sincronicidade e realidade transpsíquica
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Adalberto Ricardo Pessoa
SINCRONICIDADE
E
REALIDADE TRANSPSÍQUICAUm estudo de algumas relações entre a Psicologia Junguiana e a Física
Moderna
FACIS/IBEHESão Paulo
2005
Adalberto Ricardo Pessoa
SINCRONICIDADE
E
REALIDADE TRANSPSÍQUICAUm estudo de algumas relações entre a Psicologia Junguiana e a Física
Moderna
Monografia apresentada àFACIS/IBEHE como exigência parcial
para a obtenção do título de especialistaem Psicologia Junguiana
FACIS/IBEHESão Paulo
2005
Não apenas as descobertas da parapsicologia, mas minhaspróprias reflexões teóricas... levaram-me a certos postulados quetocam o reino da física nuclear e o conceito do espaço-tempocontínuo. E isso abre toda a questão da realidade transpsíquicaimediatamente na base da psique.
Carl Gustav Jung
Sumário
Resumo ................................................................................................................ pág. 05
Introdução ............................................................................................................ pág. 06
Capítulo 1 – Conceitos Fundamentais.................................................................. pág. 08
Capítulo 2 – O conceito de Sincronicidade ......................................................... pág. 17
Capítulo 3 – Realidade Transpsíquica ................................................................. pág. 25
Capítulo 4 – Realidade Transpsíquica e Percepções Transcerebrais .................. pág. 39
Conclusão ............................................................................................................ pág. 45
Bibliografia .......................................................................................................... pág. 51
Resumo
O objetivo desse estudo é traçar relações entre o conceito de sincronicidade e a
concepção de Jung sobre o que ele denominou de Realidade Transpsíquica. Esse trabalho
também pode ser compreendido como uma pesquisa sobre algumas relações entre a
Psicologia Junguiana e a Física Moderna.
O conceito de realidade transpsíquica foi apenas sugerido por Jung, e pouco
trabalhado pelos pós-junguianos, mas parece se tratar de um conceito fundamental por estar
envolvido com uma dimensão muito particular que estrutura simultaneamente a realidade
psíquica e a realidade física ou material, levantando questões não apenas de natureza
psicológica, mas até mesmo cosmológicas.
No contexto da teoria da sincronicidade, e apoiada por descobertas da Física
Moderna, esse trabalho constitui um questionamento sobre um paradigma de ciência que
inclui a psique e a consciência humana no estudo dos fenômenos e a da própria realidade.
Além disso, como veremos, há indícios que parecem apontar para a comprovação
experimental e matemática do fenômeno sincronístico, exatamente como Jung chegou a
profetizar em suas obras.
Esse trabalho se conclui com a sugestão de uma cosmologia que compreende um
elemento providencial de significação na ordem (ou na aparente desordem) do universo, e
assim descreve uma visão da realidade muito diferente da adotada pelo senso comum ou
pela visão clássica.
Introdução
O objetivo desse estudo é a pesquisa das relações entre os conceitos junguianos de
sincronicidade e realidade transpsíquica. Essa monografia também pode ser considerada um
estudo sobre algumas relações entre psicologia analítica e física moderna.
A motivação por trás dessa pesquisa envolve o questionamento sobre uma visão de
ser humano e universo que considere um fator de significação por trás daquilo que
aparentemente se comporta como um fenômeno caótico ou casual. Trata-se de um
questionamento que pode ser considerado como pertencente ao âmbito cosmológico, por
envolver uma reflexão sobre a organização estrutural do próprio universo, bem como
pertencente ao âmbito metafísico, ao questionar a natureza essencial da própria realidade.
Em qualquer caso, o tema ao mesmo tempo em que se apóia em conceitos da psicologia,
extrapola os seus limites, além de tratar-se de um assunto de interesse de diferentes áreas da
ciência contemporânea.
Logicamente, a ambição não é esgotar essa temática, que em si, é inesgotável, mas
apenas levantar reflexões em um campo fértil de estudo que engloba (explicita ou
implicitamente) diferentes disciplinas – psicologia, física, filosofia, entre outras – que são
exigidas quando queremos entender o fenômeno da sincronicidade com profundidade.
No âmbito metafísico, esse trabalho esboça algumas especulações sobre a natureza
espiritual que o conceito de realidade transpsíquica pode incorporar, embora o
aprofundamento desse tipo de questão justificaria, um trabalho de pesquisa, à parte.
Do ponto de vista metodológico, essa monografia pode ser caracterizada como uma
pesquisa teórica derivada do estudo comparativo de textos extraídos da literatura analítica
em psicologia, e de uma certa linha de teóricos da física abertos a questões metafísicas
como Fritjof Capra, Danah Zohar e Amit Goswami. O modelo de pensamento sistêmico e a
ampla visão moderna, holística e transpessoal desses autores, em muitos aspectos se
assemelham e/ou complementam a cosmovisão junguiana subjacente à teoria da
sincronicidade e da realidade transpsíquica.
Esse estudo possui a sua importância coletiva e social ao oferecer uma pequena
contribuição para refletir questões existenciais que têm acompanhado a humanidade há
séculos, evidenciando que por trás da aparente simplicidade de fenômenos casuais
intermitentes, pode haver um universo de possibilidades dinamicamente estruturantes que
denunciam que a realidade se organiza de uma forma muito diferente do que comumente
(ou classicamente) pensamos. Essa pesquisa pode assim, representar uma contribuição sutil,
porém penetrante, ao nosso processo individual e coletivo de autoconhecimento, pois
quando fenomenologicamente penetramos no conhecimento do universo, então, penetramos
também no conhecimento de nossa psique, de nossa alma, ou em outras palavras, de nós
mesmos. O inverso também é verdadeiro.
Essa monografia representa, assim, um convite a essa viagem interior.
Capítulo 1 – Conceitos Fundamentais
Serão definidos a partir de agora alguns conceitos da teoria analítica que serão
relacionados à temática predominante desse trabalho de pesquisa, bem como definições de
outras áreas de conhecimento que possam ser importantes nessa dissertação.
I) A consciência
A consciência pode ser definida como função ou atividade que mantém a relação
entre os conteúdos psíquicos e o ego, enquanto puderem assim ser entendidas pelo ego.
Relações com o ego, porém não percebidas pelo mesmo, são inconscientes1.
Jung distingue conceitualmente consciência de psique, sendo que esta engloba tanto
a consciência quanto o inconsciente:
Consciência não é a mesma coisa que psique, pois a psique representa o conjunto de todosos conteúdos psíquicos; estes não estão todos necessariamente vinculados ao eu (ego), isto é,relacionados de tal forma com o eu que lhes caiba a qualidade de conscientes. Existe uma boaquantidade de complexos psíquicos que não estão necessariamente vinculados ao eu2.
Segundo a concepção junguiana da psique, a consciência individual é uma
superestrutura que tem por base e origem o inconsciente. Além disso, não há consciência
sem discriminação de opostos3.
II) Ego ou “Eu”
O ego é o centro da consciência, ou o complexo central no campo da consciência4.
Segundo as palavras de Jung,
1 Carl Gustav JUNG, Tipos Psicológicos, p. 401, 402.2 Ibidem.3 Daryl SHARP, Léxico Junguiano, p. 48.4 Ibid., p. 57.
Entendo o “eu” como um complexo de representações que constitui para mim o centro demeu campo de consciência e que me parece ter grande continuidade e identidade consigo mesmo.Por isso, falo também de complexo do eu. O complexo do eu é tanto um conteúdo quanto umacondição da consciência, pois um elemento psíquico me é consciente enquanto estiver relacionadocom o complexo do eu. Enquanto eu for apenas o centro do meu campo consciente, não é idêntico aotodo da minha psique, mas apenas um complexo entre outros complexos. Por isso distingo entre eu esi-mesmo. O eu é o sujeito apenas da minha consciência, mas o si-mesmo é o sujeito do meu todo,também da psique inconsciente. Neste sentido o si-mesmo seria uma grandeza (ideal) que encerrariadentro dele o eu5.
Jung observou que o conhecimento da personalidade egóica é, muitas vezes,
confundido com o conhecimento do self (si-mesmo). Assim, uma pessoa que possua
alguma consciência de sua identidade de ego, pode achar que conhece a si mesma de
maneira completa, quando na verdade, o ego conhece apenas seus próprios conteúdos, e
não o material psíquico real provindo do inconsciente, e desconhecido pelo sujeito6.
III) O Inconsciente
O inconsciente é a totalidade dos fenômenos psíquicos, destituídos da qualidade de
consciência7. A esse respeito Jung expõe:
Teoricamemte é impossível fixar limites no campo da consciência, uma vez que ela podeestender-se indefinidamente. Empiricamente, porém, ele sempre atinge seus limites, ao atingir odesconhecido. Este último é constituído por tudo aquilo que ignoramos, por aquilo que não temqualquer relação com o eu, centro dos campos de consciência8.
O inconsciente é, ao mesmo tempo, vasto e inexaurível. Na verdade é mais do que o
desconhecido ou o depósito de pensamentos e emoções conscientes que foram reprimidos,
mas inclui os conteúdos que podem ou que irão se tornar conscientes9. O inconsciente é “a
fonte de todas as forças instintivas da psique e encerra as formas ou categorias que as
regulam, quais sejam precisamente os arquétipos”10.
5 Carl Gustav JUNG, Tipos Psicológicos, p. 406.6 Daryl SHARP, Léxico Junguiano, p. 57.7 Ibid., p. 86.8 Carl Gustav JUNG, Memória, Sonhos, Reflexões, p. 354.9 Daryl SHARP, Léxico Junguiano, p. 87.10 Carl Gustav JUNG, A Natureza da psique, p. 95.
Além disso, Jung aponta a necessidade de se acrescentar ao conceito de inconsciente
o sistema psicóide, que não é capaz de se tornar consciente, e do qual apenas temos algum
conhecimento indireto, quando por exemplo, pesquisamos o relacionamento entre matéria e
espírito11.
Como afirma Jung,
Assim definido, o inconsciente retrata um estado de coisas extremamente fluido: tudo o queeu sei, mas em que não estou pensando no momento; tudo aquilo que um dia eu estava consciente,mas de que atualmente estou esquecido; tudo o que meus sentidos percebem, mas minha menteconsciente não considera; tudo o que sinto, penso, recordo, desejo e faço involuntariamente e semprestar atenção; todas as coisas futuras que se formam dentro de mim e somente mais tarde chegarãoà consciência; tudo isto são conteúdos do inconsciente12.
Como Freud, Jung usa o termo inconsciente tanto para descrever conteúdos
psíquicos que estão fora do campo de acesso do ego, como para delimitar um lugar psíquico
com seu caráter, suas leis e funções próprias13.
Jung define a existência de um relacionamento funcional compensatório entre a
consciência e o inconsciente porque,
... de acordo com a experiência, o processo inconsciente traz à luz material subliminalconstelado pela situação da consciência, portanto todos aqueles conteúdos que não poderiam faltarno cenário consciente, se tudo fosse consciente. A função compensatória do inconsciente semanifesta com tanto maior clareza quanto mais unilateral for a atitude consciente; e disso dá muitosexemplos a patologia14.
Com relação à natureza dos conteúdos do inconsciente, Jung propôs uma
classificação geral que distingue um inconsciente pessoal que engloba todas as aquisições
da existência pessoal – o esquecido, o reprimido, o subliminalmente percebido, pensado e
sentido – e ao lado desses, a existências de outros conteúdos que não provêm das aquisições
pessoais, mas da possibilidade hereditária do funcionamento psíquico em geral, ou seja, da
11 Daryl SHARP, Léxico Junguiano, p. 87.12 Carl Gustav JUNG, A Natureza da psique, p. 123.13 Andrew SAMUELS, Dicionário crítico de análise junguiana, p. 104.14 Carl Gustav JUNG, Tipos Psicológicos, p. 426.
estrutura cerebral herdada: são as conexões mitológicas, os motivos e imagens que podem
nascer de novo, a qualquer tempo e lugar, sem tradição ou migração históricas. Jung
denominou esses conteúdos como pertencentes ao inconsciente coletivo15, uma camada
mais profunda da psique, onde encontramos os instintos e os arquétipos.
Se essa divisão é válida teoricamente, por outro lado essas duas camadas do
inconsciente não devem ser entendidas como divisões estanques. Como os conteúdos do
inconsciente coletivo exigem o envolvimento de elementos do inconsciente pessoal para
sua manifestação no comportamento, os dois tipos de inconscientes são, portanto,
indivisíveis16. Entretanto, são conceitos funcionais na prática.
IV) Inconsciente Pessoal
O inconsciente pessoal é a camada pessoal ou individual do inconsciente que
contém memórias perdidas, idéias dolorosas reprimidas, percepções subliminares
(percepções dos sentidos que não são suficientemente fortes a ponto de atingir a
consciência) e, finalmente, conteúdos que ainda não estão maduros para a consciência17.
Também é designada como psique subjetiva.
V) Inconsciente Coletivo
O inconsciente coletivo é uma camada estrutural da psique humana, mais profunda
do que o inconsciente pessoal, que contém elementos herdados, ou seja, os instintos e os
arquétipos18. Também é designada como psique objetiva.
Segundo Jung,
15 Ibid.16 Andrew SAMUELS, Dicionário crítico de análise junguiana, p. 105.17 Daryl SHARP, Léxico Junguiano, p. 90.18 Ibid., p. 89.
... encontramos também no inconsciente propriedades que não foram adquiridasindividualmente; foram herdadas, assim como os instintos e os impulsos que levam à execução deações comandadas por uma necessidade, mas não por uma motivação consciente. Nesta camada“mais profunda” da psique encontramos os arquétipos. Os instintos e os arquétipos constituem,juntos, o inconsciente coletivo. Eu o chamo coletivo porque, ao contrário do inconsciente pessoal,não é constituído de conteúdos individuais, mais ou menos únicos e que não se repetem, mas deconteúdos que são universais e aparecem regularmente.
Os conteúdos do inconsciente pessoal são parte integrante da personalidade individual epoderiam, pois, ser conscientes. Os conteúdos do inconsciente coletivo constituem como umacondição ou base da psique em si mesma, condição onipresente, imutável, idêntica a si própria emtoda parte19.
VI) Psique
A psique é a totalidade de todos os processos psicológicos, tanto conscientes quanto
inconscientes.
VII) Arquétipos
São padrões potenciais inatos de imaginação, pensamento ou comportamento que
podem ser encontrados nos seres humanos em todos os tempos e lugares20, e constituem
junto com os instintos, os elementos primordiais e estruturais da psique21.
Segundo a concepção junguiana, os arquétipos são sistemas de prontidão para a
ação e, ao mesmo tempo, imagens e emoções22. São herdados junto com a estrutura
cerebral – constituem, de fato, o seu aspecto psíquico. Não se tratam de idéias herdadas,
mas da possibilidade herdada das idéias. Os arquétipos se apresentam como idéias e
imagens, da mesma forma que tudo o que se torna conteúdo da consciência. Jung esclarece
que,
É muito comum o mal-entendido de considerar o arquétipo como algo que possui umconteúdo determinado; em outros termos, faz-se dele uma espécie de “representação” inconsciente,se assim se pode dizer. É necessário sublinhar o fato de que os arquétipos não têm conteúdodeterminado; eles só são determinados em sua forma e assim mesmo em grau limitado. Uma imagemprimordial só tem um conteúdo determinado a partir do momento em que se torna consciente e é,portanto, preenchida pelo material da experiência consciente. Poder-se-ia talvez comparar sua forma
19 Carl Gustav JUNG, Memória, Sonhos, Reflexões, p. 355.20 Murray STEIN, Jung – O Mapa da Alma, p. 205.21 Daryl SHARP, Léxico Junguiano, p. 28.22 Ibid., p.28, 29.
ao sistema axial de um cristal que preconfigura, de algum modo, a estrutura cristalina na água-mãe,se bem que não tenha por si mesmo qualquer existência material. Esta só se verifica quando os íons emoléculas se agrupam de uma suposta maneira. O arquétipo em si mesmo é vazio; é um elementopuramente formal, apenas uma facultas praeformandi (possibilidade de preformação), forma derepresentação dada a priori. As representações não são herdadas; apenas suas formas o são23.
Os arquétipos são, por definição, fatores e motivos que ordenam os elementos
psíquicos em determinadas imagens, caracterizadas como arquetípicas, mas de tal modo
que podem ser reconhecidas somente pelos efeitos que produzem. Nas palavras de Jung,
O conceito de arquétipo deriva da observação reiterada de que os mitos e os contos daliteratura universal encerram temas bem definidos que reaparecem sempre e por toda parte.Encontramos esses mesmos temas nas fantasias, nos sonhos, nas idéias delirantes e ilusões dosindivíduos que vivem atualmente. A essas imagens e correspondências típicas, denominorepresentações arquetípicas. Quanto mais nítidas, mais são acompanhadas de tonalidades afetivasvívidas ... Elas nos impressionam, nos influenciam, nos fascinam. Têm sua origem no arquétipo que,em si mesmo, escapa à representação, forma preexistente e inconsciente que parece fazer parte daestrutura psíquica herdada e pode, portanto, manifestar-se espontaneamente sempre e por todaparte24.
Jung observa que,
Não devemos entregar-nos à ilusão de que finalmente poderemos explicar um arquétipo eassim “liquidá-lo”. A melhor tentativa de explicação não será mais do que uma traduçãorelativamente bem-sucedida, num outro sistema de imagens25.
VIII) Complexos
Complexos são grupos de idéias ou imagens carregadas emocionalmente. No
“centro” de um complexo está um arquétipo ou imagem arquetípica. Ao seu redor orbitam
idéias que lhe estão associadas por um vínculo energético, portanto, de natureza emocional.
Assim, quando os complexos se constelam (ou sejam, se ativam), fazem-se
acompanhar invariavelmente pelo afeto. São sempre relativamente autônomos, tanto que
23 Carl Gustav JUNG, Memória, Sonhos, Reflexões, p. 352, 353.24 Ibid., p. 352.25 Carl Gustav JUNG, Memória, Sonhos, Reflexões, p. 353.
Jung afirmava que não somos exatamente nós que temos complexos, mas sim que são os
complexos que nos têm, ou nos possuem26.
Hall27 define complexo da seguinte maneira: “cada complexo é um grupo de
imagens relacionadas entre si, formadas em torno de um núcleo central de significado que,
em sua essência, é arquetípico”28.
Assim, do mesmo modo que os átomos e as moléculas são os componentes
invisíveis dos objetos físicos, os complexos são os blocos de construção da psique e a fonte
de todas as emoções humanas29.
Diferente do que o senso comum pensa, os complexos em si mesmos, não são
negativos. Jung salientou bastante isso, embora o imaginário popular aparentemente tenha
assimilado o conceito de complexo apenas em seu aspecto patológico. Porém, segundo
Jung, ter complexos não significa necessariamente possuir uma neurose, e o fato de alguns
complexos serem dolorosos não implica na determinação de uma perturbação patológica. O
sofrimento, em si mesmo não é sinônimo de doença, mas apenas o pólo oposto normal da
felicidade. É o grau de consciência ou inconsciência de um complexo que o define como
patológico ou normal. Ou seja, um complexo só se torna patológico, quando achamos que
não o temos (ou que o mesmo não nos possuiu). A finalidade da análise ou da terapia não é
livrar-nos dos complexos – como se isso fosse possível – mas apenas minimizar seus
efeitos negativos, pela tomada de consciência de sua existência e de seus mecanismos,
permitindo a compreensão do papel que exercem nos padrões de comportamento e nas
26 Carl Gustav JUNG, A Natureza da psique, p. 30.27 James A. HALL, Jung e a Interpretação dos sonhos, p. 18.28 O autor explica que desde o momento da primeira tomada de consciência, essas possibilidades arquetípicasda psique se enchem de experiência pessoal, de modo que o ego adulto sente que o conteúdo consciente,subjetivo, é simplesmente a soma de suas próprias experiências pessoais passadas. Com freqüência, é somenteem análise, em sonhos ou em experiências emocionais muito comoventes que o ego desenvolvido podeexperimentar os verdadeiros alicerces arquetípicos dos complexos.29 Daryl SHARP, Léxico Junguiano, p. 38.
reações emocionais. De qualquer forma, um complexo só pode ser realmente superado se
for vivido em sua plenitude, e não através de sua negação ou repressão30.
IX) Instintos
Para Daryl Sharp, o instinto pode ser definido como “um impulso involuntário para
certas atividades”31.
Stein, por sua vez, define instinto como “uma fonte inata, fisicamente baseada, de
energia psíquica (ou libido) que é formada e estruturada na psique por uma imagem
arquetípica”32.
Jung entendeu por instinto, “uma coação para certas atividades”33, ou
Todo fenômeno psíquico que ocorre sem a participação intencional da vontade, mas porsimples coação dinâmica, podendo esta nascer diretamente de fonte orgânica, portanto,extrapsíquica, ou ser condicionada essencialmente por energias simplesmente liberadas pela intençãovoluntária, e, neste caso, com a restrição de que o resultado obtido ultrapasse o efeito intencionadopela vontade34.
Vemos que para o autor, a coação pode vir de estímulos internos ou externos que
soltam o mecanismo psíquico do instinto ou de fatores orgânicos que estão fora da esfera
das relações psíquicas de causalidade, e assim, sob o conceito de instinto estão todos os
processos psíquicos cuja a energia a consciência não controla. Nesse contexto, os afetos são
vistos tanto como processos instintivos como sentimentais (ou pertinentes à função
sentimento).
Jung complementa que,
Processos psíquicos que, em circunstâncias usuais, são funções da vontade (isto é,submetidos totalmente ao controle da consciência), podem vir a ser, em circunstâncias anormais,processos instintivos quando se lhes fornece energia inconsciente. Este fenômeno ocorre sempre quea esfera da consciência é restringida pela repressão de conteúdos incompatíveis ou quando, por causa
30 Daryl SHARP, Léxico Junguiano, p. 38, 39.31 Ibid., p.96.32 Murray STEIN, Jung – O Mapa da Alma, p. 206.33 Carl Gustav JUNG, Tipos Psicológicos, p. 428.34 Ibid., p. 428, 429.
de fadiga, sobrevêm intoxicações ou processos cerebrais patológicos em geral, um “abaissement duniveau mental” (Janet), quando, pois, em uma palavra, a consciência já não controla ou ainda nãocontrola os processos mais acentuados.
Não gostaria de denominar de instintivos, mas automáticos, aqueles processos que uma vezforam conscientes num indivíduo e que se automatizaram com o tempo. Normalmente também nãose comportam como instintivos porque, em circunstâncias normais, nunca aparecem como coações.Só o fazem quando lhes advém uma energia estranha35.
No ser humano, o instinto não se manifesta de forma “pura”, ou seja, de maneira
restritamente biológica e fixa, como em um animal em estado “selvagem”. Em geral são
modificados, na medida em que são civilizados e em algum grau controlados, influenciados
ou transformados pela consciência, ou mais precisamente, pela psique como um todo. A
esse processo Jung denominou processo de psiquificação36.
Jung identificou cinco principais grupos de fatores instintivos: fome, sexualidade,
atividade, reflexão e criatividade. A fome é um instinto primário de autopreservação,
enquanto a sexualidade, que a segue de perto, é particularmente vulnerável ao processo de
psiquificação, o que explica porque a sua energia puramente biológica pode ser tão
facilmente desviada para outros canais de expressão, como é sublinhado consistentemente
pelos textos e autores psicanalíticos. O ímpeto para a atividade manifesta-se em viagens, no
gosto pela mudança, na inquietação e no jogo. Como reflexão, Jung incluiu o impulso
religioso e a busca de significado. A criatividade era uma classe à parte para Jung, cuja
descrição foi focalizada especialmente ao impulso para criar a arte37.
X) Self ou Si-Mesmo
35 Carl Gustav JUNG, Tipos Psicológicos, p. 429.36 Daryl SHARP, Léxico Junguiano, p. 97.37 Ibid., p. 97.
O Self é o arquétipo central da ordem, da totalidade do homem38. É o centro
regulador da psique, e ao mesmo tempo o poder transpessoal que transcende o ego39. Como
conceito empírico designa o âmbito total de todos os fenômenos psíquicos no homem.
Expressa a unidade e totalidade da personalidade global. Mas na medida em que esta,
devido à sua participação inconsciente, só pode ser consciente em parte, o conceito de Si-
Mesmo engloba o experimentável e o não-experimentável (ou, o ainda não
experimentado)40.
Segundo palavras de Jung,
O si-mesmo é uma realidade “sobre-ordenada” ao eu consciente. Abrange a psiqueconsciente e a inconsciente, constituindo por esse fato uma personalidade mais ampla, que tambémsomos... Mas não devemos nutrir a esperança de chegar a uma consciência aproximada do si-mesmo;por mais consideráveis e extensas que sejam as paisagens interiores e os setores apreendidos pelaconsciência, não desaparecerá a massa imprecisa e uma soma desconhecida de inconsciência, quetambém faz parte integrante da totalidade do si-mesmo.
O si-mesmo é o centro e também a circunferência completa que compreende ao mesmotempo o consciente e o inconsciente: é o centro dessa totalidade, como o eu é o centro daconsciência.
O si-mesmo é também a meta da vida, pois é a expressão mais completa dessascombinações do destino que se chama: indivíduo41.
XI) Campo
Stephen Hawking42 define campo “como algo que existe por todo o espaço e tempo,
ao contrário da partícula, que existe em um ponto em um dado tempo”. Ainda segundo o
autor, o termo “campo de força” se refere “ao meio pelo qual uma força comunica sua
influência”.
Capra se refere ao campo como uma condição ou uma “perturbação” no espaço, que
apresenta o potencial de produzir uma força de influência (de atração ou de repulsão, por
38 Carl Gustav JUNG, Memória, Sonhos, Reflexões, p. 358.39 Daryl SHARP, Léxico Junguiano, p. 142.40 Carl Gustav JUNG, Tipos Psicológicos, p. 442, 443.41 Carl Gustav JUNG, Memória, Sonhos, Reflexões, p. 358.42 Stephen HAWKING, O Universo uma casca de noz, p. 202.
exemplo)43. Nesse sentido, o campo é uma região de influência física. Sabemos que a física
atual reconhece vários tipos de campos fundamentais, como os campos gravitacional e
eletromagnético, e os campos da matéria.
Esse conceito gerou noções paralelas em outras disciplinas. Assim, na biologia
discorre-se sobre os campos mórficos e morfogenéticos. Na psicologia emprega-se o termo
campo mental ou campo da mente para designar o “campo de percepção onde surgem os
pensamentos, sentimentos, etc”44. Definimos o ego como um complexo central no campo
da consciência, ou seja, como um complexo na zona de influência da consciência.
43 Fritjof CAPRA, O Tao da Física, p.52.44 Amit GOSWAMI, O universo autoconsciente, p. 317.
Capítulo 2 – O conceito de Sincronicidade
Jung agrupa três classes possíveis de fenômenos que podem ser designados como
pertencentes ao conceito de sincronicidade45:
1) Coincidência de um estado psíquico do observador com um acontecimento objetivo
externo e simultâneo, que corresponde ao estado ou conteúdo psíquico, onde não há
nenhuma evidência de uma conexão causal entre o estado psíquico e o acontecimento
externo e onde, considerando-se a relativização psíquica do espaço e do tempo, tal
conexão é simplesmente inconcebível;
2) Coincidência de um estado psíquico com um acontecimento exterior correspondente
(mais ou menos simultâneo), que tem lugar fora do campo de percepção do observador,
ou seja, especialmente distante, e só possível de ser verificado posteriormente (um
exemplo clássico é a histórica visão tida por Swedenborg, do grande incêndio de
Estocolmo, que ocorreu longe do seu campo consciente de visão, e foi identificado
posteriormente, como um bem atestado caso parapsicológico de clarividência46);
3) Coincidência de um estado psíquico com um acontecimento futuro, portanto, distante
no tempo e ainda não presente, e que só pode ser verificado também posteriormente.
Aqui, podemos ter como exemplo, os sonhos premonitórios.
Sincronicidade, portanto, foi um termo criado por Jung, para exprimir uma
coincidência significativa ou uma correspondência entre um acontecimento psíquico e um
acontecimento físico não ligados por uma relação causal. Tais fenômenos aparecem quando
fenômenos interiores (sonhos, visões, premonições) parecem ter uma correspondência na
45 Carl Gustav JUNG, Sincronicidade, p.89.46 Esse caso foi testemunhado pelo famoso filósofo Immanuel Kant.
realidade exterior, e a imagem interior ou a premonição se mostra “verdadeira”. O termo
também designa correspondências entre sonhos e idéias análogas ou idênticas que ocorrem
em lugares diferentes, sem que a causalidade possa explicar umas e outras manifestações.
Ambas parecem ter relação com processos arquetípicos do inconsciente47.
É através de seu contato pessoal com o físico Albert Einstein que Jung tem sua
“primeira e vaga suspeita” sobre a existência do fenômeno da sincronicidade, e é a sua
associação com a física moderna que fornece o contexto histórico apropriado para a sua
teorização sobre o mesmo. As relações entre Jung e os grandes gênios da física fazem parte
de uma história pouco conhecida, e que ainda tem de ser contada na íntegra. Muitas vezes,
Jung é lembrado como “discípulo” de Freud, ou associado a influências de “teorias
místicas”. Mesmo no círculo junguiano, as influências de filosofias fenomenológicas,
existencialistas e orientais é mais estudada, do que as influências que ele recebeu da Física
Moderna, algo que apenas modernamente está começando a mudar. Mas, o fato é que
físicos famosos desempenharam um papel na formação da teoria da sincronicidade, tanto
em seu começo, como na sua conclusão. Além de Einstein, havia também muitas outras
figuras destacadas da Física Moderna que habitavam Zurique na primeira metade do século
XX e realizavam conferências ou davam aulas na Universidade Politécnica onde Jung era
professor de psicologia na década de 1930. Segundo Stein48, Zurique era um autêntico
viveiro da física moderna nas primeiras décadas do século XX, e seria quase impossível
ignorar o estimulante fermento criado por esses intelectos. Havia a clara impressão de que a
natureza da realidade física estava sendo fundamentalmente repensada e Jung começou
desde cedo a meditar sobre as semelhanças entre a física moderna e a psicologia analítica.
47 Carl Gustav Jung, Memórias, Sonhos, Reflexões, p.358.48 Murray STEIN, Jung – O Mapa da Alma, p. 179.
Jung foi o pioneiro em estabelecer a comunicação entre as duas ciências – a Psicologia e a
Física Moderna.
Em sua ousadia e rigor científico uniu-se com o físico quântico e ganhador do
prêmio Nobel, Wolfgang Pauli, e em 1952 publicaram em colaboração mútua o trabalho A
interpretação da natureza e da psique. O livro continha um ensaio de Jung intitulado
“Sincronicidade: um princípio de conexões acausais”, e um outro de Pauli com o título “A
influência de idéias arquetípicas nas teorias científicas de Kepler”.
Dessa forma, mais do que rigorosamente científico, o conceito de sincronicidade
literalmente lança, como veremos posteriormente, as bases para a elaboração de um novo
paradigma científico49. Por outro lado, esse conceito encerra em si, as pesquisas de Jung em
campos de conhecimento totalmente inusitados ao status quo do modelo científico
tradicional. Aqui, encontramos as influências da parapsicologia, das tradições orientais, do
estudo comparativo das religiões, e dos métodos mânticos (como por exemplo, a
Astrologia), sobre o pensamento de Jung. Assim, o conceito de sincronicidade é a sua
construção mais rigorosamente científica e, ao mesmo tempo, representa uma síntese da
influência de diversas disciplinas metafísicas. Segundo Stein,
... poucos psicólogos se sentem à vontade em todas as áreas requeridas para abranger essateoria em toda a sua plenitude – psicologia, física e metafísica. É um nível intelectual que poucospensadores modernos podem nutrir a esperança de alcançar. Os mestres universitários mostram-sesumamente cautelosos em dar um passo além dos limites das especialidades de seus respectivosdepartamentos. A teoria da sincronicidade ajusta-se à visão de Jung do si-mesmo como umacaracterística de radical transcendência sobre a consciência e a psique como um todo, e desafia aslinhas de fronteira comumente traçadas para separar as faculdades de psicologia, física, biologia,filosofia e espiritualidade50.
Os textos de Jung exploram a ordem significativa em eventos aparentemente
aleatórios e assinalam que as imagens psíquicas e os acontecimentos objetivos estão
49 Murray STEIN, Jung – O Mapa da Alma, p. 189.50 Ibid., p. 180.
organizados, por vezes, em configurações claramente definidas, embora não ocorram em
virtude de uma cadeia causal de eventos precedentes. Jung, então, aponta que
acontecimentos acidentais têm uma tendência a formar grupos aperiódicos. Von Franz a
esse respeito realiza o seguinte comentário:
Assim que se percebeu que certos tipos de acontecimentos “gostam” de se agrupar emdeterminados momentos, começamos a entender a atitude dos chineses, cujas teorias a respeito demedicina, filosofia e mesmo de construção são baseadas em uma “ciência” de coincidênciassignificativas. Os textos clássicos chineses não perguntam o que causa alguma coisa, mas sim quefato “gosta” de ocorrer juntamente com um outro51.Na parte final de seu ensaio, Jung apresenta uma idéia de grande importância e
projeção: a inclusão da sincronicidade, ao lado das noções de espaço, tempo e causalidade,
num paradigma que pode oferecer uma completa descrição da realidade, tal como é
experimentada pelos seres humanos e medida por cientistas. Segundo suas palavras, o fator
sincronístico postula
... a existência de um princípio necessário à atividade cognitiva de nossa razão, princípioque se poderia acrescentar como quarto alimento à tríade espaço, tempo e causalidade. Da mesmaforma que estes fatores são necessários, mas não absolutos – a maioria dos conteúdos psíquicos nãoestá ligada ao espaço, e o tempo e a causalidade são psiquicamente relativos – assim também o fatorsincronístico só é válido condicionalmente52.
Jung, então, complementa que ao contrário da causalidade que impera
despoticamente sobre a imagem do mundo macrofísico (ou seja, visível aos sentidos
físicos), e cujo domínio universal se acha abalado apenas em certas ordens de grandeza
interiores, a sincronicidade é um fenômeno que parece estar ligado primariamente a certas
condições (micro)físicas, ou aos processos do inconsciente (bem como também a alguns
aspectos ecológicos e evolutivos do domínio da biologia). Ocorrem de forma experimental,
segundo Jung, com certa regularidade e freqüência nos procedimentos mânticos intuitivos,
51 Carl Gustav JUNG, O homem e seus símbolos, p. 211.52 Carl Gustav JUNG, Sincronicidade, p. 76.
onde são subjetivamente convincentes, mas extremamente difíceis de verificar
objetivamente pelo método estatístico53.
Seja como for, Jung declara que a sincronicidade não é uma teoria filosófica, mas
um conceito empírico que postula um princípio necessário ao conhecimento. O espaço, o
tempo e a causalidade, a tríade da Física Clássica, seriam complementados pelo fator
sincronicidade, convertendo-se em uma tétrada, um quatérnio que nos torna possível um
“julgamento da totalidade”, nas palavras de Jung54. O esquema a seguir é uma
representação pictórica dessa relação quaternária.
Jung explica que a sincronicidade, aqui, está para os três outros princípios, assim
como a unidimensionalidade do tempo está para a tridimensionalidade do espaço, e da
mesma forma que a introdução do tempo como quarta dimensão na Física Moderna implica
53 Ibid., p. 76.54 Ibid., p. 77.
Tempo
SincronicidadeCausalidade
Espaço
o postulado de um contínuo espaço-tempo irrepresentável, assim também a idéia de
sincronicidade com seu caráter próprio de significado produz uma imagem do mundo de tal
modo também irrepresentável, que poderia levar à confusão. A vantagem, porém, de se
acrescentar este conceito é que ele torna possível uma maneira de ver que inclui o fator
psicóide em nossa descrição e no conhecimento da natureza, ou seja, um significado
apriorístico ou uma equivalência. O eixo vertical representa o contínuo espaço-tempo, e no
horizontal existe o contínuo entre causalidade e sicronicidade. Assim levando em conta o
diagrama de Jung e W. Pauli, a descrição mais completa da realidade inclui o entendimento
de um fenômeno pela consideração de quatro fatores: onde e quando o evento aconteceu (o
contínuo espaço-tempo) e o que levou a isso e qual o seu significado (o contínuo
causalidade-sincronicidade). Se estas questões podem ser respondidas, o evento será
entendido em sua plenitude. Do lado psicológico e psicóide das coisas, cumpre investigar
os padrões arquetípicos que são evidentes numa situação constelada, pois eles fornecerão os
parâmetros necessários para abordar a questão da sincronicidade e a profunda significação
estrutural. Se a sincronicidade pode, nesse sentido, abrir espaço para uma grande
quantidade de especulações e debates, a respeito do significado de acontecimentos
importantes, a causalidade também não deixa de abrir uma vasta gama de opiniões, como se
tem constatado na prática.
Para Stein55, o que Jung está fazendo nesse caso é inserir a psique na descrição
completa da realidade, e isso adiciona o elemento de significação ao paradigma científico, o
qual, sem o concurso desse elemento, continua sem referência à consciência humana ou ao
valor do significado. Jung está propondo que uma descrição completa da realidade deve
incluir a presença da psique humana – o observador – e o elemento de significação.
55 Murray STEIN, Jung – O Mapa da Alma, p. 189.
Essa concepção parece estar presente nas idéias de autores contemporâneos da
Física Moderna como Fritjof Capra56, David Bohm57, e Amit Goswami58. No Brasil, o
professor Dr. José Pedro Andreeta, físico livre-docente da USP, segue essa mesma linha de
pensamento59. E recentemente, um importante artigo da respeitada revista Scientific
American, propôs uma hipótese semelhante60.
Nesse contexto Jung chega a citar – em nota de rodapé61 – a idéia do físico Sir
James Jeans que acha possível que as origens dos acontecimentos no substrato para além do
espaço e do tempo incluam também as nossas atividades mentais, de sorte que o curso dos
acontecimentos futuros depende em parte dessa atividade mental62.
Voltando ao esquema quaternário sugerido por Jung, Wolfgang Pauli propôs a
substituição da oposição entre espaço e tempo (que ainda estaria mais coerente com
representação do antigo paradigma da Física Clássica, que compreende a dimensão do
espaço como separada ou distinta do tempo), pela relação (conservação da) energia –
contínuo espaço-tempo. Esta proposta levou Jung, considerando os dados da Física
Moderna, a definir mais acuradamente o par de opostos causalidade-sincronicidade, com
vistas a estabelecer uma certa ligação entre os dois conceitos heterogêneos. A representação
quaternária elaborada pela colaboração mútua de Jung e Pauli, satisfaz de um lado aos
postulados da Física Moderna e, do outro, aos postulados da Psicologia, e ficou da seguinte
maneira63:
56 Cf. Fritjof CAPRA, passim.57 Cf. David BOHM, passim.58 Cf. Amit GOSWAMI, passim.59 Cf. José Pedro ANDREETA, passim.60 David J. CHALMERS, Scientific American Brasil, p. 40-49.61 Carl Gustav JUNG, Sincronicidade, p. 78.62 Essa consideração será retomada posteriormente, por ser importante para debatermos a noção da existênciade uma realidade transpsíquica.63 Carl Gustav JUNG, Sincronicidade, p. 79.
Ao propor esse esquema, Jung enfatiza a exclusão de uma explicação causalista para
a sincronicidade. Segundo o seu esquema, a sincronicidade consiste em equivalências
aparentemente “casuais”, mas que na verdade repousam em fatores organizadores, de
natureza psicóide, denominados arquétipos. Segundo Jung, os arquétipos são indefinidos,
ou seja, só podem ser conhecidos e determinados de maneira aproximativa (ou
probabilística, na terminologia da Física). Podem até ser associados a processos causais, ou
serem “portados” por eles, contudo estão continuamente ultrapassando os seus próprios
limites, procedimento este que Jung denominou de transgressividade, “porque os
arquétipos não se acham de maneira certa e exclusiva na esfera psíquica, mas podem
ocorrer também em circunstâncias não psíquicas (equivalência de um processo físico
externo com um processo psíquico)”64.
Segundo Jung, “se associarmos a sincronicidade ou os arquétipos ao contingente,
este último assume o aspecto específico de uma modalidade que tem o significado
funcional de um fator constitutivo do mundo”65. Assim, ao expor o conceito de
sincronicidade nesses termos, Jung começa a traçar relações entre a Psicologia Profunda e
64 Ibid., p. 80.65 Carl Gustav JUNG, Sincronicidade, p. 80.
Energia indestrutível
Contínuo espaço-tempo
Conexão inconstanteatravés da contingênciaou da equivalência ou
“significação”(Sincronicidade)
Conexão constante através doefeito (causalidade)
uma área da Física denominada Cosmologia (a ciência que estuda o universo como um
todo, sua origem, constituição, estrutura e organização). É nesse contexto que poderemos
tratar da noção de realidade transpsíquica.
Capítulo 3 – Realidade Transpsíquica
A noção de uma realidade transpsíquica foi uma idéia proposta por Jung, porém
pouco trabalhada por ele ou pelos pós-junguianos, de maneira direta, enquanto um conceito
técnico da teoria analítica. Isso torna difícil entender o que Jung queria dizer ao utilizar o
termo realidade transpsíquica. Esse conceito parece ter surgido das reflexões de Jung sobre
as profundas implicações da noção de sincronicidade, alem de sua inusitada penetração em
campos de conhecimento como a parapsicologia, e principalmente a física moderna,
abrindo todo um leque de questões sobre o que ele chama de uma “realidade transpsíquica
na base da psique”.
Lembremos que com a esperança de desenvolver uma exposição mais rigorosa de
suas próprias intuições psicológicas, Jung tomou como referência em física moderna o
prêmio Nobel Wolfgang Pauli, um físico quântico. Para Zohar, uma das poucas autoras a
discorrer sobre a temática da realidade transpsíquica no campo da física e da
parapsicologia,
Jung via a parapsicologia como uma ponte natural entre a física e a psicologia, e Pauli, queconcordava com esse ponto de vista, esperava que, trabalhando com Jung, poderia encontrar umcaminho para expressar em maior escala, no nível da realidade cotidiana, alguma extensão natural dofenômeno da mecânica quântica que ajudara a descobrir66.
Ainda segundo essa autora, os trabalhos de Jung e Pauli,
... expunham a idéia de que existe um cosmos absolutamente sem espaço e sem tempo emque se manifestam a alma (ou psique) e o universo material. Pauli argumentava que esse cosmostinha sua própria ordem, independente da vontade humana, de categorias humanas perceptivas ou denossas supostas leis da causalidade. Nele todos os limites aceitos entre o conhecedor e o conhecidosão rompidos, e a mente e a matéria são vistas como extensão uma da outra67.
A autora conclui,
66 Danah ZOHAR, Através da barreira do tempo, p. 137.67 Ibid., p. 137, 138.
Jung chamou a esta um tanto mística e absoluta de “realidade transpsíquica”. E tambémargumentava que ali, num reino além da nossa psique consciente, com suas divisões entre mente ematéria e suas percepções causais manifestadas no espaço e no tempo, há uma unidade sem tempo,onde o passado, o presente e o futuro se fundem, e onde a matéria e a psique não passam demanifestações de uma única realidade68.
Podemos especular que Jung chegou a tais conclusões, em grande medida, apoiado
por seus estudos de parapsicologia. Na verdade, para Jung a prova decisiva da existência de
combinações de acontecimentos acausais foi apresentada de maneira científica adequada,
apenas com os experimentos parapsicológicos de J. B. Rhine e seus colaboradores, sobre
ESP (extra-sensory-perception), embora ele tenha achado que esses autores não
conseguiram reconhecer as conclusões de longo alcance que se deveriam extrair de suas
descobertas69.
Sabemos que mesmo atualmente, nenhum argumento crítico irrefutável foi
apresentado contra esses experimentos. O grupo de pesquisa de Rhine usou um baralho de
25 cartas, divididas em 5 grupos de 5, cada um dos quais com um desenho próprio (estrela,
retângulo, círculo, cruz, duas linhas onduladas). A descrição dos seus experimentos é a
seguinte: em cada série de experimentos retiravam-se aleatoriamente as cartas do baralho,
800 vezes seguidas, mas de modo que o sujeito (ou pessoa testada) não pudesse ver as
cartas que iam sendo retiradas. Sua tarefa era adivinhar o desenho de cada uma das cartas
retiradas. A probabilidade matemática calculada de acerto é de 1:5, mas o resultado médio
obtido com um número muito grande de cartas foi de 6,5 acertos em 25 cartas (ou seja, 1,5
acima da probabilidade matemática, que é de 5 acertos), e a probabilidade de um desvio
casual de 1,5 é só de 1/250.000. Alguns indivíduos alcançaram o dobro ou mais de acertos.
Em um caso excepcional, um jovem que, em numerosas tentativas, alcançou a média de 10
68 Danah ZOHAR, Através da barreira do tempo, p. 137, 138.69 Carl Gustav JUNG, Sincronicidade, p.10.
acertos em cada 25 cartas (o dobro, portanto, do número provável), de uma vez acertou
todas as 25 cartas, o que corresponde a uma probabilidade de
1/298.023.223.876.953.12570.
Os resultados individuais, como se observou, parecem variar de acordo com os
dotes específicos de cada sujeito experimental. Por outro lado, foram realizados
experimentos variando a distância entre o experimentador e a pessoa testada, desde uns
poucos metros até 4.000 léguas, sem afetar os resultados. Por exemplo, quando aumentada
a distância entre o experimentador e o sujeito experimental, em até 350 quilômetros, o
resultado médio de numerosas tentativas foi de 10,1 acertos em 25 cartas. Em outra série de
tentativas, quando ambos se achavam na mesma sala, o resultado foi de 11,4 acertos;
quando o sujeito experimental estava numa sala vizinha, foi de 9,7, e quando as duas salas
estavam afastadas uma da outra, foi de 12 em 25. Ou seja, estatisticamente o resultado
sempre esteve próximo do dobro do número provável, em alguns sujeitos experimentais.
Rhine mencionou as experiências de Usher e Burt, realizadas com resultados positivos, a
uma distância de mais de 960 léguas. Com a ajuda de relógios sincronizados, fizeram-se
também experimentações entre Durham (Carolina do Norte) e Zagreb, na Iugoslávia (cerca
de 4.000 léguas), também com resultados positivos71.
Jung observou desses dados empíricos e experimentais que, se a distância em
princípio não tem influência no resultado, isso é prova de que o objeto aqui em estudo não
pode ser um fenômeno de força ou energia, porque do contrário, a superação da distância e
a difusão (da energia ou suposta força) no espaço deveriam causar uma diminuição do
efeito final resultante, onde segundo cálculos físicos e matemáticos reconhecidos, o número
70 Ibid., p.11.71 Carl Gustav JUNG, Sincronicidade, p.11.
de acertos deveria ser inversamente proporcional ao quadrado da distância. Como isto não
aconteceu, Jung concluiu que a distância é fisicamente variável e, em determinadas
circunstâncias, pode ser reduzida a zero por alguma disposição psíquica72.
Jung argumentou que mais notável ainda é o fato de a variável tempo, em princípio,
não ser um fator negativo, isto é, a leitura antecipada de uma série de cartas a serem tiradas
no futuro produz um número de acertos que (também) ultrapassa os limites da
probabilidade. Nesse caso, o experimento era o seguinte: mandava-se o sujeito adivinhar
previamente a carta que iria ser retirada no futuro próximo ou distante. A distância no
tempo foi aumentada de alguns minutos até duas semanas. O resultado desta experiência
apresentou uma probabilidade de 1/400.000, o que significa uma probabilidade
considerável de que haja um fator independente do tempo.
Para Jung, os resultados da experimentação com o fator tempo apontam para uma
relatividade psíquica do tempo, visto que se trata de percepções de acontecimentos que
ainda não ocorreram. Em tais circunstâncias parece que o fator tempo foi eliminado por
uma função psíquica, ou melhor, por uma disposição psíquica que é capaz de eliminar
também o fator espaço. Jung assim conclui,
Se já nas experimentações com o fator espaço éramos obrigados a constatar que a energianão diminuía com a distância, nas experimentações com o fator tempo é totalmente impossívelpensar sequer em uma relação energética qualquer entre a percepção e o acontecimento futuro. Poristo, devemos renunciar a todos os tipos de explicação em termos de energia, o que equivaleria adizer que os acontecimentos desta natureza não podem ser considerados sob o ponto de vista dacausalidade, pois a causalidade pressupõe a existência do espaço e do tempo, uma vez que todas asobservações se baseiam, em última análise, sobre corpos em movimento73.
Jung ainda cita os experimentos PK (psicocinéticos) com dados, realizados por
Rhine. Aqui, o sujeito experimental deve lançar dados, e ao mesmo tempo desejar que uma
72 ibid., p.12.73 Carl Gustav JUNG, Sincronicidade, p.10
das faces com um número específico (por exemplo, o três) apareça o maior número
possível de vezes. Os resultados foram positivos, e tanto mais vezes, quanto maior era o
número de dados utilizados de uma só vez. Jung concluiu com os experimentos
psicocinéticos de Rhine que se o espaço e o tempo são fatores psiquicamente relativos, o
corpo em movimento deve possuir também uma relatividade ou deve estar sujeito a ela.
Assim, resumindo: o experimento espacial parece mostrar que a psique pode
eliminar o fator espaço até certo ponto. A experimentação com o tempo nos mostra que o
fator tempo (pelo menos na dimensão futuro) pode ser relativizado psiquicamente. A
experimentação com os dados, nos indica que os corpos em movimento podem ser
influenciados também psiquicamente, como se pode prever a partir da relatividade psíquica
do espaço e do tempo. Por sua vez, para Jung, o postulado da energia é inaplicável no
experimento de Rhine, o que exclui a idéia de transmissão de força, bem como a aplicação
da lei da causalidade. Além disso, é impossível imaginar como um acontecimento futuro
seja capaz de influir num outro acontecimento já no presente, ou em outros termos, seria
absurdo admitir que uma situação ainda não existente, e que só se dará no futuro, possa
transferir-se como fenômeno energético para um receptor do presente. Para Jung, parece
mais indicado dizer que a explicação deve começar, de um lado, com uma crítica ao nosso
conceito de tempo e lugar e, do outro lado, com o inconsciente. Além disso, como
atualmente é impossível qualquer explicação causal, forçoso é admitir, pelo menos, a título
provisório, que houve acasos improváveis ou coincidências significativas de natureza
acausal. Por causa dessa simultaneidade, Jung escolheu o termo sincronicidade para
designar um fator hipotético de explicação equivalente à causalidade. Assim, Jung
considera a sincronicidade como uma relatividade do tempo e do espaço condicionada
psiquicamente74.
Segundo Jung, nas experiências parapsicológicas de Rhine o tempo e o espaço se
comportam, por assim dizer, “elasticamente” em relação à psique, podendo ser reduzidos,
aparentemente à vontade: podem ser reduzidos mais ou menos a zero, como se
dependessem de condições psíquicas, ou como se não existissem por si mesmos, mas sim,
fossem “produzidos” pela consciência.
Ou seja, como afirma o próprio autor, “em si, o espaço e o tempo consistem em
nada”75. São conceitos hipostasiados, nascidos da atividade discriminatória da consciência,
formando coordenadas que servem de parâmetro para descrever e medir o comportamento
dos corpos em movimento. O tempo e o espaço são, para Jung, conceitos de origem
essencialmente psíquica, o que é equivalente a hipótese de Kant que os considera como
categorias a priori. Jung conclui que,
se o espaço e o tempo são propriedades aparentes dos corpos em movimento, criadas pelasnecessidades intelectuais do observador, então sua relativização por uma condição psíquica, emqualquer caso, já não é algo de miraculoso, mas situa-se dentro dos limites da possibilidade76.
Contudo, Jung assevera que essa possibilidade ocorre, quando a psique observa não
o corpo exterior, mas a si própria. Ele salienta, por exemplo, que as respostas dos sujeitos
nos experimentos de Rhine, não são produtos das cartas materiais, mas sim da pura
imaginação, ou da pura atividade da psique, ou ainda, das associações de idéias (ou
complexos) que, por si, revelam a estrutura do inconsciente que as produz. Nesse ponto,
Jung complementa,
74 Carl Gustav JUNG, Sincronicidade, p. 87.75 Ibid., p.14.76 Carl Gustav JUNG, Sincronicidade, p.14.
... são os fatores decisivos da psique inconsciente, os arquétipos, os que constituem aestrutura do inconsciente coletivo. Este último, porém, representa uma “psique” idêntica em todos osindivíduos, e não pode ser percebida nem observada diretamente, ao contrário dos fenômenospsíquicos perceptíveis; por esta razão eu a chamei de psicóide77.
Zohar comenta que a teoria da sincronicidade baseia-se na existência de
coincidências significativas, e para Jung o “significado” era a palavra-chave que
proporcionava a dinâmica do fenômeno sincronístico. Segundo a compreensão dessa física
quântica, os pensamentos ou acontecimentos que possuem algum significado comum (e
possíveis correlações de acontecimentos “externos” que compartilhem algum sentido nesse
campo de significado) são atraídos um para o outro quase como imãs, embora não seja
necessário haver nenhum relacionamento ortodoxo causal entre esses fatores. Tais
significados compartilhados poderiam ocasionalmente reunir-se no nível da realidade
cotidiana (apresentando-se como “coincidência”, telepatia ou precognição), porque “mais
abaixo”, no nível da realidade transpsíquica, onde todas as mentes estão “ligadas” na
mesma fonte, todos os significados compartilhados se encontram ligados
sincronisticamente. Isso relaciona o conceito de realidade transpsíquica e a teoria da
sincronicidade à teoria do inconsciente coletivo, dos arquétipos e do Self78.
Para finalizarmos a compreensão do conceito de realidade transpsíquica, precisamos
compreender três outros conceitos que lhes são implicados: (1) a natureza psicóide dos
arquétipos, (2) o conceito de Unus Mundus e (3) e a idéia da existência de um
conhecimento absoluto do inconsciente.
Stein define psicóide como “um adjetivo referente às fronteiras da psique, uma das
quais estabelece o contato direto com o corpo e o mundo físico, e a outra com o domínio do
77 Ibid., p.14.78 Danah ZOHAR, Através da barreira do tempo, p. 138.
´espírito`”79. Para o autor, o conceito de sincronicidade de C. G. Jung, representa uma linha
de pesquisa sobre o Self, que demarca um ponto de transgressão da fronteira entre psique e
não-psique. Como o arquétipo per se é psicóide e não se encontra rigorosamente dentro dos
limites fixados pelas fronteiras da psique, serve de ponte entre os mundo interior e exterior,
e decompõe a dicotomia sujeito-objeto.
Para Stein, a curiosidade acerca das fronteiras da psique levou Jung a formular uma
teoria que procura articular um único sistema unificado que abrange matéria e espírito e
lança uma ponte entre tempo e eternidade80. Nesse sentido, a teoria da sincronicidade é
considerada uma extensão da teoria do Self à Cosmologia, que é a ciência do
funcionamento do Universo, e hoje é uma área de especialização intermediária da Física, da
Astronomia e da Filosofia. Com o conceito de sincronicidade, a Psicologia também passa a
oferecer a sua contribuição à Cosmologia. A sincronicidade fala da profunda e oculta
ordem e unidade entre tudo o que existe, e também revela, segundo Stein, C. G. Jung
enquanto um metafísico (uma identidade que ele teria procurado negar em si mesmo, pelo
menos por um certo tempo)81.
Os fenômenos de sincronicidade exemplificados não são, stricto sensu, psicológicos
e, no entanto, possuem uma profunda conexão com a vida psicológica. Os arquétipos,
segundo Jung, são passíveis de transferência, ou seja, não estão limitados à esfera psíquica.
Em sua transferibilidade, podem surgir na consciência quer oriundos do interior da matriz
psíquica, quer do mundo à nossa volta – ou de ambos simultaneamente. Quando ocorrem ao
mesmo tempo, são chamados de sincronísticos. Assim, a compensação psicológica pode
ocorrer não só em sonhos, mas também em acontecimentos não-psicologicamente
79 Murray STEIN, Jung – O Mapa da Alma, p. 206.80 Ibid., p.176.81 Ibid., p.177.
controlados. Ou seja, a compensação pode chegar, às vezes, do mundo exterior. É o que
acontece no exemplo clássico da paciente com o sonho do escaravelho, em que um besouro
entra no consultório pela janela, no momento em que ela relatava o referido sonho a Jung.
Segundo a linha de raciocínio de Jung, se não se pode explicar causalmente a coincidência
ou “conexão cruzada” significativa de certos acontecimentos, então o princípio de ligação
consiste na equivalência de sentidos dos acontecimentos paralelos; em outras palavras: o
seu tertium comparationis é o sentido. Como estamos tão acostumados a considerar o
“sentido” como um processo ou um conteúdo psíquico, então relutamos em admitir que ele
possa existir também fora de nossa psique. Mas, a teoria da sincronicidade mostra que isso
pode acontecer.
Observamos que a obra de C. G. Jung sobre a sincronicidade acrescenta à sua teoria
psicológica a noção de que existe um alto grau de continuidade entre a psique e o mundo,
de tal modo que imagens psíquicas podem revelar também verdades sobre a realidade no
espelho refletor da consciência humana. Assim, a psique não é algo que começa e
termina somente em seres humanos e em isolamento do cosmos82. A tese de Jung é a de
que há uma dimensão na qual a psique e o mundo interagem intimamente e se
refletem reciprocamente83. Segundo suas palavras,
A sincronicidade postula um significado aprioristicamente relacionado com a consciênciahumana e que parece existir fora do homem. Semelhante hipótese ocorre sobretudo na filosofia dePlatão, a qual admite a existência de imagens ou modelos transcendentais das coisas empíricas, aschamadas formas, de que as coisas são cópias. Esta concepção não somente não apresenta nenhumadificuldade para os tempos antigos, mas era como que uma evidência em si mesma84.
Esse fenômeno também não seria uma novidade para o pensamento oriental. Jung
conta que dois sábios chineses no século XII, baseando-se na hipótese da unidade de toda a
82 Murray STEIN, Jung – O Mapa da Alma, p.178.83 Ibid., p.178.84 Carl Gustav JUNG, Sincronicidade, p. 67,68
natureza, procuraram explicar a simultaneidade de um estado psíquico com um processo
físico como uma equivalência de sentido. Em outras palavras eles supõem que o mesmo
Ser se exprime tanto no estado psíquico como no estado físico85.
Segundo suas observações, até o século XVIII, o pensamento filosófico admitia uma
correspondência secreta ou uma conexão significativa entre os acontecimentos naturais.
Essa hipótese – que irá originar a idéia que Jung denominou como o Unus Mundus - tem a
vantagem de não entrar em choque com o princípio da causalidade (que como sabemos é
quase universalmente aceito na ciência), e pode ser considerado como um princípio sui
generis. Isso obriga não há uma correção dos princípios da explicação natural, mas a uma
ampliação dos mesmos.
Jung conseguiu apoio para todas essas idéias na Física Moderna, onde a visão de
universo estava em fase de mudança e expansão de modo a acomodar a sua tese. Tanto que
em 1952, ele e o Nobel de Física Wolfgang Pauli publicaram juntos o livro “A
Interpretação da Natureza e a Psique”, que como o título mesmo sugere, foi uma tentativa
de elucidação das possíveis relações entre natureza e psique. Não foi à toa que Jung
publicasse essa obra em conjunto com um cientista vencedor do Nobel e não com um
filósofo, um teólogo ou um mitologista. De toda a obra teórica de Jung, seu estudo sobre a
sincronicidade é o que está mais vulnerável a interpretações distorcidas. Ele queria evitar
ser visto como um místico ou um excêntrico, e se preocupava com a maneira como iria
expor essa parte do seu pensamento aos olhos do público científico moderno. Para o
pensamento científico ordinário, algumas implicações do conceito de sincronicidade são
temerárias. Por exemplo, supõe-se tradicionalmente que a psicologia se limita ao que ocorre
na mente humana; mas com a sua teoria do si-mesmo e da sincronicidade, a psicologia
85 Carl Gustav JUNG, Sincronicidade, p. 29.
analítica de Jung desafiou essa segmentação arbitrária. Quando estudantes perguntaram
certa vez a Jung onde termina o Si-mesmo e quais as suas fronteiras, sua resposta foi que
não tem fim, é ilimitado. Para se entender o que ele quis dizer com esse comentário, tem
que se levar em conta que ele estava considerando as implicações cosmológicas da
sincronicidade para a teoria do si-mesmo.
As teorias da Física Moderna na época de Jung, e principalmente na atualidade,
parecem fornecer cada vez mais elementos que ajudam a corroborar a cosmovisão oferecida
por sua teoria da sincronicidade. A teoria quântica, por exemplo, afirma que pode haver
ligações e correlações entre acontecimentos muito distantes na ausência de qualquer força
ou sinal intermediário, e que essa “ação à distância” será instantânea. Esse “Princípio da
Não-localização” (segundo o qual alguma coisa pode ser afetada na ausência de qualquer
causa local) é matematicamente demonstrado na teoria quântica pelo Teorema de Bell – e
parte necessariamente da natureza essencialmente indeterminada da realidade, como é
sugerido pelas equações de onda da teoria quântica86. Segundo Zohar, a teoria quântica
indica que não existem coisas como partes isoladas da realidade, mas antes, apenas
fenômenos muito intimamente relacionados e tão ligados entre si como se fossem
inseparáveis. Essa visão sustenta que nosso mundo físico “... não é uma estrutura feita de
entidades não analisáveis de existência independente, mas uma rede de relacionamentos
entre elementos cujos significados se elevam de seus relacionamentos ao todo”87. Para a
autora, essa visão, “com suas nuances evidentemente místicas”, vai diretamente contra não
apenas o bom senso e a física clássica, mas também contra a Teoria da Relatividade, tanto
86 A demonstração matemática do Teorema de Bell excede os objetivos dessa monografia, e por isso, noscontentaremos por hora, apenas com a providencial citação de sua existência, que para nossos fins já é osuficiente.87 Danah ZOHAR, Através da barreira do tempo, p. 163.
que Einstein, e mais dois pesquisadores – Boris Podolsky e Nathan Rosen – uniram-se e
formularam um experimento imaginário para tentarem refutar a hipótese quântica da
unidade essencial de todas as coisas no Universo. Ao invés disso, apenas a confirmaram.
Esse experimento é chamado de Paradoxo EPR, e pode ser descrito da seguinte
maneira: Imagine que um átomo radioativo se desintegre e envie duas partículas em
direções opostas e com spins88 opostos. Sabe-se que um observador que olhe apenas uma
partícula não consegue prever se ela estará girando para a direita ou para a esquerda. Mas,
se as medições (ou seja, se as equações matemáticas) do observador mostrarem que ela está
girando para a direita, ele poderá prever que a outra partícula estará girando para a
esquerda, e vice-versa. A outra partícula poderia estar agora do outro lado da galáxia, mas
ainda assim saberíamos instantaneamente em que direção estava girando. Einstein achava
essa possibilidade, proposta pela teoria quântica, como sendo ridícula, pois para ser
verdadeira, precisaria ser necessário haver troca de informações entre as partículas numa
velocidade maior que a da luz, algo proibido pela teoria da relatividade. Porém a maioria
dos cientistas observou que Einstein se confundiu. O experimento imaginário de Einstein,
Rosen e Podolsky não mostra que seja possível enviar informações mais rapidamente que a
luz89. Uma interpretação mais condizente com a teoria quântica é a de que o experimento
poderia ser possível se considerarmos uma interligação essencial entre as partículas em
questão, permitindo que instantaneamente ao saber a posição de uma partícula, se possa
calcular a posição da outra90. Segundo o físico Amit Goswami essa última linha de
88 Segundo Stephen Hawking, o spin é uma propriedade interna das partículas elementares, relacionada, masnão idêntica, ao conceito comum de rotação.89 Stephen HAWKING, O Universo numa casca de noz, p. 123, 124.90 Cf. Danah ZOHAR, passim.
interpretação seria comprovada pelo denominado experimento de não-localidade de Alain
Aspect, e pelo teorema matemático do físico John Bell91.
A Localidade é um conceito da Física Relativista de Einstein que postula a idéia de
que todas as interações ou comunicações entre objetos ocorrem através de campos ou sinais
que se propagam através do espaço-tempo, obedecendo ao limite da velocidade da luz. A
Não-localidade é um conceito que surge na Física Quântica, e inicialmente parece se opor à
cosmovisão relativista, ao designar a possibilidade de uma influência ou comunicação
instantânea, entre elementos quânticos, sem qualquer troca de sinais através do espaço-
tempo, como se tratassem de uma totalidade intacta ou da existência de uma não-
separabilidade que transcende o espaço-tempo. O experimento Aspect e o Teorema de Bell
parecem resolver o paradoxo EPR, e assim, confirmarem a realidade da possibilidade do
fenômeno da Não-localidade92.
A partir desses postulados, Goswami propõe a existência do que ele chama de
Domínio Transcendental93, conceito que designa um reino da realidade que se situa
paradoxalmente dentro e fora do espaço-tempo físico. Tratar-se-ia de uma dimensão da
realidade que opera num nível não-local, e que pode influenciar eventos no espaço-tempo,
ao tornar possíveis conexões, porém sem comunicação por sinais, através do espaço-tempo.
O conceito de sincronicidade complementaria que essas conexões não-locais (portanto,
acausais) se dariam através de elos de significado. Para Goswami,
Jung tinha um termo para o domínio transcendente da consciência, onde reside a causacomum de todos os eventos síncronísticos – o inconsciente coletivo. Foi denominado inconscienteporque, normalmente, não estamos cientes da natureza não-local desses eventos. Empiricamente,Jung descobriu que além do inconsciente pessoal freudiano, há um aspecto coletivo transpessoal denosso inconsciente que tem que operar fora do espaço-tempo, tem que ser não-local, uma vez queparece ser independente de origem geográfica, cultura, ou tempo.
91 Amit GOSWAMI, O Universo Autoconsciente, p. 144-170.92 Amit GOSWAMI, passim.93 Amit GOSWAMI, O Universo Autoconsciente, p. 318.
As correlações não-locais do teorema de Bell e do experimento de Aspect são coincidênciasacausais e seu significado – tais como os eventos de sincronicidade – segue o padrão de emergirsempre após o fato, quando os observadores comparam dados. Se essas correlações são exemplos dasincronicidade junguiana, então o aspecto de consciência não local aqui envolvido terá que serrelacionado com o conceito de Jung relativo ao inconsciente coletivo 94.
Nesse estudo, podemos considerar que o Domínio Transcendente ao qual se refere
Goswami deve corresponder, com toda a sua terminologia mais moderna, à mesma idéia ao
qual Jung queria se referir ao propor a existência de uma Realidade Transpsíquica na base
da psique, conceitos esses que por sua vez, estão diretamente relacionados ao conceito de
inconsciente coletivo, essa dimensão transpsíquica ou transpessoal do nosso psiquismo ou
de nossa alma.
A hipótese da teoria quântica que compreende o universo como uma unidade básica
é correspondente na psicologia junguiana à noção de Unus Mundus95, que por sua vez nos
leva também à noção da existência do conceito quase metafísico que Jung denominou de
Conhecimento Absoluto, ou seja, um saber apriorístico do inconsciente. Segundo Jung, a
finalidade psíquica repousa em um significado “preexistente” que só se torna problemático
quando é um arranjo inconsciente. Nesse caso, ele sugere que se deve admitir uma espécie
de “conhecimento” anterior a qualquer consciência.
Em parte, Jung chega a essa conclusão se questionando sobre como um
acontecimento distante no espaço e mesmo no tempo, pode produzir (em fenômenos
parapsicológicos de clarividência ou sonhos precognitivos, por exemplo) uma imagem
psíquica correspondente, abstendo-se de qualquer processo de transmissão de energia (e,
portanto, de informação), tal como se poderia esperar pelo pensamento comum. Segundo
ele, por mais incompreensível que isto possa parecer, nós nos vemos, afinal, forçados a
94 Ibid., p.160, 161.95 Andrew SAMUELS, Dicionário Crítico de Análise Junguiana, p.221.
admitir que há, no inconsciente, uma espécie de conhecimento ou ´presença` a priori de
acontecimentos, sem qualquer base causal (em qualquer caso, nosso conceito de
causalidade é incapaz de explicar os fatos). Segundo Jung, esse não é um conhecimento
diretamente ligado ao eu (ego), e portanto, não é um conhecimento consciente como o
conhecemos, mas um conhecimento inconsciente subsistente em si mesmo.
A hipótese do Conhecimento Absoluto, a priori, denuncia que o inconsciente muitas
vezes sabe mais do que a consciência. Segundo Stein, é esta concepção que leva Jung aos
limites extremos de suas especulações sobre a unidade da psique e do mundo. Se sabemos
coisas que estão além da nossa possibilidade consciente de conhecimento, então também
existe em nós um conhecedor desconhecido, um aspecto da psique que transcende as
categorias de tempo e espaço e está simultaneamente presente aqui e ali, de tempos em
tempos. Esse seria o Si-Mesmo (o Self)96.
96 Murray STEIN, Jung – O Mapa da Alma, p.186, 187.
Capítulo 4 – Realidade Transpsíquica e Percepções Transcerebrais
Jung relata experiências que parecem revelar a existência de processos psíquicos
naquilo que comumente se considera como um “estado inconsciente”, quando, por
exemplo, um indivíduo sofre um acidente, e fica desacordado, numa síncope profunda
decorrente de alguma lesão cerebral. Em alguns casos – argumenta Jung – contra todas as
expectativas, uma lesão craniana grave nem sempre implica a correspondente perda de
consciência. Ao observador, a pessoa que sofreu a lesão parece apática, paralisada, “em
transe” e subjetivamente privada dos sentidos, porém a consciência não se acha extinta.
Jung cita um exemplo de uma paciente que vivenciara um estado de coma,
momentâneo, e que depois de acordada, sabia descrever com exatidão os movimentos e
procedimentos realizados pelos médicos e enfermeiros para a reabilitar97. Diante de seu
relato, os profissionais de saúde ficaram estarrecidos, mas tiveram que admitir a exatidão
de suas percepções. Durante a síncope (desmaio), a paciente tomou consciência de que, sem
sentir seu corpo e a posição em que jazia, ela olhava para baixo, de algum ponto situado
junto ao teto do quarto, e podia ver tudo o que se passava no recinto, abaixo dela, incluindo
a visão de si mesma deitada na cama, pálida e de olhos fechados, bem como a agitação dos
profissionais de saúde para reanimá-la. A paciente chegou a descrever para Jung, a
existência por trás dela, de um belo jardim para “outro mundo”. Jung cita outros exemplos
gerais, em que num estado semelhante de inconsciência, as pessoas têm uma sensação
nítida e impressionante de alucinação ou levitação. São casos em que a pessoa ferida tem
impressão de que se eleva no ar na mesma posição em que se encontrava no momento em
que recebeu o ferimento. Ocasionalmente, tem-se a impressão de que o espaço circundante
97 Carl Gustav JUNG, Sincronicidade, p. 72, 73.
se eleva também. Pode-se perder a sensação do peso. Durante a levitação, a disposição
interior é predominantemente eufórica: ´sublime, solene, lindo, celestial, relaxante, feliz,
despreocupado, excitante`, são as palavras usadas – segundo Jung – para descrever esse
estado98.
Jung assevera que não é fácil explicar como que tais processos psíquicos
inusitadamente intensos podem ocorrer em estado de colapso grave e ser lembrados depois,
e como o paciente pode observar acontecimentos reais em seus detalhes concretos, com os
olhos fechados. Segundo todos os pressupostos, era de se esperar que uma anemia cerebral
tão definida afetasse notavelmente ou mesmo impedisse a ocorrência de processos
psíquicos tão altamente complexos. Porém, estas experiências parecem mostrar que nos
estados de síncope nos quais, segundo todos os padrões de julgamento humano, há plena
certeza de que a atividade da consciência e, sobretudo as percepções sensoriais estão
suspensas, a consciência, as idéias reproduzíveis, os atos de julgamento e as percepções
podem continuar a existir contra todas as expectativas.
A sensação de levitação que ocorre nestas condições, bem como a alteração do
ângulo de visão e a extinção da audição e das percepções cinestésicas indicam uma
mudança da localização da consciência, uma espécie de separação do corpo ou do córtex
cerebral ou cérebro, onde se “supõe” esteja a sede dos fenômenos conscientes.
Jung se questiona (1º) se não existe em nós um outro substrato nervoso ou cérebro
que possa pensar e perceber, ou (2º) se os processos psíquicos que ocorrem em nós durante
a perda de consciência não são fenômenos sincronísticos que não têm nenhuma conexão
causal com os processos orgânicos.
Jung argumenta que,
98 Carl Gustav JUNG, Sincronicidade, p. 71, 72.
... Não se deve excluir a priori esta última possibilidade, sobretudo dada a existência daESP, ou percepções independentes do tempo e do espaço que não podem ser explicadassimplesmente como processos do substrato biológico. Onde percepções sensoriais são impossíveis, jáde início, só se pode pensar em sincronicidade99.
Jung então conclui que existem provas suficientes da existência de pensamentos e
percepções transcerebrais, e afirma que “é preciso ter presente esta possibilidade, se
pretendemos explicar a existência de alguma forma de consciência durante a inconsciência
do estado de coma”100.
Em outro momento Jung afirma o seguinte,
Dou-me suficientemente conta de que a sincronicidade é um fator sumamente abstrato eirrepresentável. Atribuo aos corpos em movimento uma certa propriedade psicóide que como oespaço, o tempo e a causalidade, constitui um critério de seu comportamento. Devemos renunciarinteiramente à idéia de uma psique ligada a um cérebro e lembrar-nos, ao contrário, docomportamento “significativo” ou “inteligente” dos organismos inferiores desprovidos de cérebro.Aqui nos encontramos próximos do fator formal que, como dissemos, nada tem a ver com aatividade cerebral.
Ou seja, Jung parece questionar que a origem de nossos conteúdos psíquicos se
encontrem em nossos processos neurológicos ou cerebrais. Em outra ocasião, eu próprio
tratei dessa temática a partir de outros sistemas de referências epistemológicos, que são
segundo o meu entendimento, complementares à visão junguiana101.
Atualmente realizo uma série de pesquisas e estudos sobre a relação entre a
chamada Doutrina Espírita e a Psicologia. Dentro da linha de pensamento que sigo, o
Espiritismo é compreendido como uma complexa doutrina que tenta integrar conceitos
científicos, filosóficos e religiosos, codificados por Allan Kardec, na 2ª metade do século
XIX, constituindo uma compilação de informações parcialmente reveladas por supostas
entidades extra-físicas (espíritos), através de fenômenos parapsíquicos conhecidos como
99 Ibid., p. 74.100 Carl Gustav JUNG, Sincronicidade, p. 75.101 Adalberto Ricardo PESSOA, passim.
comunicações mediúnicas, e que tratam de assuntos profundos relacionados ao homem, ao
Universo e a Deus. A despeito do fato de que o meio acadêmico formal (especialmente na
Psicologia) não considere legítimo o aspecto científico dessa doutrina, o fato é que o
Espiritismo, assim como todas as religiões, possui uma visão específica de ser humano e
uma cosmovisão sobre o Universo102, e isso por si só, como sugeri em outra oportunidade,
já seria o suficiente para fundamentar um projeto de estudo ou de pesquisa de seu conteúdo,
dentro de uma paradigma epistemológico de orientação fenomenológico ou holístico103.
O aspecto fundamental que quero destacar é que assim como Jung, a existência de
pensamentos e percepções transcerebrais também tem sido evidenciada por uma série de
pesquisadores espíritas. Um deles é o neurologista Núbor Orlando Facure104, que em seu
livro Muito além dos neurônios – conferências e entrevistas sobre mente e Espírito,
considera que embora o cérebro seja um órgão extraordiário, a origem de nossos processos
mentais não deve se originar em seus processos biológicos. Para ele, o cérebro é o “órgão
de inserção do espírito nas coisas”, e o autor também comenta sobre a existência de uma
“memória extra-cerebral, acumulada no cérebro espiritual” que pode ser revelada em
condições especiais105.
O médico, psiquiatra e psicanalista Sérgio Felipe de Oliveira106, que realizou o seu
mestrado na USP sobre o funcionamento da glândula pineal, também pesquisou sobre a
relação entre psicossomática e conhecimento espírita, e chegou à conclusão que o
102 Esse fato é conhecido pela maioria dos psicólogos junguianos, e principalmente, pelos psicólogostranspessoais.103 Adalberto Ricardo PESSOA, passim104 Núbor Orlando Facure é Membro da Associação Médico-Espírita de São Paulo e do Brasil, fezespecialização em Neurologia e Neurocirurgia no hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) elecionou na Faculdade de Medicina de Campinas – UNICAMP – durante 30 anos, onde fez doutorado, livre-docência e tornou-se professor titular.105 Núbor O. FACURE, Muito além dos neurônios, p. 80.106 O professor Sérgio Felipe divulga seus trabalhos de pesquisa no site www.uniespirito.com.br.
pensamento não se origina, de fato, no cérebro. Para ele o cérebro é um órgão transdutor do
pensamento, ou seja, o pensamento é produzido por outro sistema, o qual ele considera
designar como sendo o Espírito. Em outras palavras, o cérebro teria a função de captar,
registrar, filtrar, processar e associar, os conteúdos psíquicos que por sua vez, seriam em
essência, expressões originadas na Alma, ou no nosso Espírito. Assim, não é o cérebro,
como órgão material biológico que produz o pensamento, mas é este órgão que define as
condições em que uma dada expressão da alma possa ou não, se manifestar107. O professor
Sérgio Felipe levanta alguns argumentos matemáticos para apoiar a sua hipótese108.
Não é objetivo desse trabalho de pesquisa questionar a legitimidade do conceito de
espírito nos moldes da chamada Doutrina Espírita. Jung possuía o seu entendimento
particular dos conceitos de Alma e Espírito, e o aprofundamento dessas noções justificaria
um trabalho de pesquisa à parte. O meu objetivo é apenas salientar a importância de se
refletir sobre a aparente independência dos processos psíquicos e do funcionamento do
cérebro, tanto na teoria da sincronicidade de Jung, quanto nos estudos de medicina109 e
psicologia espírita.
A minha hipótese é que a existência de pensamentos e percepções transcerebrais
constituem uma evidência adicional do nível de realidade que estamos chamando de
transpsíquica. Outra evidência desse nível de realidade é a citação de Jung (já evidenciada
nessa monografia) sobre a idéia do físico Sir James Jeans que, acha possível que as origens
dos acontecimentos no substrato para além do espaço e do tempo (ou seja, no nível da
107 Adalberto Ricardo PESSOA, A Quinta Força, p. 123.108 Adalberto Ricardo PESSOA, A matemática do Perispírito, http://www.psicologiaespirita.rg3.net.109 Creio que vale frisar que, especialmente no Brasil, a medicina tem se mostrado mais aberta em relação aosestudos e pesquisas das “Ciências do Espírito”, do que a psicologia.
realidade transpsíquica) incluam, também, as nossas atividades mentais, de sorte que o
curso dos acontecimentos futuros depende em parte dessa atividade mental110.
Para os pesquisadores espíritas, o nível da realidade transpsíquica corresponderia ao
conceito ou nível de realidade do perispírito, que fenomenologicamente é uma zona
intermediária entre o espírito e a matéria. Por trás desse conceito – para utilizar uma
terminologia junguiana – subjaz a noção arquetípica da qualidade psicóide.
A existência de pensamentos transcerebrais também estaria relacionada a uma
compreensão da psicossomática como um fenômeno de sincronicidade. Segundo Jung,
A sincronicidade possui certas qualidades que podem ajudar-nos a esclarecer o problemacorpo-alma. É sobretudo o fato da ordem sem causa, ou melhor, do ordenamento significativo quepoderia lançar alguma luz sobre o paralelismo psicofísico. O “conhecimento absoluto”, que écaracterístico dos fenômenos sincronísticos, conhecimento não transmitido através dos órgãos dossentidos, serve de base à hipótese do significado subsistente em si mesmo, ou exprime suaexistência. Esta forma de existência só pode ser transcendental porque, como no-lo mostra oconhecimento de acontecimentos futuros ou espacialmente distantes, se situa em um espaçopsiquicamente relativo e num tempo correspondente, isto é, em um contínuo espaço-tempoirrepresentável111.
Jung chama a atenção para a aparente raridade das ocorrências espontâneas do
fenômeno sincronístico, mas adianta a possibilidade de uma exceção na psicossomática.
Segundo suas palavras,
... devemos ter presente que os fenômenos sincronísticos que podem ser verificadosempiricamente, longe de constituírem uma regra, são tão raros, que quase sempre se duvida de suaexistência. Na realidade, eles são, certamente muito mais freqüentes do que se pensa e se podeprovar, mas ainda não sabemos se ocorrem de modo tão freqüente e com tanta regularidade, que sepossa dizer que são fatos que obedecem a determinadas leis. (...) Aqui, devo acentuar mais uma vez apossibilidade de a relação entre corpo e alma ser entendida como uma relação de sincronicidade. Seesta simples conjetura um dia se confirmar, minha atual opinião de que a sincronicidade é umfenômeno relativamente raro será corrigida112.
110 Carl Gustav JUNG, Sincronicidade, p. 78.111 Ibid., p. 71.112 Carl Gustav JUNG, Sincronicidade, p. 66.
Conclusão
Vimos que os fenômenos sincronísticos são a prova da presença simultânea de
equivalências significativas em processos heterogêneos sem ligação causal; em outros
termos, eles provam que um conteúdo percebido pelo observador pode ser representado, ao
mesmo tempo, por um acontecimento exterior, sem nenhuma conexão causal. Daí se
conclui: ou que a psique não pode ser localizada espacialmente, ou que o espaço é
psiquicamente relativo. O mesmo vale para a determinação temporal da psique ou a
relatividade do tempo. A constelação desse fato tem conseqüências de longo alcance, que
culminam no conceito de uma realidade transpsíquica na base da psique.
Em função de seu caráter psicóide, essa dimensão pode ser também a base da
própria realidade física que observamos, sentimos e vivemos. Inicialmente, temos que a
subida à consciência de padrões e imagens oriundas das profundezas do inconsciente
coletivo psicóide fornece ao gênero humano seu propósito no universo. Temos aqui, um
novo paradigma ou conceito de ciência, em que a consciência humana ganha uma grande
importância, já que para Jung, a significação da vida humana neste planeta está vinculada à
nossa capacidade de conscientização, ao adicionar ao mundo uma percepção reflexiva de
coisas e significados. Em outros termos, os humanos estão em uma posição que lhes
permite tomarem consciência de que o cosmos tem um princípio ordenador. Segundo o
conceito de sincronicidade, só uma cosmologia dessa espécie será aceitável no mundo
contemporâneo.
Como base para uma nova visão do mundo, o conceito de sincronicidade e suas
implicações funcionam com eficácia porque são bastante fáceis de entender intuitivamente
e de incorporar à vida cotidiana de cada um. Por exemplo, todos temos consciência de
acontecimentos em que a “sorte” nos bafejou e de dias de “azar” em que tudo parece correr
mal. Grupos de eventos que estão relacionados através de significado e imagem, mas
causalmente sem relação alguma entre si, podem ser facilmente experimentados e
verificados por qualquer pessoa. Mas aceitar esse conceito seriamente como princípio
científico nada tem de fácil, mas sim de revolucionário, já que a era do Iluminismo deixou
especificamente para o pensamento científico, filosófico e histórico um legado de faticidade
sem significação, supondo que o cosmos e a história estão dispostos pelo acaso e pelas leis
causais que governam a matéria. O paradigma da sincronicidade, por outro lado, requer
uma forma de pensar inteiramente nova acerca da natureza e da história. Se uma pessoa
pretende encontrar uma significação em eventos históricos, por exemplo, a implicação é
que o subjacente arquétipo de ordem está organizando a mesma de tal modo a produzir
algum novo avanço da consciência da própria humanidade. Isso não significa progresso
como os seres humanos gostariam de pensar, mas antes, um avanço no entendimento da
realidade, que pode equivaler ao reconhecimento tanto do seu lado terrível quanto de sua
face bela e gloriosa. Cada um de nós, portanto, é o portador de um fragmento de
consciência de que a realidade e o tempo necessitam para ampliar o conhecimento dos
motivos subjacentes que se desenrolam na história. Ou seja, o indivíduo é um co-criador do
reflexo de realidade que a história como um todo revela. Cada história individual e a
coletiva como um todo, devem ser vistas em relação recíproca e unidas de forma
significativa113.
Nesse sentido, a fim de relacionar a teoria dos arquétipos com os eventos
sincronísticos que transgridem as fronteiras do mundo psíquico, Jung viu-se forçado a
ampliar a sua noção da natureza não-psíquica do arquétipo. Por um lado, é psíquico e
psicológico, uma vez que é experimentado dentro da psique na forma de imagens e idéias.
113 Murray STEIN, Jung – O Mapa da Alma, p. 190,191.
Por outro lado, é irrepresentável em si mesmo e sua essência está fora da psique,
representando uma sua propriedade de transgressividade. O arquétipo transgride as
fronteiras da psique e da causalidade, embora seja “portado” por ambas.
Jung tem o propósito de atribuir à transgressividade o significado de que as
configurações que ocorrem na psique estão relacionadas com eventos e padrões situados
fora da psique. A característica comum a ambos os domínios é o arquétipo. Para citar um
exemplo, no caso da bomba atômica, o arquétipo do Si-mesmo (Self) é revelado na história
dentro e fora da psique pelo evento de sua explosão, na e através do contexto histórico
mundial em que surgiu, e por milhões de sonhos em que figurou a bomba114.
Essa idéia da transgressividade do arquétipo desenvolve-se em duas direções: Em
primeiro lugar, afirma existir uma significação objetiva subjacente nas coincidências que
ocorrem na psique e no mundo, e os impressionam como intuitivamente significativas. Por
outro lado, ou em segundo lugar, cria a possibilidade de que exista um significado onde
intuitivamente não o enxergamos, quando por exemplo, ocorrem acidentes que nos
impressionam como meramente devidos ao puro acaso. Em ambos os casos, esse tipo de
significação vai além de (transgride) a cadeia de causalidade linear.
A minha hipótese particular é que essa significação possa ter também uma
orientação evolutiva dentro do processo de individuação de cada um de nós,
especialmente quando ainda temos alguma lição existencial importante a ser realizada
em nosso processo de amadurecimento pessoal. Essa possibilidade pode ter implicações
importantes para o trabalho clínico psicoterápico, a começar pelo fato fundamental do
terapeuta ter entrado na vida do seu paciente exatamente naquele momento crucial de seu
desenvolvimento psicológico em que o fenômeno sincronístico está realizando a sua
114 Murray STEIN, Jung – O Mapa da Alma, p. 192, 193.
exigência evolutiva. O próprio terapeuta pode estar passando por um momento evolutivo
paralelo com aquele significado sincronístico essencial, organizado por um ou mais
arquétipos cruciais.
Podemos nos questionar: o nosso nascimento numa determinado país, cidade e
família é unicamente devido ao acaso e causalidade, ou pode haver também aí um
significado? Ou suponhamos que a psique está organizada e estruturada não só
causalmente, como é o pensamento dominante na psicologia do desenvolvimento, mas
também de modo sincronístico. Isso significaria que o desenvolvimento da personalidade
tem lugar por momentos de significativa coincidência (sincronicidade), assim como por
uma seqüência epigenética pré-ordenada de etapas.
Subentenderia também que os grupos de instintos e os arquétipos se uniram e foram
ativados de modo tanto causal quanto sincronístico (significativo). Um instinto como a
sexualidade, por exemplo, poderia ser ativado não só em virtude de uma cadeia causal de
eventos em seqüência (fatores genéticos, fixações psicológicas ou experiências infantis),
mas também porque um campo arquetípico está constelado num determinado
momento, e assim, por exemplo, um encontro “ocasional” com uma pessoa converte-se
num relacionamento para a vida inteira. Nesse momento, algo do mundo psicóide (ou
provindo do nível da realidade transpsíquica) torna-se visível e consciente (por exemplo, o
par animus-anima). A imagem constelada do arquétipo não cria o evento, mas a
correspondência entre a preparação psicológica interior (a qual pode ser totalmente
inconsciente nesse momento) e o aparecimento exterior de uma pessoa, de forma
inesperada e imprevisível, é sincronística115.
115 Murray STEIN, Jung – O Mapa da Alma, p. 193.
Por que acontecem tais conexões parece um mistério se refletirmos unicamente em
termos de causalidade, mas se introduzirmos o fator sincronístico e a dimensão de
significação, então, estaremos muito mais perto de uma resposta mais completa e
satisfatória. Num universo aleatório, essa coincidência de necessidade e oportunidade, ou
de desejo e satisfação, seria impossível, ou pelo menos, estatisticamente improvável. Mas,
esses mistérios inesquecíveis que estão consubstanciados em eventos sincronísticos
transformam as pessoas, pois ingressar no mundo arquetípico (ou transpsíquico) desses
eventos gera a sensação de se estar vivendo na vontade de Deus116.
A Cosmologia é a ciência que procura explicar a organização e funcionamento do
Universo como um todo. Apenas recentemente ela foi reconhecida como uma disciplina
científica, antes sendo objeto de atenção apenas de filósofos, teólogos e metafísicos . O
livro de Jung sobre Sincronicidade inicia-se e concentra-se sobre o que o autor designou de
definição da sincronicidade em “sentido estrito”, ou seja, a coincidência significativa entre
um evento psíquico, como um sonho ou pensamento, e um evento do mundo não-psíquico.
Mas, Jung também considera a definição mais ampla. Esta se relaciona com a organização
acausal no universo sem qualquer referência especial à psique humana. Isso corresponde,
segundo Jung, numa concepção mais geral de sincronicidade como organização acausal no
mundo. Em outras palavras, isso converteu-se no enunciado cosmológico de Jung. Assim,
Jung não teorizou apenas sobre Psicologia, mas também sobre Cosmologia.
A sincronicidade, ou organização acausal é para Jung, um princípio117 subjacente na
lei cósmica. Do ponto de vista do princípio geral de sincronicidade, a nossa experiência
116 Ibid., p. 194.117 Segundo o físico e engenheiro brasileiro Wladimyr Sanchez, PhD e doutor em ciências, a palavra princípiosignifica uma proposição que se coloca no início de uma dedução e que não é deduzida de nenhuma outradentro do sistema considerado, sendo admitida provisoriamente, como ponto de partida para a construção de
humana de organização acausal, através do fator psicóide e da transgressividade do
arquétipo, constitui um caso especial de ordenamento muito mais amplo no universo. Em
outras palavras, para Jung existe um princípio particular de sincronicidade ativa no mundo,
fazendo com que fatos de certa maneira aconteçam juntos como se fossem um só, apesar de
não captarmos essa integração, e ele acreditava que um dia talvez pudéssemos descobrir
alguma demonstração matemática que comprovasse essas identidades. Segundo o meu
entendimento, o paradoxo EPR, o experimento de Aspect e o Teorema de Bell (todos esses
são demonstrações matemáticas oriundos da Física Moderna) parecem satisfazer essa
expectativa, ou no mínimo, já simbolizam avanços nessa direção.
A Cosmologia de Jung fornece, em sua perspectiva mais ampla, o mais extenso
alcance de sua penetrante e unificada visão. Segundo ele, os seres humanos têm um papel
especial a desempenhar no Universo. A nossa consciência é capaz de refletir o cosmos e de
introduzi-lo no espelho da consciência.
O quatérnio de relações traçadas por Jung e Pauli, para descrever o universo, como
vimos, se refere a quatro princípios: energia indestrutível, contínuo espaço-tempo,
causalidade e sincronicidade. Aqui vemos que a psique humana e a nossa psicologia
pessoal participam da maneira mais profunda na ordem desse universo por intermédio do
nível psicóide do inconsciente. Mediante o processo de psiquificação, configurações de
ordem no universo tornam-se acessíveis à consciência e podem, finalmente, ser entendidas
e integradas. Cada pessoa pode testemunhar o Criador e as obras criativas desde dentro, por
assim dizer, prestando atenção à imagem e à sincronicidade. Pois o arquétipo é não só o
qualquer sistema de compreensão (SANCHEZ, Wladmyr. Maiêutica – A ciência a serviço do Espiritismo.Revista Universo Espírita, São Paulo, ano I, n. 06, p. 08-13, fev. 2004) .
modelo da psique, mas também reflete a real estrutura básica do universo. Essa é a
essência do conceito de realidade transpsíquica.
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