rui@rac.com.br mmarcon@rac.com.br- correio … é uma realidade, a segu-rança hídrica de boa parte...

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“A vida na fazenda se tornaradifícil... No céu azul as últi-mas arribações tinham desa-parecido... Fabiano tomou acuia, desceu a ladeira, enca-minhou-se ao rio seco,achou no bebedouro dos ani-mais um pouco de lama. Ca-vou a areia com as unhas, es-perou que a água marejassee, debruçando-se no chão,bebeu muito” (Vidas Secas,1938, Graciliano Ramos).Os cientificistas atribuem àsmudanças climáticas. Os críti-cos incriminam os gestores egovernantes. Os mais cons-cientes relacionam ao desper-dício da população. Os místi-cos culpam os humores dedeuses e santos. Independen-temente das hipóteses, expli-cações, justificativas e argu-mentos, algo até pouco tem-po impensável para a grandemaioria está posto: a crise hí-drica é uma realidade, a segu-rança hídrica de boa parte dopaís está comprometida.

Muito se questiona comoserá possível se adaptar, con-tornar, “sobreviver” sem aabundância de água com aqual a população do estadosempre foi brindada, hidrata-da. Menor duração do ba-nho, menos perda na cozi-nha... menos desperdício,mais racionalidade, mais ri-gor na fiscalização e na taxa-ção. Entretanto, muito pou-co, ou quase nada, vem sen-do discutido em relação aum aspecto muito mais rele-vante do que as consequên-cias da restrição à lavagemdos automóveis: o impactoda tão alardeada (e inespera-da?) crise hídrica sobre a saú-de pública, sobre os mais di-versos prismas.

Em uma perspectiva maismíope podemos imaginar osriscos à saúde das pessoas,

simplesmente em decorrên-cia do impacto de uma me-nor oferta de água sobre umadas principais medidas deprevenção e controle dedoenças: o hábito da lava-gem de mãos. Sabemos queessa prática figura como efi-ciente meio de prevenção deuma enorme gama de doen-ças: diarreias, conjuntivites,hepatites e gripe. Banhosnão tomados podem se asso-ciar a uma infinidade de afec-ções e infecções dermatológi-cas. Isso sem mencionar aprevenção de infecções hos-pitalares em serviços de saú-de. Some-se a isso as possí-veis consequências das difi-culdades para higienização eprodução de alimentos, comconsequente risco de trans-missão de agentes infeccio-sos e intoxicações alimenta-res, de surtos.

Os problemas, entretanto,transcendem, em muito, o in-dividual. Colocam a popula-ção, como um todo, de prati-camente todo o Estado deSão Paulo, sob risco. A me-nor vazão do rios e a menorcapacidade dos reservatórioslevam a uma maior concen-tração de poluentes na águaa ser tratada para que entãopossa vir a ser distribuída emcada ávida torneira. Nesse

contexto, falhas ou limita-ções nos processos de trata-mento de água poderiam tra-zer efeitos de magnitude in-calculável.

Alguns chamam de racio-namento, outros de rodízio.Independentemente da deno-minação, a diminuição (sejafugaz, prolongada ou dura-doura) da oferta de água jávem mobilizando inúmeraspessoas, famílias, bairros, se-tores diversos das cidades abuscar fontes alternativas do,cada vez mais, precioso líqui-do na esperança de veremsuas necessidades básicas mi-nimamente atendidas. Maisdo que justo, totalmente com-preensível. Muito, muitopreocupante, entretanto. Aeventual utilização de águaimprópria para consumo hu-mano, coletada a partir deminas ou adquirida a partirde caminhões-pipa que co-mercializam o produto semregulação ou fiscalização, po-de vir a expor as pessoas ainúmeros vírus, bactérias,protozoários e vários outroscontaminantes, como metaispesados e outras substânciasquímicas potencialmente no-civas à saúde. Gastroenteri-tes, hepatite, intoxicações e,até mesmo, envenenamentosão algumas das potenciais

consequências.Mais. A intermitência do

provimento de água pode vira culminar com surtos e epi-demias, além das diarreias,de doenças (muito) bem co-nhecidas como a dengue edo “novato” chikungunya.Mas como, se a chuva nãoveio, “teima” em não vir? Le-do engano daqueles que sem-pre acharam que o Aedes de-pende da água das chuvas. Aestocagem antrópica, volun-tária, programada, de águaem reservatórios artificiais eimpróprios para armazena-mento (baldes, tambores, cai-xas de água e outros tantossem proteção, sem tela, semtampa) pode vir a criar verda-deiras “maternidades” domosquito. Além disso, as ele-vadas temperaturas poten-cializam, em muito, as fun-ções biológicas do vetor, suacapacidade reprodutiva ecompetência vetorial. Se osnúmeros de casos de denguenas últimas epidemias não fo-ram suficientes para demons-trar o quão insuficientes po-dem vir a ser as estratégias vi-gentes e utilizadas para ocontrole do Aedes, o “debu-tante” chikungunya poderádemonstrar o quão impres-cindível é a participação dasociedade, de cada família,de cada indivíduo no comba-te ao vetor. A população de-ve, de uma vez por todas,compreender que é um dos“acionistas majoritários” naluta contra a dengue e quesua participação não podeser mais opcional, é um atode cidadania.

Em uma nova era, de glo-balização de agentes infeccio-sos e vetores e dos extremosclimáticos, mais do que nun-ca, o mundo deverá incorpo-rar o conceito de que da saú-de do ambiente dependerá,cada vez mais, a saúde da hu-manidade.

Finalizadas as eleições, cabeuma análise deste momentohistórico. Sim histórico. Sem-pre é bom lembrar que vive-mos em uma democracia,com eleições livres e liberda-de de expressão.

Somos uma nação jovem,com pequenos períodos inter-calados de democracia. Apóso término da ditadura militar,em 1985, esta é a sétima elei-ção direta para Presidente daRepública. As instabilidadesnas campanhas eleitorais notocante às acusações pes-soais, a falta de clareza naspropostas, a pouca profundi-dade ou a ausência de discus-são de temas relevantes, se de-

vem à tenra infância que vivenossa democracia. Não que is-so justifique os erros dos can-didatos. Não, de forma algu-ma. Mas serve para com-preendermos melhor nossodesenvolvimento como socie-dade.

Sob o aspecto eleitoral tive-mos nesta campanha o efeti-vo uso da internet para propa-ganda eleitoral oficial dos can-didatos e também para mani-

festações políticas dos eleito-res por meio de sites, blogs,Facebook e Twitter. Dada ainadiável necessidade de dimi-nuição dos custos de campa-nha, temos na internet o futu-ro da propaganda eleitoral, aolado do rádio e TV, eliminan-do-se propagandas em papel,bonecos, cavaletes e faixas,para o bem do trânsito de veí-culos e do meio ambiente.

Vimos também o lado ne-

gativo do uso da internet pormeio da propagação de calú-nias e difamações aos candi-datos e também de discursosde ódio após as eleições, pormeio de mensagens separatis-tas e preconceituosas contrao Norte e Nordeste do país.

Importante registrar queas manifestações da internetsão passíveis de sanções civise criminais e cabe a cada cida-dão se manifestar com maturi-dade e responsabilidade. Ca-be, também aos candidatos,uma reflexão para que pos-sam analisar até que ponto in-centivaram as manifestaçõespreconceituosas da popula-ção.

Passadas as eleições te-mos agora que pensar no futu-ro de nosso país, com a popu-lação unida em torno do bemcomum, deixando de lado odiscurso de “nós e eles”. Queesta eleição presidencial tãoacirrada possa despertar napopulação o pleno exercícioda cidadania, acompanhandoe fiscalizando os candidatoseleitos, em todas as esferas,para que nas próximas elei-ções possamos discutir pro-postas voltadas ao futuro dopaís.

Opinião

Causa-me sempre uma certapreocupação quando surgempropostas de reformas, nocampo penal, que passeiamou pela lassidão ou pelo rigo-rismo jurídicos. Tais qualifica-tivos acabam por influenciarnão só o debate na escolhadas condutas que devem serpenalizadas ou não, mas, so-bretudo, terminam por empo-brecer esse mesmo debate aorestringirem à questão damaior ou menor severidadena repressão das condutas játipificadas penalmente. E, oque é pior, ocultam, no deba-te, o fato de que a aplicaçãode uma pena, baseada numalei laxista ou rigorosa, é sem-pre modulada prudencial-mente pelo juiz no caso con-creto.

É uma simplificação bemgrosseira de uma área tão sen-sível para a sociedade como odireito penal que, de uns tem-pos para cá, anda pela mar-cha e contramarcha do popu-lismo penal: basta surgir umatragédia social ou alguma figu-ra de destaque ser vítima deum crime mais grave que nos-so legislador corre pronta-mente para recrudescer as pe-nas para o delito que motivoua comoção social. Então, nos-so mesmo legislador dá-sepor satisfeito e, depois, cobraa conta no período eleitoral.

O direito penal, visto só pe-la lassidão ou só pelo rigoris-mo, é um direito que se trans-forma numa espécie de con-junto de garantias formais,ocas e assépticas, fechado à to-talidade do mundo e esvazia-do de valoração objetiva. É pre-ciso restabelecer uma metódi-ca mais dialética e menos radi-cal e buscar o primado da ra-cionalidade no discurso penal.

Existe um fato verídico queilustra bem essa ideia. Segun-do Peyrefitte, no começo doterrível inverno de 1942, du-rante a Segunda Guerra Mun-dial, soldados finlandeses, noistmo da Carélia, observavamo fogo da floresta de Raikkola,onde estava concentrada a ar-tilharia soviética, formada porhomens, cavalos e canhões.Assustados, muitos cavaloscorreram para atirar-se no la-go Ládoga para escapar do fo-go intenso: tentaram nadaraté a outra margem com a ca-beça empinada fora d’água,cheios de frio e de medo. Subi-tamente, como o ruído secode um cristal que se parte, aágua que os protegia do fogoenregelou e, assim, eles fica-ram aprisionados. Pela ma-nhã, na floresta calcinada, ossoldados finlandeses pude-ram contemplar, ao longo dolago, centenas e centenas decabeças de cavalos, com seuscorpos cobertos com umamortalha branca-azulada.

Nosso pensador francês ex-

trai dessa imagem chocante osímbolo “de um mal mais per-manente”, consistente “nomaniqueísmo, na inversãodialética, a vertigem do tudoou nada, do branco ao ne-gro”. Aterrorizados pelo riscoda morte pelo fogo, os cava-los precipitaram-se a apresar-se numa parede de gelo. Con-tudo, entre o inferno do bra-seiro e o inferno da banquisa,havia uma terceira opção:“lançar-se em fila ao longo damargem, galopando sobre aareia, quando o incêndio nãoameaçasse, e molhando oscascos no lago, se as chamasavançassem”.

No afã de evitar a morte pe-lo fogo, os cavalos russos pro-vocaram a morte pelo gelo,pois o calor corporal solidifi-cou a água do lago que, na al-vorada seguinte, mais se pare-cia com um cemitério de ani-mais, lá jacentes como símbo-lo da irracionalidade de seusmovimentos. Nesse episódio,a “metódica dialética” do des-locamento equino estava emsaber temperar ora estar nofogo, ora na água, no brevetempo que uma e outra situa-ção não levariam à morte. Eessa metódica, que desembo-cava numa mediedade real,demandava, por certo, umacerta racionalidade também.

No direito penal, é precisoabandonar as duas posiçõesextremadas, porque, a medie-dade justa situa-se entre doiserros, uma deficiência e umexcesso. O direito não é mate-mática e, por isso, não existeum modelo penalístico “geo-métrico” para indicar, comexatidão, a mediedade do jus-to concreto. Há princípios,conclusões adequadas, leis e,ao mesmo tempo, há tam-bém singularidades fáticas,circunstâncias e exceçõesque, por envolverem uma ta-refa de manejo típica do juiz,permitem concluir que a me-diedade no campo penal sópode ser encontrada judicia-riamente.

Por isso, se a norma penal,lassiva ou rigorista, é condi-ção necessária para o ofício ju-dicial, por outro lado, ela nãoé a condição suficiente para otrabalho de determinação damediedade penal, porque aomagistrado compete a impor-tante função de mitigar as de-ficiências e moderar os rigo-res da normativa penal. Vistodessa forma, o direito penalsupera os reducionismos dasduas posturas antípodas e ga-nha em magnitude e eficáciasociais. Com respeito à diver-gência, é o que penso.

Internet no processo eleitoral

Maniqueísmopenal?

TECNOLOGIA

Editor: Rui Motta rui@rac.com.br - Editora-assistente: Marcia Marcon mmarcon@rac.com.br - Correio do Leitor leitor@rac.com.br

andréfernandes

Crise hídrica e saúde públicaRODRIGO

ANGERAMI

■ ■ Rodrigo Angerami émédico-infectologista

PETER

PANUTTO

■ ■ André Gonçalves Fernandes é juiz dedireito, mestre em filosofia e história daeducação, pesquisador,professor, coordenador do IFE Campinas emembro da Academia Campinense deLetras (fernandes.agf@hotmail.com)

PREVENÇÃO

■ ■ Prof. Me. Peter Panutto é diretor daFaculdade de Direito da PUC-Campinas eespecialista em direito eleitoral

“Temos sido bastante cobrados para buscar devolta aquilo que pagamos alémdo normal”Graça Foster, presidente da Petrobras, ao admitir que sabia do pagamento de propina por empresa holandesa.

dalcio

opiniao@rac.com.br

A2 CORREIO POPULARA2Campinas, quarta-feira, 19 de novembro de 2014

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