servico social 2009_5_2
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SERVIÇO SOCIAL
www.interativa.uniderp.br
www.unianhanguera.edu.br
Anhanguera Publicações
Valinhos/SP, 2009
AutoresEdilene Maria de Oliveira Araújo
Elisa Cléia Pinheiro Rodrigues NobreHelenrose Aparecida da Silva Pedroso Coelho
Maria Aparecida da SilvaMaria Roney de Queiroz Leandro
Educaçãosem fronteiras
5
00 - Servico Social - 5 Sem.indd 1 1/5/09 3:52:57 PM
© 2009 Anhanguera PublicaçõesProibida a reprodução final ou parcial por qualquer meio de impressão, em forma idêntica, resumida ou modificada em língua portuguesa ou qualquer outro idioma.Impresso no Brasil 2009
ANHANGUERA EDUCACIONAL S.A.CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DE CAMPO GRANDE/MS
PresidenteProf. Antonio Carbonari Netto
Diretor AcadêmicoProf. José Luis Poli
Diretor AdministrativoAdm. Marcos Lima Verde Guimarães Júnior
CAMPUS I
ReitorProf. Guilherme Marback NetoVice-ReitorProfa. Heloísa Gianotti PereiraPró-ReitoresPró-Reitor Administrativo: Adm. Marcos Lima Verde Guimarães JúniorPró-Reitora de Graduação: Prof. Paulo de Tarso Camillo de Carvalho Pró-Reitor de Extensão, Cultura e Desporto: Prof. Ivo Arcângelo Vendrúsculo Busato
ANHANGUERA EDUCACIONAL S.A.UNIDERP INTERATIVA
DiretorProf. Ednilson Aparecido Guioti
CoodernaçãoProf. Wilson Buzinaro
COORDENAÇÃO PEDAGÓGICAProfa. Terezinha Pereira Braz / Profa. Eva Maria Katayama Negrisolli / Profa.Evanir Bordim Sandim / Profa. Maria Massae Sakate / Profa. Lúcia Helena Paula Canto (revisora)
ANHANGUERA PUBLICAÇÕES
DiretorProf. Diógenes da Silva Júnior
Gerente AcadêmicoProf. Adauto Damásio
Gerente AdministrativoProf. Cássio Alvarenga Netto
PROJETO DOS CURSOSAdministração: Prof. Wilson Correa da Silva / Profa. Mônica Ferreira SatolaniCiências Contábeis: Prof. Ruberlei BulgarelliEnfermagem: Profa. Cátia Cristina Valadão Martins / Profa. Roberta Machado PereiraLetras: Profa. Márcia Cristina RochaPedagogia: Profa. Vivina Dias Sol Queiroz / Profa. Líliam Cristina CaldeiraServiço Social: Profa. Maria de Fátima Bregolato Rubira de Assis / Profa. Ana Lucia Américo AntonioTecnologia em Gestão e Marketing de Pequenas e Médias Empresas: Profa. Fabiana Annibal Faria de OliveiraTecnologia em Gestão e Serviço de Saúde: Profa. Irma MarcarioTecnologia em Logística: Prof. Jefferson Levy Espíndola DiasTecnologia em Marketing: Prof. Jefferson Levy Espíndola DiasTecnologia em Recursos Humanos: Prof. Jefferson Levy Espíndola Dias
S514 Serviço social / Edilene Maria de Oliveira Araújo ...[et al]. - Valinhos : Anhanguera Publicações, 2009.
224 p. - (Educação sem fronteiras ; 5).
ISBN: 978-85-62280-06
1. Serviço social – Processo de trabalho. 2. Serviço social – Cidadania. I. Araújo, Edilene Maria de Oliveira. II. Título. III. Série.
CDD: 360
Ficha Catalográfica produzida pela Biblioteca Central da Anhanguera Educacional
00 - Servico Social - 5 Sem.indd 2 1/5/09 3:52:57 PM
AULA 1 — A Base do Pensamento Econômico
iii
Nossa Missão, Nossos Valores____________________
A Anhanguera Educacional completa, em 2009, 15 anos. Desde sua fundação, buscou a ino-
vação e o aprimoramento acadêmico em todas as suas ações e programas. É uma Instituição de
Ensino Superior comprometida com a qualidade dos cursos que oferece e privilegia a preparação
dos alunos para a realização de seus projetos de vida e sucesso no mercado de trabalho.
A missão da Anhanguera Educacional é traduzida na capacitação dos alunos e estará sempre
preocupada com o ensino superior voltado às necessidades do mercado de trabalho, à adminis-
tração de recursos e ao atendimento aos alunos. Para manter esse compromisso com a melhor
relação qualidade/custo, adotou-se inovadores e modernos sistemas de gestão nas instituições de
ensino. As unidades no Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais,
Santa Catarina, São Paulo e Rio Grande do Sul preservam a missão e difundem os valores da
Anhanguera.
Atuando também no Ensino à Distância, a Anhanguera Educacional orgulha-se de poder es-
tar presente, por meio do exemplar trabalho educacional da UNIDERP Interativa, nos seus pólos
espalhados por todo o Brasil.
Boa aprendizagem e bons estudos!
Prof. Antonio Carbonari Netto
Presidente — Anhanguera Educacional
Apresentação____________________
A Universidade Anhanguera/UNIDERP, ao longo de sua existência, prima pela excelência no
desenvolvimento de seu sólido projeto institucional, concebido a partir de princípios modernos,
arrojados, pluralistas, democráticos.
Consolidada sobre patamares de qualidade, a Universidade conquistou credibilidade de par-
ceiros e congêneres no País e no exterior. Em 2007, sua entidade mantenedora (CESUP) passou
para o comando do Grupo Anhanguera Educacional, reconhecido pelo seu compromisso com
a qualidade do ensino, pela forma moderna de gestão acadêmico-administrativa e pelos seus
propósitos responsáveis em promover, cada vez mais, a inclusão e ascensão social.
Reconhecida por sua ousadia de estar sempre na vanguarda, a Universidade impôs a si mais
um desafio: o de implantar o sistema de ensino a distância. Com o propósito de levar oportuni-
dades de acesso ao ensino superior a comunidades distantes, implantou o Centro de Educação
a Distância.
Trata-se de uma proposta inovadora e bem-sucedida, que em pouco tempo saiu das fronteiras
do Estado do Mato Grosso do Sul e se expandiu para outras regiões do País, possibilitando o
acesso ao ensino superior de uma enorme demanda populacional excluída.
O Centro de Educação a Distância, atua por meio de duas unidades operacionais, a Uniderp
Interativa e a Faculdade Interativa Anhanguera(FIAN), em função dos modelos alternativos ofe-
recidos e seus respectivos pólos de apoio presencial, localizados em diversas regiões do País e ex-
terior, oferecendo cursos de graduação, pós-graduação e educação continuada e possibilitando,
dessa forma, o atendimento de jovens e adultos com metodologias dinâmicas e inovadoras.
Com muita determinação, o Grupo Anhanguera tem dado continuidade ao crescimento da
Instituição e realizado inúmeras benfeitorias na sua estrutura organizacional e acadêmica, com
reflexos positivos nas práticas pedagógicas. Um exemplo é a implantação do Programa do Livro-
Texto – PLT, que atende às necessidades didático-pedagógicas dos cursos de graduação, viabiliza
a compra pelos alunos de livros a preços bem mais acessíveis do que os praticados no mercado e
estimula-os a formar sua própria biblioteca, promovendo, dessa forma, a melhoria na qualidade
de sua aprendizagem.
É nesse ambiente de efervescente produção intelectual, de construção artístico-cultural, de
formação de cidadãos competentes e críticos, que você, acadêmico(a), realizará os seus estudos,
preparando-se para o exercício da profissão escolhida e uma vida mais plena em sociedade.
Prof. Guilherme Marback Neto
AULA 1 — A Base do Pensamento Econômico
v
EDILENE MARIA DE OLIVEIRA ARAÚJOGraduação: Serviço Social – Faculdades Unidades Católica de Mato Grosso – FUCMT – 1986
Especialização: Formação de Formadores em Educação de Jovens e Adultos – Universidade Nacional de Brasília – UNB – 2003
Especialização: Gestão de Iniciativas Sociais – Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ – 2002
ELISA CLÉIA PINHEIRO RODRIGUES NObREGraduação: Serviço Social – Universidade Católica Dom Bosco, UCDB – 1992
Especialização em Políticas Sociais – Universidade doEstado e da Região do Pantanal – UNIDERP – 2003
Mestrado em Educação – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, UFMS – 2007
HELENROSE APARECIDA DA SILVA PEDROSO COELHOGraduação: Ciências Sociais/Universidade Estadual de
Campinas – UNICAMP, Campinas /SP – 1982Graduação: Psicologia/Universidade Católica
Dom Bosco – UCDB, Campo Grande/MS – 1992Graduação: Direito/Universidade para o Desenvolvimento do
Estado e da Região do Pantanal – UNIDERP, Campo Grande/MS – 2004Especialização: Gestão Judiciária Estratégica
Centro Federal de Educação Tecnológica de Mato Grosso, CEFETMT – 2007Mestrado: A Construção dos Sentidos de Promoção e
Prevenção de Saúde na Mídia Impressa – UCDB – Campo Grande/MS, 2006
MARIA APARECIDA DA SILVAGraduação: Serviço Social/Faculdades Unidas
Católicas Dom Bosco – FUCMT/ Campo Grande-MS – 1984Especialização: Educação na Área da Saúde/Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/RJ, 1985Mestrado: Saúde Coletiva/Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul – Campo Grande/MS, 1998
MARIA RONEY DE QUEIROZ LEANDROGraduação: Serviço Social/Faculdades Unidas
Católicas Dom Bosco – FUCMT/Campo Grande-MS/1987Especialização: Saúde Pública – Escola Nacional de Saúde Pública/Fundação Oswaldo Cruz/1993
Autores____________________
AULA 1 — A Base do Pensamento Econômico
vii
Sumário____________________
MÓDULO – PROCESSO DE TRAbALHO EM SERVIÇO SOCIAL
UNIDADE DIDÁTICA – ESTÁGIO SUPERVIONADO EM SERVIÇO SOCIAL
AULA 1
O diagnóstico como ferramenta de trabalho do serviço social ......................................... 3
AULA 2
Projetos sociais: solucionando problemas .......................................................................... 10
UNIDADE DIDÁTICA – PROCESSO DE TRAbALHO EM SERVIÇO SOCIAL
AULA 1
Trabalho e relações sociais na sociedade contemporânea ................................................. 19
AULA 2
Divisão social do trabalho ................................................................................................... 24
AULA 3
Produção social e valor ........................................................................................................ 29
AULA 4
Trabalho assalariado, capital e propriedade ........................................................................ 37
AULA 5
Processos de trabalho e produção da riqueza social ........................................................... 43
AULA 6
O trabalho coletivo – trabalho e cooperação ...................................................................... 48
AULA 7
Trabalho produtivo e improdutivo ...................................................................................... 52
AULA 8
A polêmica em torno da crise da sociedade do trabalho .................................................... 59
AULA 9
Trabalho e sociedade em rede .............................................................................................. 65
UNIDADE DIDÁTICA – ESTRATÉGIAS DE TRAbALHO EM SERVIÇO SOCIAL
AULA 1
A inserção do assistente social nos processos do trabalho e as estratégias de trabalho
em serviço social ................................................................................................................... 75
AULA 2
Trabalho e serviço social: demandas tradicionais e demandas atuais ................................ 78
AULA 3
O redimensionamento da profissão: o mercado, as condições de trabalho, as
perspectivas e competências profissionais ........................................................................... 81
AULA 4
Condições de trabalho e respostas profissionais. A relação assistente social e usuários
dos serviços sociais ............................................................................................................... 86
AULA 5
As demandas e a intervenção profissional no âmbito das relações entre o estado e a
sociedade ............................................................................................................................... 89
AULA 6
A dimensão ético-política da prática profissional e o serviço social como instrumento
de cidadania e garantia de direitos....................................................................................... 92
AULA 7
Estratégia profissional e instrumental técnico-operativo utilizados no desempenho do
trabalho profissional – Parte 1 ............................................................................................. 95
AULA 8
Estratégia profissional e instrumental técnico-operativo utilizados no desempenho do
trabalho profissional – Parte 2 ............................................................................................. 99
AULA 9
Instrumentos, metodologias e técnicas utilizados pelo serviço social na busca de
respostas as demandas do trabalho ...................................................................................... 103
SEMINÁRIO INTEGRADO ...................................................................................................... 108
MÓDULO – SOCIEDADE E CIDADANIA
UNIDADE DIDÁTICA – TERCEIRO SETOR E SERVIÇO SOCIAL
AULA 1
Considerações históricas sobre a emergência do terceiro setor ......................................... 111
AULA 2
Terceiro setor: conceitos, objetivos e características ........................................................... 114
AULA 3
Questões sociais, serviço social e as relações com o terceiro setor ..................................... 118
AULA 4
Organizações de interesse público e legislações pertinentes .............................................. 122
AULA 5
As organizações de interesse público e a gestão das políticas sociais ................................. 127
AULA 6
Responsabilidade social e suas dimensões ........................................................................... 131
AULA 7
Voluntariado ......................................................................................................................... 135
AULA 8
O voluntariado no terceiro setor.......................................................................................... 140
AULA 9
Financiamento do terceiro setor .......................................................................................... 144
AULA 1 — A Base do Pensamento Econômico
ix
UNIDADE DIDÁTICA – CONSELHOS POPULARES E CIDADANIA
AULA 1
Contexto da cidadania .......................................................................................................... 153
AULA 2
Participação e controle social: instâncias de cidadania....................................................... 159
AULA 3
Conselhos de políticas públicas: assistência social .............................................................. 169
AULA 4
Conselhos de políticas públicas: saúde ................................................................................ 174
AULA 5
Conselhos de defesa de direitos: do idoso e da pessoa com deficiência ............................. 179
AULA 6
Conselhos de defesa de direitos: da criança e do adolescente (ECA) ................................. 187
AULA 7
Conselhos de defesa de direitos: da mulher ........................................................................ 192
AULA 8
Conselhos de defesa de direitos: do indígena e do negro ................................................... 199
AULA 9
Atuação do profissional na efetivação do controle social ................................................... 207
SEMINÁRIO INTEGRADO ...................................................................................................... 215
AULA 3 — Produção Social e Valor
17
PROCESSO DE TRABALHO EM
SERVIÇO SOCIAL
Professora Especialista Edilene Maria de Oliveira Araújo
Professora Especialista Maria Roney de Queiroz Leandro
Professora MSc. Helenrose Aparecida da Silva Pedroso Coelho
Módulo
Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social
18
Apresentação
Prezados acadêmicos!
Sejam bem-vindos ao módulo TRABALHO E SOCIEDADE. Espero que vocês estejam preparados para
promover boas reflexões sobre a questão do trabalho e sua importância para nós, seres humanos.
O tema é bastante instigante porque faz parte de uma realidade que nos é muito familiar e por isso mesmo
nos provoca tanto envolvimento, ora para criticar o modo capitalista de produção, ora para considerá-lo im-
portante para o desenvolvimento social.
De qualquer forma, são imprescindíveis para o futuro profissional do serviço social o conhecimento da
força-motriz de nossa sociedade e as relações decorrentes do trabalho. O entendimento de como se dão as
relações no trabalho e quais são as origens do capital e da força de trabalho promoverão uma melhor compre-
ensão do processo de alienação e da cristalização de ideologias dominantes. Assim, teremos um profissional
apto para lidar com as relações advindas do ambiente de trabalho, posto que compreenderá os mecanismos
de produção de valor em nossa sociedade.
Desejamos as boas-vindas e sigamos o nosso curso.
Professora Helenrose Aparecida da Silva Pedroso Coelho
AULA 1 — Trabalho e Relações Sociais na Sociedade Contemporânea
19
Un
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AULA
1____________________TRABALHO E RELAÇõES SOCIAIS nA
SOCIEDADE COnTEMPORânEA
Conteúdo• Noções sobre trabalho
• Importância do trabalho na sociedade capitalista
• As relações sociais que envolvem o ser humano e o trabalho
Competências e habilidades• Compreender a importância do trabalho em nossa sociedade
• Refletir sobre as relações oriundas das relações do trabalho e sua importância para o serviço social
Textos e atividades para auto-estudo disponibilizados no Portal• Os textos para auto-estudo e as atividades serão disponibilizados no portal.
• Sites relacionados: http://www.dieese.org.br
• Filme: O Germinal. Diretor: Claude Berri
Caracteriza perfeitamente o processo de produção do trabalho do modelo capitalista, a expansão do chamado capital, mostrando assim, de uma forma bem clara, os opostos entre as necessidades humanas e as materiais. O filme se passa na França do século XIX e transmite muito bem aquele determinado momento histórico e seu contexto social, econômico e político e, é claro, cultural. Para obtermos uma análise satisfatória se torna necessário o conhecimento dos antecedentes da Revolu-ção Industrial, nele presentes.
Duração2h/a – via satélite com o professor interativo
2h/a – presenciais com o professor local
6h/a – mínimo sugerido para auto-estudo
INTRODUÇÃO
Vamos verificar nos nossos estudos a impor-
tância do trabalho para o ser humano. O trabalho
aparece desde os primórdios como a necessidade
de o homem intervir sobre a natureza, produzindo
os meios de sua sobrevivência e, dessa forma, clari-
fica-se a noção de que o trabalho afigura-se como
elemento inerente à existência do homem e como
mola propulsora de seu desenvolvimento perante as
limitações primitivas impostas pela sua fragilidade
diante do meio ambiente.
A partir do trabalho, o homem foi tornando-se
capaz de criar novas formas de interação com a
natureza, as quais permitiram o desenvolvimento
Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social
20
amplo do gênero humano, estendendo-se às formas
de organização social, sempre alicerçadas na orga-
nização do trabalho e da produção social, conforme
entendimento de Engels, 1979, p. 269-280.
Com a consolidação do sistema capitalista, como
modo de produção, essa noção de centralidade do
trabalho na sociabilidade humana desvendado sob
a ótica de exploração dentro de uma sociedade de
classes foi objeto de vasta produção teórica e políti-
ca, impulsionando grandes transformações e revo-
luções sociais a partir de meados do século XIX.
Dentro do processo histórico, inúmeros abusos
foram cometidos dentro do mundo do trabalho e
impulsionaram a luta social pelo reconhecimento
de direitos mínimos da dignidade humana e, com
base no desenvolvimento de ideários novos de or-
ganização social do trabalho, instaurou-se, no cam-
po ideológico, uma grande disputa no seio da so-
ciedade burguesa, até mesmo dentro do campo de
atuação do assistente social, pois o trabalho na área
social vai saindo paulatinamente das mãos da Igreja
e do ideário da caridade e passando ao Estado e à
sociedade dentro das idéias capitalistas.
No art. 193, Título VIII, Capítulo II, Seção I – Da Or-
dem Social, a Constituição Federal de 1988 aponta
que a ordem social brasileira tem como base o prima-
do do trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça
sociais.
Assim, grande parte da história do século XX en-
cerrou a disputa entre concepções diversas no que
tange à organização social do trabalho, e o mundo
dividiu-se geopoliticamente na afirmação dessa dis-
puta, com conseqüências como a Guerra Fria, a Cri-
se do Petróleo etc.
Nos dias de hoje, o debate sobre o mundo do tra-
balho continua desenvolvendo-se com enfoque na
hegemonia político-ideológica capitalista. Obser-
va-se essa questão discutida através do espaço cada
vez maior que se dá ao debate cujo tópico é em rela-
ção ao emprego na sociedade contemporânea, im-
pulsionando pesquisadores, políticos, movimentos
sociais, organizações internacionais e tantos outros
atores sociais que buscam apresentar soluções e
fazer reflexões para um dos principais problemas
enfrentados por grande parte dos países. E não
apenas a isso se resume o debate. Distribuição de
renda, diminuição de desigualdades e promoção de
desenvolvimento social são temas recorrentes, des-
dobramentos, ainda que superficiais, daquilo que
pode ser considerado uma das principais crises no
mundo do trabalho dentro da sociedade burgue-
sa. E daí a importância do profissional do serviço
social na compreensão e reflexão sobre essas ques-
tões, compreendendo sua origem e os rumos toma-
dos na atualidade.
Não é só a sobrevivência que dá significado ao
trabalho, mas, no dizer de Engels, op. cit., também
o desenvolvimento de habilidades manuais e inte-
lectuais é proporcionado por ele, porque o homem
com a necessidade desenvolveu técnicas utilizando
o corpo nas atividades de trabalho e iniciou uma
nova forma de vida em grupo, desenvolvendo a lin-
guagem e as relações sociais.
Graças à cooperação das mãos, dos órgãos da
linguagem e do cérebro, não só em cada indivíduo,
mas também na sociedade, os homens foram apren-
dendo a executar operações cada vez mais comple-
xas, a propor-se a alcançar objetivos cada vez mais
elevados (ENGELS, 1979, p. 275).
A especialização da mão implica o aparecimento
da ferramenta, que, por sua vez, implica atividade
especificamente humana, a ação do homem sobre a
natureza, que resultará na produção de bens. E esse
homem vai cada vez mais exercer sua força sobre
a natureza, para dominá-la, diferenciando-se dos
animais.
No início o homem praticava a caça e a pesca e,
mais tarde, a agricultura. Com o passar do tempo
surgem a fiação, a tecelagem, a elaboração de me-
tais, a olaria e a navegação, tudo graças a esse de-
senvolvimento de habilidades oriundas do trabalho.
Aparecem o comércio e os ofícios acompanhados
das artes e das ciências, bem como as nações e os
Estados. De acordo com Engels, 1979, p. 275, o rá-
pido progresso da civilização foi atribuído exclusi-
vamente à cabeça, ao desenvolvimento e à atividade
AULA 1 — Trabalho e Relações Sociais na Sociedade Contemporânea
21
do cérebro, e os homens acostumaram-se a explicar
seus atos pelos seus pensamentos em vez de procu-
rar essa explicação em suas necessidades.
Diferentemente dos animais que utilizam a natureza e
a modificam pelo simples fato de sua presença, o ho-
mem modifica a natureza, dominando-a por meio do
trabalho.
RETROSPECTIVA HISTÓRICA
Ao fazermos uma rápida retrospectiva histórica,
percebemos que a Grécia Antiga valorizava o ócio
para seus cidadãos, o qual somente era possível pela
exploração do trabalho escravo. Em um determi-
nado momento, quem sabe por oposição aos ideais
greco-romanos de ócio, o cristianismo intentou
recuperar o valor do trabalho sem colocá-lo como
valor maior da existência. Podemos observar até
os dias de hoje que o trabalho ainda é utilizado e
valorizado como ponto central da dinâmica social
em que atuamos, sem que haja uma reflexão maior
sobre o contexto em que ela foi gerada e com que
finalidade, pois à época era necessário incutir esse
ideal, pois o capitalismo iniciava seu processo de
desenvolvimento como novo modelo econômico e
precisava conquistar aliados para seu ideal.
Para o entendimento dos fatores que envolvem
a crise do mundo do trabalho atual, é fundamen-
tal a compreensão do desenvolvimento histórico da
sociedade capitalista. Para tanto é preciso situar a
transição do regime feudal ao capitalista pela expan-
são ultramarina e a formação de novos mercados: o
mercado das Índias Orientais e da China, a coloni-
zação da América, o intercâmbio com as colônias, o
aumento dos meios de troca e das mercadorias em
geral deram ao comércio, à navegação e à indústria
um impulso jamais conhecido e, em conseqüência,
favoreceram o rápido desenvolvimento do elemen-
to revolucionário na sociedade feudal em decom-
posição.
Diante do crescimento desses novos mercados,
o modo de exploração feudal não atendia mais às
suas necessidades, dando lugar à manufatura, subs-
tituindo a divisão do trabalho entre as diversas cor-
porações pela divisão do trabalho dentro de cada
oficina.
Continuando a crescer, vemos o mercado da ma-
nufatura também se tornando insuficiente para abas-
tecê-lo, tomando o seu lugar a grande indústria mo-
derna, através da Revolução Industrial, onde a má-
quina a vapor revolucionou a produção industrial.
A grande indústria criou o mercado mundial,
para o qual a descoberta da América preparou o
terreno. O mercado mundial deu um imenso desen-
volvimento ao comércio, à navegação e às comuni-
cações por terra. Esse desenvolvimento, por sua vez,
reagiu sobre a extensão da indústria; e na proporção
em que a indústria, o comércio, a navegação, as fer-
rovias cresciam, a burguesia também se desenvolvia,
aumentava seus capitais e colocava num plano se-
cundário todas as classes legadas pela Idade Média.
Entretanto, a partir da segunda metade do sécu-
lo XVIII, iniciou-se na Inglaterra a mecanização
industrial, desviando a acumulação de capitais da
atividade comercial para o setor da produção. Esse
fato trouxe grandes mudanças, tanto de ordem eco-
nômica quanto social, que possibilitaram o desapa-
recimento dos restos das relações e práticas feudais
ainda existentes e a definitiva implantação do modo
de produção capitalista.
Simultaneamente ao desenvolvimento do capital tam-
bém se desenvolve o proletariado, a classe operária
moderna, que para Marx e Engels, (2001):
(...) vivem apenas na medida em que encontram tra-
balho e que só encontram trabalho na medida em que
o seu trabalho aumente o capital. Tais operários, obri-
gados a se vender por peça, são uma mercadoria como
qualquer outro artigo de comércio...”
Nessa fase inicial do capitalismo notadamente, o
proletariado acaba concentrado em grandes massas,
submetidas a péssimas condições de trabalho.
A primeira metade do século XX foi marcada por
uma série de calamidades: as duas guerras mun-
diais, os impérios coloniais que ruíram, duas ondas
de rebelião e revolução que significaram a ascensão
Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social
22
ao poder de um sistema colocado como alternativa
histórica à sociedade burguesa e que, após a Segunda
Guerra Mundial, representou um terço da popula-
ção mundial. Além disso, o ano de 1929 apresentou
uma crise econômica sem precedentes, até mesmo
abalando economias capitalistas mais fortes, cau-
sando o quase desaparecimento das instituições e
da democracia liberal.
Enquanto a economia balançava, as instituições
da democracia liberal praticamente desapareceram
entre 1917 e 1942; restaram apenas uma borda da
Europa e partes da América do Norte e da Austrália.
Enquanto isso, avançavam o fascismo e os movi-
mentos e regimes autoritários.
A democracia só se salvou porque houve uma
aliança temporária entre o capitalismo liberal e o co-
munismo: basicamente a vitória sobre a Alemanha
de Hitler foi conseqüência do Exército Vermelho.
De muitas maneiras, esse período de aliança capita-
lista-comunista contra o fascismo – sobretudo nas
décadas de 1930 e 1940 – constitui o ponto crítico
da história do século XX e seu momento decisivo.
Após a depressão de 1929, o fascismo e a guerra,
houve um surpreendente salto para a Era do Ouro
(denominação de Eric Hobsbawn), que dura de
1947 a 1973.
Neste contexto a recuperação dos estragos da
guerra foi a prioridade para os países europeus e
o Japão, sendo que ela significava, acima de tudo,
o medo de revolução social e avanço comunista. A
partir de meados da década de 1950, os avanços ma-
teriais se tornaram palpáveis para estas nações.
Este grande desenvolvimento foi alcançado gra-
ças à implantação de modelos de produção que se
disseminaram pelas indústrias de todo o mundo,
buscando a ampliação de mercados a partir da pro-
dução para um mercado de massa. Estudaremos
mais detalhadamente esses modelos de produção
nas próximas aulas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho alcançou, na sociedade ocidental, a
partir da implantação e da consolidação do siste-
ma capitalista, um grau esclarecedor do processo
de desenvolvimento filogenético da espécie e repre-
sentativo da condição humana. O exercício de ativi-
dades coletivas e de trabalho conjunto é apontado
como responsável pelo surgimento das especifici-
dades próprias do homo sapiens, como pensamento,
consciência e linguagem (LEONTIEV, 1978). Por
meio da análise do trabalho alienado, Marx (1989)
o apresenta como conferindo a qualificação de hu-
mano ao seu portador, a partir de uma concepção
de natureza humana que se constitui na inserção no
mundo das relações sociais.
O trabalho é um momento efetivo de colocação
de finalidades humanas, dotado de intrínseca di-
mensão teleológica. E, como tal, mostra-se como
uma experiência elementar da vida cotidiana, nas
respostas que oferece às necessidades sociais. Reco-
nhecer o papel fundamental do trabalho na gênese
e no fazer-se do ser social nos remete diretamente à
dimensão decisiva dada pela esfera da vida cotidia-
na, como ponto de partida para a generalidade para
si dos homens (ANTUNES, 2001, p. 168).
O trabalho aparece, definitivamente, como um
operador fundamental na própria construção do
sujeito, revelando-se também como um mediador
privilegiado, senão único, entre inconsciente e cam-
po social e entre ordem singular e ordem coletiva.
Não é apenas um teatro aberto ao investimento
subjetivo, mas um espaço de construção do sentido
e, portanto, de conquista de identidade, da conti-
nuidade e da historicização do sujeito (DEJOURS e
ABDOUCHELI, 1994).
Em uma perspectiva materialista histórico-dialé-
tica, o trabalho é a fonte de toda riqueza, conforme
explicitado por Engels no texto O papel do trabalho
na transformação do macaco em homem, fonte tam-
bém de prazer e de realização humanas. A categoria
ontológica do marxismo permite entender que, ao
realizar trabalho, o ser humano abandona a depen-
dência para com a natureza e adentra a aventura do
especificamente humano. Visto assim, o trabalho é
produto do homem e ao mesmo tempo produtor
do ser, da cultura e da civilização humana, objeti-
vando sistemas de comunicação e de inter-relação
AULA 1 — Trabalho e Relações Sociais na Sociedade Contemporânea
23
humanos que determinaram o desenvolvimento de
nossa sociedade. Trabalhar, então, tem o significado
de garantir as condições objetivas e subjetivas para
a manutenção e o desenvolvimento da existência do
homem, o que só poderia trazer satisfação e prazer.
Entretanto, quando se analisa o sistema produ-
tivo capitalista, o trabalho, para uma grande fatia
da população, deixa de possuir tais possibilidades e
expectativas e se consolida, na verdade, como fon-
te de desprazer, causando tensão e sofrimento, não
permitindo a criatividade e até mesmo o usufruto
de seus resultados. Todos esses motivos consolidam
um tipo de trabalho chamado por Marx de traba-
lho alienado, haja vista que se baseia na exploração
do tempo de trabalho do trabalhador e divide sua
existência em tempos distintos, porém articulados à
dimensão da produção necessária ao capital. A alie-
nação do trabalho consiste no fato de o trabalhador
não conseguir ter a visão de pertencer ao processo
de produção, de ser o gerador de um determinado
produto, de fazer parte daquele trabalho; ele acaba
não se reconhecendo como parte do produto final.
Esse conceito é muito importante para o futuro pro-
fissional de serviço social, porque ele é fator gerador
de sérios mecanismos desencadeadores de mal-es-
tar, sofrimento e desigualdades na esfera social.
Assim, concluindo, observamos a importância do
trabalho na interação do ser humano com os outros
e na formação da sociedade e sua estruturação em
torno do trabalho.
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2____________________DIVISãO SOCIAL DO TRABALHO
Conteúdo• A divisão social do trabalho
• A estruturação da sociedade capitalista
Competências e habilidades• Entender como se dão a divisão social do trabalho e os seus reflexos em outros setores da sociedade
• Compreender a importância para o serviço social da divisão social do trabalho
• Refletir sobre a repercussão da divisão social do trabalho no cotidiano dos trabalhadores
Textos e atividades para auto-estudo disponibilizados no Portal• Os textos para auto-estudo e as atividades serão disponibilizados no portal.
• Sites relacionados: http://mariag.multiply.com/reviews/item/135
• Filme: Tempos Modernos. De e com Charles Chaplin, fala sobre o modo da produção capitalista, retratando a exploração do trabalho e a forma mecanicista adotada no trabalho da indústria a partir do início do século XX.
Duração2h/a – via satélite com o professor interativo
2h/a – presenciais com o professor local
6h/a – mínimo sugerido para auto-estudo
INTRODUÇÃO
Veremos como nasceram as teorias clássicas da
Economia para podermos entender como foram
elaboradas as teorias sobre o trabalho.
A economia política clássica nasceu na Inglaterra, o
mais evoluído país capitalista. Estudando o seu regime
econômico, Adam Smith e David Ricardo lançaram as
bases da teoria do valor do trabalho. Marx deu um
fundamento estritamente científico a essa teoria, de-
senvolvendo-a de maneira coerente, e inovou-a com o
conceito de valor como sendo intrínseco à mercado-
ria e determinado pelo tempo de trabalho socialmen-
te necessário para a produção da mercadoria.
Desenvolveu o estudo sobre a mercadoria a partir
do pressuposto de que a riqueza das sociedades, regi-
das pela produção capitalista, é a acumulação de mer-
cadorias (considerada em qualidade e quantidade) e
que a mercadoria, a forma elementar dessa riqueza,
possui dois fatores: valor de uso e valor de troca.
O valor de uso está relacionado à utilidade da
mercadoria, sua utilização ou seu consumo, e é con-
siderado como o conteúdo material da riqueza.
AULA 2 — Divisão Social do Trabalho
25
Marx observa que para se chegar ao valor-de-uso e
como conseqüência gerar a riqueza material não basta
apenas o trabalho, é necessário combiná-lo com os re-
cursos naturais, como nessa passagem:
“O homem, ao produzir, só pode atuar como
a própria natureza, isto é, mudando as formas
da matéria. E mais. Nesse trabalho de trans-
formação, é constantemente ajudado pelas
forças naturais. O trabalho não é, por conse-
guinte, a única fonte dos valores de uso que
produz da riqueza material. Conforme diz
Willian Petty, o trabalho é o pai, mas a mãe é
a terra.” (p. 50)
Quando a mercadoria passa a ser trocada por ou-
tra, ela adquire um valor de troca e, se for trocada
por mais de uma mercadoria, diz-se que pode ter
um ou mais valores de troca de espécies diferentes.
Como exemplo, Marx cita a possibilidade de uma
quantidade de trigo ser trocada por uma quantida-
de de seda, outra de ouro e outra de graxa.
Na relação de troca entre a quantidade de um
produto e a de outro é que se percebe o seu valor. E
o valor é entendido como a quantidade de dispên-
dio do trabalho humano, da força de trabalho gas-
ta em sua produção ou, melhor, da quantidade de
trabalho humano que nele se armazenou (trabalho
humano abstrato). A quantidade de trabalho mede-
se pelo tempo de sua duração e o tempo de trabalho,
por frações do tempo, como hora, dia, etc.
Há desdobramentos a serem considerados para
se compreender a substância do valor de uma mer-
cadoria, que é o trabalho. Valor é mais bem enten-
dido conjugando quantidade produzida com a pro-
dutividade alcançada nesse processo de produção,
conforme Marx (p. 46-47) explana:
“A grandeza do valor de uma mercadoria perma-
neceria, portanto, invariável, se fosse constante o
tempo do trabalho requerido para sua produção.
Mas este muda com qualquer variação na produti-
vidade (força produtiva) do trabalho. A produtivi-
dade do trabalho é determinada pelas mais diversas
circunstâncias, entre elas a destreza média dos tra-
balhadores, o grau de desenvolvimento da ciência
e sua aplicação tecnológica, a organização social
do processo de produção e as condições naturais.
(...) Generalizando: quanto maior a produtividade
do trabalho, tanto menor o tempo de trabalho re-
querido para produzir uma mercadoria, e quanto
menor a quantidade de trabalho que nela se crista-
liza, tanto menor seu valor. Inversamente, quanto
menor a produtividade do trabalho, tanto maior
o tempo de trabalho necessário para produzir um
artigo e tanto maior seu valor. A grandeza do valor
de uma mercadoria varia na razão direta da quanti-
dade e na inversa da produtividade do trabalho que
nela se aplica.”
DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO
Para Marx, em seu livro Manifesto Comunista, a
sociedade moderna não substituiu a luta de clas-
ses, apenas trocou classes antigas por novas, novas
condições de opressão e, da mesma forma, novas
formas de condições de luta. Nessa época da bur-
guesia a sociedade cada vez mais caminhava para
dois grandes blocos inimigos – o proletariado e a
burguesia –, tendo passado, para Marx e Engels, por
um longo processo de desenvolvimento, pelos dife-
rentes modos de produção, haja vista o vertiginoso
papel fundamental que ocupou a burguesia ao lon-
go da história.
Marx concebe a idéia de que a sociedade está
dividida em classes, cada uma com suas regras e
condutas apropriadas, mas que estão inseridas em
um único sistema, que é o modo de produção ca-
pitalista. A divisão social do trabalho é para Marx
“a totalidade das formas heterogêneas de trabalho
útil, que diferem em ordem, gênero, espécie e va-
riedade” (O Capital I, Cap. I).
É interessante observar que Marx considera a
divisão do trabalho não só como um meio para se
alcançar a produção de mercadorias, mas considera
a divisão de tarefas entre os indivíduos, e ainda nas
relações de propriedade. Assim, a divisão do traba-
lho e a especialização das atividades em classes são
basicamente a divisão dos meios de produção e da
força de trabalho. Modernamente, essa divisão se
refere também à divisão internacional do trabalho,
que trata do trabalho nos diversos países e da divi-
Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social
26
são sexual do trabalho, referindo-se às diferencia-
ções de gênero e de sexo feitas no trabalho.
No dicionário do Pensamento Marxista de Tom Bot-
tomore (p. 112) encontramos a seguinte definição
para a divisão do trabalho:
Primeiro, há a divisão social do trabalho, en-
tendida como o sistema complexo de todas
formas úteis de trabalho que são levadas a
cabo independentemente umas das outras
por produtores privados, ou seja, no caso do
capitalismo, uma divisão do trabalho que se
dá na troca entre capitalistas individuais e
independentes que competem uns com os
outros.
Em segundo lugar, a divisão de trabalho en-
tre trabalhadores, cada um dos quais execu-
ta uma operação parcial de um conjunto de
operações que são todas executadas simulta-
neamente e cujo resultado é o produto social
do trabalhador coletivo. Esta é uma divisão
de trabalho que se dá na produção, entre o
capital e o trabalho em seu confronto dentro
do processo de produção. Embora esta divi-
são do trabalho na produção e a divisão de
trabalho na troca estejam mutuamente rela-
cionadas, suas origens e seu desenvolvimento
são de todo diferentes.
Para Marx, as relações sociais de produção divi-
dem os homens entre proprietários e não-proprie-
tários dos meios de produção. Esta formação, carac-
terística da sociedade capitalista, expressa as desi-
gualdades nas quais se baseiam as classes sociais.
Aqui cabe salientar que, no entender de Marx, a
divisão social do trabalho sempre existiu em todas
as sociedades. Essa divisão é inerente ao trabalho
humano e ocorre em relação a tarefas econômicas,
políticas e culturais. Desde as sociedades tradicio-
nais, a divisão do trabalho correspondia à divisão de
papéis por gênero, sendo sucedidas, mais tarde, pela
divisão das atividades como a agricultura, o artesa-
nato e o comércio. A divisão do trabalho surge com
o excedente da produção e a apropriação privada
das condições de produção. Foi ainda por meio da
Revolução Industrial que se intensificaram-se e se
fragmentaram as tarefas, aumentando, por sua vez,
a produtividade.
Observem que, nesse contexto, a força de traba-
lho se torna uma mercadoria, vendida ao empresá-
rio capitalista por um salário, o que vem a reforçar
a teoria do economista inglês Adam Smith, de que
o trabalho seria a verdadeira fonte de riqueza da
sociedade. Esse conceito foi apropriado e ampliado
por Marx, o qual demonstra que a força de traba-
lho significa criação de valor, mas este é um valor
apropriado pelo capitalista e que aparentemente se
“perde” dentro do produto.
A força de trabalho, ao ser negociado como mer-
cadoria, promove a completa separação do traba-
lhador dos meios de produção, alienando o homem
de sua própria essência, que é o trabalho. Assim, a
divisão social do trabalho e a divisão industrial do
trabalho promovem a alienação e destroem as rela-
ções entre os homens, uma vez que eles não têm do-
mínio do processo de produção e não se beneficiam
do produto de seu trabalho.
É sobre essa base material que se ergue a superes-
trutura da sociedade moderna, segundo Marx. A su-
perestrutura é formada pela esfera jurídica, política e
ideológica da sociedade, que, por sua vez, representa a
forma como os homens estão organizados no proces-
so produtivo. Como afirma Marx: “O modo de pro-
dução condiciona o desenvolvimento da vida social,
política e intelectual em geral.” Nesse sentido, o Esta-
do surge para garantir o interesse da classe dominan-
te. Apesar de o Estado liberal difundir a idéia da defe-
sa da igualdade, Marx assim denuncia no Manifesto
do Partido Comunista (1848): “A sociedade burguesa
moderna, que brotou das ruínas da sociedade feudal,
não aboliu os antagonismos de classe. Não fez senão
substituir novas classes, novas condições de opressão,
novas formas de luta às que existiram no passado”,
referindo-se aos nobres e senhores feudais.
Marx ressalta aqui a idéia de que é a burguesia a
classe social que irá controlar o poder político, ide-
ológico e jurídico da sociedade.
O estado de alienação do proletariado, resultado
da divisão do trabalho, também se reflete nessas for-
AULA 2 — Divisão Social do Trabalho
27
mas de dominação da burguesia. Marx afirma que
o Estado é um instrumento criado pela burguesia
para garantir seu domínio econômico sobre o pro-
letariado, preservando e protegendo a propriedade
privada dos meios de produção. O aparato jurídi-
co, por sua vez, seria o responsável por garantir a
igualdade entre os homens, camuflando a divisão
da sociedade entre classes sociais distintas e com in-
teresses opostos. A ideologia seria a encarregada de
difundir a visão de mundo e os valores burgueses,
legitimando e consolidando seu poder. Conforme
afirma Marx (1993):
“As idéias da classe dominante são, em cada época,
as idéias dominantes, isto é, a classe que é a força
material dominante da sociedade é, ao mesmo tem-
po, sua força espiritual dominante. A classe que tem
à sua disposição os meios de produção material dis-
põe, ao mesmo tempo, dos meios de produção es-
piritual, o que faz com que a ela sejam submetidas,
ao mesmo tempo e em média, as idéias daqueles
aos quais faltam os meios de produção espiritual.
As idéias dominantes nada mais são do que a ex-
pressão ideal das relações materiais dominantes, as
relações dominantes concebidas como idéias; por-
tanto, a expressão das relações que tomam a classe
dominante; portanto, as idéias de sua dominação.”
Para Marx, a divisão do trabalho se estende para
além da produção material e exerce uma função de
dominação da classe burguesa sobre a classe prole-
tariada. Essa dominação se expressa nas formas de
segmentação da sociedade, seja pela divisão social
do trabalho ou pela sua divisão industrial.
No que se refere à divisão do trabalho, Dürkheim,
sociólogo e autor de um estudo sobre a divisão so-
cial do trabalho, considera que a característica fun-
damental da sociedade moderna é a divisão social
do trabalho, porque suas diferentes esferas se dife-
renciam entre si e se especializam, o que concorre
para a integração dos indivíduos na sociedade.
Dürkheim considera a existência da divisão social
do trabalho como determinante do grau de coesão
entre os indivíduos de uma determinada sociedade.
No caso das sociedades tradicionais, como não há
uma divisão social do trabalho, os indivíduos es-
tão integrados na coletividade pela tradição e pelo
costume, ou seja, por uma consciência coletiva que
indica suas formas padronizadas de pensamento ou
conduta. O tipo de solidariedade apresentado nes-
sas sociedades é a solidariedade mecânica.
A solidariedade orgânica seria a solidariedade
típica da sociedade capitalista moderna. Essa soli-
dariedade decorre da evolução da sociedade, que
promove a diferenciação social por meio da divi-
são do trabalho. Portanto, a função da divisão so-
cial do trabalho seria a de criar um sentimento de
solidariedade entre os homens. Para Dürkheim, as
diferenças sociais criadas pela divisão social do tra-
balho unem os indivíduos pela necessidade de troca
de serviços e pela sua interdependência: “O ideal de
fraternidade humana só pode ser realizado na razão
do progresso da divisão do trabalho.”
Esta é uma das diferenças fundamentais entre
a teoria marxista e a teoria durkheimiana. Para
Marx, as sociedades tradicionais apresentam uma
forma de divisão do trabalho, mesmo que baseadas
na idade, gênero ou força física. O que diferencia
essa forma de divisão natural do trabalho pela divi-
são do trabalho no capitalismo é a ausência de um
excedente na produção.
Se para Dürkheim a divisão social do trabalho
gera solidariedade, para Marx, a divisão do trabalho
expressa os meios de segmentação da sociedade. Em
caráter primeiro, a divisão do trabalho se refere à
apropriação dos meios de produção pelo empresário
capitalista; em segundo, essa apropriação que distan-
cia o trabalhador dos meios de produção distancia o
trabalhador de si mesmo, provocando nele um estado
de alienação. Como vemos, ao se dividir a sociedade
entre proprietários e não-proprietários dos meios de
produção, as classes sociais que daí surgem passam
a lutar por interesses antagônicos, apesar da interde-
pendência que se estabelece entre elas.
Para Marx, a sociedade moderna está organizada
sobre a produção econômica da mais-valia, ou seja,
a exploração da força de trabalho proletária pela
classe burguesa. Portanto, o sistema capitalista pro-
porciona à burguesia a difusão de suas ideologias
por meio do controle do aparelho do Estado.
Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social
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Enfim, para Dürkheim, a divisão social do tra-
balho irá ocupar o lugar da Igreja, do Estado e das
demais instituições sociais na função de integrar o
indivíduo ao corpo social, promovendo a coesão na
sociedade, levando-a ao progresso, o que se dará
por meio da especialização de funções que cria uma
interdependência entre os indivíduos. Para Marx, a
divisão do trabalho gera uma relação de exploração
da classe burguesa sobre o proletariado, promoven-
do a sua alienação por meio da propriedade priva-
da dos meios de produção. Nesse caso, a alternativa
para a classe proletária será promover uma revolu-
ção capaz de solucionar os antagonismos sociais,
eliminando a sociedade de classes.
QUAL O SIGNIFICADO DO TRABALHO?
• É a expressão de funcionamento, “metabólica”, entre o ser social e a natureza.
• O homem, por meio do trabalho, transforma a natureza e produz coisas com valor de uso.
• O trabalho tem, desde o seu nascimento, uma in-tenção voltada para o processo de humanização do homem em seu sentido amplo – nas inter(ações) que realiza.
• É por meio do trabalho que o homem se reconhece en-quanto sujeito histórico capaz de agir e transformar a sua realidade.
• QUAL O SIGNIFICADO DO TRABALHO NO CAPITALIS-MO?
• O trabalho se transforma em valor de troca.
• O homem vende sua força de trabalho para realizar a reprodução social – consumir e produzir.
• É um trabalho alienado – o trabalhador não se reconhe-ce naquilo que produz, não conhece nem domina todo o processo de produção.
• O trabalhador não é o dono dos meios de produção e de trabalho.
• Baseia-se no lucro e na mais-valia, ou seja, no excedente do trabalho humano, que não é repassado ao trabalhador.
SÍnTESE
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO:
• É FEITA POR MEIO DA DIVISÃO DO TRABALHO
• DIVISÃO DE TAREFAS: O CONTEÚDO, O RITMO
• DIVISÃO DE HOMENS: RESPONSABILIDADES, SISTEMA HIERÁRQUICO, RELAÇÕES DE PODER E CONTROLE
• DIVISÃO BASEADA NA ESPECIALIZAÇÃO FUNCIONAL DO TRABALHO = BUROCRACIA
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3____________________PRODUÇãO SOCIAL E VALOR
Conteúdo• O trabalho social
• O processo de produção social
Competências e habilidades• Aprofundar o conhecimento sobre relações de trabalho
• Analisar a importância do trabalho como fator de geração de capital e de riqueza
• Refletir sobre a importância para o serviço social dos aspectos relacionados com a geração de riqueza e os efeitos sobre o ser humano
Textos e atividades para auto-estudo disponibilizados no Portal• Os textos para auto-estudo e as atividades serão disponibilizados no portal
• Sites relacionados: http://www.mpt.gov.br
• Filme: Gaijin – Caminhos da Liberdade – 1980, Brasil
Diretora: Tizuka Yamazaki
Em meio às festas comemorativas ao centenário da imigração japonesa para o Brasil, este filme nos faz refletir sobre o contexto e os conflitos em que se deu este processo histórico. A miséria e a falta de perspectivas de trabalho no Japão “empurraram” muitos nativos a emigrarem em busca de novas oportunidades.
Duração• 2h/a – via satélite com o professor interativo
• 2h/a – presenciais com o professor local
• 6h/a – mínimo sugerido para auto-estudo
INTRODUÇÃO
Colocamos no primeiro capítulo a importância
do trabalho para o desenvolvimento físico, psicoló-
gico e social do ser humano, pois é pelo exercício
de determinadas tarefas que sentimos a necessidade
de desenvolver habilidades técnicas, tanto manuais
como mentais, e também nos relacionamos com
os outros, ampliando nosso círculo de relações no
emprego ou em outras formas de atuação na socie-
dade. Deriva daí, assim, a importância que tantos
estudiosos dão ao tema trabalho.
A centralidade do trabalho precisa ser focalizada
tendo em vista o processo de produção e reprodu-
ção material da vida humana em sociedade, em sua
interação com os outros homens e com a natureza.
É dessa maneira que os homens produzem para si
Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social
30
próprios, a sociedade e as próprias formas sociais
em que produzem, ou seja, é por essa forma que o
homem produz as riquezas humanas e consegue dar
prosseguimento ao desenvolvimento social.
O trabalho social tem uma dupla “natureza”, por-
que ele é tanto o trabalho envolvido no processo de
produção da sociedade em que se trabalha, que de-
termina socialmente, quanto o trabalho concreto na
sociedade vigente, socialmente determinado, isto é,
uma via de mão dupla onde temos o homem exer-
cendo suas habilidades socialmente e a sociedade
determinando a forma de atuação do ser humano.
De volta a Marx, um dos maiores estudiosos do
tema trabalho, ele se refere a essa questão no capítu-
lo seis, Inédito, de O Capital:
“(...) os economistas burgueses, enredados nas
idéias capitalistas, vêem sem dúvida como se pro-
duz no interior da relação capitalista, mas não como
se produz esta relação propriamente dita (...)”
Temos assim que a denominada “sociedade do
trabalho” é uma construção social constituída por
homens e mulheres no curso do processo de re-
produção de sua vida material, na interação social
e com a natureza. Vivemos numa sociedade capi-
talista focada no trabalho sob a forma social de-
terminada da acumulação do capital. O processo
de construção da sociedade capitalista exigiu uma
série de condições históricas antes não existentes
– uma ética do trabalho, a conversão de trabalho
em mercadoria, o apoio social à acumulação sem
propósito de uso – apontadas de modo exemplar
na obra de Max Weber, A ética protestante e o espí-
rito do capitalismo.
Para nós, em nosso dia-a-dia, a formação social
assim constituída parece natural, como produto
abstraído do processo de formação material. En-
caramos a constituição atual da sociedade, pautada
no trabalho com base na ideologia capitalista, como
sendo parte integrante e imutável de nossa socieda-
de. Mas esquecemos que nem sempre foi assim, já
passamos por diversos modelos de produção, como
o feudalismo, por exemplo, e continuaremos ainda
adiante vivenciando outras formas de geração de
riquezas.
Nessa sociedade atual o nexo com o trabalho é contra-
ditório. A melhor formulação disso ainda é de Marx:
“O capital é, ele próprio, a contradição em processo
(porque) procura reduzir o tempo de trabalho a um
mínimo, ao mesmo tempo em que, de outro lado, dis-
põe o tempo de trabalho como única medida e fonte
da riqueza (...) Por um lado conclama à vida todos os
poderes da ciência e da natureza, bem como da com-
binação social e do intercâmbio social para tornar a
criação da riqueza (relativamente) independente do
tempo de trabalho neles aplicado. De outro lado, pre-
tende medir as enormes forças sociais assim criadas
pelo tempo de trabalho e aprisioná-las nos limites exi-
gidos para conservar como valor o valor já criado.”
Percebam que o capitalismo se estrutura na so-
ciedade de forma a tentar manter-se e por isso apre-
senta a relação capital e trabalho como a necessária
para a manutenção da vida social, para gerar rique-
zas, gerando um nexo de dependência da socieda-
de em todas as suas formas sociais com o trabalho,
ao mesmo tempo em que ocorre uma dominação
social em função desse trabalho, que se exerce por
meio do próprio trabalho, “aprisionado nos limites
exigidos para conservar como valor o valor já cria-
do”. Ou melhor, junto com uma tendência à genera-
lização da “natureza” social capitalista como socie-
dade do trabalho, há uma imposição dos critérios e
das condições da acumulação em todos os âmbitos
das relações dos homens entre si. O próprio modo
de apreender a sociedade por parte de seus sujeitos
efetivos se encontra marcado pelas determinações
da sociedade do capital, tudo girando em torno da
produção de riquezas e consumo. O capitalismo
quer, mediante os mecanismos sociais, manter-se,
privilegiando o capital em detrimento da mão-de-
obra, que trabalha por meio do convencimento de
que essa é a única forma de se produzir trabalho. E
as instituições são organizadas de forma a reprodu-
zir as formas de vida social necessárias à prolonga-
ção da vida dessa forma de exploração econômica.
Existe uma relação necessária entre formação
social, capital e trabalho, isso é evidente, porque o
trabalho representa algo de muito valor para o ser
AULA 3 — Produção Social e Valor
31
humano, mas há uma tendência à dominação do
capital sobre o trabalho que configura uma deter-
minada formação social. Portanto, há na formação
social vigente uma estrutura de dominação no que
se apresenta como relações entre capital e trabalho.
A sociedade capitalista existente é uma sociedade
do trabalho pela perspectiva dominante do capital,
que desenvolve formas de dominação. A base des-
sa dominação seria apreendida por Marx enquanto
processo de alienação na relação dos homens com
a sociedade e a natureza, a partir de sua análise do
trabalho alienado enquanto processo de objetiva-
ção invertida, em que se constitui uma abstração do
produto em relação ao seu processo de produção.
Nas palavras de Marx, trata-se de “uma formação
social onde o processo de produção domina os ho-
mens e os homens ainda não dominam o processo
de produção”.
Isso porque para esse autor poderia ser diferen-
te. A sociedade poderia não privilegiar o capital e a
propriedade privada, dando ênfase ao proprietário
da mão-de-obra, o trabalhador, mas tal não ocorre
devido ao processo que denominou de alienação, no
qual o trabalhador não se vê como proprietário dos
bens produzidos, pois não detém a propriedade das
ferramentas de produção e por isso se deixa explo-
rar vendendo o que possui, sua força de trabalho, ao
empresário, dono da indústria ou da empresa, por
um determinado valor.
Ocorre que isso gera o que Marx chamou de mais-
valia, que é o valor que não é entregue ao empregado
pelo desempenho de seu trabalho. Exemplificando,
o valor que o proprietário da empresa paga ao tra-
balhador não inclui na realidade tudo o que deveria
ser pago a ele, porque o empresário paga somen-
te um valor que atribui na categoria salário e nesse
valor não está incluído todo o valor da mercadoria
que foi produzida. Então, o que resta e não é pago
ao trabalhador fica nas mãos do empresário, que se
utiliza do valor da forma que lhe aprouver. A aliena-
ção ocorre porque o trabalhador não se apercebe do
que produz porque não consegue ter consciência de
todo processo produtivo e não visualiza em termos
financeiros quanto é o valor do seu trabalho, rece-
bendo por ele menos do que muitas vezes produziu
no mês.
“Sem produção”, afirma Marx, “não há consumo,
porém sem consumo tampouco há produção, já que
neste caso a produção não teria objeto.” A reprodu-
ção social revela-se inicialmente como um processo
produtivo, forma pela qual o ser social integra-se
à natureza, garantindo sua autoperpetuação. Marx
alinha produção, distribuição, intercâmbio e consu-
mo, afirmando que: “O resultado a que chegamos
não é que a produção, a distribuição, o intercâmbio
e o consumo sejam idênticos, senão que constituem
as articulações de uma totalidade, diferenciações
dentro de uma unidade.”
Marx, por sua vez, abre O Capital chamando a
atenção para o fato de que a riqueza – uma catego-
ria aparentemente absoluta – é, na verdade, histórica
e socialmente determinada. No modo de produção
capitalista, a unidade essencial da riqueza não é o
bem material – o valor de uso –, mas a mercadoria,
marcada pela dupla determinação de valor de uso –
conteúdo material da riqueza – e valor de troca – seu
conteúdo social. O valor de troca, que historicamente
se sobrepõe ao valor de uso, é uma unidade absoluta-
mente social, cuja grandeza é determinada pelo tem-
po de trabalho socialmente necessário à produção de
um determinado valor de uso – reduzido a mero su-
porte daquele. Se seguirmos acompanhando a análise
de Marx ao longo do primeiro capítulo de O Capital,
ao duplo caráter da mercadoria corresponde o duplo
caráter do trabalho: trabalho concreto – produtor de
valor de uso, riqueza material – e trabalho abstrato –
produtor de valor, cuja objetividade é absolutamente
social. Nesse contexto, a contradição entre as forças
produtivas e as relações de produção, tal como postu-
lada por Marx, está diretamente vinculada ao caráter
social da riqueza, ou seja, ao valor, que é a manifesta-
ção social desta sob o capitalismo. É importante ob-
servar que, da perspectiva marxista, o trabalho não é
compreendido como forma absoluta de produção do
mundo e da riqueza, mas num sentido absolutamen-
te histórico. O trabalho como elemento essencial da
riqueza sob o capitalismo é a abstração do trabalho
concreto – dispêndio de força de trabalho (cérebro,
Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social
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músculos, nervos, mãos etc.) sem consideração pela
forma como foi despendida – seja ele manual ou in-
telectual, que se desenvolve sobre certas condições
sociais específicas, ou seja, como trabalho assalaria-
do posto a serviço da valorização do capital. Assim, o
trabalho não é considerado como a forma universal
e absoluta de atividade humana, de relação sujeito e
objeto, mas a forma social a que são convertidas as
atividades humanas em geral sob o capitalismo.
Para Marx, o trabalho é o próprio elemento es-
truturador das relações sociais, haja vista constituir
esse a atividade que permite a satisfação das ne-
cessidades básicas do indivíduo. O autor referido
reconhece que a divisão do trabalho é responsável
por um grande progresso material, mas contrapõe a
esse um processo ininterrupto de alienação do indi-
víduo, ou seja, à medida que o modo capitalista de
produção evolui, o trabalho dos indivíduos passa a
ser encarado na sua forma abstrata, as mercadorias
parecem que adquirem vida própria e as relações
sociais passam a ser encaradas como relações entre
coisas. A produção capitalista desenvolve-se em bus-
ca do aumento da mais-valia relativa, visando a di-
minuir o valor da força de trabalho pela redução do
tempo necessário para a produção. Segundo Marx,
os indivíduos se realizam, por meio da execução de
alguma tarefa, também pelo trabalho. Entretanto,
o modo capitalista de produção, ao impor um tra-
balho parcelado e repetitivo, retira dos indivíduos a
oportunidade de criar algo novo, colocando-os sub-
missos à lógica capitalista de produção.
O QUE É O TRABALHO ENTÃO?
O trabalho humano efetiva-se, concretiza-se em
coisas, objetos, formas, gestos, palavras, ações coti-
dianas, realizações materiais e espirituais. O ser hu-
mano cria e recria os elementos da natureza que es-
tão ao seu redor e lhes confere novas formas e novos
sentidos. Dessa forma, o trabalho é o fundamento
da produção material e espiritual do ser humano
para sua sobrevivência e reprodução.
O trabalho ou as atividades a que as pessoas se
dedicam são formas de satisfazer as suas necessida-
des que, por sua vez, são os fundamentos dos di-
reitos estabelecidos na vida em sociedade, mas se o
sujeito é o mercado, o capital, o determinante social
é a acumulação do capital, e toda a estrutura social
irá girar em torno do crescimento desse capital.
As condições de produção da mercadoria envol-
vem a divisão e a hierarquização do trabalho dos
indivíduos, que vão fazer parte de um processo de
trabalho que é coletivo. A divisão do trabalho não
só potencia, dinamiza a capacidade produtiva, mas
também limita o trabalhador a tarefas cada vez mais
“parciais”, mais “simples”, tarefas que restringem,
no trabalhador, o uso de sua sensibilidade, de sua
criatividade, para executar com rigor aquilo que a
máquina pede.
A história da sociedade industrial é uma história
de lutas dos trabalhadores contra a imposição da
disciplina do trabalho, da disciplina de quartel, da
organização e racionalização dos processos de tra-
balho, que geram o esvaziamento completo dos in-
teresses e motivações pessoais no ato de trabalhar.
A produção da existência humana e a aquisição
da consciência se dão pelo trabalho, pela ação sobre
a natureza. O trabalho, nesse sentido, não é empre-
go, não é apenas uma forma histórica do trabalho
em sociedade, é a atividade fundamental pela qual
o ser humano se humaniza, se cria, se expande em
conhecimento, se aperfeiçoa. O trabalho é a base
estruturante de um novo tipo de ser, de uma nova
concepção de história. O que nos permite fazer a
distinção entre duas formas fundamentais de traba-
lho: o trabalho como relação criadora, do homem
com a natureza, produzindo a existência humana,
o trabalho como atividade de autodesenvolvimen-
to físico, material, cultural, social, o trabalho como
manifestação de vida; e o trabalho nas suas formas
históricas de sujeição, de servidão ou de escravidão,
ou do trabalho moderno, assalariado, alienado na
sociedade capitalista.
Dessa forma, entendemos que o trabalho funcio-
na como uma forma que gera um produto que pode
trazer satisfação ao ser humano, mas isso não ocor-
re na sociedade capitalista porque existe o mascara-
mento das contradições entre capital e trabalho para
que essa forma de produção nunca deixe de existir.
AULA 3 — Produção Social e Valor
33
Ao mesmo tempo, existe o movimento contrário
para que se reorganize o trabalho, direcionem-se
os objetivos para a realização do trabalhador por
meio de movimentos sociais, grupos organizados
e inúmeras outras maneiras de questionamento e
reflexão.
Em síntese, as relações de trabalho na constru-
ção da personalidade do trabalhador influenciam
os processos da alienação ou a reificação (coisifica-
ção), cujas origens residem nas relações capitalistas
de produção.
Quer se trate de caça num clã primitivo, quer do
trabalho agrícola de um servo ou da corvéia na terra
do senhor, os homens têm sempre consciência, em
maior ou menor escala, da necessidade de produzir
certos bens para alimentar-se, vestir-se etc. (GOLD-
MANN, 1967, p. 126).
Para Goldmann (1967), é a sobrevivência que dá signi-
ficado ao trabalho, sendo que, nas sociedades de econo-
mia de troca, o produto do trabalho tinha apenas valor
de uso, trocava-se pela importância daquilo naquele
momento. É nas sociedades pré-capitalistas (economia
mercantil) que o produto do trabalho passa a ser um
bem, isto é, transforma-se em mercadoria. Essa trans-
formação desloca o valor de uso do produto para o
consumidor final e acrescenta o valor de troca, mas esse
valor não é agregado ao salário do trabalhador.
Desse modo, o trabalho propriamente dito, aquele que
envolve o produtor e o produto numa relação tal que a
produção é como um objeto fabricado pelo produtor,
reconhecendo-se em sua obra, passa a ser um traba-
lho “abstrato”, em que a produção é qualitativamente
igual, pois, seja o que for produzido, o valor de troca
igualará tudo pelo nivelador comum – o preço – e o
produto do trabalho será todo dirigido para o mer-
cado.
O exercício de atividades coletivas e de trabalho
conjunto é apontado como responsável pelo sur-
gimento das especificidades próprias do Homo sa-
piens, como pensamento, consciência e linguagem
(LEONTIEV, 1978). Pela análise do trabalho alie-
nado, Marx (1989) o apresenta como conferindo a
qualificação de humano ao seu portador, a partir de
uma concepção de natureza humana que se consti-
tui na inserção no mundo das relações sociais.
O trabalho é, portanto, um momento efetivo de co-
locação de finalidades humanas, dotado de intrínseca
dimensão teleológica. E como tal mostra-se como uma
experiência elementar da vida cotidiana, nas respostas
que oferece aos carecimentos e necessidades sociais.
Reconhecer o papel fundante do trabalho na gênese
e no fazer-se do ser social nos remete diretamente à
dimensão decisiva dada pela esfera da vida cotidiana,
como ponto de partida para a generacidade para si dos
homens (ANTUNES, 2001, p. 168).
Os diversos locais de trabalho vão constituir-se
em oportunidades diferenciadas para a aquisição de
atributos qualificativos da identidade de trabalha-
dor. São inúmeros os estudos que têm como tema
a investigação de características identificatórias
próprias da classe operária e/ou de determinadas
categorias profissionais, os quais apontam que o
exercício de certas atividades e o convívio com algu-
mas relações sociais constituem modos de ser que
qualificam os pares como iguais (mesmo facultando
diferenças individuais) e se expressam em compor-
tamentos similares (modos de vestir e de falar etc.).
Apontam, ainda, a incorporação desses modos de
ser como constitutivos da identidade.
O PROCESSO DE PRODUÇÃO SOCIAL
O processo de tornar-se homem acontece na cor-
relação com o ambiente natural e humano, ou seja,
o ser humano em desenvolvimento não somente se
correlaciona com o ambiente natural, como tam-
bém com uma ordem cultural e social. Em suma,
está submetido a uma contínua interferência social-
mente determinada; na verdade, a uma multiplici-
dade de determinações socioculturais. Embora se
possa dizer que o homem tem uma natureza, é mais
significativo dizer que ele constrói sua natureza, que
ele se produz a si mesmo.
Os pressupostos genéticos do eu são, está claro,
dados no nascimento. Mas o eu, tal como é experi-
mentado mais tarde como uma identidade subjeti-
Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social
34
va e objetivamente reconhecível, não é. Os mesmos
processos sociais que determinam a constituição do
organismo produzem o eu em sua forma particular,
culturalmente relativa (BERGER, 1985, p. 73).
O eu como produto social não se limita a como
o indivíduo entende ou se identifica como sendo
ele mesmo, mas abrange o equipamento psicológi-
co (emoções, por exemplo) amplo, que serve como
complemento. Disso tudo, deduz-se que o organis-
mo humano e o eu não podem ser compreendidos
fora do contexto social em que se formaram. A
instabilidade do organismo humano gera uma ne-
cessidade de que o homem forneça a si mesmo um
ambiente estável para sua conduta.
A humanidade e a socialidade do homem estão
entrelaçadas, ou seja, ao se organizarem os fenôme-
nos humanos está-se entrando no reino do social.
Nesse reino, há uma ordem social que precede o de-
senvolvimento individual orgânico. Essa ordem so-
cial é entendida por Berger (1985) como uma pro-
gressiva produção humana, existindo como produ-
to da atividade humana. O ser humano, por sua vez,
tem de estar continuamente se exteriorizando na
atividade. As ações humanas tornadas habituais ad-
quirem um caráter significativo para o indivíduo.
Afirma Berger (1985, p. 87): “A sociedade é um
produto humano. A sociedade é uma realidade ob-
jetiva. O homem é um produto social.”
O sujeito aprende-se a si mesmo como essencial-
mente identificado com a ação socialmente obje-
tivada. Depois da ação, acontece uma importante
conseqüência, que é a reflexão do sujeito sobre ela.
Enquanto apresentada como um processo dialé-
tico, a identidade social facilita a incorporação de
normas do grupo social, implica uma participação
ativa do sujeito na construção da identidade gru-
pal e afeta o contexto histórico onde ocorrem essas
relações concretas. Por sua vez, as estruturas socio-
lógicas influenciam as representações que os indi-
víduos fazem de si enquanto representações do eu.
Da mesma forma, o caráter inter-relacional entre
identidade pessoal e social pressupõe que não haja
identidade pessoal que não, ao mesmo tempo e da
mesma forma, identidade social. Alguns espaços de
trabalho e/ou categorias profissionais, pelas suas es-
pecificidades próprias, em geral associadas a prestí-
gio ou desprestígio social, proporcionam atributos
de qualificação ou desqualificação do eu.
Dejours (1993) relata que, a partir de seus estu-
dos, foi possível mostrar que as pressões do trabalho,
que põem particularmente em causa o equilíbrio
psíquico e a saúde mental, provêm da organização
do trabalho em contraposição aos constrangimen-
tos perigosos para a saúde somática, que se situa
nas condições de trabalho, mais precisamente nas
condições físicas, químicas e biológicas, cujo alvo
principal é o corpo.
O trabalho também pode ser fonte de prazer e,
mesmo, mediador da saúde. Conforme Dejours
(1993), em sua luta contra o sofrimento, às vezes,
o sujeito elabora soluções originais, que são favo-
ráveis tanto à produção quanto à saúde. Tal forma
de sofrimento foi por ele denominada “sofrimento
criativo”. Quando, ao contrário, nessa luta contra
o sofrimento, o sujeito chega a soluções desfavo-
ráveis tanto à produção quanto à sua saúde, esse
sofrimento caracteriza-se como “sofrimento pato-
gênico”.
Por intermédio do trabalho, o sujeito engaja-se
nas relações sociais, para onde transfere questões
herdadas de seu passado e de sua história afetiva.
Cada vez que o trabalhador encontra solução para
os problemas que lhe são colocados (atividade de
concepção) e que obtém em troca reconhecimento
social de seu trabalho, é também o sujeito sofredor,
mobilizador de seu pensamento que recebe reco-
nhecimento subjetivo à sua capacidade para conju-
rar a angústia e dominar seu sofrimento.
Porém, o prazer obtido dessa gratificação tem
curta duração, ressurgindo o sofrimento, impelin-
do-o para outras situações de trabalho, novas apos-
tas organizacionais e novos desafios simbólicos. Por
outro lado, sendo o reconhecimento a retribuição
fundamental da sublimação, isso significa que esta
representa um importante papel na conquista da
identidade. Identidade e reconhecimento social
como condição de sublimação conferem à primeira
uma função essencial na saúde mental.
AULA 3 — Produção Social e Valor
35
Entretanto, o trabalhar é um ato imprescindível
para as pessoas, mesmo que parcelado e especializa-
do, pois se refere à própria sobrevivência e ao condi-
cionamento social do indivíduo. O trabalho, de fato,
não é sempre patogênico; ele tem, ao contrário, um
poder “estruturante”, em face da saúde tanto mental
como física (DEJOURS, 1994).
Conforme destaca Berger (1985), a ordem institu-
cional tem origem na tipificação dos desempenhos
de um indivíduo e dos outros, requerendo haver um
sentido objetivo nas ações.
As instituições incorporam-se à experiência do
indivíduo por meio dos papéis. Ao desempenhá-
los, o indivíduo participa de um mundo social. Ao
interiorizar esses papéis, o mesmo mundo torna-se
subjetivamente real para ele.
A realidade da vida cotidiana mantém-se, por-
que se corporificou em rotinas, o que é a essência
da socialização. Os outros significativos ocupam
uma posição central na economia e na conserva-
ção da realidade e são particularmente importan-
tes para a confirmação do elemento crucial da re-
alidade chamada identidade. E somente é possível
o indivíduo manter sua auto-identificação como
pessoa de importância em um meio que confirma
essa identidade.
A socialização realiza-se sempre no contexto
de uma estrutura social específica. Em uma so-
ciedade onde há uma divisão muito simples do
trabalho e mínima distribuição de conhecimen-
to, a socialização verifica-se com maior sucesso.
Isso decorre da massividade coercitiva da reali-
dade objetiva a ser interiorizada. Essa realidade
será plenamente representada na identidade do
indivíduo.
Berger (1985) salienta que, numa sociedade
complexa como a nossa, haverá uma consciência
geral cada vez maior da relatividade de todos os
mundos, inclusive o do próprio indivíduo, cuja
conduta será aprendida como um papel. Isso im-
plica a análise tanto do pluralismo da realidade
quanto do pluralismo da identidade, referidos à
dinâmica estrutural da sociedade industrial, da es-
tratificação social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Trabalhar é um ato imprescindível para o ser hu-
mano, pois se refere à própria sobrevivência e ao seu
condicionamento social (DEJOURS, 1994). É pelo
trabalho que o indivíduo pode criar a cultura, a lin-
guagem, a história e a si mesmo. Marx se expressa
de maneira totalmente direta quando diz que o tra-
balho é a propriedade fundamental do homem, que
este é, em certa medida, criado pelo trabalho. Pois
é justamente o trabalho, isto é, a possibilidade de
mudar as coisas, de transformar o mundo e de fazer
objetos, que vai diferenciar, fundamentalmente, o
animal do homem. É claro que Marx não se refere
ao tipo de trabalho alienado, presente na sociedade
que está se desenvolvendo a sua época. Ele sonha
com uma sociedade onde cada um pudesse traba-
lhar de maneira verdadeiramente livre e com um
certo modelo de associação com os outros.
No contexto da fragmentação da subjetividade
causada pelas organizações, questiona-se a possibi-
lidade de se falar em solidariedade, autogestão, fra-
ternidade, colaboração, altruísmo e participação.
Numa primeira análise, pensa-se o contrário, que sob
a égide da reestruturação produtiva, orientada pelo
pensamento neoliberal, é mais provável que fiquem
vigorando as práticas que visam à exclusão, à discri-
minação e a um maior isolamento das pessoas.
Entretanto, para que a luta de todos aqueles que
acreditam na possibilidade de transformar de algu-
ma forma a realidade social, tal como se apresenta,
faça sentido há que se acreditar que é possível cons-
truir-se um novo tipo de sociedade, em que o traba-
lho seja configurado de maneira distinta, de forma
a se constituir em uma atividade cheia de sentido,
autodeterminada, para além da divisão hierárquica
que subordina o trabalho ao capital hoje vigente e,
portanto, sob bases inteiramente novas.
Pode-se pensar em outras formas de organização
do trabalho, nas quais os indivíduos não estejam
simplesmente em um trabalho repetitivo, mas que
possam ter uma certa autonomia e uma possibili-
dade de decisão. Pode-se pensar, igualmente, no
desenvolvimento de atividades de ensino, educação,
de lazer.
Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social
36
É preciso que os seres humanos possam encontrar
a dimensão que se tende a esquecer, que é a históri-
ca, o seu peso na história. É preciso poder também
reencontrar o sentido político, o significado dos
seus atos, além do prazer de viver juntos; conjugar
autonomia individual com autonomia coletiva, que
será voltada ao bem comum e ao interesse geral.
Nesse sentido, devido à sua importância na vida
do sujeito, ele não perde a centralidade.
O postulado de que o trabalho não tem função
integradora e identitária e a ênfase dada às ativida-
des alternativas desviam a atenção da importância
da sua transformação. Está suficientemente de-
monstrado que o trabalho pode ser organizado com
propósitos sociais e psicológicos, tornando-se uma
atividade com interesse e sentido intrínseco, permi-
tindo autonomia, uso e desenvolvimento de conhe-
cimentos e habilidades, participação na realização
de objetivos coletivos, oportunidades para uma va-
riedade de relações interpessoais e para a obtenção
de reconhecimento.
Mesmo o trabalho organizado com propósitos
estritamente econômicos permite satisfazer necessi-
dades psicológicas e sociais importantes, ainda mais
um trabalho organizado com outros objetivos. O
desespero dos que ficam sem o seu emprego mostra
claramente que o trabalho assalariado é muito mais
do que uma atividade meramente instrumental. Es-
ses trabalhadores perdem mais do que o seu salário;
perdem a sua dignidade, um espaço importante de
afirmação pessoal, e ficam privados de um conjunto
de relações sociais.
É relativamente consensual que o trabalho re-
munerado ou o emprego, na sociedade industrial, é
uma atividade central que estrutura a vida dos indi-
víduos e a vida social em geral.
O papel do assistente social, como agente transforma-
dor atuante na sociedade, passa também pelo estudo
dessas formas de organização social, para que se reno-
vem as estruturas dominantes.
* AnOTAÇõES
AULA 4 — Trabalho Assalariado, Capital e Propriedade
37
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AULA
4____________________TRABALHO ASSALARIADO, CAPITAL E
PROPRIEDADE
Conteúdo• Noções sobre salário e trabalho assalariado
• Importância da propriedade privada na acumulação do capital
• O capital e sua influência na sociedade
Competências e habilidades• Adquirir conceito de propriedade privada
• Verificar a importância do trabalho assalariado na sociedade capitalista
• Conhecer a importância para o serviço social dos conceitos de capital e salário
• Entender a evolução do capital desde sua origem até a sociedade
Textos e atividades para auto-estudo disponibilizados no Portal• Os textos para auto-estudo e atividades serão disponibilizados no portal. http://www.interativa.uni-
derp.br.
• Sites relacionados: http://www.oitbrasil.org.br/
• Filme: Daens – Um Grito de Justiça. Diretor: Stijn Coninx
Passa-se no final do século XIX, em Aalst (Bélgica), uma pequena cidade flamenga, onde se iniciam as primeiras rebeliões dos trabalhadores da indústria por melhores condições de trabalho. Nessa época ainda não havia leis que garantissem os direitos trabalhistas, e o papel da Igreja, com sua dou-trina social Rerum Novarum era muito importante para a sociedade.
Duração2h/a – via satélite com o professor interativo
2h/a – presenciais com o professor local
6h/a – mínimo sugerido para auto-estudo
Tomando por base conceitos desenvolvidos por
Marx, vamos observar que ele considera que o cres-
cimento do capital e a acumulação de riqueza são
mantidos pelo trabalho assalariado, que se baseia
exclusivamente na concorrência dos trabalhadores
entre si.
Afirma que o trabalho assalariado não cria a pro-
priedade para o trabalhador, o que cria é o capital e
não a propriedade, que se move entre os dois termos
antagônicos: capital e trabalho. O proprietário não
é, na maioria das vezes, aquele que trabalha, apenas
fornece as ferramentas para o trabalho.
Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social
38
O capital é um produto coletivo: só pode ser pos-
to em movimento pelos esforços combinados de
muitos membros da sociedade, e mesmo, em última
instância, pelos esforços combinados de todos os
membros da sociedade. O capital não é, pois, uma
força pessoal, mas uma força social. Assim, quando
o capital é transformado em propriedade, ela já pas-
sa a pertencer a todos os membros da sociedade, e
não é a propriedade privada que se transforma em
propriedade social.
Nesse caso, o que se transformou foi apenas o ca-
ráter social da propriedade, passou de propriedade
particular para propriedade social. Por isso, Marx
entendia que a propriedade não poderia ser de uma
pessoa só, ou seja, apropriada pelo capitalista, e sim
de todos, donde conclui que ser capitalista significa
ocupar não somente uma posição pessoal, mas tam-
bém uma posição social na produção.
Nota: A Constituição de 1988 prevê a garantia da in-
violabilidade da propriedade privada (art. 5º), mas es-
tabelece que a propriedade deve atender a sua função
social (art. 5º, XXIII ), sendo assegurada a justa e prévia
indenização, no caso de desapropriação de propriedade
rural e de imóveis urbanos (arts. 5º, XXIV, e 182) e pre-
vê o usucapião de terrenos urbanos (art. 183).
TRABALHO ASSALARIADO
Vejam que a questão do salário é sempre relevan-
te, porque o preço médio que se paga pelo trabalho
assalariado é o mínimo de salário, isto é, a soma dos
meios de subsistência necessária para que o traba-
lhador viva como trabalhador.
No entanto, o que o trabalhador obtém com o
seu trabalho é o estritamente necessário para a mera
conservação e reprodução de sua vida. É uma apro-
priação pessoal dos produtos do trabalho, indispen-
sável à manutenção e à reprodução da vida humana,
pois essa apropriação não deixa nenhum lucro lí-
quido que confira poder sobre o trabalho alheio. O
que Marx pretendia era suprimir o caráter miserável
dessa apropriação, que faz com que o trabalhador só
viva para aumentar o capital e só viva na medida em
que o exigem os interesses da classe dominante, que
é a classe dirigente, aquela que exerce uma quanti-
dade maior de poder sobre os cidadãos.
Em sua concepção, o salário do trabalho subirá ou
baixará consoante a relação de procura e fornecimen-
to, consoante a forma que tomar a concorrência entre
os compradores da força de trabalho, os capitalistas, e
os vendedores da força de trabalho, os operários. As
oscilações dos preços das mercadorias em geral cor-
respondem às oscilações do salário. Mas dentro dessas
oscilações o preço do trabalho será determinado pelos
custos de produção, pelo tempo de trabalho exigido
para produzir essa mercadoria, a força de trabalho.
Pergunta-se, então, quais são os custos de produ-
ção da força de trabalho? São aqueles que são exi-
gidos para manter o operário como tal e para fazer
dele um operário realmente. Por isso, quanto menos
tempo de formação um trabalho exige, menores se-
rão os custos de produção do operário, mais baixo
será o preço do seu trabalho, o seu salário. Nos ra-
mos da indústria em que quase não se exige tempo
de aprendizagem e a mera existência física do ope-
rário basta, os custos exigidos para a produção desse
reduzem-se quase só às mercadorias exigidas para o
manter vivo em condições de trabalhar. O preço do
seu trabalho será, portanto, determinado pelo preço
dos meios de existência necessários.
Em sua visão, o fruto do trabalho (trabalho acu-
mulado) deveria ser um meio de ampliar, enriquecer
e melhorar cada vez mais a existência dos trabalha-
dores e não de aumentar a riqueza individual, que
será apropriada pela classe dirigente, a qual detém
os meios de produzir a riqueza.
Nota: Relacionando o texto com os avanços sociais
atuais, podemos dizer que a CF/1988 dá prioridade ao
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana como sen-
do um dos pilares da sociedade democrática brasileira,
o que significa dizer que o ser humano não pode viver
em condições degradantes e que o valor do trabalho
deve ser entendido como um bem de natureza social e
não individual, tanto que estão no art. 1º:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela
união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
AULA 4 — Trabalho Assalariado, Capital e Propriedade
39
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito
e tem como fundamentos:
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;”
Outro aspecto importante é saber que, para a CF/88,
também o Princípio do Salário Mínimo (art. 7º, IV)
é obrigatório para os trabalhadores urbanos e rurais,
e veja a idéia de que o salário deve garantir uma vida
com dignidade, pois se um cidadão tem acesso aos
itens indicados no art. 7º, IV, ele tem uma vida digna,
ou seja, são as condições necessárias ao desenvolvi-
mento de uma pessoa e sua família:
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais,
além de outros que visem à melhoria de sua condição
social:
IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente
unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais
básicas e às de sua família com moradia, alimentação,
educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e
previdência social, com reajustes periódicos que lhe pre-
servem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação
para qualquer fim;”
CAPITALConforme explanam Pinho e Vasconcelos (2003,
p. 34), a análise do valor foi modificada por Marx
que desenvolveu conceitos que se tornaram muito
conhecidos, como, por exemplo, o de mais-valia, ca-
pital variável, capital constante, exército de reserva
industrial.
Para se entender o porquê da tendência de os
salários se manterem no nível de subsistência, es-
clarece que os capitalistas recorrem ao exército de
reserva industrial, que corresponde à mão-de-obra
desempregada para substituir aquela que deseja
melhores salários.
Então, devido às condições da produção do siste-
ma capitalista, o trabalhador fica obrigado a vender
mais tempo de trabalho do que o necessário para
produzir valores equivalentes às suas necessidades
de subsistência, e o valor criado pelo tempo exce-
dente é apropriado pelos detentores dos meios de
produção, que são os capitalistas, gerando a acumu-
lação de capital.
Na formação do capital, segundo Marx (2005, p. 24),
encontramos elementos de natureza social porque a
acumulação do capital decorre do trabalho humano,
sem o qual não existiria, e esse acúmulo que não é
transformado em salário será reutilizado pelo capi-
talista, que detém os meios de produção, para nova
produção ou para seu uso exclusivo como se fosse sua
propriedade, de seu uso pessoal e de sua família:
“O capital consiste de matérias-primas, instrumentos
de trabalho e meios de subsistência de toda a espé-
cie que são empregados para produzir novas maté-
rias-primas, novos instrumentos de trabalho e novos
meios de subsistência. Todas essas suas partes consti-
tutivas são criações do trabalho, produtos do trabalho,
trabalho acumulado. Trabalho acumulado que serve
de meio para nova produção é capital.
Nesse sentido, o capital é uma relação social de pro-
dução. É uma relação burguesa de produção, uma re-
lação de produção da sociedade burguesa. Os meios
de subsistência, os instrumentos de trabalho, as maté-
rias-primas de que se compõe o capital, não foram eles
produzidos e acumulados em dadas condições sociais,
em determinadas relações sociais? Não são eles em-
pregados para uma nova produção em dadas condi-
ções sociais, em determinadas relações sociais? E não
é precisamente esse caráter social determinado que
transforma em capital os produtos que servem para a
nova produção?”
Dessa forma, conclui-se que o capital não consis-
te só de meios de subsistência, instrumentos de tra-
balho e matérias-primas, só de produtos materiais,
consiste em igual medida de valores de troca. Todos
os produtos que integram o capital são mercadorias.
O capital não é só, portanto, uma soma de produtos
materiais, mas de mercadorias, de valores de troca,
de grandezas sociais.
Há uma diferença a ser considerada em relação à
posse de um bem que provém do esforço, do suor do
trabalho pessoal de seu proprietário, e à posse de um
bem que resulta da apropriação privada do todo ou
de parte de um trabalho social, do esforço alheio.
Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social
40
PROPRIEDADE PRIVADA
As relações entre a família e a sociedade têm sido
objeto de estudo em diversas áreas do conhecimen-
to e, no que se relaciona à propriedade privada, es-
tudos importantes como o de Engels contribuíram
para se compreender a função da propriedade no
sistema capitalista e de que forma a família mono-
gâmica passou a contribuir para manter a proprie-
dade privada.
Nesse sentido, Reis (1988, p. 101) nos informa
que Engels elaborou a formulação materialista dia-
lética sobre a gênese e as funções da família mono-
gâmica, porque na família é que se iniciou a divisão
social do trabalho, a qual primeiramente separou o
trabalho do homem e da mulher, o que se denomina
de divisão do trabalho sexual:
“Essa divisão foi o ponto de referência para uma
complexificação do processo de divisão do trabalho
manual e trabalho intelectual (concomitantemen-
te) com a principal divisão, sobre a qual se funda o
modo de produção capitalista: a oposição entre os
proprietários das condições de produção e os que
possuem apenas uma força de trabalho, explorada
pelos primeiros. O estágio de desenvolvimento das
forças produtivas e do processo de divisão social do
trabalho determina então a estrutura familiar. Se-
gundo Engels, a família monogâmica surgiu e foi
determinada pelo aparecimento da propriedade
privada.”
No desenvolvimento da sociedade, a família foi
se modificando de uma família grupal, que usufruía
a propriedade como coletiva, até chegar ao casa-
mento monogâmico, cuja finalidade passou a ser a
retenção da propriedade privada na mesma família.
Em seu estudo A Origem da Família, da Proprie-
dade Privada e do Estado, Engels aborda a questão
do surgimento da monogamia entre os gregos, por
volta de 650 a.C. Os casamentos eram de conveniên-
cia, não com base no fruto do amor sexual indivi-
dual, mas surge a primeira forma de família que não
se baseava em condições naturais, e sim econômi-
cas, e também com a mudança da propriedade co-
mum primitiva, originada espontaneamente, para a
propriedade privada.
Os gregos proclamavam abertamente que os úni-
cos objetivos da monogamia eram a preponderân-
cia do homem na família e a procriação de filhos
que só pudessem ser seus para herdar dele. Quanto
ao mais, o casamento era para eles uma carga, um
dever para com os deuses, o Estado e seus antepas-
sados, dever que estavam obrigados a cumprir. Em
Atenas, a lei não apenas impunha o matrimônio
como, ainda, obrigava o marido a um mínimo de-
terminado do que se chama de obrigações conju-
gais, conforme explana Engels:
“A monogamia não aparece na história, portan-
to, absolutamente, como uma reconciliação entre
o homem e a mulher e, menos ainda, como a for-
ma mais elevada de matrimônio. Pelo contrário,
ela surge sob a forma de escravização de um sexo
pelo outro, como proclamação de um conflito en-
tre os sexos, ignorado, até então, na pré-história.
Num velho manuscrito inédito, redigido em 1846
por Marx e por mim, encontro a seguinte frase: “A
primeira divisão do trabalho é a que se fez entre o
homem e a mulher para a procriação dos filhos.”
Hoje posso acrescentar: o primeiro antagonismo
de classes que apareceu na história coincide com o
desenvolvimento do antagonismo entre o homem
e a mulher, na monogamia; e a primeira opressão
de classes, com a opressão do sexo feminino pelo
masculino. A monogamia foi um grande progres-
so histórico, mas, ao mesmo tempo, iniciou, jun-
tamente com a escravidão e as riquezas privadas,
aquele período, que dura até nossos dias, no qual
cada progresso é simultaneamente um retrocesso
relativo, e o bem-estar e o desenvolvimento de uns
se verificam à custa da dor e da repressão de outros.
É a forma celular da sociedade civilizada, na qual
já podemos estudar a natureza das contradições e
dos antagonismos que atingem seu pleno desenvol-
vimento nessa sociedade.”
A forma de família monogâmica, estudada por
Engels, baseava-se na supremacia do homem sobre
a mulher e passou a família individual a ser a unida-
de econômica da sociedade. Em seu entendimento,
com o surgimento do Estado, este teve a função, em
todos os períodos da História, de servir à classe do-
AULA 4 — Trabalho Assalariado, Capital e Propriedade
41
minante e, de outra forma, ser equivale a uma má-
quina administrativa destinada a reprimir a classe
oprimida e explorada.
No processo civilizatório, por um lado, foi se
dando a fixação da oposição entre a cidade e o cam-
po como base de toda a divisão do trabalho social e,
por outro lado, a introdução dos testamentos, por
meio dos quais o proprietário pode dispor de seus
bens ainda depois de morto, garantindo a transmis-
são da propriedade privada.
A forma capitalista de propriedade, sob a qual se
realizam a dominação e a exploração do trabalho
assalariado, pode apresentar-se como condição e o
fruto da liberdade pessoal. Nos tempos atuais, ha-
bitualmente constatamos em publicidades a asso-
ciação da propriedade privada (bens de consumo,
como um carro ou um imóvel) como uma conquis-
ta individual ou uma forma de ser independente ou
de ser livre.
Porém, é importante não confundir esse aspecto
com o valor excedente, que foi gerado pelo traba-
lho, inclusive pelo trabalho assalariado, e também
apropriado pelo empresário como parte de sua pro-
priedade. Essa apropriação se transformou em pro-
priedade do capitalista. Essa dinâmica é a essência
da propriedade privada capitalista.
Para exemplificar essas idéias citamos Bihr e
Chesnais (2003), quando analisam as contradi-
ções do sistema capitalista e salientam que um
dos objetivos e principais resultados da desregu-
lamentação e da privatização dos últimos 20 anos
foi aumentar a esfera da propriedade privada, de
tal forma que:
“A sacralização da propriedade individual, à cus-
ta das diferentes formas da propriedade pública e da
propriedade social, baseia-se em várias confusões
grosseiras. Em primeiro lugar, sobre a natureza do
bem possuído: na verdade, colocam-se, ao mesmo
tempo, no mesmo plano, os bens de uso pessoal, dos
quais os indivíduos desfrutam sozinhos ou com sua
família, e os meios necessários à produção (terra,
imóveis, infra-estruturas produtivas, fábricas e esta-
belecimentos comerciais etc.). A segunda confusão,
muito mais grave, baseia-se no próprio conteúdo
da relação de propriedade. Colocam-se, então, no
mesmo nível, a posse de um bem que, de uma ma-
neira ou de outra, provém do trabalho pessoal de
seu proprietário, e a posse de um bem que resulta
da apropriação privada do todo ou de parte de um
trabalho social.
No final dessa dupla confusão, a posse de uma
habitação por um indivíduo, fruto de seu trabalho
pessoal, é confundida com a propriedade privada
de meios de produção (de empresas), que decorre
da acumulação dos frutos do trabalho de dezenas e
até de centenas de milhares de assalariados, durante
décadas. A forma capitalista de propriedade, sob a
qual se realizam a dominação e a exploração do tra-
balho assalariado, pode então apresentar-se como a
condição e o fruto da liberdade pessoal.
Confusões como essas, na verdade, mascaram a
grande contradição que se encontra no cerne dessa
apropriação privada do trabalho socializado e que
constitui a própria essência da propriedade capita-
lista. Contradição que não pára de se reproduzir em
uma dimensão cada vez maior. O capital socializa o
processo de trabalho, organizando a cooperação dos
trabalhadores em ampla escala, dividindo as tarefas
produtivas entre eles, aumentando constantemente
a parte do trabalho morto (matérias-primas e meios
de trabalho) em relação ao trabalho vivo (salários,
contribuições sociais…). Dessa maneira, qualquer
mercadoria – da lata de ervilhas até a refinaria mo-
nitorada por computador – é a materialização e a
soma de inúmeros atos produtivos, distribuídos por
todo o espaço mundial e por todo o tempo históri-
co. É esse trabalho socializado que o capital encerra
na propriedade privada, de modo que os resultados
de uma imensa acumulação de operações produ-
tivas sejam apropriados por poucos indivíduos ou
grupos sociais limitados.”
De uma forma resumida, o estágio da produção de
mercadorias com que começa a civilização caracteri-
za-se, segundo Engels e do ponto-de-vista econômico,
pela introdução:
• Da moeda metálica (e, com ela, o capital em dinhei-
ro), dos juros e da usura.
Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social
42
• Dos comerciantes como classe intermediária entre
os produtores.
• Da propriedade privada da terra e da hipoteca.
• Do trabalho como forma predominante na pro-
dução.
Tendo-se em vista a evolução do sistema capita-
lista, também a definição de propriedade vem sendo
alterada no transcorrer do tempo, materializando-
se no mercado de capitais, que é uma outra maneira
de se entender a propriedade privada, tal como dis-
cutem a questão, para Bihr e Chesnais (2003):
“Um dos objetivos e um dos principais resultados
do processo de desregulamentação e de privatiza-
ção das duas últimas décadas foi aumentar conside-
ravelmente a esfera da propriedade privada. Nesse
contexto, a questão da forma da propriedade dos
meios de produção, de comunicação e de troca, que
curiosamente se tornou uma questão tabu para os
dirigentes sindicais e políticos, assim como para a
maioria dos intelectuais de esquerda, não o é para
a burguesia mundial: para esta, a propriedade tem
uma importância estratégica da qual ela não faz
mistério.
Há 20 anos, portanto, na esfera do capital priva-
do, assistimos a uma profunda transformação da
própria definição da propriedade, dos “direitos” que
lhe dizem respeito, os dos acionistas, que se torna-
ram todo-poderosos, e das esperanças que eles po-
dem alimentar “legitimamente” em termos da ren-
tabilidade de suas partes da propriedade. A “contra-
revolução conservadora” baseia-se na revitalização
contemporânea dessa instituição muito particular
do capitalismo que é o mercado de capitais (a Bol-
sa). Essa instituição garante aos acionistas, exceto
em épocas de crises financeiras graves, a “liquidez”
de suas ações, ou seja, a possibilidade de se desfazer
à vontade dessa fração de sua propriedade que to-
mou a forma de cotas de uma ou outra empresa. Os
mercados de ações, em poucos anos, passaram do
status de mercados em que se negociam títulos para
o de mercados em que as empresas são inteiramente
negociadas, trocadas, aglomeradas ou desmantela-
das.”
Outro aspecto levantado pelos autores acerca da
propriedade privada é a atual discussão ecológica
acerca do planeta e o conjunto de suas riquezas – se-
jam minerais, vegetais ou animais – que deveriam
ser considerados patrimônio comum e indivisível
de toda a humanidade, presente e futura. Qualquer
apropriação privada dessas riquezas passa a ser ile-
gítima. No máximo, pode-se reconhecer a toda ou
a parte da humanidade (indivíduo ou coletividade)
um direito de uso de uma parte dessas riquezas, com
a condição de que este uso não seja prejudicial ao
restante da humanidade, no presente ou no futuro.
• SEGUNDO MARX, A TENDÊNCIA DO CAPITA-
LISMO É A ACUMULAÇÃO DO CAPITAL
• O AUMENTO DERIVADO DA INOVAÇÃO TEC-
NOLÓGICA (UTILIZANDO-SE CADA VEZ MAIS
MÁQUINAS) ORIGINA UM AUMENTO DO CA-
PITAL CONSTANTE
• A ESSE AUMENTO DO CAPITAL CONSTAN-
TE ASSOCIA-SE UMA DESCIDA DA TAXA DE
LUCRO
• ESSE MOVIMENTO PODE SER CONTRARIA-
DO PELA EXPLORAÇÃO DA FORÇA DE TRA-
BALHO
MERCADORIA
• TODAS AS MERCADORIAS SÃO CRISTALIZA-
ÇÕES DO TRABALHO GASTO PARA PRODUZI-
LAS. SÃO A MATERIALIZAÇÃO DO TRABALHO
SOCIAL.
* AnOTAÇõES
AULA 5 — Processos de Trabalho e Produção da Riqueza Social
43
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AULA
5____________________PROCESSOS DE TRABALHO E PRODUÇãO DA
RIQUEZA SOCIAL
Conteúdo• Processo de trabalho
• A riqueza social
Competências e habilidades• Conhecer os processos de trabalho existentes
• Analisar a importância da produção da riqueza social para a sociedade capitalista
• Conhecer a importância para o serviço social dos processos de trabalho e da produção da riqueza
Textos e atividades para auto-estudo disponibilizados no Portal• Os textos para auto-estudo e atividades serão disponibilizados no portal. http://www.interativa.uni-
derp.br.
• Sites relacionados: http://www.mpt.gov.br
• Filme: Eles Não Usam Black-tie. Diretor: Leo Hirszman
O filme registra, por meio da história fictícia sobre a relação entre o operário e líder sindical Otávio e seu filho, o jovem operário Tião, a vida operária e da ocorrência da greve dos metalúrgicos de São Paulo em 1979 no período final da ditadura militar no Brasil (1964/1985).
A luta de classes, a exploração da mão-de-obra e a velha contradição entre o capital e o trabalho, mostrando vidas em que o trabalho é pesado e o dinheiro é escasso, dão base para a história, que gira em torno da relação entre o operário e líder sindical Otávio e seu filho Tião.
Duração2h/a – via satélite com o professor interativo
2h/a – presenciais com o professor local
6h/a – mínimo sugerido para auto-estudo
INTRODUÇÃO
Para melhor compreender os processos de traba-
lho e as mudanças que aconteceram com as formas
de trabalho é mais indicado fazermos uma retros-
pectiva histórica desde a Grécia, onde se valorizava
o ócio para seus cidadãos, o qual somente era possí-
vel pela exploração do trabalho escravo.
Se o trabalho produz a riqueza da humanidade,
nada mais natural que essa riqueza advenha de de-
terminados processos de trabalho.
Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social
44
A economia feudal possuía base agrária, ou seja,
a agricultura era a atividade responsável por gerar a
riqueza social naquele momento. Ao mesmo tempo,
outras atividades se desenvolviam, em menor escala,
no sentido de complementar a primeira e suprir ne-
cessidades básicas e imediatas de parcela da socieda-
de. A pecuária, a mineração, a produção artesanal e
mesmo o comércio eram atividades que existiam de
forma secundária. Como a agricultura era a ativida-
de mais importante, a terra era o meio de produção
fundamental. Ter terra significava a possibilidade de
possuir riquezas (como na maioria das sociedades
antigas e medievais). Por isso, preservou-se o caráter
estamental da sociedade. Os proprietários rurais eram
denominados senhores feudais, enquanto os trabalha-
dores camponeses eram denominados servos.
Em um determinado momento, quem sabe por
oposição aos ideais greco-romanos de ócio, o cris-
tianismo promoveu a recuperação do valor do tra-
balho, sem colocá-lo como valor maior da existên-
cia. Cristãos, calvinos e puritanos acreditaram que
a riqueza material seria demonstração de saúde es-
piritual, e a pobreza, conseqüentemente, doenças e
males do espírito.
Temos impregnado na nossa cultura até os dias de
hoje a idéia de trabalho como valor e ponto central
da dinâmica social em que atuamos, sem que haja
uma reflexão maior sobre o contexto em que ela foi
gerada e com que finalidade, pois à época em que se
tentou criar uma valorização do trabalho era neces-
sário incutir esse ideal porque o capitalismo iniciava
seu processo de desenvolvimento como novo mo-
delo econômico e precisava conquistar aliados para
seu ideal.
Com o crescimento do capitalismo em vários pa-
íses, ou seja, com a ampliação do mercado, a manu-
fatura também se tornou insuficiente para abastecê-
lo, tomando o seu lugar a grande indústria moder-
na, durante a Revolução Industrial, onde a máquina
a vapor revolucionou a produção industrial.
A grande indústria criou o mercado mundial,
para o qual a descoberta da América preparou o
terreno. O mercado mundial deu um imenso desen-
volvimento ao comércio, à navegação e às comuni-
cações por terra. Esse desenvolvimento, por sua vez,
reagiu sobre a extensão da indústria; e na proporção
em que a indústria, o comércio, a navegação e as fer-
rovias cresciam, a burguesia também se desenvolvia,
aumentava seus capitais e colocava num plano se-
cundário todas as classes legadas pela Idade Média.
A partir da segunda metade do século XVIII, en-
tretanto, iniciou-se na Inglaterra a mecanização
industrial, desviando a acumulação de capitais da
atividade comercial para o setor da produção. Esse
fato trouxe grandes mudanças, tanto de ordem eco-
nômica quanto social, que possibilitaram o desapa-
recimento dos restos das relações e práticas feudais
ainda existentes e a definitiva implantação do modo
de produção capitalista.
Simultaneamente ao desenvolvimento do capital
também se desenvolve o proletariado, a classe ope-
rária moderna. Nessa fase inicial do capitalismo,
notadamente o proletariado acaba concentrado em
grandes massas, submetidas a péssimas condições
de trabalho.
A Primeira Guerra Mundial significou o colapso
dessa civilização ocidental do século XIX, caracte-
rizada pela estrutura legal e constitucional liberal,
com a imagem da classe hegemônica burguesa pro-
fundamente convencida do eurocentrismo, sedi-
mentado pelo fato de ser o continente berço das re-
voluções da ciência, artes, política e indústria, além
do domínio econômico que exercia na maior parte
do globo, sobretudo pelo jugo militar que exerceu.
Vamos verificar agora como se deram as mudan-
ças no processo do trabalho durante o século XX.
Depois de duas guerras mundiais e uma grave crise
econômica, a partir de meados da década de 1950 os
avanços materiais se tornaram palpáveis. O desenvol-
vimento foi alcançado graças à implantação de um
modelo de produção que se ampliou pelas indústrias
de todo o mundo, buscando a ampliação de merca-
dos a partir da produção para um mercado de massa.
Esse modelo inaugurado por Henry Ford, chamado
de fordismo, expandia-se para novos tipos de produ-
ção, desde a construção civil até às grandes redes de
alimentação, tipo McDonald’s. Esse sistema foi feito
com base nas pesquisas de Taylor, que criou um siste-
AULA 5 — Processos de Trabalho e Produção da Riqueza Social
45
ma de administração científica do trabalho, método
de racionalizar a produção, de possibilitar o aumen-
to da produtividade do trabalho, suprimindo gestos
desnecessários e comportamentos supérfluos no in-
terior do processo produtivo. Taylor aperfeiçoou a
divisão social do trabalho introduzida pelo sistema
de fábrica, assegurando definitivamente o controle
do tempo do trabalhador pela classe dominante.
As décadas de 1970 e 1980 mais uma vez se fami-
liarizaram com a fome, com a imagem clássica da
criança exótica morrendo de inanição vista após o
jantar em toda tela de tevê do Ocidente. Enquanto
isso, o problema do mundo desenvolvido era que
produzia tanto alimento que não sabia o que fa-
zer com o excedente, e na década de 1980 decidiu
plantar substancialmente menos ou então (como
na Comunidade Européia) vender suas “montanhas
de manteiga” e “lagos de leite” abaixo do custo, des-
truindo com isso os produtores nos países pobres.
Ficou mais barato comprar queijo holandês nas
ilhas do Caribe do que na Holanda.
Essa estratégia dos países ricos não permite que
a economia dos países pobres se desenvolva porque
qualquer iniciativa de produção industrial e de in-
vestimento econômico é sufocada pelo ingresso de
produtos a preços irrisórios, provocando o desem-
prego, a fome e o subdesenvolvimento.
Para não esquecer!
Manufatura Era trabalho manual que foi substituído pela maquinaria, durante a Revolução Industrial, para ampliar o abastecimento
Mecanização Durante a Revolução Industrial, no século
industrial XVIII, com a introdução da maquinaria dá-se início ao modo de produção capi-talista, desviando a acumulação do capi-tal da atividade comercial para o setor da produção.
Proletariado Classe de trabalhadores que se desenvolve no início do capitalismo em condições precárias e desumanas.
Fordismo 1950 Processo de produção implementado por Henry Ford com base nas pesquisas de Taylor, que criou um sistema de admi-
nistração científica do trabalho. Método de racionalizar a produção, de possibi-litar o aumento da produtividade do trabalho, suprimindo gastos desneces-sários e comportamentos supérfluos no interior do processo produtivo. Taylor aperfeiçoou a divisão social do trabalho introduzida pelo sistema de produção da fábrica. Modelo fordista/taylorista.
Lema: cada trabalhador será o compra-dor dos produtos da fábrica.
Toyotismo Introduziu a subcontratação do trabalho especializado na área-fim da indústria automobilística. Como não podia ter qualidade superior em toda a linha de produção, contratou uma empresa es-pecializada que fizesse melhor parte de sua linha de montagem. A indústria automobilística deixa de ser fábrica e passa a ser chamada de montadora, por-que não realiza o processo de produção por inteiro (gerenciamento flexível, com o relacionamento cooperativo entre os gerentes e os trabalhadores).
Teve início então a crise do fordismo/taylorismo a
partir dos anos 1970, uma crise estrutural do capital
devido ao esgotamento do padrão de acumulação
taylorista/fordista graças à retração do consumo,
reflexo do desemprego estrutural que se iniciava;
maior concentração de capitais; crise do welfare sta-
te com a retração de gastos públicos e transferência
para o capital privado; privatizações, desregulamen-
tação e flexibilização do processo produtivo.
Este quadro encontra suas raízes ainda nos anos
1960 devido ao excesso de capacidade e de produ-
ção que gerou um grande crescimento do capital fi-
nanceiro nos anos 1970, enquanto as indústrias de
transformação viviam perdas de lucratividade.
Constatada a incontrolabilidade do então siste-
ma de dominação do capital, forja-se a sua reorga-
nização a partir do ideário neoliberal, por meio da
liberação comercial e de novas formas de domínio
técnico-científico, das quais resultaram um cará-
ter centralizador e discriminador centrado em três
grandes potências capitalistas: EUA (Nafta), Alema-
nha (União Européia) e Japão (Tigres Asiáticos).
A resposta do capitalismo à sua crise estrutural
foi apenas superficial, enfrentando apenas sua di-
mensão fenomênica, por meio da transição do pa-
Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social
46
drão produtivo fordista/taylorista para um padrão
de acumulação flexibilizada.
A produção em massa, homogeneizada e vertica-
lizada, marcada pelo trabalho parcelado e fragmen-
tado (com a decomposição de tarefas), onde o tra-
balhador transformou-se em mero apêndice da má-
quina; a extração de mais-valia torna-se intensiva
pela sua dimensão relativa; suprime-se a dimensão
intelectual do trabalho operário transferindo-a para
a gerência científica (separação entre elaboração e
execução), essas são as características elementares
do fordismo/taylorismo que se desenvolvem princi-
palmente no pós-guerra na maioria dos países capi-
talistas (e até mesmo na URSS).
Relacionando a crise do welfare state – Estado do
bem-estar social com a eclosão das revoltas do ope-
rariado, tem-se que graças à nova identidade do
novo proletariado fordista, com nova consciência
de classe e sociabilidade marcada pela massificação,
a partir dos anos 1960, o operário-massa transfor-
ma-se no principal elemento de ruptura com o Es-
tado de bem-estar, mediante seu questionamento
em prol do controle social da produção.
Diante deste contexto as forças do capital reor-
ganizaram-se, desafiando e deixando em situação
desfavorável o mundo do trabalho. Os capitalistas
foram capazes de reorganizar o processo produtivo
a ponto de avançar a exploração meramente mus-
cular do trabalhador para a exploração de sua inte-
ligência e imaginação a partir de novos sistemas de
administração com o desenvolvimento da tecnolo-
gia eletrônica.
Um trabalhador que raciocina no ato do tra-
balho e conhece mais os processos tecnológicos
e econômicos do que os aspectos estritos do seu
âmbito imediato é um trabalhador que pode ser
tornado polivalente. É esse o fundamento das eco-
nomias de escala humanas. Cada trabalhador pode
realizar um maior número de operações, subs-
tituir outras ou coadjuvá-las. A cooperação fica
reforçada no processo de trabalho, aumentando
por isso as economias de escala em beneficio do
capitalismo. Dessa forma, o toyotismo significou a
saída histórica para esse processo de reorganização
produtiva do capitalismo. Nesse sentido, constitui-
se como um modelo de gestão dotado de peculiar
relação de classes, da qual resulta grande processo
de acumulação por meio da construção de pode-
rosa estrutura produtiva, ou, melhor, é um método
de produção em massa, adaptado para o gerencia-
mento flexível, com o relacionamento cooperati-
vo entre os gerentes e os trabalhadores, conforme
Castells, 2006, p. 215.
Sua gênese ligada à indústria automobilística ja-
ponesa do pós-guerra, responsável pela retomada
do processo de industrialização no país, consolida-
se como padrão produtivo e modelo de gestão ideal
para contextos de crescimento lento.
O toyotismo é caracterizado por suas técnicas
(just in time, kanban, polivalência e automação),
por uma relação salarial individualizada (emprego
vitalício, salário-antiguidade, sindicato-empresa,
bônus de aposentadoria aos 55 anos), por um nú-
mero mínimo de trabalhadores estáveis, além do
trabalho precário, parcial, temporário. Caracteriza-
se também pelo controle centralizado de rede hori-
zontalizada e hierarquizada de fornecedores.
Como resultado concreto, imediato, dessa for-
ma de organizar a produção, verificcaram-se pelas
empresas que adotam essa estratégia o crescimen-
to da produtividade, a melhoria da qualidade dos
produtos, a eliminação dos lapsos de tempo ainda
existentes, o esgotamento do trabalhador e o maior
controle sobre o trabalho.
Já considerado uma resposta à crise da década de
1970, o toyotismo passa a ser ampliado, adaptando-
se à transferência para as empresas da América do
Norte e da Europa.
Assumindo a denominação de produção flexí-
vel, incorporou a gestão da produção pela efici-
ência produtiva, da produção em pequenos lotes
variados, comandada pela demanda. Trata-se de
uma flexibilidade que se impõe à organização do
trabalho, incorporando o trabalho em equipe, a
concentração das tarefas em ciclos realizadas em
novos layouts com sistemas de máquinas automa-
tizadas. Não se pode omitir a necessidade de par-
ticipação e colaboração dos sindicatos e trabalha-
AULA 5 — Processos de Trabalho e Produção da Riqueza Social
47
dores no desenvolvimento-padrão de produção
toyotista. O que é uma imposição desse processo
reflete diretamente na subjetividade da classe tra-
balhadora.
O toyotismo foi um marco nas novas formas
de flexibilidade organizacional e na formação de
redes entre empresas porque a empresa teve que
se modificar para estar preparada diante das con-
dições de imprevisibilidade introduzidas pela
rápida transformação econômica e tecnológica.
Para atuar na nova economia global, caracterizada
pela onda de novos concorrentes que usam novas
tecnologias e capacidades de redução de custos,
as grandes empresas tiveram de tornar-se princi-
palmente mais eficientes que econômicas. Foram
adotadas as estratégias de formação de redes, e a
empresa teve que se tornar uma rede, com a des-
centralização e crescente autonomia dada a cada
uma das unidades empresariais. A crise do modelo
antigo, da grande empresa vertical, deu origem ao
sistema de redes, as quais passam a ser os compo-
nentes fundamentais das organizações, de acordo
com Castells, 2006, p. 225.
E, continuando, a evolução do mercado de tra-
balho durante o chamado período “pós-industrial”
mostra um padrão de deslocamento do emprego
industrial e uma grande expansão do emprego em
serviços relacionados à produção e em serviços so-
ciais e de distribuição. Ocorre uma diversidade cada
vez maior de atividades.
Temos então aqui os processos de trabalho que
percorremos desde o fim da escravidão e com o início
do capitalismo. Passamos por processos que tinham
como fim único a reestruturação do capital versus a
força de trabalho. O taylorismo/fordismo e o toyotis-
mo foram processos que serviram para a reestrutura-
ção em períodos de crise do capitalismo.
Agora, vivemos uma nova era, a da sociedade
informacional, devido ao grande progresso tecno-
lógico, entrando em jogo também as forças do ca-
pital financeiro, do mercado, das bolsas de valores,
que, em verdade, ainda, trazem no seu rastro crises
financeiras constantes, como a que estamos vendo
neste ano de 2008.
QUADRO DEMONSTRATIVO DAS FASES DO DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL
PERÍODO MODELO CARACTERÍSTICAS HISTÓRICO ADOTADO PRINCIPAIS
Séculos V a XVI Feudalismo Sistema familiar e de corporações Ferramentas manuais, artesanato, agricultura, servos
Séculos XVII a XIX Manufatura Trabalhador assalariado Máquina a vapor, fiadeira, substituição do manual pela máquina
Século XX Taylorismo Sistema fabril, controle de tempo, padronização, mecanização, tarefas rotineiras, administração científica do trabalho
Século XX Fordismo Linha de montagem, sem autonomia, postos de trabalho
Ano 1948 Toyotismo Flexibilização de gerenciamento, tecnologia da informação
Final século XX Redes Globalização, intercâmbio, descentralização das empresas
PRODUÇÃO DA RIQUEZA SOCIAL
O prosseguimento da agricultura, acompanhado do desenvolvimento da indústria e do comércio, le-vou a um grande aumento da riqueza social, o que motivou grandes desentendimentos relativos à sua aquisição e distribuição, originando agitações po-líticas entre as classes, que já mantinham posições elevadas e influência e pretendiam adquirir mais ri-queza, e os senhores rurais, se beneficiando bastante dos contínuos desenvolvimentos agrícolas, acumu-lavam grandes riquezas e adquiriam poder político. As instituições religiosas transformaram-se igual-mente em grandes detentoras de imensas riquezas e de domínios agrícolas muito vastos.
A exploração do trabalho alheio permite acumu-lar riquezas nas mãos de uns poucos e utilizá-las para adquirir poderio econômico e poder sobre os outros membros da sociedade.
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6____________________O TRABALHO COLETIVO –
TRABALHO E COOPERAÇãO
Conteúdo• Noções de trabalho coletivo e de cooperação
• Conhecer a diferenciação do trabalho produtivo e trabalho coletivo
• Conhecer a importância para o serviço social do trabalho coletivo
Competências e habilidades• Conhecer a diferenciação do trabalho produtivo e trabalho coletivo
• Conhecer a importância para o serviço social do trabalho coletivo
Textos e atividades para auto-estudo disponibilizados no Portal• Textos para auto-estudo e atividades serão disponibilizados no portal http://www.interativa.uni-
derp.br.
• Sites relacionados: www.mte.gov.br/ww1.anamatra.org.br
• Filme: Erin Brockovich – Uma Mulher de Talento (Erin Brockovich).
Direção: Steven Soderbergh.
Sinopse: leis, justiça e direito são temas centrais do filme que traz para a cena o trabalho do advoga-do. Mas a história não se limita ao mundo da advocacia, aborda também o trabalho dos operários, os prejuízos causados por empresas e a situação da mulher no mercado de trabalho. Julia Roberts vive Erin Brockovich, mulher divorciada, pobre e com três filhos. Ao conseguir trabalho no escritório de seu advogado, recebe um voto de confiança. Mesmo sem o diploma de advogada, assume um caso que já estava dado como perdido. Ela se envolve tanto com a causa que descobre acidentes ocorridos por falhas de uma grande empresa que não constavam no processo. Esse acidente envolve casos de água contaminada que causava graves doenças nos moradores das redondezas. A história é baseada em fato verídico. O acordo a que os advogados chegaram foi a maior indenização já paga num litígio direto na história dos Estados Unidos, cerca de US$ 333 milhões. O filme mostra um cotidiano duro de trabalho. Ele enfatiza o lado sacrificado de Erin ter de se manter longe de casa e dos filhos por causa do trabalho. O curioso é que quem fica para cuidar das crianças é o namorado George (Aaron Eckhart), jovem habilidoso e carinhoso. Há aí uma clara inversão de papéis que reforça o interesse pelo filme. Por fim, trazendo a análise para a lógica dos movimentos sociais, podemos dizer que Erin extrapola as exigências do trabalho, tornando-se praticamente uma militante da causa. Sua ação civil com base em ideais e valores faz as vezes da ação sindical.
Duração2h/a – via satélite com o professor interativo
2h/a – presenciais com o professor local
6h/a – mínimo sugerido para auto-estudo
AULA 6 — O Trabalho Coletivo – Trabalho e Cooperação
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O TRABALHO COLETIVO – TRABALHO E
COOPERAÇÃO
O conceito de trabalho coletivo tem uma correla-
ção com o conceito de trabalho produtivo da teoria
marxista, segundo a qual o proletariado é a única
classe da sociedade burguesa que valoriza e produz
capital (trabalho produtivo produz mais-valia) e
que todas as outras classes sociais vivem do “conte-
údo material da riqueza social”, dos meios de pro-
dução e de subsistência, produzidos pelo trabalho
proletário, do campo e da cidade (trabalho coletivo
não produz mais-valia).
Tendo em vista essa noção, Lessa (2005, p. 6) rea-
firma que para se entender o trabalho coletivo há que
se considerar também o problema da relação e dis-
tinção entre o proletariado e os assalariados em geral,
entre o trabalho coletivo e o trabalho intelectual, en-
tre o trabalho produtivo e o trabalho improdutivo.
Fazendo uma análise do texto de O Capital, Lessa
salienta que Marx não restringiu o trabalho produ-
tivo apenas àquele que produz de forma geral, mas
sim ao tipo trabalho que produz a mais-valia que
será apropriada pelo capitalista e irá gerar a acumu-
lação da riqueza:
“A ampliação do conceito de trabalhador coletivo
refere-se ao conceito anterior, em “abstrato”, do
Capítulo V, em que era produtivo apenas e tão-so-
mente o intercâmbio orgânico com a natureza.
Agora, nos novas condições históricas do capita-
lismo, passa a ser produtivo o trabalhador do qual
o capitalista extrai mais-valia. Se, no tratamento
abstrato, “independentemente de suas formas his-
tóricas”, “eterna necessidade” (Marx, 1986a: 153), o
trabalho produtivo era aquele que produzia os va-
lores de uso “em geral” a partir da transformação
da natureza, no capitalismo essa situação se altera.
Para a reprodução do capital, o que importa é pri-
mordialmente a produção de mais-valia e, nesse
sentido, no período histórico que conhece a divisão
social de trabalho da qual resulta o trabalhador co-
letivo, o trabalho produtivo se “amplia”.”
Para o capital, será produtivo todo e qualquer
trabalho que produza mais-valia, seja ele ou não in-
tercâmbio orgânico com a natureza.
Essa ampliação do trabalho produtivo, portanto,
só é possível quando a finalidade imediata da pro-
dução deixa de ser a produção “em geral” dos valores
de uso para se converter em produção de mais-valia.
Nesse sentido, como Marx afirma no parágrafo se-
guinte, essa ampliação corresponde a um estreita-
mento do “conceito de trabalho produtivo”.
“Por outro lado, o conceito de trabalhador produti-
vo se estreita. A produção capitalista não é apenas a
produção de mercadorias, é essencialmente a produ-
ção de mais-valia. O trabalhador produz não para si,
mas para o capital. Não basta, portanto, que produza
em geral. Ele tem que produzir mais-valia.”
Nesse sentido, utiliza-se de um fragmento de O
Capital para demonstrar que nas palavras do pró-
prio Marx já se continha a idéia de ampliação do
trabalho produtivo para além daquele cujo objetivo
é produzir “em geral” (mercadoria, valor de uso),
afirmando ser produtivo apenas o trabalhador que
produz mais-valia para o capitalista ou que serve à
autovalorização do capital.” (MARX, 1986b:105).
O trabalho coletivo, com base nessas considera-
ções, pode ser redefinido numa outra abordagem,
diferente daquela que não o incluía no conceito de
trabalho produtivo. Dessa forma, o trabalho (abs-
trato) produtivo é, no modo de produção capita-
lista, ao mesmo tempo mais amplo (porque inclui
outras práxis que não apenas o intercâmbio orgâni-
co com a natureza) e mais estreito (porque só pro-
duz mais-valia) que o trabalho “eterna necessidade”,
conforme Lessa (2005, p. 7) explana:
“O trabalhador coletivo não mais produz “em ge-
ral”. O que ele produz o faz apenas e tão-somente
se for mediação para a produção de mais-valia. O
“caráter cooperativo”, alienado, do processo de tra-
balho regido pelo capital não apenas opõe “como
inimigos” trabalho intelectual e manual, como ain-
da estreita o caráter produtivo do trabalho à pro-
dução de mais-valia. Por essa razão, as relações de
produção capitalistas podem ampliar o trabalhador
produtivo até conter todos aqueles que produzem
mais-valia: a ampliação do trabalhador produtivo
é sinônima do alienado estreitamento do trabalho
produtivo à produção de mais-valia.”
Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social
50
Neste sentido, Gláucia Angélica Campregher, em
seu estudo Das novas possibilidades do trabalho co-
letivo, firma entendimento de que o trabalho tem
como característica vincular o indivíduo à comuni-
dade mais próxima e à sociedade em geral da forma
a mais íntima possível. Novas práticas de organiza-
ção e de cooperação podem demonstrar que o ser
humano, evolui para além da visão de que o capi-
tal deve ser produtivo, porque essa é apenas a sua
função, para a emancipação crítica do trabalho no
contexto em que está inserido, desenvolvendo o po-
tencial emancipador de indivíduos e comunidades.
Mesmo que o trabalho seja mais concreto (quando
o valor de uso está intrinsecamente ligado à mercado-
ria por meio do trabalho) ou mais abstrato (quando o
trabalho humano perde sua essência e passa a ser um
valor abstrato que é representado pela moeda), é por
meio dele que se estabelecem diversas relações nos
grupos sociais, com diversas finalidades, tais como: a
comunicativa, a de solidariedade e a de economia.
A essa característica do trabalho denomina-se de
“dimensão produtora de organização social”, que é
mais abrangente do que a dimensão convencional
do trabalho de apenas produzir bens e serviços.
Faz-se referência a valores humanos ligados a
uma educação diferenciada, um sentimento de per-
tencimento a uma determinada comunidade ou re-
gião, um passado democrático e de forte conteúdo
comunitário, ou uma cultura cívica e um conjunto
de experiências cooperativas as mais diversas, que
reuniriam pessoas em torno de um objetivo co-
mum, que buscaria a emancipação do indivíduo e
da comunidade na qual está inserido e, com isso,
agregariam poder político para atuar na sociedade.
Nessa direção, o próximo passo é entender o pa-
pel emancipador do trabalho, que para autores como
Wolfgang Leo Maar, Oskar Negt e Elmar Altvater é
um assunto controvertido, ainda em discussão, pois
segue o caminho de identificar os outros tipos de tra-
balho, que não são considerados trabalho produtivo
na acepção marxista, e acreditar em uma “nova qua-
lidade de unificação do trabalho” em que os trabalha-
dores da produção não estariam separados daqueles
que realizam tarefas de “regulagem e controle”.
Na seguinte citação, selecionada por Campre-
gher, é possível compreender a construção do pen-
samento dos teóricos alemães Kern e Schumann,
apud MAAR, idem, p.100, para justificar essa ten-
dência atual:
“Nova qualidade de unificação do trabalho” em que
os trabalhadores da produção não estariam sepa-
rados daqueles que realizam tarefas de “regulagem
e controle”. Acreditam que, se o desmoronamento
da produção em massa fordista não é mera ideo-
logia, será sob seus escombros que – como preten-
dem Kern e Schumann – encontraremos uma nova
‘qualidade de unificação’ do trabalho atual. O tem-
po libertado do trabalho produtor de bens de con-
sumo seria usado por um aumento das atividades
de regulagem e controle, sob a égide do trabalho
coletivo do ponto de vista do trabalho. Sob a égide
do capital, enquanto trabalhador coletivo capitalis-
ta, para o qual “trabalho” seria apenas o “produti-
vo”, isso não seria “trabalho”, mas função do capital.
Mas há muitas atividades fora do espectro estrito
do trabalho produtivo que também são “trabalho”;
precisam ser consideradas como tal para restabele-
cer os vínculos de seu potencial emancipativo com
a efetiva estrutura material produtiva, expor uma
racionalidade social.”
Para a referida autora, a sociedade atual passa por
transformações de natureza tecnológica e científica
e cria novas regras para o trabalho e a produção,
mas, ao mesmo tempo, abre possibilidades para
que os trabalhadores se utilizem, em seu favor, do
mesmo instrumental disponível ao mercado para se
auto-organizarem e interferirem na sociedade, am-
pliando a cidadania no espaço público.
A ocupação do espaço público e a inserção de
muitos desempregados ou “deserdados” dos direi-
tos sociais, que se encontram excluídos do merca-
do formal de trabalho, possibilitam alternativas de
trabalho em atividades de natureza comunitária
que dependem de organização amparada na coo-
peração.
Em pesquisas realizadas envolvendo o trabalho
cooperativado, foi observado, por Nasciutti, Razeto
e outros, que muitas cooperativas populares surgem
AULA 6 — O Trabalho Coletivo – Trabalho e Cooperação
51
como movimentos sociais instituintes, movimentos
autogestionários e cooperativos como motores da
economia solidária, e têm encontrado dificuldades
em face das regras impostas pelo mercado:
“Eles não têm conseguido se impor como sujeitos
históricos autônomos, dotados de uma capacida-
de efetiva de direção de mudanças econômicas e
do desenvolvimento. Devemos reconhecer que se
mantêm em um plano de subordinação a respeito
das grandes tendências da economia e da política
(Razeto, 1997, p. 13). Isso não significa, no entanto,
que, em muitos casos, as cooperativas não surjam
como movimentos sociais instituintes, principal-
mente aqueles que emergem naturalmente da ação
voluntária e empreendedora de grupos e atores
sociais. Isso efetivamente acontece. No entanto, há
um processo de “ajustamento” ao longo dos treina-
mentos através do qual as leis do “mercado livre”
definem os limites e as possibilidades da ação co-
operativa. As contradições entre as lógicas da co-
operação (que se pretende regendo internamente
a instituição) e da competição (que se espera no
mercado externo) não chegam a ser problematiza-
das no processo de incubação.
Prepara-se um trabalhador para se tornar sócio
de uma organização (preparo esse, essencialmen-
te técnico), aspecto fundamental para a criação e
para a sobrevivência da instituição. Não se prepara,
porém, o indivíduo para romper com a cristaliza-
ção e com a naturalização de lugares no mercado
de trabalho em direção a novas relações psicos-
sociais com o outro, com o coletivo. A assessoria,
via de regra, prepara o membro da organização,
não a pessoa do trabalhador. Ademais, no contexto
socioeconômico vigente, não parece estar havendo
nenhum movimento efetivo de mudanças na cultu-
ra que define a valorização institucional atribuída
às cooperativas.
Dados estatísticos evidenciam o que a fala dos co-
operativados já denuncia: as cooperativas são vis-
tas, sobretudo as de caráter comunitário popular,
como coisa menor na “bolsa de valores” das repre-
sentações sociais. A mesma mercadoria, o mesmo
serviço prestado recebem avaliações (financeira e
social) diferentes conforme sejam originários de
uma indústria ou de uma empresa organizadas nos
moldes tradicionais ou quando oferecidos por uma
cooperativa.”
Devido a esses novos estudos, muitos questio-
namentos a respeito das relações de trabalho e da
teoria marxista estão em pauta e sendo rediscutidos
na agenda atual em todo o mundo. As respostas aos
questionamentos fazem parte do momento no qual
vivemos e requerem o uso da nossa inteligência e
do nosso esforço a serviço da humanidade. Alguns
deles são enumerados por Lessa:
a) O proletariado se dissolveu nos “trabalhado-
res”?
b) Os trabalhos produtivo e improdutivo fundi-
ram-se de tal forma que o que antes era ati-
vidade de controle (como o planejamento, a
concepção do produto, a organização da pro-
dução etc.) se converteu em trabalho produti-
vo?
c) É afirmativa a hipótese de Marilda Iamamoto
de o serviço social ser “trabalho”?
d) Podemos concordar com o conceito “classe-
que-vive-do-trabalho”, proposto por Ricardo
Antunes, com base no fato de que a sociedade
do capital e sua lei do valor necessitam cada
vez menos do trabalho estável e cada vez mais
das diversificadas formas de trabalho parcial
ou part-time, terceirizado, que são, em escala
crescente, parte constitutiva do processo de
produção capitalista e ao mesmo tempo en-
tender que o trabalho assalariado não deve
acabar?
e) A prática pedagógica é também entendida
como trabalho?
* AnOTAÇõES
Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social
52
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alAULA
7____________________TRABALHO PRODUTIVO E IMPRODUTIVO
Conteúdo• Conceitos de trabalho produtivo e improdutivo
• Reflexão sobre a estrutura social na sociedade capitalista e a importância da mais-valia
Competências e habilidades• Estudar os conceitos de trabalho produtivo e improdutivo e sua importância para o sistema capita-
lista
• Compreender o papel do assistente social no processo de organização da sociedade capitalista
Textos e atividades para auto-estudo disponibilizados no Portal• Os textos para auto-estudo e atividades serão disponibilizados no portal. http://www.interativa.uni-
derp.br.
• Sites relacionados: ww1.anamatra.org.br/www.abet-trabalho.org.br
• Filme: Ou Tudo ou Nada (The Full Monty).
Direção: Peter Cattaneo
A partir da década de 1970, no processo de transição da indústria pesada para a automatizada, mul-tiplicou-se o número de trabalhadores que não puderam mais ser absorvidos pelo sistema produti-vo. O fechamento de indústrias das cidades da Inglaterra, no processo de desindustrialização, levou enorme contingente de operários ao desemprego. O filme mostra seis homens, ex-metalúrgicos, sem perspectivas e desesperados por dinheiro, que se conhecem em uma agência de empregos numa cidade chamada Shenffild, e que, como alternativa, concluindo que o único bem que possuem é o próprio corpo, decidem realizar um show de strip-tease.
Duração2h/a – via satélite com o professor interativo
2h/a – presenciais com o professor local
6h/a – mínimo sugerido para auto-estudo
NOÇÕES DE TRABALHO PRODUTIVO E
TRABALHO IMPRODUTIVO
Veremos agora um assunto que é bastante in-
teressante para se refletir a respeito do que é tra-
balho.
Se vamos a um supermercado e compra-
mos comidas, bebidas, material de limpeza etc.,
estamos adquirindo bens. E quando pagamos a
passagem do ônibus estamos pagando um ser-
viço.
AULA 7 — Trabalho Produtivo e Improdutivo
53
Na sociedade em que vivemos, as pessoas partici-
pam diretamente da produção, da distribuição e do
consumo de bens e serviços, ou seja, participam da
vida econômica da sociedade. O conjunto de indiví-
duos que participam da vida econômica é o conjunto
de indivíduos que participam da produção, distribui-
ção e consumo de bens e serviços. Exemplo: operários
quando trabalham estão ajudando a produzir. Quan-
do com o salário que recebem compram algo, estão
participando da distribuição, pois estão comprando
bens e consumo. E quando consomem os bens e os
serviços que adquiriram estão participando da ativi-
dade econômica de consumo de bens e serviços.
A discussão sobre o caráter produtivo ou impro-
dutivo das atividades econômicas passa exatamente
pela discussão de como a produção capitalista con-
segue atingir o trabalho produtivo, ou seja, aquele
que gera lucro.
Trabalho produtivo, portanto é o que, no sistema
de produção capitalista, produz mais-valia para o em-
pregador ou que transforma as condições materiais de
trabalho em capital e o dono delas em capitalista, tra-
balho que produz o próprio produto como capital.
Assim, ao falarmos de trabalho produtivo, fala-
mos de trabalho socialmente definido, trabalho que
envolve uma relação bem determinada entre o com-
prador e o vendedor do trabalho.
O trabalho produtivo tem como propriedade sa-
tisfazer as necessidades humanas e ainda produzir
um excedente tão grande que pode satisfazer um
maior número de pessoas e/ou satisfazer um maior
número de necessidades.
De acordo com Marx (1983):
“Trabalho produtivo no sentido da produção capi-
talista é o trabalho assalariado que, na troca pela
parte variável do capital (a parte do capital despen-
dida em salário), além de reproduzir essa parte do
capital (ou o valor da própria força de trabalho),
ainda produz mais-valia para o capitalista.”
No processo de produção capitalista podemos
identificar quatro atividades sociais básicas: a pri-
meira é aquela em que valores de uso são utiliza-
dos para criar outros valores de uso; a segunda é a
distribuição desses valores de uso; a terceira etapa
é quando se empregam esses valores de uso para a
reprodução do sistema, por meio da polícia, justiça,
administração pública etc.; e a quarta etapa é a ati-
vidade de consumo pessoal.
Para Marx, o trabalho produtivo é aquele realiza-
do na etapa um, ou seja, trabalho resultante na cria-
ção ou transformação de valores de uso, enquanto
o trabalho improdutivo é o trabalho desenvolvido
nas etapas de distribuição e manutenção da ordem
estabelecida.
O trabalho improdutivo, na realidade, acaba por
ser dependente do trabalho produtivo, porque ele
consome mais do que produz, no sentido de que de-
vem ser pagas a força de trabalho e a cota de quem a
explora na realização da mais-valia (MARX, 1983).
Resumindo: trabalho produtivo é aquele que é
comprado com o capital dinheiro, sendo capaz de
produzir um excedente ou qualquer forma de tra-
balho que crie mais-valia. Trabalho improdutivo é o
trabalho contratado como serviço pessoal ou como
artigo de consumo.
O capital é uma relação social que aparece com o
surgimento da burguesia, classe social que se apro-
veita privadamente dos meios de produção e se fir-
ma definitivamente após a dissolução do mundo
feudal. O capital é uma relação que se caracteriza
pela compra e venda da força de trabalho, surgindo
quando tudo se torna mercadoria, inclusive a força
de trabalho. É a partir dessa relação que os meios de
produção se tornam capital, e a força de trabalho,
mercadoria. O capitalista vai ao mercado e compra
mercadorias (força de trabalho e meios de produ-
ção) com a finalidade de aumentar o dinheiro.
O valor de uso significa o quanto vale o bem, para
que ele serve. Agora, o valor de uma mercadoria é
igual ao tempo de trabalho socialmente necessário
para produzi-la. Já o valor que excede o valor da for-
ça de trabalho e que vai para as mãos capitalistas,
Marx denomina mais-valia. A essência do capitalis-
mo é a formação do valor e a apropriação da mais-
valia pelo capital.
Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social
54
O trabalho improdutivo seria então os trabalhos
que não geram lucro, como os desenvolvidos nas
áreas da administração pública, por exemplo, mas
só podem existir e serem sustentados por causa do
excedente produzido pelo trabalho produtivo.
Graças à superprodução dos trabalhadores do se-
tor produtivo é que se pode manter esse grande nú-
mero de trabalhadores improdutivos, porque além
dos muito novos e dos muito velhos para o trabalho
existem as profissões ideológicas, como os gover-
nantes, polícia, igreja, magistratura, exército etc. e as
pessoas que vivem somente do trabalho alheio sob
a forma de renda fundiária, de juros, de dividendos,
e esses devem ser sustentados de alguma forma na
sociedade capitalista.
Simone de Beauvoir dizia: “Se o aposentado fica
desesperado com a falta de sentido de sua vida pre-
sente, é porque o sentido de sua existência sempre
lhe foi roubado”, criticando assim a forma de explo-
ração capitalista, que, segundo ela, não fornece sen-
tidos ao trabalho para que pudéssemos envelhecer
de forma natural, sem o sentimento de improduti-
vidade. Porque essa improdutividade de que esta-
mos falando agora é aquela que a sociedade condena
porque não gera lucro. Não gerar lucro na sociedade
do capital é ser considerado marginal, dependente,
sem autonomia, descartável.
As sociedades capitalistas supervalorizam o traba-
lho na vida dos seres humanos e, quando esse deixa
de existir, pela aposentadoria, por doença ou pelo
desemprego, compromete a qualidade do envelheci-
mento do indivíduo, principalmente se lhe faltarem
habilidades e condições para incorporar e priorizar
outras atividades e valores em sua vida. Compre-
endemos que no sistema capitalista o trabalhador é
obrigado a vender a sua força de trabalho para ga-
rantir a própria subsistência e/ou a de seus familia-
res. Entretanto, a forma que a força de trabalho assu-
me na sociedade capitalista – enquanto mercadoria
– contribui para a percepção do idoso sobre o en-
velhecimento basicamente como perda das funções
físicas e mentais, restando pouco saldo positivo para
o processo de envelhecimento ancorado no acúmulo
de experiência e sabedoria. Quanto ao significado do
envelhecimento no mercado de trabalho, as narrati-
vas evidenciaram que a ausência do trabalho pode
ser substancialmente responsável pela redução da
qualidade de vida e de envelhecimento.
Marx (1983) salienta que só o trabalho que se
transforma em capital é produtivo, ou seja, aquele
que produz mais-valia, bem como envolve uma re-
lação determinada entre compra e venda do traba-
lho. A atividade produtiva vai designar o conjunto
de relacionamentos e dos modos em que a força de
trabalho figura no processo capitalista de produção.
Já o trabalho improdutivo, para Marx, pode ser en-
tendido como um processo onde o dinheiro é troca-
do diretamente pelo trabalho, sem produzir capital
e sem ser, portanto, produtivo, caso em que se está
comprando um serviço. Mas Marx ainda acrescenta
que a mesma espécie de trabalho pode ser produti-
va ou improdutiva, como é o caso do trabalho do
professor, do escritor, do cantor. Segundo ele, isto
ocorre quando “o produto deste trabalho reverte em
capital para quem o contratou”.
Braverman (1987) destaca que a transformação
do trabalho improdutivo em trabalho produtivo,
para os fins capitalistas, é forma de extrair valor ex-
cedente, presente no próprio processo da criação da
sociedade capitalista; em outras palavras, o autor é
enfático ao afirmar que “o modo capitalista de pro-
dução subordinou a si mesmo todas as formas de
trabalho”.
Wunsch e Mendes (2003) apontam que, “ao revi-
sar essa composição entre trabalho produtivo e im-
produtivo, elaborada à luz do referencial marxista,
transportando-a para o atual estágio de desenvolvi-
mento do capitalismo, pode-se inferir que há pouca
distinção a ser feita, na atualidade, acerca do traba-
lho produtivo e improdutivo. Isso ocorre principal-
mente pela apropriação do segundo pelo primeiro,
no processo de acumulação capitalista. Quer dizer,
embora o trabalho dito improdutivo não gere di-
retamente valor excedente, ele trabalha diretamente
para o capital, dando evasão a esse valor distribuí-
do entre os vários capitais. Então, quanto maior for
esse capital, maior é a tendência à ampliação das ati-
vidades improdutivas.”
AULA 7 — Trabalho Produtivo e Improdutivo
55
Os autores ressaltam também que se tem obser-
vado um decréscimo do trabalho tido como impro-
dutivo no seio da indústria tradicional. Esse fator
vem ocorrendo por dois movimentos. O primeiro
deles diz respeito à crescente terceirização destas
atividades pelas empresas, a exemplo do que ocor-
re nos setores de alimentação, limpeza, vigilância,
recursos humanos, contabilidade, saúde ocupacio-
nal etc. Como segundo movimento, destacam-se as
atividades tradicionalmente realizadas e “pensadas”
pelos funcionários do “escritório”, nas indústrias, e
que passam a ser realizadas por trabalhadores do
piso da fábrica, agora “multifuncional”, que passam
a incorporar o dito “improdutivo” nas suas funções
produtivas. Transformam a natureza do seu traba-
lho, contribuindo para aumentar o seu valor exce-
dente. Amplia-se, então, a extração da mais-valia
nesse processo de trabalho combinado. O imbrica-
mento entre ambos e a redução da absorção da força
de trabalho, com o advento da ampliação da produ-
tividade do trabalho, têm constituído um excedente
de trabalhadores com características distintas, mas
que se aproximam pelas circunstâncias econômicas
e históricas.
DESEMPREGO E TRABALHO
A principal interface emprego/desemprego está
na ausência de uma linha divisória entre inseridos
e “excluídos” no “mundo do trabalho”. Essa linha é,
pontualmente, sinalizada por Matoso (1994). Para
ele, o capital reestrutura-se, movendo-se contra o
trabalho organizado, gerando crescente insegurança
e desestruturação do mesmo. Segundo esse autor, a
insegurança no emprego se dá, fundamentalmente,
pela elevação das facilidades patronais em despedir
e utilizar trabalhadores eventuais, assim como pela
insegurança na renda. Essa insegurança está rela-
cionada à fragmentação da atividade remunerada,
à contratação em condições de eventualidade e de
precariedade.
Portanto, o desemprego apresenta-se sob múlti-
plos aspectos: como expressão da questão social; na
constituição de incontável número de trabalhadores
ativos que compõem o exército de reserva; na inse-
gurança no trabalho e emprego. Acima de tudo, no
entanto, o desemprego incide de maneira conjuga-
da na configuração da classe operária, quer seja pela
perda do papel social de quem não consegue vender
sua força de trabalho ou pela mescla de diferentes
formas de trabalho, imprimindo uma heterogenei-
dade à classe e a seus integrantes.
Trabalho produtivo, portanto, de acordo com
Marx (1987), não é uma simples troca de dinhei-
ro por trabalho, mera produção de mercadoria,
mera troca entre capitalista e trabalhador (como
possuidores de mercadorias). Não é definido pelo
predominante dispêndio de força física. Tampouco
se restringe à produção de riqueza material (em de-
terminadas condições, produção não-material pode
configurar-se trabalho produtivo). Na relação capi-
tal/trabalho, trabalho produtivo é aquele que acres-
ce valor. O que define o trabalho produtivo não é o
tipo de atividade, nem a quantidade ou qualidade
do produto resultante do trabalho e, sim, o fato de
trocar-se diretamente por capital.
O trabalho aplicado na esfera da produção for-
mando o capital produtivo e o trabalho aplicado na
esfera da circulação formando o capital-mercadoria e
o capital-dinheiro são imediatamente trabalhos pro-
dutivos na medida em que os trabalhadores recebem
dinheiros-salários provenientes da troca de sua força
de trabalho pelo capital. E isso acarreta uma exclusão
dos trabalhadores à riqueza por eles produzida.
De acordo com Lima, no texto Da Produção de
Mercadorias à Produção de Não-Mercadorias, a di-
nâmica econômica a partir do crash de 1929 estará
fundada no trabalho improdutivo-destrutivo, no
Estado despótico, na moeda inconversível, no défi-
cit público etc. A produção humana, para dar sus-
tentabilidade ao sistema capitalista, passa a produzir
como partes necessárias e imanentes à sua dinâmi-
ca: guerras, drogas, lavagem de dinheiro, corrupção
etc. Esse é o verdadeiro desenvolvimento sustentável
que o capitalismo conhece e pratica.
A dominação do trabalho improdutivo-destruti-
vo repercute em todos os setores da sociedade do-
minada pelo capital. Esse é o capitalismo, ele não é
outro, só vai mudando de forma social.
Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social
56
A demanda sob a dominação do trabalho im-
produtivo-destrutivo se constitui em objetos qua-
litativamente diversos dos demandados por traba-
lhadores: tanques de guerra, AR-15, superinfovias,
propaganda, naves espaciais etc.
A MAIS-VALIA
Ao realizar o trabalho produtivo, o indivíduo
vende a sua força de trabalho por um salário para
quem possui os meios de produção, ou seja, a pro-
priedade dos instrumentos de produção. Assim, a
força de trabalho vendida será embutida no capital
em forma de capital variável, de modo que, por meio
do processo de produção, valorize o capital inicial e
este seja incrementado na mais-valia. A mais-valia
parece ser uma simples conseqüência do processo,
mas é muito mais: é o motor de todo o processo.
Marx elucida que para “transformar dinheiro em
capital tem o possuidor do dinheiro de encontrar o
trabalhador livre no mercado de mercadorias, livre
nos dois sentidos, o de dispor como pessoa livre de
usar força de trabalho como sua mercadoria, e o de
estar livre, inteiramente despojado de todas as coi-
sas necessárias à materialização de sua força de tra-
balho, não tendo além desta outra mercadoria para
vender (MARX, 1970).
Conforme o autor e a exposição de Giubertti
(2007), o valor da força de trabalho é determinado
como o de qualquer outra mercadoria pelo tempo
necessário à sua produção. Karl Marx foi um dos
grandes pensadores do funcionamento do sistema
capitalista. Em O Capital, assume como um dos
principais objetivos explicar a sua estrutura, bem
como o seu desenvolvimento. Mais do que isso,
Marx se preocupou com a condição dos homens
e mulheres inseridos no referido regime, além da
própria história do regime capitalista, e, inclusive,
os acontecimentos e contradições que levariam ao
fim esse sistema de exploração.
Segundo Marx, a essência do capitalismo é, pri-
mordialmente, a busca do lucro. E como explicar a
origem do lucro? A resposta encontrada por Marx é
o processo de produção da mais-valia. O autor parte
do princípio de que o valor de qualquer mercadoria
é, geralmente, proporcional à quantidade de traba-
lho social médio nela contida, chegando à teoria
do valor-trabalho. Nessa teoria, Marx afirma que
o único elemento quantificável que se identifica na
mercadoria é a quantidade de trabalho gasto para a
sua realização. Assim, o valor do trabalho pode ser
medido como o valor de qualquer outra mercado-
ria. O salário que o trabalhador recebe pela venda da
sua força de trabalho equivale à quantidade de tra-
balho social necessário para produzir mercadorias
essenciais para a vida do trabalhador e sua família.
Conseqüentemente, o trabalho é também uma mer-
cadoria e a força de trabalho é vendida como tal.
Segundo Marx (1970), todo o trabalho é, de um
lado, dispêndio de força humana de trabalho, no
sentido fisiológico, no seu caráter abstrato e cria o
valor das mercadorias. Por outro lado, todo o traba-
lho é também dispêndio de força humana para um
determinado fim e, nessa qualidade de trabalho útil
e concreto, produz valores de uso. Um outro aspec-
to importante ressaltado pelo autor é que, no pro-
cesso de troca, para que os bens se relacionem uns
aos outros como mercadorias, importa que os seus
donos se relacionem entre si como pessoas. Somen-
te de acordo com a vontade do outro se apropria da
mercadoria alheia enquanto aliena a própria. É cla-
ro que, segundo essa lógica, o dono da mercadoria
só propõe trocá-la se ela não tem para ele nenhum
valor de uso. Assim, cada possuidor de mercadorias
só se propõe a alienar sua mercadoria por outra
cujo valor de uso satisfaça a sua necessidade, e que,
sem dúvida, o indivíduo queira realizar a troca da
sua mercadoria, enquanto valor, por qualquer outra
mercadoria que lhe agrade e do mesmo valor.
Continua a autora, afirmando que o ciclo mer-
cadoria-dinheiro-mercadoria parte de uma mer-
cadoria à outra, que sai de circulação e entra no
consumo, para a satisfação de necessidade, ou seja,
valor de uso, objetivo final do processo. Marx tam-
bém argumenta, na sua análise da transformação
do dinheiro em capital, que esse processo tem que
ser desenvolvido com base nas leis imanentes ao in-
tercâmbio de mercadorias, de modo que a troca de
equivalentes sirva de ponto de partida.
AULA 7 — Trabalho Produtivo e Improdutivo
57
Em resumo, Marx (1970) afirma que, para trans-
formar dinheiro em capital, o dono do dinheiro
precisa encontrar no mercado a mercadoria traba-
lho, vendida por um tempo determinado e de forma
livre pelo seu proprietário e que este tenha apenas a
mercadoria-trabalho para vender. Tal quadro não é
considerado por Marx como natural, mas historica-
mente construído.
A exploração por parte do capitalista se dá da se-
guinte forma: o operário, por exemplo, produz, em
seis horas, um valor igual ao que está contido em seu
salário. Mas ele não trabalha apenas seis horas, ele
trabalha oito horas. Assim, duas horas do seu tempo
trabalhado é do patrão. As seis primeiras horas Marx
chama de trabalho necessário, as duas horas que ele
trabalha para o dono da empresa é nomeada de so-
bretrabalho. A mais-valia, então, é a quantidade de
valor produzido pelo trabalhador além do tempo de
trabalho necessário, ou seja, com o sobretrabalho.
Marx sustenta que existem duas maneiras para
aumentar a mais-valia, o que corresponde também
à exploração dos trabalhadores. Essa também é a
resposta de como o lucro é possível, como é possível
ao final do processo ter mais do que no seu início. O
primeiro procedimento é o de prolongar a duração
do trabalho e, conseqüentemente, o sobretrabalho;
ou, segundo, reduzir o mais possível o trabalho ne-
cessário, o que dá no mesmo. Um dos mecanismos
para reduzir a duração do trabalho necessário seria
aumentar a produtividade, ou seja, produzir o valor
correspondente ao salário em menos tempo.
TEMPOS MODERNOS
Nos dias atuais, Braverman (1974) afirma que o
trabalho improdutivo se confunde com o produtivo
com o aumento dos setores burocráticos e de servi-
ços, que fazem parte dos setores improdutivos por-
que não geram riqueza nem lucro ao capital e não
criam ou transformam valores de uso. Braverman
observa nisso uma articulação em que todas as for-
mas de trabalho passam a servir ao capital, “todos os
processos de trabalho são considerados igualmente
úteis – inclusive aqueles que produzem, concreti-
zam ou desviam o excedente. As formas de trabalho
produtivo e improdutivo são confundidas, nas fir-
mas individuais e na economia como um todo, em
igual nível” (BRAVERMAN, 1974).
Assim, o trabalho produtivo decresce devido à sua
produtividade exacerbada que o torna desnecessário
e resulta em um aumento do trabalho improdutivo
para captar esses excedentes, mas, enquanto massa
de trabalhadores, figuram indistintos para o capital
(BRAVERMAN, 1974).
! CONCEITOSIMPORTANTES
A força motriz do sistema capitalista é a acumulação
de capital. O excedente é criado e apropriado: a conhe-
cida mais-valia.
MAIS VALIA: expressão usada para designar a dispa-
ridade entre o salário pago e o valor do trabalho pro-
duzido.
MAIS-VALIA ABSOLUTA: é a mais-valia que se ob-
tém pelo prolongamento da jornada de trabalho.
MAIS VALIA RELATIVA: é a mais-valia que se obtém
mediante a diminuição do tempo de trabalho neces-
sário (ex.: o trabalhador deixa de gastar 8 horas para
produzir seu sustento, passando a gastar 6 horas).
FORÇAS PRODUTIVAS: são os elementos que en-
tram no processo produtivo: força de trabalho e meios
de produção.
RELAÇÕES DE PRODUÇÃO: estabelecidas entre os
proprietários dos meios de produção e os trabalhadores.
SUPERESTRUTURA: é a base econômica que condi-
ciona a forma do Estado, o direito e a ideologia de um
povo.
PROCESSO PRODUTIVO: O homem transforma a
natureza em produtos
MODO DE PRODUÇÃO: Combinação entre as for-
ças produtivas e as relações sociais e técnicas.
Para ficar mais fácil de entender, vamos estudar um
exemplo. Suponhamos que um operário seja contra-
tado para trabalhar 8 horas por dia numa fábrica de
motocicletas. O patrão lhe paga 16 reais por dia, ou
seja, 2 reais por hora, e o operário produz duas motos
por mês. O patrão vende cada moto por 3.883 reais.
Desse dinheiro, ele desconta o que gasta com maté-
Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social
58
ria-prima, desgaste de máquinas, energia elétrica etc.;
exagerando bastante, vamos supor que esses gastos so-
mem 2.912 reais. Logo, sobram de lucro para o patrão
971 reais por moto vendida (3.883 menos 2.912 é igual
a 971). Se o operário produz duas motos por mês, ele
produz, na verdade, 1.942 reais por mês (2x971). Se,
num mês, ele trabalhar 240 horas, produzirá 8,1 reais
por hora (1.942 dividido por 240 horas).
Portanto, em 8 horas de trabalho ele produz 64,8 reais
(8,1x8) e ganha 16 reais. A mais-valia é exatamente o
valor que o operário cria além do valor de sua força
de trabalho. Se sua força de trabalho vale 16 reais e
ele cria 64,8, a mais-valia que ele dá ao patrão é de
48,8 reais, ou seja, o operário trabalha a maior parte
do tempo de graça para o patrão! Para saber quanto,
basta fazer uma regra de três simples:
64,8 ...............8 h.
16 ..................X
16 vezes 8 dividido por 64,8 é igual a 2h e 6m
Conclusão: das 8 horas que o operário trabalha, ele
só recebe 2 horas e seis minutos. O resto do tempo ele
trabalha de graça para o capitalista. Esse valor que o
patrão embolsa é o trabalho não pago.
Ao patrão o que interessa é o aumento constante
da mais-valia porque assim seus lucros também au-
mentam.
Exemplo retirado do site www.pstu.org.br/juventude/
mg/maisvalia.html
* AnOTAÇõES
AULA 8 — A Polêmica em Torno da Crise da Sociedade do Trabalho
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AULA
8____________________A POLêMICA EM TORnO DA CRISE DA
SOCIEDADE DO TRABALHO
Conteúdo• As recentes crises do capitalismo
• A discussão a respeito da centralidade do trabalho no sistema capitalista
Competências e habilidades• Entender os antecedentes históricos de natureza econômica para contextualizar as discussões acerca
da polêmica em torno da crise da sociedade do trabalho.
• Conhecer as correntes de pensamento que discutem a crise relativa à relação capital e trabalho.
Textos e atividades para auto-estudo disponibilizados no Portal• Os textos para auto-estudo e as atividades serão disponibilizadas no portal
• Sites relacionados: http://www.unicamp.br/cemarx/criticamarxista/http://www.unb.br
• Filme: O Corte (Le Couperet).
Direção: Costa-Gavras. Origem: Bélgica/França/Espanha, 2005
Sinopse: Após quinze anos de leais serviços como executivo de uma fábrica de papel, Bruno D. é despedido com centenas dos seus colegas devido a corte de despesas.Três anos se passam sem que ele encontre um novo emprego. Agora ele está disposto a tudo para conseguir um novo posto, inclusive partir para a ofensiva.
Duração2h/a – via satélite com o professor interativo
2h/a – presenciais com o professor local
6h/a – mínimo sugerido para auto-estudo
A polêmica em torno da crise da sociedade do
trabalho se refere a uma discussão recente que, de
forma geral, polariza-se entre aqueles que declaram
o fim do trabalho na sociedade contemporânea, sig-
nificando que o trabalho perdeu a centralidade, não
é mais o centro do sistema capitalista; que deixou de
ser tão importante em face da ciência e da tecnolo-
gia, que foram elevados a fatores preponderantes no
atual estágio de desenvolvimento da economia.
De outro lado, há aqueles para quem a socie-
dade continua fundada no trabalho e que tanto
a ciência quanto a tecnologia não são a principal
força produtiva do capitalismo contemporâneo,
porque ambas dependem do trabalho. Tanto An-
tunes quanto Lessa combatem a visão eurocên-
trica dos teóricos que negam ser o trabalho o ele-
mento central para estruturação da organização
social.
Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social
60
O debate acerca da crise da sociedade do trabalho,
de acordo com Lessa (2005), se dá devido ao fato de
que há, em Marx, uma diferenciação da função social
do proletariado e dos outros assalariados fundada
na distinta inserção na estrutura produtiva de cada
classe social. Essa distinção está claramente posta em
O Capital e que, com freqüência, muitos estudiosos
recorrem aos manuscritos, como os Grundrisse ou o
Capítulo VI, Inédito, para desautorizar o texto pu-
blicado por Marx e que, política e teoricamente, têm
servido para revogar a centralidade do proletariado
para superação do sistema do capital.
“No início dos anos de 1990 a vaga neoliberal e
as teses do fim do trabalho estavam em plena ascen-
são. Um dos argumentos então freqüentes contra o
marxismo era a identificação imediata da centrali-
dade ontológica do trabalho com a centralidade po-
lítico-revolucionária do proletariado. Procuravam
demonstrar a falsidade das teses marxianas acerca
do trabalho e seu papel fundante para o mundo dos
homens, associando-as imediatamente à “centrali-
dade política” dos trabalhadores. Se o trabalho de
fato fosse a categoria fundante do mundo dos ho-
mens, argumentavam, então os trabalhadores deve-
riam ser – sempre – a classe politicamente funda-
mental. Como nem no escravismo nem no feuda-
lismo coube aos escravos e servos a direção política
e, prossegue o argumento, como hoje não podemos
identificar o peso decisivo das lutas proletárias, en-
tão a tese marxiana da centralidade ontológica do
trabalho estaria sendo peremptoriamente negada
pela história.”
Conforme esclarece Teixeira (2007, p. 64), “tal-
vez, por conta desse caráter contingencial da luta
de classes, Marx, nos Grundrisse, especula sobre a
possibilidade do aparecimento de uma nova forma
de produção de mercadorias na história do desen-
volvimento do capitalismo. Uma forma de produ-
ção de mercadorias superior à da grande indústria,
considerando que, nela, a investigação científica
pura e sua aplicação produtiva atingiriam um de-
senvolvimento extremamente avançado; tão avan-
çado que o trabalhador, diria Marx, de apêndice
que era da máquina, na grande indústria, se trans-
formaria num controlador do processo de trabalho.
Noutras palavras, nessa nova forma de produção
de mercadorias, o sobretrabalho da massa, como
assinala Marx, deixaria de ser a condição para o
desenvolvimento da riqueza social; assim como o
não-trabalho de poucos, para o desenvolvimento da
força universal do cérebro humano. Essa forma de
produção de mercadorias é, hoje, tematizada pelos
teóricos do fim da sociedade do trabalho como ex-
pressão de uma nova configuração assumida pelo
sistema produtor de mercadorias, que pouco ou
quase nada tem a ver com o capitalismo da época
de Marx. Realmente, para Claus Offe e Giannotti, as
modificações por que passou o sistema na realidade
contemporânea implodiram o tempo de trabalho
socialmente necessário como a medida objetiva do
valor. Para Offe, a implosão dessa categoria deve-se
ao aparecimento do setor serviços como um corpo
estranho dentro da produção capitalista. Para ele,
essa forma de trabalho não pode ser submetida à
mesma racionalidade que governa a produção in-
dustrial. Conseqüentemente, parcela significativa
da força de trabalho não é mais uma simples mer-
cadoria, cujo valor possa ser determinado como o
das demais mercadorias.”
No quadro a seguir são apresentados, de forma
sintética, alguns teóricos e os seus respectivos posi-
cionamentos acerca da discussão sobre modificações
do trabalho no atual estágio de desenvolvimento do
sistema capitalista de produção.
Discussão sobre a polêmica em torno da sociedade do trabalho
André Gorz Considerado como um pensador da ecologia política e do anticapitalismo, na década de 1980, publicou Adeus ao proletariado, que teve um grande impacto em toda a Europa e, na França, lhe rendeu o repúdio da Confederação Francesa Democrática do Trabalho (CFDT). Difundiu a idéia de que o proletariado acabou e com ele as respectivas forças do movimento do trabalho.
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AULA 8 — A Polêmica em Torno da Crise da Sociedade do Trabalho
61
Claus Offe Tratou da retração do trabalho e não do seu fim propriamente dito. Reconhece a alterna-tiva do trabalho cooperativo como forma democrática e socialista de trabalho. Para ele há uma nova ordem social decorrente falência do Estado de bem-estar social, principal provedor dos serviços sociais aos cidadãos.
Jürgen Habermas O desenvolvimento do ser humano não está somente no mundo do trabalho, mas, tam-bém, no “mundo da vida”, na ação por meio da comunicação. Acredita que a transfor-mação da ciência na principal força produtiva, em substituição ao valor trabalho, é uma das causas da precarização nas relações de trabalho.
Dominique Meda Desenvolve a idéia do trabalho como um valor em extinção e, conseqüentemente, contes-ta a idéia da centralidade do trabalho no sistema capitalista.
Jeremy Rifkin A crescente redução do emprego aponta para o fim do trabalho. Em 1996 publicou o best-seller O fim dos empregos, no qual debate a questão do desemprego estrutural, ou seja, aquele que, independentemente da conjuntura econômica e da performance do nível de atividades, decorre da substituição da mão-de-obra pela tecnologia e do enxugamento dos recursos humanos como fator de competitividade. Os instrumentos utilizados são robôs, mecatrônica, parafernálias cibernéticas e tecnologia da informa-ção, o que faz com que o desemprego estrutural aumente o número de pessoas em busca de trabalho.
Robert Kurz Os trabalhadores integram o mundo da mercadoria e por essa razão estariam impossibili-tados de realizar grandes transformações no “sistema produtor de mercadorias”.
Robert Castel Entende a centralidade do trabalho a partir da defesa contratualista da sociedade sala-rial. As “formas particulares de emprego” disseminam a terceirização, a contratação temporária, o estágio remunerado, o trabalho parcial ou eventual por tempo determi-nado, a contratação por meio de cooperativas, o trabalho domiciliar, a subcontratação, entre outras, que possibilitam a redução de despesas com encargos sociais. Tais formas de “emprego” assemelham-se a antigos sistemas de contratação, que acabavam diluin-do o status do trabalhador diante das pressões do trabalho.
Ricardo Antunes O trabalho ocupa a centralização, não está mais em desaparecimento. A ciência não pode abdicar do trabalho, há interação entre ciência e trabalho. A sociedade continua fun-dada no trabalho.
na medida em que, para se reproduzir, o capital precisa do trabalho, “sujeito real da produção”, não é possível pensar num processo produtivo capitalista totalmente auto-matizado e sem trabalhadores. Contesta a visão eurocêntrica sobre a centralidade do trabalho.
novas formas de conter o capital A luta social associada com a luta ecológica. Greenpeace e Anistia Internacional. Movimentos contra organismos internacionais como o G8 e o OMC.
Movimentos sociais de O exercício do direito de greve pelos trabalhadores. contestação do capital Chiapas, no México; Movimento Campesino, na Itália; MST, no Brasil; Canudos e Contestado.
Para que se compreendam as razões dessa discus-
são são necessárias algumas referências do contex-
to da economia mundial, nas últimas décadas, que
criou novas dinâmicas para aumentar seus ganhos,
com impacto tanto no comércio internacional de
mercado quanto nas formas de contratação de tra-
balho, em face do desemprego estrutural que se fir-
mou no sistema capitalista.
Ao tratar das décadas de crise no mundo con-
temporâneo, Hobsbawn (1999, p. 393-394) afirma
que: “A história dos vinte anos após 1973 é a de um
mundo que perdeu suas referências e resvalou para
a instabilidade e a crise. E, no entanto, até a década
de 1980 não estava claro como as fundações da Era
de Ouro haviam desmoronado irrecuperavelmen-
te. A natureza global da crise não foi reconhecida
e muito menos admitida nas regiões não-comunis-
tas desenvolvidas, até depois que uma das partes do
mundo – a URSS e a Europa Oriental do ‘socialismo
real’ – desabou inteiramente. Mesmo assim, durante
Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social
62
muitos anos os problemas econômicos ainda eram
‘recessões’. O tabu de meio século sobre o uso do
termo depressão, lembrança da Era da Catástrofe,
não foi inteiramente rompido. (...) Só no início da
década de 1990 encontramos o reconhecimento
– como, por exemplo, na Finlândia – de que os pro-
blemas econômicos do presente eram de fato piores
que os da década de 1930.
(...) As Décadas de Crise após 1973 não foram
mais uma Grande Depressão, no sentido dos anos
1930, do que as décadas após 1873, embora também
elas recebessem esse nome na época. A economia
global não desabou, mesmo momentaneamente,
embora a Era de Ouro acabasse em 1973-5 como
alguma coisa bem semelhante a uma depressão cí-
clica bastante clássica, que reduziu a produção in-
dustrial nas ‘economias de mercado desenvolvidas’
em 10% em um ano, e o comércio internacional em
13% (ARMSTRONG, GLYN, & HARRISIN, 1991,
p. 225).
(...) A tendência geral da industrialização foi
substituir a capacidade humana pela capacidade das
máquinas, o trabalho humano por forças mecânicas,
jogando com isso pessoas para fora dos empregos.
Supunha-se, corretamente, que o vasto crescimen-
to da economia tornado possível por essa constante
revolução industrial criaria automaticamente mais
do que suficientes novos empregos em substituição
aos velhos perdidos, embora as opiniões divergis-
sem sobre o tamanho do corpo de desempregados
necessário para a operação eficiente de uma tal eco-
nomia. (...) O crescente desemprego dessas décadas
não foi simplesmente cíclico, mas estrutural.
O desempenho e a produtividade da maquina-
ria, segundo Hobsbawn (1999, p.404), podiam ser
elevados constantemente, e para fins práticos in-
terminavelmente, pelo progresso tecnológico, e seu
custo, dramaticamente reduzido. O mesmo não se
dava com o desempenho dos seres humanos, como
demonstra uma comparação das melhoras na velo-
cidade do transporte aéreo com o recorde dos 100
metros. De qualquer modo, o custo do trabalho hu-
mano não pode, por nenhum período de tempo, ser
reduzido abaixo do custo necessário para manter
os seres humanos vivos num nível mínimo aceitá-
vel como tal em sua sociedade ou, na verdade, em
qualquer nível. Os seres humanos não foram efi-
cientemente projetados para um sistema capitalista
de produção. Quanto mais alta a tecnologia, mais
caro o componente humano de produção compara-
do com o mecânico.
Nesse aspecto, Antunes entende que máquinas
inteligentes operando sozinhas (e consumindo) só
existem no terreno da ficção científica. O fracasso
do projeto Saturno, da General Motors, é um exem-
plo da impossibilidade de “automatizar o processo
produtivo desconsiderando o trabalho. Não só as
máquinas inteligentes não podem substituir os tra-
balhadores, mas, pelo contrário, elas exigem uma
força de trabalho ainda mais complexa, multifun-
cional, que deve ser explorada de maneira mais in-
tensa e sofisticada, ao menos nos ramos produtivos
dotados de maior incremento tecnológico”.
Ou seja, a transformação do trabalho vivo em tra-
balho morto, possível a partir do momento em que
há uma transferência das capacidades intelectuais
dos trabalhadores para os computadores, a redução
do trabalho improdutivo nas fábricas (eliminação
de várias funções intermediárias que foram incor-
poradas pelo trabalho produtivo) e a ampliação
das formas de trabalho intelectual não indicam de
modo algum que a teoria do valor-trabalho tenha se
tornado obsoleta.
Portanto, em vez da substituição do trabalho pela
ciência, ou ainda da substituição da produção de va-
lores pela esfera comunicacional, da substituição da
produção pela informação, o que vem ocorrendo no
mundo contemporâneo é uma maior inter-relação,
maior interpenetração, entre as atividades produti-
vas e as improdutivas, entre as atividades fabris e de
serviços, entre as atividades laborativas e as ativida-
des de concepção, que se expandem no contexto da
reestruturação produtiva do capital, possibilitando
a emergência de processos produtivos pós-tayloris-
tas e pós-fordistas.
Conforme esclarece Lessa (2005), “é a forma tipi-
camente capitalista de ‘cooperação’ na ‘manipulação
do objeto de trabalho’ que particulariza o trabalha-
AULA 8 — A Polêmica em Torno da Crise da Sociedade do Trabalho
63
dor coletivo frente aos outros trabalhadores pro-
dutivos. Como o ‘objeto de trabalho’ é a natureza
ou a natureza convertida em matéria-prima (Marx,
1983a:150), em Marx o trabalhador coletivo se dis-
tingue por se relacionar ‘mais de perto ou mais de
longe’ com o intercâmbio orgânico com a nature-
za. Como, no mesmo parágrafo, Marx já nos havia
adiantado que o trabalhador coletivo é um modo
de controle do trabalho pelo capital em que o tra-
balho intelectual e o manual são ‘opostos’ como
‘inimigos’, a expressão mais perto ou mais distante
tem em Marx limites explícitos: do trabalhador co-
letivo não fazem parte os trabalhadores intelectuais.
Apenas aqueles produtores da mais-valia que se re-
lacionam com a manipulação do objeto do trabalho
compõem o trabalhador coletivo.
Além disso, poucas linhas depois, Marx se refere
ao professor de uma escola privada que, em sendo
um trabalhador produtivo, pois gera mais-valia para
seu patrão, não é de modo algum um trabalhador
coletivo. (MARX, 1983b:106??).
Há, portanto, não apenas no interior do traba-
lhador coletivo, mas também fora dele, produção
de mais-valia. Repetimos: nem todo trabalhador
produtivo é partícipe do trabalhador coletivo, ainda
que todo trabalhador coletivo necessariamente seja
um trabalhador produtivo de mais-valia.”
Dentre os estudiosos que pertencem à corren-
te de pensamento que entende estar o trabalho na
centralidade do sistema capitalista, temos Antunes,
que cunhou a expressão classe-que-vive-do-trabalho
com o objetivo de “conferir validade contemporâ-
nea ao conceito marxiano de classe trabalhadora.
Quando tantas formulações vêm afirmando a per-
da da validade analítica da noção de classe, nossa
designação pretende enfatizar o sentido atual da
classe trabalhadora, sua forma de ser”, ou seja, An-
tunes (p. 101 e 102) esclarece que a classe-que-vive-
do-trabalho, que é a classe trabalhadora, refere-se
ao ser social que trabalha “e hoje inclui a totalidade
daqueles que vendem sua força de trabalho, tendo
como núcleo central os trabalhadores produtivos
(no sentido dado por Marx, especialmente no Capí-
tulo VI, Inédito). Ela não se restringe, portanto, ao
trabalho manual direto, mas incorpora a totalidade
do trabalho social, a totalidade do trabalho coleti-
vo assalariado. Sendo o trabalho produtivo aquele
que produz diretamente mais-valia e participa di-
retamente do processo de valorização do capital, ele
detém, por isso, um papel de centralidade no inte-
rior da classe trabalhadora, encontrando no prole-
tariado industrial o seu núcleo principal. Portanto,
o trabalho produtivo, onde se encontra o proleta-
riado, no entendimento que fazemos de Marx, não
se restringe ao trabalho manual direto (ainda que
nele encontre seu núcleo central), incorporando
também formas de trabalho que são produtivas, que
produzem mais-valia, mas que não são diretamente
manuais (idem)”.
Dessa forma, Antunes esclarece que a classe tra-
balhadora hoje é entendida a partir de uma visão
ampliada que deve incorporar a totalidade dos tra-
balhadores assalariados, tanto o proletariado indus-
trial como o conjunto dos assalariados que vendem
a sua força de trabalho em troca de salário, os as-
salariados do setor de serviços, também o proleta-
riado rural. Essa noção incorpora o proletariado
precarizado, o subproletáriado moderno, part time,
o novo proletariado dos McDonalds, os trabalhado-
res assalariados da chamada “economia informal”,
que muitas vezes são indiretamente subordinados
ao capital, além dos trabalhadores desempregados,
expulsos do processo produtivo e do mercado de
trabalho pela reestruturação do capital e que hiper-
trofiam o exército industrial de reserva, na fase de
expansão do desemprego estrutural.
Enquanto teórico marxista, Lessa (2005) obser-
va que conceitos construídos em O Capital, que foi
um texto aprovado e publicado pelo próprio Marx,
não poderiam ser distorcidos em ocasiões nas quais
se faz uma comparação com o texto de os Manus-
critos, que não foi publicado em vida e, portanto,
deveria sempre ser cotejado como o conteúdo de O
Capital.
Nesse sentido, ressalta que há construções teóri-
cas que não podem deixar de ser observadas, por-
que “nem as transformações em curso nos anos de
1960, nem o fenômeno da reestruturação produtiva
Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social
64
nas últimas décadas alteraram a essência do sistema
do capital. Tal como postulou Marx, o proletariado
continua sendo a única classe que produz o “conte-
údo material da riqueza” mediante a transformação
da natureza nos bens imprescindíveis à reprodução
social. Todos os outros assalariados, assim como to-
dos os setores da burguesia (dirigentes ou não da
produção), vivem da riqueza produzida pelo prole-
tariado. E o fato de, sob o capitalismo, haver a pos-
sibilidade de a burguesia extrair mais-valia de ativi-
dades outras que não o intercâmbio orgânico com
a natureza é apenas uma das conseqüências daquela
simultânea “ampliação” e “estreitamento” do que é
produtivo sob a regência do capital: muitas ativida-
des (aqui, a ampliação do conceito de produtivo)
produzem apenas e tão-somente mais-valia (aqui,
seu estreitamento).
Portanto, a tese da manutenção da centralidade
do trabalho, defendida por Antunes, reconhece que
nos países de industrialização avançada está ocor-
rendo uma desproletarização do trabalho industrial
e havendo a concretização da sua subproletariza-
ção, quando se observa a precarização do trabalho,
mediante formas de contratação para trabalhos
parciais, terceirização, subcontratação vinculada a
setores informais e de serviços. Ressalte-se que nes-
se novo desenho do mercado de trabalho estão pre-
sentes novas formas de reordenamento do trabalho
que conduzem à exploração do trabalho, tais como
a intensificação do ritmo e do tempo de execução de
tarefas e, por conseqüência, a redução da sua jorna-
da de trabalho e do número de trabalhadores neces-
sários à sua realização.
Conforme esclarece Teixeira, “até mesmo onde a
resistência da classe trabalhadora tem sido mais efe-
tiva, o desemprego se constitui uma arma poderosa
para o capital. Ameaçados de perder o emprego, os
trabalhadores preferem aceitar os termos impostos
pelo capital do que correr o risco de engrossar as
fileiras do exército de reserva. Nessas condições, a
negociação é sempre favorável ao capital, coisa, ali-
ás, que Adam Smith, em 1776, já sabia muito bem.
Segundo ele, na determinação dos salários, os tra-
balhadores sempre estão em situação desfavorá-
vel, pois, embora o trabalhador e o capitalista de-
pendam um do outro, essa dependência não é tão
imediata. O capitalista pode suportar um período
de crise econômica por muito mais tempo do que
o trabalhador, que precisa vender diariamente sua
força de trabalho para poder sobreviver, o que não
acontece com o capitalista, que pode contar com
seu patrimônio pessoal.
* AnOTAÇõES
AULA 9 — Trabalho e Sociedade em Rede
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9____________________TRABALHO E SOCIEDADE EM REDE
Conteúdo• A sociedade em rede e a sociedade informacional
• A internet e as redes de comunicação de massa
Competências e habilidades• Estudar as mudanças nos processos de trabalho na atualidade
• Compreender como funciona a sociedade em rede e o que esse novo sistema acarretou na nova or-dem econômica
• Analisar a importância para o serviço social da atual configuração da sociedade
Textos e atividades para auto-estudo disponibilizados no Portal• Os textos para auto-estudo e as atividades serão disponibilizadas no portal.
• Sites relacionados: www.cultura.gov.br/site/2008/04/06/sociedade-em-rede-a-era-das-trocas-par-a-par/www.vivaolinux.com.br/artigo/A-sociedade-em-rede
• Filme: A Corporação (The Corporation).
• Direção: Jennifer Abbott e Mark Achbar.
Documentário em que a dupla de cineastas entrevista executivos de grandes corporações america-nas. A idéia é mostrar o funcionamento desses modelos de organização a partir de depoimentos de funcionários da Shell e da IBM. Também há entrevistas com lobistas, gurus, jogadores e celebridades como Michael Moore, o polêmico diretor de Tiros em Columbine e Fahrenheit 11 de Setembro. Saiba mais sobre o caso da IBM e os nazistas. Os ataques às práticas éticas e sociais das grandes empresas que compõem o documentário A Corporação não serão novidade para a maioria dos liberais bem informados. Os temas variam desde fábricas de fundo de quintal no Terceiro Mundo até a destruição do meio ambiente, passando pela patenteação do DNA.
Duração• 2h/a – via satélite com o professor interativo
• 2h/a – presenciais com o professor local
• 6h/a – mínimo sugerido para auto-estudo
INTRODUÇÃO
Esta é a nossa última aula e para que termine-
mos de forma a fechar com “chave de ouro” nosso
módulo trataremos de um debate moderno que é a
questão do novo modelo de sociedade que está se
formando: a sociedade em rede.
Para discutir esse tema, considerado um dos mais
atuais na área do trabalho, utilizaremos a obra de
Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social
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Manuel Castells, intitulada A Sociedade em Rede, por
se tratar de livro considerado fundamental quando
se discute o trabalho na atualidade.
O autor estuda um novo tipo de estrutura social,
oriunda do novo processo de globalização, e que
está associada a um novo modo de desenvolvimen-
to, a que chama de informacionalismo, que teve iní-
cio no final do século XX.
O que caracteriza as mudanças? Castells respon-
de que o surgimento da sociedade em rede torna-se
possível com o desenvolvimento das novas tecnolo-
gias da informação que, no processo, “agruparam-se
em torno de redes de empresas, organizações e ins-
tituições para formar um novo paradigma sociotéc-
nico” cujos aspectos centrais representam a base
material da sociedade da informação. A mudança
de produtos para serviços, surgimento de profissões
administrativas e especializadas, fim do emprego
rural e industrial e crescente conteúdo de informa-
ção no trabalho são as inovações experienciadas na
atualidade.
O conceito de rede parte de uma definição bas-
tante simples: “Rede é um conjunto de nós interco-
nectados, mas que, por sua maleabilidade e flexibi-
lidade, oferece uma ferramenta de grande utilidade
para dar conta da complexidade da configuração
das sociedades contemporâneas sob o paradigma
informacional.” Assim, diz Castells, definindo ao
mesmo tempo o conceito e as estruturas sociais em-
píricas que podem ser analisadas por ele, “redes são
estruturas abertas capazes de se expandir de forma
ilimitada, integrando novos nós desde que consi-
gam comunicar-se dentro da rede, ou seja, desde
que compartilhem os mesmos códigos de comuni-
cação (por exemplo, valores ou objetivos de desem-
penho). Uma estrutura social com base em redes é
um sistema aberto altamente dinâmico susceptível
de inovação sem ameaças ao seu equilíbrio” (CAS-
TELLS, 2006).
Assim, a definição dá ao autor uma ferramen-
ta poderosa para suas análises e observações e lhe
permite apresentar alguma conclusões provisórias
sobre os processos e funções dominantes na Era da
Informação, indicando que “a nova economia está
organizada em torno de redes globais de capital,
gerenciamento e informação” e que “os processos
de transformação social sintetizados no tipo ide-
al de sociedade em rede ultrapassam a esfera das
relações sociais e técnicas de produção: afetam a
cultura e o poder de forma profunda” (CASTELLS,
2006).
Posto isso, conclui-se que o conhecimento e a
informação passaram a ser as fontes principais de
produtividade e crescimento.
O conceito de sociedade em rede, ou network so-
ciety, é um conceito cunhado por Manuel Castells,
o qual sintetiza a morfologia dessa nova sociedade
que estamos vivendo, em que tudo é sistêmico e in-
terconectado. Dentre as transformações sociais que
afetam essa sociedade, destacam-se o uso da inter-
net e das tecnologias da informação como fatores
importantes, que proporcionam uma maior facili-
dade de acesso e troca de informações entre os di-
versos sujeitos individuais ou coletivos, favorecendo
o desenvolvimento de fenômenos complexos, como
a globalização, por exemplo.
Do ponto de vista social, as desigualdades sociais
se tornaram mais visíveis, bem como mais percep-
tível o fato de que o desenvolvimento dos países e
o aumento da riqueza das nações não implicaram
a melhoria da qualidade de vida da população ou
a justa distribuição de renda, conforme bem obser-
vou Castells (2006): “Apesar de um aumento eco-
nômico, os salários e a qualidade de vida baixaram;
houve uma concentração de renda.”
Mesmo o sujeito que não tem acesso à rede mun-
dial de computadores está sendo influenciado pela
sociedade em rede na medida em que tem conhe-
cimento das notícias veiculadas nos demais meios
de comunicação e percebe a necessidade de se inte-
grar a essa nova realidade virtual. As mulheres, por
sua vez, passaram a adquirir maior igualdade de
direitos em relação aos homens; a sociedade que
até pouco tempo era patriarcal ganha um novo
contorno diante do movimento feminista, do in-
gresso da mulher no mercado de trabalho e na po-
lítica. Um exemplo disso é quando se verifica que
“nas sociedades desenvolvidas a maternidade está
AULA 9 — Trabalho e Sociedade em Rede
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sendo planejada e protelada, devido às mulheres
que combinam educação, trabalho, vida pessoal e
filhos” (CASTELLS, 2006).
Na sociedade em rede, pode-se dizer que há uma
redefinição dos papéis sociais de homens, mulhe-
res e famílias. Em face desta nova “confusão” de
valores, há novos agrupamentos em identidades
primárias: religiosa, étnica, territorial, nacional e
questões de identidade. O problema, para Castells,
é o rompimento e a falta de comunicação (CAS-
TELLS, 2006).
Para Castells (2006), a emergência da internet
como um novo meio de comunicação esteve asso-
ciada a afirmações conflitantes sobre a ascensão de
novos padrões de interação social. Observa também
que as redes são montadas pelas escolhas e estraté-
gias de atores sociais, sejam indivíduos, famílias ou
grupos sociais. De fato, o acesso à rede mundial de
computadores pode contribuir para proporcionar
uma maior comunicação e troca de informações
entre os diferentes povos, como, por exemplo, a par-
tir da criação de comunidades virtuais de interes-
se comum ou afinidades de grupo, trazendo como
conseqüência ainda um fenômeno de desvincula-
ção entre localidade, temporalidade e sociabilidade.
Segundo Castells (2006), o amadurecimento da
revolução das tecnologias da informação na década
de 1990 transformou o processo de trabalho, com
novas formas de divisão social do trabalho por meio
dos computadores em rede. Além disso, a concor-
rência global promoveu uma corrida tecnológica e
administrativa entre as empresas em todo o mun-
do, as organizações evoluíram e adotaram novas
formas, quase sempre baseadas em flexibilidade e
atuação em redes. A nova tecnologia da informa-
ção está redefinindo os processos de trabalho e os
trabalhadores, sendo eliminados muitos empregos
pela automação da indústria e de serviços, traba-
lhos não-especializados o suficiente para escapar da
automação mas caros para valer o investimento em
tecnologia para substituí-los. As qualificações edu-
cacionais cada vez maiores, gerais ou especializadas,
exigidas nos cargos requalificados da estrutura ocu-
pacional segregam ainda mais a força de trabalho
com base na educação que, por si só, é um sistema
altamente segregado. A mão-de-obra desvalorizada
está concentrada em atividades de baixa qualifica-
ção e malpagas, bem como no trabalho temporário
e serviços diversos.
Continuando, Castells (2006) afirma que a difu-
são de tecnologia da informação em fábricas, escri-
tórios e serviços reacendeu um temor centenário
dos trabalhadores de serem substituídos por má-
quinas e de se ficarem de fora da lógica produtivista
que ainda domina nossa organização social. Mas se
empregos estão sendo extintos, novos estão sendo
criados. Contuda a relação quantitativa entre as
perdas e os ganhos varia entre empresas, indústrias,
setores, regiões e países, em função da competiti-
vidade, estratégias empresariais, políticas governa-
mentais, ambientes institucionais e posição relativa
na economia global. A evolução do nível de emprego
dependerá de decisões determinadas pela sociedade
sobre os seguintes temas: utilização de tecnologias,
política de imigração, evolução da família, distri-
buição institucional do tempo de serviço no ciclo
vital e novo sistema de relações industriais.
A tecnologia da informação, reforça Castells, não
causa desemprego, mesmo que reduza o tempo de
trabalho por unidade de produção, mas os tipos de
emprego mudam em quantidade, qualidade e na
natureza do trabalho executado, requerendo uma
nova força de trabalho e indivíduos capazes de ad-
quirir conhecimentos informacionais, sob pena de
exclusão do trabalho ou rebaixamento. A flexibi-
lidade dos processos e dos mercados de trabalho,
induzida pela empresa em rede e propiciada pelas
tecnologias da informação, afeta as relações sociais
de produção oriundas do industrialismo, introdu-
zindo um novo modelo de trabalho flexível e o tra-
balhador de jornada flexível.
A tecnologia em si então não elimina empregos,
mas transforma profundamente a natureza do tra-
balho e a organização da produção. A individuali-
zação do trabalho no processo do trabalho é uma
reestruturação introduzida pela tecnologia, con-
trariando a tendência histórica de assalariação do
trabalho e socialização da produção. Com a nova
Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social
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organização temos a administração descentraliza-
dora, trabalho individualizante, o que possibilita a
descentralização e coordenação de tarefas em uma
rede interativa de comunicação em tempo real, seja
entre continentes ou entre andares de um mesmo
edifício. O surgimento dos métodos de produção
enxuta, afirma Castells (2006), segue com as práti-
cas empresariais reinantes de subcontratação, ter-
ceirização, estabelecimento de negócio no exterior,
consultoria, redução do quadro funcional e produ-
ção sob encomenda.
ESQUEMAS DE TRABALHOJornada de trabalho: Trabalho flexível significa traba-
lho que não está restrito ao modelo tradicional de 35-
40 horas por semana em expediente integral.
Estabilidade no emprego: O trabalho flexível é regido
por tarefas e não inclui compromisso com permanên-
cia futura no emprego.
Localização: Embora a maioria ainda trabalhe regu-
larmente no local de trabalho da empresa, um número
cada vez maior de trabalhadores trabalha fora do local
de trabalho durante parte do tempo ou durante todo o
tempo, em casa, em trânsito ou nas instalações de ou-
tra empresa com a qual sua empresa seja contratada.
Extraído da obra Sociedade em Rede, de Castells, M
(2006).
O contrato tradicional entre patrão e emprega-
do baseia-se/baseava-se em compromisso do patrão
com os direitos bem definidos dos trabalhadores, ní-
veis padronizados de salários, opções de treinamento,
benefícios sociais e um plano de carreira previsível,
ao passo que do lado do patrão espera-se/esperava-se
que o empregado fosse leal à empresa, perseverasse
no emprego e tivesse boa disposição para fazer horas
extras se fosse necessário, mas esse modelo está em
declínio, sendo substituído pela flexibilidade.
A transformação da administração e do trabalho
melhora o nível da estrutura ocupacional e aumen-
ta o número de empregos de baixa qualificação, ge-
rando uma deterioração das condições de trabalho
e de vida para uma quantidade significativa de tra-
balhadores.
O resultado das relações capital-trabalho na so-
ciedade informacional, da empresa em rede, mui-
to embora tenha propiciado maior produtividade,
maior nível de emprego e melhor qualidade de vida
também acarretou prejuízos e crises mundiais que
foram prejudiciais para a economia mundial.
Os sindicatos foram enfraquecidos porque não
foram capazes de representar os novos trabalha-
dores (mulheres, jovens e imigrantes), de atuar em
novos locais de trabalho como escritórios do setor
privado, indústrias de alta tecnologia e de funcionar
nas novas formas de organização dentro das empre-
sas em rede.
Na opinião de Castells (2006): “O que possibilitou
essa redefinição histórica das relações capital-traba-
lho foi o uso das poderosas tecnologias da informa-
ção e das formas organizacionais facilitadas pelo
novo meio tecnológico de comunicação. A capaci-
dade de reunir mão-de-obra para projetos e tarefas
específicas em qualquer lugar, a qualquer momen-
to, e de dispersá-la com a mesma facilidade criou a
possibilidade de formação da empresa virtual como
entidade funcional... O aumento extraordinário de
flexibilidade e adaptabilidade possibilitadas pelas
novas tecnologias contrapôs a rigidez do trabalho à
mobilidade do capital.”
Houve uma divisão mundial entre vencedores
e perdedores do processo de negociação desigual
e individualizada. Com a aceleração do ritmo das
inovações tecnológicas, as qualificações especiali-
zadas não eram suficientes e a associação e fusão
de empresas foi aumentando devido ao aumento
da concorrência global. Mas dentro desse quadro o
trabalho nunca foi tão central para o processo de
geração de valor, ao mesmo tempo que os trabalha-
dores nunca foram tão vulneráveis à empresa, uma
vez que se tornaram indivíduos de baixo custo, con-
tratados em uma rede flexível mundial.
O que se observa é que a sociedade está se estrati-
ficando de forma a ter uma camada superior e outra
inferior crescendo, enquanto que a camada do meio
diminui.
O capital é global no processo de acumulação da
economia em rede eletrônica. As empresas se orga-
AULA 9 — Trabalho e Sociedade em Rede
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nizam cada vez mais em redes e os capitalistas não
são mais aqueles proprietários dos meios de pro-
dução, eles agora não são facilmente identificáveis
porque são de diversas origens, desde administra-
dores até banqueiros, passando pelos especuladores
novos-ricos, empreendedores etc.
Na realidade temos o que Castells (2006) chama
de entidade capitalista coletiva sem rosto, formada de
fluxos financeiros operados por redes eletrônicas.
INTERNET E COMUNICAÇÃO DE MASSA
Até há alguns anos, os teóricos da comunicação
definiam como mídia de massa apenas a imprensa,
o cinema, o rádio e a televisão. No início da década
de 90, os sistemas eletrônicos interativos baseados
em computação e telefonia eram definidos como
mídias emergentes, mas, atualmente, a internet já é
tratada como uma nova mídia de massa. A rede de
computadores que a forma saiu das redes de pes-
quisas de universidades e outras instituições para
se tornar um sistema de comunicação que abrange
expressivas parcelas da população em grande parte
do mundo, o que a transformou em parte da cultura
de massa (CASTELLS, 2006).
A internet não se encaixa no paradigma tradi-
cional das teorias da comunicação, que pressupõe
passividade e fragilidade dos receptores da comuni-
cação, levando a novas possibilidades na relação do
sujeito com essa mídia, em particular na maneira
pela qual a internet se torna um meio para compor-
tamentos que contribuem para formar identidades.
Assistimos a uma sempre crescente revolução das
tecnologias digitais, que abrange a convergência dos
meios de telecomunicação com sistemas de computa-
ção. A internet constitui-se no meio mais amplamen-
te conhecido dessa convergência digital, com profun-
do impacto em novas formas de relacionamentos
pessoais e sociais, novas possibilidades de pesquisa e
aprendizagem, novos tipos de organizações e formas
de trabalho. Além disso, a rede mundial de computa-
dores (internet) também se constitui num novo ins-
trumento para a globalização econômica e cultural,
com conseqüências positivas e negativas em diver-
sas áreas. Para Castells (2006), a sociedade em rede
é o resultado desse conjunto de transformações que
abrange, direta ou indiretamente, as camadas sociais
em todas as regiões do mundo.
A globalização também leva a fusões e reestrutu-
rações de empresas, mudanças de capital e de uni-
dades de produção para outros países onde a mão-
de-obra é mais barata, em geral mantendo o contro-
le administrativo, a distribuição e o marketing nos
seus países de origem. Tal situação impulsiona mu-
danças no modelo organizacional que somente se
tornam possíveis por meio de tecnologias de comu-
nicação e softwares integrados através da internet.
A conseqüência imediata dessas reestruturações é
tanto o aumento de produtividade e a expansão de
algumas economias periféricas como também de-
missões e aviltação do emprego, com redução de sa-
lários, terceirização, perdas de direitos trabalhistas e
previdenciários (CASTELLS, 2006).
O poder da mídia levanta questões como a di-
minuição do papel do Estado, o enfraquecimento
da sociedade civil e dos laços comunitários, com a
conseqüente necessidade de regulamentação do se-
tor por intermédio dos órgãos governamentais e/ou
da sociedade civil (MORAES, 2003). Também nessa
área, a internet possui pontos comuns e divergentes
das outras mídias sob vários aspectos. Tal como en-
tre as empresas de mídia convencionais, existe uma
concentração dos principais serviços da internet nas
mãos de poucas empresas, no Brasil e no mundo. As
diferenças abrangem vários aspectos: a regulamen-
tação da internet depende muito de entidades inter-
nacionais, mas essa regulamentação torna-se mais
limitada devido às características tecnológicas desse
meio, de difícil controle, como atestam o tráfego de
vírus, as invasões de sistemas pelos hackers e a pu-
blicação de pornografia infantil e de mensagens de
organizações criminosas pela rede. Nas mídias con-
vencionais, a regulamentação é dirigida às empresas
detentoras dos meios, mas a comunicação na inter-
net pode acontecer diretamente entre os usuários.
Por outro lado, esse aspecto possibilita a organiza-
ção de movimentos sociais, como ativismo ecoló-
gico, movimentos antiglobalização e de valorização
de minorias culturais e sociais (CASTELLS, 2006).
Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social
70
A circulação das informações na rede e o respec-
tivo impacto sobre o trabalho e empregabilidade,
sobre as organizações e a economia em geral fazem
com que a influência da internet abranja pratica-
mente toda a sociedade (CASTELLS, 2006). Além
disso, o acesso à internet também começa a se tor-
nar possível a partir de escolas públicas e de empre-
sas que estimulam funcionários de diferentes níveis
a usarem a internet como ferramenta de trabalho e
aprendizagem on-line.
“O QUE VIRÁ DEPOIS?”
GERAÇÕES LITERATURA MÚSICA FILME PESQUISA COMUNICAÇÃO COMUNICAÇÃO PESSOAL (RÁDIO)
–60 Livro Long-play Cinema Biblioteca Telefone Rádio
–80 Livro Cassete Videocassete Biblioteca DDD TV
–2000 Livro/blog CD DVD Google Celular PC/notebook
–2020 e-book? MP (x) You tube ? ? ?
Extraído do texto: A normose na Sociedade em Rede – Paradoxos diante do fluxo informacional, de Larissa Cristina Cruz Brum, Carlos Henrique Medeiros de Souza, Universidade Estadual do norte Fluminense Darcy Ribeiro/UEnF.
* AnOTAÇõES
AULA 9 — Trabalho e Sociedade em Rede
71
* AnOTAÇõES
Unidade Didática — Processo de Trabalho em Serviço Social
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Referências
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede – A era
da informação: economia, sociedade e cultura. 9a.
ed., vol. 1. São Paulo: Paz e Terra, 2006.
DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social.
2a ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
MORAES, D. (org.). Por uma Outra Comunicação:
Mídia, Mundialização Cultural e Poder. Rio de
Janeiro: Record, 2003.
PRINA, Júlio Leopoldo Silva. O serviço social
como um serviço. Revista Virtual Textos &
Contextos. Nº 3, ano III, dez, 2004.
SILVEIRA, Marcelo Deiro Prates da. Efeitos da
globalização e da sociedade em rede via internet
na formação de identidades contemporâneas.
Psicol. cienc. prof. v. 24, no 4, Brasília, dez, 2004.
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