sangue na tela: a representação da violência nos noticiários ...menos de pegadinhas da...
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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação
Sangue na Tela: a representação da violência nos noticiários de televisão no Brasil.
Tânia Montoro
Posicionando a questão
O tema da relação entre violência e televisão não é novo. Ambos estão estreitamente
vinculados e constituem temática da ordem do dia em várias sociedades, possuindo, por tanto
, um significado cultural. Na atualidade, esta relação - que cada vez se torna mais sólida e
freqüente - tem despertado a atenção de diferentes setores da sociedade e de pesquisadores
das Ciências Sociais e da Comunicação (Potter:1999; Lira:1999; Barbero:1998;
Rondelli:1998), que buscam, com diferentes aportações, explicitar a intrigante e polemica
relação : violência e televisão.
Estas pesquisas, fundamentadas em diferentes perspectivas teóricas e estratégicas
metodológicas, têm produzido resultados contraditórios. Os pesquisadores coincidem em
afirmar que é difícil determinar a forma e a magnitude com que os conteúdos violentos, que
habitam o cotidiano da televisão, afetam as pessoas, uma vez que a sociedade está composta
por grupos, segmentos sociais e indivíduos que vivem em contextos pessoais, sócio culturais e
religiosos diferentes, dificultando, por tanto, a generalização dos dados e a interpretação
conclusiva dos resultados.
A preocupação que nos move nesta reflexão não recai sobre o estudo da violência em si,
e tampouco sobre os efeitos que causam os meios de comunicação no comportamento das
pessoas ou grupos. O intento é mais simples: move-se no sentido de 947
analisar como a violência é representada nas noticias dos informativos de televisão. Em
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outras palavras, buscamos recortar o espaço imaginário da televisão, investigando como se
constrói a representação da violência através das noticias transmitidas nos telejornais de maior
audiência no Brasil, respectivamente, Jornal Nacional (Rede Globo de Televisão) e Jornal da
Record, (Rede Record de Televisão),no ano de 1999.
Nos interessa, sobretudo, identificar como os noticiários de televisão constroem e
trabalham com um conjunto de representações inseridas no dia a dia do telespectador
brasileiro, mas também averiguar os processos de mediação e interação estabelecidos entre os
discursos veiculados e a construção da realidade oferecida ao público.
Nas ciências sociais as representações são definidas como categorias de pensamento que
expressam e explicam a realidade justificando-a ou questionando-a. Van Dijk (1999:10)1063
associa o conceito de representação ao conceito de ideologia. Para o autor, ideologia é uma
forma de conhecimento social, que tem por base as representações sociais que constituem o
tecido que promove a coesão dos grupos sociais. Dentro desta perspectiva, as representações
sociais constituem-se como um conjunto de valores que organiza a visão de mundo das
pessoas. Através deste conjunto de representações, as pessoas e indivíduos têm acesso aos
modos de formação do conhecimento, uma vez que, estas representações determinam os
campos das comunicações possíveis, dos valores e idéias presentes nas visões de mundo
compartidas por grupos, em um determinado contexto histórico e social.
O autor1064
comenta :
“La mayor parte de nuestro conocimiento social y político , así como nuestras
opiniones sobre el mundo , proceden de las docenas de reportajes y informaciones que vemos
o leemos cada día. Es probable que no haya otra práctica discursiva, además de la
conversación cotidiana, en la que se tome parte con tanta frecuencia y por otra parte, tanta
gente como las noticias que aparecen en la prensa o televisión”.
Integrando o universo cognitivo e cultural do cotidiano das sociedades contemporâneas,
a televisão introduziu-se na vida diária, adquirindo um papel fundamental no modo como se
representa a realidade, transformando-se em uma espécie de código permanente para a leitura
do mundo. É a partir da relação entre televisão, cultura e cotidiano, que nos aproximamos da
questão, identificando a capacidade que detêm os meios de comunicação, particularmente a
televisão, para construir agendas, marcos e estruturas - convenções com as quais trabalhamos
nossa interpretação e atuação na realidade.
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Notícias de violência na televisão: a imposição do real e a construção da realidade.
Para o estudo da representação nos telejornais, as noticias de violência apresentam-se
como um material singular, tanto por sua freqüência nas emissões diárias, quanto por sua
expansão por diversos conteúdos da cena mediática, e, ainda, pelo papel que desempenham na
construção da realidade.
Na televisão, as noticias adquirem características específicas, em função da
singularidade do meio, que alia som e imagem. Os processos de construção das noticias nos
telejornais podem ser analisados observando as operações de mediação que se estabelecem
entre um acontecimento (fato de referencia) e sua representação (a forma elegida para narrar e
relatar o fato e os acontecimentos que dele derivam), que constituem discursos informativos
de televisão.
Assim, as características dos discursos informativos sobre determinados fatos,
fenômenos ou acontecimentos dependem essencialmente da conceitualização previa dada à
questão, pelo próprio enquadre noticioso, ou seja, pela forma de ordenar, selecionar e editar
os acontecimentos representados e ligar-los uns aos outros, tornando o processo
comunicativo inteligível e acessível ao público.
Nas últimas décadas, a explosão crescente de episódios de violência no país
-aqui entendida como uso da força com a intencionalidade de causar dano físico ou
moral a outra pessoa – possui um paralelo no incremento de programas dedicados a noticias
de violência, e no subseqüente aumento de consumo destes produtos culturais (programas de
televisão dedicados à temática da violência) por diversos setores sociais.
As noticias de crimes e assaltos ocupam espaços mediáticos nobres, em um contexto
onde o consumo de imagens de cenas de violência na televisão fomenta audiências de
programas de formatos popularescos, como Cidade Alerta (Record) , Na Rota do Crime
(Manchete), 190 Urgente (CNT), oferecendo uma determinada visão da organização da
vida social e, ao mesmo tempo, do fenômeno da violência no seio da sociedade brasileira.
Ao lado disso, a emergência de novos atores sociais trouxe para tela, também no
horário nobre, a visibilidade de tipos de violência, até então encerrados nos espaços mais
privados da vida social, como a violência doméstica ou a violação sexual.
Noticias de violência envolvendo assassinatos de crianças e adolescentes, estupros e
assassinatos de mulheres, seqüestro de empresários, conflitos dos sem terra ou extorsões
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policiais tornaram-se corriqueiras e freqüentes nos telejornais, instalando-se, assim, um
processo acelerado e permanente, produzido por uma constante (re) discursivização e
(re) presentação da realidade.
Hall e outros (1993),1065
em um estudo sobre noticias de violência nos meios de
comunicação, afirmam que “o crime é noticia porque seu tratamento evoca ameaças e,
ademais, reafirma a moralidade da sociedade, desenvolvendo diante de nós mesmo uma
peça de moralidade moderna, na qual o demônio é expulso tanto simbólico como
fisicamente da sociedade por seus guardiões : a policia e a magistratura.”
Violência Real e Violência Representada: A cena mediática.
As noticias de violência que ocupam esta reflexão se encontram no centro do debate
nacional sobre a violência real e a violência cotidiana representada nos telejornais. Somente
nos dois últimos anos, a sociedade brasileira vivenciou cenas impactantes, repetidas
exaustivamente na telinha da televisão, em todos canais de televisão aberta:
Nov /1999 - Um estudante de medicina de 24 anos, dispara uma metralhadora num
cinema de São Paulo, matando três pessoas e ferindo outras cinco, dentro do Morumbi
Shopping de São Paulo, após assistir à última apresentação do filme “ O Clube da Luta ,“ do
diretor americano, David Fincher e estrelado pelo ator Brad Pitt. A película retrata a vida de
alguns homens desajustados, que montam uma organização clandestina na qual parecem
reencontrar a própria virilidade trocando socos e pontapés.
Um novo tipo de crime, comum nos Estados Unidos, se inaugura no Brasil: o assassinato
em massa. Diferentemente do que ocorre nos assassinatos em série, ”o homicida por atacado”
, como é conhecido o protagonismo deste tipo de violência, tenta fazer o maior número de
vitimas possível.
A reconstituição do crime, conduzida por imagens de simulações com uso de atores,
cenários reais ou infografias animadas, invade as telas da televisão. Mais uma vez a tênue
linha que separa a violência real da violência representada tornou-se mais invisível. (Vale
lembrar aqui o caso do assassinato da atriz da Rede Globo, Daniela Peres, filha da novelista
Glória Perez, em 1992, outro crime que já povoou nosso universo de limites difusos entre
realidade e ficção).
No Jornal da Record do dia 09/11/99, o estudante de direito Miguel Beltran Neto de 20
anos, que se encontrava na platéia do cinema e se salvou por ter agachado entre duas
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poltronas, pondera: “Na hora que vi os tiros para cima, nessa hora acreditei que fosse uma
pegadinha, como as do Silvio Santos (SBT) e do Faustão (Globo), depois quando ele atirou
em direção a platéia é que vi que a violência era para valer mesmo, não era coisa do filme e
menos de pegadinhas da televisão”
Dezembro/99 – É seqüestrado o irmão de uma dupla de cantores populares, goianos,
Zezé Di Camargo e Luciano, Wellington. Ante a negativa da família de pagar o resgate, sem
uma prova concreta de que a vitima estava com vida, os seqüestradores resolvem cortar a
orelha direita da vitima e enviá-la à emissora de televisão Serra Dourada, de Goiás,
retransmissora do SBT, acompanhada de uma mensagem, endereçada ao apresentador de
televisão Carlos Massa (o conhecido Ratinho), exigindo que ele fizesse uma campanha de
arrecadação de fundos para pagar o resgate, e aumentando o valor do mesmo, de 300 mil
dólares, para 3 milhões de dólares.
O apresentador começa então a promover uma campanha destinada ao pagamento do
resgate. Para arrecadar o valor exigido, propõe utilizar o serviço telefônico 0-900.
Este “seqüestro mediatizado” suscita uma polêmica sobre ética, violência e televisão.
Na esfera judicial, juristas questionam a interferência da televisão no trabalho de investigação
da policia. Alguns magistrados, inclusive, consideram a atitude do apresentador como uma
apologia do crime e uma invasão da vida privada da família e da vitima.
Imagens da orelha da vitima (que remetem aos modos de execução dos mafiosos
sicilianos) são fartamente transmitidas nos informativos, assim como o bilhete escrito pela
vitima para o apresentador, pedindo ajuda para não morrer nas mãos dos seqüestradores.
O seqüestro ocupa os noticiários dos meses de dez/99 a março/2000, e as imagens da
orelha cortada da vitima, irmãos de famosos, impulsionam a audiência dos programas de
televisão.
A revista Contigo da Editora Abril, de 23/3/99, afirma: “O recado nefasto dos
seqüestradores acabou se tornando um trunfo na briga por audiência. No domingo, Gugu
Liberato (SBT) apresentou closes do pedaço da orelha. Resultado: vitória de 27 pontos de
ibope contra 21 do Domingão do Faustão(Globo), que adotou um tom mais cauteloso...
Ratinho também se beneficiou das mesmas imagens para engrossar a audiência. O programa ,
que mantinha a média de 18 pontos até semana retrasada, pulou para 22 na segunda-feira 15, e
chegou a 29 pontos no final da semana”.
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Junho-2000: O dia 12 de junho entra para história da televisão brasileira como o dia
em que os telespectadores assistem pela primeira vez a uma execução ao vivo. O País se
surpreende com imagens de violência transmitidas diretamente do cenário do crime, no Rio
de Janeiro. A mediatização do acontecimento parece desmontar quase todos os limites que
separam realidade e ficção.
As cenas, enredadas pôr imagens de extrema crueldade, foram captadas por uma câmara
da Companhia de Engenharia de Tráfego da prefeitura do Rio (os diálogos mantidos pelos
personagens do drama não eram audíveis) y transmitidas pela TV a cabo Globo News e pela
Rede Record de Televisão. Dois estudantes de jornalismo da PUC- Rio registraram também a
tragédia imagética, quando gravavam um programa para a TV Universitária.
Na transmissão ao vivo (mais de quatro horas, com direito a intervalos publicitários) e,
mais tarde, nos telejornais, proliferam as cenas de crueldade na construção discursiva do
acontecimento, fortemente ancorado nas imagens captado pelas câmeras do controle de
tráfego. A partir delas, milhões de brasileiros acompanham o assalto, que monopoliza a
cobertura das TVs e emissoras de rádio. Também, através dos sites, alguns gerenciados pelas
próprias emissoras de televisão, as mesmas imagens do assalto podem ser acessadas, on line,
via internet, a partir de qualquer lugar do mundo.
Sandro, 20 anos, ex-menino de rua e sobrevivente da chacina da Candelária, assalta, no
dia dos namorados, um ônibus urbano na zona sul carioca, tomando a uma professora como
refém. Depois de longas horas, ele desce do ônibus utilizando a professora, como escudo
humano. Quando o seqüestro parece encaminhar-se para uma solução negociada, um
soldado da policia militar do Rio, aparentemente descontrolado e sem preparo, protagoniza o
final infeliz. Com uma metralhadora potente e moderna, o policial avança contra o
seqüestrador e desfere três tiros, que atingem diretamente a mulher, professora, refém e
vitima, que morre na hora. Sandro, o seqüestrador, segundo a versão oferecida pela revista
Veja 20/08 /2000, foi imobilizado pelo policial e levado, ileso , para um camburão
acompanhado por outros cinco policiais. Dez minutos depois estaria morto, asfixiado por um
capitão da policia militar do Rio de Janeiro.
Passageiros, familiares, seqüestradores e policiais e espectadores parecem ser
protagonistas de um filme de longa-metragem, com mais de quatro horas de duração.
Entretanto, diferenças substantivas distinguem as cenas de violência urbana transmitidas ao
vivo e as cenas de violência das películas do cinema: a ausência de um roteiro previamente
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definido e as poucas ou nenhuma possibilidade de um final feliz.
No trágico assalto, os roteiros são indefinidos. Não se sabe nunca ao certo qual será o
final dos personagens envolvidos na trama. Nem mesmo os atores principais parecem
conhecer seu protagonismo. Atores sem estrelatos protagonizam as tramas violentas que o
cotidiano real e o cotidiano mediático estabelecem.
Uma das reféns do seqüestro do ônibus , uma estudante de 20 anos, declara que procurou
manter a calma durante o acontecimento. “Vi que o bandido era passível de diálogo. Perguntei
se ele sabia quem era a maior vítima da situação. Ele disse que não. Eu respondi : você.”1066
O diretor de jornalismo da Rede Globo, Evandro Carlos de Andrade, elogiou a cobertura
da emissora e afirmou na Revista Época do dia 19/06/2000, pertencente à editora Globo: “ Se
o público não tivesse testemunhado, engoliria versões oficiais”.
O diretor da TV Record, Luiz Gonzaga Mineiro , na reportagem da revista Isto É, de
22/06/2000, admitiu pequenos excessos na cobertura da Rede de Televisão “ como a música
de suspense que acompanhava a transmissão”.
Ex - menino de rua, o seqüestrador é agora mais uma das vitimas da violência policial,
depois da execução de seus pares da Candelária. Em uma redação, Sandro, com ainda 13
anos, revela os desencontros de um país marcado por desigualdades econômicas e sociais
estruturais. “ Eles não são animais não. São crianças indefesas sem nenhuma riqueza.” 1067
A
identidade dos meninos de rua é assim construída pela negação e por uma atitude de defesa .
É neste contexto sócio mediático onde a violência da tela goteja no imaginário dos
telespectadores, que nos aproximamos do estudo das noticias de violência nos telejornais de
cobertura nacional, analisando comparativamente os conteúdos informativos sobre violência
veiculados, identificando os discursos em circulação que conduzem ao enquadre da
problemática, indicando o tratamento jornalístico oferecido e extraindo daí as formas de
representação social da realidade da violência nos noticiários de televisão.
Por se tratar de um amplo e polêmico fenômeno, tanto do ponto de vista moral como
ético, nos aproximamos da problemática relação entre violência, televisão e cotidiano através
da materialidade da noticia audiovisual, ou seja, investigando aquilo que é comum, enquanto
material informativo produzido, veiculado e consumido pelos diferentes públicos, que
assistem e se informam nos noticiários de televisão.
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A violência na estrutura narrativa dos telejornais analisados
Links ao vivo, uma montagem dinâmica e o uso crescente de recursos de computação
gráfica, dotam o Jornal Nacional de uma estrutura narrativa cuidadosa e flexível. Moldura
geral das distintas matérias, o cenário espetacular, os movimentos de câmera e efeitos de
computação gráfica possuem grande importância na apresentação do jornal como um todo, e
na construção narrativa das noticias de violência em particular. Neste ambiente de
modernidade, os apresentadores (Willian Bonner e Fátima Bernades, jornalistas, e editores
do informativo) imprimem um estilo formal/tradicional, recorrendo à figura do
locutor/transmissor da informação, aparentemente imparcial, distante e objetivo, para
interpelar a empatia do telespectador.
Com um estilo distinto, o Jornal da Record apresenta uma estrutura narrativa bem mais
rígida e formalmente menos cuidadosa, emoldurada pelo comentário y pela opinião do
âncora apresentador – um estilo freqüente e dominante no jornalismo eletrônico americano,
regido pela personificação do ato informativo, onde o locutor é substituído pelo jornalista,
que se atribui explicitamente poderes de interpretação, indagação e dramatização das
notícias.
O próprio Boris Casoy (1993:17)1068
, confessa que o estilo de anchorman inaugurado
por ele é basicamente copiado do jornalismo americano de televisão, com adaptações para o
público brasileiro, que segundo o apresentador, é ávido por comentários e opiniões. O
apresentador, ao longo do telejornal, promove a interpretação pessoal dos fatos noticiados,
com persuasão, repetindo enfaticamente todas as noites o slogan, que marca a credibilidade
pessoal do apresentador : “Isto é uma vergonha”.
Com certa freqüência, os comentários do apresentador sugerem a idéia de que os
acontecimentos violentos noticiados sejam em grande parte fruto da inércia dos governantes
e da ineficiência do aparato policial:
“A sociedade espera que seus governantes compreendam que lugar de bandido é na
cadeia e de policia nas ruas” (JR, 02/03/99).
“O que se espera é punição dura e exemplar para este mal feitor”. (JR, 03/03/99).
“Aqueles que defendem direitos humanos para bandidos e assassinos deveriam defender
era o direito a vida para todo cidadão.”(JR, 03/03/99)
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Já no Jornal Nacional, as opiniões e comentários dos apresentadores encontram pouco
ou nenhum espaço para expressar-se. Enlaçados pelo relato oral de repórteres, as noticias
articulam uma narrativa que, através de sons e imagens expõe exemplos concretos da
realidade, captados e, com freqüência, transmitidos diretamente desde o cenário dos
acontecimentos.
Cabe citar por último, aspectos do contexto mediático mais amplo, pertinentes cada
emissora, que nos auxiliam a situar a inserção das noticias de violência em cada um dos
telejornais analisados.
Constantes no manual da emissora (1985:18)1069
, as recomendações para o registro e pós
produção de matérias envolvendo situações de violência , por exemplo, parecem seguir
orientando os profissionais da casa:
“Nas situações de violência e pânico, o câmera deve registrar a cena com imagens e
som ambiente avaliando a intensidade do risco . O som ambiente é fundamental para
caracterizar a situação”.
De modo geral, o cinegrafista é orientado a registrar, com detalhes, toda a cena
(defuntos, corpos mutilados, etc.) mesmo sabendo que, posteriormente, de acordo com uma
avaliação posterior, por parte do editor, muitas delas jamais serão utilizadas.
De acordo com manual da Rede Globo, por motivos éticos, a emissora não deveria
transmitir informações que possam prejudicar a vitima ou as investigações, bem como deveria
excluir do noticiário suicídios, fatos que possam servir para enaltecer o crime e cenas de
extrema violência, fuzilamentos, enforcamentos, etc. Mas, é necessário sublinhar que nem
sempre a emissora seguirá suas próprias recomendações, sendo razoável supor que, empurrada
pela acirrada disputa pela audiência, a emissora possa vir a adotar como estratégia o
incremento na participação das noticias de violência no telejornal.
Dado importante para entender o contexto mediático, o principal concorrente do Jornal
Nacional, o Jornal da Record, apresentava, neste período, um entorno discursivo demarcado
por dois programas conhecidos do público pela polêmica forma de abordar os conteúdos de
violência veiculados: Cidade Alerta e Programa do Ratinho Livre.
Antecedendo o Jornal da Record, o programa Cidade Alerta é dedicado exclusivamente
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a narrar o submundo do crime, apresentando crônicas de assassinatos, seqüestros,
homicídios, agressões sexuais, etc.. O gênero encontra similar na Televisão Azteca do
México, com o nome de Ciudad Desnuda, retirado do ar, em 1997, por pressões do governo e
da sociedade civil, mesmo com o alto índice de 30% da audiência mexicana.
O segundo, o Programa do Ratinho Livre, conduzido pelo apresentador conhecido como
Ratinho (hoje no SBT), expõe casos de violência e crimes, através de um discurso justiceiro,
que defende amplamente a implantação da pena de morte na legislação brasileira.
Decisões metodológicas da análise quantitativa e qualitativa da comunicação
audiovisual .
Para melhor pontuar nosso objeto de estudo, coletamos os dados (programas
informativos) durante os dez primeiros dias de março nos dois telejornais de maior audiência
no País. Durante os dez primeiros dias do mês de março, gravamos integralmente os
telejornais noturnos da Rede Globo de Televisão (Jornal Nacional) e da Rede Record de
Televisão (Jornal da Record), consolidando uma mostra de 18 telejornais, veiculados durante
o período de 01 a 10 de março do ano de 1999.
A determinação do período considerou o calendário mediático das emissoras de
televisão, descrito por Moraes (1997:30)1070
, as principais redes de televisão no Brasil
procuram se adequar à formula da rede Globo de Televisão, que reduz o ano civil a nove
meses. “Janeiro e fevereiro exprimido entre as temporadas de férias e a ansiedade dos
preparativos do carnaval - não contam. O ano mediático brasileiro começa em março.”
Segundo o autor, nos dois primeiros meses do ano, as inversões publicitárias caem
depois dos gastos de natal , e este intervalo prolongado serve também para que as emissoras
reordenem as relações com o mercado e apresentem as novas planilhas de programação, os
novos custos e as inversões setoriais.
Em nosso estudo, para uma primeira organização dos dados, dividimos os conteúdos
informativos em blocos temáticos e com isto pudemos mapear os espaços representativos de
cada núcleo informativo do noticiário.
Compuseram as principais categorias da grade analítica geral as noticias de: Economia,
Política, Corrupção(classificado separadamente em função da freqüência nos noticiários),
Cotidiano, Trânsito, Esportes, Ecologia, Saúde, Educação, Ciência e Tecnologia, Política
Internacional, Violência Internacional, Cultura, Violência, Meteorologia e Institucional
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(noticias da própria programação das emissoras presentes nos telejornais).
As noticias de violência foram agrupadas de acordo com a classificação oferecida
pelo(s) discurso(s) jornalístico(s), através da narrativa direta ou indireta de repórter ou
apresentadores, dos comentários e opiniões presentes, das vinhetas de passagem e do próprio
conteúdo informativo.
Classificamos as noticias dentro das seguintes tipologias considerando a natureza
relacional da própria violência.
Noticias relacionadas à violência no cotidiano das cidades, como assaltos,
homicídios , seqüestros (Violência e Cotidiano);
Noticias de crianças e adolescentes que envolvem violência (Violência e
Crianças e Adolescentes);
Noticias que relacionam questões de gênero e violência, especialmente violência
sexual (Violência e Mulher).
Noticias que relacionam violência e meio rural, incluindo noticias relativas aos
indígenas (Violência Rural);
Noticias relacionadas com acidentes e vitimas de trânsito, especialmente,
motoristas imprudentes e pedestres (Violência e Transito) ;
Noticias de eventos esportivos relacionadas com violência, lutas de torcidas,
quebra - quebra em estádios de futebol, (Violência e Esporte);
Noticias de corrupção, envolvendo violência (Violência e Corrupção);
Noticias de ações de cidadania em favor da paz e mobilizações contra a violência
e a impunidade (Violência e Cidadania);
Noticias sobre eventos violentos, ocorridos fora do território nacional, guerras,
terrorismo, conflitos armados, etc. (Violência Internacional)
Associando metodologias de análise quantitativa e qualitativa, análise de
conteúdo e análise critica do discurso, pudemos obter e proporcionar uma visão mais
profunda do conjunto das noticias de violência, identificando semelhanças nas
estratégias de formulação dos argumentos que sustentam a lógica dos discursos
presentes na narrativa, e revelando um vocabulário audiovisual comum aos telejornais
analisados.
Através de tópicos, apresentaremos a seguir, de modo sucinto, os resultados
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preliminares da pesquisa, que longe de serem conclusivos, apontam para um
mapeamento sistemático, capaz de indicar questões substantivas para pensarmos o
estudo da representação da violência nas noticias dos telejornais.
6) Os conteúdos de violência nas noticias de televisão: Uma análise comparativa.
Durante o período analisado registramos 72 noticias com reportagens sobre
acontecimentos violentos. O Jornal Nacional transmitiu 36 e o Jornal da Record
apresentou
46. No Jornal Nacional as noticias de violência ocuparam 18% do tempo total das
noticias do informativo e no Jornal da Record as noticias de violência representaram
24,4% deste total geral, conforme o gráfico abaixo.
CATEGORIAS GERAIS - JORNAL
DA RECORD
CATEGORIAS GERAIS - JORNAL NACIONAL
Cotidiano 0:59:56 1:25:32
0:44:39 Economia
1:00:15 Economia
0:36:02 Política
0:45:49 Saúde
0:23:35 Corrupção
0:40:49 Deporte
0:22:56 Cotidiano
0:42:22 Corrupção
0:14:42 Deporte
0:17:38 Política
0:14:
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0:11:49 Saúde
12
0:07:10 Política Internacional
0:13:46 Ecologia
7Educação 0:12:2 0:06:41
0:06:24 Meteorologia 0:11:11
0:04:48 Educaete
a al
a Internacional 0:02:20 5:50:07Institucional
0:02:09 Total
Cultura
CATEGORIAS GERAIS - JORNAL DA RECORDCATEGORIAS GERAIS - JORNAL NACIONAL
Total 3:08:05
Institucional Cultura
ção 0:03:26Morologi
0:04:16 Institucion0:02:40Cidadania
Polític
0:00:34
0,9% 0,2%
Cotidiano Violência
Economia
Política 24,2% Violência Institucional 24,4%
17,2% Internacional
18,0% 0,8%
Cidadania
Educação 1,7%
1,0% Meteorol
Meteorologia1,9% Política3,2%
0,9%
ogia
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a-se assim uma tendência de incremento do tempo de duração das noticias,
diretam
isado a crise econômica brasileira de 98 atingia
seu ápi
das noticias de violência no intervalo da semana,
observ
Notícias de Violencia -Jornal Nacional
0:28:48
0:23:02
0:17:17
0:11:31
0:05:46
0:00:00
Evidenci
ente relacionado ao valor de “noticiabilidade” da violência, apontando para
existência uma correlação clara entre as variáveis de tempo e freqüência noticiosa, ou seja,
quanto maior o período de emissão do telejornal maior a freqüência e a duração das noticias
de violência nos informativos analisados.
Considerando que no período anal
ce, com a desvalorização do real em 100% frente ao dólar, pudemos verificar que as
noticias de violência mantêm um importante peso sobre o total de noticias, nos dois
telejornais analisados, constituindo-se num discurso com alta freqüência de noticiabilidade e,
por tanto, de alto valor jornalístico.
Com relação à distribuição
amos que, no Jornal Nacional, se perfila uma curva ascendente, que corresponde ao
incremento do tempo ocupado por estas notícias nas edições levadas ao ar no meio da
semana, no caso, nos dias 3,4 e 10 de março, respectivamente, quarta feira, quinta feira e
outra quarta feira da semana seguinte, de acordo com o gráfico a seguir.
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Tendência semelhante, ao largo da semana, pôde ser observada também a no Jornal
da Record,. Através do gráfico, podemos apreciar a curva que assinala o incremento de
freqüência e duração das noticias de violência durante o meio da semana no telejornal.
Notícias de Violencia - Jornal da Record
0:36:00
0:28:48
0:21:36
0:14:24
0:07:12
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0:00:00
Violencia
Relacionadas
Record, a maior freqüência de noticias de violência corresponde também aos dias 3,4,5 e 10
de março. De
Otras
modo similar, há igualmente um ligeiro descenso nos espaços dedicados às noticias de
violência, em direção
ao final de semana (sexta e sábado),.
As noticias relativas a acontecimentos que associam violência e
criminalidade - crimes com sanções previstas no Código Penal - ocupam a maior parte dos
conteúdos informativos das reportagens de violência: Homicídios, assassinatos, lesão
corporal, assaltos, representam a maior fatia do volume de conteúdo noticioso conforme
podemos visualizar nos gráficos que se seguem.
SUBTIPOLOGIA - VIOLÊNCIA - JORNAL NACIONAL
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SAQUE SUBTIPOLOGIA -VIOLÊNCIA -
JORNAL DA RECORD
CONFLI TO ARMADO 0,9%
LESÃO CORPORAL
38,7%
1,6%
SAQUE 0,4%
HOMICÍDIOAGRESSÃO
38,2%1,3%
SEQÜESTRO 1,6%MOBILIZAÇÃO
AMEAÇA10,2%
3,1% CRIMINALIDADE
INVASÃO
3,3% 13,4%
Verificamos que no Jornal Nacional da rede Globo de Televisão, as noticias e reportagens
sobre homicídios, lesão corporal e assaltos contemplam 57% do total de noticias de violência
classificadas no período da mostra. No Jornal da Record as noticias e reportagens sobre
homicídios (38,2%), lesão corporal (38,7%) contemplam 76% do total de noticias de violência
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classificadas durante o período.
Com relação a segmentos sociais específicos observamos que as noticias de violência
envolvendo crianças e adolescentes representaram os conteúdos noticiosos mais freqüentes e
com maior espaço informativo. Noticias de violência onde crianças e adolescentes são
agressores ou vitimas constituíram 26,7% das noticias de violência transmitidas pelo Jornal
Nacional e 40,1% das noticias de violência transmitidas pelo Jornal da Record. As noticias
envolvendo homicídios e lesões corporais alimentaram os conteúdos noticiosos de violência
envolvendo crianças e adolescentes nos dois telejornais.
É importante ressaltar a maior freqüência de noticias de violência envolvendo crianças
e adolescentes no Jornal da Record , mesmo no dia 08 de março, quando se comemora o Dia
Internacional da Mulher. Tradicionalmente, esta é uma data em que os informativos, de
alguma maneira, dedicam espaço às questões e violências especificas circunscritas
culturalmente ao universo feminino. Não obstante, nos dois telejornais analisados, as noticias
de violência contra a mulher (8,2%, no Jornal Nacional, e nenhuma noticia, no Jornal da
Record) ocupam um espaço reduzido nos noticiários, se comparado com os números da
realidade.
Outro dado quantitativo interessante, observado nos dois telejornais analisados, que
apesar de as emissoras possuírem uma cobertura quase nacional, em termos de oferta
noticiosa, os estados de São Paulo e Rio de Janeiro revelam-se como os principais cenários
das notícias de violência, seguidos por Minas Gerais, no Jornal Nacional, e Bahia, no Jornal
da Record. A periferia das grandes cidades compõe o cenário mais representativo das noticias
e reportagens de violência no período analisado.
TIPOLOGIAS DE VIOLÊNCIA - JORNAL NACIONAL TIPOLOGIAS DE
VIOLÊNCIA - JORNAL DA RECORD
CRIANÇAS E ADOLESCENTES
COTIDIANO 40,1% 33,4%
INSTITUCIONAL
-
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1,6%
CRIANÇAS E ESPORTE
ESPORTE
ADOLESCENTES 1,3%
1,8%
COTIDIANO 2,0%
26,7% TRÁFEGO
26
% RURAL
2,3%
CORRUPÇÃO
4,7%
8,2%
TRÁFEGO
CIDADANIA
11,1%10,2%
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A violência nas manchetes dos telejornais.
Na abertura das noticias, as manchetes nos telejornais possuem uma função estrutural e
clara: destacar de modo sucinto e sintético os principais acontecimentos do dia, funcionando
como uma espécie de resumo, direcionando um primeiro enquadre da matéria. Esta estratégia
particular, expressa também um juízo de valor, de ordem editorial, indicador da importância
atribuída a uma notícia em detrimento de outras, no contexto de uma edição do telejornal .
Comparando as manchetes dos telejornais analisados, em termos desta
hierarquia noticiosa, observamos que os temas relacionados à violência ocupam o segundo
posto em termos de presença nas manchetes dos informativos analisados, sendo ultrapassada
somente pelas manchetes de Economia comparecem com maior freqüência, o que poderia ser
explicado pela coincidência com o ápice da crise econômica de 1998/99.
No Jornal Nacional, por exemplo, de 11 manchetes com conteúdos de violência 8
apresentam imagens. Enquanto expressão do valor da noticia de violência na hierarquia
noticiosa do telejornal, vale citar o caso do dia 03/03/99: Apesar de, esta edição apresentar
o menor tempo de noticias de violência, no conjunto da mostra deste telejornal, curiosamente,
neste dia, elas ocupam o maior número de manchetes: Violência contra crianças e
adolescentes, Violência e corrupção , e Violência e cotidiano (homicídios e assaltos), no Rio e
São Paulo. Comparando com outras manchetes do mesmo informativo, verificamos também
que no Jornal Nacional há uma maior freqüência de manchetes acompanhadas de imagens
quando se trata de noticias de violência, do que quando se referem noticias sobre outros temas
como Economia, Esportes ou Política.
Durante período analisado, as noticias de violência contra crianças e adolescentes
ocupam o maior número das manchetes nas edições diárias do Jornal da Record. Neste
telejornal, as manchetes são lidas pelo locutor, sem serem acompanhadas por imagens em
movimento. Do conjunto de manchetes que compõe a mostra do Jornal da Record, as noticias
de violência surgem como segunda maior freqüência, frente às demais temáticas do telejornal.
Cabe assinalar, por último, a presença, na abertura das matérias de violência dos
telejornais, de uma identificação visual para as noticias de violência - uma espécie de retranca
gráfica criada especialmente para uma temática recorrente e comum nas sucessivas edições
diárias.
Análise do tratamento informativo das noticias de violência nos telejornais.
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Os discursos jornalísticos sobre violência nos telejornais analisados se constroem por
meio de diferentes estratégias narrativas dos sujeitos enunciadores envolvidos na trama. São
diferentes vozes y textos que se manifestam através do discurso direto ou indireto. Além do
repórter ou apresentador - sujeitos de fala visível - apresentam-se outros discursos como das
testemunhas, dos familiares da vitima ou agressor, da policia, da magistratura e, raramente,
dos agressores.
O conjunto destes discursos alicerça a unidade noticia como um relato informativo
constituído por vozes coletivas e não por relatos de indivíduos isolados, projetando uma
determinada representação social da realidade. O ordenamento e a disposição destes discursos
imprimem, por sua vez, um “enquadre”, uma seleção determinada de pontos da realidade
sobre a questão da violência.(Morley, 1976:246) 1071
Integrando direta o indiretamente o relato audiovisual, estes “personagens
sociais” contribuem para tornar mais ou menos verossímil a informação, proporcionando
determinados efeitos de sentido ao acontecimento, uma espécie de orientação normativa útil
ao mesmo tempo para a compreensão do telespectador, para o comportamento dos atores
sociais envolvidos e para representação social dos acontecimentos .
Nos telejornais analisados, através de uma ficha de controle de ocorrência, pudemos
identificar dois tipos de fontes principais que alimentam as noticias de violência. Através da
proposição de instrumentos adequados, a análise qualitativa de noticias especificas nos
permitiu verificar, em termos de freqüência, as principais fontes e cenários recorrentes nas
noticias de violência.
Os agentes policiais são constantemente chamados para declarar sobre o
acontecimento violento ocorrido, o que potencializa um enquadre policial para questão dos
acontecimentos violentos. Dentro destes discursos a violência é concebida como” ruptura da
ordem estabelecida.”Nesta orientação discursiva , a violência é enquadrada como um
enfrentamento da ordem social. Em outras palavras, a violência é representada como uma
anomalia que causa distúrbios à ordem social, e que é algo externo a sociedade por tanto
praticada por indivíduos marginais.
Outro contra ponto discursivo é construído pela recorrência de citações e dados do
governo, ministros de estado e do judiciário, juizes, advogados , procuradores que conferem as
noticias outras representações do acontecimento enquadrando os fatos violentos como” atos
ilegais” e “objeto de tratamento jurídico dentro da lei.”
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Estes dois eixos discursivos baseados na “ordem”(policial) e na “lei”(jurídico) não são
excludentes na medida em que podem estar presentes no mesmo texto e surgir a partir do ato
realizado em um momento especifico e por indivíduos concretos. Nesta perspectiva discursiva
a violência não é um fenômeno relacional pelo contrário ela se explica, a si mesma, como ato
criminal.
“Não sabemos se há armas de fogo no interior da seita , mas a ordem é investigar se o
líder religioso está envolvido com outros crimes.”(JR,03/3). Fonte : delegada de Policia.
“Os últimos dados da Secretaria de Segurança demonstram que São Paulo terminou o
ano com mais assaltos violentos e furtos seguidos de lesão corporal.”(JN 03/3) Fonte:
Secretaria de Segurança Pública de São Paulo.
“Os ferimentos foram produzidos de modo que nos leva a entender que era somente
para intimidar, nas pernas e debaixo do estômago. Segundo a policia o motivo de tanta
violência foi a disputa pelo casarão abandonado no centro do Rio” (JN,04/3). Fonte: delegacia
de policia.
“Este crime está previsto na legislação brasileira e a penalidade está prevista no código
penal”.(JR05/3). Fonte: promotor de justiça.
“Este crime é de homicídio qualificado com ocultação de cadáver . Neste caso a pena
é de no mínimo 30 anos de prisão em regime fechado”(JN, 06/03) Fonte: advogado de
vitimas de violência.
Os discursos dos familiares e testemunhas das vitimas orientam-se também dentro do
enquadre primário dado à questão, na medida em que o tom do relato informativo se
estabelece tanto pelo conteúdo do acontecimento, como pela hierarquia discursiva aportada
na edição da reportagem. Verificamos que estes discursos geralmente se orientam por
freqüentes reivindicações de mais policiamento e maior segurança, mais ordem , mais justiça,
mais leis.
“O que necessitamos é de mais policiamento armado em toda esta região” (JR-10/3) ,
Fonte: testemunha da vitima.
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“Confio na justiça tenho que confiar. Quero que se cumpra exemplarmente a lei” (JN -
06/3), Fonte: mãe de vitima.
“Esperamos uma ação rápida da policia” (JN-03/3), Fonte: filho da vitima.
A análise das noticias de violência protagonizadas pela policia (como o caso do
assassinato de 3 adolescentes, depois de um baile de carnaval na baixada santista) permitiu
observar também que é a própria instituição policial que procura manter a ordem da narrativa,
mesmo quando os policiais são os autores dos atos violentos.
.
“As versões sobre o assassinato dos três adolescentes por policiais são
contraditórias” (JN
05/3). Fonte: Corregedoria da policia de São Paulo.
“O individuo tinha mesmo a intenção de puxar uma arma. Ao fazer este
movimento ele foi
atingido por uma bala disparada por um policial da PM- (JR-08/3). Fonte: Comandante da
Policia
Militar”.
A representação da violência nos noticiários de televisão.
Em síntese, podemos concluir que a policia, os membros do sistema judiciário e os
próprios meios de comunicação conformam a trama discursiva que mais se apresentam nas
noticias de violência dos informativos analisados.
Estes discursos produzem um enquadre noticioso para a temática baseada em dois
eixos: a ruptura da ordem – discurso policial e ilegalidade do ato cometido- não cumprimento
da lei (discurso jurídico).
Estes discursos vetorializam sentidos para narrativa informativa sobre violência, ao
transmitir uma visão parcial, normativa e fechada para o fenômeno da violência,
especialmente nas sociedades latino americanas, imersas em processos de conformação de
identidades sociais, gerando com isso um alarme social frente às demandas de segurança dos
cidadãos. É o discurso da força, do controle de um estado desordem, o que está em questão .A
violência passa então a ser representada como uma substancia e a ação violenta como valor
ocultando o seu caráter relacional.
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Estes vetores discursivos orientam a interpretação dos fatos noticiados a partir de um
postulado de controle mais profundo da vida social (aplicação de pena de morte, cadeiras
elétricas , cadeia perpetua, mais armamentos, mais policiais). Esta vetorialização dos discursos
ocultam também as causas econômicas sociais e conjunturais que produz a violência social na
sociedade brasileira: escravidão e trabalho infantil, extorsão policial, prostituição de crianças
adolescentes, baixa escolaridade das populações rurais, desemprego juvenil, exclusão e
marginalização social, alta taxa de desqualificação profissional e baixa oferta cultural, etc.
A representação social da violência nos informativos de televisão analisados revela
deste modo uma arquitetura descontextualizada, fragmentada e contraditória. A violência é
representada socialmente como um problema de ordem pública, cuja solução depende de
medidas e ações policiais e do poder judiciário através dos tribunais de justiça.
No plano do discurso visual, percebemos que o tratamento informativo oferecido nas
reportagens é mediado por angulações originais, câmaras subjetivas, e o constante uso do som
ambiente, forte fator de verossimilhança e elemento básico da tessitura dramática do
espetáculo de imagens e metáforas de violência nos telejornais.
De outra parte, torna-se evidente a utilização de estratégias narrativas comuns para
representar (“reconstituir”) audiovisualmente os acontecimentos relatados textualmente pela
noticia (um seqüestro, um roubo ou um crime). Tomando de empréstimo formas
características da ficção, os telejornais recorrem à simulação com atores, ou a meios
modernos, como a infografia fixa e animada, empregando e desenvolvendo
o recurso da serialidade discursiva.
Esta serialidade é a capacidade que tem um discurso noticioso de promover a repetição
de um tema explorado de forma recorrente com novas variantes. A repetição possibilita novas
relações associativas e novas formas de interpelar o público. O caráter rotineiro da produção
de noticias para um telejornal diário, que adota os princípios da cadeia de montagem
coincidem com a baixa definição icônica da imagem eletrônica de televisão e são fatores
fundamentais que sustentam as narrativas seriadas.
As reportagens de violência são assim uma mistura de narração e
representação.Narração realizada pela voz em off , a presença da câmera do jornalista ,o uso
de rótulos ou a intervenção de narradores delegados. Representação como em uma obra
teatral, uma posta em cena que recorre a ações dos personagens e a intensidade de imagens
que marcam o discurso jornalístico da televisão, especialmente nos telejornais, servindo-se
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constantemente do fetichismo das manchetes.
Observamos que é através do extraordinário da situação que se estabelece à
comunicação com o público. As imagens de violência participam do processo de comunicação
nos informativos através de uma câmara instável, nas mãos, angulações marcadas e outros
recursos estilísticos de imagem e som (barulho acentuado, sirene de policia ou ambulância,
tonalidade de vozes, dialogo com o telespectador). O temor, o choque e o extraordinário
aliados ao espetáculo dramático, marcado pelos estados extremos do ser, das ambições
primárias e primitivas que habitam os imaginários levados ao plano do comportamento,
representam a antiga simbologia do bem e do mal.
As noticias de violência criam um espetáculo ao dramatizar ou exagerar um
acontecimento e prolonga-lo por imagens na cena mediática diluindo as fronteiras entre
realidade e representação . Tudo são cenários em que dominam a dimensão hiper,
representações repetitivas e familiares em que se banaliza e estetiza a violência dentro de uma
virtualidade em que tudo que é noticia tem que ter imagem: os detalhes pessoais das vitimas,
os objetos que usava, os instrumentos utilizados pelos agressores, o rosto embebido em sangue
. A representação se impõe como referencia imediata e se atualiza nas ofertas de realidade que
o discurso icônico da violência produz e reproduz a cada noite nos noticiários de televisão.
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Posicionando a questão
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