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Associação Nacional de História – ANPUH
XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA - 2007
Emblemas luso-brasileiros imagens faladas
Flavia Klausing Gervasio1
Resumo - A literatura emblemática, uma espécie de enciclopédia de símbolos que reunia imagens conceituais junto a um mote, se desenvolveu na Europa nos séculos XV, XVI, XVII e XVIII e circularam em séries gravadas nos mais diversos lugares do mundo. O objetivo deste trabalho é analisar a circularidade das ilustrações emblemáticas na produção artística luso-brasileira, especialmente em impressos ilustrados relativos a festas, em particular no relato intitulado “Exposição fúnebre e symbolica” de João de Souza Tavares. Nestes impressos, estas imagens eram utilizadas de maneira pedagógica e visando reforçar conceitos e moralidades à população.
Palavras-chave – Emblemas – decorações efêmeras – Teoria artística
Abstract – The emblematic literature, a kind of encyclopedia of symbols, wich used to put together conceptual images with a motto, was developed in the XV, XVI, XVII and XVIII centuries has circulated in stamped series in the most diverse places of the world. The objective of this work is to analyse the circularity of the emblematic ilustrations in the luso-brasilian artistic production, specialy in ilustrated printed works wich were related to feasts, in particular in the intitled report “Symbolic and mournfull exposition” from João de Souza Tavares. In those printed works, these images were used in pedagogic manners, and aiming to reforce concepts and moralitys to the population.
O conhecimento da teoria artística de um determinado período é uma peça
fundamental para a interpretação das obras de arte concretas, já que, com ele, podemos
compreender melhor os propósitos conscientes dos artistas e de seus movimentos.
A Europa do Antigo Regime, nos séculos XVI, XVII e XVIII, produziu inúmeros
tratados e manuais que nos permitem analisar os pressupostos conceituais e teóricos da arte
deste período. Francesco Robortello, Leon Battista Alberti, Emanuel Tesauro, Manuel Pires
de Almeida e Phillipe Nunes são alguns dos autores que discutiram sobre o que seria a arte, o
fazer artístico, e qual seria a relação entre os seus diversos gêneros.
Podemos averiguar algumas características comuns a esta produção teórica, como
por exemplo, a recorrência constante aos temas e aos autores da Antiguidade Clássica,
principalmente do filosofo grego Aristóteles. Assim, foram os livros: “Retórica” e “Poética”,
de autoria de Aristóteles, que influenciaram os diversos autores das preceptivas artísticas.
1 Mestranda em Historia Social da Cultural da UFMG, bolsista CNPQ.
Um tópico central da discussão deste período era a similitude entre as artes.
Assim, tanto a Arte Poética de Horácio, com sua famosa inscrição: “UT PICTURA POESIS”,
ou seja, “a Pintura como a Poesia”, quanto a sentença de Semônides: “MUTA POESIS,
ELOQUENS PICTURA” , ou seja, “Pintura é poesia muda, poesia é pintura que fala”,
serviam de inspiração para a formulação desta homologia.
Os conceitos retórico-poéticos fundamentais que possibilitaram estipular as
similitudes entre a poesia e a pintura foram expressos primeiramente por Alberti. Segundo
ele, assim como a poesia, a pintura observa uma imitatio. Esta também partilharia dos efeitos
de docere, movere e delectare (ensinar, mover e deleitar) sobre o espectador e exigira um
conhecimento da técnica da parte de quem a praticava. Logo, a poesia e a pintura são artes
(ars), cujas obras (operas) têm uma finalidade e cujo ofício é desempenhado por alguém que
conhece seus preceitos. Havia a necessidade de instituir um lugar social para o pintor, cujo
modelo era buscado no dos letrados, que tem a retórica como disciplina mestra.
A partir desta discussão de similitude entre a escrita e a imagem, surgiu um
tipo de literatura muito difundida na Europa do Antigo Regime, a literatura emblemática.
Manuel Pires de Almeida, tratadista português do século XVII, em sua obra “Poesia e
Pintura”, caracterizou assim a relação intrínseca entre as letras e formas: “Grandes são as
proporções, grandes as semalhanças, concordâncias ou simpatias, que tem a tinta, e a cor, a
pena, e o pincel. E tanto se parecem entre si que escassamente se vê sua diversidade.”2
O tratadista português denomina o Emblema como uma composição moral, que
constaria de título, figura e versos. No título se mostraria o intento, na figura, com pouca
clareza, daria a entender a moralidade, e nos versos “vária e eruditamente” se explicaria a
figura ou figuras, que sempre deviam ser sempre bem achadas. Neles, as palavras deveriam
ser ponderadas e escolhidas, pois todo bom emblema deveria ser sentencioso “para bem
publico e namorar o animo ou com a novidade da coisa, ou com noticia notável de
antiguidade”.3
Este gênero partia do principio de que “tudo o que o pincel mostra com a viveza
das cores mostra a pena com a flor dos conceitos”4. Ambos deleitariam a “doutos e
ignorantes” já que os doutos se recreariam com a boa invenção e sua alegoria, e os ignorantes
com as cadências do verso. Assim, a razão do emblema devia ser manifesta de modo que não
2 ALMEIDA, Manuel . “Poesia e Pintura.”(1633). In MUHAMA, A. Tratado seiscentista.SP: Edusp, 20023 ALMEIDA, Manuel . “Poesia e Pintura.”(1633). In MUHAMA, A. Tratado seiscentista.SP: Edusp, 20024 Ibidem
2ANPUH – XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – São Leopoldo, 2007.
a deixasse de “entender os necios, nem moleste totalmente aos sábios.” Havia, portanto, que
“ mostrar seu conceito como entre vidraças.”5
Tanto a produção escrita quanto a imagética devia ter como norte a
verossimilhança e como fim aproveitar com deleite os ânimos. Na contemplação destas artes
buscava-se avivar e despertar o engenho, alegrar a imaginação e exercitar o juízo, julgando o
artificioso e o natural e ensinando, moralmente, os exemplos para levantar os ânimos às coisas
grandes.
A Contra Reforma utilizou-se da relação texto-imagem como meio da sua
propaganda da fé. A Igreja acreditava que a fixação das imagens e o incremento dos textos
que as acompanhava, resultava em uma ação mais penetrante sobre a sensibilidade. Deste
modo, o sentido que se queria dar às imagens estava explícito no texto e vice-versa.
A imagem que complementa um texto serve para mostrar a veracidade da historia
da vida, para exemplificar métodos teológicos, científicos e para decifrar códigos da
experiência individual e coletiva. Logo, a relação texto-imagem é relevante para a
compreensão do sistema de signos de uma determinada sociedade conforme a perspectiva
histórica.6
Muitos dos mais importantes artistas, como Bernini e Charles Lebrun, utilizaram
os compêndios de emblemas, tanto na escultura, na pintura como também nas festas e
armações efêmeras. Havia no século XVIII, séries gravadas que difundiram as alegorias mais
importantes pelo mundo, como as de Rafael Schiaminosi e de Gravelot y Cochen.
A literatura emblemática foi uma das fontes utilizadas também pelos artistas luso-
brasileiros. Uma das ocasiões mais profícuas para o uso de emblemas eram as celebrações
publicas que incluíam a apresentação de armações efêmeras. Na Capitania de Minas Gerais do
século XVIII, um exemplo da apropriação deste gênero simbólico é o relato intitulado
“Expoziçao Fúnebre e Symbolica”, de autoria de João de Souza Tavares. Esta obra,
manuscrita, detalha as manifestações de pesar pela morte da infanta Dona Maria Francisca
Dorotéia celebradas em Paracatu, em 1771. No texto há uma descrição dos Emblemas
utilizados na decoração efêmera do rito fúnebre. Além de explicitar os temas e as imagens, o
autor se delonga na moralidade contida em cada um, produzindo um “exórdio” aos leitores, de
modo que seguissem o exemplo da virtuosa infanta.
É importante ressaltar, porém, que as representações contidas no relato não são,
muitas vezes, fidedignas às suas explicações: por exemplo, um templo antigo de Éfeso, foi
5 Ibidem6 Ver AVILA, Cristina. A Palavra no espelho.Belo Horizonte, Faculdade de Letras-UFMG, 2001(Tese)
3ANPUH – XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – São Leopoldo, 2007.
representado por uma construção de um templo católico da Idade Moderna. Porém, mais do
que apresentar os tópicos “veridicamente”, acreditamos ser o intento do autor, passar as
mensagens de modo que seus interlocutores a consigam decifrar. Assim, as figuras se
encontram com “adaptações” aos signos que se acreditavam comuns.
Segue abaixo a analise de cada emblema, junto a uma breve analise da
descrição feita pelo autor João de Souza Tavares:
1- VIRTUS ETIAM MORTE PEREMPTIS LUCET
FIG. 1- Emblema. In.: Coleção de Manuscritos Alberto Lamego.Códice 38. IEB/USP
O templo de Diana, em Éfeso é considerado como “hua das sette maravilhas do
mundo”7. O Emblema representa este templo em chamas. Na sua descrição há a construção de
um discurso de glorificação da grandiosidade da virtude cristã, baseado na afirmação de que
esta seria uma “segura ponte por onde passa uma ditoza alma, sem o receyo das tempestades
do século, para o Porto appetecido de Bem aventurança”8 dizia o Poeta.
A morte não teria jurisdição sobre a virtude, pois mesmo roubando-lhe a vida, esta
resplandeceria em claridade. Seguindo uma analogia com a imagem, em que o “grandiozo”
Templo de Diana se reduzia às cinzas, o autor rememorava que a “virtude da sua
magnificencia” sobrevivia graças aos “assombros da memória” e garantia um lugar nos
“Annaes da Fama” à esta importante “Maravilha do Mundo”. A virtude seria independente de
7 “Expozição Fúnebre e symbolica”. TAVARES, João de Souza. In: Coleção Lamego, IEB/USP- Cod. 38.048 Ibidem
4ANPUH – XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – São Leopoldo, 2007.
tudo para a glória do seu merecimento. À tristeza da perda de uma integrante da Família Real
sobrepunha-se, portanto, o sentimento de eternidade da virtude católica da infanta.
2 - NESCIS QUA HORA VENIAM, SEMPER VIGILIA9
FIG. 2- Emblema. In.: Coleção de Manuscritos Alberto Lamego. Códice 38. IEB/USP
No segundo Emblema se encontra ilustrado um principe de Argos10 que, segundo
a fábula, tinha cem olhos, cinqüenta dos quais estavam sempre abertos. Era, pois o símbolo da
vigilância. A infalibilidade da morte e a ocultação da certeza do dia eram assim, a justificativa
para o dever de estarmos, em todas as horas, aparelhados para o nosso fim. Afinal, de que
serviu a Argos tantos olhos, se estes estavam “adormecidos a doce consonância da avena de
Mercúrio e ferido com a vara superticioza com que costuma ferir o engano, também aos
viventes descuidados com o engodo das vaãs e transitórias delícias do mundo”. O autor
prossegue com a certificação de que vários homens se deixam levar pelas glórias terrenas,
porém, ele certifica-se também da existência daqueles que, na vigilância da morte,
9 Ibidem – Tradução: “Desconheces o momento em que (eu) chegue, estejas sempre atento.”10 Antiga cidade de Peloponeso.
5ANPUH – XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – São Leopoldo, 2007.
multiplicam os olhos ao desvelo, deixando a alma prevenida na sua chegada. Estes sim,
seriam os exemplos para a população.
3 - UT VIVAM IN AETERNUM11
FIG. 3- Emblema. In.: Coleção de Manuscritos Alberto Lamego. Códice 38. IEB/USP
Ocupava o tarjão do Terceiro Emblema “a celebrada Phenix, ressucitando das
cinzas da Morte, para ser eterna na vida”12.Para João Tavares, “Clara está a allegoria do
conceito na moralidade da pinctura: porque sendo a nossa Sereníssima Infanta a verdadeira
Phenix de Portugal, e única nas virtudes, não se pode duvidar que primeiro lhe era precizo
morrer por natureza, para que das cinzas da morte, renascesse por graça para viver por
Eternidade no Céu.”13
11 Ibidem – Tradução: “De modo que (eu) viva pela eternidade.”12 Ibidem13 Ibidem
6ANPUH – XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – São Leopoldo, 2007.
4 - EX PULCHRITUDINE MORS14
FIG. 4- Emblema. In.: Coleção de Manuscritos Alberto Lamego. Códice 38. IEB/USP
No quarto emblema, “se decifrava com notavel valentia da Arte, e subtilezas do
pincel, huma encarnada Roza, beijando humildemente o pé a hum triste, e melancólico
Cypreste”15.A rosa, pela sua beleza, seria símbolo da vida, na sua “mais florida idade”. Já o
cipestre representaria a “fúnebre imagem da morte” pois com ele “costumavão cubrir as
amigas e mais nobres sepulturas, para crédito da tristeza”16
Segundo o autor, “a formozura traz sempre por infelicidade a morte de
companhia, não sei se por inveja da belleza, ou só por nascer como formoza desgraçada”.17
Assim, finaliza na comparação da Infanta com uma “Roza Luza”, de “tão bella pela sua
pureza, e Castidade como formoza a roza. Perciza pela estimação singular, e como a Roza não
podia ter mais vida, que a duração breve de huma flor”.18 .
14 Ibidem – Tradução: “Em virtude da excelência da morte.”15 Ibidem16 Ibidem17 Ibidem18 Ibidem
7ANPUH – XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – São Leopoldo, 2007.
5 - QUOTIDIE MERIMUR, ET CUM CRESCIMUS VITA DESCRENCIT19
FIG. 5- Emblema. In.: Coleção de Manuscritos Alberto Lamego. Códice 38.
IEB/USP
No quinto Emblema está representado um “O Sol desmayado em resplendores e
com mortaes delíquios”. 20
O homem estaria reduzido à miséria do pecado devido à sua frágil natureza
porém, segundo o autor, “nunca chegaria a morrer se não pecasse.”21 Mas, como “herdeiro
de Adão”, ao nascer o homem já se vê com o “pezo do peccado”, que com “accelerados vôos
como empenhado na morte, caminha para a sepultura”22.
Utilizou se a analogia com o Sol pois este, quanto mais se” augmenta nos
grãos de sua carreira, tanto tem de diminuição da sua prezistencia das suas luzes”.23 A
exortação é clara: “quanto mais se vive mais depressa se morre e que quanto mais a vida
cresce, mais para a morte se diminue, porque o que hoje se vivêo, já passou, e o que amanha
em duvida se há de viver, inda não se logra”24
19 Ibidem – Tradução: “Todos os dias morro e à medida em que crescemos, a vida diminui.”20 Ibidem21 Ibidem22 Ibidem23 Ibidem24Ibidem
8ANPUH – XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – São Leopoldo, 2007.
6 - TEMPESTAS DEMERSIT ME25
FIG. 6- Emblema. In.: Coleção de Manuscritos Alberto Lamego. Códice 38.
IEB/USP
No sexto emblema está representada “Huma Nau periclitante, porque combatida
de huma rigoroza, e desfeita tempestade”26. O mar, foi sempre fonte de inúmeras analogias,
devido à sua natureza inconstante e perigosa. Ao mesmo tempo em que atrai pela beleza de
um “falso Chrystal”, engana a muitos apresentando também duras penas.
Do mesmo modo, “he o mundo hum profundo mar de tempestades, onde são
inevitaveis os perigos”27, pois não faltam no mundo as tentações, que como que sereias, nos
lançam a perigos e pecados na terra. O autor adverte, porém que, junto dos males, vêm
também as humanas culpas.
25 Ibidem- Tradução: “A tempestade me abisma.”26 Ibidem27 Ibidem
9ANPUH – XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – São Leopoldo, 2007.
7 - NEC ULTRA28
FIG. 7- Emblema. In.: Coleção de Manuscritos Alberto Lamego. Códice 38. IEB/USP
Está representado no sétimo emblema a “Deuza Partária, infernal ministra do
Cocyto, filha de Júpiter e Meimes, que entre horrores do negro reyno ímpio, só governa da
vida o tênue fio”29que, com uma tesoura “cegamente”, o corta.30
Assim, as habilidades e talentos do homem, que o levariam à glória e
valorização terrena, levam também ao orgulho e à soberba. O intelecto humano, do qual
“procedem as operaçõens do entendimento, da vontade e da phantasia”31, seria dividido em
duas partes, uma em que estaria a busca de ações gloriozas, e a outra em que estaria a “vã
inclinação, a cegueira da via e o desejo de vinganças”.32Logo, as pessoas deveriam tomar
cuidado para não desviarem as suas qualidades de modo a objetivar apenas as glórias terrenas,
e por conseguinte, vãs. O exemplo a ser seguido é, por conseguinte, o da “Augustissima
Princeza” , que nunca teria ocupado o coração com o “menor incentivo dos desejos
temporaes”.”33
28 Ibidem – Tradução: “Nada é para além”29 Ibidem30 “Os gregos as parcas de Morai, os romanos Parcas: eram as três deusas filhas de Júpiter ou do Érebo e da Noite, que presidiam aos destinos humanos. Clotto, a mais moça, fiava o fio da vida, Láquesis determinava a qualidade e o comprimento desse fio, Átropos, com a tesoura cortava o fio no momento oportuno e inoxerável. O próprio Júpiter não tinha poder para interferir naquelas decisões fatais”. Nota retirada de: SENECA. Apocoloquintose do divino Cláudio”. In: Pensadores. São Paulo, Cultrix, 1973.31 Ibidem32 Ibidem33 Ibidem
10ANPUH – XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – São Leopoldo, 2007.
8- SIC MODO QUI FUIMUS, ERAS LURIS UMBRA SUMUS34
FIG. 8- Emblema. In.: Coleção de Manuscritos Alberto Lamego. Códice 38. IEB/USP
Neste emblema estão representadas duas rosas, “huma toda florente,
ostentando Magestade de Rainha” e a outra “com mortaes accidentes despida de toda a galla,
correndo para o Sepulchro”35 .
A rosa simbolizaria as formosuras do mundo, pois estas não podem ter mais do
que “hua flor de duração, que apenas nasce quando morre”36. Assim, na fragilidade da flor e
na pouca duração de sua beleza estaria a metáfora para a certeza indubitável da morte.
A rosa, bela e fugaz, quando vê sua semelhante à beira da morte, vê também
seu próprio espelho, já que um dia também estará desfolhada e murcha, do mesmo modo
como, um dia, a agonizante flor, já arrebatou corações e provocou idolatrias. A idéia é a de,
na semelhança, acabamos mais sensibilizados e cientes da nossa própria condição.
34 Ibidem – Tradução: “De tal forma o que a pouco fomos, somos a leve sombra do que eras”35 Ibidem36 Ibidem
11ANPUH – XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – São Leopoldo, 2007.
9 - NASCI AEGROTARE EST, VIVERE SAEPE MORI37
FIG. 9- Emblema. In.: Coleção de Manuscritos Alberto Lamego. Códice 38. IEB/USP
O nono emblema ilustra um generoso leão- “Coroado Príncipe dos Montes,
venerado arbitro das Selvas”38 – porém, quase amortecido, pois, prostrado. A idéia a ser
passada é a que: “He a humana vida tão frágil por natureza e tão chea de mizerias em pena
da culpa, que os mesmos que a logrão a delleitão, e aborrecem”.39
A vida humana seria um poço de misérias, já que desde o instante do
nascimento, o homem traria a marca do pecado, ou da “podridão do barro de que foi feito”.
Nossa travessia terrena estaria, portanto, “sujeita a huma chronica infermidade de dores e
affliçoens até o ultimo instante da morte.”40
Logo, somente o homem que viver “sem lhe valer o Privillegio de Rey, para
que deixe de sofrer a mizeria daquella infermidade que o acompanhou com a vida”41, teria
uma vida virtuosa, pois se esquivaria das humanas tempestades.
37 Ibidem- Tradução: “Nascer é morrer, o viver sabe da morte.”38 Ibidem39 Ibidem40 Ibidem41 Ibidem
12ANPUH – XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – São Leopoldo, 2007.
10 - VENNIT DIES, ET INEVITABILE FACTUM42
FIG. 10- Emblema. In.: Coleção de Manuscritos Alberto Lamego. Códice 38. IEB/USP
Neste está representado “Humma magnífica soberba torre despedaçada de
hum rayo”43. Nada no mundo, por mais famoso, poderoso, virtuoso que seja, resiste à
voracidade do tempo. Assim, não haveria nada, nenhuma poção, mágica, prática médica que
pudesse preservar alguém das mãos da morte- como diziam muitos mitos e lendas, pois o dia
predefinido deste fim, é de Deus um dos seus “infalíveis decretos”.
42 Ibidem- Tradução: “O derradeiro dia avança, e o inevitável destino.”43 Ibidem
13ANPUH – XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – São Leopoldo, 2007.
11 - SOMMUS BULLA, VITRUM, GLACIES, FLOS, FABULA, SOCNUM UMBRA
EMIS PUNCTUM, VOX, SONUS, AURA, NIHILHE44
FIG. 11- Emblema. In.: Coleção de Manuscritos Alberto Lamego. Códice 38. IEB/USP
No último Emblema se encontrava representado, em um elevado trono, “huma
coroada Magestade, liberalizando entre humildes e rendidas adoraçoens, a huns favores a
muitos prêmios, a outros benefícios.”45
Segundo o autor, “he o mundo hum unniversal theatro adornado, e revestido
das tapeçarias da Lizonja em que se reprezentão diversificadas tragédias pelos mortaes,
reprezentando cada hum delles o seu papel, em quanto lhes dura a vida, e não chega a
morte.”46 O mundo como um teatro era uma tópica recorrente na literatura, que se referia à
valorização da imagem, da aparência, e do papel social de cada indivíduo na sociedade. Tudo
decorria, pois, da nossa eficácia na “imaginação das couzas”. Conheceríamos as coisas não
pelo o que elas são, mas pelo que aparentam.
Sendo a vida uma encenação, pensava-se por conseguinte, que tudo terreno era
também fugaz e etéreo: “Tudo quanto a farsa representa he lembrar tudo quanto se vê he
fumo, e tudo quanto se logra he nada. A imaginação o pinta, a lizonja o figura, o engano o
44 Ibidem- Tradução: “Somos bolha, vidro, gelo, flor, fabula, feno, sombra, cinzas, ponto, voz, som, ar, nada.”45 Ibidem46 Ibidem
14ANPUH – XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – São Leopoldo, 2007.
confirma, e a realidade o deleita. He flor, que com a morte se murcha, vidro que de hu sopro
se quebra, sonho que em acordando se não acha, sombra que na ausência do Sol desaparece,
viração que apenas se logra quando se finda, e voz que mal se articula, e logo fenece.
Finalmente tudo he figura do que podia ser, e huma pintada imagem do que na realidade não
he.”47
Que a glória terrena seria vã, se provava continuamente na doutrina cristã ou
mesmo em autores renomados como em Lopes da Vega: “Dispier lo suena quien amando
prensar”48. A imaginação dos homens seria a responsável pelo apetecimento às terrenas
glórias, pois imprimiria na fantasia uma imagem sedutora. Empenhados na busca dos vãos
troféus, se esqueceriam de que estariam atrás apenas de uma “phantastica aprehenção”, de
uma construção mental, uma “pinctura que mente”.
O monarca ocuparia, segundo o autor, um lugar privilegiado no mundo, o de
maior glória terrena. Ele seria escolhido e conservado por Deus : “de quem recebe todo o
poder, e jurisdicção, para o bom regimen, e governo do seu povo”49- e seria , portanto, uma
espécie de “vigário de Christo na Terra”. Maior glória, para o Monarca, seria ainda a de “ser
amado, e obedecido de todos os seus vassalos”.50
Porém, sobrepõe a esta grandiosidade, um “cativeiro, inda que nobre, e
glorioza escravidão”, já que ao rei é compelido ser um eterno e grande pai, tutor e pastor: “no
amor Pay, no zelo tutor, Pastor no vigilar.” Assim, “Da hora em que cinge a coroa, e
empenha o sceptro deixa de ser Rey, e principia a ser Pay, a Magestade com que entre tantas
gloria occupa o throno, he o mayor incentivo do cuidadozo disvello, com que deve conservar
em paz e justiça aos seus vassalos, sendo a imitação de Deos hum para todos e nada para
si”51. É um destino glorioso, mas penoso, pois o rei viveria somente para seu povo. Além
disso, por mais elevada que seja esta glória, ela também é vã, de pouca duração.
Segundo o autor, a exemplar infanta teria também neste sentido, seguido a
virtuosa inclinação, já que “mostrou no dezengano da morte, que as grandezas do mundo e
magestades da terra, são por momentâneas e caducas:
sommus bulla, vitrum, glacies, flos, fabula, foenum.
Umbra, cinis, punctum, vox, sonus, aura, nihil.”52
47 Ibidem48 Ibidem49 Ibidem50 Ibidem51 Ibidem52 Ibidem
15ANPUH – XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – São Leopoldo, 2007.
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16ANPUH – XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – São Leopoldo, 2007.
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