a infância no - sistemas.fadc.org.br · ... eduardo josé bernini, ... teixeira da costa, synésio...

89

Upload: doanphuc

Post on 07-Nov-2018

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva
Page 2: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva
Page 3: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

A Infância no Centro da Roda

Um programa de formação para educadores infantis integrado ao desenvolvimento comunitário rural

Page 4: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

Page 5: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

A Infância no Centro da Roda

Um programa de formação para educadores infantis integrado ao desenvolvimento comunitário rural

Page 6: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

Sistematização e texto: Patrícia Monteiro Lacerda

Edição: Fernanda Favaro

Projeto gráfico: Fernando Vianna

Revisão de Texto: Maitê Casacchi

Leitura crítica:Maria Machado Malta Campos e Vital Didonet

Apoio técnico:Priscila de Andrade Fernandes

Fotos: Divulgação Fundo Cristão para Crianças

Ficha Catalográfica elaborada pelo Centro de Documentação da Fundação Abrinq

_____________________________________________________

L��c Lacerda, Patrícia MonteiroA infância no centro da roda: Um programa de formação de educadores infantis integrado ao desenvolvimento comunitário ruralPatrícia Monteiro Lacerda – São Paulo: Fundação Abrinq, �007. ISBN 978-85-88060-7-�

�. Formação de professores. �. Educação Infantil I. Título.

CDD: �70.�8

0�.05.07 00000�_____________________________________________________

Bibliotecária – Elisangela Alves Silva – CRB8/7��6

Todos os direitos desta obra reservados àFundação Abrinq

Avenida Santo Amaro, �.�86Vila Nova Conceição – CEP 0�506-00�

São Paulo – SPwww.fundabrinq.org.br

Page 7: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

5

A INFÂNCIA NO CENTRO DA RODAUm programa de formação para educadores infantis integrado ao desenvolvimento comunitário rural

Conselho de Administração

Presidente: Carlos Antonio TilkianSecretária: Maria Ignês BierrenbachMembros: Albertina Duarte Takiuti, Antonio Carlos Ronca, Boris Tabacof, Carlos Eduardo Moreira Ferreira, Daniel Trevisan, Eduardo José Bernini, Eduardo Resende Melo, Heloisa Sampaio Machado, João Nagano Júnior, José Carlos Grubisich, José Eduardo P. Pañella, José Roberto Nicolau, Lourival Kiçula, Luiz Henrique Proença Soares, Paulo Afonso Garrido de Paula, Paulo Saab, Regina Helena Scripilliti Velloso, Renata Camargo Nascimento, Roberto Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha Fram e Vitor Gonçalo Seravalli Conselho Fiscal

Membros: Audir Queixa Giovanni, Francisco da Silva Coelho, José Francisco Gresenberg Neto e Márcio Ponzini Conselho Consultivo

Presidente: Jorge BroideVice-presidente: Miriam Debieux RosaMembros: Antônio Carlos Gomes da Costa, Araceli Martins Elman, Dalmo de Abreu Dallari, Edda Bomtempo, Geraldo Di Giovanni, Isa Guará, João Benedicto de Azevedo Marques, Lélio Bentes Corrêa, Leoberto Narciso Brancher, Lídia Izecson de Carvalho, Magnólia Gripp Bastos, Mara Cardeal, Maria Cecília C. Aranha Lima, Maria Cecília Ziliotto, Maria de Lourdes Trassi Teixeira, Maria Machado Malta Campos, Marlova Jovchelovitch Noleto, Melanie Farkas, Munir Cury, Norma Jorge Kyriakos, Oris de Oliveira, Percival Caropreso, Rachel Gevertz, Rosa Moyses, Rubens Naves, Silvia Gomara Daffre, Tatiana Belinky e Vital Didonet

Comitê Gestor

Coordenador Geral e Presidente do Conselho de Administração: Carlos Antonio TilkianCoordenador Financeiro e Presidente da Instituidora: Synésio Batista da CostaSecretária do Conselho de Administração: Maria Ignês BierrenbachPresidente do Conselho Consultivo: Jorge Broide

Superintendência Executiva

Superintendente: Sandra Amaral de Oliveira FariaSuperintendente Adjunto: Fernando Teixeira Mendes FilhoSecretaria: Rita Bassani Martins e Sandra Silva

Assessoria de Captação de RecursosAssessor: Victor Alcântara da GraçaEquipe: Cristiane D. Rodrigues, Fernanda Pereira Bochembuzo, Marina Biagioli Manoel, Milene de Oliveira Sousa Silva, Silvia Troncon Rosa e Tatiana Cristina Antunes da Silva

Assessorias de Relações Institucionais e Técnico-JurídicaAssessora: Daniela de Aquino CoelhoAssistentes: Ester Gammardella Rizzi, Fernanda Reis Guarita, Helder Delena e Tatiana de Jesus Pardo

Direito à Proteção Integral

Coordenadores: Abigail Silvestre Torres (programa Prefeito Amigo da Criança e projetos De Olho no Orçamento Criança e Presidente Amigo da Criança) e José Carlos Bimbatte Jr (programas Empresa Amiga da Criança; Adotei um Sorriso e Prêmio Criança)Equipe: Adelaide Jóia, Ana Aparecida Frabetti Valim Alberti, Andrea Santoro Silveira, Daniela Queiroz Lino, Elaine Cristina Rodrigues Barros, Eliana Maria Ribeiro Garrafa, Ivone Aparecida da Silva, Márcia Cristina Pereira da Silva Thomazinho, Maria Francisca Palma Pinto, Mônica Takeda, Priscila de Andrade Fernandes e Roberta Soares Rossi

Assembléia Geral

Airton Maia Nogueira, Aristóbulo de Aguiar Munguba, Dervy Gomes de Souza, Ednilton Gomes de Soárez, Gerson Pacheco (licenciado), Gidel Dantas Queiroz, Jadyr Elon Braga, José Júlio dos Reis, José Raimundo da Silva Lippi, Maria do Perpétuo Socorro França Pinto, Navantino Alves Filho, Othoniel Silva Martins, Raimundo Rabello Mesquita, Rosber Neves Almeida, Silas de Aguiar Munguba

Diretoria Voluntária

Presidente: Ednilton Gomes de SoárezVice-presidente: Rosber Neves Almeida1º Tesoureiro (licenciado): Gerson Pacheco2º Tesoureiro: Navantino Alves Filho1º Secretário: Dervy Gomes de Souza2º Secretário: Othoniel Silva Martins

Conselho Fiscal

Titulares: Airton Maia Nogueira, Jadyr Elon Braga, José Júlio dos ReisSuplentes: Aristóbulo de Aguiar Munguba, José Raimundo da Silva Lippi, Maria do Perpétuo Socorro França Pinto

Page 8: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

6

Conselho Consultivo

Belo Horizonte - MG: José Raimundo da Silva Lippi - Presidente, Amadeu Roselli-Cruz, Demóstenes Romano, Gerson Carlos de Souza, Hélio Bitar, Jair Ferreira do Nascimento, José das Dores Vital, Marcelo Chucre da CostaNavantino Alves Filho

Fortaleza - CE: Silas de Aguiar Munguba - Presidente, Airton Maia Nogueira, Aristóbulo de Aguiar Munguba, Ednilton Gomes de Soares, Germano Franco de Almeida, José Rosa Abreu Vale, Maria do Perpétuo Socorro França Pinto, Othoniel Silva Martins, Diretor Nacional Interino: Gerson PachecoParticipantes da SistematizaçãoVânia Rocha Vargas Fernandes, Marcela Giovanna Nascimento Gomes, Renata Velloso, Betânia Xavier Matos, Aparecida de Lourdes Almeida Souza, Lucimar Otoni Figueiró e educadores das Associações Comunitárias: Abita – Associação Beneficente de Itaporé – Coronel Murta, Achanti – Associação Chapadense de Assistência às Necessidades do Trabalhador e da Infância -Chapada Norte, Adecave – Associação de Desenvolvimento da Criança e do Adolescente de Veredinha – Veredinha, Amai – Associação Municipal Infantil – Francisco Badaró, Ampliar – Associação Minasnovense de Promoção ao Lavrador e a Infância da Área Rural – Minas Novas, Aplamt – Associação de Promoção ao Lavrador e Assistência ao Menor de Turmalina – Turmalina, Aprisco – Associação de Promoção Infantil Social e Comunitária – Virgem da Lapa, ARAI – Associação Rural de Assistência à Infância – Berilo, Ascomed – Associação Comunitária do Município de Medina – Medina, Ascopp – Associação Comunitária de Padre Paraíso – Padre Paraíso, Associar – Associação Comunitária e Infantil de Araçuaí – Araçuaí, Adcas – Associação Desenvolvimento Comunitário e Ação Social Clube de Mães de Rio das Pedras – Serro, Conacreje – Conselho de Amigos das Crianças do Jequitinhonha – Jequitinhonha, Federação Felício – Federação das Associações Comunitárias de Felício dos Santos – Felício dos Santos, Federação Rio do RIo Preto – Federação das Associações Comunitárias de São Gonçalo do Rio Preto – São Gonçalo do Rio das Pedras, Procaj – Projeto Caminhando Juntos – Diamantina e Prosesc – Projeto Semear a Esperança de Carbonita – Carbonita.

Fundo Cristão para Crianças (CCF-Brasil):

Escritório NacionalRua Curitiba, 689 - 5º andar - CentroCEP �0�70-��0 - Belo Horizonte - MGFone: (0**��) ��79-7�00 - Fax: (0**��) ��79-7��6

Escritório RegionalAv. Dom Luiz, 880Ed. Top Center - ��º andar - Aldeota CEP 60�60-��0 - Fortaleza - CEFone: (0**85) ����-�7�8 - Fax: (0**85) ����-5855

www.fundocristaoparacriancas.org.br

São Paulo, junho de �007.

Page 9: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

7

Introdução ��

Educação infantil do campo no Brasil �5

O Vale do Jequitinhonha e o Fundo Cristão para Crianças �� O Programa de educação infantil no Vale do Jequitinhonha �9

Descrição do programa de formação de educadores infantis �7

Organização e metodologia do programa de formação de serviço �� Aprendizagens relevantes 5� Linha do tempo 6�

Resultados 65

Desafios 7�

Perspectivas 79

Bibliografia 8�

Sumário

Page 10: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

8

Page 11: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

9

Pus o meu pezinho na barca, ô marinheiro,A barca escorregou, ô marinheiro,

Se não vou na barca nova, ô marinheiro,Navegar também não vou, ô marinheiro...

Peneirei fubá, fubá caiu...Tornei peneirar, fubá sumiu...

Ai, ai, ai... Foi ela quem me deixou...Ai, ai, ai... porque não me tem amor...

Ocê cantou pra mimEu não subi arrespondê

Mas sou menina novaTô no tempo de aprender...

Embala, morena, embalaMolha o pé, mas não molha a meia

Embala, morena, embalaMolha o pé, mas não molha a meia

Viemos do Vale do JequitinhonhaFazer muvuca em terra alheia

Cantiga de domínio público do Vale do Jequitinhonha

Page 12: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

�0

Page 13: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

��

A INFÂNCIA NO CENTRO DA RODA

De longe já dá para ouvir a música. Quando nos aproximamos, vemos adultos em roda, bailando, rindo, cantando, batendo palmas, batendo os pés. Será uma festa? Certamente! Ali, cada encontro é uma celebração cheia de compromissos, uma festa de aprendizagem. Esse movimento começa pelo convite para que cada um olhe a sua própria história, a sua própria infância, para descobrir que já sabem muitas coisas. A partir daí, todos começam a vasculhar esses saberes, para separar o que vale a pena desaprender, manter ou reconstruir, e o que está fazendo falta aprender. O saldo desses encontros é que muitos saem dali com um novo olhar sobre crianças com as quais trabalham, o lugar onde vivem, a profissão que abraçaram e até o próprio espelho.

Estamos falando do Programa de Formação em Serviço para Educadores Infantis das Associações Comunitárias Rurais do Vale do Jequitinhonha, coordenado pelo Fundo Cristão para Crianças, de Belo Horizonte, Minas Gerais. Esse nome grande, difícil de caber numa sigla ou de ser resumido, identifica uma iniciativa que ganhou o Prêmio Criança �00�, concedido pela Fundação Abrinq, na categoria Educação Infantil. Iniciado em �999, o Programa� atende a �8 educadoras� sociais, ��� educadoras infantis, �.705 crianças até seis anos, em 75 creches distribuídas em comunidades rurais de dezessete municípios do Vale do Jequitinhonha, localizado na região nordeste do estado de Minas Gerais, e marcado por forte presença da agricultura familiar. Os resultados da iniciativa vão desde a mudança da prática das educadoras infantis, passando pela renovação das creches, pelo resgate de brincadeiras e tradições locais, até a transformação da visão que os pais têm dos filhos. Talvez o saldo mais expressivo seja a compreensão de que as crianças têm direitos e de que os adultos devem responder pela sua responsabilidade de formar as novas gerações. Os Centros de Educação Infantil (ou creches)� são pontos de convergência de uma série de esforços na área da saúde, educação, produção cultural e desenvolvimento local, materializando naquele espaço uma referência de qualidade de vida que até então poucos ousavam sonhar para seus filhos. O Programa de Formação em Serviço vem ajudando a abalar alguns mitos, por exemplo os que dizem: que o Vale do Jequitinhonha é só um grande ‘bolsão de miséria’; que a educação do campo é necessariamente precária; que viver no campo é viver no isolamento. Bom seria que cada leitor pudesse fazer uma visita às creches ligadas às associações conveniadas com o Fundo Cristão para Crianças (FCC) e ver, por si, como elas são vivas. Na ausência dessa possibilidade, oferecemos esta visita virtual, trazendo um pouco desse universo que, por aparecer pouco na televisão, nas revistas e nos jornais, permanece tão ignorado.

� Ao longo do texto usaremos os termos Programa de Formação em Serviço ou Programa, em itálico, para nos referimos ao Programa de Formação em Serviço para Educadores Infantis das Associações Comunitárias Rurais do Vale do Jequitinhonha

� Como as educadoras ligadas ao Programa são todas mulheres, usaremos o termo no feminino a não ser no título do Programa ou quando estivermos nos referindo a situações mais amplas do cenário nacional ou estadual.

� Embora na literatura e legislação sobre educação infantil haja uma diferença entre creche e pré-escola – a creche se definiria por incluir crianças de zero a três anos e a pré-escola de quatro a seis -, utilizamos os termos creche e centro de educação infantil como sinônimos para identificar as instituições que atendem as crianças de dois a seis anos, respeitando as terminologias usadas no Programa de Formação em Serviço.

Introdução

Page 14: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

��

Como o Programa se apóia também nas trocas de experiência e em relatos da prática, seus participantes entendem que o conhecimento segue uma lógica oposta à da acumulação, isto é, quanto mais partilhado, mais ele se multiplica e se enriquece. Foi nesse espírito que esta sistematização foi realizada. Generosamente, cada ator desta história� cedeu parte do seu tempo para recuperar as aprendizagens, fotos, cadernos e frases para compartilhá-los com todo aquele que possa se inspirar. Isto só foi possível graças a uma grande conquista das educadoras participantes do Programa: a confiança na sua capacidade de reflexão e produção de saber. Hoje, a baixa escolaridade, fruto da histórica falta de oportunidades, não paralisa mais. A vontade de transformar a lida diária e melhorar a qualidade de vida das crianças move em direção a novos saberes formais e informais. A dificuldade de escrita vai sendo vencida pela necessidade de registrar constantemente o desenvolvimento de cada criança, de cada descoberta, e assim tecer cotidianamente a memória de cada Centro de Educação Infantil.

Está aberto o relato, na esperança de que ele possa gerar novas trocas e atrair novos parceiros de caminhada.

� Se fôssemos colocar entre aspas todas as contribuições que vieram de alguém, este texto pareceria ter sido pontuado com um saleiro. A autoria é coletiva, embora a responsabilidade pela edição e estrutura do texto seja da sistematizadora.

Page 15: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

��

Page 16: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

��

Page 17: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

�5

Educação infantil do campo no Brasil

LEIS E POLÍTICAS BRASILEIRAS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL Ao longo da nossa história, a educação infantil vem percorrendo caminhos de conquistas e lutas, travadas por movimentos sociais e por cidadãos que entendem a criança como sujeito de direitos.

As políticas de Estado em relação à infância no Brasil começaram a se instituir nos anos �9�0� , guiadas pela ótica da assistência às mães trabalhadoras. As décadas de �970 e �980 foram férteis no âmbito da educação pré-escolar tanto em documentos quanto em políticas e programas iniciados e incentivados pelo Ministério da Educação (MEC)� . O período pré-constituinte foi de intensa mobilização e debates que influenciaram a posterior inclusão, na Constituição Federal de �988, de bandeiras históricas. Uma das reivindicações foi a responsabilização do Estado, prioritariamente dos governos municipais, pela promoção da educação infantil, que passa a ser reconhecida como um direito da criança e uma opção da família. A promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em �990, foi outro marco no estabelecimento dos direitos infanto-juvenis. Logo depois, em �996, a nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB) incorporou a educação infantil à educação básica. Na seqüência, as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil � (DCNEI) e o Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (RCNEI) vieram orientar a prática educacional das creches e pré-escolas. E, em �005, em consonância com o Plano Nacional de Educação (PNE/�00�), foi definida pelo MEC a Política Nacional de Educação Infantil, estabelecendo objetivos, diretrizes, metas e responsabilidades para a área.

� Em �9��, foi criado o Departamento Nacional da Criança; em �9��, a Legião Brasileira de Assistência (LBA); e, em �9��, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que institui que empresas com mais de �0 trabalhadoras deveriam providenciar lugar para cuidar dos filhos dessas mulheres no período de amamentação.

� ”Em �97�/7� foi criado um programa de educação pré-escolar que deu origem ao trabalho do MEC no país. Em �97� foi criado o Serviço de Educação Pré-Escolar (Sepre), cuja equipe começou a visitar todos os estados e a orientar suas secretarias de educação a organizarem equipes específicas para a educação infantil. Em �975/76, foi feito o Diagnóstico Preliminar de Educação Pré-Escolar, que serviu de fonte de estudo, análise e formulação de programas. São dessa época, também, um documento, construído com o apoio do Centro para a América Latina e o Caribe (Conescal), com orientações sobre construção de instituições de educação pré-escolar, além de dois livros publicados pelo MEC que davam os fundamentos e a orientação pedagógica para a educação pré-escolar. A publicação se chama Atendimento ao Pré-Escolar, em dois volumes: Educação e Psicologia e Assistência Social e Nutrição. Em �98�/8�, um programa nacional de educação pré-escolar fez ampliar em quase � milhões as matrículas no país. Também é dessa época a participação do Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral) na educação infantil, atendendo a cerca de � milhão de crianças em áreas mais pobres, inclusive na zona rural. Fruto desta ação, o Mobral elaborou algumas publicações muito boas para professores.” Vital Didonet, leitor crítico desta sistematização.

� As Diretrizes Curriculares Nacionais constituem-se na doutrina sobre Princípios, Fundamentos e Procedimentos da Educação Básica, definidos pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, que orientam as instituições de educação infantil brasileiras na organização, articulação, desenvolvimento e avaliação de suas propostas pedagógicas. O Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil é uma publicação desenvolvida pelo MEC com ajuda de especialistas, com o objetivo de servir como um guia de reflexão sobre objetivos, conteúdos e orientações didáticas para os profissionais que atuam diretamente com crianças de zero a seis anos, respeitando seus estilos pedagógicos e a diversidade cultural brasileira.

Page 18: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

�6

Apesar destes importantes avanços legais, ainda há muito por fazer na educação infantil brasileira. As questões referentes ao financiamento, à oferta de vagas, à qualidade do atendimento e à formação dos docentes permanecem como desafios que estão sendo encarados, mas ainda não foram vencidos. Nesta sistematização, examinaremos mais de perto a questão da formação profissional do educador infantil no contexto rural.

A literatura educacional reconhece a importância do professor no processo de aprendizado dos alunos, colocando a formação como um pré-requisito para a qualidade do atendimento e também como uma forma de valorização profissional. Para tanto, a LDB coloca como exigência para os professores da educação infantil a formação em nível superior, admitindo-se, como formação mínima, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal �. Uma iniciativa do MEC em parceria com estados e municípios para enfrentar a defasagem de escolarização neste segmento é o Proinfantil, um curso em nível médio, à distância, na modalidade Normal, destinado aos professores da educação infantil em exercício.

O PNE estabelece como meta para �0�� que todos os dirigentes de creche e pré-escola e 70% dos professores tenham nível superior. Pelo Censo Escolar �00� (tabela �) esta meta ainda está longe de ser alcançada.

Tabela 1Formação dos docentes na educação

infantil (creche e pré-escola) - ano 2003 (%)

Ensino Fundamental

Completo

Ensino Médio Completo

Ensino Superior

COmpletoTotal

Brasil Urbano �,� 6�,0 ��,8 �00,0

Brasil Rural 8,6 8�,7 8,7 �00,0

Fonte: MEC/INEP

A situação das áreas rurais é ainda mais preocupante já que, em �00�, apenas 8,7% dos educadores infantis no campo tinha curso superior completo.

MUITAS PEDRAS NO CAMINHO DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO CAMPO

As pesquisas sobre educação no campo constatam que não apenas as oportunidades de formação, mas as condições gerais de trabalho são adversas para quem leciona e para quem estuda fora das zonas urbanas. Um ponto que parece consensual é que os problemas que atingem a escolarização no campo não se restringem ao âmbito da educação, mas se situam também e originariamente na área econômica e social. A discussão se torna abrangente e complexa, pois coloca em cena a histórica desigualdade entre meio urbano e meio rural.

� Segundo o Plano Nacional de Educação, a formação em nível superior é atribuição da União e dos estados, a formação dos professores na modalidade Normal é atribuição dos estados e a formação em serviço, atribuição dos municípios.

Page 19: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

�7

Os dados estatísticos sobre a educação infantil no campo são escassos. Apenas em �997 o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) começou a incluir as creches no Censo Escolar anual, e admite que as informações nas zonas rurais não são fáceis de serem obtidas, seja pelas distâncias, seja porque algumas creches e pré-escolas nestas regiões nem sempre estão registradas no sistema formal de ensino. De qualquer forma, os dados disponíveis mostram que as matrículas em creches e pré-escolas estão crescendo em todo o país.

No entanto, o Censo da Educação Infantil �000 revela que na área rural existe oferta para o atendimento de apenas ��,9% das crianças de quatro a seis anos. Documento produzido pelo Grupo de Trabalho de Educação no Campo (MEC, �00�) ressalta que a análise desse quantitativo deve considerar as demandas e os valores locais em relação ao atendimento de crianças nesta etapa da educação.

Analisando as condições de trabalho dos educadores do campo, Silva, Morais e Bof (�00�) mostram que os problemas vão desde a infra-estrutura das escolas até as dificuldades de acesso a ela – em função das condições das estradas e da falta de ajuda de custo para locomoção –, passando pela falta de oportunidades de formação, baixos salários, sobrecarga de trabalho. Tudo isto gera alta rotatividade dos professores, que pedem remoção para a cidade assim que alcançam uma escolaridade maior. O resultado desse quadro impacta diretamente a aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos.

Page 20: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

�8

Para mudar essa situação, o Movimento de Educação do Campo, do qual participam os signatários do documento mencionado na nota de rodapé 95, vem se firmando na defesa de um projeto de sociedade que seja justo, democrático, igualitário e que contemple o desenvolvimento sustentável do campo. Nesse modelo, a educação deve desempenhar um papel estratégico. A escola deve ser vista como um elo da rede social, e sua lógica de ação ultrapassa a simples transmissão de conteúdos. Em outras palavras, o espaço escolar deve permitir a participação da comunidade em seu cotidiano, ajudar no registro das culturas tradicionais, priorizar a educação ambiental e a pedagogia de projetos com base nos interesses locais, de forma que sua prática esteja impregnada pelo sentido cívico de contribuir para o desenvolvimento comunitário.

Para enfrentar os problemas que afetam os docentes do campo, há uma pauta de reivindicações que resumimos em cinco pontos:

Garantia do acesso aos serviços oferecidos nos centros urbanos (ensino médio, universidades, cursos de formação em serviço, cursos técnicos etc.), levando em consideração as especificidades da realidade do campo. Valorização do profissional que conhece e prioriza a cultura do campo. Este aspecto deve ser levado em conta no momento de definir perfis profissionais, formatar cursos de formação, contratar pessoas etc. Promoção da formação e fomento da remuneração/incentivos diferenciados aos educadores do campo.Aprovação de um plano de carreira e piso profissional nacional. Constituição de redes coletivas de escolas, educadores e de organizações sociais de trabalhadoras e trabalhadores do campo, para construção permanente do projeto político-pedagógico das escolas do campo, vinculando essas redes a políticas de formação profissional de educadores e educadoras.

Baseado no documento “Por Uma Política Pública de Educação do Campo” (�00�)

Essas reivindicações têm como pano de fundo a distância entre o campo e a maciça concentração dos centros de produção de conhecimento na área urbana. Assim, os pesquisadores, na sua maioria, têm como ponto de partida a realidade das cidades. Há pouca literatura que contemple as especificidades do rural e os

5 O documento final da II Conferência Nacional por uma Educação do Campo (�00�) – Luziania (GO) é assinado por: Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef ), Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Universidade de Brasília (UnB), Confederação Nacional dos Trabalhadores em Agricultura (Contag), União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil (Unefab), União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA)/Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra)/Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), Ministério da Educação (MEC), Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (Feab), Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica e Profissional (Sinasefe), Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes) – Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, Frente Parlamentar dos Centros Familiares de Formação por Alternância, Secretaria de Estado da Administração e Previdência do Paraná (SEAP/PR), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério do Meio Ambiente (MMA), Ministério da Cultura (MinC), Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB), Conselho Nacional de Secretários da Educação (Consed), Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar no Brasil (Fetraf ), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Movimento Educação de Base (MEB), PJR, Cáritas Brasileira, Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (Ceris), Movimento de Organização Comunitária (MOC), Rede de Educação do Semi-Árido Brasileiro (Resab), SERTA, Instituto Regional da Pequena Agricultura Apropriada (IRPAA), Caatinga, Associação Regional das Casas Familiares Rurais do Sul e do Norte (Arcafad Sul/Norte).

�.

�.

�.

�.5.

Page 21: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

�9

cursos de formação que chegam ao campo são desfocados da realidade e linguagem desta região, contribuindo para que sejam desinteressantes ou pouco úteis. Por outro lado, quem trabalha no campo tem poucas oportunidades de pesquisar e publicar, passa a não formalizar o seu saber, a não divulgá-lo, ou pior, a não reconhecer valor no conhecimento gerado pela sua prática. Nas ações para o campo, portanto, fica faltando sempre uma referência educacional pensada e produzida no campo.

BREVE RETRATO DA EDUCAÇÃO INFANTIL EM MINAS GERAIS

O balanço da situação da educação infantil em Minas Gerais, produzido pela Fundação João Pinheiro6 (Informativo CEI, �00�), considera apenas as informações relativas à pré-escola por considerar que “as estatísticas relacionadas à creche são incompletas, pois muitos estabelecimentos funcionam ainda sem regulamentação ou supervisão, principalmente as creches que eram vinculadas a outros programas, como os de assistência social”. 7

Assim temos que, na pré-escola, as matrículas no estado cresceram em torno de �5,�% entre �996 e �00�. Mesmo assim, a oferta ainda está abaixo da demanda, pois apenas ��,�% do total de crianças de quatro a seis anos estava matriculada neste nível de ensino.

Com relação à escolaridade dos educadores infantis, no período de �996 a �00�, destaca-se a redução de �7,9% de docentes com primeiro grau incompleto e aumento de ��,�% daqueles com formação superior. A desigualdade urbano-rural no que se refere à formação dos educadores fica novamente explicitada no Censo Escolar �00�: enquanto �9,5% dos educadores infantis mineiros residentes nas regiões urbanas completaram o curso superior, apenas �8% dos docentes residentes nas zonas rurais do estado conseguiram alcançar o mesmo nível de ensino.

6 Informações calculadas a partir dos dados da Sinopse do Censo Escolar �00� do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP).

7 Os indicadores educacionais (cobertura, formação dos docentes, relação público-privado etc.) relativos às crianças de zero a três anos costumam ser piores que os da faixa etária de quatro a seis anos, seja por conta da qualidade de aferição desses dados, seja devido à qualidade dos serviços educacionais ofertados a esta faixa etária.

Page 22: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

�0

Page 23: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

��

O Vale do Jequitinhonha e o Fundo Cristão para Crianças

UM RÁPIDO OLHAR SOBRE O VALE DO JEQUITINHONHA�

Os municípios do Vale do Jequitinhonha são classificados como os mais pobres do estado de Minas Gerais. A região é marcada pelo alto grau de analfabetismo, pela ocorrência de diversas doenças endêmicas, pelo baixo nível de renda e pela escassez de água. Sua principal atividade econômica é a agricultura familiar de subsistência. O baixo índice de empregos e as dificuldades na lavoura obrigam as pessoas a migrar. Geralmente são os homens que saem em busca de trabalhos temporários em outros estados, como o corte de cana ou a colheita do café. Em função disto, muitas mulheres vivem numa situação apelidada de “viúvas de marido vivo”, e acabam tornando-se arrimos de família, assumindo todo e qualquer tipo de trabalho que surge por longo período no ano.

Dessa forma, as crianças do vale estão acostumadas a conviver com situações de fome, ausência dos pais, alcoolismo, falta de perspectivas e com uma rotina em que os irmãos mais velhos, muitos deles crianças também, cuidam dos irmãos menores. Outro problema é a falta de escolas, ou a precariedade das que existem: escolas distantes dez, quinze quilômetros de casa, professoras leigas, turmas superlotadas e multisseriadas, ou seja, com crianças de idades diferentes dentro da mesma sala. Esse tipo de condição educacional deixa como herança o analfabetismo e a crença, por parte de muitas famílias, de que apenas um de seus membros precisa saber ler e escrever, não se preocupando com a escolarização dos demais.

Os indicadores de desenvolvimento humano e social retratam o Vale do Jequitinhonha como um lugar de carência. No entanto, como explicar que em um lugar destes brota uma cultura tão rica, com uma música e um artesanato apreciados em todos os cantos do mundo? Apesar de tantos problemas, na memória de muitos filhos daquelas terras estão registradas sensações de uma infância livre e solta, da solidariedade entre as famílias, do calor das festas na roça, da vivência de valores humanos profundos. Mas essas memórias positivas muitas vezes ficaram soterradas no discurso sobre a miséria do vale, como mostra o depoimento a seguir:

� O Vale do Jequitinhonha corresponde a uma região geográfica extensa. Por isso ele é dividido geopoliticamente em três microrregiões: Alto, Médio e Baixo Vale. Embora esteja há menos tempo no Alto Vale, o Fundo Cristão para Crianças está presente em todas as microrregiões. Há variações culturais, sociológicas e políticas consideráveis entre essas regiões que devem ser respeitadas. Neste texto vamos considerar os traços mais comuns que permeiam a região e o Programa de Educação Infantil, ressaltando que a prática, por respeitar as especificidades dos locais, não é homogênea.

Page 24: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

��

“Nós que somos do vale, a gente tem baixa auto-estima, porque é trabalhado com a gente, desde pequenininho, que o vale é miserável, que o povo do vale é pobre, é um povo carente. A gente ouvia isto na televisão, na propaganda dos programas do governo e na própria educação. Nós aprendemos o tempo todo que existe uma educação melhor que a nossa. Daí para a gente voltar a acreditar em si mesmo, acreditar na nossa potencialidade, acreditar que é possível contribuir e mudar a nossa realidade, não é tão simples, porque desde pequenininhos nós somos ensinados... que nós não podemos, que a gente tem que obedecer. Assim o povo, de uma certa forma, já está acostumado a ter quem pense por ele. Para mudar isto não é tão simples, tão fácil, é uma história...”

Maristânia Moreira Martins, coordenadora da Aprisco, em Virgem da Lapa

AS ASSOCIAÇÕES COMUNITÁRIAS

O Fundo Cristão para Crianças (FCC)� é uma organização não-governamental internacional, fundada em �9�8, na China, pelo ministro presbiteriano John Clark, que atua no Brasil desde �966. Apesar da inspiração cristã, a organização tem uma gestão sem orientação religiosa. Sua missão é “promover o desenvolvimento do potencial da criança e do adolescente, com o envolvimento da família e comunidade, através de ações que fortaleçam o exercício da cidadania para a melhoria das condições de vida”. Sua principal forma de captação de recursos é o sistema de apadrinhamento.�

As crianças e os adolescentes das famílias e comunidades mais pobres são o público prioritário da instituição. Eles são atendidos por meio de programas e serviços diretos desenvolvidos por associações comunitárias, também denominadas entidades conveniadas, que firmam acordo de cooperação mútua com o FCC. Esse acordo prevê que a organização se responsabilize pelo repasse mensal de recursos financeiros, pelo acompanhamento técnico para o desenvolvimento de programas sociais, pela organização administrativa, financeira e contábil, e pelo relacionamento criança-padrinho.

Por sua vez, as associações se comprometem a executar programas que promovam o desenvolvimento humano integral, prestando a assistência necessária aos grupos familiares e comunitários mais vulneráveis, considerando seu contexto cultural e social. O repasse financeiro do FCC às associações é proporcional ao número de crianças apadrinhadas em cada uma delas. Assim, a capacidade de captação de recursos com outras parcerias e o número de crianças apadrinhadas confere possibilidades diferenciadas para cada entidade conveniada executar os diversos programas. Na impossibilidade de desenvolvimento de todos eles, deverão ser escolhidos os mais apropriados para as características das comunidades beneficiárias.

� Ao longo do texto nos referimos ao Fundo Cristão para Crianças sob as formas: Fundo Cristão e pela sigla FCC.

� No sistema de apadrinhamento, voluntários brasileiros e estrangeiros doam mensalmente uma quantia pré-estipulada a uma ou mais crianças, por tempo indeterminado, sem que isso envolva compromisso legal. O padrinho/madrinha pode acompanhar o desenvolvimento de seu(ua) afilhado(a) por meio de cartas intermediadas pelo FCC e do Relatório de Progresso, onde são especificadas as atividades das quais a criança participou durante o ano.

Page 25: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

��

Pensando na autonomia e descentralização das ações, em �997 foi criado o Fundo Regional do Médio Vale e, em �998, do Alto Vale. Sem personalidade jurídica, esses fundos funcionam como contas bancárias conjuntas das associações comunitárias de determinada região, com a finalidade de custear a administração dos programas comuns. De forma indireta, quem cobre os custos do Fundo Regional é o Fundo Cristão, por meio dos repasses às associações.

PROGRAMAS ESTRUTURADOS PELO FCCE DESENVOLVIDOS PELAS ASSOCIAÇÕES

EIXO I – DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO

�. Programa do Animador Comunitário Atividades de Educação Essencial�. Programa de Desenvolvimento Humano Sustentável: divide-se em: Subprograma de Educação Ambiental e Formação de Vigilantes da Água Subprograma de Captação e Manejo de Água de Chuva Subprograma de Conservação de Solo e Água Subprograma de Segurança Alimentar e Geração de Renda�. Programa Casinha de Cultura �. Programa de Melhoria das Condições de Moradia

EIXO II – SAÚDE

�. Programa de Acompanhamento e Atendimento à Criança com Desnutrição Moderada e Grave�. Programa de Acompanhamento à Gestante�. Programas de Atendimento Médico e Odontológico

EIXO III – EDUCAÇÃO

�. Programa de Educação Infantil �. Programa de Formação em Serviço dos Educadores Infantis �. Alfabetização de Adultos �. Cursos Profissionalizantes5. Cultura, Esporte, Arte e Lazer

Como podemos observar no quadro acima, o Programa de Formação em Serviço e o Programa de Educação Infantil são dois programas interdependentes dentro do eixo Educação. A integração destes eixos e programas é crucial para alavancar o desenvolvimento local.

As associações comunitárias conveniadas se estruturam da seguinte forma: A Assembléia Geral, que é a instância decisória máxima, é constituída pelas famílias sócias, que elegem a cada três anos os membros da Diretoria, do Conselho Fiscal e do Conselho de Pais. A Diretoria trabalha de forma voluntária e é responsável pela contratação e pelo regime CLT dos membros da equipe técnica, que é co-responsável pela gestão da associação. A equipe técnica é composta por um coordenador geral, técnicos de referência de cada programa, pessoal administrativo-financeiro e responsáveis pelo relacionamento criança-padrinho. As associações que prestam serviços médico e odontológico têm médicos e dentistas no seu quadro técnico.

Page 26: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

��

ORGANOGRAMA ILUSTRATIVO DAS ASSOCIAÇÕES COMUNITÁRIAS

A CHEGADA DO FUNDO CRISTÃO PARA CRIANÇAS NO VALE

O FCC chegou ao vale em �976, atendendo a um grito de socorro da região, que naquele ano havia sido assolada pelo estio. O apelo veio da Comissão de Desenvolvimento para o Vale do Jequitinhonha (Codevale). A primeira ação do Fundo Cristão foi a doação de catorze toneladas de sementes e cestas de alimentos para os pequenos agricultores que haviam perdido suas culturas. Dois anos depois, foi firmado o primeiro convênio com uma associação comunitária, no município de Virgem da Lapa, por meio da inscrição de setecentas crianças no sistema de apadrinhamento. Foi um período de quebra de resistências e conquista de confiança.

“Quando o pessoal do FCC veio falar de apadrinhamento, o pessoal daqui ficou muito desconfiado. Falavam que eles queriam roubar nossos meninos, que as crianças iam virar sabão. Até que uns mais corajosos foram e se inscreveram. Aí as coisas começaram a chegar pra nós. A melhor coisa que aconteceu foi o projeto.”

Sra. Sanete, moradora da comunidade do Mocó, zona rural de Berilo (MG)

Em �98�, o Fundo Cristão já atuava em oito municípios do Baixo e Médio Vale, trabalhando principalmente na organização comunitária, na melhoria das condições de trabalho e renda, e na busca de soluções para o problema da falta de água. Com relação às crianças, entre �98� e �988, foram feitas ações pontuais em vários municípios, tais como a construção de creches em mutirão com auxílio da Legião Brasileira de Assistência (LBA) e de algumas prefeituras.

Page 27: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

�5

Em �988, o impacto do investimento do Fundo Cristão foi avaliado pela primeira vez. A avaliação revelou uma relativa melhoria da situação produtiva das famílias, mas a persistência de índices altos de desnutrição e mortalidade infantil por causas evitáveis. Aos poucos, o FCC distanciou-se da Codevale e assumiu integralmente o trabalho junto às associações comunitárias da região, financiando e executando uma série de políticas públicas que seriam atribuição do Estado.

Essas associações passaram a ocupar um lugar decisivo na rotina de famílias acostumadas até então com o abandono, promessas não cumpridas ou atendimento esporádico por parte do poder público. Isto gerou uma situação paradoxal: o trabalho das associações comunitárias deveria se pautar na organização das comunidades para reivindicarem seus direitos junto ao poder público, mas, na medida em que as associações ofereciam serviços e supriam parte das necessidades dos moradores da região, elas acabaram sendo vistas como a solução dos problemas. Dessa forma, a demanda por serviços públicos foi transferida para as associações.

O PREPARO DO TERRENO

Após avaliar o impacto das ações apoiadas no Vale do Jequitinhonha, o FCC reformulou o acompanhamento técnico e partiu em busca de outras instituições que também atuassem na região com foco na criança pequena. Em parceria com a Legião Brasileira de Assistência (LBA), ofereceu cursos pontuais de educação infantil e ajudou na construção de algumas creches. Com a Pastoral da Criança de Minas Gerais, formulou o projeto Humanização dos Espaços de Atendimento à Criança Pequena, cujo “piloto” foi desenvolvido em cinco creches comunitárias. A iniciativa promovia oficinas para a capacitação das atendentes das creches e melhorias físicas, tais como a construção de parquinhos e brinquedotecas.

O monitoramento das atividades indicou a necessidade de aprimorar a qualidade técnica dos serviços prestados às crianças. Houve uma aproximação de profissionais da Associação Movimento de Educação Popular Integral Paulo Englert (AMEPPE) – Fundação Fé e Alegria, e do Movimento de Luta Pró-Creches de Belo Horizonte, que indicaram profissionais para traçar um diagnóstico e elaborar um programa de educação infantil junto ao Fundo Cristão.

O RETRATO REVELADO PELO DIAGNÓSTICO INICIAL

Em linhas gerais, o diagnóstico� mostrou que para os adultos daquelas localidades, o atendimento às crianças pequenas se resumia em dar alimento e ter alguém para “olhá-las” enquanto as mães trabalhavam. Deste modo, os serviços oferecidos até então eram entendidos como suficientes, embora houvesse muita reclamação a respeito do comportamento inadequado e baixo interesse das crianças pelos estudos, quando estas entravam para o ensino fundamental. Mas essa situação era entendida como um dado da natureza daquelas crianças. Em conseqüência dessa mentalidade aceitava-se que:

� Para a execução do diagnóstico, foram selecionados nove dos �� municípios do Médio e Baixo Vale do Jequitinhonha, onde 78 creches foram visitadas. Numa segunda etapa, em �00�, foi feito o mesmo estudo em �9 creches, para extensão do programa na região do Alto Vale.

Page 28: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

�6

As crianças fossem atendidas em espaços inadequados. Cada associação criava suas alternativas, utilizando espaços ociosos na comunidade ou construindo pequenas salas. Havia muitas construções mal adaptadas e, em alguns casos, as crianças eram atendidas na casa de uma pessoa da comunidade ou até em paióis ou tendas de farinha. O atendimento fosse feito por monitoras pouco preparadas. Noventa por cento delas não tinha a primeira etapa do ensino fundamental concluído, entre outras dificuldades constatadas. Houvesse pouco diálogo com os pais. Estes contribuíam na creche trabalhando na limpeza, em pequenos reparos e trabalhos de manutenção, enquanto as mães se responsabilizavam pelo preparo da alimentação das crianças, mas quase não conversavam sobre o desenvolvimento dos filhos. O propósito das atividades era apenas ocupar o tempo das crianças. Em várias creches havia muito barulho, as crianças brigavam entre si. Na hora da comida derramavam os alimentos e mal conseguiam usar o talher. Havia monitoras que entendiam que meninas e meninos não podiam brincar juntos.

O grande desafio era, portanto, mobilizar a comunidade para reavaliar certos traços da tradição cultural local como, por exemplo, o respeito à autoridade paterna, que era entendido como obediência às ordens dos adultos, sem discussão. A demonstração de afeto de pais para com os filhos não era tão comum, pois era entendida como sinal de autoridade fraca. As surras eram consideradas uma forma eficaz de educar os filhos, assim como a atribuição de responsabilidades de trabalho desde pequenos.

A idéia de direito infantil colocava todas essas práticas em xeque. As pessoas teriam que rever alguns aspectos do ser pai/mãe, como ser afetuoso com as crianças e se fazer respeitar, e permitir que as crianças perguntassem o que quisessem e falassem livremente.

A relação de confiança entre as comunidades, as associações comunitárias e o Fundo Cristão, facilitou o processo de negociação. Conversas, palestras e apresentação de informações sobre as novas leis e a doutrina de proteção integral foram transformando a visão que se tinha sobre o que era ou não bom para as crianças.

Page 29: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

�7

Assim, impulsionado por questões aparentemente prosaicas, como a construção de uma creche mais bonita e bem equipada na comunidade, foi iniciado no Vale do Jequitinhonha o Programa de Educação Infantil, e dentro dele, o Programa de Formação em Serviço dos Educadores Infantis. Os recursos para sua implantação vieram de uma dotação orçamentária especial da matriz norte-americana do FCC. Isto possibilitou a contratação de uma equipe técnica com dedicação exclusiva ao Programa, a realização dos primeiros cursos de formação e os acompanhamentos in loco nas creches.

AS CONDIÇÕES DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL NO VALE DO JEQUITINHONHA

Uma questão que não foi objeto do diagnóstico, mas é relevante para entender o Programa de Formação em Serviço, é a que trata das condições disponíveis no Vale do Jequitinhonha para a formação profissional do educador. O ingresso tardio ou evasão escolar, trabalho precoce, falta de professores e outras questões marcam a trajetória de muitos educadores da região. Para esses profissionais, completar a escolaridade mínima exigida pela LDB pode requerer um esforço de tempo e recursos incompatíveis com a jornada de trabalho e o salário recebido.

“Estudava na cidade de Francisco Badaró em �996, acordava às duas horas da manhã, andava três horas a pé, pegava o ônibus em Jenipapo às 5h50 e chegava na escola. Fazia supletivo do ensino fundamental, ficava até as quatro horas, chegava em Jenipapo às seis e andava três horas a pé. Isso aconteceu quinzenalmente durante dois anos. Só arrumei serviço depois que tirei diploma.” 5

Lucimar, educadora infantil de Araçuaí (Gebara, �00�)

Apesar do Vale do Jequitinhonha ficar na região Sudeste e num dos estados que tem uma ampla malha de centros de formação, ainda enfrenta dificuldades na oferta de cursos de nível médio e superior. As duas maiores instituições que atuam na região6 são privadas:

Fundação Educacional do Vale do Jequitinhonha (Fevale): entidade autônoma, sem fins lucrativos, agregada à Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG). É mantenedora da Faculdade de Filosofia e Letras de Diamantina (Fafidia) e da Faculdade de Ciências Jurídicas (FCJ). Possui onze pólos de atuação em municípios do Vale do Jequitinhonha, ofertando cursos modulares de pedagogia, matemática, letras e história. Universidade Presidente Antônio Carlos (UNIPAC): instalou em �00� a Rede de Ensino Normal Superior em ��0 cidades de Minas Gerais. Os cursos são ministrados por satélite aos finais de semana, com a presença de um tutor.

Por meio de convênios entre as prefeituras e as instituições formadoras, foram promovidos na região, nos últimos anos, dois cursos para habilitação de educadores infantis em nível médio, modalidade Normal: o Minas por Minas – Universidade Presente, desenvolvido pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e o Programa Emergencial, desenvolvido pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Para poder participar dessa formação, as associações negociavam com as prefeituras a inclusão de suas educadoras nos cursos.

5 O diploma referido é o de 8ª série do ensino fundamental. Em �005 a educadora iniciou a Faculdade de Letras.

6 Com a facilidade da tecnologia digital, a oferta de formação tem aumentado. Um exemplo é a presença, no Vale do Jequitinhonha, da Universidade do Paraná (Unipar), que oferece cursos à distância com mediação de tutor.

Page 30: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

�8

Page 31: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

�9

O Programa de educação infantil no Vale do Jequitinhonha

FILOSOFIA

“Nossa concepção é de que a criança é um ser de direitos: tem direitos e tem deveres que a gente procura respeitar; que ela é construtora do conhecimento; que não adianta dar nada pronto pra ela; que a criança não chega no centro infantil sem nada – ela tem um conhecimento prévio, ela já sabe alguma coisa; ela tem muito pra contar nas rodas de conversa, pra falar da sua vivência, ela não é um ser em que tudo tem que ser enfiado, digamos, goela abaixo. Ela tem muito a falar, muito a ensinar, e a gente aprende muito com ela.”

Dalva, educadora infantil da comunidade de Mocó, zona rural de Berilo (MG)

A concepção da criança como sujeito de direitos exigiu a redefinição do papel das creches e a elaboração de uma proposta educacional para as mesmas. Para isso, foi criado o Programa de Educação Infantil e, dentro dele, o Programa de Formação em Serviço para Educadores Infantis das Associações Comunitárias Rurais do Vale do Jequitinhonha� , com o objetivo de promover a qualidade do atendimento às crianças de zero a seis anos assistidas pelas associações conveniadas ao Fundo Cristão.

Atendimento de qualidade pressupõe ir além de respostas às necessidades básicas ligadas à sobrevivência. Significa ver, de forma integrada, os aspectos físicos, psicológicos, intelectuais, afetivos e sociais do desenvolvimento humano. Por sua vez, um programa de formação que pretenda mudar conceitos e práticas acaba cutucando lá no fundo, mexendo com crenças, questionando comportamentos que pareciam naturais e certos. Nesse sentido, o Programa de Formação é assumidamente uma proposta de transformação. Não se restringe a cursos e não se prende a formalidades, mas trata-se de um processo de pessoas ajudando outras pessoas a ajudar as crianças no seu processo de desenvolvimento.

Olhar para aquelas crianças, materialmente pobres, e ver nelas tantos “recursos de vida” alimenta nas educadoras a vontade de dar o melhor de si mesmas. Então, elas se dão conta de que “seu melhor” ainda é pouco, de que é preciso aprender mais, buscar novos recursos, ser mais para servir melhor.

Esse movimento de busca é facilmente reconhecido por quem está na mesma aventura. O interesse, as dúvidas e a vontade de contar o que está acontecendo com as crianças passam a ser a senha de entrada naquela comunidade de conhecimento. A sensação de pertencimento a este grupo não é exclusiva de uns poucos que fazem bonito. É, também, de quem busca, de quem tem vontade e de

� O Programa de Educação Infantil e o Programa de Formação de Educadores Infantis partilham da mesma filosofia, objetivos e intenção pedagógica. A diferença é de abrangência, já que o primeiro abarca todas as ações ligadas à educação infantil e o segundo está mais referido às ações de formação continuada.

Page 32: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

�0

quem traduz em gestos e palavras esse objetivo comum. O foco nas crianças é o ponto de união de pessoas tão diferentes.

Entender que aqueles meninos e meninas “da roça” vão crescer podendo expressar seus pensamentos, e que vão ter acesso a conhecimentos, que podem ajudar na superação da exclusão imposta pelo isolamento geográfico, é entender o potencial de ousadia do Programa de Formação em Serviço para Educadores Infantis.

É claro que, por trás desta ousadia há uma estrutura organizada por planos, cronogramas, relatórios financeiros e indicadores de resultado que dão suporte ao sonho. No entanto, se não houvesse, nessa estrutura, a adição do ideal de cada trabalhador envolvido, o programa certamente se resumiria a burocracia, e os sorrisos das crianças murchariam.

REFERENCIAL PEDAGÓGICO

A concepção de educação infantil adotada pelo Programa de Formação para Educadores Infantis se constrói na interlocução com a produção acadêmica da área e com os documentos oficiais. Os autores de referência vão de Wallon e Vygotski a Vital Didonet, Gilda Rizzo, Ana Maria Mello, Sônia Kramer, Anete Abramowich e Gisela Wayskop, entre outros, assim como materiais pedagógicos como os produzidos pela Creche Carochinha, por exemplo. Todas essas fontes vão compondo as referências teóricas do Programa, tarefa nem sempre fácil, como reflete a assessora de referência e acompanhamento Renata Velloso:

“Várias são nossas fontes e influências, e acreditamos que não temos mesmo que nos encaixar em uma ou outra teoria, uma vez que todas elas são incompletas. Por isso tentamos usá-las de forma complementar. Não podemos perder de vista que nosso alvo é assegurar o direito a um atendimento de qualidade para as crianças. Nossa ‘via de acesso’ para isso são as educadoras. Elas são as co-autoras que, com sua prática, suas reflexões, seu envolvimento com a comunidade, seu espírito de liderança, fazem a força propulsora do Programa.”

EXPLICITANDO PRESSUPOSTOS

Pressupostos sociológicos:

A equipe da iniciativa acredita que a educação não tem o poder de, por si só, mudar a sociedade, mas também não é um mero instrumento de reprodução de relações sociais. A educação infantil não é preparo para a escola: sua função mais importante é favorecer o desenvolvimento da criança e a aquisição de conhecimentos socialmente construídos. A criança pertencente a uma sociedade está inserida numa história, numa região geográfica, numa classe, numa etnia etc., mas a creche é um lugar de todos. Independente da origem sociocultural, é preciso guiar-se por um critério que admita que o conhecimento não é propriedade de determinada classe ou grupo.

Desta maneira, trabalha-se a inserção social das crianças no grupo para que elas se sintam valorizadas, incentiva-se que elas se aproximem umas das outras,

Page 33: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

��

brinquem juntas, sejam amigas. Os conflitos e os afetos, quando aparecem, são objetos de reflexão. Este trabalho vai além das paredes das creches e chega às famílias, que muitas vezes necessitam de espaços de socialização por morarem distantes umas das outras, fato comum no meio rural.

Pressupostos psicológicos:

Entender como a criança aprende, como se dá o desenvolvimento infantil nas diferentes áreas – sensório-motora, sócio-afetiva, simbólica e cognitiva – permite formular hipóteses de como ela constrói o saber. Assim, a produção de conhecimento nas creches ocorre com a participação ativa das crianças, respeitando o ritmo e as necessidades de cada uma. O brincar é visto como a forma privilegiada de interação de adultos e crianças.

Pressupostos antropológicos:

Outro pressuposto da equipe é a constituição da prática pedagógica cotidiana essencialmente por valores, conhecimentos, identidades e formas de perceber o mundo de todos aqueles que dela participam. Nesse sentido, o Programa de Formação busca propiciar vivências coletivas de construção de valores, interações e o uso de linguagens diversas que dialoguem com os aspectos culturais da região. A realidade cultural e social rica e as contradições presentes no cenário desafiam as educadoras na busca de estratégias adequadas de atendimento. As creches são centros de formação coletiva. São espaços de produção de cultura e, como tal, estimulam e valorizam a participação de todos.

FUNCIONAMENTO DO PROGRAMA DE EDUCAÇÃO INFANTIL

Antes de entrarmos na descrição da prática do Programa de Formação em Serviço, faremos um sobrevôo das 75 creches que compõem a rede de atendimento das associações comunitárias do Vale do Jequitinhonha conveniadas ao Fundo Cristão. Conforme já mencionamos, o vale é subdividido nas microregiões Alto e Médio Vale e Baixo Vale (tabela �). Tanto o Programa de Educação Infantil quanto o de Formação em Serviço foram implantados em condições distintas nessas regiões.

O investimento inicial foi no Baixo e Médio Vale. A verba especial enviada pela matriz do FCC possibilitou a construção ou reforma das creches e a contratação das educadoras infantis diretamente pelas associações conveniadas. A situação no Alto Vale foi diferente. Sabendo dos bons resultados do Programa de Formação em Serviço implantado nas outras microregiões, as diretorias das associações conveniadas requisitaram, ao Fundo Cristão, a extensão do Programa aos seus municípios. Como o recurso extraordinário já havia sido empregado, não houve investimento em infra-estrutura, a não ser em pequenas adaptações. Em alguns municípios, as educadoras infantis e cantineiras foram direcionadas também ao quadro de funcionários do poder público municipal.

Critérios de Atendimento

O ponto em comum a toda ação patrocinada pelo Fundo é o benefício do atendimento às crianças em pior situação de vulnerabilidade social. Assim, as comunidades selecionadas para implementação do Programa foram aquelas com realidade socioeconômica mais desfavorável, que tivessem o maior número de crianças na faixa etária de zero a seis anos. Esse critério fez com que as creches da

Page 34: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

��

iniciativa estivessem localizadas em comunidades rurais, pequenos povoados, na maioria das vezes de difícil acesso e distantes entre si.

Para justificar a existência de uma creche deve haver no mínimo quinze crianças a serem beneficiadas, sendo que cada adulto pode se responsabilizar pelo atendimento de, no máximo, �5 crianças.

O acolhimento deve envolver, prioritariamente, crianças inscritas no sistema de apadrinhamento e seus irmãos. As vagas excedentes devem ser estendidas à comunidade, priorizando os filhos de mães que trabalham fora e não dispõem de outro lugar adequado para deixá-los. O horário de funcionamento pode variar entre período parcial ou integral, conforme a demanda local, a disponibilidade financeira da associação ou a política municipal, quando há convênio com a prefeitura.

Tabela 2Universo atendido pelo

Programa de Educação Infantil até 2005 (N)

Entidade Município Creches Crianças Educadoras Ajudantes

Região do Médio e Baixo Vale do Jequitinhonha

ASCOP Padre Paraíso 0� �8 0� 0�

CONACREJE Jequitinhonha 0� ��� 05 0�

ARAI Berilo �� �8� �� 07

AMAI Francisco Badaró 0� 6� 0� 05

ABITA Coronel Murta 0� �97 08 0�

APRISCO Virgem da Lapa 09 �8� �� -

ASCOMED Medina 0� �5� 06 06

AMPLIAR Minas Novas 07 ��� 08 -

ACHANTI Chapada Norte 07 ��7 08 -

ASSOCIAR Araçuaí 06 ��9 07 -

ADECAVE Veredinha 0� �00 05 0�

APLAMT Turmalina 0� 69 0� 05

Região do Alto Vale do Jequitinhonha

PROCAJ Diamantina 05 �9� �� -

FED. FELÍCIO Felício Santos 07 ��� 08 -

FED. RIO PRETO São Gonçalo do Rio Preto

0� �6� �0 -

CLUBE DE MÃES Serro 0� 88 09 -

PROSESC Carbonita 0� �0 �0 (�) -

TOTAL 75 2038 133 32

FONTE: FCC - Fundo Cristão para Crianças(�) A proporção de crianças por educador em Carbonita é definida pela Secretaria Municipal de Educação, contratadora das educadoras.

Page 35: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

��

Estrutura

As funções exercidas na creche são: educadora infantil, ajudante de sala e cantineira ou mãe de rodízio� . As educadoras infantis recebem supervisão de educadoras sociais ligadas às associações comunitárias e de assessores de programas ligados ao Fundo Cristão. Nos locais onde as prefeituras assumem a contratação dessas profissionais pode haver também supervisão de coordenador pedagógico da Secretaria Municipal de Educação. Essa dupla supervisão nem sempre é produtiva: houve casos, como o do município de Datas, em que as educadoras acabaram se desligando do Programa de Formação em Serviço pelas divergências de visão pedagógica das duas supervisões.

A infra-estrutura das creches é diferenciada, embora haja um padrão de qualidade� a ser buscado. Elas se diferenciam conforme a “cara” da educadora, da comunidade e dos alunos, mas a maioria tem banheiros, “escovódromo” – lugar próprio para escovação dos dentes –, cozinha, refeitório e duas salas. Os móveis e objetos têm como referência o tamanho das crianças. Na parte externa há brinquedos e horta, e nos lugares mais secos foram construídas cisternas para captação de água de chuva.

A preocupação com a nutrição é constante e está presente nos diferentes programas das associações comunitárias� . Um deles é o Programa dos Animadores Comunitários, que desenvolve, nas creches, uma atividade de celebração da vida: encontros mensais nos quais todas as crianças são pesadas e medidas, as questões de nutrição e saúde são monitoradas e discutidas, e as pequenas vitórias são comemoradas.

Cada creche recebe quatro cardápios mensais elaborados por nutricionistas, que aproveitam as frutas, legumes e verduras locais e orientam sobre o que deve ser plantado nas hortas. Parte do custeio de mantimentos para alimentação vem de convênio com o estado de Minas Gerais.

O transporte também cumpre uma função importante. Os ônibus escolares que servem ao ensino fundamental são, às vezes, o único meio de locomoção disponível até a escola. No caso de creches localizadas em comunidades que não têm escola deste segmento, as crianças vêm a pé e vão se encontrando em alguns pontos da estrada para seguirem juntas. Há períodos de baixa freqüência devido à interdição dos caminhos pela água dos córregos, queda de pontes, entre outros problemas. As educadoras, quando são de outras comunidades, acabam se mudando para a localidade onde está a escola, passando então a residir com alguma das famílias. Para irem aos encontros de formação, elas contam com o carro da associação comunitária.

Toda criança matriculada recebe dois uniformes completos. Cada creche personaliza as roupas e, às vezes, organiza um concurso de desenho que vai estampar a camiseta. O uniforme serve para vestir confortavelmente as crianças, identificá-las perante a comunidade e quebrar as diferenças sociais.Desde �00� todas as creches pautam o planejamento do seu trabalho no Projeto

� Esse termo refere-se à prestação de serviços de mães em sistema de rodízio, bastante comum nas áreas rurais. As mães prestam serviços voluntários de cantineira e faxineira por um prazo estipulado. Para tanto, observa-se o perfil da mãe e é oferecida uma formação para as funções que ela vai exercer.

� Ver quadro de indicadores de avaliação na página 57.

� Ver quadro de programas na página ��.

Page 36: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

��

Político Pedagógico5 , que foi construído por meio do resgate, em reuniões com a comunidade, das histórias da coletividade, e da decisão sobre o que seria fundamental ensinar para aquelas crianças.

ESPECIFICIDADES DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO CAMPO

A maioria das creches tem organização multisseriada6 pela dificuldade de formar classes de aula com crianças de idades homogêneas no meio rural. No princípio, isto era visto como um problema, mas ao longo do processo de formação, por meio de pesquisas, chegou-se à mesma conclusão exposta por Sônia Kramer: “O problema das multisseriadas não está no fato de termos crianças diferentes ou níveis diferentes de conhecimento (o que temos sempre), mas na falta de condições educacionais” (Bazílio e Kramer, �00�:7�).

O que se busca hoje nessas creches são estratégias que garantam condições de desenvolvimento das crianças. Uma delas foi a instituição da figura da ajudante de sala 7 – um adolescente da comunidade que pudesse apoiar o trabalho em classe. Ele trabalhava em regime voluntário, recebendo formação para auxiliar a educadora responsável pelo grupo, em atividades ligadas ao banho, almoço e escovação de dentes, entendendo que estes são momentos essenciais na educação da criança. Em contrapartida, deveria estar matriculado e freqüentando a escola. Apesar de seu sucesso como experiência, a função teve de ser suspensa algum tempo depois, pois as comunidades rurais que têm oferta das séries finais do ensino fundamental (5ª a 8ª) eram raras. Os adolescentes entre dezesseis e dezoito anos que moram na roça e estão na faixa etária adequada para esta função, tanto do ponto de vista de maturidade como de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, raramente estão estudando.

Outra estratégia para lidar com a diferença de idade no grupo é a organização das salas em cantinhos de “beleza”, de brinquedos, de fantasia e cantinho de leitura8 . Enquanto uma turma escolhe um cantinho para brincar, a outra faz atividades e, quando todos concluem, voltam a ficar juntos.

Inspirados em Freinet, a equipe também realiza passeios pelas redondezas como forma de estimular a cooperação entre crianças de diferentes idades. A definição da idade mínima de dois anos para entrar na creche foi definida, inclusive, levando em conta a necessidade de trabalhar com a organização multisseriada e a cooperação entre crianças em fases distintas de desenvolvimento.

Outra especificidade da educação no campo é que muitas educadoras são madrinhas, tias e mães de seus alunos. São irmãs, primas e comadres das mães de rodízio, ou seja, são ligadas por laços de afeto profundo àqueles para quem prestam serviço. Além disso, as creches são espaços amplos que abrigam múltiplos usos, tais como festas de casamento, batizados, reuniões etc. Nesse universo, o profissionalismo tem feições próprias e é preciso sutileza para distinguir quando os esforços de cobrança e normatização ajudam e quando eles empobrecem o fazer do educador.

5 Mais informações sobre o Projeto Político Pedagógico e outras questões de organização pedagógica serão tratadas na página 56.

6 Organização multisseriada significa que o grupo, em sala de aula, é composto por crianças de idades variadas.

7 Mais informações sobre o ajudante de sala na página �0.

8 O Projeto Malas de Leitura foi desenvolvido por um grupo de professoras do Centro Pedagógico da UFMG. Originalmente as malas de leitura são baús que contêm livros infanto-juvenis, gravador e fitas cassete com histórias, maquiagem, espelho e bonecos. Elas ficam nas escolas e são trocadas de tempos em tempos.

Page 37: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

�5

Buscando esse equilíbrio, as educadoras tentam resguardar o espaço da creche como uma conquista para as crianças, porém sem fechar as portas para a convivência comunitária, como acontece, por exemplo, na celebração do brincar ou no dia da família na creche. Nestes encontros, as mães ou responsáveis comparecem munidas com retalhos de panos, máquinas de costura e suas memórias afetivas para, junto a seus filhos, construir brinquedos da sua infância, lembrar cantigas de roda e contar histórias e casos. Durante a brincadeira vão surgindo idéias de objetos que podem auxiliar a transmissão dos conteúdos de sala, como as almofadas de formas geométricas que são usadas para facilitar o aprendizado da matemática. A atividade também é uma forma lúdica e educativa de repor o estoque de brinquedos e valorizar a cultura local.

Fotos acima: Produção das crianças feitas com sementes e plantas da região

Page 38: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

�6

Page 39: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

�7

Descrição do programa de formação de educadores infantis �

O Programa de Formação em Serviço teve início em �999 na região do Médio e Baixo Vale do Jequitinhonha, sendo expandido para o Alto Vale em �00�. Ele funciona como uma rede de estudo e acompanhamento que envolve pessoas localizadas em quatro diferentes espaços institucionais: as creches, as associações comunitárias, os fundos regionais e o Fundo Cristão para Crianças. No centro de tudo e como medida do resultado dos esforços da rede estão as crianças de dois a seis anos� .Na figura abaixo estão indicadas as principais funções do Programa, a vinculação ao seu espaço institucional e sugestão de seqüência hierárquica.

QUEM FAZ O QUÊ

� Como o Programa é um processo em constante transformação, muitas mudanças ocorreram do seu desenho inicial até o momento atual. Neste relato destacamos os aspectos de maior estabilidade, indicando aqui e ali os pontos que estão em mutação.

� Em �00� foram atendidas �5 crianças de zero a um ano, setecentas crianças de dois a três anos e �.960 crianças de quatro a seis anos de idade.

Page 40: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

�8

NO FUNDO CRISTÃO PARA CRIANÇAS

Assessor de Referência e de Acompanhamento O Fundo Cristão tem uma área de programas sociais que coordena e integra os diversos programas (quadro página ��). Cada programa tem um assessor de referência e acompanhamento que coordena e responde institucionalmente por suas ações. A equipe responsável pelo diagnóstico de �998 formou o primeiro núcleo de assessoria específico para o Programa de Educação Infantil no Fundo. Desde então, algumas mudanças vêm ocorrendo. Em �00�, o cargo de coordenador com dedicação exclusiva ao Programa foi extinto e um assessor social foi designado como assessor de referência e acompanhamento do Programa de Educação Infantil. Sua função é gerenciar o Programa e representar o Fundo nos fóruns e instâncias de articulação da sociedade civil como, por exemplo, o Fórum Mineiro de Educação Infantil.

NO FUNDO REGIONAL

Existem dois fundos regionais� no Vale do Jequitinhonha. Cada um deles é constituído por recursos divididos entre as associações comunitárias e gerenciados por um assessor regional, que se encarrega de supervisionar todos os programas da sua área geográfica de abrangência. Também através desse fundo foram contratados assessores técnicos para o Programa de Educação Infantil, cujas atribuições são:

Participar do planejamento, discussão e avaliação das ações do Programa de Educação Infantil;Assessorar educadores sociais de referência e educadores infantis, organizando um cronograma de encontros, visitas de acompanhamento e prestando assessoria à distância; Produzir relatórios das atividades e organizar as diversas formas de registro dentro do Programa de Educação Infantil; Responder tecnicamente pelo Programa de Educação Infantil em todas as instâncias;Planejar os cursos de formação: da escolha dos professores, passando pela confecção de materiais pedagógicos ao acompanhamento do trabalho e avaliação dos resultados; Orientar as reuniões de estudo, a seleção de textos de apoio pedagógico e aquisição de livros para as bibliotecas das associações comunitárias.

NAS ASSOCIAÇÕES COMUNITÁRIAS

DiretoriaÉ a instância que define prioridades, autoriza a liberação de recursos, acompanha resultados e incentiva a participação de todos. Os membros da diretoria são representantes eleitos e garantem o caráter comunitário das associações. Eles se reúnem mensalmente para acompanhar as ações, debater as demandas da comunidade e decidir sobre gastos e despesas. Participam também de encontros semestrais e do planejamento anual do Programa de Educação Infantil e o de Formação em Serviço.

CoordenaçãoO coordenador é o gestor executivo da associação comunitária. Ele participa das decisões mais importantes, integra ações dos diferentes programas, assessora a diretoria, presta contas ao Fundo Cristão e demais instituições parceiras, e deve estar presente em encontros, reuniões, treinamentos, fóruns e seminários.

� Mais informações sobre o Fundo Regional na página ��.

Page 41: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

�9

Inicialmente o coordenador não participava das atividades de formação em educação infantil, mas pela sua posição estratégica percebeu-se que seria importante sua inclusão, o que começou a acontecer em �00�.

Educador Social de ReferênciaO educador social é um profissional polivalente responsável pela supervisão das ações promovidas pela organização junto a um determinado número de famílias. Em média, as associações comunitárias possuem quatro educadores sociais. Os diversos programas em curso são divididos entre eles, que passam a ser a pessoa de referência desses programas perante a associação e as comunidades. Assim, em cada associação conveniada existe um educador social de referência do Programa de Educação Infantil ou, simplesmente, educador de referência, cujas atribuições são:

Coordenar o trabalho de planejamento das atividades pedagógicas das creches;Acompanhar o trabalho das educadoras infantis através de supervisão individual e em grupo;Analisar os resultados obtidos com as atividades de capacitação e melhoria de trabalho junto às crianças, verificando os impactos;Visitar as creches e encaminhar mensalmente relatório de visitas ao Fundo Cristão; Organizar a biblioteca de referência e os registros do Programa; Avaliar oPrograma de Educação Infantil junto a diretoria, coordenação e parceiros das associações; Fazer a ponte entre as educadoras infantis e os assessores técnicos; Ajudar a integrar as ações de educação infantil aos outros programas desenvolvidos pela associação.

NAS CRECHES

Educadoras InfantisBoa parte das atuais educadoras infantis nasceu e se criou numa comunidade como a que trabalha. Muitas delas freqüentaram as primeiras creches comunitárias e foram apadrinhadas quando criança. Desta forma, além do vínculo empregatício com as associações comunitárias, elas trazem, em sua história pessoal, laços de familiaridade e respeito com o trabalho do Fundo Cristão. No Alto Vale, algumas educadoras são do quadro de servidores municipais, mas a grande maioria é contratada pelas associações comunitárias por meio de processo seletivo. Suas atribuições são:

Proporcionar a aprendizagem das crianças segundo a filosofia do Programa;Zelar pela segurança das crianças e promover a educação para a saúde e meio ambiente por meio de ações que contribuam para o desenvolvimento de hábitos saudáveis que propiciem melhoria da qualidade de vida;Zelar pela conservação e manutenção do material e equipamento; Cuidar para que o ambiente seja agradável e organizado, e para que não falte material de uso diário, repassando requisição de compra à organização;Elaborar semanalmente plano de trabalho e zelar pela formação continuada de todos os envolvidos no processo educativo na creche;Promover a participação da família e da comunidade nos projetos, dividindo com as famílias a avaliação do desenvolvimento das crianças;Realizar visitas domiciliares trimestralmente;Participar de reuniões e cursos de capacitação favorecendo a troca de experiência e conhecimento;Elaborar o registro de desenvolvimento das crianças e demais registros acordados no Programa.

Page 42: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

�0

Ajudantes de SalaA função de ajudante de sala surgiu como uma estratégia para trabalhar as turmas multisseriadas e oferecer, aos jovens da zona rural, oportunidades de aprendizagem prática. Tal atividade era voluntária, no entanto, para desenvolvê-la, o jovem recebia capacitação das educadoras sociais de referência sobre temas relacionados à educação infantil e à juventude – prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, consumo de drogas etc. A função foi suspensa em �00� pela dificuldade de encontrar adolescentes que se encaixassem nos critérios de idade mínima e que estivessem estudando. Como a maioria dos adolescentes dessas pequenas comunidades tem de se deslocar para a cidade para continuar os estudos, os que permaneciam no campo ou tinham abandonado a escola ou estavam abaixo dos catorze anos, conflitando com as diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente sobre trabalho infantil. Pela avaliação das educadoras infantis e dos assessores técnicos, a experiência foi válida e ajudou tanto no atendimento de qualidade às crianças como na inserção dos jovens nas suas comunidades, que passaram a ser vistos como pessoas responsáveis. Caso a função não volte a ser estruturada, será preciso pensar em novas alternativas para que a questão da organização multisseriada não volte a ser um problema que comprometa a qualidade da educação.

As Cantineiras ou Mães de RodízioAs cantineiras, quando não são contratadas pelas prefeituras, são mães que voluntariamente se revezam na cozinha a cada três meses. Elas são formadas em oficinas sobre saúde, nutrição e higiene, nas quais são instruídas sobre o valor nutricional dos alimentos e sobre o aproveitamento de talos, cascas e folhas que normalmente não entram nas receitas. O preparo das refeições deve seguir as sugestões dos cardápios preparados por nutricionistas, por isso é importante que as cantineiras ou mães de rodízio, como também são chamadas, saibam ler pelo menos um bilhete.

Page 43: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

��

As tarefas de limpeza são feitas no mesmo esquema de rodízio de mães. Alguns pais participam retocando a pintura, capinando o terreno, ajudando na horta, e realizando outras tarefas do tipo. Essa divisão de tarefas acontece no âmbito das relações próprias de comunidades pequenas, onde o compadrio, o mutirão e a ajuda mútua estruturam as trocas entre as pessoas.

INTERFACE COM ATORES DE OUTROS PROGRAMAS

Ainda no nível do atendimento direto da comunidade, existem funções vinculadas aos outros programas, que têm uma interface importante com a educação infantil. Destacaremos duas delas.

Animador ComunitárioÉ um pai ou uma mãe de criança inscrita na associação que recebe formação para realizar visitas domiciliares nas quais orienta outras famílias da sua localidade sobre questões relacionadas a saúde e qualidade de vida. Eles desenvolvem atividades de educação essencial que atendem as crianças até três anos não matriculadas nas creches. O objetivo é formar pais e familiares para que fortaleçam a habilidade de cuidar de filhos pequenos. Os animadores comunitários são treinados por educadores sociais das associações conveniadas ao Fundo através de uma metodologia que utiliza cartilhas e vídeo. Nas visitas, o animador desenvolve atividades com os pais e seus filhos e registra dados sobre o desenvolvimento das crianças. Além disso, os animadores também ajudam a detectar necessidades que precisam de atendimento especial. Quando as educadoras infantis, por exemplo, notam algum problema mais preocupante com uma criança ou sua família, elas se articulam com o animador comunitário para, juntos, realizarem uma abordagem integrada da situação. Os animadores também participam das reuniões da creche e coordenarem a atividade de “celebração da vida”� , que acontece mensalmente nas creches.

Brincantes Os brincantes são contratados pela associação comunitária e vinculados ao Programa Brinquedoteca Casinha de Cultura para desempenhar a função de animadores culturais. A Casinha de Cultura5 é um programa que oferece atividades de música, literatura, artes e propicia a convivência comunitária e familiar. Em espaços construídos especialmente para o programa, crianças, jovens e adultos revivem suas tradições, reafirmam sua identidade, dialogam com as novas tecnologias e desenvolvem seus talentos. O trabalho de resgate da memória e cultura locais, realizado pelos brincantes, é complementado pela ação das educadoras infantis e vice-versa. Em �005, tiveram início encontros de formação conjunta dos programas de educação infantil e da Casinha de Cultura, buscando garantir um maior conhecimento mútuo e compartilhamento de responsabilidades.

� A celebração da vida está descrita na página ��.

5 Nem sempre as Casinhas de Cultura estão localizadas nas mesmas comunidades das creches.

Page 44: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

��

Page 45: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

��

Organização e metodologia do programa de formação em serviço

A proposta da formação em serviço, além de qualificar o atendimento às crianças, tem como perspectiva desenvolver profissionais da região para que venham a assumir autonomamente o Programa. Suas atividades se estruturam em quatro segmentos complementares:

Cursos de formação; Visitas ou acompanhamento in loco ;Acompanhamento à distância;Reuniões de planejamento e estudos.

� - CURSOS DE FORMAÇÃO

Os cursos ocorreram em duas etapas. Na primeira etapa, o objetivo foi suprir lacunas de formação inicial das educadoras sociais e educadoras infantis. A idéia foi trazer para a região a efervescência dos debates dos movimentos sociais e acadêmicos sobre educação infantil, convidando especialistas para fazer a ponte entre as pesquisas recentes e as práticas do Vale do Jequitinhonha. Esse movimento inicial prezou pelo respeito às raízes locais e considerou que o estudo ainda não era um hábito de muitas daquelas educadoras.

�.�.�.�.

Page 46: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

��

A intenção foi provocar a reflexão sobre novos conceitos e, ao mesmo tempo, estruturar rotinas e estratégias de trabalho. O movimento de questionar idéias arraigadas, como “criança pequena tem que ficar livre e solta”, “a aprendizagem formal só começa na escola”, “tudo o que uma criança precisa é segurança e comida”, entre outros pensamentos, deixava em várias educadoras uma sensação de vazio. Muitas se perguntavam: “O que é que eu vou fazer quando voltar para a creche?”.

Mas os cursos também traziam relatos de experiência, vídeos, estudos de caso e dicas sobre organização do espaço dos centros de educação infantil, planejamento de atividades, reciclagem de materiais, além de outros temas. Era o início de uma nova etapa, em que as educadoras começavam a se sentir um pouco mais seguras para a experimentação. Novas idéias sobre o que fazer iam se avolumando, estimulando em cada uma o desejo de voltar para a comunidade e pôr em prática aquelas descobertas.

Numa segunda etapa, os módulos foram planejados levando em consideração as avaliações dos cursos anteriores e as demandas de aprendizagem percebidas nos acompanhamentos e reuniões de estudo. A interatividade foi aumentando. Se num primeiro momento os alunos tinham que experimentar novos fazeres, nesta etapa eles já tinham experiências a compartilhar e, aos poucos, esta bagagem a ser trocada foi ganhando espaço nos cursos de formação. Cada curso ou módulo teve duração de �� horas e foi ministrado em duas a três cidades-pólo. Cada pólo recebeu em média cem participantes distribuídos em turmas em torno de �0 a �5 participantes.

1.1 - Planejamento dos cursosO planejamento dos cursos é o momento privilegiado para pensar os rumos do Programa, pesquisar, rever bibliografia e fazer contatos. Quanto mais os assessores procuravam profissionais e materiais com linguagem e experiência adequados à realidade daquelas creches, mais entendiam o quanto a educação brasileira está de olhos fechados para a zona rural. Dessa constatação surgiu a necessidade de “mergulhar” os professores no contexto em que eles iriam trabalhar. Além de mostrar fotos, relatórios e contar casos, em algumas ocasiões os professores foram para o vale um ou dois dias antes do curso para visitar as creches, as associações, conversar com pais e com as próprias crianças. Essa prática, embora tenha tido um custo adicional, ajudou muito na articulação dos conteúdos com o contexto local.

“Para preparar um curso sobre linguagem, por exemplo, a primeira coisa que a gente fazia, quando chegava do campo, era acionar nossos contatos pedindo indicação de um bom especialista. Localizávamos uns três nomes. Aí começavam os problemas: primeiro, nem todo mundo queria ou podia vir pro vale. Depois, muitos pensavam assim: ‘Vou para o Vale do Jequitinhonha, tenho que levar tudo porque eles não sabem nada’. Prevalecia sempre o imaginário da pobreza, da falta, não conseguiam pensar sobre o que tinha aqui. Se não houvesse um trabalho de preparação, alguns bons professores chegariam tratando as educadoras igual criança que tem dificuldade de entender as coisas. E se eles chegassem falando desse jeito, o pessoal daqui ia sacar, na hora, que estavam sendo menosprezados. Então, nós tentávamos preparar os professores para o encontro, conversando, mostrando fotos, ajudando a montar a dinâmica do curso – porque não dava pra ser um curso de palestras –, ajudávamos a montar as apostilas. Além disso, a gente assistia aos cursos e, quando sentíamos que o recado não estava chegando, a gente intervinha.”

Marcela e Renata, assessoras do Programa

Page 47: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

�5

1.2 - Papel dos Especialistas ExternosOs especialistas externos funcionam como fomentadores de conhecimento, ajudam a articular problemas da prática e acabam funcionando como consultores do Programa, na medida em que fazem recomendações por meio de conversas e relatórios. Levar para o Vale do Jequitinhonha profissionais qualificados ajuda a quebrar o círculo vicioso de ofertar serviços ruins para pessoas de regiões carentes, na ilusão de que eles não saberão apreciar ou diferenciar a qualidade dos serviços. Se o objetivo é conceder poder, há que considerar as educadoras rurais como sujeitos dotados de vontade, de capacidade e de direitos. Quando, apesar das diferenças, o encontro acontece, os professores que topam a aventura saem gratificados com a troca.

“O Vale do Jequitinhonha e seus contrários – tanta aridez na terra, mas fértil de sentimentos –, foi um exemplo de competência em matéria de se fazer educação infantil comprometida com a construção de um conhecimento a muitas mãos: pelas próprias crianças, pais, professoras e comunidades.”

Elizabeth Martins, professora convidada

1.3 - Estratégias DidáticasAs alunas-educadoras têm experiências profissionais e de vida bastante heterogêneas. Algumas têm muitos anos de prática, outras acabaram de chegar. O desafio é motivar ou, pelo menos, não desperdiçar o desejo que elas têm de se autodesenvolver. Neste sentido, o Programa conseguiu oferecer cursos produtivos e atraentes utilizando as seguintes estratégias:

Trabalhar com elementos da cultura local. Todo encontro começa e termina com uma roda de cantos, uma brincadeira ou uma oração� . Nas creches, são desenvolvidos projetos de pesquisa sobre os jogos e brinquedos que se usavam na infância dos pais e avós das crianças, e seus resultados são trazidos para os encontros. Folhas, sementes, terra e serragem são largamente utilizadas como materiais para produção de desenhos, quadros, ornamentos etc.

Trabalhar de forma dinâmica e lúdica. Além das pessoas dali não estarem acostumadas a ficar horas e horas sentadas escutando e falando, a região é muito quente, e os cursos mais expositivos exigem uma concentração difícil de se obter. Isso não significa desprezo à reflexão, mas o reconhecimento de que é preciso alternar atividades e utilizar vários recursos, como vídeos, músicas, oficinas de criação, exposições etc. O brincar é a forma privilegiada de expressão do pensamento não apenas das crianças, mas também dos adultos, que experimentam, criam novas brincadeiras, revivem jogos da sua infância e ampliam seu repertório de trabalho nas trocas.

Trabalhar com relatos de casos e exemplos. Na primeira etapa do curso, os relatos vinham de pessoas convidadas, ou de produções em vídeo. A partir do momento em que o conhecimento dos cursos foi sendo socializado, o relato das experiências do próprio grupo foi ganhando espaço. A valorização da prática democratiza os saberes, uma vez que todos ali têm coisas a dizer sobre seu

� A religiosidade é um traço cultural marcante em Minas Gerais e estruturante das identidades nestas áreas rurais. O Programa de Formação de Educadores abre espaço para manifestações de espiritualidade, desde que não tenham intenção doutrinária ou evangelizadora. A liberdade religiosa e o agnosticismo devem ser respeitados.

Page 48: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

�6

trabalho. Como nem sempre havia tempo suficiente para que todos falassem, as apresentações selecionadas e preparadas nas reuniões de estudo eram outra alternativa.

Organizar “feiras” de trabalhos. As “feiras” são exposições dos trabalhos realizados com e pelas crianças, e dos registros realizados pelas educadoras. No início dos encontros, cada a equipe de cada associação organizou seu “canto de exposição”, com bonecas, cadernos, brinquedos, painéis de fotos e todas as produções do período ficaram abertas à visitação durante os dias de curso. Para melhor aproveitamento das trocas, alguns professores forneceram um Roteiro de Observação da Feira, em articulação com os temas abordados no curso.

Fazer apostilas sob medida. A cada módulo, os participantes recebem uma apostila com textos selecionados, páginas em branco para anotações, exercícios e bibliografia complementar. Na medida em que os módulos vão se desenrolando, as apostilas ficam mais interativas, com mais espaços para a produção das educadoras. As apostilas são montadas com carinho, as capas são ilustradas, os desenhos das crianças ornamentam a borda dos textos, e há sempre uma frase, um poema ou uma música entremeando os conteúdos. Na seleção dos textos existe a preocupação com a consistência e também com a linguagem. Alguns textos são escritos especialmente para as apostilas.

Distribuir textos de apoio. Além das apostilas, os módulos contam também com um caderno de textos de apoio para complementar e aprofundar o estudo dos temas abordados.

Programação cultural como parte do curso. Em alguns encontros, os participantes visitaram experiências interessantes de educação infantil, como a Creche Salão do Encontro, em Betim, e um assentamento indígena. As visitas a museus, exibição de filmes, apresentações musicais e outros eventos que compõem a programação dos encontros foram outros pontos de ampliação cultural.

Avaliar. Ao final de cada módulo, os participantes preenchem uma ficha de avaliação anônima, contendo um quadro no qual se avalia o grau de satisfação com a infra-estrutura, com a organização e com o professor, e se responde às três seguintes perguntas:

Em que este curso irá contribuir para sua prática? A partir deste curso, o que você mudará na sua prática? Acrescente comentários sobre o curso.

Page 49: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

�7

Cursos Oferecidos até 2004*

ANO TÍTULO DOS MÓDULOS

�999

Planejamento na CrecheDesenvolvimento Infantil e a Organização do Trabalho na Creche Saúde na CrecheNo Caminho da Brincadeira Linguagem Oral e Escrita: Estratégias de Trabalho do Educador Infantil

�000Literatura Infantil: Um Mundo de Surpresas e PossibilidadesMatemática na Educação Infantil: Outros CaminhosCiências e Criatividade na Educação Infantil

�00�

Arte e Movimento na Educação InfantilDesenvolvimento Infantil e Organização do Trabalho na CrecheSaúde na CrecheA Importância do Brincar no Desenvolvimento Infantil

�00�

Planejamento: Idéias e Desafios Identidade e Cultura/Trabalho por Projetos: Aprender a Planejar PlanejandoLinguagem Oral e Escrita: Estratégia de Trabalho para o Educador Infantil Discutindo a Literatura na Educação Infantil Construção da Proposta Político-Pedagógica (PPP) IConstrução da PPP II

�00�

Linguagem Oral e Escrita: Uma Proposta de Reflexão e Análise de Situações VividasEducação Infantil: O Trabalho Educativo no Médio e Baixo Vale do JequitinhonhaPlanejamento: Idéias e DesafiosArte e Movimento na Educação InfantilConstrução da PPP IIIRelação Creche – Família – Comunidade: Construindo Parcerias

�00�

Ciências e Meio AmbientePensando a criança e repensando a matemáticaPedagogia de Projetos Berçário Eixos: Aprimorando o Trabalho Pedagógico no Vale do Jequitinhonha

* Alguns destes cursos foram realizados em conjunto com os representantes do Programa na região mineira do Rio Doce. Em �005, houve uma reestruturação no Programa e os cursos deram lugar a grupos de estudo coordenados pelos assessores técnicos.

2 - REUNIÕES DE ESTUDO E PLANEJAMENTO

Os cursos são muito importantes, mas dificilmente seriam tão bem aproveitados se não houvesse uma ação local que continuasse as discussões ali iniciadas. Como as educadoras infantis estão espalhadas em dezenas de comunidades de difícil acesso, foi preciso instituir um mecanismo de encontro que possibilitasse respostas rápidas às dúvidas, permitisse a articulação das experiências, ampliasse a leitura dos problemas e facilitasse o pensar junto sobre as soluções.

Page 50: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

�8

Para isso, foram criadas as reuniões-oficina, que acontecem mensalmente em cada associação comunitária, durante um ou dois dias, com a participação de todas as educadoras infantis e supervisão da educadora de referência.

O formato dessas reuniões varia: em algumas associações, o roteiro dos cursos é retomado e sua dinâmica é replicada; em outras, cada educadora fica responsável por pesquisar e apresentar um assunto relacionado ao tema do momento, e assim por diante. Os formatos são diversos, mas o objetivo é o mesmo: desenvolver o hábito do estudo, através do qual, no coletivo, os acertos e dificuldades são socializados e planos para vencer os obstáculos são traçados. As reuniões podem acontecer em locais diversos, como a sede das associações, o Fundo Regional ou, ainda, em alguma comunidade rural.

De acordo com os participantes da iniciativa, as reuniões-oficina mensais ajudam a forjar uma identidade de grupo, amenizam a solidão do trabalho em comunidades isoladas e fortalecem a idéia de pertencimento a uma rede.

2.1 - O EstudoPara possibilitar a pesquisa e o aprofundamento dos estudos, todas as associações comunitárias são equipadas com computadores com acesso à internet e bibliotecas de referência para educação infantil. Um acervo básico de livros, vídeos, jogos, textos e documentos é comprado de acordo com a disponibilidade financeira, seguindo orientações dos assessores técnicos e dos professores dos cursos de formação. Mesmo sem uma quantidade muito expressiva de títulos, esses equipamentos são fundamentais numa região com pouquíssimas bibliotecas públicas, raríssimas livrarias e poucas bancas de jornal. Os mesmos livros são lidos e relidos quantas vezes forem necessárias. Algumas associações implementaram uma hora por dia de estudo e planejamento remunerado e, em contrapartida, as educadoras assumem o compromisso de socializar suas aprendizagens nos encontros mensais. Além desses encontros, durante o período de férias das crianças, as educadoras reservam uma semana para troca de saberes em oficinas e estudos coletivos.

2.2 - O PlanejamentoO planejamento começa pela avaliação do que foi desenvolvido no mês anterior, verificando o que deu certo e o que ficou “a desejar”. A partir daí, tomando como referência o Projeto Político Pedagógico (PPP) e os Eixos de Trabalho� , inicia-se a construção de novo planejamento mensal, que cada educadora infantil desdobrará em plano semanal e diário.

PASSO A PASSO DO PLANEJAMENTO (EXEMPLO)

No calendário do mês, registram-se primeiro as atividades permanentes ou de rotina. Em seguida, são registradas as atividades pontuais: as festas, visitas agendadas etc. Então são colocados os projetos que estão em curso e terão continuidade naquele mês. Por fim, observando o que foi mais trabalhado nos últimos meses, tendo em vista os Eixos de Trabalho, decide-se quais são os conteúdos que estão precisando ser enfatizados para aquele grupo específico de crianças. Feito o planejamento, cada educadora sai em busca de material didático/pedagógico e de textos para reflexão, e são distribuídas tarefas para o próximo encontro

� Mais informações sobre o PPP e os Eixos de Trabalho na página 56.

Page 51: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

�9

3 - VISITAS DE ACOMPANHAMENTO

O acompanhamento acontece em cascata: os assessores técnicos vão a campo duas vezes por semestre supervisionar o trabalho das educadoras sociais de referência e, a cada quinze dias, as educadoras de referência visitam as creches. Cada visita gera um relatório destacando os combinados e as recomendações.In loco, os visitadores observam o trabalho das educadoras, analisam como estão sendo feitos os registros, como está a organização dos espaços, o aproveitamento dos materiais, e monitoram os objetivos planejados.

“Quando a gente vai à creche, a gente pede pra a educadora infantil contar como vão as coisas. No que ela começa a contar, você consegue perceber o que ela compreende daquilo que está fazendo, da concepção que está por trás daquilo ali. Tudo está refletido na escolha das atividades que ela faz com os meninos, nos materiais usados. E, claro, no comportamento das crianças.”

Marina, educadora de referência da creche Arai, em Berilo

Além de observar o trabalho da educadora infantil, assessores e educadoras de

Page 52: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

50

referência fazem intervenções diretas junto às crianças: propõem atividades, ensinam novos jogos, brincam e conversam. Essa estratégia, além de ampliar o repertório, ajuda a quebrar o peso da hierarquia e criar vínculos.

No acompanhamento aparecem demandas por novos textos e temas de estudo, e são diagnosticados problemas que serão objeto de planejamento das próximas atividades de formação.

Outra função das visitas é auxiliar na negociação de parcerias e benfeitorias com prefeitos ou em reuniões com comunitários, onde o apoio institucional pode fazer diferença. A habilidade de lidar com a comunidade é encorajada por meio do suporte na preparação de reuniões e na condução compartilhada das mesmas com os pais das crianças e com representantes da localidade. Ao final, os participantes avaliam a reunião até que a educadora infantil se sinta segura para assumir a mobilização comunitária sozinha.

4 – ASSESSORIA À DISTÂNCIA

No espaço de tempo em que não estão juntos, educadoras e assessores continuam as trocas de informações por meio de cartas, bilhetes, e-mails e telefonemas. Nas associações comunitárias, o acesso à internet facilita a circulação das informações, mas nas zonas rurais o sistema de comunicação é muito precário. Um ponto de apoio é a estrutura existente em cada associação para dar suporte à relação criança-padrinho. A logística facilita que textos, livros e outros materiais cheguem às mãos das educadoras em qualquer comunidade. Outra via utilizada pelas educadoras infantis é o envio de bilhetes para as associações por algum morador da comunidade quando este vai à cidade fazer compras.

Como os encontros são freqüentes e a demanda de trabalho é muito grande, o acompanhamento à distância funciona como uma ação complementar no quadro da formação. Ele serve para indicar ou enviar leituras para alguma questão específica que ficou fora da pauta e também para ajudar na preparação de reuniões com parceiros ou comunidade. Um exemplo da eficácia desse tipo de ação foi relatado no processo de visita do Programa Prêmio Criança.

“Entrevistando uma educadora, pedi para olhar o seu caderno. Nele havia um projeto sobre sexo, pois as crianças nomeavam as partes sexuais do próprio corpo de maneira equivocada e a educadora achou importante discutir o assunto. Para isso, ela iria, antes, preparar os pais – para não haver mal entendidos –, utilizando dois textos e um livro, enviados pela assessoria. Quando vi o material recebido, achei extremamente atualizado e esclarecedor, e vi que a assessoria à distância funciona melhor ali do que em algumas escolas dos grandes centros, como São Paulo.”

Maria Cecília Aranha Lima, visitadora pela Fundação Abrinq

Page 53: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

5�

Page 54: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

5�

Page 55: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

5�

Aprendizagens relevantes INTRODUÇÃO DE GENTE NOVA NO PROCESSO

Uma questão que atravessa a educação no campo é a alta rotatividade dos profissionais. No Programa de Educação Infantil não é diferente. Ao longo de seis anos, pelo menos ��0 educadoras infantis e �� educadoras sociais de referência entraram e se desligaram do Programa. As causas de desligamento foram diversas, dentre elas a busca por melhores salários, a redução do número de creches e a falta de perfil adequado.

Diante desse cenário, duas questões se colocaram como desafios:

Como garantir que o investimento na formação das educadoras se reverta em melhoria de atendimento para as crianças? Como manter um processo de formação coletiva tendo que, a todo o momento, introduzir pessoas novas?

Para responder a elas, o Programa de Formação de Educadores Infantil tem desenvolvido as iniciativas a seguir.

TREINAMENTO INICIAL E PROGRAMA DE ESTUDOS

Quando a educadora é selecionada, ela recebe do seu supervisor um treinamento básico ou um programa de estudos para conhecer melhor a proposta de educação infantil e os conteúdos abordados nos cursos do Programa de Formação em Serviço.

“Quando comecei, descobri que eu tinha que buscar tudo aquilo que passou lá trás. Tinha que estudar todos aqueles materiais, as apostilas dos cursos que os outros tinham estudado. Tinha que fazer todo aquele caminho, sozinha, estudando. Aí lia, não entendia, ligava para o assessor, ele mandava carta, mandava material. Ele marcou tarefas para mim: ‘Você vai começar a estudar o referencial assim, assim, assado’. Então eu comecei a entender e caminhar com o Programa, e comecei também a cobrar. O mesmo esforço que eu fazia pra estudar eu cobrava também dos educadores lá na base.”

Nilvânia, educadora de referência da Aprisco, em Virgem da Lapa

Apresentação dos NovatosAlgumas educadoras infantis já conhecem as comunidades onde vão trabalhar, mas há casos onde essa familiaridade não está presente. A primeira providência, neste caso, é a apresentação da nova educadora pelo educador de referência e pelos animadores comunitários em uma reunião com representantes da comunidade.

Essa apresentação pode acontecer também em visita às casas das crianças matriculadas. Assim, quando os pais forem entregar seus filhos na creche, já tiveram contato com a nova educadora, e esta terá tido uma visão das condições de vida das famílias que passará a atender.

�.

�.

Page 56: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

5�

Outra estratégia é o acompanhamento, pela educadora de referência, dos primeiros dias ou semanas de trabalho da nova educadora infantil. O treinamento inicial pode acontecer também numa creche próxima, onde haja um educador experiente que repasse as noções de rotina e organização do trabalho. Todas essas formas dão segurança ao profissional, à associação comunitária e aos pais, neste momento de estréia.

REGISTROS QUE COMPÕEM A MEMÓRIA

Para manter a memória do trabalho, são fundamentais os registros sobre o desenvolvimento das crianças, bem como sobre as atividades desenvolvidas com elas e os acontecimentos mais marcantes do processo.

É bom ter em mente que, no universo rural, a palavra empenhada costuma ter um valor moral e dispensa documentos e assinaturas. O registro oral carrega a lógica das conversas e uma musicalidade difícil de transpor para o papel. A maneira de falar, os sotaques e expressões são formas de pertencimento e também de resistência, de não se deixar calar pelos sofrimentos e humilhações impostos pela pobreza. Esse modo de ser marca um cenário com altos índices de analfabetismo, o que torna a palavra falada uma forma de comunicação mais democrática.As educadoras foram criadas numa cultura muito mais ligada ao universo oral do que ao letrado. Assim, no início, quando as atividades na creche eram realizadas sem direcionamento, nada ficava registrado. O papel era usado para as crianças rabiscarem e ocuparem seu tempo.

Os cursos de formação, os relatórios de visita, as apresentações nas reuniões e a análise coletiva das observações sobre as crianças foram introduzindo a cultura do registro. Isso levou as educadoras a terem que desenvolver habilidades de escrita, o que significava algo difícil e penoso para muita gente ali. Mas, na medida em que iam vendo como os registros eram valiosos, como ajudavam a organizar a cabeça, como facilitava o compartilhar de idéias e como era fundamental para a memória do trabalho, a dificuldade passou a ser enfrentada e superada.

“Não me esqueço do dia em que nossa assessora Marcela veio visitar a creche e perguntou pela reunião com pais. E eu, toda feliz, contei que tínhamos feito uma reunião e que havia sido um sucesso. Ela então me perguntou onde estava a reunião. Eu não sabia que tinha que registrar. O único registro que tinha na creche era de como a criança tinha passado o dia. Na verdade eu não acreditava que tudo isso seria possível.”

Adna dos Reis, educadora infantil da Procaj, em Diamantina

Além da função de guardar informações, os registros são formas de expressão estética. Os cadernos e portifólios são coloridos e ornamentados com colagem, desenhos, recortes de revistas, pintura, argila, sucata e recursos da natureza. A arte popular da região inspira produção nas creches. A criatividade dos artesãos do Vale do Jequitinhonha extravasa pelos poros. Do barro brotam figuras de noivas, uma moringa com cara de gente, galinhas com corpo de coluna grega, tigelas com lábios de moça e outras figuras de realismo fantástico. As educadoras dizem que quando as crianças recebem uma folha de papel, a primeira coisa que elas querem fazer é ornamentar as margens, criando molduras para o retângulo anteriormente branco.

Page 57: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

55

PRINCIPAIS MEIOS DE REGISTRO DO PROGRAMA

Avaliação anual. O Programa de Formação em Serviço é avaliado anualmente por meio de um roteiro no qual são registrados as ações, o desenvolvimento profissional, os acontecimentos extras e as rotinas estabelecidas.

Proposta Político-Pedagógica. É o documento norteador de todo trabalho desenvolvido nos centros de educação infantil. Ele é construído com a participação das educadoras, pais, crianças, diretoria das associações e comunidade. O instrumento põe em diálogo a cultura local, as legislações e normas da educação infantil e a filosofia do Programa.

Relatórios de visitas. É o registro do acompanhamento in loco contendo fatos relevantes observados e discutidos durante a visita, ata da reunião com a equipe, desafios e avanços alcançados pelas educadoras etc.

Acompanhamento à distância. É feito por meio de cartas, e-mails, cronograma de atividades, convites para cursos, treinamentos etc.

Módulos de formação. Vários são os materiais produzidos a cada módulo: apostilas, relatórios de cursos, listas de presença, avaliação, registro das feiras de atividades, projetos de estudo.

Exposições e murais. Na sede do Fundo e em cada associação conveniada há uma exposição permanente de materiais produzidos pelas crianças e familiares (brinquedos, álbuns, livros artesanais, cerâmica, jogos, fotografias). Em cada curso de formação, e também no fórum mineiro, são organizadas mostras dessa produção.

Organização do Programa. Cronogramas anuais e mensais de atividades, cartas de acompanhamento, fichas de matrículas, ficha de saúde por família, planejamento anual, mensal e diário, relatórios e atas de reuniões e acervo fotográfico são formas de manter o Programa ordenado e facilitar seu acompanhamento.

Caderno de observação. É o registro que vai dar origem aos cadernos de avaliação, aos portifólios etc. Nele, a educadora escreve livremente sobre os acontecimentos do dia e sobre sua percepção sobre as crianças. Antes, os dados eram registros sobre a turma em geral, mas percebeu-se que algumas crianças eram muito mais observadas que outras. Por isso, hoje, cada educadora reserva algumas páginas para cada aluno, para não excluir ninguém.

Caderno de avaliação. É um registro individual do desenvolvimento das crianças a partir da observação das educadoras, do relato dos pais e dos depoimentos e atividades dos alunos, com o objetivo de acompanhar e analisar, conjuntamente, seu desenvolvimento. É feito a cada quatro meses e entregue à família no final do ano.

Portifólio individual. É um registro que conta a história e as etapas do desenvolvimento de cada criança durante sua permanência no Centro de Educação Infantil. Houve um módulo específico sobre esse assunto no curso dado às educadoras. Em cada lugar, esse registro é feito num formato diferente, mas com o mesmo objetivo. As crianças ajudam a escolher os trabalhos que vão para o portifólio. Cada produção escolhida é descrita pela educadora: como foi a atividade, o que a criança falou sobre ela etc. Quando a criança sai da creche, leva consigo o registro dessa passagem.

Livro da vida ou portifólio demonstrativo. É um registro adotado para relatar todos os acontecimentos importantes na vida de uma turma ou de um Centro de Educação Infantil. É construído com a participação das crianças e educadoras, dentre outros.

Page 58: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

56

CONSEQÜÊNCIAS PEDAGÓGICAS DO PROGRAMA DE FORMAÇÃO EM SERVIÇO

Projeto Político Pedagógico e Eixos de TrabalhoO Programa de Formação em Serviço ajudou a estruturar novas práticas de educação infantil. Entre elas a construção do currículo das creches. Para tanto, levou-se em consideração tanto as Diretrizes Curriculares Nacionais, os Referenciais Curriculares Nacionais e a exigência de um Projeto Político-Pedagógico (PPP) para o cadastro das creches comunitárias na Superintendência Regional de Ensino. O Programa viu nessa exigência uma oportunidade para conhecer melhor as potencialidades e necessidades das comunidades e planejar coletivamente os saberes que deveriam ser transmitidos aos pequenos.

A construção do PPP consumiu bastante energia. Para fortalecer o entendimento sobre o assunto, a iniciativa promoveu diversos cursos em �00�. A primeira impressão foi a de que aquilo era algo abstrato e complicado, sem ligação com o trabalho cotidiano com as crianças. Muitas reuniões de estudo foram dedicadas à compreensão do tema, mas a sensação relatada pelas educadoras era de que as dúvidas aumentavam em vez de diminuir. As camadas de angústia começavam a ser atravessadas quando, depois de muito estudo, foram realizados módulos partindo do entendimento de que já existia nas creches uma prática pedagógica que precisava ser explicitada. Da ponte entre o Projeto Político-Pedagógico (o que se deseja) e o que já acontecia nas creches foram construídos, então, os eixos de trabalho.

O exercício proposto às educadoras para esta construção foi escrever, em fichas, tudo o que já era feito ou seria importante fazer com as crianças. Exemplo: contar histórias, dar banho, fazer visitas, registrar no caderno de observação, ensaiar quadrilha. Essas fichas foram ordenadas por “conjuntos” afins: dar banho, escovar dente, pentear os cabelos e outras atividades de higiene e cuidado formavam um grupo de atividades, enquanto que contar histórias, trabalhar as letras do nome e fazer jogos matemáticos formavam outro, e assim por diante. Ao final desse exercício, todas as atividades foram agrupadas nos seguintes eixos:

AutocuidadoRelação família-crecheFormação (visitas, pesquisas, assessoria, reuniões)Instrumentos do educador (registros, reuniões de estudo)Valores (espiritualidade, combinados)Áreas de conhecimento (matemática, linguagem, história)Cultura (dança, cantigas, festas) O Brincar

A vivência cotidiana, a caracterização das comunidades e os estudos teóricos apontaram que a cultura e o brincar são os dois elementos que articulam todas as ações. Assim, eles foram identificados como eixos transversais. Os eixos não são uma “camisa de força”. Eles servem de referência na hora de fazer escolhas pedagógicas, facilitando, por exemplo, o trabalho de planejamento pedagógico.

Da mesma forma como foram construídos os eixos, foram eleitos indicadores de avaliação do trabalho, que servem como guia para observações e avaliações, individuais e coletivas.

Page 59: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

57

ASPECTOS OBSERVADOS NA AVALIAÇÃO DO TRABALHO NOS CENTROS DE EDUCAÇÃO INFANTIL

INFRA-ESTRUTURA

Mobiliário de acordo com o tamanho das crianças.Materiais didáticos, materiais de consulta para o educador e demais equipamentos em quantidade e qualidade suficientes.Espaços atraentes e estimuladores da criatividade das crianças.Condições de segurança, evitando o uso de objetos que machuquem e possam causar acidentes.Quantidade e qualidade da alimentação suficiente para todas as crianças.Número de adultos adequado para cuidar das crianças (de �5 a �5 crianças por adulto).

ESTRUTURA PEDAGÓGICA

Existência de calendário.Proposta Político-Pedagógica clara e construída de modo participativo.Planejamento e organização da rotina.Avaliação permanente das atividades trabalhadas com as crianças.Execução de registros do desenvolvimento individual e coletivo.Prática alinhada com os pressupostos filosóficos do binômio educar-cuidar.

Articulação e integração das áreas do conhecimento.Compromisso com o resgate cultural.Cuidados com a higiene.

QUADRO PROFISSIONAL

Profissionais com formação e experiência adequadas para o trabalho.Capacidade de gestão autônoma do processo pedagógico por parte do profissional da educação infantil.

ARTICULAÇÃO

Articulação entre creche, famílias e comunidade.Integração dos pais na educação dos filhos.Acompanhamento da educação infantil pelas educadoras de referência, diretorias e assessores técnicos.Parcerias para o atendimento das crianças.

O CURRÍCULO EM AÇÃO – EXEMPLO

A estruturação do trabalho dá clareza aos objetivos e libera a criatividade. A produção de desenhos, a modelagem e o reconto geralmente têm, como catalisador, um caso contado por alguma criança. Também são aproveitados os recursos encontrados no entorno da creche, tais como plantas, folhas, insetos, terra etc. Cada atividade tem uma intenção estratégica e sua execução é registrada, se possível fotografada e depois exposta ou incorporada aos cadernos de registro. Para explicar como o currículo baseado nos eixos de trabalho e no PPP funcionam na prática, vamos descrever um dentre os muitos projetos específicos desenvolvidos nos centros de educação infantil.

Page 60: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

58

PROJETO: O INSETO CUPIM

Em março, molhando o canteiro de cebolinhas, Tiago falou: – Tia Nélia, olha! As cebolinhas estão murchando!Logo obervamos que havia vários bichinhos pequenos no meio da terra comendo as raízes da cebolinha. Daí começaram a surgir perguntas e hipóteses: – Por que os cupins têm que comer as cebolinhas? – O que eles comem além de cebolinhas? – Como e onde eles vivem? – Como eles entram na terra?

Essa curiosidade deu início ao projeto com os seguintes objetivos didáticos para as crianças:

Adquirir uma postura de investigadores e pesquisadores, partindo da curiosidade infantil.

Aprender a observar a natureza e seus elementos de transformação, a respeitá-la e preservá-la.

Pesquisar e estudar sobre as características próprias do inseto e suas variedades.

Integrar as famílias nas atividades desenvolvidas na instituição, valorizando o conhecimento histórico acumlado.

Reconhecer os insetos nocivos e os que causam prejuízo ao homem.

Na roda de conversa foi organizado o seguinte planejamento:

O que já sabemos? Que os cupins se alimentam de plantas e madeiras, andam, têm seis patas finas, são amarelados e sua cabecinha é marrom. Eles têm ovinhos, moram na terra, vivem junto com outros cupins e ferroam./

O que queremos saber? O cupim tem dente? O cupim tem nariz? Ele tem sangue? O que ele come? Por que eles mordem? Ele tem asas? Ele tem ossos? Como ele nasce? Ele tem coração? Como eles vivem na terra?

Como vamos saber? Observando o cupim na lupa, pesquisando em livros, revistas, consultando a internet, construindo e observando o criatório, entrevistando as famílias, pesquisando com biólogos e técnicos agrícolas, e trocando experiências com outras educadoras infantis.

Onde vamos pesquisar? No canteiro da creche, na casa do Seu Paulo e Dona Eva, na bibloiteca referência da associação, em casa, etc.

�.

�.

�.

�.

Page 61: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

59

DESENVOLVIMENTO DO PROJETO

Fizemos alguns combinados:Orgazizaríamos um criatórioTodos iriam coletar cupins e trazer para a crecheNão iríamos maltratar os cupins e sim coletá-losDecidiríamos em quais dias de cada mês iríamos trabalhar o projeto

A curiosidade das crianças aumentou e elas envolveram seus pais no projeto. Vários cupins foram trazidos para a creche, uns grandes, outros pequenos.Nessa fase, o grande acontecimento foi quando a avó de Jansem e o pai de Tiago presentearam as crianças com uma grande casa de cupim. A euforia foi grande e as crianças começaram a querer saber sobre as casas de cupins.

Os cupins haviam sido colocados em vidros e, quando fomos estudá-los, vimos que as formigas tinham matados os cupins. As crianças ficaram tristes e a casa dos cupins foi colocada em cima da parede. No dia que fomos observar, para alegria da turma, os cupins já haviam se adaptado ao novo lugar. As crianças ficaram felizes e assustadas com a rapidez dos cupins consturindo suas casas. Foi um momento verdadeiramente mágico! As crianças saíram correndo, chamando os alunos da escola para ver a nova descoberta. Cuidadosamente coletamos alguns cupins para observar se eles tinham sangue, coração, ossos, mas não conseguimos identificar nada disso a olho nú. Só quando observamos com a lupa é que conseguimos descobrir que o cupim não tem ossos, que dentro dele tem um líquido branco, e que não tem dentes.

Um dia, visitamos Dona Eva e Seu Paulo, pais de Ailza. Fomos recebidos com grande alegria e levados até as casas dos cupins. As crianças ficaram eufóricas quando viram cada casa de cupim maior que a outra.

Dona Eva cultiva também sua hortinha e, para proteê-la dos cupins, ela coloca cinza nos canteiros, coisa que aprendei com seus avós. Então, a mãe de Ailza juntou cinzas e levou para a creche para colocar nos canteiros. Hoje a nossa hortinha já tem cebolinhas e pés de alface, graças ao entusiasmo e envolvimento das famílias no projeto.

RELATO DO PROJETO

Registramos tudo o que tínhamos aprendido, na observação, nos livros e com outras pessoas. Em alguns momentos, as crianças escreviam espontaneamente, em outros, tiravam cópias dos livros.

Eu anotava tudo o que as crianças conversavam quando estavam fazendo observação e depois lia para elas, que ouviam atentas e chamavam atenção para o que havia sido esquecido de anotar. Depois, um texto contando objetivos, etapas e resultados foi escrito e ilustrado com desenho das crianças e com gravuras sobre o assunto.

O projeto ainda está em andamento, e as crianlas agora querem saber mais sobre a vida dos outros insetos, com por exemplo, sobre as formigas, moscas, borboletas, mosquitos, etc.

Relato de Maria Nélia Marques de Souza, educadora infantil

�.�.�.�.

Page 62: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

60

A estruturação do trabalho pedagógico busca organizar e abranger os processos de socialização e de construção da identidade, da autonomia e do conhecimento. No Projeto Cupim, a educadora, guiada pela concepção de que as crianças constróem seu conhecimento, buscou aproveitar a curiosidade manifestada por um dos alunos para propor uma investigação coletiva.

De maneira simples e prática, o relato do projeto mostra que conceitos formulados por Vygotsky e Wallon, como a idéia de que o conhecimento é produzido socialmente de forma relacional, estão incorporados à prática.

De acordo com esse conceito, adultos e crianças formam uma rede de comunicação, de trocas e construção de significados por intermédio do pensamento e da ação.

A educadora, por meio de perguntas como “O que sabemos?” e “O que queremos saber?”, pode compreender as hipóteses explicativas das crianças e, junto com elas, estruturar seu processo de aprendizagem, demonstrando que se apropriou das idéias construtivistas de desenvolvimento infantil.

O reconhecimento do saber local como conhecimento legítimo ajuda a manter a creche como espaço de convivência e troca de saberes, fortalecendo os laços de identidade comunitária. No processo de investigação, a educadora lança mão da proximidade com as famílias e membros da comunidade, acolhendo o seu envolvimento na pesquisa. Ao mesmo tempo, ela articula os saberes locais com outros saberes, provenientes de livros especializados, de profissionais da área e de produções disponíveis na internet. Para isso, ela conta com o apoio da associação comunitária, especificamente da educadora de referência, que envia subsídios necessários e informações que normalmente as comunidades rurais onde as creches estão localizadas teriam dificuldades de acessar.

O exercício da pesquisa transmite às crianças a idéia de que, para intervir na realidade, é preciso entendê-la ou pelo menos investigá-la. Assim, por meio das práticas pedagógicas, as crianças passam a participar de forma mais consciente na sua comunidade.

Page 63: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

6�

Page 64: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

6�

1984 a 1998

Desenvolvimento comunitário e construção de creches com enfoque no combate à desnutrição.

1999

Contratação de assessoria externa para a formatação do Programa de Educação Infantil.Diagnóstico das creches.Implantação do Programa no Médio e Baixo Vales.Primeira etapa dos cursos de formação.Demanda das associações comunitárias do Alto Vale pela qualificação da educação infantil.

2000

Implementação dos ajudantes de sala e das mães de rodízio. Continuação dos cursos de formação.Implantação da função de educadora social de referência no Programa de Educação Infantil.

2001

Expansão do Programa para municípios do Alto Vale.Avanços no planejamento no Baixo e Médio Vales.Participação dos coordenadores de associações nos cursos de formação.Mudanças na organização das creches, investimento em espaço físico, móveis e brinquedos.Introdução da mala de leitura.Início das parcerias entre prefeituras e associações do Alto Vale.

2002

Construção do Projeto Político-Pedagógico (PPP), fortalecendo a parceria creche-família. Implantação das reuniões de estudo e planejamento mensais.Reformatação da assessoria técnica.

2003

Envolvimento efetivo das famílias e maior apoio da comunidade nas ações pedagógicas.Construção dos Eixos de Trabalho e do quadro de planejamento.

Linha do tempo

Page 65: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

6�

Linha do tempo

Qualificação do atendimento às crianças: desenvolvimento de projetos, melhoria da organização e dos espaços físicos.

2004

O Fundo Cristão ocupa um assento no Fórum Mineiro de Educação Infantil. Mudança na assessoria técnica e investimento na autonomia das educadoras de referência.Contratação de assessora de acompanhamento local para o Programa.Suspensão do segmento de ajudantes de sala.Estudo e execução dos primeiros portifólios.Construção de critérios de observação das crianças. Novas formas de registro: cadernos de avaliação, portifólio individual e livro da vida. Conclusão do PPP. Prêmio Criança, da Fundação Abrinq.Avaliação do Programa.

2005

Novo formato do Programa.Encontro Integrado dos Programas Casinha de Cultura e Educação Infantil.Maior investimento nas educadoras de referência e suas potencialidades.Sistematização do Programa.

Page 66: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

6�

Page 67: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

65

ResultadosAo longo do tempo, as pessoas das comunidades rurais atendidas pelas associações comunitárias conveniadas com o Fundo Cristão viveram processos de transformação e resistência, de conquista e dependência, de confiança e estranhamento. Com relação ao Programa de Educação Infantil, vários daqueles que resistiram à sua implantação são, hoje, parceiros das educadoras. Eles reconhecem, hoje, o ganho que as crianças tiveram com o advento da “escolinha dentro da creche” –essa expressão usada pelos pais que já entendem a creche como um local de aprendizado de conteúdos, hábitos e comportamentos, e já enxergam a educadora como uma facilitadora do desenvolvimento integral da criança.

A mudança nesta visão dos adultos sobre o papel da educação infantil ocorreu graças aos resultados do Projeto de Formação em Serviço de Educadores Infantis, que passaremos a comentar.

� - NOVA INFÂNCIA

As crianças estão mais felizes. Temos observado no rostinho delas maior segurança. Elas já conversam, antes tinha muito barulho, brigas, umas atacavam as outras. Agora, não. Outra coisa: antes as crianças iam almoçar e ficava mais comida no chão que na barriga. Hoje não, o ambiente em que elas comem não tem mais essa sujeira. Tem creche em que elas mesmas se servem – entregamos o pratinho pra elas, brincamos de restaurante, elas vão lá e põem a quantidade certinha, não desperdiçam. No banho, também melhorou muito. Antes ficavam trinta crianças, meninos de um lado, meninas de outro, embolados. Hoje eles vão pro banho separados por idade, primeiro os de dois anos, depois os de três, tudo organizado. Em alguns lugares, eles estão aprendendo a tomar banho sozinhos. E depois ainda pedem para passar creme.

Síntese de depoimentos de educadoras infantis do Alto Vale, ligadas ao Procaj, em Diamantina

O Programa de Educação Infantil tem repercutido nas crianças de diversas formas:

A passagem da creche para o ensino fundamental é hoje bem mais tranqüila. As crianças saem das creches na fase da aprendizagem da língua escrita chamada alfabética ou pré-alfabética, e já estão socializadas no ambiente escolar.

Segundo dados do Fundo Cristão, a quantidade de crianças até cinco anos que não participa de nenhuma atividade nas comunidades atendidas pelas associações conveniadas ao Fundo tende a zero. Onde não há creches, há atividades de educação essencial �, nas quais os animadores comunitários orientam os pais e responsáveis a estimular o desenvolvimento dos pequenos com os recursos disponíveis nas suas localidades.

� Informações adicionais sobre as atividades de educação essencial na página ��.

�.

�.

Page 68: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

66

O sistema de monitoramento de indicadores adotado pelo Fundo Cristão mostra que, de �996 a �00�, a taxa de crianças menores de cinco anos com desnutrição caiu de ��% para �%. Isso se deu em função do ajuste, para as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), da classificação nutricional. Outra medida importante, neste sentido, foi a realização de ações como: educação alimentar, reabilitação nutricional e incentivo à agricultura familiar sustentável.

As crianças gostam das creches. Elas chegam em casa contando histórias do que viveram ali e, curiosas, perguntam sobre tudo. Algumas mães relataram que os filhos não gostam de férias longas e ficam contando os dias para a creche reabrir e, então, voltarem a freqüentá-la.

Reflexo VisívelA nova visão de educação infantil favoreceu a melhoria do espaço físico de cada creche. As hortas coloriram a alimentação das crianças e de suas famílias. Os espaços externos ganharam brinquedos, tanques de areia e canteiros de flores graças aos mutirões comunitários. No Alto Vale, as creches cujo espaço interno é pequeno estão sendo equipadas com “ranchos”, uma área externa com plantas e área de recreação coberta.

No meio da paisagem seca, as creches se destacam como oásis de cuidado e aconchego, pontilhadas por crianças, em seus uniformes coloridos, orgulhosas do lugar onde estudam.

“Conhecemos de perto cada gesto, cada sorriso e expressão de sentimento de nossas crianças. Compartilhamos cada momento, mesmo que seja único, que seja só dele. Participamos, junto com as famílias, da infância da criança, e esta, por ser única, deve ser a base fundamental para que o mundo lá fora não seja apenas uma fantasia. Uma fantasia diferente que parece nunca ser real. Por isso alimentamos o sorriso e o desenvolvimento de cada ser pequenino. Para que cresçam podendo transmitir o quanto foi importante ser criança.”

Educadoras do Clube de Mães de São Gonçalo do Rio das Pedras

2 - IDENTIDADE PROFISSIONAL

O Programa busca a humanização da educação. Procurar sensibilizar por meio do olhar e da percepção e compreensão das pessoas, das coisas e dos lugares. Ele vai além dos conhecimentos específicos: preza o entusiasmo, a presteza e outras qualidades que possam conduzir ao desenvolvimento competente do trabalho, da aprendizagem e do crescimento pessoal. O estudo de Tânia Gebara (�00�) fornece pistas sobre o significado da formação em serviço na vida dessas pessoas.

De acordo com o trabalho, ser mulher camponesa não é fácil. Além da sobrecarga de serviço pesado, principalmente na ausência de maridos e filhos que migram, a dominação simbólica confere aos homens a autoridade moral e dá respeitabilidade à família. O espaço da mulher é na casa, na esfera privada. Nos cursos, a atividade de relatos de casos é um exercício de ocupação do espaço,

�.

�.

Page 69: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

67

o que faz da experiência de falar em público e liderar reuniões uma forma de enfrentamento da histórica submissão feminina.“Ai, você não sabe como a minha perna tremia! Eu fui lá na frente dar relato do projeto de dança, essa foi uma experiência apertada, vocês fazem a gente tomar coragem e a gente se sente importante. Todo mundo escuta e presta atenção, depois se interessam e fazem perguntas, é legal, porque a gente vê que está fazendo um trabalho bom. Falar lá na frente no curso é difícil, a gente acaba conseguindo e depois vai perdendo o medo e vai ficando só aquele friozinho na boca do estômago. A gente vai acostumando e dessa vez eu já tava mais tranqüila.”

Lucimar, educadora infantil de Córrego da Velha, em Araçuaí (Gebara, �00�)

Também o fato dessas mulheres serem assalariadas, numa região onde as oportunidades de trabalho estável são muito escassas, confere a elas maior liberdade. A capacidade de gerar renda e desenvolver uma ocupação que é acompanhada e avaliada tem reflexos na auto-estima e na construção de uma identidade profissional. Isso se reflete nas negociações das condições de trabalho, uma vez que o desenvolvimento de habilidades críticas aumenta a coragem para sonhar mais alto. Hoje as educadoras vinculadas às associações comunitárias atuam em regime de carteira de trabalho assinada (CLT), mas a falta de um plano de carreira e a baixa remuneração são as causas mais freqüentes de seu desligamento do Programa.

Como a proposta do Fundo Cristão é tentar parcerias com as prefeituras para que estas assumam as creches comunitárias, a organização tem incentivado as educadoras infantis a prestar concursos para os cargos públicos municipais ligados à educação.

O Programa de Formação em Serviço também propicia a circulação das educadoras num espaço social mais amplo. “Ir para a cidade representa um tempo inteiro só para elas, como profissionais e enquanto mulheres. É também o momento da atividade cultural no período da noite, onde podem ter contato com corais, grupos de teatro, dança, cantadores, contadores de histórias da região (...) já que faz parte da organização dos encontros uma programação cultural” (Gebara, �00�:�5�).

Quando pensamos em uma nova identidade profissional das educadoras infantis, devemos estar atentos a elementos do universo rural que configuram um outro “jeito” de lidar com questões de vida e trabalho. Leila Amaral chama atenção para a “lógica do tempo necessário”, que funciona conforme a necessidade do momento. “Ir a velório, participar de festejos, tomar uma pinga, cantar e contar caso são motivos para uma pausa não-programada. O tempo de trabalho é vulnerável a todo tipo de acontecimento que o penetra, diluindo-lhe a rigidez.

Não se encontra afastado da espontaneidade da vida, como uma dimensão especial, com domínio próprio e superior ao ‘bem-estar’ das pessoas ou à sua ‘utilidade’. É nesse sentido que o trabalho confunde-se com a vida, por mostrar-se a ela integrado.” (Amaral apud Gebara, �00�:70).

Page 70: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

68

3 - VOLTA AOS ESTUDOS

A elevação da escolaridade das educadoras foi e continua sendo um objetivo do Programa de Educação Infantil. As associações comunitárias costumam incentivar quem busca complementar sua escolaridade sensibilizando as educadoras para a importância dessa atitude pessoal, informando sobre as oportunidades da região e, em alguns poucos casos, ajudando de forma mais concreta, por exemplo, com o apoio na compra de material escolar ou liberação de carga horária para estudo fora. Aqui, aparecem algumas tensões: Como apoiar o desenvolvimento dos profissionais sem penalizar o atendimento às crianças? Como dar coerência ao discurso da importância da educação, que é colocado para todas as famílias pelas educadoras, se elas mesmas não têm condições concretas de prosseguir seus estudos? Como as associações podem ajudar de forma não-paternalista? E, ainda, como não punir aquelas que não tiveram condições de estudar por falta de oportunidades ou disponibilidade financeira?

Seja como for, as oportunidades de estudo na região têm aumentado. As educadoras mais velhas tiveram menos ofertas do que aquelas que estão ingressando no mercado de trabalho agora. Com o foco na inclusão social, a iniciativa busca não demitir as educadoras que não conseguem voltar a estudar sem pensar em apoios específicos para elas. Aquelas que têm experiência e legitimidade comunitária, mas enfrentam dificuldades financeiras para elevar sua escolaridade� , são sempre apoiadas de alguma maneira.

A exigência de nível médio completo para ingresso no Proinfantil (ver pág. 8) deixa de fora em torno de �7% das atuais educadoras infantis em exercício nas creches atendidas pelo Programa de Formação em Serviço. Além disso, há que se pensar se as especificidades do campo serão contempladas por essa política, incluindo as questões de acesso a meios de comunicação como internet em zonas distantes dos centros urbanos.

Tabela 3 – Escolaridade inicial e atual das educadoras participantes do Programa – 2005

Escolaridade x NúmeroEducadorasInfantis (N)

Educadoras Sociais (N)

Inicial Atual Inicial AtualFundamental incompleto 9 5 - -Fundamental completo �7 �0 - -Ensino médio sem magistério �� �6 - -Ensino médio com magistério �� �5 � �Normal superior incompleto - 7 �� �0Normal superior completo - � - ��º grau incompleto � 7 � ��º grau completo � � - -Total 96 96 15 15

Fonte: Questionário respondido por catorze das dezessete associações comunitárias participantes do Programa.

� As instituições que oferecem cursos na região são privadas.

Page 71: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

69

Comparando o nível escolar dos participantes do Programa quando ingressaram na função e em �005, podemos perceber que o número de pessoas com formação abaixo da mínima exigida� (até ensino médio sem magistério) está diminuindo – passou de 60,�% para ��,7%. Percebe-se também o aumento do número com formação mais elevada (acima do ensino médio com magistério), que era 5,�% e agora já representa �0,8% do total de educadoras infantis. Quanto às educadoras sociais, a mobilidade tem sido menor.

Como diz Gebara (�00�:�0�), “apesar das adversidades e todo o contexto de precariedade quanto ao ensino formal, as educadoras persistem em buscar ‘a escolarização roubada’. Elas resistem e mantêm a escolarização como projeto de vida. O retorno à escola representa um espaço de convivência no qual as mulheres depositam sua esperança de um futuro melhor”.

A expressão de perplexidade de uma educadora falando de seu ingresso na faculdade dá uma medida do que isso representa:

“Será que sou eu? Cheguei nessa altura? Tô me sentindo tão feliz!!”

Oraci, da Comunidade Água Limpa, em Berilo (Gebara, �00�)

Depois de passar pela “porta estreita” do vestibular, as educadoras formadas pelo Programa se destacam pela capacidade de crítica e de articulação entre teoria e prática.

“Nós fomos fazer uma visita a uma escola, pelo curso da faculdade. Chegando lá, vimos os desenhos pregados todos no alto, tudo em folha mimeografada. Eu me assustei, tudo mimeografado, de pontinho pra criança ficar passando o lápis?! Nas nossas creches as crianças criam, são elas que desenham, tudo fica exposto na altura delas. No início a gente também usava mimeógrafo, os meninos de vez em quando pedem: “Passa um desenho daqueles pra gente colorir”. A gente passa, mas é uma, duas vezes por ano. Aí nós escrevemos tudo o que observamos, fazendo uma crítica da concepção que estava ali presente.”

Reunião coletiva no Procaj, em Diamantina

4 - TIRANDO DOCUMENTOS DAS PRATELEIRAS

Não é raro ver a boa intenção dos governos em produzir e distribuir cartilhas e documentos se perder por falta de sintonia entre seus conteúdos e as diferentes realidades a que deveriam atender. Nesse sentido, programas de formação, como o desenvolvido no Vale do Jequitinhonha, ajudam a dar vida e utilidade a textos e documentos públicos como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) e os Referenciais Curriculares Nacionais da Educação Infantil (RCNEI). Eles passam a servir como base normativa e de referência para o trabalho cotidiano. O inverso deve ser também considerado: os gestores públicos podem prestar atenção nas adaptações e usos que as educadoras fazem para produzir ou atualizar os documentos de referência em educação infantil.

� O questionário de coleta de dados não discrimina se o ensino médio está concluído ou não.

Page 72: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

70

5 – INTERFACE COM O DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO

Para entender o sucesso do Programa de Formação em Serviço é preciso considerar sua base comunitária e os outros programas que, interligados, formam uma rede de sustentação das condições de vida das famílias e das crianças. Ações iniciadas nas creches se expandem pela comunidade e vice-versa.

Um dos inúmeros bons exemplos vem da comunidade de Maria Nunes, no município de Diamantina, no Alto Vale. Como as famílias são constantemente informadas sobre a necessidade de oferecer uma boa nutrição a seus filhos, as mães e avós se organizaram para fazer um pomar para a creche do local. Dessa iniciativa, surgiu um projeto de fruticultura. Os habitantes começaram a plantar abacaxis, maracujás e acerolas com a assessoria de técnicos agrícolas. O projeto tomou corpo e foi um dos quatro entre 5.88� selecionados para receber apoio da Petrobras no estado de Minas Gerais. Este reconhecimento está dando novo fôlego à comunidade. Um dos efeitos mais interessantes do projeto foi o retorno, para ajudar na nova lavoura, dos homens que haviam ido trabalhar em outros estados. Como dizem as bravas mulheres que gestaram a idéia: “Agora, para nós, está começando outra história”.

SÍNTESE DE UMA REFLEXÃO COLETIVA

“No Programa de Formação em Serviço, muitas mudanças ocorreram, muitos foram os obstáculos enfrentados, muitos caminhos percorridos. Tudo o que fazemos tem o objetivo de proporcionar às crianças espaços para descobertas, trocas afetivas, aprendizagem, ação, conhecimento da realidade, e desenvolvimento das suas potencialidades.

Antes do Programa, as monitoras contavam somente com suas experiências de vida para cuidar das crianças. Ao longo dos anos, a prática era quase a mesma, não evoluía como acontece agora. Antes, não tínhamos uma visão do desenvolvimento integral da criança e nem da educação como direito dela. Na medida em que os cursos foram acontecendo, fomos adquirindo conhecimentos, repensando as ações pedagógicas, reestruturando e adequando os espaços físicos e materiais, buscando conhecimentos de acordo com as demandas que foram surgindo, para que o atendimento alcançasse cada vez mais qualidade.

O gosto de aprender foi despertado. Em todas nós foi nascendo a vontade de buscar melhorar a formação para atender à legislação, mas, acima de tudo, para satisfazer os nossos anseios de crescimento, valorização profissional e de ofertar uma educação de qualidade. Podemos nos considerar realizadas, pois conquistamos a tão sonhada participação ativa das famílias, que estão presentes na associação sempre que se faz necessário.

Hoje sabemos que a educação infantil é algo que não pára. A cada dia que passa ela é vista de uma outra forma e, por isso, no nosso dia-a-dia, procuramos estudar, pesquisar e nos informar para estarmos atualizadas e proporcionarmos o que há de melhor para nossas crianças e suas famílias.

As mudanças não aconteceram só no trabalho: os cursos também transformaram pessoas. Percebemos que, em cada uma de nós, houve uma mudança de postura. Hoje, somos pessoas mais confiantes e cientes de nossas responsabilidades para com as crianças.”

Page 73: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

7�

Page 74: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

7�

Page 75: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

7�

DesafiosO Programa de Formação em Serviço de Educadores Infantis do Vale do Jequitinhonha tem muito que celebrar, mas a exigência de fazer sempre mais e melhor faz com que seus integrantes se debrucem sobre novos desafios. No momento, o maior deles é alterar a condição de política pública feita por agentes privados e uma situação de compartilhamento da responsabilidade pelo cumprimento dos direitos das crianças e suas famílias, junto com os poderes públicos municipais e outros atores institucionais locais.

ARTICULAÇÃO INTERINSTITUCIONAL ENCONTROS E DESENCONTROS ENTRE ONGS E GOVERNOS

No Brasil, a relação entre ONGs e órgãos governamentais tem sido de “amor e ódio”, com momentos de diálogo mais próximo e outros de discordância profunda (Teixeira, �00�). Essa relação instável e problemática está ligada às limitações do Estado-Providência e às características do nosso processo democrático, marcado por um longo período de ditadura.

O fato é que não há como resgatar nossa enorme dívida social sem a articulação entre sociedade civil, organizações não-governamentais e governos, embora haja formas de articulação que se mostrem pouco promissoras, como aquelas em que organizações do Terceiro Setor substituem o Estado ou se comportam como meras prestadoras de serviço, sem exercer o papel crítico que devem ter.

EXPECTATIVAS MÚTUAS Das ONGs em relação aos governos: que eles sejam transparentes, abertos, partilhem o poder de decisão sobre os rumos dos projetos, sejam capazes de formular políticas públicas que incluam as perspectivas das organizações, sejam ágeis e que tenham confiança ao repassarem recursos.

O que o Estado espera das ONGs: que elas sejam eficazes, com boa capacidade interna de organização, com quadros profissionais bem qualificados, que estabeleçam uma relação de confiança com o governo e estejam em sintonia como os objetivos do programa a ser implementado.

Baseado em Teixeira, �00�:��7

No caso do Programa de Formação em Serviço e dos demais programas apoiados pelo Fundo Cristão para Crianças, no Vale do Jequitinhonha, a fase de “projeto piloto” já foi ultrapassada com a aprovação dos processos e resultados. Em algumas comunidades, o Fundo é o grande parceiro há mais de vinte anos. Durante boa parte deste tempo, a postura de independência das associações comunitárias deu a elas uma imagem de auto-suficiência política, técnica e financeira. Elas são uma espécie de “prefeitura paralela”, mas com a vantagem de sempre terem recursos, imagem esta que tem dificultado acordos e alianças.

Page 76: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

7�

No nível comunitário, em algumas localidades, o fato de todos os moradores terem sido assistidos com serviços privados de qualidade criou uma situação de conforto e acomodação, enfraquecendo a pressão civil por políticas públicas de atendimento universal.

O saldo desta aprendizagem, segundo a gerente de programas sociais do Fundo na região Sudeste, foi a exigência de aliança prévia com as instâncias governamentais como pré-requisito para o início de qualquer programa. No caso do Programa de Educação Infantil, a história foi diferente no Médio e Baixo Vale e no Alto Vale. Nas duas primeiras microrregiões, as associações comunitárias atuaram praticamente com apoio exclusivo do Fundo Cristão enquanto, nesta última, houve uma articulação maior com o poder público.

O resultado é que, onde as prefeituras e outros parceiros foram envolvidos, o processo inicial foi mais trabalhoso, mas depois ficou mais fácil reestruturar ações e compartilhar responsabilidades. Inversamente, onde o Fundo atuou sozinho, teve autonomia e facilidade na implantação e execução dos programas, mas esta situação gerou dependência e dificuldades de articulação.

Kappel, Carvalho e Kramer (�00�:�6) lembram que o avanço da oferta de vagas para a educação infantil na rede pública é uma tendência que vem se afirmando nacionalmente na última década. Eles verificaram, por meio dos dados da Pesquisa de Padrões de Vida (IBGE, �998), que a proporção de crianças de zero a seis anos matriculadas na rede pública tem sido mais elevada na zona rural do que nas cidades.

No entanto, os dados do Censo Populacional (IBGE, �00�) e dos Censos Escolares do INEP (tabela 5) mostram que o atendimento da educação infantil nos municípios onde o Programa de Formação em Serviço atua abrange uma pequena fração da população de zero a seis anos. Além disso, em catorze dos dezessete municípios, com exceção de Araçuaí, São Gonçalo do Rio Preto e Veredinha, a cobertura caiu ou se manteve a mesma entre �00� e �00�. Isso mostra a inexistência ou fragilidade de políticas municipais para educação infantil na região.

Page 77: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

75

Tabela 4 – População de zero a seis anos e matrícula inicial na educação infantil 2002/2004 por município (N)

MunicípioPop.0 a 3

2000*

Pop.4 a 6

2000*

Matrícula Inicial **

Creche2002

Pré-Escola2002

Creche2004

Pré-Escola

2004 ARACUAI �.775 �.��5 �� 5�� 7 860BERILO �.0�0 95� 0 ��9 0 ��9CARBONITA 7�5 550 �5 �69 �5 �7�CHAPADA DO NORTE �.��7 �.��8 �99 ��6 �7� ��9CORONEL MURTA 7�0 5�8 �0� �0� �58 79DIAMANTINA �.�67 �.9�6 690 �.75� ��0 �.�50FELÍCIO DOS SANTOS �9� �69 0 ��6 0 �08FRANCISCO BADARÓ 7�7 60� �5 ��8 �� ��7JEQUITINHONHA �.79� �.��� ��6 �.�7� �70 767MEDINA �.69� �.�69 ��0 �57 ��� ���MINAS NOVAS �.��8 �.557 ��0 5�5 ��6 ���PADRE PARAÍSO �.56� �.�5� �90 �59 �85 �58SAO GONÇALO DO RIO PRETO

��8 ��9 �6 �� 5� 85

SERRO �.076 �.�96 �7� �.0�� 86 8��TURMALINA �.�58 �.0�9 0 �5� 0 ��7VEREDINHA �0� ��9 0 65 98 5�VIRGEM DA LAPA �.000 8�� ��5 ��0 65 ��7

Fonte: MEC – INEP/IBGE * Os dados destas colunas são do IBGE – Censo Populacional �000 – Cidades** Os resultados referem-se à matrícula inicial na creche e na pré-escola, somadas as redes estadual, federal, municipal e privada.

Essa conjuntura mostra que é preciso juntar forças e coordenar as políticas sociais para que as crianças de zero a seis anos , especialmente aquelas que se encontram nas comunidades mais pobres, possam ter seus direitos educacionais atendidos, sempre levando em conta que o foco das políticas públicas sobre a população menos favorecida é fator de eficácia no combate à desigualdade social (Paes e Barros e Carvalho, �005).

RISCO DE FORMAR DUAS REDES PARALELAS

Nas parcerias em curso no Alto Vale, os municípios se responsabilizam pela remuneração e carreira de professores e cantineiras. Deve-se ter cuidado para evitar que se formem duas redes paralelas – a municipal e a conveniada – com salários e direitos diferenciados, formas de acompanhamento distintas e com infra-estrutura e condições de trabalho desiguais. Isso pode gerar dois problemas:

� - Do lado dos profissionais, o sentimento de insatisfação e a formação de “castas” de trabalhadores, dificultando todo o trabalho de formação de rede e de identidade de educador infantil do Vale do Jequitinhonha.

Page 78: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

76

� - Do lado das crianças, o fato de algumas contarem com educadoras que receberam uma formação continuada de qualidade e outras não, ou de algumas freqüentarem creches bem montadas e outras não, o que pode contribuir para a perpetuação da desigualdade social.

NECESSIDADE DE RECONHECIMENTO OFICIAL DA FORMAÇÃO OFERECIDA PELO PROGRAMA

Outra questão que precisa ser enfrentada é a validação institucional (certificação) da formação continuada que o Programa oferece. O MEC publicou, em �005, as Orientações Gerais para a formação da Rede Nacional de Formação Continuada de Professores da Educação Básica, que visa estabelecer uma política nacional de formação continuada. “Tal política deverá promover articulação efetiva entre o Ministério da Educação, as secretarias estaduais e municipais e as universidades, de modo a possibilitar, entre outros, maior interação entre essas instituições, tendo em vista redimensionar e dar maior organicidade à formação inicial e continuada do professor e demais profissionais da educação.” (MEC, �005c:�8).

Dessa forma, programas de formação como este devem se articular com as secretarias de educação e com universidades não apenas para validar legalmente as ações que já estão em curso, mas, principalmente, para fortalecer o sistema de ensino da região. Como o Programa de Educação Infantil das associações comunitárias conveniadas está sintonizado com a legislação e políticas federais, não deve haver incompatibilidade de princípios para sua integração ao sistema. Além disso, os municípios podem aproveitar a existência de um Programa de Educação Infantil consistente para estruturar suas políticas neste segmento.

ARTICULAÇÃO DE UM SISTEMA REGIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL

Em �00�, a então Secretaria de Educação Fundamental do MEC patrocinou estudos de caso sobre Integração das Instituições de Educação Infantil.

Uma questão especialmente pertinente na reflexão sobre os desafios do Programa de Formação em Serviço é a possibilidade de articulação de um Sistema Regional de Educação. Ora, se uma das grandes bandeiras da educação infantil é o reconhecimento do seu pertencimento ao campo educacional, é importante que se articule e fortaleça os sistemas educacionais existentes.

Como o Programa de Formação em Serviço está implantado em dezessete municípios, e o Fundo Cristão tem criado instâncias como o Fundo Regional, pode ser vantajoso trabalhar numa articulação intermunicipal por meio da Superintendência Regional de Ensino, do Conselho Estadual de Educação, das Associações de Município - enfim, das instâncias capazes de minimizar as divisões político-partidárias e as decisões municipais mais personalistas. Uma iniciativa neste sentido é a articulação do Fórum Regional de Educação Infantil do Vale do Jequitinhonha, ligado ao Fórum Mineiro (onde o Fundo tem assento desde �00�).

Atuando em consórcio regional, os municípios podem se fortalecer na negociação para enfrentar dois problemas comuns: a melhoria das condições de trabalho e de formação das educadoras, de um lado, e da infra-estrutura de atendimento e de transporte, de outro.

Page 79: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

77

RISCO DO INVESTIMENTO NA FORMAÇÃO NÃO CHEGAR ÀS CRIANÇAS

Os dados sobre rotatividade e desligamento das educadoras formadas pelo Programa merecem atenção. A equipe da iniciativa hoje é formada por 96 educadoras infantis e dezesseis educadoras de referência, sendo que ��0 educadoras infantis e �� educadoras sociais já passaram pelo quadro profissional.

O que ameniza a situação é que a rotatividade tem sido maior entre aqueles que estão a menos tempo no Programa. Entre as educadoras infantis atuais, ��% está no cargo há mais de cinco anos e �0% entre três e cinco anos (totalizando 7�% de trabalhadores com mais de três anos de atuação, num programa iniciado há seis anos). Já entre as educadoras sociais de referência, o quadro é mais equilibrado entre os mais “antigos” e os mais “novos” – 56% está há mais de três anos e ��% tem no máximo dois anos de vínculo.

Ninguém nega que a região ganha com mais gente bem formada e que a busca por melhores oportunidades de crescimento profissional é um direito do trabalhador. No entanto, há que se tomar cuidado para que este investimento chegue, efetivamente, às crianças.

DESAFIOS DESTACADOS NA AVALIAÇÃO ANUAL

Além do que já foi dito acima, algumas preocupações foram destacadas no processo anual de avaliação do Programa, que envolve as educadoras:

garantia de apoio das associações comunitárias, de parceiros e das comunidades;aprofundamento do trabalho pedagógico iniciado (trabalho por Eixos, Agenda ��, portifólios);integração do Programa de Educação Infantil com outras frentes de ação das associações comunitárias; ereavaliação de carga de trabalho das educadoras sociais de referência, das condições dos cursos e do papel das mães de rodízio.

Page 80: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

78

Page 81: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

79

Perspectivas

O ano de �005 iniciou sob impacto de mudanças de diretrizes na gestão internacional do Fundo Cristão. A análise de que o problema do Brasil é a distribuição e não a geração de riquezas faz dele um lugar que precisa de reformas estruturais mais do que recursos “a fundo perdido”. Neste sentido, a decisão estratégica é de que o apadrinhamento deva ser estimulado entre as classes média e alta nacionais, e não tanto entre doadores estrangeiros, como vinha acontecendo.

Depois que a verba especial de implantação do Programa de Formação em Serviço de Educadores Infantis acabou, as associações comunitárias tiveram que assumir inteiramente os custos do Programa, o que significa o maior volume de recursos entre as iniciativas oferecidas. Ademais, com a crítica e autocrítica das relações assistencialistas, o Fundo Cristão quer passar a desempenhar funções de articulação institucional e não mais de financiador/executor. Para tanto, tem-se insistido para que as associações conveniadas busquem uma identidade própria e novos parceiros, e conquistem sua autonomia.

O objetivo geral do Programa de Formação em Serviço é a promoção da autonomia das associações comunitárias na formação das educadoras infantis. Isso implicou na transferência das funções de assessoria para pessoas residentes no Vale do Jequitinhonha com perspectivas de extinção do cargo de assessor técnico sediado em Belo Horizonte. Outra ação é o investimento na formação das educadoras sociais de referência para que elas passem a ser multiplicadoras dos conteúdos de educação infantil.

Os cursos ministrados por professores externos passam a ser substituídos pela composição de grupos de estudo encarregados de temas específicos. A idéia é que a equipe ligada ao Programa em cada associação (coordenadores, educadores de referência e educadores infantis) se responsabilize pela pesquisa e desenvolvimento de um assunto de interesse comum que será socializado em encontros interassociações. Esses grupos de estudo pretendem também produzir materiais de referência, textos, apostilas e relatos como parte das estratégias de socialização do conhecimento. Um destaque deste formato é o fortalecimento da rede de educação infantil das associações comunitárias, que está empenhada na estruturação do Fórum Regional de Educação Infantil. A questão a ser monitorada é se a ausência de especialistas não vai implicar em diluição da qualidade da formação, considerando a alta rotatividade das educadoras no Programa.

Uma questão que permanece em aberto no novo formato é a relação da equipe do Programa com as Secretarias Municipais de Educação, já que o Fundo Cristão tem sinalizado a necessidade de articulação com o setor governamental. A experiência acumulada na implantação e formação das educadoras sociais de referência tem muito a contribuir para a formação de coordenadores pedagógicos em educação infantil nos sistemas municipais de ensino.

A autonomia das associações pressupõe o fortalecimento da mobilização comunitária. Isso implica na ênfase ao trabalho de conscientização e mobilização dos pais e responsáveis pelo acompanhamento e zelo no desenvolvimento dos

Page 82: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

80

seus filhos e no seu empenho em lutar pelos direitos das crianças. Vale registrar, ainda, a implantação, em Minas Gerais, do ensino fundamental de nove anos em �00� �, com adesão de praticamente todos os municípios atendidos pelo Programa de Formação em Serviço. Houve uma resistência inicial das famílias em tirar os filhos das creches conveniadas ao Fundo Cristão e matriculá-las nas escolas. As principais queixas foram quanto ao horário de atendimento (apenas meio-turno) e à falta de adaptação das salas a faixa etária das crianças. A postura dos executores do Programa de Educação Infantil tem sido de estimular as famílias a usufruir da ampliação da escolarização obrigatória e negociar, junto às Superintendências de Ensino, as condições necessárias para melhoria da qualidade do atendimento. Com isso, as creches ligadas ao Programa passam a não mais atender crianças de seis anos, para não sobrepor ações, e a ampliar seu atendimento para crianças menores, especialmente as de dois anos. Isso está exigindo uma reformulação nos conteúdos de formação dos educadores.

Como pode ser observado, o momento é de muitas mudanças e questionamentos sobre o futuro do Programa de Formação em Serviço. Algumas educadoras se angustiam com as perspectivas de cortes orçamentários e possível descontinuidade de ações que fizeram do Programa de Formação em Serviço dos Educadores Infantis das Associações Comunitárias Rurais do Vale do Jequitinhonha uma iniciativa premiada. Outros acreditam que as conquistas acumuladas até hoje serão fortes o suficiente para manter o atendimento integral à criança e a formação das educadoras.

O trabalho que está se desenhando no horizonte tem um caráter político importante e pode se consolidar em mais uma experiência exemplar de formação de educadoras e comunidades. Parece certo que a articulação é uma palavra-chave nesta nova etapa, tanto com o poder público como com as instituições integrantes do sistema educacional regional e com as associações comunitárias atuando em rede.

Na sabedoria dos que vivem na simplicidade reside muita força. Os problemas são muitos e inevitáveis, mas sucumbir a eles é opcional. As fontes de motivação para a vida continuam latentes nos laços de solidariedade entre homens, mulheres e crianças, na fé que tantas vezes alimenta e consola, no hábito de festejar dias santos e pagãos, nas conversas “jogadas fora”, no aconchego da terra que os viu nascer e crescer. Assim, mesmo quando o futuro parece incerto, sempre tem alguém que puxa um refrão, faz um guisado ou sentencia, certeiro: “O que for preciso a gente enfrenta porque nossa profissão é lutar”.

“Hoje conhecemos mais sobre as crianças com as quais trabalhamos e acreditamos estar ajudando a formar cidadãos críticos e independentes. Assim, pela inclusão social, não nos cansamos de lutar: batalhamos por uma sociedade mais justa e procuramos formar cidadãos dentro de princípios éticos, para que possam ser transformadores da sua realidade e atuem de forma ativa e participativa na sociedade em busca de um futuro melhor.”

Relato das educadoras para a sistematização

� Decreto nº ��.506/�00� – Resolução SEE nº �69/�00�. (Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais)

Page 83: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

8�

Fechamos, assim, este relato feito a várias mãos convidando a todos que nos acompanharam até aqui a se inspirarem pelos versos do canto de dona Rita de Cachoeira:

Dona Rita de Cachoeira/meu amor quer me prender/

ou aqui ou na Bahia ou no Rio de Janeiro/

Adeus, adeus oh meu anjo/do meu coração/

me dá um abraço, meu anjo/um aperto de mão/

Recorda, meu bem, recorda/

recorda por um vintém/um vintém não é dinheiro/

para quem recorda bem/

Adeus, adeus, oh, meu anjo/do meu coração/

me dá um abraço, meu anjo/e um aperto de mão/

Recorda, meu bem, recorda/

recorda por um vintém/um vintém não é dinheiro/

para quem recorda bem/adeus, adeus, oh, meu anjo/

do meu coração/me dá um abraço, meu anjo/

e um aperto de mão/ mais um abraço, meu anjo/

e um aperto de mão...

Page 84: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

8�

Page 85: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

8�

BibliografiaBASÍLIO, Luiz; KRAMER, Sônia. Infância, educação e direitos humanos. São Paulo: Cortez, �00�.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, �988.

________. Lei de diretrizes e bases da educação nacional. Lei nº 9.�9�, de �0 de dezembro de �996. Dispõe sobre as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf> Acesso em 0� de agosto de �006.

_______. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Departamento de Políticas Educacionais. Coordenação Geral de Educação Infantil. Proposta pedagógica e currículo de educação infantil: um diagnóstico e a construção de uma metodologia de análise. Brasília: MEC/SEF/DPE/COEDI, �996.

_______. Estatuto da criança e do adolescente: Lei nº 8.069/90, de �� de julho de �990. São Paulo: CBIA – SP, �99�.

_______. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria da Educação Fundamental. Referencial curricular nacional para a educação infantil. Brasília: MEC/SEF, �998.

_________. Ministério da Educação e do Desporto. Resolução CEB/CNB nº 0�/99. Diretrizes curriculares nacionais para a formação de docentes da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental, em nível médio, na modalidade normal. Brasília: MEC, �999.

_______. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria da Educação Fundamental. Integração das instituições de educação infantil aos sistemas de ensino: um estudo de caso de cinco municípios que assumiram desafios e realização de conquistas. Brasília: MEC/SEF, �00�.

_______. Ministério da Educação e do Desporto. Grupo Permanente de Trabalho de Educação do Campo. Referências para uma política nacional de educação do campo: caderno de subsídios. Brasília: GPT Educação do Campo, �00�.

_______. Ministério da Educação e do Desporto. Conselho Nacional de Educação. Política nacional de educação infantil: pelo direito das crianças de zero a seis anos à educação. Brasília: MEC/SEB, �006.

_______. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria da Educação Básica. Orientações gerais da rede nacional de formação continuada de professores da educação básica. Brasília: MEC/SEB, �005.

CAMPANHA NACIONAL PELO DIREITO À EDUCAÇÃO. Manifesto pela inclusão das creches no Fundeb �005. Disponível em: <www.campanhaeducacao.org.br>. Acesso em 05 de julho de �005.

Page 86: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

8�

CONFERÊNCIA NACIONAL POR UMA EDUCAÇÃO DO CAMPO, �., �00�, Luziânia, GO. Declaração final. Luziânia: [s.n.], �00�. Disponível em: <http://www.controlesocial.org.br/boletim/ebul06/fai_laranja_0�.�.html>. Acesso em 0� de agosto de �006.

FUNDAÇÃO ORSA; UNESCO; ANDI. Fontes para a educação infantil. Brasília: Unesco, São Paulo: Cortez; Fundação Orsa, �00�.

FUNDAÇÃO ABRINQ. A colheita da Fazenda Escola Fundamar: uma experiência premiada de educação infantil no campo. Fundação Abrinq: São Paulo, �00�.

GEBARA, Tânia. Processos de inclusão social: um estudo a partir das vivências de educadoras infantis de associações comunitárias rurais do Vale do Jequitinhonha-MG. �00�. Dissertação (mestrado em educação). Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, �00�.

INFORMATIVO CEI. Panorama das estatísticas educacionais no estado de Minas. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, v. �, nº �, ago. �00�.

KAPPEL, Dolores; CARVALHO, Cristina; KRAMER, Sônia. Perfil das crianças de zero a seis anos que freqüentam creches, pré-escolas e escolas: uma análise dos resultados da pesquisa sobre padrões de vida do IBGE. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, nº �6, jan./abr. �00�.

KOLLING, Edgar; NERY, Irmão Israel José; MOLINA, Mônica Castagna (Orgs.). Memória. Brasília: Articulação nacional por uma educação básica do campo, �999. (Coleção Por uma educação do campo, �).

MOLINA, Mônica Castagna; JESUS, Sônia (Orgs.). Contribuições para a construção de um projeto de educação do campo. Brasília: Articulação nacional por uma educação básica do campo, �00�. (Coleção Por uma educação do campo, 5).

BARROS, Ricardo P.; CARVALHO, Mirela. A política social brasileira. In: PORTO, Marta (Org.) Investimento privado e desenvolvimento: balanços e desafios. Rio de Janeiro: Editora Senac Rio, �005.

REDE AMIGA DA CRIANÇA. Um Brasil para as crianças: a sociedade brasileira e os objetivos do milênio para a infância e a adolescência. São Paulo: [s.n.], �00�.

SILVIA, L. H.; MORAIS, T.; BOF, A. A educação no meio rural do Brasil: revisão da literatura. Brasília: Programa de estudos sobre a educação rural/do campo no Brasil, �00�. (mimeo).

TEIXEIRA, Ana Cláudia. A atuação das organizações não-governamentais: entre o Estado e o conjunto da sociedade. In: DAGNINO, Evelina (Org.). Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, �00�.

VIEIRA, Lívia Maria Fraga. A formação do profissional da educação infantil no Brasil: perspectivas históricas e desafios atuais. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DA OMEP, �000, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: Ravil, �000.

Page 87: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

85

Page 88: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

86

Page 89: A Infância no - sistemas.fadc.org.br · ... Eduardo José Bernini, ... Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha ... Rita Bassani Martins e Sandra Silva

87