio, não teria sido
necessário. O lugar de dedução à luz do conceito de Deus e do pecado original
foi ocupado pela autorização através das necessidades. Tudo depende da
legitimidade destas necessidades e da sua efetiva satisfação. Esta realização
das necessidades ainda não está garantida pelo simples fato de ser
constatada. Não quero continuar a me ater a estas necessidades, à
necessidade do ceticismo teórico em vistas a uma revelação sobrenatural, o
que Kant aparentemente teria comprovado, à necessidade da moral em vistas
à autoridade, à garantia de vitória e ao perdão dos pecados pelas
transgressões. Estas necessidades talvez sejam legítimas. Mas, em todo caso,
não se pode negar que também apareceram fora do cristianismo e que ali
foram satisfeitas.
Em se tratar de formações puramente históricas, que, por si, não vão
além da história. Mais decisivo é a pergunta, porque a satisfação destas
necessidades no cristianismo pode ser tida como realizada de modo absoluto.
Ao invés de aqui se voltar a ressaltar a necessidade interna, que tão somente
capacitava o cristianismo para esta tarefa, opera-se, na teologia atual, com
uma objetividade aparente muito em voga ressaltando tam somente a efetiva
“pretensão” do cristianismo. Voltamos a estar diante da mesma comédia
dialética de acima. Depara-se com o “fato histórico” de uma imensa pretensão
e faz-se de conta como se dado fosse uma surpresa, como se fosse algo
totalmente monstruoso e comovente. A pretensão do cristianismo é
transformada em sua essência e a antiga teologia do milagre é feita de teologia
da pretensão. Pretende ser verdade e pretensão absolutas.
Sem reconhecer essa pretensão não há como ser cristão. Porém, do
mesmo modo como necessidades não garantem sua necessidade, do mesmo
modo pretensões, evidentemente, não comprovam sua legitimidade, ainda
mais que, em diferentes religiões, existe uma serie de pretensões
concorrentes, que necessitam de um critério para poderem ser distinguidas.
Em todas estas exposições está atuando o medo de discorrer sobre as raízes
precípuas do método dogmático e de adotar publicamente uma argumentação
puramente histórica. Necessidades efetivamente existentes seriam a base da
teoria. Mas em si, necessidades e pretensões são produtos da história,
devendo ser compreendidos neste contexto, como ocorreu com centenas de
outras necessidades e pretensões. Com isso não está comprovada nenhuma
realidade superior alheia à relatividade histórica e à crítica.
Decisivo vem a ser que estas necessidades não só sejam satisfeitas
através de uma pretensão, mas através de uma realidade superior. E este
também vem a ser o alvo final das exposições de Niebergall. No entanto, quão
débil e cuidadosa é a asserção de uma realidade e causalidade superior,
sobrenatural e oposta à história profana! Ele acentua a “supranaturalidade” e a
“relação imediata” que caracterizam a revelação, i.e., ele enfatiza o caráter
especial da causalidade que fundamenta o cristianismo e que é oposta à
causalidade natural e mediada. Mas estas ênfases sempre são colocadas de
modo bem geral. O caráter absoluto do cristianismo requer que “se baseie o
cristianismo em uma revelação especial que, de algum modo, devemos
compreender como revelação”.
Este “de algum modo” é clássico para a teologia atual que, por ser tão
distinta, nem se defronta mais com as preocupações da velha apologética,
solucionando-as “de algum modo”. Se a gente procura por detalhes deste
“algum modo” em Niebergall, então, exceto as simplificações de modelos
famosos, encontra-se uma única tentativa de detalhá-la. A personalidade de
Jesus tem que representar a quebra da causalidade histórica costumeira. Mas
também aí se fala, inicialmente, somente da índole misteriosa e não deduzível
desta personalidade, como se isso não fosse o caso em cada personalidade.
“Aqui, no fundo da alma, permanece uma lacuna no nexo causal. Ele é tanto
maior quanto mais peculiar e formada pela personalidade. Esta lacuna nos
fornece grande espaço para a ingerência de que se barra a qualquer análise
principia a revelação que reconhecemos e adoramos em fé... partindo Jesus,
que, como deposito da revelação, é alimentado pelo céu e por afluentes
terrenos, subimos os riachos que nele desembocam”. A isto é acrescentada
mais outra frase: “Decidimo-nos por atribuir a uma intervenção de Deus
aquelas forças que nos ajudam em nossa angustia profunda, porque, dentro do
mundo, não conhecemos outro lugar, do qual poderiam ter agido”.
Que haveremos de dizer a respeito de tais frases? Devemos admirar a
modéstia de uma teologia que chegou a ponto de encontrar seu fundamento
em uma lacuna? Ou devemos destacar a insegurança, com a qual inclusive é
constatada esta lacuna, sem que, ao menos, fosse claramente diferenciado
entre as lacunas no nexo casual da vida humana comum e aquela lacuna que
unicamente interessa, a lacuna na personalidade de Jesus. Penso que
somente pode dizer que uma tal doutrina da autoridade e da revelação foi
corroída pelo espírito da crítica histórica, da analogia e da relatividade. Sim,
quase está destruída. Subsiste ainda em exigências patéticas e bem genéricas.
Neste particular a antiga doutrina dogmática era melhor e mais compreensível.
Este juízo tão somente é formulado do ponto de vista puramente
científico e somente se refere a lógica dos pensamentos. Praticamente este
abrandamento e esta diminuição da antiga doutrina de autoridade fará bem.
Sem tais grupos intermediários praticamente não há como poder viver. Em
termos eclesiásticos poderão representar uma transição desejável. Por isso,
seja acentuado, no final, após todas as diferenciações que, tendo em vista a
eternidade, todas estas diferenças poderão ser indiferentes, não tendo que
separar-nos em demasia na peregrinação nesta terra.
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